projeto selecao mestrado - dfe uem · jesuítas e colonos. um dos motivos deste conflito era o modo...

17
1. Introdução O presente trabalho parte de um recorte definido momentaneamente, sendo este o processo que envolveu o estabelecimento de um colégio jesuítico na comarca de Paranaguá. No entanto, se faz necessária uma ampliação de nossos horizontes nesta breve introdução do tema em questão. Para tanto, partiremos do princípio da inserção do nosso objeto, o colégio de Paranaguá, em um contexto muito mais amplo: a fundação dos primeiros colégios jesuíticos, e uma breve retomada do papel histórico da Companhia de Jesus e seus missionários na empreitada de colonizar a possessão além-mar de Portugal na América. A escolha deste tema deveu-se ao fato de que pretendemos dar continuidade a uma linha de pesquisa já iniciada desde a graduação. Em nosso primeiro projeto, de iniciação científica, estudamos também a presença jesuítica no Brasil - colônia, mais especificamente, o teatro de José de Anchieta. 1 Foram analisadas duas peças de Anchieta, e estas foram comparadas com outras duas obras do teatrólogo português Gil Vicente. Estamos atualmente dando continuidade ao mesmo tema no curso de especialização em Pesquisa Educacional, onde nos propusemos a analisar todas as peças do teatro anchietano e compará-las com mais obras de Gil Vicente. Acreditamos ser de extrema importância e relevância para qualquer pesquisador seguir uma linha de pesquisa, e por esta razão pretendemos continuar estudando o mesmo tema na presente proposta de pesquisa. No momento em que o Brasil começou a ser colonizado, a Igreja católica tinha por objetivo deter o avanço protestante e a propagação da doutrina reformista, introduzida por Lutero na primeira metade do século XVI. Tal movimento ficou conhecido pela história como Contra Reforma Católica, que encontrou na Europa fortes aliados para tal empreitada: o tribunal da Santa Inquisição e a recém fundada Companhia de Jesus. A Companhia de Jesus foi uma ordem fundada por Inácio de Loyola, ex-cavaleiro medieval, no ano de 1540, e era caracterizada por uma rígida disciplina, além de 1 Este projeto de iniciação científica recebeu o seguinte título: A filosofia educacional dos jesuítas no teatro anchietano.

Upload: hoangkhanh

Post on 28-Jan-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1. Introdução

O presente trabalho parte de um recorte definido momentaneamente, sendo este o

processo que envolveu o estabelecimento de um colégio jesuítico na comarca de

Paranaguá. No entanto, se faz necessária uma ampliação de nossos horizontes nesta

breve introdução do tema em questão. Para tanto, partiremos do princípio da inserção

do nosso objeto, o colégio de Paranaguá, em um contexto muito mais amplo: a

fundação dos primeiros colégios jesuíticos, e uma breve retomada do papel histórico da

Companhia de Jesus e seus missionários na empreitada de colonizar a possessão

além-mar de Portugal na América.

A escolha deste tema deveu-se ao fato de que pretendemos dar continuidade a uma

linha de pesquisa já iniciada desde a graduação. Em nosso primeiro projeto, de

iniciação científica, estudamos também a presença jesuítica no Brasil - colônia, mais

especificamente, o teatro de José de Anchieta.1 Foram analisadas duas peças de

Anchieta, e estas foram comparadas com outras duas obras do teatrólogo português Gil

Vicente. Estamos atualmente dando continuidade ao mesmo tema no curso de

especialização em Pesquisa Educacional, onde nos propusemos a analisar todas as

peças do teatro anchietano e compará-las com mais obras de Gil Vicente. Acreditamos

ser de extrema importância e relevância para qualquer pesquisador seguir uma linha de

pesquisa, e por esta razão pretendemos continuar estudando o mesmo tema na

presente proposta de pesquisa.

No momento em que o Brasil começou a ser colonizado, a Igreja católica tinha por

objetivo deter o avanço protestante e a propagação da doutrina reformista, introduzida

por Lutero na primeira metade do século XVI. Tal movimento ficou conhecido pela

história como Contra Reforma Católica, que encontrou na Europa fortes aliados para tal

empreitada: o tribunal da Santa Inquisição e a recém fundada Companhia de Jesus. A

Companhia de Jesus foi uma ordem fundada por Inácio de Loyola, ex-cavaleiro

medieval, no ano de 1540, e era caracterizada por uma rígida disciplina, além de

1 Este projeto de iniciação científica recebeu o seguinte título: A filosofia educacional dos jesuítas no teatro anchietano.

4

possuir um voto a mais que todas as outras ordens: o quarto voto de obediência

máxima ao papa, de extrema importância no contexto da já mencionada Contra

Reforma Católica. Em um primeiro momento o apostolado educacional não fazia parte

dos planos de Inácio e seus companheiros. Todos os companheiros eram formados

pela Universidade de Paris, cidade onde conheceram Inácio, quando este freqüentava a

mesma universidade. Pelo fato de ter estudado fora da idade que seria convencional,

ou seja, enquanto jovem, Inácio de Loyola encontrou dificuldades no aprendizado,

experiência que seria importante quando da elaboração de um método pedagógico para

os colégios da Companhia de Jesus. A partir disto, para Inácio, a educação dos jovens

era a ideal para que se aprendesse de forma que produzissem frutos. Segundo Egídio

Schmitz2, interessada em fazer crescer o número de membros da Companhia o mais

depressa possível, a Ordem decidiu então formar os jovens que seriam os futuros

padres jesuítas, e não somente recebê-los já letrados.3 Inácio, devido à experiência de

seus estudos em Paris, dava importância ao estudo de temas pagãos aliados ao ensino

cristão - era o modus parisiensis influenciando na concepção educacional dos jesuítas.

Os primeiros colégios foram fundados juntos às Universidades já a partir de 1540. O

primeiro colégio foi fundado em Paris em 1540, seguido dos colégios de Coimbra,

Lovaina e Pádua, em 1542. Para completar as aulas, que eram assistidas nas

Universidades, eram passados nos colégios os Exercícios Espirituais.4 Logo os colégios

passaram a aceitar também alunos externos, e na segunda metade do século XVI,

grande parte da Europa passou a contar com instituições de ensino jesuíticas. O desejo

inclusive de pessoas externas na fundação de colégios em seus países foi

impulsionado principalmente na Alemanha e na Índia, em um primeiro momento, pois

necessitavam de um ensino cristão, tanto para deter a propagação da doutrina de

2 Cf. SCHMITZ, Egídio Francisco. Os jesuítas e a educação: filosofia educacional da Companhia de Jesus. 3 A partir de então, eram aceitos jovens inclusive sem instrução necessária para se tornar um jesuíta. Desta forma, a ordem toma para si a incumbência de instruir estes mesmos jovens, instrução esta que veio da necessidade em aumentar o número de membros da ordem o mais depressa possível. 4 Os assim chamados Exercícios Espirituais são uma série de exercitações de caráter reflexivo e moral exigidos de todo jesuíta. São inspirados no processo de conversão do fundador da Ordem. Veja-se IGNACIO DE LOYOLA, (San). Ejercicios espirituales. In: Obras Completas. p.207-290. Uma boa introdução aos Exercícios Espirituais pode ser lida em: FLEMING,(S.J.) David L.

5

Lutero no primeiro, quanto para a conversão de gentios no segundo. Inácio não mais

pensava somente em formar novos membros para a Ordem, mas também bons

cristãos, quaisquer fossem os cargos que estes viessem a adquirir no futuro.

Em 1553, Inácio declarou em uma regra escrita para os mestres que os meninos

deveriam ser ensinados nas escolas da Ordem “para a maior glória de Deus”, lema

maior da Companhia de Jesus. Um primeiro documento chamado “Fundación de

collegio” foi lançado no ano de 1541, com os princípios a serem seguidos pelos

escolásticos. Esta regra instruía os mestres a primeiro ensinar as letras aos jovens,

para só então começar os estudos acerca de filosofia e teologia. Outro ponto na

filosofia educacional jesuítica é o princípio de que deve se dar de graça o que de graça

se recebeu. O colégio não deveria sobreviver de esmolas, mas sim a própria fundação

deveria sustentá-lo por si mesma. A fundação geralmente se dava por meio de um

benfeitor, que não tinha o direito de dar ordens no colégio ou interferir na

administração. Para os professores nada era oferecido além do sustento, e eram

aceitos professores leigos e até mesmo ex-jesuítas, desde que estes não procurassem

remuneração. Suas recompensas deveriam ser somente Cristo, sua recompensa

maior.

Para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos, foi elaborada a Ratio

Studiorum, um conjunto de normas elaboradas com a finalidade de ordenar as

atividades, funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuítas. Sua primeira

edição, de 1599, além de sustentar a educação jesuítica ganhou status de norma para

toda a Companhia de Jesus. Não estava explícito no texto o desejo de que a Ratio

Studiorum se tornasse um método inovador que influenciasse a educação moderna,

mesmo assim, foi ponte entre o ensino medieval e o moderno.5 Antes do documento

em questão ser elaborado, a Ordem tinha suas normas para o regimento interno dos

colégios, os Ordenamentos de Estudos, que serviram de inspiração e ponto de partida

para a elaboração da Ratio Studiorum. O objetivo maior da Companhia não era o de

inovar, mas sim de cumprir as palavras de Cristo: “Docete omnes gentes, ensinai,

(org.) Notas sobre os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Nesta obra, podem ser encontrados textos de vários autores sobre o tema. 5 ARNAUT DE TOLEDO, Cézar de Alencar. “Razão de estudos e razão política: um estudo sobre a Ratio Studiorum.” In: Acta Scientiarum, 22, 1, p. 181-187, 2000.

6

instrui, mostrai a todos a verdade”. Esse objetivo foi um dos motivos pelos quais os

jesuítas desempenharam no Brasil, o papel de educadores, unido à veia missionária

da Ordem.

A característica missionária da Ordem foi forte aliada da coroa portuguesa no

processo de colonização do Brasil. O regime do padroado unia igreja católica e

Estado português em torno de objetivos comuns: colonizar as novas terras, levando

aos nativos a “civilização” européia, seus costumes e seu Deus. Ao desembarcarem

em terras brasílicas os primeiros jesuítas no ano de 1549, adaptações foram feitas

para a instrução do gentio, segundo a cultura destes. Isto porque para os jesuítas,

muito além de estudar a teologia ou ensinar a catequese a partir de livros, esta era

estudada e assimilada por meio da vivência dos padres. O primeiro colégio de

catecúmenos que houve no Brasil foi o de São Vicente, fundado em 1554 pelo padre

jesuíta Manuel da Nóbrega. As escolas eram em pequenas casas, e permaneceram

com tal característica de 1550 a 1560. Os três grandes colégios a serem inaugurados

na segunda metade do século XVI foram: em Salvador (1572); no Rio de Janeiro

(1573); e em Olinda (1576). Além destes, foi fundado um colégio na vila de

Paranaguá, comarca da província de São Paulo, curiosamente naqueles que seriam

os últimos anos da Companhia de Jesus no Brasil, ou seja, de 1755 a 1759. Tal

colégio demorou a ser fundado devido ao trâmite burocrático, pois, diferentemente de

uma casa jesuítica, um colégio necessitava de uma licença, ou seja, uma permissão

direta do rei de Portugal, mesmo depois de ter passado o pedido por todas as

instâncias da Companhia de Jesus. Segundo Serafim Leite, estudioso dos jesuítas no

Brasil, foi fundada a princípio uma casa anexada ao colégio de Santos, para depois de

um processo muito longo, quase meio século, ser fundado o colégio na vila de

Paranaguá.6

Um cenário conflitivo começou a se configurar a partir do século XVII entre

jesuítas e colonos. Um dos motivos deste conflito era o modo de conversão dos

índios: o confinamento em escolas, em vez de trabalharem em prol da colônia (ou dos

colonos). Outro motivo de insatisfação era que – justificavam os colonos no Amazonas

– os jesuítas não permitiam que os índios trabalhassem na extração das drogas do

6 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil , p. 441-456.

7

sertão, porém lhes era permitido, e incentivado, trabalhar nas missões. Seguindo tal

insatisfação, bandeirantes paulistas invadiram entre 1619 e 1631 as missões

jesuíticas. Por esta razão, os jesuítas foram para o sul com mais de dez mil nativos,

onde estabeleceram os Sete Povos das Missões. Em virtude da resistência à

mudança de margem do rio Uruguai, em cumprimento do tratado de Madrid, iniciaram-

se as chamadas Guerras Guaraníticas. Como resultado desta resistência dos índios

liderados pelos jesuítas, além dos constantes conflitos com os próprios colonos e

autoridades na colônia, o marquês de Pombal ordenou a expulsão da Companhia de

Jesus de terras brasileiras no ano de 1759.

Este é o contexto, conforme indicamos, no qual pretendemos inserir o processo

de fundação do colégio de Paranaguá. Pretendemos investigar qual clientela visava

atingir a instrução dos jesuítas, bem como o grau de relevância da catequese dos

indígenas na vila de Paranaguá e circunvizinhanças. Perifericamente pretendemos

discutir brevemente os métodos de ensino empregados pelos mestres jesuítas nesta

instituição.7 Para tanto, utilizaremos como referência o sexto volume da obra do padre

jesuíta Serafim Leite - referência para estudos jesuíticos no Brasil – intitulada História

da Companhia de Jesus no Brasil. Nesta obra poderemos encontrar documentos na

íntegra e também excertos acerca do trâmite burocrático para a fundação do colégio

de Paranaguá, além de importantes referências documentais para nossas

investigações. Dentre estas referências estão a Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo e o Arquivo Histórico do Rio de Janeiro. Além deste

importante referencial, pautaremos nossos estudos nos documentos contidos no

Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa8, alguns digitalizados, microfilmados ou

fotocopiados e enviados via correio. Há também uma grande quantidade de material

7 . Não iremos estabelecer uma relação entre as regras mais gerais para os colégios jesuíticos, contidas na Ratio Studiorum e as regras do colégio de Paranaguá, devido à distância temporal entre as mesmas e o diferente contexto, onde poderíamos inclusive cometer um anacronismo. 8 O catálogo de tais documentos foi publicado pela EDUSC: ARRUDA, José Jobson de Andrade (org.). Documentos manuscritos avulsos da Capitania de São Paulo , 2000. Neste catálogo estão organizadas as fichas catalográficas, bem como o assunto do qual tratam os documentos, individualmente. O primeiro volume conta inclusive com um índice onomástico, e o terceiro volume, que consiste em um índice referente aos documentos contidos no segundo volume, está entre os próximos lançamentos da EDUSC.

8

no Arquivo da Torre do Tombo, com serviços que vão desde o levantamento dos

documentos, até a microfilmagem e gravação em cd do material.

9

2. Justificativas

O colégio jesuítico na vila de Paranaguá, comarca da província de São Paulo,

fundado oficialmente no ano de 1755, inaugurou o ensino público, primário e

secundário, no que hoje reconhecemos como estado do Paraná, além de ter sido

também seu primeiro seminário. Recuperar estas informações faz parte da

reconstrução de uma parcela da História do Brasil, bem como da formação da

cultura brasileira, formação esta que certamente recebeu contribuições dos padres

da Companhia de Jesus no Brasil. Estas contribuições provavelmente se deram

tanto na catequese dos meninos índios, quanto na instrução dos filhos dos colonos.

No contexto apresentado, faz-se necessária uma discussão acerca da clientela

atendida no colégio de Paranaguá pelos padres jesuítas, além de uma análise sobre

os primeiros professores, bem como quais conteúdos eram lecionados neste colégio.

Para que tal resgate seja efetivado, pretendemos analisar qual o significado

da fundação de um colégio jesuítico em um contexto de disputas entre colonos e

jesuítas, conflitos estes que, poucos anos após a fundação de tal colégio, levou à

expulsão dos jesuítas de terras brasileiras. Além deste fator, outra importante análise

se faz necessária acerca do longo processo de estabelecimento para a fundação do

colégio, visto que desde 1708 os próprios colonos da vila de Paranaguá

reivindicavam um colégio da Ordem na mesma. Partiremos, portanto, da

necessidade inicial dos colonos, que, dada a distância de outros colégios desejavam

que houvesse um colégio na Vila de Paranaguá.

Devemos atentar para este período em especial, uma vez que desde a

fundação da casa dos jesuítas em Paranaguá em 1708, os padres iniciaram

trabalhos de catequese, sacramentos, entre outras assistências à vila e também à

circunvizinhança. Acreditamos que a educação não acontece somente nas

instituições escolares, mas se dá principalmente nas relações sociais, na práxis

humana. Por esta razão não serão enfocadas somente as atividades no colégio após

sua fundação oficial, mas sim todas as atividades - possíveis de serem identificadas

10

nos documentos a serem analisados - dos jesuítas desde seu estabelecimento na

vila de Paranaguá, bem como o processo de estabelecimento do mesmo colégio.

A escassez de material bibliográfico foi fator que nos chamou a atenção e que

pretendemos adicionar à análise, verificando as causas do descaso da historiografia

da educação em relação a este processo. Para tanto, pretendemos consultar

detalhadamente nos arquivos disponíveis, tanto no Brasil quanto em Portugal e na

Itália.9 Quando não pudermos lançar mão deste recurso, alguns arquivos, como por

exemplo, o Pátio do Colégio dos Jesuítas, na cidade de São Paulo, o Arquivo

Nacional, e o Arquivo da Torre do Tombo oferecem serviços via correio, tanto de

levantamento de dados quanto de fotocópias e gravação de documentos em cds.

Pretendemos, desta forma, resgatar este episódio que faz parte de nossa

história, mais especificamente, faz parte da história da educação no Brasil, não

perdendo de vista as determinações do contexto e das relações sociais da época

como fator primeiro para a formação da sociedade, e mesmo da educação para a

formação do homem que atenderia a sociedade colonial do Brasil.

9 Tal consulta nos é viável mesmo sem nos deslocarmos propriamente a estes países, uma vez que, com o advento da informática, grande parte destes documentos está disponível na rede mundial de computadores, alguns inclusive microfilmados.

11

3. Objetivos

3.1 Gerais:

3.1.1 Recuperar parte da história da educação em nosso país a partir da

contribuição dos padres da Companhia de Jesus no colégio da vila de

Paranaguá;

3.1.2 Analisar as causas que levaram à um longo processo de estabelecimento

do colégio na vila de Paranaguá;

3.1.3 Verificar qual o significado da fundação de um colégio jesuítico em um

cenário de conflitos entre jesuítas e colonos;

3.2 Específicos:

3.2.1 Detectar qual era a clientela atendida pelo colégio de Paranaguá, bem

como seus primeiros professores;

3.2.2 Constatar quais os conteúdos ministrados no colégio de Paranaguá;

3.2.3 Verificar a assistência dos jesuítas tanto à vila de Paranaguá quanto à

circunvizinhança;

3.2.4 Identificar as possíveis causas para a escassez bibliográfica em relação ao

tema;

12

4. Breve revisão da literatura e fundamentação teórica

Antes mesmo da análise propriamente dita discutiremos os valores da sociedade

colonial brasileira. Tal contextualização se faz necessária uma vez que nosso recorte é

momentâneo e não perde de vista o todo, a estrutura:

O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo, e, portanto, o ponto de partida também da intuição e representação10

Sem o contexto nossa análise estaria flutuando em um campo de suposições, e

pautados em uma análise idealista. Nossa proposta é inserir o colégio de Paranaguá,

com nossos objetivos gerais e específicos, em um prisma de significações mais amplo,

a sociedade colonial brasileira e suas relações econômicas, sociais e culturais.

Conforme já foi mencionado, a escassez bibliográfica nos direcionou a analisar as

fontes primárias acerca das questões jesuíticas a partir do final do século XVII e início

do século XVIII. Uma de nossas fontes será a obra de Serafim Leite, em seu sexto

volume da História da Companhia de Jesus no Brasil. O autor traz toda uma discussão

acerca do pedido da câmara de Paranaguá por uma casa dos jesuítas na comarca de

Paranaguá, província de São Paulo, atualmente território paranaense. O primeiro

jesuíta a se dirigir para o interior, segundo Serafim Leite, foi o padre Leonardo Nunes,

seguido dos padres Pero Correia e João Souza. Sobre estes padres podemos encontrar

referência em outra obra de Serafim Leite, intitulada Novas Cartas Jesuíticas.11

No ano de 1682, a câmara de Paranaguá escreveu uma carta à Roma ao padre

Geral da Companhia, em agradecimento à uma missão jesuítica, de onde nasceu

pedido da casa jesuítica por parte da vila. Tal carta encontra-se integralmente transcrita

no volume em questão da História da Companhia de Jesus no Brasil. Serafim atribui a

este documento o princípio da fundação da casa e mesmo do colégio, no entanto o

pedido não foi atendido, mesmo após mais uma carta da câmara dirigida a Roma, no

10 MARX, Karl. Para a crítica da economia política. In: Os pensadores, p.39-40.

13

ano de 1685. O motivo para que o pedido não fosse atendido, segundo o autor, foi a

falta de recursos financeiros e garantias de subsistência para os padres jesuítas.

Conforme mencionamos, um dos aspectos na filosofia educacional jesuítica é o

princípio de que deve se dar de graça o que de graça se recebeu. Um colégio jesuítico

não deveria sobreviver de esmolas, mas sim deveria ter recursos próprios para se

manter. Poderia contar com a ajuda de benfeitores para a inauguração, o que

aconteceu em Paranaguá. Muitas doações foram feitas para que se estabelecesse um

colégio na vila. Sobre tais doações, Serafim Leite indica um número da Revista do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.12

No dia 14 de maio de 1708 a casa, devido às contribuições, pôde ser estabelecida

em Paranaguá, sob o comando dos padres António da Cruz e Tomás de Aquino, que

eram, segundo o autor, beneméritos da terra. A característica missionária da Ordem

pode ser observada no fato de que, tão logo a casa jesuítica havia sido inaugurada e

instituiu-se na vila de Paranaguá um seminário da Ordem. Serafim Leite traz ainda

informações a respeito da oficialização do colégio, somente no ano de 1775, no

entanto, o colégio já funcionava desde 1772. O texto de Leite traz uma observação que

nos chamou a atenção e insere este episódio em nosso contexto maior. O autor afirma

que no meio século que o colégio existiu – e aqui o autor se refere a todo o período de

estabelecimento do colégio, desde a fundação da casa jesuítica – serviu, sobretudo,

para propagar a doutrina da Igreja Católica, em um contexto, conforme destacamos

anteriormente, da tentativa em deter o protestantismo e conquistar novos adeptos.

11 LEITE, Serafim. Novas Cartas Jesuíticas, p.207. 12 O número da revista citado por Serafim Leite é Revista do Instituto de São Paulo, XX, anexo à p.694.

14

5. Descrição e fundamentação da metodologia a ser usada

Nesta pesquisa serão utilizadas fontes primárias na investigação, uma vez já

constatada a escassez bibliográfica mais detalhada acerca do tema em questão. Para a

análise das fontes teremos alguns procedimentos. Em um primeiro momento iremos

fazer o levantamento destes documentos: datação, assunto e local onde os mesmos se

encontram. Alguns destes documentos, conforme mencionado, encontram-se no sexto

volume da obra de Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, alguns na

íntegra, outros somente excertos. Nas linhas de sua obra, Serafim Leite traz

informações acerca da fundação do colégio de Paranaguá, sobretudo do trâmite legal e

burocrático que caracterizou o processo para o estabelecimento do mesmo. Em um

segundo momento, tais fontes serão analisadas, por meio de consulta direta nos

arquivos, em documentos microfilmados ou publicados em livros. A partir destes

documentos e obras que nos ajudem a entender o período colonial, sobretudo no

século XVIII, iniciaremos então a redação do texto para a qualificação. Por fim, iremos

corrigir o texto e redigiremos o texto final para a defesa.

O tratamento aos documentos deve ter uma preocupação hermenêutica, ou seja,

não podemos perder de vista o contexto em que este foi escrito; devemos ainda

analisá-los sem a pretensão de encontrar informações diretas. Estamos cientes de que

não iremos utilizar os documentos como mera ilustração, nem acreditar que estes falem

por si mesmos:

Ao debruçar-se sobre um documento, o historiador deve sempre atentar (...) para o modo através do qual se apresenta o conteúdo histórico que pretende examinar, quer se trate de uma simples informação quer se trate de idéias.13

Devemos ainda atentar para o conteúdo histórico, uma vez que estudaremos a

formação cultural do Brasil:

13 CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. História e análise de textos. In: Domínios da História, p.377.

15

Especialmente no caso de pesquisas voltadas para a história das idéias (...) e da cultura, o conteúdo histórico que se pretende resgatar depende muito da forma do texto: o vocabulário, os enunciados, os tempos verbais etc.14

Da mesma forma que não devemos utilizar as fontes como ilustração, também não

devemos partir do princípio de que o texto relata a história tal qual esta aconteceu. Ou

seja, não devemos reduzir a história ao texto, mas sim relacionar o texto ao contexto,

pois sabemos que todo texto é um discurso, que faz parte de uma época e de um grupo

específicos.

Após fazermos todo o levantamento e seleção do material disponível para que

possamos cumprir com nossos objetivos, iniciaremos a contextualização do nosso

objeto, visando inserir o processo que envolve a inauguração do colégio de Paranaguá

na sociedade como um todo. Será necessário entender o contexto da Contra Reforma

Católica, bem como o objetivo da Companhia de Jesus na empresa colonial. O segundo

passo metodológico será entender um pouco mais sobre as relações de produção na

colônia, bem como as relações sociais entre os colonos, jesuítas e indígenas. Entender

as relações de produção no Brasil – colônia, por conseqüência, é entender a sociedade

colonial:

Indivíduos produzindo em sociedade, portanto a produção dos indivíduos determinada socialmente, é por certo o ponto de partida. (...) Quanto mais se recua na História, mais dependente aparece o indivíduo, e portanto, também o indivíduo produtor, e mais amplo é o conjunto a que pertence.15

Finalmente, chegaremos à discussão acerca do papel do colégio, e de todos os outros

objetivos que nos propusemos a analisar, sem perder de vista o fio condutor de nossa

análise, buscando uma visão mais total, no sentido de não permanecermos

exclusivamente em um recorte desvinculado da sociedade e da temporalidade, ou seja,

desvinculado da sociedade colonial brasileira no século XVIII.

14 CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Op. cit. p. 377

16

6. Cronograma de execução

• Primeiro semestre: Freqüência às aulas e seleção de material;

• Segundo semestre: Freqüência às aulas e seleção de material;

• Terceiro semestre: Elaboração do texto para a qualificação;

• Quarto semestre: Correção do texto e elaboração do texto final para a defesa;

15 MARX, Karl. Op. Cit. p. 25-26.

17

7. Referências

ACERVO: revista do Arquivo Nacional. v. 10, n. 1 (jan./jun. 1997). Rio de Janeiro:

Arquivo Nacional, 1997.

ACERVO: revista do Arquivo Nacional. v. 12, n. 1-2 (jan./dez. 1999). Rio de Janeiro:

Arquivo Nacional, 2000.

ARNAUT DE TOLEDO, Cézar de Alencar. “Razão de estudos e razão política: um

estudo sobre a Ratio Studiorum.” In: Acta Scientiarum, 22, 1, p. 181-187, 2000.

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. História e análise de textos. In: ______

(orgs.). Domínios da História . Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 375-400.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: DEL

PRIORI, Mary (org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999,

p.55-83.

DE ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios Jesuíticos : o cotidiano da administração dos bens

divinos. São Paulo: Edusp, 2004.

DEL PRIORE, Mary. Religião e Religiosidade no Brasil colonial. São Paulo: Ática,

1997.

FRÖHLICH, Roland. Curso Básico de História da Igreja. São Paulo: Edições

Paulinas, 1987.

GARCÍA-VILLOSLADA, Ricardo (S.J.). Santo Inácio de Loyola: uma nova biografia.

São Paulo: Loyola, 1991.

18

GREEN, V.H.H. Renascimento e Reforma. A Europa entre 1450 e 1660. Lisboa:

Publicações Dom Quixote, 1984.

HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro. 1500-1800.

Petrópolis: Vozes, 1991.

IGNACIO DE LOYOLA (San). Obras Completas. Madri: Biblioteca de Autores

Cristianos, 1982.

INACIO DE LOYOLA (Santo). Constituições da Companhia de Jesus: e normas

complementares. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

KANTOR, Íris. Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa, vol. 1. São

Paulo: Edusp/Hucitec/Imprensa Oficial/Fapesp, 2001, p.37-54.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Belo Horizonte:

Itatiaia, volume VI, 1935.

LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia

Greive (orgs). 500 anos de Educação no Brasil. 2ª edição. Belo Horizonte:

Autêntica, 2000.

MANACORDA, Mário Alighiero. História da Educação da Antigüidade aos nossos

dias. São Paulo: Cortez, 1997.

MARX, Karl. Para a crítica da economia política. In: MARX, Karl. Os pensadores .

São Paulo: Nova Cultural, 1999.

PEREIRA, M. R. de Mello; SANTOS, A. C. de Almeida. O poder local e a cidade : a

câmara municipal de Curitiba – séculos XVII a XX. Curitiba: Aos Quatro Ventos,

2000.

19

PEREIRA, Magnus; NICOLAZZI JR, Norton (orgs). Audiências e correições os

almotacés (Curitiba - 1737 a 1828). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000.

SANTOS, Antônio César de Almeida; SANTOS, Rosângela Maria Ferreira (orgs).

Eleições da Câmara Municipal de Curitiba (1748 a 1827). Curitiba: Aos Quatro

Ventos, 2000.

Obs.: Ao final da pesquisa, novos títulos poderão ser acrescentados.