informática - ciberespaço
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CAPÍTULO ICAPÍTULO I
A DIMENSÃO GEOGRÁFICA DO CIBERESPAÇOA DIMENSÃO GEOGRÁFICA DO CIBERESPAÇO
Nas últimas décadas, a Geografia tem sido marcada por uma forma
peculiar de operacionalizar a complexidade da sociedade. Da prática humana
emergiu o modo materialista de analisar o objeto de estudo do geógrafo. A
influência marxista acredita ser necessário pensar as relações sociais em
termos de suas conexões com o tempo e o espaço.
A concepção materialista e dialética concebe o tempo e espaço como
formas peculiares da existência da matéria em movimento. Desse modo, a
materialidade social só existe no tempo e no espaço. A matéria em
movimento é a base de tudo que existe no mundo e também uma realidade
objetiva, existindo fora de nossa consciência e nela se reflete ainda que de
modo invertido.Nessa abordagem, há uma impossibilidade da existência do
tempo sem o espaço e vice-versa. Os dois estão ligados aos aspectos de sua
coexistência e mutação.
A desenfreada aceleração tecnológica deste final de século tem
procurado alterar essa concepção materialista do espaço, a partir de uma
“queima do espaço e da experiência de um tempo em intensificação”. É o que
Harvey1 (1993) chama de compressão espaço-temporal. A velocidade dos
“media” eletrônicos instaura uma nova forma de experienciar o tempo,
substituindo a noção de tempo-duração por tempo-velocidade e a
instantaneidade das relações sociais. O tempo advindo das novas tecnologias
eletrônico-comunicacionais é marcado pela presentificação, ou seja, pela
19
interatividade “on l i ne ”, fato constatado nas tecnologias de telepresença em
tempo real que alteram nosso sentido cultural de tempo e espaço.
Virilio2 (1995), por exemplo, fala de um primado do tempo real
enquanto instantaneidade ou “i m e- d i a t e z ”, propiciada pela "barreira da luz"
sobre o espaço. Esse tempo e a interatividade que ele permite estão a reduzir
o mundo a quase nada. Virilio3 (1999) acredita que, com o desenvolvimento
dos transportes e da tecnologia de comunicação instantânea, o mundo de
hoje convive com uma poluição dromosférica, de dromos, corrida. Duque4
(1995), abordando o mesmo tema, explica que os meios de comunicação
convertem o espaço em tempo, enquanto que as telecomunicações
convertem o tempo em instante. A velocidade vertiginosa da luz substitui a
espacialidade da terra, anula as distinções entre lugares e povos. A palavra
de ordem é realidade virtual, porque, de acordo com Duque5 (1995),
“a rea l idade a tua l não sa t i s f az e a t ememos , porque a sua desconformidade com os desejos cresce ao mesmo ritmo que a rede informát ica” .
Perante esta nova realidade, a possibilidade de “distanciação crítica” a antiga surge-nos de súbito.
De fato, há toda uma falácia de que o espaço geográfico, enquanto
expressão material das práticas sociais no seu contínuo movimento de
transformação, perde importância diante da revolução da telemática. Alguns
autores, tais como Richard O'Brien6, sugerem o fim da geografia. Afirma-se
que se toda prática social é acompanhada por uma grafia deixada no espaço,
os domínios das relações sociais via imagens em tempo real tende a abolir o
espaço. Entretanto, a concepção materialista da sociedade sugere a
impossibilidade de existência do tempo sem o espaço e a matéria em
movimento. Acreditamos que qualquer alteração nos sistemas de interação
20
social será sempre precedida por uma materialidade espaço-temporal
representativa de um movimento de mutação e permanência de uma forma
específica de sociabilidade.
É neste sentido que entendemos o ciberespaço1. Para nós, o
ciberespaço aparece como perspectiva (projeção) da sociedade em rede,
onde os fluxos definem novas formas de relações sociais e um tempo
marcado, historicamente situado. (Figura 1).
F igura 1F igura 1
As Interações Sociais em Rede
Fonte: Internet
1 Uma discussão interessante é a apresentada por Jacques Attali, No dicionário do século
XXI, Rio de Janeiro. Ed Record, 2001, onde defende a idéia de que a Internet é a via de acesso ao que ele chama de hipermundo, qualificado como a locomotiva deste século que se
abre. Parra ele, nascerão empregos reais das demandas dos negócios virtuais. Ele prevê para 2005 um volume de US$ 700 bilhões que atingirá o comércio virtual, o que
equivale ao PIB de mais da metade dos países do planeta. Segundo a projeção, em dez anos o PIB desse hipermundo se igualará ao da França e em 2040, ao dos EUA. Nessa escala de
evolução, em sessenta anos, o PIB do hipermundo poderá superar ao do mundo real.
21
Ao contrário do senso comum em torno do aniquilamento do espaço
pelo tempo, parece-nos que, tal como afirma Castells7 (1999, p.490), é o
espaço material que organiza o tempo, “estruturando a temporal idade em
perspectivas diferentes e até contraditórias de acordo com a dinâmica
soc ioespac ia l ” . Entretanto, se o espaço material organiza o tempo, a
emergência de um tempo-real das redes comunicacionais colabora para uma
sensação de aniquilamento do espaço pelo tempo, na forma de um espaço
virtual. De um modo geral, podemos dizer que o tempo-real também implica
a organização de novas relações sociais que se expressam na formação de
um espaço virtual e na reestruturação do espaço concreto preexistente,
provocando intenso processo de inclusão e exclusão de lugares e pessoas na
rede. Richard McGrire8 afirma que o ciberespaço com toda a sua
imaterialidade tem uma geografia definida, embora não no senso tradicional
do termo. Todavia, não compartilharmos com tal pensamento, pois isso seria
reduzir a Geografia à distribuição espacial dos objetos. De fato, a Geografia
como ciência possibilita um viés epistemológico de interpretação do
ciberespaço a partir do conceito de espaço geográfico enquanto reflexo e
condição das práticas sociais. É por isso que ratificamos o ciberespaço como
uma projeção do espaço geográfico.
Como espaço de fluxos, o Ciberespaço é mais acessível aos moradores
urbanos do hemisfério Norte, mais ainda, nos Estados Unidos, Canadá e os
países Nórdicos ocasionando a criação de novos tipos de interdependência
entre regiões e centro populacionais dispersos. Pierre Levy (2001)9 revela que
o mundo conectado não é, necessariamente, um mundo homogêneo, visto
que há um adensamento de contatos em escala planetária (Figura2 e Tabela
22
1). Segundo Mitchel 10 (2002, pg.44), “estar no fuso horário certo, falar a
língua certa, possuir softwares certo e ser competitivo no mercado de
trabalho mundial se tornou mais importante do que viver na mesma área
m e t r o p o l i t a n a ”. O autor destaca a necessidade de inserção no processo da
conexão, a fim de que se possa competir no mercado local e Global.
F igura 2F igura 2
A rede g loba l de f l uA rede g loba l de f l u xos da In te rne txos da In te rne t
Fonte: Atlas do Cyberespace http://www.geog.ucl.ac.uk/casa/martin/atlas/atlas.html
23
Tabela 1
UUUU ssss uuuu áááá rrrr iiii oooo ssss dddd aaaa IIII nnnn tttt eeee rrrr nnnn eeee tttt :::: 5555 4444 4444 .... 2222 mmmm iiii llll hhhh õõõõ eeee ssss mmmm aaaa rrrr çççç oooo dddd eeee 2222 0000 0000 2222
Pa í ses Pa í ses Nº de UNº de U suár iossuár ios
África 4.15 milhões
Ásia e Pacífico 157.49 milhões
Europa: 171.35 milhões
Oriente Médio: 4.65 milhões
EUA e Canadá: 181.23 milhões
América Latina: 25.33 milhões
Fonte: Network Wizardshttp://www.isc.org/ds/ - março 2002
Neste sentido, os países desenvolvidos herdaram uma infraestrutura
capaz de acelerar o acesso ao ciberespaço. Uma infraestrutura voltada para
as conexões interurbanas e que se formam através da interconexão de
grandes centrais de distribuição2 com cabos de fibras ópticas de alta
capacidade, conexões de microondas ou por satélites, criando uma linha de
comunicação digital de alta velocidade. A criação destes centros de
distribuições (POPs) em áreas distantes e isoladas cria um sistema de
audiência eletrônica, capaz de (re)organizar o espaço local numa dinâmica
que a Geografia procura compreender. Mitchel11 (2002, pg.43), por exemplo,
descreve a política implantada na Índia, nas décadas de 1980 e 1990, onde o
governo investiu nas estações terrestres de satélite de alta velocidade nas
2 São conhecidas como POPs (Pontos de presenças)
24
cidades de Bangalore, Hyderabad, Pune, Noida, Bhubaneswar,
Thiruvanthapuram e Chandigarth e que certamente criou o que ele chama de
Oásis Digital.
“ Essas estações permitiram que as empresas produtoras de softwares
da região se mantivessem conectadas internacionalmente 24 horas por dia,
tornando os pontos focais de uma próspera indústria de exportação de
softwares. (Em menos de uma década, a índia se tornou a maior exportadora
de telesserviços do mundo, e a segunda maior produtora de softwares).
Como a infra-estrutura terrestre de alta velocidade era pequena, os efeitos
se fizeram notar mais intensamente na vizinhança mais próxima – no raio de
20 ou 30 quilômetros, o limite de alcance de uma torre de microondas.”
De acordo com a RSD12, os indianos são conhecidos como os melhores
programadores da atualidade.
O ciberespaço, neste trabalho, será analisado enquanto um sistema de
diversas redes comunicacionais informatizadas3, tais como a Internet,
Internet2, Kidsphere, Zamir, Intranets etc.
O espaço de fluxos de imagem, som, informação e de socialidade
definido pelo ciberespaço expressa uma “organização material das práticas
sociais de tempo compartilhado que funciona por meio de fluxos” (Castells,
1999, p.436)13. Cabe apenas lembrar que tais redes não estão somente no 3 Para um relato mais conciso dessas redes poderão ser consultados os seguintes endereços eletrônicos:
1 - Kidsphere, disponível no endereço: http://www.cfh.ufsc.br/~cso5421/bibliografias/modens.html ;
2 - Internet 2 disponível no endereços http://www.internet2.edu/;
3- Red Zamir disponível no endereço http://people.ac.upc.es/artur/redintermed.html 4 – Outras redes nos endereços http://www.vivaldo.hpg.ig.com.br/arquivos/inter01.doc e
http://www.webpuc.hpg.ig.com.br/index.html
25
espaço de fluxos. De acordo com Levy (1993, p.26)14, elas constituem o
próprio espaço.
O ciberespaço é parte integrante da sociedade contemporânea, logo é
uma realidade que a Geografia deve buscar compreender, enquanto uma
nova forma de materialização dos avanços da sociedade capitalista.
1.1 1.1 -- A Geograf ia do c iberespaço A Geograf ia do c iberespaço
As transformações entre relações sociais e forças produtivos, no seu
movimento dialético e historicamente determinado, implica constante
mutação. Desta forma, o ciberespaço deve ser compreendido como projeção
de um espaço geográfico constituído de um sistema de objetos e ações que
caracterizam a chamada sociedade informacional dos dias atuais. Isso
significa que o núcleo é o espaço e não ciber.
A necessidade de se determinar uma relação entre as realidades virtual
e real é um constante desafio para a filosofia.
Na evolução do Homem por Darwin, Barral15 (2000) sugere que se
poderia completar a árvore genealógica da evolução humana incluindo o
Homo virtuens nos dias de hoje. HALL16 ( (1959 p. 79) já dizia que “O h o m e m
de hoje em dia desenvolveu para tudo que costumava fazer com o próprio
c o r p o , e x t e n s õ e s o u p r o l o n g a m e n t o s d e s s e m e s m o c o r p o ”
O Homo sapiens, até então, estaria categorizado pelo seu mundo real,
o mundo das experimentações do tangível. O mundo de Newton, Copérnico
ou Decartes. O Homo Sapiens progrediu, depois da descoberta do fogo,
através do conhecimento empírico. A experiência era fonte do saber
26
humano. Hoje, de acordo com Morin17, “ o h o m e m n ã o s e d e f i n e m a i s
somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como
também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós
somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função
do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos
em função de mitos e crenças.”Enfim o homem é prosaico e poético. Como
dizia Hölderling: “O homem habita poeticamente na terra, mas também
prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da
poes ia ” . 4
O próprio Homo virtuens não tem mais o que fazer com esse real que
quase o angustia e sempre é redundante. Segundo Santos18, ( 1997 ) ,
“vivemos uma condição de perplexidade diante de inúmeros dilemas nos
mais diversos campos do saber e do viver. Que, além de serem fonte de
angústia e desconforto, são também desafios à imaginação, à criatividade e
a o p e n s a m e n t o ”
O olhar geográfico permite-nos investir no entendimento de um novo
momento da Geografia porque a percepção espacial, como vimos, está
mudando.
Um dos maiores abismos da Geografia está na dificuldade do geógrafo
discutir a ontologia do Espaço. Milton Santos e Soja, por exemplo,
4 Morin considera que há sete saberes fundamentais com os quais toda cultura e toda sociedade deveriam trabalhar, segundo suas especificidades. Esses saberes são
respectivamente as Cegueiras Paradigmáticas, o Conhecimento Pertinente, o Ensino da Condição Humana, o Ensino das Incertezas, a Identidade Terrena, o Ensino da Compreensão
Humana e a Ética do Gênero Humano.
27
analisaram o espaço como um “espaço do Historiador”, evitando tratá-lo
como o espaço filosófico, proposto por Descartes, Newton e Kant.
Na História, o tempo nasceu com a História e vice-versa, enquanto
que a Geografia não nasceu com Espaço e o Espaço não nasceu com a
Geografia. O espaço, principal conceito da Geografia, “sempre esteve no
mundo” independente da Geografia.
Se o espaço geográfico é o conceito que possibilita a análise do
ciberespaço, a relação espaço e técnica tornar-se um dos vieses
interpretativo da sociedade em rede.
Espaço aqui entendido por Milton Santos19 (1997 p..52) como " u m
sistema de objetos e um sistema de ações" indissociável, solidário e também
contraditório constituindo um quadro único no qual a história se dá. No
começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo
da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos,
mecanizados e, depois cibernéticos fazendo com que a natureza artificial
tenda a funcionar como uma máquina.
O sistema técnico atual está re(ordenando) a base material da
sociedade, e de acordo com Castells20 (1999 p.23) também remodelando as
relações de poder existente e a vida de seus integrantes. Milton Santos21
(1997 p..150), por exemplo, escreve sobre o sistema técnico atual,
lembrando que toda esta racionalidade que testemunhamos também reside
nos territórios, não sendo apenas mudanças no âmbito social e econômico. A
técnica está totalmente na evolução das práticas culturais e sociais que
28
transmutou ou se transmuta ao longo do tempo. Estes seriam pontos-chaves
para um processo de planetarização5.
Algumas técnicas, no decorrer da história, trouxeram benefícios para
uma melhor qualidade de vida ao homem, como por exemplo, a conquista da
cura de algumas doenças. Porém, em outros momentos marcantes da
história, a contra-partida não foi verdadeira. A criação da bomba atômica
capaz de desintegrar matéria pela radioatividade é um exemplo perverso.
A técnica, na verdade, conforme diz Milton Santos22 (1997), é atribuída
pelas relações condicionantes históricas sociais, econômicas e culturais bem
específicas, afinal, “a tecnologia é ao mesmo tempo ação que pressupõe a
existência/presença de um agente – e objeto, ou, em outros termos, uma
ação de um sujeito sobre um objeto. É composta por sistemas técnicos
inseparáve is de ações e de objetos , entre os quais se inscreve a
intencionalidade dos sujeitos. Assim entendemos que a técnica é impregnada
de intencionalidade para o bem ou para o mal da humanidade e sempre
depende rá das f o r ças p rodu t i v a s que e s t a r ão à f r en t e de l a ” .
Não iremos aqui ampliar a discussão fazendo um relato das revoluções
tecnológicas e seus os seus (des)avanços e sim registrar que esses avanços
tecnológicos, por si, não viabilizaram, até hoje, uma redução da miséria, da
fome, da exclusão social e espacial conforme fora idealizado por Karl Marx
5 A planetarização aqui é definida de acordo com Levy (5 ), isto é, “o retraimento do espaço onde a extensão e o adensamento das redes de transportes e de comunicação se
manifestam por um processo de interconexão geral que implica um retraimento do espaço prático e, no mesmo movimento, uma aproximação dos humanos e um alargamento de
suas perspectivas”
29
que atribuía a técnica, um salto de qualidade do capitalismo capaz de ter um
papel libertador para humanidade.
Estamos diante de uma Revolução Tecnológica ou um novo momento
técnico que se organiza em torno das tecnologias da informação? Ainda
desconhecemos todos os impactos da Internet na base da sociedade. A
Cidade Digital é uma das possibilidades para difundi-la, um caminho que
poderá alcançar a toda sociedade e trazer, em fim, as mudanças qualitativas
desejada pela humanidade ao longo da história.
30
1.2 1.2 -- A c ibergeograf ia e o c iberespaço. A c ibergeograf ia e o c iberespaço.
O Ciberespaço se caracteriza, de um lado, pela representação das
novas relações sociais em rede de computadores, e, de outro lado, pela
simulação (fazer com que algo existe), que é, de fato, apenas uma
possibilidade de exercício do real, uma configuração espacial onde os
objetos concretos, as ações inserem-se de uma maneira nova.
Um sentimento de pertencimento das coisas sem ter que estar
fisicamente próxima a elas. Sair do lugar estando fixo ao lugar. Um espaço
percebido pelo individuo, uma produção espacial sob o ponto de vista do
conhecimento e das trocas simbólicas. Um espaço não material de um
mundo virtual ou propriamente o ciberespaço.
Quéau23 tem uma definição sobre a sensação de estar na virtualidade:
“O ambiente virtual comporta um dualismo estrutural. De um lado, a
experiência do sensível, do mundo virtual, onde podemos “andar”, “ouvir”,
“tocar”; de outro, a modelização formal, inteligível, precedente a síntese da
i m a g e m ” .
O ciberespaço converge níveis funcionais que até agora estiveram
separados. Para Levy24, o ciberespaço é um novo espaço de interações
humanas que tem uma importância profunda, principalmente no plano
econômico e científico e, certamente, se estenderá a vários outros campos,
como, por exemplo, na Pedagogia, na Estética, na Arte e na Política.
No tocante a Geografia, Batty25 (1997) ao discutir o significado de
Ciberespaço e Cibergeografia, sugere uma análise do conceito de lugar e
espaço na Geografia para embasar e sugerir novos conceitos como C-espaço,
Ciberespaço e Ciberlugar (Figura3):
31
1 1 -- Lu Lu gar/espaçogar/espaço : conceito tradicional e objeto de estudo da
Geografia.
22 -- C C -- espaçoespaço : teorizações do c(omputador) espaço para o espaço do
computador e suas redes (networks);
3 3 -- C iberespaço C iberespaço : “novos espaços” que emergem do C_espaço pelo uso
dos computadores para a comunicação;
Batty26 afirma que: “Antes de tratarmos destas distinções, devemos
enfatizar que a introdução de novos termos como c -espaço é feita para
separar os usuários de computadores para games, design, vários tipos de
ciência, digitação de textos e assim por diante, do uso de computadores para
comunicações que é o tema tradicional do ciberespaço. Da mesma maneira,
ao distinguirmos os novos espaços computadorizados que separam o
ciberespaço do impacto do ciberespaço em lugares tradicionais legitimamos
a sua extensão como ciberlugar. Representamos estas diferenças na (Figura
3) onde mostramos como estes espaços evoluíram de um para o outro.
Nosso quadro faz uma distinção clara entre lugar e espaço onde estão
situadas as variedades da geografia e isto é dispor contra a geografia de
lugares e espaços únicos e relaciona-los com pontos centrais (nós) e redes”.
4 4 -- C ibe r lugar C ibe r lugar : o impacto da infra-estrutura do ciberespaço na
infraestrutura tradicional (do lugar).
32
F igura 3F igura 3
Sistema de representação geográfica do ciberespaço
Fonte: http: //www.casa.ucl.ac.uk/publications/virtualgeography.html
Segundo Batty, C-espaço surgiu na década de 50 do século XX, com o
desenvolvimento de modelos da Geografia quantitativa, passando por
aplicações de representações de sistemas geográficos, pela geografia
computadorizada, softwares de análise espacial, uso de CADs (computer-
aided design) e Sistemas de Informações Geográficas (SIG ou GIS) dando
ênfase a jogos educativos que transformam realidades num mundo virtual
dentro do espaço do computador. Os destaques seriam as aventuras (MUDS:
Multi-User DOMAINS ou ainda Multi-User Dungeons & dragonS), como por
exemplo, o SimCity ( 4), Civilization.
33
Figura 4
Cidade virtual do c_espaço
Fonte: Simcity4
http://gamespot.com/gamespot/stories/screens/0,10865,2874808,00.html
Apesar de as utopias serem feitas a séculos, os computadores
promovem a criação de lugares imaginários e o início das relações digitais
em que jogadores distantes entre si podem interagir através das redes
informáticas no ciberespaço.
Desta forma, Batty define o ciberespaço como o lugar onde haveria
uma interatividade remota. Neste caso, o ciberespaço apresenta diferenças
em relação ao ciberlugar.
O Ciberlugar assume, portanto, a definição de que é o local onde está a
infraestrutura física dos fios e ligações, sejam elas aéreas sejam terrestres,
34
que forma a rede informacional. Podemos identificá-lo, na maioria das vezes,
como a base física e real da infraestrutura que possibilita a transmissão de
informações (fluxos). Nesse sentido, é como se o ciberlugar fosse uma forma
de reificação das relações sociais que se realizam na rede de computadores.
A sugestão de Batty para novos conceitos como c-espaço e ciberlugar
parece não ter correspondência com as discussões teórico-metodológicas
que se travam na Geografia. O lugar passou a ser sinônimo de local da infra-
estrutura do ciberespaço e o espaço geográfico se resumiu ao espaço do
computador e suas redes. De acordo com Mitchel27 (2002, p..27), “o e s p a ç o
urbano é, cada vez mais, caracterizado por casas-escritórios, bairros 24
horas, locais de reunião mediados eletronicamente a longa distância,
s i s t e m a s d e p r o d u ção, comercialização e distribuições flexíveis e
de s cen t r a l i z ados ” . Isso reafirma, mais uma vez, que o diferencial de análise
do espaço geográfico está em perceber que o ciberespaço é uma nova de
forma de potencializar as relações sociais e os avanços das forças
produtivas, ou seja, uma nova forma diferenciada de (re)produção do espaço
geográfico.
Giddens (1994)28, ao analisar as conseqüências da modernidade, no
final do século XX, apresenta um conceito importante para nossa análise.
Para ele, os avanços tecnológicos da sociedade moderna têm permitido um
distanciamento progressivo dos indivíduos de suas referências de tempo e
espaço, chamado de “desencaixe” ou “des-envolvimento”. A dinâmica
socioespacial cria o espaço virtual como novas formas de contatos
interpessoais. Baseado nestas concepções de tempo e espaço, o desencaixe
seria o deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e
35
sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço. Daí
emerge o que denominamos de ciberespaço, isto é, um dos processos
contemporâneos de desencaixe, promovido pela telemática.
Quando se fala em ciberespaço é comum pensar em algo que não nos
é palpável, imaterial, um lugar distante de nossa realidade, onde relações
sociais, culturais, econômicas ao se estabelecerem se fazem no imaginário,
“algo de outro mundo”, um ambiente futurístico, um divertido desenho
animado dos Jetsons (Figura 5), criação de Bill Hanna e Joe Barbera. Essa é
uma visão idealista do tempo e do espaço. Algumas tentativas de explicar o
ciberespaço esbarram numa postura idealista, com todos os seus matizes, ou
seja, procuram negar a realidade objetiva do espaço como forma de
existência da matéria.
Figura 5 Idealização de uma sociedade futurística
http://www.animationusa.com/hbe.html
http://www.vegalleries.com/hbltd/Jet02.jpg
fonte: http://www.vegalleries.com/hbltd/Jet02.jpg
36
Um dos principais filósofos idealistas, partidário de uma concepção
subjetiva do espaço e do tempo foi Emanuel Kant29. Para ele, tempo e espaço
eram duas formas de representação sensitiva, ou seja, uma forma de
contemplação dos sentidos. No entanto, o ciberespaço não é somente uma
sucessão de imagens e sensações do indivíduo que teleinterage com a
máquina, a fim de manter contatos com um “mundo mágico”, é também uma
nova expressão material da sociedade contemporânea.
Mas que mundo é este que muda a nossa noção de tempo e espaço?
Ao buscar conhecer a origem da palavra cyberespace, a sua e timologia,
encontramos· sua formação a partir de cyber que significa “homem do leme”,
“piloto”. O termo “Cibernética” designa o “estudo dos mecanismos de
controle do animal e da máquina” e do espaçoespaço . Logo, a idéia do cyberespace
emerge como "espaço de controle6“ (Figura6).
Ciberespaço remete à cibernética, que é a ciência do controle à
distância. CAMPA30 afirma que “esta etimologia não se explica, por si só. Por
que o termo introduzido quase casualmente pela sua sonoridade" ganhou em
poucos anos tal voga e importância? O mesmo não acontece com outras
palavras ou expressões que são, freqüentemente, utilizadas como sinônimas
de cyberespace, como, por exemplo, cyberia, espaço virtual, mundos virtuais,
6 Se o ciberespaço é um espaço de controle e de dominação, logo podemos entender que
uma das formas de análise do conceito de território na Geografia passa pelo advento de relações sociais e forças produtivas marcadas por forte conteúdo técnico-científico-
informacional, base das novas redes comunicacionais.
37
dataspace, domínio digital, reino eletrônico, esfera da informação, etc.
Woolley31, (1992 p. 123).
A palavra controle, apesar de dupla interpretação7 , é aqui
compreendida como uma possibilidade de controlar (dominar) a rede. Logo
existe um controle, um poder.
Rocha32 complementa a discussão da seguinte forma:
“A teoria do controle em cibernética nos dá sem maiores complicações
os objet ivos prát icos dos movimentos e a necessidade prát ica da
informação”. “O espaço de fluxos trata exatamente de um lugar não espacial,
localizado na interação da intensidade de informações e controle dos
m e c a n i s m o s , s e j a m b i o l ó g i c o s o u m e c â n i c o s ”.
Levando em consideração que a maioria dos fluxos globais estão
diretamente condicionadas a passagem pelos backbones americanos,
indiretamente, os usuários da rede, ao mesmo tempo em que recebem
“proteção” por parte dos americanos controladores destes backbones,
também podem ser “banidos” através de recursos que os empeçam o tráfego
na rede.
7 A definição de controle pode ser entendida de duas formas. A primeira positivamente quando se refere a um controle necessário a um bem estar, isto é, um controle desejável.
“Tudo está sob controle” e a segunda interpretada a partir de uma submissão no sentido de um controle social, de um controlar o outro subalternizar o outro enrolando o outro.
Controlar o outro.
38
F igura 6F igura 6
Os centros de gestão do ciberespaço
Fonte: Internet
1.3 1.3 –– O poder, informação e control O poder, informação e controle no ciberespaço: Uma nota.e no ciberespaço: Uma nota.
O poder, do ponto de vista clássico, está vinculado a explicação
racionalista em que era associado a Figura do Rei. Focault33 inicia uma
interpretação de poder pela leitura da natureza e das relações de poder,
contribuindo muito para o entendimento das relações políticas. Focault
procura descrever um poder infinitesimal pulverizado, isto é, um poder
capilar que se exerce sobre o corpo ativo, objeto de controle, cuja economia
39
é almejada na eficácia dos seus movimentos. Toda uma cerimônia do
exercício, do movimento, está se constituindo. Esta modalidade do poder
atua constantemente, no tempo e no espaço. Avançando a discussão,
Baudrillard (1995, p 11)34 aplica a teoria marxista aos dias de hoje e chama a
atenção para o fato de que nas transformações atuais não é mais possível
separar os domínios do econômico, do cultural, ou ideológico, porque
artefatos culturais, as imagens, as representações e até os sentimentos e
estruturas psíquicas tornaram-se parte do econômico:
...“Tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objetos deixam
totalmente de estar em conexão com qualquer função ou necessidade
definida, precisamente porque respondem a outra coisa diferente, seja ela a
lógica social, seja a lógica do desejo, as quais servem d e campo móvel e
inconsc iente de s ign i f i cação” .
Baudrillard35, de certa forma, coloca-nos que a realidade em Foucault,
não é posta em questão.
...”Hoje não pensamos o virtual, é o virtual que nos pensa. E essa
transparência imperceptível que nos separa definitivamente do real nos é tão
incompreensível quanto pode sê-lo para a mosca o vidro contra o qual ela se
choca sem compreender o que a separa do mundo exterior. A mosca nem
sequer imagina o que põe fim a seu espaço. Do mesmo modo, nem sequer
imaginamos o quanto o virtual já transformou, como por antecipação, todas
a s r e p r e s e n t a ç õ e s q u e t e m o s d o m u n d o ” .
...Se há efetivamente uma revolução do virtual, é preciso compreender
seu sentido e deduzir todas as suas conseqüências, mesmo se nos
reservamos a l iberdade de recusá-lo pela raiz. Se não há apocalipse (e,
40
virtualmente, já nos encontramos dentro dele: basta constatar a devastação
de todo o mundo real), isso vale também para as demais categorias.
“....O social, o político, o histórico e mesmo o moral e o psicológico
_todos os acontecimentos dessas esferas são virtuais. Ou seja, é inútil
buscar uma política do virtual, uma ética do virtual etc., pois a própria
política tornou-se virtual, a própria ética tornou-se virtual, no sentido de
que ambas perderam seu princípio de ação e sua força de realidade.”
O poder também foi analisado por Castells36 (1999), sob a ótica da
identidade e das relações entre Estado – nação e democracia, a partir do
estudo das relações de identidade cultural, movimentos sociais e políticos.
Neste caso, as redes comunicacionais teriam um campo fértil na
disseminação da cultura, do discurso e na construção de uma identidade
coletiva.
A Informação diante das novas tecnologias tem apoiado o
desenvolvimento social, político e econômico dos países e em função da
globalização, fazendo uma análise otimista, deveria objetivar o bem social.
Uma neutralidade no ciberespaço, da informação e da técnica nos
permitiria pensar que todos da rede teriam um espaço comum, sem controle,
onde as pessoas pudessem, também praticar a “convivência” democrática
com direitos e responsabilidades. Dos efeitos ou das conseqüências das
informações que residem e trafegam na rede, é possível identificar a
intencionalidade das respectivas redes. A forma, a seleção, em preparar a
informação, seja ela através de agencia de informação com poder
(econômico), lobby, de movimentos criminosos, movimentos sociais e com
divisão (internacional) do trabalho, poderá ocasionar um controle, um poder,
41
dos meios telemáticos. Neste caso, não somente técnico ou de acesso às
estruturas físicas de rede, mas também através das hegemonias que se
projetam a partir destes movimentos.
À medida que o homem detém informação, ele ganha poder. Em outra
escala, os países desenvolvidos detém uma capacidade maior de produzir
informação e aplica-las para o seu conhecimento diferenciando das nações
subdesenvolvidas, sem poder. A Informação e poder estão sempre
imbricados, isto é, não há neutralidade de informação em relação ao poder
ou vice-versa. A rede é capaz de processar e armazenar informações em
função da técnica. Desta forma, os usuários da rede que se beneficiam
comunicando-se uns com outros, criando networks, buscando dados,
criando movimentos, e etc, também disponibilizam os seus dados e bancos
de dados ao crime, ao governo e aos interesses privados que articulam e
colecionam, as informações a seu respeito. Não podemos deixar de
mencionar o fato que o ciberespaço privatiza “espaços” e, portanto os
domínios virtuais estão sendo ocupados por aqueles que tem acesso a
informação.
De qualquer forma, as discussões sobre os (des)avanços tecnológicos
ainda estão longe de terminar, justamente porque não conhecemos ainda os
impactos que o ciberespaço é capaz de propiciar qualitativamente ou não, a
humanidade. Mitchel, (2002, p.30)37 acredita, que ”o ciberespaço não trará
um futuro cintilante e progressista, mas também não será catastrófico,
igualmente dogmát ico e determinista de que a revolução dig i ta l
obrigatoriamente vai reafirmar os padrões existentes de poder e privilégio
atropelando tradições valiosas no caminho”. Ele, ainda faz uma crítica quanto
42
às posições conflitantes de utopia e catástrofe entre “digifilos” “digífobos” e
os “neoluditas” com visões míopes de um determinismo tecnológico ingênuo.
“... Da d ireita governamental ista vem a idéia de que, como a
tecnologia digital pode melhorar a nossa situação, e ela fará desde que não
se toque no mercado. Da Esquerda legalista vem a réplica de que, como os
ricos e poderosos são sempre os primeiros a se beneficiar das novas
tecnologias e os mercados não são amigos dos marginalizados, precisamos
de uma vigorosa intervenção do governo para garantir que os computadores
e as telecomunicações não criem um abismo digital intransponível entre os
que têm e os que não tem . Já os neoluditas estão totalmente convencidos de
que temos mais a perder do que ganhar, e por isso deveríamos cavar
t r i nche i r as e r es i s t i r . ”
Michel sugere assim uma forma de se criar uma perspectiva ampla,
crítica e voltada para ação. E isto já está ocorrendo através de esforços por
parte de algumas entidades e grupos desconhecidos.
Na guerra pelo poder, o ciberespaço aparece como um forte aliado e
um instrumento estratégico para as ações do espaço real. Vejamos alguns
exemplos:
a a –– Os Zapat is tas (F i Os Zapat is tas (F i gura 7 )gura 7 )
Os zapatistas foram, segundo Castells38 (1999), o primeiro movimento
de guerrilha informacional. Desenvolveram uma rede de comunicação que
chamou a atenção para a questão indígena do México e passaram a explorar
a descentralização e a transmissão horizontal das informações.Os zapatistas
mudaram o modo clássico de atuação das guerrilhas latino-americanas não
só pela sua concepção de busca de transição pacífica para uma nova
43
sociedade – em oposição à conquista do poder pela força –, como também, e
principalmente, pelo uso das novas tecnologias.
Figura 7 Os Zapatistas
Fonte: http://flag.blackened.net/revolt/mexico/begindx.html
44
b b -- O Mov imento RAWA O Mov imento RAWA
A Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão ou RAWA
(sigla em inglês), durante o regime fundamentalista islâmico Taliban e a
partir de 1997, usaram e usam a internet para denunciar a submissão que
foram imposta.(Figura 8). Hoje elas aparecem sem as burcas (Figura 8 e 9),
vendem revistas, disponibilizam músicas, datas de eventos, divulgam as
atividades sociais, possuem uma lista de discussão e, através de clips
perpetuam a história das mulheres afganistans.
Figura 8 Rawa Photo Gallery 1
Fonte: http://rawa.fancymarketing.net/gallery.html
45
Figura 9 Rawa Photo Gallery 2
Fonte: http://rawa.fancymarketing.net/gallery.html
Alguns delitos ainda comprometem o exercício da cidadania no
ciberespaço e algumas instâncias governamentais, policiais e judiciárias
estão inciando um processo de investigação para repressão das práticas
ilícitas.
Merece destaque a descoberta do potencial cibernético para as práticas
terroristas, como a que foi internacionalmente divulgada em vários jornais8
quando a CIA (Agência de Inteligência Americana) confirmou suspeitas,
8 Vários foram os jornais que publicaram esta matéria. Um deles foi o Globo no dia 28 de junho de 2002 , cujo o título era “EUA temem a taque c iberné t i co da a lEUA temem a taque c iberné t i co da a l -- Qaeda” por Qaeda” por Toby Harnden - Do Daily Telegraph
46
durante interrogatórios aos prisioneiros da al-Qaeda, na base americana em
Guantánamo -Cuba, que havia planos de usar membros da rede terrorista
para acessar sites, programas e instruções para operações digitais
relacionadas a cursos de água, energia elétrica e equipamentos de
comunicação para atacar os EUA. Osama bin Laden estaria estudando como
lançar ataques devastadores através do ciberespaço, assumindo o controle
de comportas de represas e usinas de energia por meio da internet. Em
janeiro de 2002, agentes apreenderam computadores portáteis da al-Qaeda
no Afeganistão que indicavam o ataque através do espaço cibernético é uma
possibilidade real. Havia Registros em computadores de modelos de
represas, além de um programa de simulação de um defeito que teria
conseqüências catastróficas. De acordo com o FBI (Polícia Federal
Americana), o computador também tinha Microstran, um equipamento para
análise de estruturas de aço e concreto. Não seria nada impossível se
comparado ao feito, de um menino de 12 anos que comandou, em 1988 uma
represa americana através do controle das comportas, impedindo a saída de
1,8 trilhão de metros cúbicos de água. Os terroristas9 no ciberespaço
estariam dispostos a derrubar rede de computadores, atrapalhar os fluxos
financeiros, destruir banco de dados eletrônicos, interromper comunicações
e bloquear o fornecimento de energia e os meios de transportes.
9 Relativizando a atuação dos terroristas, ainda que o objetivo fim seja o mesmo, o
ciberespaço representa para o terrorismo novas possibilidades de ações. Os alvos podem ser atingidos a distância provocando impactos no espaço físico. Essa estratégia propicia uma
maior mobilidade e dinâmica das ações. Enquanto que, no espaço real, além das dificuldades geradas pelas necessidades de acesso, existe uma questão maior que é o
enfrentamento físico.
47
A Grande estratégia de defesa americana para os ataques terroristas é
a ferramenta Echelon39. Um sofisticado sistema de espionagem, via satélite,
mantido pelos EUA e alguns de seus aliados que submete ao controle da
megapotência, tudo o que circula por telefone, fax e e-mail. O significado da
palavra refere-se a níveis dentro de um sistema, ou organização ou níveis de
ataque em uma batalha. Codinome do mais sofisticado e ilegal dos sistemas
de segurança da história da humanidade. De acordo com o Relatório Alfa10,
o sistema funciona por meio de cinco bases terrestres de recepção operando
com supercomputadores, cinco satélites retransmissores e mais de 200
satélites captadores, que cobrem o planeta (na verdade há falhas na China).
Ele detecta conversas telefônicas e posicionamento de "linhas" celulares com
precisão de poucos centímetros e pode ser usado para bombardeio “linkado”
a GPS. O sistema opera com decodificador de voz e sistema de tradução
multiligual em tempo real (patenteado pela NSA e indisponível no mercado
comercial). Por meio do Echelon é possível monitorar pessoas "alvo"
específicas ou simplesmente manter os computadores buscando
aleatoriamente telefonemas, faxes e e-mails que estejam usando um grupo
de palavras chave chamadas de "dicionários echelon". São dicionários
configuráveis.
O Ciberespaço também foi descoberto pelo tráfico (Figura 10) porque oportuniza a venda de drogas e a comunicação entre os integrantes das facções.
10 O relatório Alfa é um site jornalístico e pode ser acessado pelo endereço
http://www.relatorioalfa.com.br
48
Figura 10 FARC – EP
Fonte: http://www.portalfunk.kit.net/materias.html
49
Nos sites alguns temas são destaques, por exemplo, a história das facções criminosas,11 quem domina as favelas entre outros (Figura 11).
F igura 11F igura 11
Temas dos Funke i rosTemas dos Funke i ros
Fonte: http://www.portalfunk.kit.net/materias.html
O Controle do ciberespaço também pode servir para o monitoramento
das atividades dos funcionários na internet. Um estudo conduzido pela
Privaty Foundation40 mostra que 40 milhões de trabalhadores norte-
americanos, cerca de 14 milhões (35%) são monitorados no seu uso de
internet no escritório. Mundialmente a taxa é menor. De 100 milhões de
empregados, 27 milhões são rastreados.12
11 Favelas estão dominadas. Portal do Funk http://www.portalfunk.kit.net/favelas.html - 12 Fonte: UOL/Cnol
50
1.4 1.4 –– As tenta t i vas de de f in i ção do c iberespaço As tenta t i vas de de f in i ção do c iberespaço
Willian Gibson41 (1991), em seu livro “Neuromancer”, foi o primeiro
autor a utilizar o termo para designar este ambiente artificial, onde dados e
relações sociais trafegam (ou navegam?) indiscriminadamente. Para ele, o
conceito de ciberespaço é o de um espaço não físico ou territorial no qual
uma alucinação consensual pode ser experimentada diariamente pelos
usuários. O ciberespaço é a “MATRIX” abstrata invisível que permite a
circulação de informações na forma de imagens, sons, textos etc. Este
espaço virtual está em vias de globalização planetária e já constitui um
espaço social de trocas simbólicas entre pessoas dos mais diversos locais do
planeta. O grande perigo está no controle de tal “Matrix”. O importante não é
saber quem a controla, mas quais são os reais objetivos políticos desse
controle.
Pierre Levy 42 afirma que o espaço cibernético é a instauração de uma
rede de todas as memórias informatizadas e de todos os computadores.
De acordo com Benedikt, apud Serra43 (1995), o ciberespaço tem as
seguintes características:
1 - Ilimitado (entra-se no ciberespaço através de qualquer computador
ligado ao sistema; a partir de todo e qualquer lugar do planeta;
2 - Virtual (existe em toda parte e em lugar nenhum, é um lugar em
que nada se esquece e, no entanto, tudo muda),
3 - Mental (é uma "geografia mental", construída simultaneamente por
"consenso e revolução e experimentação...");
4 - Elétrico (os seus "corredores" se formam em qualquer lugar onde
haja eletricidade);
51
5 - Intemporal (a partir das bases de dados que o constituem, é
possível presentificar o passado e o longínquo);
6 - informacional (é o "reino da informação pura" sem qualquer
ineficiência).
Serra chama a atenção para o fato de que:
“... Em todas as culturas sempre existiu uma "geografia mental", uma
" m e m ória coletiva", uma "alucinação" (constituída por Figuras, símbolos,
regras, verdades míticas, contos, etc.), que é propriedade de todos e se
encontra livre dos limites do espaço e do tempo. Contudo, nem sempre a
terminologia utilizada, neste domínio, é cla ra ou unívoca. Isso se nota, por
exemplo, quando procuramos distinguir (e relacionar) conceitos como os de
" c i be respaço " e " r ea l i dade v i r t ua l " .
Além de Serra e dos autores supracitados, as tentativas de definição do
ciberespaço são inúmeras. Entretanto, algumas se destacam pela relevância
de seu conteúdo para análise da Geografia do Ciberespaço.
No dicionário dos H a c k e r s 13, encontramos uma definição que designa
o ciberespaço como o conjunto das redes de computadores interligadas e de
toda a atividade aí existente. É um espaço virtual, onde as pessoas e grupos
sociais se relacionam virtualmente, por meios eletrônicos.
No Guia das bibliotecas Universitárias na Internet44, o glossário
apresenta uma definição que complementa a anterior, porque define o
ciberespaço como um espaço, como a Internet, no qual as pessoas interagem
13 Habitualmente (e erradamente) confundido com "cracker", um hacker é, pela ultima
definição dada, um "Problem Solver" - aquele que resolve. Problemas. http://geocities.yahoo.com.br/florindo_marques/hacker/ataques02.html
52
por meio de computadores conectados. Uma característica distintiva do
ciberespaço é que a comunicação é independente de distância física. Do
ponto de vista geográfico, o importante é sempre ter em mente a
indissociabilidade entre espaço real e ciberespaço. As pessoas ligadas em
redes podem interargir com outros indivíduos em várias partes do planeta,
ao mesmo tempo, no ciberespaço. Mas ainda assim, estamos falando de
espaço geográfico.
Para Flamiron14 (2001), Ciberespaço é definido como produto da
interconexão mundial dos computadores. A internet se definiria como
arquétipo do ciberespaço, ou seja, a rede das redes que congrega o
ciberespaço também se denomina rede.
De acordo com Moraes45, o ciberespaço é indeterminado, sem
controles aparentes, sem local nem tempo claramente assinaláveis.
No site da Cyber society46, o ciberespaço é definido como espaço
social de trocas simbólicas possíveis graças às novas tecnologias da
comunicação, em especial a Internet, que se utilizam largamente do
processo de digitalização, promovendo a construção de uma nova sociedade
de forma virtual.
“... Dentro do domínio da telemática as pessoas estão desenvolvendo
as suas potencialidades nos processos relacionais e ampliando, como
extensões, os usos dos meios comunicacionais e informáticos para interação
humana num grandioso mundo máquinico, a sociedade cibernética”.
14 Flamarion Tavares Leite é mestre em filosofia, doutor em Direito pela PUC-SP e especialista em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal pela Universidade Técnica
de Lisboa/UnB/ESAF.
53
Carvalho47 define o Ciberespaço como “um novo meio em que todos os
conhecimentos humanos estão confluindo g radativamente, é um espaço de
virtual idades que se projetam em nosso cotidiano e nos dão asas,
mu l t i p l i c ando as poss ib i l i dades i ne ren tes ao p róp r io mundo ”.
Não podemos deixar de mencionar a obra de Negropontes48 que
enfatiza o quanto de cooperação e colaboração se obtém no ciberespaço
construindo uma nova vida digital, apesar de considerarmos que não seria
uma nova vida e sim um cotidiano15 um espaço vivido. Negropontes ainda
aponta as questões referentes à multimídia, telepresença, teletrabalho e a
arte compartilhada pelas super infovias.
Apesar de várias tentativas de definição, podemos compreender que o
Ciberespaço é um espaço, resultado de uma rede técnica e de novas relações
sociais. A dinâmica imaterial do ciberespaço é apoiada no avanço das forças
produtivas do sistema capitalista, na sua busca incessante de aumentar a
velocidade de rotação do capital e das transações mercantis e financeiras em
escala planetária e é também resultante das tecnologias voltadas para a
Guerra, como a Internet. Para tanto, todo um investimento em tecnologia de
informação se apresenta. As grafias deixadas pelas técnicas no atual estágio
de produção social do espaço se expressam nos sistemas de satélites, cabos
de fibra ótica, teleportos, rede de computadores com inovações constantes
em softwares, hardwares etc. (Figura 12).
15 De acordo com Milton Santos (1997 p.157) o papel que a informação e a comunicação alcançaram em todos os aspectos da vida social, o cotidiano de todas as pessoas se
enriquece de novas dimensões. Entre estas, ganha relevo a sua dimensão espacial, ao mesmo tempo em que este cotidiano enriquecido se impõe como uma espécie de quinta
dimensão do espaço banal, o espaço dos geógrafos.
54
Figura 12 Comunicação Global de Cabo e Satélite 2002 _ TeleGeografia
Fonte: TeleGeography http://www.telegeography.com/pubs/networks/maps/cable/large_image.html
55
O Ciberespaço pode ser também compreendido a partir de duas
perspectivas:
1 – Como via expressa de informação através da conexão de
computadores em rede.
2 - Como realidade virtual”.
Para que se possa ter acesso à via expressa de informação, é
necessário que sejam estabelecidas as “condições ambientais” do
ciberespaço. O ambiente construído é a expressão material que permite
conexão com um novo sistema de relações sociais. Tais condições são
possíveis a partir de um arranjo espacial que inclui o computador, monitor,
teclado, mouse, linha telefônica, provedor de acesso, redes telemáticas e
outros meios eletrônicos capazes de conectar pessoas com o ciberespaço.
Estas formas estáticas, as quais estamos fisicamente ligados, transportam
fluxos de dados (imaterial), através da virtualidade, para um mundo onde
prevalecem as sensações.
Como afirma Kellogg49 (1992), “o ciberespaço é um complexificador do
real”. Ele aumenta a realidade, já que supre nosso espaço físico em três
dimensões de uma nova camada eletrônica. No lugar de um espaço fechado,
desligado do mundo real, o ciberespaço colabora para a criação de uma
"realidade aumentada". Ele "faz da realidade um ciberespaço" (Figura 13).
56
Figura 13 O mundo na tela do computador
Fonte: Internet e Socinfo e Internet
Para que possamos prosseguir, faz-se necessário esclarecer o que
entendemos por “realidade virtual”. A associação dos termos "realidade" e
"virtual" é um contra-sentido, pois o primeiro refere-se àquilo que, de fato,
existe enquanto o segundo diz respeito àquilo que não se concretizou.
A realidade virtual é uma representação de "uma forma visual do
ciberespaço", "creatio ex-nihilo". Isto é, criação a partir do nada; enquanto os
gregos atribuíam a gênese do mundo à obra de Deus e viam-na como
elaboração de matéria preexistente.
Segundo Howard Rheingold50, a realidade virtual é a tecnologia que
emerge o Ego num mundo criado e gerado por computador - um quarto,
57
uma cidade, um sistema solar, o interior do corpo humano – inserindo-o
numa ciberexistência16.
Trata-se de uma alteração radical na forma de conceber o tempo e o
espaço, e mesmo os relacionamentos. Segundo Pierre Levy51 (1996, p.16), “o
virtual não se opõe ao real e sua efetivação material, mas sim ao atual”.
Filosoficamente, o virtual é entendido como o que existe em potência e não
em ato. O virtual é extensão do real, ou seja, é um real latente. As imagens
virtuais fazem mediação da realidade.
De forma a avançar na contribuição de Levy, é importante pensar este
virtual também como uma forma de potencializar a experiência com o
espaço. Não podemos abandonar esta idéia de experiência. O Virtual não
potencializa a experiência com o espaço? Assim sendo, o virtual seria uma
dimensão que se agrega as demais dimensões do espaço.
O tempo instantâneo e espaço virtual são os novos vetores que se
inserem e se articulam ao ambiente construído pela sociedade em rede
telemática. O ciberespaço permite inúmeras possibilidades do mundo real.
Desse modo, podemos afirmar que o ciberespaço não está desconectado da
realidade.
16 Procuramos compreender melhor o termo ciberexistência uma vez que a sua explicitação não acompanha a citação de Rheingold e a encontramos no trabalho de Souza, Cristiane
Pereira, no site, cujo endereço é: http://www.citi.pt/estudos_multi/homepages/espaco/html/ciberexistencia.html, Para ela a
Ciberexistência a Telepresença, televirtualidade e outras formas de ciberexistência caracterizam-se por uma crescente e sutil dissociação do corpo e da ação. Através de
viagens tridimensionais, a possibilidade de navegarmos para onde quisermos tornou-se numa realidade. Não só visitamos locais que existem de fato, mas aventuramo-nos por
situações e cenários, criações do nosso imaginário coletivo já desde tempos ancestrais.
58
No ciberespaço, o espaço de fluxos realiza um processo de
desmaterialização das relações sociais conectadas em rede. O que antes era
concreto, palpável e material adquire uma dimensão imaterial na forma de
impulsos eletrônicos. Isso não significa a desmaterialização do espaço
geográfico enquanto produto das práticas sociais. É apenas mais uma
dimensão do espaço.
Ao mergulhar no ambiente do ciberespaço, o usuário experimenta
uma sensação de “abolição do espaço” e circula em um espaço virtual, no
qual as referências de local e caminhos que ele percorre para se deslocar de
qualquer ponto a outro se modificam substancialmente.
Na rede do ciberespaço surgem pontos de fixação de relações sociais
acessados por uma chave eletrônica. Quando enviamos uma correspondência
por e-mail, ou visitamos um determinado site ou link, desconhecemos o
caminho ou rota pelo qual se realiza o encontro. A guisa de exemplificação
podemos dizer que ao enviar um e-mail do Rio de Janeiro para Niterói, não
sabemos qual é a infovia percorrida. Não podemos descrever a paisagem
pela qual a comunicação percorre. Os provedores de acesso são inúmeros,
podemos até imaginar que para sair do Rio de Janeiro e chegar a Niterói o
percurso possa ser via São Paulo. Logo, as referências de lugar ganham nova
dimensão.
Estamos, então, diante do debate entre lugar e “não-lugar” (Marcondes
Filho: 1996 p.146-7)52. O lugar normalmente é associado a uma
materialidade definida por relações simbólicas, míticas, identitárias e
históricas do grupo social que ali reside. O não-lugar, por sua vez, seria
marcado por uma relação com o espaço sem tais pressupostos (Augé: 1994,
59
p.s.73-77)53. Como exemplo de não-lugar, Augé inclui os lugares de
passagens, de não fixação e da ausência de identidade sentida pelas pessoas
que os freqüentam, tais como os aeroportos, “s h o p p i n g - c e n t e r s ”, auto-
estradas etc17. No ciberespaço, o não-lugar é caracterizado como passagem
e momento de fixação de uma consciência individual e solitária assentada em
relações identitárias que o usuário da rede constrói, em sua memória, diante
da tela do computador e dos movimentos de imagens aí registrados. Esse
lugar, que propomos chamar de “lugar virtual”, diverge da definição de Augé,
pois na rede é possível uma relação de convivência de pessoas, produzindo
identidades expressas nas tribos eletrônicas. Temos, portanto, um novo
referencial do espaço vivido enquanto produto das relações humanas
mediatizadas pela revolução telemática, impondo novas formas de
pertencimento destituídas da materialidade dos lugares, tal qual até então
concebemos. Ou seja, na rede o indivíduo pode pertencer a um lugar que
não existe, já que este se apresenta como simulacro (Figura 14).
Figura 14 Lugares virtuais na rede
Fonte: Internet
17 Relph, Edward (1976) já havia proposto o conceito de placelessness (deslugar) para as
paisagens monótonas, clonadas e desprovidas de identificação, tais como auto-estrada, os viadutos, conjuntos habitacionais etc. Relph, todavia, ressalta que para os usuários de tais
localidades é possível que elas assumam um sentido de lugar.
60
Embora possa ser esvaziado de afetividade e sem história, esse “lugar”
dá sentido a um tipo de relação social através de um acesso, que é via chave
eletrônica, ou seja, de um endereço (www, @, FTP, ICQ, etc) que identifique o
domínio de onde o usuário está inserido. De acordo com Cardoso54 (1997),
tal conexão difere do uso de um telefone ou fax, visto que as locações são
materialmente indeterminadas.
As características do “lugar virtual” residem na imaterialidade, tempo-
real e interatividade. Tais aspectos possibilitam relações sociais simultâneas
e acesso imediato a qualquer parte do mundo, inaugurando uma nova
percepção do tempo e das relações sociais.
É no anonimato do “lugar virtual” que se experimenta solitariamente
uma nova sociabilidade. O viajante pode caminhar por diversas infovias até
encontrar o grupo ou tribo que mais se assemelha, ou informações. Ao
encontrar sua tribo, o indivíduo se fixa neste endereço eletrônico e passa a
experienciar e compartilhar de um lugar virtual e marcado por relações de
pertencimento de caráter ideológico, afetivo, sexual ou racial.
Por que o ciberespaço tem atraído tanto info-sociedade, ou seja, os
grupos de pessoas conectadas em redes de comunicação via telemática?
Acreditamos que as comunidades virtuais estão atreladas a uma nova
efervescência social construída a partir de um relativo anonimato. No
ciberespaço, as pessoas são capazes de interagir sem, no entanto, necessitar
divulgar sua identidade. É possível adquirir múltiplas faces, utilizar diferentes
máscaras, e revelar os seus desejos mais íntimos. Ser o que gostaria de ser
no “mundo real” e o que não é devido às leis sociais.
61
Logo, o ciberespaço possibilita a emergência de uma socialidade que se
contrapõe a uma sociabilidade do mundo real. Para Michel Maffesoli55 (1984),
a socialidade é um conjunto de práticas quotidianas que escapam ao controle
social rígido e, ao mesmo tempo, um verdadeiro substrato de toda vida em
sociedade. A socialidade do ciberespaço é uma forma de contracultura.
Diversas “tribos eletrônicas” 18 buscam uma maneira não convencional de ser
ou pertencer a um imaginário coletivo no qual as pessoas compartilham suas
ideologias, fantasias e anarquias. Este imaginário coletivo pode tomar
diferentes formas e criar grandes movimentos de massa com uma força
capaz de definir revoluções políticas e econômicas a ponto de interferir
diretamente na realidade de um espaço concreto, real.
Como exemplo, podemos citar os grupos de hackers que atacam
sistemas de defesa e financeiros e a formação de grupos de solidariedade
que buscam interferir em diversos momentos da vida política e econômica de
um país em escala global, bem como defender apoio às diversas
territorialidades como as dos seringueiros e índios da Amazônia brasileira. A
sociabilidade, por sua vez, caracteriza-se por relações institucionalizadas e
formais de uma sociedade, isto é, uma maneira convencional de “estar em
sociedade”, de pertencer a uma determinada sociedade (Maffesoli, 1984)56. A
comunicação entre os integrantes de um grupo de pessoas reside na
utilização de um conjunto de simbologias pré-determinadas. As relações de
18 O Conceito de, tribo enquanto Micro-grupo e o neo-tribalismo como um novo vinculo
social, a partir das emoções compartilhadas, um sentimento coletivo com uma perspectiva global que integre a vivência e o sentimento comum, ao invés de dominar o mundo,
transforma-lo ou muda-lo. Um deslocamento da ordem mecanicista, para uma estrutura orgânica (onde partes formam um todo). definido por Maffesoli, no livro O Tempo das Tribos. O Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa" , RJ, Forense Universitária, 1987.
62
sociabilidade, às vezes, retratam um “ser” artificial, simulado, dissimulado e
estereotipado enquanto a socialidade retrata o ser como ele é.
A socialidade eletrônica incide diretamente na pós-modernidade,
provocando uma transformação do caráter social em função dos novos
tempos e uma nova agregação social. É nela que os valores tribais se
socializam e crescem para o conjunto do corpo social; é uma identificação e
união das “consciências iguais”, criando uma solidariedade e cumplicidade. A
tribo envolve um caráter ativista, de uma sociabilidade perdida. Muitas das
tribos existentes no ciberespaço são grupos de minorias no mundo real, que
devido à exclusão social, se sentem renegados a uma falsa identidade na
sociedade formal.
O isolamento do mundo real via Internet encontra compensação e
reforços nas infinitas possibilidades de trocas e de interações em diferentes
níveis nas comunidades virtuais. Não se pode dizer que o computador isola o
indivíduo, muito pelo contrário, ele permite toda essa inserção no mundo
virtual. Desse modo, muitas tribos têm sido criadas, algumas bem
conhecidas como os Pherakes (piratas do telefone), os Hackers (a elite da
informática), os Crackers (Cyberpunks – a versão negra dos Hackers), os
Ravers e Zippies (herdeiros da contra-cultura dos anos 70), estes últimos
particularmente interessantes porque utilizam o que os seus primos hippies
deixaram de lado como inimigo: a tecnologia. Os ciber-rebeldes expressam
todo o seu cotidiano utilizando formas de descarregar um vitalismo, para
melhor ou para pior, e, ultimamente, há tribos que disseminam pedofilia,
neonazismo, anarquismos, homossexualismo, terrorismo, tráfego de drogas,
ONGs, ajuda comunitária etc.
63
A socialidade eletrônica simula e dissimula a via do real e caracteriza-
se pela inexistência do face-a-face, num primeiro momento das relações
sociais, permitindo mais fôlego para que a sociedade possa investir na sua
individualidade. A sua existência deixa marcas no nosso cotidiano e no local
onde vivemos. Os usuários da rede estão modificando os seus hábitos
pessoais e a forma de interação com a cidade onde mora. Segundo Virilio57
(1993), a velocidade na rede é igual ao divórcio social e a tendência na
cidade real é ressocializar, provocando uma diminuição do universo
socializante real. Logo, na rede, a sociabilidade se transfere, se desenraiza
do solo para virar uma socialidade eletrônica que não utiliza diretamente o
espaço concreto. O social que sempre foi vinculado a um território, a um
espaço onde as pessoas se localizam, pode passar a um campo abstrato
(chave eletrônica), mas que se reveste de uma forma concreta na vida das
pessoas.
É neste espaço que encontramos pluralidade e complexidade. É visível
que os ideais da modernidade estão dando vazão a valores alternativos. Além
do anonimato, busca-se no ciberespaço um grande desejo de não estar só.
Esta possibilidade realizável do ciberespaço também está associada, além de
muitos outros fatores, ao medo da violência urbana, à possibilidade de
encurtamento das distâncias, ao poder “estar” em diversos “locais” ao mesmo
tempo, desafiando qualquer lei da física conhecida por nós até hoje.
64
1.5 1.5 –– O Ordenamento do Ciberespaço. O Ordenamento do Ciberespaço.
Ao pensar as relações que se estabelecem entre a Geografia e o avanço
das novas tecnologias informacionais, é possível fazer um estudo das novas
bases das relações de socialidade na virtualidade do ciberespaço e os seus
reflexos na base material da sociedade. Muitas das vezes a localização de
nossos corpos não mais definem o circuito de interações: a pessoa que agora
passa logo ali em frente de nossa casa encontra-se mais distante que o
nosso amigo no Canadá.
Embora não se esgote nem represente todo o ciberespaço,
encontramos na Internet, a principal rede telemática mundial. As relações
sociais no ciberespaço, apesar de virtuais, tendem repercutir ou concretizar-
se no mundo real.
O indivíduo rompe com alguns princípios tido como regras sociais,
alterando alguns valores, crenças sem que isso seja uma determinação da
sociabilidade existente no mundo. Vários exemplos poderiam ser narrados
aqui. Desde relatos de interações pessoais, novas formas de
empregabilidade, novas formas de estudar, até atitudes antes inimagináveis
como algumas que tomam a manchete de jornais.
Dificilmente, se assim poderíamos afirmar, encontraríamos um campo
tão fértil como o Ciberespaço para disseminar o discurso. O discurso se
transforma em poder residente nos códigos da informação. Para Castells58, o
poder na Era da informação é a um só tempo identificável e difuso. As Idéias
virtualizadas, interativas provocam ações no espaço concreto. Eis um dos
impactos no mundo real provocado pelo ciberespaço.
65
Todo este início se fez necessário, para que possamos trazer algumas
questões que devem servir como análise geográfica. Os geógrafos ao
analisarem os fenômenos e conflitos existentes no mundo, principalmente
depois da Globalização, não podem deixar de criar mecanismos para
compreender o ritmo das novas mudanças na sociedade.
O Geógrafo, mais do que qualquer outro profissional, ao buscar
analisar os reflexos que as novas tecnologias informacionais provocam na
sociedade e no espaço, estará de maneira valiosa contribuindo na
compreensão desse novo momento em que caminha a sociedade. Abre-se,
então, uma discussão do papel do Geógrafo neste novo milênio.
Antes, é importante registrarmos a necessidade de compreendermos o
ciberespaço como Espaço Geográfico.
No ciberespaço, ocorre em uma virtualização da realidade, uma
migração do mundo real para um mundo de interações virtuais ou vice-
versa. Uma realidade objetiva muitas das vezes vivenciada, iniciada no
ciberespaço e traz consigo um propósito de finalizar-se no mundo real, mais
cedo ou mais tarde, direta ou indiretamente, porque mesmo não havendo
contato físico, as trocas identitárias entre grupos sociais se estabelecem. Não
se pode ensinar ao “cibernauta” um percurso que se faz para chegar a um
local virtual, de forma igual aos mapas, aos trajetos do mundo real, porém,
de alguma forma, os grupos, as pessoas, as tribos eletrônicas se encontram
num lugar virtual.
O ciberespaço é como se fosse um corredor de movimentação de
informações e imagens que demanda organizar zonas de fixação59. Para a
geografia, sempre a busca do lugar para explicar as transformações
66
espaciais, tende a perder o rumo das orientações de localização no
ciberespaço. As noções básicas de localização e desenraizamento ficam
confusas. O Ciberespaço mais que um lugar, ou um não-lugar ou até mesmo
um lugar virtual, afirma-se como um espaço imaterial, um meio operativo de
como podemos nos mover, trabalhar, construir, criar e investir (Figura 15).
Figura 15
O ciberespaço sob o controle dos homens
Fonte: Internet
O ciberespaço é apropriado pela subjetividade de seus freqüentadores
que simulam o que apreenderam da realidade objetiva do mundo. A idéia de
trazer para rede a percepção de um espaço organizado como representação
do real nos faz pensar então: O que seria o espaço da Rede? Existe alguma
forma de poder na delimitação de um espaço cibernético? Podemos
freqüentar todos os espaços da Rede?
67
Estas indagações podem e devem ser esclarecidas quando partimos do
princípio que a dimensão do Ciberespaço está vinculada à simbologia de
Globalidade dos usuários da rede. Esta idéia de globalidade é a forma como
o usuário percebe o Mundo e o representa na telinha do computador. Ao
digitar a palavra-chave de acesso que o levará ao site, por exemplo, é a idéia
de representação da cidade de Nova York, Paris, Rio de Janeiro ou Niterói, o
usuário viajante terá a sensação de estar no local, mesmo que na
compreensão mais lógica esteja fisicamente fixo. Esta sensação permite ao
usuário estabelecer conexões, mesmo próximas a sua máquina, com um
mundo a ser explorado através de um simples “c l ick ” do mouse. É possível
percorrer todos os museus de acervo “ON L I N E”, conhecer outras culturas,
pertencer a grupos tribais de identidade, fazer compras, ir a Shopping,
estudar em universidades. Ainda que todos estes lugares visitados façam
parte de uma máquina. A qualquer momento, esta máquina pode ser
desligada ou sair do “ar” por “intempéries cibernéticas” ou para que se possa
inserir mais dados para atualização. Quando uma página é alimentada pelo
“webmas te r ” , interrompe-se a conexão. O tempo pode ser instantâneo ou
não.
A sensação de estar em um determinado lugar é tão presente que ao
questionarmos o “cibernauta” sobre o que ele está executando como tarefa
em frente ao computador, as respostas nunca serão relacionadas a estar
conectado na máquina “x” vendo imagens de “Y” sempre irá responder que
está visitando a Universidade, o Museu, um “shopping”, participando de um
leilão, indo ao bingo ou lendo uma revista (na concepção que conhecemos).
Todas as formas percebidas estão de acordo com a sua apreensão do real. O
68
usuário não percebe que o mundo “ O N L I N E” é uma materialidade de
máquinas conectadas uma às outras (Figura 16) .
Figura 16 Rede de conexões das máquinas comunicacionais
Fonte: Atlas do Cyberespace: http://www.geog.ucl.ac.uk/casa/martin/atlas/atlas.html
Na tentativa de responder se existe alguma forma de poder na
delimitação de um espaço cibernético, conforme o conteúdo das relações
sociais, teremos que levar a nossa análise ao racismo, à violência, ao sexo.
Estas manifestações sociais criam espaços virtuais segregados, fazendo com
que aqueles que não se identificam ou não participam do grupo, tornem-se
os indesejáveis impedidos de entrar ou permanecer sem ser convidado
(Figura17).
69
Figura 17
Impedidos pelos bits
Fonte: Internet
Uma outra forma de segregação e que pertence a arquitetura do
ciberespaço é analisada por nós através do que Aurigi e Graham60 vão nos
mostrar como a arquitetura do ciberespaço. Formada por três grupos
principais:
1) Um grupo de elite que utiliza pesadamente as tecnologias da
informação,
70
2) Um segundo grupo menos influente que não pode ser caracterizado
como de fortes usuários da informação, mas como agrupamento daqueles
"usados pela informação" (information used);
3) e um terceiro grupo formado pelos off-line, os desconectados, que
não participam de forma direta e autônoma.
Entendemos, assim, que o ciberespaço existe e a seu acesso não é para
todos.
Os sujeitos ou objetos fazem as leis da lógica as chaves de
entradas/Saídas (OFF/ON). O ciberespaço é representação de espaços
individuais e/ou privados, quer em nível grupal quer pessoal.
1.5.1 O Ciberespaço e os Rizomas1.5.1 O Ciberespaço e os Rizomas
O ciberespaço muito se assemelha a um Rizoma. Os rizomas virtuais se
ramificam e se reticulam, num intenso processo de (re)produção das relações
sociais (Guattari e Deleuze61). O termo rizoma é empregado,
metaforicamente, (Figura 18) por Guattari e Deleuze para explicar a dinâmica
do ciberespaço.
Objetivando ampliar a discussão da relação existente entre o que vem a
ser um Rizoma e o Ciberespaço, buscamos compreender melhor a origem da
palavra Rizoma.
No Dicionário Universal da Língua Portuguesa, está escrito que Rizoma
vem do Gr. r h í z o m a, raiz s . m . , caule subterrâneo horizontal. No dicionário
Michaelis a definição do termo se amplia: r i .zo .mar i .zo .ma sm Bo t (r i zo+oma) -
Caule subterrâneo no todo ou em parte e de crescimento horizontal. Em
ambas é possível perceber o princípio de que o Rizoma é um caule e está em
71
constante crescimento horizontal passando por diferentes pontos
subterrâneo.
Figura 18
Estruturas rizomáticas do ciberespaço
Como podemos verificar, um rizoma apresenta uma complexidade que
muito se assemelha ao novo paradigma tecnológico. Deleuze e Guattari,
nesse sentido, foram brilhantes ao explorar o termo Rizoma. Estabeleceram
os princípios do funcionamento do Rizoma, a saber:
72
1º e 2º 1º e 2º -- princípiosprincípios de conexão e de heterogeneidade de conexão e de heterogeneidade: “ qualquer ponto
do rizoma pode ser conectado com qualquer outro, e deve sê-lo. Isso não
sucede com a árvore nem com a raiz, que sempre fixam um ponto, uma
ordem. Enquanto a arvore funciona por dicotomias, no rizoma, pelo
contrário, cada quebra não remete necessariamente para uma quebra
lingüística: elos semióticos de qualquer natureza ligam-se nele com formas
de codificação muito diversas, elos biológicos, políticos, econômicos, etc.,
pondo em jogo não apenas regimes de signos muito distintos, mas também
os e s t a tu to s da s co i s a s ” .
3º 3º -- p r i n c í p i o da mu l t i p l i c i dade : p r i n c í p i o da mu l t i p l i c i dade : “só quando o múltiplo é tratado
efetivamente como substantivo, multiplicidade, deixa de ter relação com o
Uno como sujeito ou como objeto, como realidade natural o u espiritual,
como imagem e mundo. As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as
pseudo multiplicidades arborescentes. Uma multiplicidade não tem nem
sujeito nem objeto, mas unicamente determinações, tamanhos, dimensões
que não podem aumentar sem que e la mude de natureza — as leis de
c o m b i n a ç ã o a u m e n t a m , p o i s , c o m a m u l t i p l i c i d a d e . ”
4º 4º -- princípio da ruptura a princípio da ruptura a -- significantesignificante : “que aparece por oposição aos
cortes excessivamente significantes que separam as estruturas ou as
atravessam. Um rizoma pode ser rompido, interrompido em qualquer parte,
mas sempre recomeça segundo esta ou aquela das suas linhas, e ainda
segundo outras. É por isso que os autores afirmam que é impossível acabar
com as formigas, posto que formam um rizoma animal que mesmo destruído
n a s u a m a i o r p a r t e , n ã o c e s s a d e s e r e c o n s t i t u i r ”
73
5º e 6º 5º e 6º -- princípio da cartografia e da decalcomania princípio da cartografia e da decalcomania : “um rizoma não
responde a nenhum modelo estrutural ou generativo. É alheio a todo a idéia
de eixo genético, como também de estrutura profunda. Os sistemas e m
árvore funcionam por decalque da realidade, limitam-se a descrever algo que
se dá por feito. De forma distinta funciona o rizoma, como um mapa. Se o
mapa se opõe ao decalque é precisamente porque está totalmente orientado
para uma experimentação que atua sobre o real. O mapa não reproduz um
inconsciente fechado sobre si mesmo, constrói -o. O mapa é aberto,
conectável em todas as suas dimensões, desmontável, alterável, susceptível
de receber constantemente modificações. Pode ser rompido, alterado,
adaptar-se a montagens distintas, iniciado por um indivíduo, um grupo uma
formação social. Uma das características mais importantes do rizoma talvez
s e j a a d e t e r s e m p r e m ú l t i p l a s e n t r a d a s … ”
A relação é tão forte entre o Ciberespaço, o Rizoma e os princípios
estabelecidos por Deleuze e Guattari, que seria possível utilizar a palavra
ciberespaço em todos os lugares do texto onde se lê rizoma. Teríamos uma
possibilidade analítica para o estudo do Ciberespaço. Todos os princípios se
aplicam.
De fato, no ciberespaço não existe um único fixo (no sentido do ponto
de conexão) como porta de entrada. As conexões podem ser estabelecidas a
partir de qualquer lugar do planeta.
Não conhecemos e não reconhecemos por onde passamos, mas sempre
chegamos. Caminhamos por este espaço a procura dos pontos muitas vezes
utilizando a bússola dos provedores de busca, outras por endereços
74
eletrônicos conhecidos. Para alguns podemos, inclusive, indicar a localização
precisa deste espaço.
Este espaço é heterogêneo, com múltiplas e crescentes dimensões de
relações sociais. As múltiplas dimensões se estabelecem a cada conexão. É
possível mudar a natureza das relações, à medida que evoluem as conexões.
As trocas simbólicas permitem diferentes possibilidades.
A ruptura a_significante no ciberespaço tem um caráter não
significativo, por se tratar de uma ruptura não definitiva das relações sociais.
A reconexão pode ser feita a qualquer instante, desde que se tenham os pré-
requisitos de acesso. Pode-se conectar, desconectar, estabelecer vínculo com
parte do Ciberespaço. Desconectar no sentido de não mais se identificar ou
fazer parte dos espaços virtuais. Entretanto, ao nível das práticas sociais, as
ações reais e os vínculos afetivos, simbólicos e ideológicos podem
permanecer mesmo que o indivíduo não esteja, em algum momento,
conectado em rede. A ação de reconectar pode ser comparada a busca de
novos espaços virtuais de relações sociais.
Todo este processo passa pelo consciente do cibernauta do PODER
RETORNAR. Interessante o fato de não ser definitivo como algo fim, uma
morte. Logo, há uma associação entre o “prazer” de estar na rede (ON) e a
“morte” (OFF) no ciberespaço. Os envolvimentos no mundo mediático e as
próprias velocidades das relações não permitem pensar, a não ser o instante
da ação. Vida e Morte no ciberespaço tem a conotação do início e do fim
constituído pelo tempo necessário a reencontrar o ponto de partida. A morte
no ciberespaço é uma desconexão sem que a integridade física seja afetada.
Ainda assim o OFF não estaria desligado totalmente do ciberespaço porque
75
deixou através de sua representação todas as suas relações com ele salvas e
perenes.
LEMOS 62 observa no seu texto:
“Muitas são as semelhanças entre as estruturas rizomáticas e o
Território Cibernético. Ambos são descentralizados, conectando pontos
ordinários, criando territorialização e desterritorialização sucessivas”.
O ciberespaço não tem um controle centralizado, multiplicando-se de
forma anárquica e extensa, sem que se estabeleça uma ordem, a partir de
c o n e x õ e s m ú l t i p l a s e d if e r e n c i a d a s .
LEVY63, quando nos apresenta o Princípio da mobilidade dos centros,
esclarece-nos que. “A r e d e n ã o t e m c e n t r o , o u m e l h o r , p o s s u i
permanentemente diversos centros que são como pontas luminosas
perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si
uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas linhas brancas
esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e
depois correndo para desenhar mais à frente outras paisagens de sentido”.
O ciberespaço permite agregações ordinárias, de ponto a ponto, onde
entram em jogo toda a dialógica Morin64 , isto é, em manter a unidade de
noções antagônicas, ou seja, unir o que aparentemente deveria estar
separado, o que é indissociável, com o objetivo de criar processos
organizadores e, portanto, complexos entre o particular e o geral e a
formação de comunidades virtuais. As conexões do ciberespaço, assim como
aquelas dos rizomas, modificam as suas estruturas, caracterizando-se como
sistemas complexos e auto-organizantes. Como explica Deleuze e Guattari,
76
“A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção
“e...e...e...”. Esta é a forte atração do ciberespaço que leva o ciberespaciano
mergulhar nas possibilidades e potencialidades de uma sociedade frente a
revolução tecnológica, de modo a torná-la um simulacro da sociedade real.
77
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