questões fundamentais da filosofia grega

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Síntese, Belo Horizonte, v. 34, n. 110, 2007 42 5 Síntese - Rev. de Filosofia V. 34 N . 110 (2007): 425-426 r ecen s ões O interesse pela História da Filosofia, tradicionalmente constitutivo da forma- ção filosófica, justifica-se sob diversos ângulos, embora seja hoje muitas ve- zes contestado no que concerne à sua relevância para a atualidade do filoso- far, em sua tarefa de pensar e compre- ender os problemas urgentes de um tempo que, em suas configurações fun- damentais, abre um cenário aparente- mente sem precedentes no itinerário histórico e espiritual que moldou o Ocidente moderno. De acordo com tal contestação, a História da Filosofia, quando muito, teria um interesse me- ramente arqueológico, sem incidência direta nos embates da razão filosófica com seus desafios presentes. Porém, esta posição peca por descon- siderar o potencial de interpelação qu e a rememoração das experiências epocais do espírito, conduzida como autêntica Erinnerung no sentido hegeliano, tem para a compreensão dos problemas atuais, e, por conseguinte, para a busca dos caminhos viáveis de seu enfrentamento. Pretender instalar- se numa espécie de grau zero do filo- sofar é, por um lado, fechar-se na in- consciência das determinações históri- cas atuantes no exercício atual da ra- zão, e, por outro, recusar um promis- sor diálogo reflexivo com as opções que a Erinnerung histórico-filosófica descortina a uma razão aberta à sua própria tradição. Sob este prisma, a boa formação em História da Filosofia sempre merecerá ser considerada a verdadeira espinha dorsal da inteligência filosófica que se compromete com a reflexão e interpre- tação do tempo presente. É por este motivo que se deve elogiar a publica- ção pelas Edições Loyola do recente livro de Miguel Spinelli, Questões Fun- damentais da Filosofia Grega . Profes- sor de História da Filosofia Antiga do Departamento de Filosofia da Univer- sidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Spinelli oferece-nos em seu livro um panorama rico, confiável e inspirador da filosofia antiga. Através dos seis capítulos que com- põem sua obra, o autor discorre sobre as questões fundamentais relativas à cosmologia, à ética, à dialética, à teoria do conhecimento e à metafísica, exibin- do um domínio abrangente e seguro das fontes primárias da filosofia anti- ga, bem como da literatura especializa- da correspondente. A discussão dessas questões no livro de Miguel Spinelli ul- trapassa o nível em que elas são SPINELLI, Miguel. Questões Fundamentais da Filosofia Grega. São Paulo: Edições Loyola, 2006, 376 p. ISBN: 85-15-03432-8

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Síntese, Belo Horizonte, v. 34, n. 110, 2007 425

Síntese - Rev. de Filosofia

V. 34 N . 110 (2007): 425-426

r e c e n s õ e s

O interesse pela História da Filosofia,tradicionalmente constitutivo da forma-ção filosófica, justifica-se sob diversosângulos, embora seja hoje muitas ve-zes contestado no que concerne à suarelevância para a atualidade do filoso-far, em sua tarefa de pensar e compre-

ender os problemas urgentes de umtemp o que, em suas configurações fun -damentais, abre um cenário aparente-mente sem precedentes no itineráriohistórico e espiritual que moldou oOcidente moderno. De acordo com talcontestação, a História da Filosofia,quando muito, teria um interesse me-ramente arqueológico, sem incidênciadireta nos embates da razão filosófica

com seus desafios presentes.Porém, esta posição peca por descon-siderar o potencial de interpelação qu ea rememoração das exper iênc iasepocais do espírito, conduzida comoautênt ica Erinnerung no sent idohegeliano, tem para a compreensão dosproblemas atuais, e, por conseguinte,para a busca dos caminhos viáveis deseu enfrentamento. Pretender instalar-se numa espécie de grau zero do filo-sofar é, por um lado, fechar-se na in-consciência das determinações históri-

cas atuantes no exercício atual da ra-zão, e, por outro, recusar um promis-sor d iálogo reflexivo com as opções quea Erinnerung histórico-filosóficadescortina a uma razão aberta à suaprópria tradição.

Sob este prisma, a boa formação emHistória da Filosofia sempre mereceráser considerada a verdadeira espinhadorsal da inteligência filosófica que se

compromete com a reflexão e interpre-tação do tempo presente. É por estemotivo que se deve elogiar a publica-ção pelas Edições Loyola do recentelivro de Miguel Spinelli, Questões Fun-

damentais da Filosofia Grega. Profes-sor de História da Filosofia Antiga doDepartamento de Filosofia da Univer-sidade Federal de Santa Maria, RioGrande do Sul, Spinelli oferece-nos emseu livro um panorama rico, confiável

e inspirador da filosofia antiga.

Através dos seis capítulos que com-põem sua obra, o au tor d iscorre sobreas questões fundamentais relativas àcosmologia, à ética, à d ialética, à teor iado conhecimento e à metafísica, exibin-do um domínio abrangente e segurodas fontes primárias da filosofia anti-ga, bem como da literatu ra especializa-da correspondente. A discussão dessasquestões no livro de Miguel Spinelli ul-t rapassa o nível em que elas são

SPINELLI, Miguel. Questões Fund amentais daFilosofia Grega. São Paulo: Edições Loyola,2006, 376 p. ISBN: 85-15-03432-8

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costumeiramente apresentadas nas boasobras de síntese disponíveis no Brasil.Descendo à raiz dos problemas abor-dados, ela faz aparecer o seu sentidoprofundo, e é justamente esta a maiorcontribuição da obra: se a formaçãohistórico-filosófica constitui a espinhadorsal da mente fi losofante, entãoMiguel Spinelli contribui para dar-lhesolidez e boa postura, ao ultrapassar oplano da generalidade e atingir a pre-cisão e o foco que são prerrogativas dobom especialista.

Spinelli consegue dar a seu livro o tomde uma verdadeira aula, ao entremear

a exposição das questões fundamentaiscom reflexões pessoais sobre pontossecundários, temperando a austerida-de de uma apresentação rigorosamen-te conduzida com a informalidade decomentários paralelos saborosos, o quecontribui para tornar agrad ável a leitu-ra de seu texto. Consegue também atin-gir um alcance ampliado p ara sua obrano qu e concerne ao seu uso acadêm ico:além do contingente dedicado à pes-quisa, que tem em mãos uma obraconfiável (em que pese a estimulantepossibilidade de divergências quanto adeterminadas posições assumidas p eloautor), os professores encontrarão nelabom m aterial para o trabalho cotidianodo ensino da filosofia, como também oaluno simplesmente interessado emaprofundar seu conhecimento da filo-sofia antiga encontrará um acesso ge-

nerosamente preparad o sob a forma d enotícias biográficas, esclarecimentosterminológicos e conceituais básicos,informações sobre o contexto históri-co-cultural e social, e digressões secun-dárias imp ortantes para compor o qua-dro de compreensão mais amplo quevem dar sentido aos assuntos e ques-tões tratados.

Contudo, o livro do professor Spinellioferece ainda mais do que se poderia

antecipar por seu título. Para além deum tratamento teórico e especializadodas questões fundamentais do pensa-mento grego, o que o leitor tambémencontra no texto fluente e agradáveldo autor é um quadro vívido d a pró-pria natureza do filosofar, em seuenraizamento na cultura grega e nascondições históricas em qu e ele se deu.Demonstrando a segura intimidadeque só a freqüentação paciente e apai-xonada d os textos que constituem umdeterminado campo do saber podecriar, Spinelli conduz o leitor a umverdad eiro passeio pelo ambiente hu -mano em que a filosofia grega foi pra-

ticada, reconstituindo a conexão vitalque enlaçava a razão filosófica ao seumundo. A esse respeito, os capítulosdedicados ao éros do filosofar e à re-lação de Sócrates com a filosofia e comseu daimónion são particularmenteesclarecedores. Numa época como anossa, em que a filosofia tende para-doxalmente a se reduzir a um ofíciode exegese especializada, a rememo-

ração de su a d imensão existencial ori-ginária é não apenas enriquecedora,mas na verd ade ind ispensável para seesconjurar o risco da irrelevância, quepaira sobre u ma a titud e filosófica que,encerrada em si mesma, perde o vín-culo com o mundo da vida. Talvezhoje, mais do que em outras épocas,esse vínculo — tão problemático quan-to imp rescind ível — necessite ser pre-

servado e explicitado com clareza. Oexemplo dos pensadores gregos apa-rece como verdadeira inspiração dian-te dessa tarefa. O livro do professorMiguel Spinelli incentiva-nos a assu-mi-la.

Marco Heleno Barreto

FAJE — BH

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