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IfDreves cons iderações sobre a proíeírioterápta

((L/ Bservcrções p e s s o a i s )

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t i p o g r a f i a ^jÇarcjueo ï t gamões, 53 J>ôrto

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Francisco ^osê por ta l e Jailed

jprêves considerações

sobre a proíeírioterapía ( ( ( J b s e r v a ç õ e s p e s s o a i s )

T R A B A L H O DA 2.A CLÍNICA CIRÚRGICA

^tíese &e doutoramento

apresentada à

j^aculbaoe oe "^eoicina oo ^ô r to

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faculdade de medicina do Porto

DIRECTOR IRIEEIHO - Prof. loan Lapes fia Sllua Martins Junior SECRBTRRID IKIERINO - PPOI. Carlos Faria Moreira E a i a m a i

P R O F E S S O R E S O R D I N Á R I O S

Anatomia descritiva . . . . Prof. Dr. Joaquim Alberto Pires de Lima. Histologia e embriologia . . Prof. Dr. Abel de Lima Salazar. Fisiologia Vaga Farmacologia Prof. Dr. Augusto Henriques de Almeida Brandão. Patologia geral Prof. Dr. Alberto Pereira Pinto de Aguiar. Anatomia patológica. . . . Prof. Dr. Antonio Joaquim de Souza Junior. Bacteriologia e Parasitologia. Prof. Dr. Carlos Faria Moreira Ramalhão. Higiene e Epidemilogia . . Prof. Dr. João Lopes da Silva Martins Junior. Medicina legal Prof. Dr. Manuel Lourenço Qomes. Anatomia topográfica e medi­

cina operatória . . . . Vaga Patologia cirúrgica . . . . Prof. Dr. Carlos Alberto de Lima. Clinica cirúrgica Prof. Dr. Álvaro Teixeira Bastos. Patologia medica e clinica de

moléstias infecciosas . . Prof. Dr. Alfredo da Rocha Pereira. Clinica medica Prof. Dr. Tiago Augusto de Almeida. Terapêutica geral e hidrolo­

gia médica Prof. Dr. José Alfredo Mendes de Magalhães. Clinica obstétrica Vaga Historia da Medicina e Deon­

tologia Prof. Dr. Maximiano Augusto de Oliveira Lemos. Dermatologia e sifiligrafia . Prof. Dr. Luiz de Freitas Viegas. Psiquiatria Prof. Dr. Antonio de Souza Magalhães e Lemos. Pediatria Prof. Dr. Antonio de Almeida Oarrett.

P R O F E S S O R J U B I L A D O

Pedro Augusto Dias, lente catedrático.

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A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação. Art. 15.° § 2." do Regulamento Privativo da Faculdade de

Medicina do Porto, de 3 de Janeiro de 1920.

,

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J^ meus l^ats

^ minlja ambição, realizou-a o eosso amparo com,tante.

(gratíoão e respeito.

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èf\ mingas irmãs e irmãos

Josefina ^ a r i a ^ e n j a m i m Julio

^ minlja gvan&e «entura é sentir a «ossa alegria.

^ meus cangaços

J^rmanbo (^uimarães

@«m um abrace ie granee afeição.

èj\ meus sobrinhos

^ a r i a ^zabe l jf^negilòo

"Cím beijo.

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^ meus ^ i o s e ^ i a s

em especial a metis ^gios e ^a&Hnljes

'Jj^aria ^osé por ta l e ^ i loa Justino por ta l

^tniza&e sincera.

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<j\os meus condiscípulos

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jf̂ c ^x."1 0 professor

j^)r. ^lociro peixeira f a s t o s

pveeicêncta £>a mtnlja teec e o muito que COB eetjo como otactpulo, assistente e amigo-

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<f{p (gonseUjo ba ^aculbabe be ^eb ic ina bo "^ôrto

gí gra&eceuàe a Vjsnra peu^erante be me ter «o-tnea&o seu I o assistente.

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PREFÁCIO

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A observação de um caso grave de infecção estre-ptococica que o Snr. Prof, de 2." Clínica Cirúrgica me entregou com a indicação de praticar choques coloi-doclasicos, por injecções endovenosas de peptona, e o conhecimento de casos recentemente relatados por Nolf e Widal, neste ramo da terapêutica moderna, incita-ram-me a continuar o seu estudo e a fazer desse tra­balho a minha tese de doutoramento.

Sendo um dos mais recentes métodos de que a medicação leucógénea tem aproveitado, e ainda pobre a sua bibliografia, não deve deixar de ter interesse a citação de casos em que este processo se revelou um tão poderoso excitante da hematopoiése, e consequen­temente de tão grande valia na terapêutica anti-infe-cciosa. Muito embora já na Faculdade de Medicina do

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Porto, o Dr. Carlos Leite tenha dissertado sobre «As injecções endovenosas de peptona no tifo exantemático», o meu trabalho inaugural, abrangendo o pequeno nú­mero de casos que consegui agrupar, levou-me ao con­vencimento do seu grande valor, como termina Edmond Lévy em resumo das suas conclusões.

Inicio o meu trabalho por um rápido estudo ana­lítico da terapêutica anti-infecciosa e das soluções coloi­dais, precedendo o das coloidoclasias, com o resumo das suas indicações e contra-indicações, e a observação detalhada das doentes em que o choque foi provocado com fim terapêutico. No capítulo seguinte, discussão dos casos, apresento-as num estudo comparativo de con­junto, e encerro a minha dissertação, enumerando as conclusões sugeridas no decorrer das minhas observações.

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Duas palavras sobre a terapêutica das infecções

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Tem sido vasto campo de experimentação labora­torial e clínica, o estudo das moléstias infecciosas, e a sua terapêutica e profilaxia inspiram-se na minuciosa observação das suas particularidades sintomáticas e pesquizas experimentais. As ideias teóricas, tantas vezes falsas, com que os antigos médicos definiam a infecção e o contágio, explicam e justificam o emprego dalgumas substâncias medicamentosas que a tradição nos legou e cujos resultados e eficácia, estabelecidos experimentalmente, no homem e nos animais, são a razão do empirismo que dirige a nossa conduta.

A marcha seguida nas investigações modernas, é realizada em sentido inverso, e começa sempre por estudos sobre a acção tóxica e farmacodinámica dos medicamentos, que mais tarde serão usados com fim

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terapêutico. A evolução natural das infecções e a observação das reacções com que o organismo tenta destruir ou expulsar o agente infeccioso, ou neutra­lizar e eliminar as suas toxinas, resumem a história da terapêutica e dirigem os processos variados de que podemos lançar mão, para auxiliar os meios de que a natureza dispõe. Actuar directamente sobre a causa animada da infecção é fazer medicação etiológica, que a antisépsia representa ; fazer medicação fisiológica ou patogénica é neutralizar os venenos bacterianos com que o gérmen infeccioso actua sobre o organismo. A primeira destas medicações, possuindo meios de destruir os agentes infecciosos, realizando a antisépsia ou asépsia, e utilizando a medicação específica e os métodos que se propõem abortar uma infecção, no seu início, é representada ainda, pelos soros bactéri-cidas que destroem os micróbios patogénieos, man­tendo a sua especificidade.

Não sendo o micróbio causa suficiente da doença infecciosa, combatendo o clínico as causas adjuvantes 0u predisponentes, que permitem, mantêm, ou agra­vam a infecção, faz ainda medicação etiológica: o regimen, a dietética e a higiene, se bem que não sejam dirigidas contra a causa eficiente, não deixam de dever ser consideradas como medicação etiológica. Mas é sobretudo pelas suas toxinas, que as bactérias actuam no organismo e o fim da medicação pato-

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génica ou fisiológica, é a luta contra estas toxinas microbianas.

Mais importantes que os soros bactéricidas, sâo os soros de que nos servimos contra uma infecção, fazendo simultaneamente medicação patogénica e fisio­lógica : patogénica, porque combatemos a acção causal : fisiológica, porque nos inspiramos nas reacções orgâ­nicas do doente.

Para lutar contra a toxina diftérica o organismo segrega uma anti-toxina, e o clínico, injectando soro anti-diftérico, entrava a intoxicação bacteriana, fazendo simultaneamente, medicação patogénica e fisiológica. São muito diferentes as indicações dos variados pro­cessos terapêuticos e de muito complexos efeitos a eliminação das toxinas ; a sangria, a lavagem do estô­mago e intestinos, os purgantes, sodoríferos e os diuréticos, a balneoterápia, estimulando as reacções gerais do organismo, favorecem a eliminação das toxinas e dos micróbios, pela excitação das funções do rim, tubo digestivo e da pele. São já de velha data, os métodos flogístico e anti-inflamatório com que se activam ou moderam, segundo as indicações, as flogoses.

São as aplicações quentes, as cauterisações, as escarificações, ou, pelo contrário, as depleções sanguí­neas, os refrigerantes ou os vaso-constrictores, que satisfazem estas indicações.

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Contudo, as reacções orgânicas não devem ser combatidas ou estimuladas, sistematicamente, e o fim da terapêutica, é, sobretudo, vigiá-las e dirigi-las. Quando a gravidade de acidentes ameaça a vida, ou quando a intensidade dum sintoma, prejudica o doente, como as grandes temperaturas que caquétisam o tuber­culoso, a terapêutica sintomática está perfeitamente justificada. Esta medicação dos sintomas, racional quando se prescreve o ópio contra a tosse, a atropina contra os suores, os analgésicos contra as dores etc., representa, quando tratamos um sintoma porque não conhecemos o seu mecanismo ou investigamos a causa, uma confissão da nossa impotência.

E, ainda, no caso da hipertermia, a maior parte dos febrífugos introduzidos em terapêutica, retardam as oxidações e são duma influência desfavorável, para o organismo. Dentre todos, a balneação fria, aumen­tando o desperdício de calórico, completando a obra de defesa iniciada pela economia, é o mais racional e é considerado por Roger como medicação fisiológica. Todos estes métodos e processos terapêuticos, inspira­dos na observação clínica e trabalhos laboratoriais, acompanharam a evolução do estudo das doenças infecciosas, desde as concepções duvidosas dos antigos, até aos dados positivos da bacteriologia moderna. Reconheceu-se a inexactidão dalguns factos e a insu­ficiência da simples observação clínica; conseguiu-se

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isolar e cultivar os agentes patogénicos, e fazer variar, à nossa vontade, as suas propriedades e os seus caracteres.

Uma análise mais perfeita, mostrou a importância das secreções microbianas, e, em face delas, não tardou a descoberta dos antídotos. Era o início da era anti-séptica: auxiliando a clínica com a análise perfeita das observações laboratoriais, classificam-se, isolam-se e reconhecem-se os tipos mórbidos, e conciliando e completando, reciprocamente, estes dois grandes mé­todos, proseguiu-se no estudo das infecções, até ao conhecimento que hoje temos da doença, e das modi­ficações por ela impostas ao organismo.

Nasceu a história da predisposição e da imunidade e estabeleceram-se as regras do diagnóstico, do pro­gnóstico e do tratamento.

A continuação destes trabalhos e o estudo das reacções orgânicas, levado por uma análise completa, até a observação dos fenómenos humorais, demonstrou o papel importante que os leucócitos desempenham, na defesa do organismo; e, nos meios terapêuticos habituais, entraram os processos que procuram aumen­tar a leucocitose, para favorecer ou auxiliar a cura. A leucoterápia, ou medicação leucogénea de Audain, é realizada correntemente, no tratamento das infe­cções. Dos meios que tem ao seu alcance, os coloidais não actuam como antisépticos, mas excitando a função

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leucócitaria, do mesmo modo que o nucleínato de sódio, que Chantemesse ensaiou com o mesmo fim. De todos os métodos de que a medicação leucogénea tem lançado mão, a proteinoterápia, sendo um dos mais recentes, é, sem dúvida, o mais interessante e o que tem sido objecto do menor número de investiga­ções. O seu estudo tem sido origem de alguns traba­lhos modernos e o seu valor comprovado por quási todos os observadores. É o assunto da minha tese de doutoramento, que, não tem a pretenção de escalar os limites dum pequeno trabalho de contribuição.

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Breves considerações sobre os metais coloidais e a sua acção terapêutica

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Desde que Graham, em 1862, observou que alguns corpos davam na água soluções opalescentes e que não dializavam através duma membrana animal, consideraram-se estas substâncias que se não dissol­viam e se mantinham em suspensão na água sob a forma de pseudo-soluções, como formando um grupo que designou de coloides, em virtude da sua analogia de propriedades físicas com as colas animais, a gela­tina, a goma arábica, etc., eem oposição às substân­cias que, como os açúcares, dão soluções claras e transparentes e, neste estado, atravessam a membrana do dializador. A continuação deste estudo mostrou que o primitivo grupo dos coloides de Oraham, não devia compreender apenas as substâncias orgânicas que considerava, mas ainda substâncias minerais, como

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a alumina e a silica etc., que embora possam ser obtidas no estado cristalino, se conseguem obter sob a forma de pseudo-soluções e por consequência no estado coloidal. Ainda depois, chegou-se a estabelecer que corpos insolúveis na água em condições ordiná­rias como a prata, o enxofre e a maioria dos metais podiam, da mesma maneira, ser obtidos no estado de soluções coloidais; os coloides e os cristalóides de Graham, perfeitamente distintos por uma propriedade fundamental, deram logar a estados cristalóide e coloide, este último formado pelas substâncias que Graham chamava coloides e ainda por muitas das que considerava como cristalóides. Estas soluções coloidais que são de facto verdadeiras suspensões ou pseudo--soluções formadas com os líquidos, são constituídas por um enormíssimo número de partículas inapre­ciáveis na pesquiza microscópica, visíveis unicamente na ultramicroscopia e agitadas por um movimento especial que desde 1827 é conhecido sob o nome de browniano, por ter sido, pela primeira vez, assinalado nas partículas microscópicas do protoplasma das célu­las vegetais, pelo botânico Brown. Estes movimentos segundo a teoria cinética dos fluidos, representam choques das moléculas, extremamente móveis do sol­vente, e não tem relação com a natureza do corpo dissolvido. Além das diferenças apontadas, as soluções coloidais distinguem-se das verdadeiras soluções, por

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quasi todas as suas propriedades. Realizam a difusão da luz, e na sua maioria, são límpidas por transparên­cia e turvas à luz reflectida; as pseudo-soluções dos metais coloidais possuem uma coloração, dependente do próprio metal e de factores determinados pelos métodos de preparação ; os grãos contidos nas pseudo--soluções apresentam cargas eléctricas, variáveis em intensidade e sinal, duns para outros.

Uma das suas principais propriedades é o poder catalítico, proporcional ao número e pequenez dos grãos; podem além disto, sem qualquer proporção reagir uns sobre os outros, para se unirem ou preci­pitarem segundo o seu sinal eléctrico, dando comple­xos coloidais, da mesma maneira que os coloides do organismo e os coloides vindos do exterior, formam complexos coloidais que se manifestam, quer por um aumento de oxidações intra-orgânicas, quer por um exagero da função anti-tóxica, quer por uma elevação das trocas nutritivas ou ainda por uma hiperfunção das eliminações.

* * *

São dois os métodos principais para a preparação das soluções coloidais : o método químico, utilisando--se das reacções múltiplas de dupla decomposição, redução, hidrolise, etc., e o método físico, usando as

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radiações luminosas, o calor e a electricidade. Entre os métodos físicos, que tem a vantagem de dar solu­ções puras, os mais importantes são os métodos eléctricos, cujos princípios, devidos a Bredig e Sved-berg, consistem no emprego, respectivamente, do arco eléctrico ou das correntes oscilatórias e de alta frequência. São sobretudo os coloides preparados pelo método eléctrico que mais interessam o clínico.

Crédé foi o primeiro que, na Alemanha, em 1897, se ocupou do estudo da prata coloidal, e, depois dele, Netter, levou à Academia de Medicina de França, em 1902, um interessante estudo sobre este assunto, baseado num grande número de factos.

Só mais tarde é que Albert Robin e Bardet ini­ciaram os seus estudos sobre os coloides eléctricos. Os coloides metálicos, obtidos pelos métodos quími­cos, apresentam variedades de constituição tais, que dão resultados muito diferentes, não somente segundo a sua proveniência, como ainda segundo a data da sua fabricação (Henri Iscovesco).

Victor Henri e seus colaboradores, mostram mais tarde a possibilidade de se obter coloides eléctro--metálicos, estáveis, de concentração rigorosa, esteri-lisáveis e sempre isotónicos.

Começaram então os estudos, sobre os coloides eléctricos, debaixo do ponto de vista terapêutico. Victor Henri, iniciando as suas primeiras experiências,

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in vitro, da acção dos metais coloidais em presença de culturas microbianas, conclue que, a prata coloidal de finos grãos exerce uma acção mais enérgica do que a prata de grossos grãos, dizendo que a acção sobre os micróbios é devida à prata coloidal e não à prata dissolvida. O contacto da prata coloidal com o pneumococo, modifíca-o de tal maneira, que este agente não mais se cora pelo Qram. Da mesma maneira, diversos autores publicaram interessantes trabalhos mostrando como esta substância prejudica, extraordinariamente a pululação do bacilo piociánico.

Praticando inoculações, os resultados variam muito com a virulência do gérmen inoculado. Assim, quando os ratos testemunhas sucumbem em 16 ou 18 horas, os que são tratados sucumbem igualmente, mas de ordinário, oferecem uma ligeira sobrevivência.

Á medida qua se vai enfraquecendo a actividade do pneumococo injectado, o animal sobrevive durante mais tempo. É assim que, quando as testemunhas resistem durante 30, 40, ou mais horas, muitas vezes os animais que recebem a prata coloidal não morrem. Daqui resulta, que a prata coloidal de pequenos grãos é eminentemente bactericida, a partir do momento em que os caldos contêm Vsoooo de prata, a cultura é estéril, e abaixo desta dose, a evolução é atrazada e modificada (Charrin).

Monier-Vinard e Victor Henri, estudaram a acção

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fisiológica da prata coloidal, depois duma injecção endovenosa de 40 c-c- de prata eléctrica, de pequenos grãos, feita na veia safena dum cão de 16 kilogr., encontrando-a no sangue e nos tecidos do animal injectado. Da mesma maneira, Emile Weil e Achard, , do exame do sangue e dos órgãos hematopoiéticos do coelho, depois duma injecção endovenosa de prata coloidal de pequenos grãos, concluíram que, esta substância produz uma leucocitose polinuclear, que dura aproximadamente cinco dias e que é substituída, em seguida, por uma mononucleose com eosinofilia; mais, a evolução desta leucocitose, é semelhante, em suma, à da infecção.

Poucos agentes tem sido estudados sob os pontos de vista fisiológico, físico-químico e bacteriológico, como os metais eléctricos de pequenos grãos, estando ainda na hora actual, a serem estudados debaixo do ponto de vista terapêutico. Henri Iscovesco, em 1907, depois de ter ensaiado, num grande número de infecções, os metais coloidais, chega a concluir — 1.° que no tratamento das doenças infecciosas os metais coloidais dão resultados muito valiosos, quer sejam empregados em injecções intravenosas, nos casos graves, quer por via intramuscular, devendo contudo nestes últimos casos serem administrados em doses mais elevadas; 2.° que as substâncias empre­gadas devem ser sempre rigorosamente doseadas, iso-

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tónicas, esterilisadas e estabilisadas ; 3.° que toda a injecção é seguida, na grande maioria de casos, duma reacção febril; 4.° que a dose inicial, mínima, para o adulto, é de 5 c-c-

A utilisação terapêutica dos metais coloidais, tem mostrado que provocam, nos febricitantes, reacções termométricas pouco constantes : há, de começo, uma ascenção térmica precedida dum arrepio e ulterior­mente, uma baixa de temperatura, que tem por pre­lúdio uma abundante sudação. Além das reacções termométricas, as experiências realizadas, mostram, que, depois da aplicação duma injecção de prata coloidal, o coeficiente azotúrico se eleva, o mesmo acontecendo à leucocitose.

O colargol tem tido um logar muito importante na terapêutica. A sua acção tem sido posta em evi­dência na maior parte das doenças infecciosas : pneu­monias, bronco-pneumonias, escarlatinas, difterias gra­ves, febres tifóides, disenterias bacilares, endocardites infecciosas, meningites, infecções puerperais, septice­mias etc., e, de facto, num certo número de casos, produz uma rápida sensação de melhoras, e por vezes curas definitivas. Este medicamento pôde ser empre­gado em fricções, em injecções, em clisteres e em ingestão. De todos estes modos de administração, as injecções e principalmente as endovenosas, são as mais activas. Introduzido no organismo, o colargol espa-

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lha-se em todos os órgãos, conserva-se mais tempo no baço, nos rins, intestino e noutras vísceras, é com­pletamente eliminado ao fim dum mês, e não expõe ao argirismo (Oarnier).

Para Bredig, os metais coloidais comportam-se como verdadeiros fermentos; são capazes, em doses infinitesimais, de acelerar as transformações químicas ; a marcha da reacção é modificada pela luz, pela tem­peratura, pelo estado de acidez ou de alcalinidade ; é paralisada pela presença de vestígios leves de subs­tâncias tóxicas, como o sublimado, o iodo etc.

Netter e Wenckebach, pensam que o colargol actua no organismo por uma espécie de acção catalítica.

Porém de todos os metais coloidais, o que mais tem sido utilisado em terapêutica, tem sido a prata coloidal eléctrica de grãos muito pequenos, ou ele-ctrargol, que tem dado origem a um grande número de trabalhos^e cujos resultados tem sido comprovados no enormíssimo número de casos em que tem sido usado.

Entre nós, ainda ultimamente, em 1918, por ocasião da epidemia de gripe pneumónica, foi empre­gado em larguíssima escala, confirmando-se os ótimos efeitos da sua aplicação, sobretudo quando realizada em doses macissas, e, em casos graves, dando a pre­ferência à via endovenosa.

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* * *

Os diferentes metais coloidais que se tem inje­ctado nas veias não podem ser, nas doses habituais, considerados como antisépticos, em virtude da grande diluição em que se encontram na massa sanguínea, e a sua acção, favorecendo a limitação da infecção, por fagocitose, e auxiliando a sua resolução pelo processo macrofágico, é produzida por uma crise hemoclásica acompanhada duma leucolise macissa, que, para Ma-noukhine e Krolunitzky, resulta da presença no sangue, duma leucocitolisina, e liberta fermentos leucocitários (proteoses, oxidases etc.), que bastam para explicar o aparecimento da hidrolise oxidoreductora, brutal, que segue o seu emprego (Albert Robin).

Esta medicação estimulante da funcção leucocitá-ria, é uma das três, que para Audain, realizam a medicação leucogénea, sendo as duas outras, a pro-teíno e proteosoterápia e as injecções de terebentina.

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As injecções endovenosas de peptona

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Sempre que injectarmos por via endovenosa, uma substância estranha ao organismo, as experiências rea­lizadas mostram as reacções hematológicas e clínicas do organismo em face da injecção.

Em 1916, Nolf, depois de ter observado o choque produzido pelas injecções de peptona nas veias dum cão, chega à conclusão de que, os sintomas provocados pelo choque, eram idênticos aos do choque anafilático : incoagulabilidade do sangue, leucopenia, queda da pressão arterial, hipotermia, forte pressão nervosa com dispneia, vómitos e defecações. Verifica mais, que se a injecção fôr feita bruscamente, o choque pode ser obtido com a dose de três centigramas por kilo de animal. Se a injecção é administrada lentamente, os sintomas do choque peptónico faltam. Nolf, utilisando

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a grande influência excitante que as injecções endove­nosas de peptona possuem sobre a contractibilidade intestinal, num caso de febre tifóide complicado de paralisia do intestino, observou, uma vez feita a inje­cção, uma queda termométrica apreciável, no espaço de algumas horas. Uma vez conhecido este facto, Nolf, começa a ensaiar as injecções endovenosas de peptona como anti-infecciosas num grande número de casos de febres tifóides, donde pode chegar às seguin­tes conclusões : se injectarmos apenas um centigrama, observamos ao fim de algumas horas uma pequena hipertermia secundária, mas depois desta elevação de temperatura, não se observa a queda termométrica. Pelo contrário, quando a dose injectada fôr de dois ou três centigramas, a seguir à elevação termométrica inicial, observa-se uma queda notável de temperatura que pode atingir o limite normal, no espaço de algu­mas horas. Conclue mais que, sempre que se faz, esta queda de temperatura é acompanhada geralmente, de transpirações abundantes e persistentes, ao mesmo tempo que, em alguns casos, aparece uma ligeira sono­lência com sensação de melhoras. As injecções endo­venosas de peptona tem sido administradas num grande número de estados infecciosos, por diversos autores, e não parece, que elas possam produzir qual­quer inconveniente nas doses já mencionadas, desde que sejam ministradas lentamente.

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Se as repetirmos de dois em dois dias, podemos exercer assim uma influência contínua sobre a curva térmica, ao mesmo tempo constatando-se que os sin­tomas da infecção se atenuam dia a dia e a doença tende para a cura. Ultimamente o tratamento das doenças infecciosas pelo choque provocado pela inje­cção endovenosa de albuminas heterogéneas: peptona e proteínas, tem tomado uma extensão considerável, no domínio da sua terapêutica, sendo aplicado à custa das substâncias mais diversas.

Alguns autores, como Montier e Origant, como Lermé, Brodin e Saint-Qieons, tem utilisado contra a

. gripe e alguns outros estados infecciosos, o plasma humano ou autoplasma citratado ; outros como Boidin, Beyrand, obtiveram a cura duma septicemia indeter­minada, à custa de injecções intravenosas de sangue humano total.

A peptona, que tem a propriedade de, uma vez injectada por via endovenosa, ser suficiente para pro­duzir um choque dos mais típicos, ao passo que, injectada sob a pele, não produz nenhum choque apreciável, mas somente uma crise hemoclásica, é uma das substâncias hoje mais usualmente empregada para provocar o choque hemoclásico.

Os resultados obtidos, por vezes inconstantes, em certos estados infecciosos pelas injecções endove­nosas de metais coloidais, como o colargol, electrar-

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gol e lantol pertencem, da mesma maneira, ao estudo do choque.

Somente aqui, além do choque banal, que deter­mina a injecção da solução coloidal, vern-se juntar ainda a fraca acção antiséptica do metal empregado.

Destas observações resulta, que as injecções endo­venosas de peptona devem ser um meio eficaz a opor às infecções do meio humoral, nos estados septicémicos, qualquer que seja a natureza do gérmen patogénico.

Concluindo : as experiências realizadas com subs­tâncias tais como: vacina bacteriana, metal coloidal, peptona, proteína, leite, soro ou plasma humano, actuam sempre como corpos estranhos, introduzidos bruscamente no organismo por via parenteral.

A crise reaccional provocada é sempre a mesma : é o choque, que no homem tem a sua tradução habi­tual, acesso febril, e a sua crise vasculo-sanguínea pre­monitória.

Na terapêutica anti-infecciosa pelo choque hemo-clásico, tem pouco valor a natureza dos corpos inje­ctados, porque aqui, como nas outras terapêuticas, não é a substância administrada que é realmente cura­tiva, mas o choque que a injecção provoca. O conhe­cimento destes factos levou Widal, P. Abrami e Bris-saud, em 1913, a proporem um novo método de tra­tamento das doenças infecciosas: o tratamento pelo choque.

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As experiências que estes autores afizeram em di­versos casos de febres tifóides permitiram-lhes cons­tatar que um choque voluntariamente provocado pela injecção endovenosa de albuminas heterogéneas — so­bretudo o auto-sôro recolhido em certas condições — era capaz de produzir dois efeitos : primeiro, a de­saparição imediata e por vezes definitiva da bacteriemia; depois, a cura rápida e em certos casos mesmo a cura quási imediata da doença. Contudo, a insconstância dos resultados obtidos e por vezes a violência das reacções do choque, faziam dizer a estes autores que o método apezar dos sucessos brilhantes que com êle se podem obter, não deve ser considerado como um processo de prática corrente aplicável em todos os casos duma doença. Foi Nolf, em 1916, quem preco-nisou para provocar o choque, a injecção intravenosa de peptona, produto que se encontra facilmente no comércio e cujas soluções, preparadas previamente em empolas estéreis, podem ser utilisadas extemporanea­mente num caso urgente.

Segundo aconselha este autor, a peptona deve ser injectada em solução a 5 0/0> e injecta por via endove­nosa 10c'c' dessa solução, de cada vez.

Edmond Lévy-Solal teve ocasião de verificar num caso de septicemia puerperal de estreptococo que tinha resistido a todos os ensaios terapêuticos, usados em casos semelhantes e no qual a cura foi

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obtida com o-método de Widal Abrami e Brissaud. Esta observação foi apresentada à Sociedade Médica dos Hospitais de Paris, em 22 de Abril de 1921. Oinécologie et Obstétrique (Revue Mensuelle), Tome IV, 1921, pag. 48: Septicémie Puerpérale et choc Colloïdoclasique.

«Em 29-XI-920 tive ocasião de vêr uma primípara em trabalho há 86 horas, que acabava de ser tomada dum longo e violento arrepio. Como a dilatação do orifício uterino era completa, fiz uma aplicação de forceps, fácil, em esquerda anterior. A criança que apresentava uma polipneia intensa, teve 24 horas de vida. Feita a extracção, gazes abundantes saíram da cavidade uterina. Injecção quente antiséptica, intra--ovular, prolongada, seguida duma dequitadura ar­tificial.

Como a seguir a esta dequitadura a hemorragia presistisse, fiz um tamponamento que retirei 10 horas depois. No dia seguinte, apirexia matinal ; de tarde a temperatura subia a 37°,9. Um dia depois, atingia 39° e dois dias mais tarde, estava em 40°,2. No dia 30 um exame dos lóquios revelou a presença de nume­rosos estreptococos, no estado da pureza : fez-se uma injecção de 60e-c- de soro antiestreptocócico Vinaver do Instituto Pasteur. Como a hemocultura feita no dia seguinte mostrasse o estreptococo no sangue, pra-ticou-se uma nova injecção do mesmo soro. Cinco

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dias depois do parto, novo arrepio, 40°,5 de tempera­tura, pulso a mais de 140, polipneia, fácies terrosa.

Nos dias seguintes o estado geral agrava-se, a temperatura oscila à volta de 40°, o pulso era pequeno, rápido e algumas vezes arítmico, a doente sentia um mau estar indefinível, com dores violentas da nuca. A exploração dos diferentes órgãos não revelava nenhuma localização visceral.

Apesar das injecções repetidas de óleo canforado em dose elevada e das injecções intramusculares de electrargol, a situação piorava dia a dia. No décimo quinto dia, em face da gravidade crescente da doença, e do insucesso absoluto de todos os tratamentos, decidi com P. Abrami recorrer ao choque coloido-clásico.

Seguimos o método de Nolf, fazendo lentamente uma injecção endovenosa de 10c-c- duma solução de peptona de Wite a 5 %•

O choque foi vivo mas pouco violento : cefaleia, raquialgia, hipertermia secundária, mas sem sinal de colapso. Na manhã seguinte, 12 horas depois do cho­que, a temperatura descia a 37° e pela primeira vez o pulso estava abaixo de 100 p. A apirexia durou três dias; no terceiro dia a temperatura subia a 40°, prati-cou-se uma nova injecção intravenosa de 10e-c- de peptona que deu apenas um choque ligeiro. A fre­quência do pulso desceu a 80, a apirexia era completa

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e a cura estabeleceu-se definitivamente» (Edmond Lévy--Solal). O choque terapêutico tem sido utilisado no decorrer de febres tifóides, em epidemias de gripes, e temos conhecimento de três casos de infecções puer-perais, um apresentado por Lumière, que foi tratado com sucesso, e os dois outros citados por Benaud que foram seguidos de morte, devendo-se notar que num destes casos, em que se pode fazer a autópsia, exis­tiam enormes lesões de endocardite végétante.

Como se vê, as injecções endovenosas de peptona feitas segundo a técnica são sem perigo, com a condi­ção da peptona empregada ser um produto de boa qualidade.

1 «Pergunta-se agora por qual mecanismo o cho­que coloidoclasico assim provocado, pode triunfar em alguns dias, duma doença como a febre tifóide, e fazer desaparecer, como temos estabelecido, os micróbios da circulação geral?

Na opinião de diversos autores, na hora actual, sobre este assunto, não se podem formular senão hipóteses. Pela maior parte deles, o resultado é atri­buído, seja a um exagero súbito do poder fagocitário

1 P. Widal, Abrami et Brissaud : Considerations générales sur la protéinothérapie et le traitement par le choc colloïdoclasi-que, Presse Médicale, 5 mars 1921.

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dos leucócitos, seja ao facto de pôr em liberdade uma grande quantidade de fermentos líticos ou de anti­corpos cuja produção seria aumentada pela injecção de albumina heterogénea. Pensa-se igualmente, que a desaparição da septicemia resulta das novas condições físicas em que as bactérias se encontram, em pre­sença do meio plasmático onde estão mergulhadas, e cujo equilíbrio é subitamente transformado pelo choque». As procuras experimentais de J. Govaerts sobre o mecanismo das septicemias, mostram que a presença ou ausência dos micróbios no sangue, de­pende das reacções físicas do contacto, que se produ­zem entre estes micróbios e os coloides do plasma, duma parte, os elementos figurados do sangue e espe­cialmente as plaquetas, doutra parte. Assim Govaerts verificou nas suas experiências que a injecção de soro específico em animais atingidos de septicemia pneu-mocócica, determina imediatamente o encostamento das plaquetas e a aglutinação dos gérmens circulan­tes a estes elementos do sangue; ao mesmo tempo nota-se uma leucopenia e a desaparição dos hemato-blastes que, da circulação geral, se refugiam nas redes capilares das vísceras, onde os micróbios que eles tinham absorvido são sujeitos a uma fagocitose intensa.

Tudo o que tenho vindo a descrever, serve para mostrar a variedade de processos de que a proteino-terápia pôde lançar mão, bem como a multiplicidade

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de estados mórbidos que justificam e requerem o seu emprego.

As proteínas, como os coloides, devem as suas propriedades terapêuticas á sua heterogeneidade e as reacções provocadas pela proteínoterápia revestem dessa maneira, o aspecto dum conflito entre corpos coloides.

Não são unicamente as proteínas e coloides as substâncias capazes destes efeitos : Widal pela injecção brusca de cristalóides na circulação geral, determinou modificações de equilíbrio coloidal semelhantes a estas. São completamente diferentes as duas indicações da proteínoterápia ; nas doenças que tem na génese dos seus sintomas, um desiquilíbrio ou instabilidade plas­mática, a proteínoterápia, propondo-se restabelecer o perdido equilíbrio, é, por Widal, Abrami e Brissaud, considerada como terapêutica de consolidação ; pelo contrário, nas doenças infecciosas, procurando, a pro­teínoterápia, lançar o plasma em súbito e violento desi­quilíbrio, chamam-lhe os citados autores —o choque.

A aplicação destas duas terapêuticas dá ao médico o direito de esperar resultados diferentes: fazendo terapêutica de consolidação, é com toda a segurança que, nos hemofílicos ou hemoglobinúncos paroxísticos se podem obter melhoras e curas difinitivas mesmo, desde que se empregue a peptona, substância sem poder antigénico e incapaz de produzir o choque,

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quando injectada por via hipodérmica : provocando o choque, nas grandes infecções, pôde o clínico obter resultados que nenhum outro meio terapêutico pode­ria realizar. Mas, ao contrário da primeira, na nossa maneira de vêr, não a poderemos, desde já colocar entre os meios de prática corrente, nem aplicar, siste­maticamente em todos os casos duma mesma doença.

A impossibilidade de se poder prever a sua vio­lência e a variabilidade, ainda inexplicável dos seus efeitos, devem fazer«¥eservar o seu emprego para os casos em que todas as terapêuticas falharam e em que a gravidade do prognóstico autoriza todas as ten­tativas.

Indicações e contra-indicações do choque coloidoclásico

As injecções endovenosas de peptona estão indi­cadas nas doenças infecciosas, principalmente naquelas em que o gérmen causal é ainda indeterminado, e cuja gravidade não possa ser combatida pelos meios terapêuticos habituais.

Nolf tem utilisado com bons resultados, a peptona em injecção intramuscular nas doenças hemorragíparas, discrásicas, na púrpura e na hemofilia.

Ultimamente tem-se ensaiado a peptona, quer por ingestão, quer por injecções, em pequenas doses, com

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o fim de realizar uma espécie de vacina antianafilática. As indicações da proteínoterápia, actualmente ainda pouco precisas, derivam dos resultados obtidos até hoje, insuficientemente demonstrativos para se formu­larem com certeza. Sabe-se, por outro lado, que esta medicação exige do organismo uma resistência sufi­ciente para sofrer o violento choque provocado por estas injecções.

Para evitar acidentes que podem ser funestos, é preciso examinar atentamente o doente, levantar-lhe o estado geral, facilitar-lhe a diurese e as eliminações, tonificar o coração, e cercar-se de todos os meios necessários para combater qualquer sintoma de cola­pso, que possa surgir após a injecção. Desde que um exame clínico rigoroso dum doente, atingido dum estado infeccioso grave, não revele alterações viscerais extensas e o estado geral esteja em condições de resistir ao choque, a técnica para as injecções de peptona nada difere da de qualquer injecção endove­nosa. A injecção deve ser feita o mais lentamente possível.

Ultimamente Nolf aconselha uma solução mais concentrada, a 10 %> e injecta em média 10c-% podendo ir até 15cc-. A injecção deve ser feita de preferência de manhã, em jejum, e, se a taquicardia fôr muito considerável, é conveniente fazer uma pequena pausa no meio e operar o mais lentamente possível.

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A depressão muito acentuada, a insuficiência dos órgãos (fígado, rins, cápsulas supra-renais) e princi­palmente do coração, contra-indicam as injecções endovenosas de peptona. As endocardites infecciosas (Legendre), as miocardites (Marcel Labbé), e as loca-lisações venosas da septicemia puerperal, são con-tra-indicações formais do choque coloidoclásico. Há mesmo um certo número de indivíduos, os asmáticos e doentes atingidos de urticaria e outros estados que Widal considera como manifestações de coloidoclasia e os grandes albuminúricos e hipertensos, que contra--indicam também o emprego desta terapêutica moderna.

Reacções hematológicas e clínicas do choque

O estudo do sangue no choque coloidoclásico tem uma extrema importância, porque é principalmente no aparelho cárdio-vascular, que se constatam sempre al­terações muito interessantes.

Seria conveniente ir estudando as alterações hema­tológicas no decorrer de diversas septicemias, para se poder estabelecer uma fórmula Ieucocitária, que justi­fique a terapêutica pelo choque. A hipotensão arterial, as perturbações da coagulação sanguínea, a leucope-nia (diminuição dos polinucleares em relação aos mo-

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nonucleares), a rarefação das plaquetas, são reacções hematológicas habituais, observadas por todos os autores, no momento do choque. Da mesma maneira os arrepios, a temperatura secundária, cefaleias, per­turbações digestivas e cárdio-vasculares, cianose, taqui­cardia, hipotensão, dispneia, crise sudoral ou urinária, são os sintomas clínicos mais importantes, que se notam no choque. Os fenómenos clínicos são sempre mais tardios que as reacções hematológicas. Nolf, chega à conclusão de que a dose ótima de peptona, seria aquela que, inferior à precedente, realizasse somente uma reacção moderada, com curto arrepio e defervescência térmica acompanhada de transpiração. Seria mais conveniente provocar pelo choque uma reacção aparentemente mais humoral que clínica.

Nas primeiras horas que se segue à injecção endo­venosa de peptona, as experiências mostram, que há uma diminuição dos leucócitos polinucleares e uma predominância passageira dos mononucleares.

Cinco ou seis horas depois, a polinucleose apa­rece e os fenómenos hemoclásicos desaparecem.

Para evitar, até certo ponto, os fenómenos rea-ccionais do choque, alguns autores, faziam injecções prévias de diversas substâncias; assim, Sicard fazia injecções de carbonato de sódio, Lumière de hiposul-fito de sódio, Richet de cloreto de sódio. Nolf, acon­selha as injecções hipodérmicas de adrenalina como

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preventivas. Nos hipotensos e naqueles em que a Tm, medida pelo Pachon, é inferior a sete centímetros de mercúrio, injecta '/« miligrama de adrenalina.

Pode-se juntar V2 miligrama de adrenalina à solu­ção de peptona, quando a Tm, fôr de cinco ou seis centímetros de mercúrio.

Teorias fisiológicas sobre o choque

Várias teorias tem aparecido tendentes a explicar o choque anafilático e de entre elas, apenas citarei as de Lumière e Widal por serem aquelas que mais adeptos contam.

Widal considera como causa do choque um desi-quilíbrio dos coloides que formam o protoplasma celular.

Para Lumière o choque anafilático tem a sua ori­gem, na excitação do endotélio vascular ao nível dos centros nervosos, excitação esta provocada pelas par­tículas floculadas que se formariam quando a dose ex­citante do antigénio reage sobre o soro dos indivíduos sensibilisados ; esta excitação daria origem, por via reflexa, a uma vaso-dilatação repentina dos capilares viscerais, provocando uma queda considerável da pressão sanguínea e suas consequências.

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Widal no recente congresso de Strasbourg levan­tou várias objecções à teoria de Lumière que por serem interessantes, passo a transcrever.

Diz Widal que é deveras surpreendente que nin­guém tenha conseguido constatar essa floculação no sangue de animais em choque. E assim a teoria de Lumière baseia-se sobre a floculação dos coloides do plasma sanguíneo, floculação esta, que ainda não foi possível constatar.

Ora Lumière na sua obra intitulada «Rôle des Colloides chez les êtres vivants» explica-nos a razão da dificuldade de visão dos flóculos : o facto da sua densidade e refringência serem sensivelmente iguais ao meio em que se encontram.

Porém hoje já não sucede bem assim, pois temos um método que nos permite tornar visível a agluti­nação e que consiste na observação pura e simples do fenómeno de Tyndall nos líquidos humorais floculados. Tal é o princípio em que se funda o Aglutinoscópio de Kuhn-Woithe e outros aparelhos.

Objecta ainda Widal que lhe custa admitir que se trate duma acção simplesmente mecânica, isto é, que seja uma excitação do endotélio vascular provocada pelas partículas floculadas, pois que sendo assim, não compreende como a simples administração duma pequena dose da substância a injectar, feita em antes da injecção, seja o suficiente para que o choque se

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não produza; pois diz êle, o número de partículas inertes contidas na injecção e que vão ferir o endotélio vascular é o mesmo.

Baseia-se Lumière, para desfazer esta objecção, num facto fisiológico de todos conhecido: a proprie­dade característica das células nervosas de se habi­tuarem às excitações físicas quando elas actuam cautelosa e progressivamente. Seria assim que, a introdução prévia duma peqtíena quantidade de fló-culos permitiria ao endotélio vascular cerebral receber sem estranheza, algum tempo depois, uma dose mais considerável de elementos floculados.

Por sua vez Lumière entendeu opor o seguinte à teoria de Widal que redunda em apoio da sua teoria : como compreender que substâncias muito diversas, não tendo entre si nenhum parentesco químico, sejam capa­zes de produzir a mesma coloidoclasia dos tecidos?

Ora estes corpos, como sejam : o sulfato de barita, os albuminóides, os oleatos etc., tem uma única pro­priedade física comum, o estado de floculação, sendo racional pois, atribuir-lhes os fenómenos do choque.

E, em abono disto, vou referir o seguinte facto que me parece realmente demonstrativo : por artifícios de preparações conseguem-se obter suspensões de sulfato de barita em que os grãos insolúveis sejam de iguais dimensões e distribuídos, quer isolada e unifor­memente dispersos, quer no estado de floculação.

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u

Injectadas cada uma delas, no coração esquerdo duma cobaia, vemos que a primeira mata invariavel­mente o animal, emquanto que a outra se conserva inofensiva.

Existindo entre as duas preparações, uma única diferença —o estado físico do precipitado — só a êle podemos atribuir a sua nocividade, embora seja difícil de admitir que esta pequena mudança de estado seja a causa duma coloidoclasia dos tecidos. Mas há mais ainda: como explicar pela teoria de Widal, o efeito da laqueação das carótidas, da acção dos anestésicos e dos medicamentos vaso-constrictores ou vaso-dila-tadores ?

Á face da teoria de Lumière, estes factos são de fácil explicação : os precipitados floculados em sus­pensão no plasma sanguíneo, produzem, pela chegada rápida ao nível dos capilares cerebrais, uma irritação do endotélio vascular; ora, sob esta brusca influência excitadora, produz-se uma dilatação vascular dos cen­tros nervosos, de modo que os flóculos franqueiam-os livremente, não opondo obstáculo à corrente circula­tória. A esta vaso-dilatação sucede-se, por via reflexa, uma vaso-dilatação dos capilares esplancnicos, provo­cando um aumento de volume, total dos vasos, e consequentemente uma queda grande da pressão san­guínea, causa da má irrigação bulbar, que dá origem ao cataclismo anafilático.

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Seria assim que a laqueação das carótidas, evi­tando a acção brusca dos precipitados sobre os endo-télios; que os anestésicos, diminuindo a excitabilidade vascular; e os vaso-constrictores contrariando, a dila­tação vascular, não permitiriam que o choque se realizasse; e, pelo contrário os vasodilatadores aumen­tando o calibre dos vasos, agravariam o choque.

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OBSERVAÇÕES

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I

N.° do registo hospitalar : 269. N.» de Cl. C. : 449.

A. O., de 43 anos de idade, casada, doméstica. Entrada na Enf. n.° 8 a 9 de Setembro de 1921.

Estado actual

Esta doente é portadora duma hérnia inguinal esquerda (enterocelo, hérnia redutível e coercível) e duma ponta de hérnia inguinal direita.

História da doença

Há treze anos, algum tempo depois dum parto gemelar, a doente começou a sentir, de longe a longe,

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umas ligeiras dores, situadas na virilha esquerda, notando uma pequena tumefacção, que pouco a pouco, foi aumentando de volume, até que, há sete anos, quando atingia o tamanho aproximado dum ôvo de galinha, a doente principiou, sob indicação médica, a usar uma funda.

Há seis meses apareceram-lhe umas leves dores ao nível da arcada crural direita que lhe fizeram notar uma ponta de hérnia deste mesmo lado.

Como as hérnias não lhe permitissem fazer gran­des esforços e como fossem aumentando progressiva­mente de volume, resolveu dar entrada no Hospital, a fim de ser submetida a um tratamento cirúrgico.

Antecedentes pessoais — Há dois anos contraiu a sífilis e passado um mês, apareceram-lhe umas manchas róseas, de dimensões variáveis, em todo o corpo, ao mesmo tempo que a visão começava a faltar-lhe. O cabelo caía-lhe abundantemente, teve grandes cefaleias vesperais, cansaço, palpitações, falta de ar e algum tempo depois uma úlcera no terço inferior da perna direita. Foi á consulta de Oftalmologia do Hospital da Misericórdia onde se tratou durante seis meses, recebendo simultaneamente na secção de Sifiligrafia e Dermatologia um tratamento mixto, mercurial e arse­nical (algumas injecções de 914) que a melhorou muito ; a úlcera da perna cicatrisou rapidamente depois

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das primeiras aplicações de 914. Há oito anos teve uma febre intestinal e há três meses uma erisipela da face. Teve doze filhos, dos quais faleceram três: um deles suicidou-se, outro faleceu de sarampo, com a idade de dois anos e o terceiro duma tuberculose intestinal, aos três anos e meio. Os vivos são saudáveis e nasceram antes da infecção sifilítica.

Antecedentes hereditários — A mãe faleceu aos 55 anos com uma pneumonia.

Pai falecido, ignorando a causa da morte : esteve 25 anos paralítico.

O marido contraiu a sífilis há dois anos, tendo-lhe aparecido por essa ocasião, manifestações da doença na garganta, manchas róseas pelo corpo etc.

Evolução da doença

No dia 4 de Novembro de 1921 a doente foi operada, realizando o Snr. Prof. Dr. Teixeira Bastos a cura radical das hérnias, com os seguintes tempos : Lado esquerdo —laqueação do saco ao nível do colo, ressecção e fixação do pedículo pelo método de Barker. Sutura do pilar superior á arcada crural por três pontos em U.

Sutura contínua da aponévrose.

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Agrafes na pele— Lado direito: libertação do saco, laqueação, ressecção, reconstituição do ligamento redondo, reconstituição da parede pelo método apli­cado ao lado esquerdo.

Esta operação, foi feita com anestesia local pela novocaïna adicionada de adrenalina.

Como particularidades da operação, apenas se notou que a doente apresentava o ligamento redondo direito muito desenvolvido.

Dois dias depois de operada, a doente aparece-nos com uma erisipela da face, que 48 horas mais tarde se generaliza ao tórax, coxas e perna direita, sob a forma de extensas placas erisipelatosas. Como uma destas placas atingisse a ferida operatória direita, evantaram-se dois agrafes, para dar saída a uma pe­quena quantidade de pús. No começo da sua inter-corrência, administrei-lhe um purgante de óleo de rícino e como medicação cárdio-tónica, injecções de óleo canforado a 10 %> a o mesmo tempo que, na incisão direita, se colocou um penso húmido alcooli-sado e se fizeram, como tratamento local, aplicações de glicerina ictiolada a 10 %•

Esta erisipela, localizada a princípio na face e generalizada depois, foi a repetição duma primitiva doença que a doente refere nos seus antecedentes, três meses antes da sua entrada para a enfermaria. Como então, ainda desta vez as primeiras placas aparece-

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Novembro

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ram-lhe na face e só alguns dias depois tomaram claramente o carácter extensivo duma grande genera­lização.

No dia seguinte, alem desta medicação tonicar-díaca, comecei o emprego da estricnina e esparteína em injecção, e iniciei o tratamento específico com o soro antiestreptococico polivalente (10 c c ) . No dia imediato, a temperatura não excedeu 38°,4, manten-do-se todavia a este nível até ao dia 11, o que me levou a repetir a injecção de soro específico. A ferida operatória direita supura abundantemente, havendo necessidade de fazer dois curativos diários e a es­querda encontra-se tumefacta, com elevação de tempe­ratura local, pele avermelhada, sensação de flutuação: levantando dois agrafes, saiu pús com os caracteres do lado direito : — pús amarelo-esverdeado, um pouco viscoso, com um cheiro fétido, fazendo pensar na parti­cipação do colibacilo, como a análise veio confirmar.

Realizando-se nova ascençào térmica e supurando a ferida muito abundantemente fiz-lhe no dia 15, nova injecção de 10 c-c- de soro antiestreptococico poliva­lente, mas apesar da medicação específica ainda não conseguimos que a temperatura descesse ao limite normal, nem mesmo que a supuração diminuísse.

No dia 18, a doente apresenta na parte lateral direita do abdómen uma tumefacção de 20 cent, de comprimento por uns 10 cent, de largura, com os

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quatro sinais característicos: calor, rubor, dor e flu­tuação—era um fleimão, situado entre a aponévrose do grande oblíquo e o tecido celular sub-cutâneo. No dia 21 fiz uma contra-abertura que media 5 cent, de comprimento, situada no ponto de encontro da linha axilar anterior direita com a décima costela.

A extremidade inferior desta incisão está a 8 cent, acima da crista iliaca e a sua direcção é um pouco oblíqua para baixo e para traz. Da extremidade infe­rior desta incisão até á extremidade superior da ferida operatória direita, há uma distância de 20 cent. — é o comprimento do fleimão.

Feita a incisão que deu saída a uma grande quan­tidade de tecido necrosado e pús (1 litro), com os caracteres, que acima apontei, drenou-se com um tubo de cautchouc, iniciando-se as lavagens da bolsa de estagnação com um soluto concentrado de perman­ganato de potássio. Apliquei outras injecções de 10 cc-de soro nos dias 24 e 27, continuando a doente, ape­sar deste tratamento a fazer oscilações térmicas; a supuração não diminue e o estado geral altera-se: a doente emagrece dia a dia, mucosas e pele descoradas, grande astenia, prostração, sonolência, cefalalgias occi­pitais, raquialgia, dores ao longo dos membros supe­riores e inferiores, anorexia, polidipsia, obstipação, urinas carregadas, turvas, com um leve depósito, ves­tígios de pigmentos biliares e fosfatúria.

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O pulso conserva-se desde o dia em que lhe apareceu a erisipela acima de 100 pulsações p. m.

No dia 29, a auscultação do aparelho cardíaco revela o aparecimento de sopros cardíacos anorgânicos. O aparelho respiratório apresenta a seguinte sinto­matologia :

Em virtude destes sintomas submeti a doente a uma injecção de 300c-c- de soro fisiológico com x gotas de adrenalina, e à revulsão das bases pulmonares com ventosas. No dia 30 a sintomatologia pulmonar redu-zia-se a uma leve diminuição de murmúrio nas bases e a um ou outro sarrido sub-crepitante ; porém, a persistência da supuração e o agravamento do estado geral, impunham o diagnóstico duma septicemia estre-ptococica. Em face dele, da gravidade do prognóstico e da insuficiência de toda a terapêutica, esta doente foi entregue aos meus cuidados pelo Professor da 2.a

Clínica Cirúrgica para tentar sob a sua direcção, o

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tratamento da sua infecção pelo choque provocado pela injecção de albuminas heterogéneas: peptona e proteínas.

Assim, foi-lhe aplicada uma injecção endovenosa segundo a técnica de P. Nolf, de 5C'c- de peptona a 5 %i feita muito lentamente.

Duas horas depois a doente faz um verdadeiro choque, traduzido pelos seguintes sintomas : vaso-dila-tação intensa e generalizada, com grande e passageira cianose, arrepios violentos, ansiedade respiratória, poli-pneia, abalos musculares, fenómenos epileptoides, e arrefecimento das extremidades ; o trémulo da doente, nesta ocasião, impedia a contagem do pulso.

O leito foi aquecido, administraram-se x gotas de adrenalina, por via bucal, num pouco de água, e pas­sados alguns minutos, a sintomatologia que venho des­crevendo, extinguia-se. A doente começou a entrar na fase da hipertermia secundária: a temperatura, que antes da injecção era de 36°,4 subia, passadas estas duas horas a 37°,6. Uma hora depois do acesso, fez-se uma aplicação de 2C-c- de óleo canforado a 10 °/0.

A enferma, na tarde deste mesmo dia, conservou--se apirética, o mesmo acontecendo no dia seguinte, e pela primeira vez, o pulso desceu abaixo de 100 p.

Como à tarde do dia 3-X1I, a temperatura atin­gisse 379,8, de novo lhe fiz, no dia seguinte, uma in­jecção endovenosa de 8C'c- de peptona a 5 %•

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Antes da injecção 1 hora depois

T =37°,8 T =3S°,S TM = 12 [ Tensiofone

l de Vaquez Tm = 7 l (Humeral)

TM = n , 5 TM = 12 [ Tensiofone l de Vaquez

Tm = 7 l (Humeral)

TM = 12 [ Tensiofone l de Vaquez

Tm = 7 l (Humeral) Tm = 7 P = 9 4 P = I 0 O

No momento da injecção a frequência do pulso era de 104 p.

O choque que a injecção ocasionou à doente, uma hora depois, foi passageiro : apenas houve uma grande cianose, uma vaso-dilatação generalizada, cedendo todos estes fenómenos reaccionais poucos minutos depois da aplicação de uma injecção hipodérmica de adrenalina: x gotas de adrenalina em 2CC- de soro fisiológico.

O estado geral melhorou consideravelmente e a supuração diminuiu duma maneira manifesta.

Posto que as melhoras da doente se tenham acen­tuado, apliquei outra injecção de 10c-c- de peptona a 5 •/,.

Antes da injecção

T = 3 6 V TM = 12,5 ( Tensiofone Tm = 7,5 \ (Humeral) P = 1 0 4

I hora depois

T =37° ,6 T M = i i Tm = 7 P = 1 1 2

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Antes desta terceira injecção de peptona, fiz-lhe uma colheita de sangue para investigar a fórmula leu-cocitária que foi a seguinte :

Polinucleares neutrófilos 73,6 °/o Monócitos 25,2 % Eosinófilos 1,09 %

O choque foi passageiro e pequeno, dando-se unicamente uma vaso dilatação generalizada, polipneia e taquicardia, que em alguns minutos desapareceu depois da aplicação da injecção de adrenalina.

No dia 7, realizei uma nova injecção de 10c-c- de peptona a 5 %•

Antes da injecção

T =38° . Tm = 7,5 ( Tensiofone TM== 12 \ (Humeral) P = roo

I hora depois

T = 39°,3 TM = I I

Tm = 6 , 5 P = n o

O choque traduziu-se pelos mesmos sintomas do anterior. A curva térmica mostra como a temperatura começou a ceder, e como a frequência do pulso dimi­nui. Os sintomas gerais da infecção foram pouco a pouco desaparecendo, a supuração diminui considera­velmente e a infecção localizou-se.

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No dia 10, fiz-lhe uma contra abertura, seguida de drenagem, duma bolsa de estagnação de pús, que comu­nicava com o fleimão, contra-abertura que fica a 4 cent, atrás da primeira incisão e está situada na mesma linha horisontal que a anterior, tendo a extensão de 3 cent.

Como a supuração tivesse diminuído muito e como o estado geral da doente fosse muito melhor, os dois curativos foram reduzidos a um, apenas. O pulso mantetn-se abaixo de 100 p., rítmico, de tensões normais, mas pouco amplo. A cicatrisação dos dois pla­nos superficial e profundo do fleimão avança dia a dia.

No dia 14 pensei fazer-lhe uma outra injecção de peptona em virtude da temperatura têr subido de novo, não o tendo realizado, porque a doente queixou-se dum cansaço enorme, que chamou a minha atenção para o aparelho cardíaco, onde pude observar o seguinte : ruidos cardíacos ensurdecidos nomeada­mente o 2.° aórtico e 2.° mitral. Ritmo cardíaco com ten­dência à embriocardia, sopro sistólico mitral com uma leve propagação para a axila esquerda, ponta do coração no 5.° espaço intercostal, batendo junto da linha mamilar.

Por este motivo, a doente começou a fazer inje­cções de óleo canforado e de esparteína e estricnina, alternando de 3 em 3 horas.

Em presença destes sintomas ocorreu-me a ideia duma miocardite tóxica, do que mais tarde obtive a confirmação.

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80 -

Não pude continuar então o tratamento desta doença infecciosa pelo choque, porque como já tive ocasião dè dizer as miocardites são uma das suas grandes contra-indicações. O estado geral não se alte­rou e a doente, em pouco tempo, debaixo da acção dos cardiotónicos, deixou de sentir o cansaço e a temperatura caiu de novo, no dia 18, para 36°,9.

Observando o gráfico da curva térmica, vê-se que a doente se encontrou apirética durante alguns dias, para de novo fazer umas pequenas oscilações tér­micas, até que no dia 25 a temperatura caiu definiti­vamente.

No dia 20 a supuração tinha-se reduzido a uma pequeníssima quantidade de pús, substituindo-lhe o dreno por um duplo feixe de crinas.

A 6 de Janeiro, a doente encontra-se com uma polipneia intensa, pulso pequeno, hipotenso e taqui­cardia», 126 p. A auscultação do aparelho cárdio pulmonar revela o seguinte :

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Ensurdecimento de todos os ruidos cardíacos, sopro sistólico no foco mitral com nítida propagação para a axila esquerda e ritmo embriocardico. Obtive agora a confirmação do diagnóstico, já feito. Desde esse dia submeti a doente ao seguinte tratamento : x gotas diárias do soluto de digitalina Mialhe e revulsão das bases pulmonares com ventosas e cata­plasmas sinapisadas. No dia 7 os fenómenos pulmo­nares reduziram-se, ao passo que os sintomas do aparelho cardíaco se mantinham.

A ferida operatória direita tinha cicatrizado. No dia 9, a doente sofria uma pequena curetagem do trajecto fistuloso que dava passagem ao dreno, e em pouco tempo, a supuração desaparecia por completo, a cicatrisação avançou rapidamente, e a doente deixou o Hospital, completamente curada, no dia 12 de Ja­neiro de 1922.

Enquanto durou este tratamento e o estado da doente o exigia conservou-se esta a dieta láctea.

6

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II

N.° do registo hospitalar : 1370. N.° de Cl. C. : 589.

M. F. P., de 30 anos de idade, casada, doméstica. Entrada na Enf. n.° 8 a 29 de Junho de 1922.

Estado actual

Sintomas gerais — Pele e mucosas descoradas, pos-tração pouco acentuada, astenia, hipertermia (40°,2). Ligeiras dores espontâneas, localizadas na fossa ilíaca esquerda.

Exame ginecológico — Toque vaginal : volumosa tumefacção, ocupando os fundos do saco posterior e lateral esquerdo, mole, ligeiramente depressível, com uma leve sensação de flutuação. O fundo do saco de

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Douglas é todo ocupado por esta tumefacção. Anexos esquerdos dolorosos e aumentados de volume. Colo uterino reduzido de volume e ligeiramente entreaberto. Corrimento vaginal de côr amarelada, com um cheiro fétido.

Aparelho digestivo — Diarreia.

Aparelho respiratório — Normal.

Aparelho circulatório — Á auscultação, normal; pulso pequeno, hipotenso, taquicárdico (140 p.).

Aparelho urinário — Normal.

Sistema nervoso — Normal.

História da doença

Há três semanas, depois dum aborto (féto de dois meses), a doente começou a sentir fortes dores de cabeça, febre, falta de forças, anorexia, sonolência, ao mesmo tempo que os loquios tomaram uma côr ama­relada e cheiro fétido. Algum tempo depois dum tratamento médico, as dores de cabeça atenuaram-se e o corrimento vaginal diminuía, mas a temperatura

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mantinha-se elevada. Foi então que, aconselhada pelo seu médico assistente resolveu internar-se no Hospital.

Antecedentes pessoais—'Anemia. Tem quatro filhos vivos e saudáveis. Há 3 semanas teve um aborto (feto de 2 meses).

Antecedentes hereditários — Mãe viva e saudável. Pai falecido, ignorando a causa da morte. O marido e quatro irmãos vivos e saudáveis.

Diagnóstico — Pelvi-celulite, consecutiva a uma salpingo-ovarite supurada esquerda.

Evolução da doença

Após a sua entrada para esta enfermaria insti-tuiu-se-lhe o seguinte tratamento médico : irrigações vaginais quentes, gelo sobre o ventre e injecções de óleo canforado e esparteína com estricnina.

Um dia depois a doente era submetida a trata­mento cirúrgico: colpotomia posterior, seguida de drenagem por um tubo de cautchouc em T.

A operação e a anestesia, que foi feita com éter, correu sem o menor incidente. Feita a incisão, o pús saiu em grande quantidade (l',5), de côr amarelo-

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-esverdeada e cheiro fétido. O exame bacteriológico deste pus deu o seguinte resultado : as preparações executadas pelo método de Gram-Nicolle, revelaram a existência de numerosos colibacilos, alguns estre­ptococos dispostos em pequenas cadeias, diplococos, alguns estafilococos e tetragenos, tomando todos o Oram, com excepção dos primeiros. No dia seguinte a temperatura (veja gráfico), eleva-se novamente. Os curativos foram feitos com o máximo cuidado, fazen-do-se primeiramente lavagens vaginais, iniciando-se passados dois dias, a da bolsa da colecção purulenta, com um soluto concentrado de permanganato de potássio. A supuração em poucos dias reduzia-se aproximadamente a uns 200 c-c' de pus, mas a doente ficava com dois curativos diários, devido à fetidez do pús drenado. A temperatura continua a elevar-se, até que suspeitei duma nova colecção purulenta, mas um exame rigoroso nada revelou.

A urina, analisada no dia 17-VII, apresentava todos os seus caracteres normais. A auscultação do aparelho cárdio-pulmonar, só nos acusa uma ligeira diminuição de murmúrio nas bases.

O pulso conserva-se pequeno, hipotenso e taqui­cardia), mas rítmico. No dia 19, aparecem nas urinas vestígios de albumina e a auscu!tacão do aparelho cardíaco, traduz-nos o aparecimento dum sopro sistó-lico, anorgânico, no foco mitral. Em virtude destes

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sintomas submeti a doente a uma injecção de 100cc-de soro glicosado. No dia 21, a doente encontra-se com um quadro clínico alarmante : postração e astenia muito acentuadas, tendência à sonolência, trémulo generalizado e bem nítido nos membros superiores e inferiores, arrepios violentos, delírio, língua saburrosa e ligeiramente húmida, hipertermia, 39°,4, cefalalgias occipitais, dores pelos membros inferiores, vómitos com a simples ingestão do leite, diarreia, urinas carre­gadas, turvas, com um leve depósito e 25 centigr. de albumina por litro. Pulso pequeno, hipotenso, taquicár-dico (120) e rítmico. A auscultação do aparelho car­díaco conserva-se como no dia 19.

Em presença destes sintomas, fiz o diagnóstico duma septicemia, e em virtude da sua gravidade resolvi fazer o tratamento desta injecção pelo choque, e assim, segundo o conselho de Nolf, foi-lhe feita uma injecção hipodérmica de 2c-c- de soro fisiológico com x gotas de adrenalina e a seguir, uma injecção de 5CC- de peptona a 5 %» í e i t a muito lentamente.

Antes da injecção

T =39°,4 T M = i i f (Humeral) Tm = 6,5 \ (Pachon) IO = 2 P == I20

1 hora depois

T =39° ,8 TM = n J (Humeral) Tm = 6 \ (Pachon) IO = 2 P = 1 3 0

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Uma hemocultura em caldo ordinário e em bílis de boi (pesquiza de estreptococo e colibacilos), foi negativa.

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 61,9 °/o

Linfócitos 30,5 %

Monócitos 5,7 % Basófilos 1,9 • / ,

A meio da aplicação da injecção de peptona, notei uma vaso-dilatação pouco acentuada, sobre a face e parte superior do tórax. Uma hora depois, a doente entra na fase do choque: arrefecimento das extremida­des, arrepios generalizados, polipneia, pulso pequeno, hipotenso, e taquicárdico (130). O leito foi aquecido e foi-lhe administrada uma injecção de 4C-C- de óleo can­forado a 10 %• Pouco tempo depois (10 m.), a doente começou a entrar na hipertermia secundária, e á tarde, a doente encontra-se no período dos suores abundantes.

Dia 22 : nova injecção de 10c'c- de peptona a 5 %•

Antes da injecção

T = 38° ,4 TM — 11 (Humeral) T m = 7 (Pachon)

IO = i , 5 P = 1 2 8

1 hora depois

T = 4 1 ° , 2 T M = 10 < (Pachon) Tm m, 6 \ (Humeral) IO = 1 , 5 P = 140

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Após uma hora, o choque traduziu­se pelos mesmos sintomas que o anterior, cedendo facilmente à aplicação da adrenalina.

No dia 23 a albumina reduzia­se novamente a simples vestígios (reacção no albuminímetro, mas os sintomas gerais da infecção nâo cediam, motivo porque injectei mais 10e­c­ de peptona a 5 %•

Antes da Injecção ! hora depois

T = 3 8 V T = 39°.6 TM = 10 T M = 8 T m = 7 T m = 6 IO = i > 5 IO = 1 P ■= 130 P = 140

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 83,2 °/0

Linfócitos 13,1 °/0

Monócitos 3,6 %

Uma hora mais tarde, aparece o choque : arrepios violentos, vaso­dilatação intensa, dispneia, delírio, aba­

los musculares muito nítidos sobre a face e membros. O trémulo impedia a contagem do pulso. Estes sinto­

mas desapareceram no espaço de 20 m. e a doente entrou na fase dos suores intensos e persistentes,

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sendo necessário, por diversas vezes, mudar-lhe a roupa do leito e do corpo.

No dia 24 a doente encontra-se melhor : o delírio e o trémulo tinham desaparecido, as cefalálgias occi­pitais e os arrepios atenuaram-se.

Como no dia 25, a temperatura da tarde atingisse 38°,6, ministrei-lhe outra injecção de 10cc- de peptona a 5 7o-

Antes da injecção 1 hora depois

T =38°,6 T M = i i J(Pachon) Tm = 7 I (Humeral) IO = 2 , 5 P = 140

T =41° ,3 TM = 10 r(Pachon) Tm = 6 \ (Humeral) IO = 2 P = 1 4 8

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 58 % Linfócitos 29 % Monócitos 8 % Basófilos 3 % Eosinófilos a %

A fase reacional que a injecção provocou à doente, foi sensivelmente a mesma que a anterior.

A fase dos suores profusos durou-lhe até de ma­drugada.

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No dia seguinte, os arrepios, as cefalalgias occipi­tais e os vómitos desapareciam, a diurese aumentou; a pesquiza da albumina foi negativa, e o pulso, apesar da temperatura da manhã ser baixa, não acompanhou esta queda, conservando-se frequente, pequeno e hipotenso, motivo porque, além dos cárdio-tónicos já instituídos lhe apliquei uma injecção de 100cc- de soro glicosado.

Posto que os sintomas gerais da infecção fossem pouco a pouco desaparecendo, resolvi no dia 28 fazer-lhe outra injecção endovenosa de peptona a 5 %•

Antes da injecção

T = 38o,4 T M = i2 í(Pachon) Tm = 6,5 [ (Humeral) IO = 2 P = 112

I hora depois

T =39°,2 TM — lo f (Pachon) Tm — 6 | (Humeral) IO — 2 P — I20

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 56,9 % Linfócitos 34,7 % Meonócitos 6,2 % Basófilos 0,7 °/o Eosinófilos 1,5 °/o

Além dos sintomas do choque, que tenho des­crito, a doente não apresentou qualquer alteração de

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maior gravidade. Como a doente nos dias seguintes se encontrasse bem disposta, e os sintomas infecciosos fossem desaparecendo, fiquei na espectativa, até que, no dia 1 de Agosto, a temperatura de novo volta para 39°,1. No mesmo dia, injectei mais 10cc- de peptona a 5 7o.

Antes da injecção

T - 3 9 V TM — 12,5 /(Pachon) Tm— 7,5 \ (Humeral) IO - 2,5 P — I20

I hora depois

T - 4 i ° , 4 TM — io,5 ( (Pachon) Tm — 6 I (Humeral) IO — 2 P — 140

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 49 % Linfócitos 48,2 % Monócitos 2,8 %

Fórmula leucocitária (1 hora depois da injecção).

Polinucleares neutrófilos 34 > 5 °/o Linfócitos 40,i % Monócitos 25,4 °/o

O choque, análogo aos anteriores, íoi passageiro, e a doente entrou rapidamente no período dos suores.

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Os sintomas da infecção desapareceram e o grá­fico mostra bem, como a diurese aumentou duma maneira manifesta. Somente, a temperatura, volta de novo a subir e o pulso mantem-se entre 120 e 140 pulsações; no dia 4, a doente encontra-se um pouco cianosada e dispneica, pulso 124, pequeno e hipotenso: TM = 10 Tm = 6 10 = 1,5.

A auscultação do aparelho cárdio-pulmonar, re­vela os sintomas seguintes :

Ensurdecimento dos ruidos cardíacos, ritmo niti­damente embriocárdico, sopro sistólico no foco mitral com propagação para a axila esquerda. Ponta do coração no 5.° espaço intercostal.

Em face destes sintomas instituí-lhe a seguinte terapêutica :

x gotas durante três dias do soluto de digitalina Mialhe, revulsão das bases pulmonares com cataplas­mas sinapisadas e ventosas.

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No fim do terceiro dia, a doente começou a tomar três hóstias, diárias, de 25 centigr. de sulfato de quinino, com o fim de lhe manter o ritmo digitalico.

Poucos dias depois, a sintomatologia pulmonar reduzia-se, mas os sintomas cárdio-vasculares manti-nham-se. A doente, apesar de se encontrar agora com uma miocardite tóxica, não apresentava já qualquer sintoma da sua passada septicemia.

A temperatura começou a descer no dia 8, con­tinuando a fazer, contudo, pequenas oscilações tér­micas; convalescente, de poucos dias, da sua grave infecção, encontra-se muito astenisada, com falta de forças e marchando com dificuldade. Tem pouco apetite e súa ligeiramente de noite.

A hipotensão é acentuada. O exame do seu aparelho pulmonar revela, no

vértice direito, os sinais de condensação e rudeza res­piratória, que represento no esquema seguinte :

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É nesta sintomatologia, que penso ser a tradução duma bacilose pulmonar latente, que deve estar a origem das pequenas temperaturas que vem fazendo dia a dia.

No dia lõ-VIII-1922, a doente, cuja ferida opera­tória estava cicatrisada, resolveu abandonar a enfer­maria.

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I l l

N.° do registo hospitalar: 209. N.o de Cl. C. : 624.

M. C. S. F., 24 anos de idade, casada, doméstica. Entrada para a Enf. n.° 8 a 26 de Agosto de 1922.

Estado actual

Sintomas gerais—Pele e mucosas descoradas, astenia, postração, hipertermia (39°).

Exame ginecológico — Colo do útero mole e aumentado de volume.

Orifício externo do colo uterino ligeiramente entreaberto. Útero mole, depassando quatro centí­metros a sínfise púbica. Corrimento vaginal abundante, de côr amarelada e cheiro fétido.

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Aparelho respiratório — Normal.

Aparelho cárdio-vascular — Á auscultação normal; pulso pequeno, hipotenso, frequente (120).

Aparelho digestivo — Obstipação.

Aparelho urinário — Normal.

Sistema nervoso — Normal.

História da doença

Há oito dias, depois dum parto, a doente começou a sentir leves dores no fundo do abdómen (região hipo-gástrica), cefalalgias frontais, febre, arrepios, notando ao mesmo tempo que os loquios aumentaram de quan­tidade e se tornaram fétidos. Como estes sintomas não se reduzissem, resolveu internar-se no Hospital.

Antecedentes pessoais—Febre tifóide em 1918. Icte­rícia. Cólicas hepáticas (frequentes). Teve 5 filhos, dos quais um faleceu de tenra idade, com uma pneumonia.

Antecedentes hereditários —Vai falecido (ulcera do estômago).

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Mãe viva e saudável. O marido e três irmãos, vivos e saudáveis.

Diagnóstico — Infecção puerperal.

Evolução da doença

Apesar do tratamento médico instituído, após à sua entrada para esta enfermaria: dieta láctea, irri­gações vaginais quentes, de permanganato de potássio, gelo sobre o ventre, purgante de sulfato de sódio e injecções de óleo canforado e de esparteína com estri-cnina, os sintomas gerais da infecção não tem ten­dência a regressar.

Um exame bacteriológico dos loquios, feito no dia 18, revela o estreptococo em pureza. O pulso mantem-se frequente, pequeno e hipotenso. No dia 20, a doente queixa-se de fortes cefalalgias frontais e apre­senta, na região parotidea esquerda, uma enorme tumefacção, extremamente dolorosa, à pressão e expon-tâneamente, recoberta duma pele avermelhada, com aumento de temperatura local, e um notável edema, que lhe invade toda a face esquerda. A invasão dos gânglios retro-auriculares e sub-maxilares é nítida. Como tratamento local fiz-lhe aplicações constantes de pensos húmidos, quentes, de permanganato de potássio.

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100 -

Além dos sintomas gerais da infecção, outros de maior importância se faziam notar, ao mesmo tempo que a temperatura de novo tinha tendência a subir. Assim, no dia 21, a doente aparece-nos com um tré­mulo generalizado, violentos arrepios, e a obstipação fazia-se substituir por crises diarreicas. Uma hemo-cultura, feita num balão com 250 c'c- de caldo glico-sado, fica estéril.

Neste mesmo dia fiz-lhe uma incisão no sulco retro-auricular, ligeiramente curva, de concavidade anterior, e uma injecção de 100 c-c- de soro glicosado. Esta incisão deu saída a uma pequeníssima quanti­dade de pús, grumôso, de côr amarelada, espesso, semelhante ao dum carnicão.

— Era uma parotidite flegmonosa — O exame bacteriológico deste pús, revela o estreptococo em pureza. Administrei uma injecção de 60cc ' de soro antiestreptococico polivalente. No dia seguinte, nova injecção de 30c'c- de soro antiestreptococico; o edema invade toda a face e a doente não melhora. No dia 24, fiz-lhe uma nova incisão na região masseterina esquerda, que deu saída a uma grande quantidade de pús e tecido necrosado. No dia 25, a doente sente violentas dores ao nível do orifício externo do canal auditivo esquerdo, com uma notável irradiação para a região temporal. Pela forte pressão, vê-se sair pús pelo orifício externo do canal auditivo.

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- 101

Ministrei-lhe uma nova injecção de 100 c-c- de sôro glicosado e aplicações de glicerina fenicada a 10 % n 0 c a n a l auditivo esquerdo.

A temperatura atinge 40° no dia 26, a doente encontra-se postrada, apresenta uma ligeira côr subi-cterica, vómitos com a ingestão do leite, pulso fre­quente, pequeno, hipotenso, urinas fortemente carre­gadas, leves vestígios de pigmentos biliares.

Como a inspecção dos diferentes aparelhos não revelasse qualquer contra-indicação ao choque, e dada a ineficácia da medicação até aqui instituída, resolvi, em face do agravamento progressivo de todos os sintomas, fazer-lhe uma injecção endovenosa de 10cc-de peptona a 5 °/0-

Antes da injecção

T = 4 0 ° TM as 10,5 / (Pachon) Tm = 7 \ (Humeral) IO = 4 P = 112

I hora depois

T = 4 0 ° , 8 TM = 9 ( (Pachon) Tm = 6,5 \ (Humeral) IO = 4 P = 120

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 77,9 °/0

Linfócitos 18,5 °/0

Monócitos 3,6 °/o

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102

Fórmula leucocitária (1 hora depois da injecção).

Polinucleares neutrófilos 63,2 °/0

Linfócitos 20 °/o Monócitos 16,5 % Eosinófilos 0,3 °/o

Uma hora mais tarde a doente entra no choque, sem apresentar qualquer sinal de colapso.; apenas se notaram ligeiros arrepios, uma leve cefaleia e os sinto­mas cárdio-vasculares apontados nos esquemas. A doente entrou rapidamente nas fases da hipertermia secundá­ria e das transpirações profusas. Examinando o gráfico desta doente, vê-se como foi rápida a queda termomé­trica e da frequência do pulso, e como a diurese aumen­tou. Os sintomas infecciosos foram pouco a pouco desaparecendo, o corrimento vaginal diminui tanto de abundância como de fetidez, até que no dia 29, a doente queixa-se de insónias, ao mesmo tempo que a temperatura tem tendência a subir; resolvi fazer-lhe outra injecção de 10cc- de peptona a 5 %•

Antes da injecção

T = 37V TM — i i j(Pachon) Tm = 7 \ (Humeral) IO = 4 P = 96

I hora depois

T = 38°,5 TM— 10 r(Pachon) Tm =» 6 I (Humeral) 10 = 3 P == 112

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103

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 76,3 % Linfócitos 21,8 % Monócitos 1.9 %

Fórmula leucocitária (1 hora depois da injecção).

Polinucleares neutrófilos 6o °/0

Linfócitos 26,6 % Monócitos 13,4 o/0

O choque foi passageiro e traduziu-se pelos mes­mos sintomas do anterior.

Á tarde deste mesmo dia e na manha seguinte a doente estava apirética, os sintomas gerais da infecção extinguiam-se, a supuração da região parotidea é diminuta e a doente entrou em breve na convales­cença. A temperatura caiu definitivamente no dia 3, a parotidite curou rapidamente, e a doente, deixou o Hospital completamente curada no dia 15 de Setem­bro de 1922.

*.

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IV

N.° do registo hospitalar : 200. N.» de Cl. C. : 627.

F. M. F., 31 anos de idade, casada, creada de servir. Entrada para a Enf. -n.° 10 em 15 de Agosto de 1922. Transferida para a Enf. n.° 8 em 21 de Agosto de 1922.

Estado actual

Sintomas gerais — Emagrecimento notável, fácies peritonial, olhos encovados, intensa côr subictérica, astenia e postração muito acentuadas, trémulo genera­lizado, crises violentas de arrepios, hipertermia (39°,5).

Exame ginecológico—Colo uterino, mole e aumen­tado de volume, com o seu orifício externo permeá­vel. Corpo do útero, depassando a sínfise púbica, mole, completamente cheio de restos placentários.

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106 -

Exame ao especulo — Grande erosão do colo do útero. Nos fundos do saco laterais, veêm-se pequenos orifícios, que dão saída a pús amarelado. Corrimento vaginal de côr acastanhada e cheiro fétido.

Aparelho respiratório — Número de movimentos respiratórios por m. = 60. Violenta tosse com expe­ctoração ; à auscultação :

Aparelho cárdio-vascular — 2." ruido mitral vi­brante; pulso pequeno, hipotenso, taquicárdico (140).

Aparelho digestivo — Diarreia, fígado aumentado de volume e doloroso à pressão.

Aparelho urinário — Normal.

Sistema nervoso — Normal.

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História da doença

Há quinze dias teve um aborto (feto de três meses), e algum tempo depois, começou a sentir falta de forças, dores na região frontal e pelos membros, febre, ao mesmo tempo que, lhe apareceu um corrimento vaginal, raiado de sangue, com mau cheiro.

Havia dias que sentia dores em fisgadas no fundo do abdómen, principalmente na fossa ilíaca direita.

Estas dores exacerbavam-se com a palpação ou com movimentos bruscos que a doente fizesse. Á obstipação dos primeiros dias da sua doença, seguiu--se uma diarreia intensa (10 a 12 dejecções). Como fosse piorando dia a dia, resolveu hospitalizar--se, dando entrada na enfermaria em 15 de Agosto de 1922.

Antecedentes pessoais — Em 1918 gripe pneu­mónica.

Tem duas filhas vivas e saudáveis.

Antecedentes hereditários—Vus vivos e saudáveis. Marido e dois irmãos, vivos e saudáveis.

Diagnóstico — Infecção puerperal.

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Evolução da doença

Esta doente esteve internada na Enf. n.° 10 (sala Pedro Nunes), desde o dia da sua entrada para o Hospital, até 20 do mesmo mês, com o diagnóstico duma febre tifóide, posto pelos sintomas seguintes : dôr espontânea e à pressão na fossa ilíaca direita, timpanismo, gargolejo, diarreia, fácies peritonial, cor subictérica, ponto vesicular doloroso, fígado aumen­tado de volume, discordância entre o pulso e tem­peratura.

Este quadro clínico, era acompanhado dos sin­tomas gerais que descrevo, tanto no estado actual como na história da doença; apresentava um corri­mento vaginal fétido, não tinha hemorragias uterinas e não referia qualquer aborto recente. Como os sinto­mas infecciosos não cedessem ao tratamento médico que lhe instituíram e como no dia 19 a doente apre­sentasse abundantes hemorragias uterinas, constatou-se, num exame ginecológico o encarceramento da pla­centa no útero e transferiu-se a doente para a sala da 2S Clínica Cirúrgica, no dia 21, quando apresentava a sintomatologia que descrevi. Após a sua entrada para esta enfermaria administrei-lhe um purgante de sulfato de sódio, gelo sobre o ventre, irrigações vagi­nais quentes de permanganato de potássio, injecções de óleo canforado e de esparteína com estricnina, e

/

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aplicações de cataplasmas sinapisadas no peito e costas.

No dia imediato a doente íoi submetida a trata­mento cirúrgico: curetagem uterina, cauterisaçòes com tintura de iodo e drenagem. No momento da ope­ração pôde-se constatar que o útero, além dos restos placentarios retidos na sua cavidade, se encontrava cheio de pequenos abcessos, contendo pús de cheiro fétido. Um exame bacteriológico deste pús, revela numerosas cadeias de estreptococos, e bactérias vul­gares.

A placenta dilacerava-se ao contacto dos dedos com grande facilidade, encontrando-se totalmente necrosada.

Na tarde do dia da operação, a temperatura mantem-se elevada, os vómitos aparecem, e a doente faz frequentes arrepios.

Em presença do quadro alarmante que tenho vindo a descrever, resolvi fazer-lhe neste mesmo dia uma injecção de 10c-c- de peptona a 5 %•

Antes da injecção

T = 3 9 ° T M = n í (Pachon) Tm = 7 | (Humeral) IO = 4 P = 1 2 0

1 hora depois

T = 39°,5 TM = 10,5 í (Pachon) Tm — 7 \ (Humeral) IO = 4 P = 1 3 0

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Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 83,7 °/0

Línfócitos 10,9 °/o Monócitos 5,4 c/o

A doente apenas apresentou os sintomas do cho­que apontados nos esquemas. No dia seguinte, apesar da temperatura descer, não encontrei na doente melho­ras nenhumas. Uma hemocultura feita num balão com 250c-c- de caldo glicosado, para a pesquiza do estre­ptococo, foi negativa. Os sintomas infecciosos não tem tendência a regressar, o número de movimentos res­piratórios por minuto é de 48, e como a temperatura tivesse subido para 38°,6, fiz-lhe a 2.a injecção de 10cc- de peptona a 5 %•

Antes da injecção

T = 3 8 » , 6

T M = i i J(Pachon) Tm = 7 I (Humeral) IO = 3 P = 1 2 2

I hora depois

T = 39V TM = io r (Pachon) Tm = 6 \ (Humeral) IO = 3 P = 1 3 0

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos Línfócitos Monócitos

84,* 7o I2>6 7o 3,2 7o

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I l l

No momento da injecção a doente teve uma forte sensação de peso de cabeça e tonturas. O choque foi traduzido pelos sintomas registados nos esquemas. A fase dos suores foi pequena e passageira. A côr subictérica reduziu-se muito, a frequência do pulso diminui e a diurese aumentou; porém no dia 25, a temperatura atinge 39°, a doente volta a sentir-se mais afrontada, reaparecem os arrepios, e a astenia e a prostração acentuam-se. Neste mesmo dia foi-lhe ministrada uma nova injecção de 10cc- de peptona a 5 »/,.

Antes da injecção t hora depois

T =39» T M = n , 5 / (Pachon) Tm = 7 \ (Humeral) IO = 5

T =-39°,5 TM = lo f (Pachon) Tm = 6 \ (Humeral) IO = 3

P = 104 P =»I20

Fórmula leucocitária (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos 76,6 % Linfócitos 20,8 % Monócitos 2,6 °/0

Uma hora mais tarde, a doente queixa-se somente duma pequena cefaleia frontal, sintoma que desapa-

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112

receu rapidamente. A sintomatologia infecciosa de novo teve tendência a regressar; a supuração dos fundos de saco vaginais e do colo uterino reduziu­se, o número de movimentos respiratórios é de 26 por minuto, a diarreia diminui, bem como as cefalalgias frontais.

No dia 28, em virtude da grande diminuição do débito urinário, fiz­lhe uma injecção de 100cc­ de soro glicosado. Como no dia 29 todos os sintomas infecciosos de novo fizessem a sua recrudescência, foi­lhe feita pela 4." vez, uma injecção de 10cc­ de peptona a 5 %•

Antes da injecção t hora depois

T = 37°,6 T = 39°,5 TM = io TM = 8 Tm = 7 Tm =s 6 IO = 4 IO = 3 P = 112 P = 1 2 0

Fórmula leucocitátia (antes da injecção).

Polinucleares neutrófilos Linfócitos Monócitos . . . . . . Basófilos Eosinófilos

8o % 12,4 % 4.8 % 1.9 °/o 0)9 7o

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Fórmula leucocitária (1 hora depois da injecção).

Polinucleares neutrófilos 66,8 % Linfócitos 17,2 °/o Monócitos 14,6 % Basófilos Ifi"/o Eosinófilos 0,6 %

O choque traduziu-se pelos mesmos sintomas do anterior.

A hipertermia secundária foi elevada. Apesar das injecções repetidas de peptona e das pequenas oscilações que o choque produzia, as melhoras da doente eram pouco acentuadas e os sintomas da sua toxi-infecção mantinham-se.

Nos dias que seguiram a última injecção de peptona, a frequência do pulso de novo aumentou e a diurese diminuiu, motivo porque, alem dos car-dio-tónicos já mencionados, lhe injectei 100cc- de soro glicosado.

Na tarde do dia 5 de Setembro a temperatura caiu para 3õ°,8, o pulso elevou-se para 128 p., pequeno, hipotenso, a diurese continua a diminuir, o número dos m. r. por m. é elevado, e a auscultação do apare­lho pulmonar revela o aparecimento, na face posterior

a

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do pulmão direito, de diferentes e extensos focos bronco-pneumónicos :

O estado da doente agravou-se muito apesar do tratamento a que submeti : injecções de óleo canforado e de esparteína com estricnina alternadas de 3 em 3 horas; 100c-c- de soro glicosado, injecções de x gotas de adrenalina, em virtude da acentuada hipotensão e cataplasmas sinapisadas e ventosas no hemitórax direito de 3 em 3 horas. A doente, no dia seguinte não apre­sentava melhoras no seu estado geral. O coração enfra­quecia rapidamente, aparece o ritmo embriocárdico, sendo-lhe administradas x gotas diárias de digitalina Mialhe ; mas a infecção progride e a doente falece na madrugada do dia 7-IX-1922.

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DISCUSSÃO

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Tendo coligido as minhas observações á medida que o exame quotidiano das doentes me obrigava a orienta-las segundo a marcha evolutiva dos seus sin­tomas, e não me tendo sido possível, no seguimento desse plano, prestar a alguns pontos toda a atenção que a sua importância requeria, necessário se torna que, em conjunto, as aprecie, debaixo dos pontos de vista do diagnóstico, da terapêutica e ainda das modi­ficações humorais determinadas pelo choque.

Porém, se me proponho, neste estudo comum das minhas doentes, ventilar alguns dos assuntos em que a observação individual foi sobretudo insuficiente, julgo da máxima importância, a justificação da tera­pêutica realizada. Tive ocasião de dizer que o choque provocado pelas injecções endovenosas de peptona, é,

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por vezes, de tal maneira violento que dele só deve­mos lançar mão em casos muito graves, de suficiente resistência orgânica do doente e quando a ineficácia de tratamentos e métodos terapêuticos menos ousados, autorizam o clínico a todas as tentativas para salvar a vida do doente (Widal e Abrami).

Na doente da minha primeira observação, depois da incisão e lavagens com antisépticos concentrados da bolsa de estagnação do pús, depois de esgotados todos os meios para manter o seu estado geral, depois ainda de aplicações de soro especifico, a quantidade de pús estreptocócico mantinha-se ou aumentava, a doente profundamente astenisada e postrada, caqueti-sava-se rapidamente; depois emfim de se ter posto clinicamente o diagnóstico duma forma grave de infe­cção sanguínea estreptocócica (a fórmula leucocitária revelava 73,6 % de polinucleares neutrófilos), prati­quei o choque, realizando quatro injecções sucessivas de peptona.

A doente melhorou pouco a pouco, a supuração diminuiu, a temperatura caiu depois de algumas osci­lações que atingiram 38#,2 e a doente não entrou mais cedo em franca apirexia, (v. gráfico) porque a degene­rescência do seu miocárdio lhe proibiu qualquer nova aplicação de peptona.

A segunda doente observada, depois de submetida à colpotomia e drenagem, encontrava-se poucos dias

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depois presa duma sintomatologia de tal maneira alarmante, grave síndromo infeccioso, que o diagnós­tico duma septicemia impõe-se; a falta de técnica na colheita do sangue para hemocultura, fez perder a con­firmação laboratorial da infecção sanguínea.

Como na primeira, depois das aplicações de peptona, a doente viu pouco a pouco atenuados os graves sintomas da sua infecção, que só muito lenta­mente cederam, depois de seis injecções de peptona.

As duas últimas doentes, portadoras de infecções puerperais, apesar do tratamento ginecológico a que as tive submetidas na enfermaria, apresentavam um estado geral grave, que na primeira delas se acentuou depois do aparecimento da sua parotidite estreptocó-cica; embora o exame do sangue, realizado no dia seguinte, tivesse sido negativo, o do pús revelou o estreptococo em pureza, mas o tratamento pelo soro específico e as incisões das regiões parotídea e masse-terina não impediam a marcha da doença : os sintomas gerais e nervosos agravavam-se progressivamente, a supuração aumentou, a temperatura atinge 40°, a doente vomita e o seu débito urinário é muito redu­zido. Depois da primeira injecção de peptona, o cor­rimento vaginal quási desaparece, a doente melhora e, depois de nova injecção, os sintomas gerais e locais extinguiram-se, a temperatura caiu e a doente curou das suas duas localizações.

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Da mesma maneira, na última, as melhoras acen-tuaram-se depois da primeira injecção de peptona, o seu estado porém, agravou-se, eram passageiros os sintomas do choque nas aplicações seguintes, a reacção violenta que a injecção de peptona produz e de que a doente aproveita, não se fazia, e a doente veio a fale­cer, de insuficiência cardíaca, vinte e quatro horas depois do aparecimento dos primeiros focos bronco--pneumónicos. Todas estas doentes, cujas melhoras se acentuavam à medida que se repetiam as aplicações de peptona, apresentavam variadas reacções clínicas, nas observações descritas, e que à excepção do choque determinado pela primeira injecção que realizei na doente da observação n.° 1, tinham o seu início apro­ximadamente uma hora depois de feitas.

Em todas, a sua duração não excedeu vinte minu­tos e as reacções leucocitárias provocadas, coincidiram com o aparecimento de alguns fenómenos que mais constantemente se observaram : todas as crises hemo-clásicas foram acompanhadas de vaso-dilatação perifé­rica intensa, de arrepios, de abalos musculares, arrefe­cimento das extremidades, polipneia, duma baixa de tensão arterial que não ultrapassou dois centímetros de Hg na máxima e um e meio na mínima, com uma dimuíção da amplitude oscilatória de meia a duas divisões do quadrante e dum aumento da frequência do pulso variável de oito a vinte.

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A elevação térmica reaccional, que na segunda doente atingiu, fio momento do choque 2°,7, obser-vei-a constantemente, tanto mais intensa quanto mais violentos eram os sintomas do choque; e a sua remis­são, acompanhando os fenómenos da defervescência, era seguida duma crise sudoral abundante que mais ou menos nitidamente coincidia com o aumento do débito urinário.

Todas estas reacções, que pelo seu conjunto cons­tituem o choque hemoclásico, são para todos os auto­res, e entre eles Achard, Weil, Widal, Abrami etc., determinadas por um estado de leucopenia polinuclear e aumento do número dos monócitos, que dura apro­ximadamente cinco a seis horas, depois das quais o doente entra numa fase de hiper-leucócitose polinu­clear. Destes fenómenos humorais citados, tive ocasião de obter a confirmação, na investigação e estudo das fórmulas Ieucocitárias, colhidas antes e depois das injecções, embora sem a nitidez que encontrei referida pelos diversos autores. A mononucleose que segue imediatamente a aplicação da peptona, que observei nas três últimas doentes, foi sobretudo acentuada na última injecção sofrida pela segunda e era de 25,4 %• Foi o número máximo de monócitos, por cento, que observei, bem como a leucopenia polinuclear que sempre foi bem menos intensa que as obtidas pelos mesmos autores: o máximo abaixamento de polinu-

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cleares por mim observado atingiu 14,7 %• A fase seguinte, caracterizada pela polinucleose, foi nas minhas observações pouco claramente evidenciada, e, para a explicação deste facto, não devem deixar de ter impor­tância, a redução da intensidade do processo infe­ccioso e as melhoras das doentes, à medida que se repetiam os choques terapêuticos.

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CONCLUSÕES

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Do que observei nas minhas doentes julgo-me autorizado a concluir:

1." — Que o choque realizado pelas injecções endo­venosas de peptona, é uma das mais impor­tantes conquistas da moderna terapêutica anti-infecciosa, e que os explêndidos resulta­dos da sua aplicação vem desosbscurecer o prognóstico das infecções graves.

2.° — Que todas estas aplicações de peptona são seguidas duma fase reaccional, variável de duração e de intensidade, que precede de pouco os fenómenos da defervescência e as crises sudoral e urinária, sintomáticas das melhoras do doente.

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3." — Que uma prévia e cuidadosa observação clínica, exclue a possibilidade do apareci­mento de sintomas ou colapsos graves.

4.° —Que esta medicação, estimulando a função leucocitária, por excitação da hematopoiese, favorece, por fagocitose, a luta contra o agente infeccioso.

5.°—Que a seguir à fase passageira da mono­nucleose e leucopenia, aparece uma poli-nucleose duradoira, que coincide com a descida térmica e com a acentuação das melhoras no estado do doente.

VISTO i PODE IMPRIMIR-SE

Presidente. Director interino.

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