prova emprestada - contraditório.pdf

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  • Superior Tribunal de Justia

    HABEAS CORPUS N 183.571 - RJ (2010/0159406-1) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : ANDR LUIZ DE FELICE SOUZA - DEFENSOR PBLICOIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PACIENTE : LEONARDO COUTINHO

    RELATRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    Cuida-se de habeas corpus , substitutivo de recurso ordinrio, impetrado por Defensor Pblico, em favor de LEONARDO COUTINHO, contra acrdo do TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, que no acolheu a alegao de nulidade que eivaria a instruo do sumrio de culpa a que submetido o paciente.

    Ressuma dos autos que o paciente foi denunciado porque, supostamente, teria disparado tiros contra a vtima, com motivo torpe, consistente em vingana decorrente de sua expulso de uma festa em um clube.

    Como dois foram os denunciados, encontrando-se o paciente em local incerto, o processo em relao a ele foi desmembrado, seguindo no tocante ao corru Carlos.

    Com a captura do paciente, terminada a colheita da prova, o Ministrio Pblico requereu a juntada dos depoimentos tomados no processo que correu em desfavor do outro acusado, atos instrutrios nos quais no compareceu o paciente ou seu defensor.

    O juiz de primeiro grau deferiu o pedido nos seguintes moldes:

    No assiste razo ao nobre Defensor Pblico quando afirma que a prova emprestada impossibilitaria o contraditrio e a ampla defesa at o eventual julgamento do acusado. Em segunda questo, qualquer documento que se junte aos autos, desde que se faculte vista a outra parte a possibilidade de produzir contra prova, garante-se o contraditrio. A defesa no est de nenhuma maneira deixando de exercer seu mnus. Ao contrrio, tomando conhecimento prvio de que diro as testemunhas de acusao em eventual julgamento no Plenrio no ser surpreendida, porque neste procedimento dos crimes dolosos contra a vida o MP pode arrolar outras cinco testemunhas, totalmente diversas das primeiras para o julgamento em Plenrio e a defesa s tomaria conhecimento do teor de seus depoimentos no momento do julgamento e ainda assim no se considera esta norma processual penal em afronta Constitucional. (fl. 55).

    Insurgindo-se, a Defesa impetrou prvio writ , que foi denegado nos seguintes moldes:

    Alegou que inicialmente teria sido proposta uma ao penal contra o paciente e o corru CARLOS VANDR DE SOUZA OLIVEIRA, pela suposta prtica do homicdio de ANDR LUIZ QUEIROZ BASTOS, tendo

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    a autoridade policial representado pela priso de ambos, havendo a concordncia do Ministrio Pblico e o decreto da custdia cautelar em 04 de abril de 2006.

    quela poca o ora paciente estava em local incerto e no sabido e o feito foi desmembrado com referncia a ele, prosseguindo somente em face do outro acusado. Com a sua priso em 28/11/2009, o processo contra si teve continuidade, e aps a instruo processual, o Ministrio Pblico requereu viesse aos autos peas do processo que correu em face de CARLOS VANDR SOUZA DE OLIVEIRA.

    Disse que se insurgiu contra essa medida, por entender que a prova referida revestia-se de ilicitude, no podendo ser admitida, nos termos do artigo 5, inciso LVI, da Constituio da Repblica. Citou a doutrina no sentido de que a prova emprestada no pode gerar efeitos contra quem no tenha figurado como uma das partes no processo originrio, porque em tal hiptese no teria sido submetida ao contraditrio.

    Citou tambm a jurisprudncia em amparo sua tese. A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 18/42.

    Informaes, s fls. 49/53, dizendo que a juntada das peas obedeceu as regras processuais relativas juntada de documentos, havendo tempo de sobra para defesa fazer a contraprova, assegurando-se, assim, o contraditrio. Esclareceu que nos autos da ao movida contra o paciente houve a produo de prova testemunhal, frisando que se houver uma eventual condenao esta no ir basear-se apenas na prova emprestada e sim em outras evidncias.

    (...)Citou a jurisprudncia dos tribunais superiores onde se consagra o

    entendimento de que a prova emprestada somente gera nulidade quando a condenao basear-se nela, com exclusividade. Se existirem nos autos outros elementos probatrios a sua juntada no produz qualquer nulidade.

    Parecer da Procuradoria de Justia firmado pela Dr ANNA MARIA DI MASI, fls. 55/57, sendo dito que a constituio admite a prova emprestada, mesmo quando a parte no tenha participado de sua produo, sendo exigido que a parte contrria tenha vista dos autos, podendo requerer o que julgar cabvel, assegurando-se destarte, o contraditrio e a ampla defesa.

    (...)Trata-se de fato imputado ao paciente e ao corru. As provas foram

    colhidas sob o crivo do contraditrio e a juntada dos depoimentos prestados pelas testemunhas no outro processo e cpia do interrogatrio prestado pelo outro acusado no constituem os nicos elementos de prova a serem examinados pelo Conselho de Sentena. As nossas cortes superiores consideram que em tais circunstncias no subsistem nulidades, frisando-se ainda que em se tratando de crime doloso contra a vida, ocorre uma segunda instruo em plenrio, quando a defesa ter oportunidade de produzir provas e, se, for o caso, contraditar o teor das cpias acostadas.

    Afora tais razes, a impetrante, em momento algum, demonstrou qualquer prejuzo advindo da juntada das peas aos autos.

    Restou plenamente assegurado o exerccio da defesa e do contraditrio.

    No se vislumbra a apontada ilegalidade. (fls. 78-79).

    Alega que o procedimento adotado pelo juiz e referendado pelo Tribunal a quo

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    cristaliza constrangimento ilegal na medida em que viola o contraditrio, visto que a Defesa no teve oportunidade de participao na colheita dos depoimentos cujas cpias ingressaram nos autos.

    Buscam a prevalncia do voto vencido, vazado nos termos que seguem:

    Em sntese, a impetrante aduz a ilicitude da prova produzida pelo Ministrio Pblico, j que produzida em processo no integrado pelo paciente, o que viola o contraditrio.

    A impetrante est com a razo.Com efeito, sabe-se que o instituto da prova emprestada, por carecer

    de regulamentao especfica tanto no mbito processual civil como no processual penal, surte muitas divergncias doutrinrias e jurisprudenciais.

    assim especialmente em relao aos seus requisitos, dentre os quais ora se inclui, ora se exclui a identidade objetiva (fatos provados e fatos probandos) e subjetiva (partes) entre o processo de que se importa a prova e aquele para o qual ela se exporta; ora se salienta a identidade fsica do julgador de ambas as demandas, ora se a considera desnecessria; ora se exige que a prova importada provenha de processo judicial, ora se a admite quando produzida em processo administrativo, etc.

    No obstante a gama de posicionamentos que o tema prope, muitas vezes opostos, h pontos em que a doutrina e a jurisprudncia no divergem, nos quais se incluem curiosamente aqueles sobre os quais controvertem, no caso presente, a Defesa e o Ministrio Pblico, cujo pedido foi deferido pela autoridade apontada como coatora.

    E todos eles desembocam no contraditrio (artigo 5., inciso LV, da Constituio da Repblica) como princpio fundamental que deve nortear a funo jurisdicional do Estado.

    Com efeito, como salientado pela autoridade judiciria fl. 50, a doutrina unnime em admitir a forma documental da prova emprestada.

    Todavia, no se trata de reconhecer, com isso, que o depoimento de uma testemunha, por exemplo, ao ingressar num segundo processo como prova importada, perde sua natureza oral para se transformar em documento.

    Ao contrrio, no h alquimia que transforme prova oral em documental.

    Em verdade, a afirmao pacfica de que a prova emprestada entra documentalmente no segundo processo constitui paradigma para estabelecer limites sua admissibilidade, expressos nas normas de produo da prova documental (artigos 231 a 238 do Cdigo de Processo Penal) e no contraditrio, mediante cincia s partes a respeito de seu contedo.

    A prova emprestada, portanto, introduzida no novo processo na forma documental, mas a sua natureza permanece inalterada.

    Mesmo sendo apresentada no segundo processo pela forma documental, a prova emprestada no valer como mero documento. Ter a potencialidade de assumir exatamente a eficcia probatria que obteria no processo em que foi originariamente produzida. (...) O Juiz, ao apreciar as provas, poder conferir emprestada precisamente o mesmo peso que esta teria, se houvesse sido originariamente produzida

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    no segundo processo (TALAMINI, op. cit., p. 94).

    Para Gisele Kodani, a propsito, precisamente isso o que caracteriza a prova emprestada:

    este, portanto, o aspecto essencial da prova emprestada: apresentar-se sob a forma documental, mas com a potencialidade de assumir a mesma eficcia com que foi produzida no processo de origem. Todas as vezes que no houver essa dicotomia: forma documental versus valor de outro meio de prova, no h falar em prova emprestada. (...) Quando se fala, portanto, em prova emprestada, quer se dizer no apenas o transporte fsico (de uns autos para outros), mas tambm o transporte do valor da prova em si.

    Trata-se de decorrncia lgica do princpio da livre convico motivada: o juiz pode valorar livremente as provas produzidas pelas partes, desde que fundamente a opo por esta ou aquela tese, estando as excees expressamente previstas em lei, como as hipteses de infraes que deixam vestgios, em que o exame de corpo de delito imprescindvel (artigo 158 do Cdigo de Processo Penal).

    Por isso mesmo a doutrina tambm pacfica em afirmar que, se por um lado a prova emprestada ingressa no novo processo na forma documental, ela no perde seu valor originrio, pois a lei no lhe atribui menor ou maior relevncia do que s demais nem poderia, sob pena de regresso ao sistema das provas legais, tpico de modelos inquisitivos de processo.

    Isso no significa, contudo, que a prova emprestada receber sempre, absoluta e necessariamente, o valor que talvez possusse em sua essncia originria. Tambm no correto dizer que, mesmo sendo admissvel, ela no poder jamais assumir tal valor. (TALAMINI, op. cit., p. 111).

    O Juiz, no caso concreto e motivadamente, conferir-lhe- o valor que ela merea.

    Nessa perspectiva, no possvel argumentar com a validade da futura sentena que eventualmente esteja fundamentada na prova importada, ainda que condicionada existncia de outras provas, produzidas sob o crivo do contraditrio, que a corroborem.

    Isso porque, em primeiro lugar, ou bem esses elementos probatrios por si s j bastariam (e ento a prova inconstitucional seria at dispensvel, no havendo razo para permanecer nos autos); ou tais elementos seriam insuficientes e precisamente a prova inconstitucional que faria a diferena (ou seja, estaria sendo aproveitada como elemento decisivo em frontal coliso com a determinao constitucional de inaproveitabilidade) (Idem, p. 111-112).

    Alm disso, a hiptese sob julgamento de imputao de crime doloso contra a vida, cujo julgamento, caso pronunciado o paciente, ficar a cargo do Conselho de Sentena, sob o princpio da ntima convico, inexistindo meios de verificar, com nessa argumentao, aduzida nas informaes de fls. 49/53, se sua deciso ser vlida ou no.

    Assim, se a prova emprestada, depois de introduzida sob a forma Documento: 14006114 - RELATRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Pgina 4 de 13

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    documental no novo processo, mantm sua natureza original oral ou pericial, por exemplo e assim deve ser valorada pelo juiz, quer fundamentadamente, quer sob o princpio da ntima convico, preciso que o grau de contraditrio e de cognio do processo anterior tenha sido, no mnimo, to intenso quanto o que haveria no segundo processo (Idem, p. 97), caso nele a prova viesse a ser produzida originariamente.

    Isso porque, afora os requisitos especficos de sua admissibilidade, a prova emprestada submete-se regulamentao das provas em geral, em que est inserido o artigo 155 do Cdigo de Processo Penal, que dispe que o juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, conforme decidido por este E. Tribunal de Justia:

    (...)E, no regime das provas em geral, o contraditrio judicial no deve

    ser exercido apenas no momento da crtica ao elemento probatrio, a partir do acesso a seu contedo j finalizado.

    Esse argumento, que se confunde com aquele do contraditrio diferido, empregado nas informaes de fls. 49/53, vlido apenas no processo civil, que geralmente se satisfaz com a potencialidade de contraditrio: bastando que se d s partes a oportunidade de participar (ANTUNES, et all., op. cit., p. 35).

    Ainda assim, as hipteses de contraditrio diferido, conforme acentuado por Ada Pellegrini Grinover, esto adstritas s provas antecipadas, que possuem natureza cautelar, alm das irrepetveis (artigo 155 do Cdigo de Processo Penal) ou das de difcil reproduo.

    No seria, pois, o caso apresentado a julgamento, ainda que se tratasse de causa de natureza extrapenal.

    No processo penal, a seu turno, a defesa tcnica indisponvel, seja para fazer alegaes ou para exercer o direito prova, que, portanto, no engloba s o momento da anlise da prova, mas tambm outros dois momentos anteriores: o da sua admisso que ora se analisa e o da sua produo no qual todas as partes devero estar presentes.

    E importante salientar que o princpio da ineficcia das provas que no sejam colhidas em contraditrio no significa apenas que a parte possa defender-se em relao s provas contra ela apresentadas: exige-se, isso sim, que seja posta em condies de participar, assistindo produo das mesmas enquanto ela se desenvolve.

    Por isso se coloca, tambm de forma pacfica jurisprudencial e doutrinariamente, entre os requisitos de admissibilidade da prova emprestada, que ela tenha sido produzida, no processo primitivo, em obedincia s normas legais e constitucionais:

    (...)Nessa perspectiva, no h como subtrair do direito de provar as

    atividades inerentes prpria produo da prova, como a de formular quesitos ao perito e nomear assistente tcnico e a de formular perguntas s testemunhas.

    o que ensina Antonio Magalhes Gomes Filho, que, depois de salientar, no contraditrio, o momento de cincia das partes a respeito da prtica e do contedo dos atos processuais, afirma:

    (...)Com efeito, o emprstimo de prova oral e de interrogatrio de corru

    na forma documental vai de encontro lgica adotada pelas recentes alteraes trazidas ao Cdigo de Processo Penal, por meio das Leis 11.689,

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    11.690 e 11.719, todas de 2008.A propsito, cumpre destacar que no foi casual a opo do legislador

    pela estruturao oral dos novos procedimentos, pois dentre os princpios que informam o sistema acusatrio, eleito no artigo 129, inciso I, da Constituio da Repblica, est o da oralidade, que tem por objetivo, dentre outros, a acelerao do processo pela concentrao dos atos processuais em audincia.

    Alm disso, a contraposio desse princpio com a escritura conduz constatao de que a relao entre sistemas autoritrios e a forma escrita de instruo probatria e manifestao das partes no processo no rara, a exemplo dos tempos de Inquisio.

    No se trata, evidentemente, de coincidncia histrica, pois a alternativa axiolgica entre as formas oral e escrita, assim como aquela entre publicidade e segredo, reflete a diversidade dos mtodos probatrios prprios do sistema acusatrio e inquisitrio: enquanto a forma escrita inevitvel em um sistema penal baseado nas provas legais, a forma oral o , ao invs, nos sistemas informados pelo contraditrio e pelo livre convencimento (GRINOVER, Prova emprestada , cit., p. 62, ademais de todos os atuores citados na nota 1).

    O efeito prtico da oralidade no contraditrio de fato evidente porque, ao implicar necessariamente maior grau de publicidade dos atos, ela abrevia a distncia entre os sujeitos processuais e, portanto, proporciona a imediao do dilogo entre eles: cientes do contedo das provas eventualmente produzidas em processo, as partes possuem maior liberdade e possibilidade de manifestao e interferncia no convencimento do juiz.

    No seria de grande valia, no entanto, a imediao entendida apenas como mtodo de convencimento do juiz. Segundo Iacovello, o binmio oralidade-imediao deve antes ser concebido como tcnica de formao das provas.

    Assim porque o Juiz que no participa da produo das provas abre mo do contato com detalhes e sutilezas que escapam frieza dos papis que as reproduzem.

    (...)No basta, portanto, que o Juiz oua diretamente as partes; tambm

    no suficiente que ele presencie a produo das provas. Ambas as situaes devem estar presentes para que o resultado do processo tenha fidelidade mnima realidade dos fatos.

    A esse respeito, Bentham, em ponto de vista contrrio estrutura mista do processo penal francs, destacou que O juiz que no ouviu as testemunhas, nunca estar seguro de que as atas representam fielmente o testemunho oral, nem de que este tenha sido exato e completo em sua origem.

    Continua o autor, ao justificar a necessidade da identidade fsica do juiz:

    O juiz no pode conhecer por observaes prprias os caracteres de verdade to vivos a to naturais, relacionados com a fisionomia, com o tom de voz, com a firmeza, com a prontido, com as emoes do temor, com a simplicidade da inocncia, com a turbao da m f (...).

    Nessa perspectiva, cumpre destacar o princpio do juiz natural, que, Documento: 14006114 - RELATRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Pgina 6 de 13

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    segundo Ada Pellegrini Grinover, tutelado por uma dplice garantia: de um lado, a proibio de tribunais extraordinrios ou de exceo, ex post facto ; e, do outro, o asseguramento do juiz competente (artigo 5., inciso LIII, da Constituio da Repblica).

    E prossegue a autora:

    essa a interligao entre os princpios do contraditrio e do juiz natural, a exigir que o primeiro seja instaurado perante o juiz da causa: tanto assim que, ainda que a prova fosse produzida com a participao das partes, a ausncia do juiz natural impossibilitaria a convalidao do vcio. Trata-se, segundo a doutrina e jurisprudncia italianas, da denominada impossibilidade de integrao extrajudicial do contraditrio.

    evidente, pois, que os princpios da oralidade, da imediao, do contraditrio, da identidade fsica do juiz e do juiz natural no sero observados caso se importem os depoimentos prestados no processo em que era ru CARLOS VANDR, j que o Jri no poder ser composto pelos mesmos cidados que julgaram o mencionado corru.

    Com isso, menos ainda ser observada a paridade de armas:(...) por isso que, se a doutrina diverge a respeito da identidade de partes

    entre o primeiro e o segundo processos como requisito de admissibilidade da prova emprestada, por outro lado ela pacfica em exigir que ao menos aquele contra quem se pretende produzir essa prova tenha sido parte no processo primitivo.

    E esse requisito no se afasta pela alegao de que o segundo processo, como no caso concreto sob julgamento, decorra de um primeiro que verse sobre os mesmos fatos, imputados s mesmas pessoas. Isso porque no basta que a parte tenha sido parte na demanda; ela deve ter efetivamente integrado a relao processual.

    Alm disso, precisa a lio de Eduardo Talamini, ainda que se refira ao processo primitivo como sendo de natureza extrapenal, endossada por Mariana Rematoso no mbito penal:

    (...)No mesmo sentido j decidiu esta E. Cmara Criminal: (...)Tambm o Supremo Tribunal Federal j adotou este posicionamento:(...)Caso contrrio, a prova no poder ser importada, eis que ilegtima por

    violao ao preceito processual-constitucional do contraditrio (artigo 5., inciso LVI, da Constituio da Repblica), o que poder ensejar a nulidade absoluta do processo desde o emprstimo.

    Cumpre destacar que no se trata de restringir o direito fundamental prova, que tambm assiste ao Ministrio Pblico como corolrio do contraditrio. O que no se pode negar que o exerccio de todo direito est sujeito a limites, normalmente estabelecidos pelos direitos alheios.

    Assim, o princpio da economia processual, que orienta a pacfica admissibilidade da prova emprestada, no absoluto, devendo ceder lugar aos direitos fundamentais dos cidados no caso o direito ao contraditrio do acusado LEONARDO COUTINHO.

    o que leciona Gisele Kodani: Documento: 14006114 - RELATRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Pgina 7 de 13

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    (...)Dessa forma, como LEONARDO no renunciou ao direito de participar

    da produo da prova oral e do interrogatrio do corru CARLOS VANDR, esses elementos no podero ser importados para o processo.

    Caso o Ministrio Pblico entenda serem eles indispensveis, dever reproduzi-los, arrolando as testemunhas cujos depoimentos julga necessrios ao justo deslinde da causa, eis que, como titular da ao penal, tambm titular do nus de provar a acusao, observadas as normas processuais atinentes ao contraditrio.

    Portanto, votei vencido no sentido de julgar procedente o pedido e conceder a ordem para cassar a deciso de fls. 41/2 e, caso a prova j tenha sido introduzida no processo, determinar que ela seja desentranhada. (fls. 82-92).

    Consta dos autos a deciso de pronncia s fls. 95-96.Requer, liminarmente, a suspenso da ao penal. No mrito, pleiteia o

    desentranhamento dos depoimentos trasladados do processo do corru.A liminar foi indeferida s fls. 138-145.Informaes foram juntadas s fls. 170-186 e 189-239.O Ministrio Pblico Federal apresentou parecer, fls. 242-244, da lavra do

    Subprocurador-Geral da Repblica Wagner de Castro Mathias Netto, opinando pela denegao da ordem.

    Segundo as ltimas informaes, o jri est designado para 30/11/2011. o relatrio.

    Documento: 14006114 - RELATRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Pgina 8 de 13

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    HABEAS CORPUS N 183.571 - RJ (2010/0159406-1)

    EMENTA

    PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICDIO QUALIFICADO. PROVA EMPRESTADA. ELEMENTOS ORIUNDOS DO DESMEMBRAMENTO DA AO PENAL. PARTICIPAO DO PACIENTE E SEU DEFENSOR. AUSNCIA. CONTRADITRIO E AMPLA DEFESA. VIOLAO.1. A prova emprestada tem sido admitida no processo penal pela jurisprudncia desde que, no processo de origem dos elementos trazidos, tenha havido participao da defesa tcnica do paciente, e, desde que no seja o nico dado a embasar a motivao da deciso.2. In casu , busca-se no a anulao da pronncia, mas, apenas o desentranhamento dos termos de interrogatrio e de depoimentos colhidos sem o concurso da defesa do paciente, dado o risco de sua leitura em plenrio do jri.3. Ordem concedida para determinar o desentranhamento dos termos de interrogatrio do corru e dos depoimentos colhidos em feito no qual no compareceu a defesa do paciente.

    VOTO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    O objeto da presente impetrao diz com o acerto do aresto guerreado que manteve a deciso de primeiro grau, que admitiu a prova emprestada, consistente no transporte de depoimentos colhidos em feito de corru, sem que o paciente ou seu defensor nele tenham comparecido.

    Pela leitura dos autos, penso que o voto vencido, constante do aresto guerreado, deve, nesta ocasio, sagrar-se vencedor.

    A questo em debate envolve sensvel tpico da teoria da prova, com ramificao decisiva no arcabouo de garantias constitucionais.

    O devido processo legal deve iluminar a colheita da prova que, para alcanar a justa prestao jurisdicional, deve marcar-se pela necessria dialeticidade.

    O contraditrio, na sempre lembrada lio de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, envolve

    "em resumo, cincia bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrari-los". (Princpios fundamentais do processo penal . So Paulo: Ed. RT, 1973, p. 82).

    Em outra passagem, assevera o mesmo autor:

    Documento: 14006114 - RELATRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Pgina 9 de 13

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    O contraditrio representa, pois, o complemento e o corretivo da ao de parte. Cada um dos contendores age no processo tendo em vista o prprio interesse: a ao combinada dos dois serve justa composio da lide.

    (...)Quem quer que reflita - segundo o mestre [Carnelutti) - acerca desse

    importante e delicado instituto percebe os defeitos, o custo e o rendimento da ao da parte. A parte o rgo mais pronto, mais imediato, para a transmisso do fato ao juiz: esse o rendimento. Mas tambm o rgo mais perigoso: esse o custo. O perigo no se elide seno por meio do contraditrio, que depura a ao de cada uma das partes de demasias e superfluidades, permitindo ao juiz separar os elementos teis dos elementos inteis ou danosos acaso encontrveis no acervo de fatos apresentados pelo autor ou pelo ru. (Op. cit., p. 79).

    Nesta perspectiva, como a prova testemunhal carreada aos autos no se submeteu ao controle de uma das partes, imperioso notar que a sua produo encontra-se maculada. Assim, a assertiva de que, como documentos, puderam tais elementos ser submetidos apreciao das partes, cede diante da complexidade do exerccio do direito prova, que se concretiza nas fases da admisso, produo e valorao.

    No caso sob lentes, como bem asseverado pelo ilustre doutrinador e Desembargador Geraldo Prado, no voto vencido do aresto guerreado, subtraiu-se da defesa a possibilidade de interferir no ingresso da prova nos autos. No teve ela a oportunidade de exercer o seu fundamental papel de formular perguntas, extraindo, das sucessivas reaes das testemunhas, nuances de certeza ou dvida de seus relatos.

    Tambm se pontuou, a meu sentir, com inteira propriedade, que, do modo como se efetivou a introduo dos termos de depoimento, abastardou-se a ampla defesa, na sua dimenso da defesa tcnica.

    Lembre-se que a autodefesa e a defesa tcnica so duas faces indissociveis do mesmo prisma. absolutamente impensvel, no atual estgio de evoluo do Direito Processual Penal, prescindir-se da defesa tcnica. Neste sentido, confira-se: LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional . 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: 2008, v. I, p. 189.

    Colaciona-se, ainda, a seguinte lio, que espelha a magnitude da eiva em questo:

    To essencial a defesa tcnica que, em alguns ordenamentos - como o italiano - no se permite a dispensa da defesa tcnica exercida por terceiro, nem mesmo quando o acusado possui habilitao profissional.

    (...)Em decises recentes, o STF reconheceu haver inexistncia de atos

    processuais praticados por pessoa no habilitada para o exerccio da advocacia (...) ou por advogado suspenso de suas atividades.

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  • Superior Tribunal de Justia

    (GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhes. As nulidades no processo penal . 11.ed rev., atual e ampl. So Paulo: Ed. RT, 2009, p. 71-72).

    Nos termos da jurisprudncia desta Corte, admite-se a prova emprestada, desde que atendido o requisito da identidade de partes:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, 2, INCISOS I E II, DO CDIGO PENAL. ALEGAO DE NULIDADE. PROVA EMPRESTADA. UTILIZAO NO PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. PECULIARIDADES DO CASO. (..._

    I - A prova emprestada admissvel no processo penal, desde que no constitua o nico elemento de convico a respaldar o convencimento do julgador (Precedentes do c. Pretrio Excelso e do STJ).

    II - Na espcie, a tese de nulidade aventada pela defesa no comporta acolhimento, a uma porque a prova emprestada foi colhida em processo entre as mesmas partes, com observncia dos princpios do contraditrio e ampla defesa, e, a duas, porque assumiu carter meramente complementar aos demais elementos de convico que sustentaram o decreto condenatrio.

    (...)(HC 155.149/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,

    julgado em 29/04/2010, DJe 14/06/2010, destaquei)

    PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. CONDENAO FUNDAMENTADA APENAS EM ELEMENTOS INFORMATIVOS DO INQURITO E EM PROVA EMPRESTADA. IMPOSSIBILIDADE.

    I - "Ofende a garantia constitucional do contraditrio fundar-se a condenao exclusivamente em elementos informativos do inqurito policial no ratificados em juzo" (Informativo-STF n 366).

    II - No obstante o valor precrio da prova emprestada, ela admissvel no processo penal, desde que no constitua o nico elemento de convico a respaldar o convencimento do julgador (HC 67.707/RS, 1 Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 14/08/1992).

    Ademais, configura-se evidente violao s garantias constitucionais a condenao baseada em prova emprestada no submetida ao contraditrio (HC 66.873/SP, 5 Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 29/6/07 e REsp 499.177/RS, 6 Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 02/4/07), como na hiptese de depoimento colhido, ainda que judicialmente, em processo estranho ao do ru (HC 47.813/RJ, 5 Turma Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 10/09/2007).

    III - In casu, o e. Tribunal de origem fundamentou sua convico somente em depoimento policial, colhido na fase do inqurito policial, e em depoimento de adolescente supostamente envolvido nos fatos, colhido na Vara da Infncia e da Juventude, deixando de indicar qualquer prova produzida durante a instruo criminal e, tampouco, de mencionar que aludidos elementos foram corroborados com as demais provas do processo.

    Ordem concedida.

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  • Superior Tribunal de Justia

    (HC 141.249/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 03/05/2010)

    Confira-se, ainda, a compreenso do Pretrio Excelso:

    I. Prova emprestada e garantia do contraditrio. A garantia constitucional do contraditrio - ao lado, quando for o caso, do princpio do juiz natural - o obstculo mais freqentemente oponvel admisso e valorao da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, no tenha sido parte aquele contra quem se pretenda faz-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstncia de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utiliz-la s tem relevo, se se cuida de prova que - no fora o seu traslado para o processo - nele se devesse produzir no curso da instruo contraditria, com a presena e a interveno das partes. (...)

    (HC 78749, Relator(a): Min. SEPLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/05/1999, DJ 25-06-1999 PP-00004 EMENT VOL-01956-03 PP-00602)

    Pela leitura da deciso de pronncia, percebe-se que, anteriormente juntada aos autos das cpias do interrogatrio do corru e dos depoimentos de testemunhas colhidos em feito no qual no tomou parte o paciente, nem se fez representar por meio de seu defensor, h notcia da produo, sob o plio do contraditrio, de quatro outros testemunhos, verbis :

    Oitiva de quatro testemunhas arroladas na denncia s fls. 261/263, 264/267, 268/269, 270/273.

    (...)Conforme assentada de fls. 259 a defesa do acusado desistiu por ora

    da oitiva de suas testemunhas.O Ministrio Pblico requereu em diligncia a juntada aos autos de

    todos os depoimentos prestados pelas testemunhas e o interrogatrio referentes ao processo do corru CARLOS VANDR tanto na primeira quanto na segunda fase o que foi deferido por este Juzo conforme fls. 259/260.

    (...)A autoria do delito de homicdio encontra-se indiciada atravs dos

    depoimentos prestados pelas testemunhas em sede judicial constante de fls. 261/263, 264/267, 268/269, 270/273. (fls. 183-184).

    Assim, verifica-se que o magistrado de primeiro grau no se serviu apenas de inqua prova emprestada para o fim de pronunciar o paciente. Saliente-se, ademais, que sequer a tais elementos se reporta para o fim de motivar a interlocutria mista.

    Por mais que a jurisprudncia oriente-se no sentido do no reconhecimento da nulidade da sentena/pronncia quando o juiz se ampara no apenas na prova emprestada, mas tambm em outros elementos, in casu , no se busca a anulao da pronncia, mas Documento: 14006114 - RELATRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Pgina 12 de 13

  • Superior Tribunal de Justia

    apenas o desentranhamento dos dados indevidamente carreados autos. Desta forma, no vejo bice para atender-se ao pleito, visto que o Parquet , se entender conveniente, pode requerer a oitiva das testemunhas em plenrio.

    De mais a mais, o colegiado leigo efetivamente no tem o discernimento tcnico necessrio para divisar a fora probante do elemento trazido como documento, que no teria o mesmo status de um depoimento, que adentrou aos autos sem o crivo do contraditrio.

    Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o desentranhamento dos termos de interrogatrio do corru e dos depoimentos colhidos em feito no qual no compareceu o paciente.

    como voto.

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