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1 PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DOS COMERCIANTES DO BAIRRO BRASIL – VITÓRIA DA CONQUISTA/BA Vagner Alves da Silva 1 RESUMO Trabalhar com a categoria Território implica diversas possibilidades, tanto no sentido das derivações dessa categoria, como a territorialização, quanto à diversidade escalar que esse tipo de análise permite. Assim, para se compreender um determinado território, precisa-se ter a noção de como essa categoria deve ser trabalhada e qual escala a ser utilizada nesse fenômeno, a fim de que se tenha uma maior precisão no estudo proposto. Nesse contexto, a presente pesquisa, parte de um trabalho monográfico que visa compreender como se deu o processo de territorialização dos comerciantes do bairro Brasil – Vitória da Conquista – BA. Apresenta uma análise de como esses comerciantes se territorializaram em tal bairro, formando uma identidade territorial muito forte nessa localidade. A relevância dessa pesquisa está atrelada à importância do comércio desse bairro para Vitória da Conquista, sendo esse subcentro o segundo maior do município, movimentando todo o lado oeste da cidade. Além disso, esse é o primeiro estudo com esse tipo de abordagem em relação aos comerciantes dessa localidade, tornando essa, uma análise singular em relação aos demais trabalhos sobre o bairro Brasil. Dessa forma, essa pesquisa buscou um entendimento de como esses comerciantes se territorializaram nesse bairro, considerando-se diversos aspectos dessa territorialização, tais como: época em que se territorializaram, as primeiras atividades comerciais desenvolvidas, os motivos dessa territorialização, as relações ali estabelecidas, o porquê da escolha desse espaço para essa territorialização e quais os suportes encontrados para manutenção e expansão desse comércio. Com isso, a partir desses aspectos abordados, analisou-se como se deu o processo de territorialização dos comerciantes do bairro Brasil. Palavras-chave: Territorialização. Comerciantes. Identidade territorial. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho traz uma análise referente a uma monografia intitulada: “Processo de territorialização dos comerciantes do bairro Brasil – Vitória da Conquista – BA”. Nesse artigo, buscou-se apresentar alguns pontos dessa pesquisa, mostrando como esses comerciantes se territorializaram nesse bairro. Partindo desse princípio, essa questão é fundamental para a compreensão desse grupo enquanto agentes que se territorializaram e do próprio território em que se estabeleceram, formando uma identidade territorial de um dos bairros mais tradicionais da cidade. 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB; Bolsista do Programa Institucional de Iniciação à Docência PIBID; Rua Porto Alegre, 964, Patagônia. Vitória da Conquista BA. ; [email protected].

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PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DOS COMERCIANTES DO BAIRRO BRASIL – VITÓRIA DA CONQUISTA/BA

Vagner Alves da Silva1

RESUMO Trabalhar com a categoria Território implica diversas possibilidades, tanto no sentido das derivações dessa categoria, como a territorialização, quanto à diversidade escalar que esse tipo de análise permite. Assim, para se compreender um determinado território, precisa-se ter a noção de como essa categoria deve ser trabalhada e qual escala a ser utilizada nesse fenômeno, a fim de que se tenha uma maior precisão no estudo proposto. Nesse contexto, a presente pesquisa, parte de um trabalho monográfico que visa compreender como se deu o processo de territorialização dos comerciantes do bairro Brasil – Vitória da Conquista – BA. Apresenta uma análise de como esses comerciantes se territorializaram em tal bairro, formando uma identidade territorial muito forte nessa localidade. A relevância dessa pesquisa está atrelada à importância do comércio desse bairro para Vitória da Conquista, sendo esse subcentro o segundo maior do município, movimentando todo o lado oeste da cidade. Além disso, esse é o primeiro estudo com esse tipo de abordagem em relação aos comerciantes dessa localidade, tornando essa, uma análise singular em relação aos demais trabalhos sobre o bairro Brasil. Dessa forma, essa pesquisa buscou um entendimento de como esses comerciantes se territorializaram nesse bairro, considerando-se diversos aspectos dessa territorialização, tais como: época em que se territorializaram, as primeiras atividades comerciais desenvolvidas, os motivos dessa territorialização, as relações ali estabelecidas, o porquê da escolha desse espaço para essa territorialização e quais os suportes encontrados para manutenção e expansão desse comércio. Com isso, a partir desses aspectos abordados, analisou-se como se deu o processo de territorialização dos comerciantes do bairro Brasil. Palavras-chave: Territorialização. Comerciantes. Identidade territorial. 1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz uma análise referente a uma monografia intitulada: “Processo

de territorialização dos comerciantes do bairro Brasil – Vitória da Conquista – BA”. Nesse

artigo, buscou-se apresentar alguns pontos dessa pesquisa, mostrando como esses

comerciantes se territorializaram nesse bairro. Partindo desse princípio, essa questão é

fundamental para a compreensão desse grupo enquanto agentes que se territorializaram e do

próprio território em que se estabeleceram, formando uma identidade territorial de um dos

bairros mais tradicionais da cidade. 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB; Bolsista do Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID; Rua Porto Alegre, Nº 964, Patagônia. Vitória da Conquista – BA. ; [email protected].

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A princípio, levantou-se uma base teórica a certa dos processos de territorialização,

desterritorialização e reterritorialização. Essa discussão tem uma grande relevância para a

compreensão dessa pesquisa, pois se trata de um ensaio do tipo de abordagem proposta.

Embora a desterritorialização e a reterritorialização não chegam a aparecer diretamente no

decorrer da pesquisa em si, ambos os processos estão diretamente atrelados à territorialização,

o que promove uma certa dinâmica entre eles e permite que essa discussão aborde temáticas

que não estão diretamente ligadas à pesquisa, porém, estão vinculadas à análise proposta.

Na segunda parte, buscou-se analisar como se deu o processo de territorialização dos

comerciantes desse bairro, levando-se em consideração diversos questionamentos e fatores

que se conciliaram e resultaram no fenômeno aqui estudado. Dentre esses questionamentos e

fatores, pode-se destacar: época em que se territorializaram, as primeiras atividades

comerciais desenvolvidas, os motivos dessa territorialização, as relações ali estabelecidas, o

porquê da escolha desse espaço para essa territorialização e quais os suportes encontrados

para manutenção e expansão desse comércio.

Dessa maneira, foi possível elaborar uma análise de como esse processo se

desenvolveu no bairro Brasil, gerando uma dinâmica bem atrelada ao comércio desse bairro e

mostrando a evolução dos comerciantes em tal localidade, partindo desde o princípio da sua

territorialização nesse local até o desenvolvimento de uma identidade territorial local

relacionada ao subcentro comercial do bairro Brasil.

2 TERRITORIALIZAÇÃO, DESTERRITORIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO: UM PARECER

As pesquisas sobre território abrem diversas possibilidades para a análise territorial,

ostentando uma discussão que vai além do conceito propriamente dito, trabalhando também as

diversas variáveis dentro dessa categoria. Ao se trabalhar essa temática, seja enquanto meio

de análise, ou enquanto conceito, sempre se passará por outros temas vinculados à categoria

que devem ser levados em consideração para sua compreensão. Dentre esses temas, pode-se

destacar alguns, como a territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Para

Chelotti, 2010:

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Estamos diante do que se denominou processos geográficos de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (TDR), pois a criação de territórios seria representada pela territorialização, a sua destruição (por mais que seja temporária) pela desterritorialização, e pela sua recriação a partir de processos de reterritorialização. (CHELOTTI, 2010, p. 167).

De maneira geral, esses são os conceitos de Territorialização, Desterritorialização e

Reterritorialização seguido pelo autor. Nesse caso, percebe-se a forma como esses “processos

geográficos” estão presentes nas discussões contemporâneas da geografia com alguns dos

princípios adotados para análise de um determinado território. Atualmente é difícil propor

uma análise territorial sem trabalhar esses processos, pois no momento vivenciado pela

sociedade, a TRD está presente em novos e velhos territórios, tanto formando-os quanto

“destruindo-os”. Para Haesbaert, 2004: (...) a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no sentido de experimentar vários territórios ao mesmo tempo e de, a partir daí, formular uma territorialização efetivamente múltipla, não é exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma “multiterritorialidade”. (HAESBAERT, 2004, p.344).

Segundo Haesbaert, a territorialização pode ser trabalhada com a concepção de

multiterritorialidade, pois nesse caso, é possível ter diversos territórios articulados entre si

numa territorialização múltipla, proporcionando assim uma multiterritorialidade. Dessa forma,

compreende-se que o conceito de territorialização pode abordar diversas outras temáticas

dentro da categoria território. No caso específico da multiterritorialidade, ela se vincula mais

diretamente à territorialização devido ao contexto de globalização em que se vivencia

contemporaneamente, trabalhando assim inclusive com outras categorias, como as redes, que

podem articular diferentes territórios na multiterritorialidade. Enquanto “continuum” dentro de um processo de dominação e/ou apropriação, o território e a territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações – que é também e, sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através dos múltiplos agentes/ sujeitos envolvidos. Assim, devemos primeiramente distinguir os territórios de acordo com os sujeitos que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais, o Estado, empresas, instituições como a Igreja, etc. As razões do controle social pelo espaço variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo. (HAESBAERT, 2004, p. 3).

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Com isso, observa-se a importância dos agentes que constroem o território para se

compreender sua multiplicidade. Nessa mesma perspectiva, os processos de

desterritorialização e reterritorialização também estão correlacionados com a múltiplos

agentes que constroem o território e o territorializa, porém, esses dois processos são

sucessores da territorialização. A multiplicidade desenvolvida dentro da territorialização se

manifesta também em diversos fatores envolvidos nesse processo, dentre eles, o poder

estabelecido em uma determinada territorialidade. Considerando-se a importância dos agentes

que desenvolvem o território, têm-se ai as razões do controle territorial de um determinado

grupo a partir de suas perspectivas. Segundo Haesbaert, 2002: Simplificadamente podemos afirmar que a desterritorialização é o movimento pelo qual se abandona o território, “é a operação da linha de fuga” e a reterritorialização é o movimento de construção do território (DELEUZE e GUATTARI, 1997:224); no primeiro movimento, os agenciamentos se desterritorializam e no segundo eles se reterritorializam como novos agenciamentos maquínicos de corpos e coletivos de enunciação. Deleuze e Guattari afirmam que a desterritorialização e a reterritorialização são processos indissociáveis. Se há um movimento de desterritorialização, teremos também um movimento de reterritorialização. Esse movimento concomitante de desterritorialização e reterritorialização está expresso no “primeiro teorema” da desterritorialização ou “proposição maquínica” (HAESBAERT, 2002 p. 8).

Nessa abordagem, entende-se a desterritorialização como a finalização de um

determinado território, decorrente da perca ou abandono do território por parte de quem o

territorializou. Isso também implica a perda da dinâmica dinâmica territorial original a qual

caracteriza tal territorialidade. Quando esse grupo se territorializa em uma outra localidade,

compreende-se que ocorreu o fenômeno definido como reterritorialização. Outra percepção a

partir dessas concepções é a forte relação entre os dois processos (desterritorialização e

reterritorialização), apontando que se tem um processo de desterritorialização,

automaticamente se terá um processo de reterritorialização. Para Saquet (2007, p.111) os processos de T-D-R “são simultâneos e podem ocorrer no mesmo lugar ou entre diferentes lugares, no mesmo momento ou em distintos momentos e período históricos, de acordo com cada situação, cada relação espaço-temporal”. As “constantes transformações” pelas quais sofre(m) o(s) território(s) permite-nos observar modificações espaços-temporais, permite-nos observar o(s) processo(s) des-reterritorializante(s) pelo(s) qual(is) passou(passaram) e/ou passa(m) o(s) território(s). A

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discussão acerca desta tríade nos permite questionar as múltiplas facetas do território a ser estudado e possibilita-nos perceber o surgimento de áreas como as excluídas e as incluídas, como as periféricas e as centrais distribuídas territorialmente no espaço urbano. Pois a diversidade dinâmica sócio-espacial inerente ao processo de desreterritorialização proporciona constante modificação do território com o passar do tempo. (CASTRO, THEÓPHILO E RODRIGUES, p.5).

Nesse contexto, percebe-se a variedade de opções que os processos de

territorialização, desterritorialização e reterritorialização abrem sobre uma perspectiva de

análise, mantendo uma abordagem que permite visualizar o território em uma amplitude

maior, desde a sua formação até as diferentes configurações territoriais. Com isso, os

processos em questão não se limitam apenas em um único local, em um único momento, mas

sim, variando em diversos locais e outros momentos. Sendo assim, um determinado grupo

pode se territorializar em uma determinada localidade, posteriormente, perder seu território e

depois se reterritorializar em outra territorialidade, em um curto ou longo espaço de tempo. A territorialização constitui um processo dinâmico por meio do qual os seres humanos, movidos por seus interesses, estabelecem fixações no espaço territorial. O processo inverso, a desterritorialização, diz respeito ao desenraizamento das pessoas e coisas de tais territórios. (GREGOTY, et al apud COIMBRA, 2013, p. 52).

Observa-se, nessas concepções, a presença das relações sociais estabelecidas em um

determinado espaço para se compreender a territorialização e a desterritorialização. Nesse

caso, compreende-se que um certo grupo, ao manter uma relação com um determinado

espaço, de acordo com seus interesses, está territorializando tal espacialidade. Com isso,

considera-se que a territoralização não se constitui apenas de forma política, mas também a

partir do momento que se estabelece uma fixação em um determinado território, considerando

essa fixação desenvolvida através de uma apropriação de tal território, de um processo

político ou econômico. A partir do momento em que esse grupo perde essa ligação com o

território, ocorre uma desterritorialização. Já a reterritorialização ocorre quando o mesmo

grupo realiza uma nova territorialização em outro espaço. A reterritorialização, por sua vez, constitui a repetição das práticas de territorialização pelos mesmos indivíduos (GREGORY, et al., 2009). Haesbaert (2005;) problematiza que a desterritorialização do espaço seja um mito, pois, em seu lugar, existe um processo de multiterritorialidade: “[...] o território, como espaço dominado e/ou apropriado, manifesta hoje um

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sentido multi-escalar e multidimensional que só pode ser devidamente apreendido dentro de uma concepção de multiplicidade, de uma multiterritorialidade” (HAESBAERT, 2005, p. 67, 90). ( COIMBRA, 2013, p. 52).

Percebe-se a reterritorialização na prática de um indivíduo se reestabelecer em um

novo território, após ter se desterritorializado do seu território de origem, porém, as diversas

possibilidades dimensional dessa concepção a enquadra na multiterritorialidade, entendendo-

se assim a multiterritorialidade também como um processo que abarca uma diversidade de

outros processos territoriais, em diferentes escalas e circunstâncias. Um aspecto importante da

reterritorialização é que ela não ocorre apenas em função de uma desterritorialização, mas sim

em todas as vezes que um grupo se (re)territorializa em um novo território. No cotidiano, a dinâmica mais comum é que passemos constantemente de um território para outro. Trata-se de uma des-reterritorialização cotidiana, onde se abandona, mas não se destrói o território abandonado. Por exemplo, o operário de uma fábrica de automóveis. No decorrer do dia, ele atravessa basicamente dois territórios – o território familiar e o território do trabalho. Em cada um deles existem agenciamentos maquínicos de corpos e agenciamentos coletivos de enunciação muito distintos. (HAESBAERT, 2004, p. 138).

Dessa maneira, destaca-se a presença da reterritorialização no cotidiano, sem

necessariamente se passar por uma desterritorialização (considerando a desterritorialização

como o fim de um território), nesse caso, com o indivíduo ou grupo migrando diretamente de

um território para outro. O autor citou o exemplo de um operário de uma fábrica de

automóveis. A mudança de territórios que ele atravessa durante o dia não implica o fim de um

desses territórios. Ele, enquanto indivíduo, se reterritorializa em um outro ambiente sem que

isso resulte no fim do seu território de origem. Considerando essa compreensão de

reterritorialização, um outro exemplo, poderia ser o caso dos estudantes que se deslocam

diariamente (ou temporariamente, em certos casos) de casa para a escola ou universidade.

Nesse caso, o território no qual esse estudante habita não deixará de existir, nem de pertencer

a esse estudante, porém, o mesmo vai se reterritorializar no ambiente de estudo, um território

diferente do qual esse sujeito se encontrava anteriormente.

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O desenvolvimento de novas territorialidades envolve diversos aspectos que vão além

da territorialização, desterritorialização e reterritorialização, passando por pressupostos como

relações de poder, dominação, dentre outros. Para Sack, 1986: A Territorialidade para os humanos é uma estratégia geográfica poderosa para controlar pessoas e coisas através de um controle de área. Os territórios políticos e a propriedade privada da terra podem ser as suas formas mais familiares, mas a Territorialidade ocorre em vários graus e em inúmeros contextos sociais. Ela é usada nas relações do dia-a-dia e nas organizações complexas. A Territorialidade é uma expressão geográfica primária do poder social. Ela é um meio pelo qual o espaço e o tempo estão interrelacionados. A mudança de funções da Territorialidade nos ajuda a entender as relações históricas entre a sociedade, o espaço e o tempo. (SACK, 1986, p. 6).

Conforme a citação acima, entende-se a territorialidade como uma forma de controlar

um determinado território, não apenas de forma política, mas também através de outros

meios, como culturais e econômicos. Apresenta-se uma forte relação geográfica de poder

social que se manifestam através do tempo e do espaço, ao se relacionarem, dando a tal

território uma historicidade que vai se materializar através dessas relações de poder que os

indivíduos desenvolvem no território. Dessa forma, o território representa também as relações

de poder perpassando pelo espaço em uma dada temporalidade. A importância de se

compreender essa temporalidade nas relações que marcam o território é o fato de que a

territorialidade se desenvolve a partir de um determinado espaço de tempo, sendo que os

processos que marcam essa territorialidade, consequentemente, se desenvolvem também a

partir dessa temporalidade. Com isso, os processos de territorialização, desterritorialização e

reterritorialização não ocorrem de forma instantânea, mas a partir de uma relação espaço-

temporal expressa por uma determinada relação de poder que determinado grupo ou indivíduo

desenvolve durante um período para dominar tal território.

Por fim, compreende-se os processos de territorialização, desterritorialização e

reterritorialização como agentes formadores e transformadores dos territórios, atuando em

diferentes momentos em um determinado território, bem como em diferentes momentos por

um determinado grupo. No caso da territorialização, ela apresenta-se durante a criação de um

determinado território, através das relações criadas por um indivíduo e/ou grupo que detém o

poder sobre um espaço, implantando uma dinâmica territorial em tal localidade. Na

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desterritorialização, esse suposto grupo perde seu poder sobre esse território, perdendo

consequentemente suas raízes e deixando de dominar tal territorialidade. Enquanto isso, a

reterritorialização se torna uma variável sobre a perspectiva da desterritorialização, pois esse

processo de reterritorialização pode ser caracterizado quando um determinado grupo se

reestabelece em um determinado território. A partir do momento que esse grupo recupera seu

poder sobre um dado território, automaticamente ele se reterritorializa. Além disso, a

reterritorialização não acontece apenas na perspectiva de um grupo, podendo se manifestar

através de um indivíduo que deixa seu território para se reterritorializar em um novo território

sem necessariamente perder o vínculo, ou, pelo menos, implicar o fim do território anterior.

Outro ponto importante a se levantar a respeito da reterritorialização, é que ela pode não

necessariamente passar pela desterritorialização, porém, sempre depois de uma

desterritorialização, quem domina o território anterior tenderá a se (re)territorializar em uma

nova territorialidade, independente do tempo que leve durante a transição entre tais processos.

3 TERRITORIALIZAÇÃO DOS COMERCIANTES DO BAIRRO BRASIL

O Bairro Brasil, um dos mais tradicionais de Vitória da Conquista, apresenta uma forte

dinâmica territorial. Suas vias permitem acesso a várias localidades, tornando-o assim uma

das principais rotas de passagem para os demais bairros. Como consequência, observa-se que

esse bairro possui fluxos intensos advindos de outras áreas às quais dá acesso. Além disso,

sua população está entre as maiores de Vitória da Conquista, embora não tenha uma dimensão

territorial muito ampla se comparado a outros bairros.

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Fig. 1 – Mapa de localização do bairro Brasil em Vitória da Conquista – BA

Fonte: IBGE/ Elaboração: SILVA, V. 2015

Conforme se observa no mapa acima, o bairro Brasil não está entre os maiores de

Vitória da Conquista do ponto de vista territorial, mas possui uma das maiores populações

(20.922 habitantes, segundo o censo do IBGE em 2010) dentre os bairros da cidade. Isso pode

ser atribuído a diversos fatores, dentre eles, seu adensamento populacional e sua “tradição”

enquanto um dos bairros mais antigos do município. Fazendo fronteira com os bairros:

Centro, Ibirapuera, Bateias, Patagônia e Jurema, segundo seu decreto de formação: Inicia-se no ponto do cruzamento da Av. Barreiras com a Av. Brumado, seguindo pelo eixo desta até interceptar a Av. Presidente Dutra (BR 116/Rio-Bahia), seguindo pelo eixo desta o cruzamento com a Av. Paraná, seguindo pelo eixo desta até encontrar o cruzamento com a Av. Frei Benjamim, subindo pelo eixo desta até o ponto colinear com o muro do aeroporto, seguindo por este até um ponto colinear com o eixo da rua Alberto Farias, seguindo pelo eixo desta até interceptar com a Av. Barreiras, subindo pelo eixo desta até o cruzamento com a Av. Brumado, retornando ao ponto inicial. (Lei Nº 798/95).

Com isso, se tem um território definido para o bairro Brasil, com alguns destaques

importantes, a começar pelas suas fronteiras. Uma dessas fronteiras é com o Centro de Vitória

da Conquista, um local de comércio e serviços que influência muito na organização interna da

cidade e na sua dinâmica territorial. O bairro Brasil também faz fronteira com outros bairros

muito populosos de Vitória da Conquista, que é o caso dos bairros Patagônia (26.641,

segundo o censo do IBGE de 2010) e Ibirapuera (14.308, segundo o censo do IBGE de 2010).

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Um outro aspecto importante da localização desse bairro está nas avenidas que o cruzam e o

delimita com os demais bairros, como no caso da Av. Presidente Dutra, uma das principais

estradas do país e que proporciona uma dinâmica diferente no seu entorno. A outra, a Av.

Brumado liga o lado Oeste de Vitória da Conquista ao centro da cidade, sendo que é a

principal rota para o centro utilizada por quem vem de cidades como Anagé, Aracatu,

Brumado, dentre outras. E por último, a Av. Frei Benjamim, que liga o bairro Brasil ao

Patagônia em um eixo com uma forte dinâmica comercial em sua extensão. Essa breve análise

descritiva da localização do bairro é importante pois apresenta elementos significativos para

compreensão do processo de territorialização dos comerciantes desse bairro.

Apesar desses elementos na sua formação, o grande destaque do bairro Brasil é em

relação ao comércio, apresentado-se como um subcentro comercial, segundo a prefeitura,

ficando atrás apenas do próprio Centro da cidade. Essas atividades comerciais se

desenvolveram inicialmente com a feira livre em 1987, popularmente conhecida como

Feirinha do Bairro Brasil porém, se expandindo até se tornar referência no comércio local.

Para Lima, 2013: (...) a feira livre nos remete ao resgate histórico da memória de alguns lugares como é o caso do município de Vitória da Conquista – BA, este encontro popular passou por várias mudanças na cidade, sempre vinculado à circulação de pessoas e mercadorias e sua permanência e transformação teve participação ativa dos sujeitos sociais envolvidos como o governo municipal, agricultores/feirantes, moradores e associações. (LIMA, 2013 p. 17).

Dessa forma, percebe-se como a feira livre possui uma importância significativa na

história da cidade, proporcionando um comércio local através de atividades simples, porém,

que podem criar uma identidade territorial em um determinado espaço, como no caso da

identidade formada no bairro Brasil por meio, inicialmente, da feira livre e, posteriormente,

do subcentro comercial desse bairro.

Para Saquet: “O processo de territorialização é um movimento historicamente

determinado; é um dos produtos socioespaciais do movimento e das contradições sociais, sob

as forças econômicas, políticas e culturais, que determinam as diferentes territorialidades”

(Saquet, 2007 p. 15). Com isso, compreende-se a feira livre como o início do

desenvolvimento de tais atividades comerciais, através da força política (pelos benefícios

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propostos para que as atividades comerciais se desenvolvessem em tal localidade), da força

econômica (por se tratarem de atividades econômicas) e da própria questão cultural (a qual se

enquadra a apropriação desse espaço por parte dos feirantes e consumidores), formando

assim, o território dos comerciantes do bairro Brasil. Mesmo assim, os fatores econômicos se

sobrepõem na formação de tal territorialidade, inicialmente pelo próprio desenvolvimento de

uma atividade desse viés marcando tal território, mas também através do poder econômico

que alguns comerciantes detém nesse bairro, possibilitando uma influência dos mesmos sob

as forças políticas que atuam nesse território.

(

Fig. 2 - Recorte para análise territorial do subcentro comercial do bairro Brasil em Vitória da Conquista – BA

Fonte: base cartográfica PMVC./ Elaboração: SILVA, V. 2015.

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O mapa acima apresenta o território de estudo do subcentro comercial do bairro Brasil.

Esse recorte foi definido a partir dos seguintes critérios: inicialmente, optou-se por um recorte

em que ficasse evidente a dinâmica comercial, a fim de se obter o subcentro comercial. O

segundo passo foi delimitar esse território, de tal maneira que privilegiasse as principais vias

do bairro, porém, sem perder de vista a questão dos comerciantes. Com isso, obteve-se a área

de estudo representada acima, a qual além de abarcar territorialmente as principais áreas

comerciais do bairro, privilegiou suas principais vias de acesso, que por sua vez, influenciam

diretamente no desenvolvimento comercial do bairro Brasil.

Durante a pesquisa, percebeu-se que o processo de territorialização dos comerciantes

do bairro Brasil se deu inicialmente através da feira livre, porém, outros fatores influenciaram

nesse processo, contribuindo direta e indiretamente para a consumação de um território

voltado às atividades comerciais dentro desse bairro. Segundo o PDU de Vitória da

Conquista: A partir da Feira do Bairro Brasil e em seu entorno formou-se uma concentração de atividades que vem extrapolando o atendimento simples de bairro. Este centro opcional não conta com a diversificação do Centro principal, porém demonstra uma especialização maior em termos de usos do que aquela que ocorre nos demais bairros da cidade. (Plano Diretor Urbano de Vitória da Conquista, 2010, p. 91)

Dessa forma, entende-se a feira livre como a atividade que marcou o início dessa

territorialização, trazendo aspectos particulares desse tipo de comércio, como as relações

desenvolvidas entre feirantes e consumidores, os encontros de moradores de diferentes

localidades não apenas para consumir produtos, mas também para interagir entre eles,

gerando relações sociais que deram origem a uma dinâmica única naquele território. É

importante ressaltar que nesse processo de formação, essas relações foram fundamentais para

a manutenção desse tipo de território, pois como se trata de uma atividade econômica, o fluxo

gerado por quem consumia em tal localidade mantinha ativa as atividades praticadas pelos

comerciantes, sendo que a forte demanda de consumo nesse comércio foi um dos fatores que

possibilitou o desenvolvimento do subcentro. Supondo que as pessoas deixassem de consumir

nesse território, provavelmente os vendedores abandonariam o comércio local, pois já não

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teriam como obter retorno pelas suas atividades, uma vez que a demanda não seria intensa o

suficiente para manter esse tipo de investimento. Para Fernandes, 2012: A Feira Coberta do Bairro Brasil foi inaugurada no dia 21 de agosto de 1987, na administração do prefeito Hélio Ribeiro. O novo equipamento substituiu a antiga “Feirinha” (como era conhecida a Feira do Bairro Brasil). Tudo começou a partir da desapropriação de uma área de 11.554m² para construir 6.395m², na triangulação de três avenidas: Ilhéus, Brumado e Itabuna. Antes esta área abrigava a antiga “Feirinha” (esquina da Avenida Itabuna), no meio (hoje Avenida Ilhéus) a casa do ex-vereador Ney Ferreira e o hospital pediátrico “Saney” e a garagem da “Suburbana” (na Avenida Brumado), dividindo muro com o antigo DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagens). Sua estrutura física suporta três galpões, totalizando uma área coberta de 3.442m². No pavimento superior existe um espaço destinado para restaurantes, formado por 21 boxes, com mesas e bancos estruturados em cimento. Duas empresas participaram da construção desta obra: a Emurc (Empresa Municipal de Urbanização de Vitória da Conquista) e a Ecosane. (FERNANDES, 2012).

Apesar da apropriação histórica e dos fatores econômicos dos comerciantes na sua

territorialização no bairro Brasil, percebe-se que o poder político também se fez presente

nesse processo, como fica evidente na citação acima ao se relatar a criação da Feira Coberta

do Bairro Brasil. Nesse processo, houve a desapropriação de uma área que foi destinada à

construção de um espaço para atividades da feirinha, consolidando assim esse território

voltado aos comerciantes. Dessa forma, constata-se uma intervenção pública para o

desenvolvimento comercial do bairro Brasil, entretanto, isso não se deu por acaso, mas sim

por um interesse econômico que influenciou diretamente o poder político na definição desse

território. Para Haesbaert, 2004: Podemos então afirmar que o território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’” (Haesbaert, 2004:95-96). Segundo Lefebvre, dominação e apropriação deveriam caminhar juntas, ou melhor, esta última deveria prevalecer sobre a primeira, mas a dinâmica de acumulação capitalista fez com que a primeira sobrepujasse quase completamente a segunda, sufocando as possibilidades de uma efetiva “reapropriação” dos espaços, dominados pelo aparato estatal-empresarial e/ou completamente transformados em mercadoria. (HAESBAERT, 2004, p. 2).

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Ao se analisar o caso da territorialização dos comerciantes do bairro Brasil, observa-se

que essas atividades passam por relações, tanto político-econômica, no sentido de se ter uma

atividade econômica desenvolvida por um grupo que influenciou o poder político em tal

território, como também cultural simbólica, no caso de ser um território apropriado pelos

comerciantes através da feira livre, uma atividade que se apresenta como uma das mais

tradicionais formas de comércio, assumindo um papel singular na sociedade. Dessa forma,

compreende-se que esse processo não se iniciou de forma unicamente espontânea, percebe-se

um interesse político pelo desenvolvimento comercial em tal localidade, tendo em vista que

isso poderia trazer alguns benefícios econômicos, como valorização daquele espaço e uma

nova área de circulação que atrairia consumidores de diversos lugares devido a sua boa

localização. Com isso, além de apresentar características de uma suposta apropriação daquele

espaço pelos comerciantes e consumidores que desenvolveram inicialmente suas relações

sociais, constata-se também uma relação político-econômica, no sentido de estruturar tal área

para o desenvolvimento da feira livre enquanto atividade econômica.

Embora iniciada com a feira livre, nota-se que a territorialização dos comerciantes

apresenta outras características marcantes que cooperaram no seu desenvolvimento. Um dos

principais fatores que promoveram o desenvolvimento do comércio de tal localidade pode ser

sua localização privilegiada em diversos aspectos. A primeira característica desse território

para o desenvolvimento comercial está nas suas vias. Embora o bairro Brasil apresente

algumas ruas com traçados irregulares, a maioria representa diversos meios de se penetrar no

bairro e, principalmente, de chegar ao seu comércio. Dessas vias, pode-se destacar três

avenidas que cooperaram de maneira significativa com esse processo de territorialização dos

comerciantes, inclusive apresentando um forte desenvolvimento comercial em todas as suas

extensões no bairro Brasil. São elas: a Av. Frei Benjamim, a Av. Brumado e a Av. Presidente

Dutra (BR 116). Para Marques, 2014: Após breve período, a avenida Frei Benjamim começou a ter impactos referentes a chegada de grandes estabelecimentos, como o antigo supermercado Superlar na década de 1970, pequenos bares e outros estabelecimentos comerciais. No período entre os anos de 1970 à 1990, o bairro fora se caracterizando por ser um dos mais populares e importantes para a cidade, ganhando cada vez mais aspectos econômicos. E de meados dos anos 1990 até os dias de hoje, vem tendo um forte processo de mudança [...]. Essa modificação caracteriza a via por ter mais atividades terciárias do

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que residenciais, o que vêm causando conflitos com os moradores e comerciantes que utilizam o espaço. (MARQUES, 2014, p.45)

É visível a maneira como a Av. Frei Benjamim foi importante para o desenvolvimento

das atividades comerciais no bairro Brasil. Sempre marcada pela presença de

estabelecimentos de grande porte, como o supermercado Superlar citado por Marques, o

desenvolvimento comercial em tal via foi um dos pioneiros desse bairro, se intensificando

significativamente, principalmente a partir da década de 90. É visível também como o

crescimento comercial dessa avenida acaba promovendo uma característica marcante do

subcentro comercial do bairro Brasil, que é a maior quantidade de estabelecimentos

comerciais em relação à quantidade de residências.

A Av. Frei Benjamim merece destaque nessa territorialização por sua funcionalidade

comercial durante sua extensão. Apresentando uma diversidade comercial significativa, essa

avenida liga o bairro Patagônia ao bairro Brasil, porém, mais que isso, ela liga o comércio de

ambos os bairros. No caso do Patagônia, observa-se que boa parte do comércio do bairro se

desenvolveu ao seu entorno, já se tratando do bairro Brasil, o destaque dessa avenida está na

sua proximidade com a feirinha e com importantes elementos que compõem o bairro, como

seus colégios, além de ser rota para outras localidades da cidade, como o aeroporto e outros

bairros. Uma consideração importante para essa avenida é o fato de ela ser a principal avenida

interna do bairro Brasil. Sendo assim, várias linhas de ônibus passam por ela, gerando um

fluxo significativo que cooperou diretamente para o um forte desenvolvimento comercial em

tal territorialidade. Além desses aspectos, é a principal rota para se chegar ao bairro Brasil

vindo da rodoviária e do aeroporto da cidade, se tornando mais importante ainda para a

dinâmica territorial desse bairro. Dessa forma, a funcionalidade dessa avenida se tornou um

grande fator para o desenvolvimento do comércio do bairro Brasil devido a sua importância

interna nesse bairro. A Avenida Brumado é uma via que aparece em destaque no Bairro Brasil, com um subcentro comercial e de serviços de importância significativa, o comércio passou a se intensificar neste local criando condições para a expansão territorial e as suas transformações. (VELOSO, 2012, p.44).

No caso da Av. Brumado, percebe-se que sua importância aparece muito desde o

início da territorialização dos comerciantes a partir da feira livre. Sendo uma das principais

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vias de acesso de outras cidades a Vitória da Conquista, essa avenida leva diretamente para a

feirinha. Além disso, é uma das principais rotas que liga a cidade de Oeste a Leste. Um

destaque para tal avenida está também no seu comércio, desenvolvido em toda a sua extensão,

porém, um pouco concentrado na área da construção civil, com grandes lojas de materiais

para construção, madeireiras, dentre outros. Algo interessante nessa via é o fato dela possuir

vários postos de gasolina na sua extensão, devido ao acesso direto ao anel viário e à BA 262.

Por ser uma rota importante nesse sentido da mobilidade tanto dentro quanto fora da cidade e

passar pelo bairro Brasil, essa avenida acabou cooperando de forma significativa para o

desenvolvimento comercial do bairro e na sua identidade territorial com o comércio, pois o

surgimento desse território dos comerciantes se deu inicialmente ao seu entorno, sendo

desenvolvido também pelos fluxos gerados por essa avenida.

Em relação à avenida Presidente Dutra, compreende-se que sua importância vai além

do bairro Brasil, se tornando referência para toda a cidade de Vitória da Conquista. Por ser

uma das principais rotas que ligam o Sudeste ao Nordeste do país, possui um fluxo muito

intenso de veículos de diversas categorias, o que representa um grande consumo nas áreas

urbanas, que tendem a desenvolver um forte comércio nas proximidades da BR. No caso de

Vitória da Conquista, o destaque comercial nesse sentido vai para os serviços relacionados ao

setor automobilístico, como oficinas mecânicas, autopeças, postos de gasolina, que cobrem

todas as extremidades dessa estrada no perímetro urbano da cidade. Porém, ela significa mais

que isso: a referência na divisão entre o lado Leste e Oeste dessa cidade. Para Ferraz, 2001: Outra característica importante, nesse contexto do crescimento urbano é o fato de a cidade se expandir nas proximidades das rodovias que fazem entroncamento no seu território. Nos seus arredores, são implantados loteamentos e bairros, como o bairro Brasil, criado a partir da abertura da BR 116. (FERRAZ, 2001 p. 32).

Constata-se uma importância significativa da BR 116 para o bairro Brasil. Além da

formação do bairro a partir dessa estrada, verifica-se que o desenvolvimento comercial no seu

entorno possibilitou uma expansão territorial do subcentro comercial do bairro Brasil até suas

margens, desenvolvendo uma nova variedade de comércio para esse bairro: o comércio

automobilístico. Uma outra cooperação da BR 116 com esse desenvolvimento comercial foi

devido a sua proximidade com o subcentro comercial, fazendo com que aumentasse o fluxo

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nos estabelecimentos locais por parte de quem trafega pela estrada e precisa de consumir

produtos e serviços sem a necessitariam se deslocar até o centro da cidade.

Com isso, observa-se que as atividades comerciais do bairro Brasil se concentraram

em tal territorialidade muito em função das vias de acesso a esse território, o que lhe permite

uma funcionalidade importante no sentido de possibilitar uma demanda comercial por parte

de quem circula por essas vias. Como se tratam de avenidas com uma circulação muito

intensa, além de ligar a diversas localidades da cidade e da região, pode-se atribuir a essas

avenidas um forte fator responsável pela territorialização dos comerciantes do bairro Brasil,

pois além de cortarem ou serem entroncamento do bairro, todas elas permitem acesso direto

ao subcentro comercial do bairro Brasil e intensificam o consumo de produtos e serviços em

tal territorialidade por parte de quem se desloca através dessas vias.

Outro aspecto considerado importante para a territorialização dos comerciantes do

bairro Brasil é a sua proximidade com o Centro Comercial de Vitória da Conquista. Um

aspecto significativo entre o bairro Brasil e o Centro é que eles são divididos pela BR 116.

Por conta disso, verifica-se que as atividades comerciais desenvolvidas no entorno da avenida

se deu em ambos os bairros, porém, no caso do Centro, percebe-se um distanciamento desse

comércio no entorno da avenida com o comércio do núcleo comercial da cidade, já no bairro

Brasil, esse comércio da BR 116 praticamente se estende até o subcentro comercial do bairro,

formando um único território definido a partir das relações desenvolvidas pelos comerciantes.

Embora essa proximidade com o Centro comercial de Vitória da Conquista não ligue

ambos os territórios diretamente, compreende-se o comércio do bairro Brasil como uma

extensão do comércio desenvolvido no centro da cidade. Segundo o PDU de Vitória da

Conquista, 2010: “Identifica-se a formação de um subcentro no Bairro Brasil, uma

descentralização do Centro da Cidade, como uma nucleação opcional a este. É a única

concentração com características de subcentro, que se encontra em processo de fusão com a

área central.” (PDU de Vitória da Conquista, 2010, p. 91). Percebe-se assim que sua

proximidade com o Centro permitiu também que os comerciantes se territorializassem no

bairro Brasil, destinando-se a uma possível fusão num futuro próximo com o Centro. Porém,

mesmo sem essa fusão, é possível perceber o bairro Brasil como uma prévia extensão do

Centro Comercial de Vitória da Conquista, devido a diversos fatores, dentre eles, a

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intensidade das atividades comerciais ali desenvolvidas e a presença de grandes empresas

comerciais que geralmente só se instalam em locais com uma estrutura definida. Dessa forma,

pode-se consumir no bairro Brasil os mesmos serviços encontrados no Centro da cidade, com

exceção de algumas atividades e produtos de difícil acesso, mas no consumo básico diário, a

maior parte dos produtos são encontrados em ambas as localidades.

Constata-se que a territorialização dos comerciantes do bairro Brasil envolve diversos

fatores que a possibilitaram e ofereceram suporte a esse processo. Esses fatores, combinados

com o poder econômico, contribuiu para o desenvolvimento do maior subcentro comercial de

Vitória da Conquista. Ao se analisar esse processo, verifica-se que o desenvolvimento das

atividades comerciais não se deu em tal local por acaso. Percebe-se a existência de algumas

vantagens visíveis nesse processo, que envolvem não apenas a localização, mas o interesse

político nesse desenvolvimento. Um fator relevante no interesse político seria o próprio

desenvolvimento do bairro Brasil, esse tipo de atividade possibilitaria um maior

desenvolvimento econômico nesse bairro e no lado Oeste da cidade. É visível que nesse

território, os interesses econômicos por parte dos comerciantes (inicialmente, simples

comerciantes de bairro, porém, posteriormente, com a presença de grandes empresários)

também influenciou o poder político nesse processo. Com isso, a prefeitura investiu no

comércio desse local, possibilitando o surgimento de um grande subcentro comercial.

Observa-se que a proximidade com avenidas importantes da cidade também cooperaram para

esse desenvolvimento, além de darem um suporte para essas atividades se manterem até

atingir um nível significativo. E por fim, verificou-se que a proximidade com o centro

cooperou para a consumação desse polo comercial, sendo que o mesmo se tornaria como uma

extensão do centro comercial de Vitória da Conquista, praticamente unindo ambos os

comércios, conforme aponta a prefeitura.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer dessa pesquisa, ficou evidente que o processo de territorialização dos

comerciantes do bairro Brasil passou por diversos momentos marcantes, implicando

diretamente na formação de um território definido por esse grupo e caracterizado pela

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atividade que os mesmos praticam. A feira livre, enquanto primeira atividade desenvolvida

pelos comerciantes desse bairro, deu início a esse processo, trazendo consigo relações e

características próprias desse tipo de comércio, às quais foram fundamentais para o

desenvolvimento desse território. A maneira como se criou um vínculo estável entre

moradores, comerciantes e aquele local deu origem e permitiu que esse território se

materializasse no bairro Brasil.

As relações desenvolvidas nessa territorialidade não se deram apenas no sentido do

vínculo entre os comerciantes, moradores e esse espaço, mas se materializaram em vínculos

mais profundos que esses para que essa atividade se desenvolvesse em tal localidade, dando

origem, assim, a uma relação político-econômica a quais motivos econômicos influenciou o

poder político na manutenção desse território, como a expropriação de áreas para o

desenvolvimento da feira livre, entretanto, existe também a questão cultural simbólica, na

maneira como esse território foi apropriado pelos comerciantes que ali se estabeleceram.

Diversos fatores influenciaram direta e indiretamente nesse processo de

territorialização dos comerciantes do bairro Brasil. Dentre eles, pode-se destacar as dinâmicas

das principais avenidas do bairro, dando ênfase na Avenida Brumado, que é uma das

principais vias de entradas na cidade vindo-se no sentido Oeste-Leste. A Avenida Frei

Benjamim, que formou um extenso eixo comercial nos bairros Patagônia e Brasil, além da

Avenida Integração (BR 116), que praticamente divide a cidade entre Leste e Oeste,

atribuindo uma dinâmica muito forte no seu entorno devido ao fluxo de veículos. A

proximidade com o centro comercial de Vitória da Conquista também cooperou para o

desenvolvimento do bairro, propondo-se inclusive uma “unificação” do subcentro comercial

do bairro Brasil com o centro comercial de Vitória da Conquista, criando um eixo de

atividades comerciais entre essas centralidades.

Por fim, compreende-se que o grupo dos comerciantes do subcentro comercial do

bairro Brasil se territorializou a partir de uma atividade em particular no ramo comercial, que

foi a feira livre. Suas relações e suporte recebido no sentido político-econômico fez com que

esses comerciantes não só se estabelecessem em tal localidade como também expandissem

suas atividades nesse território, transformando-o nesse subcentro comercial que oferece uma

grande diversidade de tipos de comércios e serviços. Dessa forma, formou-se uma identidade

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territorial relacionada ao comércio do bairro Brasil, caracterizada por uma forte dinâmica

econômica em tal territorialidade.

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