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Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo de Lucia Santaella Apresentação realizada a partir da relação entre a leitura do livro e a dissertação de mestrado de Helenice, para a disciplina “Redes sociotécnicas e currículos online”, ministrada por Edmea Santos no Proped – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Abril, 2011. por Helenice Mirabelli Cassino Ferreira

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Apresentação realizada a partir da relação entre a leitura do livro e a dissertação de mestrado de Helenice, para a disciplina “Redes sociotécnicas e currículos online”, ministrada por Edmea Santos no Proped – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Abril, 2011.

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Page 1: Navegar no ciberespaço

Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo

de Lucia Santaella

Apresentação realizada a partir da relação entre a leitura do livro e a dissertação de mestrado de Helenice, para a disciplina “Redes sociotécnicas e currículos online”, ministrada por Edmea Santos no Proped – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Abril, 2011.

por Helenice Mirabelli Cassino Ferreira

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Para pensar os diferentes tipos de leitores que Santaella aponta no livro “Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo” (2004), trago aqui algumas imagens e trechos de minha dissertação de mestrado, defendida em 2008, no Proped, com o título “Jovens e jogos eletrônicos: práticas culturais e modos de subjetivação”. acesso

Nesse estudo investiguei os modos de subjetivação de jovens jogadores de jogos eletrônicos, a partir da escuta atenta a suas falas. Tendo como pano de fundo a relação dos jovens com as mídias e artefatos culturais de seu tempo, o estudo debruçou-se sobre as práticas dos jogadores e permitiu entender o significativo papel da imagem e das linguagens das multimídias nos processos de comunicação e de aquisição de conhecimento. Mais ainda, apontou para o fato de que os jovens estão efetivamente vivendo dentro de uma nova lógica audiovisual, multisensorial, participativa e cooperativa.

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Nos capítulos dedicados às sensibilidades historicamente constituídas, às propriedades de imersão e agenciamento e às possibilidades de ler, produzir e vivenciar narrativas através dos jogos eletrônicos (III, IV, e V, respectivamente) as características do leitor imersivo apareceram e me ajudaram a entender as transformações que alteraram os modos de estar no mundo desses novos sujeitos culturais.

(Foto: Renato Bueno / G1)

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A leitura se estabelece como uma relação individual entre leitor e texto [...]Com a instauração obrigatória do silêncio nas bibliotecas universitárias na Idade Média central, a leitura se fixou definitivamente como um gesto do olho [...](Santaella, 2004, p.20-23)

Leitor Contemplativo

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Pessoas observando imagem produzida por uma câmera obscura

No livro intitulado The Tecniques of the Observer, Jonathan Crary (1990) aponta que a cultura visual ocidental vem sendo marcada por uma série de dispositivos ópticos. A câmera obscura, dispositivo óptico de reprodução da visão utilizado no século XVI, pressupunha um sujeito neutro que não interferia na produção da imagem. Aqui, o artefato produzia uma imagem por si só e a lente substituía o olho humano, configurando um afastamento deste com o mundo. (Ferreira, 2008, p.72)

Embora a introdução do dispositivo óptico prenuncie mudanças, a postura do leitor é a do sujeito contemplativo , silencioso e introspectivo.

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O leitor movente aparece no cenário do crescimento das cidades, é filho da Revolução Industrial e da multidão, das vitrines e dos anúncios em painéis que passam a se espalhar pelas ruas da cidade. “É o leitor que foi se ajustando a novos ritmos de atenção” [...] “o leitor apressado das linguagens efêmeras, híbridas, misturadas” (Santaella, 2004, p.29).

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Mesmo antes da invenção real do cinema, em 1890, no entanto, fica claro que as condições da percepção humana estavam sendo remontadas em novos componentes. A visão, em uma ampla gama de locações, foi refigurada como dinâmica, temporal e sintética. O declínio do observador clássico pontual ou ancorado começou no início do século XIX, cada vez mais deslocado pelo sujeito atento instável (...). Trata-se de um sujeito competente tanto para ser um consumidor quanto um agente na síntese de uma diversidade próspera de “efeitos de realidade”, um sujeito que irá se tornar objeto de todas as indústrias da imagem e do espetáculo no século XX. (Crary, 2004, p.90, apud Ferreira, 2008, p.74,75).

Cartum na revista Punch, 1987, “Como anunciamos agora” (Singer, 2004)

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Times Square, Nova York, 1909 (Singer, 2004)

Este é também o sujeito de que nos fala Benjamin (1989), inserido no ambiente urbano moderno, que se depara com uma sobrecarga sensorial ou um bombardeio de estímulos que, de certa forma, antecipa o sujeito contemporâneo atravessado por uma quantidade imensa de informações, por imagens e sons velozes, partidos e descontínuos (Ferreira, 2008, p.75).

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As mudanças ocorridas no final do século XIX e início do século XX, com o crescimento das cidades, o desenvolvimento dos transportes, da indústria e o surgimento de diversos sinais que traduziam uma modernidade estampada nos luminosos, transformam tanto as experiências dos indivíduos como seus desejos, instaurando novas sensibilidade e novas demandas. De acordo com Benjamin (1994, p.173) o caráter de exposição possibilitado pela técnica de reprodução, por exemplo, mudou o foco da produção. O que tinha valor de culto passa a ter valor de exposição. Assim, a imagem tem que ser vista em suas infinitas formas e versões, pode ser reproduzida e ocupar espaços que antes não lhes eram destinados, além de aproximar observadores e objetos. O autor fala ainda que com a fotografia “a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho” e, assim, experimenta-se uma aceleração próxima à da palavra oral (id. ibid., p.167). (Ferreira, 2008, p.75)

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A inscrição do texto na tela cria, uma distribuição, uma organização, uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se defrontava o leitor do livro em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso, onde o texto é organizado a partir de sua estrutura em cadernos, folhas e páginas. O fluxo seqüencial do texto na tela, a continuidade que lhe é dada, o fato de que suas fronteiras não são mais tão radicalmente visíveis, como no livro que encerra, no interior de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele carrega, a possibilidade para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler (Chartier, 1998b, p. 12-13). (Santaella, 2004, p.32)

Leitor imersivo

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Nos jogos eletrônicos o importante é a experimentação, a exploração. O prazer de explorar e descobrir detalhes que só se revelarão na medida em que cada jogador alcançar determinado objeto ou adentrar determinado ambiente. O que se revelou para um jogador pode ficar eternamente oculto para outro. A possibilidade de agenciamento é fator relevante nas relações com os ambientes digitais, como já foi apreciado no capítulo 4 e caracteriza as narrativas concebidas e ambientadas nesses meios (Ferreira, 2008, p.123-124).

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Diego, jovem entrevistado, aponta o que, para a maioria, é a principal diferença entre histórias nos jogos e as que são contadas em livros ou filmes: a vivência e a ação do jogador, que pode mudar a história. “A diferença [entre as narrativas nos livros e nos jogos] é essa, a do jogo, você vê, você escuta, você... você pode mudar o rumo. Do livro você só vai ler, só vai tentar saber o que tá acontecendo ali”.Bruno concorda: “[...] tem jogo que tem essa possibilidade de você mudar o rumo do jogo. Se você pegar isso vai acontecer isso, se você não pegar não vai acontecer”. Essa fala exemplifica bem o novo gesto de leitura apontado por Aranha (2004), que depende da atitude do jogador, assim como caracteriza o leitor imersivo de que nos fala Santaella (2004), cuja grande marca é a interatividade e que atua como um editor ao escolher aquilo que será visto ou “lido”. (Ferreira, 2008, p.123)

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um novo gesto de leitura através do qual apenas o desempenho ativo do leitor permitirá a este conhecer a narrativa ocultada pelo programa através de uma organização labiríntica que se desvela em face da ação do jogador. Caso este não dê o comando direcionando seu avatar (...) nada lhe será dito. (Aranha, 2004, p.26, grifo do autor)

[...] o leitor imersivo é obrigatoriamente mais livre na medida em que, sem a liberdade de escolha entre os nexos e sem a iniciativa de busca de direções e rotas, a leitura imersiva não se realiza. [...]Um leitor em estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multisseqüencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir [...]. (Santaella, 2004, p.33)

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“[...] Porque é você ali, sabe... aquela coisa de primeira pessoa...” (Tatiane, 21 anos)

[...] em vez de ser um observador distanciado [...], esse novo sujeito é agora implicado no mundo virtual onde está imerso; sua presença ali é ativa, no sentido de desencadeadora de acontecimentos e no sentido também de estar submetida às forças que ali estão em operação. (Machado, 2007, p.229 – 230, apud Ferreira, 2008, p.91).

“Bom, pra mim é fácil [...], qualquer jogo eu tô lá, assim como se fosse o personagem principal ou então um dos que vai aparecer” (Diego, 21 anos )

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“Kick ass Kung Fu”, jogo que transforma o usuário em lutador de Kung Fu. (Foto: Renato Bueno/G1)

Jogadores jogando “Guitar Hero” (arquivo da pesquisa)

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André, de 18 anos, afirma que jogar videogame é mais divertido do que ver desenho na TV: “você tá cansado de ver aquilo sempre da mesma maneira, aí você quer fazer de outro jeito... é tipo assim, vamos supor, o Seya enfrentando o Yoga. Nunca vai acontecer isso. Então, no videogame você já tem essa possibilidade”. Seya e Yoga são personagens do jogo “Cavaleiros do Zodíaco”, baseado em anime. O jovem se refere ao fato de que no desenho animado esses personagens não estão em lados opostos e, conseqüentemente, não os veria num duelo, fato possível no jogo, a partir das escolhas dos jogadores.

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[...] em jogos de estratégia eu costumo jogar várias vezes para tentar completar o jogo com mais êxito ou fazendo um final diferente. [...]. A tua ação pode, de alguma maneira, mudar a história ou o desenvolvimento do jogo. No mínimo, interferir nos possíveis caminhos... [...], por isso o jogo possibilita finais diferentes, dependendo de como você atuou, quais de seus personagens morreram ou viveram, quais itens você pegou ou não. (Vinícius)

“Você interage com outras pessoas” continua Vinicius sobre as possibilidades nos jogos online e aponta que, dependendo do jogo, a ação do outro é importante para trazer diferentes elementos à narrativa “porque alguém sempre faz algo que te surpreende”. É o fato novo, que modifica, que refaz, que continua a sua história de maneira diversa. (Ferreira, 2008, p. 108)Aqui aparecem, além das possibilidades do próprio texto, as lógicas de conexão, que caracterizam a cibercultura.

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De acordo com Machado (2007, p.143) a narrativa nos meios digitais não pode ser definida como antes. Ela é um campo de possibilidades, um repertório de situações que se encontra em disponibilidade para as escolhas dos usuários e assim, nos lança o desafio de conceber e entender tais narrativas. Esse desafio precisa ser enfrentado por aqueles que pensam a educação, pois implica na caracterização das novas relações dos jovens com a cultura e com o conhecimento. (Ferreira, Oswald, 2009, p.15)texto apresentado na Anped 2009

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Nesse cenário, o usuário experto pode ser exemplificado pela fala de Diego, quando perguntado sobre como consegue fazer muitas coisas ao mesmo tempo – como, por exemplo, jogar, conversar com amigos no chat, ouvir música, “baixar” um programa, trabalhar com softwares gráficos, procurar informações na Internet, etc.: “Eu consigo dar conta, o computador que é meio lerdo, às vezes”

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Referências Bibliográficas:

ARANHA, Gláucio. A reconfiguração do ato de leitura e leitor os textos narrativos mediados pela tecnologia dos jogos eletrônicos. Ciência e cognição, v. 02: 11-35, 2004. Disponível em: < http://geocities.yahoo.com.br/cienciaecognicao/> Acesso em: 15 jan. 2007.BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.__________. Obras Escolhidas III: Charles Boudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo Brasiliense, 1989CRARY, Jonathan. Techniques of the observer: on vision and modernity in the nine teenth century. Cambridge: MIT Press, 1990.__________. A visão que se desprende: Manet e o observador atento no fim do século XIX. In: CHARNEY, L., SCHWARTZ, V.R.( org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.FERREIRA, Helenice Mirabelli Cassino. Jovens e jogos eletrônicos: práticas culturais e modos de subjetivação. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, 2008.FERREIRA, Helenice Mirabelli Cassino ; OSWALD, Maria Luiza Magalhães Bastos . Jovens e jogos eletrônicos: novas narrativas, novos leitores, novas competências de leitura. In: 32a Reunião anual da ANPED, 2009, Caxambú. MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007 .SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

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Referências das imagens:

Portal dos Games: http://portaldosgames.click21.com.br/index.php(slides 3, 11, 14)Ernesto Leibovich - http://www.ernestoleibovich.com.br/estereoscopio.htm (slide 5)G1 Games: http://g1.globo.com/Noticias/Games/0,,9666,00.html (slides 3, 15)G1 Tecnologia: http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,6174,00.htmlSINGER, Bem. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, L., SCHWARTZ, V.R.( org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (slides 7,8)