protestos: o globo

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Livro que conta a história dos protestos de julho de 2014. Um trabalho jornalístico sobre a revolta dos 20 centavos.

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O BRASIL NAS RUASCoordenação: Fernanda GodoyCapa e projeto gráfico: Télio NavegaRevisão: Claudia dos Santos—ISBN: 978-85-98888-55-2Copyright © Infoglobo Comunicação e Participações S.A.Rio de Janeiro, 2013Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida,em qualquer meio ou forma, nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dadossem a expressa autorização da editora.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 UM MAR DE GENTE

Multidões em marcha

Radicais provocam incêndio na Assembleia

Redes sociais dão o tom da ‘Revolta do Vinagre’

‘Passe livre’ vale mais Arnaldo Jabor

Protestos no túnel do tempo

Escalada de violência

Partidos hostilizados em protesto pacífico

Protesto sim, arrastão não Zuenir Ventura

Jovens mais longe do voto

A rua é a maior arquibancada do Brasil

Entender o Brasil Míriam Leitão

Bonito Caetano Veloso

Cheira a inconformismo Tony Bellotto

Um rastro de tristeza

CAPÍTULO 2 O QUE ELES QUEREM PARA O BRASIL

Nas ruas, um mar de reivindicações

Corrupção é o foco Merval Pereira

Brasileiros dizem por que vão protestar hoje

Encurralados Míriam Leitão

Uma revolta por 20 réis

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Pulverização de protestos toma conta do Facebook

Publicidade e transparência Daniel Galera

CAPÍTULO 3 AS INSTITUIÇÕES RESPONDEM

Tarifas caem em 11 cidades

Marcha à ré nas tarifas

Partidos, do susto ao mea-culpa

O apelo de Dilma

A internet não revogou a Constituição do país Joaquim Falcão

O que vem depois da queda da tarifa? Luiz Eduardo Soares

A cartada de Dilma

Barbosa defende recall para políticos

Após manifestações, Câmara rejeita PEC 37 por 430 votos a 9

Câmara aprova 75% dos royalties para educação e 25% para asaúde

Câmara do Rio fará CPI das empresas de ônibus

O comissariado quer tungar o ronco Elio Gaspari

Ritmo de plebiscito em tempo real Sergio Fadul

CAPÍTULO 4 FUTEBOL E POLÍTICA

Palmas para a seleção & vaias para Dilma

Valores de obras são revistos e Copa já custa R$ 28 bilhões

Revolta e futebol Roberto da Matta

‘Ola’ de protesto no Maracanã

Virulência José Miguel Wisnik

O grande evento Dorrit Harazim

Tia Fifa Verissimo

‘A Copa faz parte do avanço’

O futebol que muda e não ilude

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CAPÍTULO 5 CONEXÃO INTERNACIONAL

A praça é do povo Helena Celestino

O manifestante globalizado

‘Vejo esses movimentos como maios de 68 pós-modernos’

O monstro pode ser uma hidra Chico Amaral

Território antipático Hermano Vianna

‘O povo não vai se cansar de protestar’

FOTOGALERIA

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INTRODUÇÃO

Fernanda Godoy

Foi um mês excepcional. Junho de 2013 não será esquecido pelos brasileirosque o viveram. Centenas de milhares de pessoas, na maioria jovens, saíram àsruas, inundaram praças e avenidas com um tsunami de protestos ereivindicações. Convocadas pela internet, pelas redes sociais, com velocidadecibernética, as manifestações surpreenderam políticos, intelectuais, jornalistas.No dia 17 de junho, data crucial para a nacionalização do movimento, 240 milpessoas tomaram as ruas de 11 capitais simultaneamente. A manchete doGLOBO do dia 18 dizia tudo: “O Brasil nas ruas”, título que tomamosemprestado para este e-book. O recorte temporal escolhido para o livro começanesse momento em que o movimento ganha uma cara nacional e se fecha no fimdo mês, com um balanço parcial (a ser continuado) das mudanças produzidaspor ele.

O germe da insatisfação havia se alastrado como epidemia. No dia 6, umaquinta-feira em que quatro capitais (Rio, São Paulo, Natal e Goiânia) viramprotestos contra o aumento do preço das passagens de ônibus, pesquisadores doInstituto Datafolha estavam em campo colhendo os dados para uma pesquisanacional que apontaria a queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff.A gestão da petista caiu do confortável patamar de 65% de aprovação popular,em março, para 57%. A vaia na abertura da Copa das Confederações, emBrasília, confirmou que o clima havia azedado para a presidente. No domingo,30, dia em que a seleção brasileira se sagraria campeã da Copa dosConfederações, nova pesquisa Datafolha mostrou que a popularidade dapresidente Dilma, ausente da final no Maracanã, havia despencado mais 27pontos, batendo em 30%.

Dilma não está sozinha: a popularidade dos governadores do Rio, Sérgio

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Cabral (PMDB), e de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), bem como as dosprefeitos das duas capitais, Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Haddad (PT),sofreu erosão semelhante. Em todo o país, prefeitos, parlamentares e políticosem geral passaram o mês encurralados, sofrendo a contestação de uma leva demanifestantes que afirma que nenhum partido a representa.

A indignação e até mesmo a fúria de alguns podem ter surpreendido, mas ossinais de que a fervura estava subindo vinham se avolumando. Em março, apóso descumprimento de diversos mandados judiciais, a tropa de choque da PMdesocupara à força a Aldeia Maracanã, antiga sede do Museu do Índio no Rio,onde houve o primeiro protesto significativo contra a Copa do Mundo noBrasil. No dia 2 de maio, 19 dos 25 réus condenados no julgamento domensalão entraram com recursos visando a protelar a ordem de prisão, reversentenças e até afastar o presidente do STF, Joaquim Barbosa, da relatoria doprocesso, reabrindo a insatisfação com a lentidão na punição dos responsáveispelo maior esquema de corrupção já registrado no país. No dia 19 de maio, umaonda de boatos sobre a suspensão dos pagamentos do Bolsa Família provocou acorrida de 900 mil beneficiários aos caixas eletrônicos e um quebra-quebra quese espalhou por 12 estados.

A inflação em alta incomodava. A lista de reivindicações dos manifestantes,que começou com a eliminação do aumento das tarifas de ônibus (cerca de R$0,20, na maioria das capitais), logo se ampliou para incluir educação dequalidade, hospitais “padrão Fifa”, a derrota do projeto da “cura gay”, oarquivamento da PEC (proposta de emenda à Constituição) 37, que tirava doMinistério Público o direito de investigar crimes de corrupção. A prisão dospolíticos condenados no julgamento do mensalão se tornou imperativa.

As autoridades, do prefeito de São Paulo à presidente da República,começaram a se mobilizar para atender às demandas, mas o ritmo dosacontecimentos, com manifestações que se sucediam quase incessantemente, e afalta de uma liderança convencional nos protestos, com representantesconhecidos, tornava o processo de negociação difícil.

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Para os jornalistas, a cobertura da onda de protestos também trazia desafios,não só pelo ritmo acelerado dos acontecimentos, mas porque o movimento traza marca da pulverização de comando que já havia sido vista nos últimos anosnos movimentos sociais em outras partes do mundo, como o dos Indignados, naEspanha, o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e a Primavera Árabe.Quando os protestos de rua começaram a se intensificar no Brasil, a Turquiatambém estava em ebulição, e foram naturais as comparações entre as duaseconomias emergentes, mas, aqui como lá, ninguém sabia aonde essesmovimentos iam levar.

Ir para a rua produzir reportagens sobre as manifestações era a pauta óbvia,mas o jornalismo de qualidade exige muito mais, e por isso O GLOBOexaminou problemas dos quais os manifestantes reclamavam, como asdeficiências dos serviços públicos. Ouviu especialistas que apontassemsoluções para os problemas de gestão e para a falta de transparência, cobrourespostas das instituições, deu voz a uma pluralidade de opiniões, queexpuseram nas páginas do jornal e em suas mídias eletrônicas sua visão donovo estágio de consciência do país. A equipe do GLOBO se empenhou emseparar a informação do boato, em apurar culpas quando houve excessos, fossepor parte de uma minoria de manifestantes que partiu para a violência ou darepressão policial desmedida. E em fornecer o contexto que permitisse ao leitorter um quadro completo do processo em andamento no país.

Durante os protestos, o jornal esgotou nas bancas e a audiência do site doGLOBO disparou, assim como o número de downloads do "Globo a Mais", osuplemento para iPad. A reportagem mais compartilhada nas redes sociais emais curtida do mês foi a que trazia o presidente do STF defendendo o recallpara políticos — medida adotada com muito sucesso nos EUA, por sinal. Todasas notícias mais comentadas foram de política, algo inimaginável em um mêscom Copa das Confederações no Brasil e com a seleção campeã.

Um país politizado e com sede de informação é tudo que os jornalistasdesejam. Neste e-book, concluído ainda no calor dos acontecimentos, OGLOBO oferece aos leitores uma compilação de algumas das melhores

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reportagens, artigos, entrevistas e análises do movimento de junho de 2013.Quanto mais importante a notícia, mais relevante o trabalho da imprensa. Boaleitura.

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CAPÍTULO 1 UM MAR DE GENTE

Terça-feira • 18 de junho • 2013

MULTIDÕES EM MARCHAPelo menos 240 mil pessoas foram às ruas em 11 capitais, e mais uma vez houve confrontos

Chico Otavio

Na maior mobilização contra o aumento das passagens de ônibus, cerca de 240mil manifestantes, conforme estimativas dos organizadores, das polícias e deinstitutos de pesquisa, ocuparam na segunda-feira, 17 de junho, as ruas de 11capitais brasileiras. No dia em que a polícia paulista assistiu sem interferir àmarcha de 65 mil manifestantes, mantendo a Tropa de Choque aquartelada, aação de grupos isolados impediu que a onda de protestos terminasse semviolência. Pelo menos cinco cidades tiveram confrontos. No mais grave,vândalos lançaram coquetéis molotov contra a Assembleia Legislativa do Rio,incendiaram um carro e depredaram três agências bancárias, em uma ação quedeixou 29 feridos, 20 deles policiais.

Os manifestantes, contudo, iniciaram as marchas pelo país dispostos aprotestar em paz. Em alguns casos, agiram para conter os mais exaltados. EmSão Paulo, ao contrário do dia 13 de junho, quando as manifestações resultaramem cem feridos e 237 detidos, a polícia não disparou balas de borracha oubombas de gás lacrimogêneo. O governo paulista cumpriu a promessa de nãoreagir. Mas, à noite, um grupo tentou invadir o Palácio dos Bandeirantes, sededo governo do estado, sendo contido pela PM. Um dos portões do paláciochegou a ser forçado, mas não foi derrubado.

A PM paulista acompanhou à distância, com um efetivo visivelmente menorque o da manifestação anterior, o quinto protesto contra o preço das tarifas na

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capital. Policiais chegaram a pedir licença para passar, sorrindo, inclusivesentando no chão quando os manifestantes pediram. A marcha começou noLargo da Batata, em Pinheiros, próximo à Avenida Faria Lima, seguindo poresta e pela Marginal Pinheiros, passando depois pela Ponte Estaiada, Brooklin,em direção ao Palácio dos Bandeirantes, onde começou o confronto que seestendeu pela madrugada.

— O comportamento da polícia foi muito diferente. Quando não há repressãoa gente consegue fazer um ato muito mais organizado, sem violência —declarou Matheus Preis, de 19 anos, um dos líderes do Movimento Passe Livre.

Armas não letais foram usadas em Belo Horizonte, onde houve confronto coma PM nas imediações do Estádio do Mineirão, e em Porto Alegre. Em Brasília,a polícia não conseguiu impedir que os estudantes, por volta das 19h20m,subissem no teto do Congresso, pelo lado esquerdo, sob as cúpulas. Após cercade 30 minutos, a rampa foi liberada para que os manifestantes descessem.Muitos ainda permaneceram na cobertura. Eles estenderam uma faixa pedindo“não à violência” e gritaram:

— Vamos invadir o Congresso! O Congresso é nosso!

O episódio mais tenso foi o cerco à Assembleia Legislativa fluminense.Imagens do jornal “Extra” mostram dois policiais, um fardado e outro àpaisana, disparando tiros com balas de verdade para o alto, na tentativa dedeter os invasores. Entre os feridos no Rio, três foram baleados, um deles comperfuração no pulmão. Dez pessoas foram detidas. Por volta das 20h, umpequeno grupo tentou ocupar a escadaria da Assembleia Legislativa do Estadodo Rio (Alerj) e foi rechaçado pela polícia com gás lacrimogêneo e balas deborracha. Os conflitos aconteceram na Rua Primeiro de Março, em frente àAlerj e na travessa ao lado do Paço Imperial, prédio histórico que acaboupichado por vândalos. Alguns manifestantes atiraram coquetéis molotov emdireção aos policiais e atearam fogo em um carro. Manifestantes chegaram ainvadir o prédio da Alerj por uma janela. Outra marca do vandalismo foideixada em uma agência bancária próxima, cuja entrada de vidro foi destruída a

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golpes de barras de ferro.

Sem a predominância de bandeiras de partidos políticos, sindicatos ouentidades estudantis, os protestos lembraram as grandes mobilizações sociaisdo passado, como os comícios pelas Diretas Já (1984) e o movimento doscaras-pintadas (1992). A diferença foi a força demonstrada pelas mídiassociais, decisivas não apenas para a mobilização como para o registro de cadadetalhe das manifestações em tempo real, e a diversidade de palavras deordem.

Além do clamor contra o reajuste de tarifas de ônibus, foram ouvidos gritoscontra os gastos públicos com a Copa do Mundo e contra a PEC 37, projeto quebusca tirar dos Ministérios Públicos o poder de investigação.

Também houve mobilizações em Curitiba, Vitória, Salvador, Maceió,Fortaleza e Belém. À noite, na capital paranaense, manifestantes tambémtentaram invadir a sede do governo do estado e entraram em confronto comPMs. Em Porto Alegre, a Tropa de Choque da Brigada Militar entrou emconfronto com manifestantes depois que estes colocaram fogo em latas de lixo,atiraram pedras e depredaram um ônibus e prédios públicos. Os militaresusaram bombas de gás para dispersá-los. Em Alagoas, um motorista atirou norosto de um estudante quando tentava furar o bloqueio montado pelosmanifestantes na Avenida Fernandes Lima, no Bairro do Farol.

A PM mineira, para impedir que a marcha se aproximasse do Mineirão,estádio onde jogaram Nigéria e Haiti pela Copa das Confederações, atiroubombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes. Nafuga, um jovem de 18 anos caiu do viaduto da Avenida Presidente AntônioCarlos.Levado para o Hospital Risoleta Neves, o jovem apresentava no fim datarde um quadro estável.

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Terça-feira • 18 de junho • 2013

RADICAIS PROVOCAM INCÊNDIO NAASSEMBLEIAGrupo ataca PMs junto à Alerj e incendeia carro. Nove manifestantes e 20 policiais ficaram feridos

A manifestação de segunda-feira, 17 de junho, no Centro do Rio se transformouem confronto quando participantes tentaram invadir o prédio da AssembleiaLegislativa (Alerj), na Rua Primeiro de Março. Um veículo de passeio,estacionado na Rua São José, foi incendiado por vândalos, e outros três carros— um da Polícia Militar — foram depredados. Vinte policiais, segundo acorporação, e nove manifestantes ficaram feridos, sendo que três deles forambaleados. Imagens mostram PMs fazendo disparos nas imediações daAssembleia.

O vandalismo se estendeu pelas ruas próximas, onde lojas tiveram vidrosquebrados. Duas agências bancárias do Itaú e uma do Santander foramdestruídas. Um restaurante foi depredado, e uma loja da Chocolate Brasil,saqueada por cerca de 50 pessoas. O Paço Imperial e a Igreja de São Joséacabaram pichados. No final da noite, um vândalo conseguiu atirar algum objetoque provocou um incêndio dentro da Alerj, na sala da liderança do governo. Ofogo foi apagado pela brigada de incêndio da Casa. Lá dentro, 118 pessoas,entre policiais, servidores e pessoal da limpeza, ficaram ilhadas.

O acirramento foi provocado por um grupo isolado. Manifestantes tentaramcontê-los, inclusive impedindo que queimassem uma bandeira do Brasil,ressaltando que o protesto era pacífico. Mas um dos vândalos gritou com umajovem:

— Querida, você é louca. Não se faz revolução sem violência!

Esse grupo chegou à Alerj atirando fogos de artifício e pedras contra os PMs,que revidaram com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Vidraçase luminárias foram quebradas. Os policiais procuraram abrigo dentro do

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prédio, onde já estavam seguranças da Casa.

Quando os vândalos perceberam que havia cerca de dez PMs nos fundos daAlerj, na Rua Dom Manoel, com motos e patrulhas, foram para o local.Imediatamente, o grupo começou a atirar pedras nos policiais. Uma daspatrulhas foi depredada. Os PMs não partiram para o confronto e deixaram aárea. Um manifestante foi preso por policiais à paisana.

O presidente da Alerj, deputado Paulo Melo, que estava em Saquarema,declarou-se “profundamente indignado” com a depredação e disse que 80 PMsficaram acuados no prédio. Um carro da Alerj, segundo ele, teve os vidrosquebrados.

— A passeata começa com uma causa e termina sem causa nenhuma. Élastimável.

Na Dom Manoel, dois carros de passeio foram depredados. Na São José,outro foi virado e incendiado.

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Terça-feira • 18 de junho • 2013

REDES SOCIAIS DÃO O TOM DA ‘REVOLTADO VINAGRE’Grupos na internet orientam e mobilizam protestos em todo o Brasil

Nívia Carvalho

A cena não era vista desde o impeachment de Collor, em 1992. Assim como naPrimavera Árabe, que lotou praças e derrubou ditadores, no Brasil as redessociais também impulsionam a escalada de protestos contra o aumento dastarifas de ônibus, tanto na mobilização dos participantes como na descrição dosfatos em tempo real. A publicação de vídeos, fotos e relatos na hora e logo apósos protestos tomam conta de YouTube, Twitter, Facebook, Instagram e Tumblr.

No dia 17 de junho, desde cedo, cartazes e fotos postados nas redesconvocavam as pessoas a participarem, nas ruas ou em casa, das manifestaçõesem oito capitais. Com tags, as etiquetas que filtram temas nas redes, usuáriosrecomendavam o uso de roupas brancas e a colocação de bandeiras da mesmacor nas janelas, na preparação de um movimento pacífico. No Instagram, porvolta das 18h, mais de 18 mil imagens foram postadas com a etiqueta#whitemonday, e 9.600, com #vemprajanela. #Vemprarua reuniu mais de 24 milfotos. No YouTube, a lista dos dez vídeos mais vistos no Brasil foi inteiramentedominada pelo tema.

O Occupy São Paulo divulgou um manual para participantes tanto nas ruas,com indicações, por exemplo, sobre como “lidar com gás lacrimogêneo ebombas”, quanto em casa: “tire a senha do Wi-Fi se você mora ou trabalhaperto das áreas de manifestação”, para facilitar o compartilhamento dos fatospelos manifestantes. As redes também difundiram o mapa colaborativo dachamada “revolta do vinagre”, com locais de concentração em várias cidades, euma central de ajuda para participantes, com informações sobre os pontos semconflito potencial, rotas livres e socorro a feridos em confrontos.

A adesão aos “eventos” criados no Facebook mostrava o apoio de usuários:

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mais de 205 mil perfis confirmaram presença no “Vem pra janela! Solidarity toBrazilian Protests”, e 273 mil, no “Quinto grande ato contra o aumento daspassagens”, marcados para 17 de junho.

Ao contrário de outras grandes mobilizações nas redes, a onda de protestosnão é de uma tag só: entre as muitas etiquetas, à tarde, “#RIO16J hoje e#RIO17J amanhã! Façam o mesmo na sua cidade”.No Twitter, ninguémeconomizou no uso das tags:

“Desculpem o transtorno, estamos mudando o país!” foi uma delas.

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Terça-feira • 18 de junho • 2013

‘PASSE LIVRE’ VALE MAIS

Arnaldo Jabor

“Eu sou um cão imperialista; eu sou o verme dos arrozais”! — assim começavaa autocrítica de um alto dirigente chinês, creio que Peng Dehuai, por ousarcriticar a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung, que exterminou milhares deinocentes.

Talvez eu seja mesmo um “cão imperialista” porque, outro dia, eu errei. Sim.Errei na avaliação do primeiro dia das manifestações contra o aumento daspassagens em SP. Falei na TV sobre o que me pareceu um bando deirresponsáveis pequenos burgueses fazendo provocações por 20 centavos. Eramuito mais que isso, apesar de parecer assim. Pois eu, “lacaio da direitafascista”, fiz um erro de avaliação.

Esse movimento que começou outro dia tinha toda a cara de anarquismoinútil. E (quem acredita?) critiquei-o porque temia que tanta energia fosse gastaem bobagens, quando há graves problemas a enfrentar no Brasil. Eu falei em“ausência de causas”, em “revolta sem rumo”.

Mas a partir do dia 13 de junho, com a violência maior da polícia, ficouclaro que o movimento expressava uma inquietação que tardara muito no paíspois, logo que eu comecei a escrever em 1992 (quando muitos manifestantesestavam nascendo), faltava o retorno de algo como os caras-pintadas — osjovens que derrubaram um presidente.

Mas não falo por justificar-me. Erros se explicam mas não se justificam,como diziam no serviço militar. Portanto, errei.

Mas agora peço atenção (e uma pausa nos esculachos contra mim) aos jovensque me leem, para algumas linhas sobre esse fenômeno que surgiu nas redessociais e em milhares de “sacos cheios” por tanta paralisia política no Brasil eno mundo.

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Hoje eu acho que o Movimento Passe Livre expandiu-se como uma forçapolítica original, até mais rica do que os caras-pintadas, justamente porque nãotem um rumo, um objetivo certo a priori. Assim, começaram vários fatos novosem países árabes, na Europa e Estados Unidos. E volto a dizer que essaausência de rumos é muito dinâmica e mutante. Como cantou Cazuza: “As ideiasnão correspondem mais aos fatos”, que são hoje muito mais complexos que asinterpretações disponíveis, entre progressistas e reacionários.

Como bem escreveu Carlos Diegues: “O movimento é importante porquetalvez o mundo tenha perdido a esperança em mudanças radicais. Talvez porquea ‘revolução’ tenha perdido prestígio para a mobilidade social. Talvez por nãonos sentirmos mais representados por nenhuma força política (...) os jovens doMovimento Passe Livre trazem agora para Rio de Janeiro e São Paulo e outrosestados esse novo estilo de contestação, típico do século XXI — umacontestação pontual, sem propriamente projeto de nação ou de sociedade.” Éisso.

Não vivemos diante de “acontecimentos”, mas só de incertezas, de “nãoacontecimentos”. Na mídia, só vemos narrativas de fracassos, de impunidades,de “quase vitórias”, de derrotas diante do Mal, do bruto e do escroto.

O mundo está em crise de representatividade. Essa perplexidade provoca abusca de novos procedimentos, de novas ideologias, de uma análise mais céticadiante de velhas certezas. E toda essa energia tem de ser canalizada paramelhorar as condições de vida do Brasil, desde o desprezo com que se tratamos passageiros pobres de ônibus, passando pelo escândalo ecológico, passandopela velhice do Código Penal do país que legitima a corrupçãoinstitucionalizada. O importante nessas novas manifestações é que elas (graçasa Deus) não querem explicar a complexidade do mundo com umas poucascausas onde se trancam os fatos.

Eu sei, eu sei que é difícil escapar do “ideologismo; sei que a ideia decomplexidade é vista como “frescura” e que macho mesmo é simplista, radical,totalizante. Mas, no mundo atual, a inovação está no parcial, no pensamento

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indutivo, em descobrir o Mal entranhado em aparências de Bem.

Sei também que é muito encantador uma luta mais genérica, a “insustentávelleveza do ser revolucionário”, que cria figuras como os “militantesimaginários” que analisei outro dia. Esses jovens saíram da condição detorcedores por um time ou um partido e estão militando concretamente. Operigo é serem esvaziados, como foi o Occupy Wall Street.

É fundamental que o Passe Livre se amplie e persiga objetivos concretos.

Tudo está parado no país, e essa oportunidade não pode ser perdida. De umfato pequeno pode sair muita coisa, muito crime pode estar escondido atrás deuma bobagem. Os fatos concretos são valiosos. Exemplo: não basta lutargenericamente contra a corrupção. Há que se deter em fatos singulares eexemplares, como a terrível ameaça da PEC 37, que será votada daqui a umasemana e que acaba na prática com o Ministério Público, que pode reverter aspunições do mensalão, pode acabar até com o processo da morte de CelsoDaniel; fatos concretos como a posse do Feliciano ou o extraordinário Renanem suas duas horas de presidente da República. Se não houver núcleos durosdos fatos, dos acontecimentos presentes e prováveis, as denúncias caem novazio abstrato tão ibérico e tão do agrado dos corruptos e demagogos.

Por isso, permito-me sugerir alguns alvos bons:

Descobrir e denunciar por que a Petrobras comprou uma refinaria por US$ 1bilhão em Pasadena, Texas, se ela só vale US$ 100 milhões? Por quê?

Por que a Ferrovia Norte-Sul, que está sendo feita desde a era Sarney, aindaquer mais R$ 100 milhões para mais um trechinho. Saibam que na época, há 27anos, a “Folha de S.Paulo” fez uma denúncia genial: botou na página declassificados um anúncio discreto onde estava o resultado da concorrência doisdias antes de abrirem as propostas. Claro que a concorrência era malhada. Foium escândalo mas continuou até hoje, comandada pela Valec, de onde o ex-diretor Juquinha, indescritível afilhado do Sarney, supostamente teria tascadoR$ 100 milhões.

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Por que as obras do Rio São Francisco estão secas?

Por que obras públicas custam o dobro dos orçamentos?

Por que a inflação está voltando? Por que a infraestrutura do país estádestruída?

Por quê?

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Quarta-feira • 19 de junho • 2013

PROTESTOS NO TÚNEL DO TEMPOProtagonistas e coadjuvantes das grandes manifestações políticas da História recente do paíscontam como era mobilizar multidões na era analógica

Flávio Tabak, Maiá Menezes e Thais Lobo • 'O GLOBO A MAIS'

Em sua História recente, o Brasil tem guardados três grandes momentos nosquais pessoas comuns foram às ruas para protestar por, no mínimo, umasociedade melhor. Passeata dos Cem mil (1968), Diretas Já (1984) e os CarasPintadas (1992). Todas em um mundo analógico, e turbinadas por uma estruturade partidos e instituições, hoje também alvo dos protestos que tomaram as ruasdo país há pelo menos duas semanas.

Dos panfletos e do velho boca a boca de 1968, à intrincada logística demobilização do Fora, Collor, as maiores manifestações dos últimos 45 anosguardam diferenças, mas também semelhanças entre si. Protagonistas ecoadjuvantes dos três momentos históricos acompanharam com um misto deadmiração e espanto a magnitude das avenidas lotadas dos últimos dias.

O ex-líder estudantil Vladimir Palmeira precisou dos centros acadêmicos eestrutura sindical para ajudar a convocar os milhares de manifestantes daemblemática Passeata dos Cem Mil, um dos principais marcos da luta contra aditadura, antes do AI-5.

— Cada um fazia a sua parte, e a mobilização acontecia nas escolas. Nasemana anterior à passeata dos Cem Mil, houve confrontos com a polícia e umagrande divulgação. A população se solidarizou. A ligação com sindicatos eartistas também teve papel fundamental.

Também na Passeata dos Cem Mil, um estudante carioca de Direito da UnBhavia viajado de Brasília ao Rio com uma só ideia: participar do movimentoconvocado para o Centro da cidade. Hoje ex-procurador-geral da República,Cláudio Fonteles tinha 22 anos naquele dia e participava do movimentoestudantil Ação Popular. Diz que era mais um na massa e, apesar de ter ido com

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alguns poucos amigos à passeata, recorda-se de momentos muito pessoais.Soube de que algo muito importante aconteceria em sua cidade natal por meiodo “famoso” boca a boca da época.

— Eu fui imbuído pelo desejo pessoal de aderir a uma manifestação. Já haviafeito isso em Brasília. Um grupo de colegas disse, “Vamos embora, vamosnessa”. É a mesma coisa que se passa hoje nas ruas, é muito bonito — diz o ex-procurador, que decidiu deixar, recentemente, a Comissão Nacional daVerdade.

Há 45 anos, o clima político do país era muito mais nebuloso do que agora,mas Fonteles diz que, mesmo assim, não teve medo de violência policial,apesar de já conviver com a ideia de que grupos estudantis eram vigiados e quejovens poderiam morrer, como foi o caso de Edson Luís:

— Era um clima de explosão e revolta. A angústia também foi um sentimentomuito forte daquele dia, um sentimento represado. Mas não senti violência.Veio em mim esse sentimento, todos estavam precisando disso. Embora poucosamigos estivessem comigo, foi o Cláudio com o Cláudio. A multidão era umcomplemento.

O jovem de 22 anos que se tornou líder repentino da marcha pró-impeachment de Collor é hoje o grisalho pai de um adolescente de 17 anos quefoi para as ruas empunhando as multibandeiras da passeata da última segunda-feira, no Rio. Lindbergh Farias, de 42 anos, senador petista, viveu um papelinteiramente distinto do que desempenhava na Candelária, naquele 16 de agostode 1992.

— Meu filho me disse: vou à passeata. Eu estava no aeroporto, vi a confusãona Alerj, liguei para ele, que não atendia. Qual foi minha reação: não viajei.Agora sou pai do garoto de 17 anos. Como pai, fico preocupado. Naquelaépoca, não tinha essa bala de borracha para todo lado. Aquilo é um perigo —diz Lindbergh.

Para mobilizar as multidões que lotaram as ruas do país contra o então

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presidente, Lindbergh se lembra de dificuldades logísticas, próprias do mundopré-redes sociais. Uma passeata, organizada linearmente pela UNE, na épocaativamente contra o governo, demorava em torno de 15 dias para ser produzida.

A jornalista Renata Amato participou pela primeira vez de uma passeatacomo estudante secundarista durante a mobilização que reivindicava o votopara maiores de 16 anos. Depois vieram as manifestações pela redução damensalidade em escolas privadas e, enfim, o movimento dos caras-pintadas.

— Assim como a luta pela redução de tarifas dos ônibus, a nossa articulaçãopela redução das mensalidades escolares causou uma mobilização imediata daspessoas. Trouxe uma provocação de urgência, mas que acabou puxando outrasquestões que estão por trás, numa espécie de efeito dominó — lembra. — Oscaras-pintadas surgiram num momento parecido com o que está acontecendohoje. O movimento sai da esfera da reivindicação imediatista para algo maisamplo.

Para mobilizar os estudantes, eram apontados líderes nas diferentes regiõesda cidade que eram responsáveis por reuniões onde se decidiam os rumos domovimento. Em vez de fóruns na internet, megafones e panfletos.

— Eram necessárias cinco, seis passeatas para que uma mobilização grandeacontecesse. Hoje, sem dúvida, isso é mais veloz. Hoje já não importa o localfísico do manifesto. Pode ser Belo Horizonte, São Paulo... é como se fosse naesquina — analisa Renata. A internet derrubou essa fronteira.

Apesar das diferenças entre as mobilizações, Renata destaca que ter nohorizonte um encaminhamento real para as demandas é fundamental. Segundoela, o surgimento de líderes que possam ter um olhar macro sobre asreivindicações é importante para os próximos passos do movimento.

O jornalista Cid Benjamin era integrante da executiva estadual do PT no diado principal comício pelas Diretas Já, nas imediações da Igreja da Candelária,em 10 de abril de 1984. Uma de suas tarefas naquele dia era organizar achegada de artistas e ficar perto do palco. O ex-guerrilheiro, que participou do

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sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, notou um climamuito mais ligado a expectativa do que a revolta. A mobilização, segundo ele,foi fácil porque o governador era Leonel Brizola, de oposição ao regimemilitar, e o comício já estava bastante divulgado.

— Havia uma expectativa enorme da população pela aprovação da emendaDante de Oliveira. Quem estava mais envolvido na disputa política sabia queseria muito difícil a aprovação. Há diferenças em relação à manifestação deagora, que é maior e mais espontânea. Nas Diretas, o clima era de animação eesperança, menos individual e espontâneo.

Embora as ruas do Centro estivessem lotadas de manifestantes em 1984 e naúltima segunda-feira, Benjamin vê situações de mobilização totalmentediferentes. A referência, no caso das Diretas, era um palanque, e as pessoas nãosaíam andando pelas ruas com seus cartazes. Mesmo sob um regime aindaditatorial, nem a polícia, segundo ele, era capaz de intimidar os manifestantesda época. Ele se recorda de apenas alguns poucos policiais controlando otrânsito.

— Havia uma frente suprapartidária no palanque das Diretas, com osprincipais líderes dos partidos recém-criados. Eram figuras políticas e artistas.Foi um comício, não uma passeata.

Alçado pelo acaso ao posto de primeiro orador do movimento pelas Diretas,Apolinário Rebelo lembra de ter tido que driblar obstáculos físicos para fazer amobilização nas escolas. Ele era presidente da União Brasileira dos EstudantesSecundaristas (Ubes) e se ofereceu para abrir o comício, diante de um impasseentre figuras da elite política da época, que decidiam quem tomaria a palavra.

— Íamos para as salas das escolas, centros cívicos com folhetos emegafones. Quando a escola não permitia a entrada, nos pendurávamos nasgrades para falar com os estudantes do outro lado — diz ele, hoje subsecretáriode Investimentos Estratégicos e Negócios Internacionais do Distrito Federal.

Agora dentro de gabinetes, líderes dos movimentos de outrora se vêem agora

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na condição de vidraça da indignação das massas contra os políticos. Instaladoem um dos alvos prioritários da manifestação de segunda-feira, em Brasília (oCongresso Nacional), o senador Lindbergh se diz um entusiasta dos novostempos, mas reconhece que a hora não é boa para sua categoria profissional.

— Ninguém (nenhum político) pode querer estar perto. Não é hora deninguém se apropriar de nada. Tem que escutar. E ter respostas com políticaspúblicas: há uma luta contra a passagem e contra o autoritarismo. Às vezes temque vir um recado do povo para dar uma sacudida. Antigamente os partidostradicionais de esquerda chamavam as passeatas. É como se eles dissessem: eunão preciso de vocês — atesta ele, a menos 24 horas de novas manifestaçõesprogramadas para pelo menos 80 cidades.

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Sexta-feira • 21 de junho • 2013

ESCALADA DA VIOLÊNCIAItamaraty e prefeitura do Rio são atacados; protestos reúnem 1 milhão e primeira morte éregistrada

Chico de Gois e Chico Otavio

Manifestantes radicais venceram a maioria pacifista e deram o tom dosprotestos em série que tomaram as ruas do país no dia 20 de junho, reunindo 1milhão de pessoas. Indiferentes à redução dos preços das passagens de ônibusem capitais como Rio e São Paulo, grupos sectários entraram em confronto coma Polícia Militar em pelo menos dez cidades brasileiras, ofuscando as pessoasque pretendiam se manifestar em paz. As lideranças das marchas, representadasprincipalmente pelo Movimento Passe Livre, foram incapazes de conter osconfrontos. A sede da prefeitura do Rio e imediações, na Cidade Nova, foramtransformadas em campo de batalha, deixando 41 pessoas feridas. As cenas deviolência se repetiram em Brasília, onde o Palácio do Itamaraty foi atacado porvândalos, e em Salvador, Porto Alegre, Manaus, Vitória, Natal, Belém,Campinas e Ribeirão Preto (SP).

Após os confrontos, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião deemergência com ministros para o dia 22 de junho, às 9h30m. Mais cedo,preocupada com a escalada da violência, ela alterou sua agenda de viagens,entre as quais constavam uma a Salvador, hoje, e outra ao Japão, no domingo,com o objetivo de acompanhar do Palácio do Planalto a situação.

Carros incendiados, prédios invadidos, lojas saqueadas, muros pichados,mobiliário urbano destruído, confrontos e prisões. Estas foram as marcas dosprotestos do dia 20, que ocorreram em pelo menos 80 cidades brasileiras eforam enfrentados pelas polícias militares com balas de borracha, spray depimenta e bombas de gás lacrimogêneo. A pauta de reivindicações, ampla edifusa, incorporava desde tarifas mais baratas ao pedido de renúncia deautoridades.

Em Ribeirão Preto (SP), um manifestante, Marcos Delefrate, de 18 anos,

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morreu atropelado quando um carro tentou furar um bloqueio formado pelapasseata. Em Manaus, um jovem foi esfaqueado. Dois carros de reportagem, noRio e em Natal, e dois ônibus da Fifa em Salvador foram atacados, ambos emSalvador.

Em uma das mais graves demonstrações de vandalismo do dia, gruposmunidos de pedras, cones de trânsito e garrafas quebraram vidros do Itamaraty,em Brasília. Logo que um rojão explodiu dentro do prédio, a PM revidou combombas de efeito moral e de gás de pimenta, tendo usado até mesmo extintorespara dispersar as pessoas que ocupavam as duas rampas de acesso ao prédio.Um dos manifestantes quebrou um refletor dentro do espelho d’água com umcone. Outro agrediu um policial com o mastro de sua bandeira.

Mais uma vez, militantes de partidos políticos e organizações sindicais foramhostilizados pelos manifestantes e expulsos dos protestos. Em São Paulo, cercade cem integrantes do PT, usando camisetas vermelhas e com bandeiras na mão,chegaram a ser empurrados e xingados, tendo trocado socos e pontapés comjovens que gritavam “Fora, PT”. Diante do repúdio dos manifestantes aospartidos políticos, militantes do PT, do PSB, do PCdoB e de outras legendas,como PSTU e PSOL, decidiram participar dos protestos em Brasília semcamisas, bandeiras ou qualquer outra identificação das siglas.

No Rio, os manifestantes que tomaram a Avenida Presidente Vargas, noCentro, não pareciam dispostos a deixar que militantes tirassem proveitopartidário do movimento. Houve brigas para evitar que isso acontecesse emvários momentos. Logo na concentração, junto à Igreja da Candelária, cerca dedez militantes usando camisetas da CUT, carregando bandeiras e panfletos,aguardavam o início da caminhada, quando foram cercados por um grupo de 20manifestantes, que rasgaram as bandeiras e quebraram seus mastros.

Em resposta às hostilidades, os comandos do PT e do PCdoB mobilizaramsua militância, centrais sindicais e movimentos sociais para fazer umamanifestação paralela. A convocação, uma reação ao apartidarismo da chamada“marcha do vinagre” e uma tentativa de neutralizar um impacto negativo das

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passeatas para a presidente Dilma Rousseff, foi iniciada nas redes sociais pelopresidente nacional do PT, Rui Falcão, um dia depois de se reunir com Dilma,o ex-presidente Lula, o marqueteiro João Santana e o ministro AloizioMercadante, em São Paulo.

No início da tarde, momento em que as marchas começavam a partir, o climaparecia tranquilo. No Rio, os cerca de 300 mil manifestantes partiram daCandelária em direção à prefeitura tomando a Avenida Presidente Vargas, amaioria tranquila, empunhando bandeiras e cartazes. Muitos usavam a máscarade Guy Fawkes, popularizada pelo grupo Anonymous, e registravam as cenascom celulares e máquinas fotográficas. Porém, não demoraram a surgir gruposde pessoas com camisas escondendo o rosto, como se elas estivessem sepreparando para o confronto ao encontrar as tropas policiais na entrada daprefeitura.

Os radicais começaram a brigar entre si, mas logo enfrentaram a Cavalaria,postada em frente à prefeitura. No conflito entre manifestantes e polícia, orepórter Pedro Vedova, da GloboNews, foi ferido na cabeça com uma bala deborracha. O fotógrafo do “Globo” Marcelo Piu também foi atingido, no ombro.Um veículo de reportagem do SBT, estacionado perto da prefeitura, foi atacadodurante o tumulto. Os equipamentos foram roubados de dentro do carro, que foipichado e incendiado.

Foi tensa também a situação em Salvador. Dois ônibus da Fifa e um hotel queserve como QG da entidade foram atacados com pedras. Desde cedo,manifestantes concentrados no Campo Grande tentaram alcançar a arena daFonte Nova, onde jogariam Nigéria e Uruguai, seguindo pelo bairro Nazaré. Nomeio do caminho, porém, foram barrados pela PM. Ao forçar a passagem,entraram em confronto, atirando pedras e outros objetos contra as balas deborracha e bombas de gás lacrimogêneo disparadas pelos militares.

Em Manaus, dois ônibus foram apedrejados no protesto que reuniu mais de30 mil pessoas no Centro. Um adolescente de 16 anos, identificado comoJoseias Santos, desentendeu-se com outro grupo de rapazes e foi apunhalado no

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ombro. Ele foi levado para o Serviço de Pronto Atendimento (SPA), e sua vidanão corre risco.

A Tropa de Choque da PM não conseguiu evitar, em Campinas (SP), quegrupos de manifestantes quebrassem com pedras os vidros da prefeitura,ameaçando também invadi-la. Algumas pessoas passaram mal por causa dospray de pimenta lançado pelos militares, que também jogaram bombas de gáslacrimogêneo.

A PM também tentou, em Vitória, dispersar os radicais que se aglomeraramem frente ao Tribunal de Justiça. Mas não conseguiu impedir que, por volta das20h, um pequeno grupo soltasse rojões contra o prédio. Vidraças foramdestruídas, tendo início um pequeno incêndio. Houve confronto entremanifestantes e vândalos.

Em Belém, manifestantes e polícia também entraram em confronto depois queum grupo começou a atirar pedras na sede da prefeitura. O prefeito ZenaldoCoutinho e vereadores foram à porta para dialogar com os manifestantes, masforam atacados com pedras portuguesas, ovos, garrafas de plástico e frutas.

Também foi registrado vandalismo em Natal, onde um grupo tentou invadir oprincipal shopping da cidade e virou um carro de reportagem da TVBandeirantes.

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Sexta-feira • 21 de junho • 2013

SP: PARTIDOS HOSTILIZADOS EMPROTESTO PACÍFICOPT foi o mais atacado em ato com 100 mil pessoas; convocação era para comemorar reajustesuspenso

Cleide Carvalho, Sérgio Roxo, Tatiana Farah

A manifestação para comemorar a redução da tarifa do transporte coletivo emSão Paulo, no dia 20 de junho, embora pacífica, foi marcada por hostilização eprotesto contra partidos políticos. A maior ofensiva se deu contra o PT, masPSOL, PSTU e PCO, bem como movimentos sociais como MST, CUT e UNE,também foram alvo de provocação ao longo de toda a passeata, que reuniucerca de 100 mil pessoas na Avenida Paulista, segundo a PM. Houve brigaentre militantes partidários e manifestantes, bate-bocas e xingamentos.

Os militantes do PT chegaram ao protesto acompanhados de representantesda Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento de TrabalhadoresSem-Terra (MST) e, assim que se juntaram aos manifestantes, foram recebidoscom vaias e gritos de “mensaleiros”. Os petistas reagiram, esticando bandeirase gritando palavras como “democracia”, mas tinham orientação para nãorevidar.

O clima começou a ficar tenso quando a caminhada foi iniciada. Objetosforam atirados contra o grupo ao longo de todo o percurso. Bandeiras foramarrancadas dos militantes e destruídas. Depois de mais de uma hora deenfrentamento à distância, um grupo mais radical de manifestantes, que estavaem minoria, partiu para a troca de socos. Ao menos uma pessoa ficou ferida.

— Foi o PT quem me atacou. Deu uma paulada na minha cabeça — afirmou oadvogado Guilherme Nascimento, de 26 anos, atingido por um mastro debandeira na cabeça.

Uma das lideranças do PT no ato, Danilo Camargo disse não ter vistoninguém ser agredido e destacou que os protestos eram contra partidos em

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geral.

— A hostilidade existe desde o primeiro ato e não é contra o PT, mas contratodos os partidos — afirmou.

Os policiais foram orientados a não intervir. Uma bandeira de um movimentosocial foi queimada em plena avenida. Alguns skinheads atiraram uma bombacontra um grupo de militantes de esquerda. Duas mulheres saíram no tapa nomeio da passeata, em um dos muitos conflitos entre manifestantes e filiados. Naaltura do Museu de Arte de São Paulo (Masp), houve um início de confusãoquando militantes do PSTU, com bandeiras, foram xingados. Um grupo do PCOrecolheu bandeiras para evitar confronto.

Até mesmo lideranças do Movimento Passe Livre (MPL), organizador dosprotestos contra o reajuste da tarifa, foram ameaçadas e chamadas de“oportunistas” por um grupo que foi ao ato para reivindicar o fim da corrupçãoe mostrava insatisfação com a presença dos partidos.

Desde a concentração para o ato, o clima era de apreensão. Grupos repetiampalavras de ordem como “Vão para Cuba” e “Vão para a Venezuela” amilitantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), que reagiram:

— Baixou a tarifa e agora bota na conta da Fifa!

Bruno Zanini, de 22 anos, explicou sua fúria com militantes do PSOL.

— Todo mundo é anônimo, a bronca é em relação a qualquer partido, porquetodos eles, quando chegam ao poder, vão fazer a mesma coisa: a coligação comoutros partidos.

— O Estado é democrático, e o espaço é de todos. O PSOL está nessesprotestos desde o início — reagiu o militante José Henrique Leme.

No geral pacífica, a manifestação foi palco para diversas causas — da prisãode mensaleiros a protestos contra gastos com obras da Copa, a corrupção e aPEC 37. A vitória do MPL na redução da tarifa de transporte levou ontem àsruas novatos na manifestação. Camila Tavares de Souza, de 29 anos, saiu de

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Diadema, Região Metropolitana de São Paulo, para o seu primeiro protesto.

— Vim atrás do nosso direito — disse, segurando um cartaz sobre a PEC 37.

Perguntada sobre o que defendia em relação à PEC, ela recorreu a umaamiga:

— O que é mesmo?

Ao longo do dia, os sites de PT e PSDB saíram do ar diversas vezes. Ospartidos disseram que o serviço ficou instável, sem saber se foram alvo dehackers. Houve também hostilidade a militantes em Porto Alegre e no interiorde São Paulo.

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Sábado • 22 de junho • 2013

PROTESTO SIM, ARRASTÃO NÃO

Zuenir Ventura

Calcula-se que mais de um milhão de pessoas participaram das últimasmanifestações em todo o país. Destas, é provável que a maioria tenha sidoformada por jovens entre 15 e 35 anos, ou seja, aquela turma que os americanoschamam (e nós repetimos) de “geração do milênio”, “geração internet” ou“geração me”, por ser supostamente individualista, narcisista, ansiosa,dependente dos smartphones e, sobretudo, alienada. Uma pesquisa da revista“Time” concluiu que, entre todos os exemplares da juventude pós-moderna,essa é a de menor participação política, a de engajamento zero. Também aquino Brasil reclamávamos que ela não gostava de ler, não tinha projeto e sópensava em si — que se danasse o outro, o país e o mundo, já que cada um,diante do computador, criava o seu próprio universo virtual. Ao contrário dageração de 68, dogmática e apostólica, que acreditava na vitória doproletariado, os jovens do terceiro milênio seriam menos crédulos e menossolidários, só querendo saber do aqui e agora.

O que ninguém esperava é que esses jovens tidos como os mais alienadosseriam justamente aqueles capazes de “acordar o gigante adormecido” e dedevolver ao país o ânimo de poder mudá-lo. E isso sem a máquina do Estado,sem a cobertura dos sindicatos, dos partidos nem das organizações sociais.Apenas com a internet. Cobrindo a manifestação no Rio, a repórter Lilia Telesnotou um pequeno cartaz com a seguinte inscrição, que poderia funcionar comouma espécie de epígrafe: “Menos eu e mais nós.” De todas as palavras deordem lidas e ouvidas nas passeatas, estas talvez tenham sido as que melhorsoam como programa e plataforma de uma geração anárquica, que não quer nemuma coisa nem outra, e que, de tão diversa, nem mesmo pode ser chamada degeração.

Se nada for feito com rigor para impedir a infiltração dos vândalos nas

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manifestações, o movimento vai perder o que havia conquistado: o apoioentusiasmado da opinião pública, que está sendo substituído pelo medo. Nãoadianta mais alegar que esses marginais predadores constituem uma minoria,porque é uma minoria disposta a só produzir estragos. Imagens como as datarde do dia 21 de junho na Barra da Tijuca, por exemplo, mostrando grupos dejovens com o rosto coberto, agindo impunemente — quebrando vitrines,promovendo saques em lojas e depredando automóveis à venda —, tinham a vermais com arrastão do que com protesto.

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Domingo • 23 de junho • 2013

JOVENS MAIS LONGE DO VOTOPartidos perdem vanguarda na ação política; proporção de eleitores de 16 a 18 anos cai

José Casado

João, 17 anos, provocou:

— Você sabe o que é que está por trás disso tudo aí, né, pai?

Carlos Sampaio, 50 anos, deputado federal há uma década, esboçou umaresposta que levaria o filho a um passeio pelo palácio das suas memórias doimpeachment de Fernando Collor, em 1992, quando se filiou ao PSDB paulista,até chegar à CPI dos Correios, onde 13 anos depois investigou o mensalão:

— Está tudo meio difuso — começou Carlos Sampaio. — É um poucodiferente de quando...

João cortou:

— Não, pai, você se engana. Não tem partido nisso aí, não. Tá todo mundorevoltado. Isso é contra corrupção, mensalão, passagem de ônibus, e por maisinvestimento em Saúde, Educação e Transporte. E, olha, eu vou pra lá...

As ruas de Campinas (SP) ganharam mais um manifestante. O deputadovoltou a Brasília. Perplexo, viu o Congresso sitiado por milhares de pessoas,gritando em coro, como se estivessem rezando: “Só vamos parar/ quando agente colocar/ 1 milhão,/ 3 milhões,/ 20 milhões/ aqui!/ Pra falar pra eles/ quenão tá certo/ o que eles fazem/ com nosso dinheiro,/ com a nossa Saúde,/ com anossa Educação”.

Líder do maior partido de oposição, o PSDB, na tarde seguinte Sampaio serendeu diante do microfone do plenário:

— Eles têm toda a razão. O movimento é de indignação, é contra toda aclasse política, os partidos e os governos. Façamos uma autocrítica: como é queeste Congresso pode ser respeitado? Tenhamos vergonha na cara. Precisamos

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mudar, para reatar com a sociedade.

Evidências desse divórcio — o avanço do sentimento antipolítica eantipartidos tradicionais — espalharam-se pelas ruas nas últimas duas semanase se refletem nas mais recentes pesquisas sobre tendências dos eleitoresrealizadas pela Justiça Eleitoral e por institutos especializados.

O sistema é de democracia representativa, mas a onda de manifestaçõesdemonstra que os partidos perderam a vanguarda e o monopólio da açãopolítica. Passaram a ter cada vez menos importância para 70 de cada cemeleitores, mostram as pesquisas.

Tem aumentado a cada eleição o número de pessoas que prefere não ir àsurnas, vota em branco ou anula o voto. Foram 37 milhões na eleição municipalde outubro do ano passado. É quase um terço do eleitorado de 141 milhões debrasileiros. Equivale à população do estado de São Paulo e ao dobro da doEstado do Rio.

A indiferença predomina e se destaca entre os mais jovens, da faixa de 16 a18 anos de idade, para os quais o voto é facultativo. Eles somam 12 milhões —contingente do tamanho do eleitorado carioca e com peso suficiente paradecidir, por exemplo, uma eleição presidencial. Mas decidiram se distanciar doprocesso eleitoral.

Há duas décadas, quando as ruas foram tomadas por manifestações peloimpeachment de Collor, eleitores dessa faixa etária eram donos de 3,6% dototal de títulos eleitorais disponíveis. Agora, representam apenas 1,5% doscadastrados para votar.

De cada cem jovens que já poderiam ser eleitores habilitados, somente 35haviam se alistado até março, informa o Tribunal Superior Eleitoral.

No Estado do Rio, a situação piora: de cada cem, apenas 19 se interessarampelo registro. Somam 420 mil desinteressados. É mais que o eleitorado deNiterói e quase igual ao de Nova Iguaçu.

— É realmente grave — pensa Letícia Sardas, presidente do Tribunal

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Regional Eleitoral (TRE) no Rio. — Eles protestam muito mais que antes, e noentanto já não ligam para o título de eleitor, que é o passaporte para promovermudanças. É preciso canalizar essa energia do protesto para a construçãopolítica. Mas como fazer, se os partidos envelheceram tanto que não conseguemnem se conectar com o universo deles, que é a rede social?

— Aqui está acontecendo uma coisa assustadora — acrescenta Letícia. —Quanto mais elitizado é o jovem de 16 a 18 anos, menor é o interesse dele peloprocesso eleitoral. Estamos pesquisando as causas, mas já constatamos que osalunos das escolas municipais do interior do estado dão muito mais importânciaà participação do que estudantes da Zona Sul carioca, especialmente os dasescolas bilíngues.

Comportamento similar existe no outro extremo do eleitorado, segundo ajuíza, entre as pessoas com mais de 70 anos e que legalmente também não têmobrigação de votar.

São 10,3 milhões no país. Desses, 1,1 milhão vive no Estado do Rio,somando 9,3% dos eleitores fluminenses. Cada vez mais, eles também estãodeixando de ir às urnas.

A distância entre os partidos e as ruas pauta o cotidiano do Legislativo. Emmeados de junho, enquanto o Congresso foi duas vezes sitiado por uma multidãoindignada, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN),comandava uma delegação de líderes partidários em passeio no verão deMoscou. Estava na companhia de Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo;Eduardo Cunha (PMDB-RJ); Ronaldo Caiado (DEM-GO); Rubens Bueno (PPS-PR); Felipe Maia (DEM-RN); Bruno Araújo (PSDB-PE) e Fábio Ramalho (PV-MG).

No intervalo entre os cercos, a Câmara dos Deputados inscreveu entreprioridades de votação um requerimento (número 7.956) para enviar comissãoparlamentar a Santa Cruz do Arari, no arquipélago do Marajó. Com a seguintemissão: acompanhar acontecimentos decorrentes da decisão da prefeitura, quedeterminou a caça de cães no município.

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Enquanto isso, o Senado deixava o Plano Nacional de Educação completarseis meses dormente na pauta, sem votação.

A 1.300 quilômetros dali, no Rio, a Câmara municipal engavetava um pedidode CPI para investigar privilégios concedidos às empresas de transportecoletivo. Ao mesmo tempo, elegia a ilha de Taiwan como “irmã” da capitalcarioca e mantinha o ritmo de homenagens a amigos dos vereadores — a médiafoi de 110 moções semanais nos últimos 12 meses (oito vezes mais que aAssembleia).

— Agora, dá para entender o desinteresse das pessoas pelas eleiçõeslegislativas, não é? — comentou Paulo Pinheiro (PPS), de 64 anos, dos quais17 alternados em mandatos de deputado estadual e vereador.

Na eleição de vereadores, ano passado, a média de votos em branco e nulosfoi de 4,5%. As quatro maiores cidades registraram mais que o triplo disso:19% em São Paulo, 17% no Rio e em Belo Horizonte, e 14% em Salvador.

O número de pessoas que foi às urnas e não votou em ninguém, em 2012,equivale a duas vezes e meia o total de votos (3,3 milhões) obtidos porFernando Haddad (PT), eleito prefeito de São Paulo.

Esse contingente tem o dobro do tamanho do eleitorado da cidade do Rio,onde dez das maiores zonas eleitorais da Zona Sul-Centro registraram recordesde abstenção (média de 29%). Abstenção, claro, não deve ser integralmenteassociada a protesto político, mas, nessa dimensão, deu brilho à falta deinteresse expressa pelos votos nulos e em branco.

Superada a perplexidade, governantes e chefes de partidos começaram aensaiar um repertório de respostas. O tom inicial foi dado por Dilma Rousseff,na noite do dia 21, em Brasília, ao falar sobre a “construção de uma ampla eprofunda reforma política”, para exorcizar logo a ideia de que os partidos sãoprescindíveis.

Há uma profusão de iniciativas sobre o tema nas gavetas do Congresso, o quelevou dirigentes de PT, PSDB e PDT, entre outros, a avançarem nas últimas três

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madrugadas em tertúlias sobre o nível de “radicalismo” aplicável a uma“reforma política”.

Discutiram até a convocação de uma Constituinte exclusiva para mudanças nosistema de representação política, de tributação e de partilha de obrigaçõesentre União, estados e municípios. Essa ideia havia sido patenteada em 1997pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), em projeto apoiado pelo entãopresidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Na época, como hoje, não se chegou a um consenso. Governantes e partidoscontinuam devendo respostas objetivas e imediatas sobre mudanças estruturais,que voltaram a ser reivindicadas na última quinzena.

E, assim, eles terminaram a semana com uma única certeza: foram todosatropelados pela História no meio das ruas do Brasil.

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Domingo • 23 de junho • 2013

A RUA É A MAIOR ARQUIBANCADA DOBRASIL

Jorge Antônio Barros • COLUNA ANCELMO GOIS

Assim caminha a humanidade. O pai dele, Wilson Simonal, nunca participou demanifestações políticas. Muito pelo contrário. Nos anos da ditadura, foiacusado de usar conhecidos no Dops para resolver problemas com seucontador. Já o cantor e produtor musical Wilson Simoninha, que nasceu seisdias após o Golpe de 64, acompanha a vida política nacional desde a década de1980. Em 1984, foi à Praça da Sé pedir Diretas Já. Em 85, estava entre osmilhares que seguiram o corpo de Tancredo Neves, na saída do Incor, em SãoPaulo. Em 92, foi cara-pintada que pediu, e conseguiu, o impeachment deFernando Collor.

Mas a prova de que ele sempre esteve sintonizado com as ruas chegou com osucesso do jingle “Vem pra rua”, da Fiat, para a Copa das Confederações,aquele que diz que a rua é a maior arquibancada do Brasil. Lançado em maio,virou hino dos protestos que estão varrendo o Brasil. Um dos responsáveis pelotrabalho, com Henrique Nicolau e Dimi Kirbeff, da produtora S de Samba,Simoninha foi quem teve a ideia de convidar Falcão, do Rappa, para gravar amúsica que está bombando nas redes sociais. Aqui ele troca dois dedos deprosa com Jorge Antônio Barros, da turma da coluna de Ancelmo Gois:

O que você achou de ter um jingle transformado em hino de protestos?Fiquei muito feliz que a música tenha tocado a alma dos brasileiros. Foi umtrabalho de equipe da nossa produtora, que extrapolou o comercial, o mundoda publicidade e realmente ganhou as ruas.

Qual a sua opinião sobre o momento político?Queremos um país melhor, mais igual, mais digno. Ninguém aguenta maisesse desdém dos políticos com a nossa realidade. O povo está exigindo seusdireitos. Queremos saúde, educação, segurança. O lado mais positivo desse

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movimento é ser apartidário.

E sua carreira, como vai?Estou num momento muito bom. Meus shows têm lotado. E acabei de lançar oCD “Alta fidelidade”, pela S de Samba.

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Domingo • 23 de junho • 2013

ENTENDER O BRASIL

Míriam Leitão

A explosão das ruas apareceu para mim pela primeira vez no quarto dia. Estavahá uma semana numa área da Amazônia, sem qualquer comunicação, iniciandouma reportagem que está longe de acabar. Aquele havia sido um dia doloroso,de ver o crime sem castigo no Brasil profundo. Entrei num restaurante deestrada e na TV vi a violência da polícia de São Paulo. Fiquei atônita.

Na última sexta-feira, passei pela cozinha da minha casa, e Érica, a novaarrumadeira, me pediu para fazer uma pergunta. Pensei ser uma dúvida sobre aorganização da casa, mas a pergunta foi:

— O que é a PEC 37?

Surpresas há em todo canto do Brasil. A gravidade da conjuntura me fezvoltar mais cedo para a coluna antes de processar tudo o que vi no mergulhoamazônico. O Brasil é um país intenso e, quando você pensa que começou aentender, surpresas maiores aparecem.

Uma coisa é certa: erramos todos. Cada comentarista ou analista da cenabrasileira, seja em que área atue, pode dizer que alertou para erros na políticaou na economia, mas ninguém previu a eclosão de um movimento dessamagnitude. Quando estourou a rebelião contra governos árabes, um especialistaconhecido nos Estados Unidos, F. Gregory Gause III, que há 20 anos éprofessor das melhores universidades americanas sobre Oriente Médio, teve acoragem de dizer que estava “totalmente errado”. Em um artigo na “ForeignAffairs”, ele disse que não tinha olhado para o lado certo. Havia dedicado seutempo a explicar porque as ditaduras da Líbia, do Egito, da Tunísia eram tãolongevas e não viu o movimento se formando contra elas.

No caso do Brasil, é mais complexo porque é uma democracia forte, em quea presidente foi eleita e exerce legitimamente seu mandato. O movimento é um

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difuso sentimento de insatisfação diante da incapacidade de o Estado atender àsaspirações das pessoas. Há, claro, um cansaço transbordante com os casos decorrupção. É preciso separar o que é a fúria de quem praticou atos de violênciae o que é a maioria da população, que vestiu branco e foi às ruas com aintenção de manifestar seus sonhos de um país melhor.

Sabe-se pouco da dinâmica dos movimentos na era digital. Sabe-se que elesnão têm líderes claros e surpreendem pela rapidez do crescimento. É o velhocontágio, que a sociologia estudou, mas em escala muito maior. O mestreManuel Castells, que esteve aqui rapidamente, tem traçado algumas linhas doque é este mundo novo das redes de indignação e esperança, mas nem quem o lêcom atenção imaginaria o que aconteceu no Brasil. Temos que ter a humildadede admitir que é preciso estudar mais o país, sua juventude, suas mudanças. Eas pesquisas de opinião? O que é mesmo que perguntaram para captar tantapopularidade do governo? Como isso se encaixa com o que vimos agora?

O Brasil viveu um sufocante período de gritos e sussurros depois dereprimidas as passeatas de 1968. O movimento espontâneo da Praça da Sé namorte de Herzog, em 1975, foi surpreendente e decisivo para mostrar aexaustão com tão longo autoritarismo. A manifestação dos trabalhadores daVila Euclides revelou a força dos novos líderes. As passeatas gigantes dasDiretas surpreenderam até os organizadores pela sua força e dimensão, maselas tinham lideranças sólidas em coalizão. Os caras-pintadas foram um efeitobumerangue. O ex-presidente Collor, que havia aprisionado o dinheiro dasfamílias, sem debelar a inflação, estava envolvido em denúncias de corrupção.Acuado, pediu que o povo fosse para a rua apoiá-lo. Colheu o oposto do quepediu.

O passado é completamente diferente do presente. Não se pode recorrer aele. A rejeição a todos os políticos, que aparece nas manifestações, écompreensível, mas não é a solução. O atual sistema de representação estágasto, mas não se sabe o que pôr no lugar. Estamos em uma transição para ummundo diferente. Minha esperança é que ao fim dos protestos o país tenhacidadãos mais bem informados.

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Expliquei para a Érica o que era a PEC 37. Avisei que ela tem defensores,mas que eu sou contra tirar poderes de investigação do Ministério Público.Disse que a polícia deve investigar, mas também o MP. Detalhes daorganização da casa ficaram para ser explicados no dia em que ambasestivermos menos mobilizadas pela tarefa maior de entender o Brasil.

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Domingo • 23 de junho • 2013

BONITO

Caetano Veloso

Acabo de chegar a Natal e, ao abrir o Yahoo para ler e-mails, fico sabendo queDilma não vai ao Japão agora porque as movimentações das ruas brasileirasdemandam sua presença. Um amigo me escreve que ela vai reunir-se com osministros. Outro me reenvia um longo texto em que uma moça de São Paulomostra-se paranoica com os usos a que o movimento está se prestando: paraela, palavras de ordem “vazias”, tipo “abaixo a corrupção”, revelam umconservadorismo velho conhecido. Pelo que ela diz, a agenda do MPL foiesquecida, afogada no estilo anódino que as manifestações ganharam desde quea mídia decidiu incentivá-las em vez de rechaçá-las, como tinham feito aprincípio. Ela descreve aspectos nada anódinos do fenômeno: nota que ninguémagredia o governador Alckmin, enquanto muitos insultavam os nomes de Dilmae Haddad. Diz-se de esquerda e teme um golpe, alertando para o fato de que aembaixadora dos Estados Unidos no Brasil é a mesma que servia no Paraguaiquando do “golpe contra Lugo”. Lendo rápido, observo, de cara, que ela nadadiz sobre os cartazes de protesto contra a PEC 37. Para não falar de frasescomo “Meu cu é laico”.

É interessante ler o que ela narra de suas andanças pelas ruas, pontes eestações de metrô de Sampa. E a desconfiança de que as manifestações podemestar sendo roubadas por forças da direita não soa absurda. Mil posturas podemaparecer em meio a essas multidões. E uma saída às ruas de tão grande númerode pessoas (e a simpatia da maioria da população por elas) pode produzirefeitos importantes. E isso mais no Brasil (e nos países árabes) do que nosEUA ou na Inglaterra. É o monstro de Gaspari/Juscelino. Até aqui, osgovernantes imediatamente atingidos reagiram mal. Alckmin e Haddad, numprimeiro momento, mostraram fazer a mais errada das avaliações. Os recuos —primeiro na repressão e, depois, no preço das tarifas dos ônibus — reafirmam,em vez de desmentir, a falta de inspiração deles e dos outros que os seguiram.

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Vimos ruas demagogicamente despoliciadas e rebaixamento dos preçosoferecidos como ameaça aos serviços de saúde.

Três outros textos que li (e, tal como o da paulistana, nem sequer pude digerirdireito) falam igualmente da domesticação do grande acontecimento pelaapenas um pouco tardia conversão da mídia (sobretudo a Rede Globo) a seufavor. Mas esses são textos mais intelectualizados. Neles encontrei, não umesboço de defesa do PT e dos governos “de esquerda” da América Latina, masum depoimento do transe que foi ser arrastado pela imprevisível mobilidadeflexível dos corpos na ruas do Rio. Um dos autores se vê sendo levado até aAlerj, sem que tenha tido tempo de pensar. Toda a sua linguagem exala umapaixonado foucaultianismo, a veraz narração de sua experiência (realmenteforte como texto) vem eivada de palavras-chave do pós-estruturalismo francês:o “corpo” nietzscheano retomado por Deleuze e pela “política do corpo”, queecoa nos livros de Toni Negri. A impressão que dá é de que o autor cariocadeslumbra-se por estar vivenciando tudo aquilo que ele amava na literaturadesses filósofos. Mas não que isso destrua a força da reavaliação dos atos ditosvândalos, praticados por aqueles encapuzados que vimos na TV, que seu textosugere. Não. A gente percebe que a violência da destruição direta dasferramentas concretas do poder instituído tem papel propriamente políticoimportante — e não apenas o de ser pretexto arranjado para justificar golpes.

Estamos no meio dessa complexidade fascinante, exaltante e aterradora. Vi osatos violentos em Salvador, direcionados sobretudo ao estádio de futebol. Apolícia afastou os manifestantes das imediações da Arena Fonte Nova (que,com meia casa, torcia acaloradamente pelo time da Nigéria), mas no Centro dacidade o tema dos gastos com os eventos esportivos dava a tônica. Na véspera,eu tinha assistido àquele passe de Neymar que resultou no segundo gol doBrasil contra o México. Neymar saiu do armário. O drible que ele deu nosadversários antes de passar, com precisão absoluta, a bola para Jô golear, foitudo o que desejamos que qualquer coisa produzida por brasileiros seja. Comos ânimos divididos, dentro da gente, com relação à preparação do país para aCopa, entre simplesmente apoiar o gesto que esboça demolir os estádios (pelos

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modos suspeitos como foram erguidos, pela omissão de possível contaminaçãode áreas a eles adjacentes, pelo, enfim, mero fato de que outras prioridadesgritam) e torcer pelo renascimento da grandeza de nosso futebol, o jogo deNeymar ensina que o movimento emaranhado das ruas tem de achar o jeitoinspirado de acertar no melhor. Que saibamos chegar ao mais bonito.

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Domingo • 23 de junho • 2013

CHEIRA A INCONFORMISMO

Tony Bellotto

NAPALM

“Adoro o cheiro de napalm pela manhã”, diz o esquizofrênico coronelKilgore, personagem interpretado por Robert Duvall em “Apocaypse now”,enquanto surfa nas marolas de um rio durante um bombardeio na Guerra doVietnã. Ao final da frase — uma das mais famosas do cinema —, o patéticoKilgore conclui, inspirado pelas emanações do líquido incandescente edevastador: “Cheira a… vitória”.

AVENIDA PAULISTA

Em São Paulo depois de um ensaio com os Titãs, eu me deparo, a caminho dohotel, na Avenida Paulista, com tropas de choque da Polícia Militar e caio poracaso em uma das manifestações que têm ocorrido com frequência em cidadesbrasileiras nos últimos dias. Testemunho uma batalha campal, com a políciadescendo descaradamente o sarrafo nos manifestantes. Flashes de meus temposde estudante assaltam-me a memória e me reúno àqueles jovens que — háquanto tempo eu não via isso! — protestam contra alguma coisa.

GÁS LACRIMOGÊNIO

Ao sentir olhos, narinas e garganta arderem ao contato do gás lacrimogêneo,automaticamente me entrincheiro com os manifestantes contra a açãoexageradamente violenta da polícia. Entre uma tomada de ar e uma esfregadanos olhos, parafraseio o detestável coronel Kilgore — por motivos opostos aosseus, ressalte-se, já que sou um flanador ingenuamente anarquista e defensorradical dos direitos individuais e da democracia: “Adoro o cheiro de gáslacrimogêneo ao cair da tarde. Cheira a… inconformismo.”

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA

Sou de uma geração que cresceu durante a ditadura militar e atingiu amaioridade quando o país se redemocratizava. Participei de manifestaçõescontra a ditadura e a favor das eleições diretas e da anistia. Integro uma banda

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que se notabilizou pelo discurso contestador e insubmisso. Não estivessemmeus olhos lacrimejando por conta do nefando gás, eu poderia creditar a umaconstrangedora onda de sentimentalismo as lágrimas que me escorrem pelasfaces ao ouvir os manifestantes entoando a música “Polícia” — que compus háexatos 28 anos — como um hino de resistência à truculência policial naAvenida Paulista.

“Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia”… snif,snif.

CAVALO DE TROIA

Há tempos me intrigava a apatia dos jovens em relação à política. Umaestratégia que incluía a cooptação de estudantes pelo poder estabelecido, com oardil eficiente de creditar qualquer insatisfação com um governo popular a umamanifestação “burguesa”, ou elitista — no melhor estilo com que se acusavamos contrarrevolucionários no stalinismo —, somada a um sentimentogeneralizado e ufanista, docemente iludido, de que o Brasil deu certo,aparentemente funcionou muito bem até aqui.

Na eclosão do escândalo do mensalão nos idos de 2005, estranhei que tãopoucos artistas se manifestassem contra a esbórnia institucional que aqueleseventos sugeriam. Os Titãs foram dos poucos — pouquíssimos — a comporuma canção que comentava a situação, e “Vossa Excelência” é um hit que nãopodemos — e não queremos — deixar de fora de nossos shows até hoje.

Talvez o gás lacrimogêneo tenha limpado meus olhos como um colírioardente e me permitido ver que a suposta apatia dessa juventude, como numditado zen, era apenas um cavalo de Troia recheado de revolta.

NAVEGAR É PRECISO

Os jovens manifestantes criticam os aumentos das tarifas dos ônibus e docusto de vida, a má qualidade de transportes, educação e saúde, e questionam arealização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil. Ou seja, fazem o quejovens sempre fizeram, ou deveriam fazer: criticam, contestam e questionamtudo que acham errado. Os jovens falam por todos nós, ninguém aguenta mais

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tanta bandalheira e descaso. O movimento se expande e começa a receberadesões de toda a sociedade. O ponto mais interessante é que não aceitam atutela de partidos nem de ideologias, pelo contrário, os abominam, o quedemonstra que são mais inteligentes e articulados do que muitos gostariam.

Ah, e se comunicam pelas redes sociais da internet, como fazem seuscompanheiros da praça Tahrir, da praça Taksim e de muitas outras praçaslibertárias espalhadas pelo mundo. E tem gente que ainda vê a internet como umpoço de alienação. Navegar é preciso, dizia o poeta.

CAOS

Pegos de surpresa, imprensa e políticos — e boa parte da população atônita— tiveram a princípio a percepção de que as manifestações expressavam umaação desarticulada de vândalos incendiários e desocupados ressentidos. Masestavam errados e já reformulam às pressas seus discursos e teorias. Concordoque qualquer patrimônio — histórico, público ou privado — não deve serdepredado, assim como o direito de protesto tem de ser respeitado até omomento em que ameace a segurança pública. Mas é muito difícil encontraresse equilíbrio, e algum caos terá de ser assimilado. É preciso ter um caosdentro de si para poder dar à luz uma estrela bailarina, dizia o filósofo.

PAI E FILHO

Me ocorre uma canção composta por Cat Stevens antes de se tornar umfanático religioso e sectário, “Father and son”. Nela Cat expressa duas visõesde mundo na forma de um diálogo entre um pai e um filho.

Diz o pai em tom grave: “Não é tempo de mudar, apenas sente-se e vádevagar, você continua jovem, esse é o seu problema, há muita coisa que vocêtem que enfrentar.”

E o filho rebate em tom agudo, quase gritando: “Como eu posso tentarexplicar, quando faço ele ignora, é sempre a mesma coisa, a mesma velhahistória. Quando pude falar, fui obrigado a ouvir. Agora há um caminho e eu seique tenho de ir embora, eu sei que tenho de ir.”

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Sexta-feira • 28 de junho • 2013

UM RASTRO DE TRISTEZAAdolescente de 16 anos, atropelado por um caminhão na Baixada Santista, é a sexta pessoa amorrer depois do início da onda de manifestações pelo país

Alessandra Duarte, André de Souza e Ezequiel Fagundes*

Um embalador de supermercado que tinha saído do interior tentar a vida nacapital; uma mãe de três filhos que dividia seu tempo entre um trabalho comogari e outro como babá; um aluno do ensino médio que vivia com a avó e queriafazer Engenharia; duas desempregadas que moravam sós. E, na noite de 26 dejunho, um adolescente de 16 anos atropelado por um caminhão, que se desviavade um protesto em Guarujá (SP), somou-se aos mortos dos cerca de 20 dias demanifestações pelo Brasil.

Em Guarujá, Baixada Santista, um caminhoneiro que seguia para o Porto deSantos pegou um acesso proibido para fugir de uma manifestação na RodoviaCônego Domenico Rangoni e acabou atropelando e matando Igor Oliveira daSilva, estudante de 16 anos que estava na garupa de uma bicicleta. O outrojovem, que guiava, ficou ferido. Os dois não participavam do protesto. Oacusado foi preso e indiciado por homicídio culposo, quando não há intençãode matar.

Já Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21 anos, natural de Curvelo, a170 quilômetros da capital mineira, havia se mudado em 2011 para o BairroNacional, em Contagem, na Grande BH. Em busca de melhores condições devida, levou a mãe e duas irmãs. Ele interrompera os estudos para trabalharcomo auxiliar de logística, mas queria retomá-los e, recentemente, havia sematriculado em um curso de vigilância. No último dia 26, morreu após cair doViaduto José Alencar, perto do Mineirão, sendo a quinta vítima em meio aosprotestos. Dos jovens que também caíram do viaduto, um recebeu alta e quatrocontinuam internados.

— A morte do meu filho não vai mudar o Brasil. Vai mudar só a minha vida— afirmou ao G1 Neide Maria de Oliveira Souza, de 43 anos, mãe de Douglas,

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lembrando que chegou a pedir ao filho que não fosse à manifestação, mas queele teria respondido “Não vai acontecer nada, não, mãe. Tá de boa”. — Elepoderia ter ficado aleijado. Eu queria o meu filho de qualquer jeito.

Antes de partir para a capital, ele trabalhara como embalador noSupermercado Paizão, no Centro de Curvelo. Seu amigo mais próximo nosupermercado, o embalador Claudson de Alcântara lembra o lado festeiro docolega:

— Sempre que possível fazemos churrasco na casa dos colegas. O Douglasera um dos mais animados, nunca faltava.

Douglas foi sepultado em Curvelo na manhã de 29 de junho.

No dia 27, teve lugar a missa de sétimo dia da segunda pessoa a morrer apóso início das manifestações: Cleonice Vieira de Moraes, que era gari em Belém.Ela estava trabalhando na noite do último dia 20, quando, em um confronto entremanifestantes e a polícia, ela e outros garis se refugiaram num depósito, no qualpoliciais jogaram bombas de gás lacrimogêneo. Na hora do pânico, Cleonicepassou mal e sofreu um AVC. Morreu na manhã do dia seguinte, no pronto-socorro do Guamá.

A família esperava o laudo do IML para denunciar a polícia por omissão desocorro, disse Marinete Costa, sobrinha de Cleonice:

— Foram estudantes que estavam na manifestação que a socorreram. Até umvídeo que fizeram no momento da confusão mostra isso. Passou a polícia, e nãofez nada. Estamos pensando em fazer uma denúncia no Ministério Público.

Um dos três filhos da gari, Wallace Yuri, de 22 anos — o caçula e o único afazer faculdade —, afirmou que não havia necessidade de a polícia ter jogadogás lacrimogêneo:

— Havia apenas um aglomerado de pessoas, mas estavam pacíficas, não eranecessário ter bomba.

Divorciada, nascida em Belém, Cleonice foi abandonada pelo marido quando

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o filho mais velho, hoje com 27 anos, chegava à adolescência. Começou atrabalhar como diarista para criar os três meninos. Há pouco mais de um ano,passara no concurso de gari da prefeitura de Belém. Ganhava um saláriomínimo varrendo as ruas das 17h às 23h. Para complementar a renda,trabalhava como babá pela manhã.

— Sou a favor dos protestos, e ela também era — contou Wallace. — Agente está numa luta muito grande, e, em vez de investir em Saúde ouTransporte, investem em campo de futebol. Agora, não precisa a políciaresponder desse jeito. Só foram nos procurar quando a história caiu na mídia.

Valdinete Rodrigues tinha 40 anos. Maria Aparecida estava na casa dos 60.As duas tinham se mudado há menos de um mês para o distrito de CamposLindos, em Cristalina (GO), e estavam desempregadas. No dia 24 de junho,participavam de um protesto na BR-251, que liga Brasília a Unaí (MG). Asduas morreram após serem atropeladas por um motorista que furou o bloqueioda pista.

Maria Aparecida era pouco conhecida na região. Segundo uma dasmanifestantes, a monitora escolar Diougla Aparecida, Maria havia morado emPlanaltina (DF) por 30 anos, tendo se mudado para Campos Lindos há cerca deum mês. Não tinha parentes no local e vivia sozinha em um assentamento nasmargens da BR-251.

Natural de Arinos (MG), onde foi enterrada, Valdinete também havia semudado há pouco tempo — cerca de 20 dias — e morava só. Antes, vivia nacomunidade Café Sem Troco, no DF. Em Campos Lindos, ela tinha dois primos.Um deles, o mecânico Augusto Aldeir, disse que a prima lhe pedira ajuda paraencontrar um emprego. Ele contou que Valdinete costumava trabalhar comodoméstica, mas seria contratada em julho por uma empresa de Brasília parafazer serviços gerais. O motorista que atropelou as mulheres se apresentou nodia seguinte na delegacia de Unaí.

Primeira vítima registrada após o início dos protestos, Marcos Delefratehavia ido à manifestação do último dia 20 em Ribeirão Preto (SP)

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acompanhado da turma que acabara de conhecer no curso de MáquinasAgrícolas, no Senai, onde estudava à

tarde. Pela manhã, cursava o ensino médio numa escola estadual. O jovemestava no meio da multidão quando o empresário Alexsandro Ichisato, de 37anos, avançou com sua Land Rover contra os manifestantes. Atropelou 12pessoas, entre elas Delefrate, que morreu no local.

Interrompia-se ali o sonho do jovem de cursar Engenharia. Ele morava com aavó, que naquele dia pedira para o neto não ir aos protestos. Enquanto ossocorristas atendiam os feridos, o celular do rapaz não parava de tocar, aindadentro do bolso. Era a avó. Os colegas resolveram não atender para não lhe dara notícia pelo telefone.

Delefrate era tranquilo, segundo os amigos. Participava da manifestaçãoporque também considerava alto o preço das passagens de ônibus.

— Meu neto não faltava a uma missa. Gostava de tocar na igreja. Nossa casaficou vazia — afirmou Maria Pimentel no dia do enterro.

A prefeitura pretende transformar o canteiro da avenida onde houve o crimeem um memorial. No local foi fincada uma bandeira do Brasil, junto à camisa,com manchas de sangue, que o jovem usava quando foi morto. Flores sãocolocadas ali todos os dias. Os pais do jovem, Maria e Paulo Delefrate, dizemapenas que querem justiça pela morte do filho.

— Eu estava do lado dele. O motorista passou em cima do Marcos. Nãoacreditava no que via — lembrou o amigo Mauricio de Oliveira, de 17 anos.

Ichisato continua foragido.

BELO HORIZONTEDouglas Henrique de Oliveira Souza

Durante um confronto entre a polícia e manifestantes na capital mineira em 26de junho, Douglas Henrique de Oliveira, de 21 anos, morreu após cair doViaduto José Alencar, perto do Mineirão, na região da Pampulha. Foi a quintamorte após o início dos protestos no país. Douglas foi levado ainda com vida

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por uma equipe do Corpo de Bombeiros para o Hospital de Pronto-SocorroJoão XXIII, mas, após cinco horas de cirurgia, não resistiu. O jovem foienterrado em sua cidade natal, Curvelo (MG).

CRISTALINA (GO)Valdinete Rodrigues e Maria Aparecida

Valdinete Rodrigues, de 40 anos, e Maria Aparecida, de 62, moradoras daregião de Cristalina, em Goiás, foram atropeladas ao participar de um protestona BR-251, pela emancipação do distrito de Campos Lindos.] Os manifestantestambém pediam melhorias na saúde e na educação, saneamento e asfalto. Omotorista que as atropelou fugiu.

BELÉMCleonice Vieira de Moraes

A gari Cleonice Vieira de Moraes, de 52 anos, morreu no último dia 21. Elatrabalhava numa rua da capital paraense quando começou o confronto entremanifestantes e a polícia. Assustada, refugiou-se em um depósito que foiatingido por bombas de gás lacrimogêneo. Com a confusão, passou mal e teveum acidente vascular cerebral (AVC). Foi a segunda morte na onda deprotestos.

RIBEIRÃO PRETO (SP)Marcos Delefrate

No último dia 20, durante uma manifestação na cidade, um homem que dirigiaum Land Rover furou um bloqueio de manifestantes na Avenida João Fiúsa ejogou o carro sobre um grupo de 12 pessoas. Atropelado, o estudante MarcoDelefrate, de 18 anos, morreu na hora. Foi a primeira morte no país desde oinício dos protestos.

Com G1. Colaborou Leonardo Guandeline

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CAPÍTULO 2 O QUE ELES QUEREM PARA O BRASIL

Quarta-feira • 19 de junho • 2013

NAS RUAS, UM MAR DE REIVINDICAÇÕESReajuste de tarifas de ônibus foi a palavra de ordem inicial; agora, a lista é mais ampla

Chico de Gois

Não é apenas por R$ 0,20, como estampam cartazes nos protestos de São Paulo,referindo-se ao aumento da tarifa de ônibus. As manifestações que começaramna capital paulista e logo se estenderam ao Rio, semana passada, tinham comomote principal o protesto contra esse reajuste e, em seu rastro, a preocupaçãocom a volta da inflação. Embora os representantes dos governos — federal,estaduais e municipais, além de seus legislativos — digam que não entenderamainda o motivo da onda de protesto por todo o país, os participantes dasmarchas têm demandas plurais e manifestaram isso esta semana de forma maisclara.

Além de protestos contra os gastos bilionários com as obras da Copa doMundo, sem os devidos benefícios diretos para a população — com obras demobilidade urbana, por exemplo —, os manifestantes pedem genericamentemelhorias nos serviços públicos de Saúde, Educação e Segurança, áreas compior avaliação da população, segundo pesquisas de opinião.

E incorporaram à lista de reivindicações temas mais políticos, como ocombate à corrupção e o repúdio à proposta do Congresso que tenta limitar otrabalho de investigação dos integrantes do Ministério Público, a chamada PEC37.

O governo federal afirma que a inflação está sob controle, mas o sentimentonas ruas é o de que a alta de preços não atingiu só o tomate. Até o dia 17 de

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junho, os governantes diziam que era impossível baixar as tarifas dostransportes públicos, mas o povo nas manifestações de rua reclamou da máqualidade desse serviço, e o discurso de prefeitos e governadores mudou. Apauta é ampla e difusa, mas as insatisfações são referentes a fatos reais.

Cartazes e faixas exibidos pelos manifestantes demonstram o grau deinsatisfação popular

TARIFAS DE TRANSPORTE/INFLAÇÃO

Este ano, já houve aumento das tarifas de ônibus em várias capitais. No Rio,a passagem passou de R$ 2,75 para R$ 2,95 a partir deste mês; em São Paulo,foi de R$ 3 para R$ 3,20; em Porto Alegre é de R$ 2,85; Em Aracaju, foi de R$2,25 para R$ 2,45; em Curitiba, a tarifa que era de R$ 2,60 foi para R$ 2,85,em março. Há pouco mais de um mês, o preço do tomate era o símbolo dainflação. Agora, é a passagem de ônibus que o trabalhador tem que pagar todosos dias. Embora o governo insista que a inflação está sob controle e que nãoultrapassará a meta — cujo teto é 6,5% — o sentimento geral é que os preçosestão subindo demais. Ontem, o próprio presidente do Banco Central,Alexandre Tombini, admitiu que a inflação acumulada nos últimos 12 mesesdeve estourar esse teto em breve. Foi verificada uma aceleração dos preços dasoja, do trigo e do arroz no atacado, o que deverá influenciar o aumento dosíndices.

CUSTO DA COPA

Os custos com as obras da Copa do Mundo, segundo os últimos dados doPortal da Transparência do governo federal, estavam estimados em quase R$ 27bilhões, incluindo a construção de novos estádios. O de Brasília foi orçadoinicialmente em menos de R$ 1 bilhão, mas vai atingir R$ 1,5 bilhão. Da verbatotal, R$ 9 bilhões deveriam ser investidos em obras de mobilidade urbana, quebeneficiariam diretamente a população. Mas são muitos os projetos que nãoficarão prontos, como o VLT de Brasília e o monotrilho em São Paulo. EmCuiabá, as obras de mobilidade urbana estão muito atrasadas: do R$ 1,6 bilhãoprevisto, só R$ 66 milhões foram gastos. No Rio, as ações também estão emritmo lento: dos 2,1 bilhões previstos para mobilidade urbana no estado, só R$

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785 milhões foram pagos. Já em Natal, um dos problemas é o Aeroporto de SãoGonçalo do Amarante, onde deveriam ser rinvestidos R$ 557 milhões, mas sóR$ 90 milhões foram pagos até o momento.

EDUCAÇÃO E SAÚDE

Há um pedido generalizado de melhorias na Saúde, ouvido na maioria dasmanifestações. A presidente Dilma prometeu construir 500 UPAs e 8 milUnidades Básicas de Saúde. Porém, o ritmo está lento: a um ano e meio do fimde seu mandato, menos da metade dessa meta foi cumprida. Pelos estados, ascenas de macas nos corredores dos hospitais públicos, falta de atendimento e demédicos são comuns. Na Educação, a reivindicação também é por maisinvestimentos públicos. O Brasil investe hoje 5,7% do PIB no setor. Umaproposta que tramita no Congresso Nacional prevê aumentar esse índice para10%. O índice atual de investimento põe o país na 15ª posição entre os 42países-membros da Organização para a Cooperação e o DesenvolvimentoEconômico (OCDE). Porém, a qualidade do gasto é ruim. O índice Pisa, quemede a qualidade do ensino em 65 países, deixa o Brasil na 53ª posição.

CORRUPÇÃO

Continuam frequentes as denúncias de corrupção envolvendo políticos, e essapercepção é clara em todas as classes sociais. O julgamento do mensalão, nosegundo semestre do ano passado, deixou o tema mais à mostra. Porém, osmanifestantes que estão nas ruas não se voltam apenas para esse caso. Além dacorrupção, o sentimento de impunidade prevalece. O deputado federal NatanDonadon (PMDB-RO), por exemplo, apesar de já ter sido condenado peloSupremo Tribunal Federal (STF) a perder o cargo, por envolvimento em desviode dinheiro público, continua na Câmara exercendo o mandato, graças arecursos de seus advogados e à lentidão do Judiciário para decidir seu futuroem última instância, ou seja, sem mais recursos. A corrupção também ficoumais viva na memória do brasileiro em função das operações da PolíciaFederal prendendo políticos país afora nos últimos anos.

PEC 37

A Proposta de Emenda Constitucional 37 que tramita no Congresso quer tirar

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o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais. Segundo aproposta, apresentada por parlamentares com problemas na Justiça, caberiaapenas aos policiais investigarem. Como, em geral, as polícias são ligadas agovernos e sofrem mais influência política, isso pode significar falta deindependência, ou direcionamento nas apurações, dependendo do envolvimentopolítico. Há grande mobilização de representantes do Ministério Público paraimpedir a aprovação da proposta, que conta com a simpatia de setoresimportantes do governo. Nos últimos dois meses, um grupo de trabalho, comrepresentantes de todos os interessados, tentou um texto consensual, semsucesso. A PEC 37 deve ser votada na Câmara dia 26. Se aprovada, osprocuradores só poderão pedir ações e supervisionar o trabalho policial eminquéritos criminais.

PARTIDOS POLÍTICOS

Há um sentimento de que os políticos, apesar de eleitos democraticamente,não representam os interesses da maioria da população. Nos atos, há críticasconstantes ao senador José Sarney (PMDB-AP) ou ao presidente do Congresso,Renan Calheiros (PMDB-AL). Um grupo menor defende o impeachment dapresidente Dilma Rousseff. Os governadores do Rio, Sérgio Cabral (PMDB),de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito de São Paulo, FernandoHaddad (PT), também foram muito criticados nos protestos. Os partidospolíticos também são uma instituição repudiada pelos manifestantes. Comodemonstrou reportagem do GLOBO publicada há dez dias, muitos partidos setornaram feudos familiares. Em algumas siglas, os presidentes estão nocomando há mais de 20 anos. Em outros, as executivas são repletas defamiliares de políticos; muitos recebem ótimos salários pagos com dinheiropúblico, o Fundo Partidário.

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Quarta-feira • 19 de junho • 2013

CORRUPÇÃO É O FOCO

Merval Pereira

Mesmo que as reivindicações sejam várias e muitos cartazes exibam anseiosmal explicados ou utopias inalcançáveis, há um ponto comum nessasmanifestações dos últimos dias: a luta contra a corrupção. A vontade de que odinheiro público seja gasto com transparência e que as prioridades dosgovernos sejam questões que afetam o dia a dia do cidadão, como saúde,educação, transportes, está revelada em cada palavra de ordem, até mesmo nasque parecem nada ter a ver com o fulcro das reivindicações, como no protestocontra a PEC 37.

Nele está contido o receio da sociedade de que, com o Ministério Públicoimpedido de investigar, o combate à corrupção seja prejudicado. Todas asquestões giram em torno do dinheiro público gasto sem controle, como nosestádios da Copa do Mundo, todos com acusações de superfaturamento. Odinheiro que sobra para construção de “elefantes brancos” falta na construçãode hospitais ou sistemas de transportes que realmente facilitem a vida docidadão.

O mundo político está de cabeça para baixo tentando digerir as mensagensque chegam da voz rouca das ruas, como dizia Ulysses Guimarães, que diziatambém que “a única coisa que mete medo em político é o povo na rua”.Ninguém entende, por exemplo, por que houve esse verdadeiro estouro daboiada agora, e não há um mês ou mesmo há um ano.

Tenho um palpite: assim como as manifestações na Tunísia, as primeiras daPrimavera Árabe, começaram com o suicídio de Mohamed Bouazizi, de 26anos, vendedor ambulante que ateou fogo ao corpo depois de proibido detrabalhar nas ruas por não ter documentos nem dinheiro para pagar propinas aosfiscais, as manifestações aqui foram grandemente impulsionadas pela reaçãoviolenta da polícia em SP semana passada.

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O movimento contra o aumento das passagens de ônibus poderia não ter aamplitude que ganhou se não houvesse uma reação nas redes sociais à atitude dapolícia, como se todos sentissem a opressão do Estado na sua pele e, derepente, liberassem os diversos pleitos que estavam latentes na sociedade.

Creio que foi a partir do entendimento de que uma reivindicação justa como ada redução das tarifas de ônibus estava sendo tratada simplesmente como umpretexto para arruaças e vandalismos que a sociedade passou a se mobilizarpara ampliar suas reivindicações.

Isso nada tem a ver com comparações entre as mobilizações que ganham asprincipais cidades do país e a Primavera Árabe, pois estamos em umademocracia e não se trata de derrubar governos, mas de mudar a maneira degeri-los, política e administrativamente. E também não é possível considerarque os abusos de um dia impedem as polícias de reprimir a parte radicalizadadas manifestações, que vandaliza cidades ou tenta invadir prédios públicos ouresidências das autoridades.

Creio mesmo que no Rio e em São Paulo as autoridades ficaram paralisadasdiante da violência de parte dos manifestantes e não agiram com o rigor devidonessas ocasiões. O que demonstra falta de bom senso. Um detalhe que definebem a divisão desses movimentos foi o grupo de jovens que foi ao Centro doRio no dia 18 de junho tentar limpar e consertar, em parte, o que os vândaloshaviam feito no dia anterior. E em São Paulo, em frente ao Palácio dosBandeirantes, enquanto um grupo tentava derrubar o portão de entrada, outros orecolocavam no lugar.

O ambiente econômico também deve ter contribuído para quebrar aquelafalsa sensação de bem-estar. E é impressionante que o imenso aparato deinformações de que cada governo dispõe, especialmente a Presidência daRepública, e as pesquisas de opinião não detectaram a indignação que explodiunas ruas.

O dono de um desses institutos de opinião que vende seus serviços para o PT,acrescentando-lhes, como um bônus, comentários em revistas chapas-brancas,

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chegou a ironizar as oposições e analistas que criticavam o governo, afirmandoque viviam em uma realidade paralela, que nada tinha a ver com a vida docidadão comum, que estava muito satisfeito. Segundo ele, não havia sinal demudança de ventos que suas pesquisas pudessem captar.

Também o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência,que anunciou que “o bicho vai pegar”, parece estar atordoado com o bicho novoque está pegando sem que ele ou o PT dominem a situação.

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Quinta-feira • 20 de junho • 2013

BRASILEIROS DIZEM POR QUE VÃOPROTESTAR HOJECom redução das tarifas de ônibus, manifestantes afirmam agora que é hora de lutar pelaqualidade

Brasileiros de várias cidades e idades foram às ruas nos últimos dias protestarcontra o aumento das passagens de ônibus. Em vários municípios, inclusive Rioe São Paulo, foi anunciada, em 19 de junho, a revogação do reajuste dotransporte público. Com uma batalha vencida, os manifestantes continuam aguerra, agora com reivindicações das mais variadas. Para hoje, dia 20, foramprogramadas manifestações simultâneas em dezenas de cidades do país, nasquais as pessoas vão levantar novas bandeiras e mostrar se têm fôlego paracontinuar os atos a partir de agora.

“O Globo” perguntou a quem vai hoje às ruas, naquela que pode ser a maiormanifestação até o momento, quais são os “novos” motivos pelos quais aspessoas vão protestar em suas cidades.

Os atos de hoje contarão com os brasileiros indignados com o poder públicoe a corrupção nas três esferas de governo, mas haverá até mesmo turistas“infiltrados”, interessados em descobrir por que um país que cresceueconomicamente nos últimos anos está tomando, desde a semana passada, asprincipais ruas das grandes cidades. Se o preço das passagens no transportepúblico foi reduzido em algumas cidades graças à pressão popular, a novabusca passa a ser pela qualidade do serviço precário, dizem aqueles que vãocomparecer às manifestações de hoje. As demandas também incluem saúde eeducação.

HELEN GUERRA, 29 ANOS, ANALISTA JURÍDICA (SÃO PAULO)

“Vou participar. Minha causa, além dos R$ 3,20, é a máfia que existe por trásdo exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Fazem uma prova que não éjusta, não avalia o conhecimento. Fazem uma prova para prejudicar o candidato

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e virar um círculo vicioso. Na última prova tinha enunciado que o candidatonão conseguia decifrar.”

RAYANA NASCIMENTO, 21 ANOS, ESTUDANTE (RECIFE)

“Vou à rua por melhorias no transporte público, na saúde e na educação.Antes, ia só para protestar pela tarifa, que é muito cara. O governador járeduziu em dez centavos o valor, mesmo assim a qualidade dos coletivos deixamuito a desejar. A luta vai mais longe. Aqui no Recife há UPAs, mas nãoadianta prédio bonito se faltam leitos e médicos.”

JÚLIO PADILHA, 25 ANOS, AUXILIAR ADMINISTRATIVO (RIO)

“Vou à passeata levado pela indignação. Vou guiado pelas palavras da minhaavó, que dizia: ‘O povo que perde a capacidade de se indignar deixa de viver epassa a sobreviver’. Nos últimos dias, as pessoas estão provando queacordaram. Acho que a manifestação tem que tomar um corpo mais sério porquea gente não vai poder ficar saindo na rua o resto da vida.”

RAFAEL FIGUEIREDO, 30 ANOS, ESTUDANTE (BRASÍLIA)

“Eu vou estar lá. (A onda de manifestações) Começou com um protesto contratarifa de ônibus, mas a principal causa de estar aqui é a corrupção. Assisti aoprimeiro jogo do Brasil (na Copa das Confederações, em 15 de junho) sem amínima vontade”, diz Rafael, que sempre participa dos tradicionais protestosanticorrupção no 7 de Setembro.

RAFAEL HENRIQUE SCOFIELD, 19 ANOS, ESTUDANTE (SÃO PAULO)

“Vou participar sim. Já participei a semana passada inteira, só ontem não.Acho que o povo está lutando por nossos direitos. Não é só R$ 3,20, nunca foi.Quando a violência aconteceu, o povo quis mostrar que estava vivo. Acho issomaravilhoso. Espero que o povo não pare enquanto o Brasil não mudar.”

DANIELLE BAETA, 34 ANOS, PROFESSORA DE DANÇA (RIO)

“Vou à passeata porque a gente tem que acabar com a corrupção agora. Achoque a grande base do que está acontecendo aqui é que estamos crescendo semdesenvolvimento sustentável nenhum. Eu vou à passeata para acabar com esseabsurdo que são as filas de pessoas morrendo nos hospitais.”

MONICA ALONSO, 55 ANOS, MÉDICA ARGENTINA (RIO)

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“Eu me interesso por saber como se manifestam as pessoas num país que nósconsideramos que está muito melhor que a Argentina. Chama nossa atenção queos brasileiros se manifestem, por mais que entendamos que a passagem é muitocara aqui. Temos a ideia de que o Brasil cresceu muito nos últimos anos.”

ALICE HOLANDA, 27 ANOS, ATRIZ (BRASÍLIA)

“Eu participo por causa da falta de respeito com que o governo trata a gente,a opinião pública e como trata um protesto gigante como esse. Eu quero tarifazero (para o transporte urbano)”, diz Alice, que ontem fez, durante o protesto narodoviária do Plano Piloto, um cartaz com a curta mensagem: “Vem pra rua.Tarifa Zero”.

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Quinta-feira • 20 de junho • 2013

ENCURRALADOS

Míriam Leitão

Se ficarmos só no gatilho que levou o povo às ruas, há motivo de sobra para ainsatisfação: O colapso da mobilidade urbana estressa diariamente as pessoas.Encurralou-se o direito de ir e vir. De 2008 até agora, o governo federal deixoude arrecadar, de quem abastece os carros com gasolina, R$ 22 bilhões. Odestino desse dinheiro seria investimento em infraestrutura de transporte.

Os motivos são muitos, o desconforto é difuso, mas esta é a hora de pensarem todos os recados da rua. O transporte público é caro, e o serviço prestadopelos ônibus, péssimo. Isso vem de muito tempo. Mas piorou. O governoestimulou de forma exorbitante o uso do carro particular, o que ajudou a entupiras ruas. Abriu mão de recursos que, se bem usados, beneficiariam a todos.

Não há um culpado só. É impossível separar a violência da polícia de SãoPaulo da escalada das manifestações. As cenas que chocaram o Brasil e omundo da última quinta-feira, 13 de junho, foram gasolina em fogo já aceso. Ogoverno de Geraldo Alckmin foi inepto ao lidar com a crise.

A crise da mobilidade urbana foi sendo aprofundada aos poucos. No Brasil,o transporte público foi sempre negligenciado, mas o governo federal escolheuum caminho insensato, que apertou o nó que sufoca os transeuntes das cidadesbrasileiras.

Foi eliminada a Cide, impostos sobre os combustíveis, e reduzido o IPI, parabeneficiar o automóvel. Dessa forma, foi incentivada a compra do carroparticular e subsidiado o seu combustível. Duas das funções da Cide, de acordocom a lei de 2001 que a criou, eram investir em infraestrutura do transporte eatenuar os efeitos da poluição dos combustíveis. O imposto começou a serreduzido em janeiro de 2008 e foi zerado em meados do ano passado. Segundocálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), nesse tempo, o governo

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deixou de recolher, só com a gasolina, R$ 22 bilhões.

Não está nessa conta o que deixou de ser arrecadado com as reduções do IPIque estimularam a compra de carro particular. O subsídio à gasolina, através docongelamento do preço por muito tempo, causou prejuízo à Petrobras, déficit nabalança comercial e desorganização da cadeia produtiva do etanol. Com maiscarros na rua e investimentos insuficientes na infraestrutura, a mobilidadeurbana, que já era ruim, entrou em colapso.

A compra do carro foi incentivada para o país crescer, e isso não ocorreu. Opreço da gasolina foi subsidiado para conter a inflação, e ela subiu. O reajustedo ônibus foi adiado para administrar os preços e aconteceu justamente nestejunho em que a inflação está de novo estourando o teto.

Outro problema ronda a economia: o dólar. Ele também já começa a afetar ospreços. A entrevista do presidente do Fed, Ben Bernanke, no dia 19, dando osinal de que os estímulos à economia serão reduzidos no futuro provocouimediata alta da moeda americana, que chegou a bater R$ 2,22. Fechou em R$2,21. É mais um complicador.

A presidente Dilma Rousseff tem estado em reuniões com a presença de seumarqueteiro, João Santana, e feito pronunciamentos com a sua supervisão.Parece mais preocupada com o efeito que a crise das ruas terá em suas chanceseleitorais do que em entender e corrigir os erros que levaram à eclosão dosprotestos.

Governantes de outros partidos e de outros níveis de governo desdizem detarde o que disseram de manhã. O prefeito Fernando Haddad, ontem de manhã,garantiu que não reduziria a passagem de ônibus para, no fim da tarde, anunciarjunto com o governador Geraldo Alckmin o recuo dos reajustes de ônibus emetrô. No Rio, Cabral não esteve ao lado do prefeito Eduardo Paes. A crisenão é apenas econômica, mas a economia tem dado motivos de sobra para ainsatisfação.

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Sábado • 22 de junho • 2013

UMA REVOLTA POR 20 RÉISHistoriadores debatem semelhanças entre protestos atuais e a Guerra do Vintém, deflagrada poraumento do bonde

Roberta Jansen

Em primeiro de janeiro de 1880, os cariocas inauguraram, por assim dizer, umanova modalidade de protesto na cidade: a manifestação social. O motivo erabem claro, a cobrança de uma taxa de 20 réis (ou um vintém, a menor moedaque existia na época) sobre um dos principais meios de transporte urbano deentão, o bonde puxado a burros. A despeito de reclamações nos dias anteriores,no primeiro dia da vigência do novo imposto a maioria das empresassimplesmente o repassou para a passagem, atingindo em cheio o bolso dosmenos favorecidos.

A revolta foi generalizada e rapidamente tomou as ruas do Centro em formade protesto espontâneo, amalgamando outras insatisfações e ganhando o apoiode diversos setores, entre eles a classe média dos funcionários públicos etambém a “tropa mais barra-pesada do Centro e da zona portuária”, naspalavras do historiador José Murilo de Carvalho, da UFRJ. Inicialmentepacífica, segundo os jornais da época, a manifestação descambou para aviolência diante da ação truculenta da polícia, munida com os longos e grossoscassetetes conhecidos como “bengalas de Petrópolis”.

O povo atacou os policiais com paralelepípedos arrancados do calçamento,destruiu trilhos, espancou condutores, virou bondes, esfaqueou animais. Apolícia respondeu com mais violência, abrindo fogo contra os manifestantes, eos protestos acabaram se estendendo até o dia 4. Houve saques, roubos edepredação do patrimônio público por várias ruas do Centro, resultando em umsaldo de pelo menos três mortos e vários feridos.

Tirando os burros, a semelhança com o movimento que ganhou as ruas háduas semanas é grande, segundo historiadores, e sua análise, dizem, podecolaborar para a compreensão do fenômeno atual — um dos maiores desafios

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para políticos, cientistas sociais e jornalistas, que se esforçam para entender,afinal, o que está acontecendo no país e por quê.

Para José Murilo de Carvalho, há semelhanças entre os dois movimentos,para além do valor do aumento, de 20 réis e de 20 centavos.

— Passagens, tanto em 1880 como hoje, pesam no bolso dos usuários. O atode aumentar foi um bom gatilho então e é agora — afirma o historiador.

Segundo o historiador Marcos Breta, também da UFRJ, os transportesurbanos sempre foram um dos principais motivos de distúrbios populares noRio de Janeiro.

— É um ponto muito sensível porque envolve praticamente todo mundo; é osistema nervoso da cidade — diz. — E para quem tem um orçamento apertado,20 réis ou 20 centavos pesam no bolso. É um erro achar que não.

O distanciamento partidário dos manifestantes é apontado por SandraGraham, no artigo “O Motim do Vintém e a cultura política no Rio de Janeiro— 1880”, na “Revista Brasileira de História”, como uma marca dominantedaquela revolta. Segundo ela, os protestos se converteram em uma “fonte depoder até então nunca utilizada”, capaz de transformar a “violência da rua” emparte integrante da “equação política” e, assim, “arrastar a política das salas doParlamento para as praças da cidade”.

Como apontam analistas hoje, se alguma certeza se pode ter é que asmanifestações deixaram muito claro o distanciamento entre povo e governo.

De fato, o imposto de 1880 foi imediatamente revogado como resultadodireto do movimento, assim como ocorreu com o aumento das passagens deônibus na segunda quinzena de junho.

Os atos de vandalismo de parte dos manifestantes e a violência policial sãooutras semelhanças apontadas por José Murilo de Carvalho.

— Em 1880, houve quebra de bondes e destruição de trilhos. Finalmente, aviolência foi agravada pelo ato insensato do comandante da tropa do Exército

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destacada para conter os manifestantes — relembra. — No Largo de SãoFrancisco, atingido por uma pedra atirada por um manifestante, ele deu ordemde fogo, da qual resultaram mortos e feridos.

Para Bretas, autor do livro “A guerra das ruas: povo e polícia na cidade doRio de Janeiro”, a polícia hoje é mais bem preparada do que jamais foi, emboraainda haja um longo caminho a percorrer.

— Tradicionalmente, a polícia é muito mal preparada e também muito malvista pela população. Ela sempre foi muito odiada — explica Bretas. —Oriunda de um mundo escravista, ela é vista como aquela que pode bater naspessoas, que é violenta em relação ao trabalhador e aos que não têm recursos.Por sua vez, os policiais eram recrutados à força, eram mal preparados, malpagos e também chicoteados por seus superiores.

José Murilo de Carvalho concorda.

— O grande inimigo das manifestações populares era já naquela época apolícia. Seguramente, nossas polícias continuam não sabendo lidar com essasmanifestações — sustenta. — Desde a Primeira República, nossas políciasforam militarizadas, fato que se exacerbou durante a ditadura. Sua mentalidadee seu treinamento têm que ser reformados.

A ditadura militar, na análise de Bretas, capitalizou formas policiais jáconsagradas, mas que sempre existiram. Talvez, diz, não causassem tantochoque por seguirem uma tradição escravocrata e serem dirigidas a classesmenos favorecidas.

— A gente só começou a estranhar na época da ditadura porque começaram abater na classe média — opina o historiador. — O grande ganho do movimentopós-ditadura é a noção de que os direitos humanos são para todo mundo.

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Segunda-feira • 24 de junho • 2013

PULVERIZAÇÃO DE PROTESTOS TOMACONTA DO FACEBOOKGrupos chegam a ‘clonar’ página do Movimento Passe Livre para defender bandeiras opostas

Renato Onofre e Leandra Lima

A pulverização de manifestações e reivindicações marca a atual fase dosprotestos que tomaram as ruas do país nas últimas semanas. Pelas redes sociais,grupos aproveitam a mobilização iniciada pelo Movimento Passe Livre (MPL)para colocar em evidência suas agendas políticas. Em alguns casos, há até quemtente pegar carona no sucesso do MPL criando, no Facebook e no Twitter,páginas clonadas que propagam bandeiras opostas às reivindicações surgidasinicialmente com o MPL. Essas novas páginas se apropriam das mesmas fotosde identificação, e, quando não utilizam o MPL, apresentam com nomessimilares.

Foram criadas, por exemplo, seis novas páginas no Facebook que seidentificam como Movimento Passe Livre São Paulo. A metade delas exibe oavatar e a foto de capa utilizados pelo perfil original do movimento, criado emjunho de 2011.

Os perfis falsos alternam suas publicações com posts publicados pela páginaoriginal do movimento e mensagens que fogem à pauta do MPL, como oimpeachment da presidente Dilma Rousseff e a greve geral convocada porFelipe Chamone. O mesmo pode ser observado na conta da organização noTwiiter.

Caso similar acontece com duas páginas criadas para convocarem asmanifestações de Brasília. Uma, com 41 mil seguidores, posta, sobretudo, fotosde manifestantes exibindo cartazes com dizeres contra a corrupção, contra osgastos abusivos com a Copa e com a má qualidade de serviços públicos. Aoutra, com 15 mil seguidores, posta mensagens conclamando a queda dodeputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), conhecido pela defesa dos direitos

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LGBT, e pede, em contrapartida, apoio ao deputado federal Marco Feliciano(PSC-SP).

No dia 21 de junho, o Anonymous Brasil negou a autoria de um vídeo queatribuía ao grupo a criação de cinco causas a serem defendidas gradativamenteao longo das manifestações.

O especialista em redes sociais e criador da Escola de Redes, Augusto deFranco, explica que esses fatos são naturais:

— Da mesma forma que, em uma praça pública, todos querem defender suasposições, isso acontece na internet. Os movimentos que defendem ideia opostasdas inicialmente difundidas se apropriam da identidade do outro paraaproveitar um lugar onde possam ser vistos por muita gente. É natural. Não vejoesses fatos como uma tomada da direita extremista, como alguns disseram —explica.

O surgimento desses perfis falsos, porém, não tem a menor importância,segundo Augusto de Franco. Para o especialista, a partir do estopim, asconvocações deixaram de ser centralizadas, ocasionando um fenômeno que elechama de swarming, ou enxameamento da população.

— No passado, havia assembleísmo, recrutamento para organizaçõeshierárquicas, militantes obedientes às suas direções que atuavam como agentesno meio da massa para conduzi-la. Agora não temos rebanhos. Temosinterativismo, no qual cada pessoa comparece nos seus próprios termos edesobedece aos que querem mandá-la, compondo uma espécie de sistemanervoso fractal de imensas multidões. E temos a formação de um fenômenochamado de enxameamento da população, ou swarming, que acontece quandodistintos grupos e tendências, não coordenados explicitamente entre si, vãoaumentando o alcance e a virulência de suas ações. E isso é bom, porquedistribui a energia transformadora pela sociedade — analisa.

Mesmo sem precisar recorrer a truques, outros grupos, e até perfisindividuais, ganharam adesão em massa, pegando carona no estopim social

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deflagrado pelas passeatas organizadas pelo MPL. Só no dia 22, um sábado, emmais de cem cidades, moradores foram às ruas com bandeiras como o combateà corrupção, exigindo investimentos em Saúde e maior fiscalização nos gastosda Copa do Mundo.

Nem sempre a convocação para atos nas redes sociais é de fato umarepresentação política de uma minoria ou grupo. Na semana passada, cresceu ocompartilhamento do evento Greve Geral, que chegou, no dia 23, a mais de 700mil pessoas confirmando presença pelo Facebook. Seu criador é o músicoFelipe Chamone, cantor de rap e produtor de shows.

— Não tinha a dimensão que o evento ia tomar. Quis participar damobilização pelo Facebook e criei um evento — afirmou o cantor, deixandoclaro que não tem carteira assinada.

Na mesma velocidade em que conseguiu adeptos a seu evento, Chamoneconseguiu manifestações contrárias à sua conduta. Desde o dia 21, centenas deperfis passaram a publicar mensagens alertando que o organizador da greveseria um policial, defensor da ditadura e do armamento civil. Ele nega que sejada polícia. Admite que gosta de armas, mas afirma que não está ligado amovimentos políticos, apesar de ter curtido uma página no Facebook do Partidode Segurança Pública e Cidadania. Ele afirma ainda que criou o ato para sermais um na mobilização virtual, sem articulação com sindicatos ou outrasentidades civis organizadas.

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Segunda-feira • 24 de junho • 2013

PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA

Daniel Galera

No momento em que escrevo, os prefeitos de várias cidades brasileiras jáanunciaram redução ou suspensão do aumento das passagens, e Dilma estáreunida com ministros após as manifestações e tumultos da noite de quinta-feira,dia 21. As notícias já parecem velhas nessa manhã de sexta-feira. Não arriscoprever o que acontecerá até segunda-feira, quando esta coluna será publicada, eestou longe de ser a pessoa mais indicada para analisar os fenômenos recentes.

Mas para quem escreve uma coluna semanal num jornal de grande circulação,o assunto parece incontornável. Pois bem. Meu gancho será uma pequenanotícia lida no Terra Magazine na última terça. A manchete era: “Para falarsobre protestos, Dilma se reúne com Lula e João Santana em hotel em SP”. JoãoSantana é o marqueteiro do PT. O trecho que me afetou: “O objetivo da reuniãofoi conversar sobre os protestos que estão acontecendo nos últimos dias portodo o Brasil e traçar uma estratégia publicitária para gerenciar a crise” (grifomeu). Mais cedo no mesmo dia, em discurso no Palácio do Planalto, Dilmahavia se referido publicamente aos protestos pela primeira vez. Disse que seugoverno está “ouvindo as vozes pela mudança”, que “tem orgulho dosmanifestantes” e enfatizou várias vezes a expressão “essa mensagem direta dasruas”.

Eis a questão: a primeira atitude da presidente não é traçar uma estratégia deação política ou de negociação. Ela voou para São Paulo para traçar umaestratégia publicitária. Não sei que tipo de atitude está sendo gestada nestemomento na reunião emergencial, mas ela está atrasada. A primeira reação foidecidir o quanto antes o que soaria bonito para neutralizar abalos nas pesquisasde opinião. Ajustar o discurso. E podem anotar o roteiro das próximaspropagandas partidárias de todas as legendas: jovens conectados, cansados detudo que aí está, despertos para o poder do povo, em contraluz ao pôr do sol,

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mitificados pela câmera lenta, empunhando as bandeiras que foram tãorechaçadas pela massa apartidária nas manifestações da vida real. Ontem, nosintervalos da novela, já tivemos uma amostra deprimente de retórica oportunistaem comerciais constrangedores do PPS.

Não, a questão é outra. Quando foi mesmo que ficou decidido que o governotem direito de usar toneladas de dinheiro público para produzir publicidadeedulcorada? Já tive essa discussão com gente mais entendida que eu emassuntos políticos, e parece haver um consenso de que a publicidade énecessária para que o governo informe o povo a respeito de suas ações edecisões. O que soa razoável. Mas não é o que acontece. Não é nisso que amaior parte da famigerada “verba publicitária” é investida.

Em artigo recente publicado na “New Yorker”, Jill Lepore analisa aevolução dos conceitos de segredo, espionagem e publicidade na políticanorteamericana. Ela aponta que em sua origem, no século 19, o termo“publicity” no contexto da política não se referia à publicidade persuasivacomo a entendemos hoje. Publicidade era o que chamamos hoje detransparência. O que está se passando no Congresso é de interesse público; apublicidade é uma forma de garantir esse acesso. Nada a ver com a propagandaproselitista que se aceita hoje em dia como publicidade governamental. É claroque dá resultado, do contrário Dilma não teria em seu marqueteiro umconselheiro à mesma altura que Lula. Em essência, usa-se o mesmo tipo deretórica dissimulada que tenta vender um xampu como a chave para a ascensãoprofissional da mulher ou um desodorante ordinário como chamariz de modelosninfomaníacas. É o suficiente para embrulhar o estômago de alguns, mas a coisafica realmente séria diante do volume de impostos gastos para financiar abrincadeira.

Em abril deste ano, o “Estadão” publicou uma matéria mostrando que, nosúltimos dez anos, as empresas públicas do estado de São Paulo (Dersa, Metrô,Sabesp e outras), nas gestões de Serra e Alckmin, gastaram R$ 1,24 bilhão emcampanhas promocionais, enquanto a divulgação da administração diretaconsumiu mais R$ 1,2 bilhão, o suficiente para “construir mais de metade da

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segunda fase da linha 5 do metrô ou custear o Instituto do Câncer por seteanos”. O gasto com publicidade é a rubrica que mais cresce nos níveis federal,estadual e municipal. Sabemos bem que esse investimento não é emtransparência, mas sim em embromação com fotografia de cinema, para nãodizer campanha eleitoral.

Ficam aqui, então, meus 20 centavos: colocar esses bilhões gastos empublicidade sem qualquer interesse público no subsídio dos transportes ouqualquer outra coisa que melhore a vida das pessoas. E que a geração quedecidiu invadir as ruas agora faça uso de seu domínio irônico da linguagempublicitária para não aceitar discursinho e filminho bancado com imposto antesdo jornal das oito como resposta a suas demandas e palavras de ordem.

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CAPÍTULO 3 AS INSTITUIÇÕES RESPONDEM

Quarta-feira • 19 de junho • 2013

TARIFAS CAEM EM 11 CIDADESEm SP, Haddad muda o tom e já admite rever aumento; no Rio, Paes quer ouvir manifestantes

Taís Mendes, Luiz Ernesto Magalhães, Luiza Damé e Tatiana Farah

Um dia depois da maior mobilização contra o aumento das passagens de ônibus,que levou cerca de 240 mil pessoas às ruas de vários municípios, prefeitos de11 cidades, sendo nove capitais, anunciaram que vão reduzir as tarifas, cancelarreajustes ou diminuir o percentual de aumento das passagens. Segundo aministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, Cuiabá e Recife anunciaram em 18 dejunho redução de R$ 0,10 nas passagens.

As prefeituras de João Pessoa, Porto Alegre e Goiânia cancelaram o reajuste.Curitiba, Manaus, Natal e Vitória reduziram o percentual de aumento daspassagens. Além desses municípios, Blumenau (SC), por liminar, e Caxias doSul (RS) decidiram rever os preços.

Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad (PT) mudou o tom e admitiu quepode derrubar o aumento da tarifa, que em junho passou de R$ 3 para R$ 3,20.Haddad prometeu ainda um novo encontro com os representantes dosmanifestantes, como o Movimento Passe Livre (MPL), a Associação Nacionalde Estudantes Livres (Anel), o grupo Juntos e a central sindical Conlutas, ligadaao PSTU.

— Se as pessoas me ajudarem a tomar uma decisão nessa direção (arevogação do aumento), eu vou me subordinar à vontade das pessoas, porque eusou prefeito da cidade, para fazer o que a cidade quer que eu faça — disseHaddad. — Tem um povo na rua pedindo providências e ninguém pode

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descansar agora antes de encontrá-las.

O prefeito afirmou ainda que é possível rever as planilhas de custos e nãodescartou nenhuma medida de financiamento do transporte público, como arevisão do lucro das empresas concessionárias.

— Sou favorável a abrir as planilhas e ver se tem gordura no lucro dosempresários. Estamos dispostos a explorar as alternativas — disse Haddad.

No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) convocou integrantes do Fórum deLuta Contra o Aumento das Passagens para uma reunião, ainda sem datadefinida, e deixou em aberto a possibilidade de rever o valor da tarifa,congelando-a em R$ 2,75. Já o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB),afirmou, ao ser perguntado sobre a possibilidade de reduzir a tarifa de ônibus,que “a nossa tarifa modal, intermunicipal, é uma das menores do Brasil”.

No fim da tarde, quase ao mesmo tempo em que a presidente Dilma Rousseffterminava seu encontro com o ex-presidente Lula, em São Paulo, a ministra daCasa Civil, Gleisi Hoffmann, apresentou um estudo que mostra o impacto dasmedidas de desoneração do governo federal nas tarifas do transporte urbano.Segundo Gleisi, a combinação da desoneração da folha de pagamento com aredução do PIS/Cofins (tributos federais) do setor representa 7,23% no preçodas passagens de ônibus urbanos, ou seja, em média R$ 0,20.

Em um primeiro momento, a ministra disse que os municípios poderiamreduzir as tarifas com as desonerações federais. Depois, voltou a dar entrevistapara deixar claro que o estudo mostra o impacto das medidas federais, mas queo governo não conhece a composição dos custos de cada município.

No Rio, o impacto da desoneração nas passagens é de R$ 0,21, conforme atabela apresentada pela ministra. Em São Paulo, segundo o estudo, adesoneração de tributos federais é de R$ 0,23. As capitais tiveram aumento detarifas após as medidas aprovadas pelo governo federal.

— Nós não podemos afirmar que o valor que estamos desonerando vainecessariamente ser o valor de redução da tarifa. As prefeituras podem utilizar

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esse valor para fazer uma recomposição da sua tarifa e para que esta tenhamenos impacto no bolso das pessoas — disse a ministra.

No Distrito Federal (DF), o secretário de Transportes, José Walter VazquezFilho, disse que o sistema público de transporte não sofrerá reajuste. EmBrasília, as tarifas variam de R$ 2 a R$ 3. O menor valor é cobrado noscoletivos que circulam no Plano Piloto, área central de Brasília, e nas cidades-satélite. Já o valor maior é o da linha metropolitana que faz a ligação entre estase o Plano Piloto.

— Esse é um compromisso de campanha do governador Agnelo (Queiroz):realizar a licitação do sistema público de ônibus e não reajustar a tarifa —disse o secretário.

Na capital de Mato Grosso, onde está marcada uma passeata para hoje, oprefeito Mauro Mendes (PSB) assinou decreto reduzindo a tarifa do transportepúblico de R$ 2,95 para R$ 2,85, uma queda de 5,12%. Mas ele negou que essamedida tenha por objetivo esvaziar as manifestações. O novo valor entra emvigor hoje. A partir de 1º de julho, o preço da passagem cairia também em JoãoPessoa.

Os ônibus que circulam pela Região Metropolitana de Recife também ficarãomais baratos: a tarifa foi reduzida de R$ 2,25 para R$ 2,15. Em Porto Alegre, ovalor será reduzido, no mínimo, de R$ 2,85 para R$ 2,80. Alguns prefeitosafirmaram que a medida não tem a ver com as manifestações.

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Quinta-feira • 20 de junho • 2013

MARCHA À RÉ NAS TARIFASApós protestos, governantes de Rio e SP revogam aumento das passagens no transporte

Thiago Herdy, Luiz Ernesto Magalhães, Fábio Vasconcellos e Ezequiel Fagundes

Apenas 13 dias depois da realização do primeiro ato na Avenida Paulistacontra o aumento das tarifas do transporte coletivo, convocado pelo MovimentoPasse Livre (MPL), o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), o governadorSérgio Cabral (PMDB), o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e ogovernador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciaram ontem a completarevogação dos reajustes, tanto de ônibus urbanos como de metrô, trensmetropolitanos e, no caso do Rio, barcas.

Em Belo Horizonte, pressionado pelo quarto dia de protestos, o prefeitoMarcio Lacerda (PSB) informou que vai enviar projeto à Câmara Municipalvisando à redução da tarifa do transporte. Em Niterói, o prefeito Rodrigo Neves(PT) também anunciou diminuição do preço das passagens.

Apesar do recuo das autoridades das duas maiores cidades do país, líderesdo MPL disseram que está mantida a grande manifestação organizada para estaquinta-feira, 20 de junho, que pode chegar a 80 cidades em todo o Brasil. Elesdisseram que agora partirão para outras reivindicações.

— Se baixaram de R$ 3,20 para R$ 3,00, então dá pra baixar pra zero —disse Caio Martins, um dos líderes do MPL.

Tanto Haddad quanto Paes disseram que, para diminuir as tarifas, terão dereduzir investimentos em transportes públicos e alterar seus orçamentos. NoRio, o anúncio foi feito na sede da prefeitura. Estava prevista a presença deCabral, mas este cancelou em cima da hora. No caso dos ônibus, as tarifasrecuam de R$ 2,95 para R$ 2,75 a partir do dia 20, por tempo indeterminado.No caso de metrô, trens e barcas, as reduções entrarão em vigor amanhã, dia21.

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Paes afirmou que a decisão forçará a prefeitura a rever investimentos emoutras áreas para subsidiar a passagem. Os gastos iniciais podem atingir R$200 milhões no primeiro ano, chegando a R$ 500 milhões. A tarifa dos ônibushavia sido reajustada em 1º de junho.

No Rio, os cortes poderão incluir até investimentos na melhoria da qualidadedos coletivos. Com a tarifa a R$ 2,95, a prefeitura havia unificado os preçosdos ônibus equipados ou não com ar-condicionado. A unificação permanececom as tarifas a R$ 2,75, mas não está descartado o adiamento do plano deequipar todos os cerca de oito mil veículos da frota com ar-condicionado até2016.

— Cabe destacar que a diferença terá de ser arcada pelo poder público. Osreajustes não são concedidos ao bel-prazer do poder público. Existem regrasdefinidas e contratos. Os governos demonstraram a capacidade de ouvir a vozdas ruas, mas esse debate não termina aqui. Onde iremos cortar? — disse Paes.

O prefeito acrescentou que a discussão sobre a desoneração tarifária tambémtem de ser feita em âmbito federal, a fim de reduzir os impactos no orçamentodas prefeituras. Ele lembrou que a Comissão de Assuntos Econômicos doSenado estuda outras medidas para desonerar a tarifa:

— Assim como São Paulo, nós não reajustamos as tarifas em 1º de janeiro. Eesperamos até junho para aumentar as tarifas já com a desoneração dePIS/Confins.

Paes não esclareceu como seria feita essa compensação para as empresas,alegando que a questão só começará a ser estudada agora. Ao contrário de SãoPaulo, a prefeitura do Rio não concede subsídios diretos para as empresas. Osbenefícios são indiretos: as empresas pagam apenas 0,01% de Imposto SobreServiços (ISS). O repasse poderia exigir, por exemplo, a aprovação de uma leina Câmara dos Vereadores do Rio para a criação de um fundo, como ocorre nacapital paulista.

O secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, disse que,

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antes de começar a conceder os subsídios, a prefeitura pretende estudar formasde estimular o ganho de produtividade das concessionárias do Rio. Para esteano, está prevista a implantação de mais três faixas de BRS. A Secretariamunicipal de Transportes não esclareceu se esse cronograma será antecipado.

Cabral não deu entrevistas. A assessoria do Palácio Guanabara limitou-se ainformar que “as tarifas voltaram ao que era antes. E alguns sacrifícios terãoque ser feitos”. No caso do metrô, a tarifa cairá de R$ 3,50 para R$ 3,20, comovigorou até abril. As passagens das barcas, hoje em R$ 4,80 (no caso datravessia Rio-Niterói), voltam para R$ 4,50. No caso dos trens, a tarifa cairá deR$ 3,10 para R$ 2,90.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddadanunciaram em um ato conjunto, no fim da tarde de ontem, a anulação doaumento da passagem de ônibus, metrô e trem, cujo valor passará, a partir desegunda-feira, dia 24, de R$ 3,20 para R$ 3.

— Queremos tranquilidade para que a cidade funcione, para que os temaslegitimamente levantados durante as manifestações possam ser debatidos comtranquilidade — disse Alckmin, que deverá realocar R$ 210 milhões doorçamento para subsidiar a revogação do aumento. — Vamos ter de cortarinvestimentos, porque as empresas não têm como arcar com essa diferença.

O secretário estadual de Planejamento, Júlio Semeghini, descartou tirardinheiro de Saúde e Educação, por causa do percentual básico obrigatório deinvestimento. Ele acha que o recurso poderá ser buscado em obras que estãoatrasadas e com dinheiro já previsto.

Já o prefeito Fernando Haddad disse ter tomado a decisão depois de ouvir oconselho da cidade, acrescentando que o objetivo era permitir que o diálogo serestabelecesse na cidade de São Paulo:

— Precisamos abrir a discussão sobre as consequências dessa decisão quefoi tomada, para hoje e para o futuro.

No Rio, o professor de História Gabriel Siqueira, de 24 anos, que integra o

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MPL, disse que a manifestação de hoje, 20 de junho, será uma comemoração daconquista e, ao mesmo tempo, servirá para levantar outras bandeiras.

Os líderes do movimento contra o aumento das passagens de ônibus no Rioestão preocupados com a segurança do protesto de hoje. A marcha deve sair daCandelária, às 17h, e ir até a prefeitura.

— Embora nosso protesto seja pacífico, estamos preocupados com asegurança das pessoas. Vamos fazer o possível para manter o grupo coesodentro do trajeto que foi votado em reunião — disse Siqueira.

O vaivém das autoridades

“Os subsídios poderiam afetar outros projetos. A tarifa dos ônibus do Rionão é cara, é compatível com a realidade”Eduardo Paes, prefeito do Rio, no dia 18 de junho

“Os governos demonstraram a capacidade de ouvir a voz das ruas”Eduardo Paes, em 19 de junho

“O reajuste foi menor que a inflação, tanto no ônibus quanto no metrô e notrem. Não pretendemos voltar atrás”Geraldo Alckmin, governador de SP, após as primeiras manifestações

“Queremos tranquilidade para que a cidade funcione. Vamos ter de cortarinvestimentos”Geraldo Alckmin, em 19 de junho

“Você acha que, se eu pudesse não ter aumentado, eu teria aumentado? Aprefeitura não tem fonte de financiamento para mais subsídio”Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, após as primeiras manifestações

“É um gesto de abertura, de entendimento e de manutenção do espírito dedemocracia”Fernando Haddad, em 19 de junho

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Sexta-feira • 21 de junho • 2013

PARTIDOS, DO SUSTO AO MEA-CULPALíderes de partidos de esquerda reagem à expulsão de militantes dos protestos e advertem parariscos à democracia em caso de negação da representação institucional

Flávio Tabak e Maiá Menezes • 'O GLOBO A MAIS'

O aumento da hostilidade dos manifestantes contra qualquer tipo derepresentação institucional nas ruas provocou reações dos políticos.Representantes de partidos, agora, fazem mea-culpa. Dizem que os partidos nãose atualizaram, se acomodaram nos últimos 20 anos. Mas, por outro lado, algunsdesses políticos deixam claro que algo muito pior do que legendas em crisepode aparecer.

A insatisfação coletiva, marca dos protestos das últimas semanas, atingiu seuápice ontem no Rio. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) enxergou“grupos fascistóides” na manifestação, onde diz ter assistido à mais violentaação antipartidária entre os protestos recentes.

— O que percebemos ontem foi que quem atacou os partidos foram gruposorganizadíssimos, com bombas na mão, cassetetes, para bater. Era um grupoclaramente articulado, de provocadores. Eles queimavam faixas das entidades— diz a deputada, que elogia o movimento e a pluralidade de bandeiras, masdefende a presença dos partidos nas passeatas. — Não estamos vivendo naclandestinidade. Uma grande parte da militância morreu lutando pela liberdade.Fazemos parte dessa bandeira.

Com seus 300 mil manifestantes, a marcha de ontem rumava, pela AvenidaPresidente Vargas, para o centro administrativo da prefeitura. À frente damassa, um grupo de pessoas formava um bloco coeso, acuado, com grandesbandeiras de pelo menos três partidos: PSB, PSTU e PCB. A cada instante, nasproximidades da Avenida Passos, eram provocados por quem cruzava ocaminho. Jovens gritavam: “Sem partido!” e alguns os chamavam para a briga.Do outro lado, militantes respondiam: “Sem fascismo!”

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O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) diz que há uma contradiçãoquando as pessoas evitam a participação de partidos. Para ele está clara a crisede representatividade da democracia brasileira, uma “crise de identidade”, e omomento é desafiador.

— É muito importante separar duas coisas. Uma é a falta de identidade queleva uma massa a dizer, por exemplo, “povo unido não precisa de partido”. Oque no fundo não é verdade. Qual seria o modelo de governo? Monarquia? Nãoé. O povo unido precisa de outros partidos. Por outro lado, existe um gruponazista, de extrema-direita, que está indo para esses atos, se vestindo de formadiferente. São mascarados, fortes, lutadores — argumenta Freixo. — O desafiode todos é entendermos que não podemos ameaçar a democracia.

Freixo também cita regimes ditatoriais para comentar o sentimentoantipartido revelado ontem por milhares de manifestantes:

— É bom lembrar que vivemos 21 anos de ditadura e ninguém, ou a maioria,não tem saudade. A primeira coisa que qualquer ditadura faz é acabar compartido e Congresso. E partido é a ideia da diferença para se expressar. Ocontrário de partido é o totalitário.

Secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, do PT, considera que doisfatores principais contribuíram para a hostilidade às legendas: falta deexperiência política dos manifestantes, já que há cerca de 20 anos que nãoaconteciam grandes protestos populares no Brasil; e os erros que os partidoscometeram ao longo desses anos, quando “se acomodaram”.

Ele vê na multiplicidade dos protestos “um setor muito despolitizado, comrevolta pouco elaborada”. Por um lado, os partidos pioraram; por outro, osenso comum mostra seu lado mais conservador, acredita ele.

— Muitos partidos, não só os de esquerda, descuidaram de sua renovação.Foram coniventes e entraram em esquemas corporativistas. Não vou apontar odedo só para os partidos ou só para a falta de experiência política. Esses doisfatores se encontram e vão para o senso comum conservador. Se você for a um

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local bem popular e fizer um plebiscito, vai ganhar a pena de morte, fechamentodo parlamento, maioridade penal aos 12 anos. Não falo isso para desqualificara manifestação. Os governos têm que mudar — afirma Minc.

O secretário observa que os atrasos, tanto dos partidos quanto do sensocomum, provocam algo muito pior:

— A lambança dos partidos e a falta de experiência política chegaram a umponto tal de truculência e atraso que até os organizadores pularam fora. É o ovoda serpente, um caldo de cultura de fascismo, que não é dos manifestantes nemdos organizadores. É a revolta do senso comum com erros cometidos queaumenta a sensação de que você está sendo tratado como um otário. Temos quetrabalhar no aperfeiçoamento das instituições, dos partidos, mudar o discurso ese conectar com essas críticas que vieram para ficar.

O deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ) vê com pessimismo a repercussãodas manifestações no Congresso. Ele sustenta que há uma crise dos partidos deesquerda, um encolhimento do voto de opinião e, por outro lado, uma parte dosdeputados e senadores que segue sendo eleita pelo fisiologismo.

— Os partidos falharam na democracia brasileira. Sobretudo aos grandespartidos de esquerda, como o PT e o PV. Cada um à sua maneira, elespropunham mudanças na forma de fazer política, mas acabaram fagocitados pelapolítica brasileira. Enquanto persistir o modelo eleitoral, é muito difícil haverpartidos programáticos. Há uma tendência à homogeneização por baixo — dizSirkis, que faz coro a outros políticos para o alerta: — O problema é que sempartido não há democracia. Não conhecemos outra.

Em coro com os manifestantes, Sirkis garante que ele mesmo se tornou umdesiludido da política:

— De certa forma, ao colocar todos os detentores de mandato numa valacomum, está se aprofundando a crise do voto de opinião. Não querem de jeitonenhum participar de política formal. É o meu caso: estou em contagemregressiva para sair desse negócio. Por mais amplo e espetacular que seja o

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movimento, enfrentar a maioria do Congresso liderada pelo bloco desustentação, é como esmurrar um boneco de geleca. Os discursos sãolaudatórios ao movimento. Não querem a reforma política de jeito nenhum,porque não querem mudar o sistema eleitoral que garantiu suas eleições.

Ontem, no meio da manifestação, um político estava refugiado num posto degasolina ao lado da Rua General Caldwell, depois da explosão de três bombas.Era o secretário-geral do PCB, Ivan Pinheiro, que viu “a direita” nas ruas:

— A esquerda que sempre esteve nas ruas, que fez as Diretas, o Petróleo éNosso, o impeachment do Collor, é muito mais democrática do que a direita.Aqui existe uma direita fascista sendo alimentada nesse antipartidarismo. Elesdeveriam ser contra os partidos burgueses e não contra os partidos de esquerda,que lutam contra isso.

No início da manifestação, ainda perto da Igreja da Candelária, jovensroubaram panfletos da CUT contra a Fetranspor e os jogaram para o alto. Oeconomista Afonso de Carvalho, de 67 anos, estava revoltado:

— Não sou da CUT, não sou da UNE. Estou aqui manifestando minhasolidariedade ao povo. Eles estão querendo tirar proveito de uma manifestaçãopura do povo. Por que não vieram à rua antes? Estou por aqui, o povo estáoprimido. Eu sabia que a panela ia estourar qualquer dia. Estourou para o bem,tirando as badernas, que não levam a nada. Todos os sindicatos estão cooptadospelo poder. Eu não sou revanchista, mas a verdade tem que ser dita.

Do outro lado, José Antonio Garcia Lima, da executiva da CUT no Rio,argumentou:

— Eu estava simplesmente segurando a bandeira da CUT. Eles começaram aameaçar, e eu não saí. É um absurdo que um movimento desse negue identidadea qualquer participante. Isso é muito louco. Há um fascismo latente nessenegócio, que é uma tragédia para a História do brasil. O cara falou para mim:“Você é do PT, saia daqui”. O que é isso? Essas pessoas resolveram que oBrasil são eles.

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Precursor do uso da internet na interface com eleitores e na arrecadação decampanha, o ex-deputado Fernando Gabeira lembra que a resistência a partidospolíticos acontece em manifestações em todo o mundo. Uma solução, indica ele,seria se inspirar no modelo adotado pela Islândia: as redes sociais são usadaspelo governo como instrumento para envio e sugestões de projetos de lei. Eleafirma que a dinâmica dos protestos inclui os momentos de violência:

— Existem dois momentos: um em que há grandes manifestações pacíficas eoutro de refluxo em que podem existir movimentos violentos, como na periferiaparisiense (em 2005). Dentro da manifestação, a tensão existe. Aí surgem osdescontentes. É preciso encontrar uma forma de neutralizar os grupos queagitam.

O deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ) diz considerar “compreensível” areação da juventude e a crítica aos partidos políticos. Ele afirma não verdistinções entre siglas: a insatisfação atinge todos.

— Eles estão rejeitando a representação partidária. Há uma característica deprotestos genéricos, sem o mínimo de organização para o diálogo democrático.Um registro: até agora, no processo democrático, não se inventou nada diferentedos partidos políticos como representatividade. E movimentos como esse, agente sabe como começam, das redes sociais para as ruas, mas não sabemoscomo terminam. O risco é o de ficarmos reféns de grupos minoritários ou atémesmo de bandidos, de milícias — diz Bittar, que está preocupado com o fatode o Movimento Passe Livre ter saído das manifestações.

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Sábado • 22 de junho • 2013

O APELO DE DILMAPresidente propõe pacto, diz que receberá líderes do protesto, mas sem ‘transigir com violência earruaça’

Luiza Damé, Maria Lima, Paulo Celso Pereira

Com o avanço da onda de protestos pelo país, a presidente Dilma Rousseffquebrou o silêncio e convocou cadeia nacional de rádio e televisão para darapoio às manifestações pacíficas e condenar veementemente a violência. Dilmadisse que o governo ouve as vozes das ruas, mas que vai agir com firmeza paramanter a ordem e evitar o caos e a arruaça nas cidades brasileiras. Para tentaratender à principal reivindicação dos manifestantes, a presidente afirmou quevai se reunir com os dirigentes do Legislativo, com governadores e prefeitos,bem como com representantes do movimento pacífico, para fazer um pacto demelhoria dos serviços públicos. Defendeu uma reforma política para “oxigenaro sistema político”, combater a corrupção e valorizar os partidos, que foramduramente atacados nas ruas.

— Irei conversar, nos próximos dias, com os chefes dos outros Poderes parasomarmos esforços. Vou convidar os governadores e os prefeitos das principaiscidades do país para um grande pacto em torno da melhoria dos serviçospúblicos — disse Dilma. — Vou receber os líderes das manifestaçõespacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidadessindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares.Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia ecriatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de questionar erros dopassado e do presente.

A presidente comentou a oportunidade de aproveitar “o vigor” dasmanifestações para produzir mais mudanças que beneficiem o conjunto dapopulação brasileira.

— Minha geração lutou muito para que a voz das ruas fosse ouvida. Muitosforam perseguidos, torturados e morreram por isso. A voz das ruas precisa ser

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ouvida e respeitada. E ela não pode ser confundida com o barulho e atruculência de alguns arruaceiros — disse Dilma, salientando que não vai“transigir com a violência e a arruaça”.

Ela alertou que, se a violência prosperar, o país perderá um oportunidade defazer mais, de se tornar mais justo e aprimorar as instituições. Assumiu para sia obrigação de ouvir as reivindicações da população, mas dentro da lei e daordem. Para ela, os manifestantes têm o direito de criticar e questionar, mas nãopodem destruir o patrimônio público e privado.

— Os manifestantes têm o direito e a liberdade de questionar e criticar tudo.De propor e exigir mudanças. De lutar por mais qualidade de vida. De defendercom paixão suas ideias e propostas. Mas precisam fazer isso de forma pacíficae ordeira. O governo e a sociedade não podem aceitar que uma minoria violentae autoritária destrua o patrimônio público e privado, ataque templos, incendeiecarros, apedreje ônibus e tente levar o caos aos nossos centros urbanos.

A presidente destacou que as manifestações conseguiram abaixar o preço daspassagens de ônibus e colocar a pauta de reivindicações do movimento nocentro do debate nacional. Reconhecendo que a mensagem das ruas exigecombate à corrupção e cobra qualidade na educação, na saúde, no transporte ena segurança, ela prometeu um plano nacional de mobilidade urbana, comatenção ao transporte e com a destinação de 100% dos royalties do petróleopara educação, além da contratação de médicos estrangeiros para a redepública.

Abordando todos os temas apresentados nos protestos, a presidente disse queas instituições precisam ser mais transparentes e eficientes no combate àcorrupção, mas alertou sobre os riscos de uma democracia sem partidospolíticos:

— Precisamos oxigenar o sistema político. Encontrar mecanismos que tornemnossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acimade tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania, e não opoder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar. Quero contribuir

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para a construção de ampla e profunda reforma política, que amplie aparticipação popular. É um equívoco achar que qualquer país possa prescindirde partidos e, sobretudo, do voto popular, base de qualquer processodemocrático.

A presidente defendeu ainda a realização, no Brasil, dos eventos esportivos,alvos dos protestos:

— O dinheiro do governo federal gasto com as arenas é fruto definanciamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos queestão explorando esses estádios.

O texto lido por Dilma foi escrito a quatro mãos pelo marqueteiro JoãoSantana e pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. A presidente sugeriumodificações.

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Sábado • 22 de junho • 2013

A INTERNET NÃO REVOGOU ACONSTITUIÇÃO DO PAIS

Joaquim Falcão

A internet deu novo sentido à insatisfação com a corrupção, à equivocadaprioridade de gastos públicos e à ameaça da inflação. Mas não revogou aConstituição em vigor. Como em todo Estado democrático de direito, ela temque ser aplicada. Aí a internet pode ajudar a reforçá-la.

Nossa Constituição não impõe apenas a democracia representativa, compartidos, e eleições de quatro em quatro anos. Ela prevê também a democraciadireta e a democracia participativa. Abandonadas pela classe política, que querdeter o monopólio da voz do eleitor, e das ruas. Mas as ruas não querem mais omonopólio de sua voz.

A Constituição prevê também a democracia direta com plebiscitos,referendos, a iniciativa popular das leis. As prefeituras, estados e governofederal não podem ter medo de ouvir a voz do eleitor sem intermediários.Quando o plebiscito foi usado — monarquia ou república —, funcionou.Consolidou-se a república. Referendos são usados para criar novos municípios.Funcionam. A iniciativa popular das leis foi a base da Lei da Ficha Limpa.Funcionou.

A Constituição prevê também a participação da sociedade civil emorganismos da administração: como na Comissão de Infância e Adolescência,no Conselho Nacional de Justiça, no Conselho de Comunicação Social. Nadaimpede que prefeituras, estados e mesmo o governo federal redesenhem suasadministrações de modo a ampliar a voz da sociedade civil no seu cotidiano,sobretudo comunitário.

Resolver a pauta de reivindicações substantivas — passagens, educação ousaúde — é necessário. Mas avança pouco. Ruge uma insatisfação com o

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monopólio das máquinas partidárias da atual democracia representativa queouve o eleitor, controladamente, a sotto voce apenas de quatro em quatro anos.Mas a internet não permite mais este monopólio.

Reforma política apenas como reforma da democracia representativa serámais do mesmo. A Constituição estimula a democracia concomitante:representativa, direta e participativa. O desafio é reuni-las. Praticar melhor aConstituição.

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Sábado • 22 de junho • 2013

O QUE VEM DEPOIS DA QUEDA DATARIFA?

Luiz Eduardo Soares

Há uma semana escrevi sobre o movimento pelo “passe livre”, chamando aatenção para o fato de que o novo surpreende e assusta, porque rompe aestabilidade das expectativas, coloca em xeque nossos esquemas cognitivos,revela a precariedade da ordem social e evoca o espectro de nossa finitude.Somos levados a reconhecer que não apenas a vida humana é frágil como aquiloque chamamos “realidade” é débil e movediço. Por isso, o desconhecido tendea suscitar em nós reações defensivas e explicações que funcionam como aconfirmação do que já se sabe — ou se supõe saber. Se o propósito é conhecer,devemos buscar, com humildade, a compreensão autorreflexiva e adesnaturalização das descrições correntes. Até porque todo esforço deentendimento é também ação política.

Na sequência, expus o que sabia e, mais importante, formulei perguntas sobreo que não sabia. Descrevi as cadeias metonímicas que conectam questõesconjunturais a dilemas estruturais — as desigualdades como pano de fundo —,e analisei o diálogo tácito do movimento com o imaginário global e ovocabulário das ocupações, formando uma espécie de hipertexto virtual, tecidopor citações recíprocas. Finalmente, concluí com otimismo: “A força damultidão foi reencontrada por jovens e cidadãos que passam perto e se deixamatrair pelo magnetismo de um pertencimento precário, provisório, sem rosto,mas com alma. Que alma tem o movimento? Sim, intuo, suponho, sinto que eletem alma, isto é, uma unidade toda sua — não verbalizada — e umapersonalidade. Intuo que esta alma não seja aquela que se derivaria — como onegativo ou o avesso — de uma comparação com o que sabemos: não sendo, omovimento, organizado ao modo antigo, deduzir-se-ia que seria inorgânico; nãotendo uma plataforma clara e uma visão compartilhada que incorporasse as

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mediações, deduzir-se-ia que seria irracional, despolitizado, quando nãoselvagem. (...) Há no movimento magnetismo, há conexão metonímica comquestões centrais para o Brasil e o mundo, há um diálogo tácito, consciente einconsciente, com a humanidade em escala planetária, com nossa memóriasocial e com a tradição de nossa cultura política. (...) De nossa parte, osanciãos e os governantes, autorreferidos e inseguros, ameaçados em nossosesquemas cognitivos e práticos, caberia escutar, acompanhar, respeitar, repelira violência policial (e qualquer outra), admitir nossa ignorância, e considerar ahipótese de que algo novo esteja surgindo e essa novidade talvez seja virtuosa erepublicana, quem sabe a reinvenção da política democrática. Talvez a melhorforma de escutar seja unir-se ao coro, na rua. Para (re)aprender a falar”.

Fiz o que sugeri: uni-me ao coro na rua. Haveria muito a dizer, mas não queroocupar o espaço com o depoimento do velho peregrino, percorrendo a RioBranco acossado por memórias de outras jornadas. Prometo poupá-los do tomconfessional. Entretanto, antes de mudar o canal, mantenho a primeira pessoapara compartilhar o que vi, assombrado e comovido. Assisti a uma cenainverossímil: lado a lado, 100 mil pessoas em festa celebravam o estar ali eevocavam o que ainda não é, enquanto, silenciosa e inadvertidamente,sepultavam o que havia sido, seguindo o doloroso cortejo no funeral do PT.

A imagem dupla — épica no lado A, trágica no verso — me ocorreu pela viados cinco sentidos e da emoção, mas firmou-se analiticamente. Era isso mesmo.O argumento é simples: a maioria dos presentes era estudante. A UNE esteve lá,bem no centro da praça, no meio da festa, sob a forma de uma ausênciafulgurante e um silêncio estridente, preenchidos pelo protagonismo emergentedos jovens indignados. O novo personagem coletivo nasceu sobre os despojosda entidade, descaracterizada pela cooptação dos governos petistas e peloaparelhismo do PCdoB. E onde estavam tantos outros personagens coletivos denossa dramaturgia política popular e democrática? Muitos deles trocaram aautonomia pelas benesses do poder, sem perceber que a cooptação esteriliza. Opreço dos privilégios é a impotência.

Ao PT que venceu, o país deve muito. Os governos Lula, e mesmo Dilma,

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ficarão na História como marcos fundamentais na redução das desigualdades.Contudo, quais têm sido suas contribuições para o aprimoramento dademocracia e para a mudança das relações entre Estado e sociedade, governose movimentos sociais?

Pode-se ostentar a arrogância tecnocrática e abraçar Maluf, porque os finssempre justificariam os meios? Os apologistas petistas do pragmatismoilimitado não se deram conta de que os meios são os fins, quando a perspectivaadotada é a confiança da sociedade no Estado, em especial a credibilidade doinstituto da representação. Hoje, tantos que acreditaram na dignidade dapolítica vagam sem norte como zumbis da desilusão. E a juventude procura umcaminho para chamar de seu. São dez anos de PT no poder: uma geração não oconheceu na oposição e não sabe o que é um grande partido de massas, nãocooptado, comprometido com as causas populares e democráticas, entre elas ecom destaque a reinvenção da representação política e a confiança naparticipação da sociedade como antídoto ao autoritarismo tecnocrático. Pormais que se façam críticas pertinentes à forma partido, é indiscutível suaimportância na transmissão de experiências acumuladas e na formação damilitância. Até a linguagem das massas nas ruas tem sua gramática. Aespontaneidade é a energia, mas a organização a potencializa e canaliza.

No momento em que emerge o novo protagonismo, com compreensível masperigosa repulsa por tudo o que de longe soe a partido, deparamo-nos com ovácuo oceânico produzido pelo esvaziamento do PT como agente políticoindependente, esvaziamento por sua vez provocado pela sobreposição entreEstado, governo e partido.

O Movimento pelo Passe Livre declarou à nação que o rei está nu, proclamouem praça pública que a representação parlamentar ruiu, depois que, capturadapelo mercado de votos, resignou-se a reproduzir mandatos em série, comobscena mediocridade, sem qualquer compromisso com o interesse público,exibindo o mais escandaloso desprezo pela opinião pública. O colapso darepresentação vem ocorrendo sem que as lideranças deem mostras decompreender a magnitude do abismo que se abriu — e aprofunda-se,

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celeremente — entre a institucionalidade política e o sentimento da maioria. Asdenúncias de corrupção se sucedem, endossando a visão negativa que,injustamente, mas compreensivelmente, generaliza-se.

E o futuro? O movimento omnibus tem diante de si os mais variados cenários,e outros a inventar. Seu destino provavelmente dependerá de sua capacidade dediferenciar a crítica política da crítica à política, e de não confundir a rejeiçãoao atual sistema político-eleitoral, e partidário, com uma recusa da própriademocracia, em qualquer formato. Essas distinções provocarão divisõesinternas profundas e inconciliáveis, que já estão aflorando. Toda essa magníficaenergia fluirá para o ralo do ceticismo, abrindo mais um ciclo de apatia? Aindignação encontrará traduções autoritárias e ultraconservadoras? Múltiplosafluentes seguirão cursos inauditos, nos surpreendendo com sua criatividade emudando o país, no âmbito da democracia? As respostas não dependem só domovimento, mas também dos que não têm participado e das liderançasgovernamentais e parlamentares.

E as polícias? O debate sobre a desmilitarização está posto. É urgente incluirna agenda a refundação do modelo policial brasileiro, para estender àsegurança pública a transição democrática. Polícia é tema decisivo. Se orelacionamento entre a sociedade e o Estado está no epicentro do movimento,as polícias também estão. Afinal, o policial uniformizado na esquina é a facemais tangível do Estado para a maior parte da população. Não haverádemocracia enquanto o Brasil for campeão da brutalidade policial contranegros e pobres.

Luiz Eduardo Soares é antropólogo, escritor, professor da UERJ

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Terça-feira • 25 de junho • 2013

A CARTADA DE DILMAPresidente propõe pacto nacional e plebiscito sobre Constituinte para reforma política

Catarina Alencastro e Luiza Damé

Para tentar dar uma resposta aos protestos que avançam pelo país, a presidenteDilma Rousseff reuniu, no dia 24 de junho, os 27 governadores e 26 prefeitosde capitais no Palácio do Planalto e propôs um pacto nacional em torno decinco pontos que vêm sendo expostos pelas manifestações de ruas. São pactospela responsabilidade fiscal, pela reforma política, pela Saúde, pela Educaçãoe pelo transporte público. Todas as propostas nessas áreas ainda serãodefinidas em grupos de trabalho formados por representantes das três esferas degoverno.

A principal iniciativa defendida pela presidente, no entanto, foi o debatesobre a realização de plebiscito para convocar uma Constituinte específica parafazer a reforma política. Proposta essa que provocou as mais fortes reaçõesnegativas tanto no mundo político como no jurídico. Entre os políticos, aimpressão majoritária, principalmente entre os membros da oposição, é queessa é uma prerrogativa exclusiva do Congresso. Entre os juristas, oentendimento é que não se pode fazer uma Constituinte para discutir um únicotema.

— Quero, neste momento, propor o debate sobre a convocação de umplebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinteespecífico para fazer a reforma política de que o país tanto necessita. O Brasilestá maduro para avançar e já deixou claro que não quer ficar parado onde está— disse Dilma na abertura da reunião.

A agenda do dia seguinte previa encontros de Dilma com os presidentes doSupremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e do Senado, Renan Calheiros,prosseguindo em seu objetivo de conversar com todos os poderes. Ela tambémreceberá trabalhadores sem-teto e o Periferia Ativa, grupo que fará protesto

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hoje, a partir das 7h, em São Paulo.

DATAS PARA O PLEBISCITO

Ao final da reunião, o ex-senador e ministro da Educação, AloizioMercadante, explicou que a proposta do plebiscito será encaminhada aoCongresso em breve, mas ainda será elaborada pelo Planalto, em parceria comgovernadores e prefeitos. O ministro falou até em datas possíveis para suarealização: 7 de setembro e 15 de novembro deste ano — o que é praticamenteimpossível, já que o plebiscito ainda precisa ser aprovado pelo Congresso, edepois a campanha e eleição serem organizadas pela Justiça Eleitoral, o quenormalmente leva meses.

O governo defende a Constituinte exclusiva, segundo Mercadante, porquefacilita o processo de votação, já que não exige quorum qualificado de trêsquintos da Câmara e do Senado, em dois turnos, para aprovar as mudançasprevistas. A presidente disse que a refforma política “já entrou e saiu da pauta”e defendeu a ampliação da participação popular.

— Em última instância, quem vai resolver é o Congresso, que tem mandatopara isso. Quem marca data, quem autoriza o plebiscito é o Congresso — disseMercadante.

Dentro do que chamou de pacto pela reforma política, a presidente sugere quehaja

uma nova classificação para a corrupção, equiparando-a a crime hediondo,com punições bem mais severas que as atuais:

— Devemos também dar prioridade ao combate à corrupção, de forma aindamais contundente do que já vem sendo feito em todas as esferas. Nesse sentido,uma iniciativa fundamental é uma nova legislação que classifique a corrupçãodolosa como equivalente a crime hediondo, com penas severas, muito maisseveras.

Com relação à mobilidade urbana, bandeira que desencadeou a onda deprotestos pelo país, Dilma prometeu ampliar as desonerações da União dos

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impostos PIS/Cofins para o diesel e disse que investirá mais R$ 50 bilhões,dinheiro que virá do Tesouro Nacional, do Orçamento da União e definanciamentos, em obras de mobilidade urbana, com prioridade para metrôs. Oministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, disse após a reunião que o governovai acelerar a aplicação de outros R$ 88,9 bilhões, já previstos no Orçamento,em obras urbanas. Dilma quer ampliar a participação do povo nas decisões dosetor, criando o Conselho Nacional do Transporte Público, com votos dasociedade civil e de usuários de ônibus e metrôs.

RECADO PARA ENTIDADES MÉDICAS

O terceiro pacto, pela saúde pública, prevê a contratação de médicosestrangeiros, como medida emergencial, e a construção de hospitais e unidadesde saúde básica, além da abertura de 11,4 mil novas vagas para cursos degraduação de médicos e mais de 12,4 mil para médicos residentes. E mandouum recado para as entidades médicas, que criticam a contratação deestrangeiros:

— Não se trata, nem de longe, de uma medida hostil ou desrespeitosa aosnossos profissionais. Trata-se de uma ação emergencial, localizada, tendo emvista a grande dificuldade que estamos enfrentando de encontrar médicos emnúmero suficiente ou com disposição para trabalhar nas áreas mais remotas dopaís ou nas zonas mais pobres das nossas grandes cidades. Sempreofereceremos primeiro aos médicos brasileiros as vagas a serem preenchidas.

Já o pacote educacional anunciado tem como ponto principal a destinação de100% dos royalties do petróleo para o setor, proposta que depende daaprovação do Congresso. Dilma disse também que haverá investimentos naformação de educadores e mais escolas, da creche aos ensinosprofissionalizante e superior. Quando anunciou o pacto pela responsabilidadefiscal, o primeiro da lista, Dilma não apresentou qualquer medida concreta,apenas disse que o combate à inflação e a estabilidade econômica são um“pacto perene” de todos.

— Junto com a população, podemos resolver grandes problemas. Não há por

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que ficarmos inertes, acomodados ou divididos. Por isso eu trago propostasconcretas e disposição política para construirmos pelo menos cinco pactos emfavor do Brasil — afirmou Dilma.

Prefeitos e governadores que estiveram com a presidente demonstrarampreocupação com as manifestações, e o sentimento geral é que haverá novosprotestos. Alguns estavam preocupados com o resultado da reunião e nãoqueriam criar uma expectativa muito grande na sociedade, com medo de maisprotestos. Todos se sentiram atingidos pelas manifestações. Falaram cincogovernadores — Geraldo Alckmin (SP), Eduardo Campos (PE), RaimundoColombo (SC), Omar Aziz (AM) e André Puccinelli (MS) — e o prefeito dePorto Alegre, José Fortunati. Houve críticas ao Judiciário, que interfere naexecução de obras e projetos, por meio de liminares, e judicializa a saúde, bemcomo aos órgãos de controle e ao Ministério Público.

OS CINCO PACTOS PROPOSTOS POR DILMA

1º PACTO • Pela responsabilidade fiscal, para garantir estabilidade daeconomia e o controle da inflação. Seria um pacto perene entre todos os entesda Federação.

2º PACTO • Construção de ampla e profunda reforma política, por meio deuma Constituinte específica para fazer mudanças no sistema político. Combatera corrupção de forma mais contundente e aprovar nova legislação paraclassificar o crime de corrupção como hediondo, com penas mais severas.

3º PACTO • Pela saúde pública, com contratação de médicos estrangeiroscomo medida emergencial; construção de novas unidades de saúde básica eabertura, até 2017, de 11.447 novas vagas para graduação em Medicina e12.376 vagas em residência.

4º PACTO • Mobilidade urbana e transporte. Ampliar as desonerações daUnião (PIS/Cofins) para óleo diesel. É necessária a contrapartida de estados emunicípios. Promessa de mais R$ 50 bilhões em investimentos para obras demobilidade urbana, com prioridade para metrôs.

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5º PACTO • Da educação pública, com investimentos na formação deeducadores e mais escolas, da creche aos ensinos profissionalizante e superior.Aprovar 100% dos royalties do petróleo e 50% dos roylaties do pré-sal paraeducação — dos recursos da União, dos estados e dos municípios.

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Quarta-feira • 26 de junho • 2013

BARBOSA DEFENDE ‘RECALL’ PARAPOLÍTICOSSociedade teria o direito de expulsar autoridades que não fizerem jus aos mandatos e a elegernovo ocupante

Carolina Brígido

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa,defendeu o “recall” para políticos — um mecanismo pelo qual os eleitoresfiscalizariam os atos dos eleitos. Se as autoridades não fizerem jus aosmandatos, a sociedade teria o direito de expulsar o político do cargo e elegernovo ocupante. O ministro deu a

declaração em entrevista concedida após reunir-se, em 25 de junho, com apresidente Dilma Rousseff, a quem sugeriu propostas para resolver o que chamade “crise grave de representação política” no país. Ele criticou a atuação dospartidos no Brasil e defendeu maior participação popular na vida pública.

— Não falei para a presidente, mas acho que seria medida adequada à nossarealidade adotar a possibilidade do “recall”. A pessoa é eleita, havendo apossibilidade de o mandato ser revogado por quem a elegeu, ou seja, ospróprios eleitores. Medida como essa tem o efeito muito claro de criar umaidentificação entre o eleito e eleitorado, impor ao eleito responsabilidade paracom quem o elegeu. (Isso) falta ao sistema político brasileiro, especialmente narepresentação dos órgãos legislativos — afirmou.

Para Barbosa, os partidos brasileiros deveriam participar menos da vidapolítica, dando lugar à voz direta do povo. Nesse contexto, ele louvou oplebiscito sugerido por Dilma.

— Disse (à presidente), e eu como cidadão penso assim, que há uma vontadedo povo brasileiro, especialmente os mais esclarecidos, de diminuir ou demitigar, e não de suprimir, o peso da influência dos partidos sobre a vidapolítica do país e sobre os cidadãos. Essa me parece ser uma questão-chave em

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tudo o que vem ocorrendo no Brasil hoje. Eu sei muito bem que nenhumademocracia vive sem partidos. Mas há formas de mitigar essa influência, deintroduzir pitadas de vontade popular, de consulta direta à população — disse.

Perguntado sobre as medidas propostas por Dilma, que recebeu críticas desetores do Judiciário, Barbosa demonstrou seu apoio à presidente:

— A ideia dela coincide com a minha. Nós temos, sim, de trazer o povo paraa discussão, e não continuarmos com essa tradição de conchavos de cúpula. Oque se espera dos poderes públicos são soluções, e não discussões estéreissobre questões puramente doutrinárias. A sociedade quer respostas rápidas.Esses leguleios típicos do microcosmo jurídico brasileiro, em geral semcorrespondência na realidade social, sem olhar o mundo que nos cerca, não têmimportância.

Barbosa afirmou que todas as grandes mudanças do país foram promovidaspelas elites, sem a participação popular. O ministro citou como exemplos aIndependência do Brasil e a Proclamação da República.

— Há necessidade no Brasil de incluir o povo nas discussões sobre reforma.O Brasil está cansado de reformas de cúpula. Todos os momentos cruciaistiveram decisões de cúpula. A Independência foi um conchavo de elites, aRepública foi um movimento do qual o povo esteve totalmente excluído. O quese quer hoje no Brasil é o povo participando das decisões. — declarou.

Perguntado sobre pesquisas recentes de intenção de voto nas quais élembrado para ocupar a Presidência da República, Barbosa disse que não temintenções de entrar na vida política, apesar de ter se sentido lisonjeado.

— Eu não tenho a menor vontade de me lançar a presidente da República. Eutenho quase 41 anos de vida pública. Está chegando a hora, chega — disse.

Barbosa afirmou que as manifestações das ruas podem influir para que o STFdê uma resposta mais rápida ao julgamento dos recursos dos réus condenadosno processo do mensalão, programado para agosto.

— Se os movimentos persistirem, acredito que vão interferir no sentido de

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darmos resposta rápida. Essa resposta já tenho há algum tempo, deixei claroque embargos serão julgados em algum momento de agosto — declarou.

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Quarta-feira • 26 de junho • 2013

APÓS MANIFESTAÇÕES, CÂMARA REJEITAPEC 37 POR 430 VOTOS A 9Partidos que já tinham se declarado favoráveis mudaram de posição

Evandro Éboli

Sob pressão das manifestações de rua, a Câmara dos Deputados rejeitou, no dia25 de junho, a proposta de emenda constitucional que restringia o poder deinvestigação do Ministério Público. Numa reviravolta do cenário político, compartidos até então favoráveis à medida mudando de posição, 430 deputadosvotaram contra a PEC 37. Apenas nove foram a favor, e dois se abstiveram.

— Está derrotada a proposta de emenda constitucional por quaseunanimidade desta Casa. Vai para o arquivo! — anunciou o presidente daCâmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Os nove que votaram a favor do projeto e contra as manifestações popularesforam: Abelardo Lupion (DEM-PR), Mendonça Prado (DEM-SE), BernadoSantana (PR-MG), Valdemar Costa Neto (PR-SP), Eliene Lima (PSD-MT),João Lyra (PSD-AL), João Campos (PSDB-GO), Sérgio Guerra (PSDB-PE) eLourival Mendes (PTdoB-MA). Sérgio Guerra, ex-presidente do PSDB, disseter errado o voto. Mas não pediu correção, como os deputados costumam fazer.

Antes de os protestos começarem, nem a comissão especial criada paradiscutir o tema havia conseguido chegar a um acordo. A votação foi antecipadapara ontem depois de o presidente da Câmara negociar com os líderes dospartidos. Em meio a gritos da galeria, cheia de promotores e procuradores,Alves deu o tom de como a Câmara deveria votar:

— Quero dizer que todo o país está acompanhando esta votação. E seriamuito importante, neste momento, um ato de unanimidade para derrotar essaPEC.

Logo cedo, ele já havia anunciado que colocaria o tema na pauta com o

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desejo de derrotá-lo. Inicialmente resistente, o PT anunciou ontem à noite quevotaria contra a PEC 37. O líder do PT, José Guimarães (CE), chegou a afirmarser favorável apenas à retirada da votação neste momento. O partido é o maisincomodado com a atuação de alguns integrantes do Ministério Público.

Para acelerar a apreciação do tema, o presidente da Câmara inverteu a ordemde votação. Às 20h, abriu sessão extraordinária apenas para votar a PEC. Um aum, os líderes dos partidos iam ao microfone dizer que estavam contra aemenda. A bancada do PSD, dividida, havia decidido liberar seusparlamentares para votar como desejassem. Na hora, o partido anunciou quetinha fechado questão contra a PEC. O PTB fez o mesmo. Com boa parte dospolíticos declarando oposição à proposta, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP)subiu à tribuna e ironizou os colegas:

— Quando a Comissão de Constituição e Justiça votou isso, a maioria era afavor. Agora, com a pressão das ruas, mudaram de opinião.

Henrique Alves saiu em defesa dos partidos:

— Estamos aqui votando porque houve um acordo de todos os líderes.

— Hoje, estamos aqui homenageando as ruas, por isso o governo orienta avotação contrária à PEC — disse o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

O líder do PSDB, Carlos Sampaio (PR), promotor de carreira, subiu àtribuna para dizer que a categoria é defensora da Justiça e não simplesacusadora de crimes. O dia foi de mobilização de promotores. Dezenas deles seespalharam pela Câmara e abordaram os parlamentares. Depois, encheram asgalerias do plenário e gritaram:

— Rejeita, rejeita!

O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles foi um dos quecircularam em busca de apoio à rejeição.

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Quarta-feira • 26 de junho • 2013

CÂMARA APROVA 75% DOS ROYALTIESPARA EDUCAÇÃO E 25% PARA SAÚDEMEC critica acordo para mudanças no texto; Dilma pode vetar artigos

Cristiane Jungblut

Contrariando a intenção manifestada pela presidente Dilma Rousseff de destinar100% dos recursos dos royalties do petróleo para a Educação, a Câmara dosDeputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira, 26 de junho, proposta queobriga a destinação de 75% dessas receitas à Educação, e os restantes 25%,para a Saúde. Além disso, o projeto aprovado criou um gatilho que vincula aaplicação de 50% dos recursos do Fundo Social (criado com as novas regrasde exploração do pré-sal) ao cumprimento da meta de investir 10% do PIB emEducação, prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). O projeto agora teráde ser aprovado pelo Senado.

A proposta original da presidente Dilma destinava à Educação apenas osrendimentos de 50% do Fundo Social. Com a mudança do texto na Câmara, osvalores vão subir consideravelmente. O autor do novo texto é o líder do PDT,deputado André Figueiredo (CE). Ele disse acreditar que as mudanças trarãomais cerca de R$ 280 bilhões para as áreas de Educação e Saúde. A propostaoriginal do governo previa mais R$ 25,8 bilhões em dez anos.

Apesar de o projeto ter sido aprovado em votação simbólica, o líder dogoverno na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), avisou que o Planaltonão tem compromisso com as mudanças no texto, sinalizando que Dilma poderávetar alguns trechos.

— O governo não tem nenhum compromisso. Queremos 100% para aEducação — disse Chinaglia.

Os novos percentuais de destinação dos royalties foram negociados entre ospartidos governistas e a oposição. No caso do Fundo Social, a proposta prevê

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que serão destinados à Educação 50% dos recursos do fundo, que foi criadocom as regras de exploração do pré-sal. Esta é uma mudança substancial notexto da presidente Dilma, que previa a destinação apenas dos rendimentos doFundo Social, ou seja, um valor bem menor.

Pelo novo texto, os 50% dos recursos do Fundo Social serão destinados àEducação até que seja cumprida a meta de investimentos de 7% do PIB emEducação, em cinco anos, e de 10% do PIB, em dez anos. Essas metas constamdo PNE, que foi aprovado na Câmara e que está em tramitação no Senado. Ogoverno é contra essas metas.

Outra mudança aprovada na Câmara foi no tipo de contrato. No primeiroartigo, o projeto prevê que serão destinadas a Educação e Saúde as receitasprovenientes dos royalties relativos a áreas cuja declaração de comercialidadetenha ocorrido a partir de 3 de dezembro de 2012, referentes a contratoscelebrados sob os regimes de concessão e de partilha de produção. O projetosobre a destinação dos recursos dos royalties foi enviado ao Congresso porDilma com urgência constitucional e anunciado com pompa pelo governo.

Os parlamentares sustentaram que a Saúde também precisa se recursos, e nãoapenas a área da Educação. Nos bastidores, os líderes governistas concordaramcom a nova divisão dos percentuais, já que havia o risco de o projeto dogoverno ser derrotado, sendo aprovado um substitutivo que daria maisproblemas ao governo.

A proposta de investimentos também em Saúde foi apresentada formalmentepelo líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), mas teve o apoio delíderes da base aliada, como o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Abancada da Saúde tem até mais peso na Câmara que a da Educação.

Assessores do Ministério da Educação criticaram o acordo sobre o novotexto. A avaliação é que o item mais preocupante é justamente a mudança nadestinação do Fundo Social, ao fazer a vinculação às metas do PNE.

O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN),

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chegou a negociar o cancelamento da votação, com a retirada da urgênciaconstitucional, para votar primeiro um projeto sobre critérios de repasse doFundo de Participação dos Estados (FPE). Mas o próprio PT fez um acordo emtorno do novo texto, derrubando a estratégia de Alves.

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Quarta-feira • 26 de junho • 2013

CÂMARA DO RIO FARÁ CPI DE EMPRESASDE ÔNIBUSPrefeitura apresenta planilhas e diz que lucro das transportadoras foi de R$ 69,4 milhões em2012

Luiz Ernesto Magalhães e Ruben Berta

No mesmo dia em que o prefeito Eduardo Paes convocou uma entrevistacoletiva para apresentar números do sistema de ônibus do Rio, a Câmara dosVereadores deu um passo importante para investigar as empresas que dominamo setor. Com 27 assinaturas, o vereador Eliomar Coelho (PSOL) conseguiuprotocolar, em 25 de junho, o pedido de abertura de uma Comissão Parlamentarde Inquérito (CPI) dos Ônibus. Como a solicitação ainda precisa ser analisadapela Mesa Diretora, os trabalhos só começarão mesmo em agosto, já que emuma semana começa o recesso de meio de ano da Casa. O governo terá maioriana CPI: dos cinco membros, no mínimo três serão do bloco de Paes. O próprioEliomar não tem a garantia de que será relator ou presidente da comissão.

Em uma apresentação feita à tarde, denominada “Pacto pela transparência dostransportes”, a prefeitura, enfim, abriu a planilha de custos dos quatroconsórcios que dominam o sistema no Rio. Mas somente à noite foramfornecidos dados sobre o lucro líquido de 2012: R$ 69,4 milhões, o equivalentea 3% do faturamento.

O maior rendimento foi o do consórcio Internorte (R$ 26,9 milhões), queopera as linhas da Zona Norte, onde os coletivos vivem superlotados. O menorfoi o do Intersul (R$ 5,8 milhões), que opera na Zona Sul, onde há mais ônibusnas ruas. O consórcio Transcarioca, responsável por Barra, Recreio eJacarepaguá, também lucrou R$ 26,9

milhões, e o Santa Cruz, que cobre o restante da Zona Oeste, R$ 10,1milhões. Nessa conta não estão computadas receitas acessórias, comopublicidade em coletivos ou venda de espaços comerciais.

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Apesar de ter admitido, na semana passada, que poderia subsidiar a tarifa deR$ 2,75 (após a revogação do aumento de R$ 0,20), o prefeito ontem voltouatrás. Ele descartou a

possibilidade de subsídio e disse que o caminho será buscar formas para queos consórcios ganhem em produtividade, dando como exemplo a aceleração doprojeto de corredores expressos.

Os dados de transparência da prefeitura ainda geram dúvidas. O cálculo tomacomo base a premissa de que as empresas precisaram investir R$ 623,8milhões em 2010 para operar o sistema, incluindo veículos, equipamentos deapoio e garagens. Mas, na prática, isso não aconteceu: os consórcios sãoformados pelas mesmas empresas que já prestavam serviços antes da licitação.O professor de finanças da FGV Samy Dana argumentou que, para se chegar aoreal lucro das empresas, é preciso um detalhamento maior dos números:

— As empresas costumam superestimar seus investimentos. Há aindaquestões nebulosas, como as despesas administrativas. A remuneração de umdiretor, por exemplo, pode distorcer esse número. Outra coisa que chama aatenção é o fato de o lucro ter sido de somente 3% na média, abaixo da TaxaSelic (atualmente em 8%).

As medidas anunciadas por Paes incluem a criação de um ConselhoMunicipal de Transportes, com representantes da prefeitura e da sociedadecivil, para discutir a política do setor. O conselho, porém, será meramenteconsultivo. Os consórcios terão de contratar uma auditoria de empresaconhecida internacionalmente e apresentar os dados até novembro.

Antes de fazer a apresentação dos números para a imprensa, ontem de manhã,o prefeito esteve com o presidente da Câmara, Jorge Felippe (PMDB), eliberou os vereadores da base para assinar o requerimento da CPI. O temor doprefeito era que uma eventual derrubada da comissão pudesse trazer um fortedesgaste político na atual conjuntura de protestos no Rio e em todo o país. Eramnecessárias 17 assinaturas, e acabou havendo vereadores de sobra: 27. Atranquilidade do governo em relação à comissão pode ser explicada pelo fato

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de que ele terá maioria na CPI. A proporção pode ser de quatro para um, ou detrês para dois, caso DEM, PSDB e PR se reúnam em um bloco. O prazo para aduração dos trabalhos será de 90 dias, prorrogáveis por 45.

— Temos um roteiro pronto para investigar as empresas — garantiu EliomarCoelho.

O curioso é que o presidente da Comissão de Transportes da Câmara,Sebastião Ferraz (PMDB), não só não assinou o requerimento como não foivisto no plenário da Casa.

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Quarta-feira • 26 de junho • 2013

O COMISSARIADO QUER TUNGAR ORONCO

Elio Gaspari

A proposta escalafobética da doutora Dilma de convocar uma Constituinteexclusiva para decidir uma reforma política foi coisa de um governo que achaque pode tudo, mesmo não sabendo nada. Seu objetivo é tungar o ronco dasruas. Ao tratar das tarifas de transportes públicos propondo um Plano Nacionalde Mobilidade Urbana, a doutora falou no dialeto de comissários que empulhama rua com eventos. Falando em reforma política, fala de nada.

Ganha um mês em Pyongyang quem souber como um plebiscito poderialegitimar uma discussão que não se sabe como começa nem como termina.Hoje, há apenas uma insistente proposta de reforma do sistema eleitoral, vindado PT, sucessivamente rejeitada pelo Congresso.

São dois os seus tendões. Um é o financiamento público das campanhas. Emtese, nenhum dinheiro privado iria para os candidatos. Só o público, seu, nosso.A maior fatia iria para o PT. Quem acredita que esse sistema acabaria com oscaixas dois tem motivo para ficar feliz. Para quem não acredita, lá vem tunga.Seria mais lógico proibir as doações de empresas. O Congresso pode decidirque quem quiser dar dinheiro a candidatos deverá tirá-lo do próprio bolso enão mais das empresas, que o buscam de volta nos preços de seus produtos.

O segundo tendão é a criação do voto de lista. Hoje, o voto de um cidadãoem Delfim Netto vai para a cumbuca do partido e acaba elegendo MichelTemer. Tiririca teve 1,3 milhão de votos e alavancou a eleição de trêsdeputados, um deles petista, com apenas 93 mil votos.

Pelo sonho do comissariado, os partidos organizariam listas, e os votos que asigla recebesse seriam entregues aos candidatos, na ordem em que foramarrolados pelos mandarins. Em poucas palavras: os eleitores perdem o direito

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de escolher o candidato em quem querem votar, e as cúpulas partidáriasdefinem a composição das bancadas. (O sujeito que votou em Delfim elegeuTemer, mas em Delfim votou.) Uma proposta sensata de emenda constitucionalveio exatamente de Michel Temer: cada estado torna-se um distritão, e sãoeleitos os mais votados, independentemente do partido. Tiririca se elege, masnão carrega ninguém consigo.

O comissariado queria contornar a exigência de três quintos do Congresso(357 votos em 594) necessários para reformar a Carta. Numa Constituinte, asmudanças passariam por maioria absoluta (298 votos). Esse truque some com59 votos, favorecendo quem? A base governista.

Todas as Constituintes brasileiras derivaram de um rompimento da ordeminstitucional. Em 1823, com a Independência. Em 1891, pela proclamação daRepública. Em 1932, pela Revolução de 30. Em 1946, pelo fim do EstadoNovo. Em 1988, pelo colapso da ditadura. Hoje, a ordem institucional vai bem,obrigado. O que a rua contesta é a blindagem da corrupção eleitoral eadministrativa. Disso o comissariado não quer falar.

Há um século o historiador Capistrano de Abreu propôs a mais sucintaConstituição para Pindorama:

“Artigo 1º. Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.

Artigo 2º. Revogam-se as disposições em contrário.”

Na hora em que a rua perdeu a vergonha de gritar, a doutora diz que oproblema e sua solução estão noutro lugar.

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Quinta-feira • 27 de junho • 2013

RITMO DE PLEBISCITO EM TEMPO REAL

Sergio Fadul • 'O GLOBO A MAIS'

A reforma política que de fato o povo está pedindo nas ruas já começou a serfeita. Não há roda em Brasília em que não se comente com tom de surpresacomo de uma hora para outra as coisas começaram a acontecer. O Executivoestá executando, o Legislativo, legislando e o Judiciário, antes mesmo que aturma chegue às suas portas, já dá sinais, via Suprema Corte, de que voltará aexercer seu papel, de forma mais alinhada com o que a sociedade deseja. Soasimples, mas o grito das pessoas e dos cartazes de cartolina é mais transportede qualidade, mais educação, mais saúde e menos, muito menos, corrupção.

Ninguém clamou pelo voto em lista ou pelo financiamento misto. Claro que areforma política é essencial e inevitável diante de um sistema totalmenteviciado e corrompido em que se transformou o modo de fazer política no país.Tornar corrupção crime hediondo, cancelar reajuste de tarifas de um transportecoletivo que trata as pessoas como sardinhas em lata, criar uma vinculaçãodireta entre uma fonte de receita e investimentos em Educação e Saúde, mandarprender quem roubou dinheiro público, acabar com os mecanismos deautoproteção e compadrio no Congresso e outras demandas constituem umaverdadeira reforma, feita sem plebiscito nem referendo. A questão é se amensagem foi entendida e as coisas vão continuar acontecendo ou se as ruasprecisarão continuar em ritmo de plebiscito em tempo real.

Propostas confusas e com objetivos difusos, como a PEC 37, que retiravapoderes de investigação do Ministério Público, começaram a cair do pé comofruta podre. A PEC 37 foi derrubada com 430 votos, num quórum de 441presentes, com discursos indignados na linha de como alguém ousou propor umabsurdo como aquele. Os mesmo que 15 dias atrás vendiam inúmerasdificuldades para resolver o impasse em torno da PEC 37.

As ruas jogaram uma bomba de efeito moral dentro dos castelos dos

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governantes.

Ninguém mais aceita um sistema no qual os partidos se transformaram emempresas, em que o processo eleitoral virou um balcão de negociação em tornode segundos na televisão e em que as alianças políticas são feitas em torno deinteresses particulares e não de ideais ou programas. Os políticos é quedeveriam resolver esses absurdos. O que não se pode mais é usar isso comodesculpa para que serviços públicos básicos sejam dados como favor e nãocomo direito.

Outra constatação que observadores têm feito sobre o ritmo frenético comque as coisas passaram a acontecer em torno da Praça dos Três Poderes emBrasília é que entre os líderes que ocupam dois daqueles prédios, a presidenteda República, Dilma Rousseff, e o presidente do Supremo Tribunal Federal(STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Joaquim Barbosa, mostram, ouprocuram demonstrar, e não é de agora, total desprendimento com o chamadoespírito de corpo, ou de corporativismo.

A presidente Dilma sempre trabalhou e foi vista com a imagem de uma nãopolítica, pelo menos como uma não política convencional. Foi e continua sendomuito criticada por isso, com o mundo político apontando essa característicacomo uma tremenda falha na sua formação. Nunca tinha sido candidata nemocupado qualquer cargo eletivo antes e foi escolhida pelo ex-presidente parasuceder-lhe como a grande gestora que colocaria o país em ordem. Não temjogo de cintura, não dialoga e atua na linha de que esse pessoal dos malfeitosnão me representa e eu não os represento. Nos últimos dias, o que se implantouno Palácio do Planalto foi uma política de portas abertas a todos. Até aoposição foi convidada para encontros.

Já o presidente Joaquim Barbosa conduziu o julgamento da Ação Penal 470, ado mensalão, sem qualquer condescendência com o capitão do time do primeirogoverno Lula, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, e com os outros38 réus, entre eles a antiga cúpula do PT, incluído aí o ex-presidente da Câmarados Deputados João Paulo Cunha, e presidentes de outros partidos políticos.

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Todos integram a lista final dos 25 condenados pelo Supremo.

No comando do CNJ, Joaquim passou a expor sua posição extremamentecrítica a respeito de parte da magistratura e de algumas práticas do Judiciárioque preside. Entre as afirmações que já fez publicamente, Joaquim afirmou: “Hámuito (juízes) para colocar para fora. Esse conluio entre juízes e advogados é oque há de mais pernicioso. Nós sabemos que há decisões graciosas,condescendentes e fora das regras”. Não por menos, na entrevista que deu nestasemana, Joaquim fez questão de pontuar que era uma voz minoritária noJudiciário e que as posições dele eram críticas a determinadas posturasconsideradas aceitáveis no poder que preside.

Os políticos profissionais passaram a se mexer, e os que antes não faziampolítica estão sendo obrigados a fazê-la, o que pode injetar novos conceitos epadrões. A reforma não pode parar. Se ela ainda não foi feita na forma, na açãojá está acontecendo.

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CAPÍTULO 4 FUTEBOL E POLÍTICA

Domingo • 16 de junho • 2013

PALMAS PARA A SELEÇÃO & VAIAS PARADILMANeymar acerta bomba de efeito moral e transforma tensão da estreia em festa pela vitória por 3 a0 sobre o Japão, apesar dos protestos no DF

Pedro Motta Gueiros e Catarina Alencastro

Numa capital projetada para integrar o Brasil, os limites do estádio ManéGarrincha dividiram os ânimos no dia 15 de junho, na abertura da Copa dasConfederações. Do lado de fora, movimentos sociais protestavam contra a maiscara das arenas erguidas para os eventos da Fifa (cerca de R$ 1,2 bilhão). Ládentro, o futebol oferecia a festa. Mesmo que os protestos tenham sido contidospela força policial, a revolta chegou ao interior do estádio, com vaias para opresidente da Fifa, Joseph Blatter, e para a presidente Dilma Rousseff. Atorcida entoou a vaia logo que a presidente foi anunciada. Blatter tentouintervir, mas não adiantou.

— Amigos de futbol brasileiro, adonde está el respeto, el fair play, porfavor? — perguntou o suíço, misturando português e espanhol.

Em seguida, Dilma pegou o microfone para fazer o pronunciamento sobvaias:

— Declaro oficialmente aberta a Copa das Confederações Fifa-2013.

Neste momento, palmas pela inauguração do evento se misturaram com asvaias que ainda persistiam. Pouco abaixo do local onde Dilma estava, natribuna de honra, os convidados da Fifa e do governo a aplaudiam. O governonão quis se pronunciar sobre o ocorrido. No dia 11 de junho, uma pesquisa do

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Instituto Datafolha apontava que a popularidade da presidente caíra de 65%para 57%.

Com mais habilidade para levantar as massas, logo aos três minutos Neymardisparou uma bomba de efeito moral e transformou a insatisfação em alegria —ao menos para aqueles que pagaram para ver a seleção estrear com vitória por3 a 0 sobre o Japão.

Serena e segura, a atuação do Brasil serviu como referência para quem aindatenta se impor pela violência dentro e fora de campo.

O estresse da estreia ficou do lado de fora. Com um gol no início de cadatempo, o Brasil foi cirúrgico ao cortar qualquer chance de deixar o Japãocrescer no jogo. Diante de um rival intimidado, a partida acabou disputada emritmo de treino até mesmo pela pouca participação da torcida. Como aorganização proíbe a entrada de tambores e bandeiras, os 67.423 presentesfizeram menos barulho que os manifestantes do lado de fora.

O Brasil começou o jogo encontrando mais espaço pelo lado esquerdo do seuataque. Ao receber passe forte de Marcelo, Fred ajeitou com o peito, e Neymaremendou de primeira para acertar o ângulo esquerdo de Kawashima e abrir oplacar com um golaço, aos 3 minutos. Energizado por seu primeiro gol em dezjogos, Neymar ajudava na marcação de um lado e logo estava no outro, tentandomais uma jogada individual.

Na volta para o segundo tempo, a festa foi geral depois que Daniel Alvescruzou da direita, e Paulinho dominou na área para fazer 2 a 0, aos 3, em chuterasteiro que passou por baixo do goleiro Kawashida. Sem jogar no Brasil desde1989, o Japão sofreu com a baixa umidade do cerrado e com o fuso horário.Enquanto o Brasil acordava cedo para a necessidade de estrear bem, osorientais dormiam em campo. Aproveitando-se dessa facilidade, Oscar, atéentão discreto no jogo, fez grande jogada antes de Jô fazer o terceiro, aos 47, esacramentar uma vitória de capital importância para o resto da caminhada.

No fim da festa, um arco-íris no céu cobriu o estádio para religar os dois

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lados do mesmo país. As cores do movimento GLS lembravam que uma mesmatorcida pode ter várias bandeiras. Entre sol e chuva, vaias e aplausos, só restaseguir na luta e celebrar o que há de mais belo. Com sua bomba de raradelicadeza, Neymar lembrou que a autoridade não se impõe pela força, seconquista com habilidade e talento.

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Quarta-feira • 19 de junho • 2013

VALORES DE OBRAS SÃO REVISTOS, ECOPA JÁ CUSTA R$ 28 BILHÕESGasto com infraestrutura e estádios, de R$ 25,5 bilhões em abril, está dentro do teto de R$ 33bilhões, segundo Ministério do Esporte

Os investimentos para a Copa do Mundo de 2014 já chegaram a R$ 28 bilhões,de acordo com o secretário-executivo do Ministério do Esporte, LuizFernandes. A diferença entre o valor divulgado no dia 18 de junho e o da últimarevisão da Matriz de Responsabilidade, em abril (R$ 25,5 bilhões), é de R$ 2,5bilhões, o que representa um aumento de 9,8%. Em nota, o ministério afirmaque os valores representam “ciclos de investimentos” programados pelogoverno, que incluem verbas para estádios, mobilidade urbana e melhorias emportos, e que os gastos estão dentro do teto estabelecido para 2014, de R$ 33bilhões. Em julho será divulgada uma nova atualização do valor.

— A maioria dos investimentos é em mobilidade urbana. São 51 obras aotodo, espalhadas pelas 12 cidades que vão receber a Copa — disse o secretárioontem, durante coletiva sobre programas de sustentabilidade.

Esse valor deve englobar o aumento do custo das obras do Maracanã e doEstádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. Na Matriz anterior, os doisainda estavam com os custos antigos, de R$ 800 milhões e R$ 1,01 bilhão,respectivamente. Desde o início do ano, porém, houve vários aditivos, e oscustos subiram para R$ 1,049 bilhão e R$ 1,2 bilhão, sem contar obras deacessibilidade e no entorno dos estádios. O secretário não especificou, porém,quais obras de mobilidade urbana sofreram aumento.

Com relação aos protestos que têm se espalhado pelas principais capitais doBrasil contra, entre outras coisas, os gastos com a organização da Copa, osecretário considerou que os manifestantes “estão mal informados” sobre osbenefícios do evento.

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Quarta-feira • 19 de junho • 2013

REVOLTA E FUTEBOL

Roberto DaMatta

Foi uma semana marcada por revoltas e conflitos. Os embates vão das disputasem aberto das terras terena pelos fazendeiros a uma surpreendente onda detumultos urbanos motivados pela total inércia dos governantes diante do caosque todos vivemos nas cidades brasileiras sem transporte urbano, com um nívelde criminalidade que tangencia ao da guerra civil e pela impossibilidade deusar o automóvel por falta de espaço e educação cívica.

A revolta contrasta com o futebol — esse conflito aberto, mas com tempo,espaço e regras explícitas. A revolta causa prejuízo e mal-estar. O pé na bola éuma fábrica de dinheiro e, entre nós, de toda uma afirmação do mundo. Afinal, oque é melhor: ser cinco vezes campeão do mundo ou ter inventado (usado) abomba atômica?

Tanto o interior quanto o litoral ressuscitam conflitos reprimidos a exigirjustiça, eficiência e honestidade pública. Justiça para os usuários pagadores deimpostos e dependentes de transporte público e para os chamados “índios”,cujas terras foram reconhecidas e demarcadas para depois serem — eis oabsurdo — “desreconhecidas”. Aqui, estamos diante de uma nova figura legalque simboliza o neoindigenismo do governo Dilma. Ao lado de um pró-capitalismo que distribui empréstimos e concessões aos companheiros, surgeum aviltante anti-indigenismo em contramão ao legado de Rondon, de DarcyRibeiro, dos Villas-Bôas, de Noel Nutels e de todos quantos têm algumapreocupação com a responsabilidade para com essas humanidades que, poracaso, estão dentro do nosso território. Os antropólogos foram colocados sobsuspeita. Seus laudos periciais, vistos como bons demais para os indígenas. AFunai foi desmontada. Nunca antes na História deste país a questão indígena foisolucionada com tanto desembaraço. Agora, ela será administrada por um“conselho” — esse formato administrativo que desde Dom João Charuto é

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usado para nada resolver.

Ao lado desse conflito, testemunhamos demonstrações de violência urbanaque nos tiram do prumo. Para quem viu a chamada revolta das barcas, naNiterói de 1959 — um rotesto que levou a multidão a incendiar a residênciados donos da empresa, deixando um saldo de 6 mortos e 118 feridos e um beloestudo sociológico realizado por Edson Nunes —, a memória não pode deixarde anotar como o estar entre a casa e a rua é um momento sensibilizador domistério chamado de “multidão” ou “turba”, cuja conduta seria violenta eirracional.

A revolta deflagrada pelo transporte público não é nova no Brasil. Elaremonta à Revolta do Vintém, de 1880, cujo motivo foi o aumento daspassagens dos bondes. A ausência de um serviço público decente na rua na horade ir ou voltar do trabalho é uma constante. “A Banda”, a marchinhaextraordinária de Chico Buarque de Holanda, exprime bem o processo. A bandapassa e vai arregimentando quem ouve ou é contaminado pela sua melodia. Eisum ponto de partida para compreender como o protesto termina em revolta,porque a densidade dos gestos corresponde à ausência de ação dos governantes,que não são mais distinguíveis por partido ou por atitudes. A violência igualadana sua irracionalidade é da mesma ordem de um espaço público que ficouentregue por décadas ao deus-dará da nossa passividade.

Ninguém pode determinar com precisão o motivo dessas manifestações. Mastodos temos consciência de suas intenções e de suas ultrapassagens do bomsenso, graças à participação decisiva das forças policiais — esse atorimprescindível para criar a moldura final do drama. Numa sociedadedemocrática, protestar é rotina, e fomos para a rua com essa intenção. Tudo iamuito bem até que surgiu a polícia, que veio deturpar o nosso pacifismo emudar as nossas intenções. A polícia, por seu turno, nega a intenção doconfronto. Cumpria o seu dever, mas os mais exaltados impediam qualquer atopacifico. Como, pergunta o cidadão disposto a aceitar tudo, sair desse enredo?

Dizem que há inflação e superfaturamento, inclusive nos estádios de futebol.

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Há boatos “o bicho vai pegar”. Alguns bruxos dizem que as fórmulasmilenaristas se esgotaram. Não há mais quem possa fazer por nós, exceto nósmesmos. Todos os políticos ficaram iguais no seu narcisismo e na sua surdez.

Em meio a tudo isso, ocorrem torneios futebolísticos mundiais. Vencemos oprimeiro jogo da primeira Copa global, a das Confederações. Mas, vejam bemo sintoma: vaiaram os presidentes da Fifa e da República. Há esperança, diz omeu lado otimista; deixa pra lá, diz-me a voz que conversa com um velho amigoescocês.

Roberto DaMatta é antropólogo

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Sexta-feira • 21 de junho • 2013

‘OLA’ DE PROTESTO NO MARACANÃCom centenas de cartazes e gritos de ordem, torcedores engrossam os atos que se multiplicamnas ruas do Brasil

Carolina Oliveira Castro, Débora Gares, Eduardo Maia e Lauro Neto

Quem achava que a Copa das Confederações e as manifestações populares quetêm tomado as ruas jogavam em times diferente percebeu ontem que não precisaser assim. Diferentemente do primeiro jogo da competição no Maracanã, entreItália e México, quando os manifestantes foram mantidos do lado de fora, o quese viu na quinta-feira, 20 de junho, foram cartazes em diversos pontos doestádio, inspirando gritos de “O povo unido jamais será vencido” e coro para oHino Nacional.

As manifestações começaram na metade do segundo tempo. Num primeiromomento, os seguranças do estádio tentaram tomar os cartazes, mas foramvaiados pela torcida, o que levou ao coro de “O Maraca é nosso”. Com aarquibancada falando mais alto, vários outros cartazes foram mostrados, e até otradicional canto de “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”,comum em jogos de seleção, ganhou novo brilho.

— Quando os protestos começaram, eu disse que não iria mais ao jogo parame unir aos manifestantes. Mas depois vi que o Maracanã seria uma melhorvitrine que as ruas, que já estão tomadas — disse o advogado Marcus Garcia,que havia preparado três cartazes, mas só pôde entrar com um, sobre o artigo37 da Constituição, que trata da administração pública.

Adotando outra técnica, o geofísico Pedro Jonas Amaral conseguiu entrarcom dois cartazes, um pedindo escolas e hospitais no padrão Fifa de qualidadee outro onde se lia “Corrupção também é vandalismo”:

— Trouxe folhas em branco e só pintei os dizeres quando entrei. Foi umaemoção ouvir a galera apoiando. Essa é a ideia, ver o povo unido por umacausa.

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Outros cartazes criticavam ainda a privatização do Maracanã e as remoçõesforçadas que acompanham as obras. Em muitos se lia a frase “O giganteacordou”. Entre os espanhóis que foram ao jogo, muitos se mostraramsolidários à causa. Morando há dois meses no país, Marcos Miranda portavaum cartaz com a seguinte frase em espanhol: “Uma mensagem direta a todos osgovernos de repúdio à corrupção”. Morador de Brasília, o espanhol SergioMota havia participado da manifestação de segunda-feira, dia 17, na capital,quando as rampas do Congresso Nacional foram ocupadas.

— Nisso, espanhóis e brasileiros se aproximam. Estamos cansados do abusode poder e da política, que tem prioridades diferentes das nossas.

No clima dos protestos, surgiram até cartazes bem-humorados, como o de umgrupo de estudantes paulistas com camisetas floridas e colares havaianos quedizia “Não é por R$ 0,20. É por um gol do Taiti”.

Antes de a partida começar, com medo de novos protestos a polícia resolveupedir ingresso de quem desembarcava das estações de metrô e trem. Quem nãotinha era obrigado a voltar. O publicitário Marcello Caetano foi um dosbarrados, porque seu ingresso estava com uma amiga. Só quando seencontraram ele pôde deixar a estação. Situações assim fizeram algunstorcedores perderem o início do jogo. Nem os moradores da região conseguiamsair das estações.

Quem tinha ingresso e chegava até a segunda barreira policial portandocartazes tinha de abri-los para que o conteúdo fosse avaliado. A advogada AnaLuiza Capanema também teve seu cartaz barrado, mas, por sorte, quando saiudo jogo, fez o mesmo caminho e conseguiu recuperá-lo a tempo de seguir para amanifestação.

— Queria me manifestar no estádio. Não deixaram, mas não tem problema.Vou lá protestar com todo mundo.

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Sábado • 22 de junho • 2013

VIRULÊNCIA

José Miguel Wisnik

Vou falar de um aspecto, entre os muitos, dos movimentos de rua que estãodando um baile nas instituições políticas e nos esquemas disponíveis paraexplicá-los. Diz o escritor inglês Alex Bellos que, se para os europeus osmarcos da memória histórica do século XX são dados pelas Guerras, no Brasilsão dados pelas Copas do Mundo. A afirmação sinaliza de maneira ambivalenteo quanto a paixão do futebol deu forma à identidade e à memória coletivabrasileira, ao mesmo tempo em que sugere o quanto ela é pautadatradicionalmente pelo jogo, pelo lúdico, e não pelo enfrentamento dasrealidades. A comparação ganha uma outra atualidade agora, quando o ensaioda Copa do Mundo, através da Copa das Confederações, vem acompanhado deuma guerra, real e simbólica, onde está em jogo o custo social da tarifa deônibus, o custo social da Copa do Mundo, o custo social e político do Brasil.Uma inesperada junção, à maneira brasileira, de guerra com Copa, por issomesmo muito nova.

O movimento, ao mesmo tempo pacífico e virulento, e de uma irradiaçãoinimaginável, vem cobrar o preço de velhas e novas inconsequências políticas.Não creio que a sua relação com a Copa seja ocasional, muito menosoportunista. Mais profundamente, faz sentido que o impulso na direção de umalgum acerto brasileiro acabasse passando pela prova e pela contraprova dofutebol.

Ninguém certamente imaginou isso quando trouxe a Copa do Mundo para oBrasil: que os componentes da droga brasileira, o remédio lúdico e o venenodas desigualdades, das impunidades e dos privilégios, das conciliações peloalto e do imobilismo político, entrariam em reação alquímica nas ruas. Pois, senão fosse o cenário da Copa, as manifestações não ganhariam a extensão e adimensão simbólica que vêm ganhando. Esses temas estão postos faz muito

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tempo, mas é sabido que eles tradicionalmente não mobilizam.

De repente, o movimento pela redução ou suspensão das tarifas de transportecoletivo funcionou como a senha involuntária — literalmente o passe livre —para abrir a catraca em cascata das outras questões. O passe livre era odisparador ao mesmo tempo concreto e genérico, particular o bastante porenvolver o orçamento apertado da maior parte da população que o utilizadiariamente, mesmo que não de muitos dos manifestantes, e geral de sobra porenvolver a ineficiência do transporte coletivo e dos serviços públicos, bemcomo a crise urbana e a aposta sem saída na cultura do automóvel. A percepçãodo aumento da tarifa de ônibus como sintoma inflacionário a ser suportado porquem já se desacostumou do custo da inflação, que incide sobre os mais pobres,certamente teve influência. Francisco Bosco disse aqui, citando Luiz EduardoSoares, que assistimos possivelmente ao salto participativo de uma camadasocial que já tem o que perder. E que já seria, portanto, a resultante de FHC edo lulo-petismo, cobrando dos governos e da cena política nauseantementepautada pelos arranjos acomodatícios as consequências mais modernas de seustatus de consumidor de bens e serviços, incluindo a pulsão juvenil por umaparticipação na primavera internética dos povos.

E é no cenário dos estádios superfaturados (o de Brasília custou mais de R$1 bilhão e apresenta um gramado de segunda categoria), dos candidatos aelefantes brancos, da incongruência entre os padrões impostos pela Fifa e ospadrões da educação e da saúde públicas, tudo recoberto por um discursotriunfalista cada vez mais indigesto, contracenando com a onipresença sedutorado futebol, que as manifestações encontram uma espécie de correspondênciaalegórica com a política nacional como um todo.

Quem me conhece sabe o quanto eu amo o futebol (assim como Nuno Ramosna mesa-redonda do IMS, eu também tenho uma resistência infantil a torcercontra). Mas estava profundamente desanimado com o fato sintomático de queestivéssemos condenados a ver todas essas aberrações passarem incólumes esem susto, agora, na Copa e nas Olimpíadas. Sei que o clamor urgente,heterogêneo, sem plano claro, fortemente apartidário, canalizando insatisfações

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de todo tipo, inclusive as conflitantes entre si, não garante nada, pode consumir-se nas suas contradições, no fogo de palha de um consumismo de protesto, novoluntarismo sem mediações, no tudismo já, na fantasia de onipotência e numestado pré-político que acaba vencido pelas eternas raposas (Haddad não éuma). As manifestações, aliás, já são elogiadas por Alckmin, Dilma, GalvãoBueno, e em uma semana são unanimidade: ninguém é contra.

Sei disso, mas não é isso que eu sinto. O que sinto é o alento de umacontecimento capaz não só de dar um susto, mas de mexer no quadro políticobrasileiro. O que leva a isso não é a violência pontual que ele desencadeia, masa sua luminosa virulência.

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Domingo • 23 de junho • 2013

O GRANDE EVENTO

Dorrit Harazim

Terça-feira, 30 de outubro de 2007. Na sede da Fifa em Zurique, o Brasil faziaa última de suas cinco apresentações para sediar a Copa do Mundo de 2014.Nem era preciso tanto esforço. Diante da desistência da Colômbia, cinco mesesantes, e da dissolução da candidatura conjunta Argentina-Chile, sobrava oBrasil como candidato único no sistema de rodízio por continentes, hojesepultado.

Ainda assim, a delegação que fora apoiar a nossa candidatura era de peso.Tinha à frente o presidente, da República Luiz Inácio Lula da Silva, além dopresidente da CBF, Ricardo Teixeira, 12 governadores estaduais, o ministro doEsporte, Orlando Silva, o senador Marconi Perillo, representando o CongressoNacional, e Dunga, o técnico da seleção canarinho. Cada qual com suarespectiva comitiva, é claro. Além de dois “embaixadores” pinçados a dedopelo entusiasmo à causa: o escritor Paulo Coelho e o atacante Romário.

A apresentação de Paulo Coelho, que saudara o presidente da Fifa, JosephBlatter, com um cher ami, foi a mais aplaudida, por fazer uma irreverentecomparação entre a paixão brasileira por futebol e por sexo.

Ao final, por voto unânime dos 20 membros do Comitê Executivo, o Brasilfoi confirmado. “O mundo terá a oportunidade de ver o que o povo brasileiro écapaz de fazer”, festejou Lula para uma nação inebriada.

(Seis anos depois o povo mostraria a Lula e ao mundo o que é capaz defazer.)

Na ocasião, Blatter assegurara que o Brasil era um candidato de qualificaçãogarantida e, mesmo não havendo outros países no páreo, teria sido vetado senão tivesse se comprometido a cumprir as exigências estipuladas pela Fifa. Emtese, até meados de 2012 ainda poderia ter sido trocado por algum país-sede

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alternativo, caso o andamento das medidas acordadas não seguisse o cursonecessário.

Mas, de arena em arena e com transparência zero nas contas, a coisa andou.Mudaram os protagonistas, mas os investimentos canalizados para este Brasilemergente nunca faltaram. Ainda duas semanas atrás, faltando 48 horas para aabertura da Copa das Confederações em Brasília, a presidente Dilma Rousseffinaugurou um moderníssimo centro de comando e monitoramento nacional desegurança.

O equipamento tem nome comprido, Sistema Integrado de Comando eControle para Segurança de Grandes Eventos, e custo alto — R$ 1,1 bilhão.Apresentado como capaz de integrar todas as forças de segurança nas seiscidades-sede da Copa das Confederações, foi ativado simultaneamente em BeloHorizonte e no Rio de Janeiro. “Agora podemos dizer que a segurança durante aCopa das Confederações está garantida”, afirmou a presidente durante acerimônia. “Teremos condições tecnológicas para, no espaço de quilômetros,saber a pessoa que está cometendo delitos, e ter tudo filmado”, complementou oministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, elencando a versatilidade do novosistema.

No Rio de Janeiro, o telegênico Centro Integrado de Comando e Controle(CICC) fora estreado semanas antes pelo governador Sérgio Cabral, a um custode R$ 104,5 milhões. Tecnologia, ali, também não falta, a começar pelo jáfamoso telão de cinco metros de altura, 17 de comprimento e seus 98 monitoresde LED. “Esse centro é um exemplo para o mundo, e a segurança pública ganhaem qualidade. Terá papel central na articulação das seis cidades-sede na Copadas Confederações”, assegurou o ministro Cardozo.

Só que parafernália tecnológica, sozinha, não articula, e se houve algo que ascidades brasileiras não ganharam ao longo da última semana foi segurançapública. Ademais, nem o mais moderno dos sistemas é programável paratambém alertar governantes a prestarem atenção a movimentos como o PasseLivre. Nem a emitir boletins sobre o estado de calamidade dos serviços

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públicos da nação. Por terem falhado numa obrigação que é deles, osgovernantes agora estão perplexos.

Quanto aos milhões de brasileiros que permaneceram calados enquanto seconstruiu uma Copa sem prestação de contas transparentes, sem audiênciaspúblicas com apresentação de projetos, discussão de impasses ou debates desoluções, a hora de opinar começou. Na rua. Sem data para aquietar-se.

Até porque o próprio calendário dos Grandes Eventos lhes servirá de pauta— no mínimo até os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio.

Por ora, o movimento já conseguiu enxotar Joseph Blatter, pelo menos poralguns dias. O presidente da Fifa, que estava no Brasil para a Copa dasConfederações e só se desloca num séquito de automóveis de proporções poucorepublicanas, viajou na noite de quarta-feira para participar da abertura doMundial Sub-20 na Turquia. Paradoxalmente, porém, a hipótese, mesmoremotíssima, de a Fifa ter de suspender a continuação do evento no Brasil por“força maior” (leia-se, falta de segurança) deixaria uma marca de choquemúltiplo no país.

Com tudo isso em mente, cabe aqui uma homenagem a Belisario Betancur,53º presidente da Colômbia. Em 1974 o país fora escolhido sede da Copa doMundo de 1986. Com doze anos de antecedência, portanto. Em 1982, ao serempossado, Betancur não precisou de mais de dois meses no poder paraconcluir o óbvio: a Colômbia não tinha condições de sediar uma Copa.Comunicou sua decisão em pronunciamento brevíssimo à nação: “Comopreservamos o bem público, como sabemos que o desperdício é imperdoável,anuncio a meus compatriotas que o Mundial de Futebol não se realizará naColômbia, após consulta democrática sobre quais são as necessidades reais dopaís: não se cumpriu a regra de ouro segundo a qual a Copa deveria servir à

Colômbia, e não a Colômbia à multinacional da Copa. Aqui temos outrascoisas para fazer e não teríamos sequer tempo para atender às extravagânciasda Fifa e de seus sócios. García Márquez nos compensa totalmente pelo queperderemos como vitrine sem o Mundial de Futebol.”

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Quatro dias antes, Gabriel García Márquez havia sido anunciado vencedor doNobel de Literatura. O presidente da Fifa à época era o brasileiro JoãoHavelange. A Copa de 1986 acabou sendo realizada no México.

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Domingo • 23 de junho • 2013

TIA FIFA

Verissimo

Uma visita da tia Fifa causa alvoroço nas famílias. Ela anuncia a visita comantecedência para a família se preparar. Porque a tia Fifa é exigente. Quer que,quando chegar, tudo esteja perfeito. E não aceita explicações.

Quando chega, a tia Fifa passa o dedo nos móveis com luva branca, atrás depoeira. Examina as unhas de todo o mundo. Procura sujeirinha atrás de todas asorelhas e cheira todas as meias. Inspeciona as novas instalações que mandouconstruir antes de chegar, de acordo com especificações rigorosas. E ai dequem reclamar.

— Tia Fifa, nós somos pobres...

— Não interessa. Pobreza não é desculpa para desleixo. A África do Sultambém era pobre e minha visita lá foi um sucesso. As instalações

que mandei construir ficaram lindas. Impressionantes, imponentes...

— E imprestáveis. Dizem que eles não sabem o que fazer com as instalaçõesque a senhora deixou lá, depois de sua visita...

— Bobagem. São belíssimas.

É importante saber que a tia Fifa não é como é por insensibilidade ouelitismo desvairado. Suas exigências, que parecem irrealistas, obedecem a umdesejo de ordem social e estética. A tia Fifa sonha com um mundo limpo, emque as desigualdades entre ricos e pobres desaparecem desde que todos sigamas mesmas regras e tenham o mesmo gosto, e por isso a convidam.

— Mas tia Fifa, o dinheiro que nós vamos gastar para que a casa fique comoa senhora quer não seria mais bem aproveitado na educação das crianças, ouna...

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— Isso já não me diz respeito. Me convidaram e eu irei. Acabem asinstalações que eu pedi no prazo e ponham a casa em ordem. E mais uma coisa:

— O que, tia Fifa?

— Você está com mau hálito. Providencie.

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Domingo • 23 de junho • 2013

ENTREVISTA COM JÉRÔME VALCKE

‘A COPA FAZ PARTE DO AVANÇO’

Jorge Luiz Rodrigues

Secretário-geral da Fifa volta a garantir o Mundial de 2014 no Brasil. Ementrevista ao GLOBO, o dirigente francês afirma que a entidade, o ComitêOrganizador e o governo precisam explicar melhor os benefícios do evento àpopulação. Bem-humorado, ele elogia tanto o show dos torcedores nos estádiosda Copa das Confederações como Neymar e diz sentir que Felipão estáconseguindo transformar jogadores talentosos numa equipe.

Os protestos no Brasil começaram contra os preços das passagens e a máqualidade dos transportes públicos. O senhor acha que dá tempo de tudoestar 100% para a Copa-2014?O nível da infraestrutura de transporte será melhor. Mas a Copa do Mundo éapenas o primeiro passo, se você olhar o programa do governo dedesenvolvimento. No Rio, o primeiro passo é a Copa, e o segundo virá paraas Olimpíadas. A Copa do Mundo faz parte do plano de desenvolvimento dopaís. A Copa do Mundo não é, sozinha, o desenvolvimento. O plano existe, e aCopa-2014 faz parte do avanço.

Algum temor seu e da Fifa em relação aos protestos e à segurança detorcedores e seleções?A Copa das Confederações está acontecendo no Brasil, e a Copa do Mundotem que acontecer no Brasil. Vamos garantir que isso aconteça da melhormaneira possível. Precisamos que a segurança se mantenha.

O senhor reconhece que o clima em relação à Copa é negativo?Não é hora de reclamar disso ou daquilo. O Brasil trabalha desde 2010,provavelmente deveria ter começado antes, para ter certeza de que estamosprontos para a Copa do Mundo. Isso significa estar pronto a tempo.

O que precisa ser feito nos próximos meses?Muitas coisas precisam ser feitas, mas é importante que não haja atrasos.

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Esse é o ponto central.

No dia 20 de agosto começará a venda de ingressos para o Mundial. Os atosde vandalismo que estão acontecendo podem afetar o processo de venda deingressos para a Copa, com os 600 mil turistas estrangeiros amedrontadospelos últimos acontecimentos?Não acredito. Penso que os protestos são demonstrações nacionais contrasituações desconfortáveis vividas por brasileiros. A Copa das Confederaçõesse tornou a plataforma perfeita para os protestos. As pessoas perguntam:“Você está com medo para a Copa do Mundo?” Este não é o ponto. Oprincipal é ter certeza de que haja uma discussão. Não estou falando denegociação, mas de uma discussão com os manifestantes sobre o porquê e oque pode ser feito.

Há um clima ruim contra a Fifa...Somos responsáveis por organizar a Copa do Mundo, por muitas coisas, maseu li nos jornais: “É uma vergonha que a Fifa vá controlar todo o país”. Issoé estúpido. A Fifa é responsável pela organização de 64 jogos e uma série deoutros eventos. Mas não somos responsáveis por tudo o que acontece no país.Não dizemos ao Brasil o que tem que ser feito.

Existe um clima de medo na Fifa?Alguém escreveu que mandei retirar os adesivos (de identificação) dos carrosda Fifa. Por que eu faria isso? O que nós fizemos de errado? Você medesculpe, mas não penso que a Fifa deveria ter o sentimento de que fez algoerrado. Não somos os responsáveis pelo que está acontecendo.

Não falta à Fifa se colocar mais próxima das comunidades carentes, ir àsfavelas, levar a Copa do Mundo a quem não pode comprar ingresso?Não fazemos menos do que fizemos na África do Sul. Temos programas deresponsabilidade social, temos projetos que serão ampliados, até emconjunto com governo e nossos parceiros.

O que falta, então?Penso que deveríamos nos sentar com a mídia — e o governo deveria fazerparte disso — e explicar: a Copa do Mundo é parte do que estamos fazendo.

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A Copa do Mundo é um pedaço. Há uma série de programas dedesenvolvimento que fazem parte. Isso precisa ser mais bem explicado. Paraa Fifa, é importante que o país tenha uma organização melhor em termos detransporte, em termos de facilidades para os turistas em hotéis e nosaeroportos.

Com relação à infraestrutura do torneio, o presidente da Fifa, JosephBlatter, em entrevista ao GLOBO, criticou o processo de venda deingressos e o transporte. O que o senhor acha?Sobre os ingressos, é verdade que aconteceram alguns problemas. Noentanto, ano que vem será mais fácil para o torcedor retirar seus ingressos,porque será permitido apanhar todos, de uma vez, em uma mesma cidade. Sevocê estiver em São Paulo e comprar um jogo de Curitiba, você poderáretirá-lo lá.

Por que isso não foi feito na Copa das Confederações, o evento-teste?Porque a competição envolve mais torcedores locais, na faixa de 70% a 80%,na maioria dos casos. Na Copa, não é assim. Precisamos, sim, ter a certezade que o sistema não sofrerá colapsos.

E sobre o transporte?O mínimo existe. Para o ano que vem, precisamos ter mais. Nós sabemos quea maioria dos projetos ficará pronta no fim de 2013, até antes da Copa de2014. Teremos transporte de alto nível dos aeroportos para o estádios. Asfacilidades temporárias das cidades-sede estarão prontas até março de 2014.O que temos de assegurar agora é que os seis estádios que faltam estejamcompletos até o fim deste ano, para que possamos instalar neles todas asnecessidades.

Surpreendido com 70 mil pessoas no Maracanã para Espanha x Taiti?É incrível! Na Copa das Confederações (2009), na África do Sul, não tivemosum público como esse. Os brasileiros amam o futebol. O que maisimpressionou são os estádios lotados, a maneira como os torcedores secomportam no estádio, o apoio, a paixão, não só pela seleção brasileira. Esteé o país de apaixonados por futebol. Nunca aconteceu isso em outra Copa das

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Confederações. Um amigo europeu me disse: “A sensação que temos é a deestarmos na Copa do Mundo”.

Algum jogador impressionou?Neymar é incrível. É inacreditável como ele é tão bom. Os jogos têm sidoótimos. É importante lembrar que é a primeira vez que quatro campeõesmundiais (Brasil, Itália, Uruguai e Espanha) jogam a mesma edição da Copadas Confederações. O nível está alto.

O senhor acredita que Neymar pode ser eleito o melhor jogador?Neymar foi o melhor do Brasil. Estou seguro de que os dirigentes doBarcelona, vendo os jogos dele aqui, devam estar esfregando as mãos edizendo: “Bom dinheiro!” (risos). Neymar/Messi é uma combinação quetodos esperam ansiosamente para ver em campo.

A seleção de Felipão lhe agrada?A sensação que tenho é que Scolari está unindo o time. Individualidades, oBrasil tem. O técnico está conseguindo pôr esses talentos para jogar comoequipe.

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Quinta-feira • 27 de junho • 2013

O FUTEBOL QUE MUDA E NÃO ILUDECrianças e idosos iniciaram concentração cedo para fazer segundo grande ato pacífico na capitalmineira

Pedro Motta Gueiros

Bem longe do litoral, Belo Horizonte foi coberta pelo mesmo mar de protestosque varre todo o país democraticamente, apesar das correntes que empurramrumo ao vandalismo. Conhecido pela vocação à conciliação política, o mineirodesceu do muro e voltou às ruas, ontem, repetindo o mesmo gesto que varreuBelo Horizonte no sábado.

— Esse mineiro que não se manifesta ficou no passado. A gente cansou de serroubado. O povo é que nem elefante, se usar a força que tem, ninguém segura —disse o vigilante Aílton Sabino, de 39 anos, esperançoso de que ostrabalhadores da área de segurança reforçassem a marcha.

Os manifestantes começaram a se reunir em torno da Praça Sete de Setembrologo às 10h, quando decidiram andar por 12 quilômetros até um dos acessos aoMineirão. Em torno do obelisco em homenagem aos heróis da Independência,conhecido como pirulito, a concentração celebrava o lado festivo dademocracia. Idosos e crianças reforçavam as pontas de uma corrente que une aspessoas ao mesmo tempo em que separa pleitos tão diferentes.

Com máscaras, coturnos e boinas, uma parte dos manifestantes só enxergavapela frente um cenário de guerra com alguns argumentos míopes. Em gritos quecobravam do governador Antonio Anastasia mais investimentos na Educação,os estudantes cantavam que um professor vale mais que Neymar, embora ocraque seja pago pelo Barcelona. Não com dinheiro público.

Já a construção dos estádios acabou ficando na conta dos estados, comfinanciamento subsidiado pelo BNDES. No entorno das arenas, sem o legadoprometido, só restou a insatisfação. O país dormiu nos anos em que o projeto daCopa podia ser discutido. Agora, os manifestantes estão dispostos a jogar o

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evento no lixo. Nas latas espalhadas pela cidade, o nome da Fifa foi gravadocomo algo a ser descartado.

Pela liberação dos antibióticos sem receita, de direitos do INSS ou pela voltado tira-gosto no boteco do bairro, que passou a ser servido enlatado, cada umestampava sua insatisfação em cartazes e gritos de guerra. A marcha semdireção afeta todo o poder constituído. Seja governo ou oposição, é difícilsaber onde nasce o vento que instalou uma zona de instabilidade.

Por maiores que fossem as cobranças contra a presidente Dilma Rousseff, agritaria contra o governador Anastasia botava a insatisfação também no colo doex-governador e senador Aécio Neves (PSDB). Em meio aos gritos pedindopaz e tolerância, ninguém estava a salvo, nem os antigos conceitos que usam osestádios para separar a ilusão da realidade. Se ainda não trouxe as conquistasesperadas, a festa do futebol descortinou um belo horizonte na capital mineira.Longe da passividade, Minas agora integra um mar de gente que clama pormudança. Resta saber se haverá energia para depois que as câmeras foremdesligadas.

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CAPÍTULO 5 CONEXÃO INTERNACIONAL

Domingo • 16 de junho • 2013

A PRAÇA É DO POVO

Helena Celestino

Protesto na praça dos outros é refresco. O descompensado primeiro-ministroturco, Recep Tayyip Erdogan, apoiou com entusiasmo a revolta dos jovens noEgito, mas chamou de terroristas os opositores ao seu regime e acha que existeuma campanha internacional para destruir a Turquia. Como os jovens e os nemtão jovens do Cairo, os estudantes de Istambul jamais tinham participado depolítica, mas nos últimos 15 dias milhares deles moram no parque quepretendem preservar contra a sanha pseudomodernizadora do chefe de governo.A escritora Sedef Accer conta que, além de tendas, foram montados umaenfermaria, ateliês artísticos, uma biblioteca, um fórum de discussão. “Vi umaaula de matemática e um debate sobre urbanismo”, diz.

Sedef testemunhou cenas de união entre gente muito diferente — “a menina devéu que divide a garrafa d’água com o transexual e a fã de Justin Bieberdançando ao som de uma música curda” — e entusiasmou-se com o cotidianode harmonia e prazer vivido nestes dias excepcionais no parque.

“Eles recebem o professor que chega para revisar o dever de casa dosalunos, jogam vôlei, acordam o vizinho para ele não perder a prova, emprestamlivros, fazem ioga e tocam música. Quando o governo corta o 3G, oscomerciantes passam a senha do wi-fi para eles continuarem a tuitar”, relata,em um artigo escrito na volta a Paris, onde largou compromissos e trabalhopara fazer uma viagem de iniciação às transformações sociais no seu país .

O cenário idílico não foi feito para durar, as organizações radicais se

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aproximaram e reforçam a violência das forças policiais, que já deixaram cincomortos e incontáveis feridos. Mas o movimento quebrou a corrente do medo:médicos, advogados, famílias inteiras se uniram para demonstrar apoio aosmeninos, ameaçados por ultimatos do premier. “O povo de Istambul nãorenunciará ao direito de organizar manifestações e preservar suas recordaçõesda Praça Taksim”, exorta o mais famoso autor turco, o prêmio Nobel OrhanPamuk, no “El País”.

Uma primeira vitória foi conquistada com a decisão de Erdogan de esperar adecisão da Justiça sobre o parque, mas os manifestantes não confiam nessenovo estilo do premier. O liberal prefeito da mais liberal das cidadesocidentais não conseguiu conviver com a experiência de democracia em praçapública que a versão nova-iorquina dos Indignados instalou no Zucotti Park, nacosmopolita Manhattan, há um ano e meio. Lá também se instalaram ateliês paraimprimir camisetas com a palavra de ordem “Occupy”, organizava-se coletaseletiva de lixo, discutia-se a crise econômica e saía-se em passeata até avizinha Wall Street para gritar slogans contra o capitalismo selvagem. MichaelBloomberg mandou a polícia acabar com o que chamou de desordem nas ruasda ilha que cobra um IPTU alto demais para os moradores serem incomodados.“Alguns remanescentes do movimento se mobilizaram para ajudar os sem-tetodeixados pelo furacão Sandy e agora vivem na Union Square, bem maismodestos, apoiando o movimento na Turquia”, conta o jornalista EduardoGraça.

Destino pior teve a emblemática Praça Tahrir, o primeiro cartão-postal daPrimavera Árabe. O espaço, símbolo da esperança nos dias em que os egípciosderrubaram o ditador Hosni Mubarak, agora é identificado como uma zona deperigo para as mulheres. Na comemoração dos dois anos da “revolução” noEgito, gangues estupraram, pelo menos, 18 mulheres durante a manifestaçãocontra o governo da Irmandade Muçulmana, exatamente na mesma praça ondeelas participaram, de igual para igual com os homens, do início da construçãoda democracia. E, pior, foram acusadas de provocarem a violência.

A briga pela praça é sempre um conflito entre a liberdade versus a ordem

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estabelecida, e quase sempre deixa marcas na identidade política do país. Os24 anos do banho de sangue que encerrou os protestos na Praça Tiananmenforam lembrados no início de junho por dezenas de milhares de chineses emHong Kong, numa demonstração de que as paixões políticas continuam vivas.Violência contra protestos é sempre um erro: no Rio, em Pequim ou Istambul.

Uma hora ia chegar ao Brasil. De praça em praça, os protestos no Rio,Istambul, Cairo ou Nova York, cada um em seu momento, mostram o poder doespaço público — ainda a melhor das arenas para expressar opinião,reivindicar liberdade, gritar contra a política oficial. Sem vandalismo, claro. E,de preferência, com humor, como os jovens turcos da Praça Taksim. Expulsoscom violência pela polícia, reconstroem todos os dias o acampamento em quetransformaram o vizinho Parque Gezi, acrescentando sempre um novo toque degraça: no dia 13 de junho, levaram um piano de cauda e passaram a noitetocando e cantando.

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Quinta-feira • 20 de junho • 2013

O MANIFESTANTE GLOBALIZADOInspirada em conspirador inglês do século XVII, máscara de personagem anarquista que lutacontra governo totalitário, popularizada no filme ‘V de vingança’, vira adereço usado em protestosno mundo inteiro

Flávio Henrique Lino

Ele está em toda parte — às vezes no mesmo dia. E protesta contra tudo e portudo, em diversas línguas. Na metrópole turca Istambul, enfrenta com paus epedras a polícia do premier Recep Tayyip Erdogan; na capital salvadorenha,São Salvador, participa da marcha do Dia do Trabalho; no centro financeiroalemão, Frankfurt, ergue-se contra a crise econômica; no Rio e São Paulo, gritacontra o alto preço das tarifas de ônibus, a corrupção, os péssimos serviçospúblicos... Nos últimos anos, não há lugar que — palco de alguma confusão oureivindicação em praça pública — não registre a presença de pelo menos meiadúzia de caras brancas com sobrancelhas, bigode e cavanhaque preto bemdelineados. A marca registrada do manifestante globalizado, no entanto, nãopodia ser menos moderna. Embora popularizada pelo protagonista do filme “Vde vingança”, de 2005, a máscara que identifica descontentes de todas aslatitudes tem sua origem num personagem do início do século XVII poucoconhecido fora dos países de língua inglesa: Guy Fawkes, um dos integrantes daConspiração da Pólvora de 1605.

Antes de tomar as ruas das cidades do planeta nos dias atuais, Fawkes faziaaparições nos livros de História da Inglaterra como o homem que tramouexplodir o Parlamento em Londres, com o rei Jaime I, ministros, parlamentarese toda a família real dentro, na abertura da sessão legislativa na Câmara dosLordes em 5 de novembro de 1605. Preso, torturado e executado, ele se tornouuma espécie de vilão popular por força da Lei do 5 de Novembro — aprovadaem 1606 por aliviados parlamentares após a descoberta da conspiração — queinstituía a data como celebração do dia em que o Parlamento foi salvo dadestruição. Durante séculos, acenderam-se fogueiras, e Fawkes era malhadocomo Judas a cada 5 de novembro.

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— Os conspiradores queriam testar se uma nação do século XVII podiasobreviver à destruição da classe política, com todos os seus símbolos emonumentos — disse ao GLOBO, da Inglaterra, o historiador Mark Nicholls,do St. John’s College, da Universidade de Cambridge e autor do livro“Investigando a Conspiração da Pólvora”. — Daquele dia até hoje, o glamourtenebroso do caso tem chocado as pessoas e atraído a atenção delas em igualmedida.

A lei caiu em 1859, mas a tradição, exportada para onde quer que tremulasseuma bandeira inglesa, continuou. Com o passar do tempo, a conotação negativaligada ao personagem foi se perdendo, a ponto de seu nome — antes sinônimode vilania — ser incorporado ao vocabulário cotidiano dos americanos daforma mais casual possível: guy, no inglês dos Estados Unidos, virou algo comoo nosso “cara”.

A fama fora do mundo de língua inglesa, porém, só ocorreu em 2005, quandochegou às telas o filme “V de vingança”, uma transposição para o cinema deuma graphic novel do consagrado autor britânico Alan Moore escrita no inícioda década de 1980. Na história, um mascarado misterioso luta para destruir umEstado totalitário fascista estabelecido no rastro de devastadores ataquesterroristas no Reino Unido. A máscara que esconde o herói, claro, é um rostoestilizado de Guy Fawkes. No rastro do filme, o personagem V ganhou o planetacomo ícone anarquista, sendo adotado, entre outros, pelo grupo ativista dehackers Anonymous. Hay protesta, lá está ele.

— Fawkes enfrentou sua horrível morte com coragem. Seus objetivos podemestar bem distantes das preocupações dos britânicos modernos, mas não édifícil enxergar por que pessoas que olham para a segurança do passadodistante o veem como um homem de princípios com a coragem de arriscar avida por uma causa, e não como um terrorista — avalia o historiador MarkNicholls.

Esses princípios estiveram entre os motivos do músico catarinense GiulioGiacomazzi, de 34 anos, para aproveitar uma escala em Istambul, na volta de

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sua viagem à Tailândia, e participar dos protestos em plena revolta dos turcoscontra um premier tido como autoritário por muitos. Máscara de Guy Fawkes norosto, comprada num camelô, lá foi Giulio para a Praça Taksim, epicentro darevolta.

— Falaram no albergue que era contra um governo conservador que censuratudo — justificou ele, já de volta a Florianópolis. — Eu conhecia a máscarapor causa do filme e decidi usá-la porque, além de preservar o anonimato, elatem um sorriso irônico que dá um tom de sátira ao que está acontecendo,expondo os governantes.

Aqui no Brasil, desde a semana passada os governantes — das grandesmetrópoles aos municípios do interior — passaram a conhecer o poder por trásdesse sorriso irônico.

Da folia para as reivindicações

O primeiro pedido veio da Espanha em 2011, quando o movimento dosIndignados ganhou as ruas, reivindicando mudanças na política. Na época, OlgaValles, dona da mais tradicional fábrica de máscaras do país, a Condal, desdeos anos 1950 em São Gonçalo, não sabia que aquela cara branca ia se tornar umsímbolo de protesto mundial. Em meados de junho, Olga foi surpreendida commilhares de pedidos vindos de Brasília, Rio e Minas. Em apenas quatro dias,vendeu 1.500 máscaras. Como informou Cléo Guimarães na coluna Gente Boa,todas as máscaras, feitas às pressas, foram vendidas, e outras duas mil já estãosendo confeccionadas. Para dar conta, Olga cancelou as férias de duasfuncionárias:

— O movimento nesta época do ano é muito fraco, estamos trabalhandodobrado.

É a primeira vez que a Condal vende em larga escala máscaras usadas emprotestos. Para Olga, tal adereço no Brasil sempre esteve ligado ao carnaval:

— Nunca tinha visto um protesto assim, com gente mascarada. Nossaprodução era associada à brincadeira e ao carnaval, época do ano em que

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registramos a maior venda.

O recorde, aliás, foi a máscara do presidente Lula, mas só no primeiro ano degoverno, com mais de 50 mil vendidas. O ministro Joaquim Barbosa, do STF,também fez sucesso após o mensalão, com 25 mil. Por outro lado, José Dirceuencalhou.

— É outra característica do brasileiro. Só quer máscaras de pessoasqueridas. Os réus do mensalão não tiveram vez perto de Joaquim Barbosa.

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Domingo • 23 de junho • 2013

ENTREVISTA COM MICHEL MAFFESOLI

‘VEJO ESSES MOVIMENTOS COMO MAIOSDE 68 PÓS-MODERNOS’Para pensador francês, as manifestações que ocorrem atualmente no Brasil são exemplos desubversões nascidas da espontaneidade emocional em rejeição à política moderna racionalprogramática

Fernando Eichenberg • CORRESPONDENTE, PARIS

Com mais de 20 obras publicadas no Brasil — como “A transfiguração dopolítico” e “A dinâmica da violência” —, o sociólogo Michel Maffesoli vê opaís como um “laboratório” do fim dos tempos modernos e diz não ter sidosurpreendido com a eclosão das manifestações em diversas cidades brasileiras.Conhecedor do Brasil, para onde viaja há mais de 30 anos para conferências eintercâmbios intelectuais, Maffesoli disse que vai “dar uma passada” namanifestação de brasileiros que ocorrerá no fim da tarde de hoje, em Paris, emsolidariedade ao movimento. Na sua opinião, manifestações como as do Brasile da Turquia podem ser vistas como “Maios de 68 pós-modernos”, de curtaduração, mas com marcas indeléveis.

Como o senhor analisa estes movimentos no Brasil?É um bom exemplo destas sublevações pós-modernas que se desenvolvem emvários lugares. É uma revolta bastante disseminada, que não se origina deum projeto político preciso e programático, mas, ao contrário, propaga-secomo um fogo rápido a partir de um pequeno pretexto, como R$ 0,20 deaumento da passagem de ônibus. É algo que pode ser comparado com oexemplo turco, onde a partir de algo anódino — construir ou não algo em umparque — se criou uma sublevação que se alastrou. Vivemos o fim de umaépoca, e umas das manifestações disso é que algo cotidiano suscita ummovimento que questiona o sistema.

Para o senhor, é o fim de um modo de se fazer política?É o fim da política moderna. Tive como professor na França o sociólogoJulien Freund (1921-1993), também conhecido no Brasil, que dizia que o

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político é a ideia de um projeto, de um programa, da dimensão racional, sejade esquerda ou de direita. O objetivo programático é mobilizar energias paraalcançar o fim desejado. Era a grande ideia marxista dos sistemas socialistasdo século XIX, das políticas conservadoras etc. Vemos que há uma saturação,um tipo de indiferença, esses jovens não se reconhecem mais num programa,num partido ou sindicato. Não é mais programático, mas, sim, emocional. Amodernidade é racional, e a pós-modernidade é emocional. Com o que ocorreno Brasil temos uma boa ilustração disso.

O senhor se surpreendeu pelo fato de essas manifestações ocorrerem agorano Brasil?Vejo o Brasil como um laboratório da pós-modernidade. Algo assim não vejoocorrer na França, onde espírito, clima e intelligentsia permanecem muitoracionais. Não vejo surpresa neste tipo de explosão, forte, mesmo brutal, numpaís como o Brasil.

Não se trata de revolução. Como o senhor definiria este movimento?A palavra “revolução” significa uma ruptura. Etimologicamente significa“revolvere” em latim, voltar a coisas que acreditávamos superadas. Não éuma revolução no sentido moderno do termo, como ruptura. Mas no sentidoetimológico vemos voltar essa ideia de fraternidade, de estar juntos, dastribos. Por isso o Brasil é um país importante, porque vejo que resta essavelha ideia, que vem das culturas ancestrais, de comunidade, desolidariedade de base. Vejo uma espécie de ilustração da minha teoria detribos urbanas. E, quando há um tal ajuntamento, os políticos ficam perdidos,desamparados, porque ultrapassa suas categorias, que permanecemprogramáticas. Vemos uma sublevação, um tsunami das tribos urbanas.

As redes sociais também têm um papel importante nessas sublevações...Brinco dizendo que neste caso não se deve mais fazer sociologia, masepidemiologia, pois é algo viral. É a sinergia do arcaico com odesenvolvimento tecnológico. Arcaico são as tribos; desenvolvimentotecnológico, a internet. Há mobilidade graças às redes sociais. As tribosurbanas se tornam comunidades interativas. Há essa expressão em inglês,

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“flash mob” (abreviação de flash mobilization, movimentação relâmpago).De repente surge uma mobilização que desampara as instituições. Como nãoé programático, há o risco de murchar como um suflê, de forma rápida. Masé algo que deixa marcas.

O movimento pode degenerar?Não se faz omelete sem quebrar ovos. Não podemos atuar como moralistas.Mesmo que os participantes se manifestem contra a violência, é algo que nãoé controlável. Não se pode prever, mas é quase certo que haverá algum dano.Está na natureza humana, quando ocorre algo que quebra a ordem das coisasé certo que haverá desvios.

Como compara o que ocorre no Brasil com outros países? Teria algumarelação com Maio de 68?Não se pode comparar com a Primavera Árabe, a não ser pelo uso detecnologias e redes sociais. Acho que é mais comparável com a Turquia. Vejoesses movimentos como Maios de 68 pós-modernos: emoção coletiva, queprovoca o contágio e se alastra de forma incontrolável. Poderá secar, mascom um verdadeiro corte, e o depois não poderá ser como o antes.

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Domingo • 23 de junho • 2013

O ‘MONSTRO’ PODE SER UMA HIDRA

Chico Amaral

A trilha sonora dos protestos que agitam as ruas do país marca uma diferençaimportante em relação às manifestações que, desde o início da crise econômica,sacudiram o continente europeu, especialmente a Espanha. No Brasil, o HinoNacional é líder absoluto e indica um caráter menos disruptivo do movimento,vandalismos à parte. Questiona-se o sistema, mas não seus fundamentos.

Como os espanhóis, por aqui se exige transparência e o fim de privilégios depolíticos, mas os ibéricos, que andam de ônibus com ar-condicionado, usambilhete único, têm um sistema de saúde invejável e escola pública em tempointegral, apostam no autogoverno e na dissolução das estruturas políticastradicionais. São os Indignados ou movimento 15M, que abriga váriasplataformas ativistas.

No Brasil, apesar da rejeição aos partidos, a anarquia fica por conta dosvândalos. A pauta brasileira, mais conservadora, expressa nas faixas e nasredes sociais o desejo de um país mais honesto, com qualidade de vida no“padrão Fifa”.

Diferenças na pauta, semelhanças na mobilização. Aqui, como lá, não hálíderes. No máximo representantes com funções específicas, pois a identidade écoletiva. Das redes sociais se salta às ruas.

A longevidade e a vitalidade dos Indignados dão singularidade aomovimento, pois o mesmo fenômeno não ocorreu em países com situaçõesparecidas, abalados pela crise, como Grécia, Irlanda e Portugal.

Na Espanha, o uso do ambiente digital como cenário e canal de mobilizaçãoganhou relevância a partir de 2009, quando bloguers, twitters e flickers abriramfrentes de resistência contra uma nova lei de propriedade intelectual implantadapelo socialista José Luiz Zapatero. Somada a esse movimento, a defesa da

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cultura livre e da neutralidade na internet transformou-se numa crítica aobipartidarismo PSOE-PP e ao sistema político, cuja expressão máxima foi acampanha #Nolesvote, dando origem ao movimento Democracia Direta Ya.

No dia 15 de maio de 2011, após uma manifestação que terminou namadrilenha Puerta Del Sol, 40 pessoas, sem motivo aparente, pernoitaram napraça. Pensaram nos manifestantes egípcios da Praça Tahir, mas nãoimaginavam que o mesmo poderia ocorrer, segundo relato de Miguel Arana, umdos fundadores. Naquela noite, criaram uma ação digital que levou as pessoasde volta às ruas para seguir com um protesto tão difuso como os o que ocorremhoje no Brasil. Dois dias depois, a polícia as desalojou da praça comviolência, provocando adesão maciça ao movimento, que se espalhou pelo paíse causou picos nos servidores das redes sociais.

Um estudo do DatAnalysis 15M demonstra esta adesão ao analisar amigração entre os tweets com hashtags de apoio ao movimento. Por meio dasredes sociais, há um entrelaçamento de plataformas novas e já existentes, comoDemocracia Directa Ya, Contra Lei Sinde, No les Vote, Okupa e Plataformados Afetados pelas Hipotecas — PAH, formando um guarda-chuvas paradistintas frentes de lutas.

Os Indignados nasceram com prática acumulada em redes sociais. Já haviamsuperado o clickativismo, que se limita a assinar petições virtuais ecompartilhar enlaces. Desde o início, exercitam a tecnopolítica: usam a rede e ociberespaço para ter efeitos dentro e fora dele, alterando o estado de ânimo daspessoas. Esse é o segredo de sua vitalidade, explica Javier Toret, doDatAnalyis 15M.

E as ações no mundo real vêm se multiplicando: a PAH enfrenta bancos comproposta de lei por iniciativa popular que muda as regras dos sistemahipotecário; a Candidatura d’Unitat Popular, CUP, conseguiu eleger trêsdeputados no Parlamento catalão; e, recentemente, foi lançado um partido semrosto ou liderança, o Partido X, que pretende, em breve, tomar o poder.

Por estas bandas, ainda falta uma praça onde os manifestantes possam montar

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um acampamento para discutir cara a cara suas reivindicações e dar uma formaao futuro. Por enquanto, estão marchando pelas ruas de um lado para o outro.

Chico Amaral viveu na Espanha nos últimos 12 anos

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Sexta-feira • 28 de junho • 2013

TERRITÓRIO ANTIPÁTICO

Hermano Vianna

Sou muito antigo. Quando usei a internet pela primeira vez, Tim Berners-Leeainda não havia inventado o www. Portanto, Mark Zuckerberg nem sonhavacom o Facebook. Durante este tempo de vida on-line, mantive afiada acuriosidade com relação às novas ferramentas que continuam a mudar nossasformas de comunicação com o mundo. Posso declarar: crianças, acompanhei emtempo real — parecia final de Copa do Mundo — a campanha que fez o Brasilvirar campeão de perfis no Orkut. Depois, fiquei alegre ao perceber cada vezmais gente de favelas na rede social do Google, algo que revelava uma“inclusão digital” conquistada na marra. Então, não gostei nada quando os ricosabandonaram o Orkut para se afastar dos pobres, tentando manter a qualquercusto, na realidade virtual, a desigualdade real/brutal da sociedade brasileira.

Continuo achando o Facebook um território antipático. Não apenas pelamaneira preconceituosa com que foi adotado no Brasil. Mais importante é outroargumento político já repetido inúmeras vezes nesta coluna: o Facebook(recusome a chamá-lo de “face”, como se fosse amigo íntimo) é um condomíniofechado que funciona com princípios contrários àqueles que criaram a riquezada vida pública da cidade chamada internet. Muita gente nem se aventura maispara fora dos muros dessa rede social privada: pensa que aquilo ali é toda agrande Rede, esquecendo que vive em ambiente controlado por uma únicaempresa, trabalhando de graça para seu sucesso comercial. Por isso, ficoassustado quando constato que as manifestações que tomaram conta das ruasbrasileiras lutando por uma vida pública (tudo começou com a batalha pelamelhoria do transporte público) mais democrática sejam “agendadas” dentro decondomínio controlado por uma das corporações de mídia mais poderosas doplaneta (e que bloqueia nossos perfis se publicamos fotos de mulher com ospeitos de fora).

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As manifestações sempre começavam em eventos do Facebook. Acesso àsinformações sobre esses eventos só com perfil no Facebook, aceitando ostermos de uso da empresa dona da rede social. Alguém já leu com cuidadoesses Termos de Uso? Alguém chama aquilo de legislação democrática?Novamente: sou antigo, de um tempo em que muita gente via na internet umatrincheira na luta pela liberdade e acreditava em algo que pessoas mais novasnão devem ter ouvido falar: software livre, código aberto. Onde isso tudo foiparar? E por que a defesa do Marco Civil da Internet, escrito em processoaberto, não se tornou também uma grande bandeira nas nossas manifestações derua?

Estranha coincidência: enquanto os protestos brasileiros aconteciam, o FBIacusou Edward Snowden de espionagem, por ter vazado dados que provam queas grandes corporações da internet colaboram com o governo americanoabrindo seus bancos de nossos dados que imaginamos privados. Era sobre issoque eu estava escrevendo nesta coluna antes das manifestações. Não vouassustar ninguém com essa politicagem global. Bastam questões mais práticas.Por exemplo: este é o último fim de semana do Google Reader. Esse serviçovai terminar porque o Google assim decidiu, sem consulta aos usuários. É umaempresa, pode fazer o que quiser com seus produtos. Imaginem se o Facebookdecidir que quer “descontinuar” sua rede social. Onde vai parar a memóriadeste momento central da História brasileira?

Mesmo que o Facebook não acabe nunca: daqui a uma década, tente encontrarum evento da semana passada. Estará perdido em alguma timeline talvezdesativada. Como a rede social não tem uma boa ferramenta de busca e criaçãode links, como os robôs de buscas externas não podem ultrapassar os limites deseus muros, é quase impossível encontrar alguma coisa por ali a não ser opassado mais imediato. Mas como dizem muitos, somos país sem memória. Quefalta isso fará? Seremos muito felizes desmemoriados ou talvez vamos precisarda ajuda do FBI, que deve manter todos nossos “eventos” arquivados emalguma pasta secreta, para lembrar dos nossos anos ciber-rebeldes.

Miriam Leitão, no domingo passado, fez perguntas que devem estar tirando o

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sono de muitas outras pessoas: “E as pesquisas de opinião? O que é mesmo queperguntaram para captar tanta popularidade do governo? Como isso se encaixacom o que vimos agora?” Lendo as pesquisas publicadas pelo Ibope/“Época”esta semana (entre os 75% que apoiam os protestos 69% se dizem satisfeitoscom suas vidas atuais) mais um mito caiu por terra: quem disse que paraprotestar precisamos estar insatisfeitos? Hoje todo mundo quer planos,inclusive políticos, cada vez mais ilimitados. Como sempre digo: abundânciaexige mais abundância.

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Domingo • 30 de junho • 2013

ENTREVISTA COM MANUEL CASTELLS

‘O POVO NÃO VAI SE CANSAR DEPROTESTAR’

Maurício Meireles

Para o sociólogo catalão Manuel Castells, boa parte dos políticos é de“burocratas preguiçosos”. Ele é um dos pensadores mais influentes do mundo,com suas análises sobre os efeitos da tecnologia na economia, na cultura e,principalmente, no ativismo. Conhecido por sua língua afiada, o espanhol falouao GLOBO por e-mail sobre os protestos.

Os protestos no Brasil não tinham líderes. Isso é uma qualidade ou umdefeito?Claro que é uma qualidade. Não há cabeças para serem cortadas. Assim, asredes se espalham e alcançam novos espaços na internet e nas ruas. Não setrata, apenas, de redes na internet, mas redes presenciais.

Como conseguir interlocução com as instituições sem líderes?Eles apresentam suas demandas no espaço público, e cabe às instituiçõesestabelecer o diálogo. Uma comissão pode até ser eleita para encontrar opresidente, mas não líderes.

Como explicar os protestos?É um movimento contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesada dignidade e dos direitos humanos — aí incluído o transporte. Osmovimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como meta, maisdo que o combate à pobreza. É um protesto democrático e moral, como amaioria dos outros recentes.

Por que o senhor disse que os protestos brasileiros são um “ponto deinflexão”?É a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canaistradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania

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política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidosaltamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o crescimentoeconômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No caso, o temafoi o transporte. Eles são contra a ideia do crescimento pelo crescimento, omantra do neodesenvolvimentismo da América Latina, seja de direita, seja deesquerda. Como o Brasil costuma criar tendências, estamos em um ponto deinflexão não só para ele e o continente. A ideologia do crescimento, comosolução para os problemas sociais, foi desmistificada.

O que costuma mover esses protestos?O ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governopelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seussalários. O principal é que milhares de cidadãos se sentem fortalecidosagora.

O senhor acha que eles podem ter sucesso sem uma pauta bem definida depedidos?Acho inacreditável. Além de passarem por uma série de problemas urbanos,ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser dosburocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os cidadãossó apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os políticos e técnicospagos por eles para fazê-lo.

Com organização horizontal, esse movimento pode durar?Vai durar para sempre na internet e na mente da população. E continuaránas ruas até que as exigências sejam satisfeitas, enquanto os políticostentarem ignorar o movimento, na esperança que o povo se canse. Ele não vaise cansar. No máximo, vai mudar a forma de protestar.

Outra característica dos protestos eram bandeiras à esquerda e à direita doespectro político. Como isso é possível?O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, aesquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas,os revoltados — todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem, organizadaspor uma única bandeira e lideradas por burocratas partidários. É o caos

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criativo, não a ordem preestabelecida.

Há uma crise da democracia representativa?Claro que há. A maior parte dos cidadãos do mundo não se senterepresentada por seu governo e seu Parlamento. Partidos são universalmentedesprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Elesacreditam que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelopovo. Boa parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhascostumam ser financiadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia não ésó votar de quatro em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira.As eleições viraram um mercado político, e o espaço público só é usado paradebate nelas. O desejo de participação não é bem-vindo, e as redes sociaissão vistas com desconfiança pelo establishment político.

O senhor vê algo em comum entre os protestos no Brasil e na Turquia?Sim, a deterioração da qualidade de vida urbana sob o crescimento econômicoirrestrito, que não dá atenção à vida dos cidadãos. Especuladores imobiliáriose burocratas, normalmente corruptos, são os inimigos nos dois casos.

Protestos convocados pela internet nunca tinham reunido tantas pessoas noBrasil. Qual a diferença entre a convocação que funciona e a que não temsucesso?O meio não é a mensagem. Tudo depende do impacto que uma mensagem temna consciência de muitas pessoas. As mídias sociais só permitem adistribuição viral de qualquer mensagem e o acompanhamento da açãocoletiva.

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FOTOGALERIA

Os cartazes bem-humorados foram uma das principais marcas das manifestações quevarreram o Brasil, como esta na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Foto de Pablo Jacob

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No Centro do Rio, ainda no início das manifestações, o mote era o alto preço das passagensde ônibus, que haviam sofrido reajuste em 1º de junho. Foto de Pablo Jacob

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À medida que o movimento cresceu, as manifestações pacíficas começaram a sofrer com atosde vandalismo: em 17 de junho, no início da noite, um grupo tenta invadir o prédio daAssembleia Legislativa, no Centro do Rio. Foto de Pedro Teixeira

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Depredação e vandalismo: manifestantes radicais fazem uma fogueira em frente àAssembleia Legislativa do Rio. Nem o Paço Imperial, vizinho à Alerj, escapou: o prédiohistórico foi pichado por vândalos. Foto de Domingos Peixoto

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No dia seguinte às manifestações de 17 de junho, o cenário no Centro é desolador, comprédios históricos pichados e dois carros incendiados. Foto de Gabriel de Paiva

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Os gastos com a preparação para o Mundial de 2014 não escaparam das críticas. Com isso, oprimeiro jogo da Copa das Confederações no Maracanã, em 16 de junho, foi alvo de umprotesto que acabou em conflito entre manifestantes e policiais da tropa de choque. Foto deDomingos Peixoto

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Tentando impedir o acesso dos manifestantes ao Maracanã, a polícia usou gás de pimenta,que acabou afetando até quem entrava no estádio para ver o jogo. Para fugir da cargapolicial, até skate valia. Foto de Pedro Kirilos

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A repressão policial aos manifestantes que tentavam chegar ao Maracanã se espalhou pelasruas próximas ao estádio. Houve quem desmaiasse por causa do gás lacrimogêneo. Foto deDomingos Peixoto

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Mesmo depois de a prefeitura e o governo do estado recuarem no reajuste de tarifas, osmanifestantes voltaram às ruas. A Avenida Presidente Vargas foi tomada por um mar depessoas, da Igreja da Candelária ao monumento a Zumbi dos Palmares. Foto de LuizAlvarenga

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A rejeição aos partidos é outra característica das manifestações, um sinal da decepçãopopular com o sistema político. Bandeiras de partidos como o PT eram rasgadas nosprotestos, e os militantes, hostilizados. Foto de Pedro Kirilos

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O caveirão do Bope foi usado contra os manifestantes que tentavam chegar à sede daprefeitura do Rio, na Cidade Nova, na manifestação de 20 de junho. O ato, que até entãocorreu pacificamente, teminou em confrontos violentos, com policiais perseguindomanifestantes em vários pontos da cidade. Foto de Pedro Kirilos

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O povo no Congresso: manifestantes tomam na laje da sede do Parlamento, em Brasília.Apesar da invasão, não houve incidentes. Foto de Givaldo Barbosa

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Apenas três dias depois, o Palácio do Itamaraty, em Brasília, sofre com o vandalismo apósuma manifestação. Vidros do prédio foram quebrados e chegou a haver um princípio deincêndio. Foto de Givaldo Barbosa

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Em São Paulo, onde começaram os protestos contra o aumento de tarifas, um grupo deestudantes é cercado pela tropa de choque durante um confronto na Rua da Consolação. Fotode Michel Filho

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A repressão policial transformou em praça de guerra o entorno da estação do metrôConsolação, em São Paulo, com manifestantes e transeuntes tentando fugir das bombas degás lacrimogêneo. Foto de Eliaria Andrade

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O rosto estilizado de Guy Fawkes, popularizado pelo filme “V de vingança” e símbolo dogrupo Anonymous, está em todas as manifestações. A prisão, em São Paulo, de manifestantesportando vinagre (a ser usado para mitigar os efeitos do gás lacrimogêneo) levou à paródia“V de vinagre”. Foto de Pedro Kirilos

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O movimento trouxe de volta à cena o ativismo estudantil. Cerca de mil pessoas se reuniramem frente ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ, no Centro do Rio, paradiscutir o rumo das manifestações. Foto de Fabio Rossi

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Rompendo fronteiras. Manifestante abraça um PM durante uma das manifestações no Rio.Foto de Fabio Seixo

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Mais investimentos em educação: manifestante brinca com o (baixo) nível das escolas noBrasil. Foto de Pedro Kirilos

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