elementos da linguagem musical - bruno kiefer

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Luis Cosme Volume I Do Autor MUsica alema-estudos (1957). Hi st6ria e significado das formas musicais (1968) . Elementos da linguagem musical (i 969). Hist6ria da musica brasileira (1976) A modinha eo lundu (1978) Musica e popular - sua influoncia na musica erudita (1979). I ii I I, bruno kiefer ELEMENTOS DA LINGUAGEM MUSICAL introduc;60 de Erica Verissimo terceira EDITORA MOVIMENTO

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Page 1: Elementos Da Linguagem Musical - Bruno Kiefer

Cole~ao Luis Cosme Volume I

Do Autor

MUsica alema-estudos (1957). Hist6ria e significado das formas musicais (1968) . Elementos da linguagem musical (i 969). Hist6ria da musica brasileira (1976) A modinha eo lundu (1978) Musica e dan~a popular - sua influoncia na musica erudita (1979).

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ii I I,

bruno kiefer

ELEMENTOS DA LINGUAGEM MUSICAL

introduc;60 de Erica Verissimo

terceira edi~ao

~ EDITORA MOVIMENTO

Page 2: Elementos Da Linguagem Musical - Bruno Kiefer

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revisio - Myrna B. Appel capa - Claudio Casaccia

KIEFER, Bruno, 1923 - .

Elementos da linguagem musical.

Introd. de l!:rico Verissimo, 2. ed.

Porto Alegre, MovimentojBrasUia/Instituto

Nacional do Livro - MEC/1973

96 p. 21 em.

1. Musica - Teoria. 2. Composicao Musical.

1. Titulo.

1979 Direitos reservados a Editora Mollimento Republica 130 - F.24.51.78 Porto Alegre - RS - Brasil

CDD: 781

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INDICE

A musica e eu - por :!trico. Verissimo / 7 PreAmbulo / 18 o rltmo / 23

A dura~ao / 24 A intensidade I 25 Outros fatores I 25

Arsis e tesi.s I 26 Fontes de ritmo musical / 27

o ritmo musical no Mundo e na rust6ria / 31 o ritmo na musica oriental I 31 o ritmo na mUsica de Ja.zz / 32 o ritmo na musica europ~ia / 33 o ritmo no periodo g6tico / 34 o ritmo na Renascenca / 35 o ritmo ns. ultima tase do Barroco / 85 o ritmo no per1odo Rococ6-ClAssico I 36 o ritmo no Romantismo / 36 o ritmo no s~culo XX / 37

Muslea e Lingua / 39 Vari~Oes de andamento / 44

A melodla / 49 Elementos de constru~io- mel6d1ca / 51 A monodia / 56 Melodia acompanhada / 56 E&quemas de estrutura mel6dica / 58 o conceito de tema I 61

A pollfonla / 65' Pollfonia imitaUva e do ImitaUva / 67

A harmonIa / 70 A Qrquestra / 75

'-.. A orquestra no Rocooo-Classicismo / 79 A orque.stra romAntica / 82 A orquestra no s~culo XX / 84 A reg~neia / 86

Ap~ndice: exemplos musicals comentadoB / 89.92

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Dedlcado a Hedy Metzler

A MOSICA E EU

Erico Verissimo

Este artigo sobre mlnhas venturas e aventuras no Mundo da musica me foi sugerido por meu amIgo Bru­no Kiefer, excelente professor de musica e compositor, que acaba de eacrever urn livre intitulado Elemen_ tOIi da Llnguagem Musical, e que teve a ideia, que muito me lison­jeia, de pUblicar no volume eata conversa de le iga como uma esp~cie de musiquinha di;l circe que 0 leitor ouvira antes de entrar na mus ica selia . ..

Segundo a cronica familiar, 0 meu convivio com a musica ou, melhor, a minha afei~ao por ela come­~ou quando eu tinha apenas dois anos incompletos. Continuou depois atraves do tempo como tudo no Brasil, isto e, com altos e baixos, a trancos e barran­cos, ao sabor de acaEOS e improvisa~i5es, de sorte que meus conhecimentos musicais sao hoje em dia uma dourada cupula - Duro artificial, e claro - sem nada por baixo a sustenta-la.

Tendo ja dado dais passos relutantes na casa dos sessenta (ah! como tinha razao 0 poeta que in­timou 0 tempo a parar!) prossigo nos meus amores com a arte de Orfeu, 0 heroi mitico que urn velho tio meu costumava cOnfundir com Morfeu, nome este que uma amiga solteirona temia como ao proprio demonio, pois associava-o a morf·eia

Lembro-me vagamente do menino que - sete au oito anos? - sentia urn aperto no cora~ao toda vez em que ouvia a Serenata de Schubert tocada em flauta par Patapio, num remoto disco da Casa ltdi­son, Rio de Janeiro. Vejo-me, pouco mais que ado­lescente, a vaguear numa noite chuvosa de inverno pelas ruas da minha cidade natal, com uma lanterna de querosene na mao, pois como tivesse entrada em prolongada pane a usina eletrica local, as ruas esta­yam completamente as escuras. Voltava eu as duas

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da madrugada da casa de meu ti~, 0 Dr. Catarino, o velho sobrado dos Verissimos, onde estivera a ou­vir pelo radio, a que um gerador elt\trico domestico dava vida, a irradiagao de La Boheme, feita direta­mente do Teatro Col6n de Buenos Aires pela estagao da municipalidade. Quem tinha feito 0 Rodolfo? Ora quem! Beniamino Gigli, 0 tenor com um singhiozzo na voz. E no dia seguinte, it hora ritual do banho', rompi a cantar arias da 6pera de Puccini e fiquei tomado dum certo orgulho quando 0 ralo do chu­veiro vibrou ao impacto· de minha voz. (Como diria Ega de Queiroz, eramos assim em 1926).

Durante as horas de expediente na casa banca­ria onde trabalhava, chefe que era - oh honra! - da Carteira de Descontos, eu dedilhava a maquina de escrever, compondo memorandos em que pedia aos nossos distintos clientes que viessem resgatar Bem mais demora as suas duplicatas vencidas. De subito a Underwood transformava-se num piano e eu era Paderewski a to car uma Rapsodia Hungara. Empas­telavam-se os tipos, eu arrancava a papel do rolo, amassava-o e chutava-o para dentro da cesta de vime, a meus pes.

Naquele tempo eu andava deslumbrado pela suite do Galo de Ouro, de Rimsky-Korsakov, que costu­mava ouvir gragas a uma vitrola portatil. Havia tambem descoberto um disco de dez polegadas e r6tulo azul que me trouxe a Can..,iio da lndia, na interpretagao da Orquestra Sinf6nica de Saint Louis. Num vago narcisismo de bugre, achava a melodia parecida comigo.

Tchaikovsky entrou na minha vida montado num cisne branco.

Mas nao so de musica se alimentava espiritual­mente a bancario. Muita operagao de desconto errei por se mis.turarem em minha cabega algarismos com trechos de livros lidos na noite anterior. Por essa epoca eu comegava a ensaiar clandestinamente a mi­nha pr6pria literatura. Par onde andara a meu velho amigo Rabindranath Tagore? E Omar Kha;yyaID?

Lidava eu ainda c"m duplicatas e promissorias junto de um guiche de banco quando travei conhe-

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cimento com Beethoven, mas devagarinho: apenas trechos de Fidelio e Egmont. Andava as voltas com Machado de Assis e Euclides da Cunha quando ouvi Wagner pela primeira vez, creio que em excertos de seu Crespusculo dos Deuses. Achei, entretanto, que era cedo demais para me meter com 0 alemao.

Brahms as vezes passava por mim, de longe, barbudo e distraido, as maos trangadas as costas, como na gravura classica. (Berceuse, D'l-nf,las Hun­garas.)

Deixei de ser empregado de banco para comprar sociedade numa farmacia, como repetidamente te­nho contado. Duma feita, para susto de meu soclo no «estabelecimento», e esc;mdalo do publico em ge­ral, levei minha Victor portatil para cima do balcao da botica e pus a engenhoca a funcionar com todo o volume - que era debilissimo, pois nao nos haviam chegado ainda as eletrolas - e sob 0 olhar perplexo dos vidros de remedio e dos fregueses ou meros passantes, eu dava manivela a vitrolinha e a fazia berrar a Cavalgata das Valquirias, Num Mercado Persa, a suite da Scheherazade ... "Um vidro de Salsaparrilha» - pedia um cliente ao baldio. E Mi­guel Pleta respondia cantando: «Asomate a Ia ven­tana, ay! ay! ay!, palom,a del alma mia ... » «Um sinapismo de linhaga» - gemia a velha senhora de olhos liquidos. E Galli-Curci respondia: «Una voce poco fa ... »

Quando penso nos meus tempos de bel canto, nomes e imagens ·me passam pela mente: Schipa, Lucrezia Bori, Chaliapin, Tetrazzini, Tita Ruffo e naturalmente Caruso, 0 monstro sagrado. Levei aI­gum tempo para descobrir que nao gosto de canto, e que a voz humana so me delicia au comove quando us ada como urn instrumento musical, istoe, sem pronunciar palavras.

Gragas a pacientes economias, comprei albuns de discos contendo operas completas. A adolescencia ficara para tras, eu era ja um homem feito e con­tinuava a viver sempre envolviao com livros e discos. Os primeiros romances e ensaios em lingua inglesa me ciregaram em brochuras da colegao Tauchnitz,

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duma editora de Leipzig, creio. Come~aram as mi­nhas rela~6es com Ibsen e Shaw, que se juntavam a velhos amigos como Anatole France, Guy de Mau­passant, Oscar Wilde, ThackerScY, Taine, Renan e Norman Douglas. Como se pode ver, a salada nao podia ser mais sortida.

Descobri um dia num porao qualquer um peda~o de disco sem rotulo. Coloquei na vitrola a parte que restava e fui surpreendido pOl' uma melodia que logo me capturou a fantasia: uma frase dum conjunto de cordas - languida, longa e levemente triste. Quem seria 0 autor do quarteto? Estava claro que se tra­tava dum moderno, desses que comp6e musicas difi­eeis de assobiar ou acompanhar com movimentos de cabe~a. Passei os proximos cinco anos it la recherche du quatuor perdu e so quando me mudei definitiva­mente para Porto Alegre e que descobri que se tra­tava durn trecho do movimento lento do quarteto de Debussy. De certo modo essa pe~a do Claude (chamo-lhe assim porque hoje somos intimos) foi uma especie de delicada ponte que me levou do me­loso territorio operatico em que eu vivia, fazendo-me entrar num mundo mais rico, misterioso e imprevi­sivel. Livrei-me definitivamente da opera e encerrei para sempre a minha carreira de cantor de banheiro.

Entrei entao no cicIo beethoveniano, come~ando pelas sinfonias. Uma noite ouvi pela primeira vez 0

Quarteto para cordas em re maior de Borodin, e achei que seu adagio correspondia tao bem a meu estado de espirito na epoca, que por assim dizer eu o adotei como urna especie de hino nacional par­ticular. E ate hoje, passados mais de trinta anos, sempre que torno a ouvir essa melodia de serena e pregui~sa melancolia, consigo recapturar, reviver mesmo aquele estado de espirito com apenas uma diferen~a: agora nao me considero mais dotado de alma eslava.

Aos poucos outros compositores se foram insi­nuando em meu mundo interior. Wagner entrou em cena derrubando muros e paredes, seguido de perto por Gustav Mahler, cuja sinfonia coral num momento de dcsvario cbeguei a achar comparavel it Nona de

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Beethoven, que Deus me perdoe! Nas aguas de De­bussy chegou-me Ravel e Faure e mais tarde varios componentes desse meio esquecido e injusti~ado gru­po de compositores franceses, de Rameau e Coupe­rin a Poulenc e Satie.

Minha visita it California entre 1943 e 1945 teve uma importfmcia capital na minha biografia musical. Passei dois veroes no campus do Mills College, le­cionando literatura brasileira it sombra de eucalip­tos e ao som de canto de fontes e passaros. Por sor­te minha 0 quarteto de cordas de Budapeste costu­mava «veranear» naquele famoso colegio para mo­~as, onde dava concertos semanais. Pela primeira vez ouvi ao vivo se assim se pode dizer - urn qua­tuor. Foi amor it primeira vista ... ou quase. Darius Milhaud, 0 musicista frances vivia no campus do Mills College, onde lecionava compoBi~ao e tinha uma casa particular. 0 quarteto de Budapeste tocou uma pe~ inMita (ou «inaudita»?) de Milhaud com a presen~a do autor - um homem corpulento, de pele cor de marfim, cabelos escuros, doce de fala, manso de olhar, e que me confessou sentir saudade do Bra­sil, onde servira quando mo~o como secretario da embaixada de seu pais. Foi uma noitada inesquecivel, aquela! E em outras noites daquele verao califor­niano ouvi todo urn ciclo de Beethoven e me convenci de que nada podia haver de mais belo e perfeito em musica do que os seus ultimos quartetos. (Aldous Huxley, no seu Oontraponto apresenta uma persona­gem, Spandrell, que dizia encontrar no terceiro mo- . vimento do quarteto para cordas em la menor, ada­gio, andante, molto adagio, op. 132, urna prova da exlstencia de Deus).

Mozart, que ate entao eu vagamente conside­rava um autor de melodias para caixinhas de musi­ca, me foi tambem apresentado pelos quatro do Budapeste atraves de tres de seus incomparaveis quartetos dedicados a Haydn.

Dai por diante fiquei amigo de Amadeus Wolf­gang, que me apresentou a Handel num jardim in-

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gIes e a Haydn num certo dia em qne, em Viena, ele saia da casa do principe Esterhazy, seu mecenas. Dai para Telemann, Quantz e os filhos do velho Joao Sebastiiio foi um curto passo. Devo, entretanto, can. fessar que foi com as compositores italian os do sei. cento e do settecento que me sentia mais em familia. Seus nomes em si mesmos ja sao musica: Pergolese, Cimarosa, Albinoni, Carelli, Scarlatti, Torelli, Vival. di, Geminiani, Tartini ...

Meu encontro com Villa·Lobos em 1944, ainda na California, me aproximou mais de sua pessoa e de sua musica. Eu ja havia iniciado um convivio um tanto cerimonioso com compositores modernos como Strawinsky, Prokofief, Bartok, Schostakovich e Hin. demith. Admirava·os., sim, mas dum modo cerebral e frio - exce~ao feita a Villa·Lobos, que mesmo nos seus mais delirantes arraubos modernisticos jamais esqueceu sua condi~;;o de seresteiro _ de maneira que depois duma dose 3ubstancial de musica moderna eu senti a necessidade de remergulhar nos CIaSSiC08.

Esta claro que, em materia de gosto musical, como no resto, tenho ca as minhas manias que nem sequer tentarei jU8tificar. Se deixarmos de lado a musica de camara de Beethoven e de Brahms., pra. ticamente salta do seculo dezoito para 0 vinte, sem tamar muito conhecimento de Chopin, Schubert e Schuman. Heresia? Ja me disseram isso. Nao sabe. ria explicar a que se passa comigo com rela~ao a esses tres, compositores. Nao me retiro da sala quando se toea algo de sua autoria. Posso ate es. cutar a pe~a com relativo prazer, mas verdade e que permane~o desligado da musica, nao «recebo a men. sagem» e - palavra I na~ me passa pela cabe~a comprar 0 disco em que ela foi gravada. Com Liszt e Paganini nem quero con versa. Nao sao nada boas minhas rela~5es com Saint·Saens, Mendelssohn au Berlioz, embora reconhe~a 0 «genio» deste ultimo. Por que? Pura idiossincrasia.

Se hoje me fizessem a famosa pergunta sobre a ilha deserta, eu responderia que se tivesse de esco.

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Iher discos com mUSlcas de um unico compositor para me acompanhar no exilio, eu responderia sem hesitar que levaria comigo as de Bach, pais acho que as obras do Mestre contem todas as vitaminas necessarias a uma equilibrada dieta musical.

Abomino a musica descritiva. Nos rpeus tempos de Cruz Alta prometi um dia a uma jovem foras­teira um disco com a Dano;a Macabra e expliquei.lhe a meu modo 0 que a musica pretendia representar: um baile de esqueletos sobre sepulturas, a chocalhar dos ossas, a Morte a tocar 0 seu violino e, no fim do poema, 0 canto do gala anunciando a aurora. Ocorreu, porem, que nao consegui a disco prometido e, em troca, mandei it mo~a a Can~30 da india, sem entretanto avisa·la da substitui~ao. A senhorita, sugestionada pela minha descri~ao, me assegurou no dia seguinte que tinha ouvido a musica e visto os esqueletos, a Moura Torta, 0 matracar dos ossas, 0 clarinar do galo e 0 clarear do horizonte . . .

Descobri um dia que e muito bom escutar mu. sica deitado no soalho. Tem·se assim a impressao de que se ouve a melodia com 0 corpo inteiro, desde a sola dos pes ate ao couro cabeludo.

Mozart me parece «sentar. muito bem numa noite de inverno - se possivel oom a neve a cair Ia fora - ou enta;o numa maIlha de sol, 0 ceu e 0 ar lavados e polidos pelo vento e a chuva da noite an. terior. E para certos seraes quando pende do fir. mamento uma Iua cheia amarelada, 0 ar esta morno e rescendente a jasmim ou junquilho (bom, escolha cada um a sua flor!) creio que a instrumento mals indicado para se ouvir e a oboe ou a como ingles. Para noite de lua cheia, em verao au inverno? Cla. rineta. E 0 piano? Para qualquer tempo.

Os sons tem cores.? Para mim a voz da flauta e cor de vidro. A da clarineta nos graves e dum azul carregado que vai passando par outros matize~ dessa cor ate transformar·se nos agudos numa espeCle de noturna prata. 0 80m do oboe me parece verde. 0 dos violinos, dourado. 0 do violoncelo? Duro fosco, folha seca, mel queimado. 0 pistao passa por todos tons de vermelho, desde 0 de sangue coalhado (eran

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las cinco de la t.ude, las cinco en punto de Ia tarde) subindo ate ao encarnado vibrante de sangue vivo ou ao laranja metalico. A voz do fagote e escura, quase negra, e parece sublinhar 0 que diz 0 resto da orquestra. Urn solo de fagote me da a impressao dum homem gordo resmungando, conspicuo consigo mesmo. E os trombones? Talvez falem pardo-ama­relado, com ocasionais pinceladas de ocre ou carmim. E as trompas? Confesso que hesito entre a roxo, 0 azul e a purpura. Mas esta claro que tudo isto e pura Iiteratice, e a musica nao deve ser nem boa literatura.

o solo de oboe da Tocata da P:iscoa, de Bach, me lembra um pastor sentado no alto dum outeiro, a tra~ar contra urn eeu azul no ar arabescos sonoros, dum bucolismo urn tanto triste mas docemente re­signado.

Nao conhe~o melodia mais outonal que a do Quinteto para clarinete e cordas de Brahms ..

Andei l<angel tempo de relag6es cortadas com Beethoven'. Urn dia, sincero comigo mesmo, conclui que esse absurdo boicote de minha parte tinha sua origem no fato de que a musica do Velho bole demais com minhas aguas interiores.

Se e dia de chuva, ponho no aifai um disco de Debussy e de subito 0 ambiente fisico fica todo iri­sado. Jamais esquecerei uma noite de luar, em pleno inverno gaucho, em que fiquei a escutar 0 quinteto para c1arineta e cordas de Mozart, com 0 nariz en­costado na fria vidraga duma janela, atraves da qual eu via no centro de meu patio, uma alta pereira, imovel e nitida a luz do luar.

Uma noite, em 1960, no Constitution Hall, em Washington, poucos meses depois da morte de Vil­la-Lobos, a Orquestra Nacional interpretou 0 seu Chores n. 10, e quando 0 ooral de negros da Ho­ward University rompeu a cantar 0 Rasga 0 Cora­~iio, meu coragiio se rasgou de alto a baixo, e, pen­sando no amigo morto, nao pude conter 0 pranto.

Certo domingo, durante uma das missas na igreja de Notre-Dame, em Paris (urn homem que ama a musica nao pode ser totalmente herege) ou-

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vindo 0 seu orgao tocar com fanfarras um preludio de Bach, mE senti erguido pela melodia ate ao teto e depois andei voando como um anjo leigo por cima da cabe~ dos fieis e me atomizei numa explosao de cores nas grandee rosaceas do templo.

Outra emogao inesquecivel foi a que senti uma noite chuvosa de primavera na catedral de Char­tres, quando no seu recinto a Orquestra Filarmonica de Berlim, regida por H. von Karajan, tocou a Sin­fonia n.. 8, de Bruckner. Vi uma catedral de sons construir-se aos poucos dentro do ventre da de pedra.

Os semanticistas aconselham-nos a escutar mu­sica sem verba1iza-Ia. Tenho tentado isso, mas rara­mente com resultados . positivos. Porque a coisa nao e nada facil. Somas vitimas de habitos associativos inevitaveis. Uma melodia quase sempre nos evoca urn momento de nossa vida passada, uma situagao psicologica qualquer, uma ou muitas faces humanas, lembrangas de vozes, espectros de vividas sensag6es e reprimidos desejos - e la esta a nossa memoria a borbcletear (come perdao da metafora) teleguiada pela fantasia.

Os verdadeiros «entendidos. da mUsic a sao os seus maridos legitimos. Os que pouco ou nada sa­bem como eu podem dar-se ao luxe de ser apenas amantes da bela senhora, dados a freqUentes infi­delidades e ineompreens6ee. - 0 que, no entanto, nao os torna menes sinceramente apalxonades.

Descobri um dia um condutor de orquestra sin­fonica que adeia a musiea. Para esse homem e uma tarefa tecnica, come se ele fosse 0 sargento instru­tor de sua companhia. Nas noites de concerto so uma coisa ele muda: 0 uniforme.

Nunea como em nossos dias se estudou tanto e com tamanha penetra~iio 0 problema da eomuni­ca~iio entre os ""res humanos. Ha muito se vern proclamando que 0 romance esta em artigo de mor­teo Outros vao mais longe : afirmam que a Iiteratura mesma agoniza por deficiencia instrumental, pois a

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linguagem que temos usado ate agora e superficial, primaria.

Escreve 0 critico George Steiner que a lingua­gem tem fronteiras com tres outros «modos de ex­pres sao» : a luz, a musica e 0 silencio. Sin to-me in­capaz de produzir luz, nao tenho conhecimentos tecnicos de mus.ica, de sorte que, se quiser cruzar alguma fronteira, a do ailencio.

Seria uma tolice poetica imaginar que as pessoas se possam comunicar cotidianamente por meio da musica, mas creio, isso sim, que quando a palavra e as frases par passadas, ocas OU inexpressivas, naG conseguem descrever estados de alma demasiada­mente sutis - essa e a hora de recorrer it musica. Certas composi~6es de Bela Bartok retratam it ma­ravilha 0 eaos espiritual do mundo moderno. Ne­nhum eonvalescente eonseguiu exprimir com pala­vras a que Beethoven diz com musica no· quarteto. famoso em que um convalescente da gra~as a Deus par estar vivo.

A mUsica, como uma especie de esperanto melD­dieo, poderia ajudar os homens e as na~6es a se compreenderem melhor e viverem em paz. As pla­teias dos Estados Unidqs aplaudem com deliria as orquestras sintonicas russas que tocam em seus teatros. 0 povo sovietico sente cada vez mais forte a fascinio da music a americana, prineipalmente a do jazz. It nessas horas de confraterniza~ao atraves das artes pliisticas em geral e da musica em particular que vem it ton a de eada homem, seja qual for a sua nacionalidade, 0 que ele tem de melbor dentro de si, distinguindo_o dos animais irracionais.

E por isso que eu nao desespero da possibili­dade duma paz definitiva sobre a Terra. No dia em que os homens despertarem para a realid"de de que podem can tar em coro, sem a necessidade de pro­nunciar sequer uma palavra, seja em que lingua for - eles compreenderao que pertencem it mesma es­pecie, sao irmaos em Deus, na Arte, no Amor, seja no que for! - e concluirao que a unica resposta

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it destrui~ao total e a greve geral contra todos os conflitos armados. Nesse dia, talvez remota mas nao impossivel, a guerra se tornara obsoleta defi­nitivamente, uma feia, tragica e absurda pe~a de museu.

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PREAMBULQ

o presente trabalho niU, pretende ser um com­pendio de TeOria Musical, tampouco uma introdu~ao a arte de compor. Ao elabora-Io tivemos em mira os leigos que desejam ter uma visao mais profunda da rnusica como arte.

Faz-se muita musica nos dias atuais. Ouvimos mus.ica, querendo ou nao, quase 0 dia inteiro e em toda parte. Na verdade, porem, nao ouvimos. ,Esse tipo de musica s6 tem uma finalidade: encher 0 nos­so espa~ auditivo com sons calmantes ou ruidosos, ajudando-nos a abafar a ansiedade, a afugentar 0

tedio ou a provocar excitagao. Existe uma verda­deira indUstria de produ~ao musical neste sentido; existe urna moda, orientada em grande parte pelos centros mais avangados; existem trustes empenha­dOB em langar, num dado mom en to, este ou aquele autor. Sao musicas que nascem e morrem como as mariposas em noites de verao. Esse fenomeno sempre existiu, embora a sua industrializa~ao surgisse ape­nas no seculo XX, com os modernos meios de fixa­~ao e difusao.

Essa musica nada tern a ver com arte. Se exa­minassemos bem as coisas veriamos, com facilidade, que a novidade dessa musica comercial tern as suas raizes em poucas personalidades criadoras de musi­ca impropriamente chamada erudita. Ha tamMm, latentes, manifesta~oes coletivas originais, como e o caso do jazz ou de certo tipo de musica brasileira. As vezes aparecem quase s6 como sombra do que esteve na origem, pois os compositores de musica comercial nao criam: misturam, deformam, variam. Com isto vem novamente it tona a imagem das ma­riposas, demasiado parecldas umas as outras.

Nao queremos, absolutamente, condenar tal tipo de musica. Ela preenche as suas finalidades em de­termlnadas horas e circunstancias. Desejamos ape­nas acentuar a diferen~a entre a musica comercial e a mu.aica.-arte, e ainda, no caso brasileiro, de certa

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faixa da mUSlca popular que merece realmente a titulo de arte popular.

A musica-arte e, entre outras coisas, uma lin­guagem. Para entende-Ia precisamos, antes de mais nada, ouvir ativamente. Mas s6 isto nao basta. Pre­cisamos ter urn minima de conhecimentos para en­tende-Ia. Afinal de contas, estudamos Portugues du­rante anos, lemos criticas e comentarios sobre ci­nema com 0 intuito de aprofundar a nossa compreen­saO. Por que a musica haveria de fazer excegao? Se uma analise da Nona de Beethoven poderia nos re­velar, muito alem da personalidade de seu autor , aspectos essenciais da cultura de seu tempo, com tOdD 0 condicionamento hist6rico que remonta it Ida­de Media, por que entao pretender que uma audigao ingenua, destituida de qualquer conhecimento da musica como arte, permita apreender 0 que essa obra tern de profundo, original?

Fai com 0 intuito de dar urna ajuda aos que pretendem se aproximar da musica-arte que escre­vemos 0 presente trabalho. Evitamos, de prop6sito, aspectos tecnicos que, de resto, poderao ser encon­trados em compendios de Teoria Musical, de Mor­fologia ou em tratados de Composigao.

Queremos deixar consignados aqui os nossos agradecimentos a Carlos Jorge Appel pela revisao critica do texto e pelas valiosas sugestoes; ao Prof. Celso Pedro Luft, pela revisao do capitulo «MUsica e Lingua.; finalmente, ao amigo ~rico Verlssimo que nos deu a honra de escrever as linhas antepos­tas a este preambulo.

Porto Alegre, julho de 1969

BRUNO KIEFER

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Significado da paIavra ritmo - A palavra ritmo _ em grego rhythmos - designa «aquilo que flui, aquilo que se move». Mas nao e so isto. A esta palavra vem asso­ciada outra ideia: a de medida.

o termo fluir deve ser tomado aqui em sentido 0 mais geral possiveL Platao disse: «Vos distinguireis 0

ritmo no vo\) de um passaro, nas pUlsa~5eB das arterias, nos passos de um dan~arino, nos periodos de um dis­curso» .

Se pensarmos no fluir tranqUilo e continuo de uma corrente de agua ou na emlssao continua de um 110m no qual nada se altere, nao teremos a no~ao de ritmo. Fa­lamos em ritmo a partir do momento em que 0 fluir apresenta descontinuidades. Exemplos: emissiio de sons de dura~ao desigual; determinado movimento dOB bra­~os; acidentes numa corrente de agua.

A percep~ao das descontinuidades traz consigo a compara~ao, a medida, entre os fragmentoB daquilo que flu!. Constatamos 0 apareclmento de fragmentos mats longos, outros mais curtos, par exemplo. Mas aqui as .. coisas ja se complicam, na verdade. Numa melodia no-taremos a existencia de fragmentos mfnlmos, unidos em grupos de dois ou tres sons formando as celulas ritmi-cas. Mas notaremos tambem a existencia de fragmentos t-mals extensos - formando unidades maiores - decom-poniveis em fragmentos mais curtos. Numa poesla per­cebemos, alem das silabas, as palavras, agrupamentos de palavras, versos etc. 0 ritmo pulsa em todas estas unidades, desde as ceJulas ate as estruturas maiores. 1:, pois, complexo 0 fenomeno ritmico.

A compara~ao, a medida, e essencial a percep~ao do ritmo.

Ha, no entanto, outra ideia ligada ao ritmo: a de ordem. De fato, as descontinuidades, das quais· falamos acima, quando se sucedem caoticamente, provocariio a sensa~ao de confusao. Na realidade, quando falamos em ritmo, supomos sempre uma ordena~ao que implica uma certa regularidade (periodicidade r de elementos se nao iguais, pelo menos comparaveis. Foi este fato que levou

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Aristoxeno (sec. IVa. C. - discipulo de AristDteles) a dizer que 0 ritmoe «uma ordem na repartigao das du­ragoes».

Resumindo: a palavra ritmo envolve as no goes de fluir, medida e ordem. Evitamos, de proposito, urna definigao de ritmo, pois 0 fato de existirem centenas, muitas dos melhores autores, levanta a suspeita de que esse fenomeno, em ultima analise, e indefinivel. Ha ain­da outros aspectos a considerar no ritmo. A psicologia da Gestalt examinaria, por exemplo, as estruturas ge­radas pelo fenomeno ritmico. Sairiamos do objetivo des­ta obra se pretendeEsemos entrar em maiores detalhes.

No que se refere ao ritmo musical (e tamMm poe­tico) os fatores que 0 geram sao fundamentalmente dois : a duragao e a intensidade dos sons.

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Suponhamos, de inicio, algum instrumento que emita urn 80m continuo, Bem variagao de especie alguma. Se pra­ticarmos nesse som cortes com dura~oes desiguais (sem interrup~oes), surgira urn ritmo, desde que haja uma ordem. Imedlatamente medimos, comparamos os valores mais longos com os mais curtos ou constatamos a igual­dade.

Para os gregos 0 fator decisivo era a duragao. Em­bora na pratica musical ou poetica a intensidade tenha desempenhado urn papel importante, na teoria conside­ravam apenas a dura~ao. Na versifica~ao os pes (celu­las ritmicas) eram formadospelo acoplamento de valo­res de duragao longos e curtos. Surgiram, assim, para citar somente alguns exemplos:

o troqueu - longo, breve o jambo - breve, longo o dactilo - longo, breve, breve.

Essa teoria teve importante aplica~ao em mlisica du­rante 0 seculo XIII (modos ritmicos). A teoria grega previa urna unidade de medida das dura~oes : 0 cronos protos, correspondente ao valor breve. A versifica~ao latina mantinha a teoria grega.

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A intensidade

Suponhamos agora que um instrumento emita sons de igual duraGao, alternando-se sons mais fracos com sons mais fortes. Teremos ai um ritmo diferente deste outro, por exemplo : forte, fraco, fraco. .. 0 fator inten­sidade e t ao importante, e corresponde a uma necessi­dade nossa que, se 0 instrumento tocasse sons de mesma intensidade, nos ouviriamos sons de intensidade desigual. E famosa a experiencia do metronomo : embora a inten­sidade seja a mesma em cada batida, ouvimos sempre 0

tic mais for te do que 0 taco E se decidissemos por 0 t ic do outro lado, ele continuaria, subjetivamente, mais for­te. A ideia de acento esta ligada ao fator intensidade. Pode haver grada~oes mais ou menos sutis, capazes de tornar 0 ritmo baEtante complexo sob este ponto de vista. Aproveitamos a oportunidade para citar 0 orgao como instrumento que nao permite acentuar. Certas qualida­des esteticas deste «rei dos instrumentos» decorrem des­te fato.

As linguas modernas europeias baseiam 0 seu ritmo primordialmente no fator intensidade.

Outros fatores Na musica os fatores dura~ao e intensidade apare­

cern conjugados. E facil imaginar a variedade quase iIi­mitada de ritmos que podem surgir desta combinagao. Mas ha outros fatores ainda. Todos eles pressupoem os anteriores que sao basicos. Assim, por exemplo, a varia­~ao de t imbre pode gerar ritmo.

Um dos fatol'es mais importantes e a variagao de altura. Toda melodia e caracterizada por onduJagi5es, ou seja, por urn movimento de ascensao e descensao. Este movimento passui ritmo. A situa~ao agora e complexa. Numa linha melodica os sons podem ter dura<;oes dife­rentes ; podem tel' intensidades diferentes. Mas, alem dis­to, ha um ritmo decorrente das onduJa~oes. Imaginemos, por exemplo, urn !inha mel6dica formada pOl' uma suces­sao de ondas em que a parte descendente e simetrica da ascendente (Palestrina) . Tal linha dara a tiensagao de equilibrio, calma, serenidade. E agora, em Dutra, a as­censao e lenta, mas a descensao e abrupta. 0 r itmo aqui sera bem distinto do anterior.

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Ligadas as ondula~5es das linhas melodicas estao as flutua~5es de intensidade. Antes falamos apenas em sons mais fortes e sons mais fracos. Isto e certo quando se trata de celulas ritmicas cujas notas sao curtas. Em no. ta" mais longas ou em fragmentos melodicos podem.se introduzir, no en tanto, varia~5es de intensidade gradati. vas : crescendos e decrescendos.

Tais varia~6es tam bern possuem ritmo. Conferem a mllsica uma qualidade que chamaremos de plastica. Em. bora a declama~ao ou 0 canto de todas as epocas tenba apresentado gradag5es dinamicas naturais, foi so a par. tir do seculo XVIII (Geminiani, Tratado do Born Goato, 1749) que as grada~5es dinamicas foram cultivadas e desenvolvidas.

o ritmo musical, compreendido em toda a sua ampli. tude e complexidade, e urn dos elementos mals importan. tes - se nao 0 mais importante _ de qualquer obra mu. sical. 11: 0 ritmo que da vida a urna obra ou, talvez me. Ihor, e atraves do ritmo que a vida se expressa numa obra musical. Isto ficara mais claro quando tratarmos das fontes de ritmo musical.

o canto gregoriano e particularmente interessante para 0 estudo dos elementos geradores de ritmo. Neste canto Iitllrgico, que se formou nos primeiros seculos de nossa era, as durag5es dos sons sao iguais, exceto os que constituem fins de frase, membro de frase etc. 0 ritmo do canto gregoriano e gerado pela a1ternancia de sons acentuados e nao acentuados. Mas iguaJmente im. portantes sao as ondulag5es melodicas. Talvez ate mais do que as varia~5es de intensidade.

Arsis e tesis

Em todas as unidades ritmicas, desde as celulas ate as unidades compostas (figuras, grupos de figuras, inci. sos etc.) podemos notar, do ponto de vista da dinamica, dois momentos que designaremos com os terrnos que os gregos usavam em relagao as batidas dos pes na marca. gao ritmica: arsis - levantar, com 0 sentido de esforgo; tesis - pousar, com 0 sentido de relaxamento. Impor. tante e que estas nog5es se referem a dinamica.

As celulas ritmicas sao sempre formadas por dois ou tres elementos. 0 silencio podera figurar tamMm como

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arsis (esforgo subentendido) ou como tesis. Temos, assin!, numerosas formulas, extensivas tamMm a estruturas maiores:

arsis - tesis (mais simples e mais freqUente) tesis - arsis (mais raro) arsis - arsis - tesls (as duas arsis nao necessaria.

mente iguais) arsis - tesis - teBis arsis - tesis - arsis tesis - arsis - tesis

Nem sempre a an8.lise das celulas ritmicas e faci!. Ha autores que UBam os termos: anacruBe _ cruse _ metacruEe. Quanto it nomenclatura e necessario optar por uma ou outra. Por outro lado e born evitar urna nomenclatura demasiadamente ligada, pela tradigao, ao compasso.

Nao ha receita para identificar arsis e tesis. 0 pro· blema ede sensibilidade. Importante, porem, e ficar in. dependente do compasso. 0 fato de nao haver receita nao justifica, porem, a ignorancia nesse 8.ESunto. Uma vez que 0 ritmo tern a importiincia ja referida, toda preo. cupagao com este elemento vital Ii pouca.

Fontes de ritmo musical

o que segue nao pretende ser mais do que esque. matizagao. Na realidade as coisas sao mais complexas e so raramente, ou talvez nunca, podemos encontrar ca. sos tao simples e tao puros como sugere este ou qual· quer outr~ esquema.

Podemos dividir as fontes de ritmo musical em tres grupos: 1) fontes psicossomaticas; 2) fontes exteriores; 3) fontes artificiais.

1. Fontes psiCO!lSOlllAtiC88

Adan~

o que caracteriza a danga Ii a repetigao obstinada de certos esquemas de movimento ritmico do corpo, prin. cipalmente das pernas. Estes esquemas podem scr mais simples ou mais complexos. Na 'Ullsica de danga 0 ritmo

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Msieo apresenta a mesma caracteristica. A repeti~io obs­tinada de determinado esquema sugere, alem disto, per­manencia no mesmo lugar. Veremos, logo mais, que esta qualidade faz diferir fundamentalmente 0 ritmo da mu­sica de danga do ritmo musical inspirado nos passos. Em todo caso, e importante nao perder de vista que a mu­sica de danga tern como ponto de partida , a dan~a cor­porea. Em outros termos: primeiro surgiu a necessidade de dangar, depois veio a musica (ou apenas 0 ritmo de instrumentos de perCUBBao). Por outro Iado, a audi~ao de musica de danga provoca em n6s 0 desejo de movimentar ntmicamente 0 corpo.

Os indianos atribuem a danga Urn valor simb6lico, religioso, Entre os negros sucede 0 mesmo.

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Apesar de () ritmo dos passos ser binario, ha, no entanto, urna gama extensa de andamentos diferentes; individuali"llndo estados emocionais. Falarnos comurnente em passos graves e solenes, em passos rapidos e agita­dos, em passos marciais etc. 0 ritmo dos passos serviu de fonte para ritmos musicals em todos os tempos. Estio a atesta-Io os ritmos de marchas militares, marchas ftine­bres, marchas nupciais etc. Tambem aqui a audigio de determinado ritmo musical, cuja fonte tenha side urn dos tipos de passe mencionados, provoca em nos a von­tade de executar os passos correspondentes. Uma prova corriqueira esta no contagio que provoca a passagem de uma banda militar nos transeuntes , . .

Ritmos fisioIOgicos

As batidas do pnlso e do coragao sempre tiveram importancla em musica, eonstituindo seu ritmo urn pa­driio de referencia, 19uaJmente importante e 0 ritmo da respiragao, variavel conforme 0 estado emocionaJ do in­dividuo , Em nurnerosas passagens musicais 0 ritmo da respiragiio serviu, vimvelmente, de fonte. Na Fla.nta Migica de Mozart hIi urn exemplo no comego da aria de Tamino que descreve a Eurpresa do personagem ao ver o retrato de Pamina,

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Gestos interiores

Aqui a variedade e realmente imensa e as grada­~oes varism ao infinito. Habitualmente nao realizamos nsicamente os nossos gestos interiores; a civilizagao blo­queia a Sua expansao corporal; muitos desses gestos, por outro lado, nem conseguiriamos traduzir flSicamente, No bailado a transposigao dos gestos interiores ao plano fie sico e urna preocupagao essencial.

Todos esses gestos tern a sua ritmica pecuiiar. Lem­bramos os gestos de expansao, de retrag8.o, gestos arne­rosos de aproximag8.o, gestos agresgivos, de afirma~ao, de desalento e assim por diante. Mais uma vez a Fla.nta Magica apresenta urn exemplo na aria de Pamina que expressa 0 desalento total do personagem.

Rltmo da lingua

II; uma fonte de ritmo musical das mais importan­tes. Trataremos dela em capitulo . especial.

2, Fontes exter'iores.

Podemos dividir estas fontes em animadas e inani­madas. Alguns exemplos esclarecerao 0 a88unto. A pega Reflexos na agu,a (Images, 1.' cicio) de Debussy ilus­tra bern ritmos aquaticos, sobretudo por meio dos rit­mos de ascensao e descensao das linhas mel6dicas. A fa­mosa tempestade na Sinfonla n.· 6 de Beethoven e, em boa parte, inspirada na ritmica deste fen6meno natural. Em nosso seculo tornou-se importante 0 ritmo das rna­quinas. Exemplo: Pacific 231 de Honegger.

3, Ritmos artificiais

Designamos Msim as ritmos cujas fontes nao sao nem 0 homem, nem seres da natureza. Em todos os tem­pos tern ocorrido tais ritmos. No Barraco e tipico urn ritmo de rigidez quase mecanica que e, em muitos casos, puramente artificisl.

Os recursos eletr6uicos do seculo XX tern permitido levar 0 artificialismo ritmico a urn grau extrema. Posto que e possivel, na musica eletr6nica, qualquer fraciana­mento do tempo, bern como a superposigiio de quaisquer

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europeu fez Debussy exclamar, ao ouvir um ritmo ja­vanes que deriva do indiano; .Se escutamos, sem pre­conceito, 0 charme de sua percussao, somos obrigados a coustatar que a nossa nao passa de um ruldo barbaro de circo •.

Acrescentemos ainda que a musica indiana influen­ciou notavelmente certos compositores europeus, sobre­tudo franceses. Messiaen, por exemplo, aproveita mo­dos indianos em sua Sinfonis Turangalila (0 termo e in­diano e sisnifica: canto de amor). Em outras obras apro­veita ritmos indianos.

o ritmo na muslca do jazz

A music a de jazz, musica da popula~ao negra dOB Ea­tados Unidos, reune a.<lpectos conservadores e revolueio­narios. E conservadora no que se refere 11 melodia e 11 harmonia. As inovag5es harmonicas que se verificam ao longo de sua historia resultaram da influencia da mUsica erudita.

o jazz e revolucionario atraves de dois elementos estilistieos fundamentais: 0 estilo hot e 0 swing. En­quanto 0 primeiro termo diz respeito a um modo peculiar de expressao (inflex5es, glissandos, vibratos, sons fecha­dos etc.), swing e uma earateristica essencialmente rit­mica.

ImpossIvel de ser definido e, mesmo, de ser posta em notagao, a s\\'ng So pode ser descrito como um ba­lanceio peculiar. 0 ritmo do jazz possui uma quaUdade essencialmente corporea. 0 swing resulta nao somente da secgao ritmica do jazz-band, mas surge de uma ca­pacidade especial de cad a um dos mUsicos. Esta capaci­dade nao pode ser apreendida racionalmente.

o swing surgiu aos poucos, a partir da fase inieial do jazz (de Nova Orleans ). Urn de seus a.<lpeetos e a re­gularidade na marcagiio dos tempos (compasso quater­nario) e a acentuagiio dos segundos e quartos tempos na secqao ritmica. Nas melodias pode ser earateristieo 0 em­prego de sincopes quando as frases sao formada.<l por notas longas. Uma conveniente acentuagao e outro ele­mento importante.

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o swing resultou da fusiio lenta de elementos ritmi­cos europeus (quadratura ritmica) com elementos afri­eanos.

o balaneeio do swing inelta 11 danga. Apesar da re­gularidade, nao se observa no jazz nenhuma rigidez me­caniea. Diz Andre Hodelr: «para 0 musico de jazz ene­cessaria ehegar a uma difieil fusao: a do relaxamento com 0 rigor •.

E 0 swing que eria a atmosfera estimulante para a improvtsagiio coletiva. Esta improvisagao e, como na mu­sica indiana, nao somente 0 resultado de eontribuig5es in­dividuais mas sim a manifesta~iio de urn espirito comum. Este fenomeno faz contrastar notavelmente a pratica de musiea de jazz com 0 individualismo que se observa na pratica musical erudita. Este ocorre mesmo em obrag or­questrats, pois ai 0 regente imp5e a sua vontade expres­siva, cabendo aos musicos a fun~ii.o de executar, com a maxima. fidelidade possivel, esta vontade. A musica eru­dita ocidental perdeu, assim, gragas 11 sua crescente com­plexidade e ao seu individualismo, uma dimensao social importante. Mats recentemente a musica eletronica eli­minou ate 0 interprete.

Um dos aspectos essenciais do swing, formulado pelo musicologo Jan Slawe, e a forma~ao de conflito ritm1co: cEm particular, 0 swing postula regularidade na estru­tura~iio do tempo para, ao mesmo tempo, nega-Ia. A ea­sencia singular do swing e 0 conflito ritmico entre 0 rit­mo fundamental e 0 melOdico . . . »

Mas nao percamos de vista que 0 swing resultou da fusao de elementos ritmlcos europeug com elementos afri­canos. Nem a Europa, nem a Africa conhecem 0 swing.

o ritmo na musica europeia

Entendemos por mlisica europeia a que se criou pa­ralelamente 11 formagao da Europa. Como tal, seu co­mego deve rer situado no periodo romanico, portanto no final do primeiro milenio de nossa era. Examinaremos apenas, e muito sucintamente, aspectos ritm1cos gerais.

Durante 0 periodo romanico a musica erudita pos­sui uma ritmica muito simples, provavelmente proxima do canto gregoriano. Mais importante e a amplia~ao do ritmo no perlodo gotico.

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o ritrno no periodo gatico

Abrange este periodo 0 final do seculo XII, os se­culos XIII e XIV, que constituem 0 auge, e 0 seculo XV, transigao para a Renascen~a . Na fase inicial as music as eram compostas dentro de um sistema de modos ritmicos cuja rigidez e angularidade conferem um carater rude e tosco, mas ao mesmo tempo viril, as obras de urn Leoni­nus ou de urn Perotinus. No final do seculo XIII surge urna rea~ao contra as formulas ritmicas estereotipadas, criando-se, simultaneamente, urn sistema de nota~ao ade­quado a uma liberdade muito mais ampla. Este sistema e, basicamente, 0 mesmo que 0 usado em nossas dias.

Como nao podia deixar de ser, a nova liberdade rit­mica fez nascer, no come~o do seculo XIV, urn sistema de organiza~ao, muito racional, denominado isorritmia. Em resumo e 0 seguinte: numa pe~a polifonica, digamos urn moteto a tres partes, uma ou mais vozes sao cons­truidas mediante a repeti~ao de urna autentica serie rit­mica, isto e, de uma seqUencia de valores de dura~ao quer de sons, quer de silencios. Tais esquemas, denominados taleas, comportavam, nas repeti~6es, a mais ampla liber­dade na esculha dos sons; 0 que permanecia fixo era ape­nas 0 esquema ritmico. Como, em geral, nem tooas as vozes eram construidas mediante taleas, havia ainda muita liberdade ritmiea nas outras. Encontramos a isor­ritmia em obras de Guillaume de Machaut, Filipe de Vi­try, na Fran~a, Landino e outros na Italia.

A nova liberdade ritmiea, apesar de constrangida em parte pela isorritmia, permitia aos compositores cons­truir as suas linhas melOdicas com mais sutileza e maior expressividade. A fantasia, e com isto a subjetividade, molda tais obras a semelhan~a do que acontece no estilo flamboyant em Arquitetura.

A analise de uma partitura do seculo XIV - pensa­m08 aqui em formas altamente cultas como 0 moteto _ mostraria urn aspeto curioso: notas isoladas curtas ou pequenos grupos de notas entre pausas, clintadas por uma voz em alternancia com outra, intervindo esta nas pau­sas daquela. Sao fragmentos melodicos repartidos entre duas vozes. 0 nome hoquet (solu~o) e carateristico.

Do carater fragmentario das linhas melodicas, mor­mente da mais grave, resulta urn que de «antigravidade»

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nas mUSlcas goticas. Se compararmos essas obras com as do periodo anterior, ou com as da Renascen~a, sentl­remos imediatamente esta quaJidade. Vemos. nisto a ex­pressao de algo que encontramos tamMm na Arquitetura. Tanto a musica como as catedrais goticas criam «urn es­pa~o que transcende 0 mundo» no dizer de Jantzen (Ar­te do Gatico).

Alem dis to, 0 ritmo musical da fase que estamos focalizando possui uma angularidade, e com isto urna du­reza viril, sumamente carateristica. Na Fran~a este ca­rater e mais acentuado do que na !talia. Enquanto 0 rit­mo da musica renascentista nos da a sensa~ao de urn fluir mais ou menos tranqUilo, 0 ritmo geral da musica gotica nos da a sensa~iio de algo irregular, quebrado, contorci­do, carregado de tensao. Embora 0 elemento racional te­nha encontrado forte aplica~ao, predominam, no entanto, os aspectos anteriormente citados.

o ritmo na Renascen.;a

Durante 0 seculo XV processa-se a transi~iio da mu­sica gatica para a renascentista. Das muitas transfor­ma~6es, as do ritmo figuram entre as mais importantes.

No apogeu da musica renascentista (final do sec. XV e sec. XVI) 0 ritmo geral e comparavel ao fluir mals ou menos tranqUilo, continuo, de urn rio. Domina agora a divisiio dos tempos em duas ou quatro partes iguais. Da afirma~iio regular de cada tempo e de sua subdivisiio em urn numero par de partes, resulta esse fluir tranqUilo. Mas nem por isto esta musica possui a rigidez racional, mecanica, da musica da ultima fase do Barroco. Na Re­nascen~a, a racionalidade ritmica e amenizada por sutis inflex6es, pequenas assimetrias e outros recursos que dao uma certa flexibilidade ao ritmo geral.

o ritmo na Ultima fase do Barraco

Devido it complexidade da primeira fase do Barraco - que se estende de 1580 a 1630, na Italia - examinaremos apenas a terceira que vai de 1680 a 1730. 0 que chama a aten~ao de qualquer ouvinte de obras de urn Vivaldi, de urn Handel ou de um Bach, e a regularidade matema­tica, quase mecanica, do ritmo gera!. Acentuamos que

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estamos encarando 0 ritmo gera!. .E muito com urn est en­derem-se, por cima de uma ritmica mecanica, arcos me-16dicos ntmicamente complexos.

o ritmo do Barroco e pesado. A onipresen~a do bai­xo continuo e, em boa parte, responsavel por isto. Cre­mos nao ser exagero afirmar que a racionalidade ritmica atingiu, nesta terceira fase do Barroco, seu ponto culmi­nante. E isto e muito sintomatico.

o ritmo no periodo Rococ6-Classlico

Damos a este periodo a denomina~ao acima tendo em vista que 0 classicismo se originou dentro das ten­dencias estilisticas do Rococ6; a1em do mais, a obra dos classicos - Haydn, Mozart, e, em parte, Beethoven es­tio impregnados de elementos rococ6s. Eete periodo ini­ciou-se mais ou menos por volta de 1730, se e que tern cabimento indicar uma data de come~o para urn movi­menta que se originou por transforma~io organica do Barraco.

No campo do ritmo 0 Rococ6 substituiu 0 ritmo pe­sado, matematico e uniforme (em cada movimento) da fase anterior por outro mals leve, mais variado, gracio­so e dan~arino. Desaparece a baixo continuo. Em seu lugar, instrumentos de tessitura media assumem a fun~ao ritmica (ritmo basico). Nao obstante, a regularidade con­tinua, embora dentro de uma variedade mais acentuada. Ha uma racionalidade ritmica igual a do Barroco. Even­tuais irregularidades ritmicas, ocorrendo aqui e acola, tern mais a sentido de urn «condimento», destinado a desta­car a regularidade.

o ritmo no Romantismo

o Romantismo sobrep5e uma nova qualidade a ra­cionalidade ritmica: a plasticidade. Esta se realiza quer atraves de sutis inflex5es no andamento (rubatos ), quer atraves da propria constru~ao ritmico-meI6dica. A obra de Chopin, para citar urn exemplo, e particularmente ilustrativa. Enquanto a mao esquerda garante a regu­laridade ritmica (que nao exclui eventuais rubatos) , a mao direita executa ritmos em que sao muito freqiientes as quiilteras, as sincopes e outros recursos que confe-

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rem a esses ritmos uma qualidade que denominamos plas­tica. Com isto verifica~se urn aurnento do espectro de ritmos empregados.

Em obras para conjuntoe instrumentais instala-se a tendencia de superpor ritmos plastlcos. Com isto 0 ritmo global acaba se tornando difuso, as vezes tao difuso que se pode dizer que a ritmo - sempre considerado global­mente - se perde. Apesar de ter side composto no co­m~o deste seculo, 0 Qu,u1eto, op. 7, de Schoenberg e urn exemplo do que afirmamos. E a partir deste feno­meno que poderemos entender melhor a revalori~io ou, talvez com mais propriedade, a revitaliza~io do rit­rna em nosso seculo.

A plasticidade do ritmo explica-se: e preocupa~ao dos compositores romiinticos - e p6s-romanticos - des­crever estados emocionais (lembramos, por exemplo, ce­nas infantis) ou acontecimentos exteriores (poema sin­fonico Till EulensplegeJ de Richard Strauss). Par esta raziio os ritmos tornam-se fatalmente mais plasticos. Isto, alias, aconteceu tambem na fase inicial do Barraco: a mUsica, tendo que se subordinar a palavra, adquiriu urn carater muito mais plastico do que na epoca anterior.

Tambem no Impressionismo 0 ritmo se dilui. Dada a preocupa~io descritiva ou a inten~io de criar atmosfe­ras, 0 ritmo global for~osamente tinha que se dUuir. Em lugar de uma ritmlca vigorosa, persistente, urn ritmo ex­tremamente plastico ou entia uma ritmica que se des­faz em mil e urn flocos.

o ritmo no sOOuIo XX

A partir das considera~5es anteriores compreende­remos bern a significa~io que teve a estreia da «Sagra­~ da Primavera» de Igor Strawinsky, em 1913 (Paris). A ritmica vigorosa, elementar, as vezes barbara, causou impacto. Depois da dilui~io do ritmo no Romantismo, os ritmos marcados, incisivos e insistentes, com os seus des­locamentos de acento, da famosa partitura.

Uma das facetas importantes da musica do seculo XX e precisamente esta redescoberta do ritmo como ele­mento vital. Ritmos primitivos sao trazidos para a mu­sica erudita. Comp5em-se obras para conjuntos de per-

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cussao somente. Outras campasitares camprazem-se em compliear .as ritmos au invent am toda uma estetica nava em torno da ritmo (Messiaen). Enfim, a ritmo adquiriu no seeulo XX urna importancia fundamental .

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m - MDSICA E LINGUA

A lingua, como fenomeno sonoro, possui ritmo. Este ritmo individualiza as diferentes linguas. E niio so iSto: o ritmo deaempenha um papel expressivo de suma im­portancia. 0 que vimos no capitulo anterior permite di­zer que a ritmo e urna linguagem. Partindo deste fato podemos afirmar que 0 ritmo e uma linguagem que se insere numa lingua de urn modo esseneial mas com certa independ€mcla. Uma ordem, por exemplo, pode ser dada com as maia diversos ritmos. A muda.n~a ritmiea podera mudar, inclusive, 0 sentido inteleetual da ordem. Assim a ordem doao, sai daqut., dada com um ritmo marcial, sig­nifiea que a ordem e para ser cumprida e traz necessa­riamente a tona implica~Oes de san~oes, etc. A mesma or­dem, no cntanto, dada em tom de mae brasileira, tera sentido diverso. Significara que seria conveniente 0 J oao sair mas que, caso nao sair, nada aeontecera. E, alem disto. transparece toda urna carga de amor maternal atra­ves desse elemento tao vital que e 0 ritmo. Esta certo que a melodia embrionaria tambem desempenha um papel expressivo; 0 ritmo, no entanto, e fundamental, com­portando, na lingua falada, uma variabilidade muito maior.

Ha outra faeeta a considerar no aspecto ritmico de uma lingua. Cada lingua possui uma ritmiea propria, uma ritmiea gersl, ineonfundivel, mas que nao e prati­cada p~r ninguem. Jl: uma abatra~ao. Na verdade, cada individuo sobrep5e a eata ritmica geral a sua propria, eondieionada, por sua vez, pelo estada emocional e pelas inten~Oes expressivas. E, alem disso, existem as ritmicas regionais.

o predominio do fator intensidade na forma~ao do ritmo de nossa lingua nao deve fazer com que se perea de vista a importancia do fatar dura~ao.

De fata, 0 modo de alongar as siJabas tonicas, ora mais, ora menos, tem valor expressivo muito grande. Para se ter uma ideia, basta canfrontar a palavra «easa., pronunciada em portugues,e a mesma palavra pronun­clada em espanhol. As duas pronuncias denuneiam qua­Iidades emoeionais bem distintas. Nos dois casas 0 acen-

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to cai na mesma silaba. As diferen,as ritmicas resultam de diferen,as de dura,ao. Outro exemplo: «intensidad» em espanhol e «intensidade» em portugues. Tendo em conta que a raiz e a mesma, revelam-se ai dais tempera­mentos bern distintos. Ha uma certa moleza nessa ten­dencia de alongar 0 ultimo «a».

Dom Paolo Ferreti OSE (Esthetique Gregorienne), citando Varrilo, contemporfmeo de Cicero, comenta que, em latim c1assico, a silaba tonica era curta, decorrendo a brevidade de uma tensilo maior. Ao acento grave (que­da da voz) corresponde, nesta lingua, urn alongamento. Era esta, pelo menos, a tendencia geral. Ha via ainda as casas de silabas acentuadas longas em que a voz exer­cia lima inflexilo sonora (ascendente-descendente).

Em portugues a silaba tonica parece concentrar toda a carga emocional. Isto resulta da acentua,ilo, de urn certo aumento de altura e, principalmente, de uma maior dura,ilo. Supomos tratar-se de palavras nilo de­masiadamente compridas. Nas palavras oxitonas vale 0

mesmo, salvo nos casas em que a palavra termina em vagal. Tomemos, por exemplo, a palavra «angelico». Da primeira para a segunda silaba a intensidade cresce no­tavelmente; da segunda para a terceira ha uma queda, seguida de outra da terceira para a quarta. Por outro lado, a dura,ilo da segunda silaba e muito maior do que a das outras. Esta maior dura,ilo, acompanhada de maior intensidade, faz com que a segunda silaba pare,a absor­ver toda a carga emocional.

Outro exemplo: pronuncie-se a palavra «belicoso» em espanhol, em portugues e assim como 0 faria um ale­milo pouco conhecedor de nossa lingua. Rste confronto confirmara 0 que dissemos acima.

o tipico smorzando de que fala Fernando Lopes Gra­<;a (Paginas EscolhidllS de Critica e Estetica .Musical, Lisboa), referindo-se aos finais das palavras em portu­gues, deve ser visto de urn angulo diferente. Sem preten­der negar a sua presen,a tipica, achamos melhor dar en­fase it grande concentra,ilo de carga emocional (0 pro­blema e ritmico) na ailaba tonica e certa tendencia it permanencia sobre tal silaba, com queda de intensidade. Conforme a palavra, resulta de tudo isto uma certa mo­leza, ou uma especie de caricia (titia, que beleza, etc.) do

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objeto designado, ou urna carga explosiva concentrada. No norte do Brasil e em Portugal essa tendencia e ainda mais marcada do que no suI.

Esse fenomeno ainda se acentua nas silabas tonicas que constituem finais de segmentos de versos. Tais si­labas dilo a impressiio de serem verdadeiros pontos de acurnula,ilo ritmica e, por isso, de carga emocional. Pa­rece que esvaziam as silabas atonas, e mesmo as tonicas secundarias vizinhas, de sua carga. Transcrevemos, a seguir, urn poema de Fernando Pessoa que sera exam i­nado sob outros aspectos ainda.

Nilo sei se e sonho, se realidade, Se uma mistura de sonho e vida, Aquela terra de suavidade Que na i1ha extrema do suI se olvida. E a que an.iamos. Ali, ali A vida e jovem e 0 amor sorri.

Talvez palmares inexistentes Aleas longinquas sem poder ser, Sombra ou sossego deem aos crentes De que essa terra se pode ter. Felizes, nos? Ah, talvez, talvez, Naquela terra, daquela vez.

Mas ja sonhada se desvirtua, SO de pensa-Ia cansou pensar, Sob os palmares, it luz da lua, Sente-5e 0 frio de haver luar. Ah, nessa terra tamoom, tam bern o mal nilo cessa, nao dura 0 bern.

Nilo e com i1has do fim do mundo, Nem com palmares de sonho ou nilo, Que cura a alma seu mal profundo, Que 0 bern nos entra no cora,ilo. Ii: em nos que e tudo. E' ali, ali, Que a vida e jovem e 0 arnor Borri.

No primeiro verso, as tonicas das palavras sooho e reaJidade desempenham 0 papel acima descrito. Por sua

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duragao, seu acento e elevagao de altura elas constituem verdadeiros pontos de acumulagao do verso, as expel18as das demais Eilabas que passam a ter andamento mals ra­pido e diminuta carga sonora.

Preocupar-se, apenas, em ajustar as silabas tonicas aos chamados tempos fortes do compasso ou jogar, even­tualmente, com E,incopes, gera 0 perigo de tornar 0 canto demasiadamente «quadrado., de dota-Io de 'uma raciona­Jidade que nao corresponde ao ritmo da lingua falada. 0 ritmo de urna melodla ajustada ao ritmo da lingua por­tuguesa sera mais plastico.

Esta claro que hoi !imitagoes impostas a esta plas­ticidade. Estas decorrem da exigencia de simplicidade em musica, a ser cantada pelo povo. No caEO da musica erudita decorrem da insuficiencia ritmica da malo ria dos cantores. J!: que as nossas escolas de canto cuidam muito pouco do ritmo. AMm dis to, 0 tradicional racionalismo da musica europeia empobreceu tremendamente 0 ele­mento mais vital da musica: 0 ritmo. A musica oriental e, nesse sentido, infinitamente Superior a nossa. A plas­ticidade de seu ritmo tern uma expressividade que nos escapa. 0 mesmo sucede, alias, com 0 canto gregoriano, cujo estudo deveria ser obrigatorio em todas as escolas de canto. Assim consegulriamos, talvez, terminar com essa mania unilateral das grandes vozes, das vozes que se projetam mundo a fora, das vozes em que muitas vi!­zes nao se entende 0 que dizem e cujo ritmo e ou «qua­drado., inexpressivo, ou arbitrario e afetado. De noseo subdesenvolvimento decorre ainda que as Iinguas ita­liana, francesa ou alema sejam mais importantes no es­tudo do canto do que 0 portugues. A supremacia dos can­tores populares no que se refere a dicgao e A expres.si­vidade do rltmo provem do fato de sentirem melhor a nossa lingua.

Existem ainda outros fatores que geram ritmo. Tan­to em musica como na lingua falada _ na primelra mui­tissimo mal. do que na segunda _ 0 ritmo das ondula­goes melodicas e extremamente importante. Seria inutil pretender c1assificar a infinita varledade de esquemas titmicos passiveis nestas ondulagoes. Uma colsa e certa: a enorme importancia expressiva das curvas mel6dicas consideradas do ponto de vista titmico. E inegavel que

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a natureza dos intervaws - tambem na lingua falada _ desempenha urn papel relevante. MaG nao se pode exa­gera-lo. Sobretudo nao se deve usar a considera~ao dos intervalos melodicos em detrimento do ritmo das ondu­la~oes cuja importancia habitualmente nao merece -0 de­vido destaque. As vezes urn compositor exclama : «ja te­nho a melodia, so me faltam as notas». Em outras pa­lavras: «so me falta a sucessao dos intervalos •. 0 que esta realmente presente na imagina~ao e 0 esquema das ondula~6es mel6dicas e, com isto, de seu ritmo.

o ritmo das ondula~6es melodicas - insistimos: tan­to em musica como na lingua falada - carateriza urn povo, pode ser tipico de urna cultura ou de urn individuo. Mencionamos apenas de passagem as curvas bpicamente barrocas das !inhas melodicas de Bach, 0 carater retilineo de melodias folcloricas nossas (uso freqiiente de notas rebatidas) .

N a poesia acima transcrita, em todas as estrofes os quatro pr.imeiros versos sao de carater meditativo e os dois ultimos expressam urn movimento emocional inten­so. Fatalmente em cada estrofe a linha mel6dica deve ter uma dire~ao ascendente nos dois ultimos versos e isto de um modo muito acentuado. Alem disto, do pri­meiro verso ao segundo, na primeira estrofe, ha uma queda, pois se trata apenas da repeti~ao de uma duvida expressa no primeiro. No terceiro verso, nova ascensao seguida de uma queda no quarto que servira para real" gar a ascensao nos dois ultimos versos. Fora disso, ha­vera, naturalmente, uma ondula~ao mel6dica propria de cada verso.

Ha certas constancias no toe ante as curvas melodi­cas. Joaquim Ribeiro conceitua tonema dizendo que e a inflexao final de urn grupo fonico (Estetica da Lingua Portuguesa). Em frases de caratei' enunciativo, interro­gativo, exclamativo. etc., as cadencias finais Sao tipicas. o mesmo autor cita cinco tip os de cadehcia nas Iinguas neolatinas :

cadencia ... ... .. ... descida final de cerca de 8 semitons

anticadencia . . ..... . subida final de cerca de 5 se-mitons

semicadencia ... . ... pequena descida de cerca de 4 semitons

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semi-anticadencia ... pequena subida de cctca de 3 semitons

suspensao ... . ...... (j grupo fonico termil1a sem ascend en cia e sem descida de voz.

Fsses tonemas podem ser verificad"s experimental­mente. A noseo ver os intervalos citados s[o aproxima­!;Oes, pois a entona!;ao na lingua falada carece de preci­silo. Em todo caso e utH ter preeente, na composi~ao, a fun~ao de tais tonemas a fim de evitar que a linha mel6-dica contrarie 0 sentido da frase.

De um modo geral, e preciso nao perder de vista que o problema aqui niio e solnente 0 de dar enfase a deter­minado segmento ou verso por meio da ascensao mel6-dica. Aqui esta, sobretudo, em jogo, 0 ritmo das ondu­la!;Oes meI6di'cas. E 0 ritmo e uma 1inguagem. Nao existe a menor possibilidade de fixar regras neste sentido; tudo depende de uma sensibilidade ritmica refinada.

N a lingua falada nao ha, pro[lriamente, melodia, mas sim 0 que podemos chamar de rnelodia embrionaria. Disto .if>. tinham consciencia · os retOricos romanos que, inclu­sive, constataram que, ao calor da orat6ria, os interva-108 podiam se transformar em verdadeiros intervalos mu­sicais.

Cada lingua tem a sua propria estrutura mel6dico­embrionaria. Ja existe nela, portanto, 0 germe de uma mUsica que expressa a alma do povo. E sintomatico que na antigUidade poesia e musica eram inseparaveis. Hoje em dia, em noeso meio, as compositores populares tem uma vantagem sollre os eruditos: possuem mais Jiberda­de para serem espontaneos. Embora mais restritos quan­to aos recursos, quanto ao ambito de vivencias expres­sas, suas melodias, muitas vezes, nascem diretamente do ritmo e do conteudo dos versos. 0 compositor erudito tem demasiadamente melodias italianas, francesas ou ale­mils no ouvido.

v~ de andamento

Tanto na musica como na lingua falada as varia~oes de andamento desempenham um papel importante. Cre­mos, inclusive, que tambem a poesia escrita apresenta

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varia~oes de andamento, autenticos rubatos. Nao no pa­pel, esta claro, mag a leitura, mesmo silenciosa. Prova­vel mente 0 poeta conta com estes rubatos. Um exemplo :

Respiro teu nome Que brisa tao pura Subito circula No meu cora~ao!

(Cecilia Meireles)

Ha urn acelerando no terceiro verso, motivado pelo des­locamehto do acento a primeira silaba e, tamMm, pelo sentido das palavras.

Ao compor a musica par.a determinada poesia exis­tern duas possibilidades de obter 0 efeito de urna varia~ao de andamento: a indica~ao de acelerando ou raJIentando ou, 0 que e mais freqiiente, a subdivisao (ou aumenta~ao) dos valores das notas. Se tivermos em mente que no canto gregoriano a presen~a do «tempo primario», indi­visivel, confere as melodias aquela serenidade tao cara· teristica, compreende-se bern, por confronto, 0 significa­do das subdivisoes ou aurnentagoes dos valores em rela­gao a constancia da unidade de tempo.

Essas pequenas e grandes modificagoes de andamento dao ao ritmo poetico urna qualidade pJ{,stica. E super­fluo frisar que esta plasticidade e fungao da lingua. A musica deve adaptar-se a ela. Em hinos, e mesmo cangoes eruditas, encontram-se freqiientemente estruturas ritmi­cas que contrariam 0 ritmo da lingua. Acontece que em tais casos os ritmos musicais sao, muitas vezes, tipica­mente nossos. 0 desajuste, no entanto, persiste, as ve­zes, com tal persistencia que acabamos aceitando-o como carateristico. Citamos apenas urn exemplo: silaba tonica em colcheia seguida de silaba atona em sincope de semi­ruma. E' urn desajuste bastante consagrado. A tendencia de nossa lingua, porem, e no sentido de urn discreto ace­lerando no fim das palavras ou seja, depois da tonica.

E' 6bvio que a plasticidade do ritmo depende tam­bern do poeta, podendo inclusive, ser variavel de poesia para poesia. Os seguintes versos do poeta gaucho Jose Paulo Bisol constituem outro exemplo de acelerando in­tencional:

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Se estou con tigo estas comigo mas nunca estas, se nao consigo estar contigo, comigo, Me amaras?

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o pr6prio poeta refor~ou este acelerando, que se impoe mesmo a leitura silenciosa, dando ao penultimo verso apenas duas silabas e jQgando com interessante efeito de assonancia. 0 ultimo verso implica urn pequeno ritar­dando com 0 efeito de repouso.

Ao compor a musica para um texto em portugues, o compositor deve ter em mente todos os fatores expos­tos. Preocupar-se apenas com a correta pros6dia (do grego: prOs - relativo a; ode - canto; corresponde a acen­to, do latim: ad + cantus), e esquecer que 0 ritmo poe­tico e uma linguagem complexa, as vezes mais impor­tante do que 0 conteudo racional das palavras.

Se 0 compositor proceder assim, nao havera 0 perigo de urn «paralelismo quase matematico .entre 0 ritmo e a acentua~ao musical, e 0 ritmo e a acentua~ao poetica», advertido por Fernando Lopes Gra~a em sua ja citada obra. 0 compositor deve sentir 0 ritmo que pulsa num poema em tOOas as suas sutilezas e, sobretudo, en tender a sua linguagem. Depois podera libertar-se da metrica rigida dos versos, real~ar certas palavras mediante me­lismas, intrOOuzir pausas expressivas, aplicar aqui uma inflexao mel6dica, ali uma diminui~ao de valores, etc. Ha infinitos recursos e nenhuma regra que indique como emprega-los. Ha apenas um axioma a obedecer: en tender a linguagem do ritmo e 0 sentido da poesia.

Estamos longe ainda de esgotar todos os aspectos do ritmo da lingua. Poderiamos considerar, por exemplo, o ritmo dos pontos culminantes. Vejam-se os citados ver­sos de Fernando Pessoa. Em todas as estrofes os dois ultimos versos constituem pontos culminantes. Sua dis­tribui~ao e regular ao longo da poesia. Nao sao os uni­cos mas sao, sem duvida, os principais.

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o problema da rela~ao entre a music a e a lingua por­tuguesa ainda existe e e grave. Fernando Lopes Gra~a e categ6rico: «0 que de uma maneira geral se observa e 0

seguinte: ou urna total inobservancia dos principios mais elementares da pros6dia ou, entao, uma pros6dia rigida e pesada».

BIBLIOGllAFIA SUMARIA

GUstave Reese - l\Iusic in the Renaissance - W. W. Norton & Co. Inc. - New York - 195H.

Trata-se de uma obra. volumosa, de carater hisloriognifico, com c ita~6es minuciosas da~ fonles. Nao e obra para Il' igos mas sim para as que se dedicam a pesquisa de music.a renascentisla.

Manfred F. Bukofzer - Music in the Baroque Era - W. W. Norton & Co. Inc .. - New York - 1947.

Tern 0 mesma carater da anterior, embora mais acessivcl a leitura de quem descja apenas urn panorama geral da mOsica bar­roea. 0 r enomado music61ogo coloea muHo bern 0 problema da multiplicidade de estilos que se instalou no Barraco.

Edgar Willems - Lc Rhythme musical - Presses Un iversitaires - Paris, 1954.

Esta obr.a e de leitura obrigat6ria para todos quantos desejam aprofundar as seus conhecimentos s(Jbre materia tao complexa como e 0 ritmo. As vezes urn pouco confusa, demasiadamente pro· lixa aqui e aeola, nem por isso deixa de ser valiosa. no que Be

refere aos conceit os, a. divisa.o da materia, a discussao de trabalhos anteriores e outros aspectos.

Jost Trier - Der Rhythmus - revista Studium Generale, 1949 - Alem.anha. D. Paolo Ferreti OSB - Es.thctique Gregorienne.

Das Atlantisbuch der Muslk - Atlantisverlag ZUrich - 1953. o volume, de cerca d e mil paginas, contem trabalhos de reno­

mados music61ogos, professures e interpretes, sabre ()S mais di­VE-rsos lemas musicais . E' recomend6.vel para aqueles que desejam ler uma visao geral sabre os difcrenles aspectos da mUsica.

Domingos Carvalho da Silva - Introdu!;ao ao Estudo do Rilmu da Poesi.a Modernista - ed. Revista BrasUeira de Poesia - S. Pau_ lo, 1950.

M. Cavalcanti Proen~a - Ritmo e Poesia - ed. «Drganiza<;ao Simoes» - R io, 1955.

Joaquim Ribeiro - Estetica da Lingua Por!tugucsa - J. Ozon Editor - Rio, 1964.

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Fernando Lopes Gra~a - Pliginas Escolhida'J de CritiC8 e Es­tetica Musical - Lisboa - sid.

Hans Renner - Geschichte der Muslk - Deutsche Verlags _ Anstalt GmbH Stuttgart - 1965.

E' urna obra recente, a1entada, que focaliza a materia segundo pontoa de vista decorrentes das modernas pesquisas music-016gicas.

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IV - A MELODIA

A pala vra vem do grego mel-odia que, par sua vez, deriva de melos e ode; a ultima significa canto enquanto melos e relativo it sucessao mel6dic,. de sons, indepen­dente do ritmO. Destas duas palavras derivam numero­sas outras, algumas d~ uso constante. Assim a palavra melodrama correspondia, originalmente, a drama posto em musica; posterionnente passou a designar drama com texto falado sobre fundo musical. Urn exemplo, nesse sen­tido, e a cena do cil.rcere na opera Fidelio de Beethov:.n. J A pala vra melopeia designava, entre os gregos, principII)s de composi~ao melodica. Hoje ela refereese a urn canto mais proximo da declama~ao. Empregaremos freqUente· mente a palavra monadia que significa, literalmente, um canto so. Por exemplo, 0 canto gregoriano e monodico, pais hil uma so linha melodica, sem qualquer acompanha­menta.

De urn ponto de vista teorico podemos definir linha melodica como sendo aquikl que resulta de uma sucessao de sons isolados, desde que os intervalos entre os sons sucessivos nao sejam grandes demais e ainda: desde que nao haja silencios demasiadamente extensos entre sons consecutivos. Em ambas as ressalvas perder-se-ia a con­tinuidade melodi<;!!.;!

Uma linha melOdica e mais do que uma simples su­cessao de sons musicais. Por esta razao falamos acima «naquilo que resulta ... » De fato, entre dois sons conse­cutivos surge aquilo que se chama intervalo melodico (de quinta justa, de segunda maior, etc.). Habitualmente de­fir.e-se intervalo mel6dico como sendo a distancia entre dois sons musicais. Isto estil certo mas nao esgota 0 con­ceito de intervalo. Preferimos dizer que intervalo mel6-dico e uma rela~ao entre dois sons consecutivos carateri­zada pela distancia entre estes dais sons, por uma certa tensao (a selima maior tern maior tensao do que a se­gunda maior), por uma certa «luminosidade» (a terceira maior e mais clara do que a terce ira menor), e por outros fatures. imponderil veis. A pala vra intervalo designa, par­tanto, algo complexo. E mais ainda: as qualidades de de­tenninado intervalo mel6dico ficarn afetadas pelos intet-

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valos que a antecedem e 0 seguem. Importante aqUl e 0 contexto. Em outros term os : cada elemento adquire a sua significa~ao nao isoladamente mas sim como parte de um todo. Estas breves considera~oes ja permitem com­preender porque uma linha mel6dica e mais do que uma simples sucessao de sons isolados. Uma das fraquezas da teo ria dos afetos do Barroco foi justamente esta: nao ter levado em conta 0 problema do contexto. Atribuiam a certos intervalos qualidades emocionais alegres, a outros tristeza ou qualidades heroicas, etc. Tais afirmativas sao verdadeiras quando se consideram os intervalos isolada­mente. Conforme 0 contexto, no en tanto, um intervalo, alegre em si, pode contribuir para formar uma meludia triste. Exemplos nao faltam.

Muito carateristico das linhas melodica:s e seu cara­ter ondulatorio. Este implica um crescimento ou decres_ clmento de tensoes, condicionadas, novamente, pelo con­texto. Alem disto, como ja vim os, estas ondula~oes pos­suem ritmo.

E facil perceber, nesta altura, que toda linha melodica possui uma estrutura complexa. Esta complexidade ex­plica a riqueza quase ilimitada de linhas melodicas distin­tas que se criaram ao longo dos seculos e que esta longe de ser esgotada. E impressionante este fato em vista do numero muito limitado de notas distintas usadas na mu­sica ocidental.

Melodia

Nem toda linha melodica e uma melodia. Seria inutil procurar uma defini~ao de melodia. Podemos, no maximo, apontar uma carateristica decisiva: a cantabilidade, ou seja, aquela qualidade que permite dizer que eu posso ou poderia can tar tal ou qual linha mel6dica. Com isto 0

conceito de linha melodica mostra-se mais amplo, sendo 0

de melodia urn caso particular. Nem sempre, por-em, ha uma fronteira nitida.

Alem dos aspectos estudados, ha ainda outros. Toda linha melodica de maior extensao apresenta sec~oes, ou seja, aquilo que em teoria 'Se chama frases, mem bros de frase, incisos, etc. A analogia corn a lingua e 6bvia. Nao entraremos, porem, em detalhes nesse terreno a fim de nao prejudicar 0 objetivo deste estudo. Encararemos, somente,

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o problema dos elementos de eonstru~ao, pois a sua per­cep~ao auditiva ajuda a eompreensao das obras musieais.

Elementos de constru~a.o melOdica

1) A livre improvisll';ao - Neste tipo de eonstru~ao mel6diea as linhas evoluem para 0 deseonheeido. E ' ver­dade que sao artieuladas em frases,etc., mas nao se cons­tat a a presen~a de um elemento (ou mais) de eonstru~ao, elemento esse que, por repeti~ao e varia~ao, gerasse a linha mel6diea. 0 canto gregoriano, sobretudo nos hin~s, usa largamente esse proeedimento. Tambem nas linhas. do periodo g6tico predomina a livre improvisagao. Linhas mel6dicas construidas desta maneira dao sempre a sen­sagao de estarem evoluindo para 0 deseonhecido; nunca sabemos bem on de eslamos. Ha uma mentalidade, que se expressa atraves de tais linhas, bern distinta da que se express a mediante processos de constru~ao racionais. como os que estudaremos a seguir.

2) A constru~ao mediante fignras - Este proeesso e o usual na Renascen~aj no Barroco, no Rococ6-Classicis~ mo, parcialmente no seeulo passado e no atual. A base e a no~ao de figura. Esta palavra designa urn fragmento rnelodico utilizado pelo compositor como elemento de cons­tru~ao melodica e que apresenta os seguintes carateres:

a) esta no comego do movimento melodieo; b) e empregado segundo um proeesso aditivo; c) nao exige outra figura como eomplemento; d) nao ha receita para identificar uma figura. E a

propria obra que revela seu ou seus elementos de construQao.

Uma figura, sendo elemento de constru~ao mel6diea, nao deve ser confundida com as celulas ritmieas. 0 termo elemento signifiea que 0 fragmento mel6dico em questao e, bal3icamente, indivisivel ao longo da obra . Pod era ser dividido teoricamente em muitos casos; importante, po­rem, e que nao apare~a dividido na obra examinada .A expressao «processo aditivo» signifiea que 0 elemento de constru~ao melodica (supomos tratar-se de um so) da ori­gem it obra mediante justaposi~ao e imitaQao. Justapo­"i~ao envolve as nogoes de repeti~ao e variagao, ambas fundamentais em musica.

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A repeti~iio literal de uma figura pode ser usada, mas seu emprego e limitado em virtude da monotonia que reo sultaria depois de se ouvir duas ou tres vezes a mesma figura. As progressOes ascendente e descendente _ muito freqiientemente no Barroco - constituem repeti~oes, as vezes com ligeiras altera~oes nos intervalos, que apre­sentam novidade pelo simples fato de serem realizada8 ascendente ou descendentemente. No primeiro caso ha um acrescimo de tensiio e no segundo um decrescimo. As imi. tagoes tambem se enquadram nas repeti~oes: sao repeti­~oes efetuadas por outras vozes. Mesmo que uma imitagiio seja literal, ha sempre 1;ma novidade decorrente de uma outra, tessitura ou de um novo timbre ou de ambos.

Psicologicamente repeti~iio implica permanencia. E mais ainda: numa pers,petiva do tempo a repeti~iio de um fras-mento melOdico significa um corte seguido de uma volta para tras. Neste sentido a repeti~iio literal, portan­to sem nenhum elemento novo, tem um carater estatico: contraria 0 fluxo do tempo.

A varia~iio, em essencia, e um tipo de repeti~iio com modlfica~oes mais ou menos profundas do modelo. Uma varia~iio e varia~iio na medida em que se possa reconhecer a sua procedencia, Os tipos de varia~iio abrangem uma vasta escala que vai desde modifica~oes minimas ate 0

limite da possibilidade de reconhecimento do modelo. Os diversos periodos da historia da musica ocidental empre­gam tipos de varia~ao carateristicos. N a escolha desses tipos manifesta-se a posi~ao estetica dos compositores, na verdade urna posi~ao face ao mundo.

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1) Quanto ao movimento melOdico

a) por movimento direto; b) por inversao - aqui os interval os ascendentes sao

sUbstituidos por correspondentes intervalos des­cendentes e vice-versa. Por razoes de permanencia dentro de urn modo ou tonalidade, podem ocorrer ligeiras modifica~oes na inversao. Assim, por exemplo, uma terceira maior ascendente podera ser substituida por urna terceira menor descen. dente. Se colocarmos, no papel, a Inversao debalxo do modelo, veremos que a primeira e a imagen:

num espelbo horizontal da segunda. Esta geome­triza~ao funciona tambcm aUditivamente.

c) por movimento retrogrado - aqui 0 modelo e exe­cutado de tras para frente. A justaposi~ao hori­zontal do modelo e da varia~ao mostraria que a segunda funciona como imagem num espelho ver­tical do primeiro. Temos ai, novamente, uma qua­Iidade matematica.

d) por inversao do movimento retrogrado _ resulta da aplicagao sucessiva dos dois casas precedentes.

No caso de se conservarem rigorosamente as intervalos nas aludidas varia~oes, estas sao ditas regulares; em caso contrario sao irregulares.

2) Quanto ao ritmo

a) por aumenta~ao aqui os valores das notas do modelo sao multiplicados por' algum fator cons­tante, digamos por dois, por tres, etc .. };:Ste tipo de variaGao e uma autentica «camara lenta»;

b) por diminui~ao - neste caso os valores de dura-~ao sao divididos por algum fator constante.

Esta claro que os tipos de varia,ao acima referidos podem ser combinados entre si. Assim, por exemplo, podemos construir uma varia,ao por movimento retrogrado e por aumenta~ao.

Do ponto de vista estetico e importante frisar que nestes tipos de varia~ao permanece a substancia musical do modelo. Sentimos tais varia,oes cpmo meras mudan,as de perspetiva «espaciai» ou temporal. Esta permanencia e urn aspecto essencial da musica renascentista ou do Barroco. 11: compreensivel que 0 significado de tudo isto seja muito diferente da livre improvisa,ao, predominante no gotico. Sao dois modos distintos de conceber 0 mundo.

Dissemos acima que a figura n"-o exige complemento. Em outras palavras: uma figura basta a si mesma. Isto nao quer dlzer que 0 compositor nao possa justapor duas figuras distintas; 0 importante e que uma nao exige ne­cessariamente a outra. Na obra de Bach, por exemplo, podemos encontrar freqlientemente determinada figura justaposta a varias. outras de obra para obra.

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POI' fim, nao ha receita para se reconhecer a ou a. figuras mediante as quais 0 autor construiu a sua obra, E a propria obra que revela os seus elementos de cons­tru~ao.

A figura e 0 elemento de constru~ao, diriamos uma especie de tijolo da constru~ao melodica. A partir dOE ele­mentos de construQao poderao ser formadas unidades maiores. Como ja dissemos, sairiamos do objetivo deste trabalho se entrassemos em pormenores demasiadamente tecnicos. Acrescentamos, apenas, que ha neste terreno urn estreito paralelismo com a constru~ao da poesia ou cla prosa. Todo esse assunto constitui 0 que se chama morfo\ogia musical.

3) A constrll~ao me.<iiante motivos - Como a figura, o motivo e urn fragmento melodico usado. pelo compositor como elemento de constru~ao. Difere, no entarto, da fi­gura em certos aspectos essenciais, quais sejam:

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a) 0 motivo nao da lugar a urn processo aditivo mas sim a urn processo evolutivo. Isto tornar-se-a rna is claro ao considerarmos 0 segundo aspecto;

b) 0 motivo exige outr~ que Ihe seja complemental' e contriuio,

Em conseqiiencia, estabelece'se uma tensiio entre os dois motivos e esta tensiio exige resolu­~iio. Em outros termos: 0 emprego de motivos da origem a urn processo dialetico. 0 primeiro moti­vo coloca a tese, 0 segundo a antitese; a sintese podera dar origem a nova tese e assim pOI' diante .

Basicamente foi Beethoven que iniciou 0 uso sistematico de motivos. Urn exemplo excelente por sua simplicidade e 0 primeiro movimento da 5' Sinfonia, As famosas quatro notas que formam 0

u primeiro motivQ possuem urn caniter mais rit­mica e harmonica. Sua audi~ao suscita em nos 0

desejo de ouvir urn motivo que lhe seja contrario, complementando-o. Beethoven aumenta tal dese­jo, protelando -0 aparecimento do segundo motivo e construindo, apenas com 0 primeiro, uma secgao em que as potencialidades do motivo inicial siio desenvolvidas. Quando aparece, finalmente, 0 se­gundo motivo dando origem a uma frase mel6dica - temos a nitida sensa~iio de que «e is to que ti-

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nha que vir». Mas a complementac;ao niio provoca a sensa~iio de equilibrio. Antes pelo contrario: surge uma tensiio de confronto entre elementos antagonicos e esta tensiio exige resoluc;ao. A con­tinua~ao da obra e 0 processo desencadeado pOl' esta tensao.

As coisas podem ser mais complex as. E pos­sivel formal' blocos estruturais mediante a oposi­~iio de motivos antagonicas. Os blocos, por sua vez, poderiio formar antagonismo.

A partir de Beethoven 0 moti vo passou a coexistir ao lado da figura que nunc a desapareceu. Nem sempre, porem, e facil fazer a distin~ao. Em qualquer caso: e a obra que decide a questao.

A ruptura da contiIlnidade melodies - Ate aqui tratamos de elementos de constru~iio mel6dica, ou seja, de Iinhas mel6dicas que podem ser ou nao verdadeiras melodias. Figura ' e motivo podem ser usadas tambem para cons­tru~5es de carateI' fragmentario nas quais a figura ou 0

motivo passam de instrumento a instrumento. Isto ja ocorre no Barroco. A despeito de tais situa~5es podemos dizer que nas epocas anteriores ao seculo XX, a conti­nuidade mel6dica era urn fato. Seja na Renascen~a ou no Barroco, no Rococ6-Classicismo ou no Romantismo: a Iinha mel6dica, mais extenso: ou menos, nao importa, tern urna presen~a essencial na muslea.

No seculo XX assistimos a uma verdadeira atomi­za~iio progressiva da Iinha melOdica.Este processo, que ja se inicia na obra de Schoenberg, atinge 0 .. itomo» da constru~iio mel6dica, ou seja, oosom e 0 intervalo isolados em Anton Webern, discipulo de Schoenberg. 0 pontilhismo inaugurado e sistematizado em constru~5es muito refina­das., com base no dodecafonismo, foi 0 ponto de partida de numerosos compositores de apos Segunda Guerra Mun­dial (Stockhausen, Boulez,etc.).

Fazer com que sons ou intervalos isolados possaro funcionar realmente como tais OU, em outros termos, fa­zer com que 0 nosso ouvido nao Jigue entre si os 'sons ou intervalos consecutivos, exige 0 emprego de sal<l;as muito grandes, de pausase de mudan<;as .de colorido ins­trumental.

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o importante, nestas considera~6es, e constatar 0 desaparecimento da continuidade melodica na musica eru­dita. A influencia estendeu-se tam bern a mlisica de jazz. Teriamos ai um ponto de partida para considera~6e.s es­teticas muito vastas a respeito do significado da linha mel6dica, bem como do sentido dessa atomiza~ao da qual falamos antes. Esta claro que 0 desaparecimento da con­tinuidade melodica acarretou 0 surgimento de novos prin­cipios de constru,ao musical.

A rnonodia

Ja virnos que esta palavra designa «um canto so». E 0 que sucede quando canta apenas uma pessoa, sem acompanhamento, ou quando um conjunto de pessoas can­tam a mesma melodia. Havendo urn intervalo de oitava entre as vozes (no caso de cantarem homens e mulheres), o canto continua sendo mon6dico, pois de forma alguma surge a impressao de linhas melodicas distintas.

N a antigiiidade classiea 0 canto era monodico. 0 ins­trumento usado para fazer 0 acompanhamento executava a mesma linha melodica. 0 cantochao (ou canto grego­riano), cantado ate os nossos dias na Igreja Catolica, e essencialmente mon6dico. Qualquer acompanhamento se. ria falso.

Na Idade Media 0 canto dos trovadores e troveiro5 (secs. XII e XIII) tambem era monodico.

Certos autores empregam a palavra monodia para designar musica homof6nica, ou seja, melodia acompa­nhada. Achamos melhor evitar tal duplicidade de signifi­ca~ao, reservando 0 termo para melodias isoladas.

Polifonia - Sendo a polifonia superposi~ao de linhas melodicas, seu estudo deveria ser feito neste capitulo. Da­da a extensao do assunto, porem, reservamos para esta materia urn capitulo especial.

Melodia acompanhada

A revolu~iio estilistica que assinala 0 come,o do Bar­roco trouxe consigo a melodia acompanhada. Nao so na opera, que nasce nessa epoca (final do sec. XVI), mas tambem em inumeras pe~as curtas (ex. ; Nuove Musiche de Caccini) observamos isto: 0 interesse melodico con-

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centra-se numa sO voz : 0 resto sao encadeamentos de acorde~, instrumentais au vocais, que sustentam a linha melodica. Estes acordes encadeados podem ter as mais diversas configura~6es ritmicas. Na epoca que estamos focalizando, a harmonia tern por base 0 famoso baixo con­tinuo. Tal tipo de escritura - essencialmente diferente da polif6nica - e chamada homofonica, embora 0 termo, eti­mologicamente, nao seja muito apropriado, pois significa soar igual e corresponderia melhar a monodia. Homofo­nia corresponde, portanto, a musica do tipo melodia acompanhada.

Entre os instrumentos usados para realizar a suces­sao de acordes domina , inicialmente, 0 alaude. Durante 0

seculo XVII, porem, imp6e-se gradativamente 0 cravo. 0 moderno piano-forte deslocaria 0 cravo somente a partir do ultimo quartel do seculo seguinte. Desde enta~ a lite­ratura de melodias para canto e piano tem-se multipli ca­do quase ao infinito, sob as mais diversas denomina,6es. As formas sao as mais diferentes. Mencionamo, apenas as palavras: lied, chanson, roman~a, can~ao, balada, etc.

Nos generos dramaticos, criados no Barroco, temos a opera, a oratorio e a cantata. Uma constante nestes ge­neros e a recitativo que e um canto pouco melodico, pro­ximo da declamac;ao. 0 acompanhamento pode estar a cargo do cravo (recitativo seeo) ou da orquestra (recita­tivo obbligato). Urn trecho mais melodioso do que 0 re­citativo, portanto mais carregado de expressao musical, recebia 0 nome de arioso. Aria c um termo que designa uma pe~a, fechada em si e inserida em qualquer urn dos generas dramaticos, na qual as possibilidades melodicas sao levadas ao extremo. E melodia acompanhada. As ve­zes a voz human a tern por companheira uma voz instru­mental (ou mais de uma), em pc de igualdade com a pri­meira. Voz humana e instrumento obbligato formam uma trama polifonica construida sobre urn fundamento harmo­nico cuja base e 0 baixo continuo. Nas cantatas de Bach encontramos inumeras arias deste tipo.

A aria come~Ol' a se distingu;" mtidamente do reci­tativo a partir da segunda fase do Barroco (1630-1680). Embora nao se possa citar com precisao a data de nas­cimento da aria, a separa~ao desta do recitativo aparece

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nitida, pel a primeira vez, na opera de Luigi Rossi, II Pa­Ja·zzo Incantato (1642), estreada em Roma. Dma vez rea­lizada a eeparaQao, 0 recitativo pas sou a ser a canto dra­matico por excelencia; a aria correspondia a uma parada na aQiio dramatica , a um momento de efu$iio !irica. Mu­sicalmente passou a Ser 0 ponto alto (deixando de lado os coros, conjuntoe vocais,etc.).

Ligado ao surgimento da aria, no comeQo da segun­da fase do Barroco, esta 0 advento da era do bel canto. o termo implica varios aspectos : pleno desenvolvimento das potencialidades da voz humana; reaQiio a anterior su­bordinaQao da musica ao texto; aparecimento do vedetis­mo, do canto como pretexto para 0 exibicionismo pessoal. Finalmente 0 termo bel canto implica 0 surgimento das grandes escolas de canto, assim como as conhecemos ain­da hoje.

o desenvolvimento da tecnica vocal implica, ou e condicionada por uma escritura idiomatica para VOz hu­mana. Fato semelhante observa-se, alias, tamMm em rela­Qiio aos instrumentos mais usados na epoca. Os da familia do violino estiio nesta situaQao.

Niio e que a compositor renascentista nao tenha sabido com pOl' para a voz humana. 0 fato e que a polifonia nao permitia a plena expansao da voz. Numa trama polifonica cada voz e constrangida pelas outras. Alem disto, 0 proprio carater comunitario dll mU.ica polifonica impossibilita, de inicio, qualquer veleidade de expansao individual desta au daquela voz. A melodia acompanhada que surge com 0 Bar­raco e afirmaQao do individuo. 0 perigo inerente a tal si­tuaQiio e obvio: tendencia para 0 puro exibicionismo, 0 virtuosismo oco.

Esquemas de estrutura mel6dica

Independente de ser 0 principio de constrUQao das linhas melodicas a livre improvisaQao, a figura ou 0 mo­tivo, toda linha mel6dica deve ser articulada em partes. Isto vale tanto para a monodia, para a musica polifoni­ca, como para a melodia acompanhada.

Os esquemas estruturais pod em ser divididos mui­to naturalmente em dois tipos fundamentais: os repeti­tivos e as nao repetitivos.

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Os primeiros sao tipicos das milsicas populares. Isio e compreensivel. Ha esquemas tradicionais antigos. Por exemplo: 0 rOllde,~11 dos troveiros tinba 0 esquema AB­-aAab - AB, onde A, a. correspondem a mesma melodia com textos diferentes; B, b, correspondem a outra melo­dia , provida de textos distintos. A balada tinha 0 esque­ma AAB.

Tais· esquemas acabaram entrando tamMm na musica polifOnica . Assim, pOl' exemplo, as baladas de Guillaume de Machaut, compositor do periodo g6tico que viveu na FranQa do seculo XIV, possuem uma complexa estrutura polifonica e seguem 0 esquema citado. Nao queremos afirmar que os esquemas repetitivos sejam somente ti­picos das musicas populares. A musica dos trovadores e t roveiros e erudita.

Outra razao que justifica esquemas repetitivos e a preocupaQiio com a simetria . 0 esquema ABA e sime­trico. Simetria implica equilibrio, fechamento. E este 0

esquema da famosa aria-da-capo que se universalizou na terceira fase do Barroco (1680-1730). Anteriormente 0

esquema favorito era AA'BB' ou ABB', embora ja ti­yessem ocorrido casos· de esquema ABA como, por exem­plo, na obra do compositor Luigi Rossi (1598-1653). Na aria-da.-capo havia um s6 afeto basico na primeira parte (A); a segunda diferia s6 ligeiramente da primeira; a terceira era a repetiQao da primeira. Dai 0 nome: ari.a­-da-capo_ Arias com este esquema podem ser encontra­das em grande abundancia nas operas da ultima fase de Alessandro Scarlatti (1660-1725), da escola napolitana, nas cantatas de J. S. Bach, nos orator ios de Hiindel, etc.

Fonnas estrMicas

N as canQiies dos trovadores e troveiros. os esquema5 repetitivos eram internos as est rofes, 0 que signif ica que eram repetidos de estrofe em estrofe. E xistem, por ou­tro lado, esquemas repetitivos reJ"t ivamente as. estrofes, podendo cada estrofe ter ou nao, internamente, urn es­quema repetitivo. Ocorrem tam bern casos como os se­guintes :

a) a musica e repetida literalmente de estrofe para estrofe. E 0 tipo da can~a.o estr6fica.

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b) A musica e repetida de estrofe para estrofe com variagiies. E 0 fj po da can~ao com v.ari~ao e8-

trOfica. Exemplos importantes encontramos nas pegas curtas em estilo recitativ~, frutos do es­pirito renovador da Camerata Fiorentinlt no mi­cio do Barraco. A colegao mais importante e a das Nuove Musiche de Caccini (1545 - Floren~a, 1618). As S'uas arie possuem a fanna da varia~ao es­tr6fica; 0 baixo continuo mantem-se igual, em regra, de urna estrofe para outra. As varia~iies dao-se na melodia. A variagao estrofica e urn procedimento caro tambem a Schubert (1797 -Viena, 1828).

c) A forma do rondo pode ser aplicada tam bern its estrofes. Esquem.as nao repetitivos - Ha grande quantidade de lieder e can~iies nas quais 0 autor adota 0 processo da composi~ao continua (em alemao: durchkomponiert). A musica, condicio­nada intimamente pelo texto, varia de estrofe para estrofe. Pode haver esquemas repetitivos internamente em cada estrofe. Tanto Schubert como outros compositores de lieder empregam freqUentemente este processo.

Nao esgotamos as possibilidades formais com 0 es­quema acima. Encontramos muitas vezes formas mistas ou formas nao citadas aqui como, por exemplo. ABA em alguns lieder de Schubert (ex.: IUignon). Apesar de 0

esquema ser 0 mesmo da aria-da-capo, tais lieder nao sao arias.

Esquemas nao repetitivos Sao encontrados em casas importantes de formas altamente cultas. Sua constru~ao exige nota vel quaJidade arquitetonica por parte do com­positor. Urn exemplo tipico sao as motetos dos seeulos XIII e XIV (periodo gotico). Na Renascen~a os esquemas dos motetos, obras polifilnicas compostas em grande pro­fusao e, as vezes, com grande extensp,o, nao obedecem a esquemas repetitivos a nao ser em raras exce~iies. As di­ferentes secgiies sao construidas a partir de temas dis­tintos, embora aparentados. E facil ver que os problemas plantados pela necessidade de unidade, de fiuencia, de logica interna, sao muito maiores do que nas formas repetitivas.

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o conceito de tema

Tratamos aqui, no capitulo da melodia, do impor­tante conceito de tema porque, ate 0 final do Barroco, 0 tema tinha urn carater eSS€llcialmente linear, portanto. mel6dico.

o exame dos diversos periodos da historia da mu­sica europeia obriga a dividi-Ios, <10 ponto de vista te­matico, em tres grupos. Nos periadcs romiinico e gotieo. o conceito de tema ainda nao existe. No gotico surgem elementos furmais que permitirao it Renase"nga elabo­rar aquilo que entendemos por tema.

o segundo grupo abrange a Renascenga e 0 Bar­roco. Nestes 0 tema tern urn carater essencialmente li­near, portanto melodico. Isto nao significa, porem, que tada e qualquer obra musical seja temiltica.

o terceiro grupo abrange os peModos: Rococo-Clas­sicismo, Romantismo, Pos-Romantismo e grande parte do seculo XX. Aqui a nogao de tema se torna mais complexa.

o conceito de tema na Renascen~ e no Barroco A fim de concretizar mals 0 estudo, tomaremos como ponto de enfoque os motetos renascentistas. Foram com­postos durante 08 seculos XV e XVI em quantidade mui­to grande e constitllem 0 ponto culminante na obra de diversos composltores tais como Joaquin des Pres, Or­lando di Lasso, etc. Os motetos renascentistas sao polis­seccionais, tendo cada secgiio um tema proprio, embora haja certo parentesco entre os temas freqUentemente.

o que siglnifica tema de uma secgao de urn moteto? Antes de mais nada: urn fragmento melodico de extensao variavel, formado por uma ou mais figuras, que nao possui necessitriamente urn carater fechado. Mas sO este aspecto nao esgota 0 conceito de tema. 0 decislvo e 0

que se entende por trabalho tematico. 0 fragmento alu­d ido so se torna tema na medida em que 0 compositor 0 uti­lize, inteiro ou atraves de suas figuras constituintes, na construgao da secgao. Utilizar urn fragmento mel6dico composto ou urna simples figura na construgiio de urna secgao envolve, bilsicamente, as nogiies de repetigao, va­riagao e imitagao.

Conforme ja vimos, a imitagao e urn caso particular de repetigao (com ou sem variagao). Esta pala vra e usa·

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da quando 'a repeti~ao se faz de uma voz para outra. Temos entao. fundamentalmente, a repetiQao e a varia~all como elementos do chamado trabalho tematico. Os tipos de variac;ao usados na RenascenQa, e tambem no Barraco, sao, com maior ou men Or regularidade, os descritos em paragrafo anterior. 0 tern a aseume uma verdadeira fun­~ao de lei nurna dada sec~ao do moteto ou, rna is tarde, no Barroco, numa fuga, pOl' exemplo.

Uma obra ou urna sec~iio construidas a partir de urn tern a possuem, em grau bastante a van~ado, urn ca­rliter de previsibilidade. Toda vez que aparece 0 tema ou alguma figura componente, variados ou n?o, reconhe­cemos, de imediato, algo ja ouvido e Com isto poderemos preyer, ate certo ponto, 0 que vai acontecer musicalmen'­teo Dada a natureza das variaQoes usadas na Renascen~a e no Barr'1co, podemos afirmar, com rela~ao a uma sec­~ao ou movimento ou obm completa, que aquilo que e colocado no come<;o permanece. Nestes periodos ainda nao se conhece aquilo que poderiamos chamaI' de mu­dan~a de personalidade de urn tema.

Ainda uma referencia a fuga. E uma forma musical que atingiu 0 seu ponto culminante na obra de J . S. Bach, portanto, na terceira fase do Barreco. A fuga e monotematica. Isto significa que toda a obra e cons­truida a partir de urn unico tema que fornece 0 material de constru~ao, bern como as fur~as propulsoras do acon­tecimento musical. Em certo sentido 0 tern a de uma fuga ja e a fuga. Tipicas sao as repeti~6es do tema na tonali­dade principal e em tons vizinhos. Uma fuga e essencial­mente permanencia do tema. Mais ainda: e perman en cia num processo de dinamismo acentuado. Numa fuga 0 te­rna nao tern hist6ria como numa sonata de Beethoven.

Em outras form as do Barroco: ~uites, concertos, so­natas, 0 tern a tern, as vezes, 0 aspecto de urn fragmento mel6dico construido a partir de uma au duas figuras (for­mando uma unidade maior). Em outros casos nao se ve­rifica uma delimlta~ao de modo a se poder dizer que tal fragmento mel6dico e 0 tema. 0 compositor exp6e, par exemplo, uma figura numa das vozes, a outra numa Be­gunda voz enquanto a primeira parte imediatamente para a elabora~ao de Sua figura, seguida da ou das outras vo­zes.

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o conceito de terna apOs a Barroeo - No Rococo-Clas­sicismo 0 tema passa a ser mais complexo. Deixa de ser urn simples fragmento mel6dico para se transfonnar num bloco estrutural, fonnado, em geral, de diversas partes mais ou menos contrastantes, compostas ou niio a partir rlos mesmos elementos, e que podem tel' carateI' melodico, ritmico ou meramente harmonico, quando nao uma com­bina~iio destas qualidades. Alem disto, ha certamente alga comum as diversas partes de urn tema, seja ele primeiro tema de urn allegro de sonata ou segundo tern a : a tonali­dade. 0 prirneiro tema e apresentado no tom principal; 0 segundo no tom da dominante ou no relativo.

Tomemos como exemplo 0 primeiro movimento da Sinfonia n. 41 de Mozart (Salzburg, 1756 - Viena, 1791), allegro vivace. 0 primeiro compasso, executado em unls­sono e oitavas pela orquestra toda, tern urn carater de percussiio; depois de uma pausa geral, seguem dols com­passos de carater melodic a ; repete-se a inicio, transposto; volta a melodia acompanhada. Segue depois uma sec~iio de carn tel' puramente harmonico, entremeada de ecos da percussao do inicio. 0 primeiro tema continua ate 0 com­passo 55. A descri~iio deste come~o ja permite formar urna ideia sobre 0 que seja urn tema no periodo em foco. Muitas vezes 0 primeiro tema e mais afirmativo, masculo, enquanto 0 segundo e feminino, lirico.

A forma sonata, levada a perfei~iio por Haydn e Mozart, transformada depois por Beethoven, e a forma principal do Classicismo. Seu nome deriva do fatb de ela ter-se tornado tipica do primeiro movimentQ - allegro das sonatas. Encontra-se nos allegros inicials das sinfo­nias, dos concertos, dos quartetos, trios, etc. A primeira parte de tais allegros - a expos.i~iio - e a apresenta~iio dos temas: do primeiro e do segundo. N a segunda parte - 0

desenvolvimento - 0 compositor elabora 0 material tema­tieo na base de uma livre escolha de elementos da pri­meira parte. A terceira - reexposi~ao - repete a primeira. Resumimos aqui a mOITologia do allegro de sonata, pois nao e nossa inten~iio aprofundar 0 estudo das fonnas mu­sicais.

o trabalho tematico assume aqui feiqo65 novas, em­bora processos tradicionais continuem sendo empregados. As varia~oes modificam em grau mais profunda, muitas

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vezes, os elementos tematicos. Alem dis to, a maior ri­queza de elementos tematicos, em confronto com a Bar­roco, permite obter combinac;iieE, reevmbinac;iies, as mais variadas. Por outro lado, e necessaria insistir nisto; os tern as em Haydn ou Mozart nao tern historia. Terminado o desenvolvimento, os temas emergem, na reexposi~ao, tais quais entraram. 0 contraste entre Os temas au entre par­tes de urn tema nao implica antagonismo. Com Beetho­ven, que parte da forma sonata, surge uma autentiea ten­Sao diaIetiea entre as temas au entre elementos de urn mesmo tema. Com isto os temaE passam a ter urna his­toria ao longo do movimento. Ao emergirem na reexpo­si<;ao, ja na~ sao a mesma coisa como no comec;;o. De resto, 0 tern a no autor da Nona continua sendo urn bloeo estrutural.

Conforme jit vimos, uma obra musical nao precisa ser, forc;osamente, tematica. Em noseo seculo temos exem­plos neste sentido em eomposi,iies de Schoenberg que da­tam de sua fase expressionista (1908 'a 1915). Voltamos a insistir niEto; 0 caritter de lei e, portanto, de previsibi­lidade (relativa) inerente ao eonceito de tema.

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v - A POLlFONIA

Esta palavra designa a SUperposl~ao de duas ou mais linhas mel6dicas com as seguintes carateristicas:

1) as linhas devem ser ritmica e melodicamente inde­pendentes. Por exempIo, quando duas pessoas cantam uma melodia em ~as paralelas, assim como 0 fazem os nossos trovadores, niio he. polifonia, pois, em primeiro lugar, as duas vozes possuem sempre 0 mesmo ritmo; em segundo lugar 08 movimentos melodicos tamoom soo iguais, ou seja, a segunda voz sobe ou desce sempre com a primeira. 0 que temos ai e, na verdade, urna faixa me­lodica, uma linha alargada em faixa pela jun~ao da se­gunda voz. Niio se ouvem duas meladias ao mesmo tempo.

A independencia ritmica e melOdica faz com que ou­~amos, simultaneamente, duas au mais linhas mel6dicas distintas. A fim de entendermos bem uma obra polifonica, devemos prestar aten~ao na evolu~iio de cada urna das linhas. Ouvir musica polifonica Eo mais dificil do que ouvir mUsica homofonica ou monodica.

2) Cada linha melOdica deve ter sentido expressivo proprio. Em outras palavras; nenhuma das linhas melo­dicas deve deSempenhar uma func;OO !!ubordinada, de me­ro &companhamento das outras. Nurna pec;a polifonica todas as vozes tem igual importancia.

3) Os encontros verticais, ou seja a harmonia, de­vem apresentar uma estrutUl:a. !sto significa que nao bas­ta superpor diversas linhas melodicas, cuidar da indepen­dencia ritmica e melodica, bem como da expressividade propria de cada urna. Disto resultaria urna c&cofonia e nao uma polifonia. Poderiamos dizer tamoom que nao bas­ta cuidar apenas do aspecto linear, portanto horizontal. A dimensao vertical, 0 soar junto das diferentes vozes, e urn fato que precisa ser tratado com cuidado. As regras a esse respeito sao fun<;ao do periado da histOria da musica e refletem uma posic;ao estetica. 0 periado gOtiev difere, neBse sentido, da Renascen<;a e esta, par sua vez, do Bar­roco.

Em nosso seculo houve quem propusesse urna poli­fonia formada pela livre superposic;iio de linhas melodicas. Tal procedimento, no entanto, peca por falta de logica harmonica.

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Com relagao it muslca polif6nica usa-se freqUente­mente a expressao musica de carater horizontal ou mu­sica de construgao linear. lstoe certo, mas e preciso nao esquecer que a dimensao vertical nunca esta ausente. A musica polif6nica nao e pura linearidade. Da mesma for­ma, a musica homofonica nao e pura verticalidade, pois nos encadeamentos dos acordes as diferentes vozes for­mam linhas que, embora nao satLsfagam os requisitos acima apontados, introduzem, nao obstante, um elemento linear na obra. Poderiamos dizer, resumindo, que na mu­sica polifonica predomina a linearidade e na musica ho. mof6nica predomina a verticalidade. Esta claro que uma pega monodica e linha pura.

A palavra contraponto (do latim: punctus-contra­-punctum) vem das origens da polifonia (ldade Media), isto e, de um tempo em que os compositores tomavam como ponto de partida uma melodia previamente dada _ do cantochao ou, eventuaimente, do repertorio popular _ juntando a ela outra melodia, de sua invengiio, nota-con­tra-nota ou, em latim, punctus-contra-punctum. lsto no casa mais simples. Em outros mais complex~s podiam colocar duas notas contra uma, tres contra duas, etc. A palavra contraponto refere-se mais it tecnica de compo­sigao polif6nica.

Apesar de a composigao, e tambem a audigao, poli­fonica ser mais dificil do que a homofonica, a primeira precedeu a segunda historicamEnte. No periodo romanico (em musica : s.eculos IX, X, XI e parte do XII) desenvol­ve-se uma polifonia rudimentar; apenas os movimentos melodicos sao independentes. No periodo gotico, sobretu­do a partir das criagoes da Escola de Paris, a polifonia alcanga a plena independencia das vozes. A Renascenga transforma a polifonia quanta aos aspectos harmonicos, ritmicos e mori'oIOgicos. 0 Barroco inventa a homofonia, mas a polifonia corre paralela. No final do Barraco po­de-se observar um certo equilibrio entre a escritura ho­mofonica e a polifonica. Nos periodos seguintes a polifo .. nia decai, passando a predominar a homofonia 0 que nao significa, porem, haver a polifonia desaparecido definiti­vamente. Em nosso seculo a polifonia voltou a ocupar um lugar importante na produgao musicaL

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Existem obras, ja a partir da Renascenga, que sao predominantemente homofonicas mas que dao a impres­sao de polifonicas. Nao sao flutenticamente polif6nicas por um ou outro dos requisitos acima enumerados nao es­tar satisfeito. Trata-se antes de simulacros de pOlifonia ou entao «homofonia animada polifonicamente» numa expressao de Alfred Einstein.

o contraponto ensinado nas escolas pertence a uma ou outra de duas linhas distintas: a primeira remonta a Palestrina (sec. XVI) e passa pelo afamado teorico J. J. Fux (<<Gradus ad Parnassum., 1725) de Viena. A outra linha parte de Bach (polifonia tonal) e teve em H. Rie­mann seu principal defensor (Leipzig, 1849 - 1919).

Polifonia imitativa e nio imitativa Durante 0 periodo gotico as imitagoes sao relativa­

mente escaSBas entre as vozes que participam da trama polif6nica. 0 certo e que neste periodo se cria 0 conceito de imitagao; de resto predomina, como ja dissemos, a li­vre improvisagao. No seoulo XIV surge 0 canone, imita­gao rigorosa de uma linha melOdica mals extensa ou de uma pega inteira. ~em sempre 0 canone e composto por imitagao em movimento direto; ocorrem casos, como em Ma fin est mon commencement de Guillaume de Machaut, em que a segunda voz entra simultaneamente com a pri­meira mas canta a linha melodica desta de tras para frente. A terceira voz nao participa da imitagao canonica. Tais composigoes eram chamadas na Italia de caccia e na Franga de chasse, 0 que significa caga. Vma das hipoteses a respeito da origem do termo diz que ele deriva do fato de as vozes, que se imitam, entrarem sucessivamente, dando a impressao de que uma esta perseguindo a outra; a outra explica a palavra em fungiio dos textos que tra­tavam, freqlientemente, de assuntos de caga. Canone sig­nifica lei. E que no seculo XV se compunham canones es­crevendo apenas uma linha mel6dica junto it qual, por si­nais, eram indicados os pontos de entrada das outras vo­zes, inclusive 0 modo como deveriam imitar a primeira (inversao, movimento retrogrado,etc.); enfim, indicavam a lei de execugiio do di.none. Muitas vezes transformavam tais indicagoes em verdadeiras charadae.

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A polifonia da Renascen~a e essencialmente imitati­va. Nos motetos e missas a polifonia e essencial; nos ma­drigais e nas chansons, ambas formas profanas surna­mente importantes, a polifonia e mais atenuada, aproxi­mando-se da homofonia em virtude do contraponto nota­-contra-nota. Nao obstante, as imita~oes Sao muito fre­qUentes.

Com 0 Barraco surge a homofonia como principia. A polifonia, no entanto, nao desapareceu. Sobreviveu, ini­cialmente, em formas instrumentais como a ricercare (Frescobaldi. Sweelinck), que mais tarde conduziria a fuga, para citar apenag urn caso. Ao longo da segunda fase a polifonia come~a a sofrer novo incremento. Na terceira fase do Barroco a escritura homof6nica e a po_ lif6nica man tern urn equilibria. A forma polif6nica mais importante da terceira fase e a fuga, levada a urn ponto culminante por J. S. Bach. Nela as imita~oes Sao essen­ciais, conforme ja vimos no capitulo referente ao tema. De urn modo geral Be observa que nessa fase a polifonia e predominantemente imitativa.

Quando Mozart e Ha,ydn recorrem a polifonia, que e antes exce~ao do que regra em suas obras, a polifonia e imitativa. Tambem Beethoven escreveu numerosas fugas. Em Wagner encontramos freqUentemente urn tipo de po­lifonia nao imitativa, motivada por inten~oes dramaticaB. Linhas mel6dicas, correspor.dendo a situagoes au perso­nagens dramaticos diferentes, sao superpostas.

BIBLIOGRAFIA SUMARIA

Gustave Reese - Mustc In the Middle Age - W. W. Norton & Co. Inc. - New York - 1940.

Valero, a respeito desta obra, as mesmos comentArios que fizemos em rela<.;Ao a Music in the Renaissance, do mesmo autor.

Rudolph Reti - The Thematic Process in Music - The Macmil­lap Co. - New York - 1951.

o autor examina, nos primeiros capitulos, algumas obras como a Nolla Slnfonia de Beethoven, para depois entrar em conside­~Oes te6ricas e hlst6ricas sabre a natureza do tema musical.

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Helmut Degen - Handbuch der Fonnenlehre - Gustav Bosse Verlag, Regensburg - 1957.

A distin~ao que 0 autor faz entre motivo e figura e excelente no sentido de clarear urn assWlto que muitas vczes se apresenta confuso. Excelente tambcm a perspeetiva historiea e filos6fica, em­bora, neste ultimo aspecto, haja nebulosidades que dificultam B leitura.

Evelyn Reuter .- La Melodie et Ie !Jed - Presses Universitaires de France - 1950.

Armand Maehabey - I.e Bel Canto - Librairie Larousse -Paris.

Tanto esta como a obra anterior sao pequenos volumes quP, apresentam de modo excelente 08 assuntos indicados pelos tilulos.

A. T. Davison & WilU Apel - HIstorical Anthology of Music. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts - 1964.

Esta antoiogia. publicada em dois volumes e ex~elente, em pri­meiro lugar, pelos critcri08 de sele~ao adotados; em segundo lugar, pels precisao das reprodu~oes; em terceiro, pelos v;aliosos comen. tArios.

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VI - A HARMONIA

A pala vra harmonia tinha acep~iies diversas ao longo da historia. Usada com a significaQao que tradicional­mente a carateriza, tern sido aplicada, em musica, ora a este, ora aquele aspecto. Por exemplo: harmonia entre os sons de uma escala; harmonia entre os sons sucessivos de uma melodia; harmonia entre sonB simultaneos.

Desde 0 seculo passado e usada, em musica, exclusi­vamente para designar aquilo que se refere aos acordes, suas fun~iies e as rela~iies entre aB fun~iies . Por esta ra­zao, a palavra harmonia esta associada a dimensao verti­cal da musica.

o soar junto de tres ou mais sons distintos chama-se acorde. No caso de apenas dois sons distintos e simulta­neos temos 0 intervalo harmonico. Em tudo que seguir pensaremos sempre na escala geral dos sons usados tra­dicionalmente na musica europeia.

Ao longo da historia os acordes tern sido tratados em termos de consonancia e diEsonancia. Mas nao ha conceitua~ao fixa. Examinemo-Ias rapidamente.

Com a cria~ao da polifonia, a partir do seculo IX, a dimensao vertical da musica adquiriu, simultaneamente com a horizontal, uma importancia fundamental. No pe­riodo gotico fazia-se uma divisao consciente dos interva­los harmonicos em consonantes e dissonantes. Pertenciam ao primeiro grupo: a oitava, a quinta e quarta justaE. e, naturalmente, 0 unissono. Os dernais eram sentidos como dissonantes. Para nos e estranho que as ter~as e as sex­tas nao fossem incluidas entre os intervalos consonantes. Resulta dificil dizer ate que ponto a escala de Pitagoras, entao usada, era responsavel por esse fato e ate que pon­to uma carateristica particular da sensibilidade relegava esses intervalos ao grupo dos dissonantes. Estamos mais inclinados a ultima hipotese. Em todo caso, ja para Pi­tagoras as ter~as eram dissonantes. E born lembrar ainda que a teoria musical dos periodos em foco estribava no V volume da obra De Musica de Boecio (filosofo e esta­dista romano - ca. 480 - 524) e esta, por sua vez, nil. teoria musical da antigiiidade classica.

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No gotico os «acordes» consonantes - compostos so­mente de intervalos consonantes - eram empregados em tempos fortes.; nos tempos fracos observa-se muita liber­dade no US'O de dissonancias, a ponto de 0 musicologo Fetis qualifica-las de «dissonancias monstruosas». Para as nossos ouvidoB nao ha nada de estranho nessa har­monia.

Ao mesmo tempo em que, no continente, se transmi­tiam as aludld3ll concep~iies harmonicas, nas IIhas Bri­tanicas 0 uso de tert;as e sexta" paralelas (mesmo na mu­sica popular) manifestava uma outra sensibilidade. MaiB adiante (sec. XV) surge 0 termo gymel, proveniente de eantus gemeUus, para designar essa pratica. Ela pode ser encontrada no mals antigo moteto ingles que data de 1260. Fruto dessa sensibilidade, 0 falso bordao, testemu­nhado pela primeira vez num manuscrito de Cambridge (fins do sec. XIII), firmou-se nas IIhas BritRnicas e in­vadiu, posteriormente (sec. XV), 0 continente. Consiste em Bucessiies de aeordes de ter~a e sexta - acordes per­feitos em primeira inversao - paralelos.

Independente dessa influencia, porem, ja no seculo XIII as ter~as come,aram a ser admitidas, aos poucos, como consonancias imperfeitas (Franco de Colonia). As sextas persistiam como dissonancias. Felipe de Vitry inclui depois as eextas (sec. XIV), mas as quartas pas­saram para 0 grupo das dissonaneias.

Com isto nao esgotamos as controversias em torno dos conceitos de consonancia e dissonancia. As poucas referencias, no entanto, sao suficientes para mostrar que o problema e mais fundamentalmente de sensibilidade do que de interpreta~oes matematicas ou regras formuladas por teoricos. OB conceitos de agradavel ou desagradavel, tao relativos, quando ligados aos conceitos de consonan­cia e dissonancia for~osamente haveriam de gerar con­fusao . Alem disto, conforme mostramos no capitulo an­terior, a no~ao de intervalo, seja harmonico, seja melo­dico, 00 uma rela~ao entre dois sonB bastante complexa.

Ao longo do seculo XV observa-se uma mudanl<& na sensibilidade harmonica. Aumenta, progressivamente, 0

emprego de acordes perfeitos, maior e menor, em estadi> fundamental e, tamoom, em primeira inversao. Com isto a linguagem harmonica fica mais sensual, maiB dace e

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toma, ah;m disto, urn carater mais consistente. A harmo­nia gotica e mais oca, tern urn certo que de antigravidade; a harmonia renascentista e mais maci~a e possui gravi­dade. Uma compara~ao com a pintura mostraria uma transforma~ao semelhante.

o conceito de acorde deve ser tornado aqui nao no s~mtido moderno. A Renascen~a ainda nao conhece 0

acorde como entidade autonoma, como individualidade. Aquilo que chamamos acorde, naquela epoca era 0 resul­tado do soar junto de varias vozes polifonicas.

Com isto chegamos a Renascen~a. A base da harmo­nia e, agora, 0 acorde perfeito em suas modalidades maior e menor (d6-miCsol; do-mi bemol - sol); predomina 0 es­tado fundamental, mas ocorre tambem a primeira inver­silo. As dissonancias sao tratadas de modo diferente do que no g6tico. N a Renascen~a servem para valorizar as consonancias por urn efeito de contraste. Por esta razao e, naturalmente, por toda uma questao de sensibilidade harmonica, as dissonancias sao atenuadas segundo regras cuidadosamente aplicadas. Preparar e resolver as disso­nancias tem justamente este scntido.

No come~o do Barroco observa-se uma eclosao de dissonincias. A raziio disto esta no seguinte: 0 Barroco cria a musica dramatica. Esta palavra implica duas coi­sas: subordina~5.o da musica ao texto e expressiio de emogoes violentas. Esta ultima exigencia, isto e imediata­mente compreensivel, teve como conseqUencia urn trata­mento mais livre das dissonancias. Observamos em parti­turas, seja de Monteverdi, seja de. outroll., 1issonancias agressivas sem prepara~ao. Enquanto na Renascen~a as dissonancias eram usadas em fun~ao das consonancias, no Barroco elas valem por suas qualidades expressivas. Em tragos gerais, constata·se, ao longo do Barroco, urn emprego mais freqUente de acordes de set ima. De resto, os acordes perfeitos continuam sendo a base da harmonia.

E interessante observar que, embora ha muito tempo em usc, sO no seculo XVIII e formulada a teoria da ge­ra~ao dos acordes (perfeitos, siJtima, nona) pela superpo­sigao de terceiras (Rameau).

Urn outro aspecto: a terceira fase do Barroco assiste a elabora~ao e consolidagao do sistema tonal. Tomemos como paradigmas d6 maior e d6 menor. Po is bem, 0 que

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faz 0 sistema tonal ser 0 que e, esta contido no conceito de harmonia funcional. Os diversos graus da escala, jun­to com os acordes correspondentes, possuem deterntina­das fun~6es . Sistema tonal e uma particular organiza~ao destas fun~oes . Nao pretendemos entrar aqui em maiores detalhes, pois 0 assunto tornar-se-ia demasiadamente tec­nico.

No Rococ6-Classicismo a linguagem harmonica e pra­ticamente a mesma. Durante 0 seculo passado observa­vain-se, ja a partir de Beethoven, freqUentemente certas ousadias, seja quanta a natureza dos acordes, seja quan­to aos encadeamentos. Com os romanticos prosseguem tais .achados»; do ponto de vista funcional a harmonia enriquece-se. Ao mesmo tempo, porem, surgem elementos que haveriam de conduzir a dissolu~ao da harmonia tonal.

o atonalismo, que se instala na segunda fase da obra de Arnold Schoenberg (de 1908 a 1915), ou seja, na fase expressionista deste compositor, implica 0 emprego livre de acordes. Em outras palavras: os acordes siio fOrina­dos segundo as necessidades expressivas do criador e nao mais segundo regras tradicionais. Com isto a harmonia deixa de ser funcional. Ja anteriormente Debus~ abrira caminho neste sentido, embora tenha estado numa posi­'.laO estetica radical mente diferente da de Schoenberg Dentro da postura expressionista todos os agregados so­noros Sao possiveis. 0 11nico criterlo que rege a form~ao dos acordes e os seus encadeamentos e a vontade expres­siva do compositor. Com isto surgiu uma liberdade harmo­nica total que rompe, inclusive, com a tradicional escala geral de sons da musica europeia para introduzir, aqui e aeola, intervalos de quartos de tom ou menores ainda. Tambem OS ruidos fizeram a sua entrada na musica. Esta certo que, tradieionalmente, tem-se empregado instru­mentos de percussao nao afina veis, ou seja, produtores de ruidoso Em nosso seculo, porem, deseobriu-se 0 mundo dos ruidos e a posslbilidade de criar estruturas artisticas baseadas unicamente em ruidos ou nestes, combinados com sons musicals. A musica concreta (Pierre Schaeffer, Fran­~a e outros) e composta a partir de uma montagem .de ruidos e sons musicais colhldos na rna, nas fabricas, na natureza, elaborados posteriormente nos estudios.. A mu­sica concreta foi fundada em 1948. No ano de 1953 foi

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estreado em Donaueschingen 0 ~tacJe lyrique, Orpbk, de Pierre Schaeffer, uma comblna~ao de dan~a, pantomi­ma, canto e musica concreta. A obra nao obteve 0 efeito desejado m').s a musica concreta sofreu notavel incre­mento.

N a musica eletronica nao se faz montagem de ruidos e sons colhidos na natureza. A materia sonora e sinteti­zada mediante osciladores eletronicos. Os processos sao complicados. 0 importante e que se pode sintetizar qual­quer som (pelo menos teoricamente), bern como ruidoso Em materia de ritmos praticamente nao ha limita~6es. Os geradores eletronicos abriram um campo ilimitado de possibilidades no mundo dos sons. Nao ha, evidentemente, interesse em imitar instrumentos tradicionais. Por outro lado, os procesws de composi~ao sao distintos dos que estamos habituados a ouvir. Quem espera encontrar ele­mentos tradicionais em obras de musica eletronica de urn Stockhausen, Eimert, Pousseur, Boulez,etc., sofrera uma decep~ao. Mas tern sido feitas tentativas no sentido de unir m usica tradicional com musica eletronica (Krenek, Boulez, etc.). Citamos, a proposito, a cantata de Pierre Boulez Poesie pour pou\1Oir (1958), composta para 3 or­questras, locutor e fita eletronica.

Tanto na musica eletronica como na concreta, 0 con­ceito tradicional de harmonia perde 0 sentido.

BIBLIOGRAFIA SUMARIA

Pierre Schaeffer - Que es Is. muslca, concreta - Editorial Nue­va Vision - Buenos Aires.

Oscar Zander - Da Relatividade do Conceito de Dissonancia e ConsonAncla - Tese de concurso para a Escola de Arles da UFRGS.

Bruno Kiefer - liistOria e Significado das Forma& l\(uslcals -Editora Movimento, 2.& edicio, 1968.

Aleru destas obras foram consultadas as ja citadas em capi­tulos anteriores, inclusive, naturalmente, numerosas partituras.

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VII - A ORQUESTRA

A primeira vista poderia par~'cer fora de proposito um capitulo como este num livro que trata dos elementos da linguagem musical. A orquestra costuma ser concebi­da apenas como veiculo da linguagem musical e nada mais. Que essa concep~ao e erronea, e facil demonstrar. Se alguem fizesse um arranjo para orquestra da famosa Arte da Fuga de J. S. Bach, obra composta apenas. para quatro vozes, sem especifica~ao de instrumentos, entao nesse arranjo a orquestra seria meramente 0 veiculo da­quilo que 0 compositor tinha a dizer.

Numa obra concebida para conjunto orquestral, no entanto, a situa~ao e bem outra. As cores instrumentais, as possibilidades tecnicas, a tessitura e outras qualidades dos instrumentos, considerados individualmente, de urn lado e de outro, as multiplas combinag6es dessas quali­dades, condicionam e sao condicionadas, em sua eEcolha, pelas ideias musicais. A orquestra torna-se parte inte­grante da propria estrutura da obra. Elementos como cor, luminosidade, dureza, gravidade, transparencia ou opacidade, regi6es do espa~o sonoro e muitos outros, nao podem ser concebidos independentemente da orquestra como se pudessem ser realizados abstratamente, utilizan­doose, posteriormente, a orquestra apeuas como veiculo de comunica~ao. Portanto, a orquestra faz parte dos ele­mentos da linguagem musical. Examinando-se partituras orquestrais dos classic os, por exemplo, observa-se com muita nitidez a fun~ao morfol6gica da orquestra. Ha uma interdependencia entre os aspectos formais de uma sin­fonia de Mozart e a orquestra .

A palavra teve varias significag6es ao longo da his­t6ria. Entre os gregos designava a parte do teatro que ficava entre 0 palco e a plateia. Era 0 lugar no qual se realizavam as dan~as do coro. No comego do Barroco, quando se criou a 6pera em Florenga, a palavra passou a designar 0 lugar do conjunto instrumental que ficava nos bastidores. Com a inaugura~ao do primeiro teatro publico em Veneza (primeira metade do sec. XVII) os musicos eram colocados entre 0 palco e a plateia. Seu lugar pas­sou a se chamar orquestra. Aos poucos a expressao mu-

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sicos da orquestra passou a ser simplesmente orquestra e com isto surgiu a acep~ao atual da palavra.

Os adjetivos sinfonico e fiIarmonico, freqiientemente associados a palavra erquestra nao tern nenhuma distin­~ao especial. Na verdade trata-se de grandes orquestras cuja histOria e composi~ao daremos a seguir. 0 adjetivo sinfonico implica que a orquestra se dedica ao repertOrio sinfonico; 0 adjetivo filarmonico significa «amigos da harmonia», isto e, da muslca; 0 repertorio, no entanto, e 0 mesmo, bem como a composi~ao da orquestra (igual tam bem as usadas nas operas) .

No Ocidente a musica instrumental pura inicia a sua vida propria no seculo XVI, portanto na ultima fase da Renascen~a. Anteriormente os instrumentos eram usados principalmente para refor~ar as vozes ou para substi­tul-Ias eventualmente. Existem, e verdade, pe~as instru­mentais daquele tempo. Quantitativamente, no entanto, sio tio escassas em compara~ao com a obra vocal que ainda nio se pode falar em autonomia da musica inQtru­mental.

J!: ao longo do seculo XVI que se inicia a blfurca~ao da musica em dois ramos: musica vocal (com ou sem participa~io de instrumentos) e musica instrumental pu­ra. No com~o aparecem composi~Oes para a1aude, orgio, cravo e, mais para 0 fim do seculo, obras para conjuntos instrumentais. Estes ultimos eram formados por solistas; nio se praticava ainda 0 refor~o de determinadas vozes por multiplica~io de instrumentos de mesma especie. Desta­camos, como exemplo, as obras instrumentais de Giovanni Gabrieli (Veneza, 1557-1612).

A orquestra no Ba.rrooo - As obras puramente ins­trumentais de G. Gabrieli estio situadas numa I1nha que parte, na primeira metade do BeeDle XVI, das transcri­~oes instrumentais de chansons francesas. Chamavam-se caDZone cIa sonar. Mais para 0 fim do seculo come~am a aparecer, principalmente em Veneza, canzone cia so~ para conjuntos instrumentals. Famosa e a Sonam P1&D e Forte de Giovanni Gabrieli na qual usa os instrumentos divididos em dois coros, indicando, ao mesmo tempo, a sua natureza. A palavra sonata resulta da abreviatura de canzone cIa sonar_ J!: importante destacar que tais conjun­tos eram constituldos de solistas.

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Entre os lnstrumentos usados no come~o do Barraco figuravam trombones, trombetas, fagotes, cravo, a1aude, familia das violas cia bl'llArio, violas da gamba., etc.

Mas ja na primeira fase do Barroco apareceu, espo­radicamente, 0 costume de multiplicar determinados ins­trumentos -em forma de coro. Monteverdi usou, na es­treia da opera Orfeu (1607) os seguintes instrument08 : 2 cravos, 2 oontraba8s1 di viola, 10 viole cia braccio, etc. Banchieri, em sua obra Modema Armonia (1612) indica com 0 termo a. cori 0 refor~o instrumental.

o importante nas orquestras barrocaa da primeira fase era isto : nao tinham composl~ao fixa. Esta ficava a meree das circunstancias, tanto que os cODlJlositores mui­tas vezes nem indicavam os instrumentas. Havia, porem, exce~oes. A1em disto, os autores distlnguiam entre instru­mentas fundamentais (baixo continuo) e instrumentos ornamentals.

Durante a segunda fase do Barraco (1630-1680) ins­talou-se 0 costume de colocar por cima do fundamento or­questral um a quatro instrumentos melOdicos, de prefe­rencia violinos.

o primeiro conjunto orquestral a composi~ao fixa -e que atingiu fama europeia - foram os Vlngt-QUatre Violons du Rai com atua~io na corte de Luis XIII da Fran~a. As cinco partes eram refor~adas mais nos extre­mos. Alent dieto, em vez da antiga familia das violas, a familia dos violinos.

Lully, 0 compositor mais importante da Fran~a no sec. XVII, depois de ter entrado nos servi~os de Luis XIV em 1652, conseguiu pressionar 0 rei no sentido de ohter uma orquestra para 0 seu proprio uso. Surgiu, aesim, 0

conjunto dos «16 Pequenos Violinos. 0 qual, a partir de 1656, haveria de adquirir fama europeia por sua precisio ritmica, sua coesio e dlsclplina.

A orquestra francesa tomou-se imj>Ortante na gene­se do Ooncerto Grosso. Eata palavra designa tanto 0 con­junto instrumental como as obras compostas para ele. o criador e Corelli (Roma) . Seus 12 concerti grossi fa­ram executados, provavelmente, em 168e. A orquestra toda (concerto grosso) e formada apenas por cordas e o concertlno (conjtinto de solistas) por urn trio de cor­das. A vasta Iiteratura de concertos que tem inleio a par-

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tir deste momento contribuiu poderosamente para esta­belecer os conjuntos de cordas como corpo orquestral basico. Dai em diante, outros instrumentos, madeiras ou metais, mas tambem percUEsao, eram colocados em acres­cimo.

No concerto grosso predomina va a escri tura homo­fonica com baixo continuo. E imp<>rtante destacar a sua preseno;a, por ele representar um elemento linear obriga­rorio, embora sem expressividade melodica.

Corelli, partindo da trio-sonata, ainda divide os seus concertos em dois tipos: os de igreja e os de camara. No primeiro aparece, pelo menos, um movimento fugado. A influencia da orquestra de Lully esta solidamente ates­tada.

Com a cria~ao da orquestra de cordas surgiu um pa­drao que possui determinada cor fundamental (com urna escala bastante ampla de nuances), alem de outras qua­lidades que podem ser descritas vagamente em termos de cf-Ior, lurninosidade opaca, etc. Tendo em conta que na primeira fase do Barroco a instrumenta~ao era varia­vel, nao denotando, por conseguinte, preocupagiio da par­te dos compositores com cores determinadas (em que pe­sem as exce~oes), a criagao e estabiliza.<;ao da orquestra de cordas significa uma mudanga acentuada.

Os demais instrumentos - madeiras, metais, percussao adquirem, a partir deste memento, relevo e fun~ao colo­

ristica por contraste. Neste sentido devemos distinguir -estamos agora na ultima fase do Barroco - dois tipos. de tratamento da orquestra: 0 homofonico e 0 polifanico.

No primeiro tip<> os instrumentos adicionais sao usa­dos como elementos de cor mas nao no sentido de uma «paleta» orquestral; 0 moddo sao os registros do orgao. Registrar um teciado do orgao implica munir todo este teclado ou parte dele de determinada sonoridade. As va­riagoes de cores dao-se pela passagem de urn teciado a outro. Com isto fica clara a procedencia da orquestragao, digamos do Concerto n.o 29 de Hiindel. 0 compositor acrescenta ai ao conjunto de cordas dais blocos de sopros formados cada urn por duas trompas, dois oboes e um fa­gote. Estes bloCDS ora Be alternam, ora viio com as cor­das. 0 autor, no entanto, nao procura formar novas so­noridades misturando de maneiras diversas as cores ins-

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trumentais. J . S. Bach, no primeiro Concerto Branden­burgues, usa como concertino duas trompas e tres oboes, formando cada grupo um «registro» . Os tres oboes tocam sempre juntos e igualmente as duas trompas . Podemos dizer que a orquestra e tratada como orgao a tres tecla­dos: cordas, oboes e trompas. Ha sec goes a cargo ora de um, ora de outro; em outras sobrepoe dois ou tres regis­tros ..

No tratamento pOlifonico sobre 0 fundamento do baixo continuo movem-se os instrumentos obbligatos, ou seja, instrumentos com fungao melodica de igual impor­tancia. Bukofzer usa a expressao orques~iio em terra­~os. Cada instrumento funciona aqui com a sua persona­lidade propria ; as cores nao sao misturadas. Enqua­dram-se aqui numerosas arias de Bach, escritas para bai­xo continuo (cravo, violoncelo e contrabaixo), voz e ins­trumentos obbligatos. No ClU!O da Cantata n.o 189, por exemplo, estes instrumentos sao flauta, oboe, violino, em pe de igualdade com 0 tenor.

A orquestra no Roc0c6-Classicismo As transformagoes que ocorrem no tratamento da

orquestra na passagem do Barroco para 0 Rococo-Clas­sicismo so podem ser compreendidas a partir do proble­ma da forma. Antes de mais nada, desaparece definitiva­mente 0 baixo continuo, durante 150 anos 0 fundamento solido de toda musica (salvo as fugas) . No Rococo 0

ponto de partida e a linha melodica, habitualmente con­fiada a instrumentos de tessitura alta. As demais partes preenchem urna fungao harmonica de um lado e, de ou­tro, ritmica. E justamente a ritmica que se torna acentua­damente diferente. 0 baixo continuo dava it musica bar· roca um ritmo solido, pesado, mesmo em andamentos mais vivos. No Rococo-Classicismo 0 ritmo torna-se mais leve, gracioso, vaporoso e mais variado. A fun~ao da mar­cagao ritmica passa aos instrumentos de tessitura media : violas, segundos violin os, iii; vezes reforgados p<>r sopros. So eate fato teria sido suficiente para mudar a posigao do compositor face it orquestra.

Ha, no entanto, outras razoes ainda. 0 artista do Rococo quer mais variedade em todos os sentidos, nuan­gas maia ~utis, gradagoes mais refinadas. No que se re-

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fere a dinamica, os simples Ctlntrastes entre forte e pia­no do Barroco silo substituidos por transi~6es mais ou menos extensas. Tornaram-se famoEOS os crescendos e decrescendos da orquestra de Mannhpim. Tal exigencia implica, naturalmente, uma tecnita orquestral diferente.

No que se refere as cores a mudan~a e radical. 0 compositor do. periodo em foco nilo se baseia mais nos registro!! do orgilo mas cria, verdadeiramente, a «paleta> orquestral. 0 quinteto de cordas continua sendo 0 corpo orquestral basico. Os demais instrumentos - flauta, oboe, fagote, mais tarde tambem c1arinete, trombetas, trom­pas e timpanos - silo usados como 1) fatores de colo­ra~ao; 2) refor~o de sonoridade; 3) pedal de orquestra.

No tocante ao primeiro aspecto aparece no Rococo urna autentica preocupa~ao com a mistura de cores. Su­perposi~6es em unissono, combina~5es em oitavas ou em acordes, em diverEos registros, permitiam a Mozart e Haydn e, ja anteriormente, a Escola de Mannheim obter os mais surpreendentes efeitos coloristicos.

Quanto ao refor~o de sonoridade as coisas silo. sim­ples: embora as cordas possuam uma ampla faixa dina­mica que vai desde urn pianissimo imperceptivel ate urn forte acentuado, os crescendos ficam muito mais pode­rosos com 0 acrescimo progressivo de novos instrumen­tos, notadamente os metais; vice-versa, 0 efeito de urn decrescendo e mais acentuado com a retirada paula tina de instrumentos de sopro. Alem disto, ha ainda a ques­tao do volume. Mesmo tocando piano, 0 refor~o de uma parte com outro instrumento confere mais volume ao sam (som mais grosso, mais pastoso).

o «pedai» de orquestra corresponde, como diz 0 no­me, ao efeito do pedal do piano. Destina-se a prolongar a sonoridade. Por exemplo, quando as cordas executam urna figura~ilo movimentada, notas 10Dl~as nos sopros _ evidentemente com os mesmos acordes - produzem 0 efei­to Ctlrrespondente ao pedal.

A primeira orquestra que realiza os ideais do Ro­cocO e a de Mannheim. Fundada por Johann Stamitz (1717-1756), por volta de 1750, essa orquestra haveria de adquirir fama europeia. A Escola de Mannheim es­b~a 0 que mais tarde deveri~ ser levado a perfei~iio

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por Haydn e Mozart. Por esta razao trataremos de exa­minar a orquestra desses dois compositores.

Antes, porem, alguns detalhes formais. No Rococo o conceito de tema sofre uma mudan~a acentuada em compara~ao com 0 Barroco, conforme ja virnos no ca­pitulo que trata da melodia. Voltando ao inicio da Sinfo­uia Jupiter : os fragmentos tematicos, acima descritos, im­;>licam instrumenta~ao diferente. Alias, 0 carater frag­mentario estende-se tambem as linhas mel6dicas. E a cada fragmento corresponde outro instrumento. Com isto surge maior variedade de cores. Ha ainda, dada a pre­dominancia das linhas melodica!! (escritura homofonica), o refor~o dessas linhas a fim de destaca-Ias mais do fun­do harmonica e ritmico.

Com a Escola de Mannheim fixa-se a composi~ao da orquestra de cordas - corpo basico - da seguinte manei­ra : violinos I e II, violas, violoncelos e contrabaixos. Em­bora as cordas tenham formado 0 corpo basico da orques­tra no Barroco, observa-se ainda uma certa variabilida­de em sua constitui~iio. Bach, por exemplo, usa no Bran­denburgo n.' 6: viole da bracclo I e II, viole da gamba I e II, violoncelo e contrabaixo.

As sinfonias de Haydn e Mozart, bern como de Bee­thoven, apresentam 0 mesmo conjunto de cordas fixado pela Escola de Mannheim. Os sopros e percussiio citados acima constituem 0 acrescimo praticamente constante. Dizemos praticamente porque ha uma certa variabilidade : o ciarinete falta em muitas obras dos ciasslcos de Viena. As madeiras e metais costumam ser empregados aos pares; faz exce~iio a flauta que muitas vezes ocorre iso­lada.

A composi~iio plena da orquestra e utilizada princi­paimente nos movirnentos extremos das sinfoniss. Nos intermediarios ha, geralmente, uma redu~iio . E esta, pelo menos a regra nas obras de Haydn e Mozart. SO­mente nas ultimas obras de Haydn e nas de Beethoven a orquestra~iio plena mantem-se ao longo dos quatro movlmentos. lato e importante como ponto de partida para a orquestra do seculo XIX.

A orquestra c1assica, que se formou atraves de urn processo organico, lento, possui urn equilibrio dinamico e coloristico notave!. Pretender ampliar estas orquestras

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nao era tarefa faci! porquanto nao bastava introduzir, simplesmente, novos instrumentos. Qualquer acrescimo provoca ruptura do equilibrio.

o primeiro passo para tal amplifica~ao fol dada por Beethoven ao introduzir na Herolca (Sl.nfunIa n.' 3) uma terceira trompa. 0 acrescimo de novos instrumentos tern um efeito retroativo sobre 0 conjunto das cordas. lsto e faci! de entender. A fim de manter 0 equilibrio dinamico, o nfunero de cordas precisa ser aumentado. Com isto surgem, por sua vez, novas possibilidades no sentido de uma diferencia~ao mais suti! nos efeitos' das cordas. Por esta razao vemos Beethoven aumentar as exigencias as cordas a partir da 3' Sinfoni& e isto em varios aspectos : amplitude do registro usado, subdivisOes, mobilidade etc. o mesmo autor da 0 proximo passo na Sinfonia n.· 5 com a introdu~ao de tres trombones no ultimo movimento. Com isto surge, alem do efelto sobre as cordas, a possi­bilidade de desequilibrio nas madeiras. 0 compositor re­solveu 0 problema com 0 acrescimo do piccolo (fIauta pequena de som penetrante); a maior extensiio no sen­tide do registro agudo e com pensada pelo acrescimo do contrafogote que toea uma oitava abaixo do fagote. Na Nona e algumas aberturas Beethoven exige ainda um segundo par de trompas.

A orquestra romantica

Basicamente os romanticos e pos-romanticos man­tern a estrutura da orquestra c1assica. As transIorma~5es que ocorrem sao dirigidas no sentido de urn acrescimo de novos timbres. Cada timbre acrescentado permite obter numerosas combina~5es novas com os demais instrumen­tos. Por outro lado, 0 aperfei~oamento tecnico de muitos instrumentos - conseqUencia das novas exigencias - per­mite explorar, em escala crescente, registros ate entao ponco ou nao usados e, alem disto, efeitos virtuosisticos. Paraleiamente observa-se um aumento progressivo no volume da orquestra, decorrente, em parte, do acrescl­mo de novos instrumentos e do correspondente efeito re­troativo sobre as cordas e madelras e, de outra parte, do deslocamento das atividades musicals dos sal5es dos pa­lacios para salas publicas.

Vejamos algumas inova~Oes. Nas cordas aparece 0 emprego dos sons harmonicos; nas flautas a f1atterzunge. Nas trompas e trombetas a inven~iio do mecanismo dos pistoes aumenta consideravelmente as possibilidades tee­nicas e mel6dicas. Como instrumentos novos na orquestra citamos 0 como ingles (varlante mal&- grave do oboe) , o clarlnete baixo, a tuba, a harpa, bern como diversos ins­trumentos de percusaao.

Com isto surgem possibilidades colorlsticas novas, efeitos orquestrais ineditos e um acrescimo quantitativo no que toea ao volume sonoro e a intensidade. Ao mesmo tempo as grada~oes nas cores, as nuan~as nos efeitos de luz e sombra, as transi~5es entre os diversos graus dina­micos, sofrem um refinamento que acabou, no fim do se­culo passado e no come~o deste, num verdadeiro pontiIhis­mo colorlstico (Debussy). Em Bach e Handel ouvimos «su­perficies. coloridas uniformemente. A compara~iio des­taca melhor as transform~oes oeorridas. Tomemos, como fonte de referencla, novamente 0 Bmndenburgo n.' 1 de Bach: um registro de cordas, .outro com tres oboes e um terceiro com duas trompas. Temos ai, portanto, tres co­res bem distintas. 0 primeiro movimento com~a com a superpos~iio desses tres registros; no compasso 18 vern um trecho curto confiado somente aos violinos; no com­passo 20 as trompas aparecem sozinhas por cima do baixo continuo; segue lima sec~iio em que os tres oboes se jun­tam as cordas; novamente as trompas isoladas; depois os oboes; seguern as cordas e tudo se encaminha para um novo tutti. Nas obras orquestrais de Debussy as coloridos mudam, as vezes, de compasso em compasso e apresen­tam um refinamento em materia de transi~5es, grade4les, maior au menor luminosidade etc., que contrasta violen­tamente com 0 Barroco.

Contribui~oes importantes a cri~iio da orquestra ro­miintica foram dadas por Hector Berlioz (1803-1869, Pa­ris). Descobriu 0 timbre do como Ingles, explorou 0 dlvisl das cordas, empregou sons barmonicos e 0 pizzicato de uma maneira nova, deu, baseado em Beethoven, impor­tiincia malor aos timpanos, utilizou a harpa de modo re­finado. Legou a posteridade as suas conquistas no terreno da orquestra~ao atraves de urn famoso Tratado de Ins­trumen~. reeditado por Richard Strauss. Par estas

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razOes, Berlioz costuma ser cousiderado 0 crlador da or­questra moderna.

Wagner (1813-1883) levou as conquistas no campo da orquestra a um ponto culminante. Citamos, a titulo de exemplo, a orquestra do Anel doe Nibclungen que Ii formada por: 4 flautas - 3 oboes e um corno Ingles _ 3 clarinetes e um clarinete . baixo - 3 fagotes _ 8 trompas - trombetas e uma trombeta baixa - 3 trombones e um trombone baixo - 5 tubas - 8 harpas - conjunto de cor­das - percussii.o. Para equllibrar 0 conjunto he. necessi­dade de 16 primeiros violinos, 16 segundos violinos, 12 violas, 12 violoncelos e 8 contrabaixos. Ao todo a or­questra tera entio 106 figuras.

A gera~io que seguiu a Wagner procurou aumen­tar ainda mais 0 instrumental, pesquisando novos efeitos e refinando os coloridos (Mahler, Strauss,etc.).

A orquestra no &ecuIo XX

No come~o do seculo XX observa-se urna revira­volta. Surge urna re~io decidida contra as massas ins­trumentais gigantescas. A estas opOem-se agora con­juntos camarlsticos intitulados orquestras de camara. Eata palavra nii.o designa orqullStrss em miniatura, even­tualmente com pretensaes de imitar, em eseala reduzida, as orquestras gigantes. Orquestra de cAmara ~ urn termo que significa conjunto de solistas. Arnold Schoenberg, que procedeu de Wagner, Strauss, Mahler, tendo tam­bem ele pago 0 tributo a orquestra gigante, foi 0 pri­meiro a compor urna Sinfonia de Ci.mara, op. 9, em 1906. o eonjunto e formado por 15 solistas, dominando os so­pros. Desta composigao instrumental decorre imediata­mente uma teenica de escritura diferente. De fato, Schoen­berg trabalha com figuras que Bio imitadas e variadas dentro de principios camaristicos. Nii.o encontramos nesta obra as idliias pr6prlas para largos desenvolvimentos. In­teressante Ii ainda 0 fato de 0 compositor nii.o usar, em termos gerais, as cores individuais dos instrumentos ; emprega, de preferencia, cores mistas.

Segue, com um intervalo de mais de 10 anos, a fa­mosa HlstOria do Soldado de Strawinsky (1882), eom­posta para conjunto aInda mais reduzido (clarinete, fa­gote, corneta, trombone, violino, contrabaixo e bateria).

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Podemos citar ainda a Suite de Dan!:& de Bela Bar­tok (1881-1945), composta mais ou menos na mesma epo­ea da IDstOria do Soldado. Embora a orquestra tenba aproximadamente a composigao da orquestra classica (com percussao mais numerosa), 0 compositor utiliza-a, na ver­dade, como orquestra de camara. Nao aparece sequer urn tutti completo.

Na mesma linha segue tambem Hindemith (1895--1963) com certas obras entre as quais se destacam as Mfisicas de Camara, op. 36.

Com 0 expressionismo musical - cujo maior repre­sentante no come~o do seculo e Schoenberg - a cor ins­trumental adquire uma fun~ao expressiva. 0 compositor inventa 0 que ele chama de «K1angfarbeumelodie, uma linha melodiea na qual cada nota ou fragmento curto tern uma cor propria. Alem disto, dado 0 carater predo­minantemente linear das obras expressionistas, obser­va-se, em geral, urn emprego mais linear da cor. Os ro­,manticos e pos-romanticos «pintavam> autenticas «areas> ou «manchas •. 0 expressionista desenha com cores.

o impressionismo de Debussy e comparavel ao pon­tilhismo dos pintores impressionistas; nao h9. contornos definidos; 0 elemento linear desaparece na profusii.o de pequenas manchas coloridas. A cor chega a ser, inclusive, mlUS importante do que os elementos coustrutivos. A situagii.o aqui e bern diversa da mUsica expressionista na qual a cor e fun~ao da expressao. Para Debussy 0 impor­tante era captar as sutis sonoridades da natureza, assim como os pintores procuravam captar 0 sutil jogo de luz que se refJete dos objetos . .

Do principio da K1angfarbeumelodie saiu, finslmen­te, 0 pontilhismo de Anton Webern, discipulo de Schoen­berg. A composigao e feita na base de pontos (sons iso­lados), de intervalos ou fragmentos melodicos curtos. As cores varism de nota para nota ou de intervalo para intervalo. J a nao podemos mais falar em linha. melodica, nem tampouco em acordes em sentido tradicional. Como exemplo citamos a Sinfonia, op. 21.

o cultivo da orquestra de camara nao acarretou 0

abandono da grande orquestra. A partir da decada de 30 verificou·se novo florescimento da musics para gran­de orquestra. 0 fato e que estas orquestras existiam em

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carater'efetivo nas grandes metropoles. Tornaram-se gran­des em fungao das obras do pos-romantismo e era, pois, natural que os compositores escrevessem para esses con­juntos. Niio era esta, obviamente, a unica raziio. Como exemplos citamos obras de Alban Berg (1885-1935), Hindemith, Benjamin Britten (1913), Strawinsky e ou­tros.

A partir do Expressionismo que postulava decidida­mente a utilizagao de quaisquer recursos s~noras, desde que a vontade expressiva do artista 0 exigisse, a orques­tra, seja de camara, seja grande, ficou enriquecida de novos instrumentos, as vezes de carater nacional.

Se quisessemos destacar uma tendencia dominahte na orquestra do seculo XX, ficariamos desapontados. Di­flcilmente poderiamos dizer que a orquestra de camara ou a grande orquestra tivessem a primazia.

o mesmo vale em rela~ao a musica brasireira. Obser­vamos a mesma diversifica~ao nas obras de Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Claudio San­toro, Edino Krieger,etc.

A regencia

Ja os gregos conheciam a regencia _ ou melhor, a marc~ao do ritmo - que se exercia mediante batidas dos pes do corifeu .. Mals tarde apareceu a marc~iio do ritmo com as maos (Schola Cantorum fundada por Gre­g6rio Magno, por volta de 600) que, ao mesmo tempo, indicavam as ondula~oes melodicas. No seculo XVI ja vemos quadros representando regentes que dirigiam ou com as maos ou com rolo de papel de musica ou ainda com uma batuta.

Durante boa parte do Barroco os conjuntos instru­mentais - ate nas operas - eram regidos a partir do cravo. Somente a musica coral tinha regente. Lully, na Fran~a, passou a dirigir as suas operas com um longo bastao com 0 qual podia bater no chao. Na Alemanha, como na Italia, persistiu, no entanto, 0 costume de diri­gir a partir do cravo. Participava tambem, da dire~ao, o spalla, isto e, 0 primeiro dos primeiros violinos. Surgiu assim uma verdadeira duplicidade de regencia durante 0 seculo XVIII.

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A regencia (mica, diante de uma estante, apareceu no final do seculo XVIII. Em Berlim foi J. Fr. Reichardt o primeiro a introduzir a modifica~ao. No come~o do se­culo XIX 0 costume generalilla-se. Weber, Spohr, Men­delssohn e outros regem com batutas. E nesta epoca que, aos poucos, a regencia passa a ser uma especializa~ao . o regente transforma-se em interprete. Logo mais vai aparecer 0 virtuosismo. 0 primeiro representante celebre foi Hans von Blilow (1830-1894) que pils 0 seu talento a disposigao de Wagner. Dai em diante surgem regentes famosos em quantidade cada vez maior. A maloria e so­bejamente conhecida do publico amante da musica eru­dita.

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Exempl08 musicals oomentaAlos

Exemplo 1 No exemplo a aBsinalamos com A - &rats e com B - t6sis. Em.

bora no 6rgao naa se poa.s& acentuar, urns. tran8cri~Ao para outro instrumento m03traria imediatamente que a prlmeira nota de cada grupo binarto impliea esfOrc;o e a segunda repouso.

Ja. no exemplo b a grande rapidez das tercinas obriga a can. siderA-las como uma nota 56. As pausB.8 fazem parte integrante do ritmo. :m importante nao confundir as celulas ritmicas com as figu­raa. Eventualmente pode haver coincid~ncia; em geral, por6m. ni\o M.

Fuga - J. Sebaot_ Bach (18811-1750)

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Slnfonla N_" 41 - W. A. Mozart (17116-1791)

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Exemplo 2 o exemplo a ilUBtra urn C&80 de llnha mcl6dica que naa 6

melodia. 0 exemplo b tern canter de melodia; e cantavel.

PrelUdln - J. Sebastian Bach (1685-1750)

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Chanson - Orlaudo <II Lasso (1532_1594)

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ExempIo S o tema deata fuga de Bach compoe-se de duas figuras, ass1-

n&ladas com A e B. A segunda, embora possa ser considerada derivada da primeira (comparem-se as esqueleto8). tern, no en­tanto, urn carater diferente. Por isto e' melhor considera..la como urno. segunda figura.

o famoso moteto de Palestrina (ex. b) que tern uma primeira sec~Ao construlda a partir de duas figuras distintas, irnitadas suo cessivamente pelas diferentes vozes.

Fuga - J. Sebaatlau Bach (18811-1750)

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Sicut Cervus (moteto) - Paletltrlna (1515-1594)

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Exemplo 4 o inlel0 do primeiro tema da Sonata para. Plaao, op. 10, n. c 1,

de Beethoven, apresenta urn motivo (A) energico, ascendente; seu carater e predominantemente rftmico e harmOnica. ESte motivo suscita 0 desejo por urn motivo complementar, de carater anta.. gOniC'O, portanto mais repousante, mais melodioso, mais horizontal. 1D 0 que acontece com 0 motivo B. Entre ambos estabelece-se uma tenslo dialetica. Notemos bern, 0 motivo A exige urn complemento. Isto nao sucede com uma figura que se basta a si .mesma.

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Sonata para plano, op. 10 n." 1 - L. V. Beethoven (1770-1827)

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Exemplo 5 No exemplo a e.sta llustrado urn tema de fuga. Sell carS-ter

~ essenci.almente Hnear, JA no exemplo seguinte, come~ do prt­melro tema da Sintonla B.

o 41 (Jupiter) de Mozart, notamoe logo dois blooos: urn de carater rltmico, confiado ao tutti, seguido de Qutro, executado pelas cordas e de natureza mel6dica. Ambos 08 bloeos, portanto, sao orquestrados de modo dlferente e condi­zenta com a :sUa fl8.tureza.

Tema de Fuga - J. S. B""h (1685-1750)

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Inlclo do I." tema da SlnfoDia N.' 41 - W. A. Mozart (171l6.1791)

A.\Ie~l"O vivace

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Exemplo 6 Ilustramos com esle exemplo a polifonia. Observ&-se a lnde­

pcnd~ncia ritmiea das dURs linhas meJ6dlcaB. bern como a lnde­pendencia me16dica. eada linha funciona com autonomla expreaai. va . Na verdade uma imita a outra rtgorosame.nte. Prel6dlo para 6rgio - J. S. Bach (1885_17150)

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Exemplo 7 Temos &qui urn caso Upico de homofonia. ou seja, de melodi:l

acompanhada. 0 interesse mel6dico esta concentrado na linha su­perior. A voz intennediaria executa urn acompanhamento ritmico que nAo e outra coiBa senAo um.a sucess8.0 de &cordes animados rttmlC&mente. Ests voz nao apresenta nenhum interesse rnel6dico. A voz maiB grave colabora na harmonizac;lo e nAa apresenta, tampoueo, interesse me16dico. Temas ai, portanto, verdadeira me­lodia acompanhada.

Cenao Infantl. - R. Schumann (1810-181l6)

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