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PROFETAS EM 3D: Textos para a exposição virtual de Aleijadinho no Museu de Ciências da USP PROF. DR. TIRAPELI, PERCIVAL (1); JAHN, ALENA RIZI MARMO (2) 1- Departamento de artes visuais Instituto de artes da UNESP Endereço residencial rua Carlos Petit, 575 apto 66 vila mariana São Paulo CEP 04110001 [email protected] 2- ECA/USP. Departamento de Artes Visuais. R. Marechal Castelo Branco, 1677. Schroeder, Santa Catarina. CEP: 89275-000 [email protected] RESUMO O artigo trata do conteúdo textual produzido para a exposição virtual Explorando os Profetas de Aleijadinho desenhada a partir do conceito de curadoria educativa. Por meio da exposição, imagens 3D, aliadas com textos que problematizam a obra de Aleijadinho, funcionam como ferramentas pensadas para a construção de conhecimento. Palavras-chave: Aleijadinho; texto; exposição virtual.

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PROFETAS EM 3D: Textos para a exposição virtual de Aleijadinho no Museu de Ciências da USP

PROF. DR. TIRAPELI, PERCIVAL (1); JAHN, ALENA RIZI MARMO (2)

1- Departamento de artes visuais Instituto de artes da UNESP

Endereço residencial rua Carlos Petit, 575 apto 66 vila mariana São Paulo CEP 04110001 [email protected]

2- ECA/USP. Departamento de Artes Visuais.

R. Marechal Castelo Branco, 1677. Schroeder, Santa Catarina. CEP: 89275-000 [email protected]

RESUMO

O artigo trata do conteúdo textual produzido para a exposição virtual Explorando os Profetas de Aleijadinho desenhada a partir do conceito de curadoria educativa. Por meio da exposição, imagens 3D, aliadas com textos que problematizam a obra de Aleijadinho, funcionam como ferramentas pensadas para a construção de conhecimento.

Palavras-chave: Aleijadinho; texto; exposição virtual.

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG

Explorando os profetas de Aleijadinho: uma exposição virtual em 3D

O museu está em constante processo de atualização. Percebe-se que hoje, e cada vez

mais, amplia-se a ideia de museu, considerado como uma instituição que vem assumindo

novas funções e estabelecendo-se como um lugar que não é somente de coleção, de

preservação e de exibição, mas de educação, de pesquisa, de construção de novos

conhecimentos, de formação e de socialização. Nessa perspectiva, a exposição tem sido o

ponto central de museus de arte do mundo todo. E, conforme Lévy,

Se a função principal do museu não é mais conservar certos objetos concretos mas “por em cena” as formas apresentadas, é facilmente previsível que os museus do futuro se organizarão em torno de instalações de realidade virtual que permitem explorar as formas de maneira mais atraente, mais enriquecedora, ou mesmo mais sábia para aqueles que o quiserem. A virtualidade acessível por rede tornar-se-á igualmente importante, depois muito mais importante que os objetos concretos geograficamente situados. (LÉVY, 2001, p.164-165)

Sendo assim, a partir da observação do presente, e no exercício de construção do futuro,

não é somente pertinente, mas lógico pensar o museu inserido na realidade virtual cuja mola

propulsora é a acessibilidade, ou seja, tornar as coleções e as exposições disponíveis à

visualização de um ilimitado número de pessoas. Contudo, para tal, se faz necessário o

alargamento da ideia de museu que nesse contexto assume outras funções que não

substituem o museu físico, mas ampliam e dinamizam o seu papel cujo foco não está mais

no objeto concreto, mas na experiência e na informação. Nesse sentido, pode-se dizer que o

museu construído na paisagem virtual funciona mais como um serviço do que como um

lugar (TSCHRITZISN e GIBBS,1991).

O Museu de Ciências da USP, criado nos anos 90, é fundamentado no conceito de museu

em rede e articula os acervos da USP a partir de diversos programas museológicos. Além

de trabalhar com acervos materiais, a exemplo das duas mostras itinerantes, Cabeça de

Dinossauro e Exposição Água que atualmente estão em circulação, o museu visa divulgar

como se produziram os diferentes tipos de pensamentos e formas do conhecimento,

contribuindo nos processos educacionais críticos para a interpretação da realidade1. Nesse

sentido, no intuito de promover a discussão acerca de Aleijadinho em ocasião dos duzentos

anos de sua morte, o Museu de Ciências da USP organizou a exposição virtual Explorando

os Profetas de Aleijadinho2.

1 http://biton.uspnet.usp.br/mc/?page_id=23

2 inserir aqui link para a referida exposição

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A partir de uma parceria com a USP de São Carlos foi possível disponibilizar na exposição a

visualização de cada uma das esculturas dos profetas em três dimensões, assim como

também uma visita simulada às escadarias do Santuário de Congonhas do Campo, de

forma que o público pode percorrer os degraus acompanhando a dança dos profetas. O

tratamento em malhas 3D empregado pelo professor Dr. José Fernando Rodrigues Jr. e sua

equipe, permite com que os profetas possam ser explorados tridimensionalmente um a um

por meio do uso do mouse e comandos do teclado. Embora esse exercício dos profetas em

3D não tenha importância estética, já que não reproduz fidedignamente a imagem das

esculturas, são de grande valia por proporcionar a vivencia volumétrica das peças que

podem ser analisadas do ponto de vista estrutural a partir de ângulos e posições

impossíveis diante dos originais. Contudo, tais recursos, se não forem bem pensados

conceitualmente, podem resultar no exercício do puro entretenimento, o que acarretaria em

um desvio do foco da mostra que consiste na problematização e discussão dos Profetas de

Aleijadinho. Assim como afirma Ulpiano Bezerra de Menezes,

Cada vez mais encontro fundamentos para acreditar que o museu deveria ser o lugar de perguntas, muito mais do que das respostas. Sua principal função educacional seria ensinar a fazer perguntas. O mundo virtual está plenamente capacitado para esta função. Entretanto, não é o que vem acontecendo na prática. Antes de mais nada, também no museu virtual tem dominado o paradigma do conhecimento observacional, em detrimento do discursivo. E as “experiências” que ele propõe são predominantemente instrumentais. Dessa forma, o museu exerce um papel homologatório, abastecido na maior parte de respostas prontas. De novo, sob a aparência da interatividade, continua-se a propor enganosamente que ver é o melhor caminho do conhecer (2006, p. 59).

Nesse sentido, pode-se entender que a construção do conhecimento em detrimento do

simples entretenimento e absorção de informação talvez seja um dos maiores desafios do

museu no ciberespaço, assim como foi um dos desafios do desenho dessa exposição, a

primeira de natureza virtual organizada pelo Museu de Ciências da USP. Desafio esse que

também está sendo enfrentado pelas figuras do curador e educador cujos papéis têm que

ser revistos e cujas atuações certamente poderão contribuir para que o museu virtual não se

resuma ao simplesmente abrir e fechar janelas. Assim sendo, a exposição virtual

Explorando os Profetas de Aleijadinho está ancorada na ideia de uma curadoria educativa

(VERGARA, 1996), que consiste em pensar o desenho da exposição de forma que o publico

seja provocado à vivencia estética e ao questionamento a partir do que está sendo visto e

estudado.

Partindo dessa premissa e levando-se em conta a não linearidade da arquitetura do

ciberespaço é que a estrutura da exposição foi desenhada (Fig. 1).

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Figura 1. Estrutura da exposição virtual Explorando os profetas de Aleijadinho.

Imaterial por natureza, o espaço expositivo localizado no ambiente virtual não apresenta

limites de forma que a mostra parte dos Profetas, mas também contempla imagens e

conteúdos complementares a partir de fotos e textos produzidos especialmente para a

exposição. Além de informações de natureza histórica, que localizam os Profetas no tempo

e no espaço, são disponibilizadas leituras que problematizam a obra, de forma a provocar o

público ao aprofundamento do olhar e ao levantamento de questões.

No ambiente virtual não é preciso, e nem faz sentido, ter-se apenas uma porta de entrada. A

partir do menu principal o visitante por escolher tanto explorar os Profetas de Aleijadinho,

como também conhecer mais sobre o artista, sobre o Barroco Mineiro ou sobre o processo

3D empregado na exposição. Cada uma dessas portas dá acesso à textos e imagens que

fornecem subsídios para que o público aprofunde o olhar diante dos Profetas e de

Aleijadinho.

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A visita simulada ao Santuário, assim como a exploração das esculturas em 3D são

disponibilizadas associadas à textos pensados para enriquecer essa experiência de forma

que o publico faça uso consciente de tais ferramentas, que não são entendidas como um

substituto, mas como complemento ou mesmo convite à vivencia física. A exposição

também é acompanhada por informações complementares e por um glossário que pode ser

acessado ao passar o cursor por sobre as palavras que o compõem e que estão em

destaque no texto. Nesse sentido, pode ser vivenciada tanto pelo público iniciante, como

pelo iniciado.

O museu físico está para o objeto assim como o museu virtual está para a informação. Ao

transformar a arte em informação e torná-la acessível à um publico diversificado, o museu

virtual torna-a ativa culturalmente. Nesse sentido, pode-se entender o museu no

ciberespaço como um agente cultural já que possibilita a dinamização entre arte, individuo e

sociedade. E foi partindo desse entendimento que o Museu de Ciências da USP organizou a

exposição virtual Explorando os Profetas de Aleijadinho.

ANALISE DOS PROFETAS

Conforme citado anteriormente, o foco da mostra virtual está nos Profetas de Aleijadinho.

Nesse sentido, foram elaborados textos para cada um deles abordando a biografia, os seus

escritos, o conteúdo da escritura, a analise da posição assim como da feitura e da

iconografia. Nesse artigo será apresentada a análise realizada acerca do Profeta Isaías.

O Profeta Isaias

Profeta da fé e justiça política, viveu em Jerusalém na segunda metade do século VIII a.C..

Isaias (Fig. 2) recebe os fiéis na escadaria de convite do santuário. Ele é o primeiro da lista

da Vulgata (textos sagrados traduzidos para compreensão popular), pois é o mais

importante e autor do primeiro livro dos profetas. Muito conhecido tanto no Antigo como no

Novo Testamento - neste último, ele é citado mais de oitenta vezes. Viveu em Jerusalém no

século VIII a.C., nos reinados de Achab e Ezequias. Foi o responsável por manter a

esperança e fé de que um dia a salvação chegaria por meio do Messias, e por isso mesmo

profetizou a anunciação à Virgem Maria e o nascimento de Cristo (estas profecias estão nas

cenas pictóricas dentro da basílica).

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Figura 2. Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho (1730/38 - 1814). Profeta Isaías. Pedra sabão em dois blocos, 201 cm. (1800 -1805). Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, MG (1757-1805). Foto: Percival Tirapelli.

Seus escritos

Seu livro pode ser dividido em três partes sendo que a primeira, com 39 itens, contém a

mensagem do próprio profeta Isaias que se preocupa com a santidade de Deus, elevando-o

a Ser absoluto. Sua terra será salva, se permanecer unida e fiel ao projeto de Deus que tem

a justiça como valor supremo. A segunda parte, de 40 a 55, foi escrita por um profeta

anônimo que viveu na Babilônia durante o cativeiro do povo hebreu. Isaias, ao viver em

anonimato, transmitiu mensagem de esperança, consolação e retorno do cativeiro. O último,

também pode ser o Isaias, o profeta lança oráculos anônimos incentivando a união do povo

que saíra do exílio da Babilônia, incentivando o convívio em Jerusalém.

É tido como o rei dos profetas pela sua linguagem e rara culminância literária, segundo J.

Guinsburg. Fora tomado por Deus e seu verbo profético ostenta monumentalidade

despojada, ritmada pela exaltação do espírito e pela contemplação da forma, denúncia da

injustiça e a predição do castigo

Escritura

Em seu filactério está escrito o resumo de sete de seus versículos: Depois que os serafins

celebraram o Senhor, um deles trouxe aos meus lábios uma brasa com uma tenaz. Isaias,

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IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG

cap. 6. Em latim: CUM SERA/PHIM DOMI/NUM CELEBRA/ SSENT A SERAPH/UNO

ADMOTA/ EST LABRIS FOR/CIPE PRUNA/MEIS. /ISAIAE CAP. 6

Posição

Isaias é o primeiro profeta à esquerda sobre a pilastra misulada do portão acima do primeiro

patamar da escadaria, a atuar como figura de convite. Ao entrar o peregrino o nota com

vista frontal: é uma massa corpórea sem gestos largos e todos seus membros se prendem à

massa, formando unidade inseparável. A túnica curta deixa aparecer com toda clareza a

bota com cadarço em zigue-zague, o filactério, pergaminho com o nome do profeta e o texto

bíblico. Acima, as duas mãos estão próximas, a esquerda a segurar o rolo e a direita

indicando as profecias. Em forma de um grande V, os braços asseguram a subida do olhar

para a parte mais expressiva da figura: a longa barba bipartida, volumosa, que nasce dos

lábios entreabertos e de onde flui o ardor de suas palavras predizendo castigos. A cabeleira

é achatada pelo tecido do manto que o envolve de maneira misteriosa, dignificando a

imagem mítica do profeta encoberto ao estar tomado por Deus.

A segunda posição percebida pelo fiel é de perfil, com a linha ascendente do filactério e a

mão que o segura com dobras do manto sobre o braço, entrecortadas por cortes profundos

da goiva formando pregas volumosas em Vs invertidos. A segunda linha ascendente é da

dobra do manto com desenhos imitando o tecido adamascado. Barba e cachos de cabelos

destacam o perfil perfeito do profeta.

A parte posterior pode ser vista do primeiro degrau ao subir. Porém, este caminho fica para

a descida das escadarias, depois que o fiel completou sua penitência. Três pregas do

panejamento elevam a figura enquanto duas paralelas obliquas persistem no peso

corroborado pelo manto sobre a cabeça. Alivia parte desta peça monumental o manto

esvoaçante inferior e os desenhos do tecido adamascado iniciando nas linhas ondulantes da

barra, na altura do suporte, e acima, no grande barrado com a sequencia completa de

desenhos barrocos.

Por fim a lateral que se percebe ao descer as escadarias, fora do adro ou em voo de

pássaro ao descer o último lance. Destacam a bota, rimando com uma pequena voluta do

manto que se eleva do pedestal. No meio da figura, um grande amassado de tecido cria

volume que se contrapõe com a cabeça encoberta situada entre as formas do tecido

arregaçado do braço, com linhas triangulares, e com o ondulado da barba que eleva o perfil

sombreado por pequeno topete, cuja forma rima com o levantar do tecido junto aos pés.

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Feitura

É composta em dois blocos, como a maioria das outras obras, interligadas na altura dos

ombros. Como já apontaram os especialistas em Aleijadinho, a exemplo de Myriam Andrade

Ribeiro Oliveira, falta conjunção exata entre as partes inferior e superior, os ombros, apesar

do manto são estreitos e os braços, curtos. São as marcas dos ajudantes do ateliê do

mestre, pois este já estava em idade avançada. Porém todos os críticos são unânimes em

aclamar esta efígie como das mais contundentes em beleza plástica e profundidade

expressiva, um semblante iluminado pelo espírito divino.

Iconografia

O profeta relata na primeira pessoa do singular, como se fora um personagem-ator tomando

consciência de sua missão profética. Seus lábios são purificados durante uma visão de

serafins em forma de brasa prenunciando as verdades que deveria falar durante sua nova

missão de anunciar a vinda do Messias.

Iconograficamente tem vestes curtas, um manto que cobre toda sua parte posterior a formar

um capuz monástico investindo seu novo papel a cumprir. Os tecidos são adamascados,

pregueados e os amassados do manto caem em ritmo que vão desde o capuz, passando

pelo manto sobre os ombros e braços, deixando transparecer as mãos. A direita segura o

filactério e a esquerda indica as palavras escritas. Suas botas se erguem até o meio das

canelas e o rolo com as escrituras oculta parte delas. A cabeça é das mais elaboradas, a

começar pelas longas barbas que em rolos escorrem sobre o manto amassado em um

continuum inverso ao drapejado. Seu semblante de preocupação está marcado nos sulcos

da testa revelando idade avançada, ao mesmo tempo que a sabedoria ainda emana, mesmo

sussurrando, de seus lábios comprimidos. Os lábios do profeta foram tocados com uma

brasa ardente; simbolicamente o carvão está relacionado à Paixão de Cristo; o trono do

Senhor, de onde o anjo a retirou, refere-se ao Messias. As duas linhas curvas do bigode que

saem das narinas e que se unem com o ondular dos rolos da abundante barba, servem de

moldura para os lábios que receberam o sinal do Senhor.

Há exemplos, como no santuário Bom Jesus de Braga em Portugal, no qual o profeta é

representado com uma tenaz, simbolizando as orações dos pecadores. Rafael Sanzio

retratou Isaias com a cabeça encoberta por um longo tecido mostrando vasta cabeleira e

barba enquanto desenrolava o filactério com suas profecias. Na Capela Sistina do Vaticano

(1508 -1512), Michelangelo pintou a figura de Deus criando Adão como senhor do tempo

(Cronos) e sabedoria, ostentando vasta barba, mesmo atributo de que dotou ali o profeta

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Zacarias. São as outras figuras com barba as que mais se aproximam do Isaias de

Aleijadinho.

TRAÇOS DE UNIDADE NOS PROFETAS DE ALEIJADINHO

O conjunto dos profetas de Congonhas, no Santuário Bom Jesus de Matosinhos, em Minas

Gerais, é coeso por diversos fatores. Primeiro, histórico : são homens que antecederam por

meio de mensagens, a vinda de Cristo ao mundo e suas palavras estão escritas nas

Sagradas Escrituras, compiladas como Antigo Testamento. A lembrança daqueles homens

está na palavra escrita e a imagem a ser evocada é de distanciamento no tempo, segundo

conceitos de cada período da História. A formação imagética de um profeta tem como

fundamento sua missão de exortar o povo judeu a esperar pelo Messias. Para isto faz

peregrinação - o andar a pé - e suas exortações ou pregações ( os escritos são

posteriores), com mensagens metafóricas nem sempre compreendidas em seu tempo. A

escrita é factual, prova da existência de cada profeta e dupla crença: na corporalidade,

concreta, e na profecia, abstrata.

Outros profetas

Em diversos períodos históricos deverão eles ser lembrados como seres além de seus

tempos, míticos e devotados a uma missão: jamais verão cumpridos seus ditos proféticos.

Para a lembrança dos profetas não ser confundida com os chamados falsos profetas,

recorreu-se a representá-los sempre em grupo, o mesmo ocorrendo com os quatro

evangelistas e seus atributos – leão, anjo, touro e águia. Foram divididos grupos de

importância: profetas maiores e profetas menores, segundo suas profecias e escritos.

Tantos outros homens bíblicos poderiam ser chamados de profetas como Moisés, porém

dentro do plano divino, há outros fatos que os distinguiram como aquele que mostrou o

caminho ao povo judeu no deserto mesclando provas da existência divina como as tábuas

das leis, a passagem pelo mar Vermelho. Outros foram reis, como Davi e São João Batista,

o precursor, primo de Cristo, chamado de A voz que clama no deserto ( ou seja, nem todos

entenderão sua mensagem e missão). E também aqueles que sequer pertenceram ao

mundo religioso judaico, mas cujas palavras, ao longo do período histórico, foram

interpretadas como predizendo a vinda do Messias. Foram eles incorporados ao mundo

cristão, constituindo assim um acréscimo à formação de imagens como as das sibilas,

profetisas míticas pintadas por Michelangelo nos afrescos da Capela Sistina no Vaticano.

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A formação da imagem do Profeta

A escolha da imagem - ou iconografia - do profeta tem diversos referenciais aparecendo

como imagens criadas desde os primórdios da cristandade – não como corpos figurados,

mas com as citações de suas frases – corporificadas por meio de esculturas na Idade Média

e no período românico. Antes disso, a escultura era pouco usada na arte paleocristã. A

relativa proximidade, o pouco tempo decorridos entre o paganismo que adorava os ídolos

apresentados como esculturas, e a cristandade nascente, fez com que a opção pela pintura

e pelo mosaico, destituídos da materialidade portanto corpórea, se impusesse sobre o

escultórico da idolatria. Passados quinhentos anos, o distanciamento do tempo do mundo

romano somado ao tempo dos cativeiros do povo judeu – Egito e Mesopotâmia – já

Antiguidade na perspectiva do mundo medieval - , a imagética dos profetas estava livre para

criar convenções a serem seguidas. Nos portais das catedrais góticas, os reis Davi e

Salomão são representados junto aos profetas, sentados do lado direito de Cristo. Ostentam

longos cabelos e barbas, filactérios e ornamentos na cabeça - barrete, turbante, capuz - que

assim constituem sua iconografia.

O distanciamento histórico pode ser expresso na configuração geral, logo percebida pelo fiel

por meio da indumentária : a túnica remetendo ao estado de espírito místico.

Plasticamente, seguia um misto de panejamento – pregas das túnicas – imitando as linhas

dos mosaicos bizantinos, dos traços mais fortes dos afrescos românicos e, da antiguidade,

as pregas das togas romanas. Na Idade Média a vestimenta é muito importante pois é o

primeiro fator visual a distinguir as classes sociais estratificadas, que duraram séculos. O

barrete ou turbante é um apelo visual utilizado e convencionado na Idade Média também

como distinção social e profissional. São as cabeças coroadas dos reis, os elmos dos

guerreiros, as plumas e pedras preciosas das tiaras das damas e os turbantes dos

peregrinos, criando uma metáfora para cada indivíduo a ser inserido no grupo social. O

profeta, é místico e distante no tempo histórico – Antigo Testamento – e espaço geográfico –

no Médio Oriente. A túnica refere-se ao despojamento dos bens materiais; a cabeça

coberta, respeito com o contato com o divino.

O profeta é destituído de sua corporalidade, ao contrário do destaque à beleza física das

esculturas greco-romanas, e assim estão dispostos nos portais das igrejas românicas e

góticas. A eles são conferidas a prerrogativa do tamanho simbólico, usual nos mosaicos

bizantinos e afrescos românicos. Suas estaturas são comparáveis às dos reis da Judéia –

que também eram profetas – e convivem no círculo dos homens consagrados, ladeando a

figura de Cristo, em uma evidência de que suas profecias se concretizaram. Com a

gestualidade entre o apontar suas palavras – em geral em fitas com textos escrito – e a

ênfase da palavra falada durante a exortação, a Igreja direcionou o artista ora mais nas

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escrituras ora alternando na gestualidade - característico do período barroco. A palavra

escrita é a prova da revelação de divina e a fala (prédica) expressão temporal atuante em

um determinado período, renovado e acompanhado de humanidade.

A gestualidade e expressão facial confirmam a profundidade das palavras proféticas,

evidenciando a verdade revelada. Na arte há toda uma convencionalidade gestual tão forte

quanto os atributos que servem para a distinção dos personagens santificados. O fato

primordial da vida do profeta é a palavra dita e depois escrita. Acompanhando a

expressão facial, a postura do corpo confirma sua mensagem. Depois da indumentária, os

gestos das mãos são contidos, pois nas catedrais estão dispostos como colunetas nos

portais em espaços exíguos e intercalados entre si. As mãos indicam os textos sagrados

esculpidos em fitas – os filactérios – gestualidade essa que amplia a fala de exortação.

Nestas casos, a expressão facial ganha elementos de leitura apenas convencionais, como a

barba, para significar a sabedoria da velhice; longas cabeleiras confirmando o caráter

deificado, e os lábios por vezes apenas entreabertos, prenunciando a fala.

A imagem do Profeta na Idade Média

Ainda na Idade Média as figuras dos profetas ganharam espacialidade individualizada,

continuando porém perfilados e unidos em grupos reconhecíveis como testemunhas que

antecederam a encarnação de Cristo. Ganharam espaços nos vitrais, ricamente ornados

com vestimentas coloridas e suas palavras acompanhava-os nas fitas escritas. Nos

desenhos da capitulares dos incunábulos – livros escritos à mão sobre pergaminhos –

confirmavam a importância da palavra escrita. Por vezes apareceram em capitéis com

turbantes nas cabeças, confundidos com as figuras de astrólogos, que liam os mistérios

contidos nos sete círculos dos corpos celestes. A distinção entre estes e os profetas está no

uso dos instrumentos: de medição pelos astrólogos, e da escrita pelos profetas, coincidindo

por vezes nas vestimentas, nos turbantes e nos olhares para o firmamento em busca da

verdade. A inclusão dos apóstolos na iconografia junto com os profetas, e aqueles são

facilmente distintos pelos seus atributos, deu-se de maneira até curiosa, pois os profetas

carregavam em seus ombros os apóstolos e evangelistas do Novo Testamento.

Um fator histórico importante para que os profetas se destacassem na iconografia medieval

foi a perda de Jerusalém para os muçulmanos, impedindo assim a peregrinação à terra

santa. A figura dos profetas do Antigo Testamento foi evocada junto a todo o processo de

espera e confirmação da vinda de Cristo feito homem. Dispostos em fileiras nos adros e

escadaria de igrejas, levavam o fiel a percorrer um tempo histórico visível na indumentária e

espacial simbolizando a caminhada do povo eleito agora como cristão. A individualidade das

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figuras possibilitou enfatizar outro aspecto físico do profeta: seu deslocamento no espaço,

simbolizado na posição dos pés e nos calçados por eles utilizados. Nos portais das

catedrais góticas permaneciam hirtos, baluartes da verdade contida em suas palavras. No

Renascimento, confirmado no período barroco, o andar (por vezes descalço), o

deslocamento aliado aos panejamentos vigorosos e movimento dos gestos ritmados, por

todo o corpo e com concentração visual na expressão facial. Assim estão mais teatralmente

dispostos os profetas nas reconstituições do santuários de montanha, como em Congonhas,

a evocarem o caminho de Cristo para a redenção. Os profetas são personagens a serem

evocados neste processo e precisam ser caracterizados como distantes no tempo,

construtores de uma escritura profética tornando-se figuras de relevo, altivas, bem

expressas em suas vestimentas.

Aleijadinho e os profetas

Quando o crítico de arte francês Germain Bazin utiliza a expressão – o último grande

santeiro medieval – ao referir-se a Aleijadinho, sente esta incorporação de elementos

históricos e iconográficos no mestre mineiro e vai além, ao buscar a compreensão de

genialidade do mulato artífice. Ao reunir as possibilidades da extravagante iconografia

medieval, principalmente sobre os turbantes - criada pelas gravuras de Sluter e divulgada

pelo mestre florentino de Picture Chronicle, 1470, depois ampliada com a expressividade

barroca do século 17, Aleijadinho expande a mítica dos profetas, inserindo-os em espaços

abertos do adro, e dignificados com a perenidade material da pedra - já no início do século

19.

Mas o que seria traço de unidade entre todos os profetas, já que o artista deveria seguir a

iconografia e ditames da Igreja para clareza da mensagem religiosa, em contraposição a

elementos amplificadores da mensagem? Não se espera do artista barroco a criação de

novas possibilidades, que o faça distinguir dos demais, mas o aprimoramento a partir do

modelo indicado, no caso o da Irmandade do Santuário Bom Jesus de Matosinhos. Este

primeiro indicativo de liberdade, mais distante do olhar severo das ordens religiosas, pode

ser a chave encontrada por Bazin ao exaltar o conjunto escultórico como um verdadeiro

espetáculo que se aproximaria de um balé.

A concepção cenográfica de Aleijadinho expressa-se junto à construção da arquitetura do

adro da igreja de Congonhas, com linhas sinuosas nas paredes, a escada semicircular e as

figuras intercaladas, e não enfileiradas, possibilitando entre elas um diálogo de massas

escultóricas, simbolicamente com gestualidades. Para serem vistos primeiro à distância, são

compactos e de configurações bem definidas e por isso são indissociáveis da paisagem

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natural e da construtiva. Se as paredes do adro fossem retas, estariam em contradição com

os elementos móveis do cenário natural animado por nuvens, ventos e intempéries. O adro

foi construído por Tomás de Maia Brito (1777 a 1790) e o frontispício retilíneo do templo

ganharam linhas curvas com a intervenção de Francisco de Lima Cerqueira. Ao aproximar

os traços de união entre todos, amplia-se a iconografia – textos de escritura, indumentária,

incluindo os barretes e turbantes – para a disposição dos pés, que tem em comum o tipo de

botas e os tecidos adamascados, capricho barroco que leva às expressões faciais

diferenciadas.

A percepção do conjunto

O artista monta o cenário a ser vivido pelo fiel. A perspectiva aproxima-se da técnica de

pintura em perspectiva di sotto in sù – de baixo para cima ou para o alto, quando se inicia a

subida das escadarias para o templo, quando ainda o peregrino penitente deve ser

exortado pelas palavras dos profetas e cumprir a peregrinação. Ao retornar, o peregrino tem

a visão inversa, a perspectiva de voo de pássaro, dominando algumas figuras e

distinguindo a gesticulação de outros, quando já aliviado do peso da corporalidade e em

estado de graça por ter cumprido sua penitência.

Os pedestais que suportam as esculturas em tamanho natural obrigam o peregrino a fixar o

olhar primeiro nos pés dos profetas. O caminho por eles percorridos para as suas prédicas é

evidenciado no primeiro plano visual que é compartilhado com os filactélios nascidos juntos

com as bases retas, e sobre elas as curvas dos rolos com as palavras escritas. Dois

elementos substanciais das profecias : a palavra e o caminhar. Com uma das mãos, todos

seguram firmemente suas palavras escritas, confirmando a perenidade de suas missões.

Com a outra, indicam os caminhos a serem percorridos: cautelosos e justos com os pés

mais unidos, assim como os braços da gestualidade ligados aos corpos até o

desprendimento dos pés das justaposições, dos avanços além das bases, da formação de

espaços vazios. O desprendimento total revela-se na gestualidade excessiva dos braços

erguidos.

Leitura pela configuração

A leitura, que ainda deve ser feita um tanto distanciada, não revela os detalhes faciais onde

o artista concentrou-se com toda a competência de sua maturidade. Este diferencial torna-

se comum a todos, conferindo uma unidade de busca expressiva - e não uma virtuosidade

estilística que configuraria traços de plasticidade estereotipada. O mesmo vale também para

o posicionamento dos pés quando vistos como elemento agregador e ao mesmo tempo de

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distinção. O passo de avanço de cada um é contido ora pelo peso das dobras das vestes,

ora pelas curvas dos filactérios que nos indicam um novo caminho a percorrer pelas

palavras esculpidas. Lidas as palavras de advertência contidas nas profecias, a mão

esquerda segura firmemente o rolo que fecha este discurso espiritual – a permanência da

palavra escrita – para indicar um novo papel do profeta que é o da pregação. Para isso o

artista se vale da gestualidade da mão direita, que se mostra ainda contida nos profetas

centrais mas expande-se nos profetas das extremidades.

Unidade e diversidade gestual entre as esculturas

A contenção gestual de Isaias, agarrado às suas profecias, condiz com a gravidade de seu

semblante a sussurrar catástrofes com uma brasa ardente na boca. Com a mão direita

indica incisivamente a palavra escrita. O capuz nascido das vestes confirma o sentido

sagrado e soturno de sua missão mística. Os rolos de barba confirma sua experiência de

vida, senhor do tempo, verdadeiro Cronos. O gesto de Jeremias confirma a importância da

escrita com a pena na mão; as escrituras estão em espelho com aquelas de Isaias

confirmando missão semelhante. A gestualidade do profeta Ezequiel é de convite, chamado

para seguir os degraus do segundo lanço da escadaria. Ao atingir o terceiro lanço, o profeta

Baruc já é notado na altura abaixo dos olhos com pés dispostos em caminhada, apesar da

postura rígida. Na altura do adro, Daniel evidencia seu atributo: ficara preso na cova com os

leões. Braços e mãos equilibram a figura maciça que solenemente ignora a fera imposta em

seu caminho, ocultando nela seus passos. Oseias, evidenciando seus pés, e de feitura a ser

admirada frontalmente, abre um diálogo franco com o interlocutor, Daniel, e ambos se

assemelham na mostra de suas palavras escritas nos filactérios. Joel, na extrema direita, faz

um movimento de rotação com o torso, evidencia o perfil do rosto e rima com a pena e

barrete semelhantes aos de Oséias. Difere na forma de voltar para o fiel o escrito de suas

palavras proféticas. Na extrema esquerda, Jonas tem oposições e semelhanças com Daniel.

Ambos tem atributos de animais - ficara preso no ventre de uma baleia - e opostos na

posição das cabeças, serena a de Daniel, atormentada a de Jonas ao emergir das águas.

O que se segue é uma sequencia fascinante de atitudes que vão da serenidade de Amós no

pináculo mais alto, ao recuo de corpo de Naum no extremo oposto, talvez revelando o lado

humano do profeta em permitir certa insegurança. Abdias e Habacuc são atores de gestos

largos, vociferantes, que do alto do púlpito, a céu aberto, se expandem na gestualidade

excessiva do momento da prédica. Habacuc é molestado pela mesma ventania que abalara

Naum. Tudo isso confirma a sabedoria de Aleijadinho no posicionamento de cada um dos

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profetas, e o papel que a natureza tem na composição e disposição de cada um deles - que,

nesta terra, cumprem missão divina.

Unidade nas vestimentas - pregas e adamascados (desenhos barrocos)

A unidade compositiva é sem dúvida a grande liberdade de Aleijadinho, iniciada pelas

ondulações do murro de arrimo, e recuos das bases, sem sair da simetria imposta pela

arquitetura. As vestimentas são imaginativas nos panejamentos, com pregas de caimentos

ora rígidos, ora inusitados, com nós na maioria das figuras - mais evidenciados mais em

Naum - , e repuxos oferecidos pela mão de Daniel. Os desenhos barrocos dos tecidos

adamascados nas faixas constituem um elo de união entre todas as esculturas. Nas pregas

mais retas os desenhos se acentuam. Naquelas com leves dobraduras arredondadas,

revelam a importância de elementos ornamentais mais minuciosos, para valorizar os

espaços lisos apenas com as reentrancias das pregas. Também aliviam as angulações mais

acentuadas das mangas arregaçadas e da sequencia de pregas profundas e triangulares

dos mantos, na região do braço, já próximo ao pescoço, onde o interesse se volta para as

barbas e cabeleiras fluviais, minimizando o efeito dos ornamentos dos adamascados,

mesmo que com motivos curvos barrocos.

UNIDADE DE CONFIGURAÇÃO NOS TURBANTES E DIVERSIDADE

INDIVIDUAL NA INVENTIVIDADE DE CADA BARRETE

Germain Bazin aponta pra a variedade de turbantes - à maneira turca - que, ao mesmo

tempo em cria unidade, com todas as cabeças cobertas, apresenta uma diversidade -

possível nos modelos diferentes para cada um. O autor aponta as gravuras renascentistas

que disseminaram tais modelos, as quais englobam desde os modelos mais clássicos,

propriamente gregos, com os louros prendendo a cabeleira, até os mais extravagantes, a

exemplo do de Habacuc. Composto por quatro peças independentes, um tecido repuxado

cobrindo o pescoço e juntado com uma borla acima, à guisa de base, com tecido retorcido e

preso com fita, sustenta um espécie de barrete coroado com uma bola. Laçarotes enfeitam a

parte posterior dos barretes de Ezequiel e Daniel, este último sem a borla no arremate.

Joel, Jeremias e Jonas tem turbantes semelhantes, com tecidos comprimidos presos por

fitas e arrematados por uma borla.

Amós veste um capuz de cuja extremidade jorram seus cabelos em múltiplas direções. De

Ezequiel, Bazin aponta o referencial de uma medalha feita por Pisanello, de Jean VII, com

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uma espécie de capacete dianteiro, pano cobrindo a nuca e acima do tecido da cabeça com

borla.

Em resumo dos traços constantes em todos os profetas

Os traços constantes que unem os profetas podem ser vistos primeiramente à distância, que

são as vestimentas constituídas pelas túnicas (curtas ou longas), os mantos sobre os

ombros, seguros ou presos por uma mão ou cintos a formarem pregas retas com desenhos

barrocos e de caimento pesado, ou nós a expandirem as dobras em formas triangulares.

Sobre as cabeças, turbantes arrematados com bolas, barretes ou mesmo capuz, marcam as

silhuetas.

A segunda constante são os filactérios em forma de rolos abertos, contendo frases que

marcam a profecia daquele profeta.

Os pés, em diversas posições - Bazin evoca um balé - estão calçados com botas alta

quando visíveis, por usarem túnicas mais curtas. São ornadas com trançados dos cadarços

e acabamento virado em V, mostrando a maciez do couro. Se as túnicas ou mantos

encobrirem as pernas, apenas as pontas dos pés são mostrados em posições de

movimento.

Nos rostos, a distinção fica por conta do grupo de imberbes, os mais jovens : Daniel,

Baruc, Amós e Abdias; outro grupo aparentando idade madura que são: Oseias, Jonas,

Joel, Jeremias, Habacuc e Ezequiel. As características das barbas e bigodes são

semelhantes às dos personagens da Via Crucis - nas capelas abaixo do Santuário - e os

são narizes retos, com olhos levemente amendoados e cegados pelas luzes.

Os gestos são em geral de segurar os rolos proféticos - filactérios - com a mão esquerda, e

a ação - de escrever com pluma, repuxar o manto, indicar as escrituras, levantar os braços -

ficam reservadas para a mão direita. O desprendimento do braço, libertando-se das pregas

dos manto, ocorre timidamente nos profetas Amós e Jonas, para depois se expandirem em

Abdias e Habacuc.

Acredita-se que a vivencia diante do original jamais poderá ser substituída pela tecnologia,

contudo a tecnologia pode ser utilizada como uma ótima aliada. Por meio da exposição

virtual “Explorando os Profetas de Aleijadinho”, o Museu de Ciências da Usp não apenas

tornou acessível a visualização dos Profetas do artista mineiro a um número ilimitado de

pessoas do planeta, como também disponibilizou conteúdos acerca dessa produção que

ultrapassam o apenas informar já que provoca o público ao aprofundamento do olhar e à

problematização desse importante conjunto de obras. Na exposição, informação e

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tecnologia são aliadas tanto na promoção da vivencia estética, como na construção de

conhecimento.

REFERÊNCIAS

BAZIN, Germain. Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1970.

LÉVY, PIERRY. Filosofia World. O mercado, o ciberespaço, a consciência. Coleção Epistemologia e

Sociedade. Instituto Piaget: Lisboa, 2001.

NAVARRO, José Gabriel. Contribuiciones a la historia del arte em el Ecuador. La Compañia. Quito :

Ediciones Trama, 2006. v.4.

OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Aleijadinho e o santuário de Congonhas. Roteiros do

Patrimônio. Brasília : Monumenta/Iphan, 2006.

SORAIA, Maria Silva. Profetas em movimento. São Paulo : Edusp/Imprensa Oficial, 2001.

TEIXEIRA, José de Monterroso. Aleijadinho, o teatro da fé. São Paulo : Metalivros, 2007.

ULPIANO, Bezerra de Menezes. Museu virtual é o museu do futuro? Revista Musas. Ano 2, 2006.

N°2.

TSCHRITZISN, DENNIS e GIBBS, SIMON. Virtual Museums and Virtual Realities. International

Conference on Hypermedia & Interactivity in Museums. 2001. Acessível em:

http://www.archimuse.com/publishing/hypermedia/hypermedia.Ch3.pdf. Com acesso em 14 de

outubro de 2014.

VERGARA, Luiz Guilherme. Curadorias Educativas. Rio de Janeiro - Anais ANPAP, 1996. Disponível

também em: < http://www.arte.unb.br/anpap/vergara.htm>. Com acesso em 14 de outubro de 2014.