producao musical na era das redes bruno soutilha
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UNIVERSIDADE ESTCIO DE SCOMUNICAOPUBLICIDADE
PRODUO MUSICAL NA ERA DAS REDES: AGRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE
INTERMEDIAO
Bruno Costa Soutilha da Silva
Rio de JaneiroJunho/2011
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BRUNO COSTA SOUTILHA DA SILVA
PRODUO MUSICAL NA ERA DAS REDES: AGRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE
INTERMEDIAO
Monografia apresentada como requisito para obteno dottulo de bacharel, do curso de Comunicao Social daUniversidade Estcio de S, com habilitao emPublicidade.
ORIENTADOR: Prof Charbelly Estrella
Rio de JaneiroJunho/2011
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S586 Silva, Bruno Costa Soutilha daProduo musical na era das redes: a gravadora trama e seu novo modelo de
intermediao / Bruno Costa Soutilha da Silva. Rio de Janeiro, 2011.80f. ; 30cm.
Trabalho monogrfico (Graduao em Comunicao Social-Publicidade ePropaganda)-Universidade Estcio de S, 2011.
1. Msica, produo. 2. Indstria fonogrfica. 3. Economia. 4. Redes sociais.I. Ttulo.
CDD 780
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BRUNO COSTA SOUTILHA DA SILVA
PRODUO MUSICAL NA ERA DAS REDES: A GRAVADORA TRAMA E SEUNOVO MODELO DE INTERMEDIAO
Grau: _________________________
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________Prof. Charbelly Estrella
____________________________________________________________Prof. Flavia Werneck Torres Homem
______________________________________________________________Prof. Paulo Srgio Ribeiro Montalvo
Rio de JaneiroJunho/2011
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DEDICATRIA
Dedico este trabalho ao meu amado filhoLucas e ao meu querido pai, j falecido,Luis Carlos.
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AGRADECIMENTO
Agradeo minha famlia por todo carinhoe dedicao durante esses anos de estudo.
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EPGRAFE
"(...) no tinha nem esperana de que minha msicapudesse se enquadrar em alguma gaveta. De repente, omundo mudou e veio se encontrar com ela."
Tom Z
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RESUMO
Este trabalho pretende analisar as transformaes no mercado fonogrfico a partirdo desenvolvimento das novas tcnicas de produo e distribuio de obras musicais
advindas das tecnologias digitais e baseadas na dinmica comunicacional oferecida pela
internet e suas redes sociais. Trata-se de um assunto atual, que retrata o processo de
transio entre a velha economia industrial e a economia da informao, esta ltima
configurada aps a insero das novas tecnologias da informao e comunicao (NTICs)
na cultura das sociedades ps-modernas.
Para desenvolver sobre tais transformaes, aborda-se sobre as alteraes nas
relaes de poder entre produtores e consumidores e sobre novas formas de intermediao
entre os produtos culturais e seus respectivos pblicos. Busca-se traar um paralelo entre as
interferncias da nova economia no sistema de produo da indstria fonogrfica e das
consequncias dessas mudanas para as produes de msica independente, atuantes em
mercados perifricos e segmentados.
Para retratar tais mudanas, so apontadas as novas tendncias relacionadas
produo e difuso da msica, apresentando como objeto de estudo o modelo de negcio
adotado pela gravadora independente Trama, sustentado pela valorizao das experincias
em rede e pela participao de produtores/consumidores nas cadeias de produo.
Palavras-chave: Indstria fonogrfica, nova economia, redes sociais.
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SUMRIO:
Introduo........................................................................................................................09
Captulo I A indstria fonogrfica, a contracultura e a msica independente....12
1.1 A estruturao e ascenso da indstria fonogrfica ..................................................14
1.2 A cultura das mdias, a contracultura e as produes independentes .......................22
1.2.1- Produo brasileira de musica independente no sculo XX.....................................27
1.3 Novos rumos da produo musical e o cenrio independente brasileiro do sculoXXI......................................................................................................................................35
Captulo II A msica na rede: O ciberespao, a nova economia e o mp3..................43
2.1- Cibercultura: digitalizao, convergncia das mdias e comunidades virtuais.............43
2.2 Os consumidores/produtores e a economia da informao........................................50
2.3 O mp3, as redes P2P e a crise das majors..................................................................56
Captulo III- Trama: um novo modelo de produo independente..............................66
3.1 Trama virtual: uma comunidade de msica na internet..............................................67
3.3 Outros canais da Trama..............................................................................................73
Consideraes Finais........................................................................................................76
Referncias Bibliogrficas...............................................................................................78.
Bibliografiaon-line.......................................................................................................... 79
Anexos...............................................................................................................................80
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INTRODUO
A msica independente, em sua essncia original, se caracteriza pela
singularidade das expresses artsticas de seus executores, influenciados somente pelas
vivncias, impresses e opinies individuais. Como qualquer arte que no seja atrelada a
fins de mercado, nica.
Apesar de a indstria fonogrfica exercer um papel importante na distribuio
massiva e democrtica de entretenimento (essencial e constante nas sociedades
contemporneas), ela limita as infinitas possibilidades de experimentaes audveis,
inibindo o desenvolvimento da sensibilidade que permite se encorajar por ambientesmenos comuns, porm, possivelmente agradveis e agregadores. Alm disso, a
diversificao de gneros e estilos musicais favorece maior fluidez nas relaes sociais,
inibindo preconceitos e quebrando tabus referentes s culturas e hbitos alheios.
Hoje, com a interconexo generalizada atravs das redes, tem se tornado cada vez
mais visvel a diversificao de contedos que circulam e que se alternam entre ambientes
virtuais e fsicos. Esse fluxo multidirecional responsvel pela releitura das relaessociais e pela reestruturao dos mercados, incluindo o importante papel que a msica
segmentada passa a exercer na nova economia da informao.
Este trabalho foi realizado com base em citaes destacadas de obras
bibliogrficas, teses e artigos de autores dedicados a estudos sobre culturas e mercados
musicais, produo musical independente brasileira, novas tecnologias da informao e
mercado de nichos.
O primeiro captulo aborda as transformaes que a indstria da msica sofreu
durante as ltimas dcadas do sculo XX. Em uma breve introduo, so analisadas as
variaes de significado e propsito que as culturas musicais sofrem de acordo com
alteraes na relao entre sociedades e suas respectivas crenas, valores e tcnicas de
produo. A partir dos conceitos de hardware e software, desenvolve-se sobre a o
deslocamento das culturas musicais atravs das mdias e a atribuio do valor de mercado
s mesmas.
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Posteriormente realizada uma anlise do processo de insero da msica na
lgica do sistema de produo industrial, passando pelo desenvolvimento das tcnicas de
gravao, o incio da Revoluo Industrial, da Guerra Fria e o lanamento das bases para a
estruturao e ascenso da indstria fonogrfica. Explica-se tambm sobre a especializao
dirigida industrializao e massificao da msica e sobre o papel que artistas, tcnicos e
produtores exercem dentro do processo industrial.
Ainda no primeiro captulo, retratado o incio da segmentao dos mercados a
partir da cultura das mdias, do surgimento dos movimentos contraculturais e das primeiras
gravadoras independentes. explicado sobre o conceito de msica independente e sobre a
industrializao da msica brasileira, ocorrida a partir de meados da dcada de 60. Busca-se apontar as variaes nas relaes de poder entre gravadoras multinacionais, artistas,
produtores e gravadoras brasileiras independentes durante as trs ltimas dcadas do
sculo XX, sendo traado um paralelo entre as causas dessas variaes e as transformaes
ocorridas na economia, nas sociedades e nas tecnologias. Desta forma, so explicadas as
transformaes ocorridas no mercado musical em decorrncia dos reflexos das novas
tecnologias da informao e comunicao sobre a economia mundial, sendo apontadas as
novas tendncias do mercado musical, incluindo os novos festivais de msica independenteno Brasil e as novas perspectivas para o business fonogrfico.
O segundo captulo pretende desenvolver sobre a insero da msica na cultura
das redes e as consequncias para o mercado de mdias musicais. Primeiramente dedica-se
a um breve histrico sobre a expanso das redes e ao entendimento de suas causas e
consequncias sobre as transformaes na dinmica de distribuio e compartilhamento de
informaes e contedos. explicado o conceito de virtualizao do real, o processo deconvergncia das mdias e a formao da inteligncia coletiva a partir de articulaes e
trocas entre indivduos e comunidades virtuais. Em seguida explica-se sobre a nova
economia dos produtores/consumidores. So apontadas as caractersticas dos novos perfis
dos pblicos e dos novos mercados voltados para estes pblicos. Considera-se
principalmente a constante troca de papis entre produtores e consumidores, o aumento
significativo de contedos que circulam atravs dos fluxos da rede e as consequncias da
multiplicao dos nichos sobre a indstria cultural.
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Finalmente, desenvolve-se sobre a digitalizao da msica, passando pelo
processo de substituio das mdias analgicas pelas digitais, pelas articulaes de
comunidades virtuais em torno da descentralizao da informao e pela dissociao entre
msica digital e mdia fsica. So abordadas questes sobre a popularizao do mp3 a
partir das redes P2P, sobre a crise da indstria de mdias musicais fsicas e sobre o
surgimento de novos modelos de intermediao, baseados na economia da informao.
O terceiro captulo aponta como objeto de anlise a gravadora Trama (maior
gravadora independente do Brasil) e seu novo modelo de intermediao, que dispensa a
formatao e distribuio de mdias fsicas e a agregao de um valor de mercado aos
fonogramas, que so acessados e baixados pelo pblico gratuitamente atravs de suaplataforma on-line, o site Trama Virtual. explicada a dinmica de funcionamento do
modelo sustentado pelas audincias, que permite que a maior parte da arrecadao
provenha de patrocinadores/anunciantes, que divulgam suas marcas no Trama Virtual e em
outros canais de comunicao agregados ele. feita uma anlise da forma com que a
gravadora utiliza a convergncia para criar uma programao integrada entre msica
digital, TV on-line, rede social e apresentaes ao vivo.
Este trabalho tem como objetivo levantar questes sobre a emergncia do
desenvolvimento de novos modelos de intermediao entre artistas e pblicos, nos quais
prevalea a liberdade de acesso, a democratizao dos espaos de apresentao e difuso
da msica e a preservao da autenticidade e originalidade das obras, estimulando artistas e
ouvintes a pensarem a msica como um importante meio de expresso cultural.
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1 A indstria fonogrfica, a contracultura e a msica independente.
A msica, desde seus primrdios, se apresenta como uma importante forma de
expresso e sociabilizao humana, variando seus propsitos e significados de acordo com
a temporalidade, crenas e culturas locais. De uma maneira fluida e natural, a msica se
integra s culturas e evolui junto s sociedades e suas tcnicas de produo. atravs das
tcnicas - a princpio, artesanais - que o homem passa a se expressar musicalmente, tendo
como base sonoridades emitidas a partir de matrias primas de origem locais, retiradas de
seu meio natural, como bambus e couro de animais o que torna a msica uma forma de
expresso com caractersticas particulares, que traduzem atravs do som e da emoo, o
meio, a cultura e a identidade dos povos. Dias explica que:
No processo histrico, a msica tem se apresentado como importanteelemento de expresso cultural em vrias sociedades, aparecendosempre circunscrita a espaos sociais e polticos definidos. Dos ritosdionisacos marginalidade medieval, de artigo de luxo da realeza aelemento subversor condenvel, de curso teraputico e muitas vezesmgico a expresso rara da produo intelectual do homem, a msicafoi tomando para si vrias formas e significados em muitascivilizaes. Essa relao antropolgica com as sociedades foi, semdvida, um elemento facilitador elementar para a capacidade detranspor fronteiras e circular, de maneira fluida e transcendente, pelomundo, que a msica apresenta. 1
atravs da tcnica, que a histria da msica passa a reconhecer o processo de
deslocamento das culturas musicais. A partir de sua materializao, com o surgimento das
notas musicais e da prensa, torna-se possvel a produo da partitura, primeira forma fsica
capaz de deslocar a msica por longas distncias, viabilizando sua reproduo fora de seu
contexto original e possibilitando sua apreciao por culturas distintas. A materializao
possibilita agregar msica um valor comercial e viabiliza, a partir de seu deslocamento,
inspirar e influenciar msicos de origens diversas. De acordo com Santini:
A msica representada na partitura (...) rompeu os limites da difusomusical fechada, tpica da cultura oral. O suporte material garantiu a
1 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.27.
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difuso da msica fora do espao em que foi gerada, atravs domovimento de trocas e vendas de bens entre as diversas comunidades.Assim, o alcance da msica passou a serelacionar com o alcance dosseus meios de representao e registro. 2
A materializao do som bem representada pelos conceitos de hardware e
software. A partitura, por exemplo, software depende do instrumento musical o
hardware para que a msica seja executada, da mesma forma que acontece com as
mdias musicais mais recentes, como o LP e o CD, que dependem de seus respectivos
aparelhos reprodutores de som. Na viso de Dias, o surgimento do fongrafo e do
gramofone (primeiros dispositivos de gravao e reproduo musical) que lana a base
para que a msica comece a ser inserida na lgica do sistema de produo industrial:
(...) o aparecimento do fongrafo e do gramofone constituiu umcenrio para a produo industrial de msica que, de certa forma,mantm-se nos dias atuais (...). Consideremos primeiramente asrelaes existentes na produo do software e do hardware e aconsequente concentrao nas mos de algumas empresas, comoponto de partida. O fongrafo (...) no foi concebido para reproduzirgravaes musicais (...). No entanto, foi como mquina de
entretenimento que ele se difundiu (...).
3
A partir do fongrafo e do gramofone, as tecnologias de gravao e reproduo
musical vo sendo aprimoradas, como (...) o desenvolvimento do microfone eltrico e da
amplificao nos anos 30 (...) 4desencadeando um processo evolutivo das formas de se
ouvir msica reproduzida artificialmente, com timbres cada vez mais prximos aos dos
instrumentos musicais. Porm, segundo Santini, at ento a gravao ainda significava o
registro de um evento em particular, e isso no mudou at o final da guerra. 5
2 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p.71.
Neste
perodo - final da dcada de 1940 (incio da Revoluo Industrial e da Guerra Fria) - so
inventados o disco de vinil e a fita magntica. A revoluo industrial inaugura o sistema de
produo em srie, tornando possvel a fabricao dessas mdias e de seus respectivos
reprodutores em larga escala, aumentando drasticamente a disseminao da msica. Isto se
3 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da
Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 38.4 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 33.5Idem, Ibidem, p. 35.
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deve, principalmente, ao surgimento de grandes empresas difusoras de informao, de
entretenimento e ao barateamento da energia eltrica. A produo em srie marca o incio
da era industrial, do processo de massificao da msica, do sistema capitalista de
produo e da cultura de massa. Santini explica que:
As invenes do disco de vinil e das fitas magnticas aconteceramdentro de um movimento global de desenvolvimento capitalista. Essesacontecimentos entrelaados no tempo e no espao favoreceram acontaminao do modelo industrial de fabricao, na produo erecepo, de mercadorias culturais. E nesse contexto, a indstriafonogrfica configurou suas bases objetivas de padronizao dareproduo e da difuso mundial da msica. 6
com base na padronizao das mdias e na centralizao das produes musicais
que a indstria fonogrfica estruturou e solidificou seu modelo de negcio: a produo,
reproduo, divulgao e venda de mdias musicais.
1.1- A estruturao e ascenso da indstria fonogrfica
A indstria cultural enxerga a msica como uma poderosa ferramenta de manobra
das massas. A partir da Revoluo Industrial e da Guerra Fria, empresas de comunicao
comeam a usufruir do poder de influncia que a msica j carregava antes de sua
industrializao para estipular estilos musicais favorveis centralizao de capital. Dessa
forma, gneros musicais regionais so adaptados por meio de tcnicas de comunicao,
tornando possvel um aumento na abrangncia de culturas para as quais a msica
industrializada comea a ser difundida, para alm das fronteiras de seu territrio de origem:
Embora seja possvel afirmar que a produo musical sempre sofreupresses de outros campos na confeco das suas manifestaesexpressivas (como a aristocracia e o clero que encomendavam asgrandes obras musicais nos perodos clssico e barroco), a partir daconsolidao da cultura de massa e da estruturao da indstriafonogrfica que a presso desse campo passa a ser exercida a fim de
6 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 70.
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que a msica agrade a um pblico mais amplo e no somente umpblico especfico e segmentado.7
Assim como nas fbricas, as empresas da indstria fonogrfica se dividem em
setores onde trabalham profissionais com habilidades especficas, que se enquadram em
etapas especficas dentro de um sistema de produo estruturado em torno da
especializao. Nas produes esto envolvidos, por exemplo, profissionais de gravao,
edio, divulgao e distribuio. Com a possibilidade de produzir mdias em larga escala
e com as tcnicas de difuso utilizadas pelos meios de comunicao de massa, possvel
afirmar que (...) na dcada de 50 esto lanadas as bases objetivas para a padronizao daproduo na indstria fonogrfica mundial, que no podem ser compreendidas destacadas
do movimento global do desenvolvimento capitalista.8
Segundo Bandeira:
(...) o que chamamos de campo da mediao ser responsvel pelafacilitao dos aspectos tcnicos, operacionais, administrativos ecomunicacionais do processo de produo na msica popular.Subdivididos em campo da mediao tcnica administrativa-jurdicae campo da difuso meditica propriamente dita, estes elementosso representados por: a) engenheiros de som, tcnicos, estdios,gravadoras, editoras musicais, distribuidores, lojas, fbricas de discos,agentes, empresrios; b) rdio, cinema, televiso, publicidade,videoclipe, divulgadores, espetculos, entre outros.9
Quanto maior for o grau de complexidade das tecnologias de gravao e maior for
o nmero de pessoas que se pretenda persuadir ao consumo, maior ser a complexidade do
processo produtivo e maior ser o nmero de especialidades e de profissionais trabalhando
em prol da otimizao das produes, da difuso e comercializao da msica. Aconcepo do produto musical - ou lbum - passa pela seleo de msicos e cantores, pela
adequao de seus comportamentos realidade histrico-social vigente, pela seleo e
apropriao de repertrios atravs da assinatura de contratos de cesso de direitos
7 FILHO, Jorge Luiz Cunha Cardoso. Msica popular massiva na perspectiva meditica: estratgias deagenciamento e configurao empregadas no heavy metal. Disponvel em:http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdf- Acesso em: 12/05/20011. 22:29 h.8 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 41.9
BANDEIRA, Messias G. A economia da msica on-line: Propriedade e compartilhamento dainformao na sociedade contempornea Disponvel em:www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf - Acesso em 10/05/2011. 16:28 h
http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdfhttp://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf%20-%20Acesso%20em%2010/05/2011http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf%20-%20Acesso%20em%2010/05/2011http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdf -
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autorais -, determinao da durao de cada faixa do lbum, do nmero de canes nele
gravadas, da identidade visual de capas e contracapas, dentre outras caractersticas
previamente estabelecidas por diretores e produtores musicais. A indstria fonogrfica
trabalha a partir de um espectro de possibilidades tcnicas estritamente definido (em
termos de forma e contedo), limitando qualitativamente a flexibilidade da produo. 10
O mercado musical de massa se estruturou em torno das organizaes verticais e
hierarquizadas, onde somente diretores e produtores podem participar da concepo do
produto final, determinando de que forma tcnicos e artistas devem trabalhar para que se
obtenha um resultado condizente com os desejos de uma administrao central. Dias
explica que:
(...) esto, de um lado, a administrao central (inclui a direoartstica) que, com seus departamentos de Artistas e Repertrio (A&R)e Marketing concebem o produto, da forma esttica s estratgias paradivulgao. De outro, est a produo material propriamente dita, aexecuo do que foi planejado, includo o trabalho do artista noestdio e todo o processo de gravao e tratamento tcnico a eledispensado. 11
Nas produes musicais do sistema industrial, tcnicos so considerados to
importantes quanto os msicos que so vendidos aos pblicos. A msica deixa de ser
concebida unicamente a partir das inspiraes individuais dos artistas, j que somente
atravs da adequao ao processo produtivo possvel alcanar audincia e
reconhecimento dos pblicos - passivos ao que a indstria cultural oferece - e,
conseqentemente, de se obter retorno financeiro, essencial para a continuidade de uma
carreira musical. Como explica Santini:
O auge desse processo de difuso musical ocorreu na forma dacomunicao de massa, em que cada produto de consumo, cultural ouartstica precisa atingir um nmero razoavelmente grande de pessoaspara se tornar vlido e economicamente vivel. 12
10DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da
Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.48.11Idem, Ibidem, p.7012 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p.72.
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Dessa forma, a indstria fonogrfica exerce o papel de intermediadora entre as
culturas musicais e as sociedades. Somente atravs dela possvel a produo de lbuns e a
difuso massiva da msica, seja com a comercializao de mdias musicais (produto) ou
atravs dos meios de comunicao de massa, da mesma forma que, somente atravs da
industrializao, as massas tm acesso msica de fcil entendimento e condizente aos
desejos e tendncias histrico-sociais vigentes. Os jovens das dcadas de 50, por exemplo,
se encontravam em total passividade com relao aos discursos da indstria cultural de
massa. Isto contribuiu para uma enorme concentrao de capital nas empresas de
comunicao e para a criao de frmulas capazes de homogeneizar cada vez mais os
gostos e modismos, tudo isso atravs do grande sucesso de poucos artistas pr-concebidos
para o mercado. Dias explica que:
(...) , sobretudo, na esfera da produo da cano popular de massa,que o produtor pode atuar construindo dolos, criando personagens,promovendo transformaes na carreira de alguns artistas ousimplesmente reiterando, atravs da repetio de frmulas conhecidase consagradas, os modelos padronizados das estrelas de sucesso. 13
Os artistas contratados pela indstria fonogrfica funcionam como peas
integrantes de um casting. So utilizados estrategicamente dentro do sistema de produo
de acordo com as tendncias de mercado. Assim como os repertrios sofrem
transformaes, esses artistas tambm podem ser substitudos, excludos deste casting,
caso haja queda de popularidade, de vendas de lbuns e/ou alteraes nos hbitos de
consumo dos ouvintes. Justamente por este motivo, no podem ser considerados como
parte integrante da indstria, mas sim ferramentas utilizadas por tcnicos e produtores,
inseridas no sistema produtivo a partir de um planejamento. Dias explica que:
Apesar de conferir a necessria essencialidade ao processo, o artista,paradoxalmente, no faz parte da indstria. Ele passa por ela, negocia,grava seu disco, trabalha, muitas vezes, arduamente na divulgao doproduto. Oferece contratualmente seu savoir faire, seu talento, suapersonalidade artstica, seu nome, sua imagem, at quando o negciose mantenha interessante para todas as partes envolvidas, casocontrrio, ser substitudo 14
13
DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.96.14Idem, Ibidem, p.76.
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Por serem utilizados como ferramentas no sistema de produo, os artistas da
indstria fonogrfica so classificados de acordo com seus papis dentro deste sistema.
Existem os artistas de catlogo e os artistas de marketing. Os artistas de catlogo so
aqueles que j possuem uma histria consolidada dentro do cenrio musical. No vendem
seus discos em quantidades exorbitantes, porm vendem o suficiente para permanecerem
durante muito tempo nas prateleiras do mercado varejo. So artistas que trabalham com
mais autonomia, pois suas obras possuem identidades e caractersticas singulares, de
estilos e pblicos bem definidos. J os artistas de marketing so aqueles pr-concebidos e
lanados para fazer sucesso, para venderem uma quantidade muito grande de discos em um
curto espao de tempo. Podem ser chamados de artistas de hits, pois fazem grande sucesso
e tocam nas rdios exaustivamente at serem substitudos por alguma novidade. Os artistasde marketing se encontram em situao de total dependncia, pois precisam seguir com
mais rigidez as determinaes de seus produtores. Possuem menos controle do rumo de
suas carreiras, apesar de contriburem com a maior parte do faturamento da indstria
graas ao efeito explosivo dos hits. Dias explica que:
Se alguns artistas do cenrio nacional e internacional conquistamautonomia para conceberem seus prprios trabalhos, da escolha do
repertrio estampa da capa (...), uma grande parcela destes seguesubordinada aos interesses das empresas. Se para os primeiros, a aodo produtor , muitas vezes, a garantia de qualidade e deaprimoramento do produto, para os ltimos, o seu trabalho podesignificar (...) submisso e tolhimento artsticos, presentes natransformao do msico ou cantor, em um ator que representa umpersonagem. 15
O sistema de produo musical de massa funciona com base em um termmetro
de tendncias. Busca estar sempre em sintonia com a temporalidade dos fatos. Produz o
que o povo quer ouvir, por isso precisa estar atendo ao feedback do pblico, medido
atravs das vendas de mdias e das audincias. No entanto, a indstria fonogrfica procura
minimizar ao mximo as alteraes de castings e repertrios, j que para cada mudana
demandado um replanejamento das produes, o que acarreta na gerao de custos. Busca
se renovar fazendo uso de pequenas adaptaes, suficientes para a continuidade dos
15
DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 76.
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processos, tendo sempre a homogeneizao - maior abrangncia de pblicos - e o lucro
como principais finalidades. Segundo Dias:
Todo o esforo empreendido pelo ouvinte orientado para que eleidentifique o que acaba de ouvir com o que j conhece e, a partir daidentificao de tal processo como coletivo, tambm se reconheanele. A reiterao constante garante estabilidade suficiente para que asituao se conserve, possibilitando que a msica popular seja objetode manipulao de variados interesses, sobretudo os de mercados. 16
Alm das adaptaes e substituies de seus castings, repertrios e setores, a
histria da indstria fonogrfica tambm marcada por uma srie de fuses entre
corporaes. Desde a dcada de 20, antes mesmo da massificao da msica, fabricantes
de discos, estdios de gravao e radio difusores j procuravam concentrar etapas de suas
produes visando um maior controle dos mercados. Segundo De Castro:
As primeiras fuses da indstria fonogrfica mundial se deram entreas dcadas de 20 e 40, resultando: EMI, da unio entre Columbiaeuropeia, Path e Gramophone Bret nos anos 1928 a 1931; RCA-
Victor, da juno entre Victor e RCA em 1929; CBS, da associaoentre Columbia estadunidense e CBS em 1929; Polydor, da alianaentre Deutsche Gramophon, Telefunken e Siemens em 1937;Phonogram, da unio entre Gramophone francesa e Philips em 1945.17
Ao longo do sculo XX e principalmente a partir da dcada de 80, com a
digitalizao da msica, a popularizao de cada vez mais formas de entretenimento e a
intensificao do dilogo entre os meios de comunicao de massa (a msica
difundida atravs de diversos campos miditicos), as atenes voltadas para os produtos da
indstria fonogrfica vo se dispersando e fuses entre empresas vo se tornando cada vez
mais emergenciais e necessrias para a manuteno dos negcios. Segundo Jenkins:
16 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 53.17
DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. SoPaulo. Anna Blume, 2010, p. 43.
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Diversas foras (...) comearam a derrubar os muros que separam (...)diferentes meios de comunicao. Novas tecnologias miditicaspermitiram que o mesmo contedo flusse por vrios canais diferentese assumisse formas distintas no ponto de recepo. (...) Ao mesmotempo, novos padres de propriedade cruzada de meios decomunicao, que surgiram em meados da dcada de 80, durante oque agora podemos enxergar como a primeira fase de um longoprocesso de concentrao desses meios, estavam tornando maisdesejvel s empresas distribuir contedos atravs de diversos canais,em vez de em uma nica plataforma de mdia. A digitalizaoestabeleceu as condies para a convergncia; os conglomeradoscorporativos criaram seu imperativo. 18
Hoje, a indstria da msica dominada por quatro gravadoras pertencentes a
quatro mega conglomerados da indstria do entretenimento conhecidos como majors ou
big four, que controlama maior parte do mercado musical e do entretenimento massivo.
Fazem parte deste grupo a Warner, EMI, Universal e Sony19
Segundo De Castro:
O processo de fuses seguiu pelas dcadas seguintes at resultar noque se conhece hoje por majors ou ainda big four, as quatromultinacionais que movimentam grande parte das cifras da indstriafonogrfica mundial como tambm do entretenimento e dastelecomunicaes.20
O processo de concentrao da indstria da msica no se restringe somente s
fuses entre empresas americanas atuantes em diferentes etapas da produo, mas
ultrapassa fronteiras a partir da necessidade de um melhor entendimento acerca da cultura
musical de origem estrangeira. Ainda entre as dcadas de 60 e 70, visando concentrar cada
vez mais o seu poder de influncia, a indstria fonogrfica se transnacionaliza abrindo
escritrios e estdios ao redor do mundo (gravadoras sucursais). As grandes gravadorassaem em busca de um melhor entendimento dos mercados e pblicos locais, criando selos
que funcionam como ramificaes de uma estrutura central e que objetivam um
conhecimento mais apurado sobre as preferncias desses pblicos, que em parte j no
18 JENKINS, Henry.Cultura Da Convergncia. So Paulo, Aleph, 2008, p. 38.19 HERSCHMANN, Micael.Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras e
Cores, 2010, p. 275.20 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. SoPaulo. Anna Blume, 2010, p. 43.
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querem mais absorver somente msica americana. Assim, iniciado um processo de
massificao da msica regional de origem estrangeira (no americana). Segundo Dias:
Iniciado na esfera do comrcio, o trnsito de normas e produtossofisticou-se com a instalao das filiais de produo das empresasdominantes do setor, em vrias partes do mundo. Tais filiais, (...) apartir da dcada de 70 buscaram criar e alimentar novos mercados,assim como evitar certos controles aduaneiros e reduzir custo deproduo. O baixo preo unitrio do disco (comparado com o deoutros setores da indstria cultural, como o cinema), aliado grandefertilidade musical de muitos pases, facilitou a expanso das filiaissucursais. Sediadas em grandes e mdios mercados do mundo, essasempresas dinamizam-se distribuindo uma produo fonogrficainternacionalizada e realizando considervel investimento na produo
e nos mercados locais.
21
Com reflexos de ritmos j institudos pela indstria cultural, - como o rock e o pop
- discos de artistas de nacionalidades diversas comeam a ser produzidos em larga escala.
O processo de mundializao da msica que d origem ao termo World Music,utilizado
para definir o entendimento entre as culturas musicais. atravs da World Music,
produzida pelas gravadoras sucursais, que gneros regionais no americanos comeam a
receber uma roupagem pop, seja a partir da adaptao de ritmos, da pr-concepo deartistas ou da regravao de msicas no americanas, traduzidas e interpretadas em ingls,
possibilitando ainda a extenso desses ritmos ao mercado internacional. Dias explica que:
(...) esse dilogo com a linguagem instituda pelo mercado ocidentalpossibilita que ocorra o grande encontro de culturas, segundo oslogan usado pela indstria cultural. o reino da tcnica derrubandoas ltimas fronteiras e permitindo s companhias faturarem mais queum nutritivo segmento de atuao. Ao incentivar a produo local,
alimentam um espao frutfero que, alm de estimular o consumo,pode fazer vingar produtos para difuso no mercado mundial. (...) sema World Music, muito da produo musical dos pases perifricoscertamente continuaria excluda do mercado mundial22
Apesar de a indstria fonogrfica procurar entender as culturas musicais locais,
sua poltica de concentrao de audincias no condiz com a diversidade e fertilidade
21
DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.41.22Idem, Ibidem, p. 126.
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musical encontrada nos diversos pases em que se instaurou. Ela no absorve as culturas
musicais de forma diversificada, mas limita o acesso aos recursos de difuso somente
queles que correspondem s suas expectativas de venda e que se sujeitam a seguir
determinaes de seus diretores e produtores. Assim, grande parte dos artistas fica fora do
circuito massivo de msica, restando a estes ocupar posies perifricas no cenrio
musical. Dias explica que:
Alm do domnio das majors na rea de hardware, o panoramasempre evidenciou a contradio entre a farta produtividade eefervescncia musicais e as restritas possibilidades de acesso scondies de produo e difuso. 23
A partir de meados da dcada de 70, as culturas musicais passaram a ser
contagiadas tanto pela concentrao de recursos tecnolgicos e pela transnacionalizao
da indstria musical, quanto pelo esprito crtico da contracultura, que se manifesta
atravs das produes musicais independentes.
1.2 A cultura das mdias, a contracultura e as produes independentes
Em meados da dcada de 70, no auge da Guerra Fria, o incio das transmisses via
satlite e a popularizao da TV em cores contriburam para que se tornassem mais ntidas
divergncias entre opinies de grupos e indivduos com relao s informaes
disseminadas pela indstria cultural. Um exemplo do impacto dessas novas tecnologias no
comportamento das sociedades bem retratado pela anlise do resultado da atuao da
imprensa americana durante a Guerra do Vietn. Graas s transmisses via satlite, a
guerra foi acompanhada de perto por toda a massa popular atravs dos noticirios dirios.
A sociedade americana testemunhou ao vivo e a cores a covarde atuao do exrcito de seu
pas contra o Vietn do Sul, que tinha um poder blico muito inferior ao dos Estados
Unidos. O poder de concentrao das atenes das mdias de massa, aliado cruel
realidade da guerra, fez com que a sociedade americana se dividisse entre nacionalistas,
23DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da
Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008 p. 127.
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passivos ao discurso da supremacia americana - bastante estimulado pelo poder de
influncia da indstria cultural de massa - e os que se declaravam contra a guerra e a
disseminao de armas nucleares:
(...) a guerra do Vietn aconteceu para os americanos na mesmapoca em que surgiu a TV em cores. Com uma cobertura jornalstica ao vivo e colorida (comparvel cobertura daGuerra do Golfo pela CNN), a situao de guerra tornou-se maisreal para a populao, at ento acostumada a imagens em pretoe branco de filmes blicos antigos, nos quais o soldadoamericano sempre se sobressaa como heri. 24
Alm das transmisses via satlite, o desenvolvimento de aparatos eletrnicos
domsticos tambm contribuiu para uma reorientao das percepes do homem com
relao aos meios e para o incio de um processo de desmassificao dos produtos
culturais. O aparelho de fax, o videogame, o videocassete e a filmadora domstica, por
exemplo, proporcionaram s massas uma posio mais atuante com relao manipulao,
disseminao e consumo de informaes. Por outro lado, a indstria da cultura de massa
comea a perceber novas necessidades de seus pblicos, que passam a demandar umamaior diversificao na produo de contedos culturais. Surgem, por exemplo, a TV a
cabo, jornais que veiculam notcias de acordo com posies polticas que se divergem e
revistas especializadas. Tanto os meios de comunicao, quanto os mercados em geral,
comeam a segmentar suas produes. Segundo Santaella:
(...) um exame cuidadoso da condio das mdias nos anos 70 revela-nos que at a teve incio um processo progressivo de convivncia da
televiso com o ininterrupto surgimento de novas mquinas,equipamentos e produtos miditicos que apresentam uma lgicadistinta daquela que exibida pelos meios de massa: mquinas deXerox, a distribuio universal de mquinas de fax, videocassete,videogames, segmentao das revistas e programas de rdio parapblicos especficos, TV a cabo etc., enfim, novos processoscomunicacionais a que chamo de cultura das mdias. 25
24 FURQUIM, Fernanda. Breve Histrico da Guerra do Vietn nas Sries de TV . Disponvel em:http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-
de-tv, publicado em 06/07/2010. Acesso em 25/03/2011.17:02h.25 SANTAELLA, Lcia. Culturas e Artes Do Ps-Humano. Da Cultura Das Mdias Cibercultura. So Paulo, 2004, p. 80.
http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tvhttp://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tvhttp://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tvhttp://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-series-de-tv -
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Na cultura das mdias, o consumidor j no se encontra em estado totalmente
passivo. Tem mais opes de escolha, pois precisa ter mais opes de escolha. Ao mesmo
tempo em que ia minando o domnio exclusivista dos meios de massa, a cultura das mdias
preparava o terreno da sensibilidade e cognio humanas para o surgimento da cibercultura
(...).26
, que ser abordada no prximo captulo. A massa consumidora j no mais
homognea como nas dcadas anteriores, mas heterognea, composta por indivduos com
preferncias mais especficas, o que obriga os mercados a se organizarem de forma mais
complexa. Segundo Morin:
A concentrao tcnico-burocrtica pesa universalmente sobre aproduo cultural de massa. Donde a tendncia despersonalizao dacriao, predominncia da organizao racional de produo(tcnica, comercial, poltica) sobre a inveno, desintegrao dopoder cultural. (...) No entanto, essa tendncia exigida pelo sistemaindustrial se choca com uma exigncia radicalmente contrria, nascidada natureza prpria do consumo cultural, que sempre reclama umproduto individualizado, e sempre novo. (...) A indstria cultural deve,pois, superar constantemente uma contradio fundamental entre suasestruturas burocrticas-padronizadas e a originalidade
(individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer. Seufuncionamento se operar a partir desses dois pares antitticos:burocracia-inveno, padro-individualidade. 27
Assim como a atuao da imprensa americana na Guerra do Vietn e a cultura das
mdias contriburam para que divergncias de opinies e preferncias se tornassem mais
evidentes, favoreceram o aumento de adeptos a movimentos contraculturais nos Estados
Unidos, como o movimento hippie, formado por jovens que contestavam o
tradicionalismo, os poderes da burguesia e o controle do Estado. O desenvolvimento das
tecnologias da informao desencadeou certa efervescncia em torno dos movimentos
contraculturais iniciados com as geraes nascidas aps a Segunda Guerra Mundial ,
impulsionando a adeso de jovens de diversos pases contracultura. Na Europa e na
Amrica Latina, por exemplo, surgem movimentos como o dos anarco punks - na
26 SANTAELLA, Lcia. Mdias locativas. A internet mvel de lugares e coisas In:http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890 - Publicado
em abril de 2008 Acesso em 18/04/2011. 14:35h27 MORIN, Edgard. Cultura de Massas no Sculo XX. Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2007,p. 25-26.
http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890 -
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Inglaterra - e dos Tropicalistas - no Brasil. Apesar de se convergirem em ideais
contraculturais, cada um dos movimentos se adqua sua respectiva realidade histrica,
poltica e social, seja uma realidade de guerra, de ditadura ou de monoplio de grandes
corporaes. Todos so movimentos contra a centralizao dos poderes e que desafiam as
censuras provenientes dos mesmos. Segundo Pereira:
(...) o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentosde rebelio da juventude (...) que marcaram os anos 60: o movimentohippie, a msica rock, uma certa movimentao nas universidades,viagens de mochila, drogas, orientalismo e assim por diante. E tudoisso levado frente com um forte esprito de contestao, de insatisfa-
o, de experincia, de busca de uma outra realidade, de um outromodo de vida. Trata-se, ento, de um fenmeno datado e situadohistoricamente (...). (...) o mesmo termo pode tambm se referir aalguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo esprito, um certomodo de contestao, de enfrentamento diante da ordem vigente, decarter profundamente radical e bastante estranho s formas maistradicionais de oposio a esta mesma ordem dominante. Um tipo decrtica anrquica (...) que, de certa maneira, rompe com as regras do jogo em termos de modo de se fazer oposio a uma determinadasituao. 28
A contracultura adota a msica como um importante meio de expressar as
ideologias que cada movimento contracultural carrega em sua essncia. Possibilita a
disseminao de verdadeiros movimentos sociais musicais, como o movimento punk, que
deu origem aopunk rock.
O punk rocksurgiu como um rock para os excludos dos padres estticos,
estendendo o poder de manusear instrumentos musicais queles que no possuem talentos
economicamente viveis para a grande indstria da msica. As bandas de punk rock
utilizam discursos contraculturais para mobilizar os que aderem causa dos excludos.
na culturapunkque se encontra o bero das produes independentes inseridas no contexto
da contracultura.
Sobre o movimento punk e para esta monografia, vale destacar a Banda Sex
Pistols e sua msica E.M.I. (letra em anexo), que consiste em crticas diretas gravadora
28 PEREIRA, Carlos Alberto M. O que Contracultura? So Paulo, Brasiliense, 1992, p. 14.
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EMI (major) e realidade submissa que artistas passam diante de seus nicos meios de
difuso musical: as gravadoras majors. A letra da msica carrega um vocabulrio agressivo
e debochado, que condiz com a no aceitao do sistema poltico capitalista americano
pelos adeptos ao movimento social anarquista. Anderson explica que:
Em fins da dcada de 1970 e princpios da de 1980, a combinao daguitarra eltrica, da gravao multitracke da banda inglesa Sex Pistolsmotivou toda uma gerao de jovens sem treinamento musical, talentobvio ou permisso de algum a criar bandas e a gravar msicas.Quando irrompeu a cena, opunk rockfoi uma revelao chocante paraa garotada nas pistas de dana. Ver algum da idade deles batucandotrs cordas e pulando no palco era demais para aqueles jovens: Eutambm posso fazer isso, pensavam. (...) Com o punk rock,
comeamos a valorizar as novas vozes, os novos sons e o vigor; e essesentimento contra os padres s poderia ter vindo de fora do sistema.Nada era mais inspirador do que ver aquelas pessoas que no tinhammais talento do que voc divertindo-se, sendo admiradas e fazendoalgo novo. Em termos econmicos, o punk rockabaixou as barreirasde entrada no mundo da criao. 29
As primeiras gravadoras independentes foram fundadas por artistas insatisfeitos
com as limitaes impostas pelas majors que, alm de rejeitarem o que no
economicamente vantajoso, desapropriam do autor suas inspiraes musicais, no serendendo ao valor criativo das obras, mas ao valor de mercado do lbum. Graas ao
barateamento de equipamentos de mixagem e gravao e ao surgimento das mdias
desmassificadoras, alguns destes artistas montam seus prprios estdios caseiros.
com base no contexto histrico criado pelo monoplio e concentrao das
produes por parte das majors, que surge o termo independente. Este a principio
refere-se s iniciativas de artistas que buscam meios autnomos de produo, fora docircuito institudo e administrado pelas gravadoras multinacionais. Esses artistas buscam
segmentos no mercado para que, atravs deles, possam ser reconhecidos pelos seus
pblicos e, at mesmo, para posterior reconhecimento no mainstream. Trotta explica que:
Com dificuldades de posicionar-se num mercado que lhes negaespao mercadolgico, a sada para os artistas prestigiados dentro doprprio campo, mas sem reconhecimento comercial, a veiculao deseu trabalho em nichos perifricos, de circulao restrita, onde podem
29 ANDERSON, Chris.A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 80.
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exercer sua autonomia criativa, negociar reconhecimento econsagrao esttica com seus pares e reclamar da grande indstriaque no veicula sua arte para um pblico mais amplo. Assim, oartista pode ser livre, independente. 30
O papel do movimento independente na cadeia de produo musical muda de
acordo com o tempo. A dinmica de produo dos independentes da dcada de 1970 no
a mesma da dos anos 80, que to pouco igual a dos anos 90. Como o termo independente
est diretamente relacionado poltica de atuao das majors, com o passar das dcadas e
considerando as mudanas sociais, econmicas, polticas e tecnolgicas, o conceito de
produo independente tambm vai sofrendo transformaes. Segundo Dias:
(...) a performance das chamadas independentes, nas vrias formasque tem tomado, constituiu-se a partir da trajetria das majors e mudade acordo com ela. A forte concentrao caracterstica de toda ahistria da produo fonogrfica deve ser considerada como fatorprimordial da existncia das indies. 31
No Brasil, ao decorrer das dcadas de 60 e 70 manifestaram-se muitas inciativas
de produo musical independente, porm, a partir dos anos 80 que as indies nacionais
comeam a participar efetivamente nas transformaes do mercado brasileiro de msica.
Analisando a relao dos artistas e gravadoras independentes com as majors no perodo
entre a dcada de 1980 e os anos 2000, percebe-se como ocorrem as alteraes nas relaes
de poder entre produtores e consumidores de acordo com mudanas na economia, nas
tecnologias e no consumo.
1.2.1 - Produo brasileira de musica independente no sculo XX
De acordo com Dias, a grande indstria musical se consolida no Brasil a partir de
um processo de expanso e desenvolvimento dos meios de comunicao de massa,
30 TROTTA, Felipe. Autonomia Esttica e Mercado de Msica: Reflexes Sobre o ForrEletrnico Contemporneo In: S, Simone Pereira.Rumos da Cultura da Msica: Negcios,
Estticas, Linguagens e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 253.31 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 127.
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desencadeado no pas a partir de 1964 pelo governo militar.32
. Durante a segunda metade
da dcada de 60, a indstria fonogrfica comea a montar castings de artistas brasileiros
para preencher o segmento MPB de sua produo. A seleo dos artistas destes castings foi
realizada com o auxlio de:
Festivais da Cano, na TV Excelsior e Record (...) organizadospelas emissoras de televiso (e com o apoio das grandes gravadoras ede outros veculos de comunicao de massa) e em moldescompetitivos. 33
Somente o ingresso nesses festivais e o sucesso das performances poderiam
viabilizar a entrada dos artistas no mercado massivo. Como explica o Dj Rodrigo Lari, ementrevista Micael Herschmann, (...) os artistas disputavam espao para estar no
showbizz, os festivais eram como uma peneira, um gargalo.34
Mesmo com o sucesso dos festivais, o apelo da msica americana prevalecia entre
os jovens brasileiros, at porque A indstria no prescindiu da grande fertilidade da
produo musical dos anos 60, sobretudo a da segunda metade da dcada, assim como a do
incio dos anos 70, e constituiu casts estveis, com nomes hoje clssicos da MPB (...) 35
,
como Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros. A maioria dos artistas, que no atendia as
expectativas das majors, fica de fora desses castings, alm de ficar impossibilitada de
difundir suas msicas de forma abrangente. A partir deste contexto que comeam a surgir
diversas iniciativas de produo independente no pas.
Existem divergncias com relao ao pioneirismo dessas iniciativas, porm, pode-
se destacar o selo Artezanal, criado em 1977 pelo pianista, maestro e compositor
Antnio Adolfo. Antes de abrir sua prpria gravadora j tinha lanado discos por majors
32DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 55.33 HERSCHMANN, Micael. Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, SimonePereira (org).Rumos da Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre.Sulina, 2010, p. 28534 Entrevista concedida por Rodrigo Lari (produtor, DJ e proprietrio do selo MidsummerMadness) Micael Herschmann, em outubro de 2009. Disponvel em: HERSCHMANN, Micael.Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, Simone Pereira (org).Rumos da
Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 28935 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 59.
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como Philips, RCA e EMI. Porm, (...) encontrou dificuldades em convencer as
companhias fonogrficas em investir em sua nova sonoridade, desenvolvida em quatro
anos de cursos de aperfeioamento no exterior. Por este motivo, toma a iniciativa
independente de abrir sua prpria gravadora para lanar o LP intitulado Feito em Casa.
Segundo De Castro:
A iniciativa empreendedora de Antonio Adolfo despertou interessede muitos outros artistas pelo processo de produo independente nadcada de 70 e, por isso, o msico passaria a ser apontado como ogrande desbravador do movimento muito embora outras aesigualmente tidas como independentes tenham precedido a sua. 36
Durante os anos 70, a msica nacional permaneceu inerte aos limites impostos
pela indstria fonogrfica. Porm, no final da dcada, em So Paulo, desencadeia-se certa
efervescncia em torno de manifestaes em prol da valorizao da cultura nacional, o que
iniciou um perodo conhecido como Vanguarda Paulista. Neste perodo, jovens
universitrios da USP se unem para criar um espao aberto para apresentaes de
conjuntos musicais alternativos. Em 1979 criado ento o teatro Lira Paulistana. Segundo
Dias:
(...) o Lira Paulistana surgiu da inteno de oferecer umaprogramao cultural alternativa a um pblico insatisfeito com o showbusiness institudo. Como j tinham percebido alguns empresrios darea de msica (...), o mercado jovem estava desarticulado e seurespectivo pblico, desassistido. Assim como a produodesencadeada pelas grandes gravadoras, o empreendimento Liraaparecia para supri-los. O pblico dos independentes era um pblicojovem, porm diferenciado, por procurar e se identificar com produtosque, se no eram novidades, ao menos partiam de referenciaisdistintos do que era consagrado pelo mercado. 37
A montagem do Lira Paulistana foi a mais bem sucedida das iniciativas
independentes no Brasil dos anos 70 pelo fato de ter conseguido chamar a ateno dos
pblicos utilizando as apresentaes ao vivo como principal meio de difuso da msica.
36 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So
Paulo. Anna Blume, 2010, p. 75.37 DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 140-141.
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Alm disso, contribuiu para uma reestruturao da indstria fonogrfica, que a partir do
incio da dcada de 1980 passou a integrar novos gneros em seus castings, incluindo o
Pop Rocknacional (Credita-se Warnera projeo do Pop Rocknos anos 80, conhecido
como BRock, com grupos como Kid Abelha, Baro Vermelho, Tits e Ultraje Rigor.38
).
A partir de ento, as majors comeam a utilizar as gravadoras independentes
como filtros de sucesso. Passam a observar a popularidade de artistas atuantes em
mercados perifricos, para ento integr-los ao mainstream no caso de suas msicas
conseguirem abranger pblicos economicamente viveis ao lanamento massivo. Segundo
Dias:
A partir dos anos 80, a relao das majors e indies passa a funcionaratravs de um sistema aberto, incorporando as inovaes e adiversidade como estratgia de manuteno do controle do mercado,garantindo a concentrao nas reas de fabricao e distribuio-difuso. 39
Aps uma grande absoro do mercado de msica nacional durante a dcada de1980, a indstria fonogrfica percebe a necessidade de intensificar a reestruturao de seu
sistema produtivo. Passa a considerar cada vez mais a existncia dos novos segmentos,
iniciando um processo de diviso das gravadoras em um maior nmero de setores, com
produtores musicais e tcnicos especializados em gneros musicais especficos. Tanto o
nmero de profissionais envolvidos, quanto o nmero de artistas que compe os castings
aumenta consideravelmente. Aumenta tambm o nmero de gravaes de lbuns, a
complexidade da distribuio desses lbuns e, conseqentemente, aumentam os custos de
produo e difuso, incluindo o aumento do preo do disco no mercado varejo. neste
cenrio de gradativa segmentao, seguida por uma reduo considervel nos lucros, -
muito atribuda instabilidade da economia brasileira dos anos 80, com altos ndices de
inflao - que a indstria fonogrfica passa a sentir dificuldades em conciliar as alteraes
38 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So
Paulo. Anna Blume, 2010, 49.39 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 130.
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do mercado com a manuteno de seu modelo de negcio, baseado no sistema de
industrializao cultural do ps-guerra. De acordo com Dias:
Esta estrutura, que foi gradativamente inchando com aespecializao e ampliao dos departamentos, parece ter resistido ato final dos anos 80, quando passou a onerar demasiadamente os custosde produo. (...) a instabilidade da dcada de 80 j se anunciava e osanos 90 chegam em meio mais grave crise que o setor j assistiu. 40
Obviamente as gravadoras independentes tambm sentem os reflexos da crise, j
que nos anos 80, alm de se reduzirem a filtros de sucessos, ainda conviviam com as
imensas dificuldades de distribuio de seus produtos. Dias explica que:
Muito da produo dos anos 80 pde, efetivamente, desfrutar essaindependncia de produo. Contudo, no conseguiu da mesma forma,criar mecanismos de distribuio que garantissem a chegada dosdiscos ao mercado e aos meios de difuso, considerando ainda a totaldesigualdade de foras em jogo. 41
Enquanto aumentava o nmero de setores especializados das majors, diretores e
produtores musicais passavam a ser considerados cada vez mais importantes para a
otimizao das produes. O sucesso de vendas da gravadora personificado atravs
desses profissionais, com competncia e reconhecimento suficientes para tomarem para si
os crditos das produes, para conquistarem a confiana do meio artstico e, por fim, a
autonomia profissional. em meados dos anos 80 que as gravadoras passam a no poder
mais pagar produtores fixos. Seus altos salrios se tornam inviveis realidade do
mercado. Trabalhando como autnomos, passam a ser contratados para trabalhos
especficos. Vale lembrar que um artista capaz de mudar de gravadora caso o seuprodutor musical, de confiana, mude de empresa. A confiana est no produtor musical,
no na gravadora. Dias explica que:
Do ponto de vista da organizao interna, os vnculos do produtormusical com a grande empresa fonogrfica vo sofrendo uma srie demudanas, que se consolidam na dcada de 80. A crescente
40
DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008,p. 10841Idem,Ibidem, p. 143-144.
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segmentao do mercado fonogrfico, que (...) permite s grandesgravadoras investirem em vrios estilos musicais, diversificandoriscos e, assim, garantindo retorno constante para suas operaes,pode nos auxiliar no entendimento de tais mudanas. O trabalho doprodutor vai se especializando cada vez mais, at desprender-seformalmente da estrutura da grande empresa. Deixa de sereconomicamente vivel, para as companhias, ter em seus quadrosprodutores assalariados, especializados nos vrios segmentos em queatuam. Desta forma, tornam-se profissionais autnomos, contratadospelas empresas para realizar trabalhos especficos. 42
Depois da emancipao dos produtores musicais na dcada de 1980, em meados
dos anos 90 com a digitalizao, a internet e o processo de globalizao dos mercados
as gravadoras multinacionais, visando o corte de custos, comeam a terceirizar suasprodues, atribuindo responsabilidades sobre etapas da produo e distribuio a
empresas parceiras e gravadoras independentes. A descentralizao de todo o processo
produtivo aponta tendncia da passagem das organizaes verticais de hierarquias e
setores bem definidos para as horizontais com as etapas de produo dividas entre
empresas especializadas e de menor porte. Segundo De Castro:
Se at a dcada de 80 as gravadoras possuam estdios,msicos, tcnicos, fabricao e distribuio prprios, a partir dadcada de 90 se fragmenta, passando a ser parcialmente outotalmente terceirizado, a ponto de muitas companhias teremsido resumidas a meros escritrios. (...) Este processo defragmentao, que se inicia no final do sculo XX, tempossibilitado o deslocamento do processo produtivo paraespaos e tempos diferenciados, desterritorializando aproduo. 43
Graas s novas tecnologias digitais de gravao e a recuperao da economia
brasileira - com o Plano Real -, na metade da dcada de 1990, ex-tcnicos e ex-produtores
da grande indstria montam seus prprios selos. Alguns desses selos encontram espao e
se concentram em segmentos bem especficos. J outros, visam no s lanar artistas no
mercado segmentado, mas tambm desenvolver talentos para projeo no grande mercado.
A experincia adquirida durante anos de trabalho nas majors, aliada s novas tecnologias
42DIAS, Mrcia Tosta. Os Donos da Voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao da
Cultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 103.43 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. SoPaulo. Anna Blume, 2010, p. 50-51.
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digitais de gravao, permitiu um progresso da produo independente que, se comparada
s iniciativas das dcadas de 70 e 80, se mostram muito mais profissionais, principalmente
pelo fato de inclurem ao sistema de produo a adequao de artistas e repertrios ao
mercado massivo. Dias explica que:
A especializao das etapas do processo de produo (...) vaigradualmente atingindo outras esferas de produo, chegando ao seucentro vital: a gerao de artista e repertrios (A&R). As empresasindependentes tornam-se agentes desse processo, transformando-seem fornecedoras de produtos acabados para as grandes. 44
tambm nos anos 90 que surgem empresas especializadas na distribuio daspequenas tiragens dos selos independentes, como a paulista Tratore, tambm conhecida
como a distribuidora dos independentes. 45
O surgimento dessas empresas um exemplo
de como o mercado independente de msica passa a se organizar, criando redes de
cooperao em prol da otimizao das produes e da distribuio de produtos, incluindo
nesta rede tambm as majors, que j reconhecem a necessidade da segmentao de seus
produtos. De acordo com Dias:
As relaes entre grandes e pequenos produtores esto sendo vistascomo cooperao, simbiose e trabalho em network. As indies tornam-se ainda mais versteis e sua capacidade de testar fatias de mercadotem aproximado as majors preocupadas em garantir cada vez mais asegmentao do mercado de seu trabalho. Licenciamento (nacional einternacional), compra de repertrio, de catlogo ou mesmo de todo oselo, ou ainda contratos de distribuio: essas so as formas pelasquais se concretizam as relaes formais entre indies e majors. 46
Se por um lado, as gravadoras independentes da dcada de 1990 conseguem
conquistar uma posio dentro do processo produtivo da indstria musical (preparao e
lanamento de produtos para as majors), por outro, continuam sofrendo com os problemas
provenientes da poltica centralizadora das gravadoras multinacionais, que investem a
44 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 132.45 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So
Paulo. Anna Blume, 2010, p. 85.46 DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 133.
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maior parte de seus recursos na difuso de poucos artistas comerciais, contrariando as
propostas de inovao e reciclagem das indies e prejudicando demasiadamente a
distribuio de produtos menos abrangentes e lucrativos. Segundo Dias:
A fragmentao da produo e as condies colocadas pelatecnologia favorecem a diversificao de agentes produtores. Mas oafunilamento que as majors realizam no momento de escolherprodutos oriundos das indies (seja para estabelecer contratos dedistribuio ou para compra de catlogo e/ou produtos) limitaconsideravelmente a ocorrncia de efetivas parcerias ou situaes deterceirizao que garantam a conquista do mercado por produtosportadores de inovao. 47
Como se v, a indstria fonogrfica regida prioritariamente por tendncias.
Essas tendncias interferem no s nos contedos das mdias, mas tambm nas prprias
mdias. Com a digitalizao da msica no final dos anos 80, as majors passaram a investir
na fabricao de suportes para msicas digitais. O primeiro a ser popularizado foi o
compact disk(CD). No Brasil, entre o incio dcada de 1990 e o ano 2000, as mdias de
reproduo analgica como fitas cassete e discos de vinil -, obsoletas, vo sendo
substitudas tanto nas prateleiras do mercado varejo, quanto nas colees dos consumidores
de msica. O surgimento do CD e a relativa estabilizao da economia impulsionaramnovamente o mercado fonogrfico brasileiro, retomando o ritmo de crescimento que havia
cado durante os anos 80. Segundo Dias, a partir de meados da dcada de 90:
O consumidor comea a buscar no mercado ttulos em CD doque j possua em vinil, e essa procura permite indstriadesenvolver uma estratgia de vendas altamente lucrativa, semarcar com custos de produo. 48
Porm, o boom dos CDs, ao mesmo tempo em que deslumbra a indstria da
msica com o aumento das vendas e com a queda do custo de produo, representa o incio
da histria da desmaterializao da msica, da virtualizao do acesso s obras musicais
(inclui-se o surgimento de inmeros meios de acesso gratuito) e da reestruturao do
mercado musical. De um lado, desencadeia-se a pior crise j vivida pelas majors, com o
47
DIAS, Mrcia Tosta. Os donos da voz. Indstria Fonogrfica Brasileira e Mundializao daCultura. So Paulo, Boitempo Editorial, 2008,p. 135.48Idem,Ibidem, p. 112
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declnio do valor de mercado dos CDs e do modelo de negcio institudo desde seus
primrdios, baseado na produo, reproduo e venda de mdias fsicas. De outro, a msica
digital comea a ser inserida nas vertentes de entretenimento de diversas empresas que,
antes da digitalizao da msica, nada tinham a ver com produes musicais, sendo
traadas novas perspectivas para o business fonogrfico. Santini explica que:
Embaladas pela crescente difuso da venda de canes pelaInternet (ou por outros suportes digitais como o telefonecelular), companhias que tinham pouco ou nada a ver com omercado da msica, esto cada vez mais interessadas nopotencial desse nicho. 49
Sobre a reconfigurao do mercado musical, inclui-se ainda a emancipao das
produes independentes que, graas popularizao das tecnologias digitais, da
digitalizao da msica e da dinmica oferecida pelo fluxo de informaes na rede,
encontram tempo e ambiente finalmente favorveis distribuio de seus produtos e
difuso da msica segmentada.
1.3 Os novos rumos da produo musical e o cenrio independente
brasileiro do sculo XXI
Em meio a tantas transformaes na cadeia de produo musical, os grandes
conglomerados do entretenimento so forados a se voltarem cada vez mais cultura das
redes tentando encontrar meios que viabilizem a continuidade da manuteno dos negcios
que giram em torno da intermediao e comercializao de msica. A produo de CDs,
que ocupava uma posio de cargo chefe nas majors, hoje se reduz a uma ramificao donegcio, que agora tambm engloba produes em parcerias com empresas de
telecomunicaes e do entretenimento, parcerias estas que podem, inclusive, resultar na
fuso entre essas empresas e conglomerados de grandes gravadoras. Herschmann explica
que:
49 SANTINI, Rose Marie.Admirvel Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 147.
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indicadores das sequncias que devem ser seguidas pelo jogador. Se parar de acompanhar
ou errar a sequncia, rompe a produo musical do jogo, o que reflete na insatisfao do
pblico virtual (animao grfica em 3D) e na perda de pontuao. J o acerto das
sequncias faz com que a msica seja reproduzida perfeitamente, refletindo na satisfao
do pblico virtual e no ganho de pontuao. Referindo-se ao Guitar Hero e aoRock Band,
Miller afirma que:
Os jogos (...) tm poder provocador porque giram em torno daperformance do rock, um gnero profundamente arraigado nosdiscursos do individualismo radical, da criatividade herica e daqualidade corporificada da apresentao ao vivo. 53
Dos sites de comercializao de msica digital, destaca-se o iTunes, da empresa
de informtica Apple. Apesar de no fazer parte dos conglomerados multinacionais da
produo musical, a empresa lidera o mercado mundial de venda legal de arquivos mp3. O
sucesso do iTunes deve-se ao extraordinrio sucesso comercial doplayerporttil iPod 54
(da Apple), ao baixo custo das faixas avulsas (em mdia, 99 centavos de dlar),
possibilidade de interao entre os consumidores (atravs da publicao de crticas e
comentrios) e ao grande nmero de faixas em seu acervo, que supera em nmero qualquer
loja de mdias fsicas. O iTunes agrega a seu acervo uma enorme quantidade de canes
economicamente inviveis para o mercado centralizador das majors. Se o espao nas
prateleiras do mercado varejo de suportes fsicos (CDs) gera custos, o armazenamento
digital tem custo praticamente zero, mesmo considerando o baixo volume de compras da
grande maioria das faixas. Referindo-se ao iTunes, Castro diz que:
A loja virtual da Apple lidera o mercado de downloads cobrados porfaixa ao preo 99 centavos de dlar. O iTunes Music Store atingiu, emfevereiro de 2006, a meta de 1 bilho de msicas comercializadasdesde o seu lanamento em 2003. Expandindo-se pelo mundo afora, oiTunes tem conquistado novas fatias do mercado globalizado, j
53 MILLER, Kiri. Por que voc no pega uma guitarra de verdade? GuitarHero,Rock Band &Performance Virtual In: DE S, Simone Pereira (org.).Rumos da Cultura da Msica: Negcios,estticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 136.54 CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva. Msica, juventude e tecnologia: Novas prticas de
consumo na cibercultura Disponvel em:http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf Acesso em 03/04/2011.16:22 h.
http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdfhttp://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf -
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grande interao e fruio com as quais os atores sociais seidentificam) apresentam-se hoje como um fenmeno no seconmico, mas tambm poltico e sociocultural que vemfundamentando em grande medida a socialidade que assistimos nomundo contemporneo. 58
medida que as obras musicais so inseridas nos fluxos da rede - que oferece
diversidade e possibilidades de interao entre artistas e fs -, a internet passa a ser
considerada como o principal meio de divulgao e difuso da msica. Se no sculo XX a
televiso se destaca pelo seu poder de centralizao das atenes e de impacto na
disseminao de informaes, a internet se mostra favorvel s tendncias de socializao
e segmentao, que caracterizam as cadeias produtivas do sculo XXI. Herschmannexplica que:
(...) no s a internet vem substituindo o rdio e a televiso comoprincipal meio de divulgao de msica; mas tambm as grandesgravadoras enfrentam dificuldades financeiras, e os artistas, novos ouno, sobrevivem, sobretudo atravs de concertos e da presena emcircuitos e cenas alternativas. 59
Assim como o novo cenrio apresenta limitaes para a indstria centralizadora,se mostra favorvel democratizao da divulgao e difuso da msica, o que faz com
que artistas do mainstream e artistas independentes passem a compartilhar o mesmo e
principal meio de divulgao de suas obras. A difuso da msica atravs da internet atrai o
interesse no somente de msicos novatos, sem reconhecimento do grande pblico, mas
tambm de artistas consagrados que, em grande parte, j no vem mais tantas vantagens
em manter contratos com grandes gravadoras. Como explica De Marchi:
(...) as gravadoras independentes se caracterizam pelo investimentonas novas formas e tecnologias de comrcio de gravaes sonoras. (...)a efetivao do comrcio virtual de msica vem desorganizando otradicional sistema de poder da indstria fonogrfica. Para asempresas independentes, as atuais transformaes so particularmenteapropriadas. Em primeiro lugar, diferentemente das grandes gravado-ras, cujos clientes so as conceituadas lojas revendedoras (...), osconsumidores das pequenas e mdias so os indivduos. Com as novas
58HERSCHMANN, Micael, Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, Simone
Pereira (org).Rumos da Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre.Sulina, 2010, p. 300- 301.59Idem, Ibidem, p. 286-287.
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ferramentas tecnolgicas, como o sistema monetrio internacional, ainternet e a virtualizao dos suportes sonoros, os independentes estoatingindo diretamente seu pblico-alvo, sem a necessidade dascomplexas negociaes com atravessadores, como as lojas de disco.Em segundo, como os atuais servios de distribuio on-line sooferecidos por empresas de informtica, a necessidade de relaescom as grandes gravadoras para fazerem os produtos alcanarem omercado consumidor diminui significativamente. 60
Na internet, a produo de msica independente (segmentada e, hoje, articulada
em torno da dinmica das redes) finalmente encontra um ambiente favorvel ao resgate da
diversificao de gneros e estilos sem a interferncia de gestores de grandes empresas e
sem os limites fsicos e econmicos que, at o final do sculo XX, inviabilizavam adifuso da msica alternativa e seu reconhecimento por parte dos pblicos.
Paralelamente s transformaes no mercado musical, em meados dos anos 2000
comeam a surgir diversos festivais de msica independente no Brasil que, (...)
organizados por iniciativa de coletivos de artistas, pequenas gravadoras e/ou produtoras,
(...) mobilizam mais de 300 mil pessoas em cerca de 50 festivais por ano (...). 61
A internet
no s utilizada para consumir e difundir msicas, mas tambm para que artistas e
profissionais da msica se articulem em torno da organizao e divulgao dos eventos
atravs de redes de relacionamento: Herschmann diz que:
Em certo sentido, pode-se afirmar que alguns coletivos de msicosbrasileiros vm construindo novos circuitos de produo-distribuioe consumo culturais. Neste novo modelo, fomentado e realizadoespecialmente por jovens artistas e profissionais da msica, aproduo toda feita via internet e/ou tecnologias digitais (isto , dadivulgao, distribuio, convite para shows at a organizao dos
festivais em si). 62
Diferente dos grandes festivais das dcadas de 60 e 70, que tinham um carter
60 DE MARCHI, Leonardo. Indstria fonogrfica e a nova produo independente: o futuro damsica brasileira? Disponvel em:http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76 - Acesso em 03/04/2011.16:22h.61 HERSCHMANN, Micael.Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras e
Cores, 2010, p. 83.62Idem, Crescimento dos festivais independentes no Brasil In: S, Simone Pereira (org).Rumosda Cultura da Msica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 272.
http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76 -
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competitivo e funcionavam como um filtro para o mainstream, os festivais de hoje
priorizam a democratizao do espao das apresentaes e a diversidade musical. Renem
inmeros artistas de estilos variados e sem vnculos com grandes gravadoras,
proporcionando aos pblicos verdadeiras vitrines musicais e culturais. Segundo
Herschmann:
(...) diferentemente dos antigos festivais da cano do sculo passadoe dos grandes eventos atualmente realizados no Brasil, pode-se dizerque os novos festivais independentes: a) utilizam de forma sistemticaa mdia alternativa e interativa; b) os artistas divulgados geralmenteno tem vnculos com as majors (e muitas vezes nem com aschamadas indies); c) e constituem-se em importantes espaos de
consagrao e reconhecimento dos msicos dentro do nicho demercado em que atuam (pois os novos festivais so simples mostras,sem premiao). 63
Vista a internet como um importante meio de articulao entre os atores sociais
envolvidos com a produo e difuso da msica independente, surgem novos modelos de
intermediao entre msicos e fs, tendo vista a existncia de um grande nmero de
artistas com interesse em divulgar suas obras e de consumidores de msica atrados pelo
acesso irrestrito diversidade. Assim, explica-se o grande sucesso das redes derelacionamento focadas na produo e difuso musical como oMySpace ((...) maior rede
social do mundo, com mais de cem milhes de usurios, dentre os quais, mais de trezentos
mil so msicos.)64
e do Trama Virtual (Site da gravadora independente Trama, rede de
relacionamento focada na produo musical independente e objeto de estudo para esta
monografia). Como afirma Herschmann:
Se nos anos 1980 e 1990, no perodo do desenvolvimento das redesdigitais de comunicao celebrava-se o fim da intermediao (...)como novidade revolucionria do mercado cultural digitalizado, hojenota-se que as pequenas e grandes empresas investem em legitimar areintermediao: h novas formas e diferentes graus de mediao nasrelaes de produo dos bens culturais. 65
63HERSCHMANN, Micael,Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras eCores, 2010, p. 272.64 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produo Fonogrfica Independente Brasileira. So
Paulo. Anna Blume, 2010, p. 95.65 HERSCHMANN, Micael.Indstria da Msica em Transio. So Paulo. Estao das Letras eCores, 2010, p. 84.
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Em vez de essas empresas lutarem pela manuteno do limitador mercado de
mdias fsicas e contra a proliferao das obras, se mantm sustentadas por bases que
harmonizam o fluxo de informaes na rede. No centralizam seus negcios naindustrializao da msica, mas na diversidade que atrai a ateno de milhes de pessoas.
As audincias (nmero de acessos e de pessoas registradas) o que transforma suas
plataformas em valiosos territrios. Portanto, (...) observa-se a permanncia da ideia de
que o principal produto das plataformas de consumo da msica continua sendo a
segmentao do pblico consumidor para possveis anunciantes. 66
Empresas de diversos
setores se interessam em divulgar suas marcas nessas plataformas, pois reconhecem cada
vez mais a importncia de investir em espaos segmentados, alm de considerarem o baixocusto da insero de publicidade na rede e a intensificao do papel da msica nas relaes
sociais.
66 JNIOR, Jeder Janotti; NOGUEIRA, Bruno Pedrosa. Um museu de grandes novidades: crtica
e jornalismo musical em tempos de internet. In: S, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura daMsica: Negcios, Estticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 214-215.
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2 A msica na era das redes: O ciberespao, a nova economia e o mp3
Para a compreenso das repentinas transformaes no mercado musical a partir
do incio do sculo XXI, importante analisar todo um processo que se estende desde o
auge da guerra fria, a partir de meados da dcada de 60. Foi nesta poca que o governo dos
Estados Unidos comeou a financiar pesquisas dentro de Universidades americanas a fim
de desenvolver formas de compartilhamento de informaes entre bases militares atravs
de computadores, o que impulsionou significativamente o progresso das telecomunicaes,
das tecnologias digitais e que marcou o incio da expanso das redes e da histria da
internet.
2.1- Cibercultura: digitalizao, convergncia das mdias e comunidades virtuais
As primeiras instituies acadmicas a comportarem pontos de comunicao
interconectados pela Arpanet67, primeira rede de computadores, foram universidades da
Califrnia - de Los Angeles e de Santa Brbara - e a universidade de Utah. O interesse
pelas tecnologias de comunicao no se deve somente troca de informaes em prol dodesenvolvimento tecnolgico, mas se d principalmente pela liberdade de comunicao e
expresso entre seus usurios: jovens universitrios envolvidos com a realidade histrico-
social dos movimentos contraculturais. Segundo Castells, (...) a internet nasceu da
improvvel interseo da big science, da pesquisa militar e da cultura libertria.
Importantes centros de pesquisa universitrios e centros de estudo ligados defesa foram
pontos essenciais entre essas trs fontes da Internet. 68
Em 1983, as foras armadas americanas perceberam a expanso das redes de
computadores como um risco de abertura de brechas na segurana, o que facilitaria o
vazamento de informaes confidenciais. Frente a isso, criada uma rede de domnio
especificamente militar. A Arpanet, por sua vez, torna-se a Arpa Internet. Uma rede nica
e exclusivamente voltada para desenvolvimento de pesquisas acadmicas que, em 1984
67
CASTELLS, Manuel.A Galxia da Internet. Reflexes Sobre A Internet, Os Negcios E ASociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003,p. 13.68
Idem, Ibidem,p. 19.
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passou a ser propriedade daNational Science Foundation (NSF). O domnio da NSF sobre
a Arpa Internet durou pouco. Logo as redes caram em domnio pblico:
Em fevereiro de 1990, a Arpanet, j tecnologicamente obsoleta, foiretirada de operao. Dali em diante, tendo libertado a Internet de seuambiente militar, o governo dos EUA confiou sua administrao National Science Foundation. Mas o controle da NSF sobre a Netdurou pouco. Com a tecnologia de redes de computadores no domniopblico, e as telecomunicaes plenamente desreguladas, aNSFtratoulogo de encaminhar a privatizao da Internet. 69
Sem o consentimento das propores que a expanso das redes alcanaria e sem a
pretenso de transformar a internet no que ela representa hoje, os usurios das redes
participaram efetivamente na estruturao e expanso natural de um novo meio de
comunicao que, a partir de 1991, com a World Wide Web (WWW) - sistema de
documentos em hipertexto criado pelo ingls Timothy John Berners-Lee - passou a integrar
a rede global de comunicao. Segundo Castells, o que permitiu Internet abarcar o
mundo todo foi o desenvolvimento da WWW.70
Atravs desse sistema global de
comunicao que se estrutura o ciberespao: um mundo virtual que, apesar de virtual,
real, pois marca o incio de uma nova realidade histrico-social global e de uma releitura
dos sistemas de comunicao, polticos e econmicos do planeta. Na viso de Lvy:
O ciberespao (...) o novo meio de comunicao que surge dainterconexo mundial dos computadores. O termo especifica noapenas a infra-estrutura material da comunicao digital, mas tambmo universo ocenico de informaes que ele abriga, assim como osseres humanos que navegam e alimentam esse universo. 71
O ciberespao inaugura uma nova era. A era da cibercultura: um (...) conjunto de
tcnicas (materiais e intelectuais), de prticas, de atitudes, de modos de pensamento e de
valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespao. 72
. Na viso de Lemos:
69 CASTELLS, Manuel.A Galxia da