programa de pós-graduação em letras ( letras vernáculas ......coorientador: joão antônio de...

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1 Universidade Federal do Rio de Janeiro A LATERAL PALATAL NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO PORTUGUÊS EUROPEU Vivian de Oliveira Quandt 2014

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Page 1: Programa de Pós-Graduação em Letras ( Letras Vernáculas ......Coorientador: João Antônio de Moraes Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras / Programa de Pós-Graduação

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A LATERAL PALATAL NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

PORTUGUÊS EUROPEU

Vivian de Oliveira Quandt

2014

Page 2: Programa de Pós-Graduação em Letras ( Letras Vernáculas ......Coorientador: João Antônio de Moraes Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras / Programa de Pós-Graduação

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A LATERAL PALATAL NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO

PORTUGUÊS EUROPEU

Vivian de Oliveira Quandt

Tese de Doutorado submetida ao

Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do

Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do

título de Doutora em Letras Vernáculas

(Língua Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Silvia

Figueiredo Brandão

Coorientador: Professor Doutor João

Antônio de Moraes

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2014

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A Lateral Palatal no Português do Brasil e no Português Europeu

Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão

Coorientador: Professor Doutor João Antônio de Moraes

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Aprovada por:

_________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Silvia Figueiredo Brandão – Orientadora (UFRJ)

_________________________________________________

Prof. Doutor João Antônio de Moraes – Coorientador (UFRJ)

________________________________________________

Profa. Doutora Myrian Azevedo de Freitas – UFRJ

_________________________________________________

Prof. Doutor Ronald Beline Mendes – USP

_________________________________________________

Prof. Doutor José Sueli de Magalhães – UFU

__________________________________________________

Prof. Doutor Leandro Santos Abrantes – PUC-RJ

__________________________________________________

Profa. Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ – Suplente

__________________________________________________

Profa. Doutora Danielle Kelly Gomes – UFF – Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2014

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Quandt, Vivian de Oliveira.

A Lateral Palatal no Português do Brasil e no Português Europeu / Vivian de

Oliveira Quandt. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2014.

xvii, 215 f.: il.; 31cm.

Orientadora: Silvia Figueiredo Brandão

Coorientador: João Antônio de Moraes

Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras / Programa de Pós-Graduação

em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2014.

Referências Bibliográficas: f.197-205.

1. Lateral Palatal. 2. Análise Variacionista. 3. Análise de itens Lexicais. 4.

Fonologia Experimental. I. Brandão, Silvia Figueiredo. II. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa). III. Título.

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"Ciência é conhecimento organizado. Sabedoria é vida

organizada."

Immanuel Kant

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A meus familiares, que sempre me apoiaram e me

incentivaram a seguir adiante.

A meu filho, Frederico Félix, razão do meu viver.

A Félix, companheiro e amigo de todas as horas.

À Profa Silvia Figueiredo Brandão, que, desde a Iniciação

Científica, acreditou em mim, me incentivou e me ajudou a

não desistir.

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AGRADECIMENTOS

- A Deus, por ter sempre me protegido e guiado meus passos.

- À Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão, por tudo que me ensinou e pela

orientação sempre competente, própria de uma grande mestra; pela confiança no meu

trabalho e pelas palavras de incentivo nos momentos difíceis.

- Ao Professor Doutor João Antônio de Moraes, por ter me guiado nos estudos

fonético-fonológicos, sobretudo no que se refere à Fonética Acústica, em um curso

oferecido pela Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, e, principalmente, por

ter aceito, mais uma vez, ser meu coorientador, assim, ajudando-me, sempre com bom

humor, a realizar este trabalho.

- Aos meus professores do Curso de Doutorado, Lúcia Helena Martins Gouvêa,

Leonor Werneck dos Santos, Maria Eugênia Lamoglia Duarte e Mônica Tavares

Orsini, por me incentivarem e por terem contribuído para a minha formação.

- À minha mãe, pelo amor e carinho que me tem dedicado; pelos ensinamentos éticos e

morais transmitidos; pelos inúmeros exemplos de coragem e determinação e por estar

sempre à disposição para me ouvir e me dar bons conselhos.

- Ao meu pai (in memoriam), por tudo o que ele representa para mim.

- À minha avó Haydée (in memoriam), minha segunda mãe, que, além de também me

transmitir um pouco do que sou hoje, sempre me estendeu a mão em momentos

bastante difíceis da minha vida.

- Às minhas irmãs, Aline e Gabriela, pelo importante e saudável convívio durante

todos esses anos.

- A meu filho, meu grande e eterno companheiro, que, mesmo ainda sendo criança,

compreende que os meus momentos de ausência são justificados por uma causa

importante: a minha formação acadêmica.

- A meus sobrinhos, meus pequenos amores, pelos inúmeros momentos de alegria a

mim concedidos.

- A Félix Hermínio (como ele gosta de ser chamado), meu amor e amigo, por, de

alguma forma, ter participado comigo de todos os vestibulares, provas da faculdade,

ingresso no mestrado e doutorado, trabalhos apresentados e feitura da dissertação e

desta tese sem reclamar (muito); por estar sempre ao meu lado, não só nos momentos

acadêmicos, mas também pessoais, dividindo sua vida com a minha.

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- A Liomar, pelo incentivo e pelo orgulho que sempre sentiu de mim pelo fato de,

segundo ele, eu ser tão empenhada nos estudos.

- A todos os meus familiares, pelo incentivo e pelos momentos agradáveis e divertidos

que passamos juntos.

- A Flávia Ribeiro Santoro Silva Malta, pelos inesquecíveis momentos de convívio no

Projeto APERJ e por ainda ser a amiga de todas as horas.

- Aos amigos Clarisse Sena, Gisele Cantalice e Fábio Gusmão, por fazerem parte de

uma época muito importante da minha vida e por sempre terem paciência de me ouvir.

- A todos os diretores e coordenadores das escolas pelas quais passei ao longo dos

últimos 12 anos, por permitirem, muitas vezes, que eu cumprisse horários especiais de

trabalho para que fosse possível eu levar adiante a vida acadêmica.

- À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, pelo

atendimento sempre prestimoso.

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Estudo, na linha da sociolinguística variacionista e da fonologia

experimental, sobre o comportamento da lateral palatal, na fala

culta e popular da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e da

Região Metropolitana de Lisboa, com base em dados eliciados

de entrevistas pertencentes ao Acervo do Projeto Concordância.

Descrição e análise da variação por meio do controle de

variáveis estruturais e extralinguísticas, da observação do

comportamento de itens lexicais, e de experimentos

laboratoriais no âmbito da fonologia experimental.

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RESUMO

A LATERAL PALATAL NO PORTUGUÊS DO BRASIL E NO PORTUGUÊS

EUROPEU

Vivian de Oliveira Quandt

Orientadora: Silvia Figueiredo Brandão

Coorientador: João Antônio de Moraes

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Faculdade de Letras, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de

Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

O presente trabalho analisa o comportamento da lateral palatal na fala culta e

popular da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Municípios de Nova Iguaçu e do

Rio de Janeiro, este representado por Copacabana) e da Região Metropolitana de Lisboa

(Oeiras e Cacém) e é desenvolvido à luz dos pressupostos da Teoria da Variação

Laboviana e da Fonologia Experimental, com base em dois corpora, tanto o que se

refere ao PB, quanto o que diz respeito ao PE, eliciados de entrevistas que constituem o

Acervo do Projeto Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades

africanas, brasileiras e europeias do Português (www.letras.ufrj.br/concordancia). Os

inquéritos, do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentador), foram efetuados

com 36 informantes brasileiros e 36 informantes portugueses, distribuídos igualmente

por sexo, três faixas etárias e três níveis de escolaridade. Obteve-se um total de 4.209

dados, 2.470 referentes ao PB e 1.739 referentes ao PE.

A pesquisa desenvolve-se em duas etapas. Na primeira, busca-se determinar os

fatores que condicionam a variação de // por meio do controle de variáveis linguísticas

e extralinguísticas e tecem-se considerações sobre a difusão das variantes pelos itens

lexicais. Na segunda, descrevem-se as análises acústicas efetuadas em laboratório para a

obtenção de evidências que contribuam para o debate sobre o status da lateral palatal.

Os resultados advindos das análises variacionistas indicam que, tanto na amostra

representativa do PB, quanto na do PE, dentre as variantes de //, [lj] é a que se mostra

mais produtiva. As demais ([lj], [l], [j] e ) são pouco frequentes, incidindo em

reduzido número de itens lexicais, o que se credita ao fato de as amostras retratarem a

fala urbana. A variação [] ~ [lj] apesar de condicionada por fatores linguísticos e

extralinguísticos em que sobressai a frequência alta/média de alguns vocábulos

presentes nos corpora, parece justificar-se, ainda, como demonstram os experimentos

realizados no âmbito da Fonologia Experimental, pela grande semelhança acústica entre

essas duas variantes.

Palavras-chave: Lateral Palatal; Variação, Sociolinguística Variacionista, Fonologia

Experimental.

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ABSTRACT

THE LATERAL PALATAL IN BRASILIAN PORTUGUESE AND EUROPEAN

PORTUGUESE

Vivian de Oliveira Quandt

Orientadora: Silvia Figueiredo Brandão

Coorientador: João Antônio de Moraes

Abstract of the PhD Dissertation submitted to Programa de Pós‐Graduação em

Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, as part of requirements for obtaining the title of Doctor in Vernacular Letters

(Portuguese Language).

This work analyzes the behavior of the lateral palatal in formal and colloquial

speech in the Metropolitan Region in Rio de Janeiro city (Nova Iguaçu city and the

neighborhood of Copacabana in Rio de Janeiro) and the Metropolitan Region of Lisbon

(Oeiras and Cacém), and it will be developed according to the principles of the

Labovian Variation Theory and the Experimental Phonology, based on two corpora,

related to BP (Brazilian Portuguese) as well as to EP (European Portuguese) , elicited

from interviews that constitute the Collection of Project “Estudo comparado dos

padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias do

Português” (www.letras.ufrj.br/concordancia). The questionnaires, of the DID

(Informant and Documenter Dialogue) kind, were done with 36 Brazilian informants

and 36 Portuguese informants, equally distributed by gender, age and school level. The

results present 4.209 data, 2.470 referents of BP and 1.739 referents of EP.

This study is carried out in two stages. The first one aims at determining the

factors that condition the variation of the // through controlling the linguistic and extra

linguistic variables, and considerations are made about the diffusion of the variants by

lexical items. In the second, there are descriptions of the acoustic experiments

conducted in laboratory to obtain evidence that contribute to the debate of the

phonological status of the lateral palatal.

The results derived from variacionist analyses indicate that, for the

representative sample of the BP as well as for the EP one, [lj] is the most productive

one among the // variants. The other ones ([lj], [l], [j] and ) are not very frequent,

happening in a small number of lexical items, which is attributed to the fact that the

samples represent the urban speech. Although conditioned by linguistic and extra

linguistic variables in that the high/medium frequency of some words present in the

corpora stands out, the variation [] ~ [lj] seems to be justified as demonstrated by the

experiments carried out in the field of Experimental Phonology, due to the great

acoustic similarity between the two variants.

Keywords: Lateral Palatal; Variation; Variacionist Sociolinguistics; Experimental

Phonology

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RESUMEN

LA LATERAL PALATAL EN EL PORTUGUÉS DE BRASIL Y EN EL

PORTUGUÉS EUROPEO

Vivian de Oliveira Quandt

Orientadora: Silvia Figueiredo Brandão

Coorientador: João Antônio de Moraes

Resumen de la Tesis de Doctorado sometida al Programa de Pós-graduação em

Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, como parte de los requisitos necesarios a la obtención del título de Doctora en

Letras Vernáculas (Lengua Portuguesa).

El presente trabajo analiza el comportamiento de la lateral palatal en el habla

culta y popular de la Región Metropolitana de Rio de Janeiro (ciudades de Nova Iguaçu

y Rio de Janeiro, esta representada por Copacabana) y de la Región Metropolitana de

Lisboa (Oeiras y Cacém) y será desarrollada a la luz de los preceptos de la Teoría de la

Variación Laboviana y de la Fonología Experimental, basado en dos corpora, tanto lo

que se refiere al PB, como lo que se relaciona al PE, sacados de entrevistas que

constituyen el acervo del Proyecto “Estudo comparado dos padrões de concordância

em variedades africanas, brasileiras e europeias do Português”

(www.letras.ufrj.br/concordancia). Los inquéritos, del tipo DID (Diálogo entre

Informante y Documentador), fueron hechos con 36 informantes brasileños y 36

informantes portugueses, distribuidos igualmente por sexo, edad y nivel de enseñanza.

Se obtuvo un total de 4.209 datos, 2.470 referentes al PB y 1.739 referentes al PE.

El estudio se desarrolla en dos partes: en la primera, se busca determinar los

factores que condicionan la variación de // por medio del control de variables

lingüísticas y extralingüísticas y son hechas consideraciones sobre la difusión de las

variantes por los vocablos. En la segunda, se describen los análisis acústicos hechos en

laboratorio para la obtención de evidencias que contribuyan para el debate sobre el

status fonológico de la lateral palatal.

Los resultados obtenidos en los análisis variacionistas indican que, tanto en la

muestra representativa del PB, como en la del PE, entre las variantes de //, [lj] es la

que se muestra más productiva. Las demás ([lj], [l], [j] e ) son pocos frecuentes,

ocurriendo en un reducido número de vocablos, probablemente por el hecho de que las

muestras retraten el habla urbana. La variación [] ~ [lj] a pesar de condicionada por

factores lingüísticos y extralingüísticos en que sobresale la frecuencia alta/mediana de

algunos vocablos presentes en los corpora, se justifica, todavía, como demuestran los

experimentos realizados en el ámbito de la Fonología Experimental, por la gran

semejanza acústica estre esas dos variantes.

Palabras-llave: Lateral Palatal; Variación; Sociolingüística Variacionista; Fonología

Experimental.

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SUMÁRIO

INDÍCE DE QUADROS, TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 18

2 CARACTERIZAÇÃO DE []...................................................................................... 23

2.1 Articulatória ........................................................................................................... 23

2.2 Acústica................................................................................................................... 29

3 OUTROS ESTUDOS SOBRE O //: INTERPRETAÇÃO FONOLÓGICA E

VARIAÇÃO...................................................................................................................

35

3.1 Do latim ao Português............................................................................................ 35

3.2 No Português do Brasil.......................................................................................... 38

3.3 No Português Europeu ......................................................................................... 54

4 TRAJETÓRIA DOS ESTUDOS SOBRE AS MUDANÇAS SONORAS ............... 56

4.1 A proposta Neogramática ......................................................................................

56

4.2 A proposta Difusionista .......................................................................................... 61

4.3 A Fonologia de Uso ................................................................................................. 67

5 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ........................................................ 72

5.1 Fundamentação teórica........................................................................................... 72

5.1.1 A Sociolinguística Variacionista ...................................................................... 72

5.1.2 A Fonologia Experimental ................................................................................ 81

5.2 Metodologia e Corpus ............................................................................................. 86

6 ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA............................................................................... 89

6.1 As variáveis consideradas....................................................................................... 89

6.1.1 A variável dependente ...................................................................................... 90

6.1.2 As variáveis independentes ............................................................................... 102

6.1.2.1 Linguísticas ............................................................................................ 102

6.1.2.2 Extralinguísticas .................................................................................... 111

6.2 A variação de // na RMRJ e na RMLIS ............................................................. 125

6.2.1 Aspectos gerais ................................................................................................. 125

6.2.2 Variáveis atuantes em ambas as variedades .................................................... 128

6.2.3 Variáveis atuantes somente na RMRJ.............................................................. 133

6.2.4 Variáveis selecionadas somente na RMLIS ..................................................... 144

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6.3 Questões de ordem lexical ...................................................................................... 149

6.3.1 Variantes menos produtivas de // nas amostras da RMRJ e da RMLIS ....... 150

6.3.2. Variante [lj] nas amostras da RMRJ e da RMLIS.......................................... 157

7 ANÁLISE ACÚSTICA DAS VARIANTES DE [] .................................................. 162

7.1 Observações preliminares ...................................................................................... 162

7.2 Variantes em sílaba tônica ..................................................................................... 163

7.3 Variantes em sílaba postônica ............................................................................... 177

7.4 Síntese dos resultados ............................................................................................ 183

8 CONCLUSÕES............................................................................................................. 191

9 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 197

10 ANEXOS ....................................................................................................................... 206

10.1 Distribuição das variantes de // pelos vocábulos na RMRJ ............................ 206

10.2 Distribuição das variantes de // pelos vocábulos na RMLIS .......................... 212

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INDÍCE DE QUADROS, TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS

QUADRO

Quadro 1. Configuração dos Corpora PB e PE 87

Quadro 2. Frases que formam o corpus da 2ª etapa de análise 88

Quadro 3. Vocábulos em que incidem as variantes menos produtivas no corpus da

RMRJ

92

Quadro 4. Vocábulos em que incidem as variantes menos produtivas no corpus da

RMLIS 99

Quadro 5. Municípios/Concelhos que fazem parte da Área Metropolitana de Lisboa 117

Quadro 6. Variáveis atuantes para a concretização de [lj] – nos corpora do PB e do PE –

em ordem de importância

127

Quadro 7. Vocábulos com incidência alta ou média no corpus da RMRJ 134

Quadro 8. Vocábulos com incidência alta ou média no corpus da RMLIS 135

Quadro 9. Distribuição dos vocábulos encontrados na amostra da RMRJ de acordo com

a tonicidade da sílaba em que incide o segmento //

140

TABELAS

Tabela 1. Índices referentes à variação de / / na RMRJ 91

Tabela 2. Índices referentes à variação de / / na RMLIS 97

Tabela 3. Índices referentes à variação entre [lj] vs [] no PB e no PE 125

Tabela 4. Atuação da Variável Faixa Etária para a realização da variante palatalizada na

RMRJ e na RMLIS

129

Tabela 5. Atuação da Variável Classe do Vocábulo para a realização da variante

palatalizada na RMRJ e na RMLIS

132

Tabela 6. Atuação da Variável Frequência do vocábulo para a realização da variante

palatalizada na RMRJ

133

Tabela 7. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores que compõem a

variável Frequência do vocábulo no corpus na RMLIS

135

Tabela 8. Atuação da Variável Nível de Instrução para a realização da variante

palatalizada no PB 137

Tabela 9. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores que compõem a

variável Nível de escolaridade na RMLIS

138

Tabela 10. Atuação da Variável Tonicidade da Sílaba para a realização da variante

palatalizada no PB

140

Tabela 11. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores que compõem a

variável Tonicidade da Sílaba em que incide o segmento // na RMLIS

141

Tabela 12. Atuação da Variável Contexto subsequente para a realização da variante

palatalizada no PB

142

Tabela 13. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores que compõem a

variável Contexto Subsequente na RMLIS

144

Tabela 14. Atuação da Variável Localidade para a realização da variante palatalizada

no PE

145

Tabela 15. Distribuição da variante [lj] nas localidades da RMRJ 146

Tabela 16. Atuação da Variável Contexto antecedente para a realização da variante

palatalizada no PE

147

Tabela 17. Número de ocorrências e índice percentual da variante [lj] distribuída entre

os fatores da variável contexto antecedente na RMRJ

148

Tabela18. Variantes de // menos produtivas na RMRJ e na RMLIS 150

Tabela 19. Vocábulos com ocorrência de iodização na RMRJ e na RMLIS 151

Tabela 20. Ocorrências de despalatalização na RMRJ e na RMLIS 152

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16

Tabela 21. Ocorrências de vocábulos com o sufixo diminutivo -inho(a) na RMRJ e na

RMLIS 153

Tabela 22. Vocábulos que apresentam a variante [lj] na fala da RMRJ 154

Tabela 23. Vocábulos que apresentam a variante [lj] na fala da RMLIS 156

Tabela 24. Distribuição das ocorrências de [lj] e [] nos vocábulos com frequência alta

e média de uso na RMRJ

158

Tabela 25. Distribuição das ocorrências de [lj] e [] nos vocábulos com frequência alta

e média de uso na RMLIS

160

Tabela 26. Média dos valores dos formantes de [l] seguido de [a] em sílaba tônica 164

Tabela 27. Média dos valores dos formantes de [l j] seguido de [a] em sílaba tônica 165

Tabela 28. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [a] em sílaba tônica 167

Tabela 29. Média dos valores dos formantes de [j] seguido de [a] em sílaba tônica 168

Tabela 30. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [a] em sílaba tônica 169

Tabela 31. Média dos valores dos formantes de [l] seguido de [i] em sílaba tônica 171

Tabela 32. Média dos valores dos formantes de [l j] seguido de [i] em sílaba tônica 172

Tabela 33. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [i] em sílaba tônica 173

Tabela 34. Média dos valores dos formantes de [ j ] seguido de [i] em sílaba tônica 175

Tabela 35. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [i] em sílaba tônica 176

Tabela 36. Média dos valores dos formantes de [l j] seguido de [a] em sílaba postônica 178

Tabela 37. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [a] em sílaba postônica 179

Tabela 38. Média dos valores dos formantes de [l j] seguido de [i] em sílaba postônica 181

Tabela 39. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [i] em sílaba postônica 182

Tabela 40. Valores médios dos formantes de [], seguido de [a] ou [i], em sílaba tônica

e postônica, no PB

184

Tabela 41. Valores médios dos formantes de [] e [l] seguidos de [a] e [i], no PB 186

Tabela 42. Valores médios dos formantes de [] e [lj], seguido de [a] ou [i], em sílaba

tônica e postônica, no PB

187

Tabela 43. Valores de F1 e F2 das variantes das laterais seguidas pela vogal [a], no PB 188

Tabela 44. Valores de F1 e F2 da variantes de // e da lateral anterior velarizada []

seguidas pela vogal [i], no PB

189

GRÁFICOS

Gráfico 1. Distribuição das variantes de // / na RMRJ 91

Gráfico 2. Distribuição das variantes de // / na RMLIS 98

Gráfico 3. Atuação da Variável Faixa Etária para a realização da variante palatalizada,

no PB, em pesos relativos

130

Gráfico 4. Atuação da Variável Faixa Etária para a realização da variante palatalizada,

no PE, em pesos relativos

130

Gráfico 5. Atuação da Variável Nível de Instrução para a realização da variante

palatalizada na RMRJ, em pesos relativos

137

Gráfico 6. Índices percentuais de ocorrência de [lj], distribuídos pelos três Níveis de

instrução na fala da RMLIS

138

Gráfico 7. Índices percentuais de ocorrência de [lj], distribuídos pelos três Níveis de

instrução nas falas da RMLIS e da RMRJ

139

Gráfico 8. Distribuição da variante [lj] na RMLIS, em pesos relativos 145

Gráfico 9. Distribuição da variante [lj] na RMRJ, em índices percentuais 146

Gráfico 10. Distribuição, no espaço acústico, das variantes das laterais seguidas pela

vogal [a], no PB

188

Gráfico 11. Distribuição, no espaço acústico, das variantes das laterais seguidas pela 189

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17

vogal [i], no PB

FIGURAS

Figura 1. Oscilograma e espectrograma representando a realização dos logátomos “ele”

e “elhe” (com vogais anteriores médias-baixas), pronunciados por um informante

brasileiro nascido no Estado do Espírito Santo. Valores médios dos três primeiros

formantes para [l]: F1, 639 Hz; F2, 1117 Hz; F3, 3193 Hz; para []: F1, 389 Hz; F2,

2091 Hz; F3, 3146 Hz.

34

Figura 2: Representação de //, segundo a Fonologia Autossegmental 51

Figura 3. Divisão Regional do Estado do Rio de Janeiro 112

Figura 4. Segmentação político-administrativa da Região Metropolitana do Estado do

Rio de Janeiro

114

Figura 5. Segmentação político-administrativa de Copacabana dentro do Município do

Rio de Janeiro 115

Figura 6. Portugal dividido por Distritos (Região Metropolitana de Lisboa circulada) 117

Figura 7. Distrito de Lisboa dividido em Concelhos (Região Metropolitana da Grande

Lisboa) 118

Figura 8. Concelho de Sintra (em destaque freguesia de Cacém) 119

Figura 9. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l]ado (2) (de novo), com [l] apical;

F1 a 428Hz, F2 a 1124Hz , F3 a 2837Hz e F4 a 3634Hz. 164

Figura 10. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l j]ado(2) (de novo), com [l

j]

laminal (palatalizado) [lâmino-posalveolar]; F1 a 235 Hz, F2 a 1778 Hz, F3 a 2898 Hz

e F4 a 3580 Hz.

165

Figura 11. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]ado(2) (de novo), com [] dorsal

[dorso-palatal]; F1 a 269 Hz, F2 a 1851 Hz, F3 a 2974 Hz e F4 a 3942Hz.

166

Figura 12. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[j]ado(2) (de novo), com [j]

semivogal; F1 a 275 Hz, F2 a 2130 Hz, F3 a 3187 Hz e F4 a 3650 Hz. 167

Figura 13. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]ado(2) (de novo), com []

velarizado; F1 a 434 Hz, F2 a 985 Hz, F3 a 3303 Hz e F4 a 3741 Hz.

169

Figura 14. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[l]ido(1) (de novo), com [l] apical;

F1 a 213 Hz, F2 a 1687 Hz , F3 a 2402 Hz e F4 a 3494 Hz. 170

Figura 15. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[l j]ido(3) (de novo), com [l

j]

laminal (palatalizado) [lâmino-posalveolar]; F1 a 247 Hz, F2 a 1585 Hz , F3 a 2932 Hz

e F4 a 3567 Hz

172

Figura 16. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[]ido(3) (de novo), com [] dorsal

[dorso-palatal]; F1 a 257 Hz, F2 a 1699 Hz , F3 a 2702 Hz e F4 a 3570 Hz

173

Figura 17. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[j]ido(2) (de novo), com [j]

semivogal; F1 a 229 Hz, F2 a 2185 Hz , F3 a 3088 Hz e F4 a 3590 Hz. 175

Figura 18. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[]ido(2) (de novo), com []

velarizado; F1 a 434 Hz, F2 a 977 Hz , F3 a 2363 Hz e F4 a 3562 Hz

176

Figura 19. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l j]a(1) (de novo), com [l

j] laminal

(palatalizado); F1 a 261, F2 a 1735 , F3 a 2560Hz e F4 a 3504Hz

178

Figura 20. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]a(3) (de novo), com [] dorsal

[dorso-palatal]; F1 a 282 Hz, F2 a 1897 Hz, F3 a 2753 Hz e F4 a 3394 Hz

179

Figura 21. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l j]e(1) (de novo), com [l

j] laminal

(palatalizado); F1 a 257 Hz, F2 a 1508 Hz, F3 a 2510 Hz e F4 a 3657 Hz

181

Figura 22. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]e(2) (de novo), com [] dorsal

[dorso-palatal]; F1 a 246 Hz, F2 1643 Hz, F3 a 2585 Hz e F4 a 3769 Hz

182

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18

1 INTRODUÇÃO

Ainda há muito a conhecer sobre o Português do Brasil (PB) e o Português

Europeu (PE). Na tentativa de caracterizar essas variedades, fenômenos variáveis e

processos de grande relevância vêm sendo observados, como é o caso do que ocorre

com os fonemas laterais, que merecem atenção especial já que podem não só ocupar

diversas posições no vocábulo, mas também apresentar significativa gama de variantes.

A lateral [+ anterior] pode ser encontrada em posição inicial (lado, mala), medial (clara)

e final de sílaba (calma, canal). A [- anterior], ocupa, fundamentalmente, a posição

intervocálica (mulher, velha), sendo atestadas variantes oriundas da atuação de

diferentes processos, entre os quais a iodização e a despalatalização.

Na sua dissertação de mestrado, Quandt (2004) empreendeu um estudo, com

base na Sociolinguística Variacionista e na Fonologia Experimental, sobre a lateral [+

ant.] (/l/) nas posições final e medial de sílaba na fala do Norte-Noroeste do Estado do

Rio de Janeiro.

Como a curiosidade é inerente a qualquer pesquisador, durante a elaboração da

mencionada pesquisa, não deixou de notar a flutuação de pronúncia de // na fala dessa

região. Assim, após algumas leituras prévias sobre essa variável e a observação de que,

realmente, poucos são os trabalhos que a contemplam, não só com relação ao Português

do Brasil – sobretudo no que diz respeito à fala do Estado do Rio de Janeiro – como

também ao Português Europeu, para dar prosseguimento aos seus estudos, pretende

analisar o // à luz dos modelos teórico-metodológicos acima referidos.

O trabalho proposto tem como tema o comportamento da lateral palatal na fala

culta e popular da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Municípios de Nova Iguaçu

e do Rio de Janeiro, este representado por Copacabana) e da Região Metropolitana de

Lisboa (Oeiras e Cacém) e se desenvolverá à luz dos pressupostos da Teoria da

Variação Laboviana e da Fonologia Experimental, com base em dois corpora, tanto o

que se refere ao PB, quanto o que diz respeito ao PE, eliciados de entrevistas que

constituem o Acervo do Projeto Estudo comparado dos padrões de concordância em

variedades africanas, brasileiras e europeias do Português

(www.letras.ufrj.br/concordancia).

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A lateral palatal é um tema polêmico do ponto de vista tanto fonológico quanto

fonético. Como se sabe, ela constitui um dos quatro fonemas do português moderno1

não existentes em latim e resultantes de processo de palatalização. Está, ainda,

correlacionada à tendência ao desfazimento de hiatos, que se verificava desde o século I

d.C. O processo que lhe deu origem se consolidou, a depender dos contextos fônicos,

em diferentes estágios da evolução do latim ao português e que recobrem o período que

vai do século IV ao XV-XVI.

A lateral palatal, como se verificará no item 3.1, deriva-se basicamente do

contexto fônico -lj, resultante (a) da transformação em semivogal de vogal [+ cor]

subsequente à lateral anterior, como em fi.li.u > fi.ljo > filho; (b) da vocalização da

consoante velar no grupo -cl- (originalmente -cl- ou <-tl-), medial de vocábulo e

precedido de vogal, com posterior passagem a semivogal e metátese, como em oculu >

oclu > *ojlo > *oljo > olho; vetulu > vetlu > veclu > *vejlo > *veljo > velho; (c) e

também dos grupos mediais latinos -gl- e -bl, como em trib(u)lu > trilho; teg(u)la >

telha.

Como já observara Câmara Jr. (1979, p. 53), “a palatalização ou “molhamento”,

de /n/ e /l/, deu-se exclusivamente em posição intervocálica”, na passagem do latim ao

português. Assim, em início de vocábulo, o contraste fonológico entre // e // torna-se

extremamente reduzido: /lama/ x /ama/, /le/ x //. Da mesma forma, na fala

espontânea, o contraste // x //:

fica comprometido, tendendo a não se efetivar e tornando pares de vocábulos

como óleos e olhos, Júlio e julho homófonos, ora realizando-se como ['u], ['uu], ora como ['u], [„u], dissolvendo-se a ambiguidade pelo

contexto discursivo. Isto é corroborado por outros vocábulos, como família,

frequentemente concretizado como fami[]a.

Deduz-se, portanto, que há, em relação ao segmento que se comenta, um alto

grau de instabilidade decorrente, talvez, dos próprios contextos de que se

originou e de suas características articulatórias. Nesse sentido, não é de

estranhar que, nos dialetos populares, haja uma forte tendência à

despalatalização e à iotização, mais ou menos intensas numa ou noutra

região, num ou noutro segmento social (mas difundida em todos os dialetos),

dependentes, também, de motivações de ordem histórica que ainda é

prematuro delimitar (BRANDÃO, 2006, p. 67-68)

1 Os três outros são //, //, //.

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Em decorrência dessa instabilidade, aventaram-se diferentes hipóteses sobre seu

status fonológico: apontam-na ora como consoante simples, ora como geminada

(WETZELS 1997 e 2000) ou ainda como consoante complexa, com uma articulação

primária consonantal e uma articulação secundária vocálica, conforme proposto por

Pontes (1973) e, mais recentemente, por Hernandorena (1997 e 2000).

Estudos sobre o Português do Brasil – cf. item 3.2 –, sobretudo em referência à

variedade popular, em comunidades rurais, têm mostrado a frequência da “vocalização”

(iodização) e da “simplificação” (despalatalização) da lateral palatal, citando-se,

respectivamente, entre outros, como exemplos, [muj] e [mul], em lugar de

mu[]er.

CUNHA (1986), inclusive, considera o ieísmo um dos aspectos fonéticos

inovadores do PB. Segundo o autor, apesar de alguns estudiosos o considerarem um fato

geral da linguagem popular, os atlas linguísticos brasileiros até então já publicados não

respaldariam tal assertiva, verificando-se, ao contrário, intenso polimorfismo de

realizações, em que predominariam as formas não ieístas.

Por outro lado, o Estado do Rio de Janeiro carece de mais estudos a respeito do

uso da lateral palatal, que possam contemplar não apenas a variedade popular, mas

também a culta, e que contribuam para testar as hipóteses aqui referidas.

Já que são muito escassos os trabalhos sobre o uso de // no PE, conforme se

verá mais adiante, essa variedade do português também merece atenção especial tanto

no que diz respeito à variedade popular quanto à culta.

Torna-se pertinente, portanto, verificar, no que diz respeito à análise

sociolinguística, se (a) uma das variantes constitui norma de pronúncia nas diferentes

áreas da RMRJ (Região Metropolitana do Rio de Janeiro) e da RMLIS (Região

Metropolitana de Lisboa) aqui consideradas; (b) se as distintas formas de concretização

de [] são condicionadas por fatores linguísticos e/ou extralinguísticos; (c) se a variante

[j], como afirmam Oliveira (1983), Madureira (1987 / 1999), Aragão (1997), Brandão

(2007), Machado-Soares (2008) e Freire (2012), é socialmente marcada; (d) se [lj] vem

sobrepujando as demais variantes ou se mostra em variação estável, competindo com

[] em determinadas situações de fala; (e) se, como afirma Madureira (1999), o PE é a

única variedade do Português que não vocaliza o [].

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No que se relaciona à análise sob a ótica da Fonologia Experimental, acredita-se

que, por meio de medidas acústicas, se obtenham evidências que também possam

contribuir para o debate sobre a variação da lateral palatal.

As hipóteses específicas que permeiam o desenvolvimento do trabalho

encontram-se arroladas a seguir.

(a) Quanto à análise sociolinguística,

- as variantes [] e [lj] concorreriam na fala da RMRJ, sobretudo entre falantes

de maior nível de escolaridade e a depender de determinados fatores de natureza

contextual; a iodização e a despalatalização, quer através do cancelamento, quer

através da permuta pela lateral anterior, seriam processos mais produtivos entre

falantes de baixo nível de escolaridade;

- a variante [lj], na fala da RMRJ, apresentaria um índice de ocorrência bem

maior, se comparado ao índice de [];

- as variantes [] e [lj] concorreriam, também, na fala da RMLIS, embora ainda

houvesse um número maior de ocorrências de [];

- a tonicidade da sílaba influenciaria a concretização da variante [l], já que é

mais comum a sua presença em sílabas tônicas;

- a frequência média/alta de alguns vocábulos nas amostras seria um fator

importante na difusão de determinadas variantes.

(b) Quanto à análise no âmbito da Fonologia Experimental,

- as variantes [] e [lj] não se diferenciariam, significativamente, do ponto de

vista acústico;

- afirmações de alguns linguistas sobre o pouco uso da lateral palatal, sendo esta

substituída pela lateral palatalizada, no PB, adviria da impressão sensorial que se

tem ao se tentar articular as duas variantes, já que o padrão acústico de ambas

seria muito semelhante.

Em linhas gerais, além deste primeiro item introdutório, os demais sete capítulos

em que se desenvolve a pesquisa, almejam não só retratar os comportamentos

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encontrados, mas também, fundamentar a análise e postular tendências com base nos

resultados e nos itens que integram os corpora. Nesse sentido, o capítulo 2 descreve

articulatória e acusticamente a lateral palatal e, eventualmente, a título de comparação, a

lateral anterior e a lateral palatalizada.

O capítulo 3 apresenta a revisão bibliográfica, de que constam trabalhos já

realizados sobre o tema e está dividido em duas partes, a saber: na primeira, abordam-se

estudos que descrevem a evolução do // do latim ao português; na segunda, comentam-

se trabalhos que se referem à variação desse fonema no Português do Brasil e no

Português Europeu, tanto dos pontos de vista da teoria da variação laboviana, da

fonologia experimental e da difusão lexical.

No quarto capítulo, apresentam-se enfoques da linguística no que tange ao

estudo da variação e da mudança: o neogramático, o difusionista e o da fonologia de

uso.

No capítulo 5, não só se expõem os pressupostos teórico-metodológicos que

fundamentaram a elaboração do trabalho e que se enquadram nas linhas (1) da

Sociolinguística Quantitativa e (2) da Fonologia Experimental, mas também se descreve

a metodologia empregada neste estudo.

No capítulo 6, são descritas a variável dependente e as variáveis independentes

utilizadas na análise de //, as hipóteses que as fundamentaram, bem como se discutem

os resultados das análises empreendidas, sob a ótica da Sociolinguística Variacionista.

Nessa seção, tecem-se, ainda, considerações de caráter lexical sobre a distribuição das

variantes pelos itens lexicais.

No capítulo 7, expõem-se as análises acústicas efetuadas em laboratório para a

obtenção de respostas mais seguras no que diz respeito à caracterização acústica das

laterais. Além disso, ratifica-se eventuais semelhanças e diferenças entre elas.

Encerrando esta investigação, o capítulo 8 apresenta algumas conclusões a

respeito dos resultados obtidos, sintetizando-os e apresentando a(s) interpretação(ões)

julgada(s) mais coerente(s) tendo em vista as amostras consideradas.

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2 CARACTERIZAÇÃO DE []

2.1 Articulatória

Segundo Quilis & Fernández (1969), sob o conceito de consoantes líquidas se

agrupa uma série de fonemas laterais e vibrantes que, mesmo não deixando de ser sons

consonânticos, possuem alguns traços próprios dos vocálicos e que, por isso, poderiam

formar um grupo intermediário entre as consoantes e as vogais.

De acordo com os autores, as características principais desses sons são (1)

apresentar a máxima abertura dentre as que caracterizam os demais sons consonânticos,

mas, ainda assim, menor que a abertura vocálica; (2) apresentar o tom mais alto de todo

o sistema consonântico espanhol, uma vez que grande parte da quantidade de energia,

que é empregada no movimento dos músculos elevadores, vai parar nas pregas vocais,

dando origem a um maior número de vibrações por unidade de tempo, ou seja, tem uma

frequência mais alta e (3) apesar de apresentar a referida maior abertura, esta não é, no

entanto, suficientemente grande para que o segmento esteja desprovido do ruído que é

característico dos sons contínuos consonânticos.

Já, nas palavras de Ladefoged & Maddieson (1996, p. 182), as líquidas:

Foneticamente [elas] estão entre as mais sonoras

2 das consoantes orais. E as

líquidas frequentemente formam uma classe especial na fonotática de uma

língua; por exemplo, os segmentos desta classe são com frequência aqueles

com maior liberdade para ocorrer em grupos consonantais.3

As laterais são geralmente definidas como sons produzidos com uma oclusão ou

constrição em algum lugar ao longo da linha sagital medial do trato vocal, em que não

há um impedimento total da passagem de ar: a corrente de ar passa pelos lados da

oclusão.

A maioria dos segmentos laterais nas línguas do mundo é produzida com uma

oclusão na região alveolar/dental. Segundo Ladefoged & Maddieson (1996), estudos

palatográficos e de raios-X de várias línguas mostram que, em muitos casos, a oclusão é

2 Aqui a palavra sonora não é usada no sentido de vozeada. Quando se diz mais sonora, quer-se dizer

que, numa escala de sonoridade, as líquidas estão entre as soantes de maior sonoridade. 3 “Phonetically they are among the most sonorous of oral consonants. And liquids often form a special

class in the phonotactics of a language; for exemplo, segments of this class are often those with the

greatest freedom to occur in consonant clusters.”

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limitada a poucos milímetros dos alvéolos, na área atrás dos incisivos, se estendendo, às

vezes, até os pré-molares, de tal forma que o corpo da língua esteja relativamente baixo,

permitindo escape de ar lateral na região frontal da boca.

Com o intuito de verificar como eram produzidos os sons [l] e [t] em alemão e

chinês padrão, Wängler (1961) e Zhou & Wu (1963) (apud op. cit., p. 183),

respectivamente, realizaram análises palatográficas e de raios-X e observaram que o

contato indicando o fechamento ao redor dos lados do palato, visto nos palatogramas de

[t], está faltando nos palatogramas de [l]. Os raios-X indicam que, embora, tanto na

produção de [l] quanto na de [t], a ponta da língua faça contato em áreas bastante

aproximadas, o contorno da língua atrás do fechamento é diferente: no que toca à

lateral, a língua está mais baixa, abaixo da área do palato frontal. O maxilar é, também,

mais aberto para [l] do que para [t], facilitando o escape lateral de ar.

Embora esse padrão articulatório de um fechamento medial bastante limitado na

frente da boca seja comum a laterais alveolares e dentais, a área de contato pode

estender-se mais para trás na boca, acarretando um escape lateral localizado, também,

mais para trás. Além disso, é ainda possível que o fechamento frontal seja incompleto.

Já para a articulação de uma consoante lateral palatal, ocorreria um contato entre o dorso da

língua e o palato duro, sendo a área de extensão variável entre um e outro idioma (cf.

LADEFOGED & MADDIESON, 1996).

Segundo Martínez Celdrán & Fernández Planas (2007), pesquisadores que

utilizam eletropalatogramas4 em seus estudos, articulatoriamente, na cavidade oral, as

laterais apresentam uma oclusão, mas não podem ser classificadas como oclusivas, uma

vez que o ar sai de forma contínua e simultânea à oclusão. Esses contatos, no que se

refere aos informantes analisados pelos referidos linguistas, são produzidos nas filas

alveolares do palato artificial com alguns contatos na primeira fila.

Ainda segundo eles, às vezes, a saída do ar é efetuada ou por um lado da boca ou

por ambos, em sua parte posterior na altura dos molares. A esse respeito acrescenta

4 “A eletropalatografia é uma técnica instrumental que proporciona informação dos contatos que efetua a

língua (...) com a superfície palatina, desde os incisivos superiores até o véu palatino, em uma sequência

dinâmica de fala. (...) Para obter os dados de contato, os informantes utilizavam na boca um palato

artificial, especialmente preparado para cada um deles, que continha sessenta e dois eletrodos

classificados em filas e colunas.” (MARTÍNEZ CELDRÁN & FERNÁNDEZ PLANAS (2007, p. 15-16))

<<La electropalatografía es una técnica instrumental que proporciona información de los contactos que

efectúa la lengua (…) con la superficie palatina desde los incisivos superiores hasta el velo del paladar

en una secuencia dinámica de habla. (…) Para obtener los datos de contacto, los informantes llevaban en

la boca un paladar artificial, especialmente preparados para cada uno de ellos, provisto de sesenta y dos

electrodos clasificados en filas y columnas. >>

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Navarro Tomás (1918): “entre a língua e os molares há uma abertura alargada, por onde

o ar escapa”5. (cf. MARTÍNEZ CELDRÁN & FERNÁNDEZ PLANAS (2007, p. 137))

Finalizam os autores, informando que a assimetria observada nas articulações

laterais não tem relação com a lateralidade referida aos hemisférios cerebrais e é

arbitrária, posto que não necessariamente um mesmo informante escolhe sempre o

mesmo lado para deixar sair a corrente de ar.

De acordo com Quilis & Fernández (1969, p. 122),

As consoantes laterais são aquelas em que, durante a sua emissão, o fluxo de

ar é liberado através de um estreitamento produzido por um ou pelos dois

lados da língua e a borda ou as bordas homólogas da região pré ou médio-

palatal. As pregas vocais vibram sempre durante a emissão destes sons.6

Assim, para Quilis & Fernández (1969), do ponto de vista fonológico, o

espanhol conhece somente dois fonemas laterais: o linguopalatal // e o linguoalveolar

/l/. Para a articulação da lateral palatal, o ápice e as bordas da língua aderem aos

alvéolos superiores, respectivamente, e a parte central da língua se une à parte central do

palato, deixando um pequeno canal por onde escapa o ar.

Os referidos autores ainda alertam que se deve evitar a tendência a pronunciar o

[] como [lj], já que “o [] se pronuncia de uma só vez, e com um amplo contato da

língua com o palato duro”7. (QUILIS & FERNÁNDEZ, 1969, p. 123)

A afirmação dos autores acima contrasta com alguns estudos como os de

Recasens et alii, (1993). Segundo esses linguistas, as laterais palatais deveriam ser

classificadas como alvéolo-palatais, uma vez que não apresentam uma constrição

somente palatal. Em outras palavras, elas são produzidas com um contato em toda a

zona pós-alveolar, estendendo-se até à zona pré-palatal. Os estudos de Recasens &

Espinosa (2006) sobre as consoantes palatais do catalão de Maiorca, por exemplo,

indicam um ponto de articulação de [] dento-alveolar, ou seja, ainda mais anterior.

5 “Queda entre la lengua y los molares una abertura alargada, por donde el aire se escapa”.

6 “Las consonantes laterales son aquellas en las que durante su emisión el aire fonador sale através de

un estrechamiento producido por un lado o los dos de la lengua y el reborde o los rebordes homólogos

de la región pre o mediopalatal. Las cuerdas vocales vibran siempre durante la emission de estos

sonidos.” 7 “La [] se pronuncia en un tiempo, y con un amplio contacto de la lengua con el paladar duro.”

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Para Recasens et alii (1993), o ponto de articulação do // sugere que este é

produzido com a parte posterior da lâmina ou com o pré-dorso da língua. Já de acordo

com Recasens (1990), no entanto, o grau de contato varia de acordo com o falante, a

vogal seguinte e a posição na palavra. No que diz respeito ao contexto vocálico, o grau

de contato é menor quando a vogal adjacente é um /a/ e é maior quando a vogal é um /i/.

Para o PE, informações disponíveis sobre a consoante lateral palatal são muito

escassas.

De acordo com Sá Nogueira, por exemplo, (1938 apud MONTEIRO, 2012)

durante a produção da lateral dorso-palatal do PE,

o ápice da língua se apoia nos incisivos inferiores e o pré-dorso da língua se

adapta à região pré-palatal, impedindo assim a saída do ar pela linha média,

o que leva ao abaixamento dos bordos laterais da língua para que haja saída

do ar (MONTEIRO, 2012, p. 18).

Já pesquisas mais recentes, como as de Martins et alii (2008 e 2010), indicam

que o contato se efetua entre a lâmina/pré-dorso da língua e a região alvéolo-palatal. De

acordo com esses dados, que foram obtidos por meio de imagens de ressonância

magnética, o // do PE apresenta um ponto de articulação alvéolo-palatal e não

exclusivamente palatal, da mesma forma do que foi apresentado por Recasens et alii

(1993) no que se refere ao catalão.

Ainda de acordo com Martins et alii (2010), esta consoante é, também,

caracterizada por (1) uma área de contato bastante extensa (entre 0.8 – 2.4 cm para

todos os falantes e contextos adquiridos), (2) forma convexa da zona médio-posterior da

língua e (3) compressão médio-sagital.

Quanto à coarticulação, Martins et alii (2011) observaram que o // do PE é

pouco influenciado pelo contexto vocálico adjacente. Embora resultados similares a

esse tenham sido obtidos por Recasens & Espinosa (2006), em relação ao // do catalão

maiorquino, Monteiro (2012) verifica, em seu estudo sobre as laterais nos dialetos de

Aveiro, Bragança e Porto, que a consoante palatal revela sofrer efeitos de coarticulação,

uma vez que se registram diferenças nos valores de F1, F2 e F3 em função do contexto

vocálico adjacente (cf. seção 2.2).

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De forma minuciosa, Cagliari (1974) fez um amplo estudo sobre a palatalização

no dialeto paulista, no qual afirma que os sons palatais são instáveis, não sendo fácil

caracterizá-los. Ao consultar alguns trabalhos – como os de Gleason (1969), Malmberg

(1971), Ladefoged (1972), Delattre (1965), Heffner (1969), Catford (1968), Strakka

(1965) – ele observou divergências e imprecisão na definição da palatalização: nos

critérios para pontos e modos de articulação de sons palatais; no uso de termos e

interpretações diferentes para resultados idênticos; e no uso da palatografia como

método experimental para a investigação.

Em seus próprios estudos palatográficos, Cagliari (1974) distingue três

realidades fonéticas da palatalização naquele dialeto, no qual distingue consoantes não

palatais, consoantes palatalizadas e consoantes palatais. As consoantes palatais são

descritas pelo linguista da seguinte forma:

As consoantes palatais localizam-se na região palatal (pré-palatal ou central),

apresentam os maiores contatos línguo-palatais, exigem maior esforço

articulatório (...). Apresentam uma duração maior, quer na retenção, quer na

distensão. São, essencialmente, sons simples, não articulações duplas. O

comportamento da língua é decisivo: sempre temos a ponta da língua

abaixada atrás dos incisivos inferiores. Do ponto de vista auditivo,

caracterizam-se pelo timbre “molhado”. (CAGLIARI, 1974, p.160)

A distinção estabelecida pelo autor entre consoantes palatalizadas, não-palatais e

palatais é realizada levando em consideração cinco fatores: lugar de articulação, modo

de articulação, comportamento da língua, energia articulatória e percepção.

No que diz respeito ao ponto de articulação, as palatalizadas têm uma pequena

parte de contato em algumas regiões limítrofes à região palatal e, portanto, maior

contato com essa região.

Quanto ao modo de articulação, as palatalizadas têm um contato mais largo do

que as não-palatalizadas. O contato línguo-palatal é o mesmo de uma não palatal, mas

articulada com maior energia. O autor observa que esses contatos apresentam grande

variação, nem sempre de fácil interpretação palatográfica, gerando uma variação

fonética que pode ser percebida auditivamente, mas considerada irrelevante pelos

falantes, em determinadas línguas, se estiverem em distribuição complementar.

Cagliari (1974) identifica, em língua portuguesa, além das consoantes palatais, a

ocorrência de consoantes palatalizadas seguidas de [i] ou de [j], favorecidas pela

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articulação palatal, que exige maior esforço articulatório desses segmentos. Segundo o

autor, as consoantes /n/ e /l/ são os sons que se palatalizam e despalatalizam mais

facilmente, pois se incluem entre as consoantes de fraca articulação.

A despalatalização, por sua vez, ocorre devido ao enfraquecimento do contato da

língua com a área palatal, diminuindo assim a área de contato, que sofre encurtamento

para a frente ou para trás. Em vista disto, consoantes palatais ou palatalizadas regridem

para a região anterior ou posterior da boca, ocorrendo o que se chama de “tendência

ieisante” da língua, ou ieísmo, que é o que ocorre na passagem de // a [j].

(...) o enfraquecimento articulatório se produz ao longo da linha média da

língua, originando um canal de constrição, em vez de oclusão. As bordas da

língua, agora, continuam com sua pressão forte para os lados, comprimindo-

se contra os dentes pré-molares e molares, na posição típica do iode.

Observando-se alguns palatogramas das consoantes palatais, nota-se, às

vezes, uma maior tendência a iode, pela diminuição da oclusão sobre a linha

média. No ponto em que essa diminuição acabar, com a oclusão sobre a linha

média, gerando, portanto, um canal constritivo, estamos diante de um iode”.

(CAGLIARI, 1974, p.115)

Segundo Cristófaro-Silva (1999), o som palatal é produzido com a parte medial

da língua contra a parte final do palato duro, como é o som [] em língua portuguesa.

Em termos de realizações, assim como Cagliari (1974), ela também faz importantes

distinções entre a consoante palatal e a palatalizada. Segundo a linguista, no primeiro

caso, sons palatais são aqueles produzidos com a obstrução da passagem do ar na região

palatal (o ar sai pelas laterais) pelo levantamento da parte média ou central da língua

que quase toca o palato duro.

No segundo caso, a lateral palatalizada [lj] é produzida quando a ponta da língua

é erguida em direção aos alvéolos ou aos dentes e, concomitantemente, a região central

da língua é levantada em direção ao palato duro. Assim, “a segunda alternativa

articulatória relacionada ao dígrafo “lh” representa os casos em que uma consoante

lateral alveolar (ou dental) é articulada juntamente com a propriedade articulatória

secundária de palatalização”. (CRISTÓFARO-SILVA, 1999, p. 65)

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2.2 Acústica

Lindbloom & Sundberg (1971, apud STEIN, 2011) evidenciam uma relação

entre a articulação e o perfil acústico das consoantes. Eles propõem um modelo

articulatório, considerando “a possibilidade de essa relação ser caracterizada a partir de

cinco parâmetros, evidenciando a influência das características do trato vocal sobre os

formantes, na sequência necessária à articulação do segmento” (cf. STEIN, op. cit, p.

224).

Dessa forma, ao considerar F1 como sendo a abertura da mandíbula, este

apresentaria uma trajetória ascendente, o mesmo ocorrendo com F2, se a língua

estivesse retraída em direção ao palato mole; já o aumento de F3 poderia ocorrer de

forma abrupta se a mandíbula estivesse “moderadamente aberta e a língua voltada para

a região do palato” (Id., p. 224).

O movimento da língua – considerado por Lindbloom & Sundberg (1971), o

segundo parâmetro – indica que, “caso ela se movimente da região anterior para a

posterior, F1 descreverá uma trajetória ascendente” (cf. STEIN, op. cit. p. 224). A

constrição do trato vocal, considerada pelos autores o terceiro parâmetro, somente

acarretará uma diminuição nos valores do segundo formante, caso haja um aumento da

constrição.

O arredondamento labial, o quarto parâmetro, “é responsável pelo abaixamento

geral de todos os formantes, especialmente F2 e F3”. Já o quinto, que se refere à altura

da laringe, indica que haverá um abaixamento de todos os formantes, se o trato vocal se

alongar (cf. STEIN, op. cit. p. 225).

Para Kent & Read (1992), as consoantes laterais, pelo fato de possuírem

formantes e antiformantes, são também próximas às consoantes nasais. Assim, para

esses linguistas:

O /l/ é produzido com uma constrição apical parcial que permite que o som se

propague pelas aberturas laterais. Esta bifurcação parcial causa formação de

antiformantes. O /l/ é acusticamente próximo às nasais por ter uma relativa

baixa energia acústica com uma predominante concentração de baixa

frequência.8 (KENT & READ, 1992, p. 39)

8 “The /l/ is produced with a mid-line apical constriction, wich allows sound to radiate through openings

at the sides. This midline bifurcation causes the formation of antiformants. The /l/ is acoustically similar

to nasals in having a relatively low acoustic energy with a predominantly low-frequency concentration.”

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Segundo Kent & Read (1992), parece ser necessário reconhecer pelo menos as

duas maiores variantes de cada líquida – pré-vocálica e pós-vocálica –, já que estudos

indicam que a sua posição na sílaba acarreta alteração nos seus padrões formânticos.

De acordo com Lehiste (1964), o alofone de /l/ inicial é caracterizado por um F1

baixo que parece ser relativamente independente da vogal seguinte. Já o seu segundo

formante mostra uma variedade maior de flutuação, aparentemente antecipando a

posição do segundo formante da vogal seguinte. O seu terceiro formante é

invariavelmente alto e nenhuma variação sistemática poderia ser atribuída à influência

de um núcleo de sílaba seguinte.

Dessa forma, para Lehiste (1964, p. 14), a diferença principal entre os alofones

inicial e final de /l/ está na relativa proximidade de F1 e F2, no que se refere a /l/ final.

As diferenças na posição do terceiro formante não mostram nenhum padrão claramente

discernível e parecem relativamente insignificantes. Além disso, ainda segundo a

autora, a influência do /l/ final no som vizinho é muito menos ambígua que a do /l/

inicial.

Ladefoged (2003, pp. 145-146), diferentemente de Lehiste (op.cit.), analisa a

lateral alveolar (ápico ou lâmino-alveolar) comparando-a à lateral palatal e observa que

o segundo formante de [] é mais alto que o de [l].

Já Ladefoged & Maddieson (1996, pp. 182-214), ao analisarem três línguas

australianas (arrernte, kaititj e alyawarra), verificam que elas possuem quatro laterais

em contraste e, ao compararem a acústica dessas variantes, afirmam que a lateral

laminal pós-alveolar (que seria o que nesta tese é chamado de lateral palatalizada) teria

o F2 mais alto que o das variantes apicais.

No que diz respeito ao Português Europeu, Andrade (1997, p. 58) menciona que,

do ponto de vista acústico, /l/ está tipicamente associado a uma estrutura formântica

bem definida, mas com irregularidades, decorrentes da partição do canal bucal imposta

pela constrição anterior.

Tais irregularidades manifestam-se sobretudo através da atenuação do pico

de F3 (eventualmente F2). Em termos gerais, a lateral distingue-se de vogais

e glides por apresentar, além disso, uma amplitude espectral inferior nas

baixas frequências, e uma atenuação adicional na região de altas frequências.

(ANDRADE, 1997, p. 58)

Ainda fazendo considerações sobre a lateral, Andrade (op. cit., p. 58) acrescenta

que um /l/ velarizado apresenta um F2 mais baixo do que um não velarizado, já que

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existe uma relação íntima entre o segundo formante e as características do sistema de

ressonância atrás da constrição da lateral.

Segundo Quilis (1988), as líquidas laterais se caracterizam por sua continuidade,

o que favorece que, em seus espectros, apareçam certos formantes análogos aos

vocálicos. A duração media de /l/ em posição pré-nuclear ou pós-nuclear, sem fazer

parte de uma sequência consonântica tautossilábica, é de 6,03 cs9.

Ainda em seu estudo, Quilis (1988) acrescenta que, em posição átona, o /l/

apresenta um F1 maior que em sílaba tônica, o que indica uma maior abertura

articulatória. Segundo o autor, este seria um dos traços consonânticos das líquidas

laterais, pois, como assinala Straka (1963), com a diminuição da energia articulatória, as

consoantes tendem a abrir-se. (apud op. cit., p. 277)

No /l/ espanhol, o F1 aparece a uma frequência mais baixa que o correspondente

da vogal com a qual forma sílaba e se vê pouco influenciado por ela. É, portanto,

relativamente independente da sua vogal silábica. O F2, diferentemente do que foi

apresentado por Lehiste (1964) para o inglês, é também relativamente independente do

da vogal seguinte:

Em geral, sua frequência descende desde /i/ até /u/, embora costumem flutuar

com as vogais posteriores; de qualquer forma, as diferenças entre as

frequências mais altas e as mais baixas não são muito grandes. 10

(QUILIS,

1988, p. 278)

Quanto ao //, Quilis (1988) afirma que em posição, tanto inicial quanto medial,

o fonema apresenta características bastante similares:

A duração média das realizações de // é de 7,32 cs. [] apresenta maior

duração em sílaba tônica que em átona. A duração maior é a de [-] em

sílaba tônica, e a menor, também em [-] em sílaba átona. 11

(QUILIS, 1988,

p. 281)

9 O autor, em seu livro, opta por utilizar centissegundos em vez de milissegundos, termo este mais

comumente encontrado na literatura especializada. 10

“En general, su frecuencia desciende desde /i/ hasta /u/, aunque con las vocales posteriores suele

fluctuar; de todas formas, las diferencias entre las frecuencias más altas y las más bajas no son muy

grandes.” 11

“La duración media de las realizaciones de // es de 7,32 cs. [] presenta mayor duración em sílaba

tónica que en átona. La duración mayor es la de [-] em sílaba tónica, y la menor, también en [-] en

sílaba átona.”

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No F1 de [], do espanhol, ainda segundo Quilis (1988), não existe praticamente

nenhuma diferença na frequência, entre a posição tônica e a átona. Já o F2 e o F3

mantêm uma frequência mais alta em sílaba tônica que em átona.

Acrescenta o autor que o F1 de [], geralmente, está situado abaixo do F1 da

vogal com a qual forma núcleo silábico e é independente deste. Já o F2 de [], como já

foi dito anteriormente, apresenta sempre maior frequência que os homólogos [a, o, u],

variando sua situação com [i, e]. Este F2 tem pouca flutuação:

Entre as frequências mais altas e as mais baixas há uma diferença média de

200 cps, o que representa aproximadamente a metade do valor de flutuação

do F2 de /l/. Por outro lado, este F2 antecipa o começo do F2 da sua vogal

núcleo silábico.12

(QUILIS, 1988, p. 282)

Em seus estudos sobre a fonética espanhola, Martínez Celdrán & Fernández

Planas (2007) observam que existe uma distinção entre uma lateral palatalizada,

variante da alveolar, e a palatal plena. A grande diferença existente entre esse dois sons

ocorreria nos picos dos primeiros formantes, embora seja, no segundo, que se apresente

a maior distinção: 1.575 Hz para o palatalizado e cerca de 2.400 Hz para o palatal.

Segundo os autores, “essa diferença justifica que acusticamente se considere a

palatalizada uma simples variante da alveolar, já que seus formantes são muito mais

parecidos entre si”.13

(op. cit., p. 140)

Monteiro (2012), em trabalho que tinha como principal objetivo ampliar os

estudos sobre as laterais no Português Europeu – uma vez que são poucas as pesquisas

sobre esses fonemas na fala da região mencionada –, verificou que, para o PE, a lateral

palatal revela um valor de F1 próximo dos 300 Hz, um valor de F2 cerca dos 2050 Hz e

um valor de F3 ao redor dos 2900 Hz. Ademais, observou que, além de não existirem

diferenças acústicas na lateral palatal entre os três dialetos focalizados (Aveiro,

Bragança e Porto), essa consoante sofre efeitos de coarticulação, visto que se registram

diferenças nos valores de F1, F2 e F3 em função do contexto vocálico adjacente.

12

“Entre las frecuencias más altas y las más bajas hay una diferencia media de 200 cps, lo que

representa aproximadamente la mitad del valor de fluctuación del F2 de /l/. Por otra parte, este F2

anticipa el comienzo del F2 de su vocal núcleo silábico.” 13

“Esta diferencia justifica que acústicamente consideremos a la palatalizada una simple variante de la

alveolar, ya que sus formantes son mucho más parecidos entre sí.”

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Embora, segundo Recasens & Espinosa (2006), a lateral palatal apresente grande

resistência à coarticulação, Monteiro (2012) verificou o contrário. De acordo com essa

linguista, no que se refere a F1, registram-se valores mais elevados quando a lateral

palatal está próxima da vogal /a/ (352,90 Hz) e valores mais baixos em contexto de /i/

(290,4 Hz) e de /u/ (292,3 Hz).

Em relação a F2, os resultados de Monteiro (op. cit.) assinalam a existência de

três grupos de efeitos distintos, um para cada vogal. “Quando próxima da vogal /a/, o

// apresenta o valor mais baixo (1851,5Hz); quando junto da vogal /i/, o valor mais alto

(2241,2 Hz) e, quando próximo da vogal /u/, o valor intermediário (2074,7 Hz)” (Id. p,

49).

No que diz respeito aos resultados de F3, Monteiro (op. cit.) verifica a existência

de dois grupos distintos que diferenciam os valores de F3 da lateral palatal na presença

de /i/ (2978,0 Hz) e de /u/ (2864,5 Hz). A vogal /a/ apresentaria um valor intermédio

entre as restantes vogais (2888,8 Hz).

No que se refere especificamente ao PB, Silva (1996) indicou haver uma

diferenciação acústica entre as consoantes líquidas [l], [] e [] tanto qualitativa quanto

quantitativamente. Embora os valores de F1 e F2 se mostrem muito próximos,

especialmente os de F1, o que sugere que essas consoantes tendem a se aproximar, as

médias diferentes de F3 são responsáveis pela diferenciação entre esses fones.

Os estudos de Pagan & Wertzner (2007) ratificam os estudos de Silva (1996),

uma vez que, para as referidas autoras,

o F1 apresentou médias e desvios padrão para as consoantes /l/ e //

semelhantes, porém menores para a consoante //. No F2, não foram

observadas grandes diferenças entre os desvios padrão, enquanto que as

médias correspondentes às consoantes // e // pareceram ser semelhantes e

maiores do que as obtidas para a consoante /l/. As médias do F3

diferenciaram os três fonemas sendo o valor mais alto obtido para a

consoante //, seguida da consoante // e, por último, o menor valor foi o da

consoante /l/. (PAGAN & WERTZNER, 2007, p. 107)

Segundo Stein (2011), as médias de F2 e de F3 serem maiores para a lateral

palatal do que para a lateral alveolar é possível, uma vez que, seguindo-se o modelo de

Lindbloom & Sundberg (1971, apud op. cit.), no que se refere à abertura da mandíbula,

“indica ocorrer um grande crescimento no valor de F2 para as consoantes que são

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produzidas com a língua retraída em direção ao palato mole; o crescimento de F3 é

previsto caso a mandíbula esteja moderadamente aberta e a língua voltada para a região

do palato” (cf. STEIN, op. cit. p. 227). Dessa forma, sendo // uma consoante palatal,

suas médias de F2 e F3 devem ser maiores que as observadas para a lateral alveolar /l/.

Ainda de acordo com Stein (2011, p. 229), é importante assinalar que a

realização fonética da lateral palatal, no português brasileiro, nem sempre ocorre como

[]: observam-se também os alofones [lj] – que indicaria “a realização de um segmento

próximo à vogal [i] acompanhando a consoante – e [j]”.

Stein (2011, p. 229) acrescenta, ainda, que

mesmo em realizações que, em princípio, seriam plenamente palatais (e não

“palatalizadas”) como na pronúncia do logátomo “elhe”, [representada na

figura abaixo], é possível perceber uma manifestação de um segmento que

lembra a vogal [i] (representado pelo estriamento mais escuro no terceiro

terço da área delimitada para [], entre F2 e F3, diferentemente do que se

verifica nos seus dois primeiros terços).

Figura 1. Oscilograma e espectrograma representando a realização dos logátomos “ele” e

“elhe” (com vogais anteriores médias-baixas), pronunciados por um informante brasileiro

nascido no Estado do Espírito Santo. Valores médios dos três primeiros formantes para [l]:

F1, 639 Hz; F2, 1117 Hz; F3, 3193 Hz; para []: F1, 389 Hz; F2, 2091 Hz; F3, 3146 Hz.

Fonte: STEIN (2011, p. 228).

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3 OUTROS ESTUDOS SOBRE O //: INTERPRETAÇÃO FONOLÓGICA E

VARIAÇÃO

Nesta seção, fez-se um levantamento de estudos relacionados ao comportamento

de //. A seção divide-se em duas partes: na primeira, abordam-se estudos que

descrevem a evolução do // do latim ao português. Na segunda, apresentam-se

trabalhos que se referem à variação desse fonema no Português do Brasil e no Português

Europeu, dos pontos de vista da teoria da variação laboviana e da difusão lexical, bem

como a diferentes interpretações de cunho fonológico.

Ressalte-se, porém, que poucos são os trabalhos que descrevem a variação do

fonema // produzido em Portugal.

3.1 Do latim ao português

Segundo Teyssier (2004), a palatalização está entre as inovações fonéticas do

latim imperial que terão importantíssimas consequências, já que devido a este fenômeno

o galego-português medieval terá cinco fonemas novos: /t/, /d/, //, // e //.

Assim sendo, em várias palavras um i ou um e tônicos, seguidos de uma vogal,

eram pronunciados iode em latim imperial. Dessa forma, “pretium, platea, hodie, video,

facio, spongia, filium, seneorem, teneo resultaram os grupos fonéticos [tj], [dj], [lj] e

[nj] que se palatalizaram em [tsj] e [dzj], [] e []”. (TEYSSIER, 2004, p. 11)

Ainda de acordo com Teyssier (2004), os três séculos passados entre a chegada

dos povos germânicos à Península Ibérica (409) e a dos muçulmanos (711) não

deixaram qualquer documento linguístico. No entanto, a linha geral da evolução não

admite dúvidas: “vê-se acelerar a deriva que transformará o latim imperial em proto-

romance, e aparecerem certas fronteiras linguísticas. Uma destas fronteiras é a que vai

separar os falares ibéricos ocidentais, donde sairá o galego-português, dos falares do

centro da península, donde sairão o leonês e o castelhano”. (op. cit., p. 13)

Segundo o autor, é provavelmente por essa época que se desencadeia a evolução

do grupo consonantal cl (oc’lu de oculum). Nesta posição, c, pronunciado [k], em

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galego-português, passa a iode [j] (oc’lu > *ojlo) e, depois, o segmento [-jl-] passa a []

palatal.

De acordo com Teyssier (2004), a partir do século IX surgem textos redigidos

num latim “extremamente incorreto” – conhecido tradicionalmente como latim bárbaro

– que às vezes, deixavam aparecer formas da língua falada. “Percebe-se, assim, abelha

em abelia (<apicula) em vez de apis, ou coelho em conelium (<coniculum), ou ovelha

em ovelia (<ovicula). (op. cit., p. 16)

Câmara Jr. (1979) ao analisar a história e a estrutura da língua portuguesa,

aponta que a palatalização de /n/ e /l/ deu-se exclusivamente em posição intervocálica e

// é o reflexo de dois fenômenos fonéticos distintos, a saber: (1) // advém de um

grupo de constritiva labial ou oclusiva surda seguida de /l/, em posição intervocálica

(speculum > speclum > espelho; scopu lum > scoplum > escolho); (2) // é formado a

partir de um /l/ seguido de um /i / assilábico (palea > /pali a/ > palha).

Mattos e Silva (1991), fazendo uma releitura de Paul Teyssier, comenta que as

palatalizações românicas (não só as portuguesas) resultam de complexas mudanças

fonéticas, na maioria dos casos, condicionadas pelo seguinte contexto fônico: presença

de vogal ou semivogal palatal /i, e/, seguindo consoantes oclusivas. Além disso, ainda

menciona que estas mudanças fônicas modificaram a configuração do sistema latino,

introduzindo os elementos palatais – /, , , / – no sistema consonântico do

português.

Ainda de acordo com a autora, esse conjunto complexo de palatalizações não

ocorreu ao mesmo tempo na história. Como já foi dito anteriormente, revisitando

Teyssier, Mattos e Silva (1991) demonstra que já vêm do latim imperial as

palatalizações de nasais e líquidas seguidas de elemento vocálico palatal (te/ne/o >

te//o; fi/li/um > fi//o) e que não são tão recuadas na história as palatalizações que têm

como antecedente consoantes seguidas de /l/:

Pode-se situar entre os séculos V e VIII, isto é, entre a queda do Império

Romano e o despontar das variantes românicas, o surgimento de sequências

/Cl/ decorrentes da perda da vogal não-acentuada. Resultarão na palatal // –

oculu > oc’lu> o//o, apiculas > apic’la > abe//a, ovicula > ovc’la >

ove// a, teguloa > teg’la > te//a, scopulu > scop’lu > esco//o. (MATTOS

E SILVA, 1991, p. 86)

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Coutinho (1973, p. 121) acrescenta que as geminadas -ll-, do latim, resultaram

na lateral palatal ou simplificaram-se. Assim, para o autor o -lh- veio de empréstimo do

espanhol, “onde o -ll- se transformou em -lh-14

: caballariu > cavalheiro, scintilla >

centelha.”

Ainda de acordo com Coutinho (1973), os grupos formados por consoante e

semivogal (i, u) merecem tratamento à parte pelas transformações peculiares que

apresentam. Segundo ele, o -e- em hiato passou a -i-, no latim vulgar, no século I, e

muitos grupos formados, não só por uma semivogal i, como também pela transformação

apresentada acima (e > i), palatalizaram-se, passando, às vezes, a semivogal para a

sílaba anterior, ou fundindo-se com a consoante num só som.

Para Coutinho (1973, p. 127), o -lh- também advém do grupos -lli-, -li- que se

fundem, como pode ser observado nos exemplos dados pelo autor: “alliu > alho, malleu

> malho, alienu > alheio, consiliu > conselho, ervilia > ervilha, filiu > filho, folia

>*folha, palea > palha, solea > solha”.

Já Said Ali (2001) comenta que, nas palavras formadas com o sufixo -culu, -

cula, conservou-se o acento na vogal precedente e o sufixo alterou-se em lho, lha, como

em espelho (de speculu) e artelho (de articulu). Ainda acrescenta, no entanto, que esta

mudança é difícil de explicar com o simples recurso do sistema ortográfico de que, a

princípio, dispunham as línguas românicas para representar os diversos sons.

Assim, de acordo com Said Ali (2001), aparentemente, deu-se o primeiro passo

na alteração fonética, eliminando uma vogal (-culu- > -c’lu- > *clo). Isto, porém, para o

autor de pouco adianta. Ao contrário da explicação antiga, “que se limita a passar de um

enigma a outro enigma maior”, o autor propõe processos fônicos que, segundo ele,

“atendem às possibilidades fisiológicas” (op. cit, p. 32):

Primeiro que tudo, a modificação em lho, lha, não se faria sem a prévia

sonorização da consoante k, e o novo fonema devia ter qualidade palatal

capaz de influir no fonema vizinho, palatalizando-o igualmente. Em vez de

imaginar desde logo o desaparecimento da vogal entre as duas consoantes,

deve-se antes supor que ela persistisse a princípio, e que não soaria

rigorosamente como u, mas que, sendo átona, a sua pronúncia se aproximasse

de i; teríamos pois spek-ulu> spek–ilu > spe(g)ilu ou spe()ilu. Dar-se-ia

depois metátese na terminação: speilu < spe-liu. (op. cit., p. 32)

14

Nesta passagem, Coutinho (1973) demonstra que o grafema “ll” assumiu a pronúncia [].

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38

3.2 No Português do Brasil

A lateral palatal, consoante pouco produtiva na língua portuguesa – já que sua

posição mais comum é a intervocálica15

–, apresenta uma grande flutuação de

pronúncia, a ponto de alguns autores, como Cristófaro-Silva (1999, p. 40), afirmarem

que essa consoante ocorre na fala de poucos falantes do português brasileiro, que a

substituem por uma lateral alveolar (ou dental) palatalizada que é transcrita por [lj].

Pontes (1973), ao apresentar a análise fonêmica que serve de base a seu estudo

sobre a estrutura do verbo no português coloquial, elimina do quadro de fonemas a

lateral palatal, que interpreta como sequência /lj/ (foneticamente [j], lateral

alveopalatal), alegando “não existir na língua coloquial, o contraste que a escrita sugere,

do tipo óleo-olho, que se pronunciam da mesma maneira: [ju]”.

Câmara Jr. (1979, p. 45) também já comentava esse fenômeno, ao chamar a

atenção para a ausência de contraste entre [] e [l] diante de [i]:

São igualmente típicas da variedade relaxada a ausência de /r/ em posição

pós-vocálica final e a neutralização do contraste /l/ - / / e /n/ - // diante de

/i/ com a realização, apenas, do primeiro membro (/foli‟nha/,/ compani‟a/),

ou diante de /j/ a anulação da distinção / / - /lj/, // - /nj/ como nos casos de

venha e vênia (/vê„a/ - /ve‟nja/) ou de olhos e óleos (/ó‟us/ - /ó‟ljus/. (op.

cit., p. 45).

Silveira (1986) identifica mais de uma realização para a lateral palatal. Segundo

a autora, // é realizado por [], [j], [jj], [l], [lj], sendo algumas dessas concretizações

típicas de alguns dialetos brasileiros. Para esta linguista o ieísmo, por exemplo, é típico

do falar caipira e a realização [lj] ocorre, provavelmente, devido à própria origem do

fonema palatal:

Como sabemos, o fenômeno da palatização ocorre, no português, de

combinatórias como: lj > (filium > filiu > filju : fio). (op. cit., 1986, p.

102)

15

Segundo Houaiss (2001), a lateral palatal, só aparece em início de vocábulo, no clítico lhe, e em mais

17 vocábulos, que constituem empréstimos de outras línguas.

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39

Já Cagliari (1974), em seu estudo sobre a palatalização no português, dá uma

ênfase grande à variação de // no dialeto paulista e afirma ser a despalatalização uma

etapa de evolução da palatal, a partir da qual se operam outras transformações, sendo a

realização palatalizada, como um dos aspectos da despalatalização, uma realização

intermediária na passagem da palatal para não-palatal. As etapas resultantes desse

processo, apresentadas pelo autor, são: palatal, palatalizada com iode, palatalizada sem

iode, despalatalizada com iode.

Segundo sua interpretação, a passagem da palatal à palatalizada com iode tem a

mesma facilidade da passagem da palatalizada com iode à palatal: no primeiro caso

tem-se o aumento de energia e, no segundo, a sua diminuição:

A passagem de palatal à palatalizada seguida de iode se justifica

perfeitamente pelo fato das palatais, sendo mais longas do que as demais

consoantes, terem uma distensão mais pronunciada, o que pode dar a

entender a presença de iode, seguido imediatamente à distensão. O

enfraquecimento articulatório não permitido a palatal, faz com que gerações

mais novas percebam na distensão da palatal um iode e comecem a realizar a

palatal como uma consoante palatalizada (menos enérgica e firme) seguida de

iode. (CAGLIARI, 1974, p.118)

Segundo a descrição do autor, a lateral palatalizada, como variante de /l/ (lateral

alveolar), é favorecida em alguns casos pela presença da vogal palatal ou iode em

posição átona. Do ponto de vista articulatório, registra-se um avanço da língua na linha

média do palato. Como variante de // pode despalatalizar-se quando precedida de

vogal palatal tônica.

Ainda no que diz respeito às diferentes realizações de pronúncia de //, diversos

trabalhos de caráter dialectológico, como os de Amaral (1920), Nascentes (1922),

Aguiar (1937); Marroquim (1934); Teixeira (1938; 1944); Rodrigues (1974), Melo

(1981), Aragão (1984) e Aguilera (1987) também indicam que, tanto a despalatalização

como a iodização são fenômenos facilmente encontrados no português do Brasil.

Estudiosos como Amaral (1920), Nascentes (1922), Marroquim (1934)

relacionaram a despalatalização de //, no português do Brasil, à influência africana,

sendo essa realização considerada típica dos falares crioulos registrados em Cabo

Verde, Guiné, São Tomé, Ceilão (Sri Lanka), Dio, Goa e Ilha do Príncipe. Já Melo

(1981, p. 58-59) afirma que a não palatalização de //, mais especificamente a sua

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vocalização, é típica de algumas regiões do interior Brasil, como Goiás e certas

localidades da Bahia. Este autor ainda comenta que a palatal // é tida como ausente no

Nordeste.

Em estudos com outras bases teórico-metodológicas são encontradas descrições

e análises que identificam e relacionam as diferentes realizações de // a aspectos

sociais e linguísticos em diversos falares brasileiros.

Os estudos de Penha (1972), sobre o falar da zona rural do Sul de Minas Gerais,

registram as formas [l] e [j] para //. Já o trabalho de Caruso (1983) sobre o falar baiano

mostra a tendência para a iodização: 64,2% na região litorânea ocidental do estado e

35,8% no interior.

Oliveira (1983), em seu trabalho sobre variação e mudança no português do

Brasil, apresenta análise quantitativa e qualitativa da variável (), em Belo Horizonte,

chegando às seguintes conclusões: (1) a variante [j] tem seus percentuais de realização

nos grupos socioeconômicos mais baixos e ocorre, ainda que de forma esporádica, nos

grupos mais altos; além disso, é favorecida pelo estilo informal e desfavorecida pelas

mulheres, o que evidencia seu status de estereótipo. (2) a variante [l] apresenta-se com

as características de uma variante em extinção, na medida em que se realiza,

preferencialmente, na fala dos mais velhos; nos grupos socioeconômicos mais baixos, é

favorecida pelo estilo formal, o que lhe empresta o caráter de variante de prestígio em

relação à variante [j].

Madureira (1987), em seu estudo sobre as condições de vocalização da lateral

palatal no português, concorda com Oliveira (1983) ao mostrar que há um percentual

bem grande de vocalização na fala dos indivíduos do sexo masculino com baixo poder

socioeconômico. No entanto, ainda demonstra que há indícios de que a variante [j] se

implementa, em Belo Horizonte, de um grupo socioeconômico mais baixo (G2) para o

outro, mais alto (G1), por difusão lexical. Segundo esta autora, dentre os parâmetros

estruturais considerados, o único a apresentar algum grau de favorecimento foi o fator

item lexical. Isto é, a sua análise revelou que o G1 apresentou vocalização em dois itens

lexicais: trabalhar e velho. No G2, esses dois itens receberam os maiores percentuais de

vocalização. Foi identificado, além disso, que o favorecimento desses dois itens

relacionava-se a contexto de fala afetivo.

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Na fala da cidade de Londrina (PR), Aguilera (1987) registra diferentes estágios

de despalatalização de //, tais como despalatalização por iodização; despalatalização

por síncope ou por apócope, sem resquício de [j]; despalatalização por substituição;

palatalização, por hiperurbanismo, na zona rural; palatalização seguida de rotacismo

(como em orvalho>orváliu> orváriu).

Em um trabalho posterior, Aguilera (1988) também busca identificar as

realizações da lateral palatal no Atlas Linguístico do Paraná, encontrando as realizações

[], [j] e . Sua análise mostra que a primeira é a mais produtiva dentre todas e é

considerada a variante culta, as duas últimas ocorrem mais nas regiões rurais do estado.

A despalatalização e iodização de // são identificadas por Aragão (1997) no

Atlas Linguístico da Paraíba. A autora constata a alta frequência e distribuição de

iodização na fala de indivíduos masculinos e femininos, nas faixas etárias mais altas, e

de menor escolaridade.

Em seu estudo sobre a vocalização da lateral palatal no português brasileiro,

Madureira (1999) constatou que um bom número de falantes do grupo socialmente

menos favorecido desconhecia a articulação da lateral palatal. Assim, toda e qualquer

palavra contendo essa variável era sistematicamente pronunciada com a semivogal

palatal, inclusive aquelas que integram as listas de pares mínimos do tipo teia – telha,

vazia – vasilha. A única exceção aparecia quando a variável era seguida de /i/ ou /e/

realizando-se, então, como lateral alveolar. No que diz respeito a esta variante, segundo

a autora, apresentava-se com as características de uma variante em extinção, na medida

em que se realizava, preferencialmente, na fala dos mais velhos.

Ainda na linha variacionista, inscrevem-se alguns estudos mais recentes como os

de Machado-Soares (2002, 2008, 2009), Castro (2006), Brandão (2006, 2007), Ferreira

(2011), Freire (2011 e 2012) e Santos & Chaves (2012).

Os estudos de Machado-Soares (2002) sobre as variações dos fonemas palatais

lateral e nasal no falar urbano de Marabá-PA identificam para a lateral palatal as

seguintes realizações: [] (4%), [lj] (57%), [lj] (27%), [l] (27%), [j] (9%), e (0%). Os

resultados indicaram condicionamentos linguísticos e extralinguísticos. Para os fatores

sociais levados em conta na análise, as variantes palatais/palatalizadas se identificaram

com as formas padrão e de prestígio, sendo preferidas, em termos probabilísticos, por

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mulheres, por indivíduos de maior escolaridade e renda mais alta e de faixas etárias

mais baixas (15-25/26-45), ao contrário da forma semivocalizada.

Castro (2006), em seu trabalho sobre o uso da semivogal [j] e a inserção da

lateral palatal [] no português falado pela comunidade afrodescendente de Matição,

Jaboticatubas/MG, chegou à conclusão de que [j] e [] são consideradas duas variantes

(a primeira, conservadora e a segunda, inovadora) de uma variável linguística cujo

comportamento é influenciado por fatores estruturais e sociais.

Segundo a autora, os fatores vogal precedente, classe de palavras e faixa etária

do falante favoreceriam o uso da lateral palatal. Assim, quando o // estivesse sendo

concretizado por indivíduos mais jovens (entre 25 e 45 anos), inserido num nome

substantivo ou adjetivo e antecedido pelas vogais [i] ou [u], na maioria das vezes, a

variante produzida era []. Para ela evidencia-se, então, que a variação se associa a uma

característica de mudança em progresso (em direção ao uso da lateral palatal e

consequente perda da semivogal).

Esses resultados, de acordo com a linguista, ainda permitem supor que, na

comunidade de Matição, há inserção da variante [] através dos falantes mais jovens,

pois eles mantêm um contato mais frequente com a comunidade urbana de Jaboticatubas

– MG.

Brandão (2006), em estudo que tinha por finalidade verificar a vitalidade, na fala

popular, do ieísmo e das variantes que com ele concorrem, observa que o cancelamento

– como em [„miu] por milho – e a variante [j] – como em [„vju], por velho – são

bastante produtivos na fala de comunidades rurais ou de grupos com baixo ou nulo nível

de escolaridade.

Ao analisar os 510 dados referentes à variável //, presentes nas cartas do Atlas

Linguístico da Paraíba, Atlas Prévio dos Falares Baianos, Atlas Linguístico de Sergipe

(vol. 1) e Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais, sob a perspectiva da

sociolinguística variacionista, a autora pôde constatar que os falantes das regiões

observadas tendem a não produzir a lateral palatal. Dentre os processos que concorrem

para a não concretização desse segmento, o mais produtivo, segundo a autora, é a

iodização: “do índice de 65% de não manutenção, 53% correspondem à permuta da

lateral pela semivogal” (BRANDÃO, 2006, p. 73). A despalatalização pela troca com a

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lateral alveolar, bem como a concretização como [lj]

são pouco frequentes. Para a

autora,

essa situação, certamente, deve-se ao tipo da amostra, bastante restrito, em

que não aparecem vocábulos oxítonos como o verbo colher ou os

substantivos colher e mulher, em que o primeiro dos mencionados processos

parece ser mais produtivo. (op. cit., p. 74)

No que diz respeito às variáveis linguísticas que condicionam o processo de

iodização, Brandão (2006) aponta a importância da vogal que precede o segmento. Num

total de 434 dados, mostram-se mais propícios à variação [] > [j] os contextos em que

há, antes do segmento em análise, uma vogal média. Já no que concerne às variáveis

extralinguísticas, a área geográfica mostrou-se condicionadora da regra: “considerando-

se, isoladamente, cada uma das áreas, do ponto de vista geopolítico, verifica-se que os

índices percentuais na Paraíba são de 58%, em Sergipe, de 64%, na Bahia, de 72 % e

em Minas Gerais, de 43%”. (op. cit., p. 75)

Já em seu estudo sobre a variação de // na fala do Norte-Noroeste do Estado do

Rio de Janeiro, Brandão (2007) observa que a lateral palatal aparece como a variante

preferencial (72%)16

em contraste com a semivogal e a lateral alveolar, ambas atingindo

o mesmo índice percentual de 5%. Além dessas variantes, a autora ainda menciona a

ocorrência de cancelamento (1%) – que aparece, geralmente, quando, no contexto

antecedente, existe uma vogal coronal [i] – e de [lj] (17%).

O alto índice de concretização de [] possibilitou que a autora investigasse que

fatores estariam influenciando a ocorrência das demais variantes.

Segundo Brandão (2007), as variantes [lj] e [j] são condicionadas por fatores

tanto linguísticos quanto extralinguísticos, enquanto a troca de [] por [l] deve-se,

apenas, a fatores estruturais.

Estariam favorecendo a concretização de [lj], do ponto de vista estrutural, os

fatores classe do vocábulo, contexto antecedente e tonicidade da sílaba. Há maior

probabilidade de ocorrência em nomes (0,55), depois da semivogal alta (0,62) e em

sílaba postônica (0,64). Já a implementação da variante [j], estaria condicionada à

presença de vogais abertas (0,62), em contexto antecedente, e à posição tônica (0,55).

16

A partir da observação de cartas do Atlas Fonético do entorno da Baía de Guanabara (LIMA, 2006),

verifica-se que, na área Metropolitana do Rio de Janeiro, a variante [], também, é a mais frequente.

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No que diz respeito ao caráter extralinguístico, enquanto [lj] é mais produtiva na

área litorânea, mais urbanizada (0,62), [j] ocorre, preferencialmente, na área interiorana,

de perfil mais rural (0,72). A variável faixa etária também se mostrou relevante para a

implementação dessas variantes: [lj] distribui-se pelas três faixas etárias de forma

homogênea, com pesos relativos bem próximos (faixa A (0,51), faixa B (0,43) e faixa C

(0,54)) demonstrando, segundo Brandão (2007, p. 96), “ser essa uma regra estável,

apesar de pouco produtiva na região”. Já os índices referentes à [j], mostram que tal

variante é mais frequente na fala dos indivíduos mais velhos (0,64).

Atuam para a aplicação de [l] a presença, em contexto subsequente, de vogal [+

cor], sobretudo de [i] (como em co[„le]mos, co[„li]) ou de outra consoante palatal na

palavra (fo[l]inha). Embora tonicidade da sílaba, não tenha sido selecionada pelo

programa, a autora observa que essa variável parece ser importante para a concretização

de [l], uma vez que das 181 ocorrências dessa variante, 148 (82%) ocorrem em sílaba

tônica.

Segundo Machado-Soares (2008), seis foram as variantes da lateral palatal

atestadas na fala paraense – [lj] (lateral palatalizada); [lj] (lateral dental ou alveolar

(despalatalizada) seguida de semivogal); [j] (semivogal (despalatalizada); [] (lateral

palatal), [l] (lateral dental/alveolar) e o zero fonético – no entanto, as três últimas

variantes foram excluídas do trabalho devido ao baixo número de ocorrência na

amostra. De acordo com a autora, tanto variáveis linguísticas quanto sociais influenciam

na variação de //.

No que diz respeito à tonicidade da sílaba, a autora constatou que o ambiente

tônico favorece as variantes [lj] e [j] enquanto que [lj] é favorecida em ambiente átono.

Já a classe morfológica, por sua vez, mostrou-se bastante irregular: os

substantivos favorecem [lj]; verbos, [lj] e [j] e adjetivos, [lj]. Com isso, a autora conclui

que o processo de implementação das variantes em termos de palatal x não palatal, no

que tange à //, não se relaciona diretamente à classe das palavras nas quais ocorrem.

O contexto seguinte vogal/ditongo teve um comportamento ambíguo: a vogal

favoreceu tanto a variante palatalizada quanto a semivocalizada; e o ditongo favoreceu

somente a variante lateral mais glide. Diante do comportamento indefinido em face das

hipóteses levantadas para esse grupo, a autora, também constata que esse grupo de

fatores não apresenta grande importância para a variação do fonema ora estudado.

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No que diz respeito à altura do segmento subsequente, o estudo mostrou que os

segmentos altos favorecem [lj]. Já quanto à vogal antecedente, observou-se que as

vogais anteriores favoreceram [lj] e [lj].

Ainda segundo Machado-Soares (2008), no falar paraense, as concretizações

palatal e palatalizada são as de maior prestígio entre as mulheres, sendo a variante [j] a

realização de menor prestígio, o que comprova sua maior probabilidade de ocorrência

entre os homens.

Quanto à faixa etária, a autora verificou que os indivíduos entre 15-25 anos

tendem ao uso de [lj] - [j]; falantes da faixa de 26 a 45 anos dão preferência a [l];

falantes com mais de 46 anos preferem a variante [lj].

Já os resultados para anos de escolaridade mostram que indivíduos com menor

escolaridade (0-8) propendem ao maior uso de [j], enquanto aqueles com maior

escolaridade (acima de 8 anos) tendem ao uso de [lj] e [lj].

Em um trabalho posterior, que somente verificava a influência de

condicionamentos sociais sobre as realizações da lateral palatal na fala paraense,

Machado-Soares (2009) reafirma os resultados apresentados em seu estudo de 2008,

complementando que o alto uso, pelos mais jovens, de [j] como variante da lateral

palatal a surpreendeu um pouco. Segundo ela, o natural seria encontrar um maior uso

dessa variante na fala dos mais velhos. Dessa forma, para a autora, outros fatores

intervenientes podem estar em ação simultânea, como por exemplo, a origem

geográfica:

Considerando aquelas áreas em que predomina a palatalização, pode ser que

a despalatalização seja a variante inovadora e as formas palatalizadas sejam

conservadoras, sendo, por isso, marcas próprias de cada faixa etária.

(MACHADO-SOARES, 2009)

Ainda de acordo com Machado-Soares (2009), o fator origem geográfica

demarca bem os usos das variantes de // e duas considerações podem ser feitas no que

diz respeito a essa variável: (1) o território observado no estudo apresenta duas formas

de realização das variantes: de um lado, formas palatal/palatalizada, representadas na

fala de Belém, Bragança, Soure e Santarém, e, de outro, formas despalatalizadas,

representadas na fala de Altamira e Marabá; (2) a aproximação geográfica entre as

regiões onde se situam essas últimas e a história comum de dinâmica migratória podem

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explicar a preferência pela semivocalização. A partir desses resultados, segundo a

autora, é possível aventar a hipótese de uma possível influência da colonização

portuguesa em Belém, Bragança, Soure e Santarém, que se revelaria pela preferência

pelas formas palatal/palatalizada.

Em estudo que tinha por finalidade observar o fenômeno da variação da lateral

palatal na fala da amostra-base do banco de Dados do VARSUL, Ferreira (2011)

observou que tanto fatores linguísticos – classe morfológica, contextos seguinte e

precedente, número de sílabas, tonicidade, categoria de frequência – como

extralinguísticos – escolaridade – favoreceram a aplicação da regra de despalatalização.

Segundo a autora, a variante despalatalização comporta-se diferentemente das

demais variantes da lateral palatal. Enquanto a vocalização e o apagamento são

favorecidos pelos verbos, a aplicação da lateral alveolar acontece nos substantivos.

Já no que diz respeito aos contextos subsequente e antecedente, foi constatado

que as vogais coronais, em posição posterior ou anterior à //, parecem favorecer a

regra da despalatalização. No entanto, a autora observa esse resultado com cautela, uma

vez que verificou que o alto índice de determinados vocábulos, como mulher, filhinho,

filhinha, velhinho e velhinha poderiam estar interferindo nesse resultado.

No que toca à variável número de sílabas, novamente a variante

despalatalização mostra um comportamento diferenciado das demais, já que a

vocalização e o apagamento encontram favorecimento em vocábulos dissílados,

enquanto a despalatalização aparece em maior número em contexto trissílabo.

Quanto ao fator tonicidade, verificou-se que a sílaba tônica favorece a

despalatalização. Esse resultado, segundo a autora, não era o esperado, já que sílabas

tônicas, geralmente, favorecem a manutenção da lateral palatal de acordo com um

estudo feito por Machado-Soares (2003) (apud op. cit).

A última variável linguística selecionada pelo programa de análise

probabilística como favorecedora da despalatalização foi a baixa frequência do item

lexical, com peso relativo de .63. Ferreira (2011) argumenta, no entanto, que este

resultado pode estar distorcido e ser influenciado pela retirada do item pronome do

corpus, pois o mesmo representava 100% de despalatalização.

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A única variável extralinguística selecionada pelo Goldvarb como favorecedora

da aplicação da regra foi a escolaridade. Com peso relativo de .72 o fator até 11 anos de

escolaridade apareceu como favorecedor da concretização da lateral anterior. Mais uma

vez, esse resultado não era o esperado pela autora, uma vez que outros trabalhos que

tinham por objetivo analisar a variação de // demonstraram que era a vocalização a

favorecida pela baixa escolaridade.

Freire (2011), em trabalho que tinha por finalidade demonstrar como ocorre o

processo de variação da lateral palatal à luz da Teoria da Variação, não só em um

corpus sincrônico – coletado em Jacaraú (Paraíba) –, como também em um corpus

diacrônico – em textos do século XVIII –, observou que a manutenção da lateral palatal

([]) é a variante que mais ocorre, na cidade mencionada, seguida dos processos de

semivocalização ([j]), lateralização alveolar ([l]) e apagamento do segmento ( ).

De acordo com os dados analisados no corpus sincrônico, a preferência pela

manutenção de [] ocorre, principalmente, na fala dos informantes femininos. Outro

resultado importante diz respeito ao tempo de escolaridade. Os informantes analfabetos

são os que mais realizam as variantes [l], [j] e . Ao mesmo tempo, são os informantes

mais escolarizados os que mais produzem a lateral palatal [], respectivamente, P.Rs

0,73 e 0,62 para os informantes de 1 a 8 anos de escolaridade e para os com mais de 8

anos de escolaridade.

Ainda no que se refere aos fatores sociais que interferem na variação de //, o

autor constatou que os informantes com mais de 50 anos de idade são os que mais

realizam as variantes consideradas não-padrão e que os informantes mais jovens dão

preferência à lateral palatal.

Com relação às variáveis linguísticas, contextos fonológicos seguinte e

precedente e número de sílabas do vocábulo foram selecionados pelo programa

Goldvarb X como aqueles que poderiam exercer influência no uso da lateral palatal. No

que diz respeito ao contexto fonológico seguinte, o fator que mais favorece a aplicação

da regra é vogal labial. No caso do contexto fonológico precedente, dois fatores se

mostraram importantes: vogais coronais e vogais dorsais. Já no que diz respeito ao

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número de sílabas do vocábulo, foram as trissílabas que mais favoreceram a

manutenção de [].

O autor acrescenta, baseando-se nas evidências dos dados sincrônicos

apresentados, que a variante lateral palatal no dialeto jacarauense constitui um processo

de variação social (diastrática), já que todas as variáveis sociais consideradas para a

análise foram selecionadas como condicionadores para a aplicação da regra.

No que diz respeito ao corpus diacrônico, Freire (2011) atestou que, embora a

manutenção de [] tenha sido observada em 93% dos dados coletados do século XVIII,

nessa época, já existia um processo de variação dos segmentos laterais [ ~ l] e [ ~ j].

Em um estudo posterior, Freire (2012) analisou a realização de // em dois

dialetos de divisas de Estado: Nova Cruz (RN), localizada na Microrregião Agreste

Potiguar, e Jacaraú (PB), localizada na Microrregião da Mata Paraibana, Litoral Norte

do Estado da Paraíba e que são cidades vizinhas limítrofes.

Segundo o autor, os resultados iniciais deste estudo indicam uma forte tendência

das variáveis sociais exercerem influência na realização do fonema //, mesmo que a

distribuição da estratificação social tenha sido diferente nas duas variedades estudadas.

Para a variedade paraibana, duas variáveis independentes mostram-se relevantes: sexo e

anos de escolarização. A variável faixa etária não foi selecionada como fonte

condicionadora de variação do //. Dessa forma, para Freire (2012), os falantes de

qualquer idade do dialeto paraibano parecem não demonstrar receio e/ou estigma entre a

realização do [ ~ l], [ ~ j] e [ ~ ] e, assim, não evidenciam preferências.

Já na variedade norte-riograndense, apenas a variável faixa etária mostrou-se

relevante, demonstrando que os informantes adultos são os que mais tendem a produzir

o segmento []. De acordo com o linguista, esse comportamento pode estar vinculado a

duas situações, a saber: (a) naturalmente, esse período da vida está associado à fixação

de diferentes comportamentos sociais (casamento, trabalho, constituição de família,

aquisição de casa própria, de carro, etc.) e (b) esses informantes podem estar sujeitos às

pressões atuais do mercado de trabalho: Nova Cruz (RN) tem um diversificado e

exigente mercado de trabalho, constituindo-se num espaço de maior dinamicidade que

reflete centralidade regional em relação a outras cidades.

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Neste sentido, as variantes [l], [j], , para o autor, podem estar sofrendo

estigmatização social nessa comunidade de fala, daí serem variantes que tendem a não

ser produzidas pelos adultos que buscam inserção no mercado de trabalho.

Em uma ampliação do projeto de pesquisa que examinava a lateral /l/ em coda

silábica no Alto Acre, Santos & Chaves (2012) analisaram a variação de // em dados

experimentais do Atlas Linguístico do Acre (ALiAC), referentes às Regionais do Alto

Acre (Xapuri, Brasileia e Assis Brasil) e do Purus (Sena Madureira, Manoel Urbano e

Santa Rosa do Purus).

O objetivo geral das autoras era descrever as realizações fonéticas de // – que,

segundo elas, se situa entre os fonemas da língua portuguesa com maior possibilidade

de variação no corpus do Atlas Linguístico do Acre – ALiAC – numa tentativa de

contribuição para a descrição do consonantismo na variedade da língua portuguesa

empregada no estado.

Nesse estudo, foi observado que [] ocorre predominantemente na fala de todos

os informantes, principalmente, na dos mais jovens e das mulheres. Em segundo lugar,

encontra-se [j] como variante mais produtiva, seguido de e [lj]. Além disso, as

autoras constataram que [] ocorre, preferencialmente, depois da vogal média alta

anterior [e] e antes da vogal alta posterior [u] enquanto as variantes [j] e ocorrem,

basicamente, depois da vogal média anterior aberta [] e antes da vogal baixa [a]. Com

apenas uma realização, [lj] ocorreu depois da vogal [e] e antes da vogal nasal [ĩ].

Do ponto de vista fonológico, a lateral palatal foi estudada por Wetzels (1997,

2000), Couto (1997), Silva (1997), Hernandorena (1997, 2000) e, também, por

Machado-Soares (2008) e por Freire (2011).

Segundo Wetzels (1997 e 2000), tanto a lateral (//) quanto a nasal palatal (//)

podem ser consideradas geminadas fonológicas, pois se comportam, sob muitos

aspectos, diferentemente da lateral e das nasais não palatais (/l, m, n/). Para esse autor,

(1) as soantes palatais sempre ocupam a posição intervocálica nas palavras (à exceção

de lhe e suas combinações com os clíticos o(s) e a(s)), tanto que tendem a ser

“abrasileiradas”, se ocorrem no início de palavras emprestadas de outras línguas, como

em llama (lhama) e gnocchi (nhoque), pronunciadas, respectivamente, como [i]lhama e

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[i]nhoque; (2) não permitem uma sílaba pesada precedente – *trabaulho, *mailha ; (3)

a vogal que imediatamente as precede é sempre acentuada – ovelha e (4) forçam uma

sequência Vogal + Vogal Alta precedente para silabificar como um hiato – faúlha.

Como exposto acima, partindo-se da hipótese proposta por Wetzels (1997 e

2000) de que a lateral palatal é uma geminada fonológica, a sílaba que antecede o //

não pode ser pesada, já que a primeira parte da consoante palatal, que é uma consoante

dupla, já ocuparia a segunda posição da rima da sílaba imediatamente precedente.

Assim, “há, naquela sílaba, apenas uma posição disponível, que pode ser ocupada

somente por uma vogal” (WETZELS (2000, p. 11). Justamente por isso, quando há a

presença de uma Vogal + Vogal alta antecedendo o //, essas duas vogais nunca

formam um ditongo, mas sim um hiato, já que a presença de um ditongo tornaria pesada

a sílaba antecedente à lateral palatal.

Além disso, ainda segundo o autor, se // ocorre entre as duas últimas vogais de

uma palavra que seja pelo menos trissilábica, o acento nunca poderá pular a sílaba pré-

final (como em baunilha), pois, no Português do Brasil, uma palavra proparoxítona com

uma sílaba pesada pré-final não existe (*bágalho, *pífilho, *ovelha). Dessa forma, a

vogal que antecede o // será sempre acentuada.

A dupla articulação de // é também reconhecida por Couto (1997) quando

toma por base a estrutura silábica das proparoxítonas em português. Segundo sua

interpretação, que se assemelha a um dos argumentos apresentados por Wetzels (2000),

a não ocorrência de segmentos palatais [, , , ] em onset da última sílaba de

proparoxítonos se deve ao fato de serem segmentos complexos, tornando pesada a

sílaba antecedente dos vocábulos nos quais ocorrem, o que não acontece com a

penúltima sílaba dos proparoxítonos que não pode ter rima ramificada conforme

*ábarco, *hálisto.

Para Couto (1997), essa restrição deve-se ao fato de esses segmentos não

existirem no latim e historicamente resultarem da fusão de mais de um segmento17

e/ou

se comportarem como segmentos complexos. Os usos (variáveis) de /j/ nos contextos de

17

Como em /lj/ /nj/.

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51

// e //18

justificariam a natureza híbrida destes segmentos e seu comportamento

ambissilábico, por comparação com formas como ceia, na qual o segmento /j/ se bifurca

e torna pesada a sílaba antecedente.

Silva (1997, p. 60), além de considerar a lateral palatal um segmento geminado,

uma vez que apresenta dois Tempos, também a visualiza como um segmento complexo,

por apresentar um traço que expressa uma articulação maior, relacionado ao Nó Ponto

de Articulação da consoante, e uma articulação menor, expressa pelos traços do Nó

Vocálico.

Segundo Hernandorena (1997, p. 687), “é possível postular que a diferença

existente entre as soantes alveolares [l] e [n] e suas contrapartes palatais [] e [] seja

de natureza estrutural, no sentido de que as primeiras consistem em segmentos simples

e as segundas, em segmentos complexos”. A figura 2 mostra a representação de //,

segundo Hernandorena (2000, p. 330), a qual aponta ser essa soante palatal uma

“consoante complexa, com uma articulação primária consonantal e uma articulação

secundária vocálica19

”:

Figura 2: Representação de //, segundo a Fonologia Autossegmental

Fonte: Hernandorena (2000, p. 330)

18

Em vocábulos como [´fiju] „filho‟e [bãja] „banha‟. 19

“A articulação secundária é caracterizada, na geometria dos segmentos, pelo nó Vocálico, ligado sob

nó Ponto de Consoante (PC)” (HERNANDORENA, 2000, p. 329).

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Embora essa proposta não seja a mais apontada em estudos de muitos outros

pesquisadores – que consideram // e // consoantes simples – a autora ratifica sua

opinião ao apresentar seu estudo sobre essas consoantes, baseando-se em dois corpora

diferentes: um formado por 23 adultos (extraído do Banco de Dados VARSUL) e outro

formado por 130 crianças entre 2 e 4 anos (extraído do Banco de Dados sobre Aquisição

da Fonologia do Português - AQUIFONO (HERNANDORENA, 2000).

De acordo com Hernandorena (2000), os dados, obtidos a partir do corpus de

crianças, registram a ocorrência de seis variantes para a lateral palatal ([], [l], [j], [lj]

[li], ). Esse alto índice de variação poderia apontar não só caminhos para o

entendimento do processo de aquisição da fonologia como também determinar o status

fonológico dessa consoante.

Para a autora, a partir do modelo não-linear de Clements & Hume (1995), é

possível defender a ideia de que a aquisição da fonologia é um processo gradual, no

qual a criança vai adquirindo sons da língua à medida que vai ligando os traços à

estrutura que os caracteriza. Pensando-se na soante lateral palatal, essa construção

gradual do segmento pode ser explicitada se considerar-se o // como uma consoante

complexa.

A existência dessa dupla articulação em // é capaz de explicitar as

alternâncias que o segmento evidencia nas diferentes etapas de sua aquisição.

Nas etapas iniciais de aquisição, quando não é apagada, a lateral é realizada

como [l] (significativamente até 2:4 – 2:5) ou como [j] (significativamente

até 2:8 – 2:9). Quando a criança, em lugar da lateral palatal, emprega [l],

revela não estar ligando, à estrutura do segmento, a constrição secundária

vocálica, apresentando apenas a constrição consonantal. (...) Ao realizar o

glide coronal [j] em lugar da lateral palatal, a criança mostra não estar

ligando a constrição consonantal primária do segmento, apresentando apenas

constrição vocálica. (HERNANDORENA, 2000)

Continuando seus estudos, a autora observa que o uso da variante [lj], em etapas

mais avançadas do processo de aquisição da linguagem, é decorrente de um processo de

espraiamento da articulação secundária de [] para o nó Ponto de Consoante (PC) do

segmento vocálico subsequente. Já o uso de [li] no lugar da lateral palatal – que

apresentou baixa significância nos dados de aquisição da língua, talvez por resultar de

uma operação fonológica mais complexa, que acarreta a ressilabação da palavra –

constitui, segundo a autora, uma forma derivacional posterior à do emprego de [lj], pois

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“implica a realização de um núcleo silábico e, portanto, resulta do acréscimo de um

tempo fonológico no correspondente tier prosódico” (HERNANDORENA, 2000, p.

340).

A análise variacionista, com corpus de adultos, empreendida pela autora está em

consonância com a análise do processo de aquisição desses segmentos, já que as duas

variantes de [] registradas ([j] e [lj]) ratificam o status da lateral palatal como

consoante complexa.

No que diz respeito aos condicionamentos linguísticos das variantes

apresentadas, observou-se que o ponto de articulação tanto da vogal precedente quanto

da vogal subsequente influenciaria a concretização das variantes de //. Quando a vogal

seguinte é [+coronal] e [+ alta] há o emprego, de forma categórica, da consoante

alveolar [l] e quando a vogal anterior ou posterior é [+coronal] favorece o emprego de

outro(s) segmento(s) em lugar da lateral palatal.

Esses resultados ratificariam mais uma vez a ideia de // ser uma consoante

complexa, já que segundo McCarthy (1988, p. 88 apud op. cit.), “elementos adjacentes

iguais são proibidos”. A vogal coronal, seja como contexto antecedente ou subsequente,

inibe a presença das soantes palatais, pois, considerando-se esses segmentos complexos,

atribui-se-lhes o nó Vocálico, o qual apresenta, sob seu domínio, todos os traços

caracterizadores da vogal [i]. “Portanto, uma vogal [coronal] precedente e/ou seguinte

apresenta traços adjacentes iguais exatamente no tier [coronal] sob o nó Ponto de Vogal

(PV)” (HERNANDORENA, 2000, p. 341).

Assim, ao se aplicar a regra proposta por McCarthy (1988, p. 88), ocorre o

desligamento do nó Vocálico da consoante complexa, fazendo resultar a consoante

simples [l], para a lateral palatal, e a consoante simples [n] para a nasal palatal (fi[l]inho

e compa[n]ia).

Machado-Soares (2008), confirmando os estudos de McCarthy (1988),

constatou que a aplicação de regras, que produz a alternância de segmentos, é

favorecida por segmentos com traços primários idênticos adjacentes, pela estrutura

silábica, e por pertencerem à mesma classe natural. As restrições à aplicação de regras

podem estar relacionadas à escala de sonoridade, à soância e à ambiguidade.

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Freire (2011) constatou que o fenômeno da variação da lateral palatal pode ser

entendido, de acordo com os aspectos abordados pela Geometria de Traços, da seguinte

maneira:

(1) [ ~ l] – como o desligamento da articulação menor (nó vocálico) do

segmento //, com cancelamento de um tempo e a criação do segmento simples

/l/;

(2) [ ~ j] – como desligamento da articulação maior do // do traço [coronal],

também com o cancelamento de uma das unidades de tempo do fonema // e,

posteriormente, a criação do segmento simples /i/ que, no processo de

ressilabificação será caracterizado como [j];

(3) [ ~ ] – como desligamento da raiz, com o cancelamento das duas

unidades de tempo existentes no segmento na lateral palatal e,

consequentemente, o seu desaparecimento nos níveis melódico e métrico.

3.3 No Português Europeu

Como foi dito no início deste capítulo, os estudos variacionistas sobre a lateral

palatal na fala do Português Europeu são extremamente escassos. Sendo assim, até o

momento, só foram encontrados os relatos que serão arrolados a seguir.

De acordo com Madureira (1999), o português falado em Portugal é,

curiosamente, a única língua latina que não registra, em momento algum de sua história,

uma transformação da lateral palatal para a semivogal palatal. Os únicos registros de

vocalização ocorrem, de acordo com Leite de Vasconcelos (1901, p. 158-200 apud op.

cit.), no português falado no Brasil; em outras colônias portuguesas; nos dialetos

crioulos do Ceilão, de Singapura, do arquipélago do Cabo Verde e da Ilha de São Tomé

e num codialeto do português, o guadramilês. Por corresponder esse codialeto a uma

região fronteiriça à Espanha, o fenômeno tende a ser interpretado como influência

espanhola.

Num estudo que tinha por objetivo observar a variação dialetal no território

português, fazendo conexões com o Português do Brasil, Segura (2003) demonstra que

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nos dialetos madeirenses ocorre a palatalização de /l/, quando precedido de [i] ou [j], ou

seja, a realização como [], como em aquilo [akiu], vila [vi] ou vai lá [vaja].

Embora essa variação não esteja presente no português continental, pareceu

oportuno mostrar que, em outra variedade do português, a palatalização se mostra

produtiva.

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4 TRAJETÓRIA DOS ESTUDOS SOBRE AS MUDANÇAS SONORAS

Por sua complexidade, sobretudo no que diz respeito à propagação das

alterações, os estudos sobre as “mudanças sonoras” distribuem-se, dentre outras

possibilidades, por três vertentes principais: os que postulam uma difusão gradual no

plano fonético e abrupta no lexical; os que alegam sua disseminação paulatina pelos

itens lexicais e repentina no plano sonoro; e os que argumentam a favor de que, em

ambos os níveis, a mudança se dá gradualmente.

Assim sendo, nesta seção, pretende-se apresentar, em ordem cronológica, as

principais vertentes da linguística que levam em conta o item lexical como

condicionador da regra variável. Para tanto, parte-se da proposta Neogramática – que

apesar de não colocar o léxico no centro dos seus estudos, de certa maneira, o inclui nas

análises ao afirmar que as mudanças sonoras são foneticamente graduais e lexicalmente

repentinas (cf. item 4.1) –; em seguida, apresentam-se as propostas Difusionista e da

Fonologia de Uso – teorias que pressupõem que a palavra é responsável pelo processo

de mudança.

4.1 A proposta Neogramática

Segundo Oliveira (1991 e 2003), um dos maiores avanços da linguística foi, sem

dúvida, a hipótese neogramática. Assim, em termos gerais, pode-se dizer que a grande

precursora das análises referentes às mudanças sonoras foi a Escola Neogramática.

Desenvolvida na Alemanha, ao fim do século XVIII, essa importante vertente

linguística recebe influências diretas das chamadas leis físicas e químicas de Darwin e

Newton. Além disso, de acordo com Faraco (2006), com a evolução das pesquisas de

caráter histórico-comparativo sobre as relações sonoras encontradas entre as línguas

indo-europeias, seguidores do pensamento em questão (Grimm e Verner) concluíram

que as aparentes coincidências verificadas entre as línguas observadas, apresentavam-se

de forma tão regular que poderiam ser interpretadas como leis permanentes. Assim

sendo, surgem as chamadas “leis fonéticas” que “agem cegamente, com cega

necessidade” sobre todos os itens de um sistema de comunicação. (OSTHOFF apud

SILVA NETO, 1979, p. 49)

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A posição dos neogramáticos com relação à mudança sonora pode ser sintetizada

em três axiomas, segundo Oliveira (1991 e 2003):

(1) As mudanças sonoras não têm exceções;

(2) As mudanças sonoras são condicionadas apenas por fatores fonéticos;

(3) As mudanças sonoras são foneticamente graduais e lexicalmente repentinas.

O primeiro deles é claramente apresentado por Osthoff & Brugmann (1878)

(apud Oliveira, 2003). Na prática, os contra-exemplos que surgiam eram tratados pelos

neogramáticos como casos devidos à analogia. Ou seja, estruturas gramaticais que

porventura tivessem sido destruídas por alguma mudança sonora (regular) poderiam ser,

posteriormente, restauradas pela analogia a outras formas.

O segundo axioma da hipótese neogramática, por sua vez, foi contestado pelo

modelo gerativo clássico, segundo o qual a fonologia pode ser afetada pela sintaxe e

pelo léxico. O terceiro, por outro lado, não aparece enunciado desta forma nos trabalhos

dos neogramáticos. É, na verdade, uma inferência que se faz a partir de (1) e (2). Em

outras palavras, pode-se dizer que o modelo neogramático irá prever que todas as

palavras que contenham um determinado som, num determinado contexto, serão

modificadas do mesmo modo e ao mesmo tempo.

Cristófaro-Silva (2001) ratifica o que foi apresentado por Oliveira (1991) ao

mencionar que a proposta neogramática assume que uma mudança sonora afeta todas as

palavras relevantes de uma língua, ou seja, palavras que satisfaçam as condições

estruturais que regem a implementação da mudança. De acordo com a autora, por

condição estrutural entende-se o ambiente ou contexto que condiciona a mudança

sonora em questão. “Na perspectiva neogramática assume-se que, se numa determinada

língua, o som [o] átono final muda para [u], então, toda e qualquer palavra que tenha [o]

átono final sofrerá uma mudança e passará a ter [u] átono final” (CRISTÓFARO-

SILVA, 2001, p. 210). Segue-se com isso que a mudança sonora é regular e afeta todos

os itens lexicais da língua (desde que as condições específicas que regem as mudanças

sejam satisfeitas). Obviamente, as mudanças sonoras ocorrem e são implementadas

durante um período de tempo, fixando-se uma das formas que estavam em concorrência.

Faraco (2006) reitera que o modelo neogramático se concentra no contexto

estrutural em que o segmento alterado se insere, defendendo que, se um ambiente é

motivador de uma alteração fonética, esta se dá de maneira paulatina, mas, uma vez

atingida sua plenitude, todos os itens que apresentam o mesmo som e ambiente se

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submetem, abruptamente, ao mesmo processo. Em outras palavras, explicando as

mutações sonoras a partir de fatores de ordem puramente linguística, o pensamento

neogramático postula que tais processos se dão de maneira gradual no plano fonético e

de forma repentina no âmbito lexical. A mudança fonética, assim, por seu caráter

regular, se comprova nos fonemas de uma língua, não atuando palavra por palavra, mas

se aplicando a todas aquelas que apresentem o contexto propício à sua propagação.

Não se pode, no entanto, desprezar o fato de que nem sempre todos os itens de

um mesmo sistema, regidos sob as mesmas condições contextuais, são atingidos por

uma determinada mudança. Com o objetivo de esclarecer essas evidências, a

perspectiva neogramática avalia tais casos como resultantes de analogia, de

empréstimos lexicais, ou, ainda, como ocorrências em que não se esclareceu ou

descobriu a regularidade envolvida. Assim sendo, através da consideração concomitante

de regularidades e irregularidades sistemáticas, muitas foram as conquistas da Escola

em pauta, sobretudo no que concerne às línguas românicas. Mais precisamente, através

de abordagens histórico-comparativas entre esse grupo de línguas que se originam do

latim se aprofunda o conhecimento sobre as semelhanças e distinções interlinguísticas.

Assim, nas palavras de Faraco (2006, p. 134):

É por meio [do método comparativo] que se estabelece o parentesco entre

línguas. O pressuposto de base é que entre elementos de línguas aparentadas

existem correspondências sistemáticas (e não apenas aleatórias ou casuais)

em termos de estrutura gramatical, correspondências estas passíveis de

serem estabelecidas por meio duma cuidadosa comparação. Com isso,

podemos não só explicitar o parentesco entre línguas, como também

determinar, por inferência, características da língua ascendente comum de

um certo conjunto de línguas.

A perspectiva neogramática, entretanto, recebeu, e ainda recebe, inúmeras

críticas, não só pelo seu caráter generalizante e limitado, mas sobretudo devido a duas

das suas temáticas principais, a saber: (1) a lei fonética e (2) a maneira como as

mudanças sonoras se difundem.

No que diz respeito às leis fonéticas, desde suas bases, a Escola neogramática foi

criticada, por entender essas leis como um princípio que somente conhece

condicionamentos fonéticos e que se aplica, sem exceção, a todas as palavras que

satisfaçam igualmente as condições da mudança. Assim, pode-se dizer que o “centro das

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polêmicas foi o conceito de lei fonética, compreendida como um princípio imamente de

aplicação cega e sem exceções” (FARACO, 2006, p. 150).

Como pondera Câmara Jr. (1989, p. 252), embora a lei fonética seja um

instrumento essencial na pesquisa diacrônica – “porque, baseados em uma lei

suficientemente comprovada, pode-se estendê-la a novas formas, nas condições ali

previstas, e afastar explicações que não se coadunam com ela”, – ela não é, como a lei

física, um instrumento de previsão científica, já que apenas formula um evento do

passado, ocorrido numa região limitada e em condições muito complexas, que

dificilmente se apresentarão todas juntas outra vez.

A questão de como se processa a mudança sonora, isto é, se ela ocorre de modo

abrupto, atingindo todas as palavras ao mesmo tempo, ou de modo lento, atingindo

progressivamente as palavras, foi um dos pontos centrais de debates e polêmicas

posteriores (cf. LABOV, 1981). Sem negar, em princípio, a existência de regularidade

na mudança, os linguistas que se opunham aos neogramáticos não aceitavam o caráter

categórico das leis fonéticas, ou seja, não aceitavam que as mudanças se espalhassem

por toda a comunidade e por todos os itens lexicais de modo totalmente uniforme.

Com base em estudos empíricos (principalmente dialectológicos),

mostraram esses linguistas que uma unidade sonora pode mudar de maneira

diferente duma palavra para outra, o que significa que a expansão das

mudanças é lenta, progressiva e diferenciada tanto no espaço geográfico,

quanto no interior do vocabulário, sendo isso decorrência do fato de as

condições de uso em que cada palavra se encontra não serem idênticas.

(FARACO, 2006, p. 150-151)

Nesse sentido, a fundamentação de grande parte das defesas contrárias a tal

pensamento parece não desmerecer a metodologia, corroborando a proposição de

Bloomfield (1933, apud FARACO, 2006) que, grosso modo, alega que o debate se deve

meramente ao emprego de uma terminologia inadequada. O termo lei, segundo

Bloomfield, nunca poderia ser entendido como um enunciado absoluto, uma vez que se

estava tratando de fenômenos históricos. Além disso, o fato de tais leis não admitirem

exceção, de acordo com o linguista, “era um modo inexato de dizer que fatores não

fonéticos, tais como a frequência ou o significado das palavras, não interferiam na

mudança sonora” (cf. FARACO, 2006, p. 148)

A respeito da forma como as mudanças sonoras se propagam pelas diversas

palavras que compõem um inventário linguístico, a corrente que mais se contrapôs ao

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pensamento neogramático foi a dialectologia, que se firmou em finais do século XIX e

teve na geografia linguística o principal método de análise. Jules Gillierón, considerado

o principal expoente desse método, afirmava que cada palavra tem sua própria história.

Contemporânea ao modelo em discussão, essa metodologia proporcionou novas

perspectivas de análise, almejando estabelecer os diversos falares que um mesmo

sistema de comunicação engloba, com base em entrevistas com indivíduos residentes

em distintas áreas. Para tanto, realiza pesquisas empíricas, que antes de desmerecer seus

contemporâneos e precursores, acrescentam considerações, englobando desde um

trabalho de campo em busca dos informantes adequados até a observação da fala em uso

por diferentes sujeitos das mais variadas localidades de uma mesma região.

Sendo os seres humanos dotados de linguagem e as situações comunicativas em

que se inserem extremamente complexas, as línguas e suas mudanças,

consequentemente, também o são. Por essa razão, postular leis que atinjam todos os

itens, na fala de todos os indivíduos e nos mais variados contextos interativos parece

inadequado, sendo mais viável entender que, também no nível lexical, tais alterações

sejam graduais. Para Faraco (2006, p. 151):

Adotar essa concepção não significa defender o caráter usual, fortuito, da

mudança; significa, isto sim, mostrar que a realidade da mudança é mais

complexa do que sugeria a formulação dos neogramáticos. Mais complexa

porque tem a ver com o contexto concreto em que a língua é falada, contexto

esse que de forma alguma é uniforme e homogêneo.

Embora sejam vários os linguistas que participaram da crítica às leis fonéticas

dos Neogramáticos, segundo Faraco (2006), foi Hugo Schuchardt, certamente, o mais

importante. Esse linguista ao se opor ao conceito de lei fonética, chamou a atenção para

a imensa gama de variedades de fala existente numa comunidade qualquer, variedades

essas condicionadas por fatores como o sexo, a idade, o nível de escolaridade do falante.

Foi considerando esse quadro heterogêneo que Schuchardt buscou compreender o

processo de mudança linguística.

Dessa forma, ainda de acordo com Faraco (2006, p. 152), Schuchardt

vai introduzindo, no correr do século XX, um tratamento em que o contexto

social e cultural da língua (uma língua que tem, portanto, falantes) é

condicionante básico da variação e, dentro dela, da mudança. É a trilha da

dialectologia e, mais recentemente, da sociolinguística.

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Assim, apesar de muitos estudos se utilizarem do modelo neogramático de

análise linguística e de serem inúmeras as suas contribuições ao conhecimento da

dinâmica das línguas, a Escola Neogramática, por seu caráter extremamente

generalizante e restrito, recebeu e, ainda recebe, inúmeras críticas.

4.2 A proposta Difusionista

Dentre as muitas correntes que se opuseram às proposições neogramáticas, como

apontado no item anterior, destaca-se o Difusionismo Lexical, por entender, que as

palavras têm suas pronúncias mudadas por meio de avanços discretos, perceptíveis – ou

seja, foneticamente abruptos –, mas individualmente através do tempo – ou seja,

lexicalmente graduais (LABOV, 1981). Nessa perspectiva, uma mudança ocorre

inicialmente em algumas palavras e propaga-se para outras com estrutura sonora

semelhante.

Assim sendo, essa teoria tem por objetivo não só (a) responder como uma

mudança se inicia, como também (b) explicar como uma mudança se propaga na língua

e (c) defender que formas lexicalizadas e o comportamento oscilante das restrições que

regulam a boa formação da estrutura sonora são evidências para o desencadeamento da

variação que será implementada lexicalmente.

Vale ratificar que, segundo o Modelo da Difusão Lexical, a mudança linguística

é aplicada a algumas palavras e pode atingir ou não, o léxico como um todo. Além

disso, para essa teoria é a palavra que muda em relação a sons específicos e as

mudanças não são condicionadas por regras fonológicas, mas por aspectos lexicais, tais

como a frequência da ocorrência e a familiaridade da palavra, que fazem com que um

item lexical se torne mais ou menos vulnerável à mudança.

Apesar de reconhecerem a existência de mudanças linguísticas regulares, os

defensores da proposta difusionista, portanto, discordam do modelo neogramático

quanto à implementação lexical da mudança. Para eles, como já foi dito anteriormente,

transformações fonéticas não atingem todos os itens de uma língua ao mesmo tempo.

Dessa forma, tendo como unidade básica a palavra e não mais o fone, conforme a outra

corrente, o Difusionismo Lexical almeja resolver, de acordo com Labov (1981, p.270), a

trilha pela qual uma mudança linguística está caminhando para se completar.

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De acordo com Oliveira (1991 e 2003), o modelo da Difusão Lexical surgiu, em

sua forma moderna, em meados da década de 1970, derivado, principalmente, dos

trabalhos de Wang e Cheng sobre o chinês.

Wang & Cheng (1977) dizem que o processo de mudança não opera em cima

dos sons, mas sobre palavras. Não negam que a mudança do som possa ser regular e,

quanto a isso, essa teoria não pressupõe menos regularidade do que o princípio dos

Neogramáticos. No entanto, segundo esses linguistas, a diferença entre os

neogramáticos e os difusionistas reside, sobretudo, na descrição do mecanismo da

mudança, ou seja, na maneira como a mudança é de fato implementada.

Ainda de acordo com os referidos linguistas, o modelo difusionista não recusa a

possibilidade de condicionamento fonético; o que ele faz é incorporar a possibilidade de

mudanças sonoras que não sejam foneticamente condicionadas. Para Wang & Cheng

(op. cit.), o modelo que ficou conhecido como a Teoria da Difusão Lexical é claramente

mais do que um princípio de funcionamento, é uma solução substantiva para o problema

da transição.

O estudo do chinês feito por Wang & Cheng (op. cit.) mostrou que as principais

hipóteses neogramáticas não poderiam se sustentar. Ou seja, (a) há exceções a

mudanças sonoras que não podem ser explicadas por analogia, (b) há cisões lexicais

substanciais que não podem ser explicadas em termos de condicionamento fonético e (c)

a existência da cisão lexical mostra não ser possível que todas as palavras tenham sido

afetadas ao mesmo tempo.

Outros estudos, como os de Krishnamurti e Labov, baseados no Modelo

Difusionista que, portanto, contestam as bases do modelo neogramático, ampliam os

trabalhos apresentados por Wang & Cheng.

Krishnamurti (1978) apresenta evidências bastante sólidas para a Difusão

Lexical no tratamento do deslocamento de consoantes apicais em sete línguas

dravídicas. Deslocamento de apicais é o nome dado a um processo pelo qual consoantes

alveolares e consoantes retroflexas, que ocorrem na posição C‟ nas raízes *(C‟)VC‟ _ V

do proto-dravídico, mudam de posição, produzindo estruturas do tipo (C‟) C‟ V _ num

grupo específico de línguas (telegu, kui, gondi, konda, kuvi, pengo e manda).

Segundo Krishnamurti (op. cit.), esta mudança afeta cerca de 12 itens no estágio

comum a essas línguas e, a partir daí, a regra se propaga de maneira diferenciada no

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léxico dessas línguas, afetando os itens elegíveis em proporções diferentes em cada uma

delas: 72% em kui, 63% em kuvi, pengo e manda e, por volta de 20%, em gondi e

konda. Dessa forma, a mudança se espalha através do léxico e ainda se encontra em

progresso em algumas dessas línguas como, por exemplo, em kui e kuvi.

Ainda em seu estudo, Krishnamurti (op. cit. p. 16) indaga não só (a) “que tipo de

itens lexicais se tornam as primeiras vítimas de uma mudança de som20

” como também

se (b) “é a frequência dos itens lexicais que os torna mais vulneráveis à mudança do que

outros21

”. Além disso, chega bem próximo a uma resposta definitiva para essas questões

ao mencionar que “os dados das línguas dravídicas aqui apresentados parecem indicar

que os itens lexicais que estão registrando os primeiros vestígios de deslocamento apical

referem-se a conceitos fundamentais para a comunicação e a cultura dos grupos

tribais22

” (Id., p. 16).

Assim sendo, a partir dessas indagações, esse linguista apresenta dois fatores

como possíveis determinantes do grau de exposição das palavras a mudanças sonoras:

frequência e domínio semântico. Infelizmente, uma vez que os objetivos do artigo de

Krishnamurti eram outros, estas sugestões acabaram por não ser exploradas.

Depois das obras de Wang, Labov (1981) retoma as ideias do século XIX sobre

a mudança e tenta resolver o impasse entre os dois modelos (neogramático e

difusionista). Em vez de argumentar a favor de um deles, toma uma posição bastante

cautelosa, avaliando as descobertas de ambos e examinando as condições nas quais cada

um dos pontos de vista opostos é válido.

Com base na língua inglesa e reconhecendo a aplicabilidade de ambas as

vertentes aqui citadas, Labov (1981) decide, então, desenvolver duas listas,

mencionando, de um lado, os fenômenos que melhor seriam interpretados à luz do

pensamento neogramático e, de outro, aqueles em que seria mais adequado o emprego

de uma abordagem difusionista. Nesse sentido, afirma que alterações que remetem ao

alongamento ou abreviamento de vogais entre subsistemas devem ser interpretadas a

partir do modelo difusionista; ao passo que mudanças que aludem ao modo de

articulação das consoantes dentro de subsistemas reafirmam a tese neogramática. Por

outro lado, nos casos de ditongação e monotongação das vogais e de mudanças que

20

“What kind of lexical items become the early victims of a sound change?” 21

“or in their frequency, that makes them more vulnerable to change than others?” 22

“The Dravidian data presented here seem to show that the lexical items registering the earliest traces

of apical displacement refer to concepts fundamental to the communication and culture of the tribal

groups”

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englobam o ponto de articulação das consoantes, percebe-se a atuação de princípios

restritos à ordem neogramática.

Em outras palavras, conforme pode ser visto acima, Labov (1981) tem por

objetivo uma distribuição paramétrica dos dois tipos de mudança, o que leva a um

paradoxo que ele mesmo questiona ao indagar como é possível que as duas vertentes

dos estudos sobre mudança (neogramática e difusionista) possam estar com a razão

(LABOV, op. cit. p. 304).

O próprio linguista responde à sua questão ao afirmar que é possível situar a

regularidade defendida pelo modelo neogramático em regras de “saída de nível baixo”,

enquanto que se efetiva a difusão na redistribuição de um grupo abstrato de itens

lexicais em outras classes abstratas (LABOV, op. cit, p. 304).

Os mesmos e outros questionamentos à categorização de Labov (1981) são

encontrados em algumas pesquisas desenvolvidas no Brasil, como as de Cristófaro-

Silva (2001), Oliveira 2003 e Ferreira (2011).

Cristófaro-Silva (2001), em seus estudos sobre alguns casos de variação sonora

no português brasileiro – tais como, vocalização da lateral anterior, palatalização de

oclusivas alveolares e quebra de encontros consonantais – faz algumas considerações

bastante pertinentes a favor da difusão lexical.

No que diz respeito à vocalização de /l/, a autora sugere que essa variação se deu

por difusão lexical. Assim sendo, segundo a linguista, algumas palavras começaram a

ser pronunciadas com [u] final e a mudança alcançou todas as palavras da língua (em

alguns dialetos). As evidências para essa afirmação seriam as formas lexicalizadas como

''gol/gous'' e o comportamento alternante em termos das restrições que regulam a boa

formação da estrutura sonora no PB (mel[ / x]o).

No que toca à palatalização de /t, d/, Cristófaro-Silva (op. cit.), também,

argumenta à favor da difusão lexical. Para a autora, a mudança de [t > t] e de [d > d]

foi implementada por difusão lexical e a evidência para isso, seria, como no caso

anterior, (1) a existência de formas lexicalizadas, como ''Pa[di]Cícero'' e (2) o

comportamento alternante, em termos das restrições que regulam a boa formação da

estrutura sonora no PB, como ocorre em “ele[ti]cista”.

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65

Para explicar a quebra dos grupos consonantais, a autora, retoma o exemplo

“ele[ti]cista” – dado, anteriormente, para justificar a sua opinião a favor da difusão

lexical nos casos de palatalização de /t, d/. Cristófaro-Silva (op. cit.) salienta que, para

todos os encontros consonantais que resultaram nas formas que apresentam [ti, di], há

uma forma concorrente com [tri, dri]: ele[ti]cista/ele[tri]cista e pa[di]/pa[dri]. Assim,

para a autora, pode-se postular que há uma consoante abstrata que intervém entre o [t, d]

e o [i] e que bloqueia a palatalização: ele[t(r)i]cista e pa[d(r)i]. Essa proposta, porém,

ainda segundo a linguista, “resolve um problema de representação, mas não explica por

que e quando o tepe pode ser cancelado e nem como a implementação da mudança está

ocorrendo no português brasileiro atual” (cf. CRISTÓFARO-SILVA, 2001, p. 216).

De acordo com a autora, os resultados apresentados no seu trabalho, mostram

que os condicionamentos estruturais (como acento, segmento seguinte, posição na

palavra) não regulam o processo. Já os parâmetros extralinguísticos (como sexo, idade,

grau de instrução) parecem não favorecer nem bloquear o cancelamento do tepe em

encontros consonantais.

No caso de quebra de grupos consonantais, observam-se formas lexicalizadas

que violam a boa formação da estrutura sonora como [vr]ido (para „vidro‟) ou [dl]upa

(para „dupla‟) sendo que [vr] e [dl] não ocorrem (tipicamente) em início de palavra no

português. Por isso, a autora, mais uma vez, sugere que essa mudança, também, vem

sendo implementada por difusão lexical. A evidência viria de formas lexicalizadas,

como „[di]blar‟, „[di]blar‟ (driblar) ou „es[tru]po‟ (estupro) e do comportamento

alternante em termos das restrições que regulam a boa formação da estrutura sonora no

PB („vrido, dlupa‟).

Com pôde ser visto acima, a autora, seguindo a proposta da Difusão Lexical,

afirma que a mudança sonora se dá no nível da palavra, podendo se propagar (ou não)

para todo o léxico. Por isso, sugere que formas lexicalizadas são evidências para

desencadear uma variação que será implementada por Difusão Lexical. Além disso,

para a linguista, o comportamento alternante, em termos das restrições que regulam a

boa formação da estrutura sonora, indica a instabilidade da cadeia sonora e contribui,

também, para desencadear a mudança.

Em seu estudo sobre as vogais pretônicas no dialeto mineiro, Oliveira (2003, p.

617), reconhece a existência de resultados que apontam certa regularidade nas

alterações que corroborariam a perspectiva neogramática, mas propõe que “todas as

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mudanças sonoras são lexicalmente implementadas”. Mais precisamente, ele não só

afirma a ausência de mudanças neogramáticas, com também decide delimitar que itens,

originalmente, seriam afetados pelas alterações, com base na seguinte fórmula geral:

“X Y/Z”

Nela, o fato de X ser um nome comum; de Z proporcionar um ambiente fonético

adequado para Y; e de X compor uma palavra atuante em contextos de fala informal,

favoreceriam, nessa ordem, as alterações fonéticas. Por outro lado, inibiriam o processo

de mudança sonora “nomes próprios, reação contrária por parte de uma classe social e

estilo de fala formais” (OLIVEIRA, 2003, p. 618). No que toca ao comportamento

peculiar de uma classe social, de maneira mais objetiva, o linguista acredita que o

mesmo proporcione um efeito retardatário no processo, mas não o impeça, admitindo

“uma proteção temporária a algumas palavras (não a todas, uma vez que a correção é

aplicada às palavras, não aos sons)” (OLIVEIRA, 2003, p. 619).

Para explicar melhor o efeito inibidor provocado pelos estilos de fala formais, o

autor menciona o trabalho de Madureira (1987). Em seu estudo sobre a lateral palatal,

Madureira (op. cit. apud OLIVEIRA, 2003, p. 619) mostrou que

a vocalização de //, que já reestruturou um conjunto específico de palavras

entre os falantes das classes mais baixas de Belo Horizonte, embora quase

ausente nos falantes das classes médias nos estilos formais, vai atingindo

estes mesmos falantes, como regra variável, e nas mesmas palavras que

conduziram à reestruturação entre os falantes das classes mais baixas,

através dos estilos informais de fala.

Assim, Oliveira (2003) finaliza suas considerações afirmando que, enquanto o

disparo de uma mudança deve ser concebido em termos abstratos, que justifiquem sua

razão de ser, sua implementação não pode ser movida das condições de uso.

Ferreira (2011), em seu estudo sobre a lateral palatal no corpus VARSUL,

verifica que, em apenas algumas palavras, há variação, e que, em termos de frequência,

existem índices muito discrepantes. Além disso, ainda acrescenta que palavras de

diferentes classes – verbos, substantivos, adjetivos –, tamanhos – monossílabas,

dissílabas, trissílabas e polissílabas – e constituição – derivadas ou não – estão sujeitas à

variação, inviabilizando uma interpretação fonológica e/ou morfológica.

A autora ainda observa que as três variantes da lateral palatal, inicialmente

examinadas (despalatalização, apagamento e vocalização), distribuíram-se pelos dados

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conforme a frequência do item lexical. Além disso, para a linguista, somente onze itens

representam mais da metade de todas as ocorrências verificadas no estudo: “são onze

itens lexicais que representam juntos 773 ocorrências da amostra que possui um total de

1.171 dados” (FERREIRA, 2011, p. 106).

Esse resultado, de acordo com a autora, tornou frágil a análise linguística

empreendida, diante da representatividade que o item lexical de alta frequência possuía

frente o total de dados do corpus. Isso, para Ferreira (2011), ficou mais claro ao

observar o resultado obtido por meio do programa estatístico – apenas as variáveis

extralinguísticas sexo e idade não foram relevantes –, já que, segundo Díaz-Campos e

Ruiz Sánchez (2008 apud FERREIRA, 2011), quando a maioria dos contextos é

favorável, aparentemente, não há padrões fonológicos claros.

Assim sendo, Ferreira (2011) conclui o seu estudo afirmando que, pelo fato de

haver uma frequência muito alta de itens lexicais específicos, a hipótese de a variação

poder estar sendo implementada por meio da difusão lexical se confirma. A autora

acrescenta, no entanto, que não recusa a possibilidade de condicionamento fonético,

mas incorpora a possibilidade de mudanças sonoras que não sejam foneticamente

condicionadas e que a variação pode estar relacionada ao item lexical.

4.3 A Fonologia de Uso

Segundo Bybee (2007), a difusão lexical – o modo como uma mudança sonora

se dissemina através do léxico – ainda foi pouco explorada como uma fonte em

potencial de evidências sobre a forma fonológica de representações lexicais. Para essa

linguista, no entanto, há evidências de que mudanças sonoras são ao mesmo tempo

fonetica e lexicalmente graduais e que o índice percentual de ocorrências de palavras

que se submetem à mudança sonora está intimamente correlacionado com a frequência

com que elas aparecem no discurso. A autora argumenta, ainda, que “efeitos de

frequência na mudança sonora podem ser explicadas ao se assumir que representações

cognitivas são afetadas por qualquer sinal de uso23

”. (BYBEE, op. cit., p. 199)

Assim, no modelo da Fonologia de Uso proposto por Bybee (2003, 2007), a

representação fonológica é compreendida como uma instância de generalização dentro

23

“frequency effects in sound change may be explained by assuming that cognitive representations are

affected by every token of use.”

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de um processo dinâmico em que o sistema se organiza a partir da experiência do(s)

indivíduos(s). Bybee (2003, p. 1) propõe que o modo como a língua é usada afeta o

modo como ela é representada e estruturada e, além disso, acrescenta que “a frequência

com a qual palavras individuais ou sequências de palavras são usadas e a frequência

com a qual certos padrões se repetem, na língua, afetam a natureza da representação

mental e, em alguns casos, a verdadeira forma fonética de palavras”24

.

De acordo com Bybee (2003, p.5), excluir fatores de uso, em um estudo, é

ignorar a relação potencial entre representação e uso. Assim,

É certamente possível que a forma como a linguagem é usada afeta a forma

como ela é representada cognitivamente e, portanto, a forma como ela é

estruturada. Na verdade, uma boa quantidade de progresso na morfologia e

na sintaxe tem sido feita ao explicar fenômenos específicos a partir

simplesmente desse pressuposto. Morfemas gramaticais se desenvolvem de

morfemas lexicais em construções particulares através de aumento na

frequência de uso e através da extensão do uso a mais e mais contextos.25

(BYBEE, op. cit., p.5)

Para a Fonologia de Uso, há uma estreita relação entre variação linguística,

frequência de utilização das palavras na comunicação e memória fonética do indivíduo,

o qual formaria sua gramática internalizada através do uso. Assim sendo, a

categorização mental das formas – fones, palavras, sintagmas – ocorreria no uso.

Pode-se dizer que a Fonologia de Uso proposta por Bybee (2003, 2007) defende

um Network Model, modelo de estocagem das palavras na mente do falante, que tem

como princípios básicos as seguintes diretrizes:

(1) a experiência afeta as representações linguísticas, isto é, o léxico mental

atribui diferentes representações a palavras mais ou menos frequentes no uso cotidiano,

de modo que as mais frequentes são acessadas com mais facilidade; (BYBEE, op. cit.,

p. 6)

(2) as unidades linguísticas são representadas no léxico mental da mesma forma

que as unidades não-linguísticas; (BYBEE, op. cit., pp. 8-9)

24

“the frequency with which individual words or sequences of words are used and the frequency with

which certain patterns recur in a language affects the nature of mental representation and in some cases

the actual phonetic shape of words.” 25

“It is certainly possible that the way language is used affects the way it is represented cognitively, and

thus the way it is structured. In fact, a good deal of progress in morphology and syntax has been made in

explaining specific phenomena by making just this assumption. It has been shown that syntactic

structures are the result of the conventionalization of frequently used discourse, and that grammatical

morphemes develop from lexical morphemes in particular constructions through increases in the

frequency of use and through extension in use to more and more contexts.”

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(3) a estocagem lexical inclui informações redundantes sobre as diferentes

formas de pronunciar a mesma palavra e até sobre o contexto situacional em que ela foi

utilizada; (BYBEE, op. cit., p. 9)

(4) a frequência é um dos artifícios de que o léxico dispõe para categorizar itens

léxicos. (BYBEE, op. cit., p. 10)

Vale ressaltar que Bybee (2003 e 2007) diferencia dois tipos de frequência:

token frequency e type frequency. A token frequency é a quantidade de vezes que uma

unidade – geralmente uma palavra – ocorre em um determinado corpus. Já a type

frequency é a frequência de um determinado padrão no dicionário da língua.

Assim, de acordo com Bybee (2007, p. 7), a Fonologia de Uso supõe um estudo

da língua em que “léxico e gramática são entrelaçados de forma específica e geral26

”. A

autora salienta, ainda, que a “frequência tanto de type como de token (...) passaram a ser

considerados fatores importantes na estruturação de sistemas linguísticos27

” e que, em

termos de produtividade, a type frequency é determinante, porque, se um certo padrão é

altamente frequente na língua, acaba por ser aplicado a novos itens.

Bybee (2002) reitera, ainda, a ideia de que, a depender do fenômeno linguístico

analisado, há uma relação entre os termos alterados pela mudança sonora e o emprego

frequente dos mesmos e de que esse último fator deva ser observado de maneira

concomitante com o ambiente de uso. O grande diferencial da sua proposta, entretanto,

está na potencial conjugação entre aspectos de ordem neogramática e difusionista em

uma nova perspectiva que enfatiza o léxico.

Segundo esse modelo, alterações motivadas por elementos fonéticos não só

atingem, primeiramente, as palavras mais frequentes, como também são mais bem

esclarecidas se a disseminação da transformação é observada como paulatina no nível

lexical. Assim, para a autora, valoriza-se o emprego em detrimento do ambiente

fonético.

De acordo com essa perspectiva, conforme os itens sejam repetidos nas práticas

comunicativas dos sujeitos, falante e/ou ouvinte constroem representações cognitivas

dos termos, em uma permanente reformulação do nível lexical em grupos menores.

Dessa forma,

26

“lexicon and grammar are interwoven as are the specific and the general” 27

“both type and token frequency (…) have been found to be factors important to the modeling of

linguistic systems”

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todas as variantes fonéticas de uma palavra são armazenadas na memória e

organizadas em um grupo: exemplares que são mais similares estão mais

próximos uns dos outros do que aqueles que não são similares, e exemplares

que ocorrem frequentemente são mais fortes do que os menos frequentes (...)

Exemplares repetidos dentro de um grupo vão se tornando mais fortes, e

aqueles usados menos frequentemente podem definhar com o passar do

tempo28

. (BYBEE, 2002 p. 271)

Para Bybee (2003, p. 6), a força lexical das palavras pode mudar conforme elas

são mais ou menos usadas em diferentes contextos. Por isso, como já foi dito antes,

segundo a linguista, palavras e frases de alta frequência têm representações mais fortes,

uma vez que são mais facilmente acessadas. Já palavras de baixa frequência são mais

difíceis de serem acessadas e podem se tornar tão fracas de modo a serem esquecidas.

A partir das situações interativas vivenciadas pelo falante, registram-se em sua

memória os efeitos de uma mudança sonora gradual nos itens lexicais por ele

empregados e a ele dirigidos. Em decorrência disso, os termos mais usuais, isto é,

aqueles em que a busca é mais recorrente, são selecionados de maneira automática em

suas experiências dialógicas. Consequentemente, as transformações que incidem sobre

os termos mais corriqueiros são produto não só dessa automática aplicação, mas

também dos aspectos relacionados à facilidade articulatória atingida com a fluência

discursiva. (BYBEE, 2002, p. 277-287)

Vale destacar, entretanto, que, apesar de ter como parâmetro principal a

frequência com que um termo atua na oralidade, o modelo em pauta não só alude à

presença de uma alternância fonética e de uma provável alteração em uma instância

mais elementar da língua, como também indica que tais transformações repercutem,

direta ou indiretamente, em um plano linguístico superior. Assim sendo, a variação e a

mudança, de acordo com Bybee (2002, p. 287) não são externas ao léxico e à gramática,

mas inerentes a ambos. A mudança sonora não é uma regra adicional – algo que

acontece no nível superficial sem um efeito nas áreas mais profundas da gramática. Pelo

contrário, as representações lexicais são afetadas no início da mudança. De fato, elas

fornecem um registro da mudança em andamento ao marcar os detalhes dos dados

fonéticos experimentados.

28

“Thus all phonetic variants of a word are stored in memory na organized into a cluster:exemplars that

are more similar are closer to one another than to ones that are dissimilar, and exemplars that occur

frequently are stronger than less frequent ones. (…) Repeated exemplars within the cluster grow

stronger,and less frequently used ones may fade over time.”

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Dessa forma, para Bybee, não basta que um item lexical seja frequente para que

se verifique certa alteração segmental. Paralelamente a esse aspecto, é fundamental que

o segmento se encontre em um ambiente fonético propício à alteração.

Assim sendo, conforme o exposto, a autora sugere que sejam unidas as

evidências das descobertas realizadas a partir de estudos de cunho sociolinguístico –

como os fatores estruturais e/ou extralinguísticos que controlam a variação – aos

estudos que tem como princípio teórico o modelo baseado em uso. (cf. BYBEE, 2007,

p. 199)

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5 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

5.1 Fundamentação teórica

5.1.1 A Sociolinguística Variacionista

Antes de tecer considerações sobre a Sociolinguística Variacionista strictu

sensu, cabe observar que, no âmbito da Linguística, se detectam duas linhas principais

de análise: as de cunho essencialmente estrutural e as que levam em conta aspectos

sociais relativos às comunidades de fala.

Segundo Calvet (2002), a linguística moderna nasceu da vontade de Ferdinand

de Saussure de elaborar um modelo abstrato, a língua, a partir dos atos de fala. Seus

ensinamentos constituem o ponto de partida do estruturalismo em linguística e, apesar

de algumas passagens encontradas no Curso de Linguística Geral – escrito

postumamente pelos seguidores de Saussure – indicarem que a língua é a parte social da

linguagem ou que a língua é uma instituição social, nele se considera que a linguística

tem por objetivo a língua considerada em si e por si mesma. Sendo assim, “Saussure

traçava uma nítida separação entre o que lhe parecia pertinente, a língua em si mesma, e

o resto”. (CALVET, 2002, p. 11)

Esse ideal saussureano foi seguido por muitos pesquisadores, como Bloomfield,

Hjelmslev, Trubetzkoy, Chomsky. Todos esses linguistas, elaborando teorias e sistemas

de descrições diversificados, concordavam que o seu objeto de estudo deveria ser a

estrutura abstrata e tudo que não fizesse parte dela deveria ser descartado. Chomsky, por

exemplo, preocupou-se em descrever a estrutura da língua com base em conceitos como

o de gramática interna, de caráter abstrato e homogêneo, e, inclusive, introduziu a noção

de falante ideal, resultado de evidente abstração linguística.

O estruturalismo, na linguística, se recusa, portanto, em considerar o que existe

de social na língua. Já as análises de cunho sócio-cultural levam em conta a

heterogeneidade de usos a que uma língua é submetida e valorizam a dinâmica com que

ela é utilizada pelos falantes, imersos em ininterruptas e inúmeras redes de relações

sociais, culturais e ideológicas. Assim, como afirma Lucchesi (1998, p. 185), “o objeto

de estudo da linguística deixa de ser um sistema autônomo e sem história, para se tornar

um produto do processo histórico de constituição da língua”.

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De acordo com Silva-Corvalán (1989) existem, também, outras diferenças entre

as duas mencionadas linhas da linguística. Enquanto, nas análises de cunho estrutural,

por exemplo, a intuição dos falantes e os tradicionais juízos de aceitabilidade tendem a

ser considerados como base de dados, nas de natureza sociolinguística, tais aspectos não

são muito valorizados, pois nem sempre refletem o que realmente é usado e sabido

pelos falantes.

Outra diferença entre o estruturalismo e a sociolinguística diz respeito à

interpretação do fator tempo. Os estudos estruturalistas tendem a focalizar em separado

a sincronia e a diacronia, já os de cunho sociolinguístico, ao trabalhar com as noções de

tempo real e de tempo aparente, tratam, pancronicamente, os fenômenos linguísticos.

Apesar dessas dicotomias, as duas linhas de estudo não são totalmente

incompatíveis. Existe a possibilidade de intercâmbio entre as duas áreas de investigação

linguística, podendo estudiosos delas representativos trocar informações para enriquecer

suas análises, visto que, como observa Silva-Corvalán (1989, p. 2), “através do estudo

da fala o sociolinguista pode descobrir, descrever e fazer previsões sobre o sistema

linguístico que subjaz à fala”29

.

A língua, meio de comunicação utilizado nas mais diversas situações de

interação social, caracteriza-se por sua natureza inerentemente variável e por sua inter-

relação com a sociedade. O sistema linguístico dispõe de elementos que se estruturam

de acordo com as necessidades comunicativas e sociais do falante. Essa estruturação, ou

escolhas de formas, entretanto, não se dá aleatoriamente, mas de maneira sistemática,

sendo condicionada tanto estrutural quanto socialmente. Assim sendo, ao se focalizar

um emprego concreto da língua, faz-se necessário correlacionar o enfoque linguístico ao

seu contexto social e averiguar o que há de recorrente, sistemático e previsível na

situação de variabilidade das formas linguísticas, objeto de trabalho da Sociolinguística.

Segundo Tagliamonte (2006), a sociolinguística argumenta que a língua existe

no contexto, que é dependente do falante, do lugar e do motivo pelo qual é usada. Os

falantes imprimem sua história pessoal e identidade na sua fala, assim como suas

coordenadas econômicas, socioculturais e geográficas, no tempo e no espaço.

29

“a través del estudio del habla el sociolingüista puede descubrir, describir y hacer predicciones sobre

el sistema lingüístico que subyace en el habla”.

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Dois argumentos dão suporte a essa abordagem. Primeiro, não se pode ter a

noção correta de uma língua „X‟ sem pensar que essa noção é social nela mesma, visto

que é definida em termos de um grupo de pessoas que falam „X‟. Segundo, a fala tem

uma função social, não só como meio de comunicação, mas como um modo de

identificar grupos sociais.

Os diferentes modos como a sociedade pode interferir na língua fazem com que

o campo de referência seja bastante amplo. Estudos sobre as várias relações entre

estrutura social e estrutura linguística incluem aspectos pessoais, estilísticos, sociais,

socioculturais e sociológicos. Isso faz com que as orientações de pesquisa sejam

tradicionalmente divididas em áreas abarcadas por dois termos: Sociolinguística e

Sociologia da Linguagem. Uma outra divisão pode ser feita: abordagem qualitativa

(etnografia da comunicação, análise do discurso) e quantitativa (variação e mudança da

língua).

Assim, ainda de acordo com Tagliamonte (2006), a Sociolinguística enfatiza a

língua no contexto social, enquanto a Sociologia da Linguagem enfatiza a interpretação

social da língua. A análise variacionista está inserida na Sociolinguística.

A Sociolinguística Variacionista surge durante a década de 60 do século XX –

fundamentalmente a partir dos estudos de William Labov, sob a orientação de Uriel

Weinreich.

Para a Teoria da Variação e Mudança ou Sociolinguística Variacionista, todos os

sistemas linguísticos são caracterizados por uma heterogeneidade inerente, ordenada e

sistemática. Uma das contribuições fundamentais do modelo foi o desenvolvimento de

métodos rigorosos para a análise da diversidade linguística, métodos que possibilitaram

a identificação de fenômenos variáveis, a depreensão dos padrões de variação em uma

comunidade de fala e a relação direta entre os padrões variáveis e parâmetros sociais

que caracterizam as comunidades linguísticas.

Em Empirical foundations for a theory of language change escrita por

Weinreich, Labov e Herzog em 1968, são propostos os fundamentos teóricos da Teoria

da Variação e Mudança. Para eles, a língua é uma entidade essencialmente heterogênea

e não se pode entender a mudança linguística “sem se considerar a evidência histórica

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disponível no processo de mudança no interior de uma comunidade de fala”30

(op. cit. p,

147).

Os autores propõem um modelo teórico no qual a variação e a mudança são

resultados da influência de fatores linguísticos e extralinguísticos. Dessa forma, abre‐se

um caminho para a compreensão da interrelação entre uma língua e a comunidade que a

utiliza.

A Sociolinguística Variacionista postula ainda que, ao mesmo tempo em que a

língua muda, de forma gradual, há porções desse mesmo sistema que permanecem

estáveis por largos períodos de tempo. A variação observada na fala dos indivíduos

pode ser representativa de uma mudança em progresso ou pode ser um padrão que se

repete por gerações de indivíduos, sem mudanças no sistema. A observação de tal

fenômeno levou Weinreich, Labov e Herzog (op. cit, p. 188) a afirmarem que “nem toda

variação e heterogeneidade na estrutura da língua envolve mudança, mas toda mudança

envolve variação e heterogeneidade”31

.

Com base nos princípios levantados para a teoria, esses autores enumeram os

cinco problemas centrais envolvidos na investigação da mudança em curso: o dos

fatores condicionantes, o da transição, o do encaixamento, o da implementação da

mudança e o da avaliação.

O problema dos fatores condicionantes envolve a delimitação de um conjunto

geral de condicionamentos, que inclua as mudanças possíveis de acontecer em

determinada língua. Neste sentido, a teoria conta com trabalhos de pesquisa que

investiguem o maior número possível de fenômenos, de forma minuciosa.

Os autores afirmam, por exemplo, que vários estudos parecem indicar como

generalização que, quando um sistema de dois fonemas entra em contato e está em

variação com um sistema de apenas um desses fonemas, a tendência é que a mudança

aconteça em favor do sistema de apenas um elemento fonológico.

Outra questão que, a princípio, se levanta como universal é a impossibilidade de

uma variável surgida como um estereótipo social, estilisticamente estratificada, tornar-

se uma variável não marcada. De qualquer forma, até o momento, ainda não foram

30

“without regard for the historical evidence available on the process of change within the speech

community” 31

“Not all variability and heterogeneity in language structure involves change; but all change involves

variability and heterogeneity”.

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investigadas todas as combinações possíveis de variáveis linguísticas e sociais, e nem de

todas as variáveis linguísticas entre si.

Para resolver o problema da transição, o linguista preocupado com a mudança

deve centrar-se nos dialetos transicionais e não nos nucleares, sendo, aliás, mais simples

e produtivo considerar que todos os dialetos estão em constante mudança. Assim sendo,

seria possível descobrir também como a mudança ocorria no passado, a partir da

observação de variantes com o traço inovador/arcaico na língua in vivo.

Para a mudança acontecer, é necessário que dois falantes bidialetais (com

sistemas heterogêneos) estejam em contato. Um deles aprende uma forma alternativa,

em seguida, por certo período de tempo, seu sistema suporta as duas formas alternativas

e, por fim, uma delas se torna obsoleta.

As pesquisas têm demonstrado que a mudança evolui de forma contínua através

das sucessivas faixas etárias. Além disso, a transferência de uma característica estrutural

de um falante para outro parece ocorrer entre faixas etárias ligeiramente distintas.

O problema do encaixamento prevê que qualquer mudança estará encaixada no

sistema linguístico como um todo, ou seja, nenhuma mudança acontece isoladamente,

mas se relaciona a outros fenômenos da estrutura da língua. Da mesma forma, toda

mudança também estará encaixada socialmente e cabe à teoria explicar a natureza e a

extensão desse encaixamento linguístico e social.

Segundo Weinreich, Labov e Herzog, um sistema não se transforma totalmente,

ao contrário, apenas algumas variantes mudam e de forma gradual. Elas podem ser

contínuas ou discretas, mas, neste último caso, os índices de frequência apresentam

alguma gradação.

Enquanto uma mudança é encaixada na estrutura linguística, é também

encaixada no contexto mais amplo da estrutura social, pois as variações geográficas e

sociais já estão previstas no sistema. No entanto, em um processo de mudança, o

encaixamento social não ocorre sempre da mesma forma, pois, apesar de os fatores

sociais pesarem sobre todo o sistema linguístico, os elementos do sistema não têm a

mesma significação social. Assim, fenômenos linguísticos são encaixados de forma

desigual na comunidade de fala, principalmente no inicio e no fim do processo, quando

fatores sociais podem ter pouca importância. Por isso, o pesquisador deve se preocupar

mais em explicar a correlação social de uma mudança e como essa correlação pesa

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sobre o sistema linguístico, do que em tentar delimitar as motivações sociais dessa

mudança.

O problema da avaliação é extremamente importante, pois o nível de

consciência social tem relação direta com o desenvolvimento desses processos. Testes

de autopercepção podem ajudar a observar a diferença entre produção e percepção, o

que favorece o entendimento da mudança em progresso. Esse tipo de controle da

consciência do falante sobre as variantes em competição ajuda a explicar o peso dos

fatores sociais. Por outro lado, usar tais informações para determinar como o vernáculo

evolui é uma tarefa complexa que exige do investigador muito conhecimento da

comunidade de fala e da sociolinguística. Ainda assim, os correlatos subjetivos da

mudança ajudam a entender como categorizações discretas são impostas.

O problema da implementação é bastante complexo em decorrência da gama de

correlações que existe entre os incontáveis fatores sociais envolvidos na mudança.

Desse modo, não é de estranhar que a implementação e os fatores que a influenciam só

possam ser apontados e explicados a posteriori. Mesmo assim, deve ser investigado o

maior número possível de fenômenos em variação para que seja ampliado, ao máximo,

o conhecimento sobre o processo de implementação da mudança.

Esses linguistas consideram que uma mudança se inicia quando um elemento em

variação se propaga em um subgrupo específico da sociedade e se fortalece quando esse

elemento assume um determinado valor social relacionado a tal grupo. Para eles, depois

que a mudança está encaixada no sistema, ela se espalha gradualmente para todos os

outros elementos. Essa generalização é lenta, gradual e frequentemente influenciada por

fatores da estrutura social, como o surgimento de novos grupos na comunidade de fala.

Por isso, um processo quase concluído pode apresentar um aumento significativo da

consciência social da mudança e o surgimento de um estereótipo. No fim da

implementação da mudança, a forma que se tornou constante é esvaziada de qualquer

significação social que pudesse ter até então.

Labov (1994) discute métodos de investigação da mudança linguística, propondo

que ela seja estudada em tempo real e em tempo aparente. O autor levanta as diversas

dificuldades enfrentadas pelo pesquisador no estudo da mudança em tempo real de

longa duração, principalmente pela inconsistência do material disponível para análise

dos séculos passados. Lembra que a investigação da mudança linguística até a primeira

metade do século XX está restrita a materiais escritos, de origem frequentemente

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desconhecida ou assistemática, e destaca que a maior parte deles são remanescentes

aleatórios.

Apesar das grandes dificuldades enfrentadas por esse tipo de estudo, destaca que

ele é imprescindível, principalmente para se verificar o momento em que uma variante

passa a ser utilizada na língua e o momento em que desaparece. Para o autor, a

investigação a longo prazo também é fundamental para se identificar a regularidade dos

princípios que atuam na variação e subjazem à implementação da mudança.

Por outro lado, Labov (1994) observa que as atuais ferramentas de observação e

controle estatístico de fenômenos linguísticos podem auxiliar os estudos de mudança,

pois com elas é possível verificar se um fenômeno variável, observado no presente,

indica uma mudança em processo de implementação ou é uma variação estável. Assim,

ao olhar dados de sincronia, seria possível observar estágios anteriores da língua, o que

o autor chama de “uso do presente para explicar o passado”. Dessa forma, ele descreve

duas formas de investigar a mudança num curto espaço de tempo: o estudo em tempo

real e o estudo em tempo aparente, dando mais enfoque aos estudos em tempo real de

curta duração.

A análise da mudança em tempo aparente consiste na observação de dados de

fala atuais, controlados com base nas faixas etárias, e parte da hipótese de que o falante

estabiliza o seu idioleto durante a juventude, aproximadamente aos 15 anos de idade,

após o processo de aquisição da linguagem. Assim, um falante de 37 anos, em 2013,

representaria a língua de sua comunidade de fala no ano de 1991.

No caso do estudo em tempo real, é necessário levantar uma amostra

representativa em dois momentos distintos para, com base em índices de frequência,

observar se uma variante está tomando o espaço da(s) outra(s) com o passar do tempo.

Dessa forma, pode ser possível visualizar o final de uma mudança, antes que ela esteja

completamente concluída, e determinar, ainda, com maior ou menor precisão, quando se

iniciou.

A observação em tempo real de curta duração pode ser empreendida através do

estudo de painel e do estudo de tendência.

No estudo de tendência, comparam-se os dados de informantes de um momento

histórico com os de outros informantes de um momento posterior. Assim, é possível

investigar o comportamento da comunidade de fala, mostrando se a mudança está sendo

implementada de modo generalizado.

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79

Já no que diz respeito ao estudo de painel, investiga-se a fala dos mesmos

informantes em dois momentos distintos, o que torna possível não só obter dados do

idioleto do falante em duas faixas etárias diferentes, como também refletir sobre a

hipótese clássica da aquisição da linguagem. Tal hipótese prevê que, terminado o

processo de aquisição, na puberdade, o indivíduo mantém as características de sua fala

durante toda a vida adulta.

Segundo Labov (1994), uma distância de aproximadamente 18 anos, equivalente

ao curso de uma geração, é o mínimo necessário para que se verifiquem

comportamentos linguísticos diversos entre as sincronias, não só no estudo de

tendência, como também no de painel. Além disso, é necessário utilizar os mesmos

critérios metodológicos no levantamento de dados dos dois momentos estudados: o

mesmo tipo de entrevista, o mesmo recorte geográfico e social dos informantes, entre

outros procedimentos.

Como ainda ressalta Labov (op. cit.), a conjunção de estudos do tipo painel e do

tipo tendência possibilita que se verifique mais profundamente não só o comportamento

do indivíduo e da sociedade, mas também a relação entre a mudança linguística e as

características sociais da comunidade de fala.

De acordo com Labov (2008 [1972]), uma investigação na área da

Sociolinguística Variacionista, desenvolve-se, geralmente, seguindo cinco etapas: (1)

observação da comunidade e hipóteses de trabalho; (2) seleção dos informantes; (3)

coleta dos dados; (4) análise dos dados – que se subdivide em identificação da variável

e dos contextos, codificação dos dados e quantificação e aplicação dos procedimentos

estatísticos – e (5) interpretação dos resultados.

A observação da comunidade a ser estudada deve ser o marco inicial de uma

pesquisa sociolinguística, pois, muitas vezes, é a partir daí que surgirão as hipóteses

iniciais de trabalho. Já outras hipóteses decorrem do trabalho direto com os dados

(coleta, análise, etc.).

O processo de seleção dos falantes é de grande importância. O sociolinguista deve

organizar uma amostra de fala que garanta sua representatividade em relação à

comunidade estudada. Para Labov, a fala espontânea está frequentemente presente no

decorrer da entrevista e pode ser considerada um correlato da fala usual em contextos

formais. Para o autor, os dados de fala espontânea podem, inclusive, ser analisados

conjuntamente com os dados de fala casual. O pesquisador deve, portanto, incentivar o

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aparecimento desses estilos e também verificar se um determinado fragmento de fala é

realmente espontâneo, procurando um método de controlar a concretização desses

estilos discursivos.

Labov destaca que o estilo pode ser definido por situações contextuais – diálogo

com uma terceira pessoa (estilo casual), relato de uma situação emocionante, perigosa,

íntima ou muito triste (estilo espontâneo) – e outros marcadores da situação interativa,

como uma variação no ritmo de fala, o riso, um aumento na intensidade da respiração,

altura etc.

Uma análise estatística deve basear‐se na premissa de que a amostra recolhida

representa toda a comunidade estudada e não somente um conjunto de indivíduos. Caso

a constituição do grupo de informantes seja feita com base em critérios bem

delimitados, os resultados poderão ser generalizados para um determinado recorte

social. Em qualquer pesquisa sociolinguística, a seleção dos informantes deve passar

pelo controle social proposto por Labov: escolha aleatória, mas organizada em células

que conjugam variáveis sociais, o que define uma amostra aleatória estratificada.

Um pesquisador que pretende controlar, por exemplo, o gênero do informante

em três faixas etárias diferentes (faixa A, B e C), deve preencher 6 células: homem –

faixa A; homem – faixa B; homem – faixa C; mulher – faixa A; mulher – faixa B –

mulher faixa C. Labov destaca que cinco é o número ideal de informantes para

preencher cada célula social; no entanto, esse número costuma variar. Certamente,

quanto mais informantes apresentar uma amostra, mais fidedigna ela será. Deve‐se

lembrar, no entanto, que esse número depende essencialmente do perfil da comunidade

estudada, do fenômeno sob análise e da ferramenta à disposição para a análise

estatística.

Em contato com a amostra de fala, o linguista já pode definir, com mais eficácia,

as variáveis que nortearão o seu trabalho. Inicialmente, deve-se definir a variável

dependente, composta de formas linguísticas de mesmo valor funcional em estado de

variação no uso da língua e, a seguir, as variáveis independentes, que podem ser tanto

de natureza linguística, que equivalem aos fatores internos – aspectos fonológicos,

morfossintáticos, semânticos e discursivos – da língua em estudo, quanto de natureza

extralinguística e que correspondem a fatores externos como sexo, idade, nível de

instrução, entre outros. Os fatores que as compõem denominam-se variantes.

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Para que seja verificado o grau de influência das variáveis independentes

(grupos de fatores) no uso das variantes linguísticas pelos falantes, os dados são

submetidos a um método quantitativo de análise, que utiliza o pacote de programas

GOLDVARB-X, nova versão do programa VARBRUL, desenvolvido por David

Sankoff (1978), para tratamento estatístico dos dados. Esse pacote de programas fornece

informações tais como: (1) o índice de aplicação da regra variável; (2) a frequência, os

valores percentuais e os pesos relativos de uma dada variante; (3) as variáveis

linguísticas e extralinguísticas relevantes para o condicionamento do fenômeno em

estudo, por ordem de seleção; (4) e as variáveis não significativas para a análise.

Durante o processo de análise, são determinados índices de significância para

cada rodada e, em cada uma delas, atribuídos pesos relativos para os fatores das

variáveis investigadas. Se os fatores de uma determinada variável têm peso relativo alto,

são considerados relevantes para a aplicação da regra; por outro lado, quanto mais esse

índice estiver próximo de 0.00, menos favorecedores se mostram os fatores para a sua

implementação. As rodadas mais importantes, selecionadas pelo programa, devem

apresentar índice de significância o mais próximo de 0.000. O programa de análises

estatísticas estabelece ainda o input de seleção da regra variável, o que corresponde à

aplicação geral do valor de aplicação (no caso desta tese o processo de enfraquecimento

da lateral palatal com a utilização da lateral palatalizada).

5.1.2 A Fonologia Experimental

O desenvolvimento da tecnologia computacional, que promove o surgimento e a

melhoria de novos programas de análise, dentre outros aparatos técnicos, tem auxiliado

o avanço dos estudos de Fonética Acústica, não só diminuindo as dificuldades de cunho

metodológico que este ramo da linguística sempre enfrentou como também ampliando

as suas possibilidades.

Com isso, embora os estudos de Acústica ainda não sejam tão frequentes quanto

os de Fonética Articulatória, os pesquisadores têm atentado cada vez mais para a

importância de investigar as propriedades da onda sonora. Isso é fundamental para que

se compreendam melhor não só as características prosódicas e segmentais (acústicas) da

língua, como a sua atuação na maioria dos fenômenos fonético-fonológicos (e também

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morfológicos, sintáticos etc.), que normalmente são observados apenas no nível da

percepção auditiva.

Dentro dessa perspectiva de evolução dos estudos acústicos, amparados pelo

desenvolvimento da tecnologia computacional, aparece a Fonologia Experimental que

teve seu nome cunhado por John Ohala, para uma conferência em Berkeley, em 197932

.

Essa vertente dos estudos fonético-fonológicos, anteriormente chamada de

psicofonologia, mais do que interação, busca e defende a integração da fonética e da

fonologia, que começou a deixar de existir a partir do momento em que a fonologia se

constituiu como disciplina autônoma, na década de 20 do século passado.

Apesar de diversos linguistas desenvolverem estudos no âmbito da Fonologia

Experimental – haja vista uma série de encontros bienais conhecida pelo nome de “Lab

Phon” –, sem dúvida, John Ohala é uma das figuras mais proeminentes dessa linha de

pesquisa. Justamente por isso, nesta seção, as observações que serão feitas estarão

baseadas em trabalhos publicados pelo referido linguista ou por estudos de outros

autores que seguem a sua metodologia.

Segundo Ohala (1987), a imagem popular de que uma disciplina experimental

inclui procedimentos complexos ou instrumentos altamente sofisticados é falsa, uma

vez que a complexidade não é essencial e a instrumentação complexa, por si mesma,

não torna algo experimental.

Para esse linguista, o conhecimento do mundo está sujeito a distorções.

Justamente por isso, torna-se necessário refinar e estruturar as observações de tal modo

que se eliminem ou atenuem os fatores que podem distorcer o conhecimento ou torná-lo

ambíguo. Para tanto, uma simples análise experimental de laboratório pode ser usada

para reverter eventuais problemas de opinião e, assim, se possa “conciliar o que

pensamos com o que vemos” (OHALA, 1987, p. 208).

Ainda de acordo com Ohala (1987, p. 207), à medida que um campo amadurece

e acumula mais experiência com a experimentação, (a) depreende mais fontes potenciais

de erro e modos de compensá-los, bem como (b) dá margem a um questionamento mais

detalhado, que requer observações cada vez mais cuidadosas. É nesse momento que

instrumentos e procedimentos mais elaborados devem ser utilizados, refletindo,

portanto, o desenvolvimento epistemológico da disciplina.

32

Comunicação pessoal dada a João Moraes.

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Apesar de, como observa Ohala (1987, p. 207), a fonologia como disciplina

experimental estar “na sua infância e as técnicas usadas sejam ainda relativamente

simples”,33

houve certa expectativa por parte dos estudiosos de linguística, no sentido

de que a caracterização da Fonologia Experimental faria alguma menção às técnicas

específicas empregadas nos experimentos fonológicos. A lista de tais técnicas, segundo

o autor, não é necessária, uma vez que “as técnicas usadas são limitadas apenas pela

imaginação, para a qual, felizmente, há um suprimento interminável na

linguística”34

(OHALA, 1987, p. 208).

Para ele, existem duas ideias falsas sobre a Fonologia Experimental que

merecem atenção: (a) a de que é apenas um novo rótulo para a área denominada de

fonética experimental e (b) a de que Fonologia Experimental, em si, não inclui

construção teórica.

Com relação à primeira questão, Ohala (1987) adverte que a Fonologia

Experimental difere da Fonética Experimental não só no que diz respeito à extensão do

estudo como também à orientação filosófica utilizada: A Fonologia Experimental (1)

seria mais ampla que a Fonética, já que incorpora certas áreas da psicologia bem como

dos experimentos sociolinguísticos do tipo dos conduzidos por Labov (cf., por exemplo,

LABOV, 1966) e (2) não estaria relacionada a apenas uma atitude positivista, mas sim,

também, a uma análise “hipotético-dedutiva”, ou seja, guiada igualmente tanto por

hipóteses – um produto da razão -, quanto por dados – um produto dos sentidos.

Com relação à mencionada segunda falsa ideia, Ohala argumenta que, embora se

pense que a Fonologia Experimental consiste exclusivamente em testar teoria sem

construção teórica, isso não é verdade: “uma visão mais madura da ciência, incluindo a

fonologia, a vê como um ciclo contínuo de teoria – teste – teoria revista – teste revisto,

etc.” 35

(OHALA, 1987, p. 209)

A inseparabilidade de teoria e experimento baseia-se no simples fato de que se

pode formar uma crença sobre algo, isto é, formular uma hipótese ou uma teoria,

podendo-se, portanto, também examinar criticamente a origem da crença e tentar

ativamente refinar e controlar as observações que a incitaram.

33

“Perhaps it is no secret that phonology as an experimental discipline is in its infancy and the technics

used are still relatively simple” 34

“(...) the techniques used are limited only by imagination, of wich, hopefully, there is an endless supply

in linguistics.” 35

“A more mature view of science, including phonology, ses it as a continuos cycle of theory – test –

revised theory – revised test, etc.”

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Concluindo, Ohala (1987, p. 218) acrescenta que o argumento definitivo em

favor da Fonologia Experimental é o acúmulo de bem sucedidas aplicações de métodos

experimentais a questões tradicionais em fonologia. A literatura de tais aplicações,

segundo ele, remontaria pelo menos a 1901 e incluiria trabalhos de linguistas e

psicolinguistas renomados como Edward Sapir (1929, 1933), W. Freeman Twaddel

(1935, p. 11), Stanley Newman (1933), Joseph Greenberg (Greenberg & Jenkins 1964,

1966), Roger Brown (Brown & Hildum, 1956, Brown & Nuttall, 1959), Sandford

Schane (Schane & Tranel, 1970, Schane, Tranel & Lane, 1974), James McCawley

(1986).

Como muitas são as aplicabilidades da Fonologia Experimental no intuito de

comprovar ou não questões tradicionais da fonologia, resolveu-se dar um exemplo de

como essa vertente dos estudos fonético-fonológicos pode ser utilizada.

Ohala (1992) questionando a eficácia da escala ou hierarquia de sonoridade

menciona um trabalho experimental de Price (1980) em que se demonstra que palavras

como “blow” [blo] podem ser transformadas numa versão convincente de “below”

[blo] simplesmente alongando a duração do [l].

Segundo Ohala (1992), (1) se a hierarquia ou escala de sonoridade assume que

sílabas são locais máximos na sonoridade de segmentos que estão concatenados na fala

e que cada segmento ou tipo de segmento tem a sua própria sonoridade inerente, e (2) se

não há mudança de qualidade inerente quando se alonga o [l], “então de onde vêm a

sílaba extra e o perceptível []?36

”(op. cit. p.323).

A resposta a essa pergunta, segundo Ohala (op. cit., p. 331), explica, em parte, o

que ele denomina de a falácia da escala de sonoridade. O fato de a palavra “blow”,

manipulada artificialmente, ser percebida como “below”, quando submetida a alguns

ouvintes, deve-se ao fato de a silabicidade ser um construto perceptual, isto é, criado na

mente do ouvinte. A base para isso, de acordo com o linguista, é o fato de que, quando

os ouvintes escutam a soante – que é mais longa do que se espera para o [l] normal –

depois de [b], são induzidos a construir outra percepção que esteja mais de acordo com

os eventos no sinal acústico.

A transição na soltura do /b/ é acompanhada de uma soltura vocálica /b/

e, naturalmente, a transição /lo/ não muda. Os ouvintes não precisam de

36

“So where does the extra syllable and the perceived [] come from?”

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uma verdadeira transição /l/ para concluírem que há um // entre /b/ e

/l/37

(op. cit., p. 331).

Assim, Ohala (1992) desconstroi a eficácia da aplicação da escala de sonoridade

a partir de um experimento cujo resultado pode ser verificado em vários sistemas

linguísticos. Menendez-Pidal (1926, p. 217-218), por exemplo, nota a existência em

espanhol, esporadicamente, de uma vogal relaxada quebrando grupos do tipo CL e CR,

como, por exemplo, nos vocábulos Ingalaterra, coronica, egelesia, peredicto. Já em

francês, Malmberg (1971, p. 257), diz ser bastante comum que crianças pronunciem

pelumme em lugar de plume. No Português Europeu, Mateus & Martins (2002)38

ao

estudarem a supressão das vogais átonas [] e [u] junto de consoantes, também

verificam que é muito comum que palavras como crer e prece, por exemplo, quando

submetidas a um teste de percepção sejam, muitas vezes, confundidas com querer e

perece, respectivamente.

Outro trabalho que segue essa linha teórica é o de Quandt (2004). Em estudos

sobre o comportamento da lateral anterior na fala do Norte-Noroeste Fluminense,

utilizando os pressupostos teórico-metodológicos da Fonologia Experimental

preconizados por Ohala, essa autora verificou, através de dois experimentos acústicos,

que, em grupo consonantal, (1) o fone [] apresenta, no seu início, uma porção vocálica

nitidamente segmentável, de qualidade próxima à da vogal núcleo do grupo

consonantal, ainda que mais centralizada; (2) o fone [l] não apresenta, em sua produção,

uma parte vocálica, embora possa ser considerado um som híbrido, já que possui tanto

características de consoante quanto de vogal.

Esses experimentos acústicos, realizados por Quandt (2004), serviram para

comprovar que existem fatores de ordem estrutural que favorecem a permuta de [l] por

[] em grupo consonantal. Como a lateral é um segmento que, do ponto de vista

acústico, apresenta características consonânticas e vocálicas, simultaneamente, o

suposto grupo consonantal formado pela sequência obstruinte + /l/ acaba se tornando

menos estruturado, o que favorece a permuta da lateral por um tepe. Além disso, como o

37

“The transition at the release of the /b/ is compatible with a vocalic release /b / and of course the /lo/

transition is unchanged. Listeners don’t require an actual /l/ transition in order to conclude that is a /

/ in between the /b/ and /l/.” 38

O estudo, que aparece na coletânea citada, foi publicado pela primeira vez em 1982.

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[] apresenta uma porção vocálica inicial e uma porção consonântica final (de caráter

oclusivo), quando se concretiza o [] no lugar de [l], está-se promovendo, também, uma

abertura de sílaba – criando duas sílabas CV –, desfazendo, assim, o grupo consonantal.

Em estudos mais recentes, Stein (2011, p. 229), ao analisar o percurso acústico-

articulatório da alofonia da consoante lateral palatal, verifica, por meio de experimentos

acústicos, “a presença de uma vogal [i] entre F2 e F3 da área delimitada a []” (cf. item

2.2).

5.2 Metodologia e Corpus

O trabalho será realizado em duas etapas: a primeira à luz dos pressupostos

teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista Laboviana, levando em

consideração, ainda, aspectos relacionados à difusão lexical, a segunda, com base em

estudos no âmbito da Fonologia Experimental.

A seguir apresentam-se os corpora utilizados nas duas etapas do estudo.

(a) Primeira etapa de análise

Os dados que constituem os corpora da pesquisa foram selecionados de

inquéritos, do tipo DID, pertencentes ao Acervo do projeto Estudo comparado dos

padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias do

Português (www.letras.ufrj.br/concordancia).

Os inquéritos foram realizados com indivíduos distribuídos pela RMRJ

(Municípios de Nova Iguaçu e do Rio de Janeiro, este representado por Copacabana) e

pela RMLIS (Oeiras e Cacém), por sexo, três níveis de instrução (2º segmento do

Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior) e três faixas etárias – A (18-35

anos), B (36-55 anos), C (56-70 anos).

A seleção dos informantes seguiu os critérios previamente estabelecidos pela

equipe responsável pelo Projeto, a fim de se resguardar a confiabilidade dos dados

coletados. Vale ressaltar que todos os informantes selecionados deveriam ser naturais do

municípios/concelhos alvo, e deles não se terem ausentado por mais de cinco anos.

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No que diz respeito ao corpus do PB, pretende-se trabalhar com base na fala dos

Municípios de Nova Iguaçu e do Rio de Janeiro, mais especificamente do bairro de

Copacabana, o que perfaz um total de 36 informantes. Com relação ao corpus do PE, o

estudo será feito com base na fala de Oeiras, localizada em Lisboa, e da freguesia de

Cacém, somando, também, um total de 36 informantes, conforme se sintetiza no quadro

a seguir:

Quadro 1. Configuração dos Corpora PB e PE

Faixa etária Nível de escolaridade Gênero

18 a 35 anos Nível 1 – de 5 a 8 anos de escolaridade Masculino

36 a 55 anos Nível 2 – de 9 a 11 anos de escolaridade Feminino

56 a 75 anos Nível 3 – Superior

3 células x 3 células x 2 células = 18 informantes

18 informantes x 2 pontos de inquérito = 36 informantes brasileiros

18 informantes x 2 pontos de inquérito = 36 informantes portugueses

Entre as variáveis estruturais, inicialmente, controlaram-se os contextos

antecedente e subsequente; a classe de vocábulo; a tonicidade da sílaba em que

incide o segmento, o número de sílabas do vocábulo, a presença ou ausência de

outra líquida palatal no vocábulo e a frequência do vocábulo no corpus.

Como uma das variáveis estruturais controladas na análise sociolinguística é a

frequência do vocábulo no corpus, acreditou-se ser pertinente fazer uma análise mais

refinada em que se unissem os princípios da sociolinguística variacionista aos das

teorias da Difusão Lexical e da Fonologia de uso.

A partir não só da leitura de trabalhos que tinham como referencial teórico as

duas últimas teorias mencionadas, como também da observação dos dados desta

pesquisa, acredita-se que a partir da verificação da frequência de cada vocábulo no

corpus, resultados mais precisos, no que diz respeito à variação do fonema //, nas

localidades ora trabalhadas, serão obtidos.

(b) Segunda etapa de análise

Para os experimentos acústicos, que dizem respeito a esta etapa de trabalho, foi

criado um corpus complementar, gravado no Laboratório de Fonética da UFRJ, que

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contempla a produção das laterais em quatro contextos, a saber: (a) o primeiro com as

variantes das laterais seguidas pela vogal [a], (b) o segundo com as variantes seguidas

pela vogal [i], (c) o terceiro, somente com as variantes [] e [lj] seguidas pela vogal [a]

e (d), o quarto com as variantes lateral palatal e lateral palatalizada, seguidas pela vogal

[i]. Nos dois primeiros contextos todas as variantes analisadas se encontram em sílaba

tônica e, nos terceiro e quarto, [] e [lj] se encontram em sílaba postônica.

O corpus criado pode ser visto no quadro a seguir:

Quadro 2: Frases que formam o corpus da 2ª etapa de análise

Para a análise que contempla os primeiro e

segundo contextos

Para a análise que contempla os terceiro e

quarto contextos

“Eu disse te„_ado de novo” “Eu disse te„_a de novo”

“Eu disse to„_ido de novo” “Eu disse te„_e de novo”

Depois da escolha das palavras que fariam parte das frases que compõem o

corpus, os seguintes procedimentos metodológicos foram realizados:

(1) As frases que compõem o corpus foram lidas três vezes com cada uma das

palatais e com a semivogal [j]39

, por um informante, do sexo masculino40

, e

digitalizadas com o auxílio do Programa Praat;

(2) Fez-se o espectrograma de cada uma das palavras que continham as

variantes das laterais que compõem o corpus;

(3) Mediu-se cada um dos formantes de todas as variantes, em todas as suas

repetições, e depois foi estabelecida a média dos valores encontrados. Todos

os formantes foram medidos no centro de cada segmento.

(4) Analisaram-se esses espectrogramas a fim de verificar a configuração

formântica de cada variante das laterais.

39

Embora o [j] não seja uma lateral, pelo fato de ser uma realização possível do fonema // no PB e no

PE, optou-se por incluí-lo na análise. 40

O coorientador da tese, pelo fato de ser professor de fonética e ter experiência em produzir esses sons,

foi o informante masculino que produziu as frases em laboratório.

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6 ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

Neste capítulo, (a) apresentam-se as variáveis dependente e independentes

utilizadas no estudo da variação de // na fala da RMRJ e na da RMLIS, (b) explicita-se

a produtividade de cada uma das variantes da lateral palatal em ambos os corpora e (c)

discutem-se os resultados da análise variacionista sobre o enfraquecimento da lateral

palatal (passagem de [] para [lj]) de forma comparativa, ou seja, embora as variedades

tenham sido analisadas em separado, os resultados obtidos com os dados do PB serão

contrastados aos verificados com os do PE. No último item, discutem-se questões de

ordem lexical em função dos resultados obtidos na análise variacionista.

6.1 As variáveis consideradas

As variáveis dependente e independentes utilizadas no estudo foram as mesmas

tanto na análise efetuada com dados da RMRJ, quanto na empreendida com os da

RMLIS. Como a investigação se iniciou com a consulta à bibliografia especializada e

pela seleção de dados em entrevistas para a formação dos corpora, foi possível perceber

que as variáveis linguísticas e extralinguísticas que apoiariam a análise variacionista

poderiam ser as mesmas tanto para o corpus do PB quanto para o do PE. O mesmo se

verificou no que diz respeito à variável dependente: durante as transcrições fonéticas,

observou-se que as variantes de // eram as mesmas no PB e no PE, havendo apenas

uma diferença percentual de ocorrência em cada uma das variedades estudadas (cf. item

6.1.1).

As considerações acerca do PE estarão baseadas, principalmente, nos estudos

realizados sobre o PB ou em hipóteses formuladas no momento da recolha dos dados,

uma vez que, como já se ressaltou, são extremamente escassos os estudos sobre // no

Português Europeu.

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6.1.1 A variável dependente

Da análise auditiva dos dados, registraram-se as seguintes variantes de //, cuja

distribuição, nos corpora, se encontra nas tabelas 1 e 2 e pode, também, ser visualizada

nos gráficos 1 e 2.

Lateral palatalizada [lj]

Três professoras super-maravi[ lj ]osas (COP A1M)

que possa beneficiar o seu traba[ lj ]o (CAC C3H)

Manutenção da palatal []

então ele traba[ ]a em casa (COP C2 M)

acho que quero ter fi[ ]os (CAC A1H)

Despalatalização seguida de semivogal j [lj]

e os fi[ lj ]os do seu Manoel também (COP B1M)

era o meu fi[ lj ]o (CAC B1M)

Iodização [j]

eu ficava mais perto do traba[ j ]o (COP C1 H)

o[ j ]a é o que eu disse à bocadinho (CAC B2M)

Despalatalização [l]

a minha mu[ l ]er (COP C1 H)

todos os traba[ l ]inhos feitos (CAC B2M)

Síncope do segmento [Ø]

eles andava minha fi[ ]a (COP C1 H)

vai ficar fi[ ]a (OEI C3M)

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(a) As variantes de // no corpus do PB

Conforme se demonstra na tabela 1 e no gráfico 1, abaixo, na RMRJ, a lateral

palatalizada, com índice de frequência de 55.2 % (1363 ocorrências), surge como a

variante preferencial em contraste com a manutenção da lateral palatal, que atinge o

índice de 28.6% (705 ocorrências). As demais variantes apresentam baixa

representatividade na amostra, a saber: despalatalização + iode ([lj]) – 13%;

despalatalização ([l]) – 2.6%; iodização ([j]) – 0.5% e síncope ( ) – 0.1%.

Tabela 1. Índices referentes à variação de / / na RMRJ

ÍNDICES Variação de // na RMRJ

Variantes [lj] [] [lj] [l] [j]

Ocorrências 1363/2470 705/2470 323/2470 64/2470 13/2470 2/2470

Percentuais 55.2 % 28.6% 13% 2.6% 0.5% 0.1%

Gráfico 1. Distribuição das variantes de // / na RMRJ

56%

29%

13%

2%0% 0%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%Lateral Palatalizada

Manutenção da palatal

Despalatalização + Iode

Despalatalização

Iodização

Síncope

Os baixos índices de algumas variantes, de certa maneira, já eram esperados,

uma vez que esse corpus representa a fala de Copacabana – bairro localizado na Zona

Sul da cidade do Rio de Janeiro – e de Nova Iguaçu – cidade que apresenta um

dinâmico polo comercial, cuja população mantém uma permanente interação com os

moradores da capital. A iodização, por exemplo, é considerada típica do interior ou de

zonas rurais do Brasil, como atestam não só trabalhos mais antigos como os de Penha

(1972), Melo (1981), Silveira (1986) e Aguilera (1988), mas também estudos mais

recentes, como o de Brandão (2006). Também o cancelamento e a despalatalização da

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lateral palatal são vistos como característicos da fala rural e interiorana em três dos

estudos apontados acima: Penha (1972), Aguilera (1988) e Brandão (2006).

O fato de a lateral palatalizada ser a variante mais utilizada nessas localidades

não surpreende, uma vez que muitos linguistas como Pontes (1973) e Cristófaro-Silva

(1999), por exemplo, indicam ser [lj] a variante preferida dos brasileiros. A primeira

afirma, inclusive, que não existe, na língua coloquial, o contraste que é sugerido pela

escrita, como em óleo-olho, que se pronunciariam da mesma maneira: [ju]. Já a

segunda assevera que, geralmente, a lateral alveolar palatalizada ocorreria no lugar da

lateral palatal na fala da maioria dos falantes do português brasileiro.

Ao observar os dados, percebe-se que as variantes menos produtivas na amostra

aparecem em vocábulos específicos41

. Para deixar mais claro esse resultado, resolveu-se

criar o quadro 3, a seguir.

Quadro 3. Vocábulos em que incidem as variantes menos produtivas

no corpus da RMRJ

Vocábulo Total de

Ocos.

Ocos. de

[ ]

Ocos. de

[j]

Ocos. de

[ l ]

Ocos. de

[ lj ]

Filho 123 1 - - 122

Filha 43 1 - - 42

Filhos 88 - - - 88

Filhas 8 - - - 8

Olho (substantivo)

2 - - -

2

Olho (verbo)

1 - - -

1

Olhos 6 - - - 6

Olhar 3 - - - 3

Olha 4 - 1 - 3

Olham 1 - - - 1

Velho 3 - - - 3

Velha 3 - - - 3

Melhor 9 - - - 9

Melhores 2 - - - 2

Melhorzinho 1 - - - 1

Melhorar 5 - - - 5

Melhorem 1 - - - 1

Melhora 2 - - - 2

Melhorando 2 - - - 2

Melhorou 3 - - 1 2

Melhorado 3 - - - 3

41

Optou-se por considerar em separado as flexões de um mesmo item lexical para ressaltar os diferentes

contextos adjacentes a [].

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Vocábulo Total de

Ocos.

Ocos. de

[ ]

Ocos. de

[j]

Ocos. de

[ l ]

Ocos. de

[ lj ]

Melhorada 1 - - - 1

Melhoria 1 - - - 1

Orgulho 1 - - - 1

Galho 1 - - - 1

Castelhano 1 - - - 1

Molhada 1 - - - 1

Maravilhas 1 - - - 1

Atrapalha 1 - - - 1

Trabalhos 1 - - - 1

Trabalho (verbo)

5 - 1 3 1

Trabalho (substantivo)

3 - 2 - 1

Trabalha 9 - 4 3 2

Trabalhar 7 - 4 2 1

Trabalhando 2 - 1 1 -

Trabalhava 1 1

Mulher 23 - - 23 -

Mulheres 2 - - 2 -

Detalhe 1 - - 1 -

Colher (Substantivo)

1 - - 1 -

Colheres 2 - - 2 -

Lhes 1 - - 1 -

Bilhete 1 - - 1 -

Escolher 2 - - 2 -

Escolhido 2 - - 2 -

Canalhice 1 - - 1 -

Filhinho 2 - - 2 -

Filhinha 1 - - 1 -

Trabalhinho 1 - - 1 -

Velhinha 1 - - 1 -

Trabalhei 6 - - 6 -

Patrulhinha 5 - 5 -

Manilhou 1 1

Total 402 2 13 64 323

Conforme pode ser observado no quadro 3, os vocábulos marcados em azul são

os únicos concretizados com a variante despalatalizada acompanhada de iode ([lj]). Eles

foram produzidos como se houvesse um iode, como ocorre na palavra “família”. Além

disso, é importante mencionar que essa variante não parece sofrer influência de fatores

extralinguísticos como idade, gênero e nível de escolaridade do falante, já que aparece

bem distribuída no corpus: homens e mulheres, das três faixas etárias e dos três níveis

de escolaridade considerados na análise produzem [lj]. Ainda assim, acredita-se ser

pertinente mostrar com que incidência essa variante aparece em função de cada um

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desses fatores, a saber: faixa etária (A – 131 ocos.; B – 125 ocos. e C – 67 ocos.); nível

de escolaridade (fundamental – 140 ocos.; médio – 103 ocos.; e superior – 80 ocos.) e

os dois gêneros (homem – 144 ocos. e mulher – 179 ocos.). Embora os valores

mostrados não sejam tão discrepantes, parece que são as mulheres de nível fundamental

de instrução que estão preferindo a variante [lj]. Em contrapartida, a despalatalização

seguida de iode é menos comum na fala de indivíduos mais velhos e com mais tempo de

escolaridade.

Ainda no que diz respeito a essa variante, três importantes observações podem

ser feitas: a primeira, com base no trabalho de Machado-Soares (2008), a segunda,

baseada em Pontes (1973) e a última, nos estudos de Câmara Jr. (1979) e Silveira

(1986), que descrevem a evolução do // do latim ao português.

Segundo Machado-Soares (2008), as vogais anteriores quando precedem //,

favoreceriam a ocorrência de [lj]. Ao observar o quadro 3, percebe-se que 19 dos 33

vocábulos concretizados com [lj], no corpus, são precedidos das vogais anteriores [i],

[e], []. Ressalta-se, ainda, que, (a) dentre esses 19, há alguns bastante expressivos –

como filho (122 ocos.), filhos (88 ocos.), filha (42 ocos), e outros medianamente

expressivos, como filhas (8 ocos.), melhor (9 ocos.), melhorar (5 ocos.), velho (3 ocos.),

velha (3 ocos.); (b) nos outros 14 vocábulos, dos 33 produzidos com [lj], // não é

antecedido por vogais anteriores e, talvez, por isso, a variante tenha apresentado baixa

representatividade.

Segundo Pontes (1973), o contraste entre óleo-olho, sugerido pela escrita, deixa

de existir na fala, sendo os dois vocábulos pronunciados como [ju]. Dessa forma,

parece pertinente relacionar o que é atestado por essa linguista com o que se observa no

corpus do PB. O vocábulo olhos, por exemplo, aparece mais frequentemente, em Nova

Iguaçu, com [lj] – num total de 6 ocos., 4 são com essa variante. Em Copacabana, das 5

ocorrências desse vocábulo, duas são produzidas com [lj]. Além disso, embora os

vocábulos olhar e olha apareçam bastante frequentemente na amostra do PB com a

variante [lj]– como pode ser visto nas tabelas do anexo 1 – o quadro 3 mostra que eles

ocorrem também, com [lj], mesmo que parcimoniosamente. Assim, bastante natural

seria que houvesse um iode na sua concretização da mesma forma que ocorre em “óleos

([ju].

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Ainda no que diz respeito à despalatalização seguida de iode, ao se observarem

os vocábulos em que mais incide essa variante – filho, filhos e filha –, pode-se supor

que a concretização de [lj] possa ser considerada um retorno à origem da formação do

fonema //. Para tal interpretação, retomam-se as palavras de Câmara Jr. (1979, p.54) e

Silveira (1986, p. 102). Segundo eles, a realização [lj] ocorre, provavelmente, devido à

própria origem do fonema palatal, uma vez que o fenômeno da palatalização também

ocorreu, no português, a partir de um /l/ seguido de um /i/ assilábico, ou seja, de

combinatórias como lj > , como se verifica em filium > filiu > filju > filho e em

palea > /pali a/ > palha.

A variante despalatalizada ([l]) aparece, no corpus, nos vocábulos marcados em

verde, como mostra o quadro 3. No que diz respeito ao PB, a hipótese de que a

despalatalização ocorreria somente na fala dos indivíduos menos escolarizados, procede

parcialmente, uma vez que, nos vocábulos marcados em verde, acima, ela está presente

também na fala de indivíduos com um nível de escolaridade alto. Os vocábulos detalhe,

colheres (substantivo), colher (substantivo), escolhido, escolher, filhinha e patrulhinha,

por exemplo, foram produzidos com [l] por informantes de todas as faixas etárias, mas

com nível superior. Nos vocábulos filhinho, canalhice, lhes e mulheres, a variante

aparece na fala de informantes das faixas A e B, de nível médio de instrução. O

vocábulo mulher, com maior representatividade no corpus, como mostra o quadro 3, é

produzido com [l] por informantes de nível tanto fundamental (11 ocos.) quanto médio

(7 ocos.) e superior (6 ocos.). Somente bilhete, velhinha e trabalhei são produzidos com

a despalatalização de // por informantes de todas as faixas de idade, mas apenas de

nível fundamental. Esse resultado indica que, provavelmente, não é o nível de

escolaridade que esteja influenciando a concretização dessa variante, mas sim outros

fatores.

Nesse sentido, vale a pena mencionar que, segundo Brandão (2007) e Machado-

Soares (2008), a despalatalização seria influenciada pela tonicidade da sílaba em que

incide o segmento. Para essas linguistas, a sílaba tônica seria um ambiente favorecedor

para a sua concretização. Essas informações parecem coincidir com o que está exposto

no quadro 3, visto que, somente em cinco dos vocábulos, o [l] não é produzido em

sílaba tônica (lhe, detalhe, trabalha, trabalho, melhorou).

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Além disso, ainda de acordo com Brandão (2007), atuam para a aplicação de [l]

a presença, em contexto subsequente, de vogal [+ cor]. Esse resultado coincide com o

que é exposto no quadro 3: das 21 ocos. de despalatalizações (marcadas em verde)

apenas sete não aparecem nesse contexto. Convém salientar que, dentre esses sete

vocábulos, cinco – trabalho, trabalha, trabalhar, trabalhando, melhorou – foram

proferidos pela mesma informante – de meia idade e com nível médio de instrução –, o

que, provavelmente, seja uma característica do seu idioleto, até porque outras palavras

como mulher42

, canalhice, bilhete também foram produzidas com [l] pela mesma

informante. Os outros dois vocábulos – manilhou e trabalhava – foram concretizados

por dois informantes diferentes: o primeiro por uma mulher de meia idade de nível

superior de escolaridade e o segundo por outra mulher, mais velha, com nível médio de

instrução.

As únicas iodizações presentes no corpus, que estão marcadas em amarelo, no

quadro 3, ocorrem em trabalho (verbo e substantivo), trabalha, trabalhar, trabalhando

e olha produzidas, quase todas, por informantes do sexo feminino, mais velhos e de

pouca escolaridade. Esse resultado também vai ao encontro do trabalho de Brandão

(2007), quem demonstra que a variante [j] ocorre, preferencialmente, na fala dos

indivíduos mais velhos. No entanto, coincide, parcialmente, com o que é apresentado

por Machado-Soares (2009). Segundo essa linguista, pelo fato de [j] apresentar menor

prestígio, seria mais comum na fala de homens com baixa escolaridade. No corpus ora

analisado, houve somente dois vocábulos (trabalho – 1 oco. – e trabalha – 3 ocos.)

proferidos por um homem mais velho (da faixa C). Os demais vocábulos foram

produzidos por mulheres, uma de meia idade (faixa B) e outra mais velha (faixa C).

Ainda quanto aos vocábulos em que incidem as iodizações no corpus do PB,

percebe-se que, assim como mostrou Ferreira (2011) em seus estudos, a vocalização

ocorre preferencialmente em verbos: dos treze dados de [j], apresentados no quadro 3,

apenas dois estão em substantivos; os outros onze aparecem em formas verbais.

No que toca ao contexto subsequente que favorece a vocalização, os resultados

demonstrados no quadro 3, também estão de acordo com o que é exposto por Santos &

Chaves (2012), para as quais a variante [j] ocorre antes da vogal baixa [a], como

42

O vocábulo mulher foi produzido com a variante [l], também, por outros informantes.

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acontece no corpus do PB: das treze ocorrências de vocalização de //, oito estão antes

da referida vogal.

Os únicos cancelamentos presentes no corpus aparecem nos vocábulos filho e

filha, na fala de um informante mais velho, do sexo masculino e de baixa escolaridade,

confirmando a hipótese inicial. Além disso, ressalte-se que esse resultado está de acordo

com Brandão (2007), segundo a qual, os casos de cancelamento de // ocorrem,

preferencialmente, quando há, no contexto antecedente, a vogal coronal [i].

Merece destacar, ainda, que a vocalização, a despalatalização e a

despalatalização seguida de iode são mais frequentes em Nova Iguaçu ([j] – 9/13 ocos.;

[l] – 51/64 ocos e [lj] – 237/322 ocos.). Já no que respeita ao cancelamento, uma

ocorrência foi encontrada em Nova Iguaçu e a outra em Copacabana.

(b) As variantes de // no corpus do PE

Como pode ser verificado na tabela 2 e no gráfico 2, na RMLIS, a lateral

palatalizada, com índice de frequência de 54.1% (941 ocorrências), também aparece

como a variante preferencial em contraste com a manutenção da lateral palatal, que

atinge o índice de 37.6% (653 ocorrências). As demais variantes, como no PB,

apresentam baixa representatividade, a saber: despalatalização + iode ([lj]) – 6.2%;

despalatalização ([l]) – 1%; iodização ([j]) – 1% e síncope ( ) – 0.1%.

Tabela 2. Índices referentes à variação de / / na RMLIS

ÍNDICES Variação de // na RMLIS

Variantes [lj] [] [lj] [l] [j]

Ocorrências 941/1739 653/1739 107/1739 20/1739 17/1739 1/1739

Percentuais 54.1% 37.6% 6.2% 1.2% 1% 0.1%

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Gráfico 2. Distribuição das variantes de // / na RMLIS

54%

38%

6%

1% 1% 0%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Lateral Palatalizada

Manutenção da palatal

Despalatalização + Iode

Despalatalização

Iodização

Síncope

Comparando os resultados percentuais obtidos nos dois corpora, percebe-se que,

embora os índices da lateral palatalizada sejam bem próximos no PB e no PE (55.4% e

54.1%, respectivamente), a manutenção da lateral palatal ocorre com mais frequência no

PE (37.6% frente aos 28.5% do PB). Com exceção da vocalização (PB – 0.5% – e PE –

1%), as demais variantes de // foram menos produtivas no PE. (cf. tabelas 1 e 2)

Um índice percentual de ocorrência da manutenção de // maior para o PE do

que para o PB já era esperado. Embora não tenham sido encontrados estudos

variacionistas sobre o comportamento da lateral palatal no PE, no momento da recolha

dos dados, já era possível perceber que o número de ocorrências de [], nas localidades

portuguesas estudadas, era maior do que o encontrado nas do Brasil. Ademais, o fato de

a lateral palatalizada ser a variante mais encontrada no corpus do PE, também não

surpreende, uma vez que, além de essa variante ser a preferida no PB (como atestam

Pontes, 1973 e Cristófaro-Silva, 1999) ela também é, de alguma maneira, mencionada

em estudos que caracterizam articulatoriamente o fonema //, não só no espanhol

europeu, como também no PE (cf. QUILIS & FERNÁNDEZ, 1969; MARTINS et alii,

2008; MARTINS et alii, 2010).

Os baixos índices de algumas variantes apresentados na tabela 2, de certa

maneira, também já eram esperados. Assim como foi dito acima, ainda que não tenham

sido encontrados trabalhos que descrevessem a variação de //, no Português Europeu,

esperava-se que, à semelhança do que ocorre no Português do Brasil, a iodização, a

despalatalização e a síncope da lateral palatal não fossem comuns nas regiões ora

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analisadas, visto que nenhuma das duas é considerada interiorana ou rural: Oeiras é

atualmente o município/concelho que apresenta um dos mais elevados índices de

qualidade de vida de Portugal e Cacém é uma das maiores freguesias de Agualva-

Cacém que, embora ainda seja considerada uma cidade-dormitório, é a quinta maior

cidade da área metropolitana de Lisboa e a décima maior de Portugal.

Ainda no que se relaciona à vocalização da lateral palatal, vale acrescentar uma

informação importante encontrada no estudo de Madureira (1999). Segundo ela, o

português falado em Portugal é a única língua latina que não registra, em momento

algum de sua história, uma transformação da lateral palatal para a semivogal palatal.

Esse dado é bastante curioso, não só porque a vocalização aparece no corpus do PE ora

analisado, mas principalmente, porque ocorre num índice percentual mais alto do que o

encontrado no corpus do PB (cf. tabelas 1 e 2)

Assim como foi feito com o corpus do PB, vale destacar em que vocábulos estão

incidindo as variantes menos produtivas no corpus do PE. Dessa forma, criou-se o

quadro 4, como pode ser visto abaixo.

Quadro 4. Vocábulos em que incidem as variantes menos

produtivas no corpus da RMLIS

Vocábulo Total de

Ocos.

Ocos. de

[ ]

Ocos. de

[j]

Ocos. de

[ l ]

Ocos. de

[ lj ]

Filho 25 - - 2 23

Filhos 17 - - 1 16

Filha 8 1 - - 7

Filhas 3 - - - 3

Velhos 1 - - - 1

Velha 1 - - - 1

Velhas 6 - - - 6

Velhote 1 - - - 1

Trabalhar 6 - - - 6

Trabalho (Substantivo)

6 - 4 - 2

Trabalhava 3 - - - 3

Trabalhavam 1 - - - 1

Trabalha 2 - 1 - 1

Olho (Substantivo)

4 - - - 4

Olhos 5 - 2 - 3

Olha 10 - 9 - 1

Milho 6 - - - 6

Folha 2 - - - 2

Folhas 2 - - - 2

Melhor 2 - - - 2

Guerrilha 1 - - - 1

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Vocábulo Total de

Ocos.

Ocos. de

[ ]

Ocos. de

[j]

Ocos. de

[ l ]

Ocos. de

[ lj ]

Ilhas 1 - - - 1

Mulher 6 - - - 6

Mulheres 2 - - - 2

Milhões 2 - - - 2

Lhe 15 - - 10 5

Lhes 2 - - 2 -

Olhe 1 - 1 2 -

Trabalhinho 2 - - 1 -

Trabalhinhos 2 - - 1 -

calhar 1 - - 1 -

Total 145 1 17 20 107

As palavras marcadas em azul são as únicas produzidas com a variante

despalatalizada acompanhada de iode ([lj]). Essa variante, assim como no PB, não

parece estar sendo influenciada por variáveis extralinguísticas, uma vez que as

ocorrências se distribuem entre as três faixas etárias (A – 30 ocos.; B – 34 ocos. e C –

43 ocos.), os três níveis de escolaridade (fundamental – 37 ocos.; médio – 33 ocos. e

superior – 37 ocos.) e os dois gêneros (homem – 46 ocos. e mulher – 37 ocos.). No

entanto, percebe-se que, diferentemente do que aconteceu no PB, pelos índices

numéricos expostos anteriormente, há uma leve tendência de a variante [lj], no PE, estar

sendo preferida pelos homens mais velhos.

Aqui, as observações feitas com relação a essa variante no PB também são

pertinentes. Assim como aconteceu no corpus do PB, no do PE a despalatalização

seguida de iode ocorre mais quando // está antecedido de vogais coronais. Das 107

ocorrências de [lj] no PE, 73 ocorrem quando as vogais que precedem // são [i], [e] e

[]. Como foi mostrado anteriormente, esse contexto é apontado como favorecedor de

[lj] nos estudos de Machado-Soares (2008).

O quadro 4 também mostra que os vocábulos olho (substantivo) – 4 ocos. –,

olhos – 3 ocos. – e olha – 1 oco. –, embora ocorram também com [] ou com [lj], no

PE43

(cf. tabelas do anexo 2), se mostram receptivos à variante [lj], assim como no PB.

Esse dado corrobora a hipótese apresentada anteriormente, em que se faz referência ao

trabalho de Pontes (1973). Parece que não é só no PB que não há distinção, na fala,

43

Esses vocábulos somente ocorrem com [lj], na RMLIS, no Concelho de Oeiras.

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entre as palavras “óleo” e “olho” (verbo), já que, no PE, palavras da mesma família que

a mencionada anteriormente estão sendo pronunciadas, esporadicamente, com a

inserção do iode.

No corpus do PE as palavras filho – 23 ocos. –, filhos – 16 ocos. – e filha – 7

ocos. –, à semelhança do que aconteceu no PB, são as que mais se mostram receptivas à

despalatalização seguida de iode. Essa informação corrobora o que foi apresentado

anteriormente sobre o comportamento dessa variante no PB, na medida em que a

realização [lj] pode, provavelmente, estar ocorrendo devido à própria origem do fonema

palatal, como apontam os linguistas Câmara Jr. (1979) e Silveira (1986).

A variante despalatalizada ([l]) aparece, no corpus, nas palavras marcadas em

verde, como mostra o quadro 4. No PE, assim como no PB, a hipótese de que essa

variante ocorreria somente na fala dos indivíduos menos escolarizados, não procede,

uma vez que as ocorrências de [l] aparecem de maneira bem distribuída entre os três

níveis de escolaridade: 8 ocos., no fundamental; 7, no médio, e 5, no superior. Assim

sendo, provavelmente, são fatores de ordem linguística que devem estar favorecendo o

uso da despalatalizada.

No estudo ora realizado, os pronomes lhe e lhes foram analisados como parte do

vocábulo fonológico. Assim sendo, ora esses pronomes poderiam estar figurando em

sílaba postônica, como em “restou-lhe”, ora poderiam estar em sílaba pretônica, como

em “lhe dou”. Dessa forma, a hipótese de que sílabas tônicas influenciariam o uso de [l]

parece não proceder, com o corpus do PE, já que é o vocábulo lhe, que se mostra mais

receptivo a essa variante.Vale a pena ressaltar que esse resultado pode estar sendo

influenciado pelo perfil linguístico das comunidades ora investigadas, já que o pronome

lhe é muito mais produtivo no PE do que no PB.

Aqui, o que parece estar favorecendo a implementação de [l] é a vogal [+ cor]

em contexto subsequente. O mesmo que indicou Brandão (2007) para o PB parece estar

se verificando no PE: dos 8 vocábulos que são concretizados com [l], 5 aparecem no

ambiente mencionado (cf. quadro 3). Vale a pena salientar que os três vocábulos que

não apresentam vogal [+ cor], em contexto subsequente, (filho, filhos, calhar) foram

produzidos pelo mesmo homem – jovem e de baixo nível de escolaridade – o que pode

estar configurando uma característica idioletal desse informante.

As iodizações presentes no corpus do PE estão marcadas em amarelo, no quadro

4. Conforme pode ser verificado, [j] somente ocorre nos vocábulos trabalho

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(substantivo), trabalha, olha, olhe e olhos produzidos por homens e mulheres dos três

níveis de escolaridade. Dessa forma, parece que essa variante não está sendo

influenciada pelo nível de escolaridade, uma vez que, por mais que seja mais comum

entre falantes dos níveis fundamental e médio (8 ocos. e 7 ocos., respectivamente), é

também implementado por 2 indivíduos de nível superior. Vale ressaltar que, no tocante

à faixa etária, a vocalização não ocorre na fala dos mais jovens, distribuindo-se,

portanto, entre os de meia idade (9 ocos.) e os mais velhos (8 ocos.). Esse resultado, em

parte, não só é parecido com o que é apresentado no estudo sobre o PB, como também

corrobora o que é defendido por Brandão (2007).

O único cancelamento presente, no corpus do PE, aparece no vocábulo filha,

proferido por um informante mais velho, do sexo feminino e de baixa escolaridade,

confirmando, parcialmente, a hipótese inicial, uma vez que, sendo o cancelamento uma

variante sem prestígio, o mais comum seria ele aparecer na fala de um homem e não na

de uma mulher.

Merece ser salientado, ainda, que a vocalização, a despalatalização e a

despalatalização seguida de iode são mais comuns na fala de Oeiras ([j] – 16/17 ocos.;

[l] – 14/20 ocos e [lj] – 74/107 ocos.). Também, em Oeiras, foi encontrado o único caso

de cancelamento da RMLIS.

6.1.2. As variáveis independentes

6.1.2.1 Linguísticas

(a) Contexto Antecedente

Pelo que se observa na literatura especializada sobre o PB, a variação de //

pode ser influenciada por elementos adjacentes à esquerda ou à direita.

Para Castro (2006), por exemplo, a manutenção de [] seria favorecida pelas

vogais [i] e [u]. Contrariando, em parte, o estudo precedente, Ferreira (2011) demonstra

que, no corpus VARSUL, as vogais coronais, em posição anterior a //, parecem

favorecer a regra da despalatalização. Já para Brandão (2006), a iodização seria

favorecida pela presença das vogais médias ([e], [o], [], []) em contexto antecedente.

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Para Freire (2011), no que diz respeito ao contexto fonológico precedente, dois

fatores se mostraram importantes para a concretização de []: vogais coronais e vogal

dorsal. Corroborando, em parte, o estudo anterior, de acordo com Santos & Chaves

(2012), o [] ocorre, preferencialmente, depois da vogal média alta anterior [e]

enquanto as variantes [j] e [ø] ocorrem depois da vogal média anterior aberta [], e [lj]

tende a ocorrer depois da vogal [e].

No que respeita ao PE, vale ressaltar que os estudos de Monteiro (2012),

também fazem referência à importância das vogais adjacentes para a configuração de

//.

Assim sendo, para observar o que acontece nos corpora ora trabalhados, resolveu-

se utilizar esta variável independente, que foi constituída pelos seguintes fatores:

Vogal [i]

Eu pretendo ter uma f[i]lha. (COP A1M)

Acho que quero ter f[i]lhos (CAC A1H)

Vogal []

nem m[]lhor nem pior (CAC C3H)

Vogal [e]

Eu dou cons[e]lho. (COP A1M)

do conc[e]lho de Sintra (CAC C3M)

Vogal []

Um cara mais v[]lho. (COP A1H)

na frente de pessoas mais v[]lhas (CAC B2 M)

Vogal [a]

às vezes a educação é f[a]lha. (COP A2H)

eu trab[a]lho na Ferreira Dias (CAC C3M)

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Vogal []

não querem trab[]lhar (OEI A3M)

Vogal []

O que se []lha nas ruas (COP A1H)

é para os []lhos (OEI B1M)

Vogal [u]

Eu só vejo a patr[u]lhinha (COP A2M)

muita música...muito bar[u]lho (CAC A2H)

Vogal [o]

Ao [o]lhar a política como algo nocivo. ( COP A2H)

quem tem um [o]lho é rei (OEI C1H)

(b) Contexto Subsequente

Assim como o contexto antecedente, o subsequente também se mostrou

importante em diversos estudos sobre a variação de // no PB. Para Ferreira (2011), por

exemplo, as vogais coronais, em posição subsequente à lateral palatal favorecem a

despalatalização. Já os estudos de Machado-Soares (2008) comprovaram que os

segmentos subsequentes altos favorecem [lj].

Para Freire (2011), o fator que mais propicia a manutenção da lateral palatal é

vogal labial. De acordo com Santos & Chaves (2012), [] ocorre antes da vogal alta

posterior [u] – o que está parcialmente de acordo com o que é apresentado por Freire

(2011) – enquanto que as variantes [j] e ocorrem, basicamente, antes da vogal baixa

[a], e [lj] tende a ocorrer antes da vogal nasal [ĩ].

Para Monteiro (2012), as vogais [i], [u] e [a], em posição subsequente, alteram o

perfil acústico de // em três dialetos do PE: os de Aveiro, Bragança e Porto.

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Dessa forma, com a intenção de verificar se o contexto subsequente, de alguma

forma, influencia a variação em foco, resolveu-se criar esta variável independente

constituída pelas seguintes vogais:

Vogal [i]

A mãe escolh[i] (COP B1M)

estou aqui encolh[i]da (CAC C1M)

Vogal [e]

Eu sempre trabalh[e]i numa área. (COP B2H)

é capaz de me acolh[e]r (OEI C1H)

Vogal []

É só por ser mulh[]r. (COP B2H)

e depois saltava para cima da colh[]r (OEI C2M)

Vogal [a]

a Via Light não é aconselh[a]vel (NIG A3M)

ganhar dinheiro sem trabalh[a]r (CAC A1H)

Vogal []

nós da classe trabalh[]dora (CAC C2H)

Vogal []

Poderia ser melh[]r. (COP B 3 H)

é muito melh[]r já vêm condimentadas (CAC A2H)

Vogal [u]

Eu trabalh[u] na área. (COP B3H)

ter filh[u]s ou não (CAC A2H)

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e a situação não melh[u]rou (CAC B2M)

Vogal [o]

é orgulh[o]so (NIG B3H)

gostei...maravilh[o]so...entrei em setenta e quatro (CAC C1H)

Vogal [i ]

Aquela manilh[ i ]nha (COP C1H)

e ter o meu trabalh[ i ]nho (OEI A2H)

Vogal [e]

Tão escolh[ e ]do o filme. (COP B3H)

(não ocorre [ e ] em contexto subsequente no corpus da RMLIS)

Vogal []

Um monte de gente trabalh[]do (COP B3M)

graças a Deus vão trabalh[]do (OEI B1M)

Vogal [o ]

Os soldados de todos os batalh[ õ]es. (COP C 3 M)

milh[ õ]es e milhões de todos que são pobres (OEI C1M)

(c) Número de sílabas e tonicidade do vocábulo

Nessa variável, leva-se em consideração não só a quantidade de matéria fônica

do vocábulo em que está inserido o segmento, como também a tonicidade da sílaba em

que ele se encontra.

Ferreira (2011) estuda em separado a dimensão do vocábulo e a tonicidade da

sílaba. Assim, de acordo com a linguista, a despalatalização mostra um comportamento

diferenciado das demais variantes, já que a vocalização e o apagamento encontram

favorecimento em vocábulos dissílabos, enquanto a despalatalização aparece em maior

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número em contexto trissílabo. Já para Freire (2011), as trissílabas são as que mais

favoreceram a manutenção de [].

Formou-se, assim, a variável com os seguintes fatores:

Dissílabo oxítono

Se torna algo muito melhor. (COP A2H)

agora se calhar cada vez mais (CAC A3H)

Dissílabo paroxítono

Passam aos filhos o que eles têm. (COP A2H)

queria abrir um novo talho (CAC B1H)

Trissílabo/Polissílabo oxítono

Praticamente dentro do batalhão. (COP A2M)

sempre vivi das nove às nove a trabalhar (CAC B1H)

Trissílabo/Polissílabo paroxítono

Ele teve uma oportunidade de trabalho. (COP A2M)

até ajudam uma pessoa velhota (OEI A1H)

(d) Tonicidade da sílaba em que incide o segmento

Com esse grupo, procura-se averiguar se a maioria das ocorrências das

palatalizadas figura nas sílabas de maior ou menor tonicidade.

Segundo Brandão (2007), a sílaba tônica favorece a variante [l]. Para Machado-

Soares (2008), o ambiente tônico favorece as variantes [lj] e [j] enquanto que [l] é

favorecida em ambiente átono. Já Ferreira (2011), não sendo tão detalhista, apenas

menciona que a sílaba tônica favorece a despalatalização.

No momento da recolha dos dados, tanto do PB quanto do PE, pareceu ser o

ambiente tônico favorecedor da concretização de [].

Assim sendo, para não só verificar se essa suposição procede, como também

para averiguar se os resultados encontrados em trabalhos sobre o PB podem ser os

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mesmos verificados com os corpora deste estudo, resolveu-se controlar esta variável,

constituída pelos seguintes fatores:

Sílaba Tônica

Como se sendo advogada ela fosse melhor. (COP A3H)

os velhotes (OEI A1H)

Sílaba Pretônica

Você passa muita humilhação. (COP A1M)

as pessoas (...) são acolhedoras (OEI A3H)

Sílaba Postônica

É a velha e conhecida morosidade. (COP A 3 H)

que trabalham mais o abdominal (OEI A3H)

(e) Classe do Vocábulo

A análise dessa variável procura investigar se a classe morfológica dos

vocábulos encontrados no corpus pode exercer alguma influência na realização das

variantes ora estudadas.

Para Machado-Soares (2002) e Castro (2006), substantivos e adjetivos

favorecem a manutenção da lateral palatal, enquanto os verbos a desfavorecem. Já

Brandão (2007) constata que a variante [lj] é favorecida, sobretudo, por nomes e a

variante [j] sofre influência tanto de verbos quanto de substantivos.

Para Machado-Soares (2008) e para Ferreira (2011), a classe morfológica

mostrou-se bastante irregular. Segundo a primeira, os substantivos favorecem [lj];

verbos, [lj] e [j]; e adjetivos, [lj]. Já para a segunda, enquanto a vocalização e o

apagamento são favorecidos pelos verbos, a aplicação da lateral alveolar acontece nos

substantivos.

Dessa forma, os fatores definidos para esta variável foram os seguintes:

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Substantivo

aí como eu tenho uma filha com ele (COP A 1 M)

há sempre um trabalho (CAC A1H)

Adjetivo

a igreja é maravilhosa. (COP A 1 M)

uma pessoa velha (CAC A1M)

Pronome

só lhes falta oportunidade. (COP A 2 H)

quando começaram a pagar-lhe o ordenado (CAC A1M)

Numeral

ele poderia fazer milhões de coisas. (COP A 2 M)

um milhão (OEI A1H)

Verbo

a gente trabalha. (COP A3H)

eu trabalhava no ginásio (OEI A2M)

Somente para o PE

Expressão “se calhar”

se calhar trabalham mais (OEI A3H)

(f) Presença/ausência de outra palatal/palatalizada no vocábulo

Esse grupo foi formado com base em diferentes (e por vezes, paradoxais)

hipóteses: (i) a presença de palatal/palatalizada levaria à manutenção da lateral palatal

ou à despalatalização, por um processo de dissimilação? (ii) a presença de lateral

alveolar poderia, por outro lado, condicionar a ocorrência da variante [l], por um

processo de assimilação?

Essa variável, dessa forma, foi constituída pelos seguintes fatores:

Presença de palatalizada [] / []

com duas filha[]. (COP A1M)

fiz uma operação no []oelho. (COP A2M)

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eu e[]colhia a Grécia (CAC A1H)

é os filho[] de um lado os pais no outro (CAC A2H)

Presença de palatal []

uma favela... melhorzi[]a. (COP B1H)

e ter o meu trabalhi[]o (OEI A2H)

Ausência de palatal/palatalizada

um trabalho evangélico. (COP B1H)

ou melhor naquilo (OEI A2H)

(g) Frequência do vocábulo no corpus

Segundo Ferreira (2011), a frequência da palavra pode influir no processo de

variação. Assim sendo, como verbos e substantivos são as palavras que mais aparecem

no corpus, isso pode indicar que o uso mais frequente de vocábulos dessas classes

propicia a variação, ao contrário daqueles menos frequentes. De acordo com Yaeger-

Dror (1996 apud Ferreira, 2011), a frequência das palavras é um fator crítico que

influencia a mudança por difusão lexical.

Ainda segundo Ferreira (2011, p. 64), “essa afirmação está de acordo com a

proposta difusionista, pela qual os itens mais utilizados são aqueles que mais se prestam

a processos assimilatórios”.

Como a frequência de cada vocábulo presente nos corpora era bastante

destoante – havia uns com apenas uma ocorrência e outros com 172 – optou-se por

seguir o modelo apresentado tanto em Díaz-Campos & Ruiz-Sánches (2008), como em

Ferreira (2011). De acordo com esses autores, a frequência deve ser divida em níveis, e

vocábulos que aparecem mais de 80 vezes em um corpus são considerados de alta

frequência (cf. DÍAZ-CAMPOS & RUIZ-SÁNCHES, 2008).

Assim sendo, esta variável ficou constituída pelos seguintes fatores:

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Frequência baixa (1 a 30 ocorrências no corpus)

Frequência média (31 a 80 ocorrências no corpus)

Frequência alta (81 ou mais ocorrências no corpus)

6.1.2.2 Extralinguísticas

(a) Área geográfica

Entre os grupos de fatores extralinguísticos tradicionalmente considerados em

pesquisas de cunho sociolinguístico, costuma-se inserir a origem geográfica dos

locutores, para efetivar-se o controle da variação diatópica. Tal controle é motivado pela

premissa de que o comportamento linguístico de falantes de uma mesma língua pode

diferenciar-se de acordo com as características do ambiente sócio-geográfico que

ocupam e que determinam situações sociais específicas.

A variável que diz respeito à área geográfica, portanto, tem considerável peso no

que concerne à variação/mudança linguística, fato já largamente demonstrado no âmbito

da Dialectologia e observado desde os primórdios da Sociolinguística: muitas vezes essa

variável já vem indicada no título do trabalho, como em Labov (1966), The social

estratification of English in New York, ou em Silva-Corvalán (1979), An investigation of

phonological and syntactic variation in spoken Chilean Spanish.

A variável área geográfica, na pesquisa ora empreendida, tem a função de

controlar o comportamento dos dados em relação às quatro localidades que constituem

os pontos de inquérito da pesquisa, uma vez que se acredita que uma localidade é

primordialmente, um espaço social. Tais comunidades encontram-se distribuídas pela

RMRJ – Nova Iguaçu e Copacabana – e pela RMLIS – Oeiras e Cacém.

Parte-se da hipótese de que essas comunidades podem apresentar

comportamento linguístico diferenciado em decorrência de características fisiográficas,

socioeconômicas, históricas, culturais, entre outras.

(a) Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Com base na Lei nº 1.227/87, destinada à aprovação de um Plano de

Desenvolvimento Econômico e Social (1988/1991), o Estado do Rio de Janeiro foi

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dividido em oito regiões principais (Metropolitana, Noroeste Fluminense, Norte

Fluminense, Baixadas Litorâneas, Serrana, Centro-Sul Fluminense, Médio Paraíba e

Costa Verde) que, paulatinamente, sofreram algumas alterações até atingir a

configuração atual, representada na figura 3.

Figura 3. Divisão Regional do Estado do Rio de Janeiro

Fonte: Fundação CIDE

Dentre as Regiões apresentadas no mapa, destaca-se a Metropolitana que abarca

76% dos cerca de onze milhões de habitantes do Estado. Este índice pode ser atribuído

ao crescente processo de migração para os grandes centros urbanos que teve início, no

Brasil, a partir da década de 1940. Atualmente, acredita-se que, na área, se concentre

não só o capital financeiro, mas também a infraestrutura e a força de trabalho, já que

grande parte das indústrias nela se localiza, o que implica oportunidades empregatícias

que englobam os setores financeiro, comercial, educacional e de saúde, além das

atividades públicas.

Em dissonância com esses aspectos, muitos pontos contraditórios permeiam a

Região. Embora apresente todas essas possibilidades de ascensão, igualmente se

verificam desigualdades sociais salientes, não sendo atendidas as necessidades básicas

da população em comunidades mais específicas. Enquanto os Municípios do Rio de

Janeiro e de Niterói são reconhecidamente mais prestigiados, recebendo grandes

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investimentos, as localidades que integram a chamada Baixada Fluminense (Japeri,

Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo, Nilópolis, São João de Meriti e

Duque de Caxias) são classificadas como periféricas e como cidades dormitório. De

acordo com o SEBRAE/RJ, apesar de apresentarem um pólo petroquímico, químico e

plástico (Duque de Caxias, Belford Roxo e São João de Meriti) e alguns pólos

industriais – vestuário (Nova Iguaçu e São João de Meriti) e papel/editorial/gráfica

(Duque de Caxias e São João de Meriti) –, grande parte de seus habitantes desenvolve,

na cidade do Rio de Janeiro, suas atividades profissionais.

Nova Iguaçu

A área em que hoje se encontra Nova Iguaçu teve sua história inicial tumultuada

com a invasão dos holandeses que fizeram aliança com os índios Tupinambás. Com o

término dessa aliança, os índios foram dizimados e o território dividido em grandes

extensões de terra, denominadas sesmarias, que foram ocupadas por colonos

portugueses. A partir de então, as terras passaram a ser exploradas com o plantio de

lavouras e, devido à qualidade do barro das baixadas, foram criadas também as olarias.

A grande produção de café, durante o século XIX, além de ter enriquecido a muitos,

ocasionou a construção de uma estrada de ferro para o transporte da produção.

De início, a região correspondia a 1 303,47 km² de extensão. Atualmente, com

566,6 km2, o município de Nova Iguaçu, criado por decreto de 15/01/1833, tem

801.746 habitantes (IBGE), sendo, depois de Niterói e da capital, o que apresenta maior

contingente populacional. Até meados do século XX, seu território abarcava os atuais

municípios de Duque de Caxias, Japeri, Queimados, Nilópolis, Belford Roxo e

Mesquita, que dele se foram desmembrando de 1943 (Duque de Caxias) a 1999

(Mesquita). Compõe-se de cinco distritos: Nova Iguaçu, Vila de Cava, Cabuçu, Austin e

Comendador Soares.

Situada às margens da mais importante rodovia do país, a Presidente Dutra, que

liga o Rio de Janeiro a São Paulo, é cortada por 300 km de rodovias (federais, estaduais

e municipais). Para lazer e cultura, a cidade oferece teatros, cinemas e bibliotecas e

parques ambientais, como a Reserva Biológica de Tinguá, o Parque Municipal e o

Parque Botânico de Nova Iguaçu.

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A cidade, que, em suas origens, constituía um dinâmico pólo comercial, destaca-

se, hoje, na Região Metropolitana (cf. figura 4), por apresentar migrantes de outras áreas

do país, sobretudo da Região Nordeste e do Estado de Minas Gerais, mantendo sua

população uma permanente interação com os moradores da capital. Assim sendo,

acredita-se que essa comunidade de fala seja um campo de observação de alto interesse

para a análise de possíveis efeitos do contato interdialetal e de fortes contrastes

socioeconômicos. (cf. BRANDÃO et alii, 2012).

Figura 4. Segmentação político-administrativa da Região Metropolitana

do Estado do Rio de Janeiro

Fonte: http://www.baixarmapas.com.br/mapa/regiao-metropolitana/

Copacabana

A cidade/município do Rio de Janeiro é composta por 33 Regiões

Administrativas: Anchieta, Bangu, Barra da Tijuca, Botafogo, Campo Grande, Centro,

Cidade de Deus, Complexo do Alemão, Copacabana (cf. figura 5), Guaratiba, Ilha de

Paquetá, Ilha do Governador, Inhaúma, Irajá, Jacarepaguá, Jacarezinho, Lagoa,

Madureira, Maré, Méier, Pavuna, Penha, Portuária, Ramos, Realengo, Rio Comprido,

Rocinha, Santa Cruz, Santa Teresa, São Cristóvão, Tijuca, Vigário Geral, Vila Isabel.

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115

A Região Administrativa de Copacabana tem uma população de 161.191

habitantes, correspondentes a 2,55 % do total da população da Cidade do Rio de

Janeiro.

Figura 5. Segmentação político-administrativa de Copacabana dentro

do Município do Rio de Janeiro

Fonte: IBGE

Observa-se que a sua população é urbana e apresenta uma participação feminina

relativamente superior à masculina em uma proporção de 74,73 homens para cada 100

mulheres. A maioria da população encontra-se na faixa etária entre 50 anos ou mais,

seguida pela faixa de 30 a 49 anos.

O bairro possui uma extensão territorial de 5,0 km², correspondente a 0,42 % da

do Município do Rio de Janeiro. Verifica-se uma concentração de 31.887,5 habitantes

por km² nessa área.

A Região Administrativa de Copacabana está classificada como de alto

desenvolvimento humano, ocupando a primeira posição no ranking das Regiões

Administrativas, conforme critério do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Além disso, apresenta, no item saúde, longevidade (esperança de vida ao nascer)

considerada alta (77,7 anos) em relação ao Município do Rio de Janeiro (70,2 anos) e, a

taxa de mortalidade infantil corresponde a 31 óbitos por mil nascidos vivos, enquanto a

taxa municipal é de 213 óbitos por mil nascidos vivos.

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É importante observar que a taxa média de alfabetização na Região

Administrativa (98,5%) é mais alta que a da Cidade do Rio de Janeiro (95,6%), tal

como a média de anos de estudo que se apresenta maior (10,0 anos) que a da cidade (6,8

anos).44

(b) Região Metropolitana de Lisboa

De acordo com a lei nº 45/2008 de 27 de agosto, das áreas metropolitanas

criadas em 2003, só subsistiram as chamadas clássicas: Área Metropolitana do Porto e

Área Metropolitana de Lisboa, sendo as restantes reorganizadas em Comunidades

Intermunicipais.

A Área Metropolitana de Lisboa engloba 18 municípios, agrupados em duas

sub-regiões: Grande Lisboa e Península de Setúbal. É o maior centro populacional do

país, onde se concentram 2.821.697 habitantes (2011), “cerca de ¼ da população

portuguesa”, bem como 30% das empresas nacionais (cf. quadro 5 e figura 6)45

.

44

Dados extraídos de http://bis.sebrae.com.br/GestorRepositorio/ARQUIVOS_CHRONUS. Acesso em:

23/11/2013. 45

Dados extraídos de http://www.aml.pt. Acesso em: 10/12/2013.

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Quadro 5. Municípios/Concelhos que fazem parte da Área Metropolitana de Lisboa

Área Metropolitana de Lisboa

Município Superfície

(km²)

População

(2011)

Densidade

populacional

(hab/km²)

Freguesias Subregião

Alcochete 128,50 17 569 137 3 Península de Setúbal

Almada 70,20 174 030 2 479 11 Península de Setúbal

Amadora 23,77 175 135 7 368 11 Grande Lisboa

Barreiro 33,81 78 764 2 330 8 Península de Setúbal

Cascais 99,07 206 429 2 084 6 Grande Lisboa

Lisboa 83,84 547 631 6 532 53 Grande Lisboa

Loures 160,37 205 054 1 279 18 Grande Lisboa

Mafra 291,42 76 685 263 17 Grande Lisboa

Moita 55,08 66 029 1 199 6 Península de Setúbal

Montijo 348,09 51 222 147 8 Península de Setúbal

Odivelas 26,14 144 549 5 530 7 Grande Lisboa

Oeiras 45,84 172 120 3 755 10 Grande Lisboa

Palmela 462,87 62 805 136 5 Península de Setúbal

Seixal 93,58 158 269 1 691 6 Península de Setúbal

Sesimbra 195,01 49 500 254 3 Península de Setúbal

Setúbal 170,57 121 185 711 8 Península de Setúbal

Sintra 316,06 377 835 1 196 20 Grande Lisboa

Vila Franca de

Xira 317,68 136 886 431 11 Grande Lisboa

Total 2 921,90 2 821 697 966

211

Fonte: http://www.aml.pt

Figura 6. Portugal dividido por Distritos

(Região Metropolitana de Lisboa circulada)

Fonte: http://eportuguese.blogspot.com.br

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Oeiras

Oeiras, com uma área de 45,84 Km2, 172.120 habitantes e 10 freguesias (cf.

quadro 5), é um dos 18 municípios/concelhos do Distrito de Lisboa. Atualmente o

concelho de Oeiras apresenta um dos mais elevados índices de qualidade de vida de

Portugal, tendo deixado de ser considerado apenas um local de passagem entre Lisboa e

Cascais e se assumindo como sede de importantes empresas ligadas às novas

tecnologias e à prestação de serviços (cf. figura 7).

Figura 7. Distrito de Lisboa dividido em Concelhos

(Região Metropolitana da Grande Lisboa)

Fonte: http://www.eb1-olhalvo.rcts.pt/

Cacém

Cacém é uma freguesia portuguesa, pertencente à cidade de Agualva-Cacém e

ao concelho de Sintra (cf. figura 8). A freguesia do Cacém foi criada em 3 de julho de

2001, pela Lei n.º 18-C/2001, que extinguiu a antiga freguesia de Agualva-Cacém e

criou as novas freguesias de Agualva, Cacém, Mira-Sintra e São Marcos. Das quatro

freguesias constituintes da cidade de Agualva-Cacém, a do Cacém é a segunda maior.

A cidade de Agualva-Cacém, onde se encontra a freguesia do Cacém, ocupa

1050 ha, que corresponde 3,3% da área total do concelho de Sintra e conta com uma

população estimada em quase 120 mil habitantes, o que perfaz cerca de 23% da

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população total residente no concelho. É um dos 15 maiores centros populacionais do

país, fruto do acelerado desenvolvimento urbano ocorrido nas últimas décadas.

Agualva-Cacém, embora ainda seja considerada uma cidade-dormitório, é a

quinta maior da área metropolitana de Lisboa, e a décima maior de Portugal. A indústria

é o seu principal sustento econômico: dois parques industriais de grande dimensão se

encontram na cidade. No entanto, é crescente e notável, também, uma dinâmica

comercial. Como a sua área urbana cresceu rápida e desordenadamente, apresenta

problemas e desafios de caráter urbanístico e ambiental.46

Figura 8. Concelho de Sintra (em destaque freguesia de Cacém)

Fonte: http://www.visitarportugal.net/

Com este grupo de fatores, procura-se, então, investigar como se configura a

variação do fonema //, tanto nas localidades da RMRJ quanto nas da RMLIS

focalizadas neste estudo. Assim sendo, supõe-se que a influência da variável diatópica

no uso de cada variante, em especial, da lateral palatal e da lateral palatalizada, possa

ser explicada à luz, dentre outros fatores, de hipóteses que levam em conta (1) a questão

46

Dados extraídos de http://mwmservices.net/adps/ADPS_Comunicado_01.html. Acesso em: 10/12/2013

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sócio-econômica e (2) maior ou menor importância (econômica, cultural) de cada

localidade dentro da região metropolitana da qual faz parte.

Nas comunidades em que o poder aquisitivo é maior – Copacabana, que

apresenta o maior IDH dentre todas as regiões administrativas da cidade do Rio de

Janeiro e Oeiras, considerado, atualmente, um dos concelhos que apresenta um dos mais

elevados índices de qualidade de vida de Portugal – os falantes estariam mais propensos

a produzir a lateral palatal, uma vez que essa variante pode ser considerada, dentre todas

as outras, a mais conservadora e de prestígio e que, por isso, é ainda a mais valorizada

pela escola, que a ensina como norma de pronúncia.

Já a cidade de Nova Iguaçu – por estar localizada na Baixada Fluminense, região

da RMRJ ocupada por municípios com baixa renda per capita e baixo IDH – e Cacém –

por ainda estar em crescimento e ser considerada uma freguesia dormitório – poderiam

apresentar um comportamento oposto. Ou seja, nessas localidades, o mais natural seria

que os falantes optassem, preferencialmente, pelo uso da lateral palatalizada que,

embora seja considerada, por muitos linguistas, a variante mais comum e mais

disseminada no falar brasileiro, é considerada a de uso mais relaxado.

Seguindo as mesmas hipóteses levantadas acima, acredita-se que a vocalização,

a despalatalização, a despalatalização seguida de iode e o cancelamento de //, embora

pouco produtivos nas regiões em foco, sejam mais encontradas em Nova Iguaçu e

Cacém do que em Copacabana e Oeiras.

(b) Faixa etária

Toda e qualquer língua é dinâmica, evoluindo com o tempo, de modo que as

mudanças no sistema linguístico são previsíveis e esperadas. Comparando-se, por

exemplo, o português atual com o medieval são percebidas diferenças em todos os

níveis, dos semântico e sintático aos fonológico, morfológico e lexical.

Essas mudanças, no entanto, processam-se de modo gradual, passando antes por

uma coexistência de formas, isto é, por um estado de variação, embora nem toda

variação represente mudança linguística em progresso.

Um exemplo de variação estável é registrado por Naro (1992), no que se refere à

pronúncia do morfema –ing em inglês:

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Existem casos bem conhecidos de variação estável como a pronúncia do

morfema –ing em inglês (ex.: Walking „andando‟), que pode ser realizado como

velar [ ŋ ] ou dental [n], (...). Essas variações já estão atestadas há vários séculos

nas gramáticas da língua inglesa e continuam existindo hoje em dia em

praticamente todos os dialetos do inglês falados no mundo.(...). (op. cit., p.84)

Assim, toda e qualquer língua se diversifica ao longo do tempo e, para se entender

melhor o que acontece, pode-se contar com o auxílio de teorias que vão dar conta da

variação linguística.

A Sociolinguística Variacionista, por exemplo, representada por William Labov,

procurou superar a ideia de que o sistema é o domínio da invariância, ao postular que a

variação faz parte de qualquer língua. Essa mudança de ótica permite que se observe a

dinamicidade da mudança em progresso estudando-se fenômenos variáveis num

determinado momento (numa sincronia) por meio do comportamento de falantes de

diferentes faixas etárias (estudo da mudança em tempo aparente), a fim de inferir

fenômenos que operaram no passado.

Um exemplo de mudança em progresso é destacada por Naro (1992), que se pauta

em estudos feitos por Labov (1972) sobre uma comunidade da ilha de Martha‟s

Vineyard, nos EUA.

Nesse trabalho sobre o ditongo /aw/, o autor registrou, além de quatro graus de

centralização da vogal, uma relação entre o seu uso e os grupos etários de falantes, em

que se destaca o fato de os mais velhos apresentarem o uso predominante da forma não

centralizada da vogal baixa, enquanto os mais jovens utilizavam com muito mais

assiduidade as formas centralizadas, o que demonstrou que a centralização estava se

espalhando de maneira rápida.

Com base no que foi mencionado acima por Labov (1972), observa-se que, no

campo dos estudos variacionistas, tem-se verificado que os mais velhos tendem a

preservar as formas antigas, registradas nas suas mentes quando ainda eram jovens. Essa

hipótese empírica é esclarecida por Naro (1992, p.82):

(...) O processo de aquisição da linguagem se encerra mais ou menos no começo

da puberdade e a partir deste momento a língua do indivíduo fica essencialmente

estável. Segundo esta posição, a gramática do indivíduo não pode sofrer

mudanças significativas porque o acesso aos dispositivos cognitivos que

possibilitam a sua manipulação (i.é., a chamada faculté du langage) fica

bloqueado. (...)

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Em vista do exposto, resolveu-se utilizar a variável faixa etária para averiguar o

grau de conservadorismo e/ou inovação no falar dos indivíduos não só de Copacabana e

Nova Iguaçu, pertencentes à RMRJ, como também de Oeiras e Cacém, pertencentes à

RMLIS, observando o comportamento dos dados em tempo aparente.

Os fatores desse grupo foram definidos com base nas três faixas etárias pelas

quais se distribuem os informantes da pesquisa:

Faixa A (18 – 35 anos)

Faixa B (36 – 55 anos)

Faixa C (56-75 anos)

Acredita-se, no que diz respeito à variação de //, que os casos em que o fonema

é concretizado como palatal se encontrem na fala dos indivíduos mais velhos, embora

estes também possam produzir [j] e o segmento palatalizado [lj], variante esta

praticamente categórica na fala dos mais jovens.

(c) Nível de instrução

Para se entender a opção pela inclusão desta variável no estudo, é necessário

mencionar alguns conceitos que se opõem: forma de prestígio vs. forma neutra e

fenômeno estigmatizado vs. fenômeno não-estigmatizado.

Segundo Votre (1992), uma forma de prestígio se distingue de uma forma não-

marcada ou neutra, no que se refere aos seus contextos de uso. “As formas de prestígio

ocorrem em contextos mais formais (...), entre interlocutores que ocupam posições mais

elevadas na escala social”. (VOTRE, 1992, p. 75). A forma de prestígio, portanto, está

presente nas gramáticas escolares, que a transformam em norma a ser ensinada e

aprendida.

Ainda de acordo com Votre (1992), a forma estigmatizada tende a despertar uma

reação negativa na maioria dos usuários da língua, e é objeto de crítica por parte dos

usuários das formas prestigiadas ou não-estigmatizadas.

No corpus em questão, os fatores foram distribuídos da seguinte maneira:

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Nível fundamental de escolaridade (5 a 8 anos);

Nível médio de escolaridade (9 a 11 anos);

Nível superior de escolaridade (12 ou mais anos)

Conforme o exposto, supõe-se que as variantes [] e [lj] concorreriam na fala de

indivíduos de maior nível de escolaridade e a depender de determinados fatores de

natureza contextual. A iotização e a despalatalização, quer através do cancelamento,

quer através da permuta pela lateral anterior, seriam processos mais produtivos entre

falantes de baixo nível de escolaridade.

(d) Gênero do Informante

É sabido que a fala feminina é diferente da fala masculina. Em alguns casos, as

diferenças são mais sutis, mais quantitativas que qualitativas. Segundo Silva-Corvalán

(1989), por exemplo, a frequência no uso de formas diminutivas parece ser bastante

mais alta entre as mulheres, embora estas formas também apareçam na fala masculina.

De maneira geral, alguns estudos concordam que as mulheres usam as variantes de

maior prestígio com mais frequência que os homens. Silva-Corvalán (1989) ainda

ressalta a maior sensibilidade das mulheres em direção às normas de conduta “correta”

pois não só se autocorrigem muito mais que os homens em contextos formais, mas

também aparecem como promotoras de uma variante inovadora, na fala casual. Os

homens, segundo a mesma linguista, rompem as regras e se comportam de maneira mais

rude ou vulgar (op. cit., p. 70).

Labov (2008 [1972], p. 347) ainda acrescenta que “parece provável que o ritmo

do progresso e a direção da mudança linguística devem muito à especial sensibilidade

das mulheres”, na medida em que são elas que influenciam, mais que os homens, a

língua inicial das crianças no momento em que estas estão formando regras linguísticas

com maior rapidez e eficiência.

Paiva (2010) também justifica o emprego dessa variável com base no preceito de

que o sexo feminino seja mais suscetível à correção social e ao emprego de formas de

prestígio, em comparação com o masculino. Para essa autora, entretanto, é necessário

relacionar essa divergência entre os gêneros à classe social do informante. Em níveis

sociais mais elevados, caso um emprego linguístico seja considerado estigmatizado, as

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mulheres se mostram mais resistentes a adotá-lo. Ao contrário, aderem, mais

rapidamente, a variantes inovadoras se estas não tiverem qualquer valor depreciativo.

Nas práticas discursivas de mulheres que integram realidades menos favorecidas, a

consciência dos empregos linguísticos mais estigmatizados parece se reduzir.

Em vista do exposto, acredita-se que seria típico da fala feminina não só a lateral

palatal, por ser a variante mais conservadora, como também, a lateral palatalizada, por

ser, segundo Cristófaro-Silva (1999), a variante mais disseminada no Brasil.

Gênero dos informantes:

Feminino

Manculino

(e) Identificação do Informante

De acordo com Silva-Corvalán (1989, p. 84), a existência de variações

individuais na conduta linguística de certos membros de um grupo social levou alguns

sociolinguistas a prestar constante atenção às características de um indivíduo dentro de

um grupo determinado.

Assim sendo, mesmo que as diferenças individuais sejam mínimas, elas podem

ser muito significativas a ponto de fazer um indivíduo diferenciar-se de outro de um

mesmo grupo. Isso é possível, uma vez que a experiência linguística e social dos

indivíduos é necessariamente diferente. Ou seja, a história social do indivíduo

condiciona sua fala de forma única.

A partir do que foi relatado, optou-se, então, por criar esse grupo de fatores a fim

de analisar, em separado, cada um dos informantes e verificar até que ponto a

característica idioletal é pertinente para o estudo da variação de //. Assim sendo, para

cada informante, foi criado um código para diferenciá-lo no momento das análises.

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6.2 A variação de // na RMRJ e na RMLIS

6.2.1 Aspectos gerais

Conforme pode ser verificado nas tabelas 1 e 2 e, também, nos gráficos 1 e 2,

apresentados na seção anterior – em que se expõem os índices numéricos e percentuais

de cada uma das variantes de // encontradas em ambos os corpora –, devido à baixa

produtividade de [lj], [l], [j] e , as análises variacionistas que serão apresentadas nesta

seção só puderam ser realizadas com as variantes manutenção da lateral palatal ([]) e

lateral palatalizada ([lj]).

Ressalte-se, ainda que, conforme poderá ser verificado mais adiante, embora

tenham sido realizadas análises variacionistas para cada uma das variedades, os

resultados serão descritos de forma comparativa.

Como os dados relativos às variantes com baixa produtividade na amostra

(despalatalização + iode ([lj]); despalatalização ([l]); iodização ([j]) e síncope ( ) foram

retirados dos corpora, as análises aqui empreendidas foram feitas com base nos índices

expostos na tabela 3.

Tabela 3. Índices referentes à variação entre [lj] vs [] no PB e no PE

ÍNDICES Variação entre [lj] vs [] no PB Variação entre [l

j] vs [] no PE

Variantes [lj] [] [l

j] []

Ocorrências 1363/2068 705/2068 941/1594 653/1594

Percentuais 65.9% 34.1% 59% 41%

Logo numa primeira observação da tabela 3, percebe-se que tanto no PB quanto

no PE, a lateral palatalizada está se mostrando a variante preferida, uma vez que está

ocorrendo com maior frequência do que []. Nota-se, ainda que, quando se comparam

os índices percentuais de [lj] no Brasil e em Portugal, vê-se que a lateral palatalizada é

um pouco menos frequente no PE do que no PB: 59% vs 65.9%, respectivamente.

Além disso, cabe salientar que, com base na tabela 3, verifica-se que a teoria

defendida por Pontes (1973) parece não proceder, nas amostras aqui consideradas. Essa

linguista elimina do quadro de fonemas a lateral palatal, afirmando não existir [] no

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português coloquial. Segundo ela, a lateral palatal pode ser interpretada como uma

sequência /lj/. Embora com índice percentual mais baixo, [] aparece não só na fala do

PB, quanto na do PE. O que está ocorrendo, na verdade, é que, em ambas as variedades,

coexiste, ao lado de [], uma outra variante, a lateral palatalizada [lj], muito parecida

com a lateral palatal, tanto articulatória quanto acusticamente.

A partir do momento em que se desconsideraram as demais variantes de //,

foram realizadas diversas rodadas com o auxílio do Pacote de Programas GoldVarb-X,

com o intuito de se verificar quais seriam as variáveis condicionadoras da variante

palatalizada.

Logo nas primeiras, observou-se que algumas variáveis linguísticas e

extralinguísticas não se mostravam relevantes e outras, ao contrário, eram sempre

selecionadas. Em vista disso, resolveu-se fazer uma análise com todas as variáveis e

outras em que não só se desconsideraram variáveis não relevantes, mas também se

modificaram alguns grupos de fatores. Em outras palavras, algumas variáveis sofreram

alterações no decurso da análise, visando, principalmente, ao agrupamento de fatores

com atuação similar. Além disso, eliminaram-se os comportamentos

categóricos/semicategóricos e as variáveis eventualmente sobrepostas. Por se tratar de

alterações resultantes da observação dos padrões encontrados nas rodadas realizadas,

essas recodificações serão comentadas no decorrer deste capítulo.

Tanto na rodada escolhida para a análise da RMRJ – que apresenta input inicial

da regra 0.660, input de seleção 0.678 e significância 0.004 –, quanto na escolhida para

a análise da RMLIS – que apresenta input inicial de 0.590, input de seleção 0.624 e

significância 0.000 – (cf. quadro 6), das dez variáveis independentes utilizadas nas

análises empreendidas, o programa computacional selecionou seis como as

favorecedoras da lateral palatalizada, no corpus do PB, e quatro, no corpus do PE. O

quadro 5 contém essas variáveis, apresentadas por ordem de seleção.

Tanto as variáveis linguísticas quanto as extralinguísticas se mostram

importantes para a realização de [lj], não só na RMRJ – o que já havia sido atestado na

literatura especializada –, como também na RMLIS.

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Quadro 6. Variáveis atuantes para a concretização de [lj] – nos corpora do PB e do PE – em

ordem de importância

Variáveis condicionadoras da variante Lateral Palatalizada ([lj]) no PB e no PE

RMRJ (Português do Brasil) RMLIS (Português

Europeu)

Variáveis selecionadas

Frequência do vocábulo no corpus

Classe do vocábulo

Nível de instrução

Tonicidade da sílaba em que incide o segmento

Contexto subsequente

Faixa etária

Localidade

Faixa etária

Contexto antecedente

Classe do vocábulo

Input da regra inicial 0.660 0.590

de seleção 0.678 0.624 Significância 0.004 0.000

Como a variável Identificação do Informante, na primeira rodada empreendida

com os dados do PB, foi selecionada como favorecedora da aplicação da regra,

resolveu-se, num primeiro momento, observar quais seriam os informantes que mais

estariam produzindo [lj] para verificar em que medida era realmente a característica

idioletal do informante que se mostrava importante para a variação ou se esta variável

poderia estar mascarando outras.

Assim sendo, uma vez que se percebeu que – embora os pesos relativos mais

altos estivessem distribuídos de maneira bastante heterogênea –, tanto indivíduos das

faixas A, B e C, quanto homens e mulheres de diferentes níveis de escolaridade se

mostravam predispostos ao uso de [lj], decidiu-se excluir da análise a variável

Identificação do Informante para que fosse possível verificar que outro(s) grupo(s) de

fatores poderia(m) ser selecionado(s), mostrando-se pertinente(s) para a aplicação da

regra na análise com a RMRJ.

A observação das variáveis extralinguísticas selecionadas pelo Programa

GoldVarb-X como favorecedoras da implementação de [lj] no PB, demonstra que, com

a retirada do grupo de fatores Identificação do Informante da análise, outra variável

extralinguística – além de Nível de Escolaridade que já havia sido selecionada na

primeira rodada empreendida – aparece como favorecedora da aplicação da regra: a

variável faixa etária. Isso demonstra que, provavelmente, o grupo retirado estava

mascarando a importância dessa variável (cf. quadro 6).

No quadro 6, verifica-se também que, embora haja duas coincidências –

marcadas em vermelho – na atuação dos grupos de fatores na fala das duas variedades,

foram selecionadas, também, outras variáveis como favorecedoras da aplicação da regra

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– marcadas em preto – tanto no corpus do PB quanto no do PE. Dessa forma, nas

próximas seções, serão descritas, num primeiro momento, as variantes atuantes em

ambas as variedades; num segundo momento, além de serem descritas as diferentes

variáveis que estão favorecendo a aplicação da regra em cada uma das Regiões

Metropolitanas, achou-se pertinente mostrar, a fim de comparação, como se comportam,

pelo menos através dos índices percentuais, os grupos de fatores que foram escolhidos

numa região, mas não em outra.

Saliente-se, ainda, que, conforme pode ser visto no quadro 6 e nas seções 6.2.2,

6.2.3 e 6.2.4, a variação [] ~ [lj], tanto na fala da RMRJ, quanto na da RMLIS, parece

estar se configurando como neutra, uma vez que não só o input da regra de seleção,

como também, os pesos relativos que serão mostrados, para cada grupo de fatores

selecionado, de um modo geral, são muito próximos de .50. Isso, provavelmente, se

deva ao fato de as duas variantes em análise – [] e [lj] – serem muito semelhantes do

ponto de vista articulatório e acústico.

6.2.2 Variáveis atuantes em ambas as variedades

Como pode ser observado no quadro 6, a Faixa Etária e a Classe do Vocábulo

foram selecionadas tanto na RMRJ (respectivamente, em último e em segundo lugar) e

na RMLIS (respectivamente, em segundo e último lugar) como favorecedoras da

aplicação da lateral palatalizada. Nesse sentido, resolveu-se expor os resultados de

ambas as variáveis em conjunto a fim de comparar o comportamento das duas variáveis

nas regiões em foco.

(a) Faixa Etária

Pelos resultados expostos na tabela 4, a variação [] ~ [lj] parece ser um

fenômeno estável na RMRJ, uma vez que os índices de ocorrência de [lj] estão

distribuídos de forma homogênea pelas três faixas etárias – A (P.R. 0.577); B (P.R.

0.510) e C (P.R. 0.460). O mesmo está ocorrendo, na RMLIS. Ou seja, a tabela 4 mostra

que, assim como acontece na RMRJ, os indivíduos mais jovens e os de meia idade são

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129

os que estão preferindo a variante [lj] na RMLIS: (Faixa A – P.R. 0.619; Faixa B –

0.557 e Faixa C – 0.335).

Tabela 4. Atuação da Variável Faixa Etária para a realização da variante palatalizada na

RMRJ e na RMLIS

Faixa Etária

RMRJ RMLIS

Fatores Oco % P.R. Fatores Oco % P.R.

Faixa A

(18 – 35 anos) 319/443 72% 0.577

Faixa A

(18 – 35 anos) 331/487 68% 0.619

Faixa B

(36 – 55 anos) 551/809 68.1% 0.510

Faixa B

(36 – 55 anos) 361/553 65.3% 0.557

Faixa C

(56 – 70 anos) 498/821 60.7% 0.460

Faixa C

(56 – 70 anos) 249/554 44.9% 0.335

Os gráficos 3 e 4 mostram, com mais clareza, que, embora os resultados estejam

bem parecidos nas duas Regiões Metropolitanas, na RMRJ, os dados de [lj] parecem

estar distribuídos de forma mais homogênea, visto que todas as faixas etárias

apresentam P.Rs. próximos a .50. Já na RMLIS, tanto a faixa A, quanto a faixa C, se

distanciam um pouco mais da neutralidade: a primeira, apresentando P.R. 0.619, é a que

mais favorece a aplicação da regra, e a segunda, com P.R. 0.335, a que menos se mostra

propícia a implementar [lj].

Esses resultados demonstram que, embora, na RMRJ, os P.Rs. estejam próximos

de .50, são os mais velhos os que mais usam [] e os mais novos os que mais

implementam [lj], o que sugere, de forma bastante sutil, uma tendência crescente ao uso

desta última variante no PB. Já no PE, o fato de o uso da variante palatalizada estar mais

acentuado na fala dos mais jovens e menos na dos mais velhos, indica que a tendência

ao uso de [lj] está mais avançado. Em outras palavras: enquanto ainda é sutil o crescente

uso de [lj] no PB, o mesmo não se pode dizer do que está acontecendo no PE (cf.

gráficos 3 e 4).

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130

Gráfico 3. Atuação da Variável Faixa Etária para

a realização da variante palatalizada, no PB, em

pesos relativos

5851

46

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Faixa A Faixa B Faixa C

Gráfico 4. Atuação da Variável Faixa Etária para

a realização da variante palatalizada, no PE, em

pesos relativos

6255

33

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Faixa A Faixa B Faixa C

O resultado vai ao encontro do que é defendido por Labov (1972), para quem os

mais velhos tendem a preservar as formas antigas, registradas na memória desde quando

eram jovens. Naro (1992) concorda com Labov e, ainda, acrescenta que o processo de

aquisição da linguagem se encerra no começo da puberdade, ficando, a partir desse

momento, a língua do indivíduo praticamente estável. Assim, uma vez que [] é a

variante conservadora, nada mais natural que ela esteja mais presente na fala dos mais

velhos e [lj], variante inovadora, na fala dos mais jovens.

(b) Classe do Vocábulo

Antes de comentar os índices referentes a esse grupo, cabe descrever as

alterações realizadas nessa variável no decurso das análises efetuadas.

Logo de início, nas rodadas referentes à RMRJ, percebeu-se que Numeral e

Pronome, por exemplo, deveriam ser retirados da análise, pois, além de apresentarem

baixo número de ocorrências, neles a variante [] era praticamente categórica: nos

numerais ocorria em 11 dos 12 dados; entre os pronomes, em 4 dos 6 dados. Feito isso,

ainda assim, após a realização de outras rodadas, verificou-se que seria necessário

agrupar outros fatores, uma vez que estava havendo inversões nos resultados: classes de

palavras que eram selecionadas como favorecedoras da aplicação da regra eram as que

apresentavam índices percentuais mais baixos. Nesse sentido, resolveu-se unir os nomes

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131

(substantivo e adjetivo) confrontando-os aos verbos. A variável ficou reduzida a dois

fatores: verbos e não-verbos.

A modificação, no que diz respeito ao corpus do PE, foi um pouco diferente da

efetuada com o do PB. Num primeiro momento, resolveu-se não desconsiderar qualquer

fator. Depois, com base nos resultados, decidiu-se amalgamar os não-verbos num único

fator (substantivo, adjetivo, pronome, numeral) e contrastá-los aos verbos, deles

separando-se “calhar”, expressão muito produtiva na amostra. Ainda assim, os

resultados não eram satisfatórios, uma vez que essa variável era selecionada como

favorecedora de [lj] e, ao mesmo tempo, era descartada. Em vista desses resultados, foi,

então, necessário retirar da análise o fator numeral, visto que, pelo fato de ser pouco

produtivo na amostra (8 ocos.) e ocorrer preferencialmente com [] (5 ocos.), poderia

estar enviesando o resultado. Dessa forma, essa variável ficou formada por três fatores,

a saber: verbo, não-verbo (constituído por substantivo, adjetivo, pronome) e expressão

“se calhar”. Vale a pena mencionar, ainda, que, na tentativa de se formar um grupo

binário, assim como ocorreu com o PB, decidiu-se retirar da análise a expressão “se

calhar” – para depois, analisá-la em separado, em função da sua grande produtividade

com [lj]. Essa tentativa, no entanto, não foi adequada, uma vez que, novamente, essa

variável passou a ser selecionada e descartada. Em vista disso, decidiu-se manter o

grupo com três fatores.

Conforme pode ser visto, na tabela 5, no PB, são os verbos, com P.R. 0.636, os

que mais influenciam a ocorrência da lateral palatalizada. Os não-verbos (substantivos e

adjetivos), com P.R. bem menor (0.396), parecem não estar favorecendo a aplicação de

[lj].

No PE, os verbos, também, mostram-se produtivos para a aplicação da regra

(P.R. 0.516). A expressão “se calhar”, no entanto, é a que mais está favorecendo a

concretização de [lj] – P.R. 702. Os não-verbos, assim como aconteceu no PB, não

favorecem a lateral palatalizada.

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132

Tabela 5. Atuação da Variável Classe do Vocábulo para a realização da variante

palatalizada na RMRJ e na RMLIS

Classe do Vocábulo

RMRJ RMLIS

Fatores Oco % P.R. Fatores Oco % P.R.

Verbo 663/886 74.8% 0.636 Verbo 287/431 66.6% 0.516

Não-verbo (Substantivo e

adjetivo)

703/1169 60.1% 0.396 Não-verbo

(Substantivo,

adjetivo e pronome

504/974 51.7% 0.454

Expressão

“se calhar” 147/181 81.2% 0.702

Esses resultados, por um lado, estão em consonância com o que é exposto em

um estudo de Machado-Soares (2002) sobre o PB. Segundo a autora, nomes

substantivos ou adjetivos, influenciariam a concretização da variante []. Por outro

lado, não está de acordo com o que foi encontrado em Brandão (2007), para quem os

nomes, no PB, estariam favorecendo a ocorrência de [lj].

De qualquer forma, os resultados apresentados na tabela acima parecem estar

sendo influenciados pelo número de ocorrência de verbos nos corpora, uma vez que, no

que diz respeito, por exemplo, à RMRJ, 74.8% das ocorrências de verbos estão sendo

pronunciados com [lj]. Em outras palavras, num conjunto de 886 ocorrências de //

presentes em verbos, apenas 223 são concretizadas com a variante lateral palatal. Já no

que diz respeito aos não-verbos, observa-se que, de um total de 1169 dados, 466 itens

são produzidos com []. Já na RMLIS, 66.6% das ocorrências de verbos estão sendo

concretizados com a lateral palatalizada. Ou seja, num total de 431 ocorrências de //

presentes em verbos, apenas 144 ocorrem com a manutenção da lateral palatal.

Tratando-se, em separado, a expressão “se calhar”, percebe-se que, ainda que ela

não ocorra no PB, no PE, ela é extremamente produtiva, com P.R. 0.702 (81.2% dos

dados). Nesse sentido, podem-se tecer dois comentários, a saber: (1) embora,

aparentemente, tanto na RMRJ quanto na RMLIS os verbos pareçam ser a classe de

palavras ideal para a ocorrência de [lj], o grande número de vocábulos que figuram

nessa classe pode estar interferindo no resultado; (2) como há uma maior concentração

da variante [lj] em se calhar, na RMLIS, supõe-se que essa expressão também possa

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133

estar influenciando a escolha desse fator como favorecedor da variação [] ~ [lj] (cf.

seção 6.3).

6.2.3 Variáveis atuantes somente na RMRJ

(a) Frequência do vocábulo no corpus

A Frequência do vocábulo no corpus, a primeira selecionada pelo programa,

parece estar atuando de maneira significativa para a concretização de [lj], uma vez que,

em todas as rodadas empreendidas, essa variável foi selecionada, sempre em primeiro

lugar, como favorecedora da lateral palatalizada.

A tabela 6, abaixo, expõe a distribuição e a relevância dos dados dessa variável.

Tabela 6. Atuação da Variável Frequência do vocábulo

para a realização da variante palatalizada na RMRJ

Frequência do Vocábulo no corpus

Fatores Oco % P.R.

Alta 533/677 78.7% 0.596

Média 384/577 66.6% 0.525

Baixa 451/818 55.1% 0.403

Como pode ser visto na tabela 6, quanto maior a frequência de determinados

vocábulos, maior a possibilidade de ser concretizada a variante palatalizada que é a mais

recorrente na amostra. Esse resultado vai ao encontro do que é apresentado por Ferreira

(2011), segundo a qual o uso mais frequente de certas palavras propicia a variação, ao

contrário daquelas menos frequentes. Vocábulos codificados como de alta (marcados

em azul) ou média (marcados em amarelo) incidência no corpus como filho; filha;

filhos; melhor; mulher; olha; trabalha; trabalhar; trabalho, cujos índices numéricos

totais, distribuídos por localidade, podem ser vistos no quadro 7, embora tenham sido,

às vezes, pronunciados com outras variantes, foram concretizadas, preferencialmente

com a lateral palatalizada [lj].

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Quadro 7. Vocábulos com incidência alta ou média

no corpus da RMRJ47

Vocábulos Número de ocorrências na RMRJ

distribuído por localidade

Copacabana Nova Iguaçu

Filha 63 4748

Filho 100 179

Filhos 58 126

Melhor 60 95

Mulher 51 34

Trabalha 44 48

Olha 117 86

Trabalhar 76 75

Trabalho 85 100

O fato de a variante [lj] ser mais comum na amostra e concentrar-se em

determinados vocábulos corrobora aspectos da proposta difusionista que se pauta pela

frequência de vocábulos. Segundo essa corrente, itens lexicais mais utilizados são

aqueles que mais se prestam a atuarem como propulsores da variação (FERREIRA,

2011, p. 85-86). Assim sendo, na seção 6.3, será feito um estudo mais atento, com base

nessa proposta, com o objetivo de averiguar em que medida o uso da variante [lj] está

sendo, realmente, influenciado pelo número de ocorrências de determinados vocábulos

presentes no corpus.

Embora, a frequência do vocábulo tenha se mostrado um grupo de fatores muito

produtivo no PB, uma vez que foi selecionado em todas as rodadas e sempre em

primeiro lugar em ordem de importância, não foi indicado como pertinente na análise

efetuada com o corpus da RMLIS. Ainda assim, parece ser interessante verificar o

comportamento dessa variável no PE, mesmo que somente por meio do número de

ocorrências e índices percentuais. Para tanto, criou-se o tabela 7.

47

Aqui estão sendo contabilizadas as ocorrências das palavras com todas as variantes de //. 48

Como pode ser visto na distribuição das variantes pelos itens lexicais na RMRJ, que se encontra no

anexo, das 47 ocorrências do vocábulo filha, em Nova Iguaçu, 7 são com [], 17 com [lj] e 23 com [lj].

Dessa forma, ainda que, com esta palavra, a variante preferida seja a despalatalização seguida de iode, se

se considerarem somente os dados que ocorrem com [] e [lj], a lateral palatalizada é a preferida.

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135

Tabela 7. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores que

compõem a variável Frequência do vocábulo no corpus na RMLIS

Frequência do vocábulo no corpus

Fatores Ocorrências Percentual

Alta 292/164 64%

Média 319/517 61.7%

Baixa 330/621 53.1%

Na tabela 7, demonstra-se, a princípio, que, semelhantemente ao que aconteceu

na RMRJ, quanto maior a frequência de determinadas palavras – alta (64%) e média

(61.7%) –, maior a possibilidade de ser concretizada a variante [lj], que é a mais

recorrente na amostra. O quadro 8, abaixo, indica quais foram os vocábulos codificados

como de alta (marcados em azul) ou média (marcados em amarelo) frequência no

corpus do PE.

Quadro 8. Vocábulos com incidência alta ou média

no corpus da RMLIS49

Vocábulos Número de ocorrências na RMLIS

distribuído por localidade

Cacém Oeiras

Calhar 99 84

Filho 61 56

Filhos 113 74

lhe 92 43

Melhor 45 41

Olha 21 40

Trabalhar 79 57

Trabalho 62 76

Como pode ser visto acima, são poucos os vocábulos com alta incidência na

RMLIS: somente filhos, calhar e lhe (em Cacém) e trabalho e calhar (em Oeiras) se

mostram mais produtivos. As demais palavras expostas, no quadro 8, apresentam média

ou baixa frequência, como é o caso de olha que, no Cacém, foi produzida somente 21

vezes. Além disso, ao observar, nas tabelas do anexo 2, a distribuição das variantes de

// entre os vocábulos da RMLIS, percebe-se que, na freguesia do Cacém, (1) dos oito

vocábulos com alta ou média frequência no corpus, somente em calhar a incidência de

[lj] foi bem maior que a de [] – de 99 ocorrências, 68 foram com a lateral palatalizada;

49

Aqui estão sendo contabilizadas as ocorrência das palavras com todas as variantes de //.

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136

(2) em outras palavras, como lhe, melhor, trabalhar, embora tenham sido mais

produzidas com [lj], a diferença do número de ocorrências entre essa variante e [] é

muito pequena; (3) os vocábulos filho, filhos, olha e trabalho apresentaram maior

frequência com a lateral palatal (cf. seção 6.3).

O mesmo não se verifica em Oeiras, localidade mais propensa à concretização

de [lj] (cf. seção 6.2.4). Ao verificar a distribuição das variantes de // pelos vocábulos

do corpus, nas tabelas do anexo 2, vê-se que todos os vocábulos com alta ou média

incidência, listados no quadro 8 ocorrem, preponderantemente, com [lj].

Esses dados ajudam a que se chegue a duas conclusões iniciais, a saber: (a) o

fato de haver poucas palavras com alta incidência, na fala da RMLIS, e de algumas

palavras com alta e média incidência terem sido mais produzidas com [] do que com

[lj], na freguesia do Cacém, provavelmente, fez com que essa variável não tenha sido

escolhida na análise efetuada com o corpus do PE; (b) o vocábulo calhar, utilizado na

expressão „se calhar‟, parece ser muito importante para a concretização de [lj], pois,

além de ser o único item com alta frequência, na fala de ambas as localidades estudadas

do PE, é muito produzido com a variante em foco – das 183 ocorrências desse vocábulo,

147 são com [lj] – como pode ser visto nas tabelas do anexo 2.

(b) Nível de instrução

Em todas as rodadas empreendidas na análise, com o corpus do PB, a variável

Nível de Instrução foi selecionada como relevante para a aplicação da regra de

palatalização.

Conforme pode ser visto na tabela 8, são os indivíduos com escolaridade

intermediária, seguidos pelos de menor nível de escolaridade, os que mais produzem

[lj].

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137

Tabela 8. Atuação da Variável Nível de Instrução para

a realização da variante palatalizada no PB

Nível de Instrução

Fatores Oco % P.R.

Fundamental 439/645 68.1% 0.514

Médio 450/626 71.9% 0.567

Superior 479/802 59.7% 0.436

Como na análise foram descartadas as variantes [l], [j], , mais prováveis na

fala de indivíduos com menos escolaridade, o resultado exposto, na tabela 8, está de

acordo com as hipóteses iniciais e com o que foi encontrado em outros estudos, como o

de Freire (2011), segundo a qual são os informantes mais escolarizados os que mais

produzem a lateral palatal [].

Além disso, ao observar a tabela 8 e o gráfico 5, percebe-se que, embora a

variante [lj] se mostre mais atuante na fala de indivíduos com menor escolaridade e a

variante [], na dos indivíduos com mais escolaridade, a variação [] ~ [lj] parece ainda

estar estável, uma vez que os P.Rs. estão muito próximos de .50.

Gráfico 5. Atuação da Variável Nível de Instrução para a realização

da variante palatalizada na RMRJ, em pesos relativos

44

5751

0

20

40

60

80

100

Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior

Assim sendo, como, aparentemente, a variante palatalizada parece ser uma

forma neutra – termo usado por Votre (1992) –, muito natural seria que o uso desta

variável se mostrasse bem distribuída na amostra (cf. gráfico 5), sendo utilizada,

inclusive, pelos informantes mais escolarizados (com nível superior). O fato, no

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138

entanto, de estes últimos indivíduos terem passado mais tempo na escola, pode estar

fazendo com que ainda produzam a lateral palatal com mais frequência.

Embora o Nível de Escolaridade tenha sido selecionado pelo Programa

GoldVarb-X, em todas as rodadas efetuadas com os dados da RMRJ, essa variável não

foi escolhida como favorecedora da aplicação da regra em nenhuma das análises

empreendidas com o corpus do PE. Assim sendo, vale a pena mostrar como está

distribuída a variante [lj] entre os indivíduos de Cacém e Oeiras, no que diz respeito à

escolaridade (cf. tabela 9).

Tabela 9. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores

que compõem a variável Nível de escolaridade na RMLIS

Nível de escolaridade

Fatores Ocorrências Percentual

Nível Fundamental 334/609 54.8%

Nível Médio 248/428 57.9%

Nível Superior 359/557 64.5%

Observando-se a tabela 9 e o gráfico 6, percebe-se que, na RMLIS, como ocorre

na RMRJ, a variante palatalizada está sendo usada por indivíduos de todos os níveis de

instrução. Contudo, diferentemente do PB, [lj], no PE, está sendo mais implementada na

fala de pessoas com maior nível de escolaridade, com índice percentual de 64.5%. No

PB, eles são os que menos a implementam (59.7%).

Gráfico 6. Índices percentuais de ocorrência de [lj], distribuídos

pelos três Níveis de instrução na fala da RMLIS

55%

64%58%

0

20

40

60

80

100

Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior

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139

Abaixo, apresenta-se o gráfico 7, em que se compara, por meio de índices

percentuais, a implementação da lateral palatalizada na duas Regiões Metropolitanas.

Gráfico 7. Índices percentuais de ocorrência de [lj], distribuídos

pelos três Níveis de instrução nas falas da RMLIS e da RMRJ

68

55

72

58 60 64

0

20

40

60

80

100

RMRJ Nível

Fundamental

RMLIS Nível

Fundamental

RMRJ Nível Médio

RMLIS Nível Médio

RMRJ Nível

Superior

RMLIS Nível

Superior

A diferença de valores percentuais, no que diz respeito ao uso de [lj] por

indivíduos de diferentes níveis de escolaridade é muito pequena. Ou seja, a variante

palatalizada está sendo usada por indivíduos de todos os níveis de instrução tanto na

RMRJ, quanto na RMLIS, de maneira bastante equilibrada. Esse dado pode comprovar

a hipótese mencionada anteriormente, baseada nas palavras de Votre (1992), de que a

variante palatalizada poderia ser uma forma neutra e que, por isso, estaria bem

distribuída nas amostras. Pode-se dizer, ainda que, provavelmente, o uso dessa variante

não deve estar sendo estigmatizado, uma vez que, nas duas Regiões Metropolitanas, [lj]

é usada com índice percentual mais alto na fala dos mais escolarizados, isto é, nos de

níveis médio e superior. Além disso, o fato de [lj] ser mais comum na fala dos

indivíduos com nível superior, na RMLIS, pode ratificar essa não estigmatização.

(c) Tonicidade da Sílaba

A variável Tonicidade da Sílaba, embora tenha sido selecionada em quarto

lugar, à semelhança do que ocorreu com frequência do vocábulo no corpus, também,

parece estar atuando de maneira significativa para a concretização de [lj], uma vez que,

em todas as rodadas empreendidas, apareceu como uma das favorecedoras da

implementação da regra.

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140

A tabela 10, abaixo, apresenta a distribuição e a relevância dos dados dessa

variável na rodada escolhida para a análise.

Tabela 10. Atuação da Variável Tonicidade da Sílaba

para a realização da variante palatalizada no PB

Tonicidade da Sílaba

Fatores Oco % P.R.

Sílaba pretônica 72/135 53.3% 0.354

Sílaba tônica 517/868 59.6% 0.451

Sílaba postônica 779/1070 72.8% 0.559

As sílabas postônicas parecem estar influenciando a concretização de [lj]. Se, por

um lado, esse resultado está de acordo com o encontrado por Brandão (2007) – já que

para a autora a variante palatalizada é mais frequente em sílaba postônica –, por outro,

vai de encontro ao que é defendido por Ferreira (2011) – que afirma ser a sílaba tônica

favorecedora da despalatalização. Se se considerar a variante palatalizada como um

processo de despalatalização, de acordo com Ferreira (2011), as sílabas tônicas

deveriam estar favorecendo esse processo e não o contrário.

De qualquer forma, acredita-se que, mais uma vez, o resultado da análise

empreendida pode estar sendo influenciado pela quantidade e natureza de vocábulos que

apresentam // em sílaba postônica, como pode ser visto por meio do quadro 9 abaixo.

Quadro 9. Distribuição dos vocábulos encontrados na amostra da RMRJ de acordo com a

tonicidade da sílaba em que incide o segmento //

Intensidade da sílaba Vocábulos

Silaba Tônica

Aconselhável – Acolhesse – Afilhado – Atrapalhar – Atrapalhava – Barulheira –

Barulhento – Batalhão – Batalhões – Batalharem – Bilhete – Brilhante – Brilhou –

Brincalhão – Bulhões – Compartilhada – Cordilheira – Detalhado – Embrulhava –

Entulhado – Escolhendo – Escolher – Escolheu – Escolhia – Escolhi – Escolhido

– Espalhar – Espalhou – Falhou – Magalhães – Malhar – Manilhinha – Manilhou

– Maravilhosa(o)(s) – Melhora – Melhor(es) – Melhorem – Mergulhar – Milhão –

Milhares – Molhado(a) – Mulher(es) – Olhada – Olhando – Olhar – Olharam –

Olhava – Olhei – Olhou – Orgulhoso – Palhaça – Telhado – Trabalhando –

Trabalhar – Trabalharam – Trabalhasse – Trabalhava(m) – Trabalhei – Trabalhista

– Trabalhoso – Trabalhou – Olhava – Orelhada – Recolher – Recolheu –

velhinha(o)(s) – velhão

Total (868 ocos.)

Silaba Pretônica

Humilhação – Melhorar – Melhoria(s) – Melhorou – Melhorado – Melhorando

Melhorzinho – Escolheria – Trabalhador(es) – Melhorazinha – Metralhadora

Maravilhamente – Melhorei – Manilhamento – filhozinho – submetralhadora

Trilhozinho – Bilhetinho

Total (135 ocos.)

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141

Intensidade da sílaba Vocábulos

Sílaba Postônica

Aparelho(s) – Atrapalha – Atrapalho – Baralho – Barulho – Batalha – Carvalho –

Coelho – Conselho – Detalhe(s) – Empecilho – Escolha – Escolhe – Espelho –

Evangelho – Falha(s) – Falho – Filho(a)(s) – Folha(s) – Galho – Ilha(s) – Joelho –

Julho – Manilha – Malho – Maravilha – Medalha – Migalhas – Molho – Olha(m)

– Olho (verbo) – Olho(s) – Orgulho – Ovelha – Palha – Pilha – Piolho – Quadrilha

– Trabalha(m) – Trabalhe – Trabalho(s) – Trilha – Trilho – Velho(a)(s) –

Vermelho(a)

Total (1070 ocos)

O quadro 9 demonstra que, embora haja um número mais diversificado de

vocábulos com // em posição tônica, a quantidade de concretizações de palavras com

//, em posição postônica, é maior: 1070 vs 868. Além disso, percebe-se que seis dos

nove vocábulos mais frequentes na amostra (cf. quadro 7), como filho, filha, filhos,

trabalho, trabalha e olha, apresentam // em sílaba postônica. Isso, novamente, pode

estar influenciando a escolha de um fator em detrimento de outro como favorecedor de

[lj].

Aqui, mais uma vez, um grupo de fatores que se mostra muito importante para a

aplicação da palatalizada na análise empreendida com os dados da RMRJ, não foi

selecionado nas rodadas feitas com o corpus do PE. Dessa forma, cabe observar se os

dados de [lj], em Portugal, se distribuem da mesma maneira que no Brasil. Para tanto,

criou-se a tabela 11 com o número de ocorrências e o índice percentual dessa variante

em cada uma das sílabas em que incide o segmento //.

Tabela 11. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores que compõem

a variável Tonicidade da Sílaba em que incide o segmento // na RMLIS

Tonicidade da Sílaba

Fatores Ocorrências Percentual

Sílaba Tônica 430/644 66.8%

Sílaba Pretônica 53/96 55.2%

Sílaba postônica 458/854 53.6%

Na fala da RMLIS, diferentemente do que ocorre com o PB, a variante

palatalizada aparece preferencialmente em sílaba tônica (66.8%). Nas demais sílabas,

[lj] se distribui de maneira moderada, ao redor dos 50% – em sílaba pretônica ocorre

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142

em 55.2% das ocorrências e, em sílaba postônica, em 53.6%. Esse resultado, de alguma

forma, também, se relaciona com a frequência dos vocábulos encontrados no corpus do

PE. Na RMLIS, embora filho, filhos e trabalho (que apresentam // em sílaba

postônica) apresentem um índice médio de ocorrências, os vocábulos melhor e

trabalhar (que contêm // em sílaba tônica) também figuram no quadro 8 como

vocábulos de média frequência.

Observando-se atentamente o quadro 8 e a tabela 11, percebe-se que pode ser o

vocábulo calhar, de grande produtividade no corpus da RMLIS, o grande motivador de

o ambiente tônico estar sendo considerado um fator importante para a concretização de

[lj]: além de ser o único vocábulo com alta frequência tanto em Cacém quanto em

Oeiras, ainda aparece, na análise da variável Classe do vocábulo (cf. seção 6.2.2), como

o grande propulsor da aplicação da regra na RMLIS.

(d) Contexto Subsequente

Como pode ser visto na tabela 12, optou-se por juntar as vogais do contexto

subsequente, não só pelo que foi observado na literatura especializada (cf. BRANDÃO,

2007; FREIRE, 2011; FERREIRA, 2011) mas também, devido aos resultados

encontrados. Assim sendo, foram formados quatro grupos, a saber: vogais coronais

orais, vogal dorsal oral, vogais labiais orais e vogais nasalizadas.

A tabela 12 demonstra que a vogal dorsal, com P.R. 0.558, e as vogais labiais,

com P.R. 0.524, se mostraram importantes para a implementação da regra. Já as vogais

coronais, embora ocorram depois de [lj] em 61% dos dados, não se mostraram

pertinentes para a aplicação da regra (P.R. 0.458).

Tabela 12. Atuação da Variável Contexto subsequente

para a realização da variante palatalizada no PB

Contexto subsequente

Fatores Oco % P.R.

Vogais coronais 114/187 61% 0.501

Vogal dorsal 535/763 70.1% 0.558

Vogais labiais 543/757 68.8% 0.524

Vogais Nasalizadas 95/218 43.7% 0.391

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143

O que se expõe na tabela acima vai ao encontro, em parte, do que foi atestado

por Ferreira (2011), segundo a qual são as vogais coronais, em posição posterior a //,

que parecem favorecer a regra da despalatalização. Já Para Freire (2011) e Santos &

Chaves (2012), no entanto, a manutenção da lateral palatal é influenciada por vogais

labiais em contexto subsequente.

Observe-se que, embora esse grupo de fatores tenha sido selecionado como

favorecedor da concretização de [lj], todas as vogais que favorecem a aplicação da regra

apresentam P.Rs. muito próximos a .50, ou seja, à neutralidade. No que diz respeito às

vogais coronais (P.R. 0.501), por exemplo, esse resultado parece ser pertinente uma vez

que a vogal [i] é mais comumente encontrada depois da lateral palatal – em 29

ocorrências, ela aparece 16 vezes depois de []. O mesmo pode ser dito quanto às

vogais labiais, uma vez que a vogal [o] parece ser neutra nessa variação: ocorre em 47%

dos dados depois de [] e em 53% após [lj].

O único grupo de fatores que realmente se distancia da neutralidade é o das

vogais nasalizadas e isso é explicado pelo seu comportamento na amostra. As vogais

nasalizadas [i], [e] e [o ], além de serem pouco produtivas na amostra, aparecem

preferencialmente depois de []: [i] – 2 ocos. com [lj] e 11 com [] – ; [e] – 2 ocos. com

[lj] e 2 com [] –; [o] – 3 ocos. depois de [l

j] e 13 depois de []. Já a nasal [], embora

apareça em um número considerável de vocábulos, também parece influenciar o uso da

lateral palatal: em 185 ocorrências, 97 são com [].

Esse resultado pode, ainda, estar sendo influenciado pelos vocábulos presentes

na amostra, já que há várias palavras com [], [u], [a] e [] depois da variável //, como

demonstra o quadro 7, em que se indicam os vocábulos com incidência alta ou média no

corpus do PB. Tais vocábulos apresentam os contextos subsequentes favorecedores de

[lj], a saber: vogal dorsal – filha, olha, trabalha, trabalhar –; vogais labiais – filho,

filhos, melhor, trabalho –; vogais coronais – mulher. Nesse sentido, o que está sendo

verificado aqui, novamente, pode estar vinculado a questões de natureza lexical (cf.

seção 6.3).

O contexto subsequente, embora tenha sido considerado importante para a

aplicação da lateral palatalizada no corpus do PB, na análise efetuada com a RMLIS,

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não se mostrou produtiva, uma vez que não foi selecionada nas rodadas efetuadas.

Assim sendo, criou-se a tabela 13 que mostra como está se comportando essa variável

no corpus do PE.

Tabela 13. Número de ocorrências e índice percentual dos fatores

que compõem a variável Contexto Subsequente na RMLIS

Contexto Subsequente

Fatores Ocorrências Percentual

Vogais coronais 168/305 55.1%

Vogais dorsais 402/583 69%

Vogais labiais 338/651 51.9%

Vogais Nasalizadas 33/55 60%

A tabela 13 demonstra um resultado diferente do descrito para a RMRJ. As

vogais dorsais, seguidas das nasais e das coronais parecem ser as que mais influenciam

a ocorrência da lateral palatalizada. De certa maneira, esse resultado pode estar sendo

influenciado pelos vocábulos que apresentam essas vogais em contexto subsequente.

Como já foi apontado acima, vocábulos como trabalhar, olha, mulher, lhe e,

principalmente, calhar, por serem de alta e/ou média incidência no corpus,

provavelmente, estão influenciando a escolha dessas vogais orais como favorecedores

de [lj]. No que diz respeito às vogais nasalizadas, embora [i ] e [o ] tenham tido baixa

produtividade na amostra (5 e 6 ocos., respectivamente, ocorrendo preferencialmente

com []), a vogal [], é um pouco mais produtiva (48 ocos.), e incidiu,

preponderantemente, em palavras com [lj] (32 ocos.).

6.2.4 Variáveis selecionadas somente na RMLIS

(a) Localidade

O grupo de fatores Localidade parece estar atuando de maneira significativa para

a concretização de [lj] no lugar de [], na fala da RMLIS, uma vez que, em todas as

rodadas empreendidas, essa variável foi selecionada, sempre em primeiro lugar, como

favorecedora da lateral palatalizada.

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Como pode ser visto na tabela 14 e, também no gráfico 8, [lj] está sendo

preponderante na fala de Oeiras (P.R. 0.745), diferentemente do que acontece em

Cacém (P.R. 0.289).

Tabela 14. Atuação da Variável Localidade para a

realização da variante palatalizada no PE

Localidade

Fatores Oco % P.R.

Oeiras 585/727 80.5% 0.745

Cacém 356/867 41.1% 0.289

Gráfico 8. Distribuição da variante [l

j] na RMLIS, em pesos relativos

28

75

0

20

40

60

80

100

1

Cacém

Oeiras

Embora os índices expostos na tabela 14 e no gráfico 8, não estejam de acordo

com a hipótese inicial, no que diz respeito à variável localidade, em que se esperava que

a lateral palatalizada ocorresse, preferencialmente, na freguesia de Cacém (cf. seção

6.1.2.2), o resultado não se mostra incoerente, uma vez que há indícios de que a lateral

palatalizada esteja se configurando como uma variante inovadora de //, na fala da

RMLIS. Essa informação pode ser verificada tanto se observando os resultados

demonstrados na tabela 4 e no gráfico 4 – em que se verifica uma preferência da lateral

palatalizada pelos jovens –, como também examinando, novamente, a tabela 9 e o

gráfico 6 – em que se expõe que [lj] está ocorrendo, preferencialmente, na fala dos

indivíduos com maior nível de escolaridade.

Assim sendo, o fato de [lj] estar sendo mais comum na fala de Oeiras – tendo em

vista os dados expostos até o momento – não surpreende, uma vez que essa localidade,

atualmente, ainda é mais desenvolvida e urbanizada que Cacém. Embora Cacém seja a

segunda maior freguesia da cidade de Agualva-Cacém, no que diz respeito à economia,

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146

e sua área urbana tenha crescido bastante nos últimos anos, ainda é considerada uma

freguesia dormitório. Diferentemente, Oeiras, nos últimos anos, deixou de ser um local

de passagem entre Lisboa e Cascais e se assumiu como sede de importantes empresas

ligadas às novas tecnologias e à prestação de serviços. Além disso, Oeiras apresenta um

dos mais elevados índices de qualidade de vida de Portugal.

Como Localidade foi sempre selecionada como uma variável relevante na

RMLIS, e não foi selecionada, sequer uma vez, nas análises da RMRJ, torna-se

pertinente indicar como está distribuída a variante [lj] nas áreas estudadas no Brasil.

Para este fim criou-se a tabela 15 que se encontra a seguir.

Tabela 15. Distribuição da variante [l

j] nas localidades da RMRJ

Localidade

Fatores Ocorrências Percentual

Nova Iguaçu 669/988 67.7%

Copacabana 694/1080 64.3%

Ao observar a tabela 15, num primeiro momento, percebe-se que,

provavelmente, essa variável não foi selecionada para o PB, uma vez que a lateral

palatalizada se mostra distribuída de maneira homogênea nas duas localidades em foco,

sendo apenas um pouco mais produtiva em Nova Iguaçu, com 67.7% de ocorrências.

Em Copacabana, ela aparece em 64.3% dos dados. Essa disposição homogênea de [lj],

nas localidades estudadas, pode ser mais bem visualizada no gráfico 9, abaixo.

Gráfico 9. Distribuição da variante [lj] na RMRJ, em índices percentuais

64 68

0

20

40

60

80

100

Copacabana

Nova Iguaçu

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147

Num segundo momento, verifica-se que esse resultado vai ao encontro do que

foi mostrado ao longo da descrição da análise da fala da RMRJ. Nessa região, a

variação [] ~ [lj] mostrou-se estável, não só no que diz respeito à faixa etária dos

falantes, como também no que se relaciona ao nível de escolaridade: a variante [lj]

distribuiu-se de maneira homogênea entre as três faixas de idade – sendo sutilmente

preferida pelos mais jovens – e entre os três níveis de instrução (cf. tabelas 4 e 8 e

gráficos 3 e 5). Nesse sentido, seria natural que os índices de [lj] também se

distribuíssem, nas localidades estudadas no PB, de maneira homogênea.

(c) Contexto Antecedente

A tabela 16 demonstra que, assim como foi feito com o contexto subsequente,

optou-se por juntar as vogais do contexto antecedente, devido aos resultados

encontrados ao longo das análises efetuadas. Foram formados três grupos, a saber:

vogais coronais, vogais dorsais e vogais labiais.

Em todas as rodadas empreendidas o contexto antecedente a // foi selecionado,

em segundo ou terceiro lugar em ordem de importância, como favorecedor da aplicação

da regra. Como pode ser visto, na tabela 16, são as vogais dorsais (P.R. 0.574) e as

vogais labiais (P.R. 0549) que estão favorecendo a variante palatalizada.

Tabela 16. Atuação da Variável Contexto antecedente

para a realização da variante palatalizada no PE

Contexto antecedente

Fatores Oco % P.R.

Vogais coronais 283/612 47.9% 0.394

Vogal dorsal 492/709 69.4% 0.574

Vogais labiais 152/269 56.5% 0.549

Os índices expostos acima sugerem que palavras com frequência alta/média no

corpus da RMLIS podem estar favorecendo esse resultado. Dessa forma, os vocábulos,

com vogal dorsal antecedendo // – trabalho, trabalhar e, principalmente, calhar –, e as

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148

palavras com as vogais labiais precedendo // – olha50

e mulher, – podem estar

influenciando o resultado.

Ainda que o contexto antecedente tenha sido selecionado como uma das

variáveis importantes para a implementação de [lj] na RMLIS, não foi, sequer uma vez,

indicada, pelo Programa GoldVarb-X, como relevante para a aplicação da regra na

RMRJ. Na tabela 17, verifica-se o comportamento dessa variável na RMRJ.

Tabela 17. Número de ocorrências e índice percentual da variante [lj]

distribuída entre os fatores da variável contexto antecedente na RMRJ

Contexto Antecedente

Fatores Ocorrências Percentual

Vogais coronais 538/888 60.6%

Vogal dorsal 530/768 69%

Vogais labiais 300/417 71.9%

A partir da tabela 17, percebe-se que, provavelmente, essa variável não foi

selecionada na análise da RMRJ, uma vez que os índices da lateral palatalizada estão

distribuídos de maneira homogênea entre os contextos antecedentes. Ainda assim, há

uma leve preponderância de [lj] quando as vogais que antecedem // são as labiais

(71.9%) e a dorsal (69%). Embora apresente um índice de ocorrência relativamente alto

diante de [lj], as vogais coronais (60.6%), assim como aconteceu na RMLIS, parecem

ser as menos pertinentes para a aplicação da regra.

Esse resultado ora vai ao encontro do que foi visto na literatura especializada,

sobre o PB, ora não. Machado Soares (2002), afirma que [] ocorre preferencialmente

antecedido pelas vogais [i] e [u]. Em outro estudo de 2008, a mesma autora observa que

as vogais anteriores favorecem [lj]. Para Freire (2011), no caso do contexto fonológico

precedente, dois fatores se mostraram importantes para a manutenção de []: vogais

coronais e vogais dorsais. Já para Santos & Chaves (2012), [] ocorre,

preferencialmente, depois da vogal média alta anterior [e].

50

Ainda que o vocábulo olha tenha apresentado baixa ocorrência em Cacém, em Oeiras, é considerado de

média frequência.

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Tendo em vista tamanha diversidade de estudos que indicam diferentes vogais,

em contexto anterior a //, favorecendo [lj], pode ser que, aqui, os resultados, mais uma

vez, possam estar sendo influenciados pelos vocábulos de alta e/ou média frequência no

corpus. Em outras palavras, os vocábulos mulher, olha, trabalha, trabalhar, trabalho

que estão listados no quadro 7 – talvez justifiquem a alta incidência de [lj] depois dos

contextos mencionados acima.

6.3 Questões de ordem lexical

Como se verificou, embora as análises variacionistas apontem vários fatores

linguísticos e extralinguísticos como favorecedores do enfraquecimento da lateral

palatal (passagem de [] para [lj]), tanto na amostra de RMRJ, quanto na da RMLIS

51, a

frequência do item lexical no corpus mostrou-se relevante para a aplicação da lateral

palatalizada e, inclusive, das demais variantes. Isso ficou patente, não só pelo fato de

essa variável ter sido selecionada como favorecedora de [lj] na análise empreendida com

a RMRJ, mas principalmente pela diversidade de contextos estruturais indicados como

propulsores da variação [] ~ [lj], tanto nas análises sociolinguísticas apresentadas neste

estudo quanto nas demais análises mostradas no capítulo 3, em que se faz uma revisão

bibliográfica, comentando-se trabalhos que se referem à variação de [] no PB e no PE.

Em suma, pode-se dizer que os resultados encontrados, como já foi apontado ao

longo do capítulo, podem não estar representando um condicionamento propriamente

estrutural, mas um condicionamento determinado pela frequência média/alta de

determinados vocábulos nas amostras.

Com o intuito de demonstrar em que medida a alta/média incidência de

vocábulos em ambos os corpora é um fator que deve ser analisado em conjunto com os

condicionamentos linguísticos e sociolinguísticos apontados nas análises variacionistas

como influenciadores da aplicação de [lj], optou-se por listar todos os vocábulos

referentes a cada amostra deste estudo – RMRJ e RMLIS –, demonstrando a

51

Embora, na amostra da RMLIS, a variável Frequência do vocábulo no corpus não tenha sido

selecionada como favorecedora da lateral palatalizada, na análise sociolinguística foram mostrados fortes

indícios de que a alta e/ou média frequência de determinados vocábulos na amostra podem estar

influenciando a variação [] > [lj].

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distribuição de todas as variantes de // entre eles. Nos anexos 1 e 2, pode-se visualizar

tal distribuição e, consequentemente, a frequência de cada vocábulo nas amostras.

Nesta seção, à semelhança do que foi feito no decorrer do capítulo,

primeiramente, serão focalizadas as variantes menos encontradas nas amostras e, num

segundo momento, será analisada a variante [lj], a mais produtiva em ambas as

variedades. Serão feitos alguns comentários de ordem estrutural, social ou idioletal que,

porventura, possam estar influenciando tais ocorrências. Em seguida, serão listados os

vocábulos que apresentaram alta/média produtividade nas amostras, demonstrando os

índices de [lj] em cada um deles. Além disso, serão feitas algumas considerações,

também de ordem linguística e social, com relação aos dados apresentados.

6.3.1 Variantes menos produtivas de // nas amostras da RMRJ e da RMLIS

Na tabela 18, reproduzem-se dados que se encontram nas tabelas 1 e 2 – para

facilitar a observação –, em conjunto, dos índices obtidos em relação às variantes.

Tabela18. Variantes de // menos produtivas na RMRJ e na RMLIS

Índices Variantes de // menos produtivas

na RMRJ

Variantes de // menos produtivas

na RMLIS

Variantes [lj] [j] [l] [lj] [l] [j]

Ocorrências 323/2470 13/2470 64/2470 2/2470 107/1739 20/1739 17/1739 1/1739

Percentuais 13% 0.5% 2.6% 0.1% 6.2% 1.2% 1% 0.1%

(a) O cancelamento, a iodização e a despalatalização

O cancelamento, tanto na RMRJ, quanto na RMLIS, aparece apenas nos

vocábulos filho (1 ocorrência na RMRJ) e filha (2 ocorrências, uma na RMRJ e outra na

RMLIS).

Aparentemente, como foi mostrado na seção 6.1.1, os únicos condicionamentos

que parecem estar atuando sobre essa variante são extralinguísticos, uma vez que as três

ocorrências se deram na fala de indivíduos mais velhos e com baixo nível de

escolaridade. Tendo em vista, no entanto, que foram poucos os casos de cancelamento

e, somente nesses vocábulos, e que essa variante é muito comum em áreas interioranas,

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151

é provável que, em amostras de fala urbana, a ocorrência do cancelamento possa ter

implicações apenas de cunho idioletal.

A segunda variante menos usual nas amostras foi a iodização que, grosso modo,

ocorreu nos mesmos vocábulos em ambas as Regiões Metropolitanas (cf. tabela 19).

Tabela 19. Vocábulos com ocorrência de iodização na RMRJ e na RMLIS

Itens Lexicais

RMRJ

Ocorrências de

iodização /

Ocorrências totais

Itens Lexicais

(RMLIS)

Ocorrências de

iodização /

Ocorrências totais

Olha 1/203 Olha 9/62

Trabalho (verbo) 1/139 Olhos 2/10

Trabalho (subst.) 2/46 Olhe 1/28

Trabalha 4/92 Trabalho (subst.) 4/34

Trabalhar 4/151 Trabalha 1/21

Trabalhando 1/50

A tabela 19 mostra que tanto na RMRJ, quanto na RMLIS, a iodização

aconteceu nas formas relacionadas a olho/olhar e trabalho/trabalhar.

Os 13 casos de [j] na RMRJ, ocorreram na fala de apenas três informantes: em

Copacabana, os vocábulos trabalho (1 oco.) e trabalha (3 ocos.) foram proferidos por

um homem mais velho e de baixa nível de escolaridade; em Nova Iguaçu, os vocábulos

trabalhar (4 ocos.), trabalho (2 ocos.), trabalha (1 oco.) e trabalhando (1 oco.) foram

produzidos por uma mulher mais velha e com médio nível de escolaridade; já o

vocábulo olha (1 oco), apareceu na fala de uma mulher jovem e com baixo nível de

escolaridade.

Já na RMLIS, os 17 dados de iodização ocorrem na fala de quatro informantes,

um de Cacém e três de Oeiras, como pode ser visto a seguir: os vocábulos olhos (2

ocos.), trabalho (4 ocos.), trabalha (1 oco.), olhe (1 oco.) foram proferidos por uma

mulher de Oeiras, de meia idade e baixo nível de escolaridade; já o vocábulo olha, foi

produzido seis vezes por uma mulher de Oeiras, mais velha e nível intermediário de

instrução; duas vezes por outra mulher mais velha de Oeiras, só que com nível alto de

instrução; e uma vez, em Cacém, por uma mulher de meia idade e nível intermediário

de instrução.

Tais vocábulos também são encontrados com essa variante em exemplos

arrolados por Madureira (1987 e 1999) e Ferreira (2011). Como foi mencionado

anteriormente, ela é muito comum na fala de pessoas que vivem em regiões

interioranas, em geral, de baixo nível de escolaridade. Como os dados que compõem os

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corpora deste estudo foram eliciados de entrevistas realizadas com indivíduos

residentes em áreas urbanas, muito natural seria que houvesse poucos casos de

iodização e que, provavelmente, estivessem relacionados a características particulares

de um ou outro informante, isto é, a características idioletais. No entanto, não se pode

descartar a possibilidade de essas poucas ocorrências de [j] estarem, de alguma forma,

indicando certa interferência do nível de escolaridade: das 30 ocorrências de [j], apenas

duas, são encontradas na fala de um indivíduo de nível superior.

No que diz respeito à despalatalização, com base na tabela 20, percebe-se que,

no PB e no PE, salvo em vocábulos específicos, como manilhou, melhorou, trabalho,

trabalha, trabalhar, trabalhando, trabalhava, filho, filhos, calhar, produzidos por

determinados informantes, os demais casos de [l] ocorrem seguidos de vogal [+ cor].

Tabela 20. Ocorrências de despalatalização na RMRJ e na RMLIS

Itens Lexicais

RMRJ

Ocorrências de

despalatalização /

Ocorrências totais

Itens Lexicais

(RMLIS)

Ocorrências de

despalatalização /

Ocorrências totais

Mulher 23/85 Lhe 10/135

Mulheres 2/10 Lhes 2/46

Detalhe 1/6 Olhe 2/28

Colher (subst.) 1/2 Trabalhinho 1/1

Colheres 2/2 Trabalhinhos 1/1

Lhes 1/2 Calhar 1/183

Bilhete 1/1 Filho 2/117

Escolher 2/6 Filhos 1/187

Escolhido 2/2

Canalhice 1/1

Filhinho 2/3

Filhinha 1/1

Trabalhinho 1/1

Velhinha 1/2

Trabalhei 6/53

Patrulhinha 5/6

Manilhou 1/1

Melhorou 1/33

Trabalho (verbo) 3/139

Trabalha 3/92

Trabalhar 2/151

Trabalhando 1/50

Trabalhava 1/57

Esse condicionamento linguístico, portanto, parece estar sendo influenciado pela

incidência de vocábulos que apresentam esse contexto em posição subsequente a //,

como é o caso de mulher, na RMRJ.

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Merece ainda ser salientado que alguns vocábulos (marcados em amarelo) que

apresentam o contexto linguístico favorecedor da despalatalização, em ambas as

amostras, ocorrem de maneira categórica ou semicategórica com [l], como pode ser

visto em seguida: na RMRJ, colheres, bilhete, escolhido, canalhice, filhinha e

trabalhinho aparecem categoricamente com [l], já colher (substantivo), lhes, filhinho,

velhinha e patrulhinha ocorrem de maneira semicategórica; na RMLIS, trabalhinho e

trabalhinhos ocorrem categoricamente com [l].

Esses dados ratificam a influência das vogais [+ cor] como favorecedoras de [l].

No entanto, a tabela 21 indica que, quando // está seguido do sufixo –inho(a), há 50%

de possibilidades de ocorrer [l], o que não descarta a possibilidade de ser a presença de

outra palatal (//) o elemento impulsionador da despalatalização.

Tabela 21. Ocorrências de vocábulos com o

sufixo diminutivo -inho(a) na RMRJ e na RMLIS

RMRJ / Vocábulos Ocos. de [l]

Ocos. de []

Filhinha 1 -

Filhinho 2 1

Patrulhinha 5 1

Trabalhinho 1 -

Velhinha 1 -

Manilhinha - 1

Velhinho - 3

Velhinhos - 4

Total 10 10

RMLIS / Vocábulos

Ocos. de [l]

Ocos. de []

Trabalhinho 1 -

Trabalhinhos 1 -

Migalhinhas - 1

Velhinha - 1

Total 2 2

O sufixo parece favorecer a variação [] > [l], uma vez que não ocorrem, nesse

contexto, casos de [lj] – a variante inovadora e mais comum em ambas as amostras.

Brandão (2007) estabelece uma distinção de natureza sociolinguística em

relação a [l]. No caso da variante em foco, haveria um [l]1, “não marcado socialmente”,

aquele que ocorre seguido de [i], em especial no sufixo –inho, e um [l]2, “marcado

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socialmente”, o que antecede outras vogais, como em [mu‟l], por exemplo. A autora

observa ainda:

Ressalte-se que duas das variantes aqui consideradas mais estigmatizadas

equivalem a variantes que se observam nas etapas iniciais de aquisição da

lateral palatal. Como demonstrou Hernandorena (1997-s/d), quando não se

verifica o apagamento, a criança concretiza-a, em qualquer contexto,

inicialmente, como [l] (até os 2:4 ou 2:5 anos) e, em seguida, como [j] (até

2:8, 2:9 anos) até que, por volta dos 3:6-3:7 anos, começa a implementar a

sequência [lj], que, como se observa nos corpora aqui focalizados concorre,

em qualquer dialeto, com a variante [] (pág. 97).

(b) A despalatalização seguida de iode

A despalatalização seguida de iode, como pôde ser visto na tabela 18, é a mais

produtiva, dentre as outras variantes que menos ocorrem nas amostras. As tabelas 22 e

23 mostram que, embora [lj] apareça em uma diversidade considerável de vocábulos,

somente alguns se destacam com um número de ocorrências significativo.

Tabela 22. Vocábulos que apresentam a variante [lj] na fala da RMRJ

Itens Lexicais com [lj]

(Copacabana)

Ocorrências de [lj] /

ocorrências totais

Itens Lexicais com

[lj] (Nova Iguaçu)

Ocorrências de [lj] /

ocorrências totais

Filha 19/63 Atrapalha 1/9

Filhas 1/6 Castelhano 1/1

Filho 40/100 Filha 23/47

Filhos 20/58 Filhas 7/7

Olham 1/1 Filho 82/179

Olhar 1/6 Filhos 68/126

Olhos 2/5 Galho 1/1

Trabalho 1/85 Melhor 9/95

Melhora 2/7

Melhorada 1/1

Melhorado 3/5

Melhorando 2/6

Melhorar 5/31

Melhoraria 1/4

Melhorem 1/1

Melhores 2/10

Melhorou 2/19

Melhorzinho 1/3

Molhada 1/1

Olha 3/86

Olhar 2/7

Olho (Substantivo/verbo) 3/9

Olhos 4/6

Orgulho 1/7

Trabalha 2/48

Trabalhar 1/75

Trabalho 1/100

Trabalhos 1/2

Velha 3/12

Velho 3/20

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Como se expõe na tabela 22, na RMRJ, [lj] aparece com um grande número de

ocorrências, nos vocábulos filha, filho e filhos (marcados de laranja). Os vocábulos

marcados em verde, embora poucas vezes produzidos com essa variante, foram

encontrados nas duas localidades da RMRJ.

O fato de essa variante aparecer insistentemente, nos vocábulos mencionados

acima, além de parecer ser uma volta à origem da lateral palatal – proposta defendida

por Silveira (1986) e discutida na seção 6.1.1 – pode estar mostrando que algum

condicionamento linguístico pode estar influenciando tais ocorrências.

O maior número de dados com a variante [lj] aparece no item lexical filho (filho,

filha, filhos) que apresenta a vogal [i] antes de //. Esse resultado vai ao encontro do

que é apresentado por Machado-Soares (2008), que atesta serem as vogais [i], [e], []

antecedendo // as favorecedoras da despalatalização seguida de iode. Observe-se, na

tabela 22, que, além dos vocábulos mencionados, há outros que apresentam esse

contexto, tais como: filhas, melhor, melhora, melhorada, melhorado, melhorando,

melhorar, melhoraria, melhorem, melhores, melhorou, melhorzinho, velho e velha (em

geral, grupos de vocábulos que apresentam a mesma base lexical) (cf. seção 6.1.1).

Um dado curioso, que parece pertinente ser exposto aqui, diz respeito à

quantidade de ocorrência de [lj], em determinados vocábulos, em Nova Iguaçu. Como

pode ser confrontado com a tabela do anexo 1, os vocábulos filho e filhos aparecem em

maior número com [lj] do que com [lj] (variante preferida na fala da RMRJ) e os

vocábulos filhas, castelhano, galho, maravilhas, melhorem e molhada somente

ocorrem, em Nova Iguaçu, com a variante [lj]. Esse dado vai ao encontro do que é

afirmado por Cagliari (1974) para quem a despalatalização é uma etapa de evolução da

palatal, a partir da qual se operam algumas transformações, sendo a realização da lateral

despalatalizada com iode a última etapa desse processo. Essa informação é pertinente na

medida em que, conforme foi exposto na seção 6.1.1, [lj] parece estar se configurando

como uma variante inovadora, pois é menos comum na fala de indivíduos mais velhos e

com mais tempo de escolaridade.

Vale ressaltar ainda que (1) além dos casos categóricos com [lj], mostrados

acima (marcados em amarelo), Nova Iguaçu apresenta, ainda, palavras (também

marcadas em amarelo) que ocorrem de maneira semicategórica com essa variante –

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melhorado, melhorzinho e trabalhos –;(2) em Copacabana, a única ocorrência de olham

se dá com a variante [lj].

Observando a tabela 23, percebe-se que, à semelhança do acontece com a

RMRJ, é no item lexical filho (filho, filhos, filha, filhas), além de em milho e velhas

(marcados de laranja) que mais aparece [lj] na RMLIS. Os vocábulos marcados em

verde, ainda que pouco produtivos com [lj], na fala da região, coincidem nas duas

localidades.

Tabela 23. Vocábulos que apresentam a variante [lj] na fala da RMLIS

Itens Lexicais

(Oeiras) Ocorrências de [lj] /

ocorrências totais Itens Lexicais

(Cacém)

Ocorrências de [lj] /

ocorrências totais

Filha 7/14 Filho 11/61

Filhas 3/17 Filhos 6/113

Filho 12/55 Folha 2/3

Filhos 10/74 Folhas 2/6

Guerrilha 1/1 Milhões 2/2

Ilhas 1/1 Mulher 5/27

Lhe 5/43 Mulheres 1/5

Melhor 2/41 Trabalhar 1/57

Milho 6/7 Trabalhavam 1/3

Mulher 1/20 Trabalho 1/62

Mulheres 1/10 Velhote 1/2

Olha 1/41

Olho (subst/verbo) 4/6

Olhos 3/8

Trabalhar 5/79

Trabalhava 3/21

Trabalho 1/76

Velha 1/8

Velhas 6/7

Velhos 1/8

O fato de, também, no PE, os vocábulos mais produtivos com [lj] serem os

mesmos que os encontrados na RMRJ, ratifica as afirmações feitas acima. Ou seja, na

RMLIS, o uso mais frequente da variante [lj] também está ocorrendo,

preferencialmente, nos vocábulos com as vogais [+ ant] antecedendo //. Além dos

vocábulos mencionados anteriormente, a despalatalização seguida de iode ainda aparece

nos seguintes vocábulos que apresentam o mesmo condicionamento linguístico: filhas,

guerrrilha, ilha, melhor, milhões, velha, velhos e velhote.

Vale destacar que alguns vocábulos (marcados em amarelo) estão ocorrendo de

maneira categórica ou semicategórica com [lj], na RMLIS: em Oeiras, guerrilha, ilhas

aparecem categoricamente com a despalatalização seguida de iode, já milho, olho

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(subst./verbo) e velhas ocorrem de maneira semicategórica; em Cacém, milhões ocorre

categoricamente com [lj] e folha, trabalhavam e velhote aparecem de modo

semicategórico.

Embora na RMLIS, como foi apontado na seção 6.1.1, essa variante não esteja,

aparentemente, apresentando condicionamento extralinguístico, uma vez que os dados

estão distribuídos de maneira uniforme entre as três faixas etárias, os três níveis de

instrução e os dois gêneros, acredita-se que a variante [lj] pode também ser considerada

inovadora na região em foco. Essa variante é mais comum em Oeiras, concelho que foi

apontado nas análises sociolinguísticas como mais propenso às variantes inovadoras (cf.

seção 6.2.4).

6.3.2. Variante [lj] nas amostras da RMRJ e da RMLIS

Na análise sociolinguística efetuada tanto com a RMRJ quanto com a RMLIS,

buscou-se esclarecer quais os condicionadores linguísticos e/ou extralinguísticos que

levavam à aplicação da lateral palatalizada. Durante essa análise, observou-se que,

muitas das variáveis escolhidas como favorecedoras de [lj], estavam, provavelmente,

sofrendo a influência de determinados vocábulos de alta ou média frequência do corpus.

Isso ficou muito claro, quando, no que diz respeito à variável contexto subsequente –

selecionada como favorecedora da aplicação de [lj], na RMRJ – todas as vogais orais se

mostraram pertinentes para a concretização da lateral palatalizada. Essa informação vai

ao encontro do que é afirmado por Díaz-Campos & Ruiz-Sánchez (2008), segundo os

quais quando a maioria dos contextos é favorável, aparentemente não há padrões

fonológicos claros, o que leva a imaginar que fatores como incidência de determinados

vocábulos na amostra, podem estar influenciando, também, a variação. Brandão (2007),

inclui [lj] entre as variantes “não marcadas socialmente” (ao lado de [] e [l]

1, acima

referida), acrescentando serem ela e esta última consideradas por Câmara Jr. “típicas da

variedade relaxada”.

Como a variação [] > [lj] apresentou uma configuração um pouco diferente

entre as amostras, não só no que diz respeito às variáveis condicionadoras de [lj], mas

principalmente, no que toca à distribuição da lateral palatalizada entre os vocábulos,

decidiu-se examinar cada amostra em separado.

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(a) A lateral palatalizada na RMRJ

Partindo-se do pressuposto de que a alta produtividade de alguns vocábulos, na

amostra da RMRJ, estariam influenciando a escolha de determinadas variáveis

estruturais como favorecedoras de [lj], resolveu-se criar as tabelas que se encontram no

anexo 1, em que se demonstram (a) todos os vocábulos com //, elencados, em cada

uma das localidades, e (b) como se distribuem as variantes da lateral palatal entre esses

vocábulos.

As tabelas do anexo 1, mostram não só que 136 vocábulos foram elencados com

//, na amostra de Copacabana, e 134, na de Nova Iguaçu, mas também que as 694

ocorrências de [lj], em Copacabana, estão distribuídas entre 84 vocábulos e as 674

ocorrências da lateral palatalizada, em Nova Iguaçu, entre 77.

Das 84 palavras com [lj], da amostra de Copacabana, e das 77, da de Nova

Iguaçu, 9 apresentam, em ambas as amostras, uma frequência bastante alta de uso, como

pode ser visto na tabela 24.

Tabela 24. Distribuição das ocorrências de [lj] e [] nos vocábulos com frequência alta e

média de uso na RMRJ

Vocábulos Copacabana Nova Iguaçu

Ocos. totais Ocos.

com []

Ocos.

com [lj] Ocos. totais Ocos.

com []

Ocos.

com [lj]

Filha 63 11 32 47 7 17

Filho 100 11 49 179 25 72

Filhos 58 5 33 126 20 38

Melhor 60 25 35 95 23 63

Mulher 51 16 27 34 4 15

Olha 117 12 105 86 21 61

Trabalha 44 13 28 48 6 36

Trabalhar 76 15 61 75 20 48

Trabalho 85 7 76 100 25 69

Ao confrontar a tabela 24 com as tabelas do anexo 1, percebe-se que das 694

ocorrências da lateral palatalizada no corpus de Copacabana, 446 incidem nos

vocábulos de uso mais frequente, o que equivale a 64% de todos os casos de [lj] na

localidade. O mesmo está acontecendo em Nova Iguaçu, das 674 ocorrências de [lj],

419, estão nos vocábulos listados na tabela 24, isto é, 62% dos dados da lateral

palatalizada ocorrem nas palavras de frequência alta ou média.

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Esses números indicam, também, que, embora 84 vocábulos, em Copacabana, e

77, em Nova Iguaçu, apareçam com [lj], no corpus da RMRJ, apenas 9 vocábulos,

apresentam mais da metade de todas as ocorrências da lateral palatalizada da amostra.

Esse resultado parece indicar que os condicionamentos linguísticos apontados na análise

sociolinguística como favorecedores da variação [] ~ [lj], estão sofrendo influência da

incidência de determinados vocábulos na amostra.

A análise sociolinguística da RMRJ indicou três variáveis linguísticas, além da

frequência do vocábulo no corpus, como favorecedoras da aplicação de [lj]: classe do

vocábulo, tonicidade da sílaba em que incide o segmento e contexto subsequente. A

tabela 24 mostra que as palavras de uso mais frequente, na amostra, apresentam os

fatores selecionados como motivadores da variação: quase todos os vocábulos são

verbos, que apresentam // em sílaba postônica, além de vogais coronais, labiais ou

dorsal em contexto subsequente (cf. itens 6.2.2 e 6.2.3). Os vocábulos de baixa

frequência com tais contextos, embora apareçam com [lj], também ocorrem, bastante

frequentemente com [] (cf. tabelas do anexo 1).

(b) A lateral palatalizada na RMLIS

A análise sociolinguística com a RMLIS revelou que [lj] é muito mais produtivo

em Oeiras do que em Cacém (cf. item 6.2.4). Nesse sentido, pareceu ser necessária a

criação das tabelas, que constam do anexo 2, não só para listar todos os vocábulos com

//, encontrados, em cada uma das localidades, mas também para mostrar como se

distribuíram as variantes da lateral palatal entre esses vocábulos.

O // ocorreu em 93 vocábulos, em Oeiras, e, em 105 vocábulos, em Cacém. Os

585 dados de [lj], em Oeiras, estão distribuídos por 72 vocábulos, já as 356 ocorrências

referentes a Cacém se distribuíram em 49 palavras.

Através das informações fornecidas não só no item 6.2.4, mas também nas

tabelas do anexo 2, percebe-se que, se das 727 ocorrências de //, em Oeiras, 585 foram

com [lj] e que, se dos 867 dados da lateral palatal, em Cacém, apenas 356 foram

concretizados com a lateral palatalizada, os resultados, no que diz respeito à frequência

de determinados vocábulos, nas duas localidades, podem ser diferentes. Ainda assim,

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mesmo que, em Cacém, a produtividade de [] seja maior, da mesma forma que em

Oeiras, a constituição lexical do corpus da pesquisa demonstrou que o resultado pode

estar mais vinculado à recorrência de determinados vocábulos do que propriamente a

condicionamentos estruturais.

Excetuando as palavras filho, melhor, olha, trabalhar, trabalho, que apresentam

média frequência na amostra, e lhe, filhos e calhar, com índice alto de ocorrência, as

demais 64 palavras com [lj], da amostra de Oeiras, e as demais 41, da de Cacém,

apresentam baixa frequência na amostra. A tabela 25 mostrará como estão distribuídos

os dados da lateral palatalizada nas palavras de alta frequência tanto em Oeiras quanto

em Cacém.

Tabela 25. Distribuição das ocorrências de [lj] e [] nos vocábulos com frequência alta e

média de uso na RMLIS

Vocábulos Oeiras Cacém

Ocos. totais Ocos.

com []

Ocos.

com [lj] Ocos. totais Ocos.

com []

Ocos.

com [lj]

Calhar 84 ocos. 4 79 99 ocos. 31 68

Filho 56 ocos. 11 31 61 ocos. 33 17

Filhos 74 ocos 30 33 113 ocos. 85 22

lhe 43 ocos. 10 22 92 ocos. 42 46

Melhor 41 ocos. 13 26 45 ocos. 21 24

Olha52

40 ocos 2 29 21 ocos. 11 9

Trabalhar 57 ocos. 3 71 79 ocos. 26 30

Trabalho 76 ocos. 3 68 62 ocos. 43 18

A tabela mostra resultados díspares, no que diz respeito ao uso de [lj], nas

palavras de frequência alta ou média, nas duas localidades. Em Oeiras, mesmo que o

vocábulo filhos se mostre neutro quanto ao uso de [lj] – 33 dados – ou de [] – 30 dados

–, as demais palavras estão mais propensas a serem produzidas com a lateral

palatalizada. O contrário está acontecendo em Cacém: com a exceção de lhe, melhor e

trabalhar – que se mostram neutros quanto a serem concretizados com uma ou outra

variante, mas ainda assim, sendo mais produzidos com [lj] –, e calhar que, claramente

está mais propensa a ser concretizada coma lateral palatalizada, as demais palavras de

uso médio ou alto no corpus, estão sendo produzidas mais comumente com [].

52

O vocábulo olha não será analisado, no Cacém, pois, nessa localidade, apresentou baixa frequência de

uso.

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Em Oeiras, os condicionadores estruturais – classe de palavra e contexto

antecedente –, indicados na análise sociolinguística (cf. itens 6.2.2 e 6.2.4), parecem

estar, mais uma vez, sendo influenciados pela recorrência de alguns vocábulos do

corpus.

As análises efetuadas indicam ser as vogais dorsais e labiais, em contexto

antecedente, os verbos e o vocábulo calhar (dentro da expressão „se calhar‟) os

favorecedores da aplicação da regra. Ao observar atentamente a tabela 25, percebe-se

que, em Oeiras, os vocábulos que se enquadram nesses padrões são os que mais estão

sendo produzidos com [lj], a saber: olha, trabalhar, trabalho e calhar.

Vale acrescentar que, observando-se as tabelas do anexo 2, percebe-se que,

independentemente do contexto linguístico, da classe do vocábulo ou da frequência do

item lexical no corpus, os indivíduos da localidade de Oeiras, parecem estar, realmente,

bastante propensos a utilizar a variante [lj]. Mesmo vocábulos de baixíssima incidência

na amostra e/ou que não se enquadram nos contextos que favorecem a aplicação de [lj],

estão sendo produzidos mais vezes com a lateral palatalizada. Note-se que essa

informação não invalida o que foi dito acima, no entanto, demonstra que,

provavelmente, fatores extralinguísticos estejam atuando na variação [] > [lj] de

maneira mais contundente do que se previa.

Na análise sociolinguística efetuada com a RMLIS, demonstrou-se que a lateral

palatalizada parece estar se configurando como uma variante inovadora de //, preferida

dos indivíduos mais jovens e com maior nível de escolaridade (cf. itens 6.2.2, 6.2.3

6.2.4). Assim sendo, talvez, em Oeiras – concelho que apresenta um dos mais elevados

índices de qualidade de vida de Portugal e que se assumiu como sede de importantes

empresas ligadas às novas tecnologias e à prestação de serviços –, esses fatores sociais

estejam sobrepujando os de ordem estrutural e de frequência de uso, fazendo com que

os falantes, de um modo geral, estejam preferindo a lateral palatalizada à lateral palatal.

Já, em Cacém, percebe-se que somente calhar, item lexical de alta frequência,

está atuando como favorecedor da aplicação da regra. Além disso, esse vocábulo,

também apresenta os condicionamentos linguísticos apresentados, (cf. itens 6.2.2 e

6.2.4), como favorecedores de [lj]: apresenta vogal dorsal antes de // e está inserido na

expressão “se calhar”, escolhida pelo programa probabilístico GoldVarb-X, como a que

mais favorece o uso da lateral palatalizada na RMLIS.

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7 ANÁLISE ACÚSTICA DAS VARIANTES DE //

7.1 Observações preliminares

Tendo em vista que, para alguns autores como Pontes (1973) e Cristófaro-Silva

(1999), a consoante [] ocorre na fala de poucos falantes do PB, que a substituem por

[lj] e que, ainda segundo Câmara Jr. (1979), é comum a neutralização do contraste /l/ -

// diante de /i/ com a realização, apenas, do primeiro membro [l], e que, não só

segundo Cagliari (1974), mas também de acordo com Cunha (1986), o ieísmo é bastante

comum no PB, verificou-se a necessidade de se fazerem algumas análises acústicas a

fim de observar as características formânticas das variantes das laterais. Cabe ressaltar

que (1) a inserção da lateral anterior velarizada no estudo advém da observação da fala

de alguns informantes do PB e do PE que, por vezes, produzem a lateral anterior /l/

como uma velarizada [] e, (2) embora o [j] não seja uma lateral, pelo fato de ser uma

realização possível do fonema // no PB e no PE, optou-se por incluí-lo na análise.

Como para Ohala (1987), o nosso conhecimento do mundo está sujeito a

distorções e que, justamente por isso, se torna necessário refinar e estruturar as nossas

observações de tal modo que se eliminem ou atenuem os fatores que possam distorcer o

nosso conhecimento ou torná-lo ambíguo, optou-se por criar um corpus complementar,

gravado no Laboratório de Fonética da UFRJ, que contempla a produção das laterais em

quatro contextos, a saber: (a) o primeiro, com as variantes das laterais seguidas pela

vogal dorsal [a], (b) o segundo, com as variantes seguidas pela vogal + anterior [i], (c) o

terceiro, somente com as variantes [] e [lj] – que mostraram ser as mais produtivas nas

amostras do PB e do PE – seguidas pela vogal [a] e (d) o quarto, com as variantes lateral

palatal e lateral palatalizada, seguidas de [i]. Nos dois primeiros contextos, todas as

variantes analisadas se encontram em sílaba tônica e, nos terceiro e quarto, [] e [lj] se

estão em sílaba postônica.

Com os dois primeiros contextos, por meio de uma análise acústica, pretende-se

observar os perfis espectrográficos das laterais para averiguar possíveis diferenças e/ou

semelhanças entre elas. Para a feitura dessa análise, as frases “Eu disse te'_ado de novo”

e “Eu disse to'_ido de novo” foram ditas três vezes por um mesmo informante

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masculino, com cada uma das variantes e digitalizadas com o auxílio do Programa Praat

para que pudessem ser analisados os seus respectivos espectrogramas.

Com os terceiro e quarto contextos, analisaram-se somente as variantes [] e [lj],

em sílaba postônica, para averiguar se os resultados encontrados nas análises

empreendidas com os dois primeiros contextos ocorreriam, também, com essas

variantes, num ambiente com menor intensidade. Aqui, assim como foi feito nos dois

primeiros contextos, as frases “Eu disse „te_a de novo” e “Eu disse „te_e de novo”

foram ditas três vezes pelo mesmo informante masculino, com cada uma das variantes,

e digitalizadas com o auxílio do Programa Praat.

Conforme se verá mais adiante através da descrição das análises acústicas, para

que o resultado fosse mais confiável, mediu-se cada um dos formantes de todas as

variantes, em todas as suas repetições, e depois foi estabelecida a média dos valores

encontrados. Ressalte-se, ainda, que os formantes – F1, F2, F3 e F4 – foram medidos no

centro de cada segmento.

7.2 Variantes em sílaba tônica

(a) Seguidas pela vogal [a]

A análise acústica das variantes das laterais foi efetuada, primeiramente, seguida

pela vogal [a], já que não só esse contexto subsequente é frequentemente utilizado nos

estudos acústicos sobre a lateral palatal na literatura especializada, mas também, pelo

fato de essa vogal ter sido considerada importante para a variação [] ~ [lj], na análise

sociolinguística empreendida neste trabalho (cf. capítulo 6).

Como pode ser visto na tabela 26, a variante [l] presente na palavra “te[l]ado”

apresenta os seguintes valores médios dos quatro primeiros formantes, medidos sempre

na porção central do segmento: F1 – 447 Hz, F2 – 1122 Hz, F3 – 3087 Hz e F4 3671

Hz.

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Figura 9. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l]ado (2)53

(de novo), com [l] apical; F1 a

428Hz, F2 a 1124Hz , F3 a 2837Hz e F4 a 3634Hz.

Tabela 26. Média dos valores dos formantes de [l] seguido de [a] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[l]ado (1)54

446 1105 2949 3684

te[l]ado (2) 428 1124 2837 3634

te[l]ado (3) 468 1137 3476 3695

Média 447 1122 3087 3671

Desvio Padrão 20,1 16,1 341,2 32,5

Ao se compararem os valores médios dos formantes de [lj] na palavra “te[l

j]ado”

(F1 – 233 Hz, F2 – 1806 Hz, F3 – 2843 Hz e F4 – 3580 Hz) com os de [l], percebe-se

que houve um abaixamento significativo de F1 e, em menor escala, de F3, um

abaixamento mais singelo em F4 e uma elevação acentuada de F2, como pode ser visto

na tabela 27.

53

O número 2, ao lado, neste caso, do vocábulo „te[l]ado‟ indica segunda repetição. Assim sendo, essa

figura foi feita a partir da gravação da segunda repetição da frase (Eu disse) te[l]ado(2) (de novo). 54

Os números que aparecem nas tabelas, ao lado dos vocábulos, indicam a ordem das gravações. Ou seja,

1 – significa primeira gravação, 2 – segunda gravação, 3 – terceira gravação.

t e [ l ] a d u

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Figura 10. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l j]ado(2) (de novo), com [l

j] laminal

(palatalizado) [lâmino-posalveolar]; F1 a 235 Hz, F2 a 1778 Hz, F3 a 2898 Hz e F4 a 3580 Hz.

Tabela 27. Média dos valores dos formantes de [l

j] seguido de [a] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[lj]ado (1) 228 1853 2785 3547

te[lj]ado (2) 235 1778 2898 3580

te[lj]ado (3) 235 1789 2848 3614

Média 233 1806 2843 3580

Desvio Padrão 4,1 40,5 56,6 33,5

Observando-se a tabela 28, percebe-se que a variante [] apresenta os seguintes

valores médios dos quatro primeiros formantes: F1 – 308 Hz, F2 – 1847 Hz, F3 – 2884

Hz e F4 – 3807 Hz.

Contrastando a configuração formântica desta variante com a da apresentada

anteriormente – [lj] –, percebe-se que poucas são as diferenças encontradas: os valores

médios dos formantes de [] são um pouco mais altos que os dos formantes de [lj]. Essa

diferença sutil encontrada parece justificar não só por que é tão difícil, muitas vezes,

perceber se um falante está pronunciando a lateral palatal propriamente dita ou a

t e [l j] a d u

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166

palatalizada, mas também, entender por que muitos linguistas acreditam ser [lj] a

variante mais produtiva de // no PB. Essa suposição, que provavelmente decorre da

impressão sensorial que se tem ao se tentar articular as duas variantes, pode advir da

semelhança acústica de ambas as variantes.

Se forem comparados os valores médios dos formantes de [] com os de [l],

percebe-se que F1 e F3 de [] são mais baixos que os de [l] e F2 e F4 de [] são mais

altos que os de [l]. Esse resultado é, em parte, o mesmo encontrado no estudo de Stein

(2011), para quem as médias de F2 serem mais altas para [] do que para [l] é previsível

segundo o modelo de Lindbloom & Sundberg (1971), já que, segundo esses autores, no

tocante à abertura da mandíbula, parece ocorrer um grande crescimento no valor de F2

para as consoantes que são produzidas com a língua retraída em direção ao palato mole,

que é o caso da palatal [] e não de [l], que é uma alveolar.

Figura 11. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]ado(2) (de novo), com [] dorsal

[dorso-palatal]; F1 a 269 Hz, F2 a 1851 Hz, F3 a 2974 Hz e F4 a 3942Hz.

Figura 10

t e [] a d u

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Tabela 28. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [a] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[]ado (1) 373 1803 2797 3755

te[]ado (2) 269 1851 2974 3942

te[]ado (3) 281 1887 2882 3725

Média 308 1847 2884 3807

Desvio Padrão 56,9 42,1 88,5 117,6

A partir dos dados apresentados na tabela 29, vê-se que os valores médios dos

formantes da variante [j] inserida na palavra “te[j]ado” são os seguintes: F1 – 276 Hz,

F2 – 2128 Hz, F3 – 3180 Hz e F4 – 3670 Hz.

Comparando esses resultados com os encontrados nas demais variantes vistas até

agora, observa-se que há bastante diferença entre elas: o primeiro formante de [j] é mais

baixo que os de [] e [l] e mais alto que o de [lj]; os segundo e terceiro formantes de [j]

são mais altos do que os das demais variantes e o quarto formante apresenta o mesmo

valor do de [l], valor mais baixo que o de [] e mais alto que o de [lj] (cf. tabelas 26, 27,

28, 29).

Figura 12. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[j]ado(2) (de novo), com [j] semivogal;

F1 a 275 Hz, F2 a 2130 Hz, F3 a 3187 Hz e F4 a 3650 Hz.

t e [ j ] a d u

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Tabela 29. Média dos valores dos formantes de [j] seguido de [a] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[j]ado (1) 253 2141 3242 3682

te[j]ado (2) 275 2130 3187 3650

te[j]ado (3) 301 2112 3112 3679

Média 276 2128 3180 3670

Desvio Padrão 24,1 14,6 65,2 17,7

Conforme pode ser verificado na tabela 30, as médias dos formantes de [] são

as apresentadas a seguir: F1 – 467 Hz, F2 – 914 Hz, F3 – 3221 Hz e F4 – 3584 Hz.

Comparando a configuração formântica de [] com as demais variantes da

lateral, observa-se que [] apresenta tanto F1 quanto F3 mais alto que os das outras e F2

mais baixo que o das demais. No que diz respeito ao F4, pode-se dizer que este é mais

baixo que o de [j], [] e [l] e apresenta um valor muito próximo do de [lj].

Embora, aparentemente, [] apresente formantes bastante díspares dos das

demais variantes das laterais, ao observar mais cuidadosamente as suas configurações

espectrográficas, percebe-se que há bastante semelhança entre [l] e [], o que pode ser

comprovado através das médias dos seus formantes, principalmente do primeiro, do

segundo e quarto, como pode ser visto a seguir: formantes de [l] – F1: 447 Hz, F2: 1122

Hz, F3: 3087 Hz, F4: 3671 Hz –; formantes de [] – F1: 467 Hz, F2: 914 Hz, F3: 3221

Hz, F4: 3584 Hz.

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Figura 13. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]ado(2) (de novo), com []

velarizado; F1 a 434 Hz, F2 a 985 Hz, F3 a 3303 Hz e F4 a 3741 Hz.

Tabela 30. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [a] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[]ado (1) 427 849 3121 3662

te[]ado (2) 434 985 3303 3741

te[]ado (3) 539 909 3241 3350

Média 467 914 3221 3584

Desvio Padrão 62,7 68,2 92,6 206,7

Merece ser salientado, ainda, que o fato observado por Stein (2011), a saber, que

mesmo em realizações plenamente palatais, e não palatalizadas, seria possível perceber

uma manifestação de um segmento que lembraria a vogal [i], não foi verificado nessa

análise.

t e [] a d u

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(b) Seguidas pela vogal [i]

Como não só nos estudos de Câmara Jr. (1979), mas também nos de Madureira

(1999), Brandão (2007) e Ferreira (2011), a vogal + coronal [i] parecia influenciar a

concretização da variante [l], resolveu-se observar um segundo contexto em que, como

já foi dito anteriormente, foi gravada a frase “Eu disse to'_ido de novo” com as

diferentes variantes das laterais. Essa segunda análise teve por objetivo verificar se a

vogal + coronal [i], de alguma forma, modificava a configuração espectrográfica das

laterais.

Como pode ser visto na tabela 31, nota-se que a variante [l] presente na palavra

“to[l]ido” apresenta os seguintes valores médios dos quatro primeiros formantes: F1 –

244 Hz, F2 – 1612 Hz, F3 – 2391 Hz e F4 3497 Hz.

Figura 14. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[l]ido(1) (de novo), com [l] apical; F1 a

213 Hz, F2 a 1687 Hz , F3 a 2402 Hz e F4 a 3494 Hz.

t o [ l ] i d u

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Tabela 31. Média dos valores dos formantes de [l] seguido de [i] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

to[l]ido (1) 213 1687 2402 3494

to[l]ido (2) 249 1541 2300 3499

to[l]ido (3) 271 1609 2473 3498

Média 244 1612 2391 3497

Desvio Padrão 29,3 73,1 87 2,6

Comparando esse resultado com o encontrado na primeira análise empreendida,

com as palavras “telado/telhado”, percebe-se que a configuração formântica de [l] difere

bastante. Quando [l] vem seguido de vogal [a], os valores médios de F1, F3 e F4 são

mais altos (447 Hz, 3087 Hz, 3671 Hz, respectivamente). Já o F2 é mais baixo (1122

Hz) (cf. tabela 26).

Além disso, observa-se, também, que o F1 de [l] parece que se harmoniza com o

F1 da vogal [i]. A partir da figura 14, vê-se que a linha vermelha que assinala a

evolução temporal do primeiro formante de [l] permanece praticamente inalterada

durante a pronúncia do [i].

Conforme pode ser visto na tabela 32, a variante [lj] presente na palavra

“to[lj]ido” apresenta os seguintes valores médios dos quatro primeiros formantes: F1 –

253 Hz, F2 – 1617 Hz, F3 – 3290 Hz e F4 3561 Hz.

Ao comparar a configuração formântica desta variante com a anteriormente

apresentada, percebe-se que não houve muita diferença: somente o F3 é bem mais alto –

3290 Hz para [lj] e 2391 Hz para [l].

Ao contrastar o perfil espectrográfico de [lj] seguido pela vogal [a] e de [l

j]

seguido pela vogal [i], observa-se que também não há muita diferença: ocorre um

pequeno abaixamento de F2 (1806 Hz x 1617 Hz) e um aumento de F3 (2843 Hz x

3290).

Ao observar melhor, no entanto, as figuras 15 e 10, nota-se, mais uma vez, que o

primeiro formante de [lj] parece harmonizar-se com o primeiro formante de [i], o que

não ocorre com a vogal [a], na primeira análise. Nesta, percebe-se, claramente, que F1

sobe durante a pronúncia da vogal.

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Figura 15. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[l

j]ido(3) (de novo), com [l

j] laminal

(palatalizado) [lâmino-posalveolar]; F1 a 247 Hz, F2 a 1585 Hz , F3 a 2932 Hz e F4 a 3567 Hz.

Tabela 32. Média dos valores dos formantes de [l j] seguido de [i] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

to[lj]ido (1) 259 1477 3520 3548

to[lj]ido (2) 254 1790 3420 3570

to[lj]ido (3) 247 1585 2932 3567

Média 253 1617 3290 3561

Desvio Padrão 6,1 159 314,6 11,9

A partir dos dados apresentados na tabela 33, vê-se que os valores médios dos

formantes da variante [] inserida na palavra “to[]ido” são os seguintes: F1 – 266 Hz,

F2 – 1756 Hz, F3 – 2853 Hz e F4 – 3551 Hz.

t o [ l j ] i d u

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Figura 16. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[]ido(3) (de novo), com [] dorsal

[dorso-palatal]; F1 a 257 Hz, F2 a 1699 Hz , F3 a 2702 Hz e F4 a 3570 Hz.

Tabela 33. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [i] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

to[]ido (1) 284 1780 2925 3481

to[]ido (2) 257 1791 2934 3604

to[]ido (3) 257 1699 2702 3570

Média 266 1756 2853 3551

Desvio Padrão 15,6 50,2 131,4 63,5

Aqui, à semelhança do que ocorre no primeiro contexto, o perfil espectrográfico

de [] é muito parecido com o de [lj]. Os valores médios de F1, F2 e F4 são

praticamente idênticos; somente o F3 de [] apresenta média 437 Hz mais baixa que o

de [lj], conforme pode ser visto a seguir: formantes de [] – F1: 266 Hz, F2: 1756 Hz,

F3: 2853 Hz, F4: 3551 Hz –; formantes de [lj] – F1: 253 Hz, F2: 1617 Hz, F3: 3290 Hz,

F4: 3561 Hz.

t o [ ] i d u

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174

Com esse contexto, então, ratifica-se a hipótese de que, por apresentarem

configuração formântica muito parecida, é difícil distinguir a pronúncia de um [] da de

um [lj].

Além disso, nessa análise empreendida com as laterais seguidas de [i], os valores

médios de F2 e F3 de [], embora modestamente, também são mais altos que os de [l].

Isso demonstra que, independentemente da vogal que venha depois da consoante, o

perfil espectrográfico da lateral alveolar e da lateral palatal difere, comprovando o que

afirmam Lindbloom & Sundberg (1971): haver uma relação ampla entre a articulação e

o comportamento acústico das consoantes.

Como // é uma consoante palatal, suas médias de F2 e F3 devem ser maiores

que as verificadas para /l/, cujo ponto de articulação é alveolar. Assim, o F2 das

consoantes que são produzidas com a língua retraída em direção ao palato mole é maior

e o F3 é mais alto, caso a mandíbula esteja moderadamente aberta e a língua voltada

para a região do palato.

Conforme pode ser visto em seguida, a tabela 34 apresenta os seguintes valores

médios dos formantes da variante [j]: F1 – 230 Hz, F2 – 2171 Hz, F3 – 3219 Hz e F4 –

3621 Hz.

Comparando os resultados da primeira análise com os da segunda, percebe-se

que o perfil espectrográfico de [j] + [i] e o de [j] + [a] apresentam uma diferença

bastante modesta. Tanto F1 quanto F4 de [j] seguido de vogal [i] são um pouco mais

baixos do que os de [j] seguido de vogal [a]: F1: 230 Hz x 276 Hz.; F4: 3621 Hz x 3670

Hz. Já os valores médios de F2 e F3 seguidos da vogal [i] são um pouco mais altos que

os dos seguidos da vogal [a]: F2: 2171 Hz x 2128 Hz; F3: 3219 Hz x 3180 Hz. (conf.

tabelas 29 e 34)

Além disso, como era de se esperar, o F1 do iode, nessa análise, é muito

semelhante ao da vogal [i] que se lhe segue: a vogal, inclusive, conforme pode ser visto

na figura 17, parece uma continuação da semivogal.

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Figura 17. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[j]ido(2) (de novo), com [j] semivogal; F1

a 229 Hz, F2 a 2185 Hz , F3 a 3088 Hz e F4 a 3590 Hz.

Tabela 34. Média dos valores dos formantes de [ j ] seguido de [i] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

to[j]ido (1) 234 2080 3381 3704

to[j]ido (2) 229 2185 3088 3590

to[j]ido (3) 228 2249 3190 3570

Média 230 2171 3219 3621

Desvio Padrão 3,2 85,3 148,7 72,3

Conforme pode ser verificado na tabela 35, as médias dos formantes de [] são

as apresentadas a seguir: F1 – 374 Hz, F2 – 1106 Hz, F3 – 2513 Hz e F4 – 3554 Hz.

t o [ j ] i d u

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Figura 18. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) to[]ido(2) (de novo), com [] velarizado;

F1 a 434 Hz, F2 a 977 Hz , F3 a 2363 Hz e F4 a 3562 Hz

Tabela 35. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [i] em sílaba tônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

to[]ido (1) 448 982 2443 3560

to[]ido (2) 434 977 2362 3562

to[]ido (3) 242 1361 2736 3541

Média 374 1106 2513 3554

Desvio Padrão 115,1 220,3 196,7 11,6

Comparando a configuração formântica de [] com as demais variantes da

lateral, observa-se que a lateral alveolar velarizada apresenta o F1 mais alto do que o

das outras variantes e o F2 mais baixo. Quanto ao F3, percebe-se que o de [] é mais

alto que o de [l] e mais baixo que o de [j], [] e [lj]. Já a média dos valores de F4 de []

é muito próxima da das demais variantes.

t o [ ] i d u

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Observando os dados dos primeiro e segundo contextos, verifica-se que o perfil

espectrográfico de [] é bastante semelhante tanto quando seguido de [a] quanto quando

seguido de [i]. O quarto formante, por exemplo, apresenta médias muito próximas: []

seguido de [a]: 3584 Hz; [] seguido de [i]: 3554 Hz. Somente o terceiro formante

apresenta-se um pouco mais desigual: 3221 Hz, quando [] está seguido de [a] e 2513

Hz, quando [] está seguido de [i].

Destaque-se, ainda, que a porção vocálica semelhante a um [i] detectada na lateral

palatal, tal como relatado por Stein (2011), tampouco se faz presente nesse contexto.

Observando as figuras 14, 15, 16 e 17, em que [l], [lj], [] e [j] vem seguido da vogal

[i], verifica-se que, na verdade, diferentemente do que ocorre com a vogal [a], o

primeiro formante de cada uma das variantes parece harmonizar-se com o F1 da vogal

[i].

7.3. Variantes em sílaba postônica

Conforme foi dito anteriormente, resolveu-se analisar, em sílaba postônica, as

variantes [] e [lj], também, seguidas pelas vogais [a] e [i] para verificar se os resultados

encontrados, em um ambiente com menor intensidade, seriam semelhantes aos que

foram verificados em sílaba tônica. O fato de ser dada atenção aqui somente às variantes

mencionadas acima, ocorre não só (1) pelo fato de esses segmentos terem sido os mais

produtivos na fala tanto da RMRJ quanto na da RMLIS (cf. capítulo 6), mas também (2)

para tentar confirmar se realmente há semelhança acústica entre [] e [lj] mesmo em um

ambiente cuja intensidade seja diferente da efetuada nos dois primeiros experimentos.

Assim sendo, a análise formântica das laterais palatal (dorsal) [] e palatalizada

(laminal) [lj], cujos formantes (F1, F2, F3 e F4) foram medidos no centro do segmento,

foi estabelecida nos vocábulos “telha” e “telhe”, nos contextos “Eu disse „te __ a‟ de

novo‟ e “Eu disse ‘te _ e‟ de novo”.

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(a) Seguidas pela vogal [a]

Como pode ser visto na tabela 36, a variante [lj] presente na palavra “te[l

j]a”

apresenta os seguintes valores médios dos quatro primeiros formantes: F1 – 256 Hz, F2

– 1743 Hz, F3 – 2561 Hz e F4 3541 Hz.

Figura 19. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l j]a(1) (de novo), com [l

j]

laminal (palatalizado); F1 a 261, F2 a 1735 , F3 a 2560Hz e F4 a 3504Hz

Tabela 36. Média dos valores dos formantes de [l

j] seguido de [a] em sílaba postônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[lj]a (1) 261 1735 2560 3504

te[lj]a (2) 253 1704 2542 3553

te[lj]a (3) 253 1791 2580 3565

Média 256 1743 2561 3541

Desvio padrão 4,6 44,1 19,0 32,31

Ao se compararem os valores médios dos formantes de [] + [a] (F1 – 275 Hz,

F2 – 1892 Hz, F3 – 2794 Hz e F4 – 3500 Hz) com os de [lj] + [a], percebe-se que

poucas são as diferenças visualizadas: os valores médios dos primeiro, segundo e

t e [l j] a

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terceiro formantes da lateral palatal são um pouco mais altos que os dos formantes da

lateral palatalizada. Ou seja, conforme pode ser verificado na tabela 37, a diferença

encontrada entre os três primeiros formantes de [] e de [lj] seria a seguinte: F1 – 19 Hz

a mais; F2 – 149 Hz a mais; F3 – 233 Hz a mais. Somente o F4 de [] apresentou-se um

pouco mais baixo que o de [lj]: 41 Hz a menos.

Figura 20. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]a(3) (de novo), com []

dorsal [dorso-palatal]; F1 a 282 Hz, F2 a 1897 Hz, F3 a 2753 Hz e F4 a 3394 Hz

Tabela 37. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [a] em sílaba postônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[]a 1 277 1943 3026 3440

te[]a 2 265 1837 2604 3666

te[]a 3 282 1897 2753 3394

Média 275 1892 2794 3500

Desvio Padrão 8,7 53,2 214,0 145,6

t e [] a

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Muito semelhante é o resultado encontrado na comparação entre [] e [lj], diante

de [a], em contexto tônico (cf. tabelas 27 e 28 da seção 7.2). Os valores médios dos

formantes da primeira variante, também, são sutilmente mais altos do que os da

segunda: F1 – 75 Hz a mais; F2 e F3 – 41 Hz a mais e F4 – 227 Hz. Em contexto

postônico, no entanto, a diferença entre F2 e F3 de [] e de [lj] é maior e o F4 apresenta-

se mais baixo em [] do que em [lj]. Acredita-se, entretanto, que essa pequena

discrepância, não impeça de se continuar afirmando que, pelo fato de [] e [lj] serem

muito parecidos acusticamente, tem-se a impressão sensorial de só haver um fone, o que

justifica a dificuldade de se perceber se o falante está pronunciando a lateral palatal ou a

palatalizada.

(b) Seguidas pela vogal [i]

A tabela 38 demonstra que os valores médios dos quatro primeiros formantes da

variante [lj] diante de [i], em posição postônica, são os seguintes: F1 – 254 Hz; F2 –

1547 Hz; F3 – 2513 Hz e F4 – 3647 Hz. Já, observando-se a tabela 39, percebe-se que a

variante [], inserida na palavra “te[]e”, apresenta os seguintes valores médios dos

quatro primeiros formantes: F1 – 240 Hz, F2 – 1713 Hz, F3 – 2616 Hz e F4 – 3763 Hz.

Assim sendo, aqui, à semelhança do que ocorre, no contexto [a]/[lja], o perfil

espectrográfico de [i] é muito parecido com o de [lji]. O valor médio de F1 é um pouco

mais baixo e os valores médios de F2, F3 e F4 são ligeiramente mais altos, conforme

pode ser visto a seguir: formantes de [] + [i] – F1: 240 Hz, F2: 1713 Hz, F3: 2616 Hz,

F4: 3763 Hz –; formantes de [lj] + [i] – F1: 254 Hz, F2: 1547 Hz, F3: 2513 Hz, F4:

3647 Hz.

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Figura 21. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[l j]e(1) (de novo), com [l

j] laminal

(palatalizado); F1 a 257 Hz, F2 a 1508 Hz, F3 a 2510 Hz e F4 a 3657 Hz

Tabela 38. Média dos valores dos formantes de [l j] seguido de [i] em sílaba postônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[lj]e (1) 257 1508 2510 3657

te[lj]e (2) 263 1478 2551 3694

te[lj]e (3) 242 1655 2477 3589

Média 254 1547 2513 3647

Desvio Padrão 10,8 94,7 37,1 53,3

Ao comparar a configuração formântica da lateral palatalizada, diante da vogal

[a] com a da diante da vogal [i], percebe-se que não há muita diferença: o F1, o F2 e o

F3 de [lj] + [i] são um pouco mais baixos que os de [l

j] + [a] e o F4 se apresenta

sutilmente mais alto: F1: 254 Hz com [lji] e 256 Hz com [l

ja]; F2: 1547 Hz com [l

ji] e

1743 Hz com [lja]; F3: 2513 Hz com [l

ji] e 2561 Hz com [l

ja], F4: 3647 Hz com [l

ji] e

3541 Hz com [lja] (cf. tabelas 36 e 38).

Ressalte-se, ainda, que, observando atentamente a figura 21, percebe-se que, à

semelhança do que aconteceu com o segundo contexto, apresentado na seção 7.2, o

primeiro formante de [lj] parece harmonizar-se com o primeiro formante de [i], o que

t e [l j] e

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não ocorre, com a vogal [a]. Por meio da figura 19, percebe-se que, na análise de [lj] +

[a], há uma sutil subida de F1 durante a pronúncia da vogal.

Figura 22. Espectrograma do vocábulo (Eu disse) te[]e(2) (de novo), com [] dorsal [dorso-

palatal]; F1 a 246 Hz, F2 1643 Hz, F3 a 2585 Hz e F4 a 3769 Hz

Tabela 39. Média dos valores dos formantes de [] seguido de [i] em sílaba postônica

Formantes

Vocábulos F1 F2 F3 F4

te[]e (1) 253 1729 2609 3813

te[]e (2) 246 1643 2585 3769

te[]e (3) 232 1767 2654 3707

Média 240 1713 2616 3763

Desvio Padrão 7,4 63,5 35,0 53,3

Ao contrastar o perfil espectrográfico da lateral palatal seguida pela vogal [i] ao

do seguido por [a], observa-se que, também, não há muita diferença: ocorre um

abaixamento de F1 (275 Hz em [a] x 240 Hz em [i]), F2 (1892 Hz em [a] x 1713

t e [] e

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Hz x em [i]) e F3 (2794 Hz em [a] x 2616 Hz em [i]) e um aumento de F4 (3500 Hz

em [a] x 3763 Hz em [i]).

Na figura 22, nota-se que o primeiro formante de [], também se harmoniza com

o F1 da vogal [i] que se lhe segue. O mesmo não se visualiza na lateral palatal seguida

de [a], em que há um leve deslocamento para cima do primeiro formante da vogal.

Nesse sentido, percebe-se que, em sílaba postônica, está ocorrendo o mesmo que

se visualizou em sílaba tônica (cf. seção 7.2). Ou seja, o que é defendido por Stein

(2011), novamente não é encontrado nesses contextos. Quando a lateral palatal está ao

lado da vogal [a], não se percebe a manifestação de um segmento que se assemelhe a

um [i]. O que está ocorrendo, na verdade, é uma harmonização entre o F1 de [] com o

F1 da vogal [i], que não acontece com a vogal [a].

Assim sendo, a principal diferença encontrada entre a lateral palatal e a

palatalizada, em ambientes de intensidade distintas, diz respeito, principalmente, aos

valores do primeiro e segundo formantes: em sílaba tônica, quando o fone era [], tanto

F1 quanto F2, deslocavam-se para cima (cf. tabelas 27, 28, 32, 33), já em contexto

postônico, a subida se dá mais especificamente no segundo formante (cf. tabelas 36, 37,

38, 39).

Nesse sentido, uma vez mais, pode-se afirmar que a configuração formântica da

lateral palatal é muito semelhante da da lateral palatalizada, o que corrobora a hipótese

de que essa pouca diferença parece justificar por que é tão difícil perceber se um falante

está produzindo [] ou [lj].

7.4 Síntese dos resultados

Depois de serem analisadas as características formânticas das variantes de //,

tanto em contexto tônico, quanto em postônico, carece relacioná-las às encontradas nos

estudos de Lindbloom & Sundberg (1971), Quilis (1988), Ladefoged & Maddieson

(1996), Ladefoged (2003), Martínez Celdrán & Fernández Planas (2007), Stein (2011) e

Monteiro (2012), reafirmando alguns comentários feitos, ao longo das seções 7.2 e 7.3.

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Quilis (1988) afirma não existir, para a língua espanhola, praticamente nenhuma

diferença na frequência de F1 do fone [], em contextos tônicos ou átonos. Já F2 e F3,

mantêm uma frequência mais alta em sílaba tônica do que em átona. Observando a

tabela 40, em que se demonstram os valores médios de F1, F2, F3 e F4 da variante []

seguido de [a] e [i], no corpus gravado em laboratório, em diferentes ambientes de

tonicidade, percebe-se que, no PB, diferentemente do que foi apontado por Quilis (op.

cit.), o primeiro formante da lateral palatal, seguida de [a] ou [i], apresenta frequência

um pouco maior em sílaba tônica. Quanto aos valores dos segundo e terceiro formantes,

os resultados obtidos para o PB, em laboratório, vão ao encontro do que é apresentado

pelo linguista espanhol. Com exceção do valor de F2, que no contexto [a] postônico,

se apresenta sutilmente mais alto que no tônico, os demais valores médios, tanto de F2

quanto de F3, são mais altos em ambiente tônico.

Tabela 40. Valores médios dos formantes de [], seguido de [a] ou [i], em sílaba tônica e

postônica, no PB

Formantes

Intensidade da sílaba

F1

(Valor médio)

F2

(Valor médio)

F3

(Valor médio)

F4

(Valor médio)

Tônica [] + [a] 308 1847 2884 3807

[] + [i] 266 1756 2853 3551

Postônica [] + [a] 275 1892 2794 3500

[] + [i] 240 1713 2616 3763

Monteiro (2012) observou que a consoante [] revela sofrer efeitos de

coarticulação, visto que se registram diferenças nos valores de F1, F2 e F3 em função

do contexto vocálico adjacente. De acordo com essa linguista, no que se refere a F1, há

valores mais elevados quando a lateral palatal está próxima da vogal /a/ e valores mais

baixos em contexto de /i/. Em relação a F2 e F3, os seus resultados mostram que,

quando próximo da vogal /a/, o // apresenta o valor mais baixo e, quando junto da

vogal /i/, o valor mais alto.

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A tabela 40 indica que, no PB, assim como foi observado no PE por Monteiro

(2012), a lateral palatal parece sofrer influência do contexto vocálico adjacente, haja

vista que os valores médios dos seus formantes, em sílaba tônica ou postônica, se

modificam a depender da vogal que a segue. Os índices, contudo, apontados por

Monteiro (op.cit), somente conferem com os apresentados neste estudo no que diz

respeito a F1; quanto a F2 e F3, ocorre justamente o contrário: os valores médios do

primeiro, segundo e terceiro formantes de [] são sempre mais altos quando próximos

de [a] e mais baixos quando seguidos de [i].

Quando compara a configuração acústica da laterais, Ladefoged (2003) comenta

que o segundo formante da lateral palatal é mais alto do que o da lateral alveolar (ápico

ou lâmico-alveolar). O mesmo é observado por Lindbloom & Sundberg (1971) e Stein

(2011) que acrescentam ser o valor de F3, também, mais alto quando o som é um [], já

que para a emissão desse fone a mandíbula está moderadamente aberta e a língua

voltada para a região do palato. Os resultados expostos, na tabela 41, ratificam, em

parte, o que foi afirmado pelos autores. A lateral palatal seguida por [a] ou [i] apresenta

o segundo formante mais alto do que o da lateral alveolar [l]. Já os valores médios de

F3, entretanto, são um pouco diferentes de acordo com a vogal que segue a lateral.

Quando a vogal adjacente é um [i], o valor do terceiro formante de [] é mais alto que o

de [l], quando é um [a], o F3 de [] é sutilmente mais baixo que o de [l]55

.

55

Como se pode verificar nas repetições da frase “(Eu disse) „te__ado‟ (de novo)” (tabelas 26 e 28), os

valores para F3 obtidos no PB em duas das três repetições foram muito próximos, indicando que

provavelmente não haja um comportamento significativamente diferente desse formante nessas duas

variantes das laterais; um estudo mais aprofundado, com maior número de dados, é necessário para se

dirimir essa questão.

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Tabela 41. Valores médios dos formantes de [] e [l] seguidos de [a] e [i], no PB

Formantes

Variantes [] e [l]

F1

(Valor médio)

F2

(Valor médio)

F3

(Valor médio)

F4

(Valor médio)

Variante [] seguida de [a] 308 1847 2884 3807

Variante [] seguida de [i] 266 1756 2853 3551

Variante [l] seguida de [a] 447 1122 3087 3671

Variante [l] seguida de [i] 244 1612 2391 3497

Martínez Celdrán & Fernández Planas (2007), ao descreverem os sons do

espanhol, observam que existe uma distinção entre uma lateral palatalizada, variante da

alveolar56

, e a palatal plena. A grande diferença existente entre esse dois sons ocorreria

nos picos dos primeiros formantes, embora seja, no segundo, que se apresente a maior

distinção: a variante palatal apresentaria F2 mais alto que o da palatalizada. Ladefoged

& Maddieson (1996), estudando as distintas laterais de três línguas australianas,

observam o mesmo: a lateral laminal pós-alveolar (lateral palatalizada) apresentaria o

segundo formante mais alto que o das variantes apicais. A tabela 42 mostra que a

diferença observada entre [] e [lj], tanto na língua espanhola quanto nas línguas

australianas, também ocorre no PB. Ou seja, a partir do corpus criado em laboratório,

foi possível verificar que, no PB, o segundo formante da lateral palatal (marcado em

amarelo na tabela 42) é mais alto que o da lateral palatalizada, independentemente da

vogal adjacente à lateral ou da intensidade da sílaba.

56

Embora os autores considerem a lateral palatalizada uma variante da lateral anterior, nesta tese a

consideramos uma variante da lateral posterior. Isso não faz com que as informações fornecidas por esses

linguistas sejam inválidas. Pelo contrário, vão ao encontro do que é apresentado, inclusive, por Ladefoged

& Maddieson (1996), no que diz respeito a três línguas australianas.

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Tabela 42. Valores médios dos formantes de [] e [lj], seguido de [a] ou [i], em sílaba tônica e

postônica, no PB

Formantes

Variantes [] e [lj]

F1

(Valor médio)

F2

(Valor médio)

F3

(Valor médio)

F4

(Valor médio)

Tônica [] + [a]

[lj] + [a]

308

233

1847

1806

2884

2834

3807

3580

[] + [i]

[lj] + [i]

266

253

1756

1617

2853

3290

3551

3561

Postônica [] + [a]

[lj] + [a]

275

256

1892

1743

2794

2561

3500

3541

[] + [i]

[lj] + [i]

240

254

1713

1547

2616

2513

3763

3647

Por meio da tabela 42 é possível verificar, também, a tamanha semelhança

acústica entre a lateral palatal e a lateral palatalizada. Em outras palavras: por mais que

os valores médios de cada formante difiram em ambas as variantes, essas diferenças são

muito sutis.

A grande semelhança da configuração formântica dessas variantes de // parece

justificar não só por que, muitas vezes, é difícil perceber se um falante está

pronunciando a lateral palatal ou a palatalizada, mas também entender por que

linguistas, como Pontes (1973) e Cristófaro-Silva (1999), por exemplo, acreditam ser

[lj] a variante mais produtiva de // no PB. A primeira afirma que “óleo-olho”, na

língua coloquial, seriam pronunciadas da mesma maneira – [ju] – não havendo,

portanto, o contraste que é sugerido pela escrita. Já a segunda assevera que “a lateral

palatal ocorre na fala de poucos falantes do português brasileiro”, sendo a lateral

palatalizada produzida no lugar de [] (cf. CRISTÓFARO-SILVA,1999, p. 40). Essas

suposições, que provavelmente decorrem da impressão sensorial que se tem ao se tentar

articular as duas variantes, pode advir da semelhança acústica que há entre os dois

segmentos.

Merece salientar ainda que, ao observar os padrões formânticos das variantes das

laterais seguidas de [a] ou de [i], em contexto tônico, e perceber que há semelhanças e

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diferenças entre eles, criaram-se dois gráficos para que fosse possível visualizar como

essas variantes se distribuem, no espaço acústico dos dois primeiros formantes.

Por meio do gráfico 10 e da tabela 43, em que se verifica a disposição, no espaço

acústico, das variantes seguidas de [a], percebe-se que, com base no comportamento dos

dois primeiros formantes, as variantes podem ser distribuídas por quatro categorias, a

saber: (a) os dois primeiros formantes muito afastados: [j], (b) medianamente afastados:

[lj] e [], (c) relativamente próximos: [l] e (d) muito próximos: [].

Gráfico 10. Distribuição, no espaço acústico, das variantes

das laterais seguidas pela vogal [a], no PB.57

0

500

1000

1500

2000

2500

[j] [lj] [lh] [l] [l] vel.

F2

F1

Tabela 43. Valores de F1 e F2 das variantes das laterais

seguidas pela vogal [a], no PB

Variantes

Formantes [j] [l

j] [] [l] []

F2 2128 1806 1847 1122 914

F1 276 233 308 447 467

Em outras palavras, as três primeiras variantes são “difusas”, ao estilo da vogal

[i], e as duas últimas laterais são mais “compactas”, como a vogal [u]. Essa observação

se justifica acusticamente, uma vez que a lateral anterior velarizada [] se aproxima da

vogal velar [u] e a lateral palatalizada, da vogal palatal [i].

57

No gráfico 10, [lj], [lh] e [l] vel. correspondem a [lj], [] e [], respectivamente.

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189

Já a partir do gráfico 11 e da tabela 44, pode-se visualizar a distribuição, no

espaço acústico, das variantes [j], [lj], [], [l] e [] diante da vogal [i]. Aqui, levando-se

em conta, novamente, somente os dois primeiros formantes, em vez de quatro categorias

nitidamente distintas, haveria apenas três, a saber: (a) os dois primeiros formantes muito

afastados: [j], (b) medianamente afastados: [l], [lj] e [], (c) muito próximos: [].

Gráfico 11. Distribuição, no espaço acústico, das variantes das laterais

seguidas pela vogal [i], no PB.58

0

500

1000

1500

2000

2500

[j] [lj] [lh] [l] [l] vel.

F2

F1

Tabela 44. Valores de F1 e F2 da variantes de // e da

lateral anterior velarizada [] seguidas pela vogal [i], no PB

Variantes

Formantes [j] [l

j] [] [l] []

F2 2171 1617 1756 1612 1106

F1 230 253 266 244 374

Assim sendo, na análise das variantes diante de [i] tem-se, também, F1 e F2

muito afastado com [j], muito próximos com [] e medianamente próximos com [lj] e

com []. A diferença, em relação ao contexto diante de [a], diz respeito a [l] que, antes

de [i], também vai se distribuir, no espaço acústico, de maneira similar a [lj] e [] e não

à lateral anterior velarizada, como ocorreu com a variante [l] seguida por [a]. Esse

58

No gráfico 11, [lj], [lh] e [l] vel., também, correspondem a [lj], [] e [], respectivamente.

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resultado, a princípio, parece fazer sentido, haja vista que [l] está se coarticulando com

o [i] – vogal palatal que vem em seguida –, fenômeno que gerou, historicamente, o

surgimento do fonema // na passagem do latim ao português.

Essa coarticulação da lateral [l] com a vogal [i] que se lhe segue é, de certa

maneira, verificada, também, com as variantes [] e [lj], seja em contexto tônico, seja

em ambiente átono. Observando as figuras 15, 16, 21 e 22, percebe-se que o primeiro

formante dessas variantes se harmoniza com o primeiro formante de [i]. Ou seja, vê-se,

claramente, que a linha vermelha que assinala a evolução temporal do primeiro

formante de [l] permanece praticamente inalterada durante a pronúncia do [i]. Essa

proximidade acústica na articulação da palatal e da apical no contexto diante de [i], de

certa forma, parece justificar não só a passagem de [l] + [i] > [lj] > [], ocorrida na

evolução do latim ao português, mas também a variação [] ~ [lj] ~ [lj] ~ [l], chamada

por Cagliari (1974) de despalatalização ou enfraquecimento da lateral palatal. Esse

fenômeno, muito comum na atualidade (cf. capítulo 6), é considerado por esse linguista

uma etapa de evolução da palatal, a partir da qual se operam várias transformações,

sendo a realização palatalizada, intermediária na passagem da palatal para não-palatal.

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8 CONCLUSÕES

O estudo sobre o comportamento de // na fala da RMRJ e na da RMLIS foi

realizado, essencialmente, com o objetivo de aferir a atuação de variáveis estruturais e

extralinguísticas sobre as variantes de // registradas nos corpora representativos da

fala da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana de Lisboa.

Os capítulos iniciais introduzem o tema, não só tecendo comentários gerais

sobre essa variação mas também, por meio de uma revisão bibliográfica, mostrando os

resultados de outras investigações. Mais adiante, apresentam-se alguns enfoques

linguísticos quanto ao estudo da variação e da mudança bem como os pressupostos

teórico-metodológicos que fundamentaram a elaboração desta tese e que se enquadram

nas linhas da Sociolinguística Quantitativa Laboviana e da Fonologia Experimental,

com base em Ohala (1987).

A pesquisa, que se desenvolveu em duas etapas, mostrou, de modo geral, que (1)

em ambas as Regiões Metropolitanas a variante [lj] é mais produtiva que []; (2) a

variação [] ~ [lj], tanto na fala da RMRJ, quanto na da RMLIS, apresentou índices

próximos à neutralidade no que toca à atuação de determinados fatores, o que

provavelmente se deve à semelhança das duas variantes tanto do ponto de vista

articulatório quanto acústico, (3) os fatores linguísticos selecionados como

favorecedores da aplicação de [lj] parecem sofrer interferência dos vocábulos com

alta/média incidência nos corpora e (4) as demais variantes de // ([lj], [l], [j] e ), pelo

fato de as amostras retratarem a fala urbana, são pouco produtivas, incidindo em

reduzido número de itens lexicais.

Na primeira etapa do trabalho, analisou-se, com base nos pressupostos da Teoria

da Variação Laboviana, a variável // tanto na RMRJ como na RMLIS. Constatou-se,

inicialmente, que, devido à sua baixa produtividade, as variantes despalatalização

seguida de iode ([lj]), despalatalização ([l]), iodização ([j]), e síncope do segmento ( )

deveriam ser desconsideradas nas análises variacionistas que seriam realizadas com

ambas as amostras.

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Assim sendo, analisaram-se de maneira qualitativa as variantes menos

produtivas, tendo-se observado que:

(a) o cancelamento, que aparece em apenas um item lexical nas amostras,

apesar de ter ocorrido na fala de indivíduos mais velhos e com baixo nível

de escolaridade, aparentemente, não está relacionado a questões de ordem

social, mas sim idioletais.

(b) a iodização ocorreu, em ambos os corpora, somente nas formas

relacionadas a olho/olhar e trabalho/trabalhar. Como foram encontrados

poucos dados dessa variante, acredita-se que essas ocorrências poderiam

estar relacionadas quer (i) a questões de ordem idioletal, haja vista que essa

variante não é usual na fala urbana quer, mais propriamente, (ii) a fatores

de ordem social, já que os poucos casos registrados podem estar indicando

certa interferência do nível de escolaridade: das 30 ocorrências de [j],

apenas duas, são encontradas na fala de um indivíduo de nível superior.

(c) a despalatalização ocorreu em vocábulos cujo contexto subsequente a //

apresenta vogal [+ cor], em especial quando esta constitui parte do sufixo -

inho;

(d) a despalatalização seguida de iode, aparentemente, parece estar sendo

influenciada pelo contexto antecedente, visto que o maior número de dados

com [lj] aparece no item lexical filho, que apresenta a vogal [i] antes de

//. Além disso, foi observado que [lj] parece estar se configurando como

uma variante inovadora, na RMRJ, pois é menos comum na fala de

indivíduos mais velhos e com mais tempo de escolaridade. Já na fala da

RMLIS, embora os casos de [lj] estejam distribuídos de maneira uniforme

entre as três faixas etárias, os três níveis de instrução e os dois gêneros,

acreditou-se que essa variante poderia também ser considerada inovadora

na região em foco, já que ela foi mais encontrada em Oeiras, concelho

apontado nas análises sociolinguísticas como mais propenso às variantes

inovadoras.

Quando se descartaram as variantes menos produtivas, foram feitas análises

sociolinguísticas, em separado, com cada Região Metropolitana. Os resultados – que

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193

foram demonstrados de forma comparativa – revelaram que tanto as variáveis

linguísticas quanto as extralinguísticas se mostraram salientes para a realização de [lj],

não só na RMRJ como também na RMLIS.

Mostraram-se relevantes para a implementação de [lj], por ordem de seleção, na

RMRJ, as variáveis Frequência do vocábulo no corpus, Classe do vocábulo, Nível de

instrução, Tonicidade da sílaba em que incide o segmento, Contexto subsequente, Faixa

etária; na RMLIS, as variáveis Localidade, Faixa etária, Contexto antecedente, Classe

do vocábulo.

Assim, atuaram,

(a) em ambas as amostras:

(i) Faixa Etária – a variação [] ~ [lj] é um fenômeno estável na RMRJ e

na RMLIS, visto que os índices de ocorrência de [lj] estão distribuídos de

forma homogênea pelas três faixas etárias. Os resultados, no entanto,

demonstram também que, embora os P.Rs. estejam próximos de .50, nas

duas regiões em foco, o fato de, na RMRJ, os mais velhos estarem usando

mais o [] e os mais novos, o [lj], sugere, de forma sutil, uma tendência

crescente ao uso desta última variante no PB. Já no PE, o uso de [lj] parece

estar num processo mais avançado, já que a variante palatalizada está

sendo mais usada pelos mais jovens e menos pelos mais velhos.

(ii) Classe do vocábulo – Na RMRJ, os verbos se mostraram os

favorecedores da lateral palatalizada. Já na RMLIS, os verbos e a

expressão “se calhar” foram os fatores selecionados como os que mais

favoreceriam a aplicação de [lj];

No que toca a essa variável, a alta incidência de determinados vocábulos

nas amostras pareceu influenciar a escolha de um fator em detrimento de

outro. Como na RMRJ, há uma alta incidência de verbos na amostra, essa

classe de palavras foi a selecionada como favorecedora de [lj]. Na RMLIS,

a escolha dos fatores favorecedores também foi induzida pela alta

produtividade não só dos verbos como também do vocábulo calhar.

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(b) somente na RMRJ:

(i) Frequência do vocábulo no corpus – Esse grupo de fatores pareceu

atuar de maneira significativa para a concretização de [lj], na RMRJ, não

só pelo fato de ter sido o primeiro selecionado em todas as rodadas

empreendidas, mas também porque demonstra que quanto maior a

frequência de determinados vocábulos, maior a possibilidade de ser

concretizada a variante palatalizada: palavras com alta ou média incidência

no corpus, ainda que tenham sido, às vezes, produzidas com outras

variantes, foram concretizadas, preferencialmente com [lj].

(ii) Nível de instrução – São os indivíduos com escolaridade intermediária,

seguidos pelos de menor nível de instrução, os que mais produzem [lj], na

RMRJ. No entanto, por mais que a variante [lj] se mostre mais atuante na

fala de indivíduos com menor escolaridade e a variante [], na dos

indivíduos com mais escolaridade, a variação [] ~ [lj] parece ainda estar

estável, uma vez que os P.Rs. estão muito próximos de .50.

(iii) Tonicidade da Sílaba – As sílabas postônicas parecem estar

influenciando a concretização de [lj], na RMRJ. Esses resultados,

entretanto, provavelmente foram influenciados pela alta incidência de

vocábulos que apresentam //, em contexto postônico.

(iv) Contexto Subsequente – Na RMRJ, a vogal dorsal e as vogais labiais

se mostraram relevantes para a implementação da regra, o que também

parece ser influenciado pelos vocábulos presentes na amostra, já que há

itens lexicais de média e alta frequência com [a], [], [u] depois da

variável //.

(c) somente na RMLIS:

(i) Localidade – Essa variável foi bastante significativa, na análise efetuada

com a RMLIS, já que, em todas as rodadas empreendidas, sempre foi

selecionada em primeiro lugar, como favorecedora da lateral palatalizada.

Oeiras aparece como a região que mais implementa [lj]. Cacém, ao

contrário, é a que menos a utiliza. Embora as hipóteses iniciais não

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previssem esse resultado, ele é extremamente coerente com o que foi sendo

apresentado ao longo das análises: como [lj] se mostrou uma variante

inovadora de //, na fala da RMLIS, bastante natural seria que Oeiras,

localidade desenvolvida e urbanizada que apresenta um dos mais elevados

índices de qualidade de vida de Portugal, estivesse preferindo a lateral

palatalizada em detrimento da lateral palatal.

(ii) Contexto antecedente – Na RMLIS, são a vogal dorsal e as labiais que

estão influenciando a ocorrência de [lj]. Esses índices probabilísticos

sugerem que palavras com frequência alta/média que apresentam esses

contextos em posição anterior a //, no corpus, favorecem tal resultado.

Como se observou ao longo de toda a análise sociolinguística, os resultados

encontrados quanto à variação [] ~ [lj], provavelmente, não estão representando um

condicionamento apenas estrutural/social, mas também um condicionamento

determinado pela frequência alta e/ou média de determinados vocábulos nas amostras.

Na segunda etapa do trabalho – com base nos pressupostos teóricos da

Fonologia Experimental – foram feitas análises em laboratório, para a obtenção das

características acústicas das diferentes variantes de //.

Com a criação de um corpus que contemplava a produção das laterais em quatro

contextos – os primeiros com as variantes das laterais, em contexto tônico, seguidas

pelas vogais [a] e [i] e os últimos, com as variantes [] e [lj], em ambiente postônico,

também seguidos pelas mesmas vogais – foi possível verificar, não só as diferenças e

semelhanças acústicas entre as distintas laterais e o [j] – variante de // tanto no PB

quanto no PE – como também ratificar o fato de ser muito difícil perceber se um falante

está produzindo [] ou [lj], justamente por esses sons apresentarem características

formânticas muito semelhantes.

Em síntese, observou-se que a variação entre [] e [lj] – estável, tanto na RMRJ

quanto na RMLIS, haja vista os inputs da regra (inicial e de seleção) – claramente está

abaixo do nível de consciência dos falantes, o que é previsível não só pela própria

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origem do fonema palatal que advém de uma lateral seguida de um iode, mas,

principalmente, da proximidade acústica entre esses sons, comprovada por meio das

análises efetuadas em laboratório.

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WANG, W. S.-Y. & CHENG, C.-C. Implementation of phonological change: the

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Page 206: Programa de Pós-Graduação em Letras ( Letras Vernáculas ......Coorientador: João Antônio de Moraes Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras / Programa de Pós-Graduação

206

10 ANEXOS

10.1 Distribuição das variantes de // pelos vocábulos na RMRJ

Tabela 45. Distribuição das variantes // por Copacabana

Itens Lexicais

(Copacabana) l

j lj l j Total

Acolhesse 2 2

Afilhado 1 1

Alho 1 1 2

Aparelhagem 1 1

Aparelho 2 2

Aparelhos 1 1

Atabalhoada 1 1

Atrapalhar 1 1

Atrapalharia 1 1

Atrapalhava 1 2 3

Atrapalho 1 1

Barulheira 1 1

Barulhento 1 1

Barulho 3 3

Batalha 1 1

Batalhão 55 3 58

Batalhões 9 2 11

Brilhante 1 1

Brilhou 1 1

Brincalhão 1 1 2

Bulhões 1 1

Carvalho 1 1

Coelho 1 1

Colhe 2 2

Colher 1 1

Colheres 2 2

Conselho 1 1

Detalhado 1 1

Detalhe 1 1 2

Detalhes 1 2 3

Embrulhava 1 1

Empecilho 1 1

Entulhado 1 1

Escolha 2 2

Escolhe 1 2 3

Escolhendo 1 1 2

Escolher 2 1 3

Escolheu 1 1

Escolhi 1 1

Escolhia 1 1

Esculhambação 4 1 5

Esculhambado 2 2

Espelho 1 1

Evangelho 1 1

Falha 2 2

Falhas 1 1

Filha 11 32 19 1 63

Filhas 2 3 1 6

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207

Itens Lexicais

(Copacabana) l

j lj l j Total

Filho 11 49 40 100

Filhos 5 33 20 58

Filhozinho 2 1

Folha 4 4

Folhas 3 3

Galho 3 3

Humilhação 1 1 2

Ilha 4 4

Ilhas 2 2

Joelho 1 2 3

Julho 3 3

Lhes 1 1 2

Magalhães 1 1 2

Malhar 1 1

Manilha 3 3

Manilhinha 1 1

Maravilha 3 7 10

Maravilhosa 4 6 10

Maravilhosas 1 1 2

Maravilhoso 17 5 22

Maravilhosos 1 1

Medalha 1 1

Melhado 3 3

Melhor 25 35 60

Melhora 1 1

Melhorado 2 2

Melhorando 1 2 3

Melhorar 3 9 12

Melhore 1 1

Melhores 3 13 16

Melhoria 5 3 8

Melhorias 3 1 4

Melhorou 6 8 14

Melhorzinha 1 1

Mergulhão 1 1

Mergulhar 1 1 2

Metralhadora 2 2

Migalhas 1 1

Milhagem 1 1

Milhão 3 1 4

Milhões 4 4

Molho 1 7 8

Molhou 1 1

Mulher 16 27 8 51

Mulheres 2 1 3

Olha 12 105 117

Olhada 2 2

Olham 1 1

Olhando 5 11 16

Olhar 1 4 1 6

Olharam 1 1

Olhava 1 1 2

Olhei 1 1 2

Olho (Subst/Verbo) 1 3 4

Olhos 1 2 2 5

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208

Itens Lexicais

(Copacabana) l

j lj l j Total

Olhou 2 2

Orelhada 1 1

Ovelha 1 1

Palha 3 3

Patrulhinha 1 1

Pilhas 1 1

Piolho 1 1

Quadrilha 1 1

Retalhada 1 1

Semelhança 4 4

Submetralhadora 1 1

Trabalha 13 28 3 44

Trabalham 1 8 9

Trabalhando 4 24 28

Trabalhar 15 61 76

Trabalharam 1 1

Trabalhasse 2 1 3

Trabalhava 8 14 22

Trabalhavam 2 2

Trabalhe 1 1

Trabalhei 7 18 25

Trabalho 7 76 1 1 85

Trabalhos 1 1

Trabalhou 6 3 9

Trilha 1 1

Trilho 3 3

Trilhozinho 1 1

Velha 5 4 9

Velhas 4 4

Velho 7 12 19

Velhos 5 5

Vermelha 2 4 6

Vermelho 3 1 4

Total 386 694 85 13 4 1 1183

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209

Tabela 46. Distribuição das variantes // por Nova Iguaçu

Itens Lexicais

(Nova Iguaçu) l

j lj l j Total

Aconselha 1 1

Aconselhável 1 1

Aparelho 1 1

Atrapalha 4 4 1 9

Atrapalhar 2 2

Atrapalhe 1 1

Baralho 2 2

Batalha 1 1

Batalhando 3 3

Batalhão 1 1

Batalharem 1 1

Batalhou 1 1

Bilhete 1 1

Bilhetinho 1 1

Brilhante 1 1

Canalhice 1 1

Castelhano 1 1

Coelho 2 1 3

Colhe 2 2

Colher (verbo) 1 1

Compartilhada 3 3

Compartilhar 1 1

Conselho 2 2

Cordilheira 1 1

Detalhe 3 1 4

Escapulhada 1 1

Escolhe 1 1

Escolher 1 2 3

Escolheram 2 1

Escolheria 1 1

Escolhido 2 2

Esculhambou 1 1

Espalhar 1 1

Espalhou 2 2

Falha 2 2

Falhas 1 1

Falho 1 1 2

Falhou 1 1

Filha 7 17 23 47

Filhão 1 1

Filhas 7 7

Filhinha 1 1

Filhinho 1 2 3

Filho 25 72 82 1 180

Filhos 20 38 68 126

Folha 1 1

Folhinha 1 1

Galho 1 1

Grandalhões 1 1

Ilha 2 2

Lhe 3 1 4

Malhar 1 1

Malho 1 1

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210

Itens Lexicais

(Nova Iguaçu) l

j lj l j Total

Manilhamento 2 2

Manilhou 1 1

Maravilha 1 5 6

Maravilhamente 1 1

Maravilhas 1 1

Maravilhosa 6 5 11

Maravilhosas 1 1

Maravilhoso 9 1 10

Maravilhosos 1 1

Melhor 23 63 9 95

Melhora 1 4 2 7

Melhorada 1 1

Melhorado 2 3 5

Melhorando 4 2 6

Melhorar 11 15 5 31

Melhoraria 1 2 1 4

Melhoras 2 2

Melhorazinha 2 2

Melhorei 2 2

Melhorem 1 1

Melhores 3 5 2 10

Melhoria 4 3 7

Melhorias 1 1

Melhorou 5 11 2 1 19

Melhorzinha 1 1

Melhorzinho 2 1 3

Metralhadora 2 2

Milhão 3 3

Milhares 1 1

Molhada 1 1

Molhado 1 1

Mulher 4 15 15 34

Mulheres 5 2 7

Olha 21 61 3 1 86

Olhado 1 1

Olhando 7 7

Olhar 5 2 7

Olhava 2 2

Olhei 2 2

Olho (Substantivo/verbo) 6 3 9

Olhos 2 4 6

Olhou 1 2 3

Orgulho 4 3 1 7

Orgulhoso 2 2

Palhaça 1 1

Pastilha 1 1

Patrulha 3 5 8

Patrulhinha 5 5

Pilha 1 1

Recolher 1 1

Recolheu 1 1

Telhado 4 4

Trabalha 6 36 2 3 1 48

Trabalhador 1 1

Trabalhadores 2 4

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211

Itens Lexicais

(Nova Iguaçu) l

j lj l j Total

Trabalham 2 6 8

Trabalhamos 1 1 2

Trabalhando 2 18 1 1 22

Trabalhar 20 48 1 2 4 75

Trabalharem 1 1

Trabalhasse 1 1

Trabalhava 4 30 1 35

Trabalhavam 2 2

Trabalhe 1 1

Trabalhei 4 18 6 28

Trabalhem 1 1

Trabalhinho 1 1

Trabalhista 1 1 2

Trabalho 25 69 1 3 2 100

Trabalhos 1 1 2

Trabalhoso 1 1

Trabalhou 2 8 10

Velha 6 3 3 12

Velhão 2 2

Velhinha 1 1 2

Velhinho 3 3

Velhinhos 4 4

Velho 9 8 3 20

Velhos 5 3 8

Vermelha 6 5 11

Vermelho 4 4

Total 319 669 238 51 9 1 1287

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212

10.2 Distribuição das variantes de // pelos vocábulos na RMLIS

Tabela 47. Distribuição das variantes // por Cacém

Itens Lexicais (Cacém) lj lj l j Total

Acolhedor 1 1

Aconselhavam 1 1

Aconselhável 1 1

Afilhado 2 2

Agasalhado 1 1

Alhearmos 1 1

Alhos 1 1

Armadilha 1 1

Assemelha-se 1 1

Assoalhadas 1 1

Bacalhau 4 4

Barulho 4 5 9

Batalha 2 2

Bilhete 1 1 2

Bilhetes 1 1 2

Cabeçalho 2 2

Calha 1 1 2

Calhar 31 68 99

Cambalhotas 2 1

Colher (substantivo/verbo) 1 2

Concelho 7 2 9

Embrulhozinhos 1 1

Encolhida 1 1

Escolha 1 2 3

Escolhe 1 1 2

Escolher 3 2 5

Escolhi 4 4

Escolhia 2 2

Escolho 2 2

Espalhada 1 1

Espalhar 1 1

Espalho 1 1

Evangelho 1 1 2

Falha 2 1 3

Filha 17 10 27

Filho 33 17 11 61

Filhos 85 22 6 113

Filhotes 3 3

Folha 1 2 3

Folhas 4 2 6

Forquilha 1 1

Ilha 3 3

Ilhas 1 1

Lhe 42 46 4 92

Lhes 14 13 27

Maravilha 4 4

Maravilhas 1 1

Maravilhoso 2 2

Maravilhosos 1 1

Matraquilhos 1 1

Melhor 21 24 45

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213

Itens Lexicais (Cacém) lj lj l j Total

Melhorado 2 1

Melhorar 1 2 3

Melhoraram 1 1

Melhorarem 1 1

Melhores 2 1 3

Melhorias 2 2

Melhorou 2 2

Milhão 1 1

Milhões 2 2

Molhar 1 1

Mulher 9 13 5 27

Mulheres 4 1 5

Mulherzinha 2 2

Olha 11 9 1 21

Olham 2 2

Olhamos 1 1 2

Olhando 1 1 2

Olhar 7 7

Olhara 1 1

Olhe 5 13 1 19

Olhos 2 2

Orgulho 7 7

Palha 1 1

Palhaçada 2 2

Partilha 1 1

Partilhado 1 1

Partilham 1 1

Partilharem 1 1

Partilhavam 1 1

Paspalho 1 1

Ralhar 2 2

Recolha 1 1

Recolhimento 1 1

Semelhantes 1 1

Talho 3 1 4

Trabalha 8 6 14

Trabalhadora 1 1

Trabalham 6 5 11

Trabalhamos 1 1 2

Trabalhar 26 30 1 57

Trabalhasse 1 1

Trabalhava 6 6 12

Trabalhavam 2 1 3

Trabalhei 8 1 9

Trabalhinhos 1 1

Trabalho 43 18 1 62

Trabalhos 5 12 17

Trabalhou 1 1 2

Velha 6 1 7

Velhas 2 1 3

Velho 6 3 9

Velhos 4 4

Velhote 1 1 2

Velhotes 1 1

Total 511 356 33 6 1 0 907

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214

Tabela 48. Distribuição das variantes // por Oeiras

Itens Lexicais (Oeiras) lj lj l j Total

Acolhe 1 1

Acolhedor 1 1

Acolhedoras 1 1

Acolhedores 1 1

Acolher 1 1

Aconselho 3 3

Atrapalha 2 2

Atrapalhado 1 1

Baralhada 1 1

Baralhado 1 1

Baralho 1 1

Barulho 1 1

Batalha 2 2

Bilhete 1 2 3

Bilhetes 4 4

Bolha 1 1

Borralheira 1 1

Cabecilha 1 1

Calha 3 3

Calhar 4 79 1 84

Colher (substantivo) 1 1

Concelho 10 10

Concelhos 2 2

Escolha 1 1

Escolhas 1 1

Escolher 2 2

Evangelho 1 1

Falhado 1 1 2

Falham 1 1

Filha 7 7 1 15

Filhas 2 11 3 16

Filho 11 31 12 2 56

Filhos 30 33 10 1 74

Guerrilha 1 1

Ilha 2 2

Ilhas 1 1

Joelho 2 2

Lhe 10 22 5 6 43

Lhes 5 12 2 19

Maravilha 2 2

Maravilhosas 1 1

Melhor 13 26 2 41

Melhora 1 1

Melhorando 1 1

Melhorar 3 3

Melhore 2 2

Melhores 2 9 11

Melhorou 1 1 2

Migalhinhas 1 1

Milhão 1 1

Milhares 1 1

Milho 1 6 7

Milhões 5 1 6

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215

Itens Lexicais (Oeiras) lj lj l j Total

Mulher 1 18 1 20

Mulheres 2 7 1 10

Olha 2 29 1 8 40

Olhar 2 2

Olhe 1 6 1 1 9

Olho (subst/verbo) 2 4 6

Olhos 2 1 3 2 8

Partilhado 1 1

Partilhar 1 1

Piolho 1 1

Ralham 1 1

Recolher 1 1

Semelhante 1 1

Toalhas 1 1

Trabalha 6 1 7

Trabalhador 1 1

Trabalham 2 17 19

Trabalhamos 1 1

Trabalhando 2 2

Trabalhar 3 71 5 79

Trabalharam 1 1

Trabalharem 1 1

Trabalhasse 1 1

Trabalhava 4 14 3 21

Trabalhavam 1 5 6

Trabalhávamos 1 1

Trabalhei 5 5 10

Trabalhinho 1 1

Trabalho 3 68 1 4 76

Trabalhos 9 9

Trabalhoso 1 1

Trabalhou 2 2

Velha 5 2 1 8

Velhas 1 6 7

Velhice 1 1

Velhinha 1 1

Velho 1 10 11

Velhos 3 4 1 8

Velhota 1 1

Velhotes 1 1

Total 142 585 74 14 16 1 832