programa de atencao integral a saude da mulher paism entre as diretrizes nacional e a realidade

30
PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes nacionais e a realidade em Imperatriz Conceição de Maria Amorim INTRODUÇÃO A construção de políticas públicas dirigidas à saúde da mulher no Brasil é parte das profundas mudanças societárias das últimas décadas, através das lutas do movimento feminista, aliadas às profissionais da saúde do movimento sanitarista, comprometidas com a filosofia de saúde enquanto direito e preocupadas em garantir à mulher assistência integral, enfatizando a preocupação com seu corpo de forma integral, “e não apenas como órgãos isolados, a serem tratados por diferentes especialistas" (OSIS, apud; NAGAHAMA, SANTIAGO 2005, p.). Este debate tem início em 1983, cujo desdobramento resultou na implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM). A partir de então, o Programa passa a ser gradativamente implantado, em diversos Estados do Brasil. O PAISM demarca um novo campo de visão e ação da saúde da mulher, ao romper com o modelo maternoinfantil retrógrado e conservador, que via a mulher como uma mera reprodutora. Embora não tendo sido implantado dentro da filosofia original, foi um marco na luta das mulheres por saúde, direito reprodutivo, cidadania e pelo seu reconhecimento enquanto sujeito de direito, significando uma conquista importante para a sociedade brasileira. 1

Upload: jailton-nazario

Post on 27-Jul-2015

823 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER – PAISM: entre as diretrizes nacionais e a realidade em Imperatriz

Conceição de Maria Amorim

INTRODUÇÃO

A construção de políticas públicas dirigidas à saúde da mulher no

Brasil é parte das profundas mudanças societárias das últimas décadas,

através das lutas do movimento feminista, aliadas às profissionais da saúde do

movimento sanitarista, comprometidas com a filosofia de saúde enquanto

direito e preocupadas em garantir à mulher assistência integral, enfatizando a

preocupação com seu corpo de forma integral, “e não apenas como órgãos

isolados, a serem tratados por diferentes especialistas" (OSIS, apud;

NAGAHAMA, SANTIAGO 2005, p.).

Este debate tem início em 1983, cujo desdobramento resultou na

implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM). A

partir de então, o Programa passa a ser gradativamente implantado, em

diversos Estados do Brasil.

O PAISM demarca um novo campo de visão e ação da saúde da

mulher, ao romper com o modelo maternoinfantil retrógrado e conservador, que

via a mulher como uma mera reprodutora. Embora não tendo sido implantado

dentro da filosofia original, foi um marco na luta das mulheres por saúde, direito

reprodutivo, cidadania e pelo seu reconhecimento enquanto sujeito de direito,

significando uma conquista importante para a sociedade brasileira.

Ao eleger esse tema de estudo, tem-se a pretensão de compreender

em que contexto se deram as ações de saúde da mulher, em Imperatriz. Tal

escolha também foi motivada por conversas com as funcionárias, durante

período de estágio no Programa da Saúde da Mulher do Município de

Imperatriz, e percebe-se que a equipe de saúde do PAISM não conhece as

diretrizes nacionais, não foram capacitadas na perspectiva das relações de

gênero ou violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa constatação

despertou a curiosidade de avaliar se o Programa de Atenção Integral à Saúde

da Mulher responde aos princípios norteadores da integralidade na assistência

à saúde da mulher, em Imperatriz.

1

Page 2: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

Esse estudo foi construído a partir de pesquisa de campo orientada

por abordagem quantiqualitativa, através de coleta de dados. Utilizaram-se

técnicas de entrevistas, observação direta e pesquisa documental. Os

instrumentos utilizados, questionários abertos, roteiros de entrevistas

estruturadas, pesquisas documentais realizadas em fichas de atendimento das

usuárias, encaminhamentos ao Serviço Social, Relatório de Atividades de 2005

a 2007 e atas do Conselho da Mulher permitiram compreender a dimensão

desse Programa, neste município.

Os dados foram coletados de forma sistematizada, utilizando-se

elementos quantitativos e qualitativos com vistas a responder aos objetivos

específicos propostos. Para a análise dos dados da pesquisa, empregou-se o

método dialético, tendo em vista que este se refere à arte do diálogo e da

discussão. Trata-se de um método de inquirição da realidade pelo estudo e sua

ação recíproca.

Para a dialética, não há nada definitivo, de absoluto, de sagrado.

Apresenta a lógica de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada

existe além do processo contínuo do devir transitório.

A dialética é ciência que mostra como as contradições podem ser concretamente idênticas, como passam uma na outra, mostrando também porque a razão não deve tomar essas contradições como coisas mortas, petrificadas, mas como coisas vivas, móveis, lutando uma contra a outra em e através de sua luta. (LEFEBVRE, 1979, p. 192 Disponível em: www.wikipeia.pt.com. ).

Ao construir os dados dessa pesquisa de forma cuidadosa, buscando

não somente a visão das mulheres usuárias, mas também dos profissionais de

saúde, teve-se a consciência de que as respostas têm várias faces, várias

visões, inúmeras verdades, causas e conseqüências. Assim se move o pensar

dialético. As verdades aqui construídas são frutos dessas reflexões e das

experiências que não são movidas pela neutralidade, uma vez que os

pesquisadores que fazem ciência, usando o método dialético, não se furtam de

expressar suas visões e suas paixões, fruto de análise e estudos em que se

constituem em muitas situações protagonistas. (FERREIRA, 2007).

2

Page 3: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

SAÚDE DA MULHER: LUTAS E CONQUISTAS

A política pública de atenção à saúde da mulher está vinculada à luta

dos movimentos feministas, que culminou com a formulação de uma Política

Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Segundo Costa (1997), a

integralidade pensada na formulação do PAISM, no início dos anos 80, tinha

por inspiração tanto os valores que norteavam o movimento sanitário quanto

aqueles advindos da reflexão feminista. Dessa forma, incluía tanto a idéia de

integração das distintas modalidades e níveis de assistência, quanto a

perspectiva da integralidade dos sujeitos sociais. Como resultado, suas

diretrizes propunham a assistência à saúde nas diferentes etapas da vida das

mulheres, tendo a integralidade como principal estratégia de reorganização dos

serviços de saúde. Por outro lado, a compreensão de que a organização das

práticas de saúde apóia-se em valores que produzem e reproduzem as

desigualdades de gênero, as propostas originais do PAISM pretendiam influir

na construção de novos valores com vistas à emancipação das mulheres. No

plano das relações entre usuárias e serviços de saúde, o PAISM privilegiou a

sensibilização de profissionais na busca de melhoria da qualidade da atenção e

humanização das práticas assistenciais.

Esta desconstrução partia da premissa de não permitir o controle da

sexualidade e da reprodução como simples instrumento para assegurar o

controle populacional e reproduzir a força de trabalho nos modos subalternos

em que as relações sociais são estabelecidas no sistema capitalista. Desta

forma, o pensamento do Movimento Feminista se reafirma no Espaço

Acadêmico na perspectiva de combater a visão de uma sexualidade

socialmente útil e politicamente conservadora, que questionava a prática do

saber médico acima de todos os saberes, que se fortalece no método das

especializações.

A SAÚDE DA MULHER E AS RELAÇÕES DE GENÊRO

Quando se fala de gênero, fala-se de relações sociais e, segundo

dizia o filósofo francês Michel Foucault, falar de relações sociais é falar de

relações de poder, poder que se exerce nos espaços privado e público.

Para Eleonora Menicucci de Oliveira, (2008):

3

Page 4: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

O uso da categoria de gênero como relacional de poder nos estudos na área da saúde integral da mulher, direitos reprodutivos e direitos sexuais problematiza as práticas e os exercícios das sexualidades ao (des)naturalizar e (des)banalizar as relações entre os sexos e intrassexos. Essa problematização ilumina as expressões das necessidades de saúde, articulando-as às necessidades que estão ancoradas nas esferas da subjetividade e mentalidades, como o preconceito e a discriminação.

A experiência com as pesquisas na área da saúde integral da mulher

tem sido valiosa para tornar visível a que nível se dão as relações de gênero,

em nossa sociedade, e o quanto sofrem, em maior intensidade, as mulheres

negras, indígenas, lésbicas, portadoras do vírus HIV, que precisam do

atendimento médico na rede pública ou privada. Estas têm sua saúde tratada

com um maior grau de desrespeito e desumanização, independente do

atendimento ser feito por um profissional homem ou mulher.

Como gênero é relacional, segundo Saffiotti (1992, p.36), quer

enquanto categoria analítica, quer enquanto processo social, “o conceito deve

ser capaz de captar a trama das relações sociais”, os graus de risco a que está

exposto o conjunto da população. É necessário, também, serem observados os

padrões distintos de sofrimento, adoecimento e morte a que estão expostos,

distintamente, homens e mulheres.

DIRETRIZES DO PAISM

O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) teve

sua formulação no início da década de 80. Tinha como principal perspectiva a

superação da afirmação maternoinfantil nas ações de saúde da mulher.

É por meio de políticas públicas que o Estado adquire legitimidade

para agir sobre um grupo de indivíduos ou sobre um dado segmento da

sociedade, na tentativa de praticar ações interventivas que interfiram

positivamente nas condições de vida desses indivíduos ou segmentos sociais.

Conforme Mary Ferreira, (1999, p. 35), em sua obra “Mulher Gênero

e Políticas Públicas” preconiza que:

A formulação de políticas públicas pode ser vista como um processo que se constrói a partir de um diálogo entre o Estado, através de seus diversos poderes – executivo, legislativo, judiciário – e os grupos de interesse e de pressão representados por partidos políticos, sindicatos, grupos autônomos, organizações não governamentais, cidadãos e cidadãs.

4

Page 5: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

O PAISM funcionou como Programa de Atenção à Saúde da Mulher,

desde sua implantação, até 2004, quando, em 28 de maio de 2004, o ministro

da Saúde, Humberto Costa, lançou a - Política Nacional de Atenção Integral à

Saúde da Mulher – PNAISM - Princípios e Diretrizes, construída a partir da

proposição do SUS, respeitando as características da nova política de saúde.

(MS 2008).

Esses parâmetros de saúde integral, dentro de uma concepção de

garantia de direitos, remetem-nos a compreender alguns de seus marcos na

constituição de tais diretrizes para execução de uma Política Nacional,

Estadual e Municipal de Atenção Integral à Saúde da Mulher.

O Sistema Único de Saúde deve estar orientado e capacitado para a atenção integral à saúde da mulher, numa perspectiva que contemple a promoção da saúde, as necessidades de saúde da população feminina, o controle de patologias mais prevalentes nesse grupo e a garantia do direito à saúde. (BRASIL, 2004).

Executar ações no controle de patologias mais prevalecentes entre

as mulheres, respeitando e reconhecendo suas subjetividades, grupos étnicos,

nível e grau de vulnerabilidade social entre outros elementos e fenômenos,

ainda é um grande desafio.

A Política de Atenção à Saúde da Mulher deverá atingir as mulheres em todos os ciclos de vida, resguardadas as especificidades das diferentes faixas etárias e dos distintos grupos populacionais (mulheres negras, indígenas, residentes em áreas urbanas e rurais, residentes em locais de difícil acesso, em situação de risco, presidiárias, de orientação homossexual, com deficiência, dentre outras). (BRASIL, 2004).

O planejamento e a avaliação como prática sistemática nos diversos

níveis dos serviços de saúde propiciam aos gestores a definição de estratégias

de intervenção, mais próxima da realidade epidemiológica da saúde da mulher.

As políticas de saúde da mulher deverão ser compreendidas em sua dimensão mais ampla, objetivando a criação e ampliação das condições necessárias ao exercício dos direitos da mulher, seja no âmbito do SUS, seja na atuação em parceria do setor Saúde com outros setores governamentais, com destaque para a segurança, a justiça, trabalho, previdência social e educação. (BRASIL, 2004).

A integralidade do Programa pressupõe ações construídas a partir

da concepção de intersetorialidade, comunhão de saberes e fazeres coletivos,

que perpassem o espaço físico do atendimento, em que se veja a usuária

5

Page 6: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

como um todo e se garanta uma atuação permanente na prevenção e

promoção da saúde, considerando as especificidades e as relações de gênero

na sociedade patriarcal, capitalista comprometida com as políticas do

neoliberalismo.

O SUS deverá garantir o acesso das mulheres a todos os níveis de atenção à saúde, no contexto da descentralização, hierarquização e integração das ações e serviços. Sendo responsabilidade dos três níveis gestores, de acordo com as competências de cada um, garantir as condições para a execução da Política de Atenção à Saúde da Mulher. (BRASIL, 2004).

A prática da Atenção Básica permeada pela integralidade traz para o

campo da assistência à saúde da mulher a perspectiva de transformação das

práticas de assistência à saúde até então perpetradas no Brasil. Significa ter

acesso a uma saúde que considera toda a situação vivida pelo coletivo, onde

vive aquela usuária; significa a atuação dentro do Programa de equipes

multiprofissionais que planejam e avaliam, conjuntamente.

Compreende-se que a participação da sociedade civil na im-plementação das ações de saúde da mulher, no âmbito federal, estadual e municipal requer – cabendo, portanto, às instâncias gestoras – melhorar e qualificar os mecanismos de repasse de informações sobre as políticas de saúde da mulher e sobre os instrumentos de gestão e regulação do SUS. (BRASIL, 2004).

O controle social é um grande desafio dos gestores municipal,

estadual e federal. Uma gestão transparente que inclua a população,

profissionais da saúde, gestores e prestadores, em Conselho de Saúde, em

comissões de planejamento, execução e avaliação, em comitês qualificados,

autônomos e representativos. É uma luta política permanente. Mesmo que

estes instrumentos estejam previstos nas normas técnicas e legislação do

Sistema Único de Saúde, continuam sendo um grande desafio para o conjunto

da sociedade e dos governos.

IMPLANTAÇÃO DO PAISM EM IMPERATRIZ

O primeiro contato que os trabalhadores da Saúde de Imperatriz

tiveram com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, segundo o

médico ginecologista Pedro Mário, foi no começo da década de 90. Este

profissional foi convidado para uma capacitação, em São Luís, no entanto, as

6

Page 7: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

ações não se concretizaram. No Maranhão, o Programa foi implantado pela

Secretaria de Desenvolvimento Social que continuava vinculando a saúde

materna à infantil. Segundo Pedro Mário, na capacitação, o Programa foi

apresentado como PAISMC- Programa de Atenção à Saúde da Mulher e da

Criança. Em 2001, o poder público municipal decidiu pela implantação e o

convidou para implantar e coordenar o PAISM.

O PAISM foi implantado, em Imperatriz, no dia 08 de março 2001.

Segundo a Secretária Municipal de Saúde, à época, a implantação se deu por

reivindicação do Movimento de Mulheres de Imperatriz.

Maria da Conceição Medeiros Formiga, uma das lideranças do

Movimento de Mulheres, lembra que foi entregue ao Prefeito eleito, para o

mandato de 2000 a 2004, uma pauta ampla de reivindicação, entre elas a

implantação do PAISM. Sobre este asunto ela ressaltou que:

Esta era uma reivindicação antiga do Movimento de Mulheres e Feministas de Imperatriz, até porque o Programa estava sendo implantado em outros estados e municípios do país desde 1984. Mesmo sendo uma das reivindicações prioritárias para o movimento e pautadas em todas as reuniões entre o Poder Público e a Sociedade Civil só foi atendida no ano de 2001. (FORMIGA, 2008)

O médico ginecologista Pedro Mario afirmou ter montado toda a

estrutura do Programa à luz de sua experiência pessoal.

Para (M.J), militante feminista do Centro de Direitos Humanos Padre

Josimo, a “implantação do PAISM se deu num embate político pela

participação do Movimento de Mulheres nas deliberações sobre como, onde e

quem deveria estar à frente do Programa”.

ESTRUTURA ATUAL DE FUNCIONAMENTO

O Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher funciona no

Centro de Saúde Três Poderes, Rua Itamar Guará, S/N, Jardim Três Poderes.

O atendimento ao público se dá de segunda a sexta-feira, das 7hs às 12hs,

Segundo informação da Coordenação do Programa e os Relatórios

de Atividades de 2005 a 2007, as usuárias são encaminhadas pelo Programa

de Saúde da Família para as consultas ginecológicas. Após tais consultas,

podem ser encaminhadas para procedimentos no próprio Programa, tais como:

Exame Citopatológico (PCCU), Histopatológico, Colposcopia, Biópsia, Cirurgia

de Alta Freqüência - CAF, Consultas Ginecológicas, Consultas Mastológicas,

7

Page 8: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

Atendimento ao Climatério, Atendimento Equipe Multiprofissional, Inserção do

DIU, Cirurgias Ginecológicas, Conização, e Palestras Educativas. As usuárias

que necessitam de outros tipos de exames são encaminhadas para a rede

credenciada.

Foram realizadas entrevistas com 09 funcionárias. Perguntadas se a

equipe recebeu capacitação sobre questão de relações de gênero, 06

afirmaram, categoricamente, não ter havido capacitação na perspectiva das

relações de gênero para a equipe, e 03 funcionárias responderam textualmente:

“Sim – recentemente tivemos uma palestra sobre coleta

citopatológica de colo de útero” (Funcionária 1)

Freqüentemente estamos nos capacitando desde o ACS, Agente Comunitário de Saúde, enfermeiras das equipes do PSF, médicos, auxiliar de enfermagem, sempre se capacitando nas várias situações que atendemos a saúde da mulher, desde a questão do Planejamento...Pré Natal...(Coordenadora)

Percebe-se, nas afirmações, o desconhecimento do termo “relações

de gênero” pelas profissionais que afirmaram terem recebido a capacitação,

que se concretiza quando enfocam as temáticas dos cursos.

Sobre a capacitação de atendimento à mulher vítima de violência,

segundo o médico ginecologista Pedro Mário, na época da implantação do

Programa:

Não houve nenhum pensamento nem meu. Não sei se houve por alguém de assistência, até porque, aí, entra uma culpa minha. Na qualidade de médico, a gente, vê de imediato, a questão do estupro, aí vê a violência doméstica como uma questão de agressão que deveria ser assistida pela Policia...Mas essa tem uma assistência melhor em termos de assistência médica, porque sendo uma agressão física, ela encontra o hospital municipal que atende urgência e emergência, numa boa lá... (Pedro Mário)

As demais profissionais entrevistadas confirmam que a equipe não

recebeu qualquer capacitação sobre o atendimento às mulheres vítimas de

violência. Segundo uma das profissionais, esta é “uma questão de suma

importância a ser debatida e avaliada pela equipe como um todo”.

A relação da violência contra a mulher e a sua saúde tem se

tornado, cada vez, mais evidente, embora a maioria das mulheres não relate

que viveu ou vive em situação de violência doméstica. Por isso, é importante

que os profissionais de saúde sejam treinados para identificar, atender e tratar

8

Page 9: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

as pacientes que se apresentam com sintomas que podem estar relacionados

a abuso e agressão.

As funcionárias foram questionadas se conheciam as Diretrizes e

Princípios do PAISM e a maioria afirmou não conhecê-las. Também foram

questionadas se a equipe se reúne para avaliar, planejar e trocar informações

sobre perfil socioeconômico, psicológico ou sobre as incidências de doenças

das usuárias. Todas responderam que não.

As falas da maioria das profissionais entrevistadas sobre as

dificuldades na implementação das ações no PAISM apontam para as

questões ligadas à infraestrutura do espaço, à qualidade do atendimento,

reconhecendo, principalmente, a falta de informação entre funcionárias e

usuárias. Apenas uma manifestou a preocupação com a falta de avaliação e

planejamento.

Quanto às usuárias, 70% disseram que foram bem atendidas, 24%

disseram que não foram bem atendidas e 6% não responderam. As principais

queixas das usuárias quanto ao atendimento são o longo tempo de espera e o

curto tempo dedicado a elas na consulta, filas, falta de condições adequadas

do espaço, falta de informações sobre o funcionamento, erros em dados ou

registros, falta de comunicação sobre assuntos de seu interesse.

Quando as perguntas passaram a questionar acerca do

atendimento, percebemos uma grande resistência a cada resposta. A

preocupação de não se exporem, de não se prejudicarem, além do elemento

“medo” de prejudicar alguém é explicito. Há a compreensão de que, por se

tratar de um atendimento público, é natural que as consultas sejam rápidas,

que os exames não sejam marcados ou que os prazos estabelecidos não

sejam cumpridos.

A relação da usuária com o SUS se dá com base em uma regra

incisiva, em nível de sua consciência prática, embora rejeitada, muitas vezes,

no aspecto discursivo. É a de que os serviços de saúde pública são tidos

como uma espécie de favor à população mais pobre do país, bem longe de ser

um exercício de direito de cidadania.

As usuárias sentem isso, concretamente, na maneira de serem

tratadas, especialmente quando necessitam de informações básicas.

Geralmente, recebem respostas evasivas ou não recebem respostas, gerando

9

Page 10: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

uma percepção de um expressivo descaso para com elas, nas diversas

interfaces com os serviços de saúde.

Desse modo, a maioria das entrevistas expressou um sentimento

em que predomina a imagem na qual não são vistas como cidadãs, no entanto,

depois de todas as queixas relatadas, elas preferem que a pesquisadora

marque sim - que foram bem atendidas - porque “não vai adiantar nada mesmo

dizer que não foi”.

O nível de escolaridade da maioria das entrevistadas, ou seja, 43%

entre analfabetas e com, no máximo, o ensino fundamental completo, contribuí

para o baixo senso crítico, até mesmo pela dificuldade que a usuária tem de se

apropriar das políticas públicas como um dever do Estado e direito do cidadão.

Indagadas às usuárias se conheciam os serviços do PAISM, 68%

disseram não conhecê-los e 32% disseram conhecer os serviços prestados

pelo Programa. Estes dados não só confirmam o desconhecimento das

usuárias sobre o funcionamento, mas como também reafirmam a constatação

feita, acima, por algumas funcionárias, que admitem a falta de diálogo e

conhecimento entre as equipes, desde a atenção básica, nos PSF’s, até os

serviços de especialidades e referência.

Algumas usuárias relatam que têm dificuldades para conseguir

informações das atividades desenvolvidas, no Posto de Saúde.

As usuárias vêm para o Programa encaminhadas pelos PSFs, sem

nenhum prontuário, sem nenhuma informação sobre sua vida epidemiológica, e

são tratadas apenas no aspecto ginecológico, sem que se garanta a contra

referência. Ela é cadastrada em uma ficha do atendimento ginecológico, e, na

primeira consulta, são pesadas, medem a pressão e fazem a consulta. Das

mulheres entrevistadas, 68% fizeram consulta ginecológica, 13% fizeram o

papanicolau, 7% procuraram o programa para a colocação do DIU, 3%, em

busca de laqueadura e 3%, outros. Questionadas sobre o tempo da consulta,

50% responderam ter durado 5 minutos, 25% 10 minutos, 22% 15 minutos e

3% não souberam dizer. Portanto, a média de tempo, segundo as usuárias, fica

em torno de 8,54 minutos.

Das mulheres atendidas em consulta ginecológica, 93% disseram

que o médico não fez exames locais, mas todas receberam solicitação de

exames.

10

Page 11: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

Esta é uma situação generalizada no atendimento médico. Além de

pesquisar o tempo gasto na consulta entre as usuárias, observamos, durante 5

dias, o fluxograma de atendimento. Contabilizamos 54 atendimentos com um

tempo de duração de, no máximo, 3 a 4 minutos e 12 atendimentos, no período

máximo, de 5 minutos. Considerando as mulheres que estão vindo para a

primeira consulta, percebe-se uma grande frustração quando as mesmas

saem do consultório sem serem “examinadas” e com vários pedidos de exames

para carimbar.

Como se assiste, integralmente, uma mulher com uma consulta

ginecológica que dura, no máximo, 5 minutos? Qual o tempo que é reservado

à escuta dessa paciente sobre suas queixas acerca do sofrimento vivido por

sua pressão arterial, sua dor na coluna? Qual o tempo que se reserva para que

este médico se inteire sobre as condições de saúde, além do seu útero ou

mama? Qual a carga de trabalho doméstico dessa usuária? Como ela vive sua

sexualidade? Ela decide sobre seu corpo? Toma decisão com respeito a sua

vida pessoal e quanto aos aspectos reprodutivos? Ela sofre violência física,

psicológica, moral, material ou sexual? Ela sofre discriminação por causa de

sua cor, idade, orientação sexual? Conhece sobre seus direitos à saúde e à

cidadania?

Quanto ao tempo gasto para marcar os exames no Programa, 77%

demoraram até 30 dias, 15% mais de 30 dias e 8% mais de 60 dias. Outro

grande problema é a demora na entrega dos resultados dos exames, como no

caso do Papanicolau, A coleta é feita no Programa e em alguns Postos de

Saúde, e os exames são feitos em laboratórios credenciados, além da demora

na entrega do resultado, que, geralmente, não acontece na data marcada,

criando uma expectativa muito grande e, dependendo do caso, as usuárias se

sujeitam a pagar o exame particular para não perder prazos.

No que se refere ao atendimento médico, 43% consideram a

consulta boa, 36 % consideram a consulta regular, 8%, ruim e 8% não

quiseram responder.

As usuárias do PAISM expressam, contraditoriamente, sua

satisfação com uma consulta que, na maioria das vezes, aconteceu num tempo

insuficiente para elas esclarecerem dúvidas, receberem informações mais

11

Page 12: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

detalhadas sobre sua saúde, o que constitui um elemento a ser refletido,

considerando o nível de escolaridade o que influência sua capacidade crítica.

Perguntadas sobre os principais avanços no PAISM, as profissionais

entrevistadas consideraram a reforma física do espaço e a ampliação do

quadro de funcionários.

Quando perguntadas se avaliam que o Programa, em Imperatriz,

consegue efetivar o que está determinado pelas diretrizes nacionais, todas as

funcionárias responderam que não.

Nas 224 fichas analisadas, constatamos que, no período de 06 anos,

não foi registrado o atendimento de nenhuma criança de 0 a 12 anos. Apesar

de o Programa manter, em seu quadro de funcionários, uma ginecologista só

para esse público, apenas 4% de adolescentes entre 13 e 18 anos, 21% de

19 a 30, 35% de 31 a 40 anos, 25% de 41 a 50 anos e 15% mais de 50

anos passaram por essa profissional.

Portanto, 56% das usuárias são mulheres em faixa etária de fertilidade.

Um dado muito importante é que destas, 73% são laqueadas, apenas 17%

usam métodos reversíveis de contracepção. Entre as 224 usuárias, 52% são

casadas, 23% solteiras, 3% viúvas e 22% não foi registrado o estado civil da

usuária.

As usuárias do PAISM tiveram registradas a seguinte escolaridade: 9%

de analfabetas, 15% de alfabetizadas, 19% com ensino fundamental, 20% com

ensino médio, 2% com ensino superior e 35% das fichas não registravam a

informação. O nível de escolaridade está relacionado a importantes fatores

sobre a saúde da mulher. Este é um dado de elevada relevância que se

apresenta para o desenvolvimento humano, no sentido de que o conhecimento

despertado pela escolaridade atenua as desigualdades em diversas esferas da

vida.

Estudo recente apresentado pela 3ª Pesquisa Nacional de

Demografia em Saúde (PNDS), apresentada em Brasília, dia 03 de julho de

2008, mostra que 10% das mulheres brasileiras - cerca de 10 milhões de

pessoas - têm dificuldades de cuidar de si e de seus filhos e até mesmo ter

acesso às políticas públicas de saúde porque não têm escolaridade básica.

A pesquisa mostra que, apesar da redução na mortalidade infantil no

país, 20% dos filhos nascidos vivos de mulheres sem estudo morrem antes de

12

Page 13: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

completar um ano. Na faixa superior de escolaridade, com 12 anos ou mais de

estudo, a mortalidade dos bebês é praticamente zero.

Segundo esses estudos , até mesmo o direito de escolher ter esses

filhos é mais difícil para as mulheres com menor escolaridade, basta ver as

diferenças nas taxas de fecundidade. Enquanto aquelas com mais estudo têm,

em média, um filho - inferior até mesmo à taxa de reposição da população, que

é de dois filhos - mulheres que nunca freqüentaram a escola têm, em média,

4,2 filhos. Ainda uma parte não desprezível dos filhos dessas mulheres (16,6%)

sofre de desnutrição crônica, um problema que não mata, mas afeta o

desenvolvimento da criança, sua capacidade de aprender e de reagir a

doenças.

Verifica-se, também, que quanto mais aumentam a escolaridade e a

renda, menor é o grau de utilização intensiva do SUS, confirmando que o

acesso para as camadas mais pobres é essencial e estratégico.

Considerando a importância da identificação da cor da mulher, que

está diretamente ligada à etnia, à raça, ao preconceito, à desigualdade, e à

história epidemiológica, podemos observar que esta é uma discussão que

passa longe do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher de

Imperatriz, considerando que 35% das fichas de atendimento, mesmo com o

local destinado a identificar a cor da paciente, este não é preenchido.

Uma variante que se encontra em debates técnicos, científicos e

políticos, em nossa sociedade, há poucos anos, tem identificado perfis

epidemiológicos entre mulheres negras e brancas bem diversificados, com

doenças consideradas prevalecentes entre negras e brancas. O quesito que

identifica a cor da usuária encontra-se assim distribuído: 4% de negras, 11% de

brancas 50% pardas, portanto 65 % das usuárias foram classificadas por cor,

sendo que a cor parda aparece como a cor da metade da população usuária do

PAISM, em Imperatriz.

Considerando que os dados referentes à categoria "pardos" têm sido

mais próximos aos evidenciados pela população negra, é importante que a

gestão do PAISM tenha um recorte étnico/racial, com intervenções que

perpassem a universalidade, com políticas equitativas de natureza pluri e

interdisciplinar, pois, segundo Oliveira (2003, p. 25), “Em todos os grupos

13

Page 14: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

populacionais raciais ou étnicos, há doenças que são prevalentes ou que evolui

de forma diferenciada nesses grupos”.

Entre algumas doenças consideradas prevalecentes em negras e

negros, está a anemia falciforme, que também é uma doença genética comum,

no mundo; a hipertensão arterial; a diabetes tipo II. Os miomas uterinos que,

segundo a literatura médica norteamericana, têm sua prevalência em mulheres

negras, sendo cinco vezes maior que nas brancas, estes dados se confirmaram

através de pesquisa também realizada, no Brasil, em 1995, pelo CEBRAP –

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. (OLIVEIRA, 2003)

Desenvolver ações de saúde da mulher sem levar em conta estes

dados da realidade, e ter, como público alvo, usuárias incluídas neste perfil

epidemiológico, remete-nos a refletir sobre que universalidades estão

praticando, que equidades estão almejando e, principalmente, que

integralidades de fato estão implementando.

Quanto à ocupação das usuárias, os dados revelam que 2% são

trabalhadoras domésticas, 3% professoras, 4% lavradoras, 40% do lar e 51%

outras.

Quando observamos, de maneira conjunta, os dados referentes à

ocupação e à escolaridade da usuária, observamos uma negativa relação

direta entre eles: ocupação subalterna acompanha a baixa escolaridade. Fora

da escola, instituição responsável pela qualificação da força de trabalho, pela

integração do indivíduo ao sistema produtivo, a mulher, com baixa

escolaridade, tem um handcap que a impede de ocupar até mesmo as

posições subalternas e secundárias destinadas às mulheres pela sociedade

patriarcal.

As ocupações exercidas pela maioria das mulheres apresentam

algumas características comuns. De um modo geral, são ocupações com

características ditas "femininas": servir, alimentar, limpar, cuidar em caso de

doença, educar e são trabalhos com baixa remuneração.

Considerando outra variável da pesquisa, o estado civil dessas

usuárias, 52% são casadas. Tradicionalmente, as mulheres que casam e

constituem famílias, ainda jovens, param de estudar, por vários motivos, entre

eles a imposição do marido.

14

Page 15: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

É possível que as mulheres que não trabalham fora disponham de

mais tempo livre para usar os serviços de saúde, já que não estão submetidas

a uma dupla jornada de trabalho.

Considerando a realidade das mulheres que trabalham, estas estão

submissas a um mercado com horários rígidos, que coincidem com o horário

de funcionamento do PAISM, no município. Este público tem acessado pouco o

PAISM.

Sobre questões socioeconômicas: das usuárias, 34% têm renda de

01 a 02 salários mínimos, 43% de 02 a 03 salários mínimos, 15% mais de 3

salários mínimos e 8% não sabem estimar a renda familiar.

O Programa está localizado em uma área residencial de classe

média alta, nos Três Poderes. O acesso ao Programa se dá pela Av. Bernardo

Sayão, por onde passam alguns dos ônibus urbanos, dificultando o acesso da

maioria da população usuária. Moradores da Região da Grande Santa Rita,

por exemplo, se tiverem que vir de ônibus, precisam andar 08 quadras a pé

para chegar ao Centro de Saúde.

É real a desarticulação administrativa entre os Programas, PAISM -

DST/AIDS - PSF (Programa Saúde da Família), e entre os próprios

profissionais envolvidos nos respectivos Programas, o que tem contribuído

para a dispersão das ações e a não otimização dos recursos destinados à

saúde da mulher, como implantação de serviços, capacitação das equipes e

distribuição dos preservativos e métodos contraceptivos de forma integrada.

Algumas falas dos entrevistados, entre eles gestores e ex-gestores,

revelam a dificuldade de realizar a interdisciplinaridade dentro do Programa

e/ou entre o conjunto dos Programas de Saúde:

“Nós tínhamos uma equipe multiprofissional, mas não tínhamos uma interação, até porque não era uma situação fácil. A gente não tinha os recursos humanos muito próximos... e principalmente médicos para você chamar para reunião fica muito difícil...“um dos elementos é a dificuldade de reunir o pessoal das equipes que é outro grande problema que depende de decisão política, porque ai nós temos a cobrança da produtividade...(P.M)

“ainda precisamos ver com outro enfoque, precisamos sensibilizar mais, mobilizar mais, trazer a sociedade civil pra ajudar, trazer a comunidade como um todo...eu acredito que vai ser determinante um controle social para que possa estr junto ao Gestor em nível de município e em nível de estado para que se possa realmente fazer

15

Page 16: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

com que a equipe se reúna, faça planejamento, pra que haja sugestões da comunidade que estão na ponta...(Secretária)”.

“Para os indicadores, PCCU, CISCOLO, a gente tem feito reunião. A gente se reúne para avaliar cumprimento de meta de indicadores que estão pactuados há mais tempo...há reuniões, sim, sobre os indicadores...(Secretária)”.

“Nós temos uma equipe multidisciplinar, trabalhamos com atendimento das mulheres e, mensalmente, são avaliados os dados, quantas mulheres são atendidas, no que elas são atendidas, trabalhamos com o planejamento dessas atividades”. (Coordenadora)

Os gestores constatam e pontuam, com clareza, a dificuldade de

realizar as reuniões para avaliar e planejar as ações, reafirmando, em suas

falas, que até acontecem reuniões mensais com alguns membros da equipe

para levantamento e registros de dados de produtividade.

Constata-se que a discussão do atendimento à mulher vítima de

violência foi retomada pela atual Coordenação, que conseguiu realizar uma

reunião com alguns técnicos da Secretaria de Saúde e iniciaram um debate

para definir um fluxograma de atendimento às mulheres vítimas de violência.

Porém, a iniciativa se mantém embrionária, dada as dificuldades de

elaboração, compreensão do que fazer, como fazer, quem fazer. O

desconhecimento por parte dos membros da equipe que se envolveram, na

discussão, sobre a temática, juntamente com a ausência da compreensão das

relações de gênero, dificultam a articulação dessas ações.

Alguns dos dados do Relatório de Atividades de 2005 a 2007 são,

comprovadamente, irreais. Estes, quando divulgados, comprometem a real

cobertura da saúde da mulher, no município e região, pois eles, de fato, não

existiram. Comprometem, também, as informações da cobertura nacional na

medida em que estes são informados ao Departamento de  Informática do SUS

- DATASUS, órgão da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, que tem a

responsabilidade de coletar, processar e disseminar informações sobre saúde.

A inexistência da avaliação e planejamento culmina com as

dificuldades do exercício da prática da interdisciplinar que se concretiza diante

de tais fatos que impossibilitam ações combinadas e de superação de

demandas diárias.

Assim sendo, é palpável o confronto entre as duas políticas

presentes no PAISM de Imperatriz. Dentro do espaço da ordem capitalista, a

16

Page 17: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

política de bem-estar social exige garantias de direitos sociais; a política liberal,

perpetrar restrições e, por conseguinte, nega tais direitos, promovendo

ambiguidade e contradições que adquirem dimensões éticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste estudo, verificou-se que as políticas públicas

resultam de uma permanente luta de classes e que, apesar de se conseguirem

avanços e conquistas sociais, nem sempre se garante, na prática, a eficácia do

seu conteúdo teórico.

Durante as etapas que o nortearam, é visível que a luta pela

implantação do PAISM faz parte do mesmo esforço da implantação do SUS, e

este se fortaleceu e tomou impulso com as últimas Conferências Nacionais de

Saúde, mas, sensivelmente, recua na prática dos gestores responsáveis pela

sua concretização, através de rupturas com os princípios do SUS, levando-se a

crer que, apesar das declarações oficiais a favor de sua implantação, há

manobras políticas com o propósito de inviabilizá-lo.

A implantação do PAISM aparenta ter sido bastante diferenciada em

todo o país, refletindo os distintos graus de compreensão e compromisso

político dos governantes com a questão da mulher e a disparidade nas

estratégias adotadas na organização do sistema de saúde.

A partir de 2004, o PAISM foi transformado em Política de Atenção

Integral à Saúde das Mulheres, transformação esta que tem o papel

determinante de provocar mudanças não apenas na qualidade de atenção à

saúde da mulher, mas também  o de provocar mudanças culturais no eixo de

como se compreende o que é saúde e sexualidade, e de como, no processo de

construção da autonomia, são centrais as  determinantes de gênero, raça/etnia

e classes sociais.

Observamos que, a partir de uma proposta norteada por diretrizes e

princípios, não se conseguiu, em oito anos, efetivar a integralidade e equidade

dentro do Programa, nem mesmo fazer estas diretrizes conhecidas pelos

profissionais de saúde que nele atuam, muito menos, as usuárias.

As investigações constatam, claramente, a falta de correspondência

entre os direitos assegurados nos discursos oficiais e a realidade concreta a

17

Page 18: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

que se referem. Observa-se, na realidade dos serviços públicos, que a garantia

do direito à saúde está muito distante do que se tem no papel.

Falta trabalhar a interdisciplinaridade, estimulando a discussão

coletiva acerca das ações desenvolvidas e por toda a equipe;

Falta capacitação da prática interdisciplinar.

Falta capacitação da equipe na perspectiva de gênero;

Falta conhecimento e preparação da equipe para o atendimento à

mulher vítima de violência doméstica e sexual;

Falta articulação entre os outros Programas da Saúde, inclusive o

PSF;

O atendimento médico está voltado, unicamente, para “doença” da

usuária;

É imprescindível que o Programa implante o acolhimento, invertendo

a lógica de organização e funcionamento do serviço de saúde, norteado em

experiência exitosa, como o caso de Betim – MG, pautado nos seguintes

princípios:

1) Atender a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde,

garantindo a acessibilidade universal. Assim, o serviço de saúde

assume sua função precípua, a de acolher, escutar e dar uma resposta

positiva capaz de resolver os problemas de saúde da população.

2) Reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este desloque seu

eixo central do médico para uma equipe multiprofissional que se

encarregue da escuta do usuário, comprometendo-se a resolver seu

problema de saúde.

3) Habilitar a relação trabalhador-usuário, que deve dar-se por

parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania.

4) Habilitar toda a equipe na perspectiva de gênero; garantido a

sensibilização da equipe para determinadas fragilidades e

vulnerabilidades das usuárias do Programa;

18

Page 19: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

5) Habilitar a equipe para o atendimento à mulher vítima de violência

doméstica e sexual;

6) Articular dentro da equipe ações permanentes de educação e saúde;

7) Que se repense a importância e necessidade da avaliação

sistemática das ações desenvolvidas pelo Programa, respeitando-se as

instâncias de representação das mulheres, na luta por saúde pública de

qualidade.

8) Por fim, que as instâncias de gestão no Município compreendam

a importância política de transformar o PAISM – Programa de Atenção Integral

à Saúde da Mulher na PMAISM - Política Municipal de Atenção Integral a

Saúde da Mulher.

Sugerimos, portanto, melhoria gerencial dos serviços e a qualificação

permanente dos profissionais de saúde, a fim de que possam prestar uma

assistência integral e humana, evitando a excessiva utilização de tecnologias

médicas, utilizando recursos de “escuta” de “acolhimento”, contribuindo,

efetivamente, para a transformação do atual modelo de assistência.

Nesse contexto, espera-se que os resultados deste estudo possam

estimular reflexões que favoreçam mudanças urgentes na adequação das

ações, ao modelo de atenção proposto pelo PAISM, no que se refere ao acesso

e acolhimento das mulheres, enfatizando-se a proposta de humanização,

integralidade e equidade.

19

Page 20: Programa de Atencao Integral a Saude Da Mulher Paism Entre as Diretrizes Nacional e a Realidade

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de Atenção integral á Saúde da Mulher: Princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério da saúde, 2004.

COSTA, Ana Maria. (Cord.) Políticas de Saúde, Equidade e Gênero: Atualizando a Agenda, Águas de Lindóia, SP, 1997.

FERREIRA, Maria Mery, (org.) Mulher Gênero e Políticas Públicas. São Luis: Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Gênero; Grupo de Mulheres da Ilha, 1999.

______. As Caetanas vão a Luta: Feminismo e Políticas Públicas no Maranhão. São Luis: EDUFMA, 2007

LEFEBVRE, 1979, p. 192 . Dialética. Disponível em: www.wikipeia.pt.com. Acesso em: 24 Set.2008.

NAGAHAMA, Elizabeth Eriko Ishida; SANTIAGO, Silvia Maria. A institucionalização médica do parto no Brasil. Ciênc. saúde coletiva ,  Rio de Janeiro,  v. 10,  n. 3, p. 651-657, Set.  2005 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php Acesso em: 12  Nov.  2008

OLIVEIRA, Eleonora Menicucci de. Gênero, Corpo e Conhecimento. Saúde soc. São Paulo, v.17, n.2, 2008. disponível em : http// www. Scielo.br/scielo. Acesso em : 2. Set. 2008.

OLIVEIRA, Fátima. A Presença da Mulher no Controle Social das Políticas de Saúde, Anais de capacitação de multiplicadoras em controle social das políticas de saúde/ Rede Feminista de Saúde – Belo Horizonte; Mazza , 2003

SAFFIOTI, H.I.B. Rearticulando Gênero e Classe Social. In: Costa A.O. bruschini, C. (orgs). Uma questão de gênero. São Paulo; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.

20