proeja no ifrj: limites e possibilidades

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PROEJA NO IFRJ: LIMITES E POSSIBILIDADES Tania Maria Almenara da Silva Resumo: Esta pesquisa pretende investigar o PROEJA-Programa do Governo Federal que integra a Educação Básica com a Educação Profissional de Nível Médio no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro IFRJ. Partindo do princípio que este programa oferece uma proposta inovadora de educação através da concepção de Educação Integral em seu documento Base, faz-se necessário investigar quais os seus limites e possibilidades, uma vez que este conceito de Educação vem de uma proposta revolucionária, apresentada por Gramsci, para emancipação da classe trabalhadora, e tendo a clareza que vivemos em uma sociedade de classes nos moldes do Capital, torna-se no mínimo contraditória esta proposta. Assim devemos compreender como essa proposta se materializa no IFRJ, tomando como fundamento da análise as contradições do Capital e as tentativas de reorganizar o modelo com intenção de mantê-lo. Segundo Neves há um mecanismo de conformação social, para que as massas de trabalhadores sejam educadas pela Pedagogia da Hegemonia no sentido de aceitarem a idéia de que a escassez de emprego está ligada a falta de qualificação das massas trabalhadoras, culpabilizando os indivíduos pelo próprio insucesso e mascarando o caráter estrutural do desemprego na sociedade do capital. A aprendizagem técnica não poderia estar dissociada de certos comportamentos e atitudes aceitos socialmente. Essa foi a tomada de consciência empresarial do papel estratégico da educação, no sentido de uma mudança cultural da força de trabalho, pois há novas demandas postas pelo aprofundamento das inovações tecnológicas, então a escola torna-se a argamassa do projeto burguês. Os anos de 1990 registram a presença dos organismos internacionais que entram em cena em termos organizacionais e pedagógicos. A educação básica deveria ajudar a "reduzir a pobreza aumentando a produtividade do trabalho dos pobres. Na sociedade do capital, a educação e o

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PROEJA NO IFRJ: LIMITES E POSSIBILIDADES

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  • PROEJA NO IFRJ: LIMITES E POSSIBILIDADES

    Tania Maria Almenara da Silva

    Resumo:

    Esta pesquisa pretende investigar o PROEJA-Programa do Governo

    Federal que integra a Educao Bsica com a Educao Profissional de Nvel

    Mdio no Instituto Federal de Cincia e Tecnologia do Rio de Janeiro IFRJ.

    Partindo do princpio que este programa oferece uma proposta inovadora de

    educao atravs da concepo de Educao Integral em seu documento Base,

    faz-se necessrio investigar quais os seus limites e possibilidades, uma vez que

    este conceito de Educao vem de uma proposta revolucionria, apresentada por

    Gramsci, para emancipao da classe trabalhadora, e tendo a clareza que

    vivemos em uma sociedade de classes nos moldes do Capital, torna-se no

    mnimo contraditria esta proposta. Assim devemos compreender como essa

    proposta se materializa no IFRJ, tomando como fundamento da anlise as

    contradies do Capital e as tentativas de reorganizar o modelo com inteno de

    mant-lo. Segundo Neves h um mecanismo de conformao social, para que as

    massas de trabalhadores sejam educadas pela Pedagogia da Hegemonia no

    sentido de aceitarem a idia de que a escassez de emprego est ligada a falta de

    qualificao das massas trabalhadoras, culpabilizando os indivduos pelo prprio

    insucesso e mascarando o carter estrutural do desemprego na sociedade do

    capital. A aprendizagem tcnica no poderia estar dissociada de certos

    comportamentos e atitudes aceitos socialmente. Essa foi a tomada de

    conscincia empresarial do papel estratgico da educao, no sentido de uma

    mudana cultural da fora de trabalho, pois h novas demandas postas pelo

    aprofundamento das inovaes tecnolgicas, ento a escola torna-se a

    argamassa do projeto burgus. Os anos de 1990 registram a presena dos

    organismos internacionais que entram em cena em termos organizacionais e

    pedaggicos. A educao bsica deveria ajudar a "reduzir a pobreza aumentando

    a produtividade do trabalho dos pobres. Na sociedade do capital, a educao e o

  • trabalho so subordinados a esta dinmica que leva alienao do trabalhador.

    Para romper com est lgica o papel da educao seria ento libertador e onde

    as mudanas educacionais no seriam limitadas aos interesses do capitalismo,

    no se o objetivo for qualitativo. Ento ser necessrio romper com a lgica do

    capital se quisermos contemplar a criao de uma alternativa educacional

    significativamente diferente. A luz das categorias: Trabalho como Princpio

    Educativo, Pedagogia da Hegemonia e Educao Integral analisaremos o

    PROEJA NO IFRJ: LIMITES E POSSIBILIDADES.

    O objeto deste estudo ser a EJA na forma como est posta na educao profissional, tomando como referncia emprica o novo impulso que a modalidade

    de ensino ganhou a partir da implantao do Programa Nacional de Integrao da

    Educao Profissional com a Educao Bsica na Modalidade de Educao de

    Jovens e Adultos (PROEJA). Programa implantado nas Instituies Federais de

    Ensino pelo Decreto N 5.478/2005, no mbito do ensino mdio. Este anti-projeto

    apresenta uma proposta de pesquisa que pretende investigar at que ponto a

    Pedagogia da Hegemonia se materializa no PROEJA, quais as contradies dos

    processos formativos no mbito deste programa, destinado a classe

    trabalhadora?

    A finalidade ser investigar um conjunto de informaes que

    permitir ampliar a compreenso dos sentidos e significados das especificidades

    do PROEJA e como estas se materializam na prpria escola. Tal conhecimento

    certamente nos auxiliar na reflexo acerca da eficincia do PROGRAMA, no que

    se refere qualificao dos Jovens e Adultos que, ao longo do tempo, foram

    excludos da escola e necessitam ter garantido seu direito de acesso ao

    conhecimento historicamente acumulado.

    Para tanto ser necessrio analisar por meio de uma extensa

    reviso de literatura o que fundamenta o aumento do interesse pela

    democratizao da educao de Jovens e Adultos Trabalhadores. Pois h um

    mecanismo de conformao social, para que as massas de trabalhadores sejam

    educadas pela Pedagogia da Hegemonia (NEVES,2008) no sentido de aceitarem

  • a idia de que a escassez de emprego est ligada a falta de qualificao das

    massas trabalhadoras, culpabilizando os indivduos pelo prprio insucesso e

    mascarando o carter estrutural do desemprego na sociedade do capital. Outro

    aspecto que importante mencionar diz respeito participao cada vez maior

    das ONGs nas Conferncias Internacionais de Educao de Adultos CONFINTEAS

    - assim como em todo setor da sociedade, esse aspecto vem caracterizar mais

    uma faanha do capital, que tenta dar uma cara mais humana sua explorao

    atravs de nova roupagem que pode ser chamada de Terceira Via, onde o Estado

    mnimo, que foi a grande marca da fase Neoliberal do capital, amenizado pela

    participao da sociedade civil, atravs das ONGs, para mais uma vez conformar

    as massas, dando uma ideia de participao e cumplicidade da sociedade nos

    vrios setores, desde a educao, sade, emprego at no controle ambiental.

    necessrio atentar para os posicionamentos e iniciativas educacionais

    assumidos pelos sujeitos polticos mais envolvidos com a educao escolar para

    levantar os fatores que motivaram o processo das polticas pblicas educacionais

    principalmente nos anos iniciais dos anos 90. Observar como as questes

    educacionais so relacionadas ao contexto econmico, relaes de poder e

    relaes sociais.Nesse perodo o tema central era qualidade de ensino

    nitidamente associando educao produo. As mudanas da base produtiva e

    da sociedade deveriam formar no apenas tcnicos de fbrica, mas cidados-

    trabalhadores. A aprendizagem tcnica no poderia estar dissociada de certos

    comportamentos e atitudes aceitos socialmente. Essa foi a tomada de

    conscincia empresarial do papel estratgico da educao, no sentido de uma

    mudana cultural da fora de trabalho, pois h novas demandas postas pelo

    aprofundamento das inovaes tecnolgicas, ento a escola torna-se a

    argamassa do projeto burgus-industrial com a Pedagogia da Qualidade1.

    (NEVES, 2008).

    Os anos de 1990 registram a presena dos organismos internacionais que

    entram em cena em termos organizacionais e pedaggicos. O primeiro desses

    eventos a "Conferncia Mundial sobre Educao para Todos" realizada em

  • Jomtien, Tailndia, que inaugurou um grande projeto de educao em nvel

    mundial, para a dcada que se iniciava, financiada pelas agncias UNESCO,

    UNICEF, PNUD e Banco Mundial. A Conferncia de Jomtien apresentou uma

    "viso para o decnio de 1990" e tinha como principal eixo a idia da "satisfao

    das necessidades bsicas de aprendizagem": O estreitamento de laos da

    educao profissional com o setor produtivo e entre os setores pblico e privado

    na oferta de educao, a ateno aos resultados, a avaliao da aprendizagem, a

    descentralizao da administrao das polticas sociais. retomada a teoria do

    capital humano por meio da inverso em capital humano e ateno relao

    custo/benefcio, a educao bsica deveria ajudar a "reduzir a pobreza

    aumentando a produtividade do trabalho dos pobres. H uma urgncia de ampla

    reforma dos sistemas educacionais para a capacitao profissional e o

    aproveitamento da produo cientfico-tecnolgica.

    A partir de uma anlise sobre os limites e equvocos das vises liberais da

    educao, onde nas relaes sociais capitalistas a educao funciona,

    dominantemente, como um sistema de internacionalizao dos conhecimentos,

    valores e cultura funcionais reproduo da (des) ordem do metabolismo social

    do capital. (MSZROS), essa pesquisa ganhar importncia e justificativa por

    objetivar compreender a estrutura e implementao do PROEJA no Instituto

    Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ.

    Pretendendo contribuir com o conhecimento j produzido acerca da pedagogia da

    Hegemonia que deflagra a educao profissional como aparelho de reproduo

    Hegemnica e de conservao da ordem, atravs do consentimento. A relevncia

    do problema est em compreender de que forma as polticas pblicas do Governo

    Lula podem ser consideradas avanos - visto que o argumento central destas

    polticas educacionais baseado na ruptura da histrica viso hierrquica e

    dogmtica do conhecimento (Documento Base) e suas contradies, j que estas

    polticas pblicas esto, tradicionalmente, comprometidas com o capital. Ainda,

    porque este problema traz investigao os desafios e as perspectivas de todos

    os sujeitos envolvidos no programa, principalmente referentes ao projeto

    pedaggico, entre outras questes. Mas, sobretudo a da pseudo-integrao da

  • EJA as instituies tecnolgicas federais, que no absorvem o discurso inclusivo

    na sua forma emergencial, fortalecida pela prpria poltica pblica que

    regulamentou o PROEJA, visto que no se priorizou um segundo princpio

    fundamental do programa que a poltica de integrao, pois apesar das

    declaraes favorveis integrao entre formao bsica e formao

    especfica, a poltica de educao profissional processa-se mediante programas

    focais e contingentes numa travessia marcada por intensos conflitos e no terreno

    da contradio. (FRIGOTTO 2005) O perfil inclusivo do PROEJA , no seu

    discurso, transformador (Documento Base). Contudo, h de se questionar as

    bases econmicas atuais que sustentam a lgica deste programa, no projeto de

    desenvolvimento econmico e social do Brasil. importante questionar se h

    uma acomodao ou o desejo de superao da lgica da diviso internacional do

    trabalho que perpetua na lgica produtiva destes trabalhadores que compem os

    quadros da EJA e, em razo disso, tornam sua formao, na escola, um mero

    investimento em "capital humano", adequado reproduo ampliada do capital e

    submisso a esta ordem. Este pesquisa trar como referncia emprica a

    experincia do PROEJA IFRJ na sua materialidade e contradies luz das

    categorias explicitadas.

    Como fundamentao terica para realizao deste estudo de pesquisa

    sero analisadas as proposies e ideias de pensadores, pesquisadores e

    tericos que tm contribudo de forma significativa na rea deste objeto de

    estudo.

    A pesquisa situa-se no mbito dos estudos da relao entre trabalho e

    educao, mais especificamente no debate sobre a Educao Profissional de

    Jovens e Adultos PROEJA- e seu impacto na formao dos trabalhadores.

    Assim trabalharemos com o documento base-

    BRASIL/MEC/SETEC/PROEJA-que nos d as diretrizes do programa e sua

    inteno:

    Com o PROEJA busca-se resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro

    milhes de jovens e adultos possibilitando-lhes acesso a educao e a formao

  • profissional na perspectivas de uma formao integral. O PROEJA mais que um

    projeto educacional. Ele, certamente, ser um poderoso instrumento de resgate

    da cidadania de toda uma imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema

    escolar por problemas encontrados dentro e fora da escola. Temos todas as

    condies para responder positivamente a este desafio e pretendemos faz-lo

    (DOCUMENTO BASE, 2006).

    Porm, analisando este documento podemos observar que ele coloca

    nitidamente a responsabilidade do desemprego no prprio sujeito:

    O declnio sistemtico do nmero de postos de

    trabalho obriga redimensionar a prpria formao, tornando-

    a mais abrangente, permitindo ao sujeito, alm de conhecer

    os processos produtivos, constituir instrumentos para inserir-

    se de modos diversos no mundo do trabalho, inclusive

    gerando emprego e renda. Nesse sentido, a discusso

    acerca da identidade trabalhador precisa ser matizada por

    outros aspectos da vida, aspectos constituintes e

    constitutivos dos sujeitos jovens e adultos como a

    religiosidade, a participao social e poltica, familiar, nos

    mais diversos grupos culturais, entre outros(DOCUMENTO BASE

    2006).

    O capitalismo se fundamenta numa base produtiva, cujo objetivo principal

    a produo de mais-valia, que est intimamente ligada organizao do trabalho

    e, atualmente, implementao de novas tecnologias. O modelo fordista, como

    processo de produo em massa, de consumo de massa, emanou novas polticas

    de gerenciamento do trabalho e, apesar de ter levado quase meio sculo para se

    consolidar totalmente, se constituiu no paradigma produtivo do capital (HARVEY,

    1992, p.122).

    Para HARVEY o Estado trabalha na montagem de novas formas de

    regulao, caminhando na direo de um regime flexvel, que vem resultando

    num modelo de desenvolvimento liberal-produtivista. nas duas ltimas dcadas

    que temos vivido uma intensa fase de compreenso do tempo-espao que tem

  • tido um impacto desorientado e disruptivo sobre as prticas poltico-

    econmicas,sobre o equilbrio do poder de classe, bem como, sobre a vida social

    e cultural. A produo em massa e o consumo o grande lema chamado de

    fordismo. Fordismo um sistema a organizao espacial para acelerar o tempo

    de giro do capital produtivo. Assim o tempo pode ser acelerado em virtude do

    controle estabelecido por meio da organizao e fragmentao da ordem espacial

    da produo. O capital o dominador do espao-tempo e o faz, em parte, graas

    ao domnio superior do espao e do tempo. um processo de reproduo da vida

    social por meio da produo de mercadorias em que todas as pessoas do mundo

    capitalista avanado esto envolvidas. Acumulao Flexvel marca da vida ps-

    moderna est marcada por uma sociedade global sem fronteiras, com poderes e

    inovaes marcadas por novas condies de trabalho para suprir a demanda

    vigente. A necessidade do trabalhador se inserir ou se manter no mercado de

    trabalho faz com que busquem cada vez mais qualificao, pensando assim

    estarem aptos s exigncias necessrias para ocupar um bom emprego. Mas,

    percebemos no processo de restruturao produtiva um excedente de fora de

    trabalho, o que d ao capital o poder de escolher entre aqueles adaptveis s

    novas demandas produtivas, em detrimento de uma multido de trabalhadores

    excludos do mercado de trabalho ou inseridos em condies de precariedade.

    obvio que esta situao ameaa a manuteno do consenso em torno do modelo

    de desenvolvimento hegemnico.

    A acumulao flexvel uma particular e, talvez, nova combinao de

    velhos elementos dentro da lgica dominante da acumulao do capital. As

    caractersticas do capitalismo apontadas por Marx continuam sendo vigentes,

    mas perante a crise do Capital que se estabelece Diante do processo de

    reestruturao produtiva e reforma do Estado desencadeado em funo da crise

    do capital a partir dos anos 1970.No caso do Brasil, estas transformaes ficaram

    mais evidentes a partir dos anos 1990, quando as empresas passaram a

    apresentar uma nova configurao dos processos de trabalho e de gesto da

    produo, ao mesmo tempo em que o Estado renovou seus mecanismos de

    mediao do conflito de classes, combinando ampliao dos espaos de

  • participao social e controle das decises estatais com reformulao dos

    mecanismos de conformao das camadas populares.

    H um grande interesse do jovem trabalhador em enriquecer seu

    conhecimento, para se inserir ou se assegurar no mercado de trabalho. De

    acordo com o discurso proferido pela classe hegemnica, para que se inserir no

    mercado de trabalho necessrio que haja uma formao bsica e profissional.

    O Estado fundamental no controle social, pois assume, conforme Mszros

    (2000, p. 119), o papel de favorecer o sistema capitalista, uma vez que ele o

    responsvel pelo controle das classes subalternas, proporcionando classe

    dominante a garantia de resistncia a possveis revoltas da classe trabalhadora.

    Como resposta a essa realidade, o governo federal desenvolveu nas duas ltimas

    dcadas diversas polticas pblicas para juventude. Dentre os diversos programas

    criados, o PROEJA, cujo objetivo ampliar a escolaridade e a qualificao

    profissional desse segmento populacional.

    Trabalharemos com a categoria Pedagogia da Hegemonia(NEVES 2005),

    ou seja, processos educativos significativos que agem mais como mecanismo de

    conformao de um contingente imenso da populao destinado precarizao

    do trabalho e ao desemprego, minimizando substancialmente o conflito de classe

    decorrente do processo de excluso cada vez mais intenso neste contexto de

    crise do capital.

    A complexifio crescente das relaes capitalistas monopolistas, o

    processo de redefinio dos fundamentos e das prticas do Estado brasileiro, no

    sentido da consolidao e do aprofundamento do projeto burgus para a

    atualidade, evidencia a pedagogia da hegemonia representada pela Terceira Via,

    num processo em que o Estado ampliado se requalifica historicamente como

    agente educador. A nfase gramsciana da sociedade civil recai na parte

    superestrutural da sociedade, relacionando-se dialeticamente com a base

    material. A sociedade civil analisada como o lugar da hegemonia, da imposio

    do consenso e atuao do Estado educador (NEVES, 2005).

  • A hegemonia, alm de expressar as reformas econmicas, assume o

    carter de uma reforma intelectual e moral (Kuenzer, 2005, p. 79). O Estado de

    tipo ocidental, diferentemente do Estado coero de tipo oriental, educa para o

    consenso. Sendo assim, a fraseologia neoliberal da empregabilidade,

    empreendedorismo, comunitarismo etc., torna-se senso comum (Gentili, 2005,

    p. 52), de forma institucionalizada ou no, atravs da coero ou da educao,

    mediante a utilizao de associaes polticas e sindicais, constituindo-se em

    aparelhos privados de hegemonia.

    O Documento Base do PROEJA traz a concepo de currculo integrado:

    O currculo integrado uma possibilidade de inovar

    pedagogicamente na concepo de ensino mdio, em resposta

    aos diferentes sujeitos sociais para os quais se destina, por meio

    de uma concepo que considera o mundo do trabalho e que leva

    em conta os mais diversos saberes produzidos em diferentes

    espaos sociais. Abandona-se a perspectiva estreita de formao

    para o mercado de trabalho, para assumir a formao integral dos

    sujeitos, como forma de compreender e se compreender no

    mundo. O fundamental nesta proposta atentar para as

    especificidades dos sujeitos da EJA, inclusive as especificidades

    geracionais. Por isso, essencial conhecer esses sujeitos; ouvir e

    considerar suas histrias e seus saberes bem como suas

    condies concretas de existncia. Assim, a educao [...] deve

    compreender que os sujeitos tm histria, participam de lutas

    sociais, tm nome e rostos, gneros, raas, etnias e geraes

    diferenciadas. O que significa que a educao precisa levar em

    conta as pessoas e os conhecimentos que estas possuem

    (BRASIL, 2005, p. 17).

    Em Gramsci currculo integrado parte da noo de escola unitria. O

    "princpio unitrio" ultrapassa a escola como instituio (Gramsci, 1977, p. 1.538)

    e se relaciona luta pela igualdade social, para superar as divises de classe,

    que se expressam na separao entre trabalho industrial e trabalho intelectual e

    dividem a sociedade entre governantes e governados. A "escola unitria"

  • esboada como "um esquema de organizao do trabalho cultural" (idem, ibid., p.

    1.539). Tem como ponto de partida as relaes sociais dentro do capitalismo, j

    que Gramsci no fala em destruir o capitalismo primeiro e somente depois disso

    cuidar da educao dos trabalhadores. Ele no tem uma viso dicotmica da

    relao entre Estado e sociedade. A escola unitria est no horizonte de um

    processo de construo que, por ser dialtico, simultaneamente de destruio.

    Consiste num mtodo de unio entre o ensino e o trabalho que surge quando

    superada a formao profissional especializada, predominante na poca em que

    a produo econmica se baseava no artesanato. da que surgem as "escolas

    agronmicas e politcnicas", criadas pelos filantropos ingleses para habilitar o

    trabalhador ao exerccio de diversas profisses. Por isso, em Marx, a "instruo

    politcnica" refere-se ao ensino de muitas tcnicas. Mas ele no deu sua

    proposta o nome de "educao politcnica" ou "educao tecnolgica", pois

    concebia a educao de uma forma bem mais ampla, incluindo tambm a

    educao intelectual e fsica.

    Vamos tomar o conceito em Gramsci de Revoluo Passiva e Contra

    Reforma: a prtica do transformismo como modalidade de desenvolvimento

    histrico, um processo que, atravs da cooptao das lideranas polticas e

    culturais das classes subalternas, busca exclu-las de todo efetivo do

    protagonismo nos processos de transformao social. Nas palavras de Gramsci,

    como uma ditadura sem hegemonia (CC, 5, 330), o Estado protagonista de uma

    revoluo passiva no pode prescindir de um mnimo de consenso. E Gramsci

    nos indica o modo pelo qual as classes dominantes obtm este consenso mnimo,

    passivo, no caso de processos de transio pelo alto, igualmente passivos. A

    poca neoliberal no destri integralmente algumas conquistas do Welfare, o que

    se deve, sobretudo, resistncia dos subalternos. Por outro lado, nos crculos

    neoliberais mais ligados chamada "terceira via, e at mesmo em organismos

    financeiros internacionais como o Banco Mundial, vem se manifestando nos

    ltimos tempos uma "preocupao" em face das consequncias mais desastrosas

    das polticas neoliberais, que continuam a ser aplicadas, entre as quais, por

    exemplo, o aumento exponencial do desemprego. Mas esta "preocupao" que

  • levou adoo de polticas sociais compensatrias e paliativas, com a criao de

    Programas Profissionalizantes no anula o fato de que estamos diante de uma

    indiscutvel contra-reforma.

    Lembremos que Gramsci nos adverte como vimos antes, para o fato de

    que "as restauraes [no so] um bloco homogneo, mas uma combinao

    substancial, se no formal, entre o velho e o novo (Gramsci, 5, 143). O que

    caracteriza um processo de Contra-Reforma no assim a completa ausncia do

    novo, mas a enorme preponderncia da conservao (ou mesmo da restaurao)

    em face das eventuais e tmidas novidades.

    Estes conceitos e categorias sero imprescindveis para a anlise do

    PROEJA em uma perspectiva de desvelar suas prticas e intenes na

    conformao da classe trabalhadora.

    Metodologicamente, a base marxista gramsciana possibilitar a

    observao de nosso objeto e seu lugar na hegemonia ou na contra-hegemonia

    das relaes sociais no perodo de instaurao das polticas neoliberais no Brasil.

    A crtica instrumentalizao de projetos de cunho progressista, levados

    adaptao a uma nova conformao societria que torna nebulosa a sociedade

    civil, escondendo as relaes de classe, da qual esta o espao dinmico e

    contraditrio um dos objetivos que nos norteiam. Para Neves os reformadores

    do Estado brasileiro baseavam-se na lgica liberal de que a sociedade civil

    corresponde esfera do social, sendo parceira do Estado na execuo dos

    servios sociais. Assim sendo, o que se defendia era a Terceira Via de Anthony

    Gidenns reconstruir o Estado ir alm daqueles que afirmam que o governo

    o inimigo, e da esquerda que afirma que o governo a resposta.

    Com preocupao central do papel real e transformador da educao e

    considerando que ela deve gerar agentes sociais e histricos conscientes, a lente

    desta anlise a terico-crtica. Uma anlise onde se investiga o avano real de

    uma poltica educacional e de seus limites, limites estes que devem ser

  • reconhecidos por todos agentes envolvidos, ou seja, a comunidade escolar que

    tem o PROEJA como realidade institucional.

    Como procedimentos metodolgicos, a anlise documental

    institucional , a pesquisa bibliogrfica, a aplicao de questionrios e entrevistas

    ao corpo docente e discente, alm da observao participativa, compem o

    quadro desta pesquisa etnogrfica: Estudo de campo, convivncia com os atores

    que fazem parte do objeto de estudo.Os Procedimentos sero anlise qualitativa,

    observao participada, entrevistas,questionrios estruturado e semi-estruturado.

    Os objetivos da pesquisa sero Investigar a materializao da Pedagogia

    da Hegemonia nos programas do Governo Luis Incio Lula da Silva,

    especificamente o PROEJA no sentido de constatar se a Integrao, presente nos

    documentos oficiais, se d como uma forma de emancipao em uma perspectiva

    omnilateral ou como uma contra-reforma. Identificar a concepo e percepo

    dos professores em relao ao ensino e aprendizagem no PROEJA com vistas ao

    currculo integrado. Analisar o perfil dos docentes e de sua prtica pedaggica

    dirigida aos jovens e adultos acerca da proposta de currculo Integrado.

    Identificando a eficincia da Pedagogia da Hegemonia, atravs de entrevistas

    com os alunos do PROEJA, atravs da anlise dos nveis de satisfao com o

    Programa, se este atende suas expectativas profissionais de insero no mundo

    do trabalho.

  • Referncias bibliogrficas:

    BRASIL-SECRETARIA DE EDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA - DOCUMENTO BASE- PROEJA. 2006.

    BOITO JR. Armando. Hegemonia Neoliberal e Sindicalismo no Brasil. Revista Crtica Marxista. N3. So Paulo, Editora Brasiliense. 1996.

    DE TOMMASI, Mirian Jorge, e HADDAD, Srgio (org.) (1998): O Banco Mundial e as Polticas Educacionais - So Paulo: Cortez.

    FRIGOTTO,Gaudncio.Concepes e Mudanas no Mundo do Trabalho,So Paulo.Cortez.2005

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    HARVEY, David. Condio ps-moderna. 14 edio. So Paulo: Loyola, 1992. 349p

    MSZROS, I. A educao para alm do capital. So Paulo: Boitempo,2005.

    NEVES, Lcia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da Hegemonia: estratgias do capital para educar o consenso. So Paulo: Xam, 2005.