producao musical na era das redes bruno soutilha

Upload: bruno-soutilha

Post on 07-Apr-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    1/86

    1

    UNIVERSIDADE ESTCIO DE SCOMUNICAOPUBLICIDADE

    PRODUO MUSICAL NA ERA DAS REDES: AGRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE

    INTERMEDIAO

    Bruno Costa Soutilha da Silva

    Rio de JaneiroJunho/2011

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    2/86

    2

    BRUNO COSTA SOUTILHA DA SILVA

    PRODUO MUSICAL NA ERA DAS REDES: AGRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE

    INTERMEDIAO

    Monografia apresentada como requisito para obteno dottulo de bacharel, do curso de Comunicao Social daUniversidade Estcio de S, com habilitao emPublicidade.

    ORIENTADOR: Prof Charbelly Estrella

    Rio de JaneiroJunho/2011

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    3/86

    3

    S586 Silva, Bruno Costa Soutilha daProduo musical na era das redes: a gravadora trama e seu novo modelo de

    intermediao / Bruno Costa Soutilha da Silva. Rio de Janeiro, 2011.80f. ; 30cm.

    Trabalho monogrfico (Graduao em Comunicao Social-Publicidade ePropaganda)-Universidade Estcio de S, 2011.

    1. Msica, produo. 2. Indstria fonogrfica. 3. Economia. 4. Redes sociais.I. Ttulo.

    CDD 780

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    4/86

    4

    BRUNO COSTA SOUTILHA DA SILVA

    PRODUO MUSICAL NA ERA DAS REDES: A GRAVADORA TRAMA E SEUNOVO MODELO DE INTERMEDIAO

    Grau: _________________________

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________________________________Prof. Charbelly Estrella

    ____________________________________________________________Prof. Flavia Werneck Torres Homem

    ______________________________________________________________Prof. Paulo Srgio Ribeiro Montalvo

    Rio de JaneiroJunho/2011

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    5/86

    5

    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho ao meu amado filhoLucas e ao meu querido pai, j falecido,Luis Carlos.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    6/86

    6

    AGRADECIMENTO

    Agradeo minha famlia por todo carinhoe dedicao durante esses anos de estudo.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    7/86

    7

    EPGRAFE

    "(...) no tinha nem esperana de que minha msicapudesse se enquadrar em alguma gaveta. De repente, omundo mudou e veio se encontrar com ela."

    Tom Z

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    8/86

    8

    RESUMO

    Este trabalho pretende analisar as transformaes no mercado fonogrfico a partirdo desenvolvimento das novas tcnicas de produo e distribuio de obras musicais

    advindas das tecnologias digitais e baseadas na dinmica comunicacional oferecida pela

    internet e suas redes sociais. Trata-se de um assunto atual, que retrata o processo de

    transio entre a velha economia industrial e a economia da informao, esta ltima

    configurada aps a insero das novas tecnologias da informao e comunicao (NTICs)

    na cultura das sociedades ps-modernas.

    Para desenvolver sobre tais transformaes, aborda-se sobre as alteraes nas

    relaes de poder entre produtores e consumidores e sobre novas formas de intermediao

    entre os produtos culturais e seus respectivos pblicos. Busca-se traar um paralelo entre as

    interferncias da nova economia no sistema de produo da indstria fonogrfica e das

    consequncias dessas mudanas para as produes de msica independente, atuantes em

    mercados perifricos e segmentados.

    Para retratar tais mudanas, so apontadas as novas tendncias relacionadas

    produo e difuso da msica, apresentando como objeto de estudo o modelo de negcio

    adotado pela gravadora independente Trama, sustentado pela valorizao das experincias

    em rede e pela participao de produtores/consumidores nas cadeias de produo.

    Palavras-chave: Indstria fonogrfica, nova economia, redes sociais.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    9/86

    9

    SUMRIO:

    Introduo........................................................................................................................09

    Captulo I A indstria fonogrfica, a contracultura e a msica independente....12

    1.1 A estruturao e ascenso da indstria fonogrfica ..................................................14

    1.2 A cultura das mdias, a contracultura e as produes independentes .......................22

    1.2.1- Produo brasileira de musica independente no sculo XX.....................................27

    1.3 Novos rumos da produo musical e o cenrio independente brasileiro do sculoXXI......................................................................................................................................35

    Captulo II A msica na rede: O ciberespao, a nova economia e o mp3..................43

    2.1- Cibercultura: digitalizao, convergncia das mdias e comunidades virtuais.............43

    2.2 Os consumidores/produtores e a economia da informao........................................50

    2.3 O mp3, as redes P2P e a crise das majors..................................................................56

    Captulo III- Trama: um novo modelo de produo independente..............................66

    3.1 Trama virtual: uma comunidade de msica na internet..............................................67

    3.3 Outros canais da Trama..............................................................................................73

    Consideraes Finais........................................................................................................76

    Referncias Bibliogrficas...............................................................................................78.

    Bibliografiaon-line.......................................................................................................... 79

    Anexos...............................................................................................................................80

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    10/86

    10

    INTRODUO

    A msica independente, em sua essncia original, se caracteriza pela

    singularidade das expresses artsticas de seus executores, influenciados somente pelas

    vivncias, impresses e opinies individuais. Como qualquer arte que no seja atrelada a

    fins de mercado, nica.

    Apesar de a indstria fonogrfica exercer um papel importante na distribuio

    massiva e democrtica de entretenimento (essencial e constante nas sociedades

    contemporneas), ela limita as infinitas possibilidades de experimentaes audveis,

    inibindo o desenvolvimento da sensibilidade que permite se encorajar por ambientesmenos comuns, porm, possivelmente agradveis e agregadores. Alm disso, a

    diversificao de gneros e estilos musicais favorece maior fluidez nas relaes sociais,

    inibindo preconceitos e quebrando tabus referentes s culturas e hbitos alheios.

    Hoje, com a interconexo generalizada atravs das redes, tem se tornado cada vez

    mais visvel a diversificao de contedos que circulam e que se alternam entre ambientes

    virtuais e fsicos. Esse fluxo multidirecional responsvel pela releitura das relaessociais e pela reestruturao dos mercados, incluindo o importante papel que a msica

    segmentada passa a exercer na nova economia da informao.

    Este trabalho foi realizado com base em citaes destacadas de obras

    bibliogrficas, teses e artigos de autores dedicados a estudos sobre culturas e mercados

    musicais, produo musical independente brasileira, novas tecnologias da informao e

    mercado de nichos.

    O primeiro captulo aborda as transformaes que a indstria da msica sofreu

    durante as ltimas dcadas do sculo XX. Em uma breve introduo, so analisadas as

    variaes de significado e propsito que as culturas musicais sofrem de acordo com

    alteraes na relao entre sociedades e suas respectivas crenas, valores e tcnicas de

    produo. A partir dos conceitos de hardware e software, desenvolve-se sobre a o

    deslocamento das culturas musicais atravs das mdias e a atribuio do valor de mercado

    s mesmas.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    11/86

    11

    Posteriormente realizada uma anlise do processo de insero da msica na

    lgica do sistema de produo industrial, passando pelo desenvolvimento das tcnicas de

    gravao, o incio da Revoluo Industrial, da Guerra Fria e o lanamento das bases para a

    estruturao e ascenso da indstria fonogrfica. Explica-se tambm sobre a especializao

    dirigida industrializao e massificao da msica e sobre o papel que artistas, tcnicos e

    produtores exercem dentro do processo industrial.

    Ainda no primeiro captulo, retratado o incio da segmentao dos mercados a

    partir da cultura das mdias, do surgimento dos movimentos contraculturais e das primeiras

    gravadoras independentes. explicado sobre o conceito de msica independente e sobre a

    industrializao da msica brasileira, ocorrida a partir de meados da dcada de 60. Busca-se apontar as variaes nas relaes de poder entre gravadoras multinacionais, artistas,

    produtores e gravadoras brasileiras independentes durante as trs ltimas dcadas do

    sculo XX, sendo traado um paralelo entre as causas dessas variaes e as transformaes

    ocorridas na economia, nas sociedades e nas tecnologias. Desta forma, so explicadas as

    transformaes ocorridas no mercado musical em decorrncia dos reflexos das novas

    tecnologias da informao e comunicao sobre a economia mundial, sendo apontadas as

    novas tendncias do mercado musical, incluindo os novos festivais de msica independenteno Brasil e as novas perspectivas para o business fonogrfico.

    O segundo captulo pretende desenvolver sobre a insero da msica na cultura

    das redes e as consequncias para o mercado de mdias musicais. Primeiramente dedica-se

    a um breve histrico sobre a expanso das redes e ao entendimento de suas causas e

    consequncias sobre as transformaes na dinmica de distribuio e compartilhamento de

    informaes e contedos. explicado o conceito de virtualizao do real, o processo deconvergncia das mdias e a formao da inteligncia coletiva a partir de articulaes e

    trocas entre indivduos e comunidades virtuais. Em seguida explica-se sobre a nova

    economia dos produtores/consumidores. So apontadas as caractersticas dos novos perfis

    dos pblicos e dos novos mercados voltados para estes pblicos. Considera-se

    principalmente a constante troca de papis entre produtores e consumidores, o aumento

    significativo de contedos que circulam atravs dos fluxos da rede e as consequncias da

    multiplicao dos nichos sobre a indstria cultural.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    12/86

    12

    Finalmente, desenvolve-se sobre a digitalizao da msica, passando pelo

    processo de substituio das mdias analgicas pelas digitais, pelas articulaes de

    comunidades virtuais em torno da descentralizao da informao e pela dissociao entre

    msica digital e mdia fsica. So abordadas questes sobre a popularizao do mp3 a

    partir das redes P2P, sobre a crise da indstria de mdias musicais fsicas e sobre o

    surgimento de novos modelos de intermediao, baseados na economia da informao.

    O terceiro captulo aponta como objeto de anlise a gravadora Trama (maior

    gravadora independente do Brasil) e seu novo modelo de intermediao, que dispensa a

    formatao e distribuio de mdias fsicas e a agregao de um valor de mercado aos

    fonogramas, que so acessados e baixados pelo pblico gratuitamente atravs de suaplataforma on-line, o site Trama Virtual. explicada a dinmica de funcionamento do

    modelo sustentado pelas audincias, que permite que a maior parte da arrecadao

    provenha de patrocinadores/anunciantes, que divulgam suas marcas no Trama Virtual e em

    outros canais de comunicao agregados ele. feita uma anlise da forma com que a

    gravadora utiliza a convergncia para criar uma programao integrada entre msica

    digital, TV on-line, rede social e apresentaes ao vivo.

    Este trabalho tem como objetivo levantar questes sobre a emergncia do

    desenvolvimento de novos modelos de intermediao entre artistas e pblicos, nos quais

    prevalea a liberdade de acesso, a democratizao dos espaos de apresentao e difuso

    da msica e a preservao da autenticidade e originalidade das obras, estimulando artistas e

    ouvintes a pensarem a msica como um importante meio de expresso cultural.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    13/86

    13

    1 A indstria fonogrfica, a contracultura e a msica independente.

    A msica, desde seus primrdios, se apresenta como uma importante forma de

    expresso e sociabilizao humana, variando seus propsitos e significados de acordo com

    a temporalidade, crenas e culturas locais. De uma maneira fluida e natural, a msica se

    integra s culturas e evolui junto s sociedades e suas tcnicas de produo. atravs das

    tcnicas - a princpio, artesanais - que o homem passa a se expressar musicalmente, tendo

    como base sonoridades emitidas a partir de matrias primas de origem locais, retiradas de

    seu meio natural, como bambus e couro de animais o que torna a msica uma forma de

    expresso com caractersticas particulares, que traduzem atravs do som e da emoo, o

    meio, a cultura e a identidade dos povos. Dias explica que:

    No processo histrico, a msica tem se apresentado como importanteelemento de expresso cultural em vrias sociedades, aparecendosempre circunscrita a espaos sociais e polticos definidos. Dos ritosdionisacos marginalidade medieval, de artigo de luxo da realeza aelemento subversor condenvel, de curso teraputico e muitas vezesmgico a expresso rara da produo intelectual do homem, a msicafoi tomando para si vrias formas e significados em muitascivilizaes. Essa relao antropolgica com as sociedades foi, semdvida, um elemento facilitador elementar para a capacidade detranspor fronteiras e circular, de maneira fluida e transcendente, pelomundo, que a msica apresenta. 1

    atravs da tcnica, que a histria da msica passa a reconhecer o processo de

    deslocamento das culturas musicais. A partir de sua materializao, com o surgimento das

    notas musicais e da prensa, torna-se possvel a produo da partitura, primeira forma fsica

    capaz de deslocar a msica por longas distncias, viabilizando sua reproduo fora de seu

    contexto original e possibilitando sua apreciao por culturas distintas. A materializao

    possibilita agregar msica um valor comercial e viabiliza, a partir de seu deslocamento,

    inspirar e influenciar msicos de origens diversas. De acordo com Santini:

    A msica representada na partitura (...) rompeu os limites da difusomusical fechada, tpica da cultura oral. O suporte material garantiu a

    1 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.27.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    14/86

    14

    difuso da msica fora do espao em que foi gerada, atravs domovimento de trocas e vendas de bens entre as diversas comunidades.Assim, o alcance da msica passou a serelacionar com o alcance dosseus meios de representao e registro. 2

    A materializao do som bem representada pelos conceitos de hardware e

    software. A partitura, por exemplo, software depende do instrumento musical o

    hardware para que a msica seja executada, da mesma forma que acontece com as

    mdias musicais mais recentes, como o LP e o CD, que dependem de seus respectivos

    aparelhos reprodutores de som. Na viso de Dias, o surgimento do fongrafo e do

    gramofone (primeiros dispositivos de gravao e reproduo musical) que lana a base

    para que a msica comece a ser inserida na lgica do sistema de produo industrial:

    (...) o aparecimento do fongrafo e do gramofone constituiu umcenrio para a produo industrial de msica que, de certa forma,mantm-se nos dias atuais (...). Consideremos primeiramente asrelaes existentes na produo do software e do hardware e aconsequente concentrao nas mos de algumas empresas, comoponto de partida. O fongrafo (...) no foi concebido para reproduzirgravaes musicais (...). No entanto, foi como mquina de

    entretenimento que ele se difundiu (...).

    3

    A partir do fongrafo e do gramofone, as tecnologias de gravao e reproduo

    musical vo sendo aprimoradas, como (...) o desenvolvimento do microfone eltrico e da

    amplificao nos anos 30 (...) 4desencadeando um processo evolutivo das formas de se

    ouvir msica reproduzida artificialmente, com timbres cada vez mais prximos aos dos

    instrumentos musicais. Porm, segundo Santini, at ento a gravao ainda significava o

    registro de um evento em particular, e isso no mudou at o final da guerra. 5

    2 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p.71.

    Neste

    perodo - final da dcada de 1940 (incio da Revoluo Industrial e da Guerra Fria) - so

    inventados o disco de vinil e a fita magntica. A revoluo industrial inaugura o sistema de

    produo em srie, tornando possvel a fabricao dessas mdias e de seus respectivos

    reprodutores em larga escala, aumentando drasticamente a disseminao da msica. Isto se

    3 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da

    Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 38.4 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 33.5Idem, Ibidem, p. 35.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    15/86

    15

    deve, principalmente, ao surgimento de grandes empresas difusoras de informao, de

    entretenimento e ao barateamento da energia eltrica. A produo em srie marca o incio

    da era industrial, do processo de massificao da msica, do sistema capitalista de

    produo e da cultura de massa. Santini explica que:

    As invenes do disco de vinil e das fitas magnticas aconteceramdentro de um movimento global de desenvolvimento capitalista. Essesacontecimentos entrelaados no tempo e no espao favoreceram acontaminao do modelo industrial de fabricao, na produo erecepo, de mercadorias culturais. E nesse contexto, a indstriafonogrfica configurou suas bases objetivas de padronizao dareproduo e da difuso mundial da msica. 6

    com base na padronizao das mdias e na centralizao das produes musicais

    que a indstria fonogrfica estruturou e solidificou seu modelo de negcio: a produo,

    reproduo, divulgao e venda de mdias musicais.

    1.1- A estruturao e ascenso da indstria fonogrfica

    A indstria cultural enxerga a msica como uma poderosa ferramenta de manobra

    das massas. A partir da Revoluo Industrial e da Guerra Fria, empresas de comunicao

    comeam a usufruir do poder de influncia que a msica j carregava antes de sua

    industrializao para estipular estilos musicais favorveis centralizao de capital. Dessa

    forma, gneros musicais regionais so adaptados por meio de tcnicas de comunicao,

    tornando possvel um aumento na abrangncia de culturas para as quais a msica

    industrializada comea a ser difundida, para alm das fronteiras de seu territrio de origem:

    Embora seja possvel afirmar que a produo musical sempre sofreupresses de outros campos na confeco das suas manifestaesexpressivas (como a aristocracia e o clero que encomendavam asgrandes obras musicais nos perodos clssico e barroco), a partir daconsolidao da cultura de massa e da estruturao da indstriafonogrfica que a presso desse campo passa a ser exercida a fim de

    6 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 70.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    16/86

    16

    que a msica agrade a um pblico mais amplo e no somente umpblico especfico e segmentado.7

    Assim como nas fbricas, as empresas da indstria fonogrfica se dividem em

    setores onde trabalham profissionais com habilidades especficas, que se enquadram em

    etapas especficas dentro de um sistema de produo estruturado em torno da

    especializao. Nas produes esto envolvidos, por exemplo, profissionais de gravao,

    edio, divulgao e distribuio. Com a possibilidade de produzir mdias em larga escala

    e com as tcnicas de difuso utilizadas pelos meios de comunicao de massa, possvel

    afirmar que (...) na dcada de 50 esto lanadas as bases objetivas para a padronizao daproduo na indstria fonogrfica mundial, que no podem ser compreendidas destacadas

    do movimento global do desenvolvimento capitalista.8

    Segundo Bandeira:

    (...) o que chamamos de campo da mediao ser responsvel pelafacilitao dos aspectos tcnicos, operacionais, administrativos ecomunicacionais do processo de produo na msica popular.Subdivididos em campo da mediao tcnica administrativa-jurdicae campo da difuso meditica propriamente dita, estes elementosso representados por: a) engenheiros de som, tcnicos, estdios,gravadoras, editoras musicais, distribuidores, lojas, fbricas de discos,agentes, empresrios; b) rdio, cinema, televiso, publicidade,videoclipe, divulgadores, espetculos, entre outros.9

    Quanto maior for o grau de complexidade das tecnologias de gravao e maior for

    o nmero de pessoas que se pretenda persuadir ao consumo, maior ser a complexidade do

    processo produtivo e maior ser o nmero de especialidades e de profissionais trabalhando

    em prol da otimizao das produes, da difuso e comercializao da msica. Aconcepo do produto musical - ou lbum - passa pela seleo de msicos e cantores, pela

    adequao de seus comportamentos realidade histrico-social vigente, pela seleo e

    apropriao de repertrios atravs da assinatura de contratos de cesso de direitos

    7 FILHO, Jorge Luiz Cunha Cardoso. Msica popular massiva na perspectiva meditica: estratgias deagenciamento e configurao empregadas no heavy metal. Disponvel em:http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdf- Acesso em: 12/05/20011. 22:29 h.8 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 41.9

    BANDEIRA, Messias G. A economia da msica on-line: Propriedade e compartilhamento dainformao na sociedade contempornea Disponvel em:www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf - Acesso em 10/05/2011. 16:28 h

    http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdfhttp://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf%20-%20Acesso%20em%2010/05/2011http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf%20-%20Acesso%20em%2010/05/2011http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdf
  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    17/86

    17

    autorais -, determinao da durao de cada faixa do lbum, do nmero de canes nele

    gravadas, da identidade visual de capas e contracapas, dentre outras caractersticas

    previamente estabelecidas por diretores e produtores musicais. A indstria fonogrfica

    trabalha a partir de um espectro de possibilidades tcnicas estritamente definido (em

    termos de forma e contedo), limitando qualitativamente a flexibilidade da produo. 10

    O mercado musical de massa se estruturou em torno das organizaes verticais e

    hierarquizadas, onde somente diretores e produtores podem participar da concepo do

    produto final, determinando de que forma tcnicos e artistas devem trabalhar para que se

    obtenha um resultado condizente com os desejos de uma administrao central. Dias

    explica que:

    (...) esto, de um lado, a administrao central (inclui a direoartstica) que, com seus departamentos de Artistas e Repertrio (A&R)e Marketing concebem o produto, da forma esttica s estratgias paradivulgao. De outro, est a produo material propriamente dita, aexecuo do que foi planejado, includo o trabalho do artista noestdio e todo o processo de gravao e tratamento tcnico a eledispensado. 11

    Nas produes musicais do sistema industrial, tcnicos so considerados to

    importantes quanto os msicos que so vendidos aos pblicos. A msica deixa de ser

    concebida unicamente a partir das inspiraes individuais dos artistas, j que somente

    atravs da adequao ao processo produtivo possvel alcanar audincia e

    reconhecimento dos pblicos - passivos ao que a indstria cultural oferece - e,

    conseqentemente, de se obter retorno financeiro, essencial para a continuidade de uma

    carreira musical. Como explica Santini:

    O auge desse processo de difuso musical ocorreu na forma dacomunicao de massa, em que cada produto de consumo, cultural ouartstica precisa atingir um nmero razoavelmente grande de pessoaspara se tornar vlido e economicamente vivel. 12

    10DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da

    Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.48.11Idem, Ibidem, p.7012 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p.72.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    18/86

    18

    Dessa forma, a indstria fonogrfica exerce o papel de intermediadora entre as

    culturas musicais e as sociedades. Somente atravs dela possvel a produo de lbuns e a

    difuso massiva da msica, seja com a comercializao de mdias musicais (produto) ou

    atravs dos meios de comunicao de massa, da mesma forma que, somente atravs da

    industrializao, as massas tm acesso msica de fcil entendimento e condizente aos

    desejos e tendncias histrico-sociais vigentes. Os jovens das dcadas de 50, por exemplo,

    se encontravam em total passividade com relao aos discursos da indstria cultural de

    massa. Isto contribuiu para uma enorme concentrao de capital nas empresas de

    comunicao e para a criao de frmulas capazes de homogeneizar cada vez mais os

    gostos e modismos, tudo isso atravs do grande sucesso de poucos artistas pr-concebidos

    para o mercado. Dias explica que:

    (...) , sobretudo, na esfera da produo da cano popular de massa,que o produtor pode atuar construindo dolos, criando personagens,promovendo transformaes na carreira de alguns artistas ousimplesmente reiterando, atravs da repetio de frmulas conhecidase consagradas, os modelos padronizados das estrelas de sucesso. 13

    Os artistas contratados pela indstria fonogrfica funcionam como peas

    integrantes de um casting. So utilizados estrategicamente dentro do sistema de produo

    de acordo com as tendncias de mercado. Assim como os repertrios sofrem

    transformaes, esses artistas tambm podem ser substitudos, excludos deste casting,

    caso haja queda de popularidade, de vendas de lbuns e/ou alteraes nos hbitos de

    consumo dos ouvintes. Justamente por este motivo, no podem ser considerados como

    parte integrante da indstria, mas sim ferramentas utilizadas por tcnicos e produtores,

    inseridas no sistema produtivo a partir de um planejamento. Dias explica que:

    Apesar de conferir a necessria essencialidade ao processo, o artista,paradoxalmente, no faz parte da indstria. Ele passa por ela, negocia,grava seu disco, trabalha, muitas vezes, arduamente na divulgao doproduto. Oferece contratualmente seu savoir faire, seu talento, suapersonalidade artstica, seu nome, sua imagem, at quando o negciose mantenha interessante para todas as partes envolvidas, casocontrrio, ser substitudo 14

    13

    DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.96.14Idem, Ibidem, p.76.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    19/86

    19

    Por serem utilizados como ferramentas no sistema de produo, os artistas da

    indstria fonogrfica so classificados de acordo com seus papis dentro deste sistema.

    Existem os artistas de catlogo e os artistas de marketing. Os artistas de catlogo so

    aqueles que j possuem uma histria consolidada dentro do cenrio musical. No vendem

    seus discos em quantidades exorbitantes, porm vendem o suficiente para permanecerem

    durante muito tempo nas prateleiras do mercado varejo. So artistas que trabalham com

    mais autonomia, pois suas obras possuem identidades e caractersticas singulares, de

    estilos e pblicos bem definidos. J os artistas de marketing so aqueles pr-concebidos e

    lanados para fazer sucesso, para venderem uma quantidade muito grande de discos em um

    curto espao de tempo. Podem ser chamados de artistas de hits, pois fazem grande sucesso

    e tocam nas rdios exaustivamente at serem substitudos por alguma novidade. Os artistasde marketing se encontram em situao de total dependncia, pois precisam seguir com

    mais rigidez as determinaes de seus produtores. Possuem menos controle do rumo de

    suas carreiras, apesar de contriburem com a maior parte do faturamento da indstria

    graas ao efeito explosivo dos hits. Dias explica que:

    Se alguns artistas do cenrio nacional e internacional conquistamautonomia para conceberem seus prprios trabalhos, da escolha do

    repertrio estampa da capa (...), uma grande parcela destes seguesubordinada aos interesses das empresas. Se para os primeiros, a aodo produtor , muitas vezes, a garantia de qualidade e deaprimoramento do produto, para os ltimos, o seu trabalho podesignificar (...) submisso e tolhimento artsticos, presentes natransformao do msico ou cantor, em um ator que representa umpersonagem. 15

    O sistema de produo musical de massa funciona com base em um termmetro

    de tendncias. Busca estar sempre em sintonia com a temporalidade dos fatos. Produz o

    que o povo quer ouvir, por isso precisa estar atendo ao feedback do pblico, medido

    atravs das vendas de mdias e das audincias. No entanto, a indstria fonogrfica procura

    minimizar ao mximo as alteraes de castings e repertrios, j que para cada mudana

    demandado um replanejamento das produes, o que acarreta na gerao de custos. Busca

    se renovar fazendo uso de pequenas adaptaes, suficientes para a continuidade dos

    15

    DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 76.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    20/86

    20

    processos, tendo sempre a homogeneizao - maior abrangncia de pblicos - e o lucro

    como principais finalidades. Segundo Dias:

    Todo o esforo empreendido pelo ouvinte orientado para que eleidentifique o que acaba de ouvir com o que j conhece e, a partir daidentificao de tal processo como coletivo, tambm se reconheanele. A reiterao constante garante estabilidade suficiente para que asituao se conserve, possibilitando que a msica popular seja objetode manipulao de variados interesses, sobretudo os de mercados. 16

    Alm das adaptaes e substituies de seus castings, repertrios e setores, a

    histria da indstria fonogrfica tambm marcada por uma srie de fuses entre

    corporaes. Desde a dcada de 20, antes mesmo da massificao da msica, fabricantes

    de discos, estdios de gravao e radio difusores j procuravam concentrar etapas de suas

    produes visando um maior controle dos mercados. Segundo De Castro:

    As primeiras fuses da indstria fonogrfica mundial se deram entreas dcadas de 20 e 40, resultando: EMI, da unio entre Columbiaeuropeia, Path e Gramophone Bret nos anos 1928 a 1931; RCA-

    Victor, da juno entre Victor e RCA em 1929; CBS, da associaoentre Columbia estadunidense e CBS em 1929; Polydor, da alianaentre Deutsche Gramophon, Telefunken e Siemens em 1937;Phonogram, da unio entre Gramophone francesa e Philips em 1945.17

    Ao longo do sculo XX e principalmente a partir da dcada de 80, com a

    digitalizao da msica, a popularizao de cada vez mais formas de entretenimento e a

    intensificao do dilogo entre os meios de comunicao de massa (a msica

    difundida atravs de diversos campos miditicos), as atenes voltadas para os produtos da

    indstria fonogrfica vo se dispersando e fuses entre empresas vo se tornando cada vez

    mais emergenciais e necessrias para a manuteno dos negcios. Segundo Jenkins:

    16 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 53.17

    DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. SoPaulo. Anna Blume, 2010, p. 43.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    21/86

    21

    Diversas foras (...) comearam a derrubar os muros que separam (...)diferentes meios de comunicao. Novas tecnologias miditicaspermitiram que o mesmo contedo flusse por vrios canais diferentese assumisse formas distintas no ponto de recepo. (...) Ao mesmotempo, novos padres de propriedade cruzada de meios decomunicao, que surgiram em meados da dcada de 80, durante oque agora podemos enxergar como a primeira fase de um longoprocesso de concentrao desses meios, estavam tornando maisdesejvel s empresas distribuir contedos atravs de diversos canais,em vez de em uma nica plataforma de mdia. A digitalizaoestabeleceu as condies para a convergncia; os conglomeradoscorporativos criaram seu imperativo. 18

    Hoje, a indstria da msica dominada por quatro gravadoras pertencentes a

    quatro mega conglomerados da indstria do entretenimento conhecidos como majors ou

    big four, que controlama maior parte do mercado musical e do entretenimento massivo.

    Fazem parte deste grupo a Warner, EMI, Universal e Sony19

    Segundo De Castro:

    O processo de fuses seguiu pelas dcadas seguintes at resultar noque se conhece hoje por majors ou ainda big four, as quatromultinacionais que movimentam grande parte das cifras da indstriafonogrfica mundial como tambm do entretenimento e dastelecomunicaes.20

    O processo de concentrao da indstria da msica no se restringe somente s

    fuses entre empresas americanas atuantes em diferentes etapas da produo, mas

    ultrapassa fronteiras a partir da necessidade de um melhor entendimento acerca da cultura

    musical de origem estrangeira. Ainda entre as dcadas de 60 e 70, visando concentrar cada

    vez mais o seu poder de influncia, a indstria fonogrfica se transnacionaliza abrindo

    escritrios e estdios ao redor do mundo (gravadoras sucursais). As grandes gravadorassaem em busca de um melhor entendimento dos mercados e pblicos locais, criando selos

    que funcionam como ramificaes de uma estrutura central e que objetivam um

    conhecimento mais apurado sobre as preferncias desses pblicos, que em parte j no

    18 JENKINS, Henry.Cultura Da Convergncia. So Paulo, Aleph, 2008, p. 38.19 HERSCHMANN, Micael.Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras e

    Cores, 2010, p. 275.20 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. SoPaulo. Anna Blume, 2010, p. 43.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    22/86

    22

    querem mais absorver somente msica americana. Assim, iniciado um processo de

    massificao da msica regional de origem estrangeira (no americana). Segundo Dias:

    Iniciado na esfera do comrcio, o trnsito de normas e produtossofisticou-se com a instalao das filiais de produo das empresasdominantes do setor, em vrias partes do mundo. Tais filiais, (...) apartir da dcada de 70 buscaram criar e alimentar novos mercados,assim como evitar certos controles aduaneiros e reduzir custo deproduo. O baixo preo unitrio do disco (comparado com o deoutros setores da indstria cultural, como o cinema), aliado grandefertilidade musical de muitos pases, facilitou a expanso das filiaissucursais. Sediadas em grandes e mdios mercados do mundo, essasempresas dinamizam-se distribuindo uma produo fonogrficainternacionalizada e realizando considervel investimento na produo

    e nos mercados locais.

    21

    Com reflexos de ritmos j institudos pela indstria cultural, - como o rock e o pop

    - discos de artistas de nacionalidades diversas comeam a ser produzidos em larga escala.

    O processo de mundializao da msica que d origem ao termo World Music,utilizado

    para definir o entendimento entre as culturas musicais. atravs da World Music,

    produzida pelas gravadoras sucursais, que gneros regionais no americanos comeam a

    receber uma roupagem pop, seja a partir da adaptao de ritmos, da pr-concepo deartistas ou da regravao de msicas no americanas, traduzidas e interpretadas em ingls,

    possibilitando ainda a extenso desses ritmos ao mercado internacional. Dias explica que:

    (...) esse dilogo com a linguagem instituda pelo mercado ocidentalpossibilita que ocorra o grande encontro de culturas, segundo oslogan usado pela indstria cultural. o reino da tcnica derrubandoas ltimas fronteiras e permitindo s companhias faturarem mais queum nutritivo segmento de atuao. Ao incentivar a produo local,

    alimentam um espao frutfero que, alm de estimular o consumo,pode fazer vingar produtos para difuso no mercado mundial. (...) sema World Music, muito da produo musical dos pases perifricoscertamente continuaria excluda do mercado mundial22

    Apesar de a indstria fonogrfica procurar entender as culturas musicais locais,

    sua poltica de concentrao de audincias no condiz com a diversidade e fertilidade

    21

    DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.41.22Idem, Ibidem, p. 126.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    23/86

    23

    musical encontrada nos diversos pases em que se instaurou. Ela no absorve as culturas

    musicais de forma diversificada, mas limita o acesso aos recursos de difuso somente

    queles que correspondem s suas expectativas de venda e que se sujeitam a seguir

    determinaes de seus diretores e produtores. Assim, grande parte dos artistas fica fora do

    circuito massivo de msica, restando a estes ocupar posies perifricas no cenrio

    musical. Dias explica que:

    Alm do domnio das majors na rea de hardware, o panoramasempre evidenciou a contradio entre a farta produtividade eefervescncia musicais e as restritas possibilidades de acesso scondies de produo e difuso. 23

    A partir de meados da dcada de 70, as culturas musicais passaram a ser

    contagiadas tanto pela concentrao de recursos tecnolgicos e pela transnacionalizao

    da indstria musical, quanto pelo esprito crtico da contracultura, que se manifesta

    atravs das produes musicais independentes.

    1.2 A cultura das mdias, a contracultura e as produes independentes

    Em meados da dcada de 70, no auge da Guerra Fria, o incio das transmisses via

    satlite e a popularizao da TV em cores contriburam para que se tornassem mais ntidas

    divergncias entre opinies de grupos e indivduos com relao s informaes

    disseminadas pela indstria cultural. Um exemplo do impacto dessas novas tecnologias no

    comportamento das sociedades bem retratado pela anlise do resultado da atuao da

    imprensa americana durante a Guerra do Vietn. Graas s transmisses via satlite, a

    guerra foi acompanhada de perto por toda a massa popular atravs dos noticirios dirios.

    A sociedade americana testemunhou ao vivo e a cores a covarde atuao do exrcito de seu

    pas contra o Vietn do Sul, que tinha um poder blico muito inferior ao dos Estados

    Unidos. O poder de concentrao das atenes das mdias de massa, aliado cruel

    realidade da guerra, fez com que a sociedade americana se dividisse entre nacionalistas,

    23DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da

    Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008 p. 127.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    24/86

    24

    passivos ao discurso da supremacia americana - bastante estimulado pelo poder de

    influncia da indstria cultural de massa - e os que se declaravam contra a guerra e a

    disseminao de armas nucleares:

    (...) a guerra do Vietn aconteceu para os americanos na mesmapoca em que surgiu a TV em cores. Com uma cobertura jornalstica ao vivo e colorida (comparvel cobertura daGuerra do Golfo pela CNN), a situao de guerra tornou-se maisreal para a populao, at ento acostumada a imagens em pretoe branco de filmes blicos antigos, nos quais o soldadoamericano sempre se sobressaa como heri. 24

    Alm das transmisses via satlite, o desenvolvimento de aparatos eletrnicos

    domsticos tambm contribuiu para uma reorientao das percepes do homem com

    relao aos meios e para o incio de um processo de desmassificao dos produtos

    culturais. O aparelho de fax, o videogame, o videocassete e a filmadora domstica, por

    exemplo, proporcionaram s massas uma posio mais atuante com relao manipulao,

    disseminao e consumo de informaes. Por outro lado, a indstria da cultura de massa

    comea a perceber novas necessidades de seus pblicos, que passam a demandar umamaior diversificao na produo de contedos culturais. Surgem, por exemplo, a TV a

    cabo, jornais que veiculam notcias de acordo com posies polticas que se divergem e

    revistas especializadas. Tanto os meios de comunicao, quanto os mercados em geral,

    comeam a segmentar suas produes. Segundo Santaella:

    (...) um exame cuidadoso da condio das mdias nos anos 70 revela-nos que at a teve incio um processo progressivo de convivncia da

    televiso com o ininterrupto surgimento de novas mquinas,equipamentos e produtos miditicos que apresentam uma lgicadistinta daquela que exibida pelos meios de massa: mquinas deXerox, a distribuio universal de mquinas de fax, videocassete,videogames, segmentao das revistas e programas de rdio parapblicos especficos, TV a cabo etc., enfim, novos processoscomunicacionais a que chamo de cultura das mdias. 25

    24 FURQUIM, Fernanda. Breve Histrico da Guerra do Vietn nas Sries de TV . Disponvel em:http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-

    de-tv, publicado em 06/07/2010. Acesso em 25/03/2011.17:02h.25 SANTAELLA, Lcia. Culturas e Artes Do Ps-Humano. Da Cultura Das Mdias Cibercultura. So Paulo, 2004, p. 80.

    http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tvhttp://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tvhttp://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tvhttp://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tv
  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    25/86

    25

    Na cultura das mdias, o consumidor j no se encontra em estado totalmente

    passivo. Tem mais opes de escolha, pois precisa ter mais opes de escolha. Ao mesmo

    tempo em que ia minando o domnio exclusivista dos meios de massa, a cultura das mdias

    preparava o terreno da sensibilidade e cognio humanas para o surgimento da cibercultura

    (...).26

    , que ser abordada no prximo captulo. A massa consumidora j no mais

    homognea como nas dcadas anteriores, mas heterognea, composta por indivduos com

    preferncias mais especficas, o que obriga os mercados a se organizarem de forma mais

    complexa. Segundo Morin:

    A concentrao tcnico-burocrtica pesa universalmente sobre aproduo cultural de massa. Donde a tendncia despersonalizao dacriao, predominncia da organizao racional de produo(tcnica, comercial, poltica) sobre a inveno, desintegrao dopoder cultural. (...) No entanto, essa tendncia exigida pelo sistemaindustrial se choca com uma exigncia radicalmente contrria, nascidada natureza prpria do consumo cultural, que sempre reclama umproduto individualizado, e sempre novo. (...) A indstria cultural deve,pois, superar constantemente uma contradio fundamental entre suasestruturas burocrticas-padronizadas e a originalidade

    (individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer. Seufuncionamento se operar a partir desses dois pares antitticos:burocracia-inveno, padro-individualidade. 27

    Assim como a atuao da imprensa americana na Guerra do Vietn e a cultura das

    mdias contriburam para que divergncias de opinies e preferncias se tornassem mais

    evidentes, favoreceram o aumento de adeptos a movimentos contraculturais nos Estados

    Unidos, como o movimento hippie, formado por jovens que contestavam o

    tradicionalismo, os poderes da burguesia e o controle do Estado. O desenvolvimento das

    tecnologias da informao desencadeou certa efervescncia em torno dos movimentos

    contraculturais iniciados com as geraes nascidas aps a Segunda Guerra Mundial ,

    impulsionando a adeso de jovens de diversos pases contracultura. Na Europa e na

    Amrica Latina, por exemplo, surgem movimentos como o dos anarco punks - na

    26 SANTAELLA, Lcia. Mdias locativas. A internet mvel de lugares e coisas In:http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890 - Publicado

    em abril de 2008 Acesso em 18/04/2011. 14:35h27 MORIN, Edgard. Cultura de Massas no Sculo XX. Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2007,p. 25-26.

    http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890
  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    26/86

    26

    Inglaterra - e dos Tropicalistas - no Brasil. Apesar de se convergirem em ideais

    contraculturais, cada um dos movimentos se adqua sua respectiva realidade histrica,

    poltica e social, seja uma realidade de guerra, de ditadura ou de monoplio de grandes

    corporaes. Todos so movimentos contra a centralizao dos poderes e que desafiam as

    censuras provenientes dos mesmos. Segundo Pereira:

    (...) o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentosde rebelio da juventude (...) que marcaram os anos 60: o movimentohippie, a msica rock, uma certa movimentao nas universidades,viagens de mochila, drogas, orientalismo e assim por diante. E tudoisso levado frente com um forte esprito de contestao, de insatisfa-

    o, de experincia, de busca de uma outra realidade, de um outromodo de vida. Trata-se, ento, de um fenmeno datado e situadohistoricamente (...). (...) o mesmo termo pode tambm se referir aalguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo esprito, um certomodo de contestao, de enfrentamento diante da ordem vigente, decarter profundamente radical e bastante estranho s formas maistradicionais de oposio a esta mesma ordem dominante. Um tipo decrtica anrquica (...) que, de certa maneira, rompe com as regras do jogo em termos de modo de se fazer oposio a uma determinadasituao. 28

    A contracultura adota a msica como um importante meio de expressar as

    ideologias que cada movimento contracultural carrega em sua essncia. Possibilita a

    disseminao de verdadeiros movimentos sociais musicais, como o movimento punk, que

    deu origem aopunk rock.

    O punk rocksurgiu como um rock para os excludos dos padres estticos,

    estendendo o poder de manusear instrumentos musicais queles que no possuem talentos

    economicamente viveis para a grande indstria da msica. As bandas de punk rock

    utilizam discursos contraculturais para mobilizar os que aderem causa dos excludos.

    na culturapunkque se encontra o bero das produes independentes inseridas no contexto

    da contracultura.

    Sobre o movimento punk e para esta monografia, vale destacar a Banda Sex

    Pistols e sua msica E.M.I. (letra em anexo), que consiste em crticas diretas gravadora

    28 PEREIRA, Carlos Alberto M. O que Contracultura? So Paulo, Brasiliense, 1992, p. 14.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    27/86

    27

    EMI (major) e realidade submissa que artistas passam diante de seus nicos meios de

    difuso musical: as gravadoras majors. A letra da msica carrega um vocabulrio agressivo

    e debochado, que condiz com a no aceitao do sistema poltico capitalista americano

    pelos adeptos ao movimento social anarquista. Anderson explica que:

    Em fins da dcada de 1970 e princpios da de 1980, a combinao daguitarra eltrica, da gravao multitracke da banda inglesa Sex Pistolsmotivou toda uma gerao de jovens sem treinamento musical, talentobvio ou permisso de algum a criar bandas e a gravar msicas.Quando irrompeu a cena, opunk rockfoi uma revelao chocante paraa garotada nas pistas de dana. Ver algum da idade deles batucandotrs cordas e pulando no palco era demais para aqueles jovens: Eutambm posso fazer isso, pensavam. (...) Com o punk rock,

    comeamos a valorizar as novas vozes, os novos sons e o vigor; e essesentimento contra os padres s poderia ter vindo de fora do sistema.Nada era mais inspirador do que ver aquelas pessoas que no tinhammais talento do que voc divertindo-se, sendo admiradas e fazendoalgo novo. Em termos econmicos, o punk rockabaixou as barreirasde entrada no mundo da criao. 29

    As primeiras gravadoras independentes foram fundadas por artistas insatisfeitos

    com as limitaes impostas pelas majors que, alm de rejeitarem o que no

    economicamente vantajoso, desapropriam do autor suas inspiraes musicais, no serendendo ao valor criativo das obras, mas ao valor de mercado do lbum. Graas ao

    barateamento de equipamentos de mixagem e gravao e ao surgimento das mdias

    desmassificadoras, alguns destes artistas montam seus prprios estdios caseiros.

    com base no contexto histrico criado pelo monoplio e concentrao das

    produes por parte das majors, que surge o termo independente. Este a principio

    refere-se s iniciativas de artistas que buscam meios autnomos de produo, fora docircuito institudo e administrado pelas gravadoras multinacionais. Esses artistas buscam

    segmentos no mercado para que, atravs deles, possam ser reconhecidos pelos seus

    pblicos e, at mesmo, para posterior reconhecimento no mainstream. Trotta explica que:

    Com dificuldades de posicionar-se num mercado que lhes negaespao mercadolgico, a sada para os artistas prestigiados dentro doprprio campo, mas sem reconhecimento comercial, a veiculao deseu trabalho em nichos perifricos, de circulao restrita, onde podem

    29 ANDERSON, Chris.A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 80.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    28/86

    28

    exercer sua autonomia criativa, negociar reconhecimento econsagrao esttica com seus pares e reclamar da grande indstriaque no veicula sua arte para um pblico mais amplo. Assim, oartista pode ser livre, independente. 30

    O papel do movimento independente na cadeia de produo musical muda de

    acordo com o tempo. A dinmica de produo dos independentes da dcada de 1970 no

    a mesma da dos anos 80, que to pouco igual a dos anos 90. Como o termo independente

    est diretamente relacionado poltica de atuao das majors, com o passar das dcadas e

    considerando as mudanas sociais, econmicas, polticas e tecnolgicas, o conceito de

    produo independente tambm vai sofrendo transformaes. Segundo Dias:

    (...) a performance das chamadas independentes, nas vrias formasque tem tomado, constituiu-se a partir da trajetria das majors e mudade acordo com ela. A forte concentrao caracterstica de toda ahistria da produo fonogrfica deve ser considerada como fatorprimordial da existncia das indies. 31

    No Brasil, ao decorrer das dcadas de 60 e 70 manifestaram-se muitas inciativas

    de produo musical independente, porm, a partir dos anos 80 que as indies nacionais

    comeam a participar efetivamente nas transformaes do mercado brasileiro de msica.

    Analisando a relao dos artistas e gravadoras independentes com as majors no perodo

    entre a dcada de 1980 e os anos 2000, percebe-se como ocorrem as alteraes nas relaes

    de poder entre produtores e consumidores de acordo com mudanas na economia, nas

    tecnologias e no consumo.

    1.2.1 - Produo brasileira de musica independente no sculo XX

    De acordo com Dias, a grande indstria musical se consolida no Brasil a partir de

    um processo de expanso e desenvolvimento dos meios de comunicao de massa,

    30 TROTTA, Felipe. Autonomia Esttica e Mercado de Msica: Reflexes Sobre o ForrEletrnico Contemporneo In: S, Simone Pereira.Rumos da Cultura da Msica: Negcios,

    Estticas, Linguagens e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 253.31 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 127.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    29/86

    29

    desencadeado no pas a partir de 1964 pelo governo militar.32

    . Durante a segunda metade

    da dcada de 60, a indstria fonogrfica comea a montar castings de artistas brasileiros

    para preencher o segmento MPB de sua produo. A seleo dos artistas destes castings foi

    realizada com o auxlio de:

    Festivais da Cano, na TV Excelsior e Record (...) organizadospelas emissoras de televiso (e com o apoio das grandes gravadoras ede outros veculos de comunicao de massa) e em moldescompetitivos. 33

    Somente o ingresso nesses festivais e o sucesso das performances poderiam

    viabilizar a entrada dos artistas no mercado massivo. Como explica o Dj Rodrigo Lari, ementrevista Micael Herschmann, (...) os artistas disputavam espao para estar no

    showbizz, os festivais eram como uma peneira, um gargalo.34

    Mesmo com o sucesso dos festivais, o apelo da msica americana prevalecia entre

    os jovens brasileiros, at porque A indstria no prescindiu da grande fertilidade da

    produo musical dos anos 60, sobretudo a da segunda metade da dcada, assim como a do

    incio dos anos 70, e constituiu casts estveis, com nomes hoje clssicos da MPB (...) 35

    ,

    como Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros. A maioria dos artistas, que no atendia as

    expectativas das majors, fica de fora desses castings, alm de ficar impossibilitada de

    difundir suas msicas de forma abrangente. A partir deste contexto que comeam a surgir

    diversas iniciativas de produo independente no pas.

    Existem divergncias com relao ao pioneirismo dessas iniciativas, porm, pode-

    se destacar o selo Artezanal, criado em 1977 pelo pianista, maestro e compositor

    Antnio Adolfo. Antes de abrir sua prpria gravadora j tinha lanado discos por majors

    32DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 55.33 HERSCHMANN, Micael. Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, SimonePereira (org).Rumos da Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre.Sulina, 2010, p. 28534 Entrevista concedida por Rodrigo Lari (produtor, DJ e proprietrio do selo MidsummerMadness) Micael Herschmann, em outubro de 2009. Disponvel em: HERSCHMANN, Micael.Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, Simone Pereira (org).Rumos da

    Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 28935 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 59.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    30/86

    30

    como Philips, RCA e EMI. Porm, (...) encontrou dificuldades em convencer as

    companhias fonogrficas em investir em sua nova sonoridade, desenvolvida em quatro

    anos de cursos de aperfeioamento no exterior. Por este motivo, toma a iniciativa

    independente de abrir sua prpria gravadora para lanar o LP intitulado Feito em Casa.

    Segundo De Castro:

    A iniciativa empreendedora de Antonio Adolfo despertou interessede muitos outros artistas pelo processo de produo independente nadcada de 70 e, por isso, o msico passaria a ser apontado como ogrande desbravador do movimento muito embora outras aesigualmente tidas como independentes tenham precedido a sua. 36

    Durante os anos 70, a msica nacional permaneceu inerte aos limites impostos

    pela indstria fonogrfica. Porm, no final da dcada, em So Paulo, desencadeia-se certa

    efervescncia em torno de manifestaes em prol da valorizao da cultura nacional, o que

    iniciou um perodo conhecido como Vanguarda Paulista. Neste perodo, jovens

    universitrios da USP se unem para criar um espao aberto para apresentaes de

    conjuntos musicais alternativos. Em 1979 criado ento o teatro Lira Paulistana. Segundo

    Dias:

    (...) o Lira Paulistana surgiu da inteno de oferecer umaprogramao cultural alternativa a um pblico insatisfeito com o showbusiness institudo. Como j tinham percebido alguns empresrios darea de msica (...), o mercado jovem estava desarticulado e seurespectivo pblico, desassistido. Assim como a produodesencadeada pelas grandes gravadoras, o empreendimento Liraaparecia para supri-los. O pblico dos independentes era um pblicojovem, porm diferenciado, por procurar e se identificar com produtosque, se no eram novidades, ao menos partiam de referenciaisdistintos do que era consagrado pelo mercado. 37

    A montagem do Lira Paulistana foi a mais bem sucedida das iniciativas

    independentes no Brasil dos anos 70 pelo fato de ter conseguido chamar a ateno dos

    pblicos utilizando as apresentaes ao vivo como principal meio de difuso da msica.

    36 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So

    Paulo. Anna Blume, 2010, p. 75.37 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 140-141.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    31/86

    31

    Alm disso, contribuiu para uma reestruturao da indstria fonogrfica, que a partir do

    incio da dcada de 1980 passou a integrar novos gneros em seus castings, incluindo o

    Pop Rocknacional (Credita-se Warnera projeo do Pop Rocknos anos 80, conhecido

    como BRock, com grupos como Kid Abelha, Baro Vermelho, Tits e Ultraje Rigor.38

    ).

    A partir de ento, as majors comeam a utilizar as gravadoras independentes

    como filtros de sucesso. Passam a observar a popularidade de artistas atuantes em

    mercados perifricos, para ento integr-los ao mainstream no caso de suas msicas

    conseguirem abranger pblicos economicamente viveis ao lanamento massivo. Segundo

    Dias:

    A partir dos anos 80, a relao das majors e indies passa a funcionaratravs de um sistema aberto, incorporando as inovaes e adiversidade como estratgia de manuteno do controle do mercado,garantindo a concentrao nas reas de fabricao e distribuio-difuso. 39

    Aps uma grande absoro do mercado de msica nacional durante a dcada de1980, a indstria fonogrfica percebe a necessidade de intensificar a reestruturao de seu

    sistema produtivo. Passa a considerar cada vez mais a existncia dos novos segmentos,

    iniciando um processo de diviso das gravadoras em um maior nmero de setores, com

    produtores musicais e tcnicos especializados em gneros musicais especficos. Tanto o

    nmero de profissionais envolvidos, quanto o nmero de artistas que compe os castings

    aumenta consideravelmente. Aumenta tambm o nmero de gravaes de lbuns, a

    complexidade da distribuio desses lbuns e, conseqentemente, aumentam os custos de

    produo e difuso, incluindo o aumento do preo do disco no mercado varejo. neste

    cenrio de gradativa segmentao, seguida por uma reduo considervel nos lucros, -

    muito atribuda instabilidade da economia brasileira dos anos 80, com altos ndices de

    inflao - que a indstria fonogrfica passa a sentir dificuldades em conciliar as alteraes

    38 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So

    Paulo. Anna Blume, 2010, 49.39 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 130.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    32/86

    32

    do mercado com a manuteno de seu modelo de negcio, baseado no sistema de

    industrializao cultural do ps-guerra. De acordo com Dias:

    Esta estrutura, que foi gradativamente inchando com aespecializao e ampliao dos departamentos, parece ter resistido ato final dos anos 80, quando passou a onerar demasiadamente os custosde produo. (...) a instabilidade da dcada de 80 j se anunciava e osanos 90 chegam em meio mais grave crise que o setor j assistiu. 40

    Obviamente as gravadoras independentes tambm sentem os reflexos da crise, j

    que nos anos 80, alm de se reduzirem a filtros de sucessos, ainda conviviam com as

    imensas dificuldades de distribuio de seus produtos. Dias explica que:

    Muito da produo dos anos 80 pde, efetivamente, desfrutar essaindependncia de produo. Contudo, no conseguiu da mesma forma,criar mecanismos de distribuio que garantissem a chegada dosdiscos ao mercado e aos meios de difuso, considerando ainda a totaldesigualdade de foras em jogo. 41

    Enquanto aumentava o nmero de setores especializados das majors, diretores e

    produtores musicais passavam a ser considerados cada vez mais importantes para a

    otimizao das produes. O sucesso de vendas da gravadora personificado atravs

    desses profissionais, com competncia e reconhecimento suficientes para tomarem para si

    os crditos das produes, para conquistarem a confiana do meio artstico e, por fim, a

    autonomia profissional. em meados dos anos 80 que as gravadoras passam a no poder

    mais pagar produtores fixos. Seus altos salrios se tornam inviveis realidade do

    mercado. Trabalhando como autnomos, passam a ser contratados para trabalhos

    especficos. Vale lembrar que um artista capaz de mudar de gravadora caso o seuprodutor musical, de confiana, mude de empresa. A confiana est no produtor musical,

    no na gravadora. Dias explica que:

    Do ponto de vista da organizao interna, os vnculos do produtormusical com a grande empresa fonogrfica vo sofrendo uma srie demudanas, que se consolidam na dcada de 80. A crescente

    40

    DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008,p. 10841Idem,Ibidem, p. 143-144.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    33/86

    33

    segmentao do mercado fonogrfico, que (...) permite s grandesgravadoras investirem em vrios estilos musicais, diversificandoriscos e, assim, garantindo retorno constante para suas operaes,pode nos auxiliar no entendimento de tais mudanas. O trabalho doprodutor vai se especializando cada vez mais, at desprender-seformalmente da estrutura da grande empresa. Deixa de sereconomicamente vivel, para as companhias, ter em seus quadrosprodutores assalariados, especializados nos vrios segmentos em queatuam. Desta forma, tornam-se profissionais autnomos, contratadospelas empresas para realizar trabalhos especficos. 42

    Depois da emancipao dos produtores musicais na dcada de 1980, em meados

    dos anos 90 com a digitalizao, a internet e o processo de globalizao dos mercados

    as gravadoras multinacionais, visando o corte de custos, comeam a terceirizar suasprodues, atribuindo responsabilidades sobre etapas da produo e distribuio a

    empresas parceiras e gravadoras independentes. A descentralizao de todo o processo

    produtivo aponta tendncia da passagem das organizaes verticais de hierarquias e

    setores bem definidos para as horizontais com as etapas de produo dividas entre

    empresas especializadas e de menor porte. Segundo De Castro:

    Se at a dcada de 80 as gravadoras possuam estdios,msicos, tcnicos, fabricao e distribuio prprios, a partir dadcada de 90 se fragmenta, passando a ser parcialmente outotalmente terceirizado, a ponto de muitas companhias teremsido resumidas a meros escritrios. (...) Este processo defragmentao, que se inicia no final do sculo XX, tempossibilitado o deslocamento do processo produtivo paraespaos e tempos diferenciados, desterritorializando aproduo. 43

    Graas s novas tecnologias digitais de gravao e a recuperao da economia

    brasileira - com o Plano Real -, na metade da dcada de 1990, ex-tcnicos e ex-produtores

    da grande indstria montam seus prprios selos. Alguns desses selos encontram espao e

    se concentram em segmentos bem especficos. J outros, visam no s lanar artistas no

    mercado segmentado, mas tambm desenvolver talentos para projeo no grande mercado.

    A experincia adquirida durante anos de trabalho nas majors, aliada s novas tecnologias

    42DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da

    Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 103.43 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. SoPaulo. Anna Blume, 2010, p. 50-51.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    34/86

    34

    digitais de gravao, permitiu um progresso da produo independente que, se comparada

    s iniciativas das dcadas de 70 e 80, se mostram muito mais profissionais, principalmente

    pelo fato de inclurem ao sistema de produo a adequao de artistas e repertrios ao

    mercado massivo. Dias explica que:

    A especializao das etapas do processo de produo (...) vaigradualmente atingindo outras esferas de produo, chegando ao seucentro vital: a gerao de artista e repertrios (A&R). As empresasindependentes tornam-se agentes desse processo, transformando-seem fornecedoras de produtos acabados para as grandes. 44

    tambm nos anos 90 que surgem empresas especializadas na distribuio daspequenas tiragens dos selos independentes, como a paulista Tratore, tambm conhecida

    como a distribuidora dos independentes. 45

    O surgimento dessas empresas um exemplo

    de como o mercado independente de msica passa a se organizar, criando redes de

    cooperao em prol da otimizao das produes e da distribuio de produtos, incluindo

    nesta rede tambm as majors, que j reconhecem a necessidade da segmentao de seus

    produtos. De acordo com Dias:

    As relaes entre grandes e pequenos produtores esto sendo vistascomo cooperao, simbiose e trabalho em network. As indies tornam-se ainda mais versteis e sua capacidade de testar fatias de mercadotem aproximado as majors preocupadas em garantir cada vez mais asegmentao do mercado de seu trabalho. Licenciamento (nacional einternacional), compra de repertrio, de catlogo ou mesmo de todo oselo, ou ainda contratos de distribuio: essas so as formas pelasquais se concretizam as relaes formais entre indies e majors. 46

    Se por um lado, as gravadoras independentes da dcada de 1990 conseguem

    conquistar uma posio dentro do processo produtivo da indstria musical (preparao e

    lanamento de produtos para as majors), por outro, continuam sofrendo com os problemas

    provenientes da poltica centralizadora das gravadoras multinacionais, que investem a

    44 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 132.45 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So

    Paulo. Anna Blume, 2010, p. 85.46 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 133.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    35/86

    35

    maior parte de seus recursos na difuso de poucos artistas comerciais, contrariando as

    propostas de inovao e reciclagem das indies e prejudicando demasiadamente a

    distribuio de produtos menos abrangentes e lucrativos. Segundo Dias:

    A fragmentao da produo e as condies colocadas pelatecnologia favorecem a diversificao de agentes produtores. Mas oafunilamento que as majors realizam no momento de escolherprodutos oriundos das indies (seja para estabelecer contratos dedistribuio ou para compra de catlogo e/ou produtos) limitaconsideravelmente a ocorrncia de efetivas parcerias ou situaes deterceirizao que garantam a conquista do mercado por produtosportadores de inovao. 47

    Como se v, a indstria fonogrfica regida prioritariamente por tendncias.

    Essas tendncias interferem no s nos contedos das mdias, mas tambm nas prprias

    mdias. Com a digitalizao da msica no final dos anos 80, as majors passaram a investir

    na fabricao de suportes para msicas digitais. O primeiro a ser popularizado foi o

    compact disk(CD). No Brasil, entre o incio dcada de 1990 e o ano 2000, as mdias de

    reproduo analgica como fitas cassete e discos de vinil -, obsoletas, vo sendo

    substitudas tanto nas prateleiras do mercado varejo, quanto nas colees dos consumidores

    de msica. O surgimento do CD e a relativa estabilizao da economia impulsionaramnovamente o mercado fonogrfico brasileiro, retomando o ritmo de crescimento que havia

    cado durante os anos 80. Segundo Dias, a partir de meados da dcada de 90:

    O consumidor comea a buscar no mercado ttulos em CD doque j possua em vinil, e essa procura permite indstriadesenvolver uma estratgia de vendas altamente lucrativa, semarcar com custos de produo. 48

    Porm, o boom dos CDs, ao mesmo tempo em que deslumbra a indstria da

    msica com o aumento das vendas e com a queda do custo de produo, representa o incio

    da histria da desmaterializao da msica, da virtualizao do acesso s obras musicais

    (inclui-se o surgimento de inmeros meios de acesso gratuito) e da reestruturao do

    mercado musical. De um lado, desencadeia-se a pior crise j vivida pelas majors, com o

    47

    DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008,p. 135.48Idem,Ibidem, p. 112

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    36/86

    36

    declnio do valor de mercado dos CDs e do modelo de negcio institudo desde seus

    primrdios, baseado na produo, reproduo e venda de mdias fsicas. De outro, a msica

    digital comea a ser inserida nas vertentes de entretenimento de diversas empresas que,

    antes da digitalizao da msica, nada tinham a ver com produes musicais, sendo

    traadas novas perspectivas para o business fonogrfico. Santini explica que:

    Embaladas pela crescente difuso da venda de canes pelaInternet (ou por outros suportes digitais como o telefonecelular), companhias que tinham pouco ou nada a ver com omercado da msica, esto cada vez mais interessadas nopotencial desse nicho. 49

    Sobre a reconfigurao do mercado musical, inclui-se ainda a emancipao das

    produes independentes que, graas popularizao das tecnologias digitais, da

    digitalizao da msica e da dinmica oferecida pelo fluxo de informaes na rede,

    encontram tempo e ambiente finalmente favorveis distribuio de seus produtos e

    difuso da msica segmentada.

    1.3 Os novos rumos da produo musical e o cenrio independente

    brasileiro do sculo XXI

    Em meio a tantas transformaes na cadeia de produo musical, os grandes

    conglomerados do entretenimento so forados a se voltarem cada vez mais cultura das

    redes tentando encontrar meios que viabilizem a continuidade da manuteno dos negcios

    que giram em torno da intermediao e comercializao de msica. A produo de CDs,

    que ocupava uma posio de cargo chefe nas majors, hoje se reduz a uma ramificao donegcio, que agora tambm engloba produes em parcerias com empresas de

    telecomunicaes e do entretenimento, parcerias estas que podem, inclusive, resultar na

    fuso entre essas empresas e conglomerados de grandes gravadoras. Herschmann explica

    que:

    49 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 147.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    37/86

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    38/86

    38

    indicadores das sequncias que devem ser seguidas pelo jogador. Se parar de acompanhar

    ou errar a sequncia, rompe a produo musical do jogo, o que reflete na insatisfao do

    pblico virtual (animao grfica em 3D) e na perda de pontuao. J o acerto das

    sequncias faz com que a msica seja reproduzida perfeitamente, refletindo na satisfao

    do pblico virtual e no ganho de pontuao. Referindo-se ao Guitar Hero e aoRock Band,

    Miller afirma que:

    Os jogos (...) tm poder provocador porque giram em torno daperformance do rock, um gnero profundamente arraigado nosdiscursos do individualismo radical, da criatividade herica e daqualidade corporificada da apresentao ao vivo. 53

    Dos sites de comercializao de msica digital, destaca-se o iTunes, da empresa

    de informtica Apple. Apesar de no fazer parte dos conglomerados multinacionais da

    produo musical, a empresa lidera o mercado mundial de venda legal de arquivos mp3. O

    sucesso do iTunes deve-se ao extraordinrio sucesso comercial doplayerporttil iPod 54

    (da Apple), ao baixo custo das faixas avulsas (em mdia, 99 centavos de dlar),

    possibilidade de interao entre os consumidores (atravs da publicao de crticas e

    comentrios) e ao grande nmero de faixas em seu acervo, que supera em nmero qualquer

    loja de mdias fsicas. O iTunes agrega a seu acervo uma enorme quantidade de canes

    economicamente inviveis para o mercado centralizador das majors. Se o espao nas

    prateleiras do mercado varejo de suportes fsicos (CDs) gera custos, o armazenamento

    digital tem custo praticamente zero, mesmo considerando o baixo volume de compras da

    grande maioria das faixas. Referindo-se ao iTunes, Castro diz que:

    A loja virtual da Apple lidera o mercado de downloads cobrados porfaixa ao preo 99 centavos de dlar. O iTunes Music Store atingiu, emfevereiro de 2006, a meta de 1 bilho de msicas comercializadasdesde o seu lanamento em 2003. Expandindo-se pelo mundo afora, oiTunes tem conquistado novas fatias do mercado globalizado, j

    53 MILLER, Kiri. Por que voc no pega uma guitarra de verdade? GuitarHero,Rock Band &Performance Virtual In: DE S, Simone Pereira (org.).Rumos da Cultura da Msica: Negcios,estticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 136.54 CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva. Msica, juventude e tecnologia: Novas prticas de

    consumo na cibercultura Disponvel em:http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf Acesso em 03/04/2011.16:22 h.

    http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdfhttp://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf
  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    39/86

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    40/86

    40

    grande interao e fruio com as quais os atores sociais seidentificam) apresentam-se hoje como um fenmeno no seconmico, mas tambm poltico e sociocultural que vemfundamentando em grande medida a socialidade que assistimos nomundo contemporneo. 58

    medida que as obras musicais so inseridas nos fluxos da rede - que oferece

    diversidade e possibilidades de interao entre artistas e fs -, a internet passa a ser

    considerada como o principal meio de divulgao e difuso da msica. Se no sculo XX a

    televiso se destaca pelo seu poder de centralizao das atenes e de impacto na

    disseminao de informaes, a internet se mostra favorvel s tendncias de socializao

    e segmentao, que caracterizam as cadeias produtivas do sculo XXI. Herschmannexplica que:

    (...) no s a internet vem substituindo o rdio e a televiso comoprincipal meio de divulgao de msica; mas tambm as grandesgravadoras enfrentam dificuldades financeiras, e os artistas, novos ouno, sobrevivem, sobretudo atravs de concertos e da presena emcircuitos e cenas alternativas. 59

    Assim como o novo cenrio apresenta limitaes para a indstria centralizadora,se mostra favorvel democratizao da divulgao e difuso da msica, o que faz com

    que artistas do mainstream e artistas independentes passem a compartilhar o mesmo e

    principal meio de divulgao de suas obras. A difuso da msica atravs da internet atrai o

    interesse no somente de msicos novatos, sem reconhecimento do grande pblico, mas

    tambm de artistas consagrados que, em grande parte, j no vem mais tantas vantagens

    em manter contratos com grandes gravadoras. Como explica De Marchi:

    (...) as gravadoras independentes se caracterizam pelo investimentonas novas formas e tecnologias de comrcio de gravaes sonoras. (...)a efetivao do comrcio virtual de msica vem desorganizando otradicional sistema de poder da indstria fonogrfica. Para asempresas independentes, as atuais transformaes so particularmenteapropriadas. Em primeiro lugar, diferentemente das grandes gravado-ras, cujos clientes so as conceituadas lojas revendedoras (...), osconsumidores das pequenas e mdias so os indivduos. Com as novas

    58HERSCHMANN, Micael, Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, Simone

    Pereira (org).Rumos da Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre.Sulina, 2010, p. 300- 301.59Idem, Ibidem, p. 286-287.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    41/86

    41

    ferramentas tecnolgicas, como o sistema monetrio internacional, ainternet e a virtualizao dos suportes sonoros, os independentes estoatingindo diretamente seu pblico-alvo, sem a necessidade dascomplexas negociaes com atravessadores, como as lojas de disco.Em segundo, como os atuais servios de distribuio on-line sooferecidos por empresas de informtica, a necessidade de relaescom as grandes gravadoras para fazerem os produtos alcanarem omercado consumidor diminui significativamente. 60

    Na internet, a produo de msica independente (segmentada e, hoje, articulada

    em torno da dinmica das redes) finalmente encontra um ambiente favorvel ao resgate da

    diversificao de gneros e estilos sem a interferncia de gestores de grandes empresas e

    sem os limites fsicos e econmicos que, at o final do sculo XX, inviabilizavam adifuso da msica alternativa e seu reconhecimento por parte dos pblicos.

    Paralelamente s transformaes no mercado musical, em meados dos anos 2000

    comeam a surgir diversos festivais de msica independente no Brasil que, (...)

    organizados por iniciativa de coletivos de artistas, pequenas gravadoras e/ou produtoras,

    (...) mobilizam mais de 300 mil pessoas em cerca de 50 festivais por ano (...). 61

    A internet

    no s utilizada para consumir e difundir msicas, mas tambm para que artistas e

    profissionais da msica se articulem em torno da organizao e divulgao dos eventos

    atravs de redes de relacionamento: Herschmann diz que:

    Em certo sentido, pode-se afirmar que alguns coletivos de msicosbrasileiros vm construindo novos circuitos de produo-distribuioe consumo culturais. Neste novo modelo, fomentado e realizadoespecialmente por jovens artistas e profissionais da msica, aproduo toda feita via internet e/ou tecnologias digitais (isto , dadivulgao, distribuio, convite para shows at a organizao dos

    festivais em si). 62

    Diferente dos grandes festivais das dcadas de 60 e 70, que tinham um carter

    60 DE MARCHI, Leonardo. Indstria fonogrfica e a nova produo independente: o futuro damsica brasileira? Disponvel em:http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76 - Acesso em 03/04/2011.16:22h.61 HERSCHMANN, Micael.Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras e

    Cores, 2010, p. 83.62Idem, Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, Simone Pereira (org).Rumosda Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 272.

    http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76
  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    42/86

    42

    competitivo e funcionavam como um filtro para o mainstream, os festivais de hoje

    priorizam a democratizao do espao das apresentaes e a diversidade musical. Renem

    inmeros artistas de estilos variados e sem vnculos com grandes gravadoras,

    proporcionando aos pblicos verdadeiras vitrines musicais e culturais. Segundo

    Herschmann:

    (...) diferentemente dos antigos festivais da cano do sculo passadoe dos grandes eventos atualmente realizados no Brasil, pode-se dizerque os novos festivais independentes: a) utilizam de forma sistemticaa mdia alternativa e interativa; b) os artistas divulgados geralmenteno tem vnculos com as majors (e muitas vezes nem com aschamadas indies); c) e constituem-se em importantes espaos de

    consagrao e reconhecimento dos msicos dentro do nicho demercado em que atuam (pois os novos festivais so simples mostras,sem premiao). 63

    Vista a internet como um importante meio de articulao entre os atores sociais

    envolvidos com a produo e difuso da msica independente, surgem novos modelos de

    intermediao entre msicos e fs, tendo vista a existncia de um grande nmero de

    artistas com interesse em divulgar suas obras e de consumidores de msica atrados pelo

    acesso irrestrito diversidade. Assim, explica-se o grande sucesso das redes derelacionamento focadas na produo e difuso musical como oMySpace ((...) maior rede

    social do mundo, com mais de cem milhes de usurios, dentre os quais, mais de trezentos

    mil so msicos.)64

    e do Trama Virtual (Site da gravadora independente Trama, rede de

    relacionamento focada na produo musical independente e objeto de estudo para esta

    monografia). Como afirma Herschmann:

    Se nos anos 1980 e 1990, no perodo do desenvolvimento das redesdigitais de comunicao celebrava-se o fim da intermediao (...)como novidade revolucionria do mercado cultural digitalizado, hojenota-se que as pequenas e grandes empresas investem em legitimar areintermediao: h novas formas e diferentes graus de mediao nasrelaes de produo dos bens culturais. 65

    63HERSCHMANN, Micael,Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras eCores, 2010, p. 272.64 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So

    Paulo. Anna Blume, 2010, p. 95.65 HERSCHMANN, Micael.Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras eCores, 2010, p. 84.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    43/86

    43

    Em vez de essas empresas lutarem pela manuteno do limitador mercado de

    mdias fsicas e contra a proliferao das obras, se mantm sustentadas por bases que

    harmonizam o fluxo de informaes na rede. No centralizam seus negcios naindustrializao da msica, mas na diversidade que atrai a ateno de milhes de pessoas.

    As audincias (nmero de acessos e de pessoas registradas) o que transforma suas

    plataformas em valiosos territrios. Portanto, (...) observa-se a permanncia da ideia de

    que o principal produto das plataformas de consumo da msica continua sendo a

    segmentao do pblico consumidor para possveis anunciantes. 66

    Empresas de diversos

    setores se interessam em divulgar suas marcas nessas plataformas, pois reconhecem cada

    vez mais a importncia de investir em espaos segmentados, alm de considerarem o baixocusto da insero de publicidade na rede e a intensificao do papel da msica nas relaes

    sociais.

    66 JNIOR, Jeder Janotti; NOGUEIRA, Bruno Pedrosa. Um museu de grandes novidades: crtica

    e jornalismo musical em tempos de internet. In: S, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura daMsica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 214-215.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    44/86

    44

    2 A msica na era das redes: O ciberespao, a nova economia e o mp3

    Para a compreenso das repentinas transformaes no mercado musical a partir

    do incio do sculo XXI, importante analisar todo um processo que se estende desde o

    auge da guerra fria, a partir de meados da dcada de 60. Foi nesta poca que o governo dos

    Estados Unidos comeou a financiar pesquisas dentro de Universidades americanas a fim

    de desenvolver formas de compartilhamento de informaes entre bases militares atravs

    de computadores, o que impulsionou significativamente o progresso das telecomunicaes,

    das tecnologias digitais e que marcou o incio da expanso das redes e da histria da

    internet.

    2.1- Cibercultura: digitalizao, convergncia das mdias e comunidades virtuais

    As primeiras instituies acadmicas a comportarem pontos de comunicao

    interconectados pela Arpanet67, primeira rede de computadores, foram universidades da

    Califrnia - de Los Angeles e de Santa Brbara - e a universidade de Utah. O interesse

    pelas tecnologias de comunicao no se deve somente troca de informaes em prol dodesenvolvimento tecnolgico, mas se d principalmente pela liberdade de comunicao e

    expresso entre seus usurios: jovens universitrios envolvidos com a realidade histrico-

    social dos movimentos contraculturais. Segundo Castells, (...) a internet nasceu da

    improvvel interseo da big science, da pesquisa militar e da cultura libertria.

    Importantes centros de pesquisa universitrios e centros de estudo ligados defesa foram

    pontos essenciais entre essas trs fontes da Internet. 68

    Em 1983, as foras armadas americanas perceberam a expanso das redes de

    computadores como um risco de abertura de brechas na segurana, o que facilitaria o

    vazamento de informaes confidenciais. Frente a isso, criada uma rede de domnio

    especificamente militar. A Arpanet, por sua vez, torna-se a Arpa Internet. Uma rede nica

    e exclusivamente voltada para desenvolvimento de pesquisas acadmicas que, em 1984

    67

    CASTELLS, Manuel.A Galxia da Internet. Reflexes Sobre A Internet, Os Negcios E ASociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003,p. 13.68

    Idem, Ibidem,p. 19.

  • 8/6/2019 Producao Musical Na Era Das Redes Bruno Soutilha

    45/86

    45

    passou a ser propriedade daNational Science Foundation (NSF). O domnio da NSF sobre

    a Arpa Internet durou pouco. Logo as redes caram em domnio pblico:

    Em fevereiro de 1990, a Arpanet, j tecnologicamente obsoleta, foiretirada de operao. Dali em diante, tendo libertado a Internet de seuambiente militar, o governo dos EUA confiou sua administrao National Science Foundation. Mas o controle da NSF sobre a Netdurou pouco. Com a tecnologia de redes de computadores no domniopblico, e as telecomunicaes plenamente desreguladas, aNSFtratoulogo de encaminhar a privatizao da Internet. 69

    Sem o consentimento das propores que a expanso das redes alcanaria e sem a

    pretenso de transformar a internet no que ela representa hoje, os usurios das redes

    participaram efetivamente na estruturao e expanso natural de um novo meio de

    comunicao que, a partir de 1991, com a World Wide Web (WWW) - sistema de

    documentos em hipertexto criado pelo ingls Timothy John Berners-Lee - passou a integrar

    a rede global de comunicao. Segundo Castells, o que permitiu Internet abarcar o

    mundo todo foi o desenvolvimento da WWW.70

    Atravs desse sistema global de

    comunicao que se estrutura o ciberespao: um mundo virtual que, apesar de virtual,

    real, pois marca o incio de uma nova realidade histrico-social global e de uma releitura

    dos sistemas de comunicao, polticos e econmicos do planeta. Na viso de Lvy:

    O ciberespao (...) o novo meio de comunicao que surge dainterconexo mundial dos computadores. O termo especifica noapenas a infra-estrutura material da comunicao digital, mas tambmo universo ocenico de informaes que ele abriga, assim como osseres humanos que navegam e alimentam esse universo. 71

    O ciberespao inaugura uma nova era. A era da cibercultura: um (...) conjunto de

    tcnicas (materiais e intelectuais), de prticas, de atitudes, de modos de pensamento e de

    valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespao. 72

    . Na viso de Lemos:

    69 CASTELLS, Manuel.A Galxia da