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Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Escola de Engenharia de São Carlos Universidade de São Paulo __________________________________________________________________ Plano de Pesquisa Angélica Irene da Costa Orientador: Prof. Dr. Miguel Antônio Buzzar As obras escolares do Plano de Ação do Governo do Estado (PAGE): A educação em novas formas

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Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

Escola de Engenharia de São Carlos Universidade de São Paulo

__________________________________________________________________

Plano de Pesquisa

Angélica Irene da Costa Orientador: Prof. Dr. Miguel Antônio Buzzar

As obras escolares do Plano de Ação do Governo do Estado (PAGE): A educação em novas formas

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Projeto de Pesquisa - Angélica Irene da Costa

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1 Resumo

O presente projeto de pesquisa se propõe a analisar e debater as obras escolares pertencentes ao

Plano de Ação do Governo do Estado (PAGE) da gestão Carvalho Pinto. A importância desse

plano no tocante à arquitetura, que visou a construção de equipamentos públicos e a

implantação de infraestrutura em todo o Estado de São Paulo, se coloca para além da mera

difusão da arquitetura moderna pelo interior paulista, ainda que apenas este fato seria de

fundamental importância. O conjunto de obras deixou sua marca na arquitetura nacional

justamente por não ter se prendido a formas e tipologias consagradas já presentes à época, mas

sim por buscar novas soluções que atendessem às inquietações sociais e dimensões políticas que

informavam a produção de seus autores.

No que diz respeito ao viés dos edifícios escolares, a importância dessas construções se torna

algo muito maior. Ao longo do estudo e análise da história da implantação desse tipo de edifício

no país, percebe-se que suas construções sempre foram guiadas por alguma espécie de norma,

ideologia ou discussão pedagógica acerca do espaço que a escola deveria possuir. Pode-se citar,

como exemplo, as pesquisas educacionais e sanitárias que guiaram as construções escolares do

início da era republicana ou ainda as proposições de Anísio Teixeira e sua Escola Nova que

marcaram as discussões pedagógicas na implantação do Convênio Escolar na década de 1940.

No Plano de Ação, no entanto, não houve exatamente uma base educacional na qual se

apoiaram os arquitetos. Partindo da hipótese de relativa independência entre os arquitetos e

pedagogos, o que parece ter ocorrido foi, do ponto de vista dos arquitetos, uma concepção que

vinculava a experiência que um edifício moderno propiciava, ou deveria propiciar, a um espaço

ideal da educação. Considerando que a solução arquitetônica desta articulação não foi única,

variando entre os arquitetos (ou grupo de arquitetos), a intenção do presente projeto é reunir

essas concepções e analisá-las criticamente, confrontando-as com o ponto de vista, ou melhor,

com as concepções educacionais dos pedagogos e demais profissionais da área de forma a

verificar as convergências, ou não, entre pedagogia e arquitetura. Indo além, e, partindo do

princípio de que o pensamento moderno incorpora uma dimensão pedagógica e que a mesma foi

assumida por parte dos arquitetos em seus projetos, essa pesquisa tentará demonstrar as

conexões entre os diferentes profissionais, mesmo que ela não tenha sido explicitada em textos.

Associado a isso, a pesquisa procurará analisar as formas trabalhadas visando o aumento na

sensibilidade do usuário, ou seja, de que maneira foram propostas as influências do edifício no

aprendizado dos alunos.

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2 Introdução

A arquitetura moderna no Brasil, além de ter seu desenvolvimento atrelado às mudanças e

necessidades surgidas em todo o mundo após a Primeira Guerra Mundial, também teve parte de

sua formação associada ao projeto de afirmação de uma identidade nacional. Esse projeto no

âmbito da arquitetura moderna desenvolveu-se a partir da década de 1930 (ainda que nas artes

plásticas e na literatura isso possa ser reconhecido nos anos 1920) e conheceu seu apogeu na

década de 1950 e em boa parte dos anos 1960, chegando a constituir um sistema que envolvia

várias dimensões e elementos da produção, veiculação e recepção de arte, arquitetura e cultura

de forma geral. Sistema esse que, grosso modo, estaria em pleno acordo com a formação, ou

fortalecimento do estado-nação brasileiro e sua aceitação pela população em geral. Na década

de 1950 e no início dos anos 1960, a formação de uma cultura nacional e o conseqüente

fortalecimento da identidade nacional aparecia como o contraponto ideológico para as políticas

desenvolvimentistas que tinham como meta a modernização do país e de sua economia.

Modernismo cultural e modernização da economia formavam um binômio substantivo do qual a

arquitetura moderna se nutria ao mesmo tempo que auxiliava a construir. Uma vez imersa nesse

sentimento de pertencimento e de nacionalidade, essa população se tornaria, ou poderia se

interpretar com partícipe do progresso desenvolvimentista que permitiria a entrada do país na

nova ordem mundial pós segunda-guerra. A Arquitetura Moderna Brasileira é, portanto,

tratando-se de uma definição resumida, um dos elementos que contribuiu para essa afirmação da

nação, já em pleno século XX.

O Estado buscava a transposição do país de uma sociedade arcaica e de base rural para uma

outra, mais moderna, tecnológica e urbana valendo-se do sentimento de nacionalidade, no qual o

modernismo e suas vanguardas, desde os anos 1920, estavam empenhados. 1

Convém citar que essas vanguardas, no Brasil, estavam comprometidas com uma

reinterpretação do primitivo e com a realização de uma aliança deste com o moderno. Isso, pois

acreditavam que a criação da nacionalidade brasileira estava intimamente ligada com o resgate

de sua raiz cultural colonial, época considerada pelos modernistas como morada da gênese da

cultura brasileira. Na verdade, essa consideração por si só já foi uma invenção, pois incorporava

em si a afirmação de que o Brasil era uma nação centenária. Na arquitetura, a análise feita das

obras construídas no período colonial forjou uma espécie de correlação entre elas e as obras

modernas, no referente à economia de meios e as formas simples e puras. Assim, a adoção de

1 Para estas questões ver BUZZAR, M. A. (2007). Difusão da Arquitetura Moderna Brasileira o caso do Plano de Ação do Governo do Estado de São Paulo (1959-1963). In: VII Seminário DOCOMOMO BRASIL, 2007, Porto Alegre, RS. Anais do VII Seminário DOCOMOMO BRASIL, 2007, Porto Alegre.

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uma linguagem moderna não iria contra a chamada identidade da cultura nacional, pois essa

mesma linguagem estaria entranhada na arquitetura brasileira desde sua “origem”.

Indo além da discussão sobre a formação da cultura nacional, alguns arquitetos brasileiros, na

época, já se encontravam envolvidos em outros questionamentos, que versavam sobre o papel

que caberia a essa arquitetura moderna nas transformações sociais e políticas pelas quais

passava o Brasil. Esses arquitetos, então, passaram a utilizar os espaços e as linguagens contidos

em seus projetos como um canal de comunicação à sociedade sobre suas idéias a respeito dos

caminhos pelos quais deveria seguir a mesma. E para esses profissionais, assim como para

grande parte da intelectualidade brasileira, o esforço fundamental moderno, como forma de ir

contra o caráter monumental da cultura vigente, deveria se concentrar na educação (MARTINS,

1987).

É exatamente neste ponto que se situa a importância dos projetos executados pelo Plano de

Ação do Estado de São Paulo (PAGE), criado na gestão do Governador Carvalho Pinto no final

da década de 1950 e início dos anos 1960. O Plano de Ação, cujo objetivo inicial se constituía

em construir equipamentos públicos de diversas funções por todo Estado, levando o progresso

para o interior e alterando, assim, o perfil econômico do território paulista, terminou por

alcançar muito mais que isso: construiu um conjunto de obras cujas realizações político-sociais

reverberaram por toda a arquitetura e sociedade brasileiras. Esses projetos repensaram os

espaços públicos como até então eram conhecidos, passando a valorizar a acessibilidade do

usuário aos serviços em detrimento da hierarquia institucional, dominante nesse tipo de

edificação.

Já em relação às escolas, tema central desse projeto, a transformação social causada pelas obras

do PAGE foi muito maior, isso em virtude da própria importância e significado que esse

edifício público possui historicamente.

O conceito de educação é intimamente ligado aos de democracia e cidadania. O primeiro desses

conceitos, a democracia, pode ser definida de maneira simplificada como a participação ativa

das pessoas na formação do governo e na vida em sociedade. Segundo vários pensadores, Marx

entre eles, todos os indivíduos são (ou tem aptidão para tal) responsáveis pela “construção” das

instituições sociais e tem poder para participar da vida política. No entanto, sabe-se que nem

todos têm acesso a esse tipo de participação. Ou seja, nem todos usufruem plenamente do seu

direito de cidadania, do qual a educação faz parte segundo o senso comum.

É interessante notar, para que a população em geral tenha conhecimento de seus direitos (e

deveres), dos quais a educação faz parte, ter acesso a escola é fundamental. Pois é ela que

permite, segundo Coutinho (1994):

...que toda a cidadania se aproprie da cultura e do conhecimento

produzido pela sociedade. A democracia não é apenas socialização da

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economia e da política, mas é também socialização efetiva do

conhecimento. Ora, o instrumento mais idôneo para propiciar essa

socialização é a Escola em seus diferentes níveis.

Nosella (2002) vai mais além. Valendo-se do termo pantakou (o todo educante) utilizado por

Platão, ele coloca que o espaço físico da Escola, e não só a idéia mais abstrata que se tem dela, é

responsável igualmente pela transmissão (e socialização) do conhecimento pela comunidade.

Em suas palavras:

O leitor [...] poderá entender porque Platão, ao falar do educador,

utiliza o termo pantakou (o todo educante). De fato, para o filósofo

grego, assim como para a maioria dos pedagogos, o processo

educativo não se restringe à relação individual entre professor e

alunos. Quem realmente educa é um ambiente geral, uma Paidéia, um

clima cultural complexo que envolve, num mesmo processo

educativo, alunos, professores, administradores da escola e

população. O espaço físico da escola, sua fachada e estrutura, o

jardim, as salas de aula, os corredores, a sala dos professores e do

diretor, enfim, toda a organização arquitetônica do espaço é parte

importante desse determinado ambiente que educa. (NOSELLA,

2002, p.13)

Dessa forma, o tema da educação e da problemática do ensino (dessa vez em sua modalidade

mais básica e pública) volta a fazer parte das inquietações desta pesquisadora. O que em um

primeiro momento se deu com uma análise crítica sobre o ensino de arquitetura, suas práticas,

métodos e renovações, com a dissertação de mestrado intitulada “Sérgio Ferro: Didática e

Formação”, agora se volta para o início, para o básico da educação. Ou seja, para o momento

intrinsecamente ligado ao período da vida que forma e molda o homem.

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3 Justificativa e síntese bibliográfica 3.1 Os edifícios escolares na Primeira República e o “Movimento das Escolas Novas” Segundo Santos e Azevedo (2003), as políticas educacionais em geral mudam de acordo com o

sistema político que as precedem. Indo além, sabe-se que todo o conjunto de experiências

pedagógicas de uma época, e não só as geridas por órgãos oficiais, são influenciadas pelas

transformações e contradições sociais sofridas por uma comunidade.

As alterações sofridas pela sociedade brasileira com a nascente industrialização provocaram

uma mudança de mentalidade dos governantes ainda no Império. Provavelmente influenciado

pela Missão Francesa, onde muitos de seus integrantes eram ligados a ofícios mecânicos e

industriais, o governo real procurou introduzir no Brasil um ensino artístico com bases oficinais

e industriais já no começo do século XVII. Assim como claramente mostra o decreto de criação

da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios em 1816 que buscava “o progresso da agricultura,

mineralogia, indústria e comércio através do estudo das Belas Artes com aplicação e referência

aos ofícios mecânicos” (DENIS, 1998, p. 184). Já na República, a multiplicação de variados

centros de pesquisa e ensino superior (entre eles a Escola Politécnica, inaugurada em 15 de

fevereiro de 1894) expressa uma clara intenção de transpor o país para uma era nova, em

sintonia com o contexto mundial. No entanto, o acesso a esse tipo de conhecimento ainda era

permitido apenas a uma minoria privilegiada da população.

E foi esse contexto social, então, que refletiu o modelo de ensino a ser buscado pela nascente

República, em seus primeiros anos: um ensino dinâmico e universal, que pudesse ajudar a nação

na transposição de uma sociedade colonial lenta para um país moderno. Essa busca encontrou

forma na progressiva laicização de toda a sociedade (o que, logicamente, influenciou o ensino) e

nos princípios positivistas, que passaram a ser pregados de forma oficial no Brasil republicano,

tanto política quanto ideologicamente. Princípios esses que defendiam um ensino público capaz

de alcançar a grande maioria da população que, alfabetizada e instruída, adotaria a

racionalização técnico-científica como princípio, ajudando a transformar o país em uma nação

civilizada. Pedagogicamente, esse novo ensino pretendia privilegiar o empirismo, calcado na

observação da realidade por meio dos sentidos, em detrimento de conceitos puramente abstratos.

Logo se percebeu que essa nova experiência pedagógica não mais condizia com a forma com

que a educação era transmitida até então. O local de ensino no Império era tido, muitas vezes,

como a extensão da casa dos professores, ou ainda eram utilizados como salas de aula salões de

paróquias e salas alugadas por conta do próprio mestre (BUFFA e PINTO, 2002). De fato, foi

somente na República que pedagogia e arquitetura foram emparelhadas em importância quando

da construção de edifícios escolares. Nas palavras de Buffa e Pinto (2002):

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A nova configuração que a Escola primária assume nesse período

exige, ao mesmo tempo, uma nova configuração espacial. Esses

edifícios deveriam atender a uma série de necessidades da nova

proposta de ensino. Os programas arquitetônicos passam a obedecer à

determinações dessa nova realidade escolar: classes seqüenciais,

ambiente administrativo, valorização do professor, novas relações

entre alunos. Como numa cidade ideal, os espaços são articulados de

forma a abrigar e instruir, não só pelo seu conhecimento, como

também pela sua articulação. (BUFFA e PINTO, 2002, p.45).

A solução adotada pelas escolas paulistas construídas na época visando atender essa nova

exigência pedagógica foi o que passou a ser chamado de forma genérica como “sistema

pavilhonar”, proposto pelos neoclássicos Ledoux e Boulée como tradução das idéias abstratas

de filósofos iluministas como Diderot e D’Alembert (KATINSKY, 2006). Esse sistema tratava

de projetar cada volume de forma que fosse totalmente adequado à sua função, para depois

agrupá-los ao redor de espaços fluentes de circulação. Surgiram então livros e tratados que se

ocupavam em detalhar as dimensões e disposições de cada um desses volumes (salas de aula,

sanitários, refeitórios e etc) de acordo com a iluminação, ventilação e acústica mais adequadas.

Esses “padrões” foram largamente utilizados na construção de prédios escolares,

particularmente, no Estado de São Paulo, passando a serem representativos da concepção de

educação, alem de, em tese, se adequarem à rapidez de construção exigida pela grande demanda

(BUFFA e PINTO, 2002). Ainda assim, apesar dos projetos escolares dessa fase da República

utilizarem-se de certo padrão tipológico, suas fachadas eram diferentes umas das outras. Muitas

vezes, o arquiteto autor da fachada era diferente do profissional que trabalhou nas áreas internas

da edificação, ficando a autoria final estabelecida ao primeiro. Em outras vezes, um mesmo

arquiteto dedicava-se a desenhar diferentes fachadas para um mesmo projeto tipológico. Afora

essas características, esses projetos (de autores como Ramos de Azevedo, Victor Dubugras,

Hipólito Pujol e Carlos Eckmann) se valiam geralmente da simetria e da disposição em alas (por

conta da separação dos alunos por sexo), e da conformação de pátios internos.

Já tecnologicamente, os edifícios escolares construídos no período (a partir de 1893 e chegando

até, aproximadamente, a década de 1920) no Estado de São Paulo pelo Departamento de Obras

Públicas (DOP) seguindo, geralmente, a trilha aberta pelo café (FERREIRA, CORRÊA e

MELLO, 1999), refletiam em parte as transformações trazidas pela crescente industrialização do

país. Os materiais utilizados eram o tijolo de barro e a madeira, a pedra e o ferro, esse último

símbolo da modernidade trazido com a Revolução Industrial. Por isso, ainda, havia a

necessidade de se evidenciar esses materiais, os sistemas e as funções de cada parte do edifício.

Muitas soluções, como as grandes janelas verticais dispostas para uma boa ventilação, refletiam

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os novos preceitos higienistas na época. Já visualmente, esses edifícios ainda buscavam a

imponência e o destaque com relação à cidade circundante. Nas palavras de Buffa e Pinto

(2002):

Prédios grandes, arejados, bonitos, destinados a cumprir sua

finalidade principal, a de ser escola, testemunham a valorização que o

Estado dava ao ensino e serviam, ainda, para que a população os

admirasse. [grifo nosso] (BUFFA e PINTO, 2002, p.32).

Apesar do número de escolas ter crescido de forma palpável até o fim da década de 1930, as

construções não foram suficientes e a República não logrou oferecer uma educação universal

para todo o país. No Estado de São Paulo, fatores como o grande crescimento da população e o

maciço êxodo rural provocaram um enorme déficit, que se procurou sanar com medidas

meramente paliativas, como redução da carga horária e aumento dos turnos. Como existia a

mentalidade entre parte da intelectualidade e dos políticos de que o analfabetismo era o grande

responsável pela demora do país em adentrar em uma era tecnológica e moderna, as discussões

passaram a girar somente em torno de soluções quantitativas, e não qualitativas.

Além disso, acontecimentos como a Primeira Grande Guerra provocaram uma mudança na

mentalidade de muitos intelectuais do país: as destruições e massacres vindos com o conflito

vieram de encontro à crença positivista de progresso trazido pela ciência em voga até então, o

que abriu espaço para o surgimento de várias outras ideologias ao redor do mundo.

Esses fatores combinados culminaram em um debate iniciado por um grupo de intelectuais

brasileiros que, ao mesmo tempo em que procuravam novas concepções pedagógicas que

pudessem atender às necessidades desse mundo não mais positivista, buscavam mostrar ao país

que a educação não se limitava à alfabetização tratada de forma apenas quantitativa. Para eles a

escola deveria ir além, preparando o aluno para pensar e atuar em um mundo em constante

transformação.

Esse movimento surgido em meados da década de 1920 ficou conhecido como Escola Nova e

seus debates político-pedagógicos tiveram decisiva influência na concepção espacial dos

edifícios escolares construídos quase 20 anos depois, no acordo entre o Estado e a Prefeitura de

São Paulo que ficou conhecido como Convênio Escolar, sobre o qual será tratado adiante. Na

verdade, segundo Romanelli (1989), o “Movimento de Escolas Novas”, como foi chamado, era

constituído por uma pluralidade de doutrinas educacionais diferentes, encobertas pela

denominação genérica de Escola Nova em virtude de suas semelhanças pedagógicas.

O principal representante desse movimento foi Anísio Teixeira, que baseou muitas de suas

idéias no pragmatismo do pedagogo americano John Dewey (SILVA, 2006).

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Teixeira nasceu em Caetité, na Bahia, em 12 de julho de 1900, em uma família de fazendeiros.

Após estudar em colégios jesuítas em sua cidade natal, na infância, mudou-se para o Rio de

Janeiro e formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1922. Logo se enveredou pelo caminho

do ensino, sendo nomeado, com apenas 24 anos, inspetor geral de Ensino do Estado da Bahia.

Após uma temporada de estudos nos Estados Unidos, onde tomou contato com as idéias de

Dewey, Anísio Teixeira voltou ao Brasil e foi nomeado secretário de Educação do Rio de

Janeiro em 1931, então Capital Federal, já no governo de Getúlio Vargas, onde se dedicou a

criar uma rede municipal de ensino completa, indo desde a escola primária à universidade.

Em abril de 1935 completou a montagem dessa rede no Rio com a criação da Universidade do

Distrito Federal (UDF), que poderia ter mudado o ensino superior brasileiro, mas que em função

de perseguições e acusações políticas de várias ordens foi extinta pelo Estado Novo chegando

inclusive a provocar o exílio do educador. Longe do país foi nomeado conselheiro da

Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 1946. Em 1947,

com o fim do Estado Novo, voltou ao Brasil e novamente se tornou Secretário de Educação da

Bahia. E foi nessa gestão que criou, em 1950, a Escola Parque, ou Centro Educacional Carneiro

Ribeiro.

O objetivo de Teixeira com esse centro era o de devolver à escola primária seu período letivo

completo, com um programa básico, contendo as ciências físicas e sociais e mais o ensino das

artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Ambos os ensinos foram divididos

em escola-classe (para o básico) e escola-parque (para as atividades sociais, artísticas e voltadas

ao trabalho). Em cada uma delas o aluno ficava meio período, constituindo assim uma educação

integral. Seus professores eram diversificados, cada um responsável pela função a qual era mais

qualificado e preparado. Além disso, prédios como o da biblioteca poderiam permanecer abertos

para o uso da comunidade, como salas de leitura ou para alfabetização de adultos (BUFFA e

PINTO, 2002).

Esse projeto terminou se colocando como um icônico reflexo das idéias de Anísio Teixeira. Para

o educador, a escola se fazia cada vez mais necessária enquanto a cultura, que se tornava

internacional, precisava de aspectos especiais para se manter e reproduzir, não conseguindo

mais fazer isso naturalmente através da transmissão de valores entre as pessoas. O mundo, antes

imutável, se encontrava cada vez mais envolvido com as transformações lançadas por uma

sociedade baseada na indústria. Assim, cabia à escola o papel de conservar as imagens da

própria cultura do país, na figura de seus ritos, cerimônias, histórias, lendas e sagas (RIBEIRO,

1960). Teixeira ainda defendia a descentralização administrativa do ensino; a adoção de um

sistema contínuo, onde a escola primária seria obrigatória, a secundária flexível e variada e o

ensino superior seletivo; o prolongamento do período escolar e a proibição do ensino noturno

(com exceção aos suplementares à educação diurna); o melhoramento das condições de trabalho

do professor; a abolição de imposições como livros didáticos e currículos rígidos e obrigatórios;

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o estabelecimento de exames de admissão para o primeiro e terceiro ano ginasial, para o

primeiro colegial e para a universidade; a divisão do curso superior em básico e profissional,

permitindo que escolas sem recursos ofereçam apenas o primeiro; o estabelecimento no ensino

superior de diferentes cursos em diferentes níveis, indo do técnico ao profissional, entre outras

idéias. Mas a principal defesa do educador era pela escola de forma pública e acessível a toda a

sociedade. Segundo Teixeira, a escola pública seria a personificação de uma nova estrutura

social, onde todos, independente de sua origem, se mesclariam, colocando suas crenças comuns

acima e de forma independente de suas crenças individuais. Seria, portanto, um lugar onde se

trabalharia a formação da consciência.

O “Movimento de Escolas Novas”, de certa forma, pode ser definido como uma síntese das

idéias de um de seus principais representantes, o educador Anísio Teixeira. Nas palavras de

Silva (2006, p.53):

A Escola Nova procurava formar hábitos de vida, de comportamento,

de trabalho e de julgamento moral e intelectual em todos os

brasileiros, sem selecionar e excluir, valorizando sempre no processo

de aprendizagem a relação entre a idade da criança e a classe à qual

deveria pertencer.

Em suma, o caráter educativo do movimento primava por um ensino mais profissionalizante e

voltado para a vida prática, buscando agir em toda a comunidade a fim de formar homens livres

para cumprir seu papel em uma sociedade democrática. Para isso, era necessário ampliar a

experiência escolar, através da incorporação de museus, teatros, centros esportivos e etc. De

fato, os princípios pedagógicos do movimento trouxeram implicações diretas para a arquitetura

de suas escolas, tanto funcionalmente quanto na espacialidade (MARTINS, CERÁVOLO e

SEIXAS, 1998). Os defensores da Escola Nova ainda defendiam o que chamavam de “escola

única”, ou seja, uma única estrutura pedagógica, comum para todo o Brasil, possibilitando uma

igualdade de oportunidades em todo o território nacional (SEIXAS, 2003).

Entre a divulgação das primeiras idéias de Anísio Teixeira e a implantação do Convênio

Escolar, houve alguns esforços para a implantação dos conceitos da Escola Nova na construção

de novos prédios escolares principalmente no Distrito Federal e nos Estados da Bahia, Ceará e

São Paulo.

Entretanto, alguns estudiosos da história da pedagogia no Brasil vêem esse movimento com

reservas. Segundo Ribeiro (1979), as reformas educacionais empreendidas no país na década de

1920 (por educadores como Lourenço Filho, no Ceará, Francisco Campos e Mário Casassanta,

em Minas Gerais, Fernando de Azevedo no Distrito Federal, Carneiro Leão em Pernambuco e

pelo próprio Anísio Teixeira, na Bahia) foram discutidas em âmbito internacional na última

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década do século XIX. Ou seja, o liberalismo na educação, aplicado no Brasil por esses

representantes das chamadas “idéias novas”, já havia sido discutido muito tempo antes nos

Estados Unidos e em alguns países europeus. Outras limitações do Movimento apontadas por

Ribeiro (1979) passavam pelo fato de serem todas as experiências regionais, portanto pontuais,

por se limitarem ao ensino primário e por dependerem da permanência dos referidos educadores

em cargos públicos, ou seja, pela falta de continuidade dessas reformas. Mas a principal

limitação, ainda segundo a autora, era o fato de o “Movimento de Escolas Novas” representar

um “transplante cultural” no ponto de vista pedagógico, ou seja, ele se baseava em idéias

estrangeiras, interpretadas de forma isolada do contexto do qual vieram fazer parte. Mesmo

assim, apesar dessa aparente superficialidade no que diz respeito à avaliação da realidade social

brasileira, a importância desses educadores não pode ser descartada, pois trouxeram à luz da

discussão o problema da educação para além de sua simples difusão, deixando claro que

também se tornava cada vez mais necessária a sua reestruturação (RIBEIRO, 1979).

3.2 O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” e as influências nas diretrizes da educação nacional Como já citado anteriormente, era desejo de parte dos setores sociais e políticos brasileiros de

que o Brasil adentrasse em uma nova era moderna e tecnológica. Esses setores da sociedade

reconheciam que uma economia baseada na agricultura de exportação não oferecia condições

para tal progresso, sendo a estimulação da industrialização a solução ideal para o impasse

econômico do país. Grosso modo, isso gerou um conflito entre os dois grupos brasileiros de

classe dominante (os ligados ao setor agrário e a nascente burguesia) que aglutinaram à sua

volta vários outros setores descontentes (como os “intelectuais desiludidos”, os “tenentes” e as

classes médias) com a política praticada no Brasil após a Revolução de 1930, marcada pela

inconstância na medida em que tentava “atender” a essa multiplicidade de interesses (RIBEIRO,

1979).

Um desses setores descontentes era formado pelos educadores que participaram do movimento

de reformas educacionais da década de 1920. Esses intelectuais, liderados por Fernando de

Azevedo, insatisfeitos com a tomada de medidas educacionais apenas paliativas pelo governo,

lançam em 1932 o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” que defendia, em linhas gerais,

uma escola pública, laica e gratuita. Segundo Guiraldelli Jr. (1990), o grupo responsável por

esse documento era bastante heterogêneo, composto por “liberais elitistas” como Fernando

Azevedo e “liberais igualitaristas” como Anísio Teixeira. Diferentemente de Teixeira, que,

como já visto, defendia uma escola democrática, aberta a todas as classes sociais e controlada

pela comunidade, Azevedo, buscando mesclar os princípios de Dewey (do qual Teixeira era

discípulo) com os de outros estudiosos, defendia uma educação que distribuiria os indivíduos na

sociedade de acordo com as suas aptidões. A sociedade seria hierarquizada de acordo com o

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talento de cada um, indo desde o trabalho manual até ao intelectual. Como Fernando de

Azevedo foi o redator do Manifesto, este acabou ganhando os tons de seu pensamento mais

voltado ao elitismo (GUIRALDELLI JR., 1990).

Apesar desse tom mais ameno do que o esperado, o Manifesto lançou indagações suficientes

para suscitar um grande debate pedagógico, que marcou o período entre 1931 a 1937, entre os

chamados “educadores católicos” e os defensores das já discutidas “idéias novas”. Segundo

Ribeiro (1979), o primeiro grupo foi conhecido por defender, entre outros pontos, a “educação

subordinada à doutrina religiosa (católica), a educação em separado, e, portanto, diferenciada

para o sexo masculino e feminino, o ensino particular, a responsabilidade da família quanto à

educação etc” (RIBEIRO, 1979, p. 104). Já o segundo grupo, como já visto, defendia a

gratuidade, a laicidade e a responsabilidade pública pelo ensino, entre outros.

O conhecimento do debate entre essas duas correntes mostra-se importante para o próprio

conhecimento do plano educacional que viria a ser implantado oficialmente no Brasil. Na

Constituição de 1934, o governo procurou atender as reivindicações dos dois grupos no tocante

à educação: a obrigatoriedade do ensino religioso é mantida, mas passa a ser atribuída à União a

competência de organizar as diretrizes da educação nacional (RIBEIRO, 1979). Além disso, o

documento colocou também que o ensino primário deveria ser obrigatório e gratuito, mas

reconheceu os estabelecimentos de ensino privado. É interessante observar que, mesmo apesar

das concessões dadas para os educadores católicos, o resultado final da Carta Magna foi

considerado pelos liberais como bastante além das suas expectativas iniciais, em virtude da

maioria conservadora dos deputados presentes na Assembléia Nacional Constituinte

(GUIRALDELLI, 1990). Convém lembrar que a Constituição de 1937, outorgada pela ditadura

getulista, inverteu algumas medidas democratizantes do documento anterior (desobrigando o

Estado de manter o ensino público, por exemplo). Apesar disso, as Leis Orgânicas do Ensino

que tiveram início com Gustavo Capanema no comando do Ministério da Educação e Saúde

(decretadas entre 1942 e 1946) cederam às necessidades objetivas da época e anularam muitas

das medidas educacionais reacionárias da última Constituição, devolvendo a obrigação do

ensino primário gratuito e obrigatório e adotando vários princípios defendidos pelo Manifesto

de 1932. (GUIRALDELLI, 1990). Essa Carta Magna ainda foi responsável pela obrigação do

ensino de trabalhos manuais em todas as escolas primárias, normais e secundárias, em uma clara

orientação pela preparação de um número cada vez maior de mão-de-obra para a indústria

crescente. (RIBEIRO, 1979). Entretanto, segundo Romanelli (1989), em virtude do padrão de

consumo e industrialização brasileiros, que primavam pelo atendimento das exigências da elite e

pela utilização de know-how (tecnologia) importado, essa educação da mão-de-obra se

qualificava mais como um treinamento, se mantendo a separação entre o ensino voltado para o

trabalho intelectual e o manual (destinado às classes menos favorecidas), significando, para

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essas pessoas, uma melhora de posição dentro do próprio grupo e não uma possibilidade de

ascensão social.

3.3 O Convênio Escolar e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional No campo da arquitetura, apesar de toda essa discussão pedagógica que se manteve no período,

nota-se que os projetos de edifícios escolares que levavam em conta os preceitos da Escola

Nova formaram uma minoria em comparação aos demais construídos entre 1920 e 1950:

enquanto que, no Estado de São Paulo, foram construídas cerca de 400 escolas (SILVA, 2006),

os grupos escolares de inspiração escolanovista não passaram de 11, concentrados na capital. E

mesmo as construções que não se prendiam aos novos conceitos pedagógicos não foram

suficientes para sanar o déficit de vagas que continuava crescendo em todo o país,

principalmente no território paulista.

A fim de solucionar esse problema é firmado no fim da década de 1940, em paralelo às

atividades do DOP, o Convênio Escolar. Nele, ficou-se estabelecido que, enquanto o Município

de São Paulo ficaria encarregado da construção dos edifícios escolares, o Estado ficaria

responsável por administrar o ensino. O Convênio construiu mais de 700 obras destinadas à

educação entre bibliotecas, teatros e parques infantis (SILVA, 2006), das quais 70 eram escolas

(FERREIRA e MELLO, 2006), edificadas entre 1949 e 1954, ano do 4o centenário da capital.

Na época, após o fim do Estado Novo, e durante os anos 1950, o país passou por inúmeras

transformações. Com a instalação de multinacionais do setor automotivo, o número de veículos

e de rodovias, necessários para o transporte dos bens de consumo e produção, cresceu

vertiginosamente. Em São Paulo esse crescimento se deu de forma muito mais expressiva,

acompanhando o aumento da população, o que ocasionou uma urbanização desordenada e

conseqüentes tensões sociais. Segundo Martins (1998), o crescimento da cidade na época se deu

tanto verticalmente quanto horizontalmente, com a ocupação dos sub-centros periféricos como

Vila Madalena e Pinheiros, o que passou a exigir a construção, obviamente, de mais

equipamentos de infra-estrutura nessas áreas.

Além disso, os já citados fenômenos de industrialização e urbanização, que vinham se formando

desde décadas anteriores, culminaram, nesse período, em transformações sociais e culturais

ligadas ao surgimento de novos grupos sociais, como os operários, as camadas da população

oriundas do setor terciário e a burguesia industrial. Esses grupos passaram a encarar a educação

como forma de ascensão ou ainda de manutenção do status social, o que provocou um aumento

da procura por vagas nas escolas (BUFFA e PINTO, 2002).

E foi nesse contexto que foi implantado o Convênio Escolar. Entre os responsáveis, na

qualidade de arquiteto-chefe da Comissão Executiva do Convênio estava o jovem arquiteto

Hélio de Queiroz Duarte, que havia participado recentemente de uma experiência pedagógica na

Bahia sob a orientação de Anísio Teixeira. Participaram também do Convênio os arquitetos

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Eduardo Corona, Roberto Goulart Tibau, R. Carvalho Mange, Oswaldo Correa Gonçalves, entre

outros (KATINSKY, 2006).

Como já mencionado antes, o Convênio Escolar foi profundamente influenciado pelos

princípios pedagógicos da Escola Nova, que procurava formar um novo homem apto a

participar de uma sociedade industrial e tecnológica em constante transformação. A tradução

arquitetônica que os arquitetos do Convênio deram para essas idéias passou por uma nova

concepção do espaço escolar, capaz de servir de equipamento para essa nova sociedade. Assim,

procurou-se diminuir a escala dos edifícios tanto interna quanto externamente, a fim de que os

mesmos não fugissem à escala dos usuários (as crianças) e não se destacassem em relação à

paisagem urbana, em uma espécie de negação à monumentalidade das escolas anteriores,

considerada um reflexo da sociedade hierarquizadora que queriam transformar. Além disso, os

envolvidos nas obras do Convênio sempre buscaram uma eficiência técnica e uma

racionalização que logo caminhou para a padronização tanto técnica quanto funcional, através

de pesquisas e conseqüente sistematização dos resultados obtidos. Hélio Duarte, em seu texto

“O problema escolar e a arquitetura”, publicado na Revista Habitat de 1951, chegou a afirmar a

racionalização como necessária para a obtenção da quantidade de construções desejada

(DUARTE, 1951). Assim, apesar de algumas pequenas diferenças de projeto entre escolas de

arquitetos diferentes, os princípios básicos das construções eram mantidos.

O acordo do Convênio Escolar durou até 1954, ou formalmente até 1959. Convém ressaltar que

durante esse período, como já foi dito, a construção de escolas na capital ficou a cargo de uma

Comissão Executiva que atuou de forma independente do DOP. Após essa data, as obras

escolares, que continuaram a cargo do DOP, passaram também para a responsabilidade da

Comissão Municipal de Construções Escolares (em âmbito municipal) e para o Instituto de

Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp) (SILVA, 2006). Esses órgãos tiveram que enfrentar

um significativo déficit de vagas principalmente no interior do Estado, onde o Convênio não

atuou e onde o crescimento populacional continuava expressivo. Assim, mais medidas paliativas

(como a diminuição da carga horária e a adaptação do funcionamento de escolas em prédios não

concebidos para isso, como barracões e etc.) foram tomadas, o que deixou insatisfeita uma

população cada vez mais urbanizada, organizada, consciente e atuante na luta pelos seus direitos

básicos, tendo apoio, agora, dos meios de comunicação e da opinião pública. De acordo com

Ribeiro (1979), essa população, que passava por um período de euforia econômica em virtude

da política nacional-desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek estava conhecendo

uma situação que agregava:

[...] diversificação das atividades econômicas criando novos

empregos em quantidade e qualidade, manutenção da exploração da

mão-de-obra como forma de acumulação; modificação, em parte, da

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situação de um certo contingente desta mão-de-obra (operariado

urbano), que, pelas poucas vantagens conseguidas e pela natureza e

localização de seu trabalho (fábrica/ cidade), conquista alguma

condição de manifestação de seus interesses; ampliação do setor

médio agora integrado no processo de desenvolvimento. O que se

destaca nesse período de forma específica na sociedade brasileira é o

novo grupo, em formação desde 1951, composto de dirigentes

brasileiros de empresas estrangeiras, diretores, engenheiros,

advogados, relações públicas, cujos interesses estão intimamente

relacionados com os dos grupos (estrangeiros) que detêm tais

empresas. (RIBEIRO, 1979, p. 143)

No tocante à educação, o período entre 1946 e 1961 foi marcado por intensas discussões entre a

centralização e a descentralização do ensino, e entre os defensores da escola pública e da escola

privada. Desde a Constituição de 1946, que dava à União a competência de legislar sobre as leis

de diretrizes e bases da educação foram sendo elaborados anteprojetos sobre o assunto, cujos

principais debates giravam em torno dos temas citados. Novamente, a polarização das idéias se

deu entre os educadores católicos e entre os defensores das “idéias novas”: no tocante à

centralização, os primeiros eram contrários a ela, pois entendiam que uma maior intervenção do

Estado, necessária a essa citada centralização na educação, propagaria sua ideologia (contra a da

Igreja) e iria contra a liberdade da família. Já o segundo grupo também era contrário à tendência

do governo de centralização, pois entendia que isso atrapalharia “o processo educativo como um

processo onde as adaptações às diferenças regionais e individuais exigiam a descentralização”

(RIBEIRO, 1979, p. 136).

Já no que diz respeito aos ensinos público e privado, os dois grupos divergiam: os católicos

eram favoráveis à escola particular, pois, a grosso modo, argumentavam que a escola pública

tinha condições de desenvolver apenas a inteligência do indivíduo, não possuindo uma filosofia

adequada à formação do caráter. Além disso, acusavam os defensores da escola pública de

serem socialistas ou comunistas e ligavam, inclusive, o aumento da criminalidade à propagação

da escola gratuita. Já os educadores que apoiavam essa nova pedagogia rebatiam as acusações

dizendo que nem a família, nem o Estado, deveriam determinar o tipo de formação do

indivíduo. Para os defensores das “idéias novas”, cada um deveria ter a liberdade de ser

responsável pela própria formação, sendo, para esse fim, a escola pública a mais adequada.

(RIBEIRO, 1979). Florestan Fernandes, ainda, argumenta que as escolas religiosas sempre se

dirigiram aos interesses de grupos privilegiados da sociedade, contribuindo para a manutenção

desses privilégios. A escola pública seria, dessa forma, um grande avanço para a

democratização do Brasil.

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Após intensos debates, então, foi aprovada, em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional. Apesar das discussões, seu texto final não justificou tamanha reação, como a descrita,

de defesa dos partidários da escola particular. Não houve, por parte do Estado, nenhuma

restrição ao ensino privado. Segundo Horta (1982), inclusive, a busca pelo atendimento a essas

duas correntes provocou o esvaziamento de ambas e a “idéia de um planejamento integral da

Educação nacional é substituída pela expressão ambígua de “plano de distribuição de recursos””

(HORTA, 1982, p. 49).

3.4 O Plano de Ação Apesar do resultado final da LDBEN, a discussão pedagógica do período foi muito profícua à

educação do país. E foi em meio a esses debates, que se interpunham às já citadas pressões de

ordem pública, que em 1959 o governador do Estado de São Paulo Carvalho Pinto criou, junto a

uma equipe de profissionais, o chamado Plano de Ação. Esse plano visava a construção, por

todo o Estado, de uma série de edifícios públicos (como postos de saúde, edifícios prisionais,

fóruns e etc) a fim de sanar várias deficiências que São Paulo possuía nessas áreas. No que diz

respeito à educação, a meta do governo era incorporar a totalidade das crianças em idade escolar

ao ensino e aumentar o tempo de permanência nas escolas, o que significava a construção de 7

mil salas de aula destinadas ao ensino primário e outras 1100 ao ensino secundário e normal

(FERREIRA e MELLO, 2006). Para isso, foi criado o Fundo Estadual de Construções Escolares

(Fece), que tinha a responsabilidade, entre outras funções de planejamento, de fazer um mapa

do déficit de vagas no Estado. Para construir esses edifícios, foram dadas a incumbência a

órgãos que já atuavam na construção das escolas paulistas, como o DOP e o Ipesp, este último

atuando como agente financeiro, responsável pela captação de recursos, assim como também

alguns bancos estatais. Convém mencionar que cada um desses órgãos trabalhava de maneira

diferente, de acordo com sua própria estrutura. Enquanto o DOP possuía uma equipe fixa de

projetistas, o Ipesp aplicava seus recursos fazendo a contratação de terceiros (SEIXAS, 2003).

Além dessa, outra característica que diferenciava a produção dos dois órgãos era a opção pela

padronização: o DOP, em seus projetos, se utilizava de normas projetuais e construtivas,

desenvolvidas por seus próprios profissionais, que terminaram por levantar questionamentos

sobre sua funcionalidade devido a problemas em sua aplicação, como inadequação aos terrenos

e reduzida capacidade de ampliações (CORDIDO, 2007). Já o Ipesp contratou para a confecção

de seus projetos uma série de escritórios paulistas de arquitetura ligados a idéias modernistas.

Esses arquitetos, entre eles Vilanova Artigas, propuseram à coordenação do Plano que fosse

abolida a padronização em prol de uma maior liberdade de projeto, a fim de que cada obra

fosse melhor adequada ao terreno, à insolação do lugar e às necessidades de cada comunidade.

Segundo Cordido (2007, p. 128):

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O reconhecimento deste questionamento, certamente à crítica dos

arquitetos citados, ia além dos problemas de implantação, mas foi

através deles que a produção do DOP passou a ser inicialmente

inquirida e encontrou, pelo PAGE, uma proposta para um processo

mais amplo nas iniciativas públicas, em que ações “modernas”

compreenderam não só projetos, programas locais e uso de novas

tecnologias, mas também a abertura para fluir a prática de uma nova

visão arquitetônica que questionava fundamentos teóricos e valores

anteriores presentes nos edifícios públicos.

Alguns desses projetos modernos, entre eles as escolas de Guarulhos e Itanhaém, ambas do

próprio Artigas, inovaram o edifício escolar pela sua espacialidade própria, onde um único

volume tornava-se o responsável por agregar várias funções, e o pátio central originava um

espaço de convivência e congraçamento, o principal de toda a escola. Arquitetonicamente, isso

significou uma geometria marcante, grandes vãos, muita luminosidade e jardins internos, além

de caixilhos instalados de modo a respeitar a escala do aluno (SILVA, 2006). A grande

diferença entre os edifícios escolares do Plano se deu, entre outros motivos que o presente

projeto se propõe a investigar, pela forma com que os escritórios eram convocados: não ocorria

a análise e conseqüente disputa de projetos através de uma concorrência, mas sim havia um

simples cadastro, de onde os arquitetos eram chamados conforme a posição ocupada (SEIXAS,

2003).

A contribuição desses arquitetos do Plano de Ação para a arquitetura escolar foi imensa, na

medida em que se aumentou a participação e a troca de idéias. Para a profissão de arquiteto esse

período também foi importante, pois pela primeira vez profissionais liberais, antes restritos

apenas à iniciativa privada, participavam de projetos públicos. No entanto, na opinião de alguns

estudiosos do assunto como Katinsky, Buffa e Pinto, para a implantação do Plano de Ação não

houve nenhuma discussão ou preceitos pedagógicos nos quais os arquitetos se apoiaram, ao

contrário do Convênio Escolar que lançou mão dos conceitos da Escola Nova, por exemplo.

Segundo Katinsky (2006, p.37):

Não houve uma discussão dos rumos da educação desejável, nem dos

recursos técnicos adequados ao ritmo de industrialização que o

Estado sofria, ou poderia se beneficiar. Os arquitetos foram

convocados para colaborar em um ambicioso “Plano de Ação”, sem

dúvida positivo sob muitos aspectos, mas sem continuidade com a

sociedade civil.

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Já SILVA (2006) considera essa questão de forma diferente. Para a autora, essa falta de

interlocução dos arquitetos do Plano com os pedagogos não significou uma contradição em

relação ao cotidiano escolar existente ou, ainda, uma indiferença em relação ao mesmo.

Segundo ela, essa desorganização ou desconstrução dos espaços e funções previamente

conhecidos não poderia ser relacionada a uma falta de concepção pedagógica, mas sim a uma

concepção diferente e radicalizada. Em suas palavras:

Para grande parte dos pedagogos e profissionais envolvidos no

cotidiano escolar, os aspectos negligenciados pela arquitetura

moderna provavelmente dizem respeito à perfeita adaptação do

edifício a sua função de conformação do aluno. Portanto, banheiros

distantes das salas de aula poderiam gerar, por exemplo, problemas

de disciplina para o professor. Mas qual é a distância ideal entre uma

sala de aula e um banheiro? O banheiro não seria, na escola

tradicional, o lugar de um certo perigo moral? E, nesse sentido, ele

não precisaria estar próximo do espaço do professor ou de outros

funcionários para ser mais bem controlado e para que o aluno

retornasse rapidamente à sala de aula? Mas, se a escola passou a ser

vista pelos arquitetos modernistas e por uma série de intelectuais

como o lugar apropriado para se levantar questões e críticas sociais,

talvez essa fosse uma questão que merecesse ser discutida. (SILVA,

2006, p.50)

Grande parte desse pensamento veio do desejo desses arquitetos de fazer da escola um lugar de

questionamentos, preparando e incentivando o aluno a discutir o mundo. Convém lembrar,

ainda, que estavam ocorrendo pelo país diversas discussões e experiências acerca de novas

formas de educação, capazes de promover essa inserção consciente do indivíduo na sociedade.

Os “Movimentos de Educação Popular” surgem na primeira metade da década de 1960 como

uma tentativa de superação do mecanismo já citado de “transplante cultural” (RIBEIRO, 1979).

Seu objetivo principal era o de que a população adulta passasse a intervir criticamente na vida

política do país, fazendo parte dela. Para isso, eram necessários novos modos de alfabetização.

Exemplos desse movimento são os Movimentos de Cultura Popular, o Movimento de Educação

de Base e, os que se tornaram mais conhecidos, os Centros Populares de Cultura. Esses últimos,

de origem ligada à União Nacional dos Estudantes, se valiam pedagogicamente de meios como

teatro de rua, montados em praças, sindicatos ou universidades, cujos temas versavam sobre

acontecimentos da época tratados em linguagem popular. Além disso, os CPC promoviam

cursos e exposições, entre outras formas de arte, que transformava-se no meio para a realização

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da crítica da realidade social (RIBEIRO, 1979). Como dito antes, apesar da influência de

experiências européias, esses movimentos passaram a desenvolver, conforme o contato com o

povo, métodos cada vez mais adequados à situação brasileira.

E foi no seio desses movimentos populares que surgiu a Pedagogia Libertadora, baseada nos

escritos de Paulo Freire das décadas de 1950 e 1960. Segundo Guiraldelli (1990, p. 122):

A Pedagogia Libertadora nasceu da conformação superestrutural da

época. Teoricamente foi forjada por três ideários muito presentes no

início dos anos 60. De um lado o nacionalismo-desenvolvimentista

isebiano que, [...]foi a ideologia que permeou o período . De outro, o

novo pensamento social da esquerda católica (solidarismo cristão).

Por fim, a vertente propriamente pedagógica, o escolanovismo, que

praticamente dominou a intelectualidade liberal no final dos anos 50.

O objetivo dessa pedagogia era, assim como nos Movimentos Populares, forjar uma nova

mentalidade no homem, conscientizando-o e engajando-o politicamente, tornando-o apto a

influir na sociedade. Ao contrário da escola oficial, que segundo essa doutrina colaborava com a

alienação do povo por ser autoritária e burocrática. Para a Pedagogia Libertadora a comunidade

seria o começo e o fim do processo educacional: seria dela que sairiam os “temas geradores”,

promotores dos diálogos e das futuras problematizações. Isso geraria uma conscientização maior

nos alunos a respeito da realidade, que se converteria em uma ação social, voltada à comunidade

onde todo o processo havia começado.

Essas experiências provocaram intensos debates entre a intelectualidade brasileira chegando,

provavelmente, ao conhecimento dos arquitetos envolvidos no Plano de Ação, a grande maioria

conectados com os movimentos nacionais de esquerda. Existe, portanto, a possibilidade de que

essas idéias também tenham influenciado pedagogicamente seus projetos escolares, mas não no

sentido da simples aplicação da pedagogia em si, mas sim no despertar do desejo nesses

arquitetos pela busca de novas formas de ensino, integradas com o edifício e indo para além do

tradicional. De qualquer modo, é explícito que houve um questionamento espacial nessas

construções. Segundo Silva (2006, p.50):

A discussão sobre o tema permitiria o surgimento da dúvida de que as

coisas tinham um sentido determinado e um lugar fixo. Como dizia

Roland Barthes, dominar é formalizar. A escola era, e ainda é em

muitos casos, o lugar do exercício da formalização, o lugar onde se

aprende como se deve pensar e agir a partir de um modelo

preconcebido e considerado ideal.

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Portanto, revolucionar o conceito de escola significava ir às raízes e

desconstruir a lógica do modelo precedente, permitindo a

multiplicidade de sentidos para um mesmo projeto arquitetônico.

Desse modo, não se trata de contradições da arquitetura moderna,

mas de uma vontade consciente de tornar explícito um movimento de

pensamento capaz de questionar os esteriótipos responsáveis pelo

desenho padrão da escola.

Essa opinião sobre a desconstrução do modelo preconcebido, aliás, refere-se diretamente a uma

outra, vinda do próprio Vilanova Artigas:

Dá-se que a condição de subdesenvolvimento, o mundo dos homens a

alfabetizar, exige a recusa decidida de alguns caminhos já

palmilhados. Para a arquitetura há caminhos a recusar. A nossa se

revela impaciente. Dá-se a proezas e audácias nem sempre

compreendidas. (ARTIGAS, 1970, p.13)

E é dessa segunda tese, portanto, que o presente plano de pesquisa pretende partir. Se não

existiu um plano pedagógico específico sobre o qual os arquitetos do Plano de Ação apoiaram

seus projetos, houve, em contrapartida, uma infinidade de concepções sobre o mundo e sobre a

educação, cada uma ilustrando uma obra. Cabe ao trabalho, agora, verificar quais eram essas

concepções pedagógicas únicas e verificar sua validade através da interlocução crítica com

profissionais da área da educação. Dessa forma, será possível estabelecer e provar a importância

que esses projetos arquitetônicos deixaram tanto para a arquitetura quanto para a educação

brasileiras.

4 Objetivos 4.1 Objetivos gerais Reunir e discutir criticamente as dimensões pedagógicas das concepções dos arquitetos que

atuaram no Plano de Ação, através da análise de seus projetos escolares, procurando verificar

como elas interagiam com as concepções pedagógicas strito sensu dos educadores.

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4.2 Objetivos específicos • Levantar e analisar as diversas reações ao contexto político, social e cultural do Brasil

entre os anos de duração do PAGE, procurando interpretar as diversas posições dos

autores que viveram e analisaram o período. Com isso pretende-se estabelecer a relação

entre contexto histórico e obras estudadas.

• Analisar a produção escolar do DOP (através da Companhia Paulista de Obras e

Serviços - CPOS, herdeira do antigo Departamento de Obras Públicas) e do Ipesp do

período imediatamente anterior à implantação do Plano de Ação, a fim de se reconhecer

os projetos -padrão ou as tipologias recorrentes das obras realizadas, verificando-se

assim as inovações perpetradas pelos projetos do Plano.

• Analisar os projetos da produção escolar do Plano de Ação, buscando verificar

agrupamentos de novas tipologias.

• Levantar e analisar as obras do Plano de Ação, selecionadas a partir do estudo anterior,

com visitas técnicas e entrevistas aos envolvidos (arquitetos e engenheiros).

• Realizar entrevistas a pedagogos e demais profissionais da área de educação a fim de

atestar a validade didática dos projetos do Plano.

• Realizar um quadro temático com as concepções de ensino dos arquitetos participantes

do PAGE.

5 Plano de Trabalho e Cronograma de Execução

O plano de trabalho da pesquisa estrutura-se a partir dos seguintes procedimentos organizados

em fases:

FASE 1 – Complementação da bibliografia inicial e sua revisão

I – levantamento nos mais diversos centros de documentação da historiografia do contexto

social, político e cultural das décadas de 1950 e 1960, em especial referentes ao Estado de São

Paulo.

II – levantamento da historiografia existente referente aos arquitetos participantes do Plano de

Ação.

III – levantamento da historiografia existente referente à pedagogia na construção de prédios

escolares.

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FASE 2 – Pesquisa de campo (parte I)

I – levantamento análise dos projetos e obras do período imediatamente anterior (ou

concomitante) à implantação do Plano de Ação, através de peças gráficas e fotos conseguidas

através do CPOS e do Ipesp.

II – levantamento e análise dos projetos e obras escolares pertencentes ao Plano de Ação através

da bibliografia coletada, peças gráficas, fotos, visitas ao local e entrevistas aos usuários.

FASE 3 – Início das discussões sobre a validade das experiências didáticas

I – análise das obras levantadas do PAGE pelo viés da intenção de seus autores, através de

entrevistas ou da bibliografia anteriormente levantada.

II – estudo da validade pedagógica das propostas levantadas, através de entrevistas à

profissionais da área de educação ou da bibliografia, também anteriormente levantada.

FASE 4 – Cruzamento e sistematização dos dados obtidos

I – cruzamento e sistematização dos dados obtidos tendo em vista a conceituação dos temas

abordados e a tese a ser defendida.

5.1 Cronograma de execução

Tendo em vista a organização do trabalho pelas etapas, o cronograma se distribui da seguinte

forma, verificada semestralmente:

A – Cumprimento dos créditos-disciplinas do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e

Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.

B – Realização dos procedimentos relativos à FASE 1 do Plano de Trabalho – Complementação

da bibliografia inicial e sua revisão.

C – Catalogação, leitura e análise do material obtido.

D – Realização dos procedimentos relativos à FASE 2 do Plano de Trabalho – Pesquisa de

campo (parte I).

E – Realização dos procedimentos relativos à FASE 3 do Plano de Trabalho – Início das

discussões sobre a validade das experiências didáticas.

F – Confecção e preparação para o Exame de Qualificação.

G – Organização e formatação do material coletado até essa fase.

H – Participação nos principais eventos que se relacionam ao tema da pesquisa.

I – Revisão e complementação do trabalho, redação e organização do trabalho final. Defesa da

Tese.

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ano 2010 2011 2012 2013 2014

semestres I II III IV V VI VII VIII IX

A X X

B X X

C X X

D X X X

E X X

F X

G X X

H X X X X X

ETA

PAS

I X X

6 Metodologia

Em termos metodológicos, o trabalho pretende guiar-se pelo estudo dos textos teóricos, pela

pesquisa bibliográfica e documental, pela pesquisa empírica e análise das obras construídas e de

seus respectivos projetos de arquitetura relativos às obras escolares do Plano de Ação. Além

disso, pretende-se tomar depoimentos de pessoas relacionadas à produção dessas escolas, assim

como de profissionais da área da pedagogia. Tais depoimentos serão coletados de forma em que

pese à preocupação com a qualidade do material coletado, visando a fidelidade com este.

Os principais arquivos e bibliotecas levantados que serão úteis no seguimento das propostas

descritas no plano de trabalho são: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo, Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo, Biblioteca da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade

de São Paulo, Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo,

Biblioteca da Faculdade de Educação, Arquivos da Companhia Paulista de Obras e Serviços

(CPOS) e Arquivos do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp).

Desse modo a reflexão teórica pela prática efetiva da pesquisa será estimulada, contribuindo

assim com a base documental existente sobre a arquitetura do período e conseqüentemente com

um melhor conhecimento da historiografia da arquitetura brasileira.

7 Forma de análise dos resultados A pesquisa pretende levantar, analisar e organizar o material disponível sobre os edifícios

escolares do Plano de Ação (PAGE), sendo escritos teóricos e projetos, adicionando-se

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depoimentos que contribuirão com idéias e opiniões para o entendimento do objeto pesquisado.

A organização do material coletado busca, partindo de uma abordagem original sobre o tema,

estabelecer uma análise crítica das experiências arquitetônicas e pedagógicas do Plano

contribuindo para uma revisão historiográfica da arquitetura brasileira e seus vínculos sócio-

político-econômicos, levando em conta do contexto social, político e cultural das décadas de

1950 e 1960, em especial referentes ao Estado de São Paulo.

Convém ressaltar que esse trabalho se insere dentre os que colaboram no desenvolvimento da

pesquisa intitulada “Arquitetura Moderna no Brasil e sua difusão: o caso do Plano de Ação do

Governo do Estado de São Paulo (1958-1961)” coordenada pelo Prof. Dr. Miguel Antônio

Buzzar. Além de alguns projetos de iniciação científica, outros trabalhos que se inserem nessa

pesquisa são: o desenvolvido por Maria Tereza Regina Leme de Barros Cordido em seu

doutorado, “Introdução dos Projetos Modulares na Produção Arquitetônica Forense em São

Paulo a partir do final de 1960 até os dias atuais: Concepções, Hierarquias e Representações do

Poder Judiciário” e o desenvolvido também pela mesma autora, então em seu mestrado,

intitulado “Arquitetura Forense do Estado de São Paulo: Produção moderna, antecedentes e

significados”, ambos os trabalhos se voltando também para a arquitetura forense do período do

PAGE. Assim, o presente plano de doutorado se apresenta apoiado em uma experiência firme de

pesquisa, mantendo também uma interlocução através da troca mútua de informações com os

demais trabalhos citados.

Por fim, o prosseguimento desse trabalho deve contribuir, sem dúvida, para o debate atual das

atividades do profissional arquiteto e suas responsabilidades frente às transformações do Brasil

e do mundo.

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