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LETRAS VERNÁCULASIntrodução aos estudos literários:análise de poemas, dramas e narrativas
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Universidade Estadualde Santa Cruz
ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Diretor do Departamento de Letras e ArtesProf. Samuel Leandro Oliveira de Matos
Ministério daEducação
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I61 Introdução aos estudos literários : análise de poemas, dramas e narrativas - Letras Vernáculas - EAD, módulo 2, volume 4 / Elaboração de conteúdo: Oton Magno Santana dos Santos, Patrícia Kátia da Costa Pina. – [Ilhéus, BA] : UAB/ UESC, [2010]. 93 p. : il. Inclui bibliografi a. ISBN: 978-85-7455-196-8 1. Literatura – Filosofi a. 2. Gêneros literários. 3. Poesia. 4. Teatro (Literatura). 5. Narrativa (Retórica). I. Santos, Oton Magno Santana dos. II. Pina, Patrícia Kátia da Costa. III. Título: Letras Vernáculas: Módulo 2, volume 4. CDD 801
Ficha Catalográfi ca
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Coordenação UAB – UESCProfª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação do Curso de Licenciatura em Letras Vernáculas (EAD)Prof. Dr. Rodrigo Aragão
Elaboração de ConteúdoProfª. Drª. Patrícia Kátia da Costa Pina Profº. Esp. Oton Magno Santana dos Santos
Instrucional DesignProfª. Msc. Marileide dos Santos de OliveraProfª. Msc. Cibele Barbosa
RevisãoProfª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira
Coordenação de DesignProfª. Msc. Julianna Nascimento Torezani
DiagramaçãoJamile A. de Mattos Chagouri OckéJoão Luiz Cardeal Craveiro
Capa Sheylla Tomás Silva
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Sumário
UNIDADE 3
1. Introdução ........................................................................................................73
2. A leitura da narrativa ..........................................................................................77
Atividades .........................................................................................................90
3. Conclusão .........................................................................................................92
Resumindo ........................................................................................................92
Referências .......................................................................................................93
UNIDADE 1
1. Introdução ........................................................................................................13
2. A linguagem artística: literatura e cinema .............................................................16
3. A composição literária narrativa ...........................................................................17
4. Análise de narrativas ..........................................................................................20
5. Estratégias narrativas ........................................................................................21
6. A composição poética .........................................................................................24
7. A composição dramática .....................................................................................26
Atividades ........................................................................................................29
8. Conclusão .........................................................................................................32
Resumindo .......................................................................................................32
Referências .......................................................................................................33
UNIDADE 2
1. Introdução ........................................................................................................37
2. Literatura, história, cultura .................................................................................42
3. Narrativa em língua portuguesa ...........................................................................46
4. Poesia em língua portuguesa ...............................................................................53
Atividades .........................................................................................................63
5. Conclusão .........................................................................................................66
Resumindo ........................................................................................................66
Referências .......................................................................................................67
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Emen
ta Estudo crítico de poemas, contos, novelas e romances das literaturas de língua portuguesa, numa perspectiva comparativista, histórica e cultural.
Profª. Drª. Patrícia Kátia da Costa Pina e Prof. Esp. Oton Magno Santana dos Santos
DISCIPLINA
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS: ANÁLISE DE POEMAS, DRAMAS E NARRATIVAS
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1unidade
Ao fi nal da unidade, o aluno será capaz:
• de analisar poemas e narrativas
fi ccionais representativas das
literaturas de língua portuguesa e
• discutir as relações entre arte e
sociedade. Objetivos
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UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
As artes, com destaque para a literatura, o cinema e a música,
respondem sempre às necessidades e provocações históricas das
sociedades: isso signifi ca que a arte não surge da mera inspiração de
poetas, pintores, cineastas, compositores, dramaturgos e fi ccionistas,
ela tem uma espécie de “responsabilidade social”. Assim, queremos
dizer que a obra artística não é exatamente um refl exo do mundo do
autor, do diretor etc., não é um retrato da época de quem a escreve,
canta, encena, mas dialoga com esse mundo e essa época.
A Figura 1 corresponde a um exemplo de
arte pictórica: trata-se de uma aquarela pintada
por Jean-Baptiste Debret, que representou cenas
do Brasil do século XIX. Na obra acima, o pintor
tematiza o trabalho escravo numa praça do Rio de
Janeiro, sem fazer exatamente um retrato, mas
“reinventando” a realidade da época. A pintura é
cheia de detalhes, sendo enfatizadas as fi guras
dos escravos, que aparecem em primeiro plano,
com destaque até para a musculatura posta em
movimento no trabalho pesado.
A música, representada na Figura 2 pela
imagem do grupo e de seus instrumentos, tem
uma relação muito mais fl uida e abstrata com o
mundo concreto do que a pintura, a escultura, o
cinema, a literatura, consideradas estas “artes de
representação”. A música é uma arte de sugestão.
Os acordes, a melodia, o ritmo, não nos remetem,
necessariamente, a uma realidade, podem, sim,
nos sugerir estados de espírito, humor, emoções
etc. - uma realidade imaginada e imaginária.
Refl exo – reprodução de algo, imitação.
Retrato – imagem reproduzida com grande
semelhança. Descrição exata de algo.
Figura 1 - Os Calceteiros (Debret)Fonte: picasaweb.google.com.br
Figura 2 - Orquestra UFRFonte: www.imagem.ufrj.br
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A Figura 3 corresponde a uma cena do teatro Kabuki, que é
uma das formas mais tradicionais do teatro japonês. Começou no
fi nal do século XVI e, até hoje, é muito popular, atraindo um grande
público. A arte teatral é a mais “representativa” de todas as artes,
pois ela traz aos olhos da plateia a situação acontecendo exatamente
no momento da encenação. Teatro é vida que se vê, que se cheira,
que se ouve, que se sente. Há cenários que remetem o auditório
ao mundo concreto, há personagens que lembram pessoas do nosso
convívio, há situações com as quais nos identifi camos. Mas nem o
teatro é “retrato” do mundo – é uma reinvenção imaginária daquilo
que se conhece.
O teatro dominou a Antiguidade Clássica, foi muito popular
durante a Idade Média, atravessou os séculos e foi a grande diversão
do século XIX ocidental. No fi nal do século XIX, o teatro ganhou
uma versão tecnológica: o cinema. E, no século XX, novas mídias
incorporaram as técnicas teatrais: o rádio, a TV, até o computador,
através de algumas ações na web.
A imagem da fi gura 4 corresponde à capa do romance Ensaio
sobre a cegueira, de José Saramago (Prêmio Nobel de Literatura
de 1998). A história contada pelo romancista português gerou um
fi lme, dirigido por Fernando Meirelles, lançado, em 2008, em circuito
comercial.
Acordes – produção simultâ-nea de vários sons.Melodia – conjunto de sons formando uma ária. Conjunto de sons, palavras, frases cria-das propositalmente para pro-vocar reações auditivas.Ritmo – sucessão de tempos fortes e fracos alternados em um verso ou frase musical. Realidade – existência efeti-va e concreta de algo.Imaginar – criar, fantasiar alguma coisa. Inventar algo. Supor alguma coisa.Imaginária – coisa que só existe na imaginação. Imaginação – representação de objetos e seres pelo pensa-mento. Invenção de seres ou objetos. Criação.
Figura 3 - Teatro KabukiFonte: http://gueixas.wordpress.
com/2007/05/22/teatro-de-kabuki/
Antiguidade Clássica – pe-ríodo que vai do século VIII a. C. ao século V d. C.Idade Média – período que vai do século V d. C. ao sé-culo XV.Cinema – arte de compor fi l-mes para projeção. Criado pe-los irmãos Lumière em 1895, mudo, ganhando sonoridade em 1927.Web – world wide web (rede de alcance mundial) ou www. Trata-se de um sistema de do-cumentos em hipermídia que estão interligados na Internet.
Figura 4 - Capa do romance “Ensaio sobre a Cegueira”.
Romance – na literatura, romance signifi ca uma narrativa em prosa, longa, com um núcleo básico de ação, do qual derivam outros núcleos. As ações são efetivadas por personagens, que se enquadram num dado tempo e num dado espaço/ambiente. As narrativas literárias podem inspirar-se diretamente em fatos concretos do cotidiano, em fatos históricos, em fi guras políticas, em outras narrativas, em fi lmes, em poemas, em pinturas, em músicas etc.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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SAIBA MAIS
O romance tematiza uma epidemia de
cegueira branca, a qual acometeu a quase totalidade
de moradores de um lugar e de um tempo
indefi nidos, mas perfeitamente associáveis ao mundo
ocidental contemporâneo, cego pela tecnologia, pelo
consumismo, pela desumanização do homem. O fi lme
conta essa mesma história da inexplicável epidemia
de cegueira branca que torna opacos aos olhos de
outros todos os que por ela são atingidos.
Tanto o romance como o fi lme que nele se
inspirou estabelecem com a realidade uma relação
transitiva, mas não uma relação de imitação ou
cópia. Isso signifi ca dizer que a arte literária e a
arte cinematográfi ca, como outras, não imitam,
não reproduzem o mundo com o qual dialogam.
Na verdade, a arte parte do concreto, do histórico,
da realidade, para, através da ação imaginária da
mente artística, reinventá-lo, recriá-lo, sempre pela
imaginação.
Segundo Vítor Manuel de Aguiar e Silva,
A criação literária não se realiza num universo adâmico, sob o signo de uma espontaneidade e de um primitivismo absolutos, em que apenas fi gurariam como factores necessários um instrumento lingüístico e um desígnio expressivo. A criação literária perfaz-se no seio de uma tradição técnico-literária e histórico-cultural, cujos valores e cujas forças o escritor não pode desconhecer, quer para os aceitar e revitalizar, quer para os negar, os contestar, os alterar mais ou menos substancialmente (SILVA, 1979, p.39).
A literatura – seja o conto, o romance, a novela,
o poema, o texto dramático – nasce de um mundo e
de uma vontade e está em constante interação tanto
com o universo em que nasceu, como com aquele
de sua circulação. Na construção do texto literário,
a forma nasce das relações sociais e o conteúdo se
confi gura como uma interpretação dessas relações.
Figura 5 - José SaramagoFonte: http://pt.wikipedia.org
Figura 6 - Cartaz do fi lme “Ensaio sobre a Cegueira”Trailer ofi cial: http://www.youtube.com/
watch?v=6wyj1V-aKVc
Relação transitiva – relação de troca, sem imposições parte a parte. Signifi ca que a literatura, o cinema e as demais artes não são dominados pela realidade, mas estabelecem com ela uma interação. Ou melhor: as artes trocam informações com a realidade e inserem nesse processo a ação da imaginação.
Conto – prosa de fi cção, de pequenas dimen-sões, com ação concentrada e objetiva, poucas personagens, espaço/ambiente condensado.Novela – texto em prosa de fi cção, com dife-rentes núcleos de ação, dimensão média, tramas paralelas, personagens variadas, espaço/ambi-ente diversifi cado.Poema – composição verbal em versos e estro-fes, pautado na similaridade musical, com ritmo, melodia, rimas.Texto dramático – composição verbal direcio-nada à encenação teatral, contendo as falas das personagens, as descrições de cenários, vesti-mentas etc., bem como as indicações cênicas que permitem a representação no palco.
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2 A LINGUAGEM ARTÍSTICA: LITERATURA E CINEMA
A melhor maneira de você entender esse processo de criação
artística é trabalhando com o material do artista: a linguagem de
que ele se utiliza. No caso literário, o escritor esculpe palavras e
frases, ele cria imagens que provocam nossas emoções. No caso do
cinema, o diretor, sua equipe e os atores interpretam cenas que se
desenrolam a nossa frente, num processo que nos coloca quase como
parte do que vemos.
Tomemos o romance e o fi lme homônimos Ensaio sobre a
cegueira. Quando encontramos uma adaptação cinematográfi ca de
um texto literário, não percebemos, de início, que vários recursos são
agregados à palavra impressa, num processo de leitura e interpretação
que se desdobra em vários níveis: o diretor lê e agrega ao texto os
sentidos que produz no ato da leitura, o roteirista também, o câmera
faz sua interpretação, os responsáveis pelos cenários fazem uma
leitura própria, os atores também se apropriam, de acordo com suas
possibilidades, da obra em foco. Assim, o fi lme nunca é o livro, da
mesma forma que o livro e o fi lme nunca são a realidade, mas seus
construtores imaginários.
Observe a cena abaixo, recortada do fi lme. A seguir, leia o
fragmento do romance com o qual ela interage.
“A rapariga dos óculos escuros foi pôr-se atrás da mulher do médico, depois, sucessivamente, a criada do hotel, a empregada, do consultório, a mulher do primeiro cego, aquela que não sabe quem seja, e enfi m a cega das insônias, uma fi la grotesca de fêmeas malcheirosas, com as roupas imundas e andrajosas, parece impossível que a força animal do sexo seja assim tão poderosa, ao ponto de cegar o olfacto, que é o mais delicado dos sentidos, não faltam mesmo teólogos que afi rmam, embora não por estas exactas palavras, que a maior difi culdade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há. Devagar, guiadas pela mulher do médico, cada uma com a mão no ombro da seguinte, as mulheres começaram a caminhar. Estavam todas descalças porque não queriam perder os sapatos no meio das afl ições e angústias por que iam passar. Quando chegaram ao átrio de entrada, a mulher do médico encaminhou-se para a porta, devia querer saber se ainda haveria mundo” (SARAMAGO, 1995, p.174).
Vamos observar a cena do fi lme: A Mulher do Médico encabeça
uma fi leira de cinco mulheres, mal vestidas, despenteadas, com
Figura 7 - Cena do fi lme “Ensaio sobre a cegueira”
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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aspecto sujo e feições tristes. Apenas pela cena recortada, não
sabemos o que fazem exatamente, nem para onde vão. Mas podemos
deduzir que sofrem e vivem em condições desumanas.
O fragmento destacado do romance deu a base para a criação
da cena indicada. Veja que as palavras, para conseguirem provocar
nossa imaginação, precisam ser muito elaboradas e muito bem
organizadas na frase, de forma a se tornarem bastante sugestivas. As
mulheres enfi leiradas são descritas por características que permitem
identifi cá-las, mesmo que não saibamos seus nomes. Os odores que
exalam são descritos. A cena do fi lme não dá conta da parte olfativa
do espectador. No entanto, o leitor do romance é levado a imaginar o
mau cheiro que essas mulheres liberam.
Na imagem fílmica, não vemos que estão descalças, mas o
livro nos dá essa informação, a qual pode nos levar a pensar como
essas mulheres estão fragilizadas e expostas a agressões do ambiente
e dos outros cegos.
São linguagens diferentes que trazem um objetivo comum:
comover seu público. Levar o leitor a se emocionar e a se surpreender
a cada página lida, levar o espectador a se mexer na cadeira do
cinema ou na poltrona de sua sala, com medo da cena seguinte:
a arte, seja ela qual for, não quer nos dar conforto, ela quer nos
incomodar, nos desafi ar, nos fazer pensar no nosso mundo.
No caso desse romance e desse fi lme, obviamente não estamos
vivendo no cotidiano uma concreta epidemia de cegueira. Entretanto,
não estaríamos vivendo simbolicamente um momento em que a
humanidade se tornou opaca? Ou melhor, não estaríamos acometidos
dessa fi ccional cegueira branca? Queremos que você refl ita sobre
essa relação entre o campo artístico e o mundo que o gera, entre
o fi ccional e a realidade: a arte, seja a literária, a cinematográfi ca,
a teatral ou qualquer outra, não copia a realidade, ela a imagina, a
recria, a refaz, a inventa.
3 A COMPOSIÇÃO LITERÁRIA NARRATIVA
As narrativas literárias são construídas assim: elas estabelecem
uma relação muito íntima com nossa vida comum, cotidiana, com a
história, mesmo que seja a história das miudezas do cotidiano, com
outras narrativas. Mas essa relação íntima não é, necessariamente,
especular, isto é, a literatura não “refl ete” o mundo. Muitas vezes,
o que o texto em prosa literária faz é levar o leitor para um mundo
completamente diferente daquele que é conhecido no dia a dia: um
SAIBA MAIS
Imagem Verbal – repre-sentação, por meio de pa-lavras, escritas ou faladas, de pessoas, situações, sen-timentos etc.
Imagem Visual – repre-sentação visual de objetos, seres, situações.
Paradoxo – conjunto de palavras ou imagens visuais de sentido aparentemente contraditório.
Ficção – ato de fi ngir, criação imaginária.Ficcional – aquilo que é ima-ginado, fi ngido.
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Insólito – evento diferente do comum, do usual.
mundo insólito, surpreendente, misterioso, desafi ador.
Segundo Flávio Garcia,
(...) os eventos insólitos seriam aqueles que não são freqüentes de acontecer, são raros, pouco costumeiros, inabituais, inusuais, incomuns, anormais, contrariam o uso, os costumes, as regras e as tradições, enfi m, surpreendem ou decepcionam o senso comum, às expectativas quotidianas correspondentes a dada cultura, a dado momento, a dada e específi ca experienciação da realidade (GARCIA, 2007, p.19).
Nem toda narrativa literária trabalha com o insólito. Essa
é uma forma de discutir a representatividade direta e imediata do
mundo: o insólito exacerba o caráter fi ccional do texto. O insólito é
uma das possibilidades do paradoxo na relação texto/mundo/leitor.
Para isso, a narrativa de fi cção lança mão de algumas
estratégias: ela tem um narrador (ou vários), que conta os fatos
(enredo) de acordo com seu ponto de vista, através das falas e ações
de personagens, que se situam no tempo e no espaço.
Leia conosco o conto abaixo:
Texto 1
METAMORFOSE
Luis Fernando Veríssimo
Quando Gregório Souza acordou certa manhã de uma noite mal
dormida cheia de sonhos perturbadores, olhou seus pés que emergiam
da outra extremidade da coberta curta e viu que tinha se transformado
em Franz Kafka. Na verdade, levou algum tempo para descobrir quem
era. Começou certifi cando-se que aqueles pés, decididamente, não eram
os dele. Examinou-os com interesse e deduziu que eram pés da Europa
Central, possivelmente checos. Mas só quando sua mãe entrou no quarto
e ele respondeu ao seu “bom-dia!” em checo, espantando-se tanto quanto
a ela, deu-se conta de quem era.
Não sabia explicar como acontecera aquilo. Não só ele era Kafka
como toda a situação era puro Kafka. Sua mãe gritando, perguntando
quem ele era e o que estava fazendo na cama do seu fi lho - pelo menos
ele imaginava que era isto que ela dizia, pois não conseguia entendê-la -
e ele, apalpando-se, ao mesmo tempo assustado e maravilhado, eu Franz
Kafka! Levantou-se da cama e foi se olhar no espelho, enquanto sua mãe
corria do quarto para chamar seu pai, que chamou a polícia, que veio e
cercou o prédio errado, causando uma enorme confusão no trânsito e
ferimentos a bala em três pessoas, e viu que era mesmo Franz Kafka,
com as olheiras e tudo. Foi preso. Tentou inutilmente se comunicar com
os policiais mas nenhum falava checo ou alemão. Tentaram levá-lo para a
delegacia no carro da polícia, mas nada se mexia no trânsito engarrafado
e um camelô meteu a cabeça para dentro do carro e ofereceu “Saquinho
de limão, doutor? Limpador de pára-brisa? Assistência legal?”, que Kafka
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ATE
NÇ
ÃO
aceitou, tanto que quando os policiais decidiram bater nele ali mesmo e
jogá-lo na calçada foi seu advogado que o levou a um hospital, onde ele
esperou uma hora na fi la de um guichê só para dizer se era conveniado
ou se era pelo SUS. Em seguida, foram à repartição competente para
regularizar sua situação como estrangeiro no país e quando Kafka indicou,
com gestos, que não tinha dinheiro para pagar seus serviços, já que a
carteira de Gregório Souza estava vazia, o advogado sorriu, levantou a
palma da mão e disse “Xacomigo”.
Com a situação de Kafka regularizada por meio de uma propina
e um documento de identidade provisório para seu cliente comprado
de outro camelô, o advogado daria entrada com um pedido de pensão
da Previdência Social, pois o fato de ter-se transformado em checo
da noite para o dia o abalara psiquicamente, e os dois ganhariam
uma fortuna, ainda mais que o advogado tinha um cúmplice na
previdência que acrescentava zeros às guias de pagamento, quanto
zeros se quisesse. A todas estas Kafka tomava notas, maravilhado. Em
casa, Kafka conseguiu acalmar os pais de Gregório e, com paciência,
recorrendo a algumas palavras em inglês que sabia, explicou o que tinha
acontecido. Para sua sorte - e para a sua surpresa, pois antes de morrer
dera ordens para que toda sua obra fosse queimada - havia um livro
de Kafka numa prateleira do quarto de Gregório, com sua fotografi a na
capa, e os pais acabaram compreendendo que aquilo tudo era um tipo
de acontecimento literário, talvez uma parábola, e que Gregório não
corria perigo, salvo o de perder seu emprego na companhia de seguros.
Adotaram o fi lho substituto. E com sua situação doméstica resolvida, o
português que aprendeu ouvindo as novelas e lendo as traduções dos
seus próprios livros e o dinheiro que o advogado conseguiu da Previdência
- R$ 500 milhões - Kafka se sentiu em condições de recomeçar a
carreira literária interrompida com sua morte. Comprou um computador
e preparou-se para escrever o seu primeiro livro brasileiro, apenas
duvidando que estivesse à altura da tarefa.
COSTA, Flávio Moreira da (Organizador). Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal. 5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 527-528
Observem como o ambiente e o tempo foram construídos: o conto inicia apresentando um espaço físico delimitado – o quarto de Gregório, que acorda em sua cama e se percebe metamorfoseado em Franz Kafka. O espaço físico tem um aspecto maior que o confi gura como ambiente, transformando-se num elemento determinante para a compreensão da narrativa. O tempo do narrado não está distante do tempo da narração, o que nos coloca dentro da ação: partilhamos a surpresa de Gregório e sua mãe. Assim, como leitores, somos lançados num espaço de experimentação e mistério, o que é intensifi cado pelo bom humor da narrativa. Esse conto de Veríssimo dialoga com o livro A metamorfose, escrito por Kafka, em 1915, cuja personagem protagonista é Gregor Samsa. Na obra do fi ccionista tcheco, ao acordar para o trabalho, Gregor percebe que se transformou num terrível inseto, o que o choca, mas, a princípio, suas preocupações são muito práticas, ligadas a seu cotidiano. Isso evolui, e Gregor aprofunda sua crise, levando as questões para o psicológico e emocional. A metamorfose de Gregor vai além da parte física: ocorre uma alteração de comportamentos, atitudes, opiniões. A narrativa de Kafka não conta apenas a história de um homem que se transformou num inseto, pode ser lida como um alerta acerca da desumanização do homem, como no romance/fi lme Ensaio sobre a cegueira.
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O narrador no conto de Veríssimo está nos remetendo a uma
forma diferente de compreender a relação entre literatura e vida
(história, realidade, cotidiano).
Veja o que Aristóteles nos diz, em sua Arte retórica e poética:
“O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso [...]. Diferem entre si porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido”(ARISTÓTELES, s/d, p.306).
O “verossímil é “o que poderia ter acontecido”, ou seja, é aquilo
que ocorre na imaginação do escritor e na nossa, enquanto leitores.
Isso signifi ca que ele está dialogando com a realidade, dando a ela
uma versão alternativa, insólita, não simplesmente reproduzindo-a.
Assim, o insólito surge não apenas como um jeito divertido e diferente
de lidar com o mundo que nos é dado: ele é um caminho de crítica a
esse mundo.
Veja os esquemas abaixo e acompanhe nossos comentários:
4 ANÁLISE DE NARRATIVAS
Partiremos de dois polos: um eixo sintagmático, isto é, as
escolhas (microanálise) e outro paradigmático, as combinações
(macroanálise).
Microanálise: busca de pormenores; estudo dos elementos
da narrativa (personagens, tempo, enredo, focalização –
ponto de vista –, narrador); rede de signos ou símbolos.
Macroanálise: estudo do que está implícito nas
microestruturas; investigação de conceitos trabalhados, de
relações intertextuais, culturais, sócio-históricas; campo
das realidades signifi cadas ou simbolizadas.
Em nível de microanálise, se tomarmos o primeiro fragmento
do romance Ensaio sobre a cegueira, acima reproduzido, e enfocarmos
as personagens e sua caracterização, é possível observarmos
que as mulheres que habitam esse romance são “nomeadas” por
características específi cas. A protagonista (personagem principal) é
conhecida por seu papel social – ela é esposa, daí ser A Mulher do
Médico. A segunda da fi la, uma garota de programa, é conhecida
como A Rapariga de Óculos Escuros, o que remete o leitor à profi ssão
PARA CONHECER
Franz Kafka - nasceu numa família judia, na atual República Tche-ca. Sua obra teve grande repercussão na literatura ociden-tal, apesar de estar em boa parte incom-pleta e de só ter sido publicada após sua morte. Seus textos refl etem sobre a so-ciedade, tendo o insó-lito como instrumento de composição.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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VOCÊ SABIA?que ela exerce – prostituta de luxo. Afi nal, ela precisa de máscaras
para circular na sociedade, os óculos serviriam como disfarce. Em
nível de macroanálise, tomemos essas duas personagens e vejamos
as relações que podemos estabelecer. A Mulher do Médico, enquanto
esposa, não tem vida própria, não tem representatividade social. Ela
lembra o imenso contingente de mulheres que, em nossa sociedade
masculina, vivem à sombra de maridos, pais, irmãos. Mas ela é a
única que mantém a visão: guia todos que cegaram nessa sociedade
preconceituosa e injusta. A Rapariga de Óculos Escuros socialmente
se opõe à Mulher do Médico, por ser a marginal na história. Acontece
que, na verdade, antes da cegueira, ambas eram marginais,
porque, nesse mundo masculino, nascer mulher é nascer fadada à
discriminação e ao silenciamento.
5 ESTRATÉGIAS NARRATIVAS
As estratégias narrativas são recursos utilizados pelo narrador
no tocante à produção de um texto em prosa e podem variar, inclusive,
dentro um mesmo texto, a partir do público-leitor a que se destinam,
do tema a ser tratado e do modo como se constrói implicitamente a
recepção de tal texto. Importa, principalmente, a formatação de um
texto narrativo, isto é, o “como dizer”. Vejam abaixo as estratégias
narrativas:
Enredo/Intriga:
o Plano de organização macroestrutural, que
apresenta os eventos de acordo com estratégias
discursivas; elaboração estética dos elementos da
fábula. Implicam em:
o Ações linearizadas – ações previsíveis.
o Ações (eventos) não-linearizadas (antecipação,
diferimento, começo in medias res).
o Os eventos são apresentados de forma encadeada,
com início, meio e fi m, ainda que postos em
“desordem”, sempre encaminhados para um ou
mais clímax e um desfecho.
Veja o conto de Luis Fernando Veríssimo: o enredo se organiza
linearmente, não há antecipações, diferimentos, os acontecimentos
seguem uma linha de início (metamorfose em Kafka), meio (relações
estabelecidas com o escritor tcheco e o livro que serviu de fonte), fi m
(a escrita de textos brasileiros). O clímax é a prisão de Gregório/Kafka.
O estudo das narrati-vas deve ser feito em duas direções: seguin-do o fi o das estraté-gias de representação (personagens, situa-ções, tempo, espaço etc.) e aprofundando esse caminho, mer-gulhando nas relações que elas estabelecem com a cultura, a socie-dade, a história. Para isso, você deve conhe-cer as estratégias nar-rativas a que viemos nos referindo.
In Medias Res – recurso narrativo típico das epo-peias clássicas, que consiste no início da narrativa pelo meio da ação, ou seja, a história começa a ser con-tada a partir da ação já em desenvolvimento. Também aparece em narrativas mo-dernas e contemporâneas.
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O desfecho é sua adoção pela família brasileira e sua transformação
em escritor brasileiro.
Personagens:
o Protagonistas/adjuvantes/antagonistas.
o Personagem plana – tipo.
(Estática/exibe marcas reconhecíveis).
o Personagem redonda (caracterização elaborada e
processual (uso de monólogos interiores).
As personagens protagonistas são aquelas cujas ações se
desenrolam a partir dela. É de quem se conta a história central
de uma narrativa. Como exemplo, temos A Mulher do Médico do
romance Ensaio sobre a cegueira. É em torno dela que a narrativa
de desenvolve, logo, a ação é centralizada em torno da mesma. As
adjuvantes são as personagens cujas histórias giram em torno das
protagonistas. São tipos que auxiliam as ações das personagens
centrais. Como exemplo, temos do mesmo romance, a Rapariga de
Óculos Escuros. Embora possua uma história própria, suas ações só
se desenvolvem mediante “permissão” da história da protagonista,
isto é, só conhecemos a história da primeira por conta da existência
da segunda. As antagonistas são as que se opõem, dentro de uma
mesma história, ao protagonista. São responsáveis diretas pelos
confl itos do seu opositor. Como exemplo, temos a obra Esaú e Jacó,
de Machado de Assis. A narrativa, cujo título é extraído da Bíblia,
remetendo-se ao Gênesis, apresenta as personagens Pedro e Paulo,
as quais são opositoras uma da outra. Logo, as ações da primeira são
combatidas pela segunda, tornando-as antagonistas entre si.
Quanto à forma das personagens, retomemos Ensaio sobre a
cegueira e as duas personagens a que já nos referimos: A Mulher do
Médico e a Rapariga de Óculos Escuros. É possível vermos as duas,
bem como as demais personagens do romance, como personagens
planas, defi nidas por marcas peculiares.
No caso do conto de Veríssimo, “Metamorfose”, Gregório/
Kafka é uma personagem redonda, sua complexidade psicológica,
emocional, social ressalta a cada linha. O processo de metamorfose
de que é vítima representa sua elaboração processual e mutável.
Focalização (Foco Narrativo):
o Perspectiva narrativa: representação dos aspectos
percebidos por quem “conta” a história.
o Focalização externa: referência objetiva aos eventos
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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UM CONSELHO
– funciona em narrativas de base histórico-social.
o Focalização interna: perspectiva de uma personagem
inserida na fi cção (focalizador) – funciona em
narrativas de base ideológica acentuada, com
ênfase para o protagonista e para o psicológico
das personagens – marca uma subjetividade na
narrativa.
o Focalização onisciente: o ponto de vista transcende
as limitações das personagens – conhecimento
ilimitado da narrativa.
A perspectiva narrativa do romance Ensaio sobre a cegueira
é estabelecida por um constante processo descritivo, que parece
procurar dar ao leitor informações minuciosas sobre cada cena, cada
personagem, cada ação, numa focalização externa, isto é, construtora
de um caminho direcionado de leitura, como se pode observar no
primeiro fragmento citado, a partir das descrições acerca do espaço –
ruas desertas, lixo espalhado. Tomemos o segundo fragmento citado
e vejamos a onisciência do narrador e de sua focalização: ele sabe até
qual é a intenção da Mulher do Médico. Todas as descrições totalizam
sentidos prévios para as situações, colocando o leitor numa posição
de grande conhecedor de tudo o que está sendo narrado.
Narrador/Narratário:
o Narrador: autor textual (# autor real).
o Narratário: ser de papel (aparece principalmente
a partir de narradores autodiegéticos e
homodiegéticos).
o Narrador autodiegético: o protagonista narra sua
própria história (focalização interna ou onisciente).
o Narrador heterodiegético: o narrador não faz parte
do universo diegético – há uma distância entre
ambos (focalização interna ou externa).
o Narrador homodiegético: um personagem
(focalizador), que não o protagonista, “conta” a
história (focalização interna).
Quando lidamos com um texto literário, enveredamos pelo
mundo da fi cção, nada nesse mundo é “verdade”. Assim, o narrador
não é o autor, é uma personagem, que está ou não dentro da história,
que age ou não, dentro do narrado, que não tem pontos de contato,
necessariamente, com a vida do escritor. José Saramago é o autor
Sugerimos a leitura do romance de Chico Bu-arque, Leite derrama-do, para exemplifi cação da focalização interna: a personagem princi-pal rememora toda sua vida, num leito de hos-pital, imprimindo ao narrado sua subjetivida-de, a partir do momento em que escolhe o que e como será contado. O compromisso dele não é com a memória pura e simplesmente, mas com uma recriação fi ccional do passado.
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de Ensaio sobre a cegueira, mas seu narrador é uma voz dentro da
narrativa, um narrador heterodiegético. O mesmo ocorre com o leitor.
Muitas vezes, os escritores representam os leitores fi ccionalmente,
como personagens ou como simples digressões dialógicas, isso
signifi ca que os leitores chamados ao texto não são de carne e osso,
são seres de papel: narratários.
No romance Leite derramado, Eulálio é um narrador
autodiegético, pois conta sua própria história. No romance machadiano
Esaú e Jacó, cuja leitura também recomendamos, o narrador é o
Conselheiro Aires, que não é o protagonista da história: logo, é um
narrador homodiegético.
Tempo:
o Cronológico: antes, durante, depois/datas/horas.
o Psicológico: tempo-duração (Bergson) /desordem/
espiralado.
o Tempo da diegese: instância seletiva que organiza
as diferentes temporalidades dos diferentes eventos
narrados (fl ashback, antecipações, in medias res).
Tanto em Ensaio sobre a cegueira, como em Leite derramado e
em “Metamorfose” o tempo é psicológico, não há controle cronológico
da temporalidade. Em Esaú e Jacó, o tempo é contado e marcado por
dias, horas e fatos históricos, portanto, tempo cronológico.
O tempo da diegese tem a ver com a ordem dos fatos na
narrativa: em Leite derramado, os eventos se superpõem num
processo de rememoração da personagem Eulálio.
6 A COMPOSIÇÃO POÉTICA
Texto 2
LIBERDADE
Fernando Pessoa
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Flashback – retomada de eventos passados, que podem ou não ter sido ex-postos na narrativa. Pode ser “real” ou “imaginário” o evento retomado do pas-sado.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de fi nanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fonte: http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/195.html
Observe que o eu-lírico se expressa em versos e estrofes. À
primeira vista, ler um poema é bem mais fácil que ler um conto, uma
novela ou um romance, pois ele é menor e suas unidades signifi cativas
são de rápida leitura. Mas não é bem assim. Por quê? Os poemas, em
geral, são curtos, poucas palavras, rimas, ritmo...
Exatamente pelas características acima citadas é que ler um
poema, e analisá-lo, é tão complicado.
Como são, normalmente, textos pequenos, o sentido vem
condensado, altamente entrelaçado às poucas palavras apresentadas.
Desmontar e entender um texto poético exige do leitor uma atitude
detetivesca. É preciso desconfi ar de todas as pistas deixadas pelo eu-
lírico. É preciso ser extremamente curioso...
Cada palavra posta em um poema é um mundo à parte e,
Eu-lírico – representação po-ética do autor, voz que fala no poema.Rimas – coincidência sonora de vogais de vocábulos me-diais ou fi nais nos versos po-éticos.Versos – frases poéticas.Estrofes – conjunto de ver-sos.
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simultaneamente, um mundo em interação com outros universos,
próximos e distantes. Cada palavra tem um feitiço próprio...
Vejam o poema acima. Nele, o eu-lírico dá o tom do texto pelo
título: LIBERDADE. Ser livre signifi ca não se ater a regras e limites.
Mas, se o poema depende de rima, métrica etc., como ligar liberdade
à poesia? É disso que o poema trata: a literatura é prazer, não é
dever. É alegria. Veja a seleção vocabular empreendida pelo poeta:
prazer/dever; ler/fazer – essas primeiras rimas nos remetem para a
polarização discutida a partir do título.
As rimas brincam com o leitor. Muito mais que um recurso
“bonitinho”, que dá ao texto uma feição poética (para os leitores
mais tradicionais), a rima é uma chave para que se entre no espaço
de signifi cação textual. Há leitores que só conseguem ler poemas
rimados, pensam que a rima é que traduz o poético. Nem tanto ao
mar, nem tanto à terra...
O poema traduz uma visão de mundo pessoal, típica de um
dado sujeito poético em um determinado momento e em certo espaço.
Rimar ou não rimar não faz de ninguém um poeta. Já observaram
quantas vezes rimamos sem querer em nossos bate-papos ao telefone
ou no bar da esquina?
O ritmo, por sua vez, embora não exista apenas no texto
poético, também traz um caminho particular para a investigação do
poema – e a rima é parte dele. Combinando metros específi cos, o
eu-lírico pode nos levar a sentidos inusitados, abrindo horizontes que
sequer imaginávamos... Veja que a métrica do poema é completamente
irregular, e, ainda assim, seu ritmo é contagiante, por nos remeter às
conversas cotidianas, aos papos de escola e botequim.
É possível perceber, então, que ler um poema não é fácil como
ler uma página de gramática, de história ou, até mesmo, um conto e
uma crônica.
Ler um poema é criar poesia dentro de nós, é ser um pouco poeta
também...
7 A COMPOSIÇÃO DRAMÁTICA
Texto 3
AUTO DA BARCA DO INFERNO
Gil Vicente (fragmento)
DIABO
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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À barca, à barca, houlá!
Que temos gentil1 maré!
- Ora venha o caro a ré!2
COMPANHEIRO
Feito, feito!
DIABO
Bem está!
Vai tu muitieramá,1
Atesa aquele palanco2
e despeja aquele banco,
ric a gente que virá.
À barca, à barca, hu!
Asinha3, que se quer ir!
Oh, que tempo de partir,
louvores a Berzebu!
- Ora, ri!, que fazes tu?
Despeja todo esse leito4!
COMPANHEIRO
Em boa hora! Feito, feito!
DIABO
Abaixa maora esse cu!1
Faze aquela poja lesta2
e alija aquela rica.
Fonte: http://www.mundocultural.com.br/analise/barca_gvicente.pdf
Você leu aqui um pequeno fragmento da peça Auto da Barca
do Inferno, de Gil Vicente. As peças teatrais contam uma história,
mas usam estratégias diferentes das usadas nas narrativas de fi cção.
Elas partem de um texto-base, composto por indicações cênicas, falas
das personagens, orientações sobre interpretação. Quando vamos ao
teatro, vemos a ação se desenrolar sob nossos olhos. Quando estamos
lendo uma peça, não temos diretor, cenário e atores para nos guiarem
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pela obra. O texto dramático, então, vai trazer marcas próprias: será
construído em diálogos e, algumas vezes, encontraremos também as
orientações para a representação. Leia o que Angélica Soares afi rma:
Por isso, o mundo nele representado (pois o texto dramático se completa na representação) apresenta-se como se existisse por si mesmo, sem a interferência de um narrador. Importante é notarmos que o objetivo do escritor não é cada passagem por si, como na epopéia, nem o modo especial de transmitir emocionalmente um tema, como no poema lírico, mas a meta a alcançar. Assim é que tudo se projeta para o fi nal, através da manutenção de uma forte expectativa, que desemboca no desfecho ou solução (SOARES, 1997, p. 59).
Assim, as falas das personagens constituem o texto principal
da peça de teatro, enquanto as outras partes, como desenho verbal
acerca do cenário, indicações de modo de representação etc. formam o
texto secundário. Esse “texto secundário” só importa no ato da leitura
da peça e não é absoluto, cada direção e cada corpo de atores pode
atualizá-lo, num processo de interpretação. As palavras pronunciadas
exprimem as vivências, os diferentes estados e processos psíquicos
vividos pelas personagens que falam em cada cena, promovendo a
comunicação com o leitor ou com o espectador. O diálogo, é, então,
um jogo vital para o texto dramático, lido ou encenado.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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AATIVIDADETIVIDADEATIVIDADE
1) Veja a cena abaixo do fi lme Ensaio sobre a cegueira dirigido por Fernando Meirelles.
Depois, leia o fragmento do romance que deu origem ao fi lme, de José Saramago.
“O caminho que tomaram leva ao centro da cidade, mas não é essa a intenção
da mulher do médico, o que ela quer é encontrar rapidamente um sítio onde possa
deixar abrigados os que vêm atrás de si e ir sozinha à procura de comida. As ruas estão
desertas, por ser ainda cedo, ou por causa da chuva, que cai cada vez mais forte. Há lixo
por toda a parte...” (SARAMAGO, op.cit., p. 214).
A. ____________________________________________ são elementos comuns
ao fi lme e ao romance e promovem uma identifi cação entre fi cção e realidade.
B. No romance, a imagem “as ruas estão desertas” pode levar o leitor a imaginar
uma cidade completamente vazia de seres viventes. No entanto, na sequência
do parágrafo, outra imagem verbal se opõe a essa ideia: “Há lixo por toda parte”.
A oposição surge porque o lixo é produzido pelo ser humano, portanto, haveria
pessoas para produzirem lixo. Observe a cena do fi lme. Veja que esse paradoxo
vem de uma só vez na imagem visual. Que elementos do fi lme criam esse choque
de ideias? Explique.
2) Leia atentamente o conto abaixo. A seguir, analise-o, seguindo a orientação da
atividade.
UMA GALINHA
Clarice Lispector
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da
manhã.
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Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para
ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua
intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se
adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito
e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou – o
tempo da cozinheira dar um grito – e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em
outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá fi cou em adorno deslocado, hesitando
ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço
junto de uma chaminé. O dono da casa lembrando-se da dupla necessidade de fazer
esporadicamente algum esporte e de almoçar vestiu um radiante calção de banho e
resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta
hesitante e trêmula escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais
intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a
uma luta mais selvagem pela vida a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos
a tomar sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido.
E por mais ínfi ma que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada.
Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava
outros com difi culdade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão
livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que
havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se
poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na
sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria
no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Afi nal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a
Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através
das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um
pouco, em cacarejos roucos e indecisos.
Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida,
exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade,
parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim fi cou respirando,
abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração tão pequeno num prato solevava e
abaixava as penas enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a
menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se
do acontecimento despregou-se do chão e saiu aos gritos:
- Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso
bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente.
Esquentando seu fi lho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não
era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a
mãe e a fi lha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer.
Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afi nal decidiu-se com certa
brusquidão:
- Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha
vida!
- Eu também! Jurou a menina com ardor.
A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a
30 Módulo 2 I Volume 4 EAD
Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida
para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei
a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o
sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades:
a de apatia e a do sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-
se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga – e circulava pelo ladrilho, o
corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça
a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara
contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões
com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas
fi caria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia
cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho – era uma
cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.
LISPECTOR, Clarice. “Uma Galinha”. In: Laços de família. 11. ed. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1977. p. 31-34.
Orientação para execução da atividade:
A protagonista do conto é um animal destinado ao consumo humano. No entanto,
o narrador constrói uma relação simbólica entre esse animal e as demais personagens. Em
sua análise do conto, observe de que maneira o foco narrativo (focalização) nos conduz,
fazendo com que estabeleçamos a relação indicada. Observe, também, as representações
de práticas culturais próprias da sociedade burguesa brasileira, discutindo-as.
4) Leia o poema abaixo e observe as palavras grifadas. Elas estão rimando.
Interprete-as e veja que sentidos você pode atribuir ao poema, a partir delas.
SONETOLuís de Camões
Eu cantarei de amor tão docemente, por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados faça sentir ao peito que não sente.
Farei o amor a todos evidente, pintando mil segredos delicados,
brandas iras, sospiros descuidados, temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto de vossa vista branda e rigorosa,
contentar-me-ei, dizendo menor parte.
Porém, para cantar de vosso gesto a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
Fonte: http://bardo.castelodotempo.com/poesias/eu-cantarei-de-amor-tao-docemente-camoes
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8 CONCLUSÃO
Com base nas abordagens aqui desenvolvidas, percebemos
que o texto literário não é chamado literário apenas por compor a
bibliografi a de grandes autores consagrados pela crítica universal. Ele
recebe esse nome porque seu material é uma linguagem artisticamente
trabalhada e seu objeto é a leitura e, dessa forma, necessita de um
leitor. Mas não um leitor obediente ou que se acostume às mesmas
formas de apropriação e sim, um leitor inquieto e que ousa desafi ar-
se constantemente, seja através do conteúdo de determinado texto,
seja pelo exercício constante da leitura. Além disso, essa combinação
de forma e conteúdo acaba nos levando a parcerias com outras
formas de expressão artística típicas da cultura e da sociedade onde
estamos inseridos. Concluímos, por conseguinte, que oferecemos
um material discursivo e desafi ador a você que pretende descortinar
novos horizontes praticando algo vital a um leitor seja ele de qual
nível for: a leitura e a interpretação de textos literários.
LEITURA RECOMENDADA
CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. São Paulo: Edusp, 1975.
CHIAPPINI, Lígia. O Foco Narrativo (Ou a polemica em torno da ilusão). São Paulo: Editora Ática, 2002.
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 17 ed. Porto, Portugal: Porto Editora, 2001.
Domínio Público - http://www.dominiopublico.org.br
9 RESUMINDO...
Nesta unidade, você estudou A Linguagem Artística: Literatura
e Cinema, A Composição Literária Narrativa, Análise de Narrativas,
Estratégias Narrativas, A Composição Poética, A Composição Dramática.
Percebeu com o estudo acima descrito as relações entre arte, cultura
e sociedade. Por fi m, entendeu as possibilidades de diálogo entre tais
elementos e como produzem novos sentidos à medida que se relacionam.
RESUMINDO
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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FIQUE ATENTO!
NA PRÓXIMA UNIDADE VEREMOS:• Literatura, história, cultura. • Narrativa em língua portuguesa. • Poesia em língua portuguesa.
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FE
RÊ
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IAS
10 REFERÊNCIAS
GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. 4. ed. São Paulo: Ática, 1988.
LISPECTOR, Clarice. “Uma Galinha”. In: Laços de família. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 31-34.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 1980.
SOARES, Angélica. Gêneros literários. 4. ed. São Paulo: Ática, 1988.
SILVA,Vítor M. A. Teoria da Literatura, 8. ed. Coimbra: Almedina, 1988. Vol. I.
VERÍSSIMO, Luis Fernando. “Metamorfose”. In: COSTA, Flávio Moreira da (Org.). Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal. 5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 527-528
Bardo: Castelo do Tempo. Disponível em <http://bardo.castelodotempo.com/poesias/eu-cantarei-de-amor-tao-docemente-camoes>.
Insite - Fernando Pessoa. Disponível em <http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/195.html>.
Mundo Cultural. Disponível em <http://www.mundocultural.com.br/analise/barca_gvicente.pdf>.
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Suas anotações
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2unidade
Ao fi nal da unidade, o aluno será capaz de:
• entender as relações entre a linguagem
literária, a história e a cultura dos
países de língua portuguesa e
• comparar as representações literárias
dos países de língua portuguesa.Objetivos
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UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Você costuma pensar acerca das relações entre história,
literatura e cultura? Em sua opinião, essas três práticas humanas
estão em uma relação hierárquica? O que seria mais importante: a
cultura? a história? a literatura? Por quê?
Para que você possa responder a essas questões, precisamos
defi nir esses três campos do saber e do pensamento humanos.
Em primeiro lugar, vamos nos ocupar da cultura. Veja as
imagens 1, 2 e 3:
Figura 1- CapoeiristaFonte: generationproject.fi les.wordpress
Figura 2 - Palhaço Kaviula do Huambo Fonte: kimboleitu.blogspot.com Figura 3 - Fadista
Fonte: bilhetepostal.blogs.sapo
A fi gura 1 nos mostra dois capoeiristas, em pleno jogo. A
capoeira é, em suas bases, uma forma de luta desenvolvida pelos
escravos que chegavam ao Brasil e precisavam livrar-se do jugo da
escravidão, defendendo-se e atacando os brancos que os compravam
e dominavam, obrigando-os a trabalharem incansavelmente, muitas
vezes sem nem mesmo serem alimentados. Como não tinham acesso
às armas dos dominadores, eles usavam o próprio corpo como
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SAIBA MAIS
SAIBA MAIS
arma. Durante muitos séculos, a capoeira e seus praticantes foram
marginalizados e perseguidos, somente a partir da segunda metade
do século XX, alcançaram certa liberdade e, hoje, a capoeira é uma
manifestação cultural afro-brasileira, procurada por turistas internos
e externos.
Na fi gura 2, vemos a imagem de um palhaço (kaviula do
Huambo), nas terras de Wambu Kalunga, em Angola. A permanência
dessas manifestações primitivas em determinados grupos étnicos
aponta para a força do povo angolano, pois o respeito, o conhecimento
e a manutenção das raízes culturais das sociedades sustentam, muitas
vezes, sua soberania. Assim, após tantas guerras, tantas cisões
internas, em pleno século XXI, uma fi gura da tradição ainda pode ser
vista, o que indica que Angola, a Nação angolana, sobreviveu.
Veja Angola no mapa:
Figura
4 -
Fonte
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w.p
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com
.br/
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luta
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gola
.htm
Na fi gura 3, está traçada a fi gura de uma fadista. O fado é uma
das manifestações musicais mais tradicionais de Portugal. Remonta
suas origens aos cantares trovadorescos e normalmente tematiza
a saudade, a perda amorosa, ligando-se ao lirismo mais antigo da
Península Ibérica.
Como você pode perceber, cultura é tudo aquilo que o homem
cria para relacionar-se com o mundo natural em que nasce, para
compreendê-lo, para dominá-lo. Assim, são manifestações culturais
a música, a religião, a dança, a culinária, a arquitetura, a literatura,
a pintura etc.
Libertação de Angola – An-gola esteve, até 1975, sob o domínio português e sob o controle de três grupos nacionalistas MPLA, UNITA e FNLA. O MPLA, que do-minava a capital, Luanda, proclamou a Independência da República Popular de An-gola às 23:00 horas do dia 11 de novembro de 1975, pela voz de Agostinho Neto, dizendo: diante de África e do mundo proclamo a Inde-pendência de Angola. As lu-tas se arrastaram por muito tempo, em movimento ini-ciado no dia 4 de fevereiro de 1961. Agostinho Neto, esse guerreiro poeta, líder do MPLA, foi o primeiro Pre-sidente do país.
Cultura - desenvolvimento dos conhecimentos e das capacidades intelectuais, quer em geral, quer num domínio particular. For-mas coletivas de pensar e de sentir, conjunto de cos-tumes, de instituições e de obras que constituem a he-rança social de uma comu-nidade ou grupo de comu-nidades. Cantares Trovadorescos – poesia popular primitiva típica da Europa medieval e que teve grande voga em Portugal. Dividida em Can-tigas de Amor (o trovador canta a sua Senhora), Can-tigas de Amigo (o trovador assume uma voz feminina e canta o amor pelo Ami-go que, em geral, está em guerra), Cantigas de Escár-nio e Maldizer (o trovador ironiza e critica fi guras da corte e do povo).Fado – música melancóli-ca portuguesa, geralmente cantada por uma mulher, que lamenta o amor perdi-do.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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SAIBA MAIS
A cultura, no entanto, não é criação adâmica, isto é, não vem
do nada, ela vem das necessidades do homem, de acordo com seu
tempo (e seu lugar) e as exigências que esse tempo lhe impõe. Agora
que tocamos na ideia de tempo, podemos pensar na História.
De que se faz a História de um povo e de um país?
De documentos, situações, personagens importantes...
A história é uma narrativa ofi cial, que ordena, de acordo com um
ponto de vista determinado, o que é relevante para que se defi na a
identidade de um grupo social, de uma Nação. Nesse processo, entram
fatos como guerras, revoltas, assinaturas de tratados; documentos
como testamentos, atas governamentais, registros de nascimento,
leis, constituições etc.; fi guras como reis, príncipes, a nobreza em
geral, o clero, generais, soldados e, algumas vezes, pessoas do povo,
anônimos que têm função fundamental em determinadas situações.
Hoje, a história não é escrita apenas nessa perspectiva dos
grandes, ela inclui as mulheres e suas práticas culturais, as quais
defi nem sua identidade; os negros e suas raízes que interagiram com
a cultura dos lugares para onde foram levados; as crianças, que já
foram consideradas adultos em miniatura, mas que, com a ascensão
da burguesia e a constituição do núcleo familiar burguês, ganharam
identidade própria e têm uma história particular; os livros, sim, os
livros, que não foram sempre tão coloridos, em papéis tão bonitos,
mas que já passaram por inúmeras mudanças de forma, material etc.
É possível, então, percebermos que, na perspectiva
contemporânea, a História e a Cultura andam de mãos dadas, uma
se constrói, se mantém e se refaz em diálogo com a outra.
E a Literatura? Qual seria o lugar dela nesse processo interativo?
Bem, você precisa saber o que é Literatura. É possível entendermos
Literatura como o texto cuja linguagem é esteticamente construída
para transformar e comover o leitor, através do uso das faculdades
imaginárias, tanto do escritor, como de seu público.
Quando falamos em texto construído para um determinado
fi m, implicitamente falamos que alguém criou esse texto e que esse
alguém – o escritor – fez essa criação a partir de um tempo e de um
lugar, isto é, estamos, então, afi rmando que o texto literário surge
dos condicionamentos históricos e culturais, de quem o produz. E
como ele é escrito para um leitor que o escritor imagina existir, esse
leitor imaginado também é condicionado histórica e culturalmente.
Fato – situação verdadei-ra, real, incontestável. Na perspectiva da História, até obras artísticas podem ser consideradas “fatos”, basta serem vistas como retratos de pessoas e situações de existência comprovada.
Burguesia – classe social surgida na primeira Idade Média europeia (séculos XI e XII), a partir do renasci-mento comercial e urbano. Trabalhava com o comércio de mercadorias e com a prestação de serviços fi nan-ceiros.
Família Burguesa – grupo nuclear (pai, mãe, fi lhos), ligado às atividades econô-micas da sociedade, e que se opõe à família aristocrá-tica, formada por núcleos variados e ligada por laços de nobreza, poder e pro-priedade.
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Referimo-nos anteriormente, quando estudamos cultura, ao Fado
português, apontando suas origens. Ouça um belíssimo exem-
plar dessa música tradicional portuguesa no endereço <http://
www.youtube.com/watch?v=1YriVM8sC7M>. Depois, ou-
ça a Cantiga de Amigo “Ondas do Mar de Vigo”, no endereço
<http://www.youtube.com/watch?v=IhrtApWvyjg>. O
poema medieval, de Martin Codax, segue abaixo:
Ondas do mar do Vigo,
se vistes meu amigo!
e ai, Deus, se verrá cedo!
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
e ai, Deus, se verrá cedo!
Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
e ai, Deus, se verrá cedo!
Se vistes meu amado,
por que hei gram cuidado!
e ai, Deus, se verrá cedo!
Fonte: http://www.agal-gz.org/modules.php?name=Biblio&rub=mostra_libro&id_livre=347
Agora, pense conosco: o Fado cantado por Amália Rodrigues e
a Cantiga de Amigo que você ouviu e leu têm elementos em comum.
As duas vozes femininas lamentam a perda, a saudade do amado,
que foi levado pelo mar. Amália Rodrigues canta o marinheiro que se
vai, a cantiga medieval canta o Cruzado que luta pela fé e pela posse
da terra. O mar, grande vilão e grande amigo, leva os portugueses
para longe, na Idade Média e no século XX.
Essas duas pequenas obras de arte, que misturam poesia e
música, estão intimamente ligadas a seu tempo e a seu lugar: Amália
Rodrigues canta em um Portugal dominado pela ditadura salazarista,
quando ter ideias políticas e sociais era um grave perigo. Assim,
cantar um eu-lírico desolado pela saudade seria uma metáfora de
segurança, que garantiria a permanência da arte e de seu intérprete.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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Martin Codax canta o necessário afastamento do homem para
integrar-se aos grupos de Cruzados, representando a Igreja e os
Reis, e deixando para trás famílias inteiras desamparadas – colocar
numa voz feminina esse lamento poderia ser uma forma de protesto
velado e resguardado pelas convenções sociais vigentes.
O que queremos que você perceba é que a elaboração artística
da linguagem, no campo literário, parte das provocações e das
necessidades de uma época e de uma cultura. A Literatura, portanto,
não existe por si só, ela só existe em diálogo com a História e a
Cultura.
Há, ainda, outro aspecto que precisamos ressaltar nessa
relação entre História, Literatura e Cultura. Durante o século XIX, os
estudos históricos ganharam muita força e se tornaram a força motriz
do conhecimento humano. A Literatura não escapou desse olhar
historicista e o resultado foi a necessidade que os historiadores e os
literatos sentiram de ordenar os “fatos” literários, isto é, os autores e
suas obras, de acordo com seu grau de importância para cada Nação.
Construiu-se, então, um poderoso instrumento de “ensino da
Literatura”: a periodologia literária. Trata-se da separação e nomeação
de períodos literários específi cos, a partir de critérios históricos e
políticos (nacionalismo) ou estéticos (formas e temas mais frequentes
em certo tempo e lugar), ou, ainda, combinando história, política e
estética.
Desse processo, saíram os estilos de época que são estudados
nas escolas brasileiras. Daí, também, saíram os esforços intelectuais
para que se construíssem os “cânones” literários de cada Nação.
Cânone literário é o grupo de escritores e obras mais representativos
de cada período ou estilo, de acordo com os pressupostos e os critérios
dos intelectuais que os escolhem. Por exemplo: como no Brasil,
durante muito tempo, o critério nacionalista, de pressuposto utópico,
foi predominante, um escritor como Lima Barreto não compunha o
cânone literário nacional, mas hoje isso mudou, pois, embora ainda
trabalhemos com o critério nacionalista, nossos pressupostos estão
ligados à cultura, à crítica, à história que não tem como sujeito apenas
os grandes vencedores.
Assim, temos no eixo Brasil-Portugal os seguintes períodos
literários ou escolas literárias:
Sugerimos que você acesse
<http://www.youtube.com/
watch?v=RhDXm9fu1P0>
para ver como foi a Revo-
lução dos Cravos. E ouça a
música “Tanto Mar”, de Chico
Buarque, em <http://www.
flickr.com/photos/eduar-
do_dacosta/2488144827/>.
Isso pode ajudá-lo a enten-
der melhor as relações en-
tre a literatura, a música, a
política, a história, a cultura.
SAIBA MAIS
Salazarismo/Ditadura Sa-
lazarista – Regime político
autoritário estabelecido em
Portugal por Antônio de Oli-
veira Salazar, desde 1933,
só tendo fi m em 25 de abril
de 1974, com a Revolução
dos Cravos.
Revolução dos Cravos - le-
vante conhecido por 25 de
abril ou Revolução dos Cra-
vos, foi conduzido por uma
maioria de capitães e ofi -
ciais menores do MFA, que
tinham participado na Guer-
ra Colonial. Esta revolução
libertou politicamente o
povo português do domínio
do Salazarismo.
PARA CONHECER
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2 LITERATURA, HISTÓRIA, CULTURA
Como temos discutido, a literatura, a história e a cultura
caminham lado a lado e trocam estratégias e sentidos todo o tempo.
Um texto literário se compõe na história e na cultura; a história se
constrói, muitas vezes, a partir de obras literárias e, sempre, com
base nas marcas culturais de cada grupo ou Nação. A cultura se
faz no cotidiano das comunidades, a partir do momento e do lugar.
Então, para estudarmos as literaturas de língua portuguesa, objetivo
fundamental desta Disciplina, precisamos dialogar constantemente
com a história e a cultura dos países cujas literaturas enfocarmos.
Separamos três textos literários para abordarmos. O primeiro
pertence ao Renascimento português, foi escrito por Camões,
considerado o maior poeta da língua portuguesa, autor da grande
Camões – considerado maior poeta da língua portu-guesa, comparado a Vergílio, Dante e Shakespeare.
Renascimento – movi-mento estético que vai de meados do século XV ao fi nal do século XVI. É o pe-ríodo Manuelino em Portu-gal, marcado pelas grandes navegações e caracterizado pelo antropocentrismo, pelo retorno às regras clássicas, pelo uso da mitologia.
Antropocentrismo – con-cepção do homem como centro do universo, não mais, como desejava a Igre-ja, Deus como o núcleo de todos os mundos – o visível e o invisível.
Epopeia – poesia narrativa extensa, de natureza herói-ca, que conta uma série de feitos signifi cativos de heróis reais, lendários ou mitológi-cos.
SAIBA MAIS
Do século V d.Cao Século XV d. CPortugalIDADE MÉDIA Martin Codax, D. Dinis
HUMANISMO Século XVFernão LopesPortugal
RENASCIMENTOCamões
Literatura Jesuítica Século XVIPortugalBrasil
BARROCOD. Francisco M. de Melo
Pe. Antonio VieiraSéculo XVIIPortugal
Brasil
ROMANTISMO Século XIXPortugalBrasil
Almeida GarrettAlexandre Herculano
José de AlencarÁlvares de Azevedo
PARNASIANISMO PortugalBrasil
Século XIXCesário VerdeAntero de Quental
Olavo Bilac
SIMBOLISMO PortugalBrasil
Século XIX/XXCamilo PessanhaCruz e Souza
MODERNISMO PortugalBrasil
Século XXFernando PessoaMário de Andrade
CONTEMPORANEIDADE PortugalBrasil
José SaramagoRubem Fonseca
Século XX/XXI
ILUMINISMONEOCLASSICISMO
ARCADISMO
Século XVIIIPortugalBrasil
BocageTomás Antonio Gonzaga
REALISMONATURALISMOSIMBOLISMO
PortugalBrasil
Século XIXEça de QueirósMachado de Assis
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 42LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 42 4/10/2010 14:13:234/10/2010 14:13:23
epopeia Os Lusíadas (façam download gratuito da obra no endereço
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000162.
pdf>). O segundo poema foi escrito por Agostinho Neto, poeta angolano
que se tornou o primeiro presidente da Angola livre. O último dos três
poemas foi escrito pelo brasileiro Cacaso, poeta dito marginal, que
durante os anos de ferro da ditadura protestava poeticamente contra
os desmandos militares.
Texto 1:
SonetoLuís de Camões
Sete anos de pastor Jacó serviaLabão, pai de Raquel, serrana bela;Mas não servia ao pai, servia a ela,E a ela só por prêmio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,Passava, contendo-se com vê-la;Porém o pai, usando de cautela,Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganosLhe fora assim negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,Dizendo — mais servira, se não foraPara tão longo amor tão curta a vida!
Fonte: http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet038.htm
Figura 5 - Luís de Camões por François Gérard. Fonte:pt.wikipedia.org
Texto 2:
Adeus à Hora da Largada (excerto)Agostinho Neto
Minha mãe(todas as mães negrascujos fi lhos partiram)tu me ensinaste a esperarcomo esperaste nas horas difíceisMas a vidamatou em mim essa mística esperançaEu já não esperosou aquele por quem se esperaSou eu minha mãe
Sugerimos que você assista a uma curiosa e divertida animação construída a partir deste poema, no endereço: <http://www.youtube.com/watch?v=re3_5iOr5GU>.
ested p
Figura 6 - Agostinho NetoFonte: www. 27maio.com/agostinho-
neto-uma-vida-sem-treguas/
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SAIBA MAIS
a esperança somos nósos teus fi lhospartidos para uma fé que alimenta a vida
(...)
Amanhãentoaremos hinos à liberdadequando comemorarmosa data da abolição desta escravatura
http://www.sitedeliteratura.com/Poesias/A_neto1.htm
Texto 3:
Jogos Florais
CacasoIMinha terra tem palmeirasonde canta o tico-tico.Enquanto isso o sabiávive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasilfi cou moderno o milagre:a água já não vira vinho,vira direto vinagre.
IIMinha terra tem Palmaresmemória cala-te já.Peço licença poética Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhoresdado o avançado da horaerrata e efeitos do vinhoo poeta sai de fi ninho.
(será mesmo com dois essesque se escreve paçarinho?)
Fonte: http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet174.htm
Queremos que você conheça
um pouco acerca desse ser
humano privilegiado que foi
Agostinho Neto e também
um pouco acerca de Ango-
la, de onde vieram tantos
irmãos durante o período da
escravidão no Brasil e, ainda
hoje, de onde herdamos tan-
tas marcas culturais. Visite o
site da Fundação Dr. António
Agostinho Neto, no endereço
<www.agostinhoneto.org> ,
lá você encontrará informa-
ções preciosas acerca desse
modelo de cidadão. E sobre
a história de Angola, visite a
página <http://www.terras-
deveracruz.freewebpages.
org/angola.htm>.
Figura 7 - Cacaso (Antonio Carlos de Brito)Fonte: http://oglobo.globo.com/fotos/2009/
03/16/16_MHG_rshow_cacaso.jpg
Cacaso – um dos grandes
nomes da poesia margi-
nal brasileira da década de
1970.
Poesia Marginal – duran-
te os anos da ditadura mi-
litar brasileira, instaurada a
partir de 1964, surgiu uma
geração de poetas que fi -
cou conhecida pelo nome
de “geração mimeógrafo” ou
“geração marginal.” Como
produziam suas obras fora
do circuito ofi cial das edito-
ras, para fugirem ao cerco
da censura, criaram edições
independentes, de baixo
custo, feitas muitas vezes
em mimeógrafos e vendidas
nas Universidades, nos ba-
res, nas ruas. Nesse contex-
to de ditadura é que surgiu o
poeta Cacaso.
PARA CONHECER
44 Módulo 2 I Volume 4 EAD
Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 44LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 44 4/10/2010 14:13:244/10/2010 14:13:24
PARA CONHECER
Vamos começar refl etindo sobre o Texto 1: o soneto camoniano.
Para trabalhar com o tema do amor constante, fi el, perseverante,
verdadeiro e cristão, Camões recorre a uma passagem bíblica, a qual,
por sua vez, remete a práticas culturais judaicas daqueles tempos.
Jacó personifi ca o homem que ama e que não se deixa abater na
luta pelo seu amor. Muito provavelmente, os leitores/ouvintes de
Camões conheciam a história de Jacó, Raquel, Labão, Lia, o que lhes
teria facilitado um processo de identifi cação entre o poema, a fé
cristã, a cultura judaica, muito forte na Península Ibérica e a cultura
Portuguesa, que então se engendrava, construía, consolidava.
No Texto 2, Agostinho Neto tematiza as dores das lutas contra
o domínio português, recorrendo à ideia da pátria como mãe. Nos
primeiros versos, o eu-lírico traz à palavra o longo aprendizado da
paciência, da história e da cultura, marcado pelo desespero, ainda que
necessário, para que se pudessem alcançar os resultados desejados.
A literatura, a partir dessa leitura, é instrumento de conscientização
dos diferentes segmentos sociais que compunham a massacrada
sociedade angolana.
No Texto 3, o brasileiro Cacaso faz uma brincadeira com a
tradição poético-romântica e a tradição musical popular para aludir à
situação política do Brasil na década de 1970. Palmeiras confunde-se
com Palmares, a voz da memória é silenciada, a corrupção ressalta
como marca de nossa sociedade.
Nesses três poemas, podemos observar que a linguagem
é plasmada numa relação de interação entre o fazer literário, a
sociedade, a cultura, a história. Na literatura ocidental, e nas
literaturas de língua portuguesa em particular, a linguagem não é
intransitiva, ela está em diálogo com o mundo que a engendra e que
é engendrado por ela.
A herança cultural opera sobre todas as formas de ação do
homem. Os indivíduos não participam de todos os aspectos de sua
cultura, mas dominam alguns deles e constroem o mundo à sua volta
a partir daquilo que dominam. Trazendo essa refl exão para o campo
literário, e compreendendo a literatura como uma prática cultural,
logo, um produto histórico do homem sobre o que o cerca, pode-
se deduzir que a obra literária não nasce do nada, ela responde às
expectativas e necessidades de um dado grupo social e viabiliza a
interação dos sujeitos que a produzem e a leem, com esse grupo e
com outros, aos quais ela chega.
Para escrever e para ler a obra literária, então, precisamos
trabalhar com a história do grupo em que ela nasceu, precisamos
descobrir suas práticas culturais, precisamos compreender suas
Segundo Laraia,
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura (LARAIA, 2003, p. 68).
Falar de linguagem intran-sitiva signifi ca entender a linguagem literária como aquela que vale por si mes-ma, que não dialoga com o mundo. É exatamente o contrário do que estamos discutindo. Aqui, entende-mos que a linguagem literá-ria é transitiva, isto é, está sempre interagindo com a história, a cultura, a vida, enfi m.
ATENÇÃO
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ATENÇÃO
PARA CONHECER
marcas sociais.
Dessa forma, para produzirmos sentido para o Texto 1,
de Camões, devemos pensar no Portugal quinhentista, marcado
pelas glórias dos Descobrimentos e também pelas profundas
transformações sociais acarretadas por esse processo. Ao lermos o
poema de Agostinho Neto, devemos pensar na Angola das décadas
de 1950, 1960, dominada por Portugal, país que, nesse momento,
vivia uma rigorosa ditadura e que espalhava por suas colônias as
dores desse regime. Precisamos pensar que esse poeta era um negro,
um angolano verdadeiro, que precisava pedir licença para caminhar
pelas ruas de sua terra, tomadas todas por brancos que enriqueciam
às custas do sangue do povo africano. Para dialogarmos com o Texto
3, de Cacaso, devemos nos reportar ao Brasil da década de 1970, em
plena ditadura militar, vivendo o “milagre brasileiro”, que encobria a
dureza das imensas desigualdades sociais, disfarçadas num pseudo-
crescimento econômico, só vivenciado pelas classes privilegiadas.
Devemos pensar, também, na ação dos censores, que obrigavam
nossos poetas a desenvolverem estratégias de linguagem que levaram
a poesia dessa época a ter uma força extraordinária.
Observem que há séculos de diferença entre Camões e
Agostinho Neto e Cacaso, mas os três percebem que a linguagem
literária não está fechada em si mesma, que ela interage com a vida
a seu redor.
Pensem na questão que colocamos no início da unidade: a
literatura, a história e a cultura não guardam distinções hierárquicas,
elas interagem o tempo todo. O texto literário só existe na história
e na cultura e essa relação é transitiva e acarreta um processo de
reciprocidade constante.
Podemos observar, nas palavras de José Luis Jobim, que
essa relação interativa entre literatura/história/cultura viabiliza a
construção de critérios de julgamento e avaliação das obras, bem
como padrões de produção e consumo de bens artístico-culturais.
3 NARRATIVA EM LÍNGUA PORTUGUESA
Vamos comparar, agora, duas narrativas escritas em língua
portuguesa:
TEXTO 4
SOLFIERIÁlvares de Azevedo
Relação transitiva, repeti-mos, é aquela em que há trocas. Assim, entre a Lite-ratura, a História e a Cultu-ra há um diálogo constante, o que signifi ca que uma se plasma na outra.
Segundo Jobim,
O autor produz e o receptor lê uma obra considerada ‘li-terária’ dentro de um qua-dro de referências em que outras obras ‘literárias’ já foram e estão sendo produ-zidas. É neste horizonte que se manifesta a nova obra: a partir de uma concepção determinada pelas normas vigentes, tanto o autor pode reivindicar produzir quanto o leitor pode reivindicar ler uma obra enquadrada como literária (JOBIM, 1996, p.70).
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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...Yet one Kiss on your pale ClayAnd those lips once so warm – my heart! my heart.
BYRON, Cain
Sabeis-lo. Roma é a cidade do fanatismo e da perdição: na alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito da vendida se pendura o crucifi xo lívido. É um requintar de gozo blasfemo, que mescla o sacrilégio à convulsão do amor, o beijo lascivo à embriaguez da crença!
Era em Roma. Uma noite a lua ia bela como vai ela no verão por aquele céu morno, o fresco das águas se exalava como um suspiro do leito do Tibre. A noite ia bela. Eu passeava a sós pela ponte de... As luzes se apagaram uma por uma nos palácios, as ruas se faziam ermas, e a luz de sonolenta se escondia no leito de nuvens. Uma sombra de mulher apareceu numa janela solitária e escura. Era uma forma branca. – A face daquela mulher era como de uma estátua pálida à lua. Pelas faces dela, como gotas de uma taça caída, rolavam fi os de lágrimas.
Eu me encostei à aresta de um palácio. A visão desapareceu no escuro da janela... e daí um canto se derramava. Não era só uma voz melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um como gemer de insânia: aquela voz era sombria como a do vento à noite nos cemitérios, cantando a nênia das fl ores murchas da morte.
Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu ninguém: saiu. Eu segui-a.
A noite ia cada vez mais alta: a lua sumira-se no céu, e a chuva caía às gotas pesadas: apenas eu sentia nas faces caírem-me grossas lágrimas de água, como sobre um túmulo prantos de órfão.
Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfi m ela parou: estávamos num campo.
Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela passavam as aves da noite.
Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida não fora uma ilusão: as urzes, as cicutas do campo santo estavam quebradas junto a uma cruz.
O frio da noite, aquele sono dormido à chuva, causaram-me uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela brancura de mulher, gemiam soluços, e todo aquele devaneio se perdia num canto suavíssimo...
Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada me saciava; no sono da saciedade me vinha aquela visão...
Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Barbora. Dei um último olhar àquela forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na agonia voluptuosa do amor. Saí. Não sei se a noite era límpida ou negra; sei apenas que a cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham fi cado vazias na mesa: aos lábios daquela criatura eu bebera até
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a última gota o vinho do deleite...Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as
estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal-apertados... Era uma defunta!... E aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida... – Era o anjo do cemitério! Cerrei as portas da igreja, que ignoro por que eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo...
Sabeis a história de Maria Stuart degolada e do algoz, ‘do cadáver sem cabeça e do homem sem coração’ como a conta Brantôme? – Foi uma ideia singular a que eu tive. Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim: rasguei-lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela como o noivo os despe à noiva. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos. O gozo foi fervoroso – cevei em perdição aquela vigília. A madrugada passava já frouxa nas janelas. Àquele calor de meu peito, à febre de meus lábios, à convulsão de meu amor, a donzela pálida parecia reanimar-se. Súbito abriu os olhos empanados. Luz sombria alumiou-os como a de uma estrela entre névoa, apertou-me em seus braços, um suspiro ondeou-lhe nos beiços azulados... Não era já a morte: era um desmaio. No aperto daquele abraço havia contudo alguma cousa de horrível. O leito de lájea onde eu passara uma hora de embriaguez me resfriava. Pude a custo soltar-me daquele aperto do peito dela... Nesse instante ela acordou...
Nunca ouvistes falar de catalepsia? É um pesadelo horrível aquele que gira ao acordado que emparedam num sepulcro; sonho gelado em que se sentem os membros tolhidos e as faces banhadas de lágrimas alheias, sem poder revelar a vida!
A moça revivia a pouco e pouco. Ao acordar desmaiara. Embucei-me na capa e tomei-a nos braços coberta com seu sudário como uma criança. Ao aproximar-me da porta topei num corpo, abaixei-me, olhei: era algum coveiro do cemitério da igreja que aí dormira de ébrio, esquecido de fechar a porta...
Saí. Ao passar a praça encontrei uma patrulha.- Que levas aí?A noite era muito alta: talvez me cressem um ladrão.- É minha mulher que vai desmaiada...- Uma mulher!... Mas essa roupa branca e longa? Serás
acaso roubador de cadáveres?Um guarda aproximou-se. Tocou-lhe a fronte: era fria.- É uma defunta...Cheguei meus lábios aos dela. Senti um bafejo morno.
– Era a vida ainda.- Vede – disse eu.O guarda chegou-lhe os lábios: os beiços ásperos
roçaram pelos da moça. Se eu sentisse o estalar de um beijo... o punhal já estava nu em minhas mãos frias...
- Boa noite, moço, podes seguir – disse ele.Caminhei. Estava cansado.Custava a carregar o meu
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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fardo; e eu sentia que a moça ia despertar. Temeroso de que ouvissem-na gritar e acudissem, corri com mais esforço...
Quando eu passei a porta ela acordou. O primeiro som que lhe saiu da boca foi um grito de medo...
Mal eu fechara a porta, bateram nela. Era um bando de libertinos meus companheiros que voltavam da orgia. Reclamaram que abrisse.
Fechei a moça no meu quarto, e abri.Meia hora depois eu os deixava na sala bebendo ainda. A
turvação da embriaguez fez que não notassem minha ausência.Quando entrei no quarto da moça vi-a erguida. Ria de
um rir convulso como a insânia, e frio como a folha de uma espada. Trespassava de dor o ouvi-la.
Dois dias e duas noites levou ela de febre assim... Não houve sanar-lhe aquele delírio, nem o rir do frenesi. Morreu depois de duas noites e dois dias de delírio.
À noite saí; fui ter com um estatuário que trabalhava perfeitamente em cera, e paguei-lhe uma estátua dessa virgem.
Quando o escultor saiu, levantei os tijolos de mármore de meu quarto e com as mãos cavei aí um túmulo. Tomei-a então pela última vez nos braços, apertei-a a meu peito muda e fria, beijei-a e cobri-a adormecida do sono eterno com o lençol de seu leito. Fechei-a no seu túmulo e estendi meu leito sobre ele.
Um ano – noite a noite – dormi sobre as lajes que a cobriam... Um dia o estatuário me trouxe a sua obra. Paguei-lha e paguei o segredo...
Não te lembras, Bertram, de uma forma branca de mulher que entrevistes pelo véu do meu cortinado? Não te lembras que eu te respondi que era uma virgem que dormia?
- E quem era essa mulher, Solfi eri?- Quem era? Seu nome?- Quem se importa com uma palavra quando sente
que o vinho queima assaz os lábios? Quem pergunta o nome da prostituta com quem dormiu e sentiu morrer a seus beijos, quando nem há dele mister por escrever-lho na lousa?
Solfi eri encheu uma taça e bebeu-a. Ia erguer-se da mesa quando um dos convivas tomou-o pelo braço.
- Solfi eri, não é um conto isso tudo?- Pelo inferno que não! por meu pai que era conde e
bandido, por minha mãe que era a bela Messalina das ruas, pela perdição que não! Desde que eu próprio calquei aquela mulher com meus pés na sua cova de terra, eu vo-lo juro! – guardei-lhe como amuleto a capela de defunta. Ei-la!
Abriu a camisa, e viram-lhe ao pescoço uma grinalda de fl ores mirradas.
- Vedes-la? Murcha e seca como o crânio dela!
Fonte: http://www.baixaki.com.br/download/noite-na-taverna.htm
Sugerimos que você assista a um vídeo com es-te conto de Álvares de Azevedo, no endereço http://www.youtube.com/watch?v=KGMwBDjoCsk. Atente para as músicas que compõem a apresentação, que, por sinal, é divertida e despretensiosa.
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TEXTO 5:
O Pároco da Aldeia (fragmento do Cap. 1)Alexandre Herculano
CAPÍTULO I: A Aldeia e o Presbitério
Uma das cousas que nas recordações da juventude ainda espiram para mim poesia e saudade é a imagem de um velho prior d’aldeia que conheci na minha meninice. Hoje tão bondosos, tão alegres, tão veneraveis, ha-os por certo ahi, e muitos: eu é que não sei conhecê-los. A auréola, que então rodeava as cans do sacerdote ancião, desvaneceu-se pouco a pouco; desvaneceu-a a experiencia do mundo, como tantas mil crenças e imaginações de outr’ora! Elle morreu já, por certo; mas vivo que fosse, eu não sentiria ao vê-lo, ao falar-lhe, aquella especie de alegria timida, de confi ança receiosa que nesse tempo o bom do velho me inspirava. Parecia-me que estando ao pé delle estava mais perto de Deus, cujo valído, por assim dizer, era o padre prior. Não sabia o sacerdote essa lingua que eu cria falar-se no ceu, o latim, que então era para mim cousa mysteriosa e sancta? Não trajava ás vezes os trajos da côrte celeste, o amicto, a casula, o pluvial, com que estavam vestidos alguns vultos de anjos pintados em tres ou quatro antiquissimos quadros do presbyterio? Quando nas suas practicas, depois da missa do dia, narrava os gosos da bemaventurança, os tormentos do purgatorio, e os tractos intoleraveis do inferno, não juraria qualquer que elle já peregrinára largos annos além do sepulchro, ou que voz de cima lhe revelava tantas maravilhas e tão solemnes terrores? Evidentemente o velho clerigo estava mais perto dos degraus do throno divino que toda a outra gente, e, por me servir da linguagem politica, exercia em nome do céu uma delegação na terra; era uma especie de missus dominicus da Providencia. E quando elle, apezar dos meus tenros annos, me escolhia para acolyto, para estafar a porção de latim do
Figura 8 - Alvares de Azevedo Fonte: pt.wikipedia.org Figura 9 - Solferi - Fonte: http://www.
designup.pro.br/pro/Artemisa
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 50LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 50 4/10/2010 14:13:254/10/2010 14:13:25
missal, que as rubricas inexoraveis subtrahiam ao seu imperio, sorriam-me as esperanças, algum tanto vaidosas, de obter de Deus deferimento ás minhas pretenções infantis, como costumam sorrir ao requerente, a quem deputado de grande conta mostra familiaridade na presença de omnipotente ministro. Hoje o latim do padre prior parecer-me-hia um tanto barbaro, e talvez barbarissima a sua prosodia: nas vestes sacerdotaes acharia os trajos romanos do imperio atravessando, immutaveis como a igreja, por entre as transformações da moda e do luxo; nos quadros do presbyterio riria da ignorancia e mau gosto do pobre pintor; e nas descripções das venturas e tormentos da outra vida descubriria unicamente uma incarnação grosseira em imagens materiaes das revelações profundas do espiritualismo christão. É que nesse tempo tudo me chegava aos olhos da alma alumiado, risonho, variegado, porque tudo transparecia através de um prisma de sete côres, da innocencia singela e credula da infancia; e hoje tudo me parece como a folha que cahiu da arvore no outono, murcho e desbotado, passando através da atmosphera nevoenta e triste da sciencia e do orgulho. Então o velho parocho affi gurava-se-me mais que um homem; hoje, na escala das desigualdades humanas, provavelmente só acharia para elle um bem modesto logar.
A aldeia em que o bom do clerigo pastoreava o seu rebanho espiritual estava assentada na falda de um monte, e pouco inferior a ella dilatava-se uma veiga, que ao longe, lá bastante ao longe, ía bater no mar. No alto da povoação fi cava o presbyterio. Era a igreja, segundo hoje se me affi gura (e tenho-a bem presente) daquelle gosto duvidoso entre a architectura christan que expirava, e a da restauração romana, que ainda se não comprehendia: era um desses templosinhos construidos nos fi ns do reinado de D. Manuel e durante o de D. João III, de que tão grande numero resta ainda pelas parochias de Portugal, e que são mais um argumento de que os nobres conquistadores da India, donatarios das terras e padroeiros das igrejas, não voltavam do oriente com as mãos vazias. A devoção nesses tempos era um objecto de luxo: edifi car uma igreja ou uma capella equivalia a ter hoje um camarote em S. Carlos, ou um cocheiro com estrigas de linho na cabeça e chapeu triangular.´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=81915
PARA CONHECER
Alexandre Herculano – nasceu em Lisboa, no dia 28 de março de 1810, fi lho de Teodoro Cândido da Araújo e de D. Maria do Carmo de S. Boaventura, fi lha de José Rodrigues de Carvalho, pedreiro empregado nas obras da Casa Real. Foi poeta, romancista, historiador e um dos introdutores e guias do Romantismo português.
Álvares de Azevedo – nasceu em São Paulo, no dia 12 de setembro de 1831. Quando criança mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde cursou o primário. Em 1848, retornou a São Paulo e matriculou-se no curso de Direito. É o representante brasileiro mais legítimo do mal-do-século, tendo sido fortemente infl uenciado por Lord Byron e Musset. Sua poesia é marcada pelo subjetivismo, melancolia e um forte sarcasmo. Os temas mais comuns são o desejo de amor e a busca pela morte. O amor é sempre idealizado, povoado por virgens misteriosas, que nunca se transformam em realidade, o que provoca a dor e a frustração que são acalmadas pela imagem da mãe e da irmã.
Romantismo - o romantismo é um período cultural, artístico e literário compreendido entre o fi nal do século XVIII e o fi nal do século XIX. Suas primeiras manifestações regulares foram na Itália, na Alemanha e na Inglaterra. Entretanto, é na França que o movimento ganha força e, através dos artistas franceses, os ideais românticos espalham-se pela Europa e pela América. As principais marcas desse período estético e histórico são: valorização das emoções, liberdade de criação, amor platônico, temas religiosos, individualismo, nacionalismo e história.
Figura 10- Alexandre Herculano
Fonte: pt.wikipedia.org
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LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 51LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 51 4/10/2010 14:13:264/10/2010 14:13:26
No Texto 4, de Álvares de Azevedo, podemos observar uma
das faces do Romantismo ocidental: a sedução do misterioso,
do insólito, daquilo que os sentidos físicos não podiam explicar e,
consequentemente, levava o indivíduo a buscar uma alternativa
assustadora para o cotidiano decepcionante de cada um. Solfi eri
apaixona-se por uma moribunda, por uma mulher que está com um
pé na morte e outro na vida. O processo da paixão é descrito por
imagens que sugerem o desvario, como se se apaixonar por alguém
signifi casse deixar o domínio da normalidade e fugir da vida. Percebe-
se isso, por exemplo, quando ele tira a moça de seu leito de morte e
a leva para sua casa. E, ainda, quando ele a sepulta sob sua cama,
colocando sobre a mesma uma estátua da amada morta. A íntima
associação entre a quase-morte e a sensualidade parece apontar para
a ideia de que amar implica morrer, deixar de existir para o mundo.
Nada mais “romântico”, não acham?
O texto 5, por sua vez, escrito por Alexandre Herculano, o
grande historiador de Portugal, aquele que soube casar como poucos
a fi cção ao documento, fala de clérigos e de suas angústias, tais como
o celibato, que Herculano tematizou em Eurico, o presbítero. O trecho
destacado, pertencente ao capítulo um, descreve um velho clérigo,
seu presbitério e aldeia onde o exercia. Nesse fragmento, pode-se
observar que a linguagem de Herculano é bastante sugestiva, mas,
ao contrário da linguagem de Álvares de Azevedo, não provoca o
medo, provoca a curiosidade do leitor, apontando para aquilo que se
constituía o cotidiano do português oitocentista. Alexandre Herculano
constrói a história de Portugal de forma alternativa, pois ele traz para
suas narrativas visões diferentes dos fatos consagrados, criando,
pela fi cção, um outro Portugal, um país sólido em suas tradições,
orgulhoso de seu passado, conhecedor de suas lutas.
Para Fábio Lucas (1989, p.28), “... a temática do Romantismo
é variada, complexas foram as soluções formais correspectivas”.
Assim, podemos encontrar dois escritores da mesma época e que
produzem textos tão diferentes na temática, na linguagem, na visão
de mundo.
O brasileiro Álvares de Azevedo depura as questões nacionalistas
num sensualismo mórbido europeizado, que parece remeter a uma
visão cética da vida social, um ponto de vista crítico, mas não nos
padrões comuns de mera representatividade nacional.
O português Alexandre Herculano ocupa-se “diretamente” da
história e da cultura portuguesa, colocando-as em diálogo com o teor
fi ccional de seus textos.
Em ambos, a linguagem transita entre diferentes domínios: do
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 52LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 52 4/10/2010 14:13:264/10/2010 14:13:26
fi ccional, para o histórico, destes para o cultural e caminho inverso
também. Queremos que vocês compreendam que a literatura é
história, é vida, é cultura, é linguagem, certamente, mas linguagem
que se abre para a recriação de tido sobre o que se debruça.
4 POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA
Vamos, agora, trabalhar juntos dois poemas, um brasileiro,
um português. Antes, porém, vamos estudar o que é Métrica, Metro,
Rima, Ritmo.
Métrica é o estudo da contagem das sílabas tônicas do verso,
juntamente com a rima, a métrica determina o ritmo do verso.
O ritmo existe na música e na poesia, mas é diferente em cada
uma. A música se rege pelo compasso, que é dividido em tempos.
O ritmo é representado, na pauta musical, pelas fi guras (notas
musicais e pausas). No poema, há a fi gura da métrica que não é,
como na música, uma regência implacável sobre o ritmo, mas que
serve para compô-lo.
Metro é a medida do verso, ou seja, o número de sílabas
tônicas. O estudo do metro chama-se metrifi cação e escansão é a
contagem dos sons dos versos. As sílabas métricas, ou poéticas,
diferem das sílabas gramaticais em alguns aspectos. Lembraremos
algumas regras a esse respeito: contam-se as sílabas ou sons até a
tônica da última palavra de um verso. Exemplo:
A-mo-te, ó-cruz, no-vér-ti-ce-fi r-ma/da = 11 sílabas
De es-plên-di-das-i-gre/jas = 6 sílabas
Mi-nha-mu-lher-ex-pi-rou = 7 sílabas
E as-bre/ves = 2 sílabas
Vir-gem-das-do/res = 4 sílabas
Fonte: http://bemaior.fi les.wordpress.com/2009/04/a-cruz-mutilada.pdf
De acordo com a metrifi cação, há diferentes tipos de verso,
que recebem nomes específi cos:
Dodecassílabo: 12 sílabas
Ins | pi | ra | do^a | pen | sar | em | teu | per | fi l | di | vi | (no)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Fonte: http://normattoso.sites.uol.com.br/versosde12.htm
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Alexandrino – Dodecassílabo com tônica na sexta e na décima
segunda sílaba, formando dois hemistíquios.
Decassílabo: 10 sílabas (muito comum em sonetos e presente
em Os Lusíadas de Luís de Camões).
Não | tens | que | ças | da | que | lea | mor | ar | den | (te)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Heróico – Decassílabo com sílabas tônicas nas posições 6 e 10
Sáfi co – Decassílabo com sílabas tônicas nas posições 4, 8 e 10
Martelo – Decassílabo Heróico com tônicas nas posições 3, 6 e 10
Gaita Galega ou Moinheira – Decassílabo com tônicas nas posições
4, 7 e 10
Redondilha maior ou heptassílabo: 7 sílabas
Se | nho | ra, | par | tem | tão | tris | (tes)
1 2 3 4 5 6 7
Fonte: http://texere.blogspot.com/2006/06/senhora-partem-to-tristes.html
Redondilha menor: 5 sílabas
Tan | tos | gri | tos | rou | (cos)
1 2 3 4 5
Fonte: http://www.paixaoeromance.com/70decada/valsinha/h_valsinha.htm
A lista geral de designações é a seguinte:
1. Monossílabo: 1 sílaba
2. Dissílabo: 2 sílabas
3. Trissílabo: 3 sílabas
4. Tetrassílabo: 4 sílabas
5. Pentassílabo ou Redondilha Menor: 5 sílabas
6. Hexassílabo ou Heróico Quebrado: 6 sílabas
7. Heptassílabo ou Redondilha Maior: 7 sílabas
8. Octossílabo: 8 sílabas
9. Eneassílabo: 9 sílabas
10. Decassílabo: 10 sílabas
11. Hendecassílabo: 11 sílabas
12. Dodecassílabo ou alexandrino: 12 sílabas poéticas.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 54LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 54 4/10/2010 14:13:264/10/2010 14:13:26
Rima é uma conformidade ou coincidência de fonemas, geralmente a partir
da última vogal tônica de cada verso. De acordo com o tipo de rima, os versos
podem ser consoantes, assonantes ou soltos. Veja os exemplos:
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas;
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
(Olavo Bilac)
Fonte: http://www.pensador.info/frase/NTE3NTIw/
No exemplo acima, a coincidência de fonemas é perfeita, a
partir da última vogal tônica, então, as rimas são consoantes: belas/
procelas; amigas/antigas.
São ondas mesmo ou bailarinas?
São ondas mesmo ou raparigas?
(Augusto Frederico Schimidt)
Fonte: http://serpenteemplumada.blogspot.com/2009/02/bailarina-cega-ii.html
Nos versos acima, as rimas são assonantes, ou seja, bailarinas/
raparigas não são sons coincidentes.
Quanto ao acento tônico, as rimas podem ser aguda ou
masculina, quando os vocábulos em rima são oxítonos, tipo não
predominante em língua portuguesa, ou graves ou femininas, quando
os vocábulos que rimam são paroxítonos. Veja o fragmento de poema
abaixo:
Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão,
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada
Em certa noite de verão.
(Machado de Assis)
Fonte: http://conselheiroacacio.wordpress.com/2009/07/07/a-mosca-azul-machado-de-assis/
No caso, são agudas as rimas do segundo com o quarto verso:
Indostão /verão. Já granada/encarnada são rimas graves. Há ainda as
rimas esdrúxulas, quando os vocábulos em rima são proparoxítonos,
tipo pouco frequente em nossa língua. Veja abaixo:
Solar de luz de escadarias mágicas!
palácio claro! ergui-te a tanto esforço
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que as tuas salas me parecem trágicas
e o teu zimbório pesa-me no dorso!
(Murilo Araújo)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrima.htm
Assim, são esdrúxulas as rimas do primeiro com o terceiro
verso: mágicas/ trágicas.
Quanto à estrutura fonológica, a rima pode ser completa ou
incompleta. É completa (rima consoante), quando a homofonia é,
ao mesmo tempo, vocálica e consonântica, a partir da vogal tônica.
Exemplo:
Vai-se a primeira pomba despertada
Vai-se outra mais ... mais outra ... enfi m dezenas
De pombas vão-se dos pombais apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
(Raimundo Correa)
Fonte: http://clementinoheitor.blogspot.com/2007/10/vai-se-primeira-pomba-despertada.html
No caso, “despertada” rima com “madrugada”, e “dezenas”
rima com “apenas”, não havendo coincidência das consoantes de apoio
da vogal tônica. A rima é também completa quando a homofonia é
só vocálica, por não haver consoantes após a vogal tônica. Exemplo:
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só,
Núncia do crime, a que deveu a terra
Do assassino o pó
(Alexandre Herculano)
Fonte: http://gentedefe.com/quemmeseguroufoideus/2010/01/17/a-cruz-e-o-meu-sinal/
Nesses versos, há somente homofonia vocálica na rima de
“só” com “pó”.
A rima é incompleta quando há homofonia vocálica e
diversidade nas consoantes, sempre a partir da vogal tônica (rima
assonante). Veja o fragmento abaixo:
Em minha mão, mais fresca que uma concha,
suspende aos olhos do Senhor
as lágrimas de fel da pobre monja
que amou demais o seu amor.
(Guilherme de Almeida)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Nele, os vocábulos “concha” e “monja” apresentam homofonia
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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vocálica: [ õ ] e [ a ] com diversidade de consoantes.
Quando há homofonia consonântica e diversidade vocálica, a
rima também é incompleta. Exemplo:
Do século das letras lusitanas,
e nas páginas férteis dos latinos.
(Almeida Garret)
Fonte: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/C/consonancia.htm
Nos versos citados, os vocábulos lusitanas e latinos apresentam
homofonia consonântica: [ t ], [ n ], e [ s ], mas diversidade vocálica.
As rimas podem ser pobres ou ricas, de acordo com a estética
parnasiana, mas essa classifi cação não existe na versifi cação
clássica. É pobre a rima que se verifi ca entre vocábulos pertencentes
à mesma classe gramatical: substantivo com substantivo; adjetivo
com adjetivo; verbo com verbo; advérbio com advérbio etc. Veja o
exemplo:
Não, Pepita, não ta dou
Fiz mal em dar-te essa fl or,
Que eu sei o que me custou
Tratá-la com tanto amor.
(Almeida Garret)
Fonte: http://www.worldartfriends.com/modules/publisher6/article.php?storyid=432
No caso, as rimas são pobres: “dou” (verbo) rima com “custou”
(verbo), e “fl or” (substantivo) rima com “amor” (substantivo). Na
estética romântica, esse tipo de rima é comum, pois os poetas
queriam falar às multidões e, assim, tentavam “facilitar” a leitura,
para que os versos que compunham chegassem a diferentes grupos
de leitores e ouvintes.
É rica a rima que se verifi ca entre vocábulos pertencentes a
classes gramaticais diferentes. Veja abaixo:
Era um poeta, sonhador e triste,
Pois triste e sonhador, às vezes, é
Quem para amar a vida assim existe
E não encontra paz, amor, nem fé.
(Jairo Dias de Carvalho)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Nesse fragmento, as rimas são ricas: “triste” (adjetivo) rima
com “existe” (verbo,) e “é” (verbo) rima com “fé” (substantivo). Além
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disso, alternam-se rimas graves e agudas.
As rimas podem ser externas ou internas. A rima é externa,
quando ocorre no fi nal dos versos. No fragmento acima, triste/existe;
é/fé. As internas ocorrem no interior de um mesmo verso, ou entre
um vocábulo em fi m de verso e outro no meio. Veja os exemplos
abaixo:
Donzela bela, que me inspira a lira
Um canto santo de fremente amor,
Ao bardo o cardo da tremenda senda
Estanca, arranca-lhe a terrível dor.
(Castro Alves)
Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/calves17.html
Terra humana e divina
não rolam outros mundos com um destino
nos espaços profundos
igual ao teu:
teu destino essencial e transcendente.
(Tasso da Silveira )
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando.
(Camilo Pessanha)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Nos versos de Castro Alves, bardo/cardo rimam no interior do
mesmo verso. No fragmento do poema de Tasso da Silveira, mundos/
profundos rimam no meio de versos diferentes. Nos versos de Camilo
Pessanha, errais/lacerais/expirais rimam no meio de três versos
diferentes.
De acordo com a organização nos versos e estrofes, as rimas
podem ser:
Rimas emparelhadas: quando se realizam entre versos ímpares
e entre versos pares, segundo o esquema: ababab. Exemplo:
Já morri tanto por conta
do meu futuro morrer,
que a morte me desaponta.
Já me subtrai do ser...
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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(Cassiano Ricardo)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Rimas interpoladas ou opostas: quando se realizam nas
extremidades de uma estrofe de quatro versos, segundo o esquema:
abba. Veja abaixo:
Minha canção não foi bela,
minha canção não foi triste.
Mas eu sei que não existe
mais canção igual àquela.
(Cecília Meireles)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Rimas encadeadas: quando se realizam segundo o esquema
aba, bcb cdc, ded etc., terminando o poema com um verso isolado
que rima com o segundo verso do último terceto. Veja no poema:
À NOITE
Noite abismo de solidão e de tristeza!
Na tua treva e em teu silêncio redentor,
minha alma solitária é uma lâmpada acesa...
Fazes mais amplo o espaço, e em meu ser interior
desvendas amplidões, perspectivas distantes,
os limites recuando ao mundo e à minha dor!
Que somos nós, porém? Eu e tu, palpitantes
de Infi nito ... Eu, lampejo indeciso, augural,
tu, sombra vá fl utuando entre sombras errantes,
e ambos perdidos no mistério universal?
(Tasso da Silveira)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Rimas repetidas: quando se sucedem em estrofes diferentes,
obedecendo a uma ordem regular. Exemplo:
E esse vento indo e vindo pela porta
e o ambiente se diluindo, se diluindo
e com ele o crepúsculo. Olha bem
que a mão perdida se assemelha a uma
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tombada luva branca, luva morta
(luva inerte no vento). O rosto lindo
começou a esvair-se e inda contém
a delícia da vida que se esfuma.
(Jorge de Lima)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Porta/morta; diluindo/lindo; bem/contém; uma/esfuma: todas
externas, coincidindo de uma estrofe para outra.
Rimas misturadas: quando se realizam irregularmente numa
estrofe. Ex.:
O bêbado que caminha
que mantos arrastará?
Que santo parecerá?
Gaspar, Melchior, Baltasar?
Um miserável não é,
logo se vê pelo gesto
pela estranheza do olhar.
O bêbedo que caminha
que rei bêbedo será?
(Dante Milano)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
Esquema de rima: abbcdfcab. Há dois versos soltos, indicados
por: d e f.
Rima composta ou em mosaico: quando formada pela junção
de dois vocábulos mórfi cos. Exemplo:
Mas vou ver se agora arranjo os
Versos que o meu coração
Quer para Márcia dos Anjos.
(Manoel Bandeira)
Fonte: http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm
No caso acima, note-se a elisão da vogal átona em: arranj(o)
os.
Atente para o fato de que as rimas não são um fenômeno
ortográfi co, mas essencialmente fonológico, isto é, sonoro.
Fonologia – parte da Lin-guística que estuda o siste-ma sonoro de um idioma, do ponto de vista de sua função no sistema de co-municação linguística. Área relacionada com a Fonética, mas as duas têm focos de estudo diferentes: a Fo-nética estuda a natureza física da produção e da percepção dos sons da fala (chamados de fones), a Fo-nologia preocupa-se com a maneira como eles se organizam dentro de uma língua, classifi cando-os em unidades capazes de distin-guir signifi cados, chamadas fonemas.
Homofonia – coincidência de sons.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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PARA CONHECER
TEXTO 6:
COGITOTorquato Neto
eu sou como eu soupronomepessoal intransferíveldo homem que inicieina medida do impossível
eu sou como eu souagorasem grandes segredos dantessem novos secretos dentesnesta hora
eu sou como eu soupresentedesferrolhado indecentefeito um pedaço de mim
eu sou como eu souvidentee vivo tranqüilamentetodas as horas do fi m.
O eu-lírico manifesta-se em primeira pessoa do singular. Vocês,
então, podem questionar: se o sujeito poético fala de si mesmo, onde
estaria a relação literatura/história/cultura?
Vamos tentar responder: Torquato Neto escreveu para um Brasil
que vivia sob as garras da ditadura militar, a qual exercia seu poder
de diferentes formas e em variados campos, tendo a Censura artística
como um de seus instrumentos mais violentos simbolicamente. Assim,
falar no e do coletivo seria oferecer-se à fúria dos censores. Ao trazer
para o texto um sujeito singular, na superfície do poema ocorre um
desvio da crítica social e política. No entanto, as imagens, construídas
na sequência dos versos, podem nos abrir o leque de novas leituras:
o homem se inicia na medida do impossível, uma vez que “ser” nessa
época era tarefa hercúlea; o eu-poético se afi rma sem segredos e
sem armas (dentes); como “desferrolhado indecente”, ele se mostra
voltado para si, seus desvios, suas loucuras e, portanto, desligado da
desordem à sua volta; mas, na última estrofe, ele abre uma pequena
janela para o leitor se desviar do óbvio superfi cial – ele é vidente e vê
o fi m. O fi m de quê? Não poderia ser o fi m da ditadura?
Agora, vamos explorar a forma poética. Há rimas no poema?
Há, vejamos um exemplo: intransferível/impossível, rima externa,
Torquato Neto - nasceu em Teresina, no Piauí, estudou em Salvador, no mesmo colé-gio de Gilberto Gil, de quem se aproximou aos 17 anos nas rodas artísticas da cida-de, onde conheceu também os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Em 1962, mudou-se para o Rio de Ja-neiro, onde fez alguns anos de faculdade de jornalismo, mas não concluiu, o que não o impediu de exercer a profi s-são de jornalista em diversos periódicos, como o Correio da Manhã (no suplemento Plug), O Sol (suplemento do Jornal dos Sports) e Última Hora, onde nos anos de 1971 e 72 escreveu sua badalada coluna “Geléia Geral”, em que defendia as manifesta-ções artísticas de vanguarda na música, artes plásticas, cinema, poesia etc. Fundou também jornais alternativos, o Presença e o Navilouca, que só teve um número mas fez história. Em 1968, com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano (além de outros emigrados), viajou pela Europa e Estados Unidos com a mulher Ana Maria, mo-rando algum tempo em Lon-dres. De volta ao Brasil, no início dos anos 70, ligou-se à poesia marginal e aos ícones do cinema marginal.
Figura 10 - Torquato NetoFonte: http://www.mpbnet.com.br/musicos/torquato.neto/index.html
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PARA CONHECERgrave e pobre. Em todo o poema o esquema de rimas não segue
uma regularidade tradicional. Nem a métrica é regular, há versos
de diferentes “tamanhos”, ou seja, de variados números de sílabas
tônicas, há versos de duas, cinco, seis sílabas. Essa irregularidade é
uma das marcas da Poesia Marginal, que reagia à estética tradicional,
levando ao poema uma liberdade completa.
Bem, nossa vontade é que você perceba a pluralidade de vozes
e sentidos que habitam o texto literário e que se deslocam a partir do
olhar do leitor.
Vejamos outro poema, agora de Miguel Torga, escritor
português do século XX:
TEXTO 7:
PÁTRIA
Miguel Torga
Soube a defi nição na minha infância,
Mas o tempo apagou
As linhas que uma velha palmatória
No mapa da memória
Desenhou.
Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruçada de mar.
Veja a suposta simplicidade da linguagem construída pelo
Poeta. Os vocábulos pertencem ao mundo cotidiano português, não
há uma seleção vocabular erudita. Quanto à métrica, os versos são
irregulares, como os de Torquato Neto. Há verso com uma sílaba
tônica e há versos com dez sílabas tônicas. O esquema de rimas
também não é regular, na primeira estrofe, duas rimas se alternam e,
na segunda, apenas ocorre uma rima. É o mesmo desejo de liberdade
poética que encontramos em Torquato Neto.
O eu-lírico conjuga a busca do conhecimento à busca do prazer
estético, quando esboça uma defi nição de “pátria”. Na primeira
estrofe, percebe-se que “aprender” a pátria implica dor e castigo. Na
segunda estrofe, o sujeito poético faz o caminho contrário: a “pátria”
não se sabe, a “pátria” se sente, pelos fragmentos que dela se vive.
Você compreendeu que a literatura não é um monstro que vai
nos engolir a cada leitura? O texto literário é como um homem (ou
Miguel Torga – nasceu em São Martinho de Anta, Vila Real, numa família humilde. Teve uma infância rural dura, que lhe deu a conhecer a reali-dade do campo, sem bucolis-mos, feita de árduo trabalho contínuo. Após uma breve passagem pelo seminário de Lamego, emigrou com 13 anos para o Brasil, onde, du-rante cinco anos, trabalhou na fazenda de um tio, em Minas Gerais, como capinador, apa-nhador de café, vaqueiro e ca-çador de cobras. De regresso a Portugal, em 1925, concluiu o ensino básico e frequentou, em Coimbra, o curso de Medi-cina, que terminou em 1933. Exerceu a profi ssão de médico em São Martinho de Anta e em outras localidades do país, fi xando-se defi nitivamente em Coimbra, como otorrino-laringologista, em 1941. Li-gado inicialmente ao grupo da revista Presença, dele se desligou em 1930, fundando, nesse mesmo ano, com Bran-quinho da Fonseca (outro dis-sidente), a Sinal, de que sairia apenas um número. Em 1936, lançou outra revista, Manifes-to, também de duração breve.
Figura 11 - Miguel Torga. Fonte: http://
www.astormentas.com/torga.htm
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 62LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 62 4/10/2010 14:13:274/10/2010 14:13:27
uma mulher) muito sedutor (sedutora): vem cheio(a) de armadilhas,
estratégias, mas está sempre aberto(a) para interagirmos com
ele(ela).
Namore o poema, o conto, o romance. Deixe-se seduzir pelas
imagens, pelas rimas, pelas personagens, pelas tramas. E seduza
também: diga o que você pensa sobre e sente pelo texto. Esvazie-se
de si e deixe-se preencher por esse Outro apaixonante que é o texto
literário.
AATIVIDADETIVIDADE
1) Como primeira atividade desta Unidade, propomos a você um trabalho de pesquisa
na Internet, nos endereços constantes em nossas referências, após o qual você de-
verá completar as lacunas:
a) Na Idade Média portuguesa, no século ______________, surgiu a primeira Cantiga de
Amor, cantada por Paio Soares de Taveirós, chamada “Cantiga da Ribeirinha”.
b) O Arcadismo/Neoclassicismo/Iluminismo português aconteceu durante o século XVIII
e teve, como marca histórica, a ação política do _______________________, que
gerou o nome “Pombalismo” para designar todos os acontecimentos político-culturais
da época.
c) No Brasil, no século XVIII, alguns grupos de intelectuais se insurgiram contra os
desmandos do Governo da Metrópole (Portugal). Dentre esses intelectuais militantes,
destaca-se o poeta ________________________, autor dos belíssimos versos conhe-
cidos como “Marília de Dirceu”.
d) O Romantismo brasileiro surgiu, efetivamente, após a __________________________,
em 1822.
e) O movimento Realista brasileiro começou junto com algumas iniciativas governamentais
ligadas à extinção da Escravatura, como, em 1871, a Lei do ___________________
que, embora vigente, praticamente não foi cumprida.
f) Aluísio Azevedo escreveu O Cortiço, livro que marca o ________________________
brasileiro.
2) Leia os poemas abaixo. A seguir, complete as lacunas das questões propostas e res-
ponda às questões discursivas.
Poema 1:
Autopsicografi a
Fernando Pessoa ortônimo
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O POETA é um fi ngidor.
Finge tão completamente
Que chega a fi ngir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Poema 2:
EMERGÊNCIA
Mário Quintana
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Poema 3:
Mãe África
Armando Guebuza
Oh, Mãe África dos cânticos guerreiros
cantando e dançando a voz do Xikuembo
Oh, Mãe África de luas infi ndas e belas
nas fl orestas exóticas do Congo distante
Oh, Mãe África de rios saltando
As magnífi cas rochas da Vitória
Oh, Mãe África de negros de ébano
correndo e caindo ao som do chigubo
Oh, Mãe África do ti-n’hlolo mágico
com ossinhos brancos a falarem xindau
Oh, Mãe África de mares azuis e verdes
64 Módulo 2 I Volume 4 EAD
Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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a bramir de contentes ao som do tambor
Oh, Mãe África ventre de guerreiros
negros e fortes
de lanças na mão
p’ra vencer
brancos cínicos...
A) No poema de Fernando Pessoa, é possível afi rmar, quanto às rimas:
( ) São rimas encadeadas e pobres.
( ) São rimas ricas e internas.
( ) São rimas ricas, externas e alternadas.
( ) São rimas pobres e alternadas.
B) No poema de Mário Quintana, o eu-lírico afi rma a importância do ritmo. Assinale
a opção correta acerca da métrica do poema.
( ) A métrica é regular, todos os versos têm nove sílabas.
( ) A métrica é irregular, com versos de dez e doze sílabas apenas.
( ) A métrica é regular, todos os versos têm dez sílabas.
( ) A métrica é irregular, com versos de duas, três e até doze sílabas.
C) O poema de Guebuza não traz preocupação com as rimas, construindo o ritmo a
partir da métrica. Marque a opção correta:
( ) Quase todos os versos têm onze sílabas métricas.
( ) Poucos versos têm onze sílabas métricas.
( ) Somente um verso é eneassílabo.
( ) Toda a última estrofe é composta por versos eneassílabos.
3) O poeta ser um fi ngidor pode signifi car que ele reinventa a vida e o mundo? Justifi que
sua resposta.
4) Ler um poema, segundo Mário Quintana, pode ser um remédio. Essa “medicina do
fi ngimento poético” serviria para alienar o leitor ou para torná-lo um cidadão crítico?
Justifi que.
5) No poema de Guebuza, observamos que o eu-lírico recorre a elementos da natureza
e da cultura para caracterizar a Mãe África e para comover seus leitores/ouvintes, de
forma a levá-los a querer lutar para salvar a África dos dominadores e dos exploradores.
Escolha dois versos que confi rmem essa ideia, transcreva-os e justifi que sua escolha.
6) É possível afi rmar, fazendo uma leitura comparativa dos três poemas, que o
fi ngimento poético pode abrir os olhos do leitor para que ele deixe de se conformar
com as limitações e imposições do mundo em que vive e lute por um mundo melhor?
Justifi que sua resposta.
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6 CONCLUSÃO
No início da unidade, perguntamos se você costuma pensar
acerca das relações entre História, Literatura e Cultura. Esperamos
com isso, não uma simples comparação, mas uma refl exão sobre
o objeto de cada um dos elementos aqui estudados e como eles
dialogam. Dessa forma, de posse do material aqui trabalhado,
concluímos que, tanto para você que o estudou quanto para nós que
o elaboramos, passamos a visualizar novas possibilidades de leitura,
interpretação e consequentemente refl exão acerca dessas relações.
Foi um convite a novas experiências, onde pudemos criar, discutir,
imaginar, desafi ar e reinventar formas de apropriação do literário,
tendo como participantes de tal interação, a História e a Cultura, ou
seja, o contexto em que nasce o texto literário.
RESUMINDO8 RESUMINDO...
Nesta unidade você estudou literatura, história, cultura; Narrativa
em língua portuguesa e Poesia em língua portuguesa. Percebeu com o
estudo acima descrito as relações entre literatura, cultura e sociedade,
bem como as formas e conteúdo do texto narrativo e do texto poético.
Por fi m, observou a relevância dos temas aqui abordados no que diz
respeito à compreensão do texto literário.
LEITURA RECOMENDADANa próxima aula...
Para ampliar os seus estudos e auxiliá-lo nas atividades propostas, sugerimos as seguintes leituras:
CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. São Paulo: Edusp, 1975.
CHIAPPINI, Lígia. O Foco Narrativo (Ou a polêmica em torno da ilusão). São Paulo: Editora Ática, 2002.
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. Histó-ria da literatura portuguesa. 17. ed. Porto: Porto Editora, 2001.
Dimínio Público. Disponível em: <http://www.dominiopublico.org.br>.
Interpretação de poemas e narrativas fi ccionais.
66 Módulo 2 I Volume 4 EAD
Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 66LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 66 4/10/2010 14:13:284/10/2010 14:13:28
RE
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RÊ
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IAS
JOBIM, José Luís. História da Literatura. In: ____. A poética do fundamento: ensaios de teoria e história da literatura. Niterói: EDUFF,1996. p.70
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
A Cruz Mutilada. Disponível em <http://bemaior.fi les.wordpress.com/2009/04/a-cruz-mutilada.pdf>
Alguma Poesia. Canções de Cecília. Disponível em <http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet260.htm>
Alguma Poesia. Canções do exílio. Disponível em <http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet174.htm>
Alguma Poesia. Moderno, com 400 anos. Disponível em <http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet038.htm>
Baixaki. Noite na Taverna. Disponível em <http://www.baixaki.com.br/download/noite-na-taverna.htm>
Catequizar. Disponível em <http://catequizar.net/index.php/procurar/documentos/384-a-cruz-e-o-meu-sinal>
Clube da Poesia. A rima na Poesia. Disponível em <http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconteudo.htm>
Clube da Poesia. Aprendendo a versejar. Disponível em <http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconti02.htm>
Clube da Poesia. Aprendendo a versejar. Disponível em <http://www.clubedapoesia.com.br/aprendendo/aprrimaconti03.htm>
Domínio Público. O Parocho da Aldeia. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=81915>
Germina Literatura. Mário Quintana. Disponível em <http://www.germinaliteratura.com.br/mq.htm>
InfoEscola. Disponível em <http://www.infoescola.com/escritores/raimundo-correia/>
Jornal de Poesia. Castro Alves. Disponível em <http://www.jornaldepoesia.jor.br/calves17.html>
Jornal de Poesia. Machado de Assis. Disponível em <http://www.jornaldepoesia.jor.br/machado01.html>
7 REFERÊNCIAS
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LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 67LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 67 4/10/2010 14:13:284/10/2010 14:13:28
Maria do Monte. Disponível em <http://mariadomonte.blogspot.com/2005/05/portugal-ptria-soube-defi nio-na-minha.html>
Moçambicando. Disponível em <http://mocambicanto.blogspot.com/2008/02/me-frica-oh-me-frica-dos-cnticos.html>
O sexo do verso. Disponível em <http://normattoso.sites.uol.com.br/versosde12.htm>
Paixão e Romance. Disponível em <http://www.paixaoeromance.com/70decada/valsinha/h_valsinha.htm>
Pensador. Disponível em <http://www.pensador.info/frase/NTE3N TIw/>
Portal Galego da Língua. Disponível em <http://www.agal-gz.org/modules.php?name=Biblio&rub=mostra_libro&id_livre=347>
Releitura. Fernando Pessoa: autopsicografi a. Disponível em <http://www.releituras.com/fpessoa_psicografi a.asp>
Releitura. Torquato Neto: cogito. Disponível em <http://www.releituras.com/torqneto_cogito.asp>
Sibila. Disponível em <http://www.sibila.com.br/index.php/mapa-da-lingua/450-o-seculo-de-oiro>
Site de literatura. Disponível em <http://www.sitedeliteratura.com/Poesias/A_neto1.htm>
Texere. Disponível em <http://texere.blogspot.com/2006/06/senhora-partem-to-tristes.html>
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 68LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 2.indd 68 4/10/2010 14:13:284/10/2010 14:13:28
Suas anotações
____________________________________________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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3unidade
Ao fi nal da unidade, o aluno será capaz:
• de interpretar poemas e narrativas
fi ccionaisObjetivos
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1 INTRODUÇÃO
Nesta Unidade vamos interpretar poemas e narrativas
fi ccionais. Isso signifi ca que vamos observar a forma, a estrutura, os
múltiplos sentidos que elas engendram em cada texto enfocado. A
princípio, vamos analisar e interpretar juntos, a seguir, você vai ler os
textos e seguir os roteiros propostos, respondendo às questões.
Texto 1 Soneto
M. M. Barbosa Du Bocage
Quem se vê maltratado e combatido
Pelas cruéis angústias da indigência:
Quem sofre de inimigos a violência,
Quem geme de tiranos oprimido:
Quem não pode ultrajado e perseguido
Achar nos Céus, ou nos mortais clemência:
Quem chora fi nalmente a dura ausência
De um bem, que para sempre está perdido:
Folgará de viver, quando não passa
Nem um momento em paz, quando a amargura
O coração lhe arranca e despedaça?
Oh! Só deve agradar-lhe a sepultura,
Que a vida para os tristes é desgraça,
“A morte para os tristes é ventura.”
Fonte: www.culturabrasil.pro.br/bocagesonetos.htm
O poema acima é um soneto, escrito e publicado no século
XVIII, em plena vigência da estética árcade e neoclássica e das
ideias iluministas. Nessa época, os escritores compunham textos que
UNIDADE 3
Figura 1 - Manuel Maria Barbosa du Bocage Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.
br/alfa/bocage/bocage.php
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LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 73LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 73 4/10/2010 14:14:254/10/2010 14:14:25
agradavam, quer pela escolha vocabular, de sonoridade harmoniosa,
quer pela organização temática, voltada para construir um público
de literatura, capaz de fruir o prazer estético e, simultaneamente,
aprender com o texto lido/ouvido.
A literatura produzida no século XVIII, tanto em Portugal, terra
de Bocage, como na ainda colônia denominada Brasil, era o que se
conhece por “Literatura de Corte”, ou seja, era composta por textos
manuscritos, na maioria das vezes, os quais se destinavam à leitura
pública para os nobres que frequentavam os salões da época. Era uma
arte de pouca circulação social, destinada a uns poucos indivíduos,
dotados de fortuna, nobreza de sangue, representatividade social.
Essa era a época das “Belas Letras”, quando o trabalho ornamental
com a linguagem predominava sobre a exploração do conteúdo.
O soneto de Bocage traz um eu-lírico que protesta contra
as desigualdades e injustiças: os vocábulos maltratado, combatido,
angústias, inimigos, violência, tiranos, oprimido, constroem, na
primeira estrofe do poema, um ambiente de desespero diante das
intempéries, diante das injustiças que cercam o sujeito poético. O tom
do poema remete a um protesto cortês, não a um protesto desabrido
e violento.
A segunda estrofe remete o leitor ao possível objeto provocador
da angústia do eu-lírico: a ausência de um bem que se foi para sempre.
Os vocábulos “ultrajado” e “perseguido” apontam para a impotência
da voz poética diante da tragédia da perda, a qual é sugerida, mas
não é defi nida – não sabemos se o bem a que o sujeito poético se
refere é um bem material ou imaterial.
Nos dois tercetos, que fecham o soneto, há oposição entre a
inviável paz e a inclemente dor, situação que transforma a morte em
objeto de desejo. Essa morte pode, muito bem, simbolizar a morte
de uma época, a derrocada de uma nobreza de sangue e de espírito
diante de uma burguesia que assumia, nesse fi nal de século XVIII,
o poder fi nanceiro, a produção artística e intelectual, o domínio da
ordem social.
SAIBA MAIS
Bocage - Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, no dia 15 de setembro de 1765. Era neto de um Almirante francês e fi lho do jurista José Luís Barbosa e de Mariana Lestoff du Bocage. Ainda jovem revelou a sua sensibilidade literária, a qual foi favorecida pelo ambiente familiar em que cresceu.
Arcadismo – Arcadismo, Iluminismo ou Neoclassicismo são estilos e formas de pensamento
que habitaram a segunda metade do século XVIII: o espírito reformista envolve este século numa valorização antropocêntrica, de um saber racional que refl ete o desenvolvimento tecnológico, industrial, social e científi co. Vive-se, nessa época, o Século das Luzes, o iluminismo burguês que prepara o caminho para a Revolução Francesa, marcado por infi nita sede de saber e conhecimento. No início do século XVIII, ocorre a decadência do pensamento
74 Módulo 2 I Volume 4 EAD
Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 74LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 74 4/10/2010 14:14:254/10/2010 14:14:25
barroco, cuja expressão exagerada, conceptista e cultista, havia cansado o público cortês, esgotando a chamada arte cortesã, que se desenvolvera desde a Renascença, a qual perdeu terreno para o subjetivismo burguês; o problema da ascensão burguesa supera a questão religiosa, atingindo níveis econômicos, artísticos, culturais e sociais; surgem as primeiras arcádias, grupos simbólicos de poetas que, através de pseudônimos pastoris e de uma adesão aos valores clássicos, procuram a pureza e a simplicidade das formas. No âmbito histórico-social-cultural, esses intelectuais se integram no combate ao poder monárquico, cultuando o mito do “bom selvagem”, em oposição ao homem corrompido pela sociedade do Ancien Régime (o velho regime monárquico). Como se observa, a burguesia atinge a hegemonia econômica e passa a lutar pelo poder político, então em mãos da monarquia. Isso se refl ete claramente no campo social e artístico: a antiga arte cerimonial cortesã dá lugar ao gosto burguês. O Arcadismo é um movimento estético-cultural nitidamente reformista, pretendendo reformular o ensino, os hábitos, as atitudes sociais, uma vez que é a manifestação artística de um novo tempo e de uma nova ideologia. No século XVIII, a infl uência sobre Portugal vem da França, por conta da emancipação política da burguesia. Essa mesma burguesia é responsável pelo desenvolvimento do comércio e da indústria e já assistia a algumas vitórias na Inglaterra e Estados Unidos. Na França, a partir de 1750, os fi lósofos atacam o poder real e clerical e denunciam a corrupção dos costumes com grande violência. Em Portugal, o Arcadismo estende-se desde 1756, com a fundação da Arcádia Lusitana, até 1825, com a publicação do poema “Camões”, de Almeida Garret, considerado o marco inicial do Romantismo português. No Brasil, considera-se como data inicial do Arcadismo o ano 1768, em que ocorrem dois fatos marcantes: a fundação da Arcádia Ultramarina, em Vila Rica, e a publicação de Obras, de Cláudio Manuel da Costa. A Escola Setecentista desenvolve-se até 1808, com a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, a qual, com suas medidas político-administrativas, permite a introdução do pensamento pré-romântico no Brasil.
Soneto - poema de 14 versos, com forma fi xa, isto é, sempre um soneto terá 14 versos, organizados em dois quartetos e dois tercetos. Em italiano, soneto signifi ca pequena canção. No soneto italiano, os primeiros oito versos, dispostos em dois quartetos (estrofes com quatro versos) expõem um tema ou uma experiência. Os dois tercetos (estrofes com três versos) seguintes respondem ou comentam esse tema. No soneto tradicional, os quartetos apresentam duas rimas e os tercetos duas ou três, rimas essas que seguem os esquemas: abba / abba; abab / abab, para os quartetos e, para os tercetos, cdc / dcd; cde / cde; ccd / ccd. É interessante saber que os poetas árcades usaram o soneto como uma forma de reação
à estética barroca, isso porque o soneto, por sua forma equilibrada, por seu metro constante e pelo esquema de rimas, confere ao fazer poético a clareza almejada por esse movimento estético. Depois dos Árcades, quem mais se utilizou de sonetos foram os Parnasianos.
Forma fi xa - Poema de forma fi xa é o que apresenta um sistema de estrofes subordinado a certas regras invariáveis, em quantidade fi xa, com esquemas rígidos de rimas, não sofrendo variações de autor para autor ou de época para época.
Poemas de forma fi xa – além do soneto, temos os seguintes tipos de poemas de forma fi xa: balada, poema formado por três oitavas e uma quadra; rondó, poema com estrofação uniforme de quadras; vilanela, poema formado por uma quadra e vários tercetos; sextinas, formadas por seis estrofes de seis versos cada uma, concluindo-se a composição com uma estrofe de três versos. Veja exemplos:
Balada:Balada do Poema que não Há (fragmento)
Manuel Alegre
Quero escrever um poema Um poema não sei de quê Que venha todo vermelho Que venha todo de negro Às de copas às de espadas Quero escrever um poema Como de sortes cruzadas
Quero escrever um poema Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada Abril com chuva por dentro E este ramo de alfazema Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema Que seja de tudo ou nada
Um poema não sei de quê Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido Que me dói não sei porquê
......
Fonte: http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refi d=200809210004
Comentário: observe que as estrofes iniciais são regulares, são três oitavas, e que a métrica segue a
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mesma contagem a cada estrofe.
Rondó:Rondó dos Cavalinhos (fragmento)
Manuel Bandeira
Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo...
Tua beleza, Esmeralda, Acabou me enlouquecendo.
Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo...
O sol tão claro lá foraE em minhalma — anoitecendo!
Os cavalinhos correndo,E nós, cavalões, comendo...
Alfonso Reys partindo,E tanta gente fi cando...
......Fonte: http://www.releituras.com/mbandeira_rondo.asp
Comentário: observe que o poema é composto por quadras, marca necessária do rondó.
Vilanela:
Moça do Chapéu Florido...Jorge Linhaça
Moça do chapéu fl orido,Eu só faço em ti pensar
Desdaquele dia ido,
Neste amor desmedido,Eu só penso em ti beijarMoça do chapéu fl orido.
Vivo pois estremecido,As delícias a lembrarDesdaquele dia ido,
Sempre fi co comovido,Teu retrato a olhar,
Moça do chapéu fl orido
Lembro-me do teu vestido,E não paro de sonhar,Desdaquele dia ido,
Ando assim entristecido,Por não mais te encontrarMoça do chapéu fl orido,
Desdaquele dia ido.
Fonte: http://www.lusopoemas.net
Comentário: esse poema, do escritor português contemporâneo, traz todas as estrofes iniciais como tercetos e a estrofe fi nal como uma quadra, marca da vilanela.
Sextina:
Foge-me pouco a pouco a curta vida (fragmento)
Luís de Camões
Foge-me pouco a pouco a curta vida,– se por caso é verdade que inda vivo –;vai-se-me o breve tempo d’ante os olhos;
choro pelo passado em quanto falo,se me passam os dias passo a passo,
vai-se-me enfi m a idade, e fi ca a pena.
Que maneira tão áspera de pena!Que nunca uma hora viu tão longa vida
em que possa do mal mover-se um passo!Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que choro, enfi m? Para que falo,se lograr-me não pude de meus olhos?
Ó fermosos, gentis e claros olhos,cuja ausência me move a tanta pena,
quanta se não compreende em quanto falo!Se, no fi m de tão longa e curta vida,de vós m’inda infl amasse o raio vivo,
por bem teria tudo quanto passo.
.....
Fonte: http://pedrosette.com/2007/10/21/foge-me-pouco-a-pouco-
a-curta-vida/
Comentário: veja que o poema é composto apenas por estrofes de seis versos, os quais apresentam métrica regular. Nas sextinas, as rimas consistem na repetição das mesmas palavras no fi nal dos versos de todas as estrofes, repetindo-se também no fi nal dos hemistíquios (metade métrica do verso) de cada verso do remate (fi nal signifi cativo da estrofe). Repete-se ainda no primeiro verso de cada estrofe (ou no primeiro hemistíquio do verso inicial do remate) a palavra fi nal do último verso da estrofe anterior.
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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Agora que você sabe mais sobre poemas de forma fi xa, vamos
retomar o “Soneto” de Bocage, na perspectiva da forma. O poema
apresenta dois quartetos e dois tercetos: nos quartetos, estrofes
iniciais, a rima vem segundo o esquema abba, relacionando-se os
vocábulos combatido/oprimido, indigência/violência. É possível
observarmos que essas palavras trazem não apenas uma combinação
sonora, mas também uma combinação de sentido. A forma, portanto,
se nos remete à aparência do poema, “recheia” essa aparência com
variadas possibilidades e sugestões de leitura. Nos tercetos, a rima
segue o esquema cdc/dcd, conjugando os termos passa/despedaça/
desgraça e amargura/sepultura/ventura. Analisando essas relações,
podemos observar que o eu-lírico nos remete à ideia de dor atroz
diante dos fatos que o oprimem, dor tamanha que sua única possível
“ventura” está ligada à noção de morte.
Observe que, mesmo abordando a forma, não o fazemos
apenas para descrevê-la, todo elemento poético nos leva a uma
produção de sentido para o poema. Assim, aquelas anotações que
fi zemos logo após o poema, apoiando-nos na seleção vocabular,
encontram sustentação na forma poética. Com isso, queremos que
você perceba que escrever e ler poemas não depende apenas de
momentos de inspiração, são atos que dependem, isso sim, de muito
trabalho sobre e com as palavras, explorando sua sonoridade, seus
possíveis sentidos, combinando-as estrategicamente entre si.
2 A LEITURA DA NARRATIVA
As narrativas não dependem, para sua construção, da
combinação de palavras e sons. A narrativa se constrói a partir de
blocos maiores, a partir de elementos estruturadores, que agenciam
os múltiplos sentidos que podem ser a ela agregados, tais como
personagens, ambiente, espaço, tempo, foco narrativo, tipo de
narrador etc. Esses elementos são “arrumados” no texto pelo
escritor, que assume a voz fi ccional do narrador, com base em um
eixo temático, o qual responde às expectativas da sociedade em que
o texto é gerado. Assim, o eixo temático articula fi cção e história,
imaginação e “mundo real”.
Vamos ler o conto “Frei Genebro”, de Eça de Queirós, escritor
realista português, preocupado em trazer para toda a sua obra
fi ccional uma profunda refl exão sobre as mazelas que caracterizaram
a sociedade lusa no século XIX. O eixo temático do conto escolhido
gira em torno das realizações práticas e cotidianas da fé cristã em
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Portugal.
A sociedade portuguesa construiu-se sobre os escombros
das culturas e das práticas religiosas essencialmente muçulmanas
e judaicas. Os soldados romanos que ocuparam a Península Ibérica
trouxeram o Cristianismo e o impuseram às populações, as quais
subjugaram e dominaram política e culturalmente. Desse caldeirão de
culturas e diferentes formas de fé, surgiu o Condado Portucalense e,
pelas lutas de D. Afonso Henriques, o Portugal que hoje conhecemos.
Esse país tem como religião principal, a qual embasa as mais variadas
práticas culturais, o Catolicismo de origem romana. A culinária
portuguesa, os doces, a preferência pelo pescado, em detrimento da
carne bovina e suína, a forte presença do vinho, as festas populares,
até a toponímia lusa remetem às práticas cristãs.
Nesse ambiente altamente marcado pela religiosidade, atacar
freis, frades, padres, freiras, apontar-lhes pecados e vícios, imputar-
lhes uma humanidade que tanto se esforçavam por minimizar, é uma
ação bastante temerária, mesmo sendo uma ação fi ccional. Em quase
toda a sua obra narrativa, Eça de Queirós ataca o clero português,
desestabilizando a fé que sustentava aquele mundo burguês.
Texto 2
FREI GENEBRO
Eça de Queirós
I
Nesse tempo ainda vivia na sua solidão das
montanhas da Úmbria, o divino Francisco de Assis – e já
por toda a Itália se louvava a santidade de Fei Genebro, seu
amigo e seu discípulo.
Frei Genebro, na verdade, completara a perfeição
em todas as virtudes evangélicas. Pela abundância e
perpetuidade da Oração, ele arrancava de sua alma as raízes
mais miúdas do Pecado, e tornava-a limpa e cândida como
um desses celestes jardins em que o solo anda regado pelo
Senhor, e onde só podem brotar açucenas. A sua penitência,
durante vinte anos de claustro, fora tão dura e alta que já
não temia o Tentador; e agora, só com o sacudir a manga
do hábito, rechaçava as tentações, as mais pavorosas
ou as mais deliciosas, como se fossem apenas moscas
importunas. Benéfi ca e universal à maneira de um orvalho
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 78LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 78 4/10/2010 14:14:264/10/2010 14:14:26
de verão, a sua caridade não se derramava somente sobre
as misérias do pobre, mas sobre as melancolias do rico. Na
sua humilíssima humildade não se considerava nem o igual
d’um verme. Os bravios barões, cujas negras torres
esmagavam a Itália, acolhiam reverentemente e curvavam
a cabeça a esse franciscano descalço e mal remendado que
lhes ensinava a mansidão. Em Roma, em S. João de Latrão,
o Papa Honório beijara as feridas de cadeias que lhe tinham
fi cado nos pulsos, do ano em que na Mourama, por amor
dos escravos, padecera a escravidão. E como nessas idades
os anjos ainda viajavam na terra, com as asas escondidas,
arrimados a um bordão, muitas vezes, trilhando uma velha
estrada pagã ou atravessando uma selva, ele encontrava um
moço de inefável formosura, que lhe sorria e murmurava:
- Bons dias, irmão Genebro!
Ora, um dia, indo este admirável mendicante
de Spoleto para Terni, e avistando no azul e no sol da
manhã, sobre uma colina coberta de carvalhos, as ruínas
do castelo de Otofrid, pensou no seu amigo Egydio, antigo
noviço como ele no mosteiro de Santa Maria dos Anjos, que
se retirara àquele ermo para se avizinhar mais de Deus,
e ali habitava uma cabana de colmo, junto das muralhas
derrocadas, cantando e regando as alfaces do seu horto,
porque a sua virtude era amena. E como mais de três anos
tinham passado desde que visitara o bom Egydio, largou
a estrada, passou embaixo, no vale, sobre as alpondras, o
riacho que fugia por entre os aloendros em fl or, e começou
a subir, lentamente, a colina frondosa. Depois da poeira e
ardor do caminho de Spoleto, era doce a larga sombra dos
castanheiros e a relva que lhe refrescava os pés doridos. A
meia encosta, numa rocha onde se esguedelhavam silvados,
sussurrava e luzia um fi o de água. Estendido ao lado, nas
pedras úmidas, dormia, ressonando consoladamente, um
homem, que decerto ali guardava porcos, porque vestia um
grosso surrão de coiro e trazia, pendurada na cinta, uma
buzina de porqueiro. O bom frade bebeu de leve, afugentou
os moscardos que zumbiam sobre a rude face adormecida e
continuou a trepar a colina, com o seu alforge, o seu cajado,
agradecendo ao Senhor aquela água, aquela sombra, aquela
frescura, tantos bens inesperados. Em breve avistou, com
efeito, o rebanho de porcos, espalhados sob as frondes,
roncando e fossando as raízes, uns magros e agudos, de
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cerdas duras, outros redondos, com o focinho curto afogado
em gordura, e os bacorinhos correndo em torno às tetas das
mães, luzidios e cor de rosa.
Frei Genebro pensou nos lobos e lamentou o sono
do pastor descuidado. No fi m da mata começava a rocha,
onde os restos do castelo Lombardo se erguiam, revestidos
de hera, conservando ainda alguma seteira esburacada
sobre o céu, ou, numa esquina de torre, uma goteira que,
esticando o pescoço de dragão, espreitava por meio das
silvas bravas.
A cabana do ermitão, telhada de colmo que lascas de pedra
seguravam, apenas se percebia, entre aqueles escuros
granitos, pela horta que em frente verdejava, com os seus
talhões de couve e estacas de feijoal, entre alfazema cheirosa.
Egydio não andaria afastado porque sobre o murozinho de
pedra solta fi cara pousado o seu cântaro, o seu podão e a
sua enxada. E docemente, para o não importunar, se àquela
hora de sesta estivesse recolhido e orando, Frei Genebro
empurrou a porta de pranchas velhas, que não tinha loquete
para ser mais hospitaleira.
- Irmão Egydio!
Do fundo da choça rude, que mais parecia cova de
bicho, veio um lento gemido:
- Quem me chama? Aqui neste canto, neste canto
a morrer!... A morrer, meu irmão!
Frei Genebro acudiu em grande dó; encontrou o
bom ermitão estirado num monte de folhas secas, encolhido
em farrapos, e tão defi nhado, que a sua face, outrora farta e
rosada, era como um pergaminho muito enrugado, perdido
entre os fl ocos das barbas brancas. Com infi nita caridade e
doçura o abraçou.
- E há quanto tempo, há quanto tempo neste
abandono, irmão Egydio?
Louvado Deus, desde a véspera! Só na véspera, à
tarde, depois de olhar uma derradeira vez para o sol e para
a sua horta, se viera estender naquele canto para acabar...
Mas havia meses que com ele entrara um cansaço, que nem
podia segurar a bilha cheia quando voltava da fonte.
- E dizei, irmão Egydio, pois que o Senhor me
trouxe, que posso eu fazer pelo vosso corpo? Pelo corpo,
digo; que pela alma bastante tendes vós feito na virtude
desta solidão!
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 80LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 80 4/10/2010 14:14:264/10/2010 14:14:26
Gemendo, arrepanhando para o peito as folhas secas em que
jazia, como se fossem dobras dum lençol, o pobre ermitão
murmurou:
- Meu bom Frei Genebro, não sei se é pecado, mas
toda esta noite, em verdade vos confesso, me apeteceu
comer um pedaço de carne, um pedaço de porco assado!...
Mas será pecado?
Frei Genebro, com a sua imensa misericórdia, logo
o tranqüilizou. Pecado? Não, certamente! Aquele que, por
tortura, recusa ao seu corpo um contentamento honesto,
desagrada ao Senhor. Não ordenava ele aos seus discípulos
que comessem as boas cousas da terra? O corpo é servo; e
está na vontade divina que as suas forças sejam sustentadas,
para que preste ao espírito, seu amo, bom e leal serviço.
Quando Frei Silvestre, já tão doentinho, sentira aquele longo
desejo de uvas moscatéis, o bom Francisco de Assis logo o
conduziu à vinha, e por suas mãos lhe apanhou os melhores
cachos, depois de os abençoar para serem mais sumarentos
e mais doces...
- É um pedaço de porco assado que apeteceis? –
exclamava risonhamente o bom Frei Genebro, acariciando
as mãos transparentes do ermitão. – Pois sossegai, irmão
querido, que bem sei como vos vou contentar.
E imediatamente, com os olhos a reluzir de
caridade e de amor, agarrou o afi ado podão que pousava
sobre o muro da horta. Arregaçando as mangas do hábito,
e mais ligeiro que um gamo, porque era aquele um serviço
do Senhor, correu pela colina, até aos densos castanheiros
onde encontrara o rebanho de porcos. E aí, andando
sorrateiramente de tronco para tronco, surpreendeu um
bacorinho desgarrado que fossava a bolota, desabou sobre
ele, e, enquanto lhe sufocava o focinho e os gritos, decepou,
com dois golpes certeiros do podão, a perna por onde o
agarrara. Depois, com as mãos salpicadas de sangue, a
perna do porco bem alta a pingar sangue, deixando a rês a
arquejar numa poça de sangue, o piedoso homem galgou a
colina, correu à cabana, gritou para dentro alegremente:
- Irmão Egydio, a peça de carne já o Senhor a deu!
E eu, em Santa Maria dos Anjos, era bom cozinheiro.
Na horta do ermitão arrancou uma estaca do feijoal,
que, com o podão sangrento, aguçou em espeto. Entre duas
pedras acendeu uma fogueira. Com zeloso carinho assou a
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perna do porco. Tanta era a sua caridade que para dar a
Egydio todos os antegozos daquele banquete, raro em terra
de mortifi cação, anunciava com vozes festivas e de boa
promessa:
- Já vai aloirando o porquinho, irmão Egydio! A
pele já tosta, meu santo!
Entrou enfi m na choça, triunfalmente, com o
assado que fumegava e rescendia, cercado de frescas folhas
de alface. Ternamente, ajudou a sentar o velho, que tremia
e se babava de gula. Arredou das pobres faces maceradas
os cabelos que o suor da fraqueza empastara. E, para que
o bom Egydio se não vexasse com a sua voracidade e tão
carnal apetite, ia afi rmando, enquanto lhe partia as fi bras
gordas, que também ele comeria regaladamente daquele
excelente porco, se não tivesse almoçado à farta na Locanda
dos Três Caminhos.
- Mas nem bocado agora me podia entrar, meu
irmão! Com uma galinha inteira me atochei! E depois uma
fritada de ovos! E de vinho branco, um quartilho!
E o santo homem mentia santamente – porque
desde madrugada, não provara mais que um magro caldo de
ervas, recebido por esmola à cancela de uma granja.
Farto, consolado, Egydio deu um suspiro, recaiu
no seu leito de folhas secas. Que bem lhe fi zera, que bem
lhe fi zera! O Senhor, na sua justiça, pagasse a seu irmão
Genebro aquele pedaço de porco! Até sentia a alma mais rija
para a temerosa jornada... E o ermitão com as mãos postas,
Genebro ajoelhado, ambos louvaram, ardentemente, o
Senhor que, a toda a necessidade solitária, manda de longe
o socorro.
Então, tendo coberto Egydio com um pedaço de
manta e posto, a seu lado, a bilha cheia de água fresca, e
tapado, contra as aragens da tarde, a fresta da cabana, Frei
Genebro, debruçado sobre ele, murmurou:
- Meu bom irmão, vós não podeis fi car neste
abandono... Eu vou levado por obra de Jesus, que não admite
tardança. Mas passarei no convento de Sambricena e darei
recado para que um noviço venha e cuide de vós com amor,
no vosso transe. Deus vos vele entretanto, meu irmão; Deus
vos sossegue e vos ampare com a sua mão direita!
Mas Egydio cerrara os olhos, nem se moveu, ou
porque adormecera, ou porque o seu espírito, tendo pago
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 82LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 82 4/10/2010 14:14:264/10/2010 14:14:26
aquele derradeiro salário ao corpo, como a um bom servidor,
para sempre partira, fi nda a sua obra na terra. Frei Genebro
abençoou o velho, tomou o seu bordão, desceu a colina dos
grandes carvalhos. Sob a fronde, para os lados onde andava
o rebanho, a buzina do porqueiro ressoava agora num toque
de alarme e de furor. Decerto acordara, descobrira o seu
porco mutilado... Estugando o passo, Frei Genebro pensava
quanto era magnânimo o Senhor em permitir que o homem,
feito à sua imagem augusta, recebesse tão fácil consolação
duma perna de cerdo assada entre duas pedras.
Retomou a estrada, marchou para Terni. E
prodigiosa foi, desde esse dia, a atividade da sua virtude.
Através de toda a Itália, sem descanso, pregou o Evangelho
Eterno, adoçando a aspereza dos ricos, alargando a esperança
dos pobres. O seu imenso amor ia ainda para além dos que
sofrem, até àqueles que pecam, oferecendo um alívio a cada
dor, estendendo um perdão a cada culpa: e com a mesma
caridade com que tratava os leprosos, convertia os bandidos.
Durante as invernias e a neve, vezes inumeráveis dava, aos
mendigos, a sua túnica, as suas alpercatas; os abades dos
mosteiros ricos e as damas devotas de novo o vestiam, para
evitar o escândalo da sua nudez através das cidades; e sem
demora, na primeira esquina, ante qualquer esfarrapado,
ele se despojava sorrindo. Para remir servos que penavam
sob um amo fero, penetrava nas igrejas, arrancava do altar
os candelabros de prata, afi rmando, jovialmente, que mais
praz a Deus uma alma liberta que uma tocha acesa.
Cercado de viúvas, de crianças famintas, invadia
as padarias, os açougues, até as tendas dos cambistas,
e reclamava imperiosamente, em nome de Deus, a parte
dos deserdados. Sofrer, sentir a humilhação, eram, para
ele, as únicas alegrias completas: nada o deliciava mais do
que chegar de noite, molhado, esfaimado, tiritando, a uma
opulenta abadia feudal, e ser repelido da portaria como um
mau vagabundo: só então, agachado nos lodos do caminho,
mastigando um punhado de ervas cruas, ele se reconhecia
verdadeiramente irmão de Jesus, que não tivera também,
como têm sequer os bichos do mato, um covil para se abrigar.
Quando um dia, em Perusa, as confrarias saíram a seu
encontro, com bandeiras festivas, ao repique dos sinos, ele
correu para um monte de esterco, onde se rolou e se sujou,
para que daqueles que o vinham engrandecer, só recebesse
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LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 83LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 83 4/10/2010 14:14:264/10/2010 14:14:26
compaixão e escárnio. Nos claustros, nos descampados, em
meio das multidões, durante as lides mais pesadas, orava
constantemente, não por obrigação, mas porque na prece
encontrava um deleite adorável. Deleite maior, porém, era,
para o franciscano, ensinar e servir. Assim, longos anos
errou entre os homens, vertendo o seu coração como a
água de um rio, oferecendo os seus braços como alavancas
incansáveis; e tão depressa, numa ladeira deserta, aliviava
uma pobre velha da sua carga de lenha, como numa cidade
revoltada, onde reluzissem armas, se adiantava, com o peito
aberto, e amansava as discórdias.
Enfi m, uma tarde, em véspera de Páscoa, estando
a descansar nos degraus de Santa Maria dos Anjos, avistou
de repente, no ar liso e branco, uma vasta mão luminosa
que sobre ele se abria e faiscava. Pensativo, murmurou:
- Eis a mão de Deus, a sua mão direita, que se
estende para me acolher ou para me repelir.
Deu logo a um pobre, que ali rezava a Ave-Maria,
com a sua sacola nos joelhos, tudo o que no mundo lhe
restava, que era um volume do Evangelho, muito usado
e manchado das suas lágrimas. No domingo, na igreja,
ao levantar da Hóstia, desmaiou. Sentindo então que ia
terminar a sua jornada terrestre, quis que o levassem para
um curral, o deitassem sobre uma camada de cinzas.
Em santa obediência ao guardião do convento,
consentiu que o limpassem de seus trapos, lhe vestissem
um hábito novo: mas, com os olhos alagados de ternura,
implorou que o enterrassem num sepulcro emprestado como
fora o de Jesus, seu senhor.
E, suspirando, só se queixava de não sofrer:
- O senhor, que tanto sofreu, porque me não
manda a mim o padecimento bendito?
De madrugada pediu que abrissem, bem largo, o
portão do curral.
Contemplou o céu que clareava, escutou as
andorinhas que, na frescura e silêncio, começavam a
cantar sobre o beiral do telhado, e, sorrindo, recordou uma
manhã, assim de silêncio e frescura, em que, andando
com Francisco de Assis à beira do lago de Perusa, o mestre
incomparável se detivera ante uma árvore cheia de pássaros,
e, fraternalmente, lhes recomendara que louvassem sempre
o Senhor! “Meus irmãos, meus irmãos passarinhos, cantai
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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bem o vosso Criador, que vos deu essa árvore para que nela
habiteis, e toda esta limpa água para nela beber, e essas
penas bem quentes para vos agasalharem, a vós e aos
vossos fi lhinhos!” Depois, beijando humildemente a manga
do monge que o amparava, Frei Genebro morreu.
II
Logo que ele cerrou os seus olhos carnais, um
Grande Anjo penetrou diafanamente no curral e tomou, nos
braços, a alma de Frei Genebro. Durante um momento, na
fi na luz da madrugada, deslizou por sobre o prado fronteiro
tão levemente que nem roçava as pontas orvalhadas da relva
alta. Depois, abrindo as asas, radiantes e níveas, transpôs,
num vôo sereno, as nuvens, os astros, todo o céu que os
homens conhecem.
Aninhada nos seus braços, como na doçura de um
berço, a alma de Genebro conservava a forma do corpo que
sobre a terra fi cara; o hábito franciscano ainda a cobria, com
um resto de poeira e de cinza nas pregas rudes; e, com um
olhar novo, que agora tudo trespassava e tudo compreendia,
ela contemplava, num deslumbramento, aquela região em
que o Anjo parara, para além dos universos transitórios e
de todos os rumores siderais. Era um espaço sem limite,
sem contorno e sem cor. Por cima começava uma claridade,
subindo espalhada à maneira duma aurora, cada vez mais
branca, e mais luzente, e mais radiante, até que resplandecia
num fulgor tão sublime que nela um sol coruscante seria
como uma nódoa pardacenta. E por baixo estendia-se uma
sombra cada vez mais baça, mais fusca, mais cinzenta, até
que formava como um espesso crepúsculo de profunda,
insondável tristeza. Entre essa refulgência ascendente e a
escuridão interior, permanecera o Anjo imóvel, esperando,
com as asas fechadas. E a alma de Genebro perfeitamente
sentia que estava ali, esperando também, entre o Purgatório
e o Paraíso. Então, subitamente, nas alturas, apareceram
os dois imensos pratos duma Balança – um que rebrilhava
como diamante e era reservado às suas Boas Obras, outro,
negrejando mais que carvão, para receber o peso de suas
Obras Más. Entre os braços do Anjo, a alma de Genebro
estremeceu... Mas o prato diamantino começou a descer
lentamente. Oh! Contentamento e glória! Carregado com as
suas Boas Obras, ele descia calmo e majestoso, espargindo
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LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 85LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 85 4/10/2010 14:14:264/10/2010 14:14:26
claridade. Tão pesado vinha, que as suas grossas cordas
se retesavam, rangiam. E entre elas, formando como uma
montanha de neve, alvejavam magnifi camente as suas
virtudes evangélicas. Lá estavam as incontáveis esmolas
que semeara no mundo, agora desabrochadas em alvas
fl ores, cheias de aroma e de luz.
A sua humildade era um cimo, aureolado por
um clarão. Cada uma das suas penitências cintilava mais
limpidamente que cristais puríssimos. E a sua oração perene
subia e enrolava-se em torno das cordas, à maneira duma
deslumbrante névoa de ouro.
Sereno, tendo a majestade de um astro, o prato
das Boas Obras parou, fi nalmente, com a sua carga preciosa.
O outro, lá em cima, não se movia também, negro, da cor
do carvão, inútil, esquecido, vazio. Já das profundidades,
sonoros bandos de Serafi ns voavam, balançando palmas
verdes. O pobre franciscano ia entrar triunfalmente no
Paraíso – e aquela era a milícia divina que o acompanharia
cantando. Um frêmito de alegria passou na luz do Paraíso,
que um Santo novo enriquecia. E a alma de Genebro
anteprovou as delícias da Bem-aventurança.
Subitamente, porém, no alto, o prato negro oscilou
como a um peso inesperado que sobre ele caísse! E começou
a descer, duro, temeroso, fazendo uma sombra dolente
através da celestial claridade. Que Má Ação de Genebro trazia
ele tão miúda que nem se avistava, tão pesada que forçava
o prato luminoso a subir, remontar ligeiramente como se a
montanha de Boas Ações que nele transbordavam, fossem
um fumo mentiroso? OH! Mágoa! Oh! Desesperança! Os
Serafi ns recuavam, com as asas trementes. Na alma de Frei
Genebro correu um arrepio imenso de terror. O negro prato
descia, fi rme, inexorável, com as cordas retesas. E na região
que se cavava sob os pés do Anjo, cinzenta, de inconsolável
tristeza, uma massa de sombra, molemente e sem rumor,
arfou, cresceu, rolou, como a onda duma maré devoradora.
O prato, mais triste que a noite, parara – parara em pavoroso
equilíbrio com o prato que rebrilhava. E os Serafi ns, Genebro,
o Anjo que o trouxera, descobriram, no fundo daquele prato
que inutilizava um Santo, um porco, um pobre porquinho
com uma perna barbaramente cortada, arquejando, a
morrer, numa poça de sangue... O animal mutilado pesava
tanto na balança da justiça como a montanha luminosa de
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 86LETRAS - MOD 2 - VOL 4 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS - ANÁLISES DE POEMAS - unidade 3.indd 86 4/10/2010 14:14:264/10/2010 14:14:26
PARA CONHECER
virtudes perfeitas!
Então, das alturas, surgiu
uma vasta mão, abrindo os dedos que
faiscavam. Era a mão de Deus, a sua
mão direita, que aparecera a Genebro na
escada de Santa Maria dos Anjos, e que
agora supremamente se estendia para
o acolher ou para o repelir. Toda a luz e
toda a sombra, desde o Paraíso fulgente
ao Purgatório crepuscular, se contraíram
num recolhimento de inexprimível amor e
terror. E na extática mudez, a vasta mão,
através das alturas, lançou um gesto que
repelia...
Então o Anjo, baixando a face
compadecida, alargou os braços e deixou
cair, na escuridão do Purgatório, a alma de
Frei Genebro.
Fonte: http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/
download/Frei_Genebro.pdf
Figura 2 - Eça de QueirozFonte: pt.wikipedia.org
Eça de Queirós – José Maria de Eça de Queirós nasceu em Póvoa de Varzim, no dia 25 de novembro de 1845 e morreu em Paris, a 16 de agosto de 1900. É considerado por o melhor escritor do Realismo português. Foi autor, entre outros romances de importância reconhecida, de Os Maias (faça download da série de TV no endereço http://fi fa08brasil.blogspot.com/2009/04/serie-os-maias-download.html e do livro no endereço www.baixatudo.com.br/os-maias ) e O crime do Padre Amaro (faça download do fi lme homônimo no endereço http://ilimitado.us/download-o-crime-do-padre-amaro/ e do livro no endereço www.livroseafi ns.com/download-baixar-livros-gratis ). Seus primeiros trabalhos como escritor apareceram no jornal Gazeta de Portugal. Trabalhou como administrador municipal no município de Leiria e como cônsul de Portugal na Inglaterra: esta época foi uma das mais produtivas de sua carreira. Partilhou os ideais literários do escritor francês Gustave Flaubert. Eça de Queirós foi um dos pioneiros da literatura realista em Portugal. Abordou, em suas obras, temas de ordem crítica: seu olhar sobre a sociedade portuguesa é cáustico, ele atacou o clero, a burguesia, a aristocracia, as falsas virtudes etc. Para tanto, desenvolveu uma técnica baseada na abordagem de temas cotidianos, na descrição de locais e comportamento de pessoas, através de um olhar cético e, algumas vezes, pessimista e irônico. O humor desse escritor português era sempre vincado pela crítica às instituições caducas e às pessoas que as representavam. Sugerimos que você acesse o site http://videos.sapo.pt/YHyyYg269PSDCrmIFB9L e assista a uma fotobiografi a de Eça de Queirós. Em http://www.youtube.com/watch?v=fBljjupF_34, você verá um trailler do fi lme O primo Basílio, baseado na obra homônima de Eça de Queiros. Já em http://videolog.uol.com.br/video.php?id=388995 assista a um vídeo sobre O mistério da Casa de Sintra.
Algumas das obras desse grande escritor português:
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Nós já lemos textos narrativos. Você sabe os elementos
que os compõem, todos constam da Unidade I. Agora vamos “ler” o
conto de Eça de Queirós, numa perspectiva analítico-interpretativa.
Comecemos com o enredo: a trama é construída linearmente, os
eventos narrados são encadeados por uma lógica progressiva: início,
meio e fi m. Nesse processo, há um clímax e um desfecho. O clímax
ocorre na segunda parte do conto, quando morre Frei Genebro e suas
virtudes e seus pecados são julgados por Deus. O desfecho é o envio
de sua alma ao Purgatório, como castigo pela violência que cometeu
contra o porquinho.
Frei Genebro, como aponta o título do conto, é a personagem
protagonista da narrativa. As demais personagens, adjuvantes,
compõem as cenas, sem grande destaque, apenas de maneira a
ressaltarem as virtudes do Frei. O narrador heterodiegético trabalha
com uma focalização externa, o que lhe permite construir uma visão
ampla dos fatos e ir preparando pouco a pouco o leitor para o clímax
e o desfecho. O tempo é cronológico, situando os fatos narrados nos
primórdios do catolicismo. Não aparecem antecipações, flash-back. O
tempo da diegese acompanha a ordem linear da narrativa, apenas no
O movimento estético-cultural conhecido como Realismo surgiu, no Ocidente, na segunda metade do século XIX, como uma reação aos excessos subjetivistas do Romantismo, que já tinha saturado a cena artística europeia desde as primeiras décadas do século com um sentimentalismo exacerbado.
Em Portugal, o marco histórico-cultural que introduziu as ideias realistas foi a chamada “Questão Coimbrã” que, em 1865, opôs realistas a românticos. A partir da segunda metade do século XIX, o ambiente sociocultural europeu mudou signifi cativamente. A sociedade burguesa, de cunho industrial e mecanicista, ganhou contornos defi nitivos, solidifi cando seus valores materiais e imateriais. As ideias de liberalismo e democracia se fortaleceram.
As ciências naturais desenvolveram-se e os métodos de experimentação e observação da realidade passaram a ser encarados como os únicos capazes de explicar racionalmente o mundo físico, dominando todos os campos do conhecimento. O desenvolvimento científi co da época galvanizou a intelectualidade que, das cátedras universitárias aos bares boêmios, adere ao cientifi cismo e ao materialismo, opondo-se à metafísica, à religião e a tudo que escapasse dos limites da matéria.
O Positivismo de Augusto Comte defendia a importância da Ciência para a sociedade humana. Ele concluía que a Teologia e a Metafísica deveriam ser abandonadas, já que a realidade é concreta, objetiva e lógica, passível de observação, descrição e experimentação. Na mesma época, o evolucionismo darwiniano eliminou a aura de espiritualidade e misticismo que o idealismo romântico conferia ao ser humano, encarando-o como parte de uma grande cadeia alimentar, nivelando-o com outros seres vivos.
Mas a teoria fi losófi ca que mais infl uência teve sobre as artes desse período foi o determinismo de Hippolyte Taine, que explicava todas as ocorrências humanas e sociais pelo condicionamento do indivíduo ao meio, à raça ou fato histórico. De acordo com Taine, o homem é produto do ambiente em que vive ou viveu, ao qual se soma a hereditariedade.
Em Portugal, essas ideias provocaram a polêmica que fi cou conhecida como o nome de “Questão Coimbrã” (1865): os românticos foram representados por Antônio Feliciano de Castilho que, através de um posfácio, criticou os princípios da chamada Ideia Nova (o Realismo), praticados por estudantes artistas da Universidade de Coimbra. Antero de Quental, um desses jovens, rebateu as críticas dos românticos através de uma cara aberta conhecida como “Bom Senso e Bom Gosto”. Essa polêmica continuou nas Conferências do Cassino Lisbonense (1871), proferidas por Antero de Quental, Eça de Queirós e outros, sendo interrompidas por ordem ofi cial.
SAIBA MAIS
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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desfecho há uma retomada de eventos anteriores, mas somente por
alusão, não para que sejam revividos.
Essa descrição dos elementos que estruturam o conto de Eça
de Queirós pode fi car muito vazia se não for objeto de uma refl exão.
A “arrumação” que o escritor dá aos fatos e elementos da narrativa,
através desse narrador que não faz parte da trama, que observa
os acontecimentos e os conta a nós, leitores, numa perspectiva
distanciada e crítica, aponta para a decadência dos valores religiosos,
cristãos, os quais estariam na base da ordem social portuguesa.
A caridade do santo Frei não se estende a todos os viventes.
O narrador nos conduz de forma bastante objetiva, descrevendo
minuciosamente as cenas, as personagens, suas reações, levando-
nos para dentro do narrado e, simultaneamente, colocando-nos numa
distância crítica providencial, pois isso nos permite refl etir sobre o
que seria, de verdade, a caridade cristã apregoada por aqueles pais
da religião. Eça de Queirós estabelece as bases do Realismo em
Portugal, no que tange à narrativa de fi cção.
O Realismo português, ligado à Questão Coimbrã ou Querela
do Bom Senso e do Bom Gosto, marcou o choque entre as já
tradicionais ideias românticas, ligadas ao nacionalismo idealizante,
e uma nova visão de mundo, menos utópica, em seus princípios,
e bem mais materialista. Esse movimento prolongou-se até 1890,
quando Eugenio de Castro anunciou a estética Simbolista. Atentem
para o fato de que essas datas não são absolutas, não podem limitar
o literário.
Podemos, agora, perceber as raízes da criticidade de Eça de
Queirós. E podemos voltar ao conto, para “lê-lo” melhor.
Logo de início, pelo título, deduz-se que o tema do conto está
ligado à religião e ao clero. Quando nos deparamos com a descrição
de Frei Genebro, pensamos estar diante de um novo santo da Igreja
Católica, até porque ele é comparado a São Francisco de Assis. Mas
é ao vê-lo encontrar o monge moribundo que a ironia queirosiana
se instala quase claramente. Sabe-se que um dos pecados que
devemos combater, segundo os preceitos da religião católica, é a
gula. E, exatamente, na hora da morte o velho clérigo sonha com um
pernil de porco. Querendo fazer o bem, sua obsessão, Frei Genebro
é crudelíssimo com um animalzinho que, por armadilha do destino,
atravessa seu caminho. Ele satisfaz a gula do moribundo às custas da
vida de um porquinho.
Parece-nos clara a visão “realista” do mundo: muitas virtudes
esconderiam falhas gravíssimas, mesmo entre os homens mais
santos. Os princípios do evolucionismo darwiniano e do determinismo
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taineano estão presentes: sempre vencem os mais fortes e esses
agem de acordo com seu tempo, seu meio, suas condicionantes
biologias etc.
Queremos que vocês observem que analisar poemas e
narrativas não signifi ca apenas descrever seus elementos, mas
signifi ca relacionar esses elementos, produzindo sentido para
os textos. Para isso, precisamos recorrer à Filosofi a, à História, à
Psicologia, à Estética, à Sociologia etc.
A Literatura não é um discurso intransitivo, é um discurso que interage com múltiplos campos de saber.
LEITURA RECOMENDADA
Sugerimos que você leia mais sobre o assunto “poesia” nos seguintes endereços: www.
lusofoniapoetica.com , http://www.clubedapoesia.com.br , www.ofi cioliterario.com.br , www.recantodasletras.uol.
com.br
3 ATIVIDADES
1. Preencha as lacunas, relendo os poemas e as narrativas que abordamos até agora.
Texto 1:Isto
Fernando Pessoa
DIZEM que fi njo ou mintoTudo que escrevo. Não,Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,O que me falha ou fi nda,É como que um terraçoSobre outra coisa ainda.Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meioDo que não está ao pé,
Livre do meu enleio,Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Fonte: www.portalsaofrancisco.com.br/.../fernando-pessoa/isto.php
a) O poema “Isto”, de Fernando Pessoa, é uma FORMA _____________(LIVRE/FIXA).
Seus VERSOS são _____________(IRREGULARES/REGULARES) quanto à métrica.
b) Observe as rimas da primeira estrofe. São _________________ (EXTERNAS/
INTERNAS), _____________________(POBRES/RICAS), _________________
(ASSONANTES/CONSOANTES).
c) O esquema de rimas da segunda e da terceira estrofes é __________________________
(IGUAL/DIFERENTE) ao da primeira, no que tange à ordem dos sons coincidentes.
d) Na primeira estrofe, as rimas em [ão] sugerem, quanto ao sentido dos vocábulos cujos
AATIVIDADESTIVIDADES
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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sons são similares, que o eu-lírico ____________________(NEGA/ACEITA) o uso do
sentimento no fazer poético.
e) Ainda na primeira estrofe, as rimas em [into] sugerem, quanto à seleção e relação
entre os vocábulos que ___________________________(SENTIMENTOS NA
POESIA SÃO VERDADEIROS/SENTIMENTOS NA POESIA SÃO FALSOS).
2. A partir da leitura do poema de Fernando Pessoa, “Isto”, seria possível afi rmar que
o fazer poético depende de uma atitude de fi ngimento estético por parte do poeta?
Justifi que com versos do poema sua resposta.
3. Leia o conto abaixo, de Fernando Bonassi, escritor contemporâneo que, em suas
narrativas, problematiza toda a tradição contística, dissolvendo a estruturação em
parágrafos, condensando ao extremo a ação, tematizando o mais cru cotidiano, mas
num processo de reinvenção da linguagem que o torna poético, e responda, depois,
aos itens propostos:
Cesta BásicaFernando Bonassi
Esse saco de feijão nos poria de pé, não fosse um fardo pesado pra carregar envergado. Uns quilinhos de arroz até que vêm a misturar, pondo o preto e o branco em pratos limpos. Carne fresca, só a nossa mesmo e olhe lá! Umas meio loucas, outras tantas destemperadas por alhos, bugalhos e cebolas que nos fazem chorar de emoção. Uma pitada de sal poderia nos conservar melhor, atenuando a memória do infortúnio que não é pequeno. Acontece que os encostos espirituais esfomeados também precisam ser venerados em trabalhos encruzilhados. E assim espantamos maus olhados que só vendo à luz de velas! O café torrado deve ser pra fi car acordado na escura jornada noite adentro, pensando no que vale a pena desse teatro de marionetes. Vale a pena de morte desses bichos que o diabo do empresário amassou nas latinhas de conserva? Valem as sardinhas exploradas como operários escorchados nos ônibus lotados? Quantos espinhos vamos ter que engolir pela garganta com o perfume de rosas de plástico das embalagens à vácuo? Nenhum, se tivéssemos mínimo respeito para com a fl ora do intestino alheio. Respeito a gente gosta. E também de mamar num peito que acolha o coitado. Problema é que o leite é desnatado (nem faz bigode e parece ter saído de pedra!). O que fazer de um creme ralo que se dissolve ao menor contato com a nossa atmosfera viciada? Aliás: droga, sexo e chocolate, que é bom, não tem pro nosso paladar. No que é que isso pode dar? Cadeia? Mais prisão do que a cidade abandonada que ocupamos de panos encardidos e moleques reprimidos? Tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda?! Será esse meu destino miserável de prazeres? Querer muito mais do pouco que podemos não queremos, mas o que dizer dessa farinha chutada no peso? E dessa manteiga rançosa de esperança? A polpa dos nossos tomates tem a cor da paciência inchada; portanto, se o macarrão tiver ovos mesmo, que seja um par deles e roxos como os de boteco, pra agüentar o repuxo do muito que falta. Uma das caixas ainda se destina à “manjar”, como se não tivéssemos sensibilidade pra perceber a situação! Enquanto nós, os fodidos, estamos indo com o fubá, outros bacanas já receberam embaixadas distantes e coquetéis de camarão. Caviar e azeitonas é melhor nem pensar, pra não desvairar de vez. Você acha justo? Esse milho que eu queria verde, por exemplo, é ervilha cozida com gosto de massa corrida. Essa marmelada açucarada tem a pretensão de acabar com a minha amargura? Uma mistura que pode dar bolo, se tivéssemos motivo pra festas. Onde já se viu?! Não é de enjoar no estômago?! Quem nasceu pra óleo de soja, nunca experimentará azeite de grego? E o vinho da ceia, já que nos fazem dar graças a Deus por tudo de mal que nos acontece por acaso? O pão nosso de cada dia não nos dão hoje. Nem ontem, nem amanhã. Uma seleta
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de legumes confunde os ingredientes que a natureza separou pacientemente na evolução das espécies. Um tempero que se diz completo, como se fosse possível nesse mundo de ilusão... Quanto às salsichas enrugadas os senhores de bens que enfi em naquele lugar perfurado. Nossa parte queremos em satisfação e requinte.
Fonte: http://www.webwritersbrasil.com.br/bco_contos.asp
Responda, agora:
a) Por que as carnes nos “fariam chorar de emoção”? Elas trazem algum sentido
simbólico? Qual? Justifi que com frases do conto.
b) O enredo segue uma ordem linear? Justifi que sua resposta, resumindo, em poucas
linhas o conto.
c) Existem clímax e desfecho nesse conto? Aponte-os caso existam e justifi que sua
resposta.
d) O conto “Cesta Básica”, como alude o título, constrói-se a partir de metáforas que
remetem o leitor a um jogo entre vida e fi cção. Escolha uma metáfora e comente-a.
4. Leia o romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, disponível para download em
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action
=&co_obra=2042 , e responda às questões abaixo:
a) Por que os protagonistas têm nomes diferentes do título do romance, já que este se
refere a eles?
b) Qual a função da personagem FLORA na narrativa?
c) Há relação entre o conteúdo fi ccional e o momento histórico brasileiro? Justifi que.
3 CONCLUSÃO
Nesta unidade, desenvolvemos um trabalho de leitura,
compreensão e interpretação de alguns textos literários,
objetivando, com isso, um exercício cada vez mais crítico por parte
do leitor. Consideramos que, através de tal exercício somado ao
conhecimento de outros textos e outras formas de se lidar com o
objeto artístico, mediante exposição nas unidades anteriores, o
leitor, consequentemente, foi capaz de produzir novos e diferentes
sentidos aos textos aqui estudados. Por conseguinte, concluímos que
você certamente expandiu seu conhecimento de mundo, verifi cou
um alargamento do horizonte de expectativas e experimentou novos
desafi os no que diz respeito ao tratamento com a leitura literária.
LEITURA RECOMENDADA
CANDIDO, Antônio. Forma-ção da literatura brasilei-ra. São Paulo: Edusp, 1975.
CHIAPPINI, Lígia. O Foco Narrativo (Ou a polêmica em torno da ilusão). São Paulo: Ática, 2002.
SARAIVA, António José; LO-PES, Óscar. História da li-teratura portuguesa. 17. ed. Porto: Porto Editora, 2001.
Domínio Público. Disponí-vel em <http://www.domi niopublico.org.br>
4 RESUMINDO...
Nesta unidade você estudou A leitura da narrativa. Aprofundou os
estudos iniciados nas unidades anteriores e elevou o nível de leitura a
partir de análise dos textos literários presentes neste módulo.
RESUMINDO
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Introdução aos estudos Literários: análise de poemas, dramas e narrativas
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5 REFERÊNCIAS
Baixa tudo. Os Maias. Disponível em <http://www.baixatudo.com.br/os-maias>
Citador: Balada do poema que não há. Disponível em <http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refi d=200809210004>
Clube da poesia. Disponível em <http://www.clubedapoesia.com.br>
Cultura Brasil. Disponível em <http://www.culturabrasil.pro.br/bocagesonetos.htm>
Domínio Público. Esaú e Jacó. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2042>
Flaonze Download Brasil. Disponível em <http://fi fa08brasil.blogspot.com/2009/04/serie-os-maias-download.html<
Ilimitado. O Crime do Padre Amaro. Disponível em <http://ilimitado.us/download-o-crime-do-padre-amaro/>
Livros e afi ns. Download de obras e textos. Disponível em <http://www.livroseafi ns.com/download-baixar-livros-gratis>
Luso poema. Amor e Amor. Disponível em <http://www.lusopoemas.net>
Lusofonia Poética. Disponível em <http://www.lusofoniapoetica.com>
Ofício Literário. Disponível em <http://www.ofi cioliterario.com.br>
Pedro Sette-Cêmara. Disponível em< http://www.pedrosette.com/>
Portal São Francisco. Obras de Fernando pessoa. Disponível em <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/fernando-pessoa/index.php>
Recanto das Letras. Disponível em < http://recantodasletras.uol.com.br/>
Releituras. Disponível em <http://www.releituras.com/mbandeira_rondo.asp>
Sapo Vídeos. Elementos fotobiográfi cos de Eça de Queiroz. Disponível em <http://videos.sapo.pt/YHyyYg269PSDCrmIFB9L>
Vídeo Log. O mistério da estrada de Sintra. Disponível em <http://videolog.uol.com.br/video.php?id=388995>
Virtual Books. Disponível em <http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/download/Frei_Genebro.pdf>
Web Writer: Literatura na Web. Banco de contos e crônicas. Disponível em <http://www.webwritersbrasil.com.br/bco_contos.asp>
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