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1 1815 foi um ano chave para a expansão do capitalismo na Europa e no mundo. O fim das guerras napoleónicas, levaram a Santa Aliança saída do Congresso de Viena, a restaurar as monarquias derrotadas da Europa, concedendo à burguesia a «liberdade» dos negócios que esta tanto desejava. «Liberdade» que aliada ao avanço tecnológico, com o carvão e a máquina a vapor, consagraria a expansão da primeira revolução industrial. Face a um século XVIII que libertou os campos de «gentes», com um aumento exponencial da produtividade, mas cuja manufactura artesanal ainda não respondia às necessidades de acumulação de capital. Nas «gentes» migradas do campo para cidade, em torno da indústria, nascia e crescia uma classe operária - um proletariado fabril, onde germinava a semente da mudança e do futuro. Da «era do capital», como apelidou Hobsbawm, entre 1848 às crises da primeira globalização de 1870, as contradições e os limites do sistema agudizavam-se. O sistema passava da sua maturidade para a sua fase superior, como apontou Lenine - o imperialismo. Onde o capital monopolista e o capital financeiro «reinavam» entre as rivalidades inter-imperialistas, pela hegemonia e controlo da periferia do sistema capitalista mundial. A crise por detrás das crises tornava-se mais nítida, apesar da adaptabilidade do sistema. A sobre-acumulação de capital sobre todas as formas tornava-se um garrote pesado, para suster o motor de acumulação de capital e a Lei do Valor cumpria-se, com a tendência para a baixa das taxas médias de lucro. Uma crise de rentabilidade latente e em gestação, irrompia do século XIX para o XX, pondo a nu, com o principal leitmotif do sistema - a taxa de lucro, a sua contradição fundamental, entre a socialização da produção e a apropriação privada das condições de produção (a questão da propriedade dos meios de produção), onde a acumulação de capital se torna o principal obstáculo à continuação do processo de valorização do capital. O limite histórico do sistema. A resposta clássica do sistema à(s) crise(s), identificada por Marx desde o Manifesto Comunista de 1848, passa pela destruição do capital. Pela destruição de uma massa das forças produtivas e pela conquista ou melhor aproveitamento de novos mercados. Como Fénix renascida, a regeneração do sistema passa pela destruição de capital sobre todas as formas, para criar as condições de valorização ao capital remanescente. E que maior contributo para destruir que não seja o da guerra. A crise da primeira globalização acabou numa guerra mundial. No entanto, durante a primeira guerra mundial imperialista, culminando décadas de luta e crescimento do movimento operário, a revolução de Outubro abria ao mundo o socialismo. Olhar o século XIX e o início do século XX ajuda a compreender, tendo em conta as actuais condições objectivas e subjectivas, a profunda crise que o sistema capitalista mundial atravessa por detrás da(s) crise(s) que vai tendo. A crise de rentabilidade do sistema, onde a Lei do valor «grita» mais alto, e a crise de hegemonia da sua potência central - os Estados Unidos. O sistema encontra-se sitiado entre o grau de sobre- acumulação de capital atingido, a sua sobre-extensão planetária e os limites impostos pela natureza, com a delapidação acelerada e irracional dos recursos naturais que «alimentam» a acumulação de capital. A sua resposta clássica - destruição de capital, traz à tona o espectro da Guerra. O capitalismo constitui hoje a principal ameaça para a sobrevivência e progresso da humanidade. Introdução Século XIX - Fases e Tendências da evolução do sistema capitalista mundial

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1815 foi um ano chave para a expansão do capitalismo na Europa e no mundo. O fim das guerras napoleónicas, levaram a Santa Aliança saída do Congresso de Viena, a restaurar as monarquias derrotadas da Europa, concedendo à burguesia a «liberdade» dos negócios que esta tanto desejava. «Liberdade» que aliada ao avanço tecnológico, com o carvão e a máquina a vapor, consagraria a expansão da primeira revolução industrial. Face a um século XVIII que libertou os campos de «gentes», com um aumento exponencial da produtividade, mas cuja manufactura artesanal ainda não respondia às necessidades de acumulação de capital. Nas «gentes» migradas do campo para cidade, em torno da indústria, nascia e crescia uma classe operária - um proletariado fabril, onde germinava a semente da mudança e do futuro. Da «era do capital», como apelidou Hobsbawm, entre 1848 às crises da primeira globalização de 1870, as contradições e os limites do sistema agudizavam-se. O sistema passava da sua maturidade para a sua fase superior, como apontou Lenine - o imperialismo. Onde o capital monopolista e o capital financeiro «reinavam» entre as rivalidades inter-imperialistas, pela hegemonia e controlo da periferia do sistema capitalista mundial. A crise por detrás das crises tornava-se mais nítida, apesar da adaptabilidade do sistema. A sobre-acumulação de capital sobre todas as formas tornava-se um garrote pesado, para suster o motor de acumulação de capital e a Lei do Valor cumpria-se, com a tendência para a baixa das taxas médias de lucro. Uma crise de rentabilidade latente e em gestação, irrompia do século XIX para o XX, pondo a nu, com o principal leitmotif do sistema - a taxa de lucro, a sua contradição fundamental, entre a socialização da produção e a apropriação privada das condições de produção (a questão da propriedade dos meios de produção), onde a acumulação de capital se torna o principal obstáculo à continuação do processo de valorização do capital. O limite histórico do sistema. A resposta clássica do sistema à(s) crise(s), identificada por Marx desde o Manifesto Comunista de 1848, passa pela destruição do capital. Pela destruição de uma massa das forças produtivas e pela conquista ou melhor aproveitamento de novos mercados. Como Fénix renascida, a regeneração do sistema passa pela destruição de capital sobre todas as formas, para criar as condições de valorização ao capital remanescente. E que maior contributo para destruir que não seja o da guerra. A crise da primeira globalização acabou numa guerra mundial. No entanto, durante a primeira guerra mundial imperialista, culminando décadas de luta e crescimento do movimento operário, a revolução de Outubro abria ao mundo o socialismo. Olhar o século XIX e o início do século XX ajuda a compreender, tendo em conta as actuais condições objectivas e subjectivas, a profunda crise que o sistema capitalista mundial atravessa por detrás da(s) crise(s) que vai tendo. A crise de rentabilidade do sistema, onde a Lei do valor «grita» mais alto, e a crise de hegemonia da sua potência central - os Estados Unidos. O sistema encontra-se sitiado entre o grau de sobre-acumulação de capital atingido, a sua sobre-extensão planetária e os limites impostos pela natureza, com a delapidação acelerada e irracional dos recursos naturais que «alimentam» a acumulação de capital. A sua resposta clássica - destruição de capital, traz à tona o espectro da Guerra. O capitalismo constitui hoje a principal ameaça para a sobrevivência e progresso da humanidade. Introdução Século XIX - Fases e Tendências da evolução do sist ema capitalista mundial

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O período que medeia entre o fim das guerras napoleónicas (1815) e o «fim» da Grande Deflação (1896), apesar das oscilações do ciclo comercial, foi marcado por três fases distintas. A primeira fase decorreu entre 1815 e 1848, sendo caracterizada pela crise de «expansão» ou de crescimento do sistema capitalista, com a desaceleração das taxas de crescimento do produto a serem pontuadas com quatro episódios de crise (1817, 1825, 1836-39, 1846-1848), a última das quais marcada por uma crise do tipo «antigo» (pré-capitalista) – sobprodução de alimentos (1846-1847). A segunda fase decorreu de 1849 até a primeira globalização de 1870, sendo marcada pela expansão do sistema, com um forte aumento do produto, pontuada com duas recessões (1857 e 1866), as quais têm pela primeira vez um verdadeiro cariz mundial. De acordo com as estimativas de Maddison, a taxa média de crescimento do produto mundial quase triplicou entre 1820 e 1870. Os Estados Unidos e a «Alemanha» quintuplicavam a sua taxa média de crescimento em igual período e a Inglaterra (principal potência da época), triplicou a sua taxa de crescimento médio.

A última fase decorreu entre 1873 e 1896, com a duplicação da taxa média de crescimento do produto mundial, apesar da desaceleração das taxas médias de crescimento do produto dos Estados Unidos e da Inglaterra. Esta fase foi ainda marcada por uma longa depressão/deflação, com três crises, que tiveram como principal elemento deflagrador o «caminho-de-ferro» (1873-1876, 1882 e 1890-93), mas que na sua génesis evidenciavam a desproporção crescente entre o desenvolvimento das forças produtivas (expansão dos meios de produção e consequentemente da capacidade produtiva) e o incipiente crescimento do consumo ainda não massificado. Facto que tornava visível a sobreprodução crescente de segmentos industriais do sistema capitalista mundial. As taxas de lucro entravam em queda, a par e em resposta com o fenómeno crescente de financeirização e de elevada concentração e centralização do capital.

Produto, média da % variação anual, 1500-2001, Mad dison

1500-1820 1820-1870 1870-1913 1913-1950 1950-1973 1973-2001Alemanha 0,37 2,00 2,81 0,30 5,68 1,75

Estados Unidos 0,86 4,20 3,94 2,84 3,93 2,94Japão 0,31 0,41 2,44 2,21 9,29 2,71

Inglaterra 0,80 2,05 1,90 1,19 2,93 2,08Russia/URSS 0,47 1,61 2,40 2,15 4,84 -0,42

Europa Ocidental 0,40 1,68 2,11 1,19 4,79 2,21Europa Leste 0,41 1,41 2,33 0,86 4,86 1,01

América Latina 0,23 1,22 3,48 3,42 5,38 2,89Ásia (sem Japão) 0,29 0,05 0,97 0,82 5,17 5,41

África 0,15 0,75 1,32 2,57 4,43 2,89Mundo 0,32 0,93 2,11 1,82 4,90 3,05

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Este período de 1815 a 1896 foi marcado assim por três tendências globais, a primeira das quais foi para o aumento global do produto, cujo auge ocorre na fase de expansão do sistema entre 1849 e 1870. A outra foi para a redução generalizada dos preços, cujo auge é marcado pela Grande Deflação de 1873-1896, consequência da internacionalização do capital, da expansão geográfica do sistema e do aumento da concorrência intercapitalista. Este foi também o período de afirmação dos Estados Unidos como potência central do sistema, da unificação alemã e italiana e da industrialização do Japão, com a restauração Meiji. Esta tendência ocorreu apesar de períodos inflacionários entre 1849 e 1870. Mas a mais importante foi a baixa das taxas médias de lucro e as dificuldades crescentes na obtenção das taxas de lucro esperadas por parte dos capitalistas, para manter o processo de valorização do capital. Da era do capital à globalização de 1870 Desde o fim das guerras napoleónicas que o ciclo comercial começou a afirmar-se no sistema capitalista mundial, sobretudo na Inglaterra e nos sectores emergentes industrializados/internacionalizados de alguns países (por exemplo, a Bélgica). Mas entre 1820 e 1848, a expansão do sistema capitalista e a afirmação da primeira revolução industrial, baseada no vapor/carvão e na indústria têxtil, perdia algum fulgor, ficando em grande medida circunscrita à Inglaterra. A industrialização crescia, mas parecia incapaz de expandir o mercado para os seus produtos e de aumentar a rentabilidade do capital acumulado. Este foi um período de revoluções liberais, de luta pelo sufrágio universal (Movimento Cartista, 1838) em que a classe burguesa prosseguia a luta pela sua afirmação política, na senda da revolução francesa de 1789. A industrialização trazia consigo a emergência de um proletariado urbano, ainda não consciente, mas em crescimento.

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Foi em 1846, com a abolição das Corn Laws, que se deu um passo determinante para expandir mercados e aumentar as taxas de lucro. A promoção da liberalização do comércio internacional e o embaratecimento dos meios de reprodução do trabalho que esta acarretava (neste caso, dos bens alimentares), contribuiu para a desvalorização do salário de subsistência, aumentando efectivamente o trabalho não-pago e consequentemente a taxa de exploração. A crise agrícola de 1846-1847 e a crise económica de 1846-1848 potenciaram uma revolução social generalizada em resposta, com o surgimento de movimentos insurreccionais em várias regiões do centro da Europa (Hungria, França, Alemanha, Polónia, República Checa, Eslováquia, ex-Jugoslávia, Roménia e Áustria), derrubando governos e instaurando a república, nomeadamente em França. Foi o período da «Primavera dos Povos», dos quarante-huitard e das barricadas. É neste contexto político e económico, de forte convulsão social e de crise de expansão do sistema capitalista, que Marx e Engels publicaram – o Manifesto Comunista (1848). Estas revoluções acabariam por ser reprimidas pela força. As debilidades do movimento operário e o seu grau de consciência e organização ainda tinham um percurso a fazer. Iniciou-se então um período de contra-revolução que acabou por sair vitorioso. Na repressão sangrenta dos operários franceses em Junho de 1848 podia-se vislumbrar a Comuna de Paris de 1871. A burguesia saiu vitoriosa, afirmando no plano político o seu projecto de liberalismo económico no contexto da reacção de 1850. Descobriu que a revolução social trazia riscos para a manutenção da (sua) propriedade e que a doutrina do liberalismo económico podia avançar pelo desenvolvimento das forças produtivas, sem grandes «revoluções». A meio de 1860, aquando da afirmação da primeira internacional socialista (1864) e no decorrer de importantes lutas operárias após a crise de 1866, a burguesia «descobre» o reformismo, na formação dos primeiros partidos social-democratas, para continuar a gerir as mudanças sem por em causa a propriedade, ou seja, a relação social que o capital corporiza. É nesta resposta que se criaram as condições políticas para um novo ciclo de expansão do capital. A burguesia assumiu a liderança, com alianças políticas com o poder reinante e a capacidade de mobilização das camadas populares não-burguesas, sobre o lema «industrialização – progresso – parlamento». As trocas comerciais intensificaram-se, promovidas pela potência central – a Inglaterra, apoiada no sistema monetário da Libra/ouro, o mercado da sua Commonwealth e na sua poderosa marinha mercante (e militar). A descoberta de novas jazidas de ouro na Austrália e nos EUA, potenciaram a expansão monetária, a par da inflação. O comércio livre beneficiava sobretudo a Inglaterra, que comprava matérias-primas baratas na sua periferia colonial em troca de produtos industriais ingleses. Era aplicação prática da lei das vantagens comparativas de Ricardo. A revolução científica-técnica permitiu a expansão internacional do capital e uma maior divisão internacional do trabalho, tendo conta os novos meios de comunicação e o embaratecimento dos custos de transporte (o telégrafo, o comboio e o barco a vapor). O comboio contribuiu para a unificação dos mercados nacionais e internacionais, conjuntamente com as infra-estruturas portuárias, permitiu o escoamento da produção e a obtenção das matérias-primas essenciais da periferia do sistema. A par da indústria têxtil, central no desenvolvimento do sistema capitalista de então, desenvolveram-se a indústria da siderurgia e, mais tarde, a indústria química.

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Esta foi a época das exposições universais (a primeira em Londres, 1851) e de inúmeras invenções que permitiram melhorar a produtividade do trabalho e a distribuição de mercadorias. Como afirmava Marx no Manifesto, «a burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto, as relações de produção, portanto as relações sociais todas». Os preços estimulavam as taxas de lucro e o aumento da produção, o que permitiu mesmo elevar os salários que se encontravam a níveis muito baixos. Existia uma mão-de-obra abundante. Os ganhos de produtividade cresceram. Os bens de produção acumulavam-se. Aumentavam os meios monetários em circulação e os instrumentos financeiros para fazer face às necessidades de transacções internacionais. Este período de expansão foi interrompido em 1857, com a «primeira» crise do sistema capitalista mundial, com epicentro nos Estados Unidos e na Inglaterra, que se estendeu depois à França e à Alemanha. Esta foi a primeira crise do ciclo comercial de cariz internacional, com componentes financeiras (precursora do crash bolsista nos Estados Unidos em 1880 e depois em 1907) e económicas sincronizadas. Crescia a desproporção entre os meios monetários/financeiros em circulação e base material que lhe dá suporte, a massa de mais-valias. O capital financeiro expandia-se, a par com o crédito, mostrando a sua índole cada vez mais fictícia. E as bolhas especulativas de activos surgiam tal como hoje, com especulação imobiliária em torno dos terrenos do caminho-de-ferro. A par da entrada em insolvência de grandes instituições bancárias (como Ohio Life), os pânicos bancários generalizavam-se. A crise alastrava-se à América Latina, sobretudo ao Brasil. Nos Estados Unidos a crise só viria a ser «superada» pela guerra civil americana (1861-1865). A destruição de capital conseguiu criar as condições para a retomar o processo de valorização de capital, mas crise voltaria em 1866, com uma nova recessão, após um novo pânico bancário e o afundamento do Berend, o banco dos bancos em Inglaterra.

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É no rescaldo da crise de 1857, que Marx completou os seus elementos de crítica política do modo de produção capitalista (Grundrisse). É também no rescaldo de outra crise, a de 1866, que Marx publicou o Capital. Contudo, ainda estávamos no auge da fase de maturidade do sistema, a globalização de 1870 ainda não tinha se iniciado. Como já tinha afirmado Marx no Manifesto, «a necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se implantar em toda a parte (...) pela sua exploração do mercado mundial, configurou de um modo cosmopolita a produção e o consumo em todos os países». A «grande depressão» de 1873-1896 ficou marcada pela queda acentuada das taxas média de lucro e pela deflação. A concorrência inter-capitalista aumentou, com novas potências industriais a surgirem (Estados Unidos, a «Alemanha» e, mesmo, o Japão) e a aproveitarem os problemas de sobre-extensão do império Britânico. Apesar do produto e do investimento continuarem a crescer durante este período, mas com o abrandamento das taxas de crescimento do produto, a rápida expansão do centro imperialista não assegurava as taxas de lucro esperadas e as necessidades de valorização do capital. Após a «guerra de preços» recrudesceram as convulsões sociais e as lutas operárias, um período de intensificação da luta de classes, com a resistência dos trabalhadores a pagar o «custo da concorrência», ou seja, que os salários nominais não se reduzissem tanto como os preços. O papel do estado e as novas fronteiras políticas d a Europa «O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa», afirmava Marx no Manifesto. É no século XIX que, no fundo, o capitalismo reinventou o Estado moderno. O desenvolvimento das relações sociais de produção capitalistas promoveram a integração política dos territórios («Estado-nação») após a unificação dos mercados ao nível local, nacional e depois internacional. A criação de um mercado interno em torno das fronteiras de um Estado centralizado, vai ser a base de protecção e fomento da industrialização nascente, que após um determinado desenvolvimento das forças produtivas, abriria o caminho para a internacionalização e o aumento da concorrência externa (com a promoção das exportações), com os Estados a assumirem a defesa externa do capital e a conquista de novos mercados, por via diplomática ou por via das armas. O «Estado unificado» promove o liberalismo económico, criando legislação favorável ao desenvolvimento das actividades empresariais. Investe na rede de transportes interna e externa, para unificar os mercados e assegurar a distribuição de mercadorias. Promove um proteccionismo selectivo das suas fronteiras, através do estabelecimento de uma pauta aduaneira, com vista a proteger as suas indústrias nascentes. Na Europa, a unificação alemã e italiana ocorreu por força das armas e sobre a hegemonia dos reinos da Prússia e Sabóia respectivamente. A Itália unificou-se entre 1859 e 1870, após a guerra contra o império de Habsburgo/Áustria (1859-60 e 1866). Entre 1854 e 1871, as guerras pela hegemonia da Europa marcaram a definição das principais potências continentais. A Alemanha afirmou-se como potência industrial, militar e colonial, nomeadamente com a vitória da Prússia e dos Estados alemães sobre a França (a derrota de Napoleão III na batalha de Sedan em 1870). A guerra com a França (1870-71) levada a cabo por Bismarck permitiu a afirmação da Prússia como estado central da Alemanha. Um facto que convém sublinhar, é que as rivalidades inter-imperialistas não a apagavam a unidade de classe estratégica entre a vencedora (Alemanha) e vencida (França) no esmagamento do primeiro governo operário – a Comuna de Paris (Março 1871), com a

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libertação atempada dos soldados franceses após a assinatura do tratado de armistício (Frankfurt). Mais a leste, a Guerra da Crimeia entre 1854 e 1856, que opunha a Rússia à Inglaterra (envolvendo a França também), em torno do papel geoestratégico da Turquia, acabou com a derrota russa e com abertura de brechas no regime czarista. Seguiu-se na Rússia um período de convulsões sociais e reformas, que levou à abolição da servidão (1861) e à criação das condições necessárias para o surgimento do movimento revolucionário russo no final de 1860. Ao nível europeu as fronteiras eram redesenhadas e definiam-se os «rivais» do império britânico, naquele que foi o período de forte concorrência intercapitalista pós-1870. Na Ásia, a Restauração Meiji (1868) promoveu a abertura comercial do Japão e sua industrialização, iniciando-se o processo de centralização do Estado e de eliminação do feudalismo. Surgiam os «rivais» intercontinentais na periferia do sistema capitalista mundial, a futura tríade estava em gestação. O novo «líder» do sistema capitalista mundial Afirmação dos Estados Unidos como potência mundial fomentou-se paulatinamente desde a guerra da independência no século XVIII (1775-1783) face a Inglaterra, na sua expansão territorial com a independência do Texas (1836), na afirmação da hegemonia continental com a guerra com o México (1846-1848). A repressão da «Primavera dos Povos» na Europa contribuiu para um afluxo crescente de emigrantes para o «Novo Mundo», a par da descoberta de ouro na Califórnia (1848). Foi a guerra civil americana (1861-1865) que pôs dois modelos económicos em confronto – a industrialização nascente protegida pelo Estado a Norte e uma agricultura de monocultura (algodão) de base esclavagista integrada no comércio internacional a Sul (principal abastecedor de Inglaterra). A vitória do Norte foi o passo essencial para afirmação da nova potência central do sistema capitalista mundial e do desenvolvimento das relações sociais de produção capitalista. A expansão territorial continuou em 1867, com a compra do Alasca à Rússia. Alasca que terá uma importância vital nos anos 80 do século XX com a descoberta de novas reservas de petróleo. 1870 marca também o ano em que o produto dos Estados Unidos ultrapassa o da Inglaterra.

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Em 1880, começou o declínio da hegemonia britânica. Os Estados Unidos afirmou-se como a principal potência industrial e mesmo financeira, com um enorme mercado interno e sua progressiva unificação, por via do desenvolvimento do caminho-de-ferro. Da primeira globalização à primeira guerra mundial A globalização de 1870 a 1913 teve dois períodos distintos. Um período de deflação (1870-1896), com a taxa de inflação média para todo o período a situar-se nos 0,4%, seguido de um período de rápida financeirização (1896-1913), pontuado com crises financeiras no centro do sistema capitalista (1907-1908). O crescimento das exportações (quase 4% ao ano) evidenciava o crescimento do comércio internacional, a par de aumento do grau de concentração e centralização do capital. As crises agrárias proliferavam na periferia, com a política de preços imposta pelas lógicas do centro (1876-1902). A Inglaterra era o motor da expansão do comércio mundial – a «ilha do liberalismo», com o proteccionismo das indústrias nascentes nos Estados Unidos, Alemanha e Japão. A Inglaterra assegurava o sistema monetário internacional, baseado em taxas de câmbio fixas e na convertibilidade da Libra Esterlina ao Ouro. O rápido desenvolvimento das forças produtivas foi acompanhado pelo crescimento do operariado urbano e o reforço da sua organização. Aumentou-se a escala da produção e ampliou-se o mercado mundial, através do aproveitamento da revolução dos meios de produção possibilitada por novas invenções. Ao vapor, comboio e telegrafo, junta-se a electricidade e a lâmpada eléctrica (1878-1880, Edison), o telefone (Bell), o motor de combustão (1883), o automóvel (1885, Benz), a rádio (1896, Marconi), o motor diesel (1897, Diesel), a aspirina (1896, Bayer), o avião (1903-1906, Wright-Dumont), o Modelo T (1908, Ford), o plástico (1909, Baekeland). Aplicação da ciência à produção incrementou os ganhos de produtividade no trabalho e capacidade produtiva instalada do sistema, com o rácio capital/produto a aumentar rapidamente nas principais potências capitalistas.

Produto, mil milhões Geary-Khamis dólares, Maddison

0100

200300

400500

600

1820 1870 1913

Inglaterra EUA Alemanha

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Mas sem dúvida, que as duas «invenções» que marcaram o desenvolvimento do modo produção capitalista, foram a aplicação do taylorismo (1907) à gestão da empresa capitalista, que permitiu uma divisão detalhada do trabalho, conducente a uma maior mecanização da produção, e a introdução da linha de montagem nas fábricas de Ford (1913). Nascia assim uma industria de massas para um consumo de massas, garantindo a redução dos custos unitários de produção (trabalho). A forte expansão da ferrovia permitiu embaratecer o custo de transporte e unificar cada vez mais o mercado mundial. Em 1869, inaugurou-se a primeira via transcontinental de costa a costa nos Estados Unidos. No mesmo ano, inaugurou-se o canal do Suez, a ligação Europa/Ásia) e a segunda grande via transcontinental, a transiberiana na Rússia, foi inaugurada em 1904. Em 1914 foi aberto o canal do Panamá, ligando o oceano Atlântico ao Pacífico. Neste período solidifica-se a hegemonia industrial alemã, a afirmação dos Estados Unidos como potência central do sistema, a industrialização do Japão e inicia-se o processo de industrialização/modernização económica na Rússia, ou seja, de expansão das relações de produção capitalistas. Com excepção dos Estados e da Inglaterra, as taxas médias de crescimento do produto aumentam (apesar de a um ritmo inferior a décadas anteriores) nos principais países capitalistas, sobretudo no Japão. O processo de Industrialização também se estende à periferia do sistema, nomeadamente à América Latina – Argentina, Brasil e México, onde as taxas médias de crescimento do produto triplicam entre 1820-1870 e 1870-1913. Na primeira década do século XX começa a nascer um consumo de massas, de bens produzidos em larga escala, que fomentou também o crédito junto às camadas populares, a par com uma crescente terciarização das economias capitalistas mais desenvolvidas. A queda dos preços e taxas de juro, permitiu uma maior inclusão do consumo das massas, apesar da pressão para a baixa dos salários reais e do fenómeno do desemprego crescente. Com o crescimento do proletariado com o avanço da industrialização e da progressiva consolidação do movimento operário, as lutas intensificaram-se na viragem do século. Lutas pela redução do horário de trabalho tornaram-se a grande bandeira do proletariado, de que são exemplo a luta pelas 8 horas em França conduzida pela CGT (1905-1908), as greves mineiras no Japão (1907) ou as greves na siderurgia nos Estados Unidos (Estado do Ohio) pelas 8 horas. Este foi um período de grande mobilidade de capital, trabalho e mercadorias, de grande liberdade comercial onde a única barreira era o nível de direitos aduaneiros (sem quotas

Produto Agregado (16 países) - 1871-1989

Produto Recessões Taxa Taxa Exportações% nº países Desemprego Inflação %

1870-1913 2,5 3 4,5 0,4 3,91913-1950 2,0 5 7,3 -0,7 1,01950-1973 4,8 1 2,6 4,1 8,61973-1989 2,6 2 5,6 7,5 4,7

Fonte: Maddison. Nota: produto e exportações - % da média de variação anual.

Taxa de Desemprego e Taxa Inflação - média dos valores anuais

Recessões - número médio de países em recessão

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ou outras restrições quantitativas ao comércio). Mas a crise agudizou-se, com a queda continuada das taxas de lucro. O capitalismo entra na sua fase superior, com os traços fundamentais identificados por Lenine (1916). Entravámos na «era do monopólio», de aceleração do processo de concentração e centralização do capital, com a concorrência cada vez mais oligopolista a nível mundial. A exportação de capitais assumia uma importância crescente face à exportação de mercadorias. O capital financeiro assumia o predomínio do processo de circulação capitalista, com a interpenetração do capital industrial e bancário, com o predomínio do financeiro sobre o produtivo. O total de activos financeiros em circulação em 1904 equivalia 20% do PIB mundial e quase 60% do PIB das nações capitalistas mais avançadas e exportadoras de capital. A expansão do crédito e do capital fictício tornavam-se a principal condição de manutenção artificial do processo de valorização do capital, face à dificuldade de obtenção das taxas de lucro esperadas na esfera produtiva. A apropriação e realização de mais-valias passava a uma escala mundial, com os mercados de capitais a serem os agentes da sua concentração e a centralização. A oligarquia dos grandes grupos financeiros, com o estabelecimento de relações de interdependência assimétrica, levou à divisão da periferia capitalista e ao apogeu do colonialismo. Para as principais potências imperialistas, o domínio de África e Ásia tornou-se a grande prioridade (aliás, como hoje). A Conferência de Berlim 1884-1885 procedeu à partilha colonial do continente africano pelas grandes potências imperialistas. A França dominava a Indochina e a China encontrava-se semi-colonizada pelas potências do centro (a questão do ópio). A Inglaterra tinha a sua Commonwealth. A imposição de lógicas de especialização produtiva de acordo com os interesses do centro/potências coloniais, levou a um desenvolvimento assimétrico das relações de produção capitalista e ao crescimento das assimetrias entre os países a nível mundial, com a convergência de rendimentos entre os países do centro e progressiva divergência da periferia do sistema capitalista mundial. Esta partilha mundial leva a um recrudescimento dos conflitos e das rivalidades inter-imperialistas na partilha do mapa-mundo, com a confrontação dos capitalismos nacionais ao nível mundial por mercados e recursos naturais. Como afirmava Lenine, «o século XX assinala, pois, o ponto de viragem do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a dominação do capital financeiro. (...) O predomínio do capital financeiro (...) [implica] a situação destacada de uns quantos Estados de poder financeiro em relação a todos os restantes». Os ganhos de produtividade e a exploração da periferia, a par da intensificação e fortalecimento do movimento operário, levou à solidificação de conquistas sociais por parte dos trabalhadores do centro do sistema capitalista mundial. O aprofundamento da crise sistémica - a Grande Depr essão e as Guerras Mundiais A segunda revolução industrial abriu portas a novas indústrias – automóvel, petróleo e produção eléctrica («Indústrias de segunda geração»), com base em invenções do final do século XIX e primeira década do século XX, mas o seu impacto inicial só se traduziria entre as guerras mundiais.

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Nas indústrias da «primeira geração» acumulava-se uma crise de rentabilidade, com a baixa tendencial das taxas de lucro, a sobreprodução e o excesso de capacidade industrial instalada. As condições do consumo de massa ainda se encontravam numa fase incipiente. O investimento em bens de produção e o consumo de «luxo», assentes na financeirização, eram os motores da expansão do capital. A(s) crise(s) acabariam por resultar na maior confrontação inter-imperialista a uma escala mundial (e desde 1815), com a primeira guerra mundial (1914-1918). A guerra acarretou uma ampla destruição de uma massa das forças produtivas (meios de produção/força de trabalho). O saldo traduziu-se num total de 8 milhões de mortos. 10% dos homens em idade activa foram mortos na Alemanha e França, 5% em Inglaterra. A Produção industrial caiu 38% em França e 39% na Alemanha. A guerra foi a resposta à sobre-acumulação de capital, mas seria insuficiente para encetar um novo ciclo de expansão do capital. A guerra também implicou mudanças geopolíticas importantes no centro do sistema capitalista mundial, com a derrota da Alemanha face à França ao nível continental (a que acresce a restituição da Alsácia-Lorena à França e a perda das possessões coloniais em África), com a afirmação dos Estados Unidos face à Inglaterra como potência hegemónica e com a emancipação da Rússia do jugo colonial franco-britânico, com o eclodir da revolução de Outubro em 1917. O sistema monetário internacional ruiu, com a destruição do sistema internacional de pagamentos baseado na libra/ouro. Mas as questões da expansão mundial do capitalismo, ligadas à confrontação inter-imperialista, mantiveram-se acesas. A hegemonia económica dos Estados Unidos no sistema capitalista mundial reforça-se no rescaldo da guerra. As reservas de ouro quadruplicaram durante a guerra (em 1921, os Estados Unidos detinham 40% das reservas mundiais de ouro). A indústria (o complexo industrial-militar) cresceu 41% face a 1913 e os custos económicos na Guerra foram bastantes menores (9% do produto) que nas restantes potências capitalistas envolvidas. A França e a Inglaterra endividaram-se junto aos Estados Unidos, 3 e 4 mil milhões de dólares respectivamente. A dívida pública das potências em confronto passou de 26 mil

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milhões de dólares antes da guerra para 225 mil milhões de dólares em 1925 – quase 9 vezes mais, mostrando o crescimento do endividamento. A Europa (a França e a também a Inglaterra) perdia o mercado russo em que tinha investido, contribuindo directamente com apoio militar aos Brancos face aos Vermelhos na guerra civil russa, que se seguiu à revolução de Outubro (1917-1921). No seguimento da revolução russa e com o fim da primeira guerra mundial, seguiram-se uma vaga de lutas operárias e greves em vários sectores estratégicos dos países do centro capitalista. Uma vaga revolucionária atravessa alguns países (Alemanha, Itália, Hungria) entre 1919-1920, no seguimento da constituição da III internacional (a internacional comunista) em Março de 1919. O pós-primeira guerra mundial foi marcado por quatro fases. Uma muita curta de boom económico, na sequência da ampla destruição de forças produtivas durante a guerra, mas que, que não foi suficiente para resolver os confrontos entre os capitalismos nacionais e a crise de rentabilidade/sobreprodução que se arrastava. Entre 1920 e 1921, o centro do sistema capitalista mundial voltou a entrar em crise. Esta foi uma crise de reconversão industrial, face a reorientação do complexo industrial durante a guerra. Seguiu-se depois um período de euforia, de crescimento da indústria automóvel e de valorização dos activos mobiliários e imobiliários, a prosperidade dos «loucos» anos 1920. Mas a crise germinava desde a guerra e esta não tinha criado as condições suficientes para lançar um novo ciclo de expansão do capital. O caminho precipitou-se com o crash bolsista de Wall Street em 1929, que acabou por arrastar as potências imperialistas mais desenvolvidas, sobretudo a Alemanha. A crise de sobreprodução em gestação era agravada, desde o final da primeira guerra mundial, com a crise nos mercados agrícolas a nível internacional. A rápida expansão da agro-indústria e da indústria alimentar estimulou a sobreprodução do sector agrícola, com a queda dos preços e dos rendimentos dos agricultores, contribuindo também para a redução do escoamento de produtos industriais (por exemplo, da Indústria química) e de bens de produção. A crise de 1920-1921 ficou assim marcada pela baixa dos preços, crashs bolsistas e tensões monetárias. A produção industrial reduziu-se quase para metade nos Estados Unidos e na Inglaterra, o desemprego em ambos disparou para os 11%. Os Estados Unidos iriam aprender a lição, sobre a necessidade de garantir escoamento para a sua produção excedentária e apoiar a consolidação de um mercado para as suas exportações. Foi este o principal objectivo do Plano Marshall para a Europa e, de certa forma, do «Plano» Dodge para o Japão, no pós-segunda guerra mundial. Com o crescimento do exército industrial de reserva e a intervenção dos governos para baixar salários, deu-se uma primeira resposta para retomar o processo de valorização de capital, com a intensificação da exploração do trabalho. Com a destruição de meios de produção e pelo processo de fusões & aquisições, o capital concentrava-se e centralizava-se, criando as condições para a retoma dos anos 20. As indústrias de «segunda geração» também contribuíram para um novo ciclo de expansão, nomeadamente com a massificação do automóvel. Esta primeira vaga de «auto-mobilização» é equivalente à que aconteceu no pós-segunda guerra mundial, contribuindo para a expansão de várias indústrias e serviços de apoio a montante e a jusante, desde o petróleo, borracha, vidro e aço, passando pelos serviços de reparação e os postos de abastecimento. O automóvel também trazia o investimento público em infra-estruturas, com o surgimento de redes rodoviárias e vias rápidas que estimulavam o investimento noutras redes, como a rede distribuição eléctrica. Pelas novas vias

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fomentava-se a urbanização de várias áreas e a expansão territorial das cidades (a urbanização e sub-urbanização). Nesta época, os Estados Unidos detinham 2/3 da produção de petróleo mundial, metade da produção de aço mundial e a produção eléctrica era equivalente à de todo o continente europeu. A indústria automóvel afirmava-se, com as «as três irmãs» de Detroit (Ford, General Motors e Chrysler) e as francesas (Peugeot, Renault e Citrôen). Em 1929, existiam 23 milhões de automóveis a circular nos Estados Unidos (19 por cada 100 habitantes). O capital industrial encontrava-se com um alto grau de concentração, com monopólios ou oligopólios nos principais sectores. Veja-se o exemplo nos Estados Unidos, da General Electric ou a Du Pont. Alguns dados com interesse, apesar de respeitarem a um período mais tardio. Em 1929, ocorreram 1.234 operações de fusão de empresas nos Estados Unidos. Em 1930, as 200 maiores empresas nos Estados Unidos detinham 38% da riqueza (activos) total das empresas e mais de 43% dos rendimentos das empresas não-financeiras. Em 1935, as três maiores empresas em cada sector em Inglaterra, controlavam 83% do material circulante, 82% da extracção de petróleo, 71% do aço, 48% da química, 43% da automóvel. Mas no pós-primeira guerra mundial, o sistema capitalista encontrou uma nova forma de responder à crise pela progressiva inclusão da classe trabalhadora no consumo, por via da baixa dos preços permitida pelos ganhos de produtividade (internacionalização, redução de custos) e da produção em massa (economias de escala), que estimulavam um consumo de massa para alimentar a acumulação capitalista. Uma «nova forma» de realizar a mais-valia, uma «nova forma» de produção capitalista. O contributo do taylorismo (divisão científica do trabalho) e do fordismo (linha de montagem), que permitiram uma divisão detalhada do trabalho (pequenas tarefas) em tarefas simples (trabalho homogéneo/maior rotação), intensificado o ritmo de trabalho por via da uniformização do tempo à linha de montagem (à máquina). A racionalização da produção permitiu uma mecanização da produção (ganhos de produtividade), substituído trabalho vivo por morto, nomeadamente com a passagem da fonte de energia do vapor para a electricidade (em 1929, nos Estados Unidos 70% da indústria já usava máquinas eléctricas). Contribuiu também para progressiva harmonização das mercadorias e dos acessórios, permitindo aumentar, não só o grau de mecanização, como reduzir os custos unitários de produção (em 1900 existiam 55 mil tipos de lâmpadas nos Estados Unidos, em 1923 só 342 tipos). Esta maior planificação do trabalho também foi aplicada aos escritórios e ao sector dos serviços de apoio a indústria em geral. Mas verdade é que este contributo para o aumento da escala e volume da produção, agravou a sobreprodução e a pressão para a baixa das taxas de lucros, que foram também agravados pela bolha especulativa que se gerou ao nível do mercado de capitais, na segunda metade dos anos 20 nos Estados Unidos. Dois factores acabaram por fomentar a situação, mostrando claramente a procura de rentabilidade noutros activos. O primeiro, a bolha especulativa no sector do imobiliário na Florida em 1925 e seu posterior esvaziamento, com a especulação imobiliária a fomentar os preços dos activos em paralelo com o crédito. Por outro lado, o retorno da Libra Esterlina ao padrão ouro, a sua valorização e a fuga de capitais/ouro para os Estados Unidos.

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A política monetária expansionista que se seguiu a pedido da Inglaterra e da França, com a descida da taxa de juro de referência por parte da Reserva Federal dos Estados Unidos e as operações de open market, que injectaram liquidez no mercado, permitiu a aquisição de activos a crédito e alimentar a bolha especulativa que se gerava ao nível dos activos mobiliários (acções). É de sublinhar que a crise financeira foi um sintoma de uma crise de rentabilidade mais profunda. A economia (a produção industrial) mostrava sinais de desaceleração antes do crash, nomeadamente a indústria automóvel. O investimento em bens de produção continuava, com o reinvestimento em bens de produção da liquidez gerada pelo crescimento do volume de lucros (apesar das pressões para a baixa das taxas de lucro). Mas os bens transaccionáveis cresciam de forma limitada, assim como o consumo. Nos Estados Unidos durante os anos 1920, o investimento em bens de produção cresceu a cima dos 6% ao ano, enquanto dos bens de consumo não chegava aos 3% ao ano. O consumo de massas nascente era posto em causa por um agravamento da distribuição do rendimento e pela desvalorização do poder de compra dos salários. Em 1929, nos Estados Unidos os 5% mais ricos detinham 1/3 do rendimento nacional. A 24 de Outubro de 1929, a Quinta-feira negra seguida da Terça-feira negra cinco dias mais tarde, pôs fim aos «loucos» anos 20 e despoletou, como um vulcão, o maior episódio de crise até então do sistema capitalista mundial – a Grande Depressão. A crise financeira, do crédito, agravou a crise de sobreprodução que se arrastava, restringindo a exportações de capitais dos Estados Unidos e suas importações, contagiando a Europa e arrastando consigo as principais potências capitalistas. Procedeu-se à maior destruição de forças produtivas até então, visível no desemprego em massa. A taxa de desemprego chegou a atingir os 22% nos Estados Unidos e os 17% na Alemanha. Entre 1929 e 1932, o índice Dow Jones desvalorizou 79% e o comércio mundial reduziu-se em 60%. Só entre 1932-1933 (o pico da crise), a produção industrial mundial reduziu-se em 40% e o comércio em 30%. Nos países capitalistas mais avançados, o desemprego total atinge os 30 milhões de trabalhadores. Nos Estados Unidos, em 1933, 1 pessoa em 4 estava sem emprego (13 milhões desempregados). Em 1938, 1 pessoa em 5, continuando assim até 1940. Na resposta à mais grave crise, o sistema capitalista reagiu de diversas formas, desde um esboço de um keynesianismo nascente (o New Deal nos Estados Unidos) até à ascensão do terror nazi-fascista (com a repressão total do trabalho na senda do aumento das taxas de exploração), na defesa da questão central ao capital - a propriedade. Mas só a segunda guerra mundial, com a destruição que acarretou (50 milhões de mortos) e com as condições que foram criadas no pós-guerra, fariam um interregno na longa crise do sistema capitalista durante os «trinta gloriosos». Como Galbraith sublinhou, a Grande Depressão nunca foi realmente superada, desapareceu no meio da mobilização para a guerra nos anos 40. Findas as condições, o sistema regressou ao estado de crise nos anos 70. E, em cada novo episódio crise, reduziu e reduz a sua capacidade de resposta aos futuros episódios de crise em gestação. E assim, nos encontrámos, em 2010... A questão central - a taxa de lucro

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Esta breve resenha histórica da(s) crise(s) do século XIX e do início do século XX contribui para a compreensão da reprodução do sistema capitalista mundial na actualidade e da profunda crise que este atravessa. Para compreendermos a(s) crise(s) do sistema capitalista, temos de compreender como o sistema se reproduz, ou seja, a acumulação capitalista e o processo de valorização do capital. Temos que reconhecer que a crise é sistémica e inerente ao modo de produção capitalista, germina das suas contradições e limites. Que o limite do sistema resulta dessa lei tendencial, mas sempre presente - a baixa das taxas de lucro. No fundo, que a barreira real ao processo de valorização do capital é o próprio capital. A evolução da taxa de lucro é por isso fundamental para compreendemos a evolução do sistema, os momentos de expansão e a(s) crise(s). A taxa de lucro é o principal orientador das decisões do capitalista, a mais-valia o seu regulador «escondido». O objectivo do processo de acumulação capitalista é valorizar o capital, obter um acréscimo de capital, na forma de dinheiro, que permita continuar a sua acumulação. É com base na taxa de lucro esperada que o capitalista toma as suas decisões de investimento, mas é a taxa de lucro efectivamente realizada quem mede o desempenho dos capitalistas, na sua luta por mais quota de mercado com outros capitalistas, através do «motor» da concorrência. A taxa de lucro mede a capacidade do capitalista extrair mais-valia da força de trabalho que comanda. As condições da sua maximização, através da redução dos custos unitários de produção (trabalho), mede a capacidade do capitalista transferir mais-valia de outros capitalistas menos eficientes. A taxa de lucro esperada é por isso o factor mais importante para determinar a taxa de acumulação e de crescimento do emprego das empresas capitalistas existentes, e com isso, o nível de crescimento do produto, produtividade e salários de uma determinada economia capitalista, assim como da procura agregada, por via do investimento e do consumo. Em última instância é o investimento capitalista que estimula a procura agregada, uma vez que é a compra por parte do capitalista de meios de produção (bens de produção e força de trabalho), que irá promover o consumo por parte de outros capitalistas (bens de produção) e dos trabalhadores (salários, consumo de bens e serviços). A perspectiva de não obtenção da taxa de lucro esperada ou perspectiva de uma taxa de lucro realizada inferior à esperada, leva a redução do investimento e com ele à interrupção do processo de acumulação. Existe assim uma ligação de longo prazo entre a rentabilidade capitalista e o crescimento do produto (acumulação), com a coincidência das fases de aceleração, desaceleração e retracção no curto prazo e de estagnação/declínio no longo prazo. O período pós-1870, assim como o período pós-1970, com a agudização em ambos os casos dos episódios de crise e o progressivo abrandamento do ritmo de acumulação, foram antecedidos pelo declínio da rentabilidade das empresas capitalistas nas potências do centro do sistema capitalista mundial. Na tríade, utilizando dados comparáveis da OCDE, as taxas de lucro desceram, para o período 1965-1978, 33% no Japão, 30% nos Estados Unidos e 19% na Alemanha. A baixa da rentabilidade leva a um declínio da taxa de acumulação e a uma intensificação da concorrência intercapitalista, ao nível nacional e internacional, por mercados, matérias-primas e força de trabalho. A redução dos custos de produção, obtida por intermédio dos

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ganhos de produtividade de um capitalista face aos outros, permite a este ganhar quota de mercado aos seus concorrentes, por via dos lucros adicionais, aumentado o potencial de investimento (mantendo os preços), ou por via da redução dos preços de venda. Ou seja, compensando uma taxa de lucro mais pequena com uma maior quota de mercado. Os ganhos de um capitalista, realizando taxas de lucro superiores às esperadas, são as perdas de outros, o que quer dizer que houve investimento em meios de produção que não será utilizado nem renumerado à taxa de lucro esperada, contribuindo para o excesso de capacidade produtiva instalada e o aumento estrutural do desemprego. Estes ganhos de um capitalista individual traduzem-se numa redução das taxas médias de lucro para o sistema globalmente. O volume de lucros pode baixar, tendo em conta que a remuneração (taxa de retorno) do capital face ao stock de capital existente tende a declinar. Tendo em conta a pressão concorrencial para reduzir custos de produção, os capitalistas intensificam a exploração por via do «ataque» aos salários. De uma forma directa, por via do aumento dos ganhos de produtividade através da mecanização (e/ou do aumento da intensidade de trabalho). De uma forma indirecta, com a importação de força de trabalho mais barata (imigração) ou exportação de capitais (deslocalização) para regiões com a força de trabalho mais barata (pondo as forças de trabalho em concorrência). A redução dos custos unitários da produção, através da intensificação do capital (capital fixo/bens de produção por unidade de produto) vai criar as condições para novos decréscimos da rentabilidade com o aumento da composição orgânica do capital. De acordo com as séries de Maddison, entre 1820 e 2001, o produto por hora trabalhada por pessoa (medida em dólares de 1990), aumentou 19 vezes na Inglaterra, 28 vezes nos Estados Unidos e 59 vezes no Japão. No mesmo período, o rácio capital (bens de produção)/produto passou dos 5% para os 80% na Inglaterra e dos 7% para os 109% nos Estados Unidos. No caso do Japão, passou dos 10% em 1870 para os 159% em 2001. Progressivamente, o aumento da taxa de exploração barra com limites «naturais» (a duração máxima do dia de trabalho) e a capacidade dos capitalistas em reduzir os salários reais, face à correlação de forças entre capital e trabalho em cada momento, que resulta da luta de classes. Assim, para contrariar o declínio da rentabilidade a resposta passa pelo aumento da produtividade, com o aumento da escala da produção (mais capital fixo por trabalhador) e a revolução permanente dos instrumentos de produção. A adopção de métodos produtivos cada vez mais eficientes (na redução de custos de produção), não é uma escolha do capitalista, é uma necessidade objectiva que decorre da concorrência no processo de circulação. Os capitais que dão mais eficiência à força de trabalho que comandam (chamam a si os ganhos de produtividade) elevam em cada crise o patamar da composição orgânica do capital, criando assim condições para uma nova crise. As dificuldades crescentes de obtenção pelos capitalistas das taxas médias de lucro esperadas e de realização das mais-valias geradas na esfera produtiva, provocam a interrupção do processo de acumulação capitalista e a sua transferência para a esfera financeira. A transferência de mais-valias para a esfera financeira e a antecipação dos resultados do processo de valorização por via do crédito, apenas adiam a consequência lógica da crise de rentabilidade. O crescimento dos meios monetários em circulação, o aumento do crédito e dos activos financeiros, são instrumentos de resposta à crise de rentabilidade, mas que

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progressivamente manifestam a sua natureza fictícia, com a desproporção crescente entre o seu «valor facial» e a base material que os sustenta. A destruição de forças produtivas, capital e força de trabalho, cria as condições para retomar o processo de valorização do capital (de restaurar as taxas de lucro), dependendo do grau de sobre-acumulação de capital em que o sistema se encontra. Cada episódio de crise implica uma modificação das relações sociais de produção e na resposta a cada episódio de crise o sistema diminui os meios de prevenção, potenciando novos e mais gravosos episódios de crise. A crise que presentemente vivemos é por isso a soma de todas as crises e do grau de sobre-acumulação atingindo pelo sistema capitalista mundial.

Na comparação directa entre a globalização de 1870 e a de 1970, vemos que a reprodução do sistema «obedeceu» à evolução das taxas de lucro, na passagem do capitalismo da sua fase de maturidade para sua fase imperialista. O período pós-1848 ficou marcado pela aceleração das taxas de acumulação em linha com o aumento das taxas de lucro, pelo crescente emprego da força de trabalho e pelo aumento dos preços. Contudo, o crescimento exponencial das forças produtivas não foi acompanhado pelo consumo. O declínio das taxas de lucro deu-se ainda no período de expansão, tornando-se visível a partir da crise de 1866. A intensificação da concorrência inter-capitalista acentuou-se por mais quotas de mercado, com o período de deflação de 1873-1896. Os episódios de crise tornaram-se mais frequentes e progressivamente mais gravosos, com o abrandamento das taxas de acumulação, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra. Cada interrupção do processo de acumulação fazia com que o processo retomasse a um nível mais baixo. A progressiva estagnação do produto, acelerava a financeirização. As «bolhas» de activos financeiros (e imobiliários) traduziram-se em crises financeiras, como a 1907. O grau de sobre-acumulação, o declínio da rentabilidade, tornavam-se uma barreira ao processo de valorização do capital.

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O ciclo em cima descrito é comparável ao ciclo encetado no pós-segunda guerra mundial, com a expansão nos anos 50 e 60 do século XX, a entrada em declínio das taxas de lucro no final dos anos 60, o retorno visível da crise nos anos 70, o agravamento da(s) crise(s) e a desinflação nos anos 80 e o alastramento da crise da periferia ao centro do sistema (de 1995 a 2001), com a deflagração de crises financeiras e a desaceleração da taxa de crescimento do produto mundial, à crise de 2007 em que presentemente nos encontramos. Se hoje o capitalismo tem outros instrumentos que não tinha aquando da Grande Depressão, como a existência de um consumo de massas e de um papel reforçado da intervenção do Estado, agravou, por um lado, a sua capacidade de resposta, tendo em conta o grau de financeirização e concentração e centralização do capital atingido, e encontra-se face a outros problemas, como seja o da sobre-extensão do sistema a nível mundial e os limites impostos pela natureza, com o grau de delapidação dos recursos naturais e de destruição ambiental atingido. ∴ A evolução do século XIX e a primeira metade do século XX do sistema capitalista mundial tem similitudes com a evolução do pós-guerra, nomeadamente com o retorno visível da crise nos anos 70. Similitudes exacerbadas pelo grau de sobre-acumulação de capital sobre todas as formas, pelos constrangimentos crescentes à valorização do capital face à elevação da composição orgânica do capital e aos aumentos de ganhos de produtividade, conducentes a um desemprego crescente e sistémico. Similitudes que passam também pelo esgotamento da indústria motor (no caso actual e ainda o automóvel), pelos constrangimentos energéticos (os hidrocarbonetos) e pela crise de hegemonia da potência central. A crise estrutural em que o sistema capitalista se encontra pode-se depreender das dificuldades crescentes do sistema em restaurar as condições de valorização do capital, ou seja, as taxas de lucro. Condições que permitam, não só retomar o processo de acumulação de capital, como encetar um novo ciclo longo de expansão do capital. Esta é a crise de rentabilidade em que sistema se encontra nos últimos quarenta anos. Acompanhada por um crescimento sistémico do desemprego. Crise de que resulta o excesso de capacidade industrial existente e do grau de sobre-produção de amplos segmentos do sistema capitalista mundial. Crise de que resulta o crescimento exponencial do crédito e do capital fictício para níveis sem paralelo na história do capitalismo. Crise que resulta da sobre-acumulação de capital sobre todas as formas. Crise que deriva da anarquia do modo de produção capitalista, da sua lógica de acumulação privada assente na maximização do lucro. Crise que resulta do grau de socialização da produção versus a apropriação privada das condições da mesma. Esta é relação social que o capital corporiza. Esta incapacidade de garantir o seu objecto orientador - a taxa de lucro e sua maximização para continuar ininterruptamente o processo de acumulação de capital, é o limite interno do processo de valorização do capital. O capitalismo criou um limite absoluto à sua própria expansão e valorização. Este é o limite do sistema capitalista. A questão é se o sistema ainda consegue revolucionar as relações sociais de produção modificando o seu paradigma produtivo, tecnológico e energético, para encetar um novo ciclo de expansão. Num quadro de sobre-extensão do sistema e em que os limites da natureza se impõem, face ao libelo predatório da acumulação ilimitada de capital. No quadro do capitalismo, só a guerra poderá provocar o grau de destruição do capital necessário para a restauração das condições de valorização do capital. A depressão e a guerra têm sido as duas marcas do desenvolvimento do sistema capitalista mundial nos últimos 200 anos.

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A(s) crise(s) só serão resolvidas pela superação do sistema. E está no sistema, em gestação, as condições da sua própria superação, cujo resultado dependerá da luta de classes. Só a luta e consciencialização dos trabalhadores poderá criar as condições do triunfo da civilização sobre a barbárie que grassa. Uma nova humanidade, emancipada da exploração, com raízes plantadas em Outubro. Esta é luta decisiva do século XXI, continuar a construção do socialismo. Notas O presente artigo, com algumas modificações e sem a parte de quadros e gráficos, foi publicado na revista Vértice nº 152, de Maio-Junho 2010, II Séri e. Este artigo teve como base as notas de preparação de um curso pós-laboral, cujo autor foi orientador, relativo "A Crise por detrás da(s) Crise(s), do século XIX ao presente, reflexões sobre a economia do sistema capitalista", que decorreu na Universidade Popular do Porto, de 16 de Abril a 3 de Junho de 2009. As duas séries de indicadores económicos apresentadas (1500-2001 e 1870-1989), baseiam-se nas séries estimadas por Maddison e podem ser consultadas em www.ggdc.net/maddison/. Estas estimativas devem ser tidas em conta como ordens de grandeza para avaliar tendências. Os outros dados apresentados no artigo, incluindo os de suporte cronológico, têm como referência principal quatro livros: "500 ans de capitalisme" de Gérard Vindt (Éditions Mille et Une Nuits); "A History of Capitalism 1500-2000" de Michel Beaud (Monthly Review Press); "The Great Crash - 1929" de J. K. Galbraith (Mariner Books); e, "A Era do Capital" de E. J. Hobsbawm (Editorial Presença). Ao nível da problemática da taxa de lucro, as referências têm como base quatro autores, apesar dos posicionamentos diferenciados: Chris Harman (diversos artigos podem ser consultados em www.isj.org.uk), Anwar Shaikh (consultar também homepage.newschool.edu/~AShaikh/), Robert Brenner (nomeadamente o livro "The Economic of Global Turbulence" da Verso) e Guilherme da Fonseca-Sttater (nomeadamente o livro "Anatomia da Crise" da Zéfiro). As citações de Marx e Lenine são referentes respectivamente ao "Manifesto Comunista" e ao "O Imperialismo - fase superior do capitalismo" publicados pelas Edições Avante.