psicopedagogia e arte – uma relaÇÃo...

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ELIANA ROSA SILVA MOREIRA PSICOPEDAGOGIA E ARTE – UMA RELAÇÃO POSSÍVEL PUC-Campinas 2006

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ELIANA ROSA SILVA MOREIRA

PSICOPEDAGOGIA E ARTE – UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

PUC-Campinas 2006

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ELIANA ROSA SILVA MOREIRA

PSICOPEDAGOGIA E ARTE – UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

Monografia apresentada sob orientação da Profa. Maria Regina Peres, ao Curso de Especialização em Educação e Psicopedagogia da PUC-Campinas, como requisito parcial para obtenção do título de psicopedagoga.

PUC-Campinas 2006

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AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da Arte, uma paixão na minha vida.

Ao meu marido Paulo e a minha filha Isabela pelo apoio e paciência. A professora Regina, pela orientação carinhosa.

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DEDICATÓRIA A meus pais pelo constante incentivo aos estudos.

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Resumo O presente trabalho tem como objetivo principal utilizar a arte como instrumento facilitador da aprendizagem numa intervenção psicopedagógica. Em um estudo de caso com duas crianças, sujeitos desta pesquisa, que apresentam dificuldade relacionada à atenção, memória e percepção. Através das aulas de Educação Artística, num fazer criativo, foi possível que as crianças com dificuldades de aprendizagem pudessem se expressar buscando a compreensão de si mesmo, e dos outros, articulando não somente a percepção, memória, e a atenção, mas também a imaginação a criatividade, a sensibilidade e a autoconfiança. Sendo assim o arte-educador terá um papel importante, pois apresentará a arte como atividade fundamental e necessária além de experienciada como algo divertido, muito prazeroso, que traz plenitude e realização pessoal, sendo válida em si mesma. A intervenção psicopedagógica com arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Palavras-chave: criança, dificuldade de aprendizagem, arte, escola, psicopedagogia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................11 CAPÍTULO 1 - CONHECENDO ALGUNS CONCEITOS SOBRE A ARTE E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO............17 1.1 O conceito de zona de desenvolvimento proximal....................................29 1.2 Algumas idéias sobre percepção, atenção e memória. ..............................30 1.3 Contribuições da Escola e da Arte/Educação na construção do indivíduo32 1.4 Arte, Educação, Arte/educação. ................................................................33 1.5 Artes Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN - 1997) .......34 1.6 Educação Artística nas escolas. Para quê? ................................................36 CAPÍTULO 2 - PERCURSO METODOLÓGICO..............................................37 2.1. Apresentação das atividades escolhidas ....................................................40 2.2. Material utilizado para realização das Atividades: ...................................41 CAPÍTULO 3 - PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA .....42 3.1. Desenvolvimento das atividades ...............................................................42 CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DOS DADOS ...........................................................47 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................51 BIBLIOGRAFIA..................................................................................................53

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INTRODUÇÃO

O espírito faz a mão, a mão faz o espírito... o gesto exerce uma ação contínua sobre a vida interior. Focillon (1983).

A arte sempre esteve presente em todas as formações culturais, desde o inicio da

história da humanidade. Ao desenhar um bisão numa caverna, na Pré-História, o homem

teve que aprender seu ofício. Depois, ensinou para alguém o que aprendeu. Assim, o

ensino e aprendizagem da Arte fazem parte do conhecimento que envolve a produção

artística em todos os tempos. A Arte como expressão e forma de conhecimento é

também uma construção humana.

Para Lowenfeld (1977), a Arte desempenha um papel potencialmente vital na educação

das crianças. Para Fusari e Ferraz (1992), a Educação através da Arte é, na verdade, um

movimento educativo e cultural. Buscando a constituição de um ser humano completo,

total, dentro dos moldes do pensamento idealista e democrático. Valorizando no ser

humano os aspectos intelectuais, morais e estéticos. Procura despertar sua consciência

individual, harmonizada ao grupo social ao qual pertence.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1977) - a educação em arte propicia o

desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar

sentido às experiências das pessoas. Por meio do pensamento artístico, o aluno amplia a

sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender Arte envolve, não

somente, fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também,

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conhecer, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas

individuais e coletivas de distintas culturas e épocas.

Para Porcher (1982) Educação Artística é tão necessária, que se ignorada seria o

atrofiamento do que de mais concreto existe em nós - a fantasia, a afetividade e a

sensibilidade, atributos de que em potencial somos proprietários para desvendarmos a

vida.

Vygotsky (1982) conceituou a atividade criadora ou criatividade como toda realização

humana criadora de algum objeto do mundo exterior. Quer de determinadas construções

do cérebro ou do sentimento, que vive e se manifesta apenas no próprio ser humano.

A Arte deve ser reconhecida como a mais segura das formas de expressão que a

humanidade já conseguiu criar. Sendo assim, a Arte é um importante trabalho

educativo. Pois procura, através de tendências, encaminhar o indivíduo a formação da

percepção estética e do belo, além de estimular a inteligência e contribuir para a

formação da personalidade do individuo. Em arte, não se pode ter somente como

preocupação única e mais importante à formação do artista.

No seu trabalho criador, o indivíduo utiliza e aperfeiçoa processos que desenvolvem a

atenção, a memória, a percepção, a imaginação, a observação, o raciocínio, o controle

gestual. Essas capacidades psíquicas influem diretamente na aprendizagem.

No processo de criação, o indivíduo pesquisa a própria emoção, liberta-se da tensão,

ajusta-se, organiza pensamentos, sentimentos, sensações e forma hábitos de trabalho.

Educa-se. É neste contexto que o individuo encontra campo propício para o seu

desenvolvimento emocional, social, cultural ampliando a sua capacidade criativa, com

qualidade, eficiência e dignidade.

Portanto a Arte/educação, como uma linguagem aguçadora dos sentidos, transmite

significados que não podem ser transmitidos através de nenhum outro tipo de

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linguagem, tais como a discursiva e a científica. Dentre as artes, destacamos as visuais,

que tendo a imagem como matéria-prima, torna possível a visualização de quem somos

de onde estamos e de como nos sentimos.

A arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importante

instrumento para a identificação cultural e conseqüentemente para o desenvolvimento

individual. Através da arte/educação é possível desenvolver a percepção, a imaginação,

a observação, a atenção, a memória. Destacamos também a possibilidade de aprender a

realidade do meio ambiente, a desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a

realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi

analisada.

Read (2001) cita que a educação é incentivadora do crescimento, mas com exceção da

maturação física, o crescimento só se torna aparente na expressão-signos e símbolos

audíveis ou visíveis. Portanto, a educação pode ser definida como o cultivo dos modos

de expressão - é ensinar crianças e adultos a produzir sons, imagens, movimentos

ferramentas e utensílios. O homem que sabe fazer bem essas coisas é um homem

educado. Se ele é capaz de produzir bons sons, é um bom falante, um bom músico, um

bom poeta; se ele consegue produzir boas imagens, é um bom pintor ou escultor; se ele

pode produzir bons movimentos, é um bom dançarino ou trabalhador. Todas as

faculdades, de pensamento, lógica, memória, sensibilidade e intelecto são inerentes a

esse processo, e nenhum dos aspectos educacionais, esta ausente deles. E são todos

esses processos que envolvem a arte. Portanto, o objetivo da arte /educação é a

formação de pessoas eficientes nos vários modos de expressão.

Nesse processo de desenvolvimento da criança, a escola e os professores são também

importantes mediadores, pois se interpõem entre a criança e o mundo social mais amplo

e se responsabilizam por ensinar-lhes conteúdos, por fazê-las aprender, por desenvolver

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suas inteligências e sua afetividade. A escola intervém com novos materiais e objetos

para estimular a criança a pensar. Ela aproveita com isto as próprias experiências

trazidas pela criança. A escola seleciona o que considera importante de ser aprendido,

filtra faz recorte e “toma as rédeas” do processo de aprendizagem de seus alunos. Seja

qual for a metodologia seguida, uma coisa é certa: na escola ocorrem intervenções, cujo

objetivo central é a aprendizagem de conteúdos selecionados como importantes para a

vida futura da criança no mundo social a que pertence.

Dentre as intervenções que podem ocorrer no interior da escola, privilegiamos neste

estudo a intervenção psicopedagógica. Utilizaremos a arte-educação como recurso

facilitador do processo de mediação entre a criança e a construção de conhecimentos,

visando prevenir e/ou superar possíveis dificuldades de aprendizagem.

Assim, esta proposta de trabalho origina-se inicialmente de minha própria atuação,

como professora de arte há 20 anos, em especial ministrando aulas de educação

artística. Diante disto, tenho notado que as crianças e adolescentes se entregam

totalmente, com grande envolvimento emocional durante as aulas. Sendo assim, parto

do pressuposto que a arte exerce nas pessoas uma influência positiva, isso quer dizer

que a Educação Artística nas escolas converte-se num catalisador do desenvolvimento

humano, tanto no campo da educação básica, como no campo da educação profissional.

Ao trabalhar com a arte-educação numa intervenção psicopedagógica, propõe-se uma

reconstrução da estrutura psíquica do educando. Com a vivência do criar, a arte parece

restaurar a harmonia interior fornecendo condições propícias à maturidade, e com o

amadurecimento talvez entender e assimilar as dificuldades apresentadas. A arte

contribui como sendo como um instrumento necessário para a inserção entre o ser

humano e o mundo, em seus momentos mais críticos.

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Assim temos que segundo May, 1975-1982, p.47 apud., Alessandrini, 1996 que “O

subconsciente e o inconsciente agem em uníssono com o consciente, conjugando o

desempenho das funções intelectuais, evolutivas e emocionais”

Diante disto, este projeto de intervenção psicopedagógica pretende utilizar dos recursos

da arte, por meio de um fazer criativo, para desenvolver as habilidades do aluno que

apresenta dificuldades de aprendizagem. Dificuldades estas relacionadas com a

memória, percepção e atenção. Assim pretendemos fazer com que ele elabore suas

próprias estratégias para resgatar essas dificuldades. Contribuindo para a ampliação do

seu desenvolvimento emocional além de possibilitar a ampliação de seu auto-

conhecimento.

Assim a partir destes referenciais, utilizaremos como instrumentos nesse processo de

intervenção psicopedagógica, recursos criativos como: expressão visual, musical e

corporal.

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CAPÍTULO I

CONHECENDO ALGUNS CONCEITOS SOBRE A ARTE E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Arte é fazer, Arte é exprimir e Arte é conhecer (Bossi,1991 Pareyson,1966;Frayze-Pereira,1994).

Este capítulo pretende apenas apresentar uma visão geral, e certamente incompleta, de

conceitos sobre arte e a sua contribuição para o desenvolvimento humano. Abordaremos

a importância da utilização de instrumentos e signos como mediadores no fazer

artístico, enfatizando a necessidade da arte em nossas vidas.

Sendo assim temos segundo o dicionário filosófico de N. Abbagnano (1960), Arte em

latim Ars; em inglês Art; em francês Art; em alemão Kunst. No seu significado mais

geral, todo conjunto de regras capazes de dirigir uma atividade humana qualquer. Platão

não estabeleceu uma distinção entre Arte e ciência. Arte para Platão é a do raciocínio

(Fedro, 90 b) como a própria filosofia no seu grau mais alto, isto é, a dialética (Fedro,

2660 d); arte é a poesia, embora a esta seja indispensável uma inspiração delirante (Ibid.

245 a). Arte é a política e a guerra (PROT, 322 a). Arte é medicina e Arte é respeito e

justiça sem os quais os homens não podem viver juntos nas cidades (Ibid., 322 c, d).

O domínio global do conhecimento é dividido em duas Artes, a judicativa e a

dispositiva ou imperativa. A primeira consiste simplesmente no conhecer. A segunda

no dirigir, com base no conhecimento, uma determinada atividade. (Pol.,260 a,b; 292 c).

Desse modo, a Arte compreende para Platão todas as atividades humanas ordenadas

(inclusive a ciência) e se distingue, no seu complexo, da natureza (Rep.;381 a).

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Aristóteles restringiu notavelmente o conceito da Arte. Em primeiro lugar, ele subtraiu

ao âmbito da Arte a esfera da ciência que é a do necessário, isto é, do que não pode ser

diferente do que é. Em segundo lugar ele divide o que cai fora da ciência, isto é, o

possível (que “pode ser de um modo ou do outro”) no que pertence à ação e no que

pertence à produção. Somente o possível, objeto de produção é objeto da arte.

Nesse sentido disse que a arquitetura é uma Arte; e a Arte se define como o hábito,

acompanhado da razão, de produzir alguma coisa (Et. Nic; VI. 3-4). O âmbito da Arte

vem assim a restringir-se muito. São concebidas como Arte a retórica e a poética, mas

não é Arte a analítica ou lógica cujo objeto é necessário.

São Artes as manuais ou mecânicas, como é Arte a medicina; ao passo que não é Arte a

física ou a matemática. Esse é, pelo menos, o ponto de vista do Aristóteles maduro; já

que as páginas com que se abre à metafísica parecem estabelecer uma distinção

puramente de grau entre a Arte ou a ciência, colocando a Arte como intermediaria entre

a experiência e a ciência. Mesmo aquelas páginas ele conclui com a afirmação de que a

sabedoria é antes conhecimento teorético do que a Arte produtiva (Met., I, 1, 982 a 1 e

segs.). Essa distinção aristotélica não foi, porém, herdada no seu rigor pelo mundo

antigo e medieval.

Os Estóicos estenderam de novo a noção de Arte, afirmando que “a Arte é um conjunto

de compreensões”. Entendendo por compreensão o assentimento ou uma representação

compreensiva (Sexto E., Hip. Pirr., III. 241; Adv. Dogm., V, 182); essa definição não

permite, com efeito, distinguir a Arte da ciência. E. Plotino, por sua vez, faz tal

distinção porque quer conservar para a ciência o caráter contemplativo. Ele distingue as

artes de acordo com a sua relação com a natureza. Distingue, portanto, a arquitetura e as

artes análogas, que tem o seu termo na fabricação de um objeto, das artes que se limita a

ajudar a natureza. E cita a medicina e a agricultura. As artes práticas, como a retórica e a

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música, que tendem a agir sobre os homens, tornando-os melhores ou piores (Emn., IV,

4, 31). A partir do século I chamaram-se “Artes liberais” (isto é, dogmas do homem

livre) em contraste com as Artes manuais, nove disciplinas, algumas das quais

Aristóteles teria chamado ciências e não artes.

Essas disciplinas foram enumeradas por Varrão: gramática, retórica, lógica, aritmética,

geometria, astronomia, música, arquitetura e medicina. Mais tarde, no século V,

Marciano Capela nas Núpcias de Mercúrio e da Filologia reduzia a sete as Artes liberais

(gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música), eliminando as

que lhe pareciam não necessárias a um ser puramente espiritual (que não tem corpo),

isto é, a arquitetura e a medicina, e estabelecendo assim o curriculum de estudo que

deveria permanecer inalterado por muitos séculos (v. Cultura).

São Tomás de Aquino estabelecia a distinção entre Artes liberais e as Artes servis com

o fundamento de que as primeiras se dirigem ao trabalho da razão, as segundas “aos

trabalhos exercidos com o corpo, que são de certo modo servis, enquanto o corpo está

submetido servilmente à alma e o homem é livre, segundo a alma” (S.Th, II, I, q.57, a.3,

ad3).

A palavra Arte permaneceu, contudo, para designar por longo tempo não só as Artes

liberais, mas também as Artes mecânicas, isto é, os ofícios. Como ocorre ainda hoje

quando entendamos por Arte ou artífice um ofício ou quem o pratica.

Kant “(Crít. Do Juízo, 44)”, resumiu as características tradicionais do conceito de Arte,

ao distinguir a Arte da natureza de um lado, e da ciência do outro; e distinguiu, na

própria Arte, a Arte mecânica e a Arte estética. Sobre esse último ponto, diz: “Quando a

Arte, conforme o conhecimento de um objeto possível cumpre somente as operações

necessárias para realizá-lo, ela é mecânica; se, porém, tem por fim imediato o

sentimento do prazer, é estética”. Essa é Arte agradável ou Arte bela. E agradável

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quando a sua finalidade é fazer com que o prazer se acompanhe das representações

enquanto simples sensações. E é bela quando o seu fim é o de unir o prazer às

representações como formas de conhecimento. Em outros termos, a Arte bela é uma

espécie de representação que tem o fim em si mesmo e, portanto prazer desinteressado,

ao passo que as Artes agradáveis visam somente o gozo.

Embora ainda hoje a palavra Arte designe todo tipo de atividade ordenada, o uso culto

tende a privilegiar o seu significado de Arte bela. Nós dispomos de fato, de uma palavra

para indicar o processo ordenado (isto é, segundo regras) de qualquer atividade humana:

a palavra técnica. A técnica no seu significado mais amplo designa todos os processos

normativos que regulam os comportamentos em todos os campos. Técnica é por isso a

palavra que continua o significado primeiro (isto é, platônico) do termo arte. Por outro

lado, os problemas relativos às belas Artes e o seu objeto específico caem hoje no

domínio da estética.

Analisando esta definição e introduzindo-a em Arte/ Educação usamos o conceito de

Arte mecânica, porém sem deixar de lado a estética. Sendo assim o conceito de Arte que

este presente trabalho quer apresentar é o de uma Arte que exercite e estimule o prazer,

as sensações, desenvolvendo o raciocínio, a percepção, a emoção, a observação, a

atenção, a memória e a criatividade.

Ampliando essas idéias e analisando o que disse Kant (crit. Do Juízo, 44), arte é

agradável, e é agradável quando a sua finalidade é fazer com que o prazer se acompanhe

das representações enquanto simples sensações. E é bela quando o seu fim é o de unir o

prazer às representações como formas de conhecimento. Acredito que se o intuito é o de

fazer desenvolver habilidades que possibilitem uma melhor aprendizagem, nada mais

prazeroso, e consistente do que utilizar o recurso das artes.

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São Thomás de Aquino (II, I,q.57,a.3,ad3), como já mencionamos, classificou a Arte

como servis quando o corpo está submetido servilmente à alma, e o homem é livre

segundo a alma. Partindo deste pressuposto destacamos que, se o homem é livre

quando está falando com a alma, sendo este o momento em que expressa todo seu

interior, entendemos que este poderá ser também um momento importante para o

desenvolvimento de um trabalho de intervenção psicopedagógica através da arte.

Acreditamos que isto poderá inclusive contribuir para o desenvolvimento de um

trabalho de intervenção psicopedagógica voltado as dificuldades de aprendizagem. Com

isto, partimos do pressuposto de que este trabalho irá favorecer o potencial interior do

educando, liberando plenamente suas emoções. Isto pode ser justificado ao tomarmos

como referencial as aulas de Educação Artística, onde os alunos sentem-se livres para se

expressarem. Neste sentido gostaríamos de articular o potencial interior do aluno, a um

trabalho psicopedagógico.

Vygotsky, segundo Oliveira (1997), dentre outras questões, se dedicou a tentativa de

reunir, num mesmo explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao

funcionamento psicológico, como o desenvolvimento do indivíduo e da espécie

humana, ao longo de um processo sócio-hístórico. Partindo deste pressuposto, podemos

constatar que vivemos hoje um momento em que a ciência em geral, e as ciências

humanas em particular, tendem a buscar áreas de intersecção, formas de integrar o

conhecimento acumulado, de modo a alcançar uma compreensão mais completa de seus

objetivos. Isso quer dizer que o trabalho psicopedagógico associado às artes poderá

contribuir fazendo com que este conhecimento acumulado, seja mais absorvido e assim

alcance os objetivos com mais compreensão e assimilação já que a arte /educação

trabalha diretamente as emoções, educando os sentidos.

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A função da Arte, segundo Fischer (1977) é necessária e indispensável. Com o

encantador e paradoxal epigrama, “A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse

para que...”, ainda segundo Fischer (1977), Jean Cocteau resumiu ao mesmo tempo a

necessidade da Arte e o seu discutível papel no atual mundo burguês.

Também o pintor Mondrian, segundo Fischer (1977), por sua vez, falou do possível

“desaparecimento” da Arte. A realidade, segundo ele acreditava, iria cada vez mais

deslocando, a obra de arte, que essencialmente não passaria de uma compensação para o

equilíbrio deficiente da realidade atual. A Arte desaparecerá na medida em que a vida

adquirir mais equilíbrio. Ou ainda, a Arte concebida como substituto da vida, a arte

concebida como o meio de colocar o homem em estado de equilíbrio com o meio

circundante. Trata-se de uma idéia que contém o reconhecimento parcial da natureza da

arte e da sua necessidade. Desde que um permanente equilíbrio entre o homem e o

mundo que o circunda não pode ser previsto nem para a mais desenvolvida das

sociedades. Isto também perpassa a idéia de que, a arte não só é necessária e tem sido

necessária, mas igualmente a de que a arte continuará sendo sempre necessária. Assim

segundo Fischer (1977), temos os seguintes questionamentos:

Será a arte apenas um substituto? Não expressará ela, também uma relação mais

profunda entre o homem e o mundo? E naturalmente, poderá a função da Arte ser

resumida em uma única formula? Não satisfará ela, diversas e variadas necessidades? E

se, observamos as origens da Arte, chegaremos a conhecer a sua função inicial, não

verificaremos também que essa função inicial se modificou e que novas funções

passaram a existir?

Questões como essa, nos dão à convicção de que a arte tem sido, é e será sempre

necessária. Como a humanidade e mundo caminham cada vez mais para o desequilíbrio,

fica claro que há a necessidade da arte. Podemos então dizer que dentro da escola a arte

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não mais é somente a atividade de promover produções para datas comemorativas e ou

atividades artísticas simplesmente. Devemos assim conceber a arte, pelo fazer artístico,

como mediadora do desenvolvimento do potencial do educando, do equilíbrio

emocional e da sua socialização.

Por outro lado, temos que um conceito central para a compreensão vygotskyana sobre o

funcionamento psicológico é o conceito de mediação. Mediação, em termos genéricos é

o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa,

então de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. Assim podemos ter que,

uma das funções da psicopedagogia nesse processo de mediação seria o de fazer com

que o educando ao expressar suas dificuldades no processo de aprendizagem, tenha

também a possibilidade de recorrer aos recursos da arte.

Assim segundo Fischer (1977), o homem anseia por absorver o mundo circundante,

integra-lo a si; anseia por estender pela ciência e pela tecnologia o seu EU curioso e

faminto de mundo até as mais remotas constelações e até os profundos segredos do

átomo: anseia por unir na Arte o seu “EU” limitado com uma existência humana

coletiva e por tornar social a sua individualidade. É claro que o homem quer ser mais do

que apenas ele mesmo. Quer ser um homem total, não lhe basta ser um indivíduo

separado além da parcialidade da sua vida individual, ele anseia por uma plenitude.

Ao trabalhar com a arte, o educando, “artista”, necessita dominar, controlar e

transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A

emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-la,

precisa conhecer todas suas técnicas, recursos, formas e convenções com que a natureza

- esta provocadora - pode ser dominada e sujeitada à concentração da arte. Sendo assim,

a função que a arte exerce concerne sempre ao homem total, capacita o “EU” a

incorporar a si aquilo que ele não é, mas tem possibilidade de ser. Através dessa

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intervenção psicopedagógica pela arte, o educando nesse encontro do eu, refletindo e

assimilando as, suas dificuldades, terá a possibilidade de reestruturar seus

conhecimentos para que possa incorporar a si, o que precisa ser aprendido. O educando

se sentindo mais seguro e capacitado refletira esse comportamento socialmente,

contribuindo para uma vivência escolar mais harmônica.

Marx em sua obra O capital (1867) disse que o instrumento do trabalho é uma coisa ou

um complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si e a matéria sobre a qual se

exerce o seu trabalho. O instrumento é o condutor da sua atividade. O trabalhador usa as

propriedades mecânicas, físicas e químicas das coisas como meios para adquirir poder

sobre outras coisas. E também para adaptar estas outras coisas aos seus desígnios. Os

objetos sobre os quais o trabalhador estabelece seu controle direto não constituem em

geral a matéria do trabalho e sim o instrumento do trabalho. A natureza torna-se, assim,

instrumento da atividade humana. Um instrumento com o qual o homem suplementa

seus órgãos corpóreos e acrescenta alguns planos à sua estatura, passando por cima da

metragem... O uso e a fabricação de instrumentos de trabalho, embora tenham seus

primórdios em outras espécies animais, são características específicas do processo de

trabalho humano.

Os humanos descobriram que alguns instrumentos são de melhor uso que outros.

Descobriram também que os instrumentos podem ser substituídos uns pelos outros.

Inevitavelmente essa descoberta de que um instrumento imperfeitamente útil pode ser

tornado mais eficiente, mostra-nos que o instrumento não precisava ser diretamente

tomado à natureza, mas podia ser produzido. Só o uso de meios não-orgãnicos,

passíveis de substituição e transformação, possibilita à observação da natureza o situar-

se em um novo contexto. Sendo assim ao situar-se num novo contexto possibilita-lhe de

prever e antecipar ocorrências, o agir, no propósito de obtê-las.

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O instrumento adequado para conseguir aquilo que posteriormente não podia ser

conseguido. Trata-se de uma nova força sobre a natureza e esta nova força é ilimitada.

Nessa descoberta, precisamente, esta uma das raízes da mágica e, por conseguinte, da

arte. Como o próprio Marx diz alguns instrumentos são de melhor uso de que outros.

Sendo assim a Arte como instrumento no trabalho psicopedagógico pode se tornar mais

eficiente para se conseguir aquilo que posteriormente não podia ser conseguido

possibilitando prever e antecipar ocorrências, o agir no propósito de obtê-las.

Temos também que, a importância dos instrumentos na atividade humana, para

Vygotsky (Oliveira 1997), tem clara ligação com sua filiação teórica aos postulados

marxistas. Segundo esta mesma autora, Vygotsky busca compreender as características

do homem através do estudo da origem e desenvolvimento da espécie humana. O

surgimento e a formação da sociedade humana, com base, no trabalho, como sendo o

processo básico, tornando o homem como espécie diferenciada..O instrumento é um

elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as

possibilidades de transformação da natureza. O instrumento é feito ou buscado

especialmente para certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para qual foi

criado e o modo de utilização desenvolvido durante a historia do trabalho coletivo. É,

pois um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo.

Segundo Oliveira (1997) “A invenção e o uso dos signos como meios auxiliares para

solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher,

etc...) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico.”

Ainda segundo Oliveira (1997) “O signo age como um instrumento da atividade

psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho”.

Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele;

sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza. Os

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signos, por sua vez, também chamados por Vygotsky (Oliveira 1997) de “instrumentos

psicológicos”, são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo; dirige-se

ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas. Eles

são ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas,

como os instrumentos. Ao longo de sua história, o homem tem utilizado signos como

instrumentos psicológicos em diversas situações. Na sua forma mais elementar o signo é

uma marca externa, que auxilia o homem em tarefas que exigem memória ou atenção.

Juntamente as idéias apresentadas, como arte-educadora também pude observar por

exemplo, a utilização de argila para construção de uma figura humana; que foi dado e

aplicado por mim, a uma criança de 9 anos como instrumento de estudo para esse

trabalho. Com a modelagem em argila, na construção de um corpo humano, a criança ao

criar, interioriza mentalmente o seu próprio corpo, as partes que o compõe. Fica atenta

para que a figura humana que esta sendo construída mantenha a forma e a proporção de

um corpo. Trabalha a memória a fim de se lembrar, a todo o momento, das partes que

compõe o corpo humano, seus detalhes, para poder fazer uma construção perfeita.

Assim ela trabalha a percepção a fim de verificar se a proposta esta coerente. Esse

trabalho com a argila é uma forma de recorrer a signos que ampliam a capacidade do

homem em sua ação no mundo. Nessa construção do corpo, nessa busca de recorrer à

forma do corpo, seus detalhes, proporção, a criança trabalha a memória, percepção e a

atenção de uma maneira atraente e concreta, preparando-a na construção da vida. Essa

criança saberá muito mais agora sobre o corpo humano e talvez entenda muito melhor

seu corpo agora do que antes, pois teve que reconstruir cada parte, cada detalhe, cada

movimento, mentalmente, e passar para o concreto, visualmente.

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É nesse sentido que a argila é signo: é interpretável como representação da realidade. A

memória, a percepção, a atenção mediada por signos é, pois, mais poderosa que a

memória, a atenção e a percepção não mediada.

São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos que auxiliam no

desempenho de atividades psicológicas. Dentre elas destacamos: fazer uma lista de

material que será usado na próxima aula de artes por escrito, utilizar um mapa para

encontrar determinado local, como por exemplo, a Itália de Leonardo da Vinci, fazer um

diagrama para orientar a construção de um desenho de um objeto, trocar o anel de dedo

para não esquecer o trabalho de artes para apresentar na próxima aula; são apenas

exemplos de como constantemente recorremos à mediação de vários tipos de signos

para melhorar nossas possibilidades de armazenamento de informações e de controle da

ação psicológica.

Para Vygotsky segundo Oliveira (1997) o processo de mediação, por meio de

instrumentos e signos, é fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas.

A mediação é um processo essencial para tornar possível as atividades psicológicas

voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo.

Diante dessas concepções, retomamos as idéias de Aristóteles, que, com seu

entendimento amplo dos aspectos que compõe a arte, extrapola a tríade Mundo

Inteligível - Mundo Sensível - Arte e introduz o aspecto da criação. O homem pode

imitar, mas enquanto imita, também cria.

Percebe-se, que Aristóteles valoriza a arte, mesmo enquanto aparência, e a humaniza, o

que pode parecer um contra-senso segundo a perspectiva de Plutão, que deposita o valor

da arte justamente na distância do meramente humano. Além disso, no sentido

aristotélico, a arte é mais que a natureza, por poder superá-la pela criação imaginativa,

mediada por instrumentos e signos.

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Todavia na visão de Pareyson (1966) as relações entre arte e a natureza, se íntimas ou

distantes pouco importam, pois a arte, independentemente disso, é autônoma e vale por

sua própria autonomia: Que a Arte copie ou transfigure, o essencial é que ela “figure”.

Assim, pode-se concluir que o homem, pelo seu fazer lúdico, artístico, cria um novo

mundo a si mesmo, a um só tempo; ao jogar, ele forma e transforma a natureza

conforme lhe aprouver, pois é livre e, na mesma medida em que deixa suas marcas

naquilo que torna a forma viva o trans - forma. Tais asserções de Schiller (1995)

extrapolam a questão meramente filosófica e apontam para a saúde do ser humano.

Segundo Formaggio (1973), o oficio, o trabalho, enfim, a técnica, não é meramente

intelectual, racional, como um cálculo voluntário, tendo também um aspecto intuitivo,

metafórico (que faz conexões de aspectos da experiência, sintetizando e gerando novos

sentidos). Resumidamente, seu pensamento enfatiza que o fazer arte envolve as duas

mãos (Literal e simbolicamente): a mão esquerda refere-se ao sonho, á intuição á

imaginação e opera segundo uma sabedoria heurística do corpo; a mão direita refere-se

ao fazer concreto, lógico, material. No fazer, estão em jogo vários elementos –

pensamentos, percepção, sínteses intuitivas, significados, memórias que formam a

condensação simbólica da experiência, que culmina num resultado material.

Ao lado de sua preocupação constante com a questão do desenvolvimento, Vygotsky,

segundo Oliveira (1997), enfatiza a importância dos processos de aprendizado. Para ele,

desde o nascimento da criança, o aprendizado esta relacionado ao desenvolvimento e é

“um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções

psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas”. Existe um

percurso de desenvolvimento, em parte definido pelo processo de maturação do

organismo individual, pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que

possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, se não fosse o

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contato do indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam. Essa concepção de

que é o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos do indivíduo liga o

desenvolvimento da pessoa a sua relação com o ambiente sócio-cultural em que vive e a

sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros

indivíduos de sua espécie. E essa importância que Vygotsky dá ao papel do outro social

no desenvolvimento dos indivíduos, cristaliza-se na formulação de um conceito

específico dentro de sua teoria, essencial para a compreensão de suas idéias sobre as

relações entre desenvolvimento e aprendizado, o que leva ao conceito de zona proximal.

1.1 O conceito de zona de desenvolvimento proximal

Normalmente, quando nos referimos ao desenvolvimento de uma criança, o que

buscamos compreender é “até onde a criança já chegou”, em termos de um percurso

que, supomos, será percorrido por ela. Esse modo de avaliar o desenvolvimento de um

indivíduo está presente nas situações da vida diária, quando observamos as crianças que

nos rodeiam, e também corresponde à maneira mais comumente utilizada em pesquisas

sobre o desenvolvimento infantil.

Vygotsky denomina essa capacidade de realizar tarefas de forma independente de nível

de desenvolvimento real. Para ele, o nível de desenvolvimento real da criança

caracteriza o desenvolvimento de forma retrospectiva, ou seja, refere-se a etapas já

alcançadas, já conquistadas pela criança. As funções psicológicas que fazem parte do

nível de desenvolvimento real da criança em determinado momento de sua vida são

aquelas bem estabelecidas naquele momento. São resultados de processos de

desenvolvimento já completados, já consolidados.

Vygotsky chama a atenção para o fato de que para compreender adequadamente o

desenvolvimento devemos considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da

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criança, mas também seu nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade de

desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. Há

tarefas que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se torna capaz de

realizar se alguém lhe der instruções como, fazer uma demonstração, fornecer pistas, ou

dar assistência durante o processo.

É a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento - real e

potencial - que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como “a distancia

entre o nível” de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução

independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinando

através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com

companheiros capazes.

A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo vai

percorrer para o desenvolvimento de funções que estão em processos de

amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de

desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento proximal é, pois, um domínio

psicológico em constante transformação: aquilo que uma criança é capaz de fazer com a

ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã.

1.2 Algumas idéias sobre percepção, atenção e memória.

No que se refere à percepção, a abordagem de Vygotsky, segundo Oliveira (1997), é

centrada no fato de que, ao longo do desenvolvimento humano, a percepção, torna-se

cada vez mais um processo complexo, que se distancia das determinações fisiológicas

dos órgãos sensórias, embora, obviamente, continuem a basear-se nas possibilidades

desses órgãos físicos. A mediação simbólica e a origem sócio-cultural dos processos

psicológicos superiores são pressupostos fundamentais para explicar o funcionamento

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da percepção. A visão humana, por exemplo, esta organizada para perceber a luz, que

revelará pontos, linhas, cores, movimentos, profundidade; a audição permite a

percepção de sons em diferentes timbres, altura e intensidades; o tato permite perceber a

pressão, a temperatura, a textura. Os limites dessas e demais sensações são definidos

pelas características do aparato perceptivo da espécie humana. O ser humano nasce com

as possibilidades de percepção definidas pelas características do sistema sensorial

humano. Ao longo do desenvolvimento, entretanto, principalmente através da

internalização da linguagem e dos conceitos e significados culturalmente desenvolvidos,

a percepção deixa de ser uma relação direta entre o indivíduo e o meio, passando a ser

mediada por conteúdos culturais. A percepção age, portanto, num sistema que envolve

outras funções. Ao percebemos elementos do mundo real, fazemos inferências baseadas

em conhecimentos adquiridos previamente e em informações sobre a situação presente,

interpretando os dados percentuais à luz de outros conteúdos psicológicos.

A atenção, baseada em mecanismos neurológicos inatos, vai gradualmente sendo

submetida a processos de controle voluntário, em grande parte fundamentada na

mediação simbólica. Os organismos estão submetidos à imensa quantidade de

informações do ambiente. Em todas as atividades do organismo no meio, entretanto,

ocorre um processo de seleção das informações com as quais vai interagir; se não

houvesse essa seletividade a quantidade de informação seria tão grande e desordenada

que seria impossível uma ação organizada do organismo no mundo. Ao longo do

desenvolvimento, o indivíduo passa a ser capaz de dirigir, voluntariamente, sua atenção

para elementos do ambiente que ele tenha definido como relevantes. A relevância dos

objetos da atenção voluntária estará relacionada à atividade desenvolvida pelo indivíduo

e ao seu significado, sendo, portanto, construída ao longo do desenvolvimento do

indivíduo em interação com o meio em que vive.

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Assim como a atenção à memória também trabalha com a importância da transformação

da função psicológica ao longo do desenvolvimento e com poderosa influência dos

significados e da linguagem. A memória é presente nas determinações inatas do

organismo, a memória natural, refere-se ao registro não voluntário de experiência, que

permite o acúmulo de informações e ao uso dessas informações em momentos

posteriores, na ausência das situações vividas anteriormente.

A memória mediada é de natureza bastante diferente. Refere-se, também, ao registro de

experiências para recuperação e uso posterior, mas inclui a ação involuntária do

indivíduo no sentido de apoiar-se em elementos mediadores que o ajudem a lembrar-se

de conteúdos específicos. A memória mediada permite ao indivíduo controlar seu

próprio comportamento, por meio da utilização de instrumentos e signos que

provoquem a lembrança do conteúdo a ser recuperado. Nós, seres humanos,

desenvolvemos inúmeras formas de utilização de signos para auxiliar a memória, eles

nos ajudam a aumentar a nossa capacidade de memorização.

1.3 Contribuições da Escola e da Arte/Educação na construção do indivíduo

Se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, então a escola tem um papel essencial

na construção do ser psicológico adulto, dos indivíduos que vivem em sociedades

escolarizadas. Mas o desempenho desse papel só se dará adequadamente quando,

conhecendo o nível de desenvolvimento dos alunos, a escola direcionar o ensino não

para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda

não incorporados pelos alunos, funcionando realmente como um motor de novas

conquistas psicológicas. Para a criança que freqüenta a escola, o aprendizado escolar é

elemento central no seu desenvolvimento.

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Sendo assim, a escola, em especial o professor, tem um papel importante na vida

escolar. Ele serve como mediador no aprendizado, fazendo com que o aluno consiga,

com sua mediação, caminhar com independência e segurança, para a descoberta de um

novo mundo.

1.4 Arte, Educação, Arte/educação.

Segundo Fusari e Ferraz (1993) nestas últimas décadas, os termos educação através da

arte e ou arte/educação vêm-se incorporando ao vocabulário educacional. Mesmo sem

terem um reconhecimento institucional, estão ocupando um espaço equivalente ao da

disciplina trabalhada no sistema formal de ensino brasileiro, desde 1971, com o nome

de Educação Artística.

Num primeiro momento pode-se achar que essas abordagens são idênticas, apenas se

diferenciando pela nomenclatura. Mas, ao buscarmos as razões epistemológicas e

concepções teóricas que as embasam, verificamos que compartilham apenas a mesma

finalidade, ou seja, a Arte dentro do sistema educacional.

Iniciando pela proposta de educação através da Arte, verificamos que foi difundida no

Brasil a partir das idéias do filósofo inglês Herbert Read (1948), apoiada por

educadores, artistas, filósofos, psicólogos etc. A base desse pensamento é ver a arte não

apenas como uma das metas da educação, mas sim como o seu próprio processo, que é

considerado também criador.

Com relação à Educação Artística, que foi incluída no currículo escolar pela Lei de

Diretrizes e Bases N.º692/71, podemos dizer que houve uma tentativa de melhoria do

Ensino de Arte na educação escolar. Isto se deve, dentre outras questões, ao fato de

incorporar atividades artísticas com ênfase no processo expressivo e criativo dos alunos.

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Esse modo de conceber o ensino de Arte vem propondo uma ação educativa criadora,

ativa e centrada no aluno. O principal propósito da Arte-Educação pode ser percebido

nas palavras da professora Noêmia Varela (1988), ao expressar que o arte - educador

poderia exercer um papel de agente transformador na escola e na sociedade.

Nos últimos anos, o movimento da Arte/Educação esteve preocupado com a educação

escolar, observando e contribuindo para efetivar a presença da Arte na atual Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, com a lei N.º.394/96, revogam-se as

disposições anteriores e a Arte passa a ser considerada obrigatória na educação básica.

Isto é expresso através do artigo 26, parágrafo 2º, onde temos que: “O ensino da Arte

constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica,

de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (LDB nº. 394/96).

1.5 Artes Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN - 1997)

O documento apresenta um histórico da área de artes e volta-se para o trabalho de

professores junto ao ensino fundamental. Ele destaca as correlações do ensino da Arte

com a produção em Arte no campo educacional. Ele foi elaborado para que o professor

pudesse conhecer melhor a área na sua contextualização histórica tendo contato com os

conceitos relativos à natureza do conhecimento artístico.

O documento busca circunscrever as Artes no ensino fundamental, destacando quatro

linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Os parâmetros curriculares

nacionais foram criados de modo a oferecer um material sistematizado para as ações dos

educadores, fornecendo subsídios para que possam trabalhar com a mesma competência

exigida para todas as disciplinas do projeto curricular. Isto se justifica porque a Arte tem

uma função tão importante quanto à dos outros conhecimentos no processo de ensino

aprendizagem. A área de Arte esta relacionada com as demais áreas e tem suas

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especificidades. Ela também favorece ao aluno relacionar-se criadoramente com as

outras disciplinas do currículo. Por exemplo, o aluno que conhece Arte pode estabelecer

relações mais amplas quando estuda um determinado período histórico Um aluno que

exercita continuamente sua imaginação estará mais habilitado a construir um texto, a

desenvolver estratégias pessoais para resolver um problema matemático.

Conhecendo a Arte de outras culturas, o aluno poderá compreender a relatividade dos

valores que estão enraizados nos seus modos de pensar e agir, que pode criar um campo

de sentido para a valorização do que lhe é próprio favorecendo a abertura à riqueza e à

diversidade da imaginação humana. Além disso, torna-se capaz de perceber sua

realidade cotidiana mais vivamente, reconhecendo objetos e formas que estão à sua

volta, no exercício de uma observação crítica do que existe na sua cultura, podendo criar

condições para uma qualidade de vida melhor. Uma função igualmente importante que

o ensino de Arte tem a cumprir diz respeito à dimensão social das manifestações

artísticas. A Arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir e articular

significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre os indivíduos

na sociedade. A Arte solicita a visão, a escuta e os demais sentidos como portas de

entrada para uma compreensão mais significativa das questões sociais. Essa forma de

comunicação é rápida e eficaz, pois atinge o interlocutor por meio de uma síntese

ausente na explicação dos fatos.

A Arte também esta presente na sociedade em profissões que são exercidas nos mais

diferentes ramos de atividades; o conhecimento em Artes é necessário no mundo do

trabalho e faz parte do desenvolvimento profissional dos cidadãos. O conhecimento da

Arte abre perspectivas para que o aluno tenha uma compreensão do mundo no qual a

dimensão poética esteja presente. Assim, a Arte ensina que é possível transformar

continuamente a existência, que é preciso mudar referencias a cada momento, ser

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flexível. Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é

condição fundamental para aprender.

O ser humano que não conhece Arte tem uma experiência de aprendizagem limitada,

escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da

sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e

luzes que buscam o sentido da vida.

1.6 Educação Artística nas escolas. Para quê?

A Educação Artística propõe-se a criar nos indivíduos não tanto aptidões artísticas

específicas, mas, sobretudo um desenvolvimento global da personalidade, através de

formas, as mais diversificadas e complementares possíveis, de atividades expressivas,

criativas e sensibilizadoras.

Sendo assim sentimos a necessidade de resgatar e citar novamente a definição de

Porcher, (1982) sobre a necessidade da educação artística, na escola:

Educação Artística é necessária, se ignorada seria o atrofiamento do que de mais concreto existe em nós - a fantasia, a afetividade e a sensibilidade, atributos de que em potencial somos proprietários para desvendarmos a vida. Bartolomeu Campos Queiros (Porcher 1982,10)

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CAPÍTULO 2

PERCURSO METODOLÓGICO

“A arte, com sua característica capacidade de expressar concomitamente uma multiplicidade de níveis de significado mostra-se capaz de expressar a complexidade humana, em seus conteúdos conscientes, inconscientes e quase-conscientes, revelando-se um recurso poderoso e eficaz”. (Ciornal, 1994, p.29)

Buscando alcançar uma possível resposta para o objetivo proposto, a primeira atitude

foi a de encontrar crianças que se encaixassem no perfil necessitado. Assim, procurei

através das minhas observações como professora de Educação Artística e de entrevistas

com as professoras dentro de uma escola particular que trabalho duas crianças, do

ensino fundamental I.

As crianças propositalmente escolhidas apresentavam dificuldades no aprendizado no

que se refere à memória, atenção e percepção, tanto nas aulas de Educação Artística

como nas disciplinas de caráter polivalente. Diante disto pretendo buscar propostas que

desenvolvam essas habilidades nas crianças que apresentavam defasagem.

Como também sou professora desta instituição irei desenvolver uma proposta

qualitativa e interativa. Neste sentido, estarei participando diretamente em diversos

momentos e etapas desta proposta. Segundo Bogdan e Biklen (1982) a pesquisa

qualitativa, envolve a obtenção de dados descritos, obtidos no contato direto do

pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se

preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. Sendo assim esta pesquisa será um

estudo de caso, onde para compreender melhor a manifestação geral do problema, as

ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas estudadas, serão

relacionadas à situação específica onde ocorrem ou à problemática determinada a que

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estão ligadas, dentro de uma Escola Particular, do Ensino Fundamental, especificamente

na sala de aula.

Neste contexto, foram escolhidas seis atividades artísticas, três para cada uma das

crianças. E cada atividade está ligada ao desenvolvimento da memória, atenção e

percepção. Essas atividades foram escolhidas baseadas na minha experiência como

professora de Educação Artística, e que já mostraram que ao serem trabalhadas, ajudam

no processo de estimulação da memória, da percepção e da atenção. Algumas dessas

atividades também, foram citadas e estudadas em nossas aulas especialmente da

disciplina de Atuação Psicopedagógica neste curso de Psicopedagogia.

O psicopedagogo pode desenvolver seu trabalho através de uma proposta de intervenção

em nível preventivo ou remediativo, ou também chamado de curativo. Quando a

criança já possui dificuldades de aprendizagem, a intervenção é necessária para

possivelmente sanar esta dificuldade, mas podemos atuar também de forma a se evitar

possíveis dificuldades, ou seja, de forma preventiva. Para Scoz (1991), a

psicopedagogia é uma área que estuda o processo de aprendizagem e suas dificuldades e

que, numa ação profissional, deve integrar vários campos do conhecimento com o

objetivo de compreender esse processo e os problemas resultantes dele. Para Weiss

(1992) “a psicopedagogia busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim

como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e

educadores”.

Neste estudo, estaremos enfatizando e defendendo a importância do desenvolvimento de

uma proposta de intervenção, com a classe toda, em sentido preventivo, ao mesmo

tempo em que temos um direcionamento claro, que são as crianças com dificuldades de

memória e atenção. Para estas crianças, nossa proposta terá um caráter remediativo, pois

as dificuldades na aprendizagem já existiam. Neste sentido, a intervenção será feita com

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o propósito de tentar recuperá-las. Para isto, utilizaremos a arte como instrumento de

intervenção.

De acordo com Mery (in Scoz, 1987), a função do profissional de psicopedagogia é

reintegrar a criança à vida escolar, oferecendo uma nova forma de relação, considerando

que o processo de desenvolvimento foi inibido e que poderá retornar ao normal. Para

Allessandrini (1996) numa intervenção psicopedagógica utilizando os recursos da arte,

cada ação desenvolvida no fazer criativo, é vivida profundamente, e seu encadeamento é

direcionado de modo que a cada momento o indivíduo possa dar continuidade ao

processo de descoberta, expressão e elaboração de conteúdos pessoais e significativos.

Foram objetos de estudo desta pesquisa duas crianças. Uma de nove anos freqüentando

pela segunda vez a segunda série, e outra de 10 anos freqüentando a terceira série do

Ensino Fundamental de uma escola particular. Usaremos para identificá-las, criança A

(para a criança de 10 anos) e criança B (para a criança de 9 anos).

Essas atividades serão desenvolvidas na escola em que trabalho, na sala de aula, durante

as aulas de Educação Artística, no Ensino Fundamental, para a classe inteira como

atividade preventiva e em alguns momentos, durante essas aulas essas atividades serão

especificamente dirigidas para a criança com o diagnóstico de distúrbio de

aprendizagem. Esta será a nossa proposta de intervenção em nível de tentar amenizar

uma dificuldade já instalada.

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2.1. Apresentação das atividades escolhidas 2.1.1. Modelagem com Argila

Objetivos:

- Fazer com que a criança, ao mexer com a argila encontre um estado de

equilíbrio, trabalhando os coordenadores cognitivos, desde o mais

primário até o nível mais complexo.

- Trabalhar o conhecimento do próprio corpo

- Desenvolver a memória, a atenção, a percepção.

2.1.2. Caixa com palitos de sorvete

Objetivos:

- Internalizar as posições vertical e horizontal

- Oferecer oportunidade para exercitar o controle segmentar

- Trabalhar seqüência

- Desenvolver a memória, a atenção, a percepção.

2.1.3. Quebra-cabeça da Monalisa

Objetivos:

- Possibilitar a identificação das possibilidades de cada espaço

- Desenvolver a percepção, a concentração, a memória.

- Desenvolver a coordenação visual-motora (atenção)

- Ampliar conhecimentos sobre a história da Arte

2.1.4. Desenho no Quadriculado (barra colorida)

Objetivos:

- Trabalhar a seriação

- Desenvolver a memória, a atenção, a percepção.

- Trabalhar as cores

- Trabalhar seqüência

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2.1.5. Dobras desenvolvem desenhos (Dobradura)

Objetivos:

- Desenvolver o raciocínio

- Desenvolver a atenção, a percepção, a memória.

- Desenvolver a coordenação motora fina

- Desenvolver a criatividade

2.1.6. Expressão Corporal (dança coreografada)

Objetivos: Relacionar o corpo com o espaço

- Trabalhar o ritmo

- Desenvolver a atenção, a percepção, a memória.

- Desenvolver a socialização e a desibinição

2.2. Material utilizado para realização das Atividades: Argila, jornal, palito de sorvete, cola, papel cartão, tesoura, impressão da figura da

Monalisa, papel quadriculado, lápis de cor, papel sulfite, caneta hidrocor,

música e figura do corpo humano.

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CAPÍTULO 3

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

“Os processos internos da pessoa se refletem na sua produção .Iniciam-se a partir de um estado energético extremamente indiferenciado, em direção à clareza de consciência “(Zinker,1978,p.252)

O psicopedagogo desenvolve seu trabalho de intervenção através de ações de prevenção

ou de ações que visam sanar problemas já instalados. Para realizar esta proposta de

intervenção propusemos ações preventivas para a classe e ao mesmo tempo se

constituíssem em ações direcionadas a dois alunos, previamente indicadas pelo

professor, por apresentarem dificuldades de atenção, percepção e memória. Na

realidade, nosso objetivo era atuar junto às dificuldades desses dois alunos.

3.1. Desenvolvimento das atividades Segundo informações apresentadas para a escola, essas crianças são adotivas. Elas não

são irmãos de sangue. O pai e a mãe trabalham muito, e eles são criados por uma tia.

Foram adotados subnutridos, com vários problemas de saúde, o que se supõem que

sejam as causas dos distúrbios apresentados. Não apresentam regras de comportamento,

são relaxados e sujos. O pai e a mãe possuem um bom trabalho, tem possibilidades

financeiras, cultura, mas não repassam isso para eles. As crianças fazem um trabalho

junto a uma psicóloga, integrada a escola.

Criança A (idade: 10 anos – série: 3a.)

Os problemas apresentados nas disciplinas polivalentes são: a ausência de memória, de

atenção, de percepção, de concentração, de raciocínio lógico. Se for pedido a ela para

que execute três tarefas ao mesmo tempo ela só irá guardar a ultima que foi falada. Tem

dificuldade de memorizar o que foi pedido a ela. Aparentemente esta criança não presta

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atenção a nada e não apresenta raciocínio lógico. Exemplo: Se for falado para ela peixe

e aquário, ela não consegue raciocinar a relação que existe entre estas duas palavras, que

o peixe vive dentro do aquário.

Mais um exemplo é o de quanto o número dois precisa pra se chegar ao quatro, ela não

consegue fazer esse raciocínio. Ela é relaxada nas suas tarefas, apresenta uma

coordenação motora comprometida além de possuir uma aparência suja. Ela também

apresenta dificuldade de percepção de espaço, é desatenta ao discurso do professor.

Apresenta um comportamento agressivo, é maldosa com os amigos em suas

brincadeiras,

É uma criança com o diagnóstico de THDA (Transtorno de Defict de Atenção e

Hiperatividade), sendo que para isto toma remédio. Essa hiperatividade não permite

com que a criança permaneça concentrada por muito tempo em uma atividade. Com isso

essa criança é considerada a chata da classe, porque não para um minuto. Ela tem

consciência da sua chatice e quer a todo o momento agradar as pessoas, e chamar sua

atenção. É tolerada pelos colegas de classe, mas desprezada pelas meninas, o que a

deixa triste. Essa criança é prestativa com o professor. Adora as aulas de artes e tenta

fazer o melhor que pode, mas não consegue, parece ser muito limitada.

Criança “A” - Percepção, Memória e Atenção.

1ª Atividade-Caixa de palito de sorvete

Foram dados 50 palitos de sorvete para a construção de uma caixa quadrada. A proposta

foi dada verbalmente, para toda uma classe em que “A” pertence. Foi explicado, o

procedimento de como colocar os palitos, dois na horizontal, dois na vertical, e assim

sucessivamente até os palitos acabarem. Colando-os a cada procedimento. Essa

atividade usa a memória para a seqüência a ser seguida, a atenção para não perder a

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seqüência da colagem e para não ficar torto os palitos, e a percepção num todo para ver

se a caixa esta ficando certa.

2ª Atividade-Modelagem com Argila

Conversamos sobre o corpo Humano, vimos fotos em revistas, observamos o nosso

próprio corpo. Depois disso num segundo momento, sem modelo, foi pedido à

construção de uma figura humana, resgatando pela memória a estrutura do corpo

humano seus movimentos, detalhes, proporção.

Na modelagem com argila, na construção do corpo humano, a criança teve que

interiorizar o corpo humano mentalmente, as partes que o compõe. Ela teve que ficar

atenta para que a figura humana que esta sendo construída mantivesse a forma, a

proporção. Com isto ela trabalhou a memória a fim de resgatar a todo o momento as

partes que compõe o corpo humano, os detalhes, e num todo trabalhar a percepção a fim

de conseguir realizar a proposta.

3ª Atividade -Quebra - Cabeça da Monalisa

Foi apresentada a criança a obra de arte Monalisa de Leonardo D. Vinci. Inicialmente,

conversamos sobre Leonardo D.Vinci, quem foi, onde morou e sua importância na

história como pintor Renascentista. Depois apresentei a obra de arte Monalisa. Falamos

sobre ela, observamos seus trajes, sua postura, sua aparência. Num segundo momento

apresentei um quebra-cabeça com a figura da Monalisa e pedi para que a criança

remontasse a figura com a lembrança do primeiro momento em que a Monalisa foi

apresentada a ela.

A criança utilizou-se da memória para compor o quebra-cabeça, pois tinha que se

lembrar da roupa, cabelo, etc., para saber que peça pegar para ser colocada no lugar

certo. Com isto, ela usou da atenção para saber se os espaços e cortes do quebra -

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cabeça se encaixava, e também a percepção como um todo para ver se a figura estava

coerente.

Criança “B” Percepção, Memória e Atenção.

Como já dissemos, ela tem nove anos e cursa a 2 ª série pela segunda vez. Nas

disciplinas polivalentes ela apresenta os seguintes problemas: falta de atenção, pouca

percepção, pouca concentração, é lenta, sua escrita tem erros de alfabetização, é

relaxada, não tem noção de espaço. É boa de matemática, mas tem dificuldades em

produzir um texto, além disso, tem a letra ‘garrancho’. Essa criança também apresenta a

coordenação motora comprometida, recorta e pinta mal.

Ela fica sempre excluída pelos amigos da classe, ninguém faz dupla com ela, nunca está

com o material completo, têm formação de hábitos feios, come cola, morde o lápis e

esta sempre suja, porque rola no chão.

Nunca consegue terminar a lição junto com as outras crianças, é desatenta, fica

sonhando. Por conta disso fica sem intervalo e come depois sozinha. Sua distração faz

com que não se lembre das propostas apresentadas em classe.

1ª Atividade – Dobradura

Esta atividade foi feita com papel sulfite e caneta hidrocor. O papel foi dobrado de

diferentes maneiras sem regras. E foi solicitado para que a criança desenhasse no espaço

que o papel oferecia. Em algum momento o espaço era pequeno, em outro grande,

torto, inclinado. A cada momento a criança tinha que observar a dobra e o espaço que

ela oferecia e desenhar com caneta hidrocor, o que estava com vontade ou o que a dobra

sugeria, usando sua criatividade. Num segundo momento comecei a fazer a dobradura,

figurativa, exemplo: barco. Dei um papel quadrado a ela e um papel quadrado para

mim. Fui fazendo a dobradura, na frente da criança ela tinha que memorizar minha

seqüência e repetir minhas dobras. E ao termino da dobradura do barco desenhar o que a

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dobra sugeria. Nessa atividade de dobras a criança, usa a memória para dar seqüência na

dobra, usa a percepção para ver o desenho que o espaço sugere e a atenção nas dobras

que foram feitas pela professora para que ela memorize para refazer.

2ª Atividade-Desenho no Quadriculado (barra colorida)

Num papel quadriculado, eu professora, fiz um desenho abstrato utilizando lápis de cor.

Pedi à criança que desse a continuidade ao meu desenho observando as cores e o

desenho, formando-se uma barra decorativa. Mas essa continuidade do desenho que ela

tinha que seguir tinha que ser de memória, porque eu mostrei o desenho a ela, expliquei

a seqüência, mostrei as cores que usei em cada quadradinho e tampei o desenho. Ela

teria que dar a seqüência utilizando-se da sua memória. E esse procedimento foi

repetido ate chegar ao fim do papel. Desenhava, tampava, desenhava, sempre de

memória.

Nessa atividade a criança teve que ficar atenta as cores, seqüência, ter atenção ao

desenho que tinha que ser seguido, ter percepção da barra num todo e lembrar-se, ou

seja, memorizar as cores e a seqüência a se seguir.

3ª Atividade-Expressão Corporal (dança coreografada)

Foi sugerido pela classe da criança “B” uma “Balada”. Aproveitando a oportunidade da

música e dança no momento da atividade, e aproveitando também que algumas crianças

já estavam fazendo uma coreografia ao som de uma música, sugeri que “B” se juntasse

a essas crianças e as acompanhasse na coreografia. E “B” aceitou a proposta e foi

dançar com as outras crianças. Nessa atividade ela tinha que ficar atenta aos

movimentos, ter percepção do espaço, para a execução dos movimentos pedidos na

coreografia. Para isso, ela deveria usar a memória a todo o momento para se lembrar

dos passos da coreografia. Socializou-se com as outras crianças durante a coreografia e

também aprendeu a coordenar seu corpo seguindo o ritmo.

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CAPÍTULO 4

ANÁLISE DOS DADOS

“Na atividade artística, as representações interiores, os sentimentos e as experiências ganham concretude. Isto pode ser muito útil no trabalho com pessoas que apresentam dificuldades com abstrações, pois a concretude ajuda a tocar o que por vezes parece intocável, a limitar o que é sentido como ilimitado, e a destrói o que é percebido como indestrutível, ou eventualmente, a curar e reconstruir o que se experiência como incurável ou perdido” (Ciornal, 1994, p.19).

Durante o desenvolvimento da intervenção psicopedagógica, pudemos observar que

num primeiro momento quando foi pedida a construção de uma caixa com palito de

sorvete, para a classe num toda a criança “A” teve dificuldade de montar corretamente a

proposta pedida, sozinha. Mas à medida que a interferência foi feita e o arte /educador

fez a proposta de construção individual e foi dando instruções, fornecendo pistas,

fazendo demonstrações, durante o processo, os resultados foram sendo obtidos. Com

isso, a criança conseguiu construir corretamente a caixa com palitos de sorvete.

Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de

outra é fundamental na teoria de Vygotsky. O desenvolvimento individual se da num

ambiente social determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e níveis da

atividade humana, é essencial para o processo de construção do ser psicológico

individual. Já na teoria piagetiana, a participação do outro na formação da consciência

se da muito tardiamente. A criança parte do autismo passa por um período marcado pelo

egocentrismo para só então poder imaginar os outros como parceiros capazes.

Em todo momento da intervenção psicopedagógica, diante das dificuldades de

percepção, atenção e memória, foi demonstrado a necessidade de um mediador, da

interferência do outro para a execução das tarefas. No desenvolvimento da dobradura

com a criança “B”, a percepção diante da execução das dobras foi nula. A dificuldade

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de perceber os movimentos executados, o posicionamento do papel, para a nova dobra,

a memorização das dobras a serem feitas, só foram obtidas com grande dificuldade e

com a interferência do educador. Segundo Vygotsky (1998) a relação entre o uso do

instrumento e a fala afeta várias funções psicológicas, em particular a percepção, as

operações sensório-motoras e a atenção, cada uma das quais é parte de um sistema

dinâmico de comportamento. Diante destas afirmações fica claro que a interferência do

professor durante o processo de construção, sua mediação feita por meio da fala dando

pistas, relembrando os procedimentos é que propicia a mudança do comportamento da

criança diante da dificuldade. Isto denota a importância de um trabalho

psicopedagógico, da escuta psicopedagógica, do olhar sobre a criança e suas

dificuldades. O tratamento psicopedagógico é uma proposta de resgate do sujeito

epistêmico, ou seja, que produz conhecimento, com suas próprias características

cognitivas, afetivas e sociais.

As crianças estudadas, diante das propostas apresentadas dentro de um contexto do

fazer criativo, foram receptivas para a execução das tarefas, ficou claro o encantamento

que a arte exerce nas pessoas, sua influencia positiva. Fica claro também que as

dificuldades trabalhadas foram mentalizadas, interiorizadas em cada processo, pois a

cada tarefa a percepção, a atenção e a memória tinham que funcionar. Na dança

coreografada, no desenho quadriculado, quebra – cabeça, todas as atividades pediam um

refazer interno para posteriormente ser exteriorizado. Além de despertar curiosidade

pela História da Arte, como aconteceu no quebra cabeça da Monalisa, a criança, quis

conhecer mais obras do artista, e saber mais sobre o período Renascentista. No processo

de utilização da argila, a criança “A” teve que buscar em sua memória a figura do corpo,

seus movimentos, detalhes, ficar atenta a construção e a percepção espacial em que o

corpo construído ocuparia. Ela apresentou dificuldades em projetar a proporção, lembrar

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dos detalhes, dos movimentos que articulam o corpo, e também por isso, seu

conhecimento precisou ser mediado. Para Oaklander (1980) a argila oferece tanto

experiência tátil quanto sinestésica. Muitas crianças com problemas motores e

perceptuais como é o caso da criança “A” necessitam deste tipo de experiência. A

flexibilidade e maleabilidade da argila adaptam-na às necessidades mais variadas e

promove a manifestação ativa de um dos processos internos mais primários. Para a

Criança “A” essa intervenção com argila, foi muito positiva, e de certa forma até

relaxante. Ela teve muito prazer em modelar com a argila. E este era o objetivo de se

utilizar a argila, na intervenção psicopedagógica. Pretendíamos que “A” ao modelar

deixasse fluir seu interior relaxante, sem a agitação que lhe é peculiar. Isto certamente

favoreceria um encontro com seu eu. E assim ficar mais sensível, para assimilar e

trabalhar a memória, atenção e percepção. O prazer que a arte proporciona, faz com que

atividades como a de executar as tarefas, ou o fazer criativo, mesmo com o objetivo de

reaprender, reforçar ou restaurar, seja prazeroso. Numa proposta de intervenção

Psicopedagógica com arte, a criança se expressa com mais naturalidade, deixa fluir de

seu interior e todo seu sentimento. Isso pôde ser observado na dança coreografada. A

proposta da intervenção para a classe foi a de analisar não somente a relação da criança

“B” com a memória, percepção e atenção, mas também a de trabalhar tudo isso junto de

um contexto social. Num certo momento da vivencia em grupo ela é rejeitada, mas

nessa atividade de arte, estavam todos tão envolvidos com a música e a dança, que as

desavenças foram esquecidas. A música também faz com que as pessoas relaxem. O

psicopedagogo não deve desprezar os acontecimentos que envolvem o trabalho de

interação entre os seres humanos. Isto é fundamental para se saber o momento certo de

interferir e também de procurar dados para entender o que faz com que estas crianças

não aprendam. Até onde e porque essas crianças apresentam dificuldades de trabalhar

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nesse caso, a memória, a atenção e a percepção. Num trabalho pisicopedagógico, o

psicopedagogo tem a oportunidade de fazer uma intervenção mais personalizada. Diante

de uma classe numerosa fica difícil para o professor trabalhar cada aluno

individualmente e às vezes até de perceber os fatores que impedem a aprendizagem. No

caso da criança “A” e “B” são muitos os fatores que atrapalham a aprendizagem, se

avaliarmos o espaço social dessas crianças, suas relações familiares vemos que a

afetividade traz conseqüências profundas. Até mesmo a maneira que “A” trata seus

amigos, pode ser o reflexo da relação afetiva no seu contexto familiar. Quando a criança

articula situações na perspectiva de resolver problemas, aplica e especifica esquemas

para organizar seu conteúdo prático atribuindo significações. Suas representações

mentais tornam significantes os esquemas familiares de que ela se utiliza. E a

aprendizagem é o processo de construção que se dá na interação permanente do sujeito

com o meio que o cerca.

Sendo assim o trabalho psicopedagógico deve considerar o sujeito como um ser global,

composto pelos aspectos orgânicos, cognitivo, afetivo, social e pedagógico.

A dificuldade de aprendizagem seria o não funcionamento ou o funcionamento

insatisfatório de um dos aspectos apresentados, ou ainda, uma relação inadequada entre

eles. (Weiss, 2001)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A arte abre a subjetividade das pessoas. A arte solidária cria emoção e pode redefinir projetos de vida, é um caminho para o reencantamento da vida” (Bené Fonteles, Fórum Social Mundial, 2005).

A partir do objetivo principal proposto neste projeto de intervenção psicopedagógica

utilizando atividades artísticas para facilitar a aprendizagem, pudemos observar que a

arte realmente exerce uma influencia positiva nas pessoas. A utilização de recursos

artísticos, visando auxiliar o desenvolvimento da aprendizagem de conteúdos escolares

específicos na aprendizagem do aluno, pela arte é mais prazerosa e significativa. Na

aplicação das atividades propostas com as duas crianças sujeitos desta pesquisa, pude

analisar que através da arte elas tiveram a oportunidade de uma expressão mais livre e

envolvente, puderam refazer, acrescentar, modificar quando achavam que a produção

não estava a seu gosto, isto tudo sem medos, sem repressão. Elas se expressaram com a

alma e segundo São Thomas Aquino o homem é livre quando esta a serviço da alma.

Sabemos que a arte é um elemento muito importante na vida de cada pessoa e que o

psicopedagogo de modo especial, pode munir-se, através da arte, de uma riqueza

inestimável de recursos que auxiliem a tarefa da recuperação das dificuldades

apresentadas pela criança no processo da aprendizagem. Para que o aprendizado de fato

ocorra é preciso antes de tudo levar em consideração as experiências que cada aluno traz

consigo, incluindo fatores emocionais e sócio-culturais, para a partir daí poder ser feito

um trabalho direcionado a criança com suas especificidades e individualidades. Para

tanto se faz necessário que nos Psicopedagogos tenhamos a vivacidade e perspicácia

para redescobrir teorias, e aprender enquanto procuramos fazer com que as crianças

aprendam. Não que isso seja tarefa fácil, mas é preciso humildade e vontade para o

profissional descobrir durante o próprio caminho qual o caminho a seguir, tendo em

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vista que o método se faz mais importante que os resultados rápidos. Nesses processos

de criação, para realizar as atividades propostas as crianças “A” e “B”, pesquisaram a

própria emoção, sendo assim encontraram um campo propício para o seu

desenvolvimento emocional e cognitivo. Sendo a arte uma linguagem aguçadora dos

sentidos, ela transmite significados que não podem ser transmitidos através de nenhum

outro tipo de linguagem. É verdade que a função essencial da arte para uma classe

destinada a transformar o mundo não é a de fazer mágica, mas sim de esclarecer e

incitar à ação. Porém é igualmente verdade que um resíduo mágico na arte não pode ser

inteiramente eliminado.

Assim podemos perceber que a arte nos passa a idéia de que ela não só é necessária, tem

sido necessária, mas igualmente a de que a arte continuará sendo sempre necessária para

nós em virtude da magia que lhe é inerente.

... Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu... (Aquarela, Toquinho e Vinícius de Moraes).

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