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UNAMA UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA - TURMA 2-2010 MARIA DE FÁTIMA DIAS PAES LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES: PERCURSOS E PERCALÇOS NO ENSINO FUNDAMENTAL BELÉM 2012

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UNAMA – UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E

CULTURA - TURMA 2-2010

MARIA DE FÁTIMA DIAS PAES

LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES: PERCURSOS E

PERCALÇOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

BELÉM

2012

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UNAMA – UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E

CULTURA - TURMA 2-2010

MARIA DE FÁTIMA DIAS PAES

LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES: PERCURSOS E

PERCALÇOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada à Universidade da Amazônia –

UNAMA como requisito à obtenção do título de Mestre no

Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. José Guilherme de Oliveira Castro

BELÉM

2012

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MARIA DE FÁTIMA DIAS PAES

LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES: PERCURSOS E

PERCALÇOS NO ENSINO FUNDAMENTAL

Esta dissertação foi apresentada e aprovada para a obtenção do título de mestre em Comunicação,

Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia-PA.

Aprovado em 13 de abril de 2012

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________________________

Profa. Dra. Josebel Akel Fares

Membro

_______________________________________________________________________________

Profa. Dra. Rosângela Darwich

Membro

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Lucilinda Ribeiro Teixeira

Membro

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. José Guilherme de Oliveira Castro

Orientador

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela minha existência, pela capacidade de pensar, de aprender, de refletir e por tudo

que consegui com muito esforço e trabalho.

A minha família, em especial minha avó e meus padrinhos que foram os responsáveis pelo

incentivo e motivação aos livros, na minha infância e adolescência. A minha querida mãe

Aldamira Paes, ao meu “menininho” de quatorze anos, Elaio Paes, ao meu amigo e

incentivador, Alfredo Costa, que sempre estiveram ao meu lado, sempre me incentivando com

uma palavra de ânimo me encorajando a superar os obstáculos financeiros e as cansativas

viagens, de ônibus, a Belém, quase todos os dias atravessando 68 km de estrada à noite.

A todos os professores do Programa de Mestrado da UNAMA pelos novos ensinamentos,

conhecimentos, conselhos, sugestões, palavras e incentivos durante o percurso do mestrado.

Sai diferente do mestrado e com vontade de nunca mais deixar de pesquisar.

Ao professor José Guilherme Castro pela paciência, pelos ensinamentos e pelos nossos

animados papos durante as aulas, orientações e correções da dissertação.

À turma de colegas bem animada e calorosa do mestrado. Aprendi muito com todos e

descobri que não importa a idade nem a experiência, sempre estamos aprendendo com o

outro.

Aos professores Carmen Lúcia Reis Rodrigues, Zilda Laura Ramalho, João Santiago,

Madison Rocha (UFPA Castanhal) e Leandro Passarinho (UFPA Bragança) pelo incentivo,

conselhos e sugestões. Aos professores Abílio Pacheco (UFPA Capanema) e Ester Negreiros

pela formatação no texto e pelas sugestões.

À direção, corpo técnico e professoras das duas escolas públicas estaduais do município de

Castanhal-PA nas quais fiz minhas observações, durante o levantamento de dados para esta

pesquisa.

A todos os meus ex-alunos que contribuíram para o meu desejo de aprender e entender cada

vez mais o tão complexo processo da leitura e escrita para que eu pudesse melhorar a minha

prática pedagógica.

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................. 06

ABSTRACT ............................................................................................................................ 07

REFLEXÕES DA SALA DE AULA ..................................................................................... 08

IMPRESSÕES DE UMA LEITORA... ................................................................................. 09

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................. 12

CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 16

O DESAFIO DA PRÁTICA DE LEITURA ........................................................................ 16

1. 1 CAMINHOS E DESAFIOS NO ENSINO DA LEITURA ........................................... 16

1. 2 CAMINHOS TEÓRICOS PARA ENTENDER A LEITURA ...................................... 24

1. 3 UM OLHAR SOBRE A LINGUAGEM E O TEXTO .................................................. 28

1. 4 A DIMENSÃO INTERACIONAL DA LINGUAGEM ................................................ 33

CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 38

O TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA ................................................................................ 38

2. 1 COMPREENDENDO A LITERATURA: ENCONTROS E DESENCONTROS ........ 38

2. 2 O TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA: UMA QUESTÃO EM JOGO ........................ 44

2. 3 O PERCURSO DA INTERPRETAÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA .... 50

CAPÍTULO 3 .......................................................................................................................... 57

A FORMAÇÃO DO LEITOR NA ESCOLA ...................................................................... 57

3. 1 A ESCOLA COMO ESPAÇO PARA SE ENSINAR E APRENDER A GOSTAR DE

LER ....................................................................................................................................... 57

3. 2 ESPAÇOS NA ESCOLA PARA SE LER: A BIBLIOTECA E A SALA DE AULA .. 63

3. 3 REPENSANDO A LEITURA E A INTERAÇÃO VERBAL ....................................... 65

CAPÍTULO IV ........................................................................................................................ 71

O ENSINO DA LEITURA NA ESCOLA ............................................................................ 71

4. 1 O CONTEXTO DA PESQUISA NAS ESCOLAS ....................................................... 71

4. 2 CONHECENDO AS ESCOLAS E SUAS CARACTERÍSTICAS ............................... 73

4.3UM ENCONTRO COM AS PROFESSORAS: SUAS PALAVRAS, SUAS

IMPRESSÕES SOBRE A LEITURA .................................................................................. 81

4. 4 O PROCESSO DA LEITURA/ TEXTO NA ESCOLA ................................................ 95

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 108

ANEXOS ............................................................................................................................... 114

APÊNDICE A – Entrevista: professor ................................................................................ 115

APÊNDICE B – Atividades de sala de aula da professora A ............................................ 116

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RESUMO

O ensino da leitura é um dos assuntos relacionados ao complexo mundo da linguagem, o qual

já foi muito discutido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Entretanto, o assunto está

longe de se esgotar, pois novos desafios se apresentam e ainda caminhamos no limiar da

descoberta de como ensinar e formar leitores. Torna-se leitor não é um processo natural, por

isso é preciso a interferência da escola e da cultura para o contato com textos de diversos

gêneros e, portanto, a interação entre autor-texto-leitor se faz necessária para que o aluno

consiga compreender e estabelecer sentidos para o texto. A presente dissertação visa a

observar e analisar a metodologia empregada pelos professores de Língua Portuguesa em suas

práticas pedagógicas com a leitura na escola pública. O estudo faz um levantamento dos

percursos e percalços da leitura sob a ótica de diversos autores que já pesquisaram sobre o

tema, principalmente nos estudos voltados para a linguagem/língua como processo interativo

entre sujeitos do discurso. Desta forma, a presente pesquisa está fundamentada em parte nas

ideias de Bakhtin (1988, 1992) de que a linguagem é essencialmente dialógica, também nos

estudos de Koch (2006, 2008), Kleiman (1989, 1999, 2006, 2008), Lajolo (2000), Solé

(1998), Antunes (2003, 2007), entre outros. A leitura, na escola, é vista pelos pesquisadores

como pretexto e decifração para simples avaliação, por outro lado o ensino da Literatura é

questionado porque é simples História da Literatura e esquecemo-nos do texto literário na sua

compreensão para aprender a descobrir os implícitos para a construção e reconstrução de

sentidos. Por fim, o objetivo primordial foi observar as práticas pedagógicas em relação ao

ensino da leitura de duas professoras, durante algumas aulas do 8ª ano do ensino fundamental,

em duas escolas públicas, no município de Castanhal/PA para coletar dados e estes foram

submetidos a uma análise de conteúdo na perspectiva dos fundamentos teóricos propostos.

Palavras-chave: Linguagem, leitura, interação, formação de leitores e professor reflexivo.

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ABSTRACT

The teaching of reading is one of the issues related to the world of language, which has been

much discussed by brazilian and foreign researchers. However, the issue is far from

exhausted, as new challenges present themselves and still walk on the threshold of

discovering how to teach and train players. The present work aims to observe and analyze the

methodology used by teachers of portuguese in their teaching practices with the reading of

literary texts in the public school. The study is a survey of the paths and pitfalls of reading

from the perspective of several authors who have researched on the subject, especially in

studies focused on the interactive process between languages as subject of discourse. Thus,

this research is based on the ideas of Bakhtin (1988, 1992) that language is essentially

dialogic, also in the studies of Koch (2006, 2008), Kleiman (1989, 1999, 2006, 2008), Lajolo

(2000), Solé (1998), Antunes (2003, 2007), among others. Reading at school is seen by

researchers as a pretext for cracking and simple assessment, on the other hand, the teaching of

literature is questioned as a mere history of literature and forget the literary text in its

understanding for the construction of meaning in a deeper way . The study makes a theoretical

approach of the concepts of reading, from the perspective of several authors, discusses what

are language, language, text, verbal interaction and literature, including his education at

school, also addresses the reader and the formation of spaces as the library. Finally, it makes

an analysis of observations of teaching practice and method of two teachers for some classes

in two public schools in the municipality of Castanhal / PA to collect data and describe the

impressions about the methodologies used by these teachers for teaching with literary texts.

Keywords: language, reading, interaction, training of readers and reflective teacher.

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REFLEXÕES DA SALA DE AULA

“A história dos rastros do homem através de seus próprios textos permanece em grande parte

desconhecida.” Michel Certeau

“Aprendi, em primeiro lugar, que a cultura era algo profundamente subjetivo e pessoal, e ao

mesmo tempo, uma estrutura em que a gente vive (...). Eu não quero ser quem eles querem

que eu seja, mas não sei ser outra pessoa.” Stuart Hall

“Não há identidade em si, nem mesmo unicamente para si. A identidade existe sempre em

relação a uma outra. Ou seja, identidade e alteridade são ligadas e estão em uma relação

dialética. A identificação acompanha a diferenciação (...).” Denys Cuche

“(...) é um sujeito social, histórico e ideologicamente situado, que se constitui na interação

com o outro. Eu sou na medida em que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do

que sou. A identidade se constrói nessa relação dinâmica com a alteridade.” Bakhtin

“A enunciação da palavra ganha em si mesma valor de ato simbólico: graças à voz ela é

exibição e dom, agressão, conquista e esperança de consumação do outro; interioridade

manifesta, livre da necessidade de invadir fisicamente o objeto de seu desejo: o som vocaliza

vai de interior e liga, sem outra mediação, duas existências.” Paul Zumthor

“A experiência que passa de pessoa a pessoa é fonte a que recorreram todos os narradores. E,

entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais

contadas pelos inúmeros narradores anônimos (...).” Walter Benjamin

“(...) Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra

que olha de fora para dentro...” Machado de Assis

“Se, por não sei que excesso de socialismo ou barbárie, todas as nossas disciplinas devessem

ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as

ciências estão presentes no momento literário.” Roland Barthes

“Nada deve escapar a um olhar atento.” (Aulas de Semiótica)

“(...) Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado

pela ideologia e é assim que a língua faz sentido.” M. Pêcheux

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IMPRESSÕES DE UMA LEITORA...

“Era uma vez...” e “Foram felizes para sempre...” são frases que retornam a minha

memória no longínquo tempo de menina sonhadora quando minha avó (mãe de meu padrinho)

me contava as histórias dos contos de fadas e das fábulas de La Fontaine, de Esopo e de

Monteiro Lobato. Fui criada pelos meus padrinhos e devo a minha formação como pessoa a

eles. Sempre tive minha mãe biológica perto de mim, recebi incentivo dela para que

procurasse aproveitar as oportunidades de estudar para ser “alguém na vida” porque ela não

teve oportunidades de frequentar a escola. As primeiras letras, eu aprendi em casa com a

minha avó e quando aos seis anos cheguei à escola já era alfabetizada. Hoje, ainda me lembro

das coleções de livros como “O mundo da criança”, o “Tesouro da juventude”, as “Histórias

das Civilizações”, as histórias de Monteiro Lobato e Walter Disney. Recordo-me desses livros

e coleções os quais ganhei de presente de meu pai (meu padrinho), este foi um grande

incentivador e amigo da leitura, durante a minha infância e adolescência. Lembro-me também

dos livrões, ou seja, dos dicionários que tínhamos em casa e quando eu tinha dúvidas na

ortografia, meu querido pai dizia: “Vá ao armário e traga o dicionário para juntos procurarmos

essa palavra.”. Em se tratando de estudos nunca deixou faltar nada para a minha formação

intelectual e cultural. Suas atitudes e seu comportamento ético serviram de exemplos para a

formação de minha personalidade. Além do gosto pelos livros, a música esteve presente em

nosso lar, uma vez que tínhamos um bonito piano e minha madrinha tocava belas músicas.

Cursei até o quinto ano no conservatório de música.

Tenho saudades daquele tempo de minha infância e início da adolescência passada em

Teresina, onde meu pai herdou de um tio um casarão rodeado de árvores e plantas, onde

viviam vários animais domésticos soltos no grande quintal. O que eu tenho marcado na

memória era o salão da casa com seus móveis em estilo colonial e dois armários bem grandes

lotados de livros. Meu pai gostava de ler as obras de Graciliano Ramos, de Jorge Amado, de

José Lins do Rego, bem como autores estrangeiros os quais não me lembro dos nomes.

Aos oito anos descobri que gostava de dar aulas para minhas duas irmãs de criação

mais novas e para as minhas bonecas. Sonhava em ser professora sem saber nada da profissão,

mas sentia que gostava de contar histórias que eu mesma inventava ou então “casos” baseados

nos livros das leituras que eu lia. Sempre, aos domingos, íamos ao aeroporto para passear e

meu pai comprava várias revistas em quadrinhos e muitas vezes livros. Levávamos uma vida

muito boa e eu era feliz. Além dos horários para os estudos, nas horas vagas brincávamos

muito e as minhas irmãs pediam para eu contar histórias dos contos de fadas ou então inventar

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uma diferente. Eu soltava a imaginação e inventava histórias de monstros, de mistérios, de

amores bem tristes com finais nada felizes e elas até choravam. Eu ficava exultante porque

minhas duas leitoras e ouvintes vibravam com as minhas nada corretas narrativas.

A minha primeira escola do ensino primário (1ª a 4ª série) foi no Grupo Escolar

“Abdias Neves”, logo depois tentei o exame de admissão para o ginásio (atual ensino

fundamental) no Colégio Sagrado Coração de Jesus e não passei. Então, fiz outro exame de

admissão e passei no SENAC-PI, ali fiquei somente um ano, pois meu pai foi transferido para

Manaus como gerente do Banco da Amazônia. Nessa cidade ficamos somente dois anos e

novamente meu pai foi transferido para Belém, então terminei o ginásio, no Colégio Santo

Antônio e descobri que queria ser professora de Língua Portuguesa com o incentivo do Prof.

Meirivaldo Paiva que tinha um jeito especial de falar de Manuel Bandeira, de Cecília

Meireles, de Mário Quintana e outros. Optei por fazer o magistério, a formação de professor

para o ensino de 1ª a 4ª, mas no segundo ano tivemos que deixar Belém e voltamos para

Teresina. Então terminei o antigo curso pedagógico no Colégio Sagrado Coração de Jesus e

logo depois prestei vestibular para o curso de Letras na Universidade Federal do Piauí-UFPI,

mas só cursei um ano e consegui transferência para a Universidade Federal do Pará-UFPA.

Ainda no segundo ano do curso de Letras, consegui uma vaga para lecionar no Colégio Santa

Rosa e ali começava a minha história com a docência, com os livros, com as histórias que eu

contava para as primeiras crianças as quais tive contato. Em seguida, consegui outra escola,

mas desta vez para o antigo 2º grau (ensino médio). Nessa época eu tinha dezenove anos e

apesar da idade já era bastante madura e responsável. Meu pai não aceitou a minha escolha,

porque preferia que eu tivesse optado pelo curso de Direito ou de Medicina achando que a

vida de professora seria muito sacrificada.

O início da carreira de professora foi difícil porque sem a mínima experiência, sem

teorias e muita insegurança tive que me desdobrar entre a vida estudantil e a vida profissional.

Durante todo esse percurso de minha vida profissional sempre incentivava os alunos, trazendo

textos novos, contando histórias, dramatizando, formando rodas de leituras e mostrando aos

alunos as belezas da Literatura. Muitas vezes questionava a práxis pedagógica com o que

aprendia no curso de Letras, entre as teorias de Saussure, Chomsky e Mattoso e me

perguntava o que fazer para aplicar esses conhecimentos em sala de aula? Eu só pensava que

tinha que ensinar muito bem os alunos para saberem ler e escrever. No ano de 2003, fui

chamada para assumir uma vaga de concurso público que fiz pela SEDUC-PA, no cargo de

professora do ensino médio. Dois anos depois, assumi algumas turmas do ensino médio e

somente uma turma do 8º ano e comecei a delinear atividades para trabalhar a leitura e a

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escrita de forma mais participativa e dinâmica, pois percebi o interesse da turma. No ano

seguinte, fiquei novamente com uma turma do 8º ano e apresentei à turma o projeto de um

jornal escolar e o momento da leitura. A ideia espalhou-se pela escola e consegui um grupo de

alunos para ficar responsável pelas colunas sugeridas. A comunidade escolar cobrava as

edições de cada mês e vários alunos já deixavam textos para serem publicados. Criou-se na

escola uma expectativa em relação ao jornal e vários alunos procuravam o mural para ler e

muitos solicitavam edições para levar para casa. Durante o meu afastamento para o mestrado

o jornalzinho ficou esquecido e agora no meu retorno espero ativar a ideia.

Senti muito desânimo quando ouvia: “Texto de novo, professora?”, “A senhora gosta

de um texto, né professora?”, mas também ouvia: “Professora, estou gostando de Literatura,

eu não pensei que era assim...”, “Professora, estou gostando desse autor, quero ler sobre

ele...”. Nunca pensei em desistir apesar das condições da escola pública e da desvalorização

da carreira de professor, desta forma procurava ler mais para descobrir outras formas de dar

aulas, insistindo em fazer cursos, o que aconteceu com a aprovação no mestrado da UNAMA

e agora tenho novos caminhos a trilhar no mundo da linguagem, depois de adquirir novos

conhecimentos, conhecer outros autores, outras concepções, outras teorias.

Desta forma, o tema desta pesquisa surgiu de um desejo antigo da autora e do seu

encantamento sobre as histórias que ouviu e leu e que contribuíram para sua formação como

leitora. O interesse pelo assunto surgiu com as primeiras leituras de autores como Geraldi,

Kleiman, Koch, Magda Soares, Irandé Antunes, Rodolfo Ilari e da oportunidade de ser aluna

da Profa. Maria Antonieta Cunha, no curso de Especialização em Língua Portuguesa, pela

PUC-MG, despertando-me buscar mais conhecimentos no fantástico mundo da literatura.

Assim, tive convicção de que precisava estudar mais e pesquisar sobre o complexo mundo da

leitura para entender o seu processo e desenvolver um compromisso na escola pública de

favorecer o aprendizado desta de forma interativa entre autor-texto-leitor na diversidade dos

gêneros para a descoberta da construção de sentidos. Durante o mestrado descobri o grande

filósofo Bakhtin que nos diz que os sujeitos estão numa relação com o sentido do texto, na

significação das palavras e constroem-se na produção, na interpretação dos textos e que a

interação dos interlocutores funda a linguagem dando sentido aos textos. A concepção do

filósofo sobre linguagem como sendo dialógica e que “a vida é dialógica por natureza” fez

com que procurássemos reflexões sobre o tão complexo mundo da linguagem.

Assim, foi e continua sendo uma grande aventura caminhar e descobrir as concepções

de linguagem, de texto, de sujeito, de interação, de dialogismo e polifonia na Língua

Portuguesa.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Sobre a presente proposta, a leitura, muito já se pesquisou e escreveu. No entanto,

muito ainda há que se dizer, aprender, estudar e pesquisar. À medida que surgem novas

pesquisas, em torno do assunto, novos desafios se apresentam diante da complexidade no

ensino da leitura e da formação de leitores, na escola. Para a efetivação e concretude do

complexo processo de formação de leitores é necessário um professor, em sala de aula, que

tenha a sensibilidade para entender a importância do ato de ler, não como simples decifração,

mas como uma prática interativa e social porque a linguagem não é simplesmente a língua e o

seu sistema de códigos, mas a criação cultural que permite ao homem interagir com o outro

num processo de produção histórica e coletiva. Na concepção interativa, a linguagem é vista

como conjunto de práticas sociais e suas variações e manifestações são determinadas pelo uso

que fazemos dela. Assim, produzir linguagem é produzir discursos que se manifestam por

meio de textos orais ou escritos.

Diante do uso das novas tecnologias tão presente no cotidiano das pessoas, a escola

necessita de professores leitores que sejam críticos, reflexivos, compromissados, cientes de

seu papel como mediadores no processo de ensino-aprendizagem para que possam contribuir

na formação de leitores. É urgente aprendermos novas concepções de ver a língua, a

linguagem, a leitura, o texto, o sujeito para sairmos de práticas cristalizadas, desmotivadoras,

vazias, pobres de sentidos e de significações para os alunos.

Percebemos que a leitura crítica está longe da prática pedagógica dos professores, que

se limitam à leitura superficial, apenas para extrair informações, uma leitura sem vida,

amorfa, somente para decifrar. É preciso que o professor tenha em sua prática uma leitura que

questiona, transforma, provoca, instiga num processo que vê o texto não como forma,

acabado, mas como um evento comunicativo, interativo sempre num processo de construção e

reconstrução de sentidos. Há necessidade de construirmos novas propostas nas questões

relativas aos conhecimentos do processo de ensino-aprendizagem de língua materna para não

agirmos de forma passiva e termos papel de reprodutores, informantes, ao invés de formador.

É imprescindível que o professor tenha tempo para estudar, para ler, para pesquisar,

para aprender o novo, para entender que a linguagem, como nos diz Bakhtin (1988) “não é um

sistema abstrato, mas também criação coletiva, integrante de um diálogo cumulativo entre o

eu e o outro, entre muitos ‘eus’ e muitos outros”. É necessário ampliar a nossa visão e

entender que a linguagem propicia uma experiência de expressar emoções, sentimentos como

também conhecimentos favorecendo um novo olhar para as práticas leitoras de forma

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compartilhada numa constante interação verbal entre o autor-texto-leitor com a finalidade de

construir/reconstruir o sentido do texto.

Desta forma, para direcionar o presente estudo, esta dissertação tem como objetivo

geral: analisar a metodologia desenvolvida pelo professor, no processo da leitura, em sala de

aula, em turmas do 9º ano (8ª série), em duas escolas estaduais no município em Castanhal-

PA; e como objetivos específicos: observar como os professores trabalham o processo da

leitura em sala de aula, de modo a identificar a concepção de língua/linguagem adotada pelos

professores com a finalidade de reconhecer as atividades desenvolvidas pelos docentes nas

práticas da leitura.

O presente estudo trabalha com a pesquisa bibliográfica e as técnicas da observação

direta e da entrevista. Os dados coletados foram submetidos à técnica de análise do conteúdo,

que foram interpretados com base nos pressupostos teóricos discutidos no decorrer do texto.

A pesquisa teve como base quinze observações, em duas escolas do município de Castanhal-

PA, a primeira na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “28 de Janeiro” e a

segunda, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Cônego Leitão”. A entrevista

continha oito perguntas abertas e estas foram respondidas de forma direta pelos sujeitos da

pesquisa. Em paralelo a isso, e porque achamos importante conhecer o trabalho das escolas e

o seu cotidiano, tivemos outros encontros para conversamos com os diretores das duas

escolas, com as pedagogas e com as professoras responsáveis pela “sala de leitura”.

Ressaltamos que tivemos a oportunidade de participar de atividades extraclasses na primeira

escola, o que não aconteceu na outra, muito embora recebêssemos convite de duas atividades,

mas, por problemas pessoais, não foi possível comparecer. É importante mencionar que,

apesar dos problemas inerentes às escolas, as duas escolas visitadas apresentam condições

razoáveis de estrutura em seu ambiente, muito embora os espaços sejam mal divididos e ainda

deficientes como a falta de uma biblioteca, quadra de esportes, um ambiente maior para

apresentações como peças teatrais, encontros, seminários, entre outros.

As duas escolas foram escolhidas devido a sua localização e tradição. No primeiro

momento, visitamos as escolas e conversarmos com a direção e o corpo técnico para explicar

a condução da pesquisa e seus objetivos. Assim ficou combinado que as professoras

participantes seriam indicadas por suas respectivas escolas, depois de uma conversa para

saber quem poderia participar da pesquisa. Quando retornamos às escolas fomos apresentadas

às professoras, combinamos como seriam as observações e estabelecemos duas aulas, na

semana para um total de quinze encontros.

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O trabalho de observação aconteceu na primeira escola nos meses de março, abril e

maio/2011 e na segunda escola nos meses de agosto, setembro e outubro (o que foi

prejudicado pela greve dos professores) por isso não terminamos os encontros. Vale ressaltar

que em nossas observações o primordial era o desenvolvimento de práticas pedagógicas com

a leitura, principalmente com o texto literário, uma vez que este tipo de texto é rico para o

trabalho de compreensão na busca da construção de sentidos.

A leitura é um assunto complexo e envolve várias áreas do conhecimento e nessa

questão os estudos da pesquisa foram baseados em teorias e perspectivas

interacionista/discursivas, também nos conhecimentos da linguística, da teoria literária, da

educação, numa abordagem do professor reflexivo. O embasamento teórico para aprofundar o

estudo, na busca do entendimento do ensino-aprendizagem da leitura, está baseado em parte

nas ideias de Bakhtin (1988, 1992), Koch (2006, 2008), Kleiman (1989, 1999, 2006, 2008),

Antunes (2003, 2007), Coracini (2002), Lajolo (2000) e outros que auxiliaram o texto em sua

discussão.

Em relação a estrutura, a presente pesquisa está organizada em quatro capítulos, sendo

que cada um contém alguns subitens.

O primeiro capítulo: O DESAFIO DA PRÁTICA DE LEITURA: 1. 1 Caminhos e

desafios no ensino da leitura; 1. 2 Caminhos teóricos para entender a leitura; 1. 3 Um olhar

sobre a linguagem e o texto e 1. 4 A dimensão interacional da linguagem. O capítulo aborda

as considerações de concepções e visões de vários autores sobre a prática da leitura e os seus

problemas em pesquisas escolares. Aborda ainda o surgimento da Linguística como ciência,

discute as noções de Língua, Linguagem, Texto e Leitura, e por último enfoca a noção de

interação no ensino/aprendizagem concebida a partir das ideias bakhtinianas e trazidas para o

ensino da língua.

O segundo capítulo: O TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA: 2.1 Compreendendo a

literatura: encontros e desencontros; 2.2 O texto literário na escola: uma questão em jogo e

2. 3 O percurso da interpretação do texto literário na escola. O capítulo enfoca as abordagens

do que é literatura, a importância da literatura na escola, através da visão de vários autores

como Brandão e Micheletti (2007), Ferreira (2009), Lois (2010), Todorov (2010) e Zilberman

(2001) e a pesquisadora compartilha a sua experiência com os textos literários em sala de aula

e discute a complexidade da interpretação de um texto literário.

O terceiro capítulo: A FORMAÇÃO DO LEITOR NA ESCOLA: 3. 1 A escola como

espaço para se ensinar e aprender a gostar de ler; 3.2 Espaços na escola para se ler: A

biblioteca e a sala de aula; 3.3 Repensando a leitura e a interação verbal. O capítulo contém

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questionamentos como: a possiblidade de formar leitores em escolas públicas questionando os

espaços para o aluno ler e retoma os conceitos da interação verbal para discutir a possibilidade

de uma nova visão de ensinar a leitura.

O quarto capítulo: O ENSINO DA LEITURA NA ESCOLA: 4.1 O contexto da

pesquisa na escola; 4.2 Conhecendo as escolas e suas características; 4.3 O encontro com as

professoras: suas palavras, suas impressões sobre o ensino da leitura. O capítulo apresenta

uma descrição das escolas e especificamente, uma abordagem da condução da pesquisa com

as duas professoras a partir das observações realizadas durante o estudo. Apresenta a

entrevista que norteou a pesquisa, principalmente sobre os conceitos de língua e leitura para

analisar as concepções que norteiam o fazer pedagógico em sala de aula das referidas

professoras. Apresenta a análise dos dados os quais foram reproduzidos e o conteúdo

analisado como reflexões sobre o ensino da leitura com base nos fundamentos teóricos.

Nesta dissertação, procuramos contribuir para uma visão mais geral do processo da

leitura, tendo em mente os seus percursos e percalços caracterizando e reconhecendo suas

dificuldades, na escola. A discussão foi compartilhada com a experiência em sala de aula da

pesquisadora especificamente com alunos do 9º ano (8ª série). Entretanto, deixamos claro que

este estudo não pretende ser definitivo encerrando as discussões aqui propostas, pois outras

formas de ver o tema podem levar a novas construções e relações com as ideias que foram

apresentadas neste estudo. Além disso, o primordial do estudo é a contribuição para uma

reflexão sobre o ensino da leitura, através da abordagem da interação verbal; da prática social

da leitura no combate à exclusão vivenciada pelos alunos de classes populares; na construção

de uma consciência reflexiva do professor para ser um sujeito da ação no processo do ensino-

aprendizagem, de escolhas e decisões próprias para mudar o estado de conflitos e confrontos

que permeiam o fazer pedagógico, na escola; que não temos respostas prontas e acabadas,

mas que a escola necessita de professores-reflexivos e compromissados com a formação de

leitores em solidariedade aos alunos das classes populares.

Este estudo é antes de tudo uma reflexão de questões inquietantes, sobre o ensino da

leitura, que têm recebido críticas em relação às práticas pedagógicas, principalmente dos

professores de língua materna e, portanto, diz respeito ao comprometimento na formação

inicial e continuada e com as políticas públicas para a educação no que diz respeito à

formação de leitores.

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CAPÍTULO 1

O DESAFIO DA PRÁTICA DE LEITURA

1. 1 CAMINHOS E DESAFIOS NO ENSINO DA LEITURA

Por gostar de livros e de contar histórias, o caminho escolhido foi o complexo mundo

da leitura. Por isso, resolvemos explorar neste trabalho, o fascínio que nos causa a leitura. Em

algum momento da vida, já ouvimos falar que a leitura é importante para nos comunicar com

o outro, adquirir conhecimentos, desvendar outras culturas, entender a nossa história, para

estudar e obter informações. Na escola, muitas vezes, já lemos, com vontade ou sem vontade,

alguns textos, senão pelo menos um livro ou resumos de livros. Mesmo assim, segundo a

mídia, a população brasileira, ainda lê muito pouco porque não fomos estimulados a ser

verdadeiros leitores dentro da família, muito menos na escola. Uma pesquisa do Instituto

Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE – Revista Escola, 2001) mostra que 45% da

população não lê nenhum livro por ano (53% dizem “não ter interesse” e outros 42% admitem

“ter dificuldades”). O quadro é lamentável. E a escola, o que tem feito em relação à formação

de leitores?

É notório que o assunto já foi muito discutido e continua a ser muito debatido tanto

por pesquisadores quanto por professores, haja vista os inúmeros estudos em relação à leitura.

No entanto, efetivamente, esses estudos demonstram que a escola pública ainda não consegue

formar leitores proficientes e que muitos professores não superaram os obstáculos da

aprendizagem, no que se refere ao ensino da língua materna, muito menos no descobrir da

leitura como prática interativa, social e histórica. A leitura não pode mais ser vista como uma

questão técnica, como prática elitizada que dominou a escola por muito tempo, mas deve ser

ampliada para uma visão coletiva e social, fundamental para a construção da cidadania como

dimensão de participação ativa na sociedade. A escola enfrenta uma série de desafios frente a

várias transformações na sociedade capitalista como: o avanço da tecnologia, o acesso rápido

às mídias, a distorção dos valores, a desestruturação das famílias, a violência, o envolvimento

dos jovens nas drogas, a precariedade das escolas públicas, a desvalorização do professor etc.

Desta forma, a leitura assume uma dimensão importante na escola, nos grupos, nas

comunidades em que circula porque é um processo colaborativo de conhecimentos e de

experiências de vida. Benassuly (2002) afirma que a escola é permeada de relações sociais e a

questão do controle e do poder permeiam essas relações no seu interior. A escola pública é

uma invenção do capitalismo e no seu interior é reproduzido o modo de produção entre o

trabalho intelectual e o manual possibilitando o controle e o poder sobre o saber. Esse modo

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de organização do capitalismo e as formas de poder político, social e cultural norteiam o

nosso fazer escolar. A escola pouco avançou desde o século XIX e atravessa uma crise no

ensino nos dias atuais.

A maioria dos alunos sabe ler e escrever, entretanto não basta ser um sujeito

alfabetizado, porque se não sabe ler obtendo compreensão, fazendo inferências, formulando

hipóteses continuará na condição de mero reprodutor das ideias do autor e na forma

decifradora da leitura como um sujeito passivo. A língua é o meio pelo qual interagimos com

os grupos, com as comunidades e nos faz sentir cidadãos que pertencem a um determinado

espaço. Assim, nossas ações de ler, escrever, falar e escutar fortalecem nossa condição de

sujeitos que interagem com os outros e que incluem condições sociais de atuação. E será

difícil encontrar um aluno que descubra os livros sem a participação de um professor-leitor

para motivá-lo a ser um leitor proficiente. Essa tarefa não deve ser exclusiva do professor de

Língua Portuguesa, e sim acontecer numa perspectiva integrada com outras disciplinas para

despertar o interesse dos alunos pelos livros. Esse alguém deve ser um professor-leitor de

qualquer área do saber dentro da escola. Além da Língua Portuguesa, as disciplinas como

História, Geografia, Filosofia, Sociologia, Ciências e Arte podem envolver os alunos com a

discussão de textos informativos, por exemplo, sempre aliados à realidade do aluno. O

interessante é incentivar a leitura a partir do ensino infantil, estendendo-se ao ensino

fundamental e aperfeiçoando-se no ensino médio por meio de atividades relevantes e de

possibilidades de interação com o outro para uma participação ativa dos alunos na sua

comunidade.

A escola é o espaço ideal para incentivar o gosto pela leitura, não de maneira

burocrática e obrigatória, mas ler para trocar ideias, construir sentidos para o texto,

estabelecer relações concretas com a realidade do aluno. É fundamental que o aluno tenha

contato com vários textos, principalmente o literário, visando à construção de sentido e

reconhecer que este não é unívoco, mas é construído na interação com o autor-texto-leitor de

forma colaborativa. Para Benevides (2008), a formação da leitura e dos leitores repousa sobre

aspectos que ultrapassam os culturais. Os aspectos políticos, históricos e sociais determinam o

modo como a leitura é produzida e os seus modos de acesso porque a prática da leitura ficou

por muito tempo ligada às técnicas de transmissão de conhecimento, centrada no indivíduo e

desligada de uma prática reflexiva e de sua dimensão social. Também Soares (2004, p.21-25)

afirma que as condições de acesso à leitura para as classes dominantes e dominadas são

diferentes. Para a primeira, a leitura é fruição, lazer, ampliação de conhecimentos; para a

segunda, é um instrumento de sobrevivência para acesso ao mundo do trabalho “Ao povo

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permite-se que aprenda a ler, não se permite que se torne leitor”. Para a mesma autora, a

leitura como instrumento de produção é também contraditória, um processo político que pode

estar ou não comprometido com a transformação social.

Sendo a escola um espaço de contradições e vinculada à natureza de ordem política,

social, ideológica e cultural atribui-se aos professores que sejam transformadores das

condições sociais de produção da leitura para uma perspectiva de aquisição de conhecimentos

e de cultura, principalmente facilitando o acesso à leitura às classes populares na aceitação de

que a leitura é construção ativa, processo de interação em que o leitor constrói sentidos para o

texto e deve produzir uma consciência crítica a partir de seu lugar social e histórico. Os alunos

das camadas populares devem ter acesso aos livros, ao saber acumulado que circulam pela

sociedade. O direito de serem leitores deve ser oportunizado na escola. Se a família não o

incentivou, na infância, a escola deve fazer o seu papel. Esta precisa encontrar meios de estar

compromissada com a formação de leitores e, na figura do professor, encontra-se o elo desse

processo contínuo e permanente que é a aprendizagem da leitura e da leitura crítica.

Muitos educadores concordam que dentro de qualquer projeto pedagógico não podem

faltar as atividades de leitura. No entanto, a preocupação se dá na ausência de políticas

coerentes sobre a formação de leitores na escola pública porque ainda há milhares de escolas

sem bibliotecas e sem bibliotecários. A leitura basicamente é feita através dos livros didáticos

que são distribuídos gratuitamente pelo governo e as discussões pedagógicas sobre leitura,

muitas vezes, não acontecem. Segundo Lajolo (2000, p.12), a precariedade de tal situação

costuma ser resumida nos clichês e nos preconceitos relacionados ao jovem, à leitura, à

escola, à literatura e a similares como “os alunos não têm hábito de leitura ou gosto pela

leitura, só leem obrigados”; “muitos não leem com a desculpa de que não têm tempo; o

nosso aluno só faz determinada atividade se exigida (...) se entregam à preguiça de ler,

acham cansativa ter de ficar parados a ler (...).”.

Nesta mesma concepção, Kleiman (2006) critica a postura dos professores, quando

estes dizem “que os alunos não gostam de ler” e que temos a crença de um contexto de

fracasso, em que o aluno é um coitado, carente, um não leitor cego às possibilidades de

comunicação da palavra escrita. A autora vê uma concepção de linguagem como interação

entre sujeitos em sociedade que resulta na crença, na capacidade dos sujeitos sociais de criar

ou de construir contextos, de forma renovadora e inovadora. Ainda tolhemos o aluno em sua

criatividade e tiramos a oportunidade deste ser um sujeito de ação de sua aprendizagem, daí

criamos os estereótipos.

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Percebemos que a prática e o incentivo à leitura continuam muito longe da realidade

da maioria das escolas brasileiras, na ótica da maioria dos pesquisadores. Todavia, muitos

fatores afetam o desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem: a formação inicial do

professor na forma de trabalhar o texto, as turmas lotadas (em torno de 45 alunos por turma),

um espaço maior com mais livros e mesas (na maioria das escolas, há somente uma sala

pequena chamada de “Sala de Leitura”), a falta de profissionais qualificados (bibliotecários,

auxiliares de biblioteca), os espaços alternativos para atividades extras, o material

pedagógico, um projeto pedagógico que incentive as práticas de leitura. A precariedade das

escolas brasileiras se estende, há muito tempo, e os problemas parecem assumir proporções

maiores em todos os âmbitos: estruturais, sociais, políticos, culturais e até éticos. A própria

identidade do professor é questionada, pois além de dar aulas, também se preocupa em ser um

sujeito múltiplo para resolver diversas situações comportamentais dos alunos. Segundo

Contreras (2002), os docentes sofreram ou estão sofrendo uma transformação, tanto nas

características de suas condições de trabalho como nas tarefas que realizam e os aproxima das

condições e interesses da classe operária. Somam-se ainda, a desmotivação do professor em

relação à política salarial e aos planos de cargo e de carreira que são afrontas diante de outras

carreiras no mundo do trabalho. Muitas vezes, para se aperfeiçoar, o professor paga de seu

próprio bolso os cursos de especialização e de mestrado. Já existe o incentivo às bolsas de

pós-graduação, no entanto, ainda há pouca oferta e os critérios de seleção são muitas vezes

questionados pelos professores.

A esse respeito, Benassuly (2002) enfatiza que o professor como um dos sujeitos

históricos no processo de construção do mundo, precisa ser valorizado em vez de massacrado

por políticas salariais indignas que muitas vezes o colocam em situação de desesperança e

desânimo, reflexo também na sociedade face às políticas neoliberais. Mesmo com uma escola

precarizada pela falta de compromisso das elites políticas, nada impossibilita o surgimento de

práticas transformadoras. Compartilhamos com a autora que o desânimo não deve nos abater,

a omissão também não pode fazer parte de nossa prática como educadores. Se for assim, é

melhor deixarmos a carreira de professor e vislumbrarmos outra profissão.

Em se tratando do processo interativo da linguagem, o professor deve ter a capacidade

de levar o aluno a descobrir o seu potencial de sujeito criativo, sendo um leitor curioso e

proficiente. Por isso, devemos acreditar que algo pode ser feito. Precisamos é descobrir “o

caminho das pedras”, pois não é fácil, mas nada é impossível quando temos o objetivo, o

compromisso de abandonar as crenças, os paradigmas estereotipados que estão arraigados nos

professores. A escola precisa colocar como prioridade em seu projeto pedagógico, a

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preocupação com a formação de leitores, apesar das condições insatisfatórias de trabalho do

professor. As atividades de leitura devem ser centradas na dimensão da interação verbal,

vincular a leitura aos diferentes usos sociais da linguagem, levar os alunos a compreender os

múltiplos sentidos presentes nos textos, deixar de fazer da leitura simples exercícios

avaliativos, criar tempo para a leitura interessante, deixar a gramática prescritiva de lado e

torná-la funcional e relevante como processo de comunicação. Difícil? Não temos respostas

prontas. Antunes (2003) diz que é preciso uma ação ampla, planejada, sistemática e

participativa das três esferas públicas, dos professores, de cada professor para se chegar a uma

escola que cumpra realmente o seu papel social a fim de preparar pessoas para a plena

cidadania.

Na mesma linha de pensamento, Dalla Zen (1997, p.28), de acordo com sua pesquisa,

diz que o trabalho com a leitura na escola não tem permitido encontros de reconstituição de

histórias envolvendo autores, leitores e o que pensam sobre o mundo. O conhecimento prévio

do aluno não é chamado para entrar em ação. Perde-se tempo mandando os alunos “achar

respostas no texto”; “não é para adivinhar”; “repete a palavra...”. Há, na sala de aula, uma

preocupação em seguir os conteúdos do programa e falta tempo para a produção de textos e

outras leituras diferentes. Desta forma, tudo é determinado e as respostas são exatamente as

propostas pelo professor, não se vendo a leitura como um processo interativo importante para

se aprender, adquirir novos conhecimentos e trocar ideias com o outro.

Antunes (2003, p.29) também faz referências ao problema, quando afirma que, na

escola, a leitura é mecânica de decodificação da escrita, sem a dimensão da interação verbal,

sendo uma atividade sem interesse, desvinculada dos diferentes usos sociais da linguagem. Na

escola, a leitura é reduzida a momentos para a avaliação, cuja interpretação se limita aos

elementos superficiais do texto. A autora cita os comentários de uma pesquisa com alunos de

uma escola pública, questionando se realmente eram leitores, na escola: “Nunca porque não

sobrava tempo”; “a professora disse que perderia muito tempo”; “a professora dava a

matéria, explicava e nunca deu aula de leitura”; os professores se preocupam com a

gramática e a redação (...).”.

Percebemos que as críticas são contundentes nas afirmações de que a escola não forma

leitores e de que a maioria dos alunos não desenvolve o gosto pela leitura ou não tem

experiências com a leitura porque a escola não desenvolve certas habilidades. Não basta só

culpar o professor, muitos querem mudar a sua prática, mas não sabem como conduzir um

trabalho mais dinâmico com os textos. Provavelmente faltaram conhecimentos teóricos e

práticos em relação ao trabalho com o texto em sala de aula, na formação inicial. Dessa

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forma, o professor precisa buscar a formação continuada para aperfeiçoar o seu trabalho. A

questão nos remete a reflexão que nos levou a uma reconstrução da prática da sala de aula,

uma vez que concluímos o curso de Letras na década de 80 e não tivemos no currículo certas

disciplinas como a sociolinguística, a psicolinguística, a semiótica, a análise do discurso e até

as oficinas de leitura e escrita que aprofundam estudos em relação à linguagem, à leitura.

Além disso, na época, a linguística estudada era baseada nos estudos de Saussure, Chomsky e

Mattoso. Em vista disso há uma necessidade de o professor reestruturar suas ações em caráter

reflexivo e buscar conhecimentos metodológicos e teóricos para sustentar sua prática

pedagógica.

Dentre muitos outros pesquisadores, Saveli (2007) afirma que há muitos fatores que

determinam as práticas de leitura, entre eles a falta de ousadia das escolas que refutam ainda

atividades mecanicistas de treinamento e de repetição; a importância do livro didático pelo

professor; a dificuldade de transposição da produção acadêmica para as práticas cotidianas do

professor também prejudicam a formação desses profissionais. Assim, na escola, só há uma

concepção: a estruturalista como “tradução oral do escrito”. Há muita soletração e pouca

leitura. O professor reproduz, em sala de aula, comportamentos aprendidos durante sua

formação, ou seja, a transmissão de conhecimentos, a mera informação.

A escola como instituição social recebe influências do contexto das transformações da

era pós-moderna e isso reflete em seus resultados. A escola pública precisa modernizar-se

para encontrar novas metodologias em suas práticas de ensino. Por tal motivo, já há uma série

de ações governamentais em relação ao ensino da língua materna, de programas de

capacitação ao professor e programas sobre o livro didático com a finalidade de subsidiar as

políticas educacionais, no Brasil. Uma prova disso está na elaboração dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) que destacam a importância dada à leitura:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de

compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu

conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a

linguagem etc. Não se trata de extrair informações, decodificando letra por

letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias

de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível

proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que

vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de

compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto

suposições feitas. (BRASIL, 1998, p.69-70).

No teor do documento, percebemos a preocupação da atividade de leitura, enfatizando

o papel do leitor para construir o sentido do texto. Não de forma mecânica só para

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decodificar, mas como uma atividade que requer inferências e verificação. Segundo Kleiman

(1989), a escola não favorece a delineação de objetivos específicos em relação à leitura. Esta

atividade se dá de forma difusa e confusa, somente como pretextos para cópias, para resumos

e outras tarefas similares do ensino da língua. O aluno começa a ler e não sabe o objetivo da

leitura. É importante ressaltar que nossa capacidade de processamento e memória melhora

quando sabemos qual é o objetivo daquela tarefa. A autora critica que, ao começar a ler, o

aluno não tem ideia de onde chegar porque não conhece as estratégias de leitura. É mais fácil

compreender e lembrar-se de uma informação quando é importante ao nosso propósito.

Sabemos que os documentos e as teorias ajudam nossa prática pedagógica. No entanto, o

comportamento do professor e o modo de conduzir a aprendizagem é que vão nortear a sua

prática na sala de aula. Isto o individualiza e o torna marcante na história de leitores de seus

alunos. Quando o professor tem participação ativa em sua prática pedagógica, ele passa a ser

um sujeito reflexivo e investe em sua carreira como profissional da educação.

A experiência como educadora, em conversas informais, com os alunos e aplicando

questionários para conhecê-los, encontramos jovens que disseram nunca ter lido um livro

inteiro, visto que a maioria não tem o hábito cultivado na família. O ideal era iniciar o

aprendizado dessa atividade na família, não só a leitura de livros, mas de revistas, jornais,

gibis. O único contato com o livro concretamente tem sido na escola. Nessas conversas e

observações em sala de aula, muitos alunos nos disseram que leem muito pouco e têm

preferências por notícias de esportes, atualidades, games e filmes.

Nos trabalhos de Petit (2009), a leitura é uma arte que se transmite, mais do que se

ensina, é o que demonstram vários estudos pesquisados pela autora. No seio da família,

muitos jovens despertaram para a leitura porque ouviram de um ente querido histórias

contadas ou porque eram temas nas conversas de família. Em suas pesquisas, Petit (2009)

afirma que a leitura se efetiva graças a um mediador com gosto pelos livros. As crianças,

jovens, homens e mulheres redescobririam nessa atividade a reconstrução de si mesmos numa

contribuição da leitura e da arte para a atividade psíquica. Como sabemos a prática da leitura

em tempos tecnológicos é preocupante, mesmo incoerente, visto que o incentivo pela leitura e

a sua prática são, em grande medida, socialmente construídos. Hoje, as condições de acesso à

leitura adquiriram valores ideológicos reforçando a ideia de que quem ler é letrado e quem

não ler é iletrado. Como a escola é um espaço social possível de se estimular a leitura, o papel

do professor tem grande importância neste contexto. Os formadores de leitores devem ter a

consciência das forças de reprodução e de contradição nas condições sociais da leitura. O

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mais importante é o professor contribuir para práticas leitoras num contexto de transformação

social diminuindo as barreiras de acesso à leitura nas classes populares.

Ressaltamos as palavras do educador Silva, E (2002, p.45) quando afirma: “(...) Ler é,

em última instância, não só ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de

existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e

passa a compreender-se no mundo”.

Logo, o professor deve motivar o aluno a descobrir sua capacidade criadora enquanto

procura desvendar o sentido do texto de forma a compreender e interpretar o registro escrito.

A leitura leva o aluno à curiosidade e à descoberta de textos, seja literário ou informativo, não

basta a escola oferecer livros ou leituras, o aluno deve encontrar motivações diversas e o ato

da leitura deve perpassar a forma interdisciplinar, integrada, entre as diversas áreas do saber,

haja vista a natureza dos diversos gêneros que circulam no cotidiano do aluno. Mais do que

formas idealistas no desenvolvimento de práticas leitoras, o propósito maior será a

compreensão para que o aluno possa concordar discutir, refutar, discordar do texto lido e

assim compreender-se como sujeito histórico.

Parece-nos evidente que, como educadores, temos o desafio de privilegiar o

conhecimento de mundo, as experiências que os alunos trazem de casa, não trazer o texto

pronto e exigir uma única forma de vê-lo, mas saber que os objetos do discurso referentes ao

texto estão implícitos e pressupõem do leitor, outros conhecimentos como: os linguísticos, os

situacionais e os compartilhados com os outros. O leitor não usa somente o seu conhecimento

lexical, mas coloca em prática outros conhecimentos e experiências de seu mundo pessoal e

interpessoal. A descoberta da leitura se dá, nesse momento, na interação do leitor com o texto,

quando ele descobre que pode fazer inferências, formular hipóteses e construir o sentido do

texto de forma dialógica, crítica e ativa. Quando o aluno é o sujeito ativo da interação entre o

texto-autor descobre que é capaz de fazer inferências, assim compreende o que está lendo, em

especial o texto literário, com a sua linguagem plurissignificativa e se encanta com as

histórias e com as personagens.

Como leitor, caberá ao aluno desvendar os novos sentidos que o levaram a apreender a

intencionalidade do texto e que podem reconstruir o evento de sua enunciação a partir de sua

vivência, de seu conhecimento e de sua visão de mundo. O aluno perceberá que, a cada

leitura, novas significações aparecem e tal fato permitirá novas inferências despertando-o para

a reconstrução do sentido do texto, acabando por recriá-lo e tornando-se o seu co-autor

(KOCH, 2008).

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Assim, cabe salientar que a difusão da leitura, na escola, exige do professor uma

organização do trabalho docente para que se concretize a interação entre o leitor e o autor,

entre professor e alunos no momento de discussão do texto em sala de aula. A proposta

integrada na construção de uma rede de conhecimento que permeia diversas disciplinas é o

ideal e deve começar pela intertextualidade que aponta para diversos textos e temas dentro das

disciplinas. A escola tem como uma de suas funções formar sujeitos letrados, não apenas

alfabetizados. O primordial é que a escola contribua para a diminuição da injustiça social e

ofereça às classes populares, oportunidades para o acesso aos livros e ao saber acumulado

pela sociedade (KLEIMAN e MORAES, 1999).

1. 2 CAMINHOS TEÓRICOS PARA ENTENDER A LEITURA

Quando se fala de leitura parece algo simples, porém o assunto não é tão simples

assim nem é tão fácil formar leitores competentes. A leitura é um processo complexo, por isso

a escola enfrenta dificuldades quando o assunto é formar leitores e esta prática exige do

professor uma preparação de conhecimentos e de saberes.

As pesquisas na área da linguística, incluindo a psicolinguística e a sociolinguística,

nos anos 70 do século XX, trouxeram várias vertentes teóricas visando explicar o que é

língua/linguagem e abranger novas proposições na explicação das ações e das relações

cognitivas em relação à aquisição da leitura. Nos estudos de Terzi (2006), a autora afirma que

as contribuições de Vygotsky, Van Dijk e Kintsch foram importantes para explicar os

pressupostos de compreensão do discurso e as ideias desses autores repercutiram nas práticas

da leitura. Os desenvolvimentos cognitivos da aquisição da leitura, desde a fase de

alfabetização, estão ligados às ações do leitor durante os níveis de compreensão, de memória

e de inferência e são complexos atos psicológicos que envolvem uma série de processamentos

mentais em situações de ensino-aprendizagem. Segundo Silva, E (2002), apareceram vários

modelos mecanicistas que tentaram explicar o ato de ler e os mais criticados foram os

modelos que colocaram as habilidades para efeito de controle, quantificação e mensuração

sem levar em conta a problemática psicológica da essência humana.

Da mesma forma, Kato (1999) reforça que os estudos de Ferreiro, Teberosky e Lavine

também foram relevantes nos primeiros contatos das crianças com os textos. Na área da

psicolinguística, a autora diz que as pesquisas afirmam que na leitura proficiente, as palavras

são lidas não letra por letra ou sílaba por sílaba, mas como um todo analisado num

reconhecimento instantâneo e não por processamento analítico-sintético. A autora propõe que

a leitura eficiente é produto de três processos distintos: 1. A leitura não se processa palavra

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por palavra, mas por bloco, através de respostas instantâneas diante do estímulo, devido à

existência do item no acervo de palavras e blocos armazenados na memória em sua forma e

conteúdo; 2. Através da resposta instantânea ao estímulo devido à existência do item no

estado de consciência, ou memória em médio prazo, do leitor, em sua forma e/ou conteúdo; 3.

Através da análise e síntese dos componentes do bloco, reconhecidos por um dos processos

hipotetizados. A autora assegura ainda que, na área da leitura, alguns autores como Smith e

Goodman têm estudos nos modelos descendentes (processo não-linear, analítico e dedutivo) e

Gough e Kolers nos modelos ascendentes (processo linear, sintético e indutivo). Para esta

autora, as contradições dos processos só se tornam coerentes se os processos ascendentes e

descendentes tiverem possibilidades complementares e se a leitura for vista como uma

interação entre leitor e texto.

Sobre a mesma perspectiva, Kleiman (2008) nos alerta que é importante o

conhecimento do aspecto psicológico da leitura para nos alertar contra práticas pedagógicas

que inibem o desenvolvimento na compreensão do texto. A autora enfatiza dois tipos de

estratégias: O top-down ou descendente que vai do conhecimento do mundo para o nível de

decodificação, conjuntamente com o processamento do bottom-up ou ascendente que começa

pela verificação de um elemento escrito e mobiliza outros conhecimentos. No início da

alfabetização, o leitor emprega a decifração (o processamento ascendente) e precede a

ativação do conhecimento semântico, ou pragmático, ou enciclopédico. Nessa fase, o

professor precisa ajudar os alunos com perguntas para ajudar a compreensão do texto.

Kleiman (2008) concebe a leitura como prática social que remete a outros textos e a

outras leituras, levando o leitor a colocar todo um sistema de valores, de crenças e de atitudes

que reflete o grupo social em que foi criado. Enfatiza também que a decodificação é

empobrecedora, automática, somente para identificação das palavras do texto em idênticas

perguntas e comentários. Tal atividade de compreensão está nas perguntas dos livros

didáticos. Outra prática vê a leitura como avaliação, reduzindo a leitura exclusivamente a que

se faz em voz alta em um conjunto de atividades em relação ao texto para corrigir a

pronúncia, principalmente quando o dialeto do aluno não é o padrão e o professor faz várias

interferências para corrigir possíveis erros. A leitura, desta forma, é cobrada mediante

resumos e respostas em fichas. A atividade transforma-se em um dever não em prazer. Outra

concepção mencionada pela autora é aquela que vê a leitura de forma autoritária no

pressuposto de que há somente uma forma de abordar o texto, ou seja, somente uma

interpretação, aqui não se leva em conta a experiência do aluno. Deve-se levar em

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consideração a experiência o leitor, uma vez que não há leituras com sentidos absolutos, mas

uma reconstrução mais ou menos adequada partindo dos objetivos do texto.

Outro autor que aborda a leitura é Jouve (2002) afirmando que a leitura é uma

atividade complexa, plural, que se desenvolve em várias direções. Também é um ato concreto,

observável, que recorre a faculdades definidas do ser humano. Nenhuma leitura é possível

sem um funcionamento adequado do aparelho visual e das diferentes funções do cérebro.

Logo, o leitor percebe e decifra os signos e tenta entender o que está lendo. Daí a

“progressão” e a ”compreensão” que se combinam em proporções diversas. O autor enfatiza

que a leitura requer uma competência e para continuar lendo o leitor deve ter um mínimo de

saber.

Os estudos de Solé (1998) enfocam que o modelo interativo não é centrado nem no

texto nem no leitor, embora dê importância ao leitor. Diante do texto, o leitor cria

expectativas em diferentes níveis e suas informações se processam em cada um deles,

funcionando como um input para o nível seguinte em um processo ascendente. Outras

informações se propagam em níveis mais elevados. De forma simultânea, o leitor vai de um

nível semântico ao nível lexical, sintático-grafo-fônico num processo descendente e concilia

seus conhecimentos de mundo com os do texto para construir uma interpretação. O modelo

para o ensino é baseado na necessidade de que os alunos aprendam a processar o texto em

diferentes perspectivas e estratégias, a fim de tornar possível a compreensão.

Em relação ao tópico proposto, quando se trata de concepções de leitura, há várias

formas, dependendo de como se vê o sujeito, a língua, o texto e o sentido. Dessa forma, Koch

e Elias (2007) afirmam que há as seguintes concepções de leitura: 1. O foco no autor: a língua

é uma representação do pensamento e o sujeito constrói uma representação mental e cabe ao

leitor, captar as intenções (psicológicas) do produtor sem levar em conta suas experiências e

os seus conhecimentos. O foco é captar as intenções do autor, tornando o leitor um sujeito

passivo. 2. O foco no texto: vê a língua como estrutura, como código, instrumento de

comunicação. A leitura é vista como mera decodificação, “tudo está dito no dito”, e o

reconhecimento do sentido está nas palavras e nas estruturas do texto. Aqui, também o leitor

está “assujeitado” pelo sistema por uma espécie de “não consciência”. 3. O foco na interação

autor-texto-leitor: o sujeito é ativo e dialogicamente constrói e é construído no texto. Desta

forma, a leitura é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos e

requer um conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.

Percebemos que a discussão sobre o ensino, sobre a aprendizagem e sobre a aquisição

cognitiva da leitura é vasta e ainda não se esgotou, mas ressaltamos que o foco na interação

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entre autor-texto-leitor é uma concepção forte entre os pesquisadores. Para Silva, E (2002), o

bom leitor descobre o significado literal quando faz inferências; vê implicações; julga a

validade, a qualidade, a eficiência ou a adequação das ideias apresentadas; compara os pontos

de vista de diferentes autores sobre o mesmo problema; aplica ideias adquiridas a novas

situações, soluciona problemas e integra as ideias lidas com experiências prévias. Enfatiza

que as questões referentes às ideias de compreensão, de interpretação e de significados

permanecem abertas, não discutidas e não solucionadas. Nas suas afirmações, percebemos o

caráter complexo da prática de leitura.

Da mesma forma, Freire (2000) faz uma crítica à leitura como mera decifração que

não leva em conta o universo e as experiências do leitor. A leitura e a escrita supõem uma

concepção inserida na esfera social, histórica e ideológica que não se restringe a ferramentas

decodificadoras da palavra, mas como objeto de conquista de uma prática social. O autor

considera a leitura e a escrita como processos emancipatórios, pois o indivíduo, para interferir

no mundo, não pode ser mero reprodutor dos conhecimentos existentes, mas sujeito da ação.

O pensamento de Freire (1997, p.11) ilustra a afirmação anterior, “o ato de ler não se esgota

da decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se

alonga na inteligência do mundo.” Poderíamos sintetizar o pensamento do autor, afirmando

que o encontro do leitor com o texto e com as suas experiências leva-o à compreensão da

palavra e, através dela, à compreensão do mundo, tornando-o crítico para reconstruir, dar

sentido, recriar, re-escrever as ideias do autor.

Assim como Freire (1997), Silva, E (1995) considera a leitura como uma prática social

e propõe uma pedagogia da leitura que não exclua os menos favorecidos e diz que a

desigualdade forma “ledores” e não “leitores”. A posição dos dois autores questiona as

condições da leitura na escola e traz à tona que o processo da leitura é muito mais complexo

do que só a pura decodificação.

Constatamos que os autores citados deram ênfase à construção de sentidos de que a

leitura não é somente decodificação, mas um processo muito complexo e o professor é aquele

que deve buscar meios para outra ação de trabalho com o texto na escola. A maioria dos

autores crítica a escola, pois esta promove e limita-se somente às habilidades de

decodificação. Por isso, insistir em uma prática burocrática de ler por obrigação, nas leituras

silenciosas ou orais para corrigir o aluno ou somente para avaliação, não apresentam nenhum

sentido ao aluno. Assim, é necessário o desenvolvimento de estratégias eficientes para a

leitura: dar sentido ao texto, ler por prazer para estabelecer a interação e a pluralidade do texto

e fazer as reflexões citando Antunes (2003, p.34): “O que é linguagem?” “O que é língua?”

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“Para que ensinamos?” “Como ensinamos?” “O que temos conseguido?” De posse dessas

reflexões, os professores podem direcionar as suas atividades na escola.

Considerando como base o trabalho dos autores citados, percebemos que o mundo da

leitura é complexo e envolve todo um processo cognitivo mais amplo que remete o leitor para

uma prática social e uma ação de construção de sentidos na busca de compreender a intenção

do autor numa interação conjunta entre autor-texto-leitor. Nossa experiência com textos

literários, na escola, leva-nos a compartilhar que o texto é o meio para estimular os alunos a

descobrirem a leitura como expressão de experiências de uma determinada época, assim como

manifestação de cultura porque são capazes de dialogar com a subjetividade num encontro de

liberdade com a palavra. Como professores, não podemos mais ver o texto como ensino de

técnicas, avaliações, leituras passivas sem vida, mas motivar os alunos para a curiosidade da

descoberta de novas leituras. Quando o aluno se vê como sujeito ativo e questionador do texto

que leu, ele se motiva, sente-se capaz, empolga-se, desperta para conhecer livros, autores e

assim estamos diante de um provável leitor que precisa da ajuda do professor para continuar

nesse processo de descoberta.

Na escola, não podemos considerar o texto somente como conteúdo, mas devemos

levar o aluno a ver a leitura como interação entre autor-texto-leitor ao tipo de discurso que

está associado e descobrir outros elementos que fazem parte de sua significação para que

possa construir um sentido válido para o que está lendo. Nossa tarefa maior será criar no

aluno uma autonomia para que possa ter acesso a diversas leituras, a diversos gêneros para

produzir opiniões, sugestões e buscar outras leituras de seu interesse.

1. 3 UM OLHAR SOBRE A LINGUAGEM E O TEXTO

É pela linguagem que interagimos uns com os outros e é o veículo primordial de

nossos atos de comunicação. Nessa perspectiva, para entendermos o processo da leitura,

alguns aspectos da contribuição da Linguística se fazem necessários para não perdermos de

vista que a linguagem constitui os nossos discursos que se manifestam em textos orais ou

escritos.

No final do século XVIII acontece o nascimento da Linguística, a ciência que estuda a

linguagem humana articulada, nos aspectos da fala e da escrita. Foi o período em que

estudiosos europeus iniciaram estudos sobre as civilizações e seus idiomas, principalmente do

sânscrito, a língua clássica dos hindus, para explicar a origem das línguas. No século XIX, a

Linguística desenvolve-se como Linguística histórica e os neogramáticos e comparatistas

buscam as leis gerais, as famosas Leis de Grimm, para observarem as similaridades fonéticas

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das línguas indo-europeias, baseadas no sânscrito, no grego e no latim. Já no século XX, os

estudos da linguagem seriam aproveitados por Ferdinand de Saussure para estabelecer

algumas de suas dicotomias entre langue (língua) e parole (fala). Concebendo a língua como

um fenômeno social, como código e um sistema de signo, numa relação fechada e

homogênea, as contribuições dos estudos de Saussure foram relevantes para os estudos

posteriores do campo da Linguística. Para Saussure interessava apenas o sistema e a forma e

não o aspecto de sua realização na fala ou no seu funcionamento em textos. A língua se dava a

partir do sistema num recorte sincrônico com base nas unidades abaixo do nível da frase

(fonema, morfema, lexema) (MARCUSCHI, 2008).

Segundo Marcuschi (2008), não faz mais sentido discutir se o texto é uma unidade da

langue (sistema da língua) ou da parole (uso da fala), pois o texto é visto como uma unidade

comunicativa (um evento) e de uma unidade de sentido que se realiza tanto no nível do uso

como no nível do sistema. Os dois têm suas funções importantes na produção textual. O autor

lembra que o texto não é uma unidade formal da língua como o fonema, o morfema, a palavra

e a frase, mas unidades maiores que constituem uma entidade significativa de sentido. Certos

aspectos formais da língua podem ter provavelmente influência na sequenciação dos

enunciados, também como certas propriedades comunicativas que exercem pressões

discursivas sobre o texto. A sequência textual é uma relação complexa e não segue regras

fixas. A sequência dos enunciados de um texto não pode ser aleatória porque, do ponto de

vista linguístico, discursivo ou cognitivo, as operações linguísticas da sintaxe, da morfologia e

a da fonologia são importantes e inevitáveis.

Desta forma, a comunicação linguística e discursiva não se dá em unidades isoladas de

palavras, fonemas ou morfemas, mas em unidades maiores chamadas de textos que vão além

da frase e constituem uma entidade significativa de sentido. Postula Beaugrande (apud

Marcuschi, 2008) que texto é um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas,

sociais e cognitivas.

Na década de 60, as discussões sobre as teorias do texto desenvolveram-se na

linguística textual que passou a não se preocupar apenas com a palavra ou com a frase, e sim

com o texto, visto que este é uma das mais relevantes formas de manifestação da linguagem.

Nessa época, a diversidade de concepções de texto apresenta-se de forma variada e toma

diversas perspectivas de acordo com o momento. Surgem também os estudos diacrônicos de

M. Bréal que desenvolveu uma semântica da palavra isolada, aparecendo a semântica

estrutural que, junto com a semântica lógica, trouxe a preocupação com o estudo do sentido

(FÁVERO e KOCH, 2008).

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Ainda no século XX, Hjelmslev apresenta, em seus estudos, ser possível examinar o

plano do conteúdo separado do plano da expressão. Assim, a semântica estrutural desenvolve

métodos para estudar o sentido, no texto. A dificuldade era conseguir deixar a frase como a

principal unidade da língua, o que resultou em um novo conceito de língua para ultrapassar as

barreiras entre a frase, o texto, o enunciado e a enunciação (BARROS, 2005).

Segundo Fávero e Koch (2008), o texto é mais do que uma simples sequência de

enunciados. Sua compreensão e a sua produção derivam da competência textual do falante

que tem a capacidade de distinguir se um texto é coerente ou não, se está incompleto, de

resumi-lo, de produzir um texto a partir de um título dado.

Outros estudos surgiram e incorporaram a pragmática aos estudos linguísticos, o que

levou a vários posicionamentos diferentes. O conceito de texto é concebido de maneiras

diversas, conforme o enfoque teórico que se adote. Mesmo dentro da linguística textual que

trata do estudo do texto, há posições teóricas diferentes. Em Fávero e Koch (2008), verifica-se

que o texto foi visto de diferentes formas, no decorrer dos tempos: como unidade linguística

(do sistema) superior à frase; sucessão ou combinação de frases; cadeias de pronominalização

ininterruptas; cadeias de isotopias; complexo de proposições semânticas, assim como numa

visão pragmática: sequência de fala; fenômeno primariamente psíquico, resultado de

processos mentais; atividade verbal, como parte de atividades mais globais de comunicação,

que vão além do texto em si.

Tais conceitos foram discutidos e surgiram novos enfoques, desde a concepção de

língua como código, língua como estrutura fechada e texto considerado mera decodificação

por um emissor. Tais concepções, hoje, são restritas porque o texto é uma atividade verbal

com fins sociais em situações concretas de interação num contexto mais complexo de

atividades. Para a linguística textual, o termo texto abrange tanto textos orais quanto escritos

que tenham como extensão mínima de dois signos linguísticos. Para Marcuschi (2008), a

extensão física não interfere na noção de texto em si. O mais importante, para ser um texto, é

a sua discursividade, inteligibilidade e articulação que ele põe em andamento.

Fávero e Koch (2008) afirmam que o termo discurso parece ter significado mais

amplo que texto, visto que engloba tanto os enunciados pertencentes a uma mesma formação

discursiva como as suas condições de produção. O texto seria a manifestação verbal

resultante. O ser humano tem a capacidade da textualidade, ou seja, de criar textos sejam

verbais ou não-verbais.

Nos estudos de Orlandi (2007), o texto é uma “peça” de linguagem, uma peça que

representa uma unidade significativa. As palavras não significam em si, porém é o texto que

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significa. A palavra significa quando tem textualidade porque deriva de um discurso

significativo. Na Análise do Discurso (AD), o texto é um objeto histórico (não documento e

sim discurso) onde a linguística intervém como pressuposto. O discurso é um processo que se

desenvolve de múltiplas formas e em situações sociais determinadas. A AD tem como

objetivo romper os efeitos de evidência, outra maneira de ler o texto, expor o leitor à

opacidade do texto. A língua, para a AD, não é um sistema abstrato. Ela vê a língua no mundo

com o homem expressando-se oralmente e por escrito, produzindo sentidos como sujeitos da

sociedade.

Mas, o que define um texto? Um texto se constitui numa atividade comunicativa numa

rede complexa de fatores situacionais, cognitivos, socioculturais e interacionais capazes de

construir um determinado sentido. O sentido do texto não está nele, mas é construído a partir

dele numa forma interativa, numa concepção dialógica como proposto por Bakhtin (1988),

através da interação verbal, estabelecida pela língua com o sujeito falante e com textos

anteriores e posteriores, em que a palavra como signo social e ideológico torna-se real e

constrói diferentes sentidos de acordo com o contexto. A interação verbal constitui assim a

realidade fundamental da língua. O modo de dizer de cada indivíduo é realizado a partir das

possibilidades oferecidas pela língua e concretizadas por meio dos gêneros discursivos, visão,

hoje, diferente dos gêneros textuais da visão aristotélica. A análise dos gêneros diz respeito à

relação da língua no cotidiano nos mais variados contextos.

Apesar do enfoque sobre o processo interativo da linguagem, observamos que ainda

prevalece, na escola, o conceito de que língua é um instrumento de comunicação e de

informação, servindo para transmitir conhecimentos, reforçando a noção de sujeito/leitor

passivo que não reflete e não atenta para o sentido narrativo e discursivo das condições de

produção do texto. Desta forma, a escola deve refletir sobre o seu papel na sociedade para

encontrar novas estratégias ativas de ensino da leitura e de produção de textos, auxiliando o

aluno a construir sentidos na forma interativa de diálogos para que saiba utilizar a língua em

situações reais de uso.

Diante dessas observações dos pesquisadores, os professores precisam entender que a

leitura é uma atividade interacional de língua, cujo sentido do texto é construído considerando

as “sinalizações” textuais dadas pelo autor. E isto, requer todo um conhecimento de mundo,

condição que ativa no leitor seu lugar social, valores, conhecimento do outro e conhecimento

da língua. As concepções de língua e de linguagem estão relacionadas com o tipo de ensino-

aprendizagem de nossa língua materna que são ministrados em sala de aula. A escola

necessita discutir suas práticas pedagógicas para optar por um ensino mais dinâmico que

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contemple o diálogo, a interação para formar alunos participativos e ativos. Não queremos

dizer que a gramática não é importante, mas também não é a única forma de ensinar a língua

materna. A língua deve ser ensinada, não em exemplos fragmentados através de frases

isoladas e soltas, mas no uso real e comunicativo dos falantes.

Pela própria complexidade da leitura é necessário desenvolver um trabalho em relação

às competências de ler e de escrever, sistematizando e organizando o uso da linguagem. A

natureza da linguagem é transdisciplinar porque permeia a vida do homem em toda a sua

existência, na forma de conhecer, de pensar, de refletir, de se relacionar com o outro. Geraldi

(1997, p.4),

(...) a questão da linguagem é fundamental no desenvolvimento de todo e

qualquer homem; de que ela é condição sine qua non na apreensão de

conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e nele agir; de

que ela é ainda a mais usual forma de encontros, desencontros e confrontos

de posições, porque é por ela que estas posições se tornam públicas, é crucial

dar à linguagem o relevo que de fato tem: não se trata evidentemente de

confinar a questão do ensino de língua portuguesa à linguagem, mas trata-se

da necessidade de pensá-la à luz da linguagem (...).

A linguagem não é apenas a língua como código, mas é uma atividade cultural e

coletiva que permite aos indivíduos interagirem em várias formas de comunicação. É

interlocução, espaço de produção e de constituição dos sujeitos para que possam agir em

constantes confrontos de posições. Também é resultado da produção histórica que constituem

os sujeitos no momento em que falam produzindo linguagem e isso significa produzir

discursos.

A linguagem constitui lugar de criação de significados e de sentidos presa aos

contextos, nos quais estão inseridos os indivíduos. De acordo com Zuin e Reyes (2010) o

ensino está ligado a duas dimensões da língua: a referencial (significado) e a semântica

(sentido). Isso nos remete, segundo as autoras, para Vygotsky e Bakhtin que já deram ênfase à

semântica para os estudos da linguagem. A semântica pode ser entendida como a dimensão

discursiva que depende inteiramente do contexto, das interações entre os falantes. Bakhtin

(1988, p.31-36) afirmava que “todo signo é ideológico”, “Sem signo, não existe ideologia”. A

palavra é signo e é fenômeno ideológico por excelência, o modo mais puro e sensível de

relação social. Para Bakhtin (1988), a linguagem é um fenômeno social, histórico e ideológico

e os enunciados são unidades básicas da análise linguística que são produzidos em contextos

sociais e concretos, numa dinâmica comunicativa.

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Nessa relação do homem com a linguagem, estabelece-se na sociedade a ideologia que

congrega indivíduos em torno de crenças, de propósitos, de ideais, que se apropriam da língua

para comunicar o que pensam ou discordam das estruturas vigentes de uma época. Para

Guimarães (2009), a ideologia define-se, como uma tomada de posição determinada,

configurando-se, por isso, o essencial na relação mundo/linguagem. A linguagem aparece

como fenômeno social da interação verbal e realiza-se por meio da enunciação ou das

enunciações. Os textos se materializam para o entendimento dos discursos e neles a

linguagem é interação como modo de produção. Não é neutra porque todo texto tem uma

intenção quando é produzido em qualquer contexto.

Nesse sentido, percebemos que a linguagem permite a comunicação entre os homens e

é lugar de relações sociais vista como lugar de interação social. A linguagem não é somente

um sistema de código, mas é um ato de ação que permite os sujeitos dialogarem uns com os

outros em relações sociais altamente produtivas de significados. A linguagem é o resultado de

produção histórica e coletiva constituindo os nossos discursos que se manifestam através dos

textos orais ou escritos. Benassuly (2002) nos faz refletir, sobre a nossa ação em sala de aula,

afirmando:

A sala de aula é um espaço repleto de signos e significações que tomam a

cor através da linguagem. A aprendizagem se concretiza através do diálogo

entre sujeitos que interagem como o mundo e produzem cultura. O professor

se transforma em mediador da discutibilidade emancipatória no seu ato ou

ação educativa. (BENASSULY, 2002, p.190).

Nossas ações em sala de aula serão as responsáveis pelo compromisso de concretizar o

processo da leitura de forma interativa com o outro assegurando o encontro da descoberta da

leitura. Não se nega ao professor empregar metodologias para orientar o seu trabalho, mas se

questiona na escola que este seja um mediador do processo da linguagem na troca de

interação entre sujeitos do discurso. Compreendemos que através da leitura podemos sair de

nosso estado de alienação para vislumbrar outras possibilidades de resistir à exclusão, à

marginalização. Petit (2008) afirma que a leitura, em particular a leitura dos livros, pode

ajudar os jovens a serem mais autônomos e não apenas objetos de discursos repressivos ou

paternalistas.

1. 4 A DIMENSÃO INTERACIONAL DA LINGUAGEM

Na dimensão interacional da linguagem, os aspectos das teorias bakhtinianas sobre a

linguagem têm implicações para o ensino-aprendizagem na escola, daí a importância das

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ideias de Bakhtin. Embora não seja um linguista, Bakhtin tem em seus estudos o interesse

pela língua, numa concepção diferente do estruturalismo de Saussure. Suas concepções estão

relacionadas com a linguagem e com o uso da língua. Muito embora, vários estudiosos ainda

discutam a complexidade do teor de suas obras. A linguagem para Bakhtin (1992) é dialógica,

um discurso não se constrói sobre si mesmo, mas sempre pressupõe o outro. Para o autor, a

linguagem está presente na vida social do homem e exerce um papel principal na formação

sociopolítica e nos sistemas ideológicos.

Na concepção da leitura como processo interativo, ocorre a interrelação dos processos

ascendentes e descendentes para a construção do significado. O sentido do texto é construído

na interação, lugar de “inter-ação” entre sujeitos ativos em atividades sociocomunicativas. O

processo integra tanto as informações contidas no texto (processo perceptivo) quanto às

informações prévias que o leitor traz para o texto (processo cognitivo).

Faraco (2009) afirma que há, nos discursos bakhtinianos, uma relação positiva com a

linguística, muito embora Bakhtin considere a linguística insuficiente para o estudo da

comunicação verbal em si, nos termos em que ele a entende, isto é, para o estudo das formas

desta comunicação, da natureza dos enunciados concretos, das relações dialógicas, dos

gêneros do discurso.

Verificamos que o conceito de língua de Bakhtin (1992) confronta-se com o de

Saussure que é questionado por aquele autor por retirar da língua seu caráter ideológico,

considerando o signo como valor imutável, inerte numa análise da língua como sistema

abstrato. Bakhtin inclui a fala, a enunciação que foi excluída por Saussure por ser

“individual”, não passível de homogeneização. Para Bakhtin, não há discurso “individual”, a

fala está ligada às condições da comunicação e dela confrontam-se os valores sociais de

dominação, resistência e adaptação. Todo discurso se constrói em função do outro num

processo de interação, real e imaginário.

Saussure não nega que as línguas variam, mas não como objeto científico em seus

estudos. A forma era o resíduo estável da convenção social, o discurso era só o plano da fala

individual que poderia ser objeto de uma análise controlada. Outro ponto observado é que o

estruturalismo saussuriano não nega a existência do sujeito, mas não se ocupa dele. O sujeito

da parole é formal e em certo sentido “assujeitado”, social, mas tal aspecto não interessa

muito a Saussure (MARCUSCHI, 2008).

A reflexão sobre o funcionamento da língua depende da noção de sujeito que temos,

por isso é importante a relação entre “quem fala e o que é falado”, não o sujeito do

estruturalismo, mas de um sujeito ocupante de um lugar no discurso e que tem uma interação

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com o outro na história. No caso, a relação entre o professor e os alunos na sala de aula é o

que interessa para o ensino da leitura, pois ambos são os sujeitos da ação. Segundo Flores e

Teixeira (2005), Bakhtin vê a concepção de enunciação como produto da interação de dois

indivíduos socialmente organizados, mesmo que o interlocutor seja uma virtualidade

representativa da comunidade na qual está inserido o locutor, daí a ideia de interação verbal

que é realizada por meio da enunciação.

É interessante notar que Bakhtin (1992) afirma que as atividades humanas estão

sempre relacionadas com o uso da língua. A língua concretiza nossos enunciados, sejam eles

orais ou escritos, concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou outra esfera da

atividade humana. Segundo Barros (2005), a língua não é ideologicamente neutra e sim

complexa a partir do uso dos traços do discurso porque se imprimem e instalam-se na língua

choques e contradições. A alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para

sua concepção: é impossível pensar no homem fora das relações que o ligam ao outro. Ainda

para Bakhtin (1988, p.113), “através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em

última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte entre mim e os

outros.”

É importante ressaltar que para Bakhtin (1992), o dialogismo é o princípio constitutivo

da linguagem, resultante de uma interação verbal em que se estabelece entre o enunciador

(destinador) e o enunciatário (destinatário). A partir do momento em que se torna um

enunciado, em uma situação discursiva, passa a representar a intenção do falante, daí tem-se

um ato de comunicação social que é a unidade efetiva do discurso. Ainda tomando como

referência as ideias de Bakhtin (1988), este considera o dialogismo o princípio constitutivo da

linguagem e a condição do sentido do discurso. O autor afirma que o discurso não é

individual porque é construído entre pelo menos dois interlocutores que, por sua vez são seres

sociais, porque se constrói como um diálogo entre discursos, ou seja, mantém relações com

outros discursos. Na visão bakhtiniana, o diálogo é uma das formas mais importantes da

interação verbal, visto em contextos sociais não apenas como entendimentos, acordos, mas

também como divergências, questionamentos, recusas.

Ainda para Bakhtin, a visão dialógica (1988) acontece na interação verbal,

estabelecida pela língua com o sujeito falante e com textos anteriores e posteriores que a

palavra como signo social e ideológico torna-se real e constrói diferentes sentidos de acordo

com o contexto. Ainda para o mesmo autor, a interação verbal constitui assim a realidade

fundamental da língua. O modo de dizer de cada indivíduo é realizado a partir das

possibilidades oferecidas pela língua e concretizadas por meio dos gêneros discursivos.

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Essa noção prevê que a concepção interativa da linguagem manifesta-se por meio de

textos que se organizam dentro de um determinado gênero discursivo. Neste caso, o sujeito é

ativo e está empenhado numa atividade sociocomunicativa que mobiliza uma série de

estratégias de ordem sociocognitiva, interacional e textual com a finalidade de construir

possíveis sentidos. Bakhtin (1988) recusa a compreensão passiva. Na interação verbal, o

sujeito não é passivo quando ouve e compreende um enunciado, mas atua de forma ativa

porque pode concordar ou não, discutir, ampliar, direcionar o ato enunciativo. Os sujeitos se

constituem na interação com os outros, apropriando-se da linguagem e constroem sentidos

num processo intersubjetivo.

Outros trabalhos como o de Faraco (2009, p.61) enfatizam que a palavra diálogo para

o Círculo de Bakhtin tem acepção diferente da forma-diálogo, na composição escrita ou no

texto dramático, também como na conversação na interação face a face. Não constitui objeto

de estudo a maneira de troca entre participantes de uma conversa, como na análise da

conversação ou na forma composicional e sim como “um documento sociológico altamente

interessante”, isto é, como espaço em que mais diretamente se pode observar a dinâmica do

processo da interação das vozes sociais. O Círculo de Bakhtin se ocupa com o complexo de

forças em que nele atua e condiciona a forma e as significações do que é dito ali em eventos

banais, lugares do cotidiano ou obras mais elaboradas do vasto espectro da criação ideológica.

O que interessa é o “colóquio ideológico em grande escala”, como se refere Bakhtin (apud

FARACO, 2009).

Também para Brandão (2010), no dialogismo, encontram-se várias instâncias

enunciadoras o que constitui a dimensão polifônica do discurso, ou seja, o resultado de várias

vozes enunciativas. Todo discurso dialoga com outro discurso manifestado em enunciados. O

dialogismo não acontece somente entre discursos interpessoais, mas em práticas discursivas

amplas, na relação das línguas, da literatura, dos gêneros e até entre culturas. O dialogismo e a

polifonia integram a oralidade e a escrita porque são interações sociais. O discurso é marcado

pelo dialogismo quando o sujeito interage diretamente no processo da interlocução e

indiretamente por meio da polifonia. O dialogismo, quando falamos e escrevemos, sempre

está dialogando com outros discursos, assim empregamos as paródias, as imitações, as ironias,

os provérbios, as paráfrases. O discurso tem efeito polifônico, é heterogêneo porque há

múltiplas vozes que dialogam e está presente nos discurso direto, indireto, indireto livre, em

citações, em palavras.

Logo, na escola, esta abordagem da dimensão interacional nos leva a entender a

língua, a linguagem, o texto e a noção de sujeito como um processo mais amplo, global que

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determina outro “olhar” para questões mais abrangentes como históricas, sociais, culturais e

ideológicas. A concepção leva-nos a outra proposta no processo de ensino-aprendizagem

como a forma de lidar com os gêneros textuais. Um texto não são frases soltas, mas um todo

organizado, e se caracteriza pelos efeitos que produz e provoca no leitor a partir de um

contexto em que está inserido. Desta forma, determinadas funções de textos escritos vão gerar

um determinado gênero que pode ser relativamente estável do ponto de vista de seu tema, de

sua composição e de sua forma estilística. A interação verbal dá-se entre interlocutores de

forma cooperativa e não podemos esquecer de que os conhecimentos e as experiências do

leitor são importantes. Para isso, devemos escolher as leituras para os nossos alunos de acordo

com as suas vivências, idade, interesses com a finalidade de provocar situações de interação

para compartilhar opiniões, sugestões, e promover debates.

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CAPÍTULO 2

O TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA

2. 1 COMPREENDENDO A LITERATURA: ENCONTROS E DESENCONTROS

Tomando como referência os estudos de Lajolo e Zilberman (2009), a maneira como

foi feita nossa colonização, através do isolamento e do abandono em relação à educação,

contribuiu para uma carência cultural em relação aos livros. O Brasil foi um dos últimos

países a ter imprensa e somente a partir de 1840, durante o Romantismo, começou a se

fortalecer uma sociedade leitora. Nessa época, o capitalismo e a expansão da cafeicultura

estavam em progresso. Os escritores Joaquim Manuel de Macedo com o romance A

Moreninha e Manuel Antônio de Almeida com Memórias de um sargento de milícias,

lançados em folhetins, na imprensa carioca, tentaram conduzir os leitores para uma obra

autônoma. Os folhetins, como uma técnica, agradaram o público e foram mantidos no

desenrolar da história do romance brasileiro. Na Europa, os livros já aparecem no século XVII

e o livro Dom Quixote, de Cervantes, foi o mais notável.

No contexto dos estudos de nossa literatura, a influência europeia, principalmente a de

Portugal, foi muito forte. Somente com o surgimento do Romantismo, consolidaram-se os

gêneros literários afirmando-se a poesia e a criação da ficção. A partir da Semana de Arte

Moderna, em 1922, estabeleceu-se uma nova consciência que aos poucos impôs

características realmente nacionais à literatura, rompendo com tudo que lembrasse o passado e

o academicismo, dando entrada a nacionalização da literatura, através da busca de

originalidade com temas como o folclore, o indígena, o cotidiano. No primeiro momento, a

poesia desenvolveu-se mais intensamente, depois tanto a prosa, quanto à prosa-poética tomam

formas inovadoras e outra forma de se conceber o texto literário se traduziu numa ampla

liberdade do uso da língua (PROENÇA FILHO, 2004).

Ao falarmos em literatura, lembramo-nos dos livros, dos contos de fadas de nossa

infância, das histórias que nos contavam quando íamos dormir. Muitas dessas histórias orais

ficaram na memória de meninos e de meninas e deixaram lembranças de que são narrativas

inventadas ou como textos para diversão. Quem teve o costume de ouvir histórias sempre tem

algo a relembrar daquele tempo inesquecível de criança. Todorov (2010, p.15-23) diz que, em

suas lembranças, se vê cercado de livros porque seus pais eram bibliotecários e havia muitos

livros em sua casa. Depois que aprendeu a ler, devorava os textos clássicos adaptados e, aos

oito anos, leu um romance inteiro de 223 páginas em uma hora e meia. O autor afirma que “a

literatura abre o infinito, essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos

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enriquece infinitamente”. Faraco (apud Brait, 2010) também relata uma experiência de leitura,

na infância. Não se lembra do título, nem o nome do autor, mas lembra que era a história de

dois garotos franceses e não conseguiu largar o livro até o final da história. Isso foi o

suficiente para descobrir a vontade de ler e ler mais. Não abandonou mais os livros. Tornou-se

leitor. Sírio Possenti (apud Brait, 2010) afirma que lê de tudo. No entanto, o que mais o

fascina são as narrativas, as histórias bem contadas que tiravam seu sono quando era um

menino, porque envolviam mistérios e ele as escutava extasiado. Então quem se tornou leitor

tem sempre algo a contar, porque o universo rico e misterioso das narrativas nos envolvia e

nos seduzia. E por que não seduz mais? Que mudanças ocorreram?

Na escola, ensinar e estudar literatura depende de indagações sobre o seu sentido,

sobre a sua finalidade e trazem inúmeras dúvidas quanto à forma que toma no ambiente

escolar. Mas, afinal o que é literatura? Para que serve a literatura? É relevante fazermos

algumas considerações acerca do assunto. A literatura nasceu na Grécia. Chamava-se poesia e

surgiu para divertir a nobreza. Definir o termo literatura é muito complexo, mas a definição

em relação ao texto literário está ligada à arte verbal ou à arte da palavra. Segundo Ferreira

(2009, p.65), desde a Antiguidade Clássica, explica-se a literatura e, ao longo da história,

tiveram, em seu percurso, definições como “o ensino das primeiras letras”, “arte das belas

letras” ou “arte literária”. Também, no século XIX, o termo passou a ser empregado para

definir “uma atividade que, além de incluir os textos poéticos, abrangia todas as expressões

escritas, mesmo as científicas e filosóficas”.

A mais antiga das concepções foi vista por Platão e por Aristóteles que a consideraram

mímese e suscitou várias interpretações. Proença Filho (2004) diz que a arte, para Platão,

envolveria a representação do mundo das aparências e das opiniões; corresponderia à imitação

da aparência da realidade; a realidade seria a “imagem” (fantasma) de ideias eternas; a obra de

arte seria “imagem de imagem”, simulacro da realidade e não caracterizaria conhecimento do

real. Esse conceito apareceu na obra República, quando Platão citou a literatura e a pintura

como imitações duplamente afastadas da realidade. Já para Aristóteles, a mímese corresponde

à imitação das “essências”, imitar não é duplicar o referente, mas implica conhecimento da

natureza profunda do ser humano e do mundo. O produto artístico que se concretiza a partir

dele conduz ao efeito de “purgação” liberadora (catarse), termo que ele não deixou muito

claro. Diferente de Platão, Aristóteles não considerava este mundo como sombra de outro. Na

obra Poética, concebeu a poesia como representações da vida.

Nos séculos XVI, XVII e XVIII, em se tratando de artes comparadas, os conceitos do

pensamento grego tomaram proporções consideráveis por meio de produções artísticas

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centradas em discussões, críticas e em pensamentos filosóficas. A concepção de mímese

dominou a era clássica, junto com a obra Arte Poética, de Horácio, recuperada no

Renascimento que foi interpretada de várias formas, conduzindo a poesia e as artes visuais em

várias polêmicas que perduraram por muito tempo. Já no século XIX, dentro da concepção

dos românticos, cabe ao artista, a visão das coisas como ainda não foram vistas e como são

profundas em si mesmas. O texto literário tem uma visão subjetiva: o homem romântico

revela a capacidade de criar mundos imaginários, e de acreditar na realidade dos mesmos e

tem uma capacidade de interpretar o mundo que vai além da transcendência, assim empresta

eternidade ao mundo sensível que o cerca (PROENÇA FILHO, 2004).

Já no século XX, com os estudos linguísticos uma nova concepção apareceu para

especificar a criação literária. O mais importante não é o conteúdo, mas as formas de

linguagem utilizadas na obra literária. Na verdade, a literatura se distingue de outros textos

escritos pela sua literariedade, pela sua linguagem plurissignificativa, pelas suas metáforas.

A linguagem do texto literário é diferente do texto científico, do filosófico, do político.

Traz a marca da opacidade do uso especial da linguagem que nela se configura. O caráter de

ficção entendido como fingimento, tem sido colocado em questão por muitos estudiosos. Nas

pesquisas recentes feitas pelos historiadores, o ficcional não se confunde com o falso, visto

que há muitos fatos captados da realidade. Ferreira (2009) afirma que toda ficção está

enraizada na sociedade, pois é em determinadas condições de espaço, de tempo, de cultura e

de relações sociais que o escritor cria seus mundos de sonhos, de utopias ou de desejos,

explorando ou inventando formas de linguagem.

Desta forma, é discutido o caráter da ficção em certos textos. Reis (1999) afirma que

pela inclusão de certos textos dentro do campo literário e pela exclusão de outros, pode existir

possibilidades de situações híbridas que tiraram a fixidez da existência de um campo literário

rígido. Uma obra híbrida pode mesclar eventos ficcionais com situações históricas. O texto

literário veicula uma forma específica de linguagem e evidencia um uso especial da fala e se

coloca a serviço da criação artística. O artista não está isolado do mundo e o complexo ato de

criação de sua arte inclui um conjunto de percepções sensoriais, emotivas, de sonhos, de

desejos, de uma visão particular de ver as coisas. Para Proença Filho (2004), apesar de ser

difícil definir o que é literatura, há elementos que a tornam particular. Os aspectos estéticos da

obra literária estão no texto que tem uma base linguística e seus traços peculiares identificam

o discurso literário, diferenciando-os dos discursos científicos.

Reis (1999) assegura ainda, que a linguagem do texto literário tem certas

características que configuram um universo ficcional, com dimensão e particularização

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variáveis, mas tem uma coerência semântica e técnico-compositivo, apresentando uma

entidade pluristratificada constituída por níveis diversos de expressão, apontando também a

intertextualidade, ou seja, a relação com outros textos. Neste caso, há um diálogo entre eles e

neles se projetam. Apesar do caráter ficcional, o texto literário tem uma relação com o mundo

real. Daí, temos a verossimilhança, pois o artista, por meio da metáfora, do fantástico, do

sonho apresenta o que poderia ter acontecido. O texto literário assegura ao leitor, sua

coerência textual do ponto de vista linguístico, semântico, morfológico e outros meios das

normas estilísticas, assim como se articula em formas de polifonias complexas.

Nesse sentido, o que chama realmente a atenção do leitor ao ler um texto literário é a

construção dessa linguagem especial, as palavras que revelam metáforas, os seus implícitos e

que são capazes de transcender uma realidade, uma transfiguração da realidade. Sendo assim,

a concepção de ver o texto literário e sua validação mudou. Não há mais uma interpretação

fechada, de verdades únicas daquele que produziu a obra, mas o autor perde sua autonomia de

ser o único dono de suas ideias e o leitor encontra estímulos para um processo de construção

de sentidos. Retomando Petit (2008), o leitor não é passivo, ele opera um trabalho produtivo,

ele reescreve. Também altera o sentido, distorce, reemprega, introduz variantes, deixa de lado

os usos corretos. Mas também é transformado por algo que não esperava e não sabe aonde

vai.

Reis (1999) ainda afirma que a linguagem literária é marcada pela ambiguidade, num

contexto estético-verbal, sendo um desafio ao leitor para apreender, no discurso literário,

efeitos e sentidos múltiplos. A ambiguidade não surge aleatoriamente, mas como propriedade

relevante numa utilização de configuração semântica e internamente coerente no texto

literário.

Sob essa perspectiva, Lois (2010) afirma que a obra de ficção apresenta um texto

aberto e disponível à interação com o leitor. A literatura surge como texto polissêmico, cuja

experiência da interação é maior que sua própria compreensão. A autora diz que não se

explora mais a realidade da literatura como arte, a fim de aproximar o leitor, não apenas da

leitura, mas também como manifestação de cultura. A experiência de ler um texto literário é

diferente de simplesmente lê-lo como código. No primeiro caso, a leitura circula para o leitor

com liberdade pelas palavras para a produção de sentidos numa relação intersubjetiva; no

outro caso o leitor lê o texto sem se preocupar com a produção de sentido e só há uma única

forma de interpretação, o utilitarismo massificador de repetição. O segundo caso é apontado

pelos estudiosos como o texto literário é visto na escola. Para a mesma autora, o texto literário

é arte, não é pedagogia porque dialoga com a subjetividade e não com a técnica. Petit (2008)

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lembra que é sempre na intersubjetividade que os seres humanos se constituem e que o leitor

não é uma página em branco, em que se imprime o texto, ele se deixa levar pela sua fantasia

que se junta com a do autor, consequentemente nas palavras do autor surgem as suas, ou seja,

o seu próprio texto.

Em seus estudos, Todorov (2010) questiona e diz que a literatura está ameaçada na

escola, porque não participa mais da formação cultural dos indivíduos. Muitos alunos não

conhecem ou nunca ouviram falar de grandes poetas ou romancistas e o ensino da literatura

resume-se ao ensino da história e dos gêneros literários, ficando o seu acesso apenas de forma

institucional. Na escola, é mais uma matéria escolar a ser aprendida. No entanto,

(...) a literatura abre o infinito essa possibilidade de interação com os outros

e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações

insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e

mais belo. Longe ser um simples entretenimento, uma distração reservada às

pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação

de ser humano. (TODOROV, 2010, p.23-24)

Constatamos que na escola, o ensino da literatura tem sido visto à luz de várias

críticas. Embora de sentido dúbio, a literatura constrói uma forma de expressão que suscita no

leitor um universo mágico, de vivência interior com que, muitas vezes, se identifica e expande

sua imaginação para um mundo imaginário, incorporando, em seu mundo, novas experiências.

Mesmo com o surgimento da internet, os livros ainda propiciam uma vivência interessante e

única, apesar da rapidez das informações, dos resumos de obras espalhados pelos meios

eletrônicos, do imediatismo e da correria da vida. O preço dos livros, no Brasil, ainda é alto

para a população de baixa renda, muito embora já existam edições de obras clássicas mais

baratas, a preço acessível, principalmente das leituras obrigatórias dos vestibulares. Como

afirma Zilberman (2001), o leitor tem um papel de protagonista, no entanto o livro dispõe de

mecanismos de distribuição e é a materialidade da literatura e o seu consumo que

movimentam a sociedade capitalista, elevando lucros, acionando as editoras, os trabalhadores

e os escritores que dependem de uma situação social e econômica de acordo com o seu

envolvimento com o mercado.

Zilberman (2008) preocupa-se com o ensino de literatura e afirma que este não deve

ser visto como transmissão de um patrimônio já constituído e consagrado, mas sua construção

deve ocorrer para a formação do leitor. A leitura não é processo de alfabetização e

decodificação de matéria escrita, deve ser uma atividade de experiência única com o texto

literário. A leitura estimula o diálogo, por meio do qual se trocam experiências e confrontam-

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se gostos, no entanto afirma que a escola não a estimulou, a não ser em tarefas de ordem

pragmática.

Normalmente, os alunos têm a ideia distorcida de que a literatura é difícil, como

história de um passado, só para intelectuais, que os poetas são pessoas sonhadoras ou que se

devem ler os clássicos para escrever bem. Esta relação com a literatura distante dos discursos

produzidos no cotidiano e suas condições de produção e de recepção é ignorada, produzindo

leituras desinteressadas somente para passar o tempo ou de estudo do texto. O aluno não vê a

literatura como uma prática de troca mediada pela experiência, pelo conhecimento, num

mundo construído pela subjetividade, devendo ser sujeito de ação para transformar o estado

de exclusão que lhe é imposto pelas classes dominantes.

Retomando as palavras de Brandão e Micheletti (2007, p.25),

A literatura aparentemente destrói o real ao enunciar um mundo construído

pela palavra. No entanto, ela rompe com a esterotipia de um mundo

insensibilizado pela linguagem do cotidiano (dos noticiários, por exemplo)

que nivela a todos e que os impede de ir além, de perquirir-se, de auscultar-

se. Ela atua no intervalo que se estabelece entre o real objetivo e o eu.

Espécie de mediadora privilegiada, ela nos transmite uma experiência

estética e uma dimensão libertadora, que co-responde aos nossos anseios.

A literatura revela outro lado da vida desconhecido pelo homem porque se funde no

mundo irreal e no real e expande outras possibilidades de troca de experiências e se abre a

infinitas possibilidades da vida. A linguagem informativa é imediatista, por outro lado a

literatura resiste ao tempo, se mantém na memória dos sujeitos e sua linguagem imprime uma

singularidade capaz de emocionar e reproduzir experiências de um eu com outros ‘eus’

dialogando para atribuir-lhe significações.

Logo, segundo Aguiar e Silva (1994) é difícil definir o lexema literatura porque este é

polissêmico. Para o autor, a literatura não consiste numa herança, num conjunto cerrado e

estático de textos do passado, mas é um processo histórico de produção de novos textos.

Assim é difícil uma definição rigorosa sobre o que é literatura, haja vista que envolve a

criação artística e como arte tem um caráter ambíguo e se altera com o tempo, estando em

permanente atualização. Sendo assim, Proença Filho (2004) afirma que a definição para

literatura permanece em aberto, na medida em que acompanha o dinamismo da cultura em

que se insere. Todavia, há traços peculiares e identificadores do discurso literário em sua base

linguística, tanto na forma sintática, na semântica ou na estrutural.

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Em suma, para um ensino efetivo da literatura, Lajolo (2000) lembra de que o

professor de Língua Portuguesa deve ter uma noção ampla de linguagem, assim como leitura

dos clássicos, dos autores contemporâneos, precisa conhecê-los e ser capaz de explicá-los,

também precisa de outros conhecimentos sobre leitura para trabalhar em sala de aula.

2. 2 O TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA: UMA QUESTÃO EM JOGO

A escola é essencial na sociedade, mas vive um paradoxo em termos de sua

sobrevivência como instituição social. Sendo uma educadora, não imaginamos a vida sem

uma escola. No entanto, o modo de organização da escola não acompanha a sociedade em que

estamos inseridos. A escola é importante, mas não favorece aos jovens políticas públicas

socioeducativas que contribuam para sua formação visando formar cidadãos críticos e

participantes.

A forma de conduzir a aprendizagem, nas diversas disciplinas, de maneira informativa,

fragmentada, somente como transmissão de conhecimentos e com conteúdos sem uma

contextualização com a vida do aluno, tornou a escola menos atrativa aos olhos dos jovens.

As mudanças desordenadas dos sistemas econômicos, políticos e sociais implicam novas

formas, novas possibilidades para o ensino, porém a escola estagnou e não está

acompanhando essas mudanças ocorridas. Assim como a sociedade, a escola passa por uma

profunda crise em termos de sua identidade e de seus valores. A escola conhecida como local

de saber, de aprendizagem virou um local cheio de conflitos entre os quais a violência que

bate a sua porta e deixa professores, alunos, pais e a sociedade perplexos diante de

acontecimentos que ainda não sabemos como resolver. Pela força policial? Pela pressão e pela

opressão? Pelo diálogo? Como? A crise reproduzida não afeta só a escola, mas também as

famílias dos alunos que a escola recebe e os próprios professores. Os programas de políticas

públicas para a educação ainda não são realidades concretas e tornam-se paliativos diante da

dimensão dos problemas que se instalaram na escola. Diante da crise, como estimular os

alunos à leitura? Qual seria a importância de formarmos leitores na escola?

Brandão e Micheletti (2007) afirmam que a sociedade valoriza a informação restrita,

as trocas de capital técnico e científico e transmite valores morais que a sociedade deseja

perpetuar para garantir certas hegemonias, encarando a literatura como algo suspeito e frívolo.

Na escola, os textos são vistos para recitação, para divertimento, para preencher vazios. A

literatura deveria ser uma atividade mais produtiva e não como listagem de autores e obras,

características de movimentos literários ou vista como algo morto. A literatura é um discurso

dialógico em que o leitor lhe dá vida e atribui-lhe sentidos. Para as autoras, não se pode ver a

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literatura como irrealidade, de criar conflitos com as diferentes origens sociais dos alunos ou

promover a sua alienação, mas colocar à disposição dos alunos o valor da literatura como

criação, fruição, ação, conhecimento, lazer e bem-estar interior para promover uma formação

plena para a cidadania.

Todorov (2010) postula sua preocupação, na França, dizendo que o professor de

literatura não pode ensinar baseado nas instruções oficiais, nas modalidades impostas, mas

deve estudar as obras porque, na escola, não se aprende acerca do que falam as obras, mas do

que falam os críticos e que os alunos do ensino médio aprendem o dogma de que a literatura

não tem relação com o restante do mundo e só se estudam as relações dos elementos da obra

em si. Lajolo (2000, p.15) também afirma “ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele não

tem sentido nenhum, o mesmo pode-se dizer de nossas aulas.”.

As discussões, na escola, sobre o texto versam entre as distinções da leitura da

literatura e o ensino da literatura. Martins (2006) questiona dizendo que a leitura da literatura

visa a atividades lúdicas de construção e de reconstrução de sentidos e só a partir dessa

interação do aluno com os textos, é que o estudo da literatura se torna significativo. O ensino

da literatura é o estudo dos textos em sua organização estética e as leituras, na escola, já são

prontas sem atentar para a construção e para a reconstrução dos sentidos. Afirma ainda, que é

necessário, no contexto escolar, a articulação dos dois níveis, já que ambos estão

dialogicamente relacionados. Para tal condução, o professor precisa dominar o saber

linguístico, o conhecimento de dados contextuais e elementos específicos da teoria e da crítica

literária.

Todorov (2010) garante que é importante o aluno aprender os fatos da história literária

e alguns princípios resultantes da análise estrutural. Entretanto, em nenhum caso, o estudo

desses meios de acesso pode substituir o sentido da obra, que é o seu fim. Entendemos que a

prática literária não deve ser vista como mera reprodução ou assimilação, mas a obra é a mais

importante, uma vez que é um produto social, histórico e ideológico e o seu entendimento só

se dá na interação para ser compartilhada com o outro.

O professor como facilitador da aprendizagem deve privilegiar a motivação para a

leitura, buscando alternativas de trabalhar o texto em outra visão e não como mero objeto para

simplesmente fazer perguntas superficiais ou ensinar fatos da literatura. A literatura deveria

estar integrada a outras disciplinas, deixando de dar ênfase somente aos aspectos biográficos

ou de características de estilo, num enfoque dos estruturalistas ou formalistas, mas ter a visão

da interação autor-texto-leitor porque, segundo Koch (2006), o sentido de um texto não existe

a priori, mas é construído na interação sujeitos-texto e se faz necessário levar em conta o

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contexto. Para a autora, o contexto é constitutivo da própria ocorrência linguística e é um

conjunto de suposições com base nos saberes dos interlocutores que são mobilizados para a

interpretação de um texto.

Parece-nos evidente que se criou um círculo vicioso em torno da leitura da literatura.

Novamente, o professor, como sujeito da ação e da reflexão de sua prática pedagógica, deve

contribuir para o desenvolvimento de práticas de vivência profunda com os textos, deixando

de lado a forma autoritária, monológica, de ser o dono da verdade e do reconhecimento do

texto, mas mobilizar formas do aluno encontrar sentido para a leitura, descobrindo sua

criatividade, sua capacidade imaginativa e tornando-se sujeito-ativo para dialogar com os

textos. Só desta forma mudaremos o cenário que se criou em torno da literatura na escola.

Em relação ao ensino da literatura, o próprio sistema escolar isolou, por um tempo, a

literatura, afastando-a do ensino de língua materna, tornando uma disciplina fragmentada para

o ensino dos estilos de época e de citações de seus autores, como se estudar literatura não

fosse estudar a língua, visto que uma depende da outra. A escola ensina literatura como

possibilidade para o estudo da norma padrão, o uso normativo das formas “corretas”, o que

não é verdade, haja vista os estudos linguísticos comprovam a existência de vários escritores

que trazem o oral para o escrito demonstrando o uso real da língua de acordo a com a sua

necessidade de construir sua obra. Bagno (2007) cita como exemplo, a escritora Clarice

Lispector que, em algumas obras, fez opções gramaticais consideradas de uso não-normativos

(o que alguns tradicionalistas chamariam de “erros de português”), mas a autora trouxe uma

linguagem pessoal, empregou os recursos de que a língua dispõe para obter efeitos mágicos

em suas obras. A literatura seria o meio para o estudo da língua em práticas contextualizadas e

significativas para o aluno, no uso da língua, em seus aspectos oral e escrito em situações que

mostram a fala das personagens.

Em se tratando de textos, Soares (2008) diz que a escola não deve optar por

desenvolver habilidades de apenas determinado gênero de texto. O compromisso está em

formar leitores na ampla variedade de textos que circulam na sociedade. É preciso o aluno

conhecer leituras de poemas, de prosa literária, textos informativos, jornalísticos, publicitários

etc., a autora conclui seu artigo afirmando que é obrigação da escola dar amplo acesso ao

mundo da leitura, tanto para fins informativos, literários, de fruição, de situações da vida real,

mas também de leituras que permitam escapar por alguns momentos da vida real. A literatura

se faz presente ao ler um texto para atribuir-lhe significações e extrair outras experiências,

como também ampliar o conhecimento de si próprio e do mundo real.

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O trabalho de Brandão e Micheletti (2007), por exemplo, enfatiza a preocupação com

a literatura acrescentando que é um discurso carregado de vivência íntima e profunda que

suscita, no leitor, o desejo de prolongar ou renovar as experiências que veicula. Também

afirma que a leitura é um elo entre o homem e o mundo e supre suas fantasias, desencadeia

emoções ativando o intelecto e produzindo conhecimentos. Para as autoras, ler um texto

literário é entrar em novas relações e sofrer um processo de transformação. Para Jouve (2002),

as emoções estão de fato na base de identificação motor essencial da leitura de ficção. Por

isso, provocam nossa admiração, nossa piedade, nosso riso ou nossas simpatias em relação às

personagens romanescas. O texto escrito resiste ao tempo e faz com que possamos ler Homero

ou Platão e todo leitor interage com a cultura e com os esquemas dominantes de um meio e de

uma época.

Por isso, a escola deve propiciar ao aluno, a descoberta do texto literário de forma

prazerosa e não por obrigação. A descoberta dos implícitos do texto é que vai propiciar a

interação verbal. Ao conferir sentido ao texto, o aluno percebe sua organização, sua estrutura,

sua continuidade, o seu gênero e os seus conhecimentos gramaticais, os quais vão além das

regras soltas, mas o aluno percebe o seu efeito no uso concreto da língua. Como já afirmamos,

a leitura é um processo complexo. No entanto, a escola precisa construir um novo modo de

viabilizar o ensino da literatura de forma singular para um processo de trabalhar a

sensibilidade esquecida, a cultura da arte, a leitura de forma dialógica, de vivências, de troca

de experiência para que os alunos se sintam sujeitos ativos de um processo de transformação

para si e para a sua comunidade.

Na escola, o texto literário, principalmente o poema, parece ter sido esquecido e é

visto como algo difícil para interpretar. Os livros didáticos apresentam os poemas com

análises superficiais sem relacionar os elementos significativos, apenas identificando os

elementos referenciais sem levar em conta os aspectos textuais. No ensino fundamental, o

poema serve para exercícios de estrofes e rimas ou para recitação. Muitas vezes, os livros

didáticos apresentam fragmentos dos textos. Para Micheletti (2001), o professor trabalha com

a materialidade do texto, com os elementos linguísticos que o compõem e a poesia é fruto de

uma tensão própria dos textos literários, que confrontam tradição e inovação. Por isso, não

podemos esquecer as circunstâncias históricas, a intertextualidade e outras formas de arte. Na

leitura de poemas, é importante aproveitar as experiências com outros textos e a visão de cada

um. Antunes (2003) reforça que não se pode reduzir o texto literário a exercícios de análise

sintática, pois se esvazia a sua função poética e se ignora a arte de seus elementos linguísticos.

O gosto e o encantamento pela função poética precisam ser cultivados e estimulados.

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Tendo em vista tais dificuldades quanto ao trabalho com os textos é que Alliende e

Condemarin (2005) afirmam que, no ensino fundamental, deve-se envolver a criança em

grande variedade de estímulos tanto orais quanto escritos proporcionando experiências de

escutar, de olhar, de descrever, de expressar sentimentos e de dar opiniões. A sala de aula

deve ter uma variedade de livros para que as crianças tenham contato com leituras diversas. A

maioria pode ser literário, mas também é importante outros gêneros, como: bilhetes, cartas,

notícias, receitas, bulas etc. Além dos livros deve ter revistas e que haja o estímulo para

empréstimos. Os professores devem promover o contar histórias de forma que os alunos

possam ler contos, poemas, lendas com gestos, entonações de voz, expressões para estimular

o interesse pela leitura.

Em relação à incorporação da literatura infantil, na escola, há muitas discussões.

Vários autores são polêmicos ao discutir e afirmar que muitos textos têm cunho moralista e

servem para disciplinar. Como lembra Petit (2008), a leitura foi um exercício prescrito,

coercitivo, para controlar, ensinar certos modelos e inculcar “identidades” coletivas, religiosas

ou nacionais. Também Zilberman (2001) enfatiza que a popularização do livro, depois do

século XVII, não deixou de considerar a leitura perigosa, se aplicada em doses exageradas.

No entanto, autores como Alliende e Condemarín (2005) afirmam que os contos de fadas são

experiências positivas para as crianças porque tais leituras não se desenvolvem na família e,

através dos contos, as crianças começam a interagir com as histórias, constroem significados e

comentam os textos entre os colegas. Afirmam ainda que, dessa forma, as crianças

desenvolvem habilidades para a construção de textos coerentes, ampliam os conhecimentos

do vocabulário e de estruturas gramaticais.

Sobre o assunto, Lajolo (2000) questiona que a literatura infantil não vai resolver os

problemas de leitura na escola brasileira, sendo incluída nos currículos dos cursos de Letras,

mas iniciará o professor no estudo específico de um ramo da produção cultural que está no dia

a dia de suas classes. Por outro lado, o professor precisa conhecer a historicidade da noção de

criança traduzida nos clássicos infantis e como essa noção funciona no seu tempo para se

posicionar e discuti-las em propostas de ensino e de projetos de leitura. Neste ponto,

considera-se que tanto a literatura infantil quanto a juvenil são construções sociais e têm

conceitos instáveis.

Benjamin (1994) enfatizou que contar histórias sempre foi uma arte de contá-las de

novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. O autor lamenta que a

transmissão de experiências esteja em vias de extinção e que são raras as pessoas que sabem

narrar devidamente e acrescenta que já não há histórias surpreendentes, nada mais do que

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acontece está a serviço da narrativa, mas tudo a serviço da informação e, se a arte da narrativa

é hoje rara, a informação que recebemos do mundo é responsável por esse desaparecimento

do contar histórias. Compartilhamos com o autor que a tradição de contar histórias por parte

de nossas avós e de nossos pais fez parte de nossa infância, quando ouvíamos belas histórias

que marcaram um tempo de nossa vida. Muitos pais, hoje, não têm mais tempo para contar

histórias. Trabalham muito ou não dão atenção aos filhos e, quando chegam a casa, os filhos

já estão dormindo. Por isso, a tradição está sendo esquecida pela falta de tempo das famílias.

Ainda na escola, alguns professores, no ensino infantil, mantêm a tradição como mediador e

como comentador da narrativa. No ensino fundamental, o problema é como abordar os textos

sem o preenchimento de fichas de leituras ou simplesmente ler o texto como um pretexto para

passar o tempo.

Amarilha (2006) enfatiza que na atividade de contar histórias a voz do contador define

limites acústicos e comunitários. A voz envolve os ouvintes e há uma experiência de

pertencimento, de membro daquele grupo. O momento é único e traz laços de solidariedade e

atrai os indivíduos para aquela comunidade. O processo da oralidade que se manifesta é muito

significativo, pois está mediado pela linguagem simbólica, pela voz que dá vida ao texto pelo

silêncio e se evidencia na escuta. Essa observação da autora foi vivenciada em nossa

experiência de contadora de histórias, quando há o despertar e o interesse por parte do aluno,

em ouvir histórias ou contá-las, o momento é único e significativo e os jovens começam a se

interessar por conhecer outros autores, outros textos, outros poemas e despertar para procurar

os livros. Há também a quebra da timidez de falar em público e querem criar histórias escritas

para interagir com a turma.

Com base nas considerações acima, o trabalho com o texto deve ter uma abordagem

de análise externa e interna para uma compreensão mais ampla e complexa. Martins (2006)

diz que a leitura deve ser compartilhada com outros leitores, tendo em vista uma abordagem

plural do texto na intertextualidade (o texto apresenta relações dialógicas com outros textos),

na interdisciplinaridade (integração entre professores e alunos na construção de um

conhecimento crítico e global), na intersemiose (relações entre diferentes linguagens) e na

transversalidade (conjunto de temas que permeiam diferentes áreas e conteúdos). Ainda

conforme Martins (2006) não há um modelo fixo, uma vez que a natureza polissêmica da

literatura supera qualquer esquema de leitura. Neste sentido, o ideal seria a escola trabalhar

em projetos intermediando as disciplinas do currículo. Outra forma de aprendizagem para os

professores, pois o trabalho se daria numa perspectiva integrada, de parcerias, não individual

como estamos acostumados a fazer em sala de aula.

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Logo, o trabalho com o texto literário de forma interativa é um desafio para os

educadores que lidam com o ensino da língua materna. A reflexão que fazemos diz respeito à

importância do repertório de textos interessantes que deve estar de acordo com as preferências

e os interesses dos alunos para o trabalho cotidiano na escola. As escolhas compartilhadas

entre o leitor-professor e o leitor-aluno vão determinar nossa relação com as práticas de

letramento literário, contribuindo para experiências com a arte e o texto literário

possibilitando aos jovens uma vivência com outro mundo cheio de possibilidades, mesmo que

seja de fantasias como os contos infantis. Amarilha (2006) enfatiza ainda que a narrativa na

escola através do contador/leitor da história muda a relação da criança com a cultura escolar

porque experimenta através de textos significativos comportamentos psicológicos, sociais,

linguísticos e afetivos. A escolarização da criança em convívio com a leitura de textos

literários promove o seu crescimento e aprendizado na oralidade e na potencialização do

ouvido como ser pensante.

Assim, a nosso ver, na escola, pensar a literatura como arte e manifestação cultural

possibilita o aprendizado da leitura e abre caminhos para a formação de leitores, uma vez que

aproxima o leitor das personagens e, ao mesmo tempo, transforma sua maneira de ver o

mundo e as coisas que o rodeia.

Diante da questão do ensino da literatura é preciso os professores refletirem sobre as

metodologias especificamente as do texto literário com práticas desmotivadoras, simplistas,

que não fazem o aluno ver o texto em outras dimensões mais significativas dentro de um

contexto cultural, ideológico, social, político, estético. O texto literário deve ser visto em usos

sociais da linguagem e em leituras mais complexas do que simples exercícios avaliativos e

perguntas óbvias sem levar em conta a criatividade do aluno para que possa construir os

sentidos porque tudo está explícito e deve ser repetido sem esforço nenhum de raciocínio por

parte do leitor-aluno. Quando insistimos com tais práticas fica difícil formarmos leitores

críticos e proficientes.

2. 3 O PERCURSO DA INTERPRETAÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO NA ESCOLA

Marcuschi (2008) afirma que o ato de compreensão é muito complexo e há inúmeros

estudos e teorias sobre o assunto, entretanto não existe uma teoria mais correta e mais

definitiva. O autor diz que a compreensão é um ato de produção e de apropriação de sentido

que nunca é definitivo e completo. Também não é um ato de extrair conteúdo ou de identificar

sentidos em textos orais ou escritos, mas é uma aventura para o qual não há respostas

absolutas ou completas. A nossa compreensão em relação às coisas que nos rodeiam está

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ligada aos esquemas cognitivos internalizados de forma coletiva e não individual. Além disso,

o autor ainda enfatiza que compreender não é uma ação apenas linguística ou cognitiva, mas é

uma forma de agir na relação com o outro, dentro da cultura e da sociedade. A compreensão

se dá num trabalho de colaboração entre autor-texto-leitor e neste percurso pode haver

desencontros. O autor lembra que a compreensão é um exercício sociocultural.

O trabalho de Kleiman (1989) enfatiza que alguns especialistas em leitura dizem que

não há somente um processo de compreensão de texto escrito, mas que há vários processos,

sempre ativos de acordo com os objetivos do leitor e dependendo dos tipos ou das formas de

textos. Há diversos gêneros de textos como romances, contos, artigos científicos, editoriais,

ensaios, cartas, entre outros, que determinam os objetivos de leitura e seu modo de

compreensão. A capacidade de estabelecer objetivos, na leitura, é considerada uma estratégia

metacognitiva que implica na reflexão sobre o próprio conhecimento e é desenvolvido ao

longo do tempo pelas pessoas. Como já mencionamos, deve-se, neste caso, considerar que o

texto não é algo acabado que traz tudo pronto para o leitor, mas é uma atividade é

determinada pelos seus objetivos e suas expectativas e, para a compreensão do texto o leitor

formula suas hipóteses. O leitor não decodifica, ele percebe as palavras de forma global e,

guiado pelos seus conhecimentos prévios e pelas hipóteses, constrói sentidos. A autora

enfatiza que a leitura sem um propósito não é propriamente leitura. Na escola, lemos porque

alguém manda e estamos apenas exercendo uma atividade mecânica que pouco tem a ver com

o significado e com o sentido.

No que se refere à compreensão, Koch e Elias (2007) destacam que a leitura é uma

atividade que requer participação do leitor, pois se o autor apresentar um texto incompleto,

por pressupor a inserção do que foi dito em esquemas cognitivos, ou esquemas

compartilhados, é preciso que o leitor o complete com conhecimentos armazenados na

memória para a construção do sentido, isso considerando a (re) orientação que lhe é dada.

Alliende e Condemarín (2005) afirmam que a compreensão não requer que os conhecimentos

do texto e os do leitor coincidam, mas que possam interagir dinamicamente.

Jouve (2002) também afirma que o texto se abre para uma pluralidade de interpretação

porque cada leitor novo traz consigo sua experiência, sua cultura e os seus valores. Uma obra

não tem uma única interpretação, mas existem critérios de validação. Marcuschi (2008)

chama a atenção, afirmando que a compreensão é um processo e não algo definitivo. No

entanto, não é adivinhação, mas uma seleção de reordenação e de reconstrução numa certa

margem de criatividade do leitor. É uma atividade dialógica que se dá na relação com o outro.

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A compreensão não pode entrar em contradição com a verdade das proposições do texto, esta

deve ser compatível com o valor-verdade do texto.

Cabe enfatizar que Faraco (2009), interpretando Bakhtin, diz que para este autor, a

compreensão não é mera experiência psicológica da ação dos outros, mas uma atividade

dialógica, pois diante de um texto, vai gerar outros textos. Sendo assim, a compreensão não é

um ato passivo, mero reconhecimento, mas uma réplica ativa, uma resposta, uma tomada de

posição diante do texto.

Muitos estudiosos postulam que, na escola, o texto fica no nível da decodificação e o

aluno vê somente o que o texto transmite em sua superfície, ou seja, o pensamento do autor

em exercícios propostos no livro didático, levando em conta somente as ideias e os

pensamentos do autor. Não há uma interação verbal, um encontro com o outro na leitura, a

interpretação privilegia elementos pontuais e informativos do texto. Para que ocorra a

interpretação, faz-se necessário que se compreenda o que leu. O leitor, quando compreende

um texto, coloca os seus conhecimentos de mundo e experiências e amplia seus esquemas

sobre as ideias lidas naquele texto. Então, encontra novos sentidos para interpretar o texto.

Muitas vezes, o professor não leva em conta as respostas do aluno, e este fica dominado pelas

respostas prontas do livro didático. Nossos alunos sentem dificuldades na compreensão de um

texto, justamente porque não se veem como sujeito ativo da ação dialógica e são tolhidos em

sua criatividade e esperam pelo professor para receber as respostas prontas. A escola não

ensina o aluno a pensar, a discutir, a refletir, a ser um sujeito participativo.

Nesta mesma perspectiva, Kleiman (1989) alerta que a compreensão de um texto é um

processo que requer do leitor, o conhecimento linguístico, componente do chamado

conhecimento prévio sem o qual a compreensão não é possível. Tanto o conhecimento

linguístico como o conhecimento textual formam parte do conhecimento prévio e devem ser

utilizados na leitura. Através do conhecimento que o leitor tem sobre o assunto, poderá fazer

inferências para desvendar os sentidos do texto, numa ação ativa sugerindo pistas que

certamente não explicitariam tudo o que seria possível no texto.

Parece-nos evidente que a prática de leitura, na escola, parte de legitimações e de

normas impostas pela sociedade e está arraigada no comportamento dos professores. Diante

dos conteúdos a serem ministrados durante o ano letivo, dos programas das secretarias de

educação, das leituras obrigatórias do vestibular, dos textos do livro didático e que não se

modificam, mas se cristalizam em omissões e em práticas inadequadas de ensinar. Para alguns

professores, o livro didático ainda é seguido como um instrumento único de ensino e

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aprendizagem. Muitas vezes, o professor só tem como material de uso para suas aulas, o livro

didático (BRANDÃO e MICHELETTI, 2007).

Quanto ao assunto em discussão, Coracini (2002) afirma que, por nenhum momento,

os professores questionam os conteúdos dos textos do livro didático e nem as condições em

que foi produzido. Não se tenta compreender e questionar a ideologia que os textos passam

no livro didático. Nas aulas, não há lugar para a pluralidade de leituras. A autora questiona,

dizendo que o professor deveria empregar uma metodologia menos diretiva e levar o aluno a

comparações entre vários textos, não para buscar aspectos formais e linguísticos, mas também

os culturais, os ideológicos que determinam a materialidade linguística. A postura diretiva do

professor não forma leitores críticos, muito embora professor e aluno, enquanto sujeitos não

escapam da ideologia e, de forma inconsciente colaborem para a manutenção do sistema que

os constitui e por eles são constituídos.

A maioria dos livros didáticos traz a ideia de que o texto é para extrair informações

textuais, daí os exercícios serem simples respostas alternativas e respostas evidentes e

explícitas que são facilmente respondidas pelo aluno. As perguntas do livro didático não

estimulam a um processo de inferências, a uma reflexão crítica, mas servem para tirar do texto

palavras ou fatos que estão na superfície deste. O processo interativo vê a compreensão como

uma atividade de ação, criativa e inferencial. As inferências funcionam como estratégias,

como hipóteses para o leitor construir os sentidos possíveis para o texto. Neste caso, poucos

livros realmente fazem o aluno pensar, refletir, inferir sobre os textos. Então, o professor deve

revelar ao aluno outras atividades de inferências e hipóteses visando outras descobertas de

vivências com o texto a ser lido.

Como sabemos, é no uso efetivo da língua, e em especial no texto em relação com o

leitor, que o sentido é construído. A compreensão não é decodificação de mensagens, mas esta

é mais ampla a partir de atividades inferenciais e os textos produzem mais de um sentido.

Marcuschi (2008) observa, assim como Kleiman (1989), que a escola trata o texto

como um produto acabado, um simples artefato pronto. O texto é um processo, visto como um

evento comunicativo sempre emergente. Não é um depósito de informações, mas um evento

comunicativo em permanente elaboração, ao longo de sua história e tem diversas recepções

pelos leitores.

Ainda neste contexto, Orlandi (2007) enfatiza que o leitor não lê o mesmo texto da

mesma maneira, o mesmo texto é lido de maneiras diferentes em diferentes épocas. Há uma

história de leitura do texto e há uma história de leitura dos leitores. Orlandi (2007) afirma que

o discurso é feito de sentidos entre locutores e o efeito é produzido pela inscrição da língua na

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história, regida pela ideologia. A interpretação é a relação da língua com a história e com a

ideologia. Não há sentido sem interpretação, não há língua sem interpretação e ao interpretar

o sujeito-leitor se constitui com a linguagem em função da textualidade.

Enfatizamos que a leitura na escola não pode ser mais vista simplesmente como

decifração, decodificação. A escola precisa romper com práticas dessa natureza que não

levam o aluno a refletir, a questionar o texto escrito. O professor precisa entender a leitura

como prática social que deve ser vivida em situações com o outro num processo dialógico,

também político, linguístico e histórico. Diante de tal perspectiva, segundo Furlanetto (2007),

o ensino da escola é desenvolvido com base em esquemas antigos que se tornam “naturais”

por efeito do funcionamento ideológico. Sua transformação se dá de forma muito lenta. Os

sujeitos se submetem a algo, a alguém, a instituições, dadas as relações de poder que

permeiam a sociedade. Não há propostas simples de soluções para os problemas de ensino,

nem elas podem ser idealizadas e impostas ao professor.

Quanto à dimensão do processo da leitura deve haver outra forma de ensinar a leitura

que deve ser vista como prática interativa e o aluno como um ser ativo, criativo e

transformador. Saveli (2007) afirma que a concepção de leitura como pluralidade desafia a

escola contemporânea, uma vez que a escola representa a via de acesso aos bens culturais. No

entanto, devemos tomar a leitura como uma atividade intelectual sem ignorar sua dimensão

política que exige da escola levar em consideração as experiências de vida, as histórias e a

linguagem dos alunos.

É possível observar que o cenário brasileiro é complexo e as mudanças não se

processam rapidamente no espaço escolar. Mas, uma mudança de perspectiva deve ser

discutida pela escola na aceitação de que o ensino de leitura e da escrita é de responsabilidade

da escola. Também se faz necessário discutir a concepção de linguagem adotada pelos

professores, no sentido da escola cumprir realmente sua função ─ a de ensinar a ler e a

escrever. O corpo técnico precisa dialogar com os professores e começar o trabalho com os

textos, desde o ensino infantil, definindo os critérios para o trabalho da leitura na escola

abrangendo o ensino fundamental até chegar ao ensino médio.

Para um novo percurso, Antunes (2003) alerta que as aulas de português seriam aulas

de: falar, ouvir, ler e escrever textos, numa distribuição e complexidade gradativas, atentando

o professor para o desenvolvimento já conseguido pelos alunos no domínio de cada

habilidade. As questões de produção e de compreensão de textos, bem como suas funções

sociais devem centrar o estudo relevante e produtivo da língua. Antunes (2003) enfatiza que o

uso da língua se dá em textos, que devem ser o objeto de estudo desta. Por isso, a escola pode

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desenvolver uma série de atividades como trabalhar contando histórias, inventando-as ou

reproduzindo-as; relatar acontecimentos; debater, discutir temas variados; emitir opiniões;

apresentar resumos; dar avisos; fazer entrevista etc (habilidades de falar e ouvir) e produzir

textos: convites; avisos; trocar cartas com a comunidade; fazer anotações; criar narrativas;

fazer cartazes; solicitações, requerimentos, projetos de pesquisas, atas, poemas; e-mail etc. Na

leitura, a escola poderia trabalhar com histórias em quadrinho, contos, fábulas, crônicas,

editoriais, notícias de jornais, poemas, anedotas, charadas, anúncios; textos de outras

disciplinas etc.

Os professores não devem pensar a língua somente como instrumento de comunicação

ou troca de informação, mas fazer da escola realmente o espaço de relações sociais e discutir

os problemas que nos afetam de forma coletiva e reflexiva para buscar outras formas de

ensinar e romper com certas ideologias que bloqueiam os alunos oriundos das classes

populares ao acesso de condições melhores de sobrevivência. Petit (2008) em suas pesquisas

com jovens das classes populares diz que a leitura de obras literárias representa uma

experiência singular e que não é afetação. Os jovens não têm acesso aos livros ou somente a

alguns livros e, que ficarem excluídos da escrita é ficarem excluídos do mundo. Através da

leitura as pessoas experimentam sentimentos de pertencer a alguma coisa, a humanidade, de

nosso tempo ou tempos passados e se sentem próximas de seu lugar ou de outro lugar. A

leitura compartilha as relações com o outro e o transforma, não o isola do mundo, traz um

mundo diferente e pode alcançar o universal.

Conforme Lois (2010), as coisas e as experiências do mundo passam pelos sentidos e

encaminham leituras, estabelecem conexões com a memória, vivências e tudo isso se acumula

em teorias e sensações. Nossa percepção se desenvolve, os sentidos ficam sensíveis e

colhemos tudo ao nosso redor. O percurso de tudo isso é a emoção que nos comove e nos

impulsiona. O homem tem uma essência impulsiva, por isso tende a novas descobertas, mas

sua condição sociocultural lhe impõe normas para conviver com o outro. O homem é um ser

biológico, mas também sujeito da cultura e da linguagem. Quando o professor tolhe o aluno

de descobrir as sensações, o aprendizado pelos sentidos e pelo desejo está limitando o

desenvolvimento da sua sensibilidade e de sua capacidade criadora.

Diante das ideias expostas, chegamos à conclusão que a compreensão é um processo

complexo porque ao ler um texto não significa necessariamente que o compreendemos,

muitos aspectos estão envolvidos até chegarmos a uma construção de sentidos com base nas

inferências, haja vista que um leitor pode captar as ideias diferentes do outro e ter “coerências

diversas” e cada um construir a sua compreensão, uma vez que existem textos em que é

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necessário descobrir os seus implícitos. O sentido de um texto está numa relação dinâmica

entre autor-texto-leitor. O contexto também é importante na interpretação dos textos, sejam

eles orais ou escritos. A língua como atividade torna a compreensão como atividade

cooperativa e inferencial e se dá numa relação complexa de relações interativas para o leitor

colocar em prática suas hipóteses ao processar o texto. Alguns livros didáticos ainda

consideram a compreensão como uma atividade de decodificação, de tirar as respostas de

forma objetiva do texto. Portanto, o professor deve ir além desses exercícios formulando

perguntas que levem à reflexão crítica, a argumentos para treinar o raciocínio e criar

momentos para discussões e opiniões. Segundo Marcuschi (2008), os livros se preocupam

com os aspectos formais ou reduzem o trabalho à identificação de informações objetivas e

superficiais constituindo uma forma restrita e pobre de funcionamento da língua e do texto.

A experiência da pesquisadora vivenciada, em sala de aula, constata a dificuldade que

os alunos encontram quando fugimos das perguntar formais ou superficiais. Muitos reclamam

que não sabem explicar os “porquês”, os “quais”, os “como” e que as respostas não estão ali

no texto e que inventamos tais perguntas para complicar. Também sentem dificuldades ao dar

opiniões porque são tímidos e preferem não participar. Quebrar as barreiras do

comportamento dos alunos que estão acostumados mais a ouvir é outra forma de levá-los a

interação na troca de experiências e de vivências. Insistimos que a mudança não é só do

professor de língua portuguesa, parte de todos aqueles, que fazem a escola no árduo,

complexo, contínuo e permanente processo de ensino e aprendizagem. Tarefa que não é fácil

no cotidiano e que cada vez mais nos desafia a vislumbrar novas perspectivas para

ensinar/aprender a ler.

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CAPÍTULO 3

A FORMAÇÃO DO LEITOR NA ESCOLA

3. 1 A ESCOLA COMO ESPAÇO PARA SE ENSINAR E APRENDER A GOSTAR DE

LER

Diante de vários entraves e questionamentos dos estudiosos das teorias da leitura

vistos ao longo de nossas discussões, pode-se perguntar: é possível a formação de leitor na

escola? O que se lê na escola? As opiniões dos estudiosos citados são unânimes em afirmar

que a escola não forma leitores porque as leituras são vistas de forma mecânica e totalmente

descontextualizada da realidade do uso da linguagem do aluno em seu cotidiano. Por outro

lado, muitos professores não construíram uma história pessoal com a leitura/literatura e por tal

razão, não motivam os alunos à leitura e muitos não são leitores. Por isso mesmo não podem

ensinar aquilo que não sabem.

Sob essa perspectiva Solé (1998) questiona que o termo motivação é polissêmico. No

entanto, a leitura será motivadora se o conteúdo provocar curiosidade na pessoa que está

lendo e esta tarefa tiver um objetivo. É claro que não será fácil conciliar interesses, uma vez

que interesses estão em jogo, na escola. Mas, afirma que o interesse se cria, se suscita e se

educa e que, em diversas ocasiões, depende do entusiasmo e da apresentação que o professor

faz de cada leitura e a forma de explorar o texto. O professor deve escolher textos

interessantes para que os alunos possam elaborar uma interpretação e assegurar que os alunos

têm conhecimentos para a sua compreensão com a finalidade de uma atividade de construção

de sentidos. Ainda, Solé (1998) confirma que ler é compreender e que compreender é um

processo de construção de significados e, se o leitor não encontrar sentido naquilo que leu,

não dispuser de recursos, de seu conhecimento prévio, da disponibilidade de ajuda, se não

encontra motivação para que seu interesse seja mantido durante a leitura, é muito difícil se

envolver numa atividade construtiva. Amarilha (2006) afirma que o leitor se interessa por um

livro quando encontra algo de si próprio, numa identificação a partir de um personagem que o

emocionou.

Portanto, como a escola não cumpre a sua parte, na formação de leitores, já existem

muitas iniciativas como o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), Leia Brasil

que visam ao desenvolvimento da prática de leitura. O que deve iniciar na infância

(alfabetização, 1ª ao 4ª ano); ser desenvolvido no ensino fundamental (5º ao 9º ano) e

aperfeiçoado no ensino médio não está sendo feito. Como já discutimos em capítulos

anteriores, a leitura de textos, na escola, é feita muitas vezes, através do livro didático. Este

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parece ser a única fonte de leitura e o professor, para cumprir o programa e dar conta do livro,

se vê perdido numa crise de ensino, já bem antiga, sem entender qual a função primeira da

escola: a de ler e de escrever em atividades de interação verbal entre interlocutores em formas

de uso concreto da língua. A escola tira o direito do aluno de produzir sentidos de ser um

sujeito autônomo diante de um texto.

Como já mencionamos em Koch e Elias (2007), a atividade pedagógica para o ensino

de língua materna é determinada pela concepção que o professor tem de

língua/linguagem/leitura, além de outros suportes teóricos que vão auxiliar os seus

procedimentos para ensinar. Antunes (2003) afirma que os professores em eventos dizem que

querem prática e são descrentes das teorias. Tal desinteresse pela teoria vem da compreensão

do que se entende por “teoria” e “prática” porque ambas estão interligadas e dependentes. A

autora, ainda, questiona que vê uma acomodação dos professores em esperar algo pronto e

não se preocupam em estudar, em pesquisar, em avaliar, em criar e em reinventar sua prática,

o que supõe o conhecimento da teoria. No que se refere ao exposto, concordamos em parte

com Antunes (2003), uma vez que as teorias deveriam ter sido aprendidas, apreendidas,

questionadas e debatidas na formação inicial do professor. Como houve falhas, o professor

deve ampliar sua visão procurando a formação continuada e tendo um tempo para leituras e

pesquisas. Sobre o assunto, Dalla Zen (1997) diz que a teoria não pode ser oferecida ao

professor como uma receita prescrita, como forma de dominação entre tantas já existentes. É

preciso desvendar tudo isso para que tenha sentido em buscar novos conhecimentos. De posse

das teorias, em sala de aula, o professor aperfeiçoaria os conhecimentos de acordo com a sua

realidade. Nesta perspectiva, muitos estudiosos defendem que a formação do docente deve

estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, na qual Nóvoa et al. (1992, p.25-26) diz que:

(...) A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de

formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar

simultaneamente, o papel de formador e de formando. (...) A formação não

se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas),

mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de

(re) construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão

importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. (...)

Práticas de formação continuam organizadas em torno dos professores

individuais e podem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e de

técnicas, mas favorecem o isolamento e reforçam uma imagem dos

professores como transmissores de um saber produzido no exterior da

profissão.

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Apesar da institucionalização de dispositivos legais em relação ao professor, faz-se

necessária uma posição para que assumam seu desenvolvimento como sujeitos reflexivos de

sua prática, já que são importantes como sujeitos de políticas educativas. Por isso, diante do

complexo mundo que é a escola, os professores devem ser responsáveis pelas mudanças como

respostas para a sua prática, uma vez que possuem capacidades de reflexão e de mudanças.

Neste ponto, retomamos Antunes (2003, p.74.), “o professor é um eterno aprendiz, e é aquele

que sempre se reinventa, revê suas concepções, redimensiona seus valores está sempre na

aventura de correr caminhos para aprender e entender, talvez nunca chegue ao fim do

caminho”.

Retomamos Nóvoa et al. (1992, p.28) “(...) as escolas não podem mudar sem o

empenho dos professores; e estes não mudam sem as transformações das instituições em que

trabalham.” O autor enfatiza que o desenvolvimento profissional dos professores tem de estar

articulado com as escolas e os seus projetos. A formação do professor deve ser um processo

permanente de dimensões coletivas para contribuir na emancipação profissional e consolidar

uma profissão autônoma na produção de saberes e valores. Para apreender novos

conhecimentos, o professor deve buscar a formação continuada porque, mesmo sendo um

professor da escola pública, pode ser um pesquisador para buscar alternativas e ensinar

melhor. A nossa experiência com a leitura e o contato com autores novos despertaram o nosso

interesse por buscar outras formas de aprender para ensinar em atividades de leituras

diversificadas em diferentes gêneros.

No contexto acadêmico, Benassuly (2002) afirma que pensar os cursos de formação de

professores reflexivos é considerar o imbricamento da teoria e da prática como mecanismo

para uma educação emancipatória e transformadora. Os cursos precisam estar voltados para a

construção de profissionais que, enquanto seres pensantes, busquem mecanismos para

transcender a visão de mundo centrada na racionalidade instrumental. Os currículos dos

cursos de formação de professores devem ter uma base filosófica para a construção de

conhecimentos que possibilitem a emancipação dos sujeitos envolvidos no processo de

ensino. Ressaltamos que a teoria do professor reflexivo é criticada por alguns estudiosos, no

sentido de que todo ser humano é reflexivo. No entanto, essa formação deve estar vinculada à

luta por mais justiça social e na busca de uma qualidade na educação em defesa das minorias.

Os professores não podem pensar individualmente, mas pensar coletivamente, no contexto em

que estão inseridos para determinar sua ação de forma crítica e que levem a uma prática social

para o crescimento de todos, no ambiente da escola.

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Considerando que as histórias pessoais e institucionais mudam, transformam-se e

reinventam-se, a escola pode mudar o seu percurso em relação à leitura na dimensão de

formar leitores críticos. Desta forma, enfatizamos que devemos começar na educação infantil

no manuseio dos livros, apreciando as ilustrações, apresentado os diversos gêneros e o

professor sendo o narrador das histórias, comentando, instigando as crianças a desenvolverem

um comportamento em relação aos livros. No começo, os contos de fada são propícios para as

crianças e o repertório deve ser ampliado. Nesse caso, a biblioteca da escola ou a sala de

leitura devem funcionar abertas aos alunos para o manuseio dos livros. O professor deve levar

esse percurso até o ensino fundamental em atividades planejadas da escolha dos textos até a

forma de trabalhar em grupo, duplas na interação dos textos em seus aspectos literários,

estilísticos, semânticos e linguísticos. A tarefa não é fácil, porque as crianças de hoje, são

diferentes de outras épocas. Elas vivem rodeadas de várias informações de acesso rápido pela

internet, nos jogos eletrônicos, nos i-pod, nos tablets, nos celulares e diante da TV, o que pode

aparentar que um livro não tenha a menor importância. Nesse jogo, vale a persuasão por parte

da escola, em um trabalho integrado e coletivo, de convencimento sobre a leitura, sobre a sua

importância no mundo como processo verbal, interativo e na convivência com o outro.

Os professores precisam deixar o individualismo de lado e juntos refletirem sobre a

sua prática para encontrarem soluções para um ensino mais efetivo e funcional. Não somos

reféns do governo, nem de diretores, nem do livro didático, nem dos estatutos, nem dos

currículos, mas temos um compromisso de eliminar as desigualdades sociais na escola e não

excluir os alunos das classes populares. É claro que, a luta por melhores condições de trabalho

e de salários também se vinculam à nossa participação e organização coletiva, quando todos

têm o mesmo propósito: uma escola que realmente prepara para a vida e forma cidadãos

críticos, também é uma escola com professores compromissados com sua formação

continuada e com sua prática pedagógica.

Sendo assim, mais uma vez reiteramos que a escola, no seu projeto político

pedagógico (PPP) e com a participação de todos os professores, é o local para assumir a

leitura como prioridade, não a leitura rápida, da informação, da reprodução do livro didático,

dos livros de sucesso editorial, da leitura passiva e diretiva com a finalidade de simplesmente

adestrar o aluno. Mas a leitura deve ser vista de modo a formar cidadãos capazes de interagir

com o outro numa dimensão de fazer questionamentos, críticas, de construção, de

reconstrução, de dialogar com o texto assumindo uma posição de sujeito ativo do discurso

para compreender as ideologias que perpassam os textos. Além do texto literário, o professor

para formar leitores, precisa de outros textos e gêneros, trazendo para a escola textos

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informativos de revistas e jornais, não qualquer texto, mas textos interessantes para um

trabalho de construção, através de uma prática interessante e motivadora.

Tomamos como referência Soares (2008, p.30-31) ao afirmar que ler não é verbo

intransitivo, a não ser quando se refere às habilidades de decodificação de palavras ou de

frases. Ler como prática social de interação com o material é verbo transitivo. O aluno, na

escola, lê o quê? A mesma autora afirma que: “Ler, verbo transitivo, é um processo complexo

e multifacetado: depende da natureza, do tipo, do gênero daquilo que se lê, e depende do

objetivo que se tem ao ler”. Na escola, o professor deve ampliar diferentes gêneros para que o

aluno aprenda diferentes modos de ler, porque ler um poema é diferente de se ler um conto,

uma crônica, um artigo de opinião ou um romance. Paulino (2008) enfatiza que os textos

informativos se multiplicam com rapidez, tendem a dominar uma situação de falta de tempo

para acessar dados e os textos literários teriam que ultrapassar esse contexto da urgência e

serem encarados em nível cultural mais amplo, levando o aluno à cidadania crítica e criativa,

à vida social e cotidiana, tornando-se um letramento literário de fato ao entrar para a vida da

maioria dos indivíduos.

Pela própria natureza da vida moderna, sabemos que os textos informativos chegam

primeiro ao leitor do que os textos literários. Segundo Salvador e Vilicic (2011), a internet

produziu uma profunda transformação na sociedade em termos de informação. No entanto,

somente agora a ciência começa a estudar os efeitos que tais informações, a qualquer hora,

podem estar alterando os processos de cognição do cérebro. Alguns estudos da Universidade

de Columbia demonstram que o nosso cérebro está se adaptando muito rapidamente às

informações imediatas e que a internet é uma memória externa, fazendo com que as

informações não sejam mais armazenadas em nosso cérebro, mas coletivamente. Logo, as

informações imediatas podem tornar o cérebro mais preguiçoso e menos ávido por se

aperfeiçoar. A internet está nos transformando em terminais de informações e não em agentes

capazes de processar conhecimento por meio da memória e do raciocínio. Por isso, ler um

livro pode ter como consequência a dificuldade de concentração porque os jovens estão

desenvolvendo menos conexões com seus neurônios. Tais estudos são vistos ainda com

desconfiança pela sociedade. Segundo Zilberman (2001), quando a escrita popularizou-se,

Platão já chamava a atenção para os riscos que esta poderia trazer, estimulando a preguiça e a

falta de esforço individual, na busca da ciência e da filosofia, e no século XVI a leitura foi

considerada perigosa porque os livros falsificariam a realidade e conduziam a um saber

artificial e indesejado.

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A história da leitura ainda foi marcada por muitos preconceitos e influenciada por

ideias de que a literatura é cheia de acontecimentos fantasiosos que manipulam nossos

sentimentos. Essas preocupações estão em Paulino (2008) quando enfatiza que há diferentes

discursos em relação à leitura e que são sistemas complexos e não podemos separar do leitor

as habilidades cognitivas, afetivas, estéticas e as competências sociais porque os discursos,

principalmente o literário, se constroem historicamente em níveis de produção, de recepção,

de motivação e de objetivos que predominam pelos seus valores sociais em relação à

interação verbal que aí se estabelece. A questão de desenvolver competências e habilidades

para a leitura literária tem um caráter transdisciplinar e não é pacífico, haja vista a

hibridização e a complexidade envolvida nos processos histórico-sociais.

Logo, a leitura literária não pode se restringir como se fosse leitura de elite, mas vai

exigir da escola estratégias de socialização para inclusão dos indivíduos mais pobres,

dependendo de prioridades políticas e econômicas para influenciar opiniões e

comportamentos coletivos. Neste caso, a escola tem como missão tornar o aluno leitor de

textos num círculo mais amplo do social, também como questão política, diferente das formas

decodificadoras, como ato individual, como questão técnica de habilidades ou vendo o texto

centralizado somente no leitor. A escola como espaço social de muitas contradições e de

resistências deve ver a leitura não somente como atividade intelectual, mas como uma questão

de inclusão social, já que sua prática na sociedade está comprometida por grupos de

dominação que têm fácil acesso aos livros e à tecnologia de forma mais rápida. Desse modo,

Benevides (2008) enfatiza que nem a educação, nem a leitura são atividades neutras, mas

atividades políticas, sociais, construídas e partilhadas por sujeitos. Pela leitura, os sujeitos se

reconhecem como parte da humanidade e se integram como sujeitos coletivos e sociais.

Sendo assim, num mundo tão contraditório e com novas perspectivas de mudanças, a

leitura é uma atividade importantíssima que deve ser trabalhada de forma integrada e, como

processo complexo, deve ser negociada e entendida como prática social se constituindo como

uma atividade significativa e de reflexão crítica na escola. A experiência, na sala de aula,

leva-nos a compartilhar que a tarefa não é fácil, é muito árdua, uma vez que a escola é um

espaço heterogêneo onde várias identidades se constituem e alteram sua forma de conduzir o

ensino. No entanto, o mais importante é o comportamento do professor, sua forma de

conduzir a prática pedagógica, sua forma de querer mudar e de aprender mais.

Os professores não devem fixar em sua mente certas crenças e legitimá-las, até de

forma inconsciente, de que os alunos não aprendem ou não querem aprender ou que não

sabem ler ou não gostam de ler. O professor reflexivo sabe da importância dos diferentes

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modos de interpretação das leituras e sabe o porquê de sua importância para a educação e para

a formação dos alunos da escola pública. Quem convive em sala de aula, sabe do poder da

palavra dita por nós e como somos capazes de influenciar nossos alunos para promover

mudanças positivas em sua vida. Portanto, vislumbrar mudanças emancipatórias e

democráticas pode se tornar um consenso entre os professores no desenvolvimento da

consciência crítica dos nossos alunos. Não é sonho, mas realidade com o compromisso de ser

educador, apesar das dificuldades que encontramos no cotidiano de nosso ofício.

Apesar do nosso otimismo, Lerner (2002) afirma que a capacitação em serviço não é

condição suficiente para produzir as mudanças profundas nas propostas didáticas vigentes,

mas é necessário fazer as modificações no currículo e na organização institucional, também

criar consciência em relação à opinião pública, desenvolver pesquisas no campo da leitura e

da escrita e traçar bases para a formação dos professores, além de promover à hierarquização

de sua função. Concordamos com a autora sobre a necessidade de mudanças no currículo com

análises avaliativas das propostas previstas em seu conteúdo e de condições concretas para a

realização de atividades na escola, assim como melhorar as condições de infraestrutura das

escolas e rever a formação dos professores nas áreas de Letras e de Pedagogia voltada para

uma perspectiva mais concreta em relação à Pedagogia voltada para o ensino da leitura.

3. 2 ESPAÇOS NA ESCOLA PARA SE LER: A BIBLIOTECA E A SALA DE AULA

A biblioteca ou a sala de leitura têm sua importância na escola, o que não podemos é

ver esse espaço como um depósito de livros ou simplesmente como lugar isolado e sem vida.

A própria palavra bibliontekhé em grego significa “caixa de livros”. O sentido da própria

palavra é como se fosse algo a ser aberto e descoberto, portanto precisa ser explorada na

escola. A função da escola é justamente processar as informações dos livros, levando os

alunos à apropriação do saber. Não basta as crianças serem alfabetizadas e termos a ideia

ingênua de que vão ser leitoras porque já sabem ler. A escola deve contribuir para a formação

leitora, construindo competências fundamentais para ensinar o aluno a processar as

informações de forma interativa com o(s) outro (s). A biblioteca deve ser um lugar agradável,

mas ela não é o principal na escola porque a leitura pode se dá em qualquer lugar, como na

sala de aula, lugar onde o professor pode intermediar o interesse pelos livros. Não se pode

deixar que esta descoberta seja solitária sem a ajuda do professor, mas que haja uma escolha

de literatura que produza significações para um trabalho motivador e ativo para leitores que

estão descobrindo a importância da leitura.

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Muitas escolas carecem de um espaço apropriado para a organização de um acervo e

os professores não sabem como trabalhar a leitura por falta de um lugar adequado e, quando a

escola tem, ficam na dúvida sobre como exigir a leitura de livros. Muitas vezes, não há uma

seleção de livros ou textos para ser lidos na escola e outras vezes, principalmente no ensino

médio, a seleção é imposta pelas leituras obrigatórias do vestibular e o professor de língua

portuguesa se vê dividido na escolha das leituras. Na verdade, tal obrigação, na maioria das

vezes, leva os alunos a lerem somente os resumos dos livros do vestibular porque o aprendiz

não foi motivado para ler e assim é mais rápido “ler”, através dos resumos, das apostilas ou da

internet.

Conforme já mencionado, nossa experiência confirma que, no ensino fundamental

(turmas do 9º ano), os alunos demonstram mais interesse pelas propostas de atividades da sala

de aula, quando começaram a participar da seleção dos textos. Nosso trabalho se deu pelas

próprias sugestões dos alunos na escolha de textos que apresentassem suspense e mistérios.

Outro momento importante foi com o trabalho do jornal escolar, com a hora de contar as

histórias lidas em sala de aula e de poemas que falam de sentimentos como o amor. Os alunos

se identificaram e gostaram de escrever e discutir sobre o tema. A motivação maior ocorreu

para com os gêneros conto, fábula, crônica, lenda, poemas e artigos de opinião e, o que

consequentemente levou os alunos à descoberta de outros autores para lerem romances, haja

vista as várias solicitações de autores e de livros para procurarem na biblioteca/sala de leitura.

A maioria das escolas públicas, em Castanhal-PA, possui um pequeno espaço, a sala de

leitura, com um acervo mínimo e sem bibliotecários. O trabalho, na sala de leitura, fica quase

sempre na responsabilidade de dois ou três professores de Língua Portuguesa, que completam

sua carga horária, ali. Há em algumas escolas servidores administrativos que prestam serviços

nesse local. Segundo observações de Yasuada e Teixeira (2007), a presença desses

professores na sala de leitura, não garante uma articulação entre as leituras realizadas na

biblioteca com o trabalho pedagógico feito na sala de aula. As pesquisadoras afirmam que as

obras encontradas nas bibliotecas pouco visam à participação construtiva dos leitores e à

ampliação de seu horizonte de expectativas sendo narrações quase sem vazios a serem

preenchidos pelo leitor. As observações, nas duas escolas, em que fizemos a pesquisa refletem

o posicionamento das autoras.

Yasuda e Teixeira (2007) enfatizam na referida pesquisa que, existem excelentes

publicações paradidáticas infanto-juvenis, mas infelizmente a grande maioria não chega à

escola. Os livros que aparecem na escola muitas vezes são histórias narradas numa linguagem

estereotipada que tenta reproduzir a maneira de falar e de viver do jovem com uso de gírias

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localizadas em tempo e espaço descartáveis e usadas nos meios de comunicação de massa.

Obras que apresentam uma linguagem mais trabalhada, dificilmente chegam às mãos dos

professores por causa do alto valor editorial. Nesse caso, às vezes, o professor subestima a

capacidade do aluno e não escolhe livros sem manuais de acompanhamento. Desta forma,

exclui a si próprio e ao aluno como sujeitos capazes de construir conhecimentos. As autoras

mencionadas enfatizam ainda que, as dificuldades, como: a falta de acesso às produções mais

significativas, a falta de tempo para o professor ler, sua condição salarial que não permite

usufruir de bens culturais como comprar livros determinam que as editoras escolham os tipos

de textos que devem ser abordados na escola, acompanhados de suplemento de atividades.

Tudo isso desestimula o professor a superar suas dificuldades como um leitor crítico.

Há muitos problemas a serem resolvidos na escola. O que não podemos deixar de

fazer é a leitura, seja na sala de leitura ou na sala de aula. Precisamos planejar as atividades de

forma a usar os espaços que a escola dispõe. O mais importante é dar oportunidade aos alunos

ajudando-os a construírem a sua autonomia para terem acesso aos diversos gêneros de textos

que circulam na sociedade. A própria biblioteca da escola ou a sala de leitura deveria ter uma

ligação com outras bibliotecas e com programas relacionados à leitura, formando uma rede

num sistema informatizado de várias áreas do conhecimento, na busca de diversificar as

leituras, os textos e os livros, com a finalidade de acesso aos alunos e professores.

O aluno, hoje, deve ser aquele sujeito que desenvolveu um domínio de informações,

principalmente de informática para acompanhar as mudanças da era tecnológica. Assim

também, o professor deve estar preparado para aceitar as novas mudanças do mundo que se

encontra em constante turbulência de ordem econômica, política, social e ideológica.

3. 3 REPENSANDO A LEITURA E A INTERAÇÃO VERBAL

Já mencionamos que o ensino da leitura na escola está relacionado com a concepção

que se tem sobre linguagem. Na visão estruturalista, os conteúdos e a metodologia, em sala de

aula, são vistos de forma fixa e estável. O professor é a autoridade máxima e o aluno é visto

como um ser passivo que recebe os conhecimentos sem voz própria. Apesar de muitas

mudanças na sociedade e do aparecimento de outros suportes próprios da internet, como o e-

mail, o blog, o facebook, o twitter, por exemplo, muitos professores ainda continuam somente

a repassar conhecimentos, a ensinar gramática no texto e leitura de formas dissociadas de um

processo linguístico e interativo. Enfatizamos que na concepção interativa, o texto deixa de

ser simples representação mental ou decodificação de mensagem e passa a ser uma atividade

dinâmica, ativa, complexa de produção que se realiza em base de elementos linguísticos e

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mobilizam vários conhecimentos, saberes na construção e reconstrução do evento

comunicativo. Observa-se a língua no seu aspecto sistemático, mas também o seu

funcionamento social, cognitivo e histórico.

Tomando por referência o trabalho de Souza (2002), esta enfatiza que a sala de aula,

na visão bakhtiniana, é vista como um fenômeno social e ideologicamente constituído, numa

arena de conflitos de vozes e de valores mutáveis e concorrentes. Esta visão é dinâmica e

organizada, concorrendo uns com os outros para a posição hegemônica do dominante,

trazendo a necessidade de negociação entre o professor, alunos, conteúdo e metodologia.

Ainda citando Bakhtin, a autora assegura que, para ele, nenhuma negociação é harmoniosa e

pacífica, sempre há conflitos de interesses. A sala de aula é o espaço, onde há vários

interesses e conflitos. No entanto deve-se amenizá-los e encontrar a negociação.

Já mencionamos que o conhecimento dos conceitos de leitura deve ser discutido na

escola, uma vez que a perspectiva interacionista é criticada por não levar em conta os aspectos

sociais e psico-sociais, devendo ser completada com a intravisão da análise do discurso. Nesta

perspectiva, lê-se o texto como discurso levando em consideração as condições de produção.

Ainda conforme esta visão não cabe fazer perguntas explícitas, diretas para serem retiradas do

texto como: O que o autor quis dizer? Quais as principais ideias do texto? O que você achou

do texto? Quantos parágrafos têm o texto? Quem são as personagens principais do texto?

Assinale as repostas corretas em relação ao texto. Procure o significado das seguintes palavras

que estão no texto. Tais perguntas ainda constam nos livros didáticos e o professor segue

como porta voz, reproduzindo as respostas de forma autoritária para o aluno.

Essas preocupações estão em Marcuschi (2008) que aponta os exemplos para o

trabalho de inferência em textos com perguntas mais complexas: “A donzela do conto de

Veríssimo costuma ir à praia ou não?”, “Qual a moral dessa história?”, “Que outro título você

daria?”, “Levando em conta o sentido global do texto, pode concluir que...”. Antunes (2007)

aponta várias sugestões para uma atividade discursiva: trabalhar a função das conjunções, das

preposições, dos advérbios e locuções na articulação dos sentidos; as formas pronominais e

adverbiais que funcionam como dêiticos textuais e situacionais; os efeitos das repetições de

palavras, o uso de certas expressões que revelam a posição do falante; os discursos direto,

indireto e indireto livre na manifestação das muitas vozes (a polifonia); o efeito das figuras de

linguagem; os procedimentos e as marcas linguísticas típicas da conversação; as

especificidades (prosódicas, lexicais, sintáticas, textuais e pragmáticas) do texto oral, formal,

as particularidades do texto literário e do espaço cibernético como o e-mail, o site, o bate-

papo, o intertexto etc.

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É evidente que a escola tem que fazer escolhas difíceis como mudar os paradigmas

arraigados ao comportamento dos professores. As mudanças não podem acontecer de formas

individuais, mas coletivamente. Pensar em trabalhar o texto de forma interativa, dialógica

requer uma postura, não somente do professor de Língua Portuguesa. A responsabilidade do

processo da leitura e da escrita, não é só dele, mas de todos que estão na sala de aula. Se o

papel da escola é preparar cidadãos críticos e pensantes, por que mantemos o “adestramento”

transmitindo meras informações, aceitando respostas prontas do livro didático? Não se

discute, não se debate o texto além de sua superfície? A escola precisa discutir práticas

escolares de ensino e de aprendizagem mais eficientes, ativas e criativas. A leitura exige um

tempo e na escola não conseguimos ler tudo, porém as leituras devem ser escolhidas,

apreciadas e discutidas pelos professores para um trabalho coletivo, de valores conjuntos e

voltados para um mesmo objetivo: que o aluno busque a compreensão nos textos de forma

interativa, dialógica com o professor e com os outros. Neste caso, considera-se que a língua

tem que fazer sentido no seu contexto real. Tal fato remete a afirmação de Zuin e Reyes

(2010) de que a linguagem torna-se responsável pela interação humana, pela constituição da

consciência do homem, pelo desvelamento do mundo e das relações sociais, deve possuir um

papel fundante da relação ensino-aprendizagem.

Neste sentido, é importante pensar que os processos de ensinar e de aprender se fazem

numa dimensão de interação humana, através da linguagem que se manifesta na forma de

diálogo como ressalta Bakhtin (1988), como manifestação responsável pela consciência dos

homens. Coracini (2002) afirma que, na escola, nenhum esforço maior é exigido pelo aluno.

As explicações, com raras exceções, não provocam reflexões e não dão espaço para o aluno

construir significados como produção de conhecimentos históricos e sociais. Os discursos, em

sala de aula, são narrativas informativas, um “saber” simplificado, facilitado que pode ser

observado nos níveis: 1. A linguagem do professor para se aproximar do aluno é entrecortada,

sem uma sequência de coesão e coerência; 2. A passagem da abstração conceitual

questionável para a reflexão por parte do aluno, às vezes formas simplificadas e facilitadas ao

se expressar modificando o conteúdo; 3. A tendência de simplificar tudo e mostrar como as

tarefas são simples, o que pode levar a uma superficialidade enganosa e prejudicial à

aprendizagem. A autora ainda critica que o saber transmitido na escola está em descompasso

com as pesquisas teóricas e metodologias de ensino e que passou pelo professor que aprendeu

com outros professores. Tal movimento parece não ter fim. Coracini (2002) denuncia ainda a

pluralidade de vozes, constituindo todo o conhecimento e as experiências prévias de sua

formação profissional que são responsáveis pela transformação do saber que pode chegar à

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banalização de ensinar nada, ou quase nada. As conclusões foram observadas pela

pesquisadora, em sala de aula, tanto no ensino de língua materna quanto de língua estrangeira.

Ao refletirmos sobre as palavras de Coracini (2002), lembramos de que, em nossa

formação inicial, não tivemos conhecimentos da pedagogia da leitura e só depois de um

tempo, em sala de aula, fazendo observações e questionamentos sobre a prática da leitura, de

posse de algumas leituras e discutindo em apresentações de eventos tivemos outra forma de

entender as concepções de leitura. A busca pela formação continuada também foi importante

para entendermos o processo interativo e discursivo da linguagem e perceber que nenhum

texto é neutro, mas há relações de poder que perpassam para além de sua superficialidade e

que a escola não pode mais assumir uma postura retrógrada, obsoleta; e que os professores

não podem aceitar certas condições ideológicas, assumir certas posturas e relações na escola,

impedindo as mudanças para a transformação política e social do acesso à leitura e à escrita.

O mais importante é a aprendizagem do aluno. Consideramos que a Análise do Discurso foi

importante nessa nossa visão de entender o texto, num processo interativo-discursivo. E, se

queremos mudanças, não podemos ficar passivos a espera de políticas públicas mirabolantes

para mudar o estado da escola pública. O coletivo pode mudar, é claro que não é fácil, mas a

reflexão de nosso papel como educadores nos dará o rumo para práticas pedagógicas mais

relevantes, ativas e de ensino que desenvolvam nos alunos, o raciocínio em processos de

leituras para a construção de sentidos de forma dialógica intermediada pelos sujeitos do

discurso.

Por outro lado, consideramos o pensamento de Lerner (2002), quando afirma que há

uma necessidade imperiosa de se promover um trabalho em equipe, de abrir nas escolas

espaços de discussão para trocas de experiências e superar o isolamento do professor para

discussão sobre as modalidades de trabalho instaladas, no sistema escolar, avaliá-las com os

propósitos que se perseguem, analisar os direitos e os deveres dos docentes e dos alunos em

relação à leitura e à escrita, como também buscar acordos entre os docentes para maior

coerência no trabalho, assim como empreender projetos comuns. No trabalho com projetos, a

autora enfatiza que a participação dos pais poderia criar uma comunidade de leitores prevista

nas atividades. Lerner (2002) considera também que são necessários os estudos sociológicos e

etnográficos com a finalidade de democratizar a estrutura autoritária do sistema

educacional,assim como rever o mito da homogeneidade que impera na escola, e substituir

pela diversidade cultural e individual dos alunos, acabar com os “grupos de recuperação” que

servem para reforçar a discriminação.

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O isolamento do professor e a falta de perspectivas na profissão o impedem cada vez

mais de inovar, na sala de aula, e tudo se repete da mesma forma todos os dias. Os nossos

métodos tradicionais nos impedem de avançar em busca do novo para práticas coerentes que

possam contribuir para a formação de leitores na escola. O processo de ensinar e aprender

exige descobertas e o questionamento de um novo caminho para uma práxis pedagógica mais

dinâmica deve ser uma possibilidade para uma consciência crítica de que é preciso minimizar

os percalços que a escola tem em relação ao ensino da língua materna. Lerner (2002) ainda

chama a atenção sobre a importância do conhecimento didático em relação ao ensino da

leitura e da escrita que não pode ser reduzido simplesmente às contribuições da psicologia ou

da linguística, mas que tal conhecimento deve ser validado para ser aperfeiçoado, pois estão

presentes na sala de aula e somente a investigação didática pode resolvê-los. A autora afirma

que estudos diagnósticos só servem para confirmar deficiências educativas que todos

conhecem e não apresenta elementos que contribuem para superar os problemas na sala de

aula. Somente a investigação didática pode superar as deficiências do ensino, assim como

uma mudança profunda nas bases da formação do professor e, consequentemente na sua

função.

O que fazer diante de um cenário sombrio, onde temos um sistema político que não

consegue estabelecer prioridades nem alcançar metas ou vislumbrar desafios para a educação

pública? Não temos respostas. Só temos uma certeza: a escola é importante no processo da

leitura e a nossa missão é despertar o aluno para conhecer outro mundo, outra realidade,

outros conhecimentos e levá-lo a descobrir “a caixa de livros” e essa descoberta deve ser feita

por um professor-leitor. De qualquer forma, a presença de um professor é primordial por ser o

mediador do processo de ensinar e aprender. Precisamos vislumbrar a dimensão da

importância que tem um professor, apesar das transformações do mundo tecnológico. Os

governantes precisam valorizar o professor e conhecer suas dificuldades no cotidiano da sala

de aula, melhorando suas condições de trabalho.

Nossas reflexões são guias para que possamos atentar para as mudanças que devem

partir da própria escola e do grupo de professores. Não temos recursos? Não sabemos como

fazer? Precisamos querer aprender o que não sabemos, por que “somos eternos aprendizes” e,

assim como nossos alunos, temos dúvidas, incertezas, inseguranças, não sabemos tudo, mas

estamos abertos para aprender e queremos mudanças para contarmos outras histórias de

educação e outras práticas de ensino que façam os alunos serem realmente cidadãos críticos e

atuantes dos seus discursos, na dimensão dialógica entre o “eu” e o “outro”, entre muitos

“eus” e muitos “outros”.

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O Século XXI pode ser inscrito como uma revolução dos livros na escola pública.

Possível? Impossível? Só depende de todos, nós, no coletivo como sujeitos reflexivos de

nossa prática. Excesso de otimismo de nossa parte? Talvez. Mas se o desânimo for o nosso

guia, na sala de aula, não estaremos preparados para enfrentar os desafios da educação e da

era turbulenta em que estamos inseridos e só nos restará deixar o ofício de ensinar o outro, os

outros. Ou então, não fazem mais sentido os nossos discursos, a nossa prática, as nossas

aulas... seremos transformados em seres automatizados, robôs que aceitam e acatam ordens e

perderemos nosso rumo como seres de ação e reflexão.

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CAPÍTULO IV

O ENSINO DA LEITURA NA ESCOLA

4. 1 O CONTEXTO DA PESQUISA NAS ESCOLAS

Os estudos sobre a importância da leitura/literatura têm trazido muitos

questionamentos para a formação básica, assim como a postura reflexiva do professor. Tendo

em vista tal importância foi que surgiu a proposta, também somada a nossa experiência em

sala de aula com a leitura, nas classes de ensino fundamental especialmente com alunos do 9º

ano (8ª série).

Ainda há, hoje, na escola, uma postura contraditória em relação à leitura que não está

levando os alunos a disporem de experiências com os textos, a não ser de forma obrigatória

para avaliação ou como pretexto para se ler sem uma interação que vá além do contexto

explícito, ou seja, das perguntas diretas e óbvias que estão na superfície do texto.

Já percebemos um avanço nos PCNs ao postularem que o ensino da Língua Materna

deve priorizar o texto e a leitura, vistos não mais como produto acabado, mas como um

processo efetivo que deve ser usado em situações reais de uso no cotidiano dos alunos. Como

já discutimos anteriormente, a concepção de ver a língua como norma, para simples

informações de respostas do livro didático, em exercícios de frases soltas e fragmentadas, não

possibilita aos alunos a descoberta dos textos.

O ensino da leitura leva-nos a um campo muito vasto de conhecimentos, assim como a

concepções diversas. Por isso, a intenção do estudo foi observar o processo de práticas

metodológicas e pedagógicas na escola pública para uma reflexão, dentro da abordagem

interacional com o texto literário. Para o propósito deste estudo escolhemos duas escolas

estaduais, no município de Castanhal-PA, assim como a participação de duas professoras de

Língua Portuguesa. Para a concretização do trabalho foram desenvolvidos os seguintes

passos: o primeiro momento deu-se através das observações em sala de aula, no horário de

duas aulas de Língua Portuguesa em comum acordo com as professoras; o segundo momento

concretizou-se, através das entrevistas com as professoras que trabalham na sala de leitura,

depois com os diretores, as pedagogas e finalizando com as duas professoras de Língua

Portuguesa. O último passo foi analisar as observações e as entrevistas e ter como base uma

reflexão analisando o conteúdo do material coletado e aprofundando-os em consonância com

os pressupostos teóricos de acordo com os objetivos da pesquisa, já mencionados nas

considerações iniciais: analisar a metodologia desenvolvida pelo professor, no processo da

leitura, em sala de aula, em turmas do 9º ano (8ª série), em duas escolas estaduais no

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município em Castanhal-PA; observar como os professores trabalham o processo da leitura

em sala de aula de modo a identificar a concepção de língua/linguagem adotada pelos

docentes com a finalidade de reconhecer as atividades desenvolvidas por estes, nas práticas da

leitura.

Ressaltamos que tivemos conversas com os demais membros da comunidade para uma

vivência mais concreta sobre as referidas escolas. De posse das entrevistas das duas

professoras reproduzimos suas falas e com base nos pressupostos teóricos discutidos os dados

foram analisados. O momento mais importante da pesquisa diz respeito às observações das

práticas pedagógicas das professoras com o texto literário. Em relação ao tópico, analisamos

as observações da sala de aula com reflexões sobre o ensino da leitura para chegarmos às

considerações finais do tema proposto.

As observações da pesquisa se desenvolveram primeiro, na Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio “28 de Janeiro” e em outro momento, na Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio “Cônego Leitão”, em duas turmas da 9º ano (8ª série) do Ensino

Fundamental com mais ou menos quarenta alunos cada. Ao todo, foram quinze encontros para

cada professora, de duas aulas seguidas em meses diferentes. Antes de iniciar as observações

com as professoras, conversamos com os diretores das escolas e com as profissionais

responsáveis pela supervisão escolar para explicar os objetivos da presente proposta.

Ressaltamos que as duas professoras participantes das observações e entrevistas foram

indicadas pelas respectivas escolas. Vale mencionar que fomos bem recebidos nas duas

escolas e tivemos uma boa acolhida em relação às duas professoras. Antes de iniciarmos as

observações, conversamos com as professoras para explicar-lhes os objetivos da pesquisa.

Inicialmente, sentimos um desconforto em relação às professoras, o que achamos normal, pelo

fato de ter alguém observando o seu trabalho.

As observações foram feitas em meses diferentes para cada professora. Na Escola

Estadual de Ensino Fundamental e Médio “28 de Janeiro”, a observação realizou-se nos

meses de março, abril e maio de 2011 e na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

“Cônego Leitão” aconteceu nos meses de agosto e setembro. No entanto, não concluímos os

encontros porque, no mês de outubro, foi deflagrada a greve dos professores, faltando ainda

sete encontros. Lembramos de que tentamos iniciar os encontros, no início de agosto e houve

dois desencontros com a professora como o adiantamento de aulas, no outro os alunos se

encontravam em atividades extraclasses. Para a construção de um instrumento de reflexão as

observações foram feitas em anotações direcionadas para as atividades de leitura ministradas

pelas professoras. Para tanto, só para constar se havia atividades em relação a textos,

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verificamos os cadernos dos alunos, uma vez que só tínhamos duas aulas por semana para

observar e a carga horária, no ensino fundamental, é de seis aulas por semana. Desta forma, é

possível que a pesquisadora tenha perdido algum momento diferente em se tratando de outras

atividades relacionadas a textos, leituras e interpretações.

Ressaltamos que na Escola E.E.F. M “28 de Janeiro” tivemos a oportunidade de

participar de duas atividades extraclasses como um concurso de poesias e em uma palestra

para falarmos da importância da leitura com a turma da 9º ano (8ª série).

4. 2 CONHECENDO AS ESCOLAS E SUAS CARACTERÍSTICAS

As duas escolas escolhidas ficam bem localizadas e apresentam uma estrutura física

razoável. A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “28 de Janeiro” foi construída

pela Prefeitura Municipal de Castanhal em colaboração com o Ministério da Educação e da

Cultura (MEC). Esta foi inaugurada, no dia 28 de janeiro de 1971. A data de sua inauguração

coincide com a data da emancipação política da cidade de Castanhal. No ano de 1976, passou

a ser gerenciada pela Secretaria de Educação do Estado do Pará, sob a coordenação da 8ª

Unidade Regional de Ensino-URE/Castanhal.

A escola é de alvenaria, coberta de telhas de brasilit e, apesar das salas serem de bom

tamanho e de terem paredes de tijolos vazados, ainda não favorece a ventilação e são

calorentas. A sua estrutura física compreende os seguintes espaços: uma sala da direção e

vice-direção, uma secretaria, uma sala de apoio pedagógico, uma sala dos professores, um

banheiro comum, uma sala pequena de leitura. Os blocos de aula estão divididos em bloco A:

quatro salas; Bloco B: seis salas de aulas, uma cozinha e depósito de merenda, um arquivo,

três banheiros (masculino, feminino e funcionários de apoio); Bloco C: uma quadra

descoberta e uma área aberta. Ao todo a escola tem 7.500m2

e ainda existe área para

construção. No ano de 2011, a escola contou com o total de 1.140 alunos oriundos de

agrovilas, invasões, assentamentos e bairros adjacentes: 516 alunos matriculados no ensino

fundamental de 6º ao 9º ano; 55 alunos matriculados no ensino médio regular (manhã); 128

alunos matriculados, no ensino médio regular/noite (Res. 191/2011); 101 alunos matriculados

no ensino fundamental de jovens e adultos-EJA 3ª e 4ª etapa e 340 alunos matriculados no

ensino médio EJA 1ª e 2ª etapa. A escola tem 53 docentes, todos com licenciatura plena,

sendo seis com especialização e três mestrandos. No quadro técnico, há um diretor, um vice-

diretor, pedagogos e servidores de apoio. Na sala de leitura, há duas professoras de Língua

Portuguesa que completam sua carga horária, no atendimento aos alunos e professores.

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A escola tem o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) que, segundo a pedagoga, foi

organizado com a participação da maioria dos professores. Ao lermos o teor do Projeto

Pedagógico e de acordo com os seus fundamentos ético-pedagógicos e epistemológicos,

chamou a nossa atenção em suas páginas as afirmações:

(...) A educação é uma prática social, uma atividade específica dos homens

situando-os dentro da história, ela não muda o mundo, mas o mundo pode

ser mudado pela sua ação na sociedade e nas suas relações (...). Faz-se

necessário desenvolver uma educação de qualidade que nos abra para uma

democracia, capaz de produzir um tipo de desenvolvimento socialmente

justo e ecologicamente sustentável (...) PPP (2010, p.5).

Dentro dos fundamentos didático-pedagógicos encontramos:

(...) o trabalho na referida instituição dar-se-á de forma a reconhecer no

aluno um sujeito histórico com conhecimentos prévios a serem valorizados

pelo professor que estará instigando o aluno para transformar o

conhecimento prévio em conhecimento científico (...). Queremos também

despertar no aluno o gosto para estudar (...) objetivando tornar os conteúdos

escolares atrativos, utilizando variados recursos como vídeos, laboratório de

informática, sala de leitura, trabalho em grupo, pesquisas, sempre

relacionando com o dia a dia do aluno e partindo do que ele já conhece. (...).

Também tem por objetivo trabalhar com projetos para trabalhar a cultura

afro-brasileira e africana integrada aos conteúdos de História (...). Com

projetos que estimulem a educação para o desenvolvimento sustentável,

visando contribuir para a compreensão das grandes crises contemporâneas

(água, alimento, energia etc). (...) a escola deve ser um local de significativa

aprendizagem e também um ambiente prazeroso. Necessita de um espaço

adequado para as aulas de educação física, uma sala para a equipe

pedagógica e um pátio escolar (...) PPP (2010, p.6).

Percebemos que as bases norteadoras do PPP têm uma linha de preocupação com a

educação como prática social e como processo de estimular e de desenvolver a capacidade do

aluno a partir de sua realidade e de seus conhecimentos prévios. No entanto, não fixou a

preocupação com as práticas de leitura de forma integrada com todas as disciplinas e não

houve preocupação em ampliar a sala de leitura para uma biblioteca. Em seu teor há a citação

do trabalho com projetos, o que seria ideal, principalmente em se tratando do ensino da

leitura.

Sobre as atividades em relação à leitura e porque tivemos oportunidade de conversar

com o diretor, este afirmou que o PPP da escola teve a participação da maioria dos

professores dando sugestões de projetos, principalmente sobre as dificuldades na leitura.

Nessa conversa, o diretor mencionou suas impressões sobre o ensino da leitura:

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Os alunos não possuem uma ‘cultura da leitura’, mas já estão frequentando a

sala de leitura e pedindo mais livros emprestados; a sala de leitura é

pequena, ainda há poucos livros, mas o MEC tem investido em livros; ainda

falta uma relação mais integrada do professor com a sala de leitura para

atividades de incentivo à leitura; os professores se queixam que não têm

tempo para a leitura; os professores não gostam de ser cobrados, por isso não

há um compromisso maior com certas atividades porque as condições da

escola influenciam como: salas quentes, local barulhento, alunos dispersos e

com problemas de comportamento. (Informação verbal)

Confirmou que acha importante a escola ter projetos em relação à leitura porque

através da leitura, o aluno vislumbra novos horizontes e têm novas oportunidades de atuação

em sua vida.

Percebemos que há, por parte da direção da escola, uma preocupação com atividades

direcionadas à prática da leitura. No entanto, há certos problemas que a escola ainda não

conseguiu vencer, como por exemplo, “os alunos não possuem uma ‘cultura da leitura’” e “os

professores não gostam de ser cobrados e se queixam que não têm tempo para a leitura”. Sem

dúvida parece que a escola não é o lugar ideal para a leitura. Segundo Kleiman (2008), parece

que a escola é o lugar onde menos se pratica a leitura no cotidiano do brasileiro, o que leva à

pobreza de letramento com profissionais da escrita que não são leitores e têm que ensinar a ler

e a gostar de ler. Antunes (2003, p.30), já citada neste texto afirma que temos uma escola

“sem tempo para a leitura”, daí temos limitações e equívocos que nada têm de “encontros de

pessoas em atividades e, muito menos, com encontros de interação”, tirando a descoberta das

pessoas de ampliar suas possibilidades verbais de participar da vida de sua comunidade.

Diante dos problemas levantados pelo diretor da escola foi possível constatar que a

complexidade do processo pedagógico é um desafio para a escola. Desta forma, a direção da

escola e os técnicos devem discutir, refletir, sugerir, opinar, criar ações que possam oferecer

orientações aos professores para encontrar práticas de atividades mais interessantes que

auxiliem os alunos a buscar tempo para a leitura, na escola. Os professores também devem

assumir um compromisso e dispor de tempo para a leitura, tanto dos alunos quanto para si

próprio. Retomando Antunes (2003, p.37)

(...) a educação escolar é um processo social, com nítida e incontestável

função política, com desdobramentos sérios e decisivos para o

desenvolvimento das pessoas e da sociedade (...) não dá mais para “tolerar”

uma escola que, por vezes, nem sequer alfabetiza (principalmente os mais

pobres) ou que, alfabetizando não forma leitores nem pessoas capazes de

expressar-se por escrito, coerente e relevantemente, para, assumindo a

palavra, serem autores de uma nova ordem de coisas. É, pois, um ato de

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cidadania, de civilidade da maior pertinência, que aceitemos, ativamente e

com determinação, o desafio de rever e de reorientar a nossa prática de

ensino da língua.

Concordamos com a autora e faz parte de nossa discussão que devemos refletir

coletivamente a nossa prática pedagógica para direcionar o nosso cotidiano escolar. Na

escola, falamos em educação inclusiva, mas não estamos realmente com esse propósito de

mudanças, quando tiramos a oportunidade dos alunos das classes populares de serem leitores

e escritores, de forma inconscientes estamos contribuindo para manter a estrutura de classes e

a reprodução da força de trabalho. Devemos assumir um compromisso coletivo de tornar

nossas práticas pedagógicas mais interessantes, relevantes, produtivas, dinâmicas e mais

funcionais promovendo práticas de leitura em situações sociais e que estejam a serviço de

uma comunicação efetiva e intersubjetiva (ANTUNES, 2003).

A segunda escola onde realizamos a pesquisa foi a Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio “Cônego Leitão”, localizada no centro da cidade. É escola mais antiga

de Castanhal. Esta foi criada em 12 de outubro de 1904, pelo padre Cônego Leitão, sendo este

o seu primeiro gestor. Inicialmente, foi fundada com o nome de “Grupo Escolar de

Castanhal”. Em seguida, passou a ser Escola do 1º Grau “Cônego Leitão”. Foi construída

antes da própria Igreja Matriz de Castanhal que fica ao seu lado, ambas ficam no entorno da

Praça Monsenhor Manoel Teixeira. A estrutura física da escola é razoável. Formada por um

laboratório de informática, laboratório multidisciplinar, sala de leitura, uma quadra de esporte

(não coberta), banheiros masculinos e femininos, sala de Educação Física, um espaço cultural

e mais dois banheiros, copa, depósito de merenda, sala da diretoria, secretaria, arquivo, sala

dos professores e dezenove salas de aulas. A escola trabalha com alunos surdos e cadeirantes

e possui três salas para o atendimento com os professores que atuam no programa de inclusão.

No ano de 2011, foram matriculados 2.257 alunos distribuídos da seguinte maneira, segundo

dados fornecidos pela direção da escola: Ensino Fundamental: 240 alunos (manhã), 150

(tarde); Ensino Médio: 400 (manhã); 150 (tarde) e 600 (noite). A escola ainda possui um

anexo que funciona em outro prédio na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José

Henrique/Cônego Leitão, onde estão matriculados 800 alunos. No quadro de servidores há 83

professores e todos têm especialização, sendo cinco professores mestres e dois doutores. No

quadro técnico, há um diretor geral, quatro vice-diretores, seis pedagogos distribuídos pelos

turnos da manhã, tarde e noite. Observamos que a escola toda está climatizada (centrais de

ar), sendo um dos compromissos assumidos pela atual direção de melhorar a condição das

salas de aula.

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A escola tem o seu Projeto Político Pedagógico (PPP), porém percebemos que é do

ano de 2008 e segundo duas pedagogas com quem conversarmos, o PPP está passando por

alterações. Por isso, os projetos que constam em anexo, como o de leitura, não estão ativos e

não há atividades concretas sobre o assunto.

Segundo o teor do PPP (2008, p.6)

(...) a escola por sua localização é constantemente solicitada pela

comunidade para manifestações culturais, desportivas, religiosas e outras.

Mas, por sua localização, está vulnerável à ação de vândalos, de furtos, de

drogas, de poluição sonora e visual que prejudicam a comunidade

consequentemente a direção tem buscado parcerias para solucionar os

problemas”. Em seus objetivos específicos, destacamos: “Estimular a

formação de grupos de teatro, dança, canto, com a finalidade de inscrever

crianças para realizar atividades, junto à escola, a fim de reconstruir a

história do folclore e o artesanato local, bem como desenvolver suas próprias

habilidades; envolver a comunidade escolar e local, na proposta de

conservação, preservação e manutenção do espaço público; valorizar as

iniciativas pedagógicas, culturais e desportivas feitas pela comunidade

escolar integrando educação, esporte, cultura e lazer; discutir conjuntamente

com a comunidade escolar iniciativas que viabilizem um melhor

funcionamento da escola e sua universalização, para que haja o efetivo

ingresso e permanência da criança na escola.

É possível perceber que a escola busca incentivar a arte (teatro, canto, dança, esporte),

assim como atividades de conservação e manutenção do espaço público e iniciativas culturais

e desportivas. Mas, no teor do documento não há referências a atividades relacionadas à

leitura e não faz menção à sala de leitura.

No contato com as duas escolas, percebemos que as instalações de ambas ainda

deixam a desejar, principalmente em se tratando das instalações da sala de leitura, lugares que

possuem salas pequenas, com poucos livros, poucas mesas e cadeiras. O espaço não é

adequado e não possibilita a organização de atividades com uma turma, haja vista o número

elevado de alunos, em torno de 45 alunos ou mais, nas turmas. Já afirmamos que, para se ler,

não precisamos ter uma biblioteca de última geração. No entanto, a sala de leitura parece algo

distante dos alunos e do professor, como local em que os alunos não têm acesso aos livros

para empréstimos porque não possuem registros (carteirinhas) e, no local, não há

bibliotecários. Fazendo o papel deste profissional há professores de Língua Portuguesa, por

turnos, que completam sua carga horária, ali naquela sala. Na Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Cônego Leitão, percebemos que a sala possui livros bem atuais e de

autores contemporâneos da literatura infanto-juvenil, assim como livros considerados best-

sellers. É interessante notar que a escola tolhe o aluno de querer descobrir a leitura quando o

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proíbe de não poder solicitar empréstimos de livros e não há uma organização desse material

por numeração, por autores ou gêneros. As professoras responsáveis pelos ambientes disseram

que não sabem quantos livros há no acervo da escola. Na Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio “28 de Janeiro” presenciamos a visita de dois professores para uma

atividade de filmes, no horário de aulas e, em seguida, houve um momento para comentários e

perguntas acerca do assunto. Também acompanhamos uma atividade promovida pela

responsável do turno da manhã de um concurso de poemas elaborados e recitados pelos

próprios alunos. Acompanhamos a atividade e fizemos parte como julgadora para a escolha

do melhor poema.

As duas escolas carecem de uma quadra de esporte coberta ou de um auditório. Não há

um ambiente para apresentações como peças de teatro, festival de músicas, encontros com

escritores, entre outros, para acomodar um número maior de alunos, professores, pais e

pessoas da comunidade. Outro problema que observamos, nas escolas, é a conservação das

carteiras (algumas quebradas e a maioria riscadas), paredes necessitando de uma pintura e o

piso precisando de reparos e até de mudanças. É o caso da Escola E.E.F.M. “Cônego Leitão”

onde percebemos que o piso é de madeira, o que torna difícil a limpeza e a conservação. Esta

escola é toda climatizada, o que torna os ambientes das salas de aula mais frescos, uma vez

que nosso clima é muito quente; na outra escola há somente ventiladores e nem todos

funcionam. A sala em que ficamos nas observações só possuía um ventilador e os alunos se

queixavam do calor. Percebemos ainda, que as salas de aulas são barulhentas porque os

alunos (quando não há professores nas salas) se aglomeram no corredor e ficam conversando

alto, tal fato atrapalha os professores que estão nas salas de aula. Isso não acorreu na Escola

E.E.F.M. “Cônego Leitão” porque as salas são fechadas e a sala em que ficamos não tinha

acesso ao corredor.

Conhecer o ambiente das duas escolas foi muito importante para observarmos se a

escola permite uma socialização que possa integrar os alunos em atividades de aprendizagem

de leituras e, apesar das duas escolas terem o seu Projeto Pedagógico, ainda não há uma

preocupação efetiva com atividades de leitura, a não ser em poucas atividades isoladas de

disponibilidade de poucos professores. O que se percebe é um silenciamento de produção e

reprodução da lógica de uma submissão, de um individualismo, e que serve somente para

manter práticas que não permitem os sujeitos serem ativos e críticos.

Apesar dos problemas, não podemos esquecer-nos dos objetivos principais da escola:

o aprender a ler e a escrever. Silva, E (2002) afirma que, em verdade, seria difícil conceber

uma escola onde o ato de ler não estivesse presente – isso ocorre porque o patrimônio

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histórico, cultural e científico da humanidade se encontra fixado em diferentes tipos de livros.

Também Antunes (2003) nos reporta dizendo que na escola, a atividade da leitura favorece,

num primeiro plano, a ampliação dos repertórios de informação do leitor e incorpora novas

ideias, novos conceitos, novos dados, diferentes informações acerca das coisas, das pessoas,

enfim do mundo em geral. Mas para isso a prática pedagógica dos professores deve ter um

fundamento teórico amplo, consistente e relevante para a definição dos objetivos, das escolhas

dos procedimentos e deve estar presente uma concepção de língua, dos seus processos,

aquisição, uso e de aprendizagem.

É evidente que a leitura deve ser promovida pela escola porque a língua só faz sentido

através dos textos. No entanto, não podemos deixar de atentar para as dificuldades que as

escolas públicas encontram na condução de seu trabalho pedagógico. Ainda há muitos

obstáculos a serem vencidos como: as condições de infraestrutura física, de material didático,

das instalações precárias, da remuneração dos professores, da falta de incentivo à capacitação,

da situação social de extrema pobreza da maioria dos alunos e da própria identidade do

professor que é questionada como sujeito de sua práxis. Tudo isso contribui para um

desânimo do professor. Enfatizamos que muitos professores trabalham, nos três turnos,

portanto não têm tempo para ler, para pesquisar, para planejar melhor suas aulas, selecionar

suas leituras. Além disso, sobrevivem com salários defasados, não frequentam congressos,

seminários e não compram livros, com frequência. Desta forma, o professor não consegue sair

das amarras dos programas das secretarias de educação, do livro didático e não supera suas

limitações, assumindo sua autonomia, entendida, como postula Antunes (2003), não como

individualismo, isolamento ou auto-suficiência, mas autonomia necessária para a condução de

seu trabalho, o que não dispensa sua inserção no grupo do qual faz parte. Sobre a formação

dos professores, Nóvoa et al. (1992, p.25) afirma o seguinte:

(...) A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexivo, que

forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite

as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um

investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os

projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também

uma identidade profissional.

O professor é um sujeito importante no processo da aprendizagem e deve apropriar-se

dos meios para a sua formação de maneira que contribua para sua vida pessoal e profissional.

Tal afirmação nos reporta que a formação do professor deve dar-se na relação de sua prática

com os saberes e os conhecimentos que vão formar uma identidade que deve ser valorizada

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pela escola. Assim, os professores precisam refletir sobre as novas concepções linguísticas

para ensinar a língua materna, longe dos preconceitos linguísticos e da exclusão social da

leitura para que possam ensinar tendo em vista a língua em situações reais de uso para

práticas sociais, auxiliando aqueles que realmente precisam saber ler e escrever de forma

proficiente, ou seja, os alunos das classes populares à plena cidadania.

A descrição das duas escolas parte justamente da tentativa de estabelecer as

experiências de leitura propostas se é que existem como atividades, na escola, mesmo de

forma individual. Assim, retomamos Souza (2002) quando diz que a sala de aula, na visão

bakhtiniana, é um fenômeno social e ideologicamente constituído, uma arena de conflitos, de

vozes e de valores mutáveis e concorrentes. Nessa perspectiva, a sala de aula é organizada em

vozes e valores que concorrem para uma posição de dominação e diz respeito a tudo que

constitui a sala de aula, ou seja, o professor, a metodologia, os alunos e os conteúdos a serem

ministrados pelo professor. Na sala de aula, temos o conceito bakhtiniano do sujeito híbrido

formado por discursos conflitantes. Desta forma, o próprio comportamento do professor

quando este age de uma forma em uma aula e em outra age bem diferente, às vezes sem

perceber. Souza (2002) frisa que o conceito de sujeito híbrido para Bakhtin não enfatiza a

individualidade do sujeito, mas sua constituição social. O que se estende também para os

alunos, para a metodologia adotada pelo professor, para o contexto e para a comunidade que

necessita de mecanismos de negociação para amenizar os conflitos.

Destacamos que a escola vive em confrontos, imersa em muitas dificuldades e a sala

de aula é atravessada por ideologias disseminadas e arraigadas como naturais e que

determinam o seu cotidiano em suas relações, na forma de ensinar. Desta forma, a escola

convive com inúmeros conflitos, em contradições, em silenciamentos o que corrobora para a

manutenção do estado de inércia, de desânimo, de falta de perspectivas, de impedimentos para

as mudanças. Pensamos que a leitura, não é vista como prática de interação nem como prática

social, o que traz a determinação de práticas hegemônicas e de exclusão social dos alunos das

classes mais pobres.

O que precisamos entender é que nossas práticas estão alicerçadas em conhecimentos

implícitos os quais não temos controle e antes de fazermos determinadas ações devemos

refletir sobre elas porque segundo Contreras (2002), o conhecimento não se aplica à ação, mas

está tacitamente personificado nela. Por isso é um conhecimento na ação, também deve haver

uma reflexão na ação. A vida impõe-nos superar desafios e o processo educacional tem uma

dimensão histórico-social complexa que devemos amenizar promovendo ações de integração

fundamentais para o desenvolvimento da consciência crítica e reflexiva dos jovens.

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4. 3 UM ENCONTRO COM AS PROFESSORAS: SUAS PALAVRAS, SUAS

IMPRESSÕES SOBRE A LEITURA

Um dos momentos mais importantes da pesquisa foi o contato com as professoras o

que possibilitou observar, não de maneira exaustiva, a rotina do fazer pedagógico de ambas,

assim como a oportunidade de conversar com as professores sobre suas dificuldades e

experiências no magistério. Ressaltamos que não conhecíamos pessoalmente as duas

professoras, então percebemos que nos primeiros dias houve certo desconforto quanto à

presença da pesquisadora em sala de aula, depois o silenciamento aos poucos foi amenizado

pela cordialidade.

A primeira professora com quem tivemos contato denominamos de Professora A. Ela

trabalha na Escola E. E. Fundamental e Médio “28 de Janeiro”. É graduada em Letras pela

Universidade Federal do Pará, tem oito anos de formada e não tem especialização. A segunda

professora denominamos de B e trabalha na Escola E. E. Fundamental e Médio “Cônego

Leitão”, é graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará, tem especialização em

Língua Portuguesa pela Escola Superior da Amazônia-ESAMAZ, tem trinta anos de

magistério e pensa em se aposentar. As professoras nos solicitaram para omitir seus

verdadeiros nomes.

As entrevistas versaram sobre oito perguntas que dizem respeito à visão das

professoras em relação a sua forma de ver a linguagem, a leitura, a literatura, a educação, no

seu trabalho, daí a ausência de perguntas sobre suas experiências como leitoras, porque

iríamos fugir do foco do propósito da pesquisa. Mas, resolvemos ser mais objetivas do que

fazer um trabalho de memória, o que não faz parte de nossa proposta. Ressaltamos que

tivemos problemas em gravar as entrevistas, porque o áudio do celular estava muito baixo e

imperceptível. Para uma constatação mais fiel da fala das professoras, na hora da entrevista,

fizemos as anotações das respostas por escrito e em seguida a cada pergunta fazíamos a leitura

de suas palavras para correções dos desvios da escuta para obter a permissão das professoras e

assim validar as entrevistas. As duas entrevistas foram objetivas oferecendo respostas

sintéticas priorizando somente as perguntas propostas. A não ser nas perguntas de números

sete e oito, ambas demonstraram um pouco mais de preocupação e de desânimo com o

trabalho do professor.

A fim de alcançar os objetivos propostos reproduzimos abaixo as falas das duas

professoras e ao mesmo tempo fazemos a análise com os comentários sobre suas reflexões de

acordo com cada pergunta direcionada. As perguntas analisadas revelam a concepção que as

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professoras têm sobre a leitura, a linguagem e o ensino da literatura e apóiam os aspectos

observados em suas práticas metodológicas e pedagógicas com a leitura.

1ª Pergunta: Para você o que é linguagem?

Professora A:

─ Bem, linguagem é troca, informação, compreensão entre as pessoas. O homem não vive

sem a linguagem.

Professora B:

─ Acho que linguagem é a forma do homem se comunicar com o outro, capacidade de

pensar, só o homem tem essa capacidade.

As duas professoras afirmaram a importância da linguagem, mas enfatizaram a

concepção de que a linguagem é troca de informação e comunicação. Neste sentido, Geraldi

(2006) nos diz que essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como

código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor

uma mensagem. Também Koch e Elias (2007) dizem que a língua vista desta forma é um

instrumento de comunicação. Neste sentido, vê-se a língua como código, há um sujeito (pré)

determinado pelo sistema. O texto é visto como simples produto de codificação de um

emissor a ser decodificado por um leitor/ouvinte que basta conhecer o código utilizado.

Considerando a forma de ambas compreenderem a linguagem, nesse ponto de vista de

comunicação e de informação, é provável que esse modo perpasse também o conhecimento de

língua, de texto e de sujeito que norteiam suas práticas de leitura. Esse olhar sobre a noção de

linguagem foi o que nos passaram na escola e, até pouco tempo, ainda nos livros didáticos,

apesar de vários estudos de inúmeros pesquisadores, ainda configura uma noção frequente na

escola de hoje e denunciam as condições que nos levam a erros da condução da leitura vista

como processo de decodificação. Quando adotamos somente essa concepção de língua vista

como código, basta aos alunos o conhecimento da língua e o texto fica apenas no explícito, na

captação de uma representação mental de decodificar a mensagem. Na perspectiva

interacional (dialógica) da língua, o texto é visto como lugar de interação, os sujeitos como

seres ativos que dialogicamente se constroem e são construídos no texto.

Nas observações constatamos que a linguagem como interação “produtor-ouvinte-

leitor” não é privilegiada na sala de aula e desenvolvemos nos alunos uma postura passiva não

permitindo aos alunos serem leitores, interlocutores de discursos entre o autor/leitor para a

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descoberta de uma compreensão vinculada à construção de sentidos de forma a descobrir os

implícitos que estão na relação autor-texto-leitor.

Segundo Koch (2006), o processamento textual em termos de produção e compreensão

depende de uma interação latente entre produtor e interpretador de forma ativa em uma

constante atividade sociocomunicativa. Desta forma ao mantermos a concepção somente de

língua como código, vamos manter sujeitos reprodutores tendo um papel passivo diante do

texto. O texto dá-se num evento dialógico como afirma Bakhtin (1988) em interação entre

sujeitos sociais presentes ou não, do mesmo grupo social ou não, mas em diálogo constante.

2ª Pergunta: O que é leitura para você?

Professora A:

─ Leitura é conhecer, entender o que está escrito, não é só decifrar, decodificar. A leitura é

compreender textos verbais e não-verbais.

Professora B:

─ Leitura é um caminho para abrir várias perspectivas, para resolver problemas, também

para interpretar. A leitura desenvolve o raciocínio para compreender o que se ler.

O conceito da professora A é mais completo do que o da professora B. No primeiro

conceito, a professora já nos remete que a leitura é um processo complexo, não só para

decifrar e decodificar, mas também para conhecer, entender e compreender textos verbais e

não verbais. Apesar da concepção da professora A, não percebemos em sua prática

pedagógica a inserção do texto como atividade de produção de sentidos, pois esta ainda

trabalha o texto como produto acabado vendo o texto para leituras orais, ditados, correções de

pronúncia e ficou somente em perguntas diretas sem um processo significativo e

contextualizado. Segundo Marcuschi (2008), compreender não é uma ação isolada, nem

apenas linguística ou cognitiva é muito mais uma ação dentro de uma cultura e sociedade.

O conceito da professora B é restrito: “leitura é um caminho para abrir várias

perspectivas”; que perspectivas? Entendemos que a professora quis colocar que a leitura

propicia mudanças, mas de que forma? Para “desenvolver o raciocínio para compreender”, o

conceito está relacionado aos aspectos cognitivos da leitura na relação do sujeito-leitor com a

memória e o pensamento. Como já mencionamos, são aspectos importantes e se voltam aos

aspectos complexos psicológicos, intelectuais de desenvolvimento do homem. Tais aspectos

têm relevância no processamento do desenvolvimento da leitura. Mas, como afirma Kleiman

(2008) esses processos de leitura, se o professor não propiciar ao leitor diversos níveis de

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conhecimentos (gráficos, linguísticos, pragmáticos, sociais e culturais) se limitarão ao

processo de decodificação. Nesse caso, o processamento interativo vai corresponder aos dois

tipos de processamento top-down (descendente) e o processamento bottom-up (ascendente)

que já foram mencionados no primeiro capítulo desse estudo.

As duas professoras remeteram o conceito de leitura à compreensão e à interpretação e

Marcuschi (2008) afirma que ao produzirmos enunciados desejamos que eles sejam

compreendidos, mas nunca exercemos total controle sobre o entendimento que esse enunciado

possa vir a ter, isto porque a linguagem não é transparente e a interpretação dos enunciados

não é simples extração de informações objetivas, nem unilateral, mas uma atividade

colaborativa que se dá na interação entre autor-texto-leitor e nesse meio podem ocorrer

desencontros. A compreensão é um exercício que se dá numa convivência sociocultural entre

interlocutores.

Isso quer dizer que os conceitos sobre leitura das duas professoras não mencionam a

leitura como prática interativa, como construção de sentidos em atividades de inferências para

se compreender um texto. O sentido nos leva à concepção de linguagem vista como troca de

informações e não como interação, o que já afirmamos anteriormente. A concepção de

linguagem que ambas internalizaram norteia suas concepções sobre leitura. A leitura, na

escola, é vista como nos ensinaram, ou seja, ler o texto para extrair respostas, corrigir

pronúncia, para fazer ditados e nossa capacidade de descobrir os modos de leitura depende,

em grande parte, desses modos de ensinar.

Tal fato nos leva a pensar que não basta apenas ensinar a ler, porque a leitura vista

como forma de comunicação e informação tira do aluno outras experiências humanizadoras

da literatura, assim como outras formas de explorar os textos, num processo de interação

efetivo com os textos.

As considerações nos reportam ao que diz Cosson (2009), para ele, ler implica troca de

sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão

localizados. Os sentidos de um texto é um compartilhamento de visões entre os homens no

tempo e no espaço. Por outro lado, Todorov (2010) diz que o ensino da literatura está diante

da falência, porque falta um objeto próprio de ensino e que é preciso vencer a forma

conteudística de ensinar e compreender que o ensino da literatura é uma experiência de leitura

a ser compartilhada.

Conforme podemos observar é necessário pensarmos outra forma de ensinar

colocando os textos literários como leituras efetivas e não como formas de informações.

Nessa perspectiva, devemos compreender a leitura como prática social. Pensar a leitura, não

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só como forma de compreender, interpretar, mas como atividade complexa de ação em um

trabalho de colaboração entre os indivíduos na sociedade em certos contextos sociais em que

fazemos parte. A leitura não pode ser vista como conteúdo a ser seguido, mas como formas de

compartilhamentos de experiências entre leitores, nos mais diversos gêneros, principalmente

os textos literários.

Entendemos que o trabalho com o ensino da língua deve ocorrer nas mediações entre o

professor, formador de consciência, e os alunos de forma dialógica na relação ensino-

aprendizagem permitindo não um fechamento ao texto, mas permitindo aos leitores outras

construções de sentidos para dar um valor de sentido ao que o produtor do texto quis

transmitir.

3ª Pergunta: Como você ensina a leitura na sala de aula?

Professora A:

─ Trago vários textos e primeiro fazemos uma leitura silenciosa, depois uma coletiva

porque há muitos alunos tímidos e acho que melhora a convivência; também trago textos

com assuntos da atualidade, fazemos discussões, depois debatemos o assunto, depois os

alunos escrevem sobre o assunto.

Professora B:

─ Faço um trabalho com vários textos em diferentes gêneros como o conto, os poemas, as

fábulas, as entrevistas, assim como textos informativos. Depois da leitura, os alunos

produzem textos escritos. Trabalho também com livros paradidáticos da “Sala de Leitura”

da escola. De posse das leituras, cada aluno narra a sua história que escreveu. Gosto de

trabalhar com dramatização com os clássicos.

Nas palavras da resposta desse item, evidencia-se uma preocupação das duas

professoras com a leitura oral. No entanto, as tentativas de leitura desta forma, durante nossas

observações, foram verificadas mais na sala da professora A, mesmo assim tumultuadas pelo

barulho, em uma sala com mais ou menos quarenta alunos. As tentativas se deram,

primeiramente, de forma silenciosa e depois a professora solicitava que cada aluno lesse um

pouco (parágrafo por parágrafo). Ressaltamos que a professora fazia interferências quando os

alunos pronunciavam uma palavra de forma considerada indevida. As dificuldades, em se

tratando de leituras orais, na sala de aula, são marcadas pelos seguintes fatores: a maioria dos

alunos fala baixo, não acompanha os parágrafos e fica perguntando em qual parágrafo o

colega parou. A professora fazia constantes interferências pedindo atenção; os alunos riam de

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quem se atrapalhava na leitura. Ao término da leitura, a professora de forma muito resumida

comentava os textos e fazia as perguntas básicas: O que fala o texto? Quantos parágrafos há

no texto? Quem são as personagens? O que estão fazendo? Nesse momento, poucos alunos

respondiam e eram sempre os mesmos que participavam.

Ainda identificamos que a professora A não segue muito o livro didático e confessou

que os textos são cansativos, muito longos e os alunos não gostam do livro. O livro serve

somente para os assuntos gramaticais. A professora B apega-se mais ao livro e segue os

conteúdos deste. Essa afirmou que o livro é um meio para o aluno estudar, por isso segue o

livro. Não percebemos atividades de leituras para compreensão de textos literários, nos

encontros, em que estivemos com a professora B. As atividades mais relevantes de seu

trabalho deram-se na apresentação de um seminário para os alunos explicarem os tipos de

orações subordinadas substantivas. A maioria lia os conceitos e os exemplos constantes, no

livro didático. Em seguida, a professora reforçava os exemplos questionando os alunos. Os

exemplos explicados se deram em frases soltas. Não houve menção a nenhum texto, ou

trechos, somente em exemplos do livro. Outra atividade importante e relevante da professora

B foi a preparação com o gênero da entrevista (mencionado em sua resposta desse item).

Seguindo os passos do livro didático, ela explicou o que era uma entrevista, quais os objetivos

desse gênero de texto, fez a diferença entre um entrevistado e um entrevistador. Solicitou que

os alunos lessem as duas entrevistas do livro didático, primeiro uma leitura silenciosa. Ao

término, perguntou aos alunos o que acharam de mais importante em cada entrevista obtendo

poucas respostas. Solicitou aos alunos que pensassem nas perguntas e na escolha dos

entrevistados para a apresentação como atividade que valeria como avaliação.

Quanto à forma de conduzir a leitura de textos da professora A, Kleiman (2008)

considera que a leitura silenciosa deve ser uma prévia e que a valorização da correção da

forma, ao invés da preservação do significado, podem inibir estratégias adequadas de

processamentos de textos escritos. Por isso, a leitura silenciosa tanto por parte do professor,

quanto por parte do aluno, e a leitura em voz alta pelo professor cumprem objetivos e servem

de modelo para criar contextos de aprendizagem. Ao ler em voz alta, o professor promove

condições para que seja imitado. Na leitura escrita, é preciso atentar que o processo é

complexo e depende da manutenção da memória e de sintagmas complexos como as orações e

de um auxílio de pistas prosódicas como a pronúncia, a ênfase, a entonação, o ritmo que vão

facilitar o processamento da leitura. O professor deve estar atento para as dificuldades do

aluno e deve trabalhar o texto em seu todo, não só nas perguntas explícitas, mas chegar à

construção dos sentidos de forma que facilite a compreensão aos alunos.

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Logo, percebemos que as professoras não exploram o texto em todos os seus aspectos

linguísticos, semânticos, estilísticos e pragmáticos. A leitura parece algo secundário e os

alunos não participam e não interagem para refletir, comentar, criticar, sugerir e aceitam

passivamente as respostas dadas pelas professoras. Deste modo, diz Solé (1998), a leitura

pode ser considerada um processo constante de elaboração e de verificação de previsões que

levam ao ato de interpretar. Ao estabelecer previsões, os conhecimentos prévios do leitor e de

seus objetivos de leitura desempenham um papel importante. Para as situações de

ensino/aprendizagem, o professor deve guiar as práticas de leitura permitindo aos alunos uma

participação ativa para que, nas leituras silenciosas, os alunos possam prever, formular

hipóteses, compensar falhas de compreensão. Para que o texto tenha importância para o aluno,

o professor primeiro deve fazer uma leitura em voz alta com entonação adequada e

convincente para transmitir a importância daquele texto. A autora alerta que é necessário

articular diferentes formas de leitura oral, silenciosa, individual e compartilhada e encontrar

os textos mais adequados para alcançar os objetivos propostos para cada momento. O melhor

do momento da leitura é que sejam significativas para os alunos e que corresponda a uma

finalidade para compreenderem e partilharem os textos de forma conjunta.

Devido ao pouco tempo que estivemos com as professoras não foi possível observar se

aplicam o que afirmaram em suas práticas com a leitura. A professora A tentou um trabalho

com a leitura oral mesmo que de forma mais diretiva sem provocar uma compreensão mais

profunda dos textos e de participação ativa dos alunos.

4ª pergunta: Você acha importante a literatura? Por quê?

Professora A:

─ Sim. Para o trabalho com os tipos de linguagem. Para trabalhar os níveis de linguagem,

ou seja, a coloquial, a norma-padrão.

Professora B:

─ Sim. A literatura faz o aluno conhecer os autores, as obras abrindo novos horizontes e

torna-os mais intelectuais.

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5ª pergunta: Como você trabalha os textos literários?

Professora A:

─ Além do que já citei, os textos literários são vistos somente na parte de sua estrutura

como versos, estrofes, rimas, no poema. Também para o estudo de interpretação e para a

parte gramatical. Trago textos mais modernos, também que lembram o Romantismo para

falar da presença do indígena, do nacionalismo.

Professora B:

─ Como pesquisa da parte gramatical, principalmente verbo, as classes de palavras,

concordâncias e também solicito que escolham um livro e comentem sobre as personagens,

linguagem, época, fatos e etc. Também para dramatizações enfocando determinada época.

As duas perguntas estão relacionadas. Assim, achamos melhor comentá-las juntas. Em

relação à 4ª pergunta, as professoras têm posições diferentes de ver a literatura. A Professora

A viu a literatura como trabalho para estudo dos tipos e níveis de linguagem; já a Professora B

reconheceu a importância da literatura na vida do aluno como forma de conhecimento para o

contato com autores e suas obras, assim como para a formação cultural, quando afirmou

“torna-os mais intelectuais”, temos a noção da literatura para torná-los mais letrados.

A forma de enxergar a literatura na escola tem sido a preocupação de vários autores,

uma vez que parece que o professor não é responsável pela condução do texto literário, na

escola. Ao que tudo indica, o texto literário não é de competência do professor. Muitos

professores incorporam, em suas aulas, aquilo que ditam os manuais escolares e não fazem os

alunos vivenciarem a complexidade dos textos literários em sua época e não contextualizam o

mundo dos alunos para perceberem diferentes formas de textos e sugerirem um diálogo para

uma nova ressignificação dos textos.

Sobre tal perspectiva, Lajolo (2000) nos diz que as teorias que fundamentam as

relações entre leitura, literatura e escola que incluem a noção de literariedade, o leitor e a

prática de leitura são as mais adequadas. A interação entre leitor-texto para discutir literatura

parece a mais adequada na inserção da literatura na vida escolar. A autora afirma ainda que na

escola não se transforma a leitura literária em suas estruturas profundas, mas são atividades

reprodutoras e repetitivas e que o trabalho com poemas se constitui na parte formal. Na

verdade, não se vê o texto no seu significado mais amplo, significado que não se confunde

com o que o texto diz, mas no modo como o texto diz o que diz.

Observamos que a Professora A, ainda se preocupa em apresentar a literatura como

forma de exercícios, principalmente para extrair do poema os versos, quantas estrofes e a

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classificação das rimas (cópia de exercício em anexo). Também nos textos que ofereceu aos

alunos não há a preocupação como afirma Lajolo (2000) de quase infinita interpretabilidade

da linguagem que cada leitor de posse do texto faz uma reinterpretabilidade tornando-se

sujeito de sua leitura numa reescrita significante que o autor, quando escreveu, deixou nas

entrelinhas. A professora simplesmente foi muito superficial quanto à compreensão dos textos

ficando somente na parte de retirar estrofes, rimas ou das perguntas encontradas na superfície

destes.

Durante as observações com a Professora B, não tivemos a oportunidade de observar o

trabalho com os textos literários, então observamos no caderno de três alunos que não havia

um texto para interpretação, assim também na 2ª avaliação, somente questões de alternativas

para escolha de respostas. A professora justificou-se dizendo que trabalha com os textos do

livro didático. Ressaltamos que não conseguimos materiais de atividades ou testes da

Professora B, porque esta afirmou que teve problemas em seu computador e perdeu o seu

material. Preferimos não tirar cópia dos testes dos alunos porque estavam cheios de correções

e rabiscados.

Para Cosson (2009), a literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para

formar culturalmente o indivíduo. No ensino fundamental, a literatura tem um sentido tão

extenso que engloba qualquer texto escrito que apresente parentesco com ficção ou poesia. Há

equívocos quando pensamos que o texto literário não pode ser compartilhado por causa de sua

linguagem especial, mas o texto literário é produto de sua inserção profunda, na sociedade e

permite o diálogo com o mundo e com os outros.

Em relação a ler um texto literário, segundo Antunes (2007), o leitor competente lê

procurando sentidos, emoções, intenções, ditos, pressupostos e não substantivos. Para a

autora, a leitura de um poema tem que ser simbolicamente, pois os versos remetem para muito

além do sentido puramente literal das palavras, neste caso os substantivos se tornam abstratos.

Desta forma, faltam ao professor conhecer outros recursos de produção de sentido, sobre

textualidade, sobre linguagem literária, sobre a natureza mesma da linguagem. Assim, mesmo

o professor acha que encontra nos textos as regras gramaticais, ou que a gramática está

vinculada ao texto e que sem os textos as aulas ficam monótonas. Antunes (2007) alerta que o

texto é a única forma necessária e que a gramática é constitutiva do texto, e o texto é

constitutivo da atividade de linguagem. O estudo da língua culmina com a exploração das

atividades textuais e discursivas.

O que se deve, enfim, enfatizar na forma do trabalho com os textos de acordo com

nossas observações, que é possível reconhecer que a escola necessita discutir o ensino da

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língua materna e conduzir de outra forma suas atividades propostas em relação aos textos

literários. Intuímos que não é só o professor o culpado ao perceber o texto literário dessa

forma, para simples exercícios de reconhecimento de versos e de rimas. Mas quando os

órgãos ligados ao ensino separam o ensino da língua materna e o ensino da literatura há um

equívoco e os programas, os conteúdos apresentam a língua de forma fragmentada, como se a

literatura não fosse linguagem e não tivesse nada haver com a língua. Cria-se, então uma

confusão no ensino e assumimos práticas pedagógicas incoerentes, por isso o professor tem

que ter conhecimento de questões do funcionamento da língua/linguagem e ter a percepção de

suas práticas que devem ir além dos aspectos gramaticais. Devemos ter a visão de que a

língua se dá numa perspectiva do discurso em atividades mais amplas e interativas com os

textos e não isolar a literatura da língua materna como se fossem totalmente antagônicas.

6ª pergunta: Você explora a “Sala de leitura” de sua escola?

Professora A:

─ É difícil. O espaço é muito pequeno e a turma é muito grande.

Professora B:

─ Sim. Peço aos alunos para lerem livros paradidáticos e às vezes para pesquisarem certos

assuntos nas gramáticas.

As duas escolas possuem uma pequena sala denominada de “Sala de leitura”. Na

escola da Professora A, a sala é muito pequena, há poucas mesas cada uma com quatro

cadeiras e um pequeno acervo. Não há bibliotecários, somente três professoras de língua

portuguesa são responsáveis pelo local. Conversamos com a professora responsável, pelo

turno da manhã. Ela é formada em Letras pela Universidade Federal do Pará e tem 22 anos de

magistério. A professora afirmou que há mais livros didáticos do que paradidáticos; também

disse que a procura dos livros pelos alunos é razoável. Quanto aos empréstimos afirmou que é

complicado porque os alunos não devolvem os livros e que alguns professores procuram a

sala, por ser mais reservada para passar filmes, documentários e que os debates são bem

proveitosos. Mencionou ainda que, tem um projeto intitulado “Pequenos leitores” e que é uma

iniciativa individual sem o apoio de outros professores porque percebe que não há uma

integração com as atividades da sala de aula. O projeto surgiu ao perceber a dificuldade de

alguns alunos com a leitura, principalmente com a produção de textos, ortografia e até com a

compreensão porque muitos leem, mas não sabem compreender os textos. Além disso, há

muito alunos que estão ainda na fase de decifrar, percebeu isso em alunos do 5º e 6º ano.

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Ressaltamos que, no mês de maio, participamos das atividades do “II Concurso de

Poesia” promovida pelas duas professoras responsáveis pelos turnos da manhã e da tarde, com

a participação de quatro alunos para recitar poesias de autores de nossa literatura e sete alunos

como participantes e escritores de poemas para declamação. Nesse dia, somente uma turma e

alguns convidados participaram da atividade. Percebemos que somente a outra professora de

língua portuguesa que trabalha, no turno, da tarde, estava presente e essa turma estava naquele

horário em sua companhia.

Na escola da Professora B, também há uma pequena sala, bem agradável, com cartazes

sobre a importância da leitura. Em um canto, há um tapete com várias almofadas, porém

poucas mesas e não há muitos livros. Há também três professoras, uma por turno, que são

responsáveis pela sala. A professora responsável pela sala de leitura, no turno da manhã, é

formada em Letras, pela Universidade Federal do Pará. Atualmente estuda Direito, na FCAT

(Faculdade de Castanhal) e tem doze anos de magistério. Em nossa visita à sala de leitura, a

professora afirmou que há mais ou menos dois mil livros na sala de leitura, mas por esta ser

pequena, não comporta uma turma de alunos e que faltam estantes, equipamentos e mesas.

Apesar de tudo, há professores que utilizam o local para a apresentação de trabalhos,

seminários, exposições, para exibição de filmes e para bate papo com autores. A professora

não tem um número exato de alunos que procuram a sala, mas acha que fica em torno de

cinquenta alunos por dia que a procuram para conversar, para buscar livros indicados por

professores e para lerem. Disse ainda que a parte do empréstimo, ainda não é concreta, pois

não há material para as carteirinhas dos alunos. Ressaltou também que tem um projeto pessoal

de incentivo à leitura e artes cênicas, mas ainda não colocou em prática porque poucos alunos

gostam de artes cênicas. No entanto, tem um grupo de teatro, fora da escola, e que alguns

alunos da escola participam do grupo.

É interessante notar que a sala de leitura na visão das duas professoras parece um

ambiente que não é extensão da sala de aula porque não há um trabalho integrado com as

professoras responsáveis pelo ambiente e que também são professoras de língua portuguesa.

Como afirmamos, anteriormente, para ler, não precisamos de uma biblioteca lotada de

recursos de alta tecnologia, precisamos mais de livros, porque podemos ler na sala de aula,

mas a contradição está na forma da utilização do espaço. Poucos professores realmente usam

o espaço para a leitura e não há nas escolas projetos voltados para práticas de leituras, a não

ser de forma isolada. As duas professoras responsáveis pela sala de leitura estão inseridas

neste caso, pois possuem projetos relacionados à leitura no qual o corpo técnico e os demais

professores não conhecem e muito menos participam. A sala de leitura é procurada pelos

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alunos quando o professor pede uma “pesquisa”, ou seja, para o aluno simplesmente copiar do

livro, recorrer ao dicionário. Como as escolas carecem de projetos que contemplem a leitura

de forma integrada com toda a escola, os alunos não possuem uma relação cultural e até de

respeito pelos livros da escola. Essas questões indicam que precisamos elaborar projetos para

criar a cultura da leitura e, consequentemente, as salas de leituras serão ambientes mais

dinâmicos e de possíveis leitores.

Salientamos que a sala de leitura deveria ser mais aproveitada, com atividades

compartilhadas pelas professoras na promoção de leituras significativas para os alunos que

resultem em perguntas, opiniões, comparações, debates, resumos. A sala de leitura precisa ser

um ambiente mais dinâmico, mais vivo de troca de livros, de atividades (não somente em

datas comemorativas ou para passar filmes), mas de ações educativas que sirvam para o

desenvolvimento na formação cultural do aluno. Não podemos ver a sala de leitura como um

depósito de livros ou um local que não cumpra um papel relevante dentro da escola.

Tomamos como base o que diz Cosson (2009), os professores podem falar da obra e

de sua importância e evitar fazer as sínteses das histórias para despertar a curiosidade dos

alunos. Para isso é bom que o professor visite a biblioteca para retirar o livro, no caso de

cópias convém deixar o original para o aluno manusear. O professor deve fazer a apresentação

do livro em todos os seus aspectos físicos e iniciar a leitura da obra deve fazer de forma

compartilhada para que cada aluno possa levantar hipóteses, opiniões, impressões e

justificativas sobre o texto lido. O professor deve acompanhar todas as etapas do processo da

leitura e oferecer condições para a compreensão e a interpretação.

Portanto, a sala de leitura poderia muito bem cumprir o seu papel de um espaço para

contribuir para práticas de leitura e de formação de leitores, não alicerçada em práticas que

colocam o aluno como não-leitor para ler por obrigação, para avaliação, para testes, mas

constituir atividades integradas com outras disciplinas para uma participação maior dos

alunos, compartilhada com os professores.

A sala de leitura poderia promover círculos de leitura para estabelecer contatos dos

alunos com os livros ali existentes para o desenvolvimento do gosto pela literatura e também

por outras leituras como de revistas, jornais, gibis. Na sala de aula, o professor poderia

levantar o número de leitores para que contribuíssem com trocas de experiências das obras

lidas e juntos compartilhariam de um processo interativo para debates sobre determinados

autores, gêneros, estilos. Desta forma os professores descobririam os alunos leitores e

acatariam sugestões de leituras para o desenvolvimento de uma consciência crítica da turma.

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7ª pergunta: Como professora de língua portuguesa como você vê o cenário da

educação, hoje?

Professora A:

─ Vejo um cenário muito difícil devido às condições de trabalho do professor. O tempo é

um empecilho para que possamos fazer um trabalho melhor, o cansaço toma conta de nossa

vida e nos impede de preparar nossas aulas.

Professora B:

─ Vejo um cenário desanimador que só tende a ficar mais difícil, faltando muito para uma

qualidade excelente na educação. O professor é excluído e tem poucas oportunidades para

cursos de formação continuada.

8ª pergunta: Quais são as dificuldades que você encontra no seu trabalho?

Professora A:

─ São muitos os fatores: a falta de tempo para que eu possa fazer leituras e pesquisas; o

número de alunos nas salas de aula porque não posso levá-los a sala de leitura e dificulta as atividades

em grupos. Para xerocar um texto, tenho que tirar do meu bolso. O livro didático não é muito

acessível. Os alunos reclamam dos textos que são longos e desinteressantes e os conteúdos não

seguem uma sequência lógica porque são espalhados e fragmentados. Na escola não há um acervo

bom de livros para que os alunos possam ler. A relação com a direção é fechada, não há um diálogo

aberto, não acata as decisões dos professores e não percebo uma autoridade eficiente da direção. Não

há programas para qualificação do professor, eu mesma gostaria de fazer uma especialização.

Professora B:

─ São tantas, umas já bem conhecidas: percebo o desinteresse do aluno em ler, não são todos,

há exceções, hoje, o aluno tem a sua disposição a tecnologia como o celular, o vídeo game, a

televisão e ficam dispersos para a leitura. O número elevado de alunos, trinta alunos seria o ideal para

um trabalho mais participativo. A falta de interesse dos governos em relação ao magistério. A

desvalorização docente tanto pelo governo quanto pela sociedade é uma realidade. A escola já

melhorou muito em termos de condições físicas, de recursos materiais e de apoio pedagógico para se

trabalhar, no entanto ainda não está 100%. Outro problema é que as famílias não acompanham o

desenvolvimento escolar dos filhos. O professor, hoje, tem um papel múltiplo é pai, mãe, conselheiro

e até psicólogo. Outro ponto mais triste que eu vejo é a falta de respeito por parte do aluno em relação

ao professor, não possuem princípios morais repassados pelas famílias, não são todos, mas está

ficando difícil. A carga horária extensa do professor, não permitindo melhor qualificação e não temos

tempo para ler, pesquisar, fazer curso, falta também uma política de qualificação para o professor.

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As falas das duas professoras têm pontos idênticos e percebemos em seus discursos

que esta pergunta gerou um desânimo visível na fisionomia, na voz, nos gestos e nas palavras

proferidas. A Professora B vê que a leitura é pouco valorizada para alguns alunos, haja vista

o acesso à tecnologia que parece, ainda, distante da escola. Ambas se queixam que a carga

horária excessiva de trabalho não permite que tenham tempo para ler, pesquisar e fazer

cursos. Culpam-se pelas qualidades de suas aulas porque precisam trabalhar, nos três turnos, e

não podem planejar melhor o seu trabalho. O número de alunos é outro problema, levantado

pelas professoras, que dificulta o trabalho de elaborar atividades mais participativas entre os

alunos, assim como o uso do espaço da sala de leitura. Durante nossas observações,

percebemos que o número de alunos atrapalha, muitas vezes, as aulas por causa das conversas

paralelas e do entra e sai para ir ao banheiro, ou para beber água.

As condições de material é outro problema na escola. Muitas vezes, o professor tira do

próprio bolso dinheiro para pagar suas cópias se quiser trabalhar com outros tipos de textos,

assim como fazer atividades extraclasse. O que nos chamou mais a atenção nas palavras da

Professora B foi a desvalorização do professor tanto pelo governo quanto pela sociedade e a

falta de respeito por parte do aluno. Sentimos que ao se referir a esse aspecto a professora

mostrava-se desanimada, por isso já pensa na aposentadoria porque não vê mudanças e acha

que a situação pode ficar pior.

As dificuldades na ótica das duas professoras, já ultrapassam gerações e perpassam

uma crise de identidades pelas quais a sociedade enfrenta. Como já afirmamos, a questão do

controle e do poder permeia as práticas pedagógicas em sala de aula. Segundo Benassuly

(2002), os trabalhos dos pesquisadores voltados tanto para o desvelamento das relações

educacionais quanto para a prática é que o espaço escolar é o espaço do silêncio. Para a

autora, as contribuições de Foucault e Habermas são importantes para o campo educacional

quando ambos pensam a linguagem como veículo de construção emancipatória que permitem

professores romperem o isolamento e a alienação através da reflexão crítica de seu papel

político e da sua prática social. Nessa perspectiva, citamos Gramsci (apud Benassuly, 2002),

quando considera a escola como espaço na qual a hegemonia burguesa se reproduz, mas

também é local para a contra-hegemonia que nos possibilita pensar propostas alternativas para

que professores reflexivos desenvolvam uma postura crítica, emancipatória, voltadas para um

processo de transformação e construção de uma sociedade na qual a cidadania seja possível.

A desesperança dos professores diante dessas dificuldades não pode calar sua voz

diante dos processos contraditórios e dos silenciamentos, no espaço escolar, mas o desafio é o

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comprometimento com uma educação emancipatória que possibilite o diálogo crítico e

transformador para a sua valorização como sujeitos reflexivos de sua prática docente.

De acordo com os estudos de Nóvoa et al. (1992), tanto os professores portugueses

quanto de outros países estão submetidos a uma tensão que provoca uma degradação do seu

estatuto e retira-lhes a autonomia profissional. Por isso, sua formação deve estimular uma

perspectiva crítico-reflexiva para fornecer um pensamento autônomo e que facilite a sua

autoformação participada. A formação implica em um investimento pessoal que tem em vista

à construção de sua identidade pessoal e profissional. Para o mesmo autor, a formação do

professor não se faz por acumulação de cursos ou técnicas, mas através de um trabalho de

reflexividade crítica sobre suas práticas e numa (re) construção permanente de uma identidade

pessoal. Pensar assim tem sua importância para investimento na pessoa do professor e dar um

estatuto ao saber de sua experiência.

Ainda em relação às dificuldades apontadas pelas duas professoras, retomamos Nóvoa

et al. (1992) que afirma que os professores estão vivendo situações desgastantes, de estresse e

que não podemos trabalhar de forma individual, unilateral, no ambiente da escola. O diálogo é

fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional. É necessário criar

redes coletivas de trabalho para firmar valores próprios da profissão docente. As práticas

coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a estabilidade da autonomia da

carreira de professor, na produção dos saberes e dos valores.

Sabemos que o cenário da educação é problemático, cheio de incertezas, de conflitos

de valores, próprios da sociedade pós-moderna, e tem contribuído para a desvalorização da

profissão docente. Para se pensar em transformações na escola é preciso os professores

assumirem-se como “produtores de sua profissão” porque as mudanças dependem dos

professores, também de suas práticas pedagógicas na sala de aula. É claro que as mudanças

dependem de seus níveis como organizações escolares e de seu funcionamento e há fortes

relações de poder, nessa relação. A participação coletiva do professor para a sua autonomia é

importante numa construção de uma reforma educativa inovadora.

4. 4 O PROCESSO DA LEITURA/ TEXTO NA ESCOLA

Neste item, teceremos algumas considerações sobre as observações da prática das duas

professoras em sala de aula. Enfocaremos alguns aspectos problemáticos em relação à

leitura/texto.Os comentários são apenas dos aspectos que nos chamaram a atenção sobre a

forma de condução da leitura. Ressaltamos que cada turma possui um desenvolvimento e as

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duas turmas observadas demonstraram um comportamento muito bom, sendo que a turma da

Professora B era mais dispersa.

Na Escola E.E.F. M “28 de Janeiro”, a aula do dia 29/03/2011, das 7h15 às 8h 30min,

ministrada pela Professora A, merece algumas considerações. O início da aula é tumultuado, a

maioria conversa alto, arrasta carteiras e há alunos de outras salas no corredor. As carteiras

estão enfileiradas. A Professora A pede atenção e silêncio porque vai ditar o texto intitulado

“O caboclo, o padre e o estudante”, de Câmara Cascudo (2006).

TEXTO

O CABOCLO, O PADRE E O ESTUDANTE

Um estudante e um padre viajavam pelo sertão, tendo um caboclo como bagageiro.

Deram a eles, numa casa, um pequeno queijo de cabra. Não sabendo como dividi-lo, mesmo

porque daria um pequenino pedaço para cada um, o padre resolveu que todos dormissem e o

queijo seria daquele que tivesse, durante a noite, o sonho mais bonito, pensando engabelar

todos com os seus recursos oratórios.

Todos aceitaram e foram dormir. À noite, o caboclo acordou, foi ao queijo e o comeu.

Pela manhã, os três sentaram-se à mesa para tomar café e cada qual teve de contar o

seu sonho. O padre disse ter sonhado com a escada de Jacó e descreveu-a brilhantemente. Por

ela, ele subia triunfalmente para o céu. O estudante, então, narrou que sonhara já dentro do

céu à espera do padre que subia. O caboclo sorriu e falou:

- Eu sonhei que via Seu padre subindo a escada e Seu doutor lá dentro do céu, rodeado

de amigos. Eu ficava na terra e gritava: “Seu doutor, Seu padre, o queijo! Vosmincês

esqueceram o queijo”. Então vosmincês respondiam de longe, do céu: “Come o queijo,

caboclo! Come o queijo, caboclo! Nós estamos no céu, não queremos o queijo”. O sonho foi

tão forte que eu pensei que era verdade, me levantei, enquanto vosmincês dormiam, e comi o

queijo...

CASCUDO, da Câmara Luís.

Para os objetivos deste estudo, se faz necessário reconhecer as atividades de leitura

desenvolvidas pelas docentes, por isso analisamos os efeitos da condução de sua prática

pedagógica com o texto literário. Em vista dessa prática com o texto em forma de ditado, é

relevante comentar que a Professora A não comentou nada a respeito do texto que seria lido,

como quem era o autor, o gênero, a época. Não motivou a turma para a escrita do texto.

Durante o percurso do ditado, a professora repetia palavra por palavra, ou então frases

inteiras. Dava ênfase na pontuação (agora é vírgula, ponto parágrafo, ponto de exclamação

etc); chamou a atenção para a crase e para a acentuação gráfica. A turma ficou em silêncio; a

professora caminhava pela sala, ia até as carteiras, olhava o caderno de alguns alunos e fazia

observações sobre as margens do caderno, sobre a letra. Neste mesmo momento, elogiava os

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alunos que escreviam mais rápido e chamava a atenção dos que solicitavam repetição das

frases para terem mais atenção.

Ao término do ditado, ressaltamos que a professora não leu o texto, solicitou aos

alunos a leitura silenciosa do ditado, isso dentro de dois minutos e logo depois fariam uma

leitura coletiva, também dentro de dois minutos. No momento da leitura silenciosa,

percebemos que alguns alunos liam em voz alta. Ao término dessa etapa, a professora disse

que era o momento da leitura oral, então chamava os alunos pelo nome para que lessem em

voz alta. Neste momento, alguns alunos se atrapalhavam, outros leram de maneira inaudível e

alguns alunos riram porque o colega se confundia em algumas passagens do texto. A

professora interferia chamando a atenção para a pronúncia de algumas palavras. Alguns

alunos reclamaram do tom baixo da voz do colega, então a professora pediu a uma aluna que

lesse o texto, como a aluna leu com fluência e boa entonação a professora não fez

interferências.

Em seguida, a professora pediu à turma que comentasse o texto e dirigiu-e a três

alunos: Quantos personagens há no texto? Onde aconteceu o fato? Por que aconteceu? Qual

foi o problema? Por que o padre quis dividir o queijo? Quem foi o mais esperto?

Durante as respostas, não fez nenhuma interferência porque os alunos responderam às

perguntas que constavam na superfície do texto de forma adequada. Também não fez nenhum

comentário a mais sobre o texto. Os alunos pediram o visto no caderno e esta disse que depois

do exercício seguinte daria o visto. O exercício foi o seguinte:

01. Marque a frase que tem sentido conotativo:

a) O padre contava para vencer, pois tinha mais bagagem.

b) O padre subiu a escada e foi para o céu.

c) O caboclo levantou-se e comeu o queijo.

d) Os três sentaram à mesa para tomar café.

02. Reescreva as frases substituindo o verbo grifado por outro de igual valor:

a) Se dividissem o queijo, chagaria em pequeno pedaço para cada um.

b) O padre desejava engabelar os outros dois.

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A professora disse que os alunos tinham dez minutos para responder o exercício e

enquanto estes copiavam dirigiu-se às carteiras para corrigir o ditado. O horário extrapolou e

não deu tempo para a correção de todos os cadernos, mesmo assim, ainda deu as respostas do

exercício.

O que nos revela essa situação de trabalho com o texto literário, na escola? Nosso

olhar para esta prática é de apresentar indícios para um trabalho mais dinâmico e motivador

para o trabalho com o texto literário. Não temos a intenção de julgar ou de colocar a culpa no

professor, uma vez que sabemos das condições de produção dos discursos postos pela escola e

da situação em que se encontram as escolas em termos de materiais didáticos escassos e das

instalações precárias. Outro problema é a desvalorização profissional a qual está exposto o

professor com salários defasados. A formação continuada é outra forma de

conhecer/saber/aprender o que a formação inicial deixou pelo caminho. É quase certo que o

reflexo de sua prática parte da concepção que tem sobre linguagem e leitura observada

durante as respostas da entrevista.

As observações revelaram que o ditado, a leitura silenciosa e oral foram estratégias

recorrentes nesta aula de leitura. A leitura oral é importante, não vista isoladamente, como

atividade mecânica para mera emissão de voz, para ditar pronúncia certa ou para responder

perguntas básicas. Koch e Elias (2007) dizem que há vários tipos de textos e que são os

objetivos do leitor que nortearão o seu modo de leitura que pode se dá em mais tempo, em

menos tempo, com mais atenção, menos atenção ou maior interação ou menor interação. No

processo de interação, faz-se necessário considerar a materialidade linguística do texto,

elemento no qual constitui a interação, também se devem levar em conta os conhecimentos do

leitor que são condições fundamentais para que haja a interação, com maior ou menor

intensidade, durabilidade e qualidade.

Como já citamos neste capítulo, Solé (1998) nos diz que o professor pode articular

diferentes formas de leitura, mas que este momento seja significativo tenha uma finalidade de

compreensão e partilha, junto com os alunos. O que não pode ocorrer são atividades

trabalhadas de maneira automatizadas e que não propiciam uma reflexão, uma interação maior

com o texto. A recepção de um texto não acontece de forma passiva porque o texto precisa de

um leitor que o conduza aos seus aspectos linguísticos, semânticos e pragmáticos e tem uma

preocupação com a sua concepção/produção e com o seu destinatário. Quando lemos um

texto, atribuímos sentidos, significações e como já falamos depende de um complexo

mecanismo cognitivo e de todos os conhecimentos do leitor. Ao ler um texto, entramos em

contato com uma experiência que nos levará a uma relação com o autor/texto para uma nova

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construção e reconstrução de sentidos. Para Brandão e Micheletti (2007), o leitor situa-se,

portanto, num espaço ambíguo entre a disseminação de sentidos possíveis e as restrições

inscritas nos artefatos que organizam o texto.

Mas, não se pensa os textos literários, na escola, como algo vivo que possui existência

própria que não dependem do sujeito nem da situação de enunciação, mas o leitor é aquele

que vai construir os seus sentidos. O texto não é algo acabado e seu sentido não está atrelado à

forma como no modelo do estruturalismo. O texto literário tem o seu valor reduzido a leituras

para decodificação, perceber sequências e extrair do texto somente os elementos superficiais

ou meramente informações como fez a professora ao fazer as perguntas básicas contidas na

superfície do texto. Poderia até fazer as perguntas, não há nada contrário, mas não ficar

somente na superfície do texto sem explorá-lo nos seus aspectos linguísticos e estilísticos.

Deve haver algo mais que conjugue, no texto, os elementos textuais, quanto os elementos

extratextuais que vão levar o leitor a uma interação com o autor/texto para chegar a uma

compreensão.

Kleiman (2008) alerta que a leitura como prática social remete o leitor a outras leituras

e qualquer texto nos coloca diante de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social

em que fomos criados. Assim, é preciso explicar aos alunos os objetivos da leitura para a

realização de inferências, para o levantamento de hipóteses, para o conhecimento prévio do

leitor com a finalidade de os alunos sentirem confiança em suas estratégias para resolver

problemas na leitura.

Então, parece-nos evidente que antes de começar a leitura de qualquer texto, é preciso

motivar os alunos para adentrar no texto, fazer referências ao gênero, ao autor, ao que vão

encontrar que possa oferecer curiosidade, ao estilo, a linguagem do autor. Percebemos que a

leitura do texto foi automática, sem um aprofundamento textual, houve somente uma

valorização de emissão da voz do aluno porque a professora nem leu o texto; outro fato foi

que os leitores são determinados pela professora e sempre apontando para os alunos que leem

de forma mais fluente. Durante a leitura, houve um fechamento que não permitiu a

participação dos alunos para um diálogo de experiências, sendo o texto rico nos aspectos

sociais (diferenças de classes sociais e culturais), nos linguísticos (o caso dos pronomes, “Seu

doutor, vosmincês”), no religioso (a escada de Jacó), no histórico/geográfico (o sertão) e até o

ideológico, no caso da esperteza que poderia ser o objetivo de uma discussão maior levando

para a vida cotidiana, para a política. A professora poderia ter aproveitado o texto para uma

discussão nestes aspectos.

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A leitura que predominou revela uma ausência de situações para atividades de

produção e construção de sentidos. O texto ficou somente em simples oralização e o professor

não foi um mediador da leitura, o processo ficou por conta da capacidade dos alunos, daí o

reconhecimento somente do explícito, do aparente. Como afirma Marcuschi (2008)

compreender exige habilidade, interação e trabalho. Compreender não é uma ação apenas

linguística ou cognitiva é muito mais uma forma de inserção e um modo de agir sobre o

mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade. A compreensão não é

simples ato de identificação de informação, mas uma atividade em atividades inferenciais.

Sabemos que ao lermos um texto diferentes sentidos são construídos e não há uma

compreensão única, definitiva, mesmo assim as compreensões de um texto devem ser

compatíveis. O autor, ainda enfatiza que a compreensão é complexa, não envolve apenas

aspectos linguísticos, mas também antropológicos, psicológicos e factuais.

Considerando que a aprendizagem só se dá quando há uma reflexão e que ao trabalhar

com textos literários, por sua própria linguagem, a compreensão não vai ser algo definitivo, o

professor deve levar os alunos a questionamentos, a construir hipóteses, as inferências para

um agir diante do texto. A leitura oral terá sentido se o professor fizer uma relação com as

vivências dos alunos, contextualizar com outros textos lidos, remetendo a situações históricas,

sociais, ideológicas; dar oportunidade aos alunos de opinar, de sugerir, de debater as ideias do

texto; levar os alunos a perceberem a riqueza do texto em todos os seus aspectos linguísticos,

semânticos e pragmáticos. Neste caso, a professora A poderia ter ampliado mais a

compreensão do texto com perguntas para inferências ou mais globais como, por exemplo: 1.

Você acha que o caboclo já tinha tido essa atitude com outras pessoas? 2. Que outro final

você daria à história? Como você resolveria o problema do pedaço do queijo? 3. Qual a moral

dessa história? Quanto ao exercício aplicado, percebemos que este tipo de atividade é

meramente conceitual e não tem nada de compreensão do texto, apenas em frases soltas que

não levam o aluno a pensar a língua no seu uso efetivo.

Em referência a Professora B, da Escola E.E.F. M Cônego Leitão, tivemos poucos

encontros e nossas observações, como já afirmamos, ficaram incompletas, em consequência

da greve dos professores. No dia 26.08, no horário de 8h45, às 9h30min, com intervalo de

10min para o recreio, retorno às 9h45 às 10h30min, iniciamos nossos encontros. Teceremos

alguns comentários sobre o que observamos da prática da Professora B.

Em conversa com a professora, esta disse que segue o livro didático por achar mais

prático e porque é um material que o aluno possui e pode seguir os conteúdos propostos. A

turma é muito barulhenta, a maioria dos alunos conversa. Percebemos que dois alunos

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estavam com o celular ouvindo músicas, o que a professora percebeu e chamou a atenção. A

Professora B tem uma voz calma e baixa, e interferiu várias vezes pedindo silêncio à turma.

Então, solicitou aos alunos que pegassem o livro e abrissem na página 118, que trazia

uma entrevista com o astronauta brasileiro, Marcos Pontes. Solicitamos à pedagoga o livro

didático e não foi encontrado um exemplar para doação. A professora B explicou o tipo de

gênero e se os alunos perceberam que havia duas pessoas no texto, ou seja, um entrevistador

(o jornalista) e o outro o entrevistado (o Marcos Pontes). Em seguida, solicitou aos alunos que

lessem de forma silenciosa. Ao término da leitura, também não leu o texto e não pediu para

que lessem, simplesmente dirigiu-se aos alunos: Quem é a personagem do texto? Onde

trabalhou? O que ele fez para chegar a ser um astronauta? Quantas horas de voo ele tinha?

Durante as perguntas não apontou para nenhum aluno e os mais atentos respondiam quase

juntos. Depois, pediu silêncio e se referiu chamando os alunos pelo nome para responder as

perguntas que propôs. Percebemos que poucos se manifestaram, o que também percebemos é

que alguns não estavam com o livro. Nesse momento, fez uma pausa para explicar a

importância dos estudos, na vida dos alunos porque com dedicação, com atenção poderiam ser

alguém como Marcos Pontes. Retornou ao livro e explicou novamente o que é uma entrevista,

os seus objetivos, como deveriam ser as perguntas para o entrevistado e explicou os tipos de

linguagem que deveriam usar no texto, daí fez referência à linguagem formal/padrão, a

informal e deu exemplos da linguagem do livro e dos jovens. Nesse momento, o diretor da

escola entrou na sala para dar um aviso e a aula terminou.

O segundo encontro foi no dia 09/09 e acompanhamos um seminário em que os alunos

apresentavam exemplos para explicar as orações subordinadas substantivas. O grupo que

apresentou primeiro fez um esquema dos tipos de orações e ao lado um exemplo de cada

oração. Sentimos que os alunos não souberam explicar e somente repetiam o conceito do tipo

de oração e davam o exemplo. E assim se repetiu em três grupos. A professora tomou o

esquema que estava no quadro e explicou de forma bem sucinta sem grandes

aprofundamentos sobre os exemplos e fazia perguntas aos alunos, se era uma oração

subordinada substantiva objetiva indireta ou era uma subordinada substantiva completiva

nominal, fixando que uma era o verbo que pedia e a outra o nome. Observamos que os

exemplos estavam nos cadernos dos alunos e foram tirados do livro didático e de outros

exemplos que a professora tirou de um livro que mantinha em sua mão. O estudo das orações

estava em frases soltas e os exercícios para classificar os tipos de orações. Não culpamos a

professora. Sabemos o quanto é difícil explicar esse tipo de orações sem remeter a orações

soltas. A professora solicitou aos alunos que elaborassem as perguntas para as entrevistas.

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Ressaltamos que, antes do início das aulas, nas sextas-feiras, quando aconteciam os

nossos encontros solicitávamos o caderno de três alunos e só encontramos exercícios para

classificar orações coordenadas e subordinadas. Não detectamos nenhum tipo de texto ou

perguntas de interpretação.

No dia 16/09, os alunos tiveram uma atividade na escola e não houve aula, no horário.

Somente no dia 23/09, assistimos à culminância da atividade das entrevistas. Percebemos que

nesse dia, a turma estava mais participativa e todos ouviam as entrevistas com atenção. Os

três primeiros grupos apresentaram as perguntas e as respostas dos entrevistados, sendo que

um aluno fazia as perguntas e se revezavam no grupo para responder, geralmente em grupos

de cinco a seis alunos. Os dois últimos grupos trouxeram para a sala os seus entrevistados; um

grupo trouxe uma das pedagogas da escola que de forma bem objetiva respondeu às perguntas

sobre a sua vida desde a escolha de sua profissão, sobre o seu trabalho na escola e suas

dificuldades. O momento também serviu para a pedagoga explicar que todo profissional tem

que ter ética, educação, comportamento, compromisso com a sua profissão e com a

comunidade escolar. Na segunda entrevista, o grupo trouxe o diretor da escola que também

respondeu sobre sua trajetória como estudante, como professor de história e como gestor. O

momento também serviu para explicações sobre suas preocupações com a rotina, o trabalho, o

que conseguiu fazer de melhorias na escola e suas percepções sobre a educação (angústias,

desânimos). Ao término do trabalho, a professora comentou a condução de cada grupo

fazendo comentários sobre as perguntas.

Como nossa pesquisa tem a intenção da mediação da leitura e especificamente com o

texto literário, ficamos impossibilitados de fundamentar nossas observações porque a

professora não selecionou nenhum texto literário para ser lido pelos alunos. O que

percebemos foi a leitura de duas entrevistas e as célebres perguntas da superfície do corpus,

somente para extrair informações do texto. Apesar de ter, usado outro gênero, notamos que

suas concepções sobre linguagem e leitura revelam a forma como trabalha o texto em sala de

aula, em leituras decodificadora para extrair respostas.

É louvável, a preocupação da professora em querer que o aluno tenha uma

participação maior em suas aulas. Muito embora, as poucas atividades que observamos

tenham sido trabalhadas em grupo, mas ainda de forma diretiva, sem debates, sem opiniões,

sem reflexão. O que deu para perceber é que a Professora B valoriza muito o livro didático,

mesmo porque os alunos recebem o livro do governo e acha que é importante para suas aulas.

O que constatamos é que quando se passa a adotar o livro didático como se fosse uma

bíblia e através dele transmitir ensinamentos cristalizados e prontos, o professor perde a

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oportunidade de trabalhar com outros textos, não elabora o seu próprio trabalho. A maioria

desses livros traz textos fragmentados, textos didatizados que servem apenas para transmissão

com perguntas de informação e superficiais. Muitas vezes, percebemos que a sequência

gramatical é fragmentada, não linear, os conteúdos não seguem uma sequência, priorizam

alguns estudos e deixam outros bem resumidos. Às vezes, encontramos até erros de

conceituação, casos já discutidos por alguns linguistas. As interpretações dos textos partem da

visão do autor da obra e há verdadeiros fechamentos para possíveis construções de sentidos. O

professor segue as respostas contidas nesses manuais e, na maioria das vezes, não aceita

outras abordagens de significações dos alunos porque não é assim que está nas respostas do

livro didático. Também não questiona as ideologias que estão presentes ali e aceita-as como

verdades prontas. Neste contexto, o professor pouco contribui para o incentivo à leitura, muito

menos para a formação de leitores na escola. Vale lembrar que o Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD) tem apresentado mudanças em relação à língua materna.

Portanto, perdemos muitas oportunidades de tornar a leitura interessante e criativa,

quando não a incentivamos em situações de interação com os outros e quando o professor

esquece de ser o mediador e motivador de leituras.

De posse dessas observações constatamos que as docentes ainda estão presas à

concepção de linguagem/língua como código/forma, o que resulta na ideia de que o texto é

algo acabado, fechado somente para extrair meras informações de sua superfície e prevalece a

forma diretiva de conduzir perguntas prontas e os alunos não participam no texto como

sujeitos que constroem o seu sentido. Nesse caso, os alunos são sujeitos passivos e não

assumem o pressuposto como nos diz Bakhtin (1992) que a linguagem é dialógica por

natureza e que o princípio da alteridade é que define o ser humano em suas relações com o

outro, assim como os discursos são caracterizados pela polifonia. É necessário entendermos

que são os leitores, juntos com os autores que constroem o seu sentido, então não podemos

ver os alunos como sujeitos passivos e nem o texto literário como objeto para análises

superficiais. O professor deve levar os alunos a compreender que o sentido não está pronto e

acabado no texto, mas o leitor vai construindo os sentidos a partir de uma interação dialógica

com os textos. O texto literário precisa ser valorizado pelo professor para que o estudo da

literatura se torne significativo e concreto, não trazer as perguntas já prontas para os alunos,

mas visar a descobertas de outras possibilidades de interpretação para o texto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos dados revelou-nos que o percurso e os percalços que fizemos sobre a

leitura não são conclusivos e nem estão acabados dada a sua complexidade na forma de

ensinar. As observações que tivemos a oportunidade de fazer nas duas escolas públicas

revelaram que ainda, não sabemos conduzir o processo da leitura em situações de interação,

porque ainda se trabalha o texto literário de forma passiva, ficando somente nas perguntas

superficiais e desconsiderando os conhecimentos dos alunos e a construção de seu sentido que

deve ir além do explícito de sua superfície. O livro didático ainda é visto como instrumento

importante porque o professor não tem outro material para trabalhar. As pequenas salas de

leitura, ainda não cumprem um papel relevante dentro da escola e são locais sem comunicação

com o professor que está na sala de aula.

Outra constatação é que as escolas não colocam em seu Projeto Pedagógico a

preocupação com a leitura de forma participativa e integrada com todas as disciplinas em

atividades organizadas para que se traduza uma interação entre professores e alunos visando à

possibilidade para formar leitores.

Percebemos um desânimo nas professoras ao revelarem que gostariam de planejar

melhor suas aulas, mas não encontram tempo para ler, pesquisar, estudar porque precisam

trabalhar nos três turnos e também porque as turmas são lotadas, barulhentas e não permitem

que façam um trabalho melhor. Pela nossa experiência, não tiramos a razão das professoras,

no entanto pensamos que o trabalho com os textos literários poderia ser melhor conduzido,

desvinculado de um trabalho de decifração, de passividade, de ver o texto como algo acabado,

sem a participação dialógica do aluno para que possa refletir, emitir opiniões, sugerir, criticar,

compreender e interpretar de forma que suas leituras adquiram sentido. Os textos literários

devem estar presentes em todas as aulas em abordagens interessantes de recepção e interação

para que o aluno descubra a língua em atividades de grupos, dentro e fora da escola. Bakhtin

(1992) diz que o enunciado é produto da interação verbal, sendo que cada palavra é definida

como resultado de trocas sociais por membros de grupos num processo sócio-histórico. As

diversidades sociais realizadas pelos grupos levam-nos às diferentes produções de linguagem,

daí os gêneros do discurso. Desta forma, diferentes gêneros devem ser trabalhados, na escola,

para que o aluno entenda o que constitui uma cultura de um povo, de uma comunidade. Na

escola, devemos levar os alunos a perceberem que os discursos se constroem entre pelo menos

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dois interlocutores e nas relações com os outros discursos ou textos. Nossas observações

constataram que entender a concepção de língua, de linguagem, de leitura, de texto e de

sujeito construída na interação textos-sujeito é necessário para evitarmos práticas

desmotivadoras, sem significados para os alunos. Para isso, os professores necessitam de

constantes leituras e de formação continuada visando práticas que possibilitem outras formas

de ensino-aprendizagem. Sabemos como é difícil articular a teoria à prática e relacioná-las ao

nosso fazer pedagógico. No entanto, ao dialogarmos com as teorias o mais importante é

compreendermos suas dimensões e fazermos escolhas do saber científico para sermos

mediadores do contínuo e permanente processo de ensinar e aprender.

Assim, tomando como base a atividade interativa, os professores devem ver a leitura

como uma atividade complexa em sua produção de sentidos e que não é só codificação de um

emissor a ser decodificado por um receptor passivo como nos alertam Koch e Elias (2007),

mas vai requerer do leitor, não só os elementos linguísticos da superfície do texto como um

vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.

Conforme já mencionamos, a sala de aula é conflituosa e heterogênea e o professor

deve promover ações de leituras para que possa trabalhar de forma organizada e planejada.

Por isso, temos o desafio de promover a formação de leitores para não excluir da escola os

alunos das classes populares. Reconhecemos as dificuldades da organização social, política e

administrativa da hierarquia da escola, no entanto quando isso vai mudar? Levar os alunos a

descobrirem a leitura é tarefa da escola porque ensinar a ler é mais do que ser fluente é levá-

los a serem realmente cidadãos atuantes que saibam se posicionar diante das adversidades,

que saibam ser críticos, saibam discernir, discutir, argumentar é muito mais que ler conteúdos

e seguir o que diz o currículo, é desvendar o que não conhecia, é sair da omissão, da opressão,

é enxergar outras possibilidades de vida. Então, não podemos esperar que o governo interfira

em nossa obrigação porque o professor-reflexivo sabe que a aprendizagem se dá entre sujeitos

que dialogam e interagem no mundo e produzem cultura. O professor é o mediador da

discutibilidade emancipatória no seu ato ou ação educativa como afirma (BENASSULY,

2002).

Neste cenário de conflitos como a falta de infraestrutura, de material, de diálogo entre

governo e professores, a questão salarial que desmotiva o professor, a falta de um plano de

capacitação com bolsa de estudo e até de um plano de cargo e salário motivador, a falta de

ética e a violência são problemas sérios que levam o professor a um descontentamento com a

própria carreira e assim a escola não consegue sair de sua estagnação porque ainda está

alicerçada em ideologias da não valorização do professor e de sua carreira, assim como dos

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silenciamentos que nos paralisam de promover as mudanças que a escola com urgência

necessita. Os governantes devem estar atentos às necessidades básicas da escola, como

limpeza e manutenção dos espaços, criação de bibliotecas bem equipadas com livros diversos,

construção de espaços alternativos para oficinas de leituras, teatros, danças e esportes, abrir

vagas para bibliotecários, para profissionais de informática, manter um programa anual de

capacitação para os professores e técnicos em cursos de mestrado e até doutorado, assim

como valorizar os professores com um plano digno de cargos e salários. Uma parceria com as

instituições formadoras de professores seria o ideal para discussões de práticas pedagógicas e

de metodologias para uma socialização com a escola pública. Os gestores e os técnicos das

escolas precisam formar grupos de estudos, junto com os professores, para que possam trocar

ideias, experiências e assim formarem uma rede de contatos para que promovam as mudanças

necessárias na escola. É preciso buscar alternativas para se trabalhar a leitura na escola em

atividades integradas com todos os membros participantes da escola. Os professores da sala

de leitura não podem fazer um trabalho isolado sem a presença dos outros professores. A

direção e os pedagogos da escola não podem ficar isolados dos professores, mas devem

através do diálogo planejar as atividades da escola, na busca de mudanças para práticas

motivadoras e inovadoras em relação à leitura.

Enfim, a presente proposta não tem respostas prontas, fechadas devido à complexidade

que é o ensino da leitura. No entanto cada vez mais, evidencia-se a necessidade de novas

construções de práticas metodológicas e pedagógicas para desenvolvermos instrumentos que

favoreçam o ensino, através dos textos orais e escritos. Na abordagem do tema, muitos

questionamentos perpassaram os percursos e os percalços no ensino da leitura e pensamos que

o melhor caminho é aprender a estudar, a ler, a pesquisar, a trocar ideias para estabelecer

vínculos e assumir posições de compromisso para a formação de leitores. Tarefa que não é

fácil, mas é possível e deve partir desde a formação inicial do professor com novas

concepções de ver a leitura num processo interativo-discursivo e não como prática

decodificadora, de leituras silenciosas e orais sem sentidos atreladas ao livro didático, a

práticas avaliativas ou como pretexto. A prática da leitura deve fazer parte de todas as

atividades da escola possibilitando a interação entre o autor-texto-leitor e o professor, o

sujeito mediador, dessa ação. Os professores de Língua Portuguesa são os sujeitos

importantes nesse processo da leitura, mas não são os únicos. A escola deve formar cidadãos

críticos e participantes, então precisamos de todos os professores, principalmente daqueles

que gostam de ler para motivar os alunos a vislumbrarem outras formas de saírem da sua

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condição de alienação e da exclusão social a que estão expostos em relação ao poder das

classes dominantes.

De posse dos resultados das observações da pesquisa pretendemos desenvolver

projetos de formação de leitores e contadores de histórias voltados para os alunos, assim como

divulgar a pesquisa, através de palestras, seminários e encontros com outros educadores e

publicar artigos sobre o tema e os resultados do projeto.

A formação de leitores não é algo impossível, mas depende de uma nova postura dos

professores nas escolhas de aprender novos conhecimentos e práticas para que possam

legitimar um compromisso com os alunos para que estes fujam da alienação de poder das

classes dominantes que os marginaliza. Para isso é urgente inventar, recriar, inovar outra

escola alicerçada numa perspectiva interativa e coletiva e com sujeitos reflexivos que buscam

mudanças e se reinventam como mediadores dos discursos, das ações, dos sonhos.

Enfrentamos momentos de desânimos, de descrenças que nos fazem refletir sobre o

nosso compromisso como educadores. O tempo não pode calar a nossa voz porque como

sujeitos da ação do ensinar estamos envolvidos numa consciência coletiva e precisamos

ensinar para a cidadania principalmente para as crianças e jovens das classes populares que

precisam da escola.

Um novo tempo deve ser o nosso aliado na constante busca de uma escola realmente

que prepare para a vida, para a cidadania plena.

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ANEXOS

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APÊNDICE A – Questionário de entrevista: professor

ESCOLA E.E.F.M........................................................................................................................

NOME:

CARGO:

GRADUAÇÃO:

PÓS-GRADUAÇÃO:

TEMPO NA ESCOLA:

TEMPO DE GRADUAÇÃO:

1. Para você o que é linguagem?

2. O que é leitura para você?

3. Como você ensina a leitura na sala de aula?

4. Você acha importante a literatura? Por quê?

5. Como você trabalha os textos literários?

6. Você explora a “sala de leitura” de sua escola?

7. Como professora de língua portuguesa como você vê o cenário da educação brasileira,

hoje?

8. Quais são as dificuldades que você encontra no seu trabalho?

Castanhal,.......de.....................2011.

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APÊNDICE B – Atividades de sala de aula da Professora A

ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO “28 DE JANEIRO”

DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA

PROFESSORA:

DATA: ___/___/2011

ALUNO (A)___________________________________________ 8ª1ª

1. Leia o texto para responder às perguntas propostas:

Anfiguri

Aquilo que eu uso

Não é o que quero

Eu quero o repouso

Do que não espero

Não quero o que tenho

Pelo que custou

Não sei de onde venho

Sei para onde vou

Homem, sou a fera

Poeta, sou um louco

Amante, sou pai

Vinícius de Moraes

a) Utilizando letras, esquematize as rimas da primeira e da segunda estrofe do poema, e em

seguida, classifique-as.

b) O poema apresenta quantas estrofes?

c) Observe o número de versos existentes em cada estrofe e classifique-as.

d) Retire da primeira estrofe, os pares de palavras responsáveis pelas rimas.

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