territÓrio e informaÇÃo: as consultorias globais nas...

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1 TERRITÓRIO E INFORMAÇÃO: AS CONSULTORIAS GLOBAIS NAS CIDADES MÉDIAS Sueli Almeida dos Santos 1 RESUMO Com o presente trabalho procuramos discutir o papel da informação na organização e reorganização do território brasileiro e o estatuto que essa variável-chave assume a nível planetário no período histórico contemporâneo. Para tanto, analisamos a conformação seletiva das grandes empresas de consultoria no país, a partir de uma territorialidade vertical. Como recorte empírico, estudamos a configuração estratégica da topologia das empresas pertencentes ao grupo conhecido como Big Four, quais sejam: PricewaterhouseCoopers, Deloitte Touche Tohmatsu, Ernst & Young e KPMG, bem como a expansão destas empresas para as cidades médias na região concentrada. Destacamos, neste sentido, o papel que as cidades de porte médio passam a assumir como difusores de informações no atual período. Palavras-chave: Território. Informação. Consultorias Globais. Cidades Médias. 1 O CAPITAL INFORMACIONAL NA ESCALA PLANETÁRIA: UM PERCURSO No século XIX, segundo Mattelart (2001, p. 15), emerge um novo modelo de circulação para troca de mensagens, fluxos de bens e pessoas, associado às novas formas de organizar a produção. Destaca-se nesse período, o surgimento de novas redes de comunicação graças às invenções técnicas que nascem no contexto da revolução industrial. A partir destas novas técnicas, a circulação de informação passa a ter ritmos diferentes em relação à circulação de homens e bens. A busca pela ampliação dos lucros acelera o ritmo da produção industrial em escalas cada vez maiores ocorrendo exploração de novos mercados com a redução do tempo de transporte. Daí a demanda por novas técnicas de transportes e comunicações tornou-se crescente a partir do período de revolução industrial. Assim, “a organização dos meios de comunicação que nascem no bojo da segunda revolução industrial e a própria reorganização pela qual passa a imprensa escrita nessa mesma época, expressam claramente essas novas condições sociopolíticas” 2 , (DANTAS, 2003, p. 16). 1 Mestranda em Geografia, Instituto de Geociências – Unicamp. [email protected] 2 A partir da segunda metade do século XIX, acompanhando a expansão numérica daquele novo tipo de

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TERRITÓRIO E INFORMAÇÃO: AS CONSULTORIAS GLOBAIS NAS CIDADES MÉDIAS

Sueli Almeida dos Santos1

RESUMO

Com o presente trabalho procuramos discutir o papel da informação na organização e reorganização do território brasileiro e o estatuto que essa variável-chave assume a nível planetário no período histórico contemporâneo. Para tanto, analisamos a conformação seletiva das grandes empresas de consultoria no país, a partir de uma territorialidade vertical. Como recorte empírico, estudamos a configuração estratégica da topologia das empresas pertencentes ao grupo conhecido como Big Four, quais sejam: PricewaterhouseCoopers, Deloitte Touche Tohmatsu, Ernst & Young e KPMG, bem como a expansão destas empresas para as cidades médias na região concentrada. Destacamos, neste sentido, o papel que as cidades de porte médio passam a assumir como difusores de informações no atual período. Palavras-chave: Território. Informação. Consultorias Globais. Cidades Médias. 1 O CAPITAL INFORMACIONAL NA ESCALA PLANETÁRIA: UM PERCURSO

No século XIX, segundo Mattelart (2001, p. 15), emerge um novo modelo de

circulação para troca de mensagens, fluxos de bens e pessoas, associado às novas formas de

organizar a produção. Destaca-se nesse período, o surgimento de novas redes de comunicação

graças às invenções técnicas que nascem no contexto da revolução industrial. A partir destas

novas técnicas, a circulação de informação passa a ter ritmos diferentes em relação à

circulação de homens e bens. A busca pela ampliação dos lucros acelera o ritmo da produção

industrial em escalas cada vez maiores ocorrendo exploração de novos mercados com a

redução do tempo de transporte. Daí a demanda por novas técnicas de transportes e

comunicações tornou-se crescente a partir do período de revolução industrial. Assim, “a

organização dos meios de comunicação que nascem no bojo da segunda revolução industrial e

a própria reorganização pela qual passa a imprensa escrita nessa mesma época, expressam

claramente essas novas condições sociopolíticas”2, (DANTAS, 2003, p. 16).

1 Mestranda em Geografia, Instituto de Geociências – Unicamp. [email protected] 2 A partir da segunda metade do século XIX, acompanhando a expansão numérica daquele novo tipo de

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Ainda no século XIX, paralela à informação de imprensa, foram criadas, segundo

Mattelart (2002, p. 51) as empresas de informações comerciais na década de 1830 na

Inglaterra, por volta de 1840 nos Estados Unidos (Nova Iorque), em 1857 na França e três

anos mais tarde na Alemanha. Ainda segundo o autor, em 1899, a agência americana J.

Walter Thompson abriu em Londres um escritório de consultoria para os industriais europeus

que tinham interesses em exportar para os Estados Unidos e também criou, em seu escritório

central, um departamento especializado em América Latina.

Os avanços tecnológicos que têm a sua gênese no século XIX com a chamada

Segunda Revolução Industrial têm importância crescente ao longo do século XX à medida

que o capitalismo rompe novas fronteiras e passa a incidir diretamente na aceleração da

economia mundial. Em relação aos meios de produção e transmissão de informação, além da

sua importância na ampliação dos lucros através de diversos usos das informações comerciais

como as relativas ao crédito e a solubilidade das empresas, tornam-se ainda mais relevante

durante o período de guerra; assim, são aperfeiçoadas as técnicas de codificação e

decodificação de mensagens secretas e aperfeiçoam-se o telégrafo e o telefone. Destaca-se

também o papel da radiodifusão, nascida nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século

XX, que tem como objetivo expandir o consumo aos rádio-ouvintes criando novos hábitos de

vida (MATTELART, 2002; DANTAS, 2003).

É durante a Segunda Guerra Mundial que a produção de informação tem o seu grande

impulso de investimento através de vultosos recursos financeiros e equipes científicas da mais

alta qualificação. O objetivo de tais investimentos foi desenvolver máquinas capazes de

efetuar cálculos de alta complexidade de forma mais rápida e também envolvendo dados de

diferentes origens (DANTAS, 2003, p 17). Os investimentos do Estado norte-americano em

pesquisa privada e pública e extensão das empresas de equipamentos eletrônicos e

aeroespaciais saltaram de 14% do orçamento da União, em 1930, para 56% em 1947

(MATTELART, 2002, p. 89). No pós-guerra, formou-se nos Estados Unidos um pequeno

grupo de cientistas-militares, muito influente e dedicado ao desenvolvimento das tecnologias

da informação, que teve como desafio justificar a importância das suas pesquisas para trabalhador desqualificado que a segunda revolução industrial vinha criando e empregando, surge, inicialmente nos Estados Unidos, a imprensa de massa como nova fronteira dos investimentos capitalistas, logo sendo organizada para a obtenção de receitas e lucros” (DANTAS, 2003, p. 16).

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conseguir apoio e recursos financeiros para dar continuidade aos seus trabalhos. A resposta

para tal situação partiu de três demandas sociais concomitantes: i) As Forças Armadas estadunidenses (isto é, o Estado) necessitavam de equipamentos e componentes cada vez mais sofisticados para sustentar e ampliar sua liderança bélica no Ocidente e sua disputa militar com a União Soviética; ii) Os sindicatos operários haviam adquirido um enorme poder no chão-de-fábrica agudizando os conflitos políticos e econômicos com as instâncias gerenciais. Estas perceberam que os servo-mecanismos nascidos da investigação acadêmico-militar podiam ser potenciais substitutos da massa cada vez mais exigente de trabalhadores taylorizados, e passaram a estimular pesquisas que viabilizassem utilizá-los nas fábricas; iii) As organizações comerciais e financeiras empregavam enormes e cada vez menos produtivas massas de trabalhadores de escritório, no tratamento e comunicação de informação, necessitando de equipamentos capazes de automatizar essas atividades (DANTAS, 2003, p 17-18).

Nesse momento de transição do fordismo para a acumulação flexível, também denominado

reestruturação produtiva, “para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho,

‘suprimindo’ a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas

da gerência científica”. (ANTUNES, 2005b, p. 37). Para Chesnais, (1996, pp. 34-5), É nesse contexto que deve ser situada a implementação, pelos grupos industriais (tanto os do setor manufatureiro quanto os das grandes atividades de serviços), das oportunidades proporcionais pelas novas tecnologias, a começar pelas tecnologias informacionais aplicados à produção industrial e às atividades de gestão e finanças. Beneficiando-se, simultaneamente, do novo quadro neoliberal e da programação por microcomputadores, os grupos puderam reorganizar as modalidades de sua internacionalização e, também, modificar profundamente suas relações com a classe operária, particularmente no setor industrial. O grande aumento de produção no setor de manufaturas e nas atividades de serviços concentradas (“industrializadas”), bem como o espetacular recuperação de rentabilidade do capital investido nesses setores, devem-se à ação combinada de fatores tecnológicos e organizacionais.

A partir dos anos 1970, com o advento das modernas tecnologias da informação, há

uma virada histórica na comunicação simultânea entre os lugares. Estaríamos assim,

conforme Dantas (2003, p. 6), na fase ascendente do quinto ciclo, que corresponde à atual

“revolução da informação”3. Mattelart (2001), baseado na divisão do economista americano

3 Kondratieff, em sua época, identificou pelo menos três grandes ciclos: i) 1770-1830: primeira revolução industrial (indústria de fiação movida à roda hidráulica); ii) 1830-1880: segunda etapa da primeira revolução industrial (indústria têxtil movida a vapor); iii) 1880-1940: segunda revolução industrial (indústrias metal- mecânicas, químicas e motores elétricos ou a explosão).” (DANTAS, 2003, p. 6). Baseado nesse método, Dantas

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Marc Uri Porat, apresenta três categorias fundamentais dos serviços informacionais:

A informação finanças, seguros, contabilidade assim como aquela contida nas bases de dados; a informação cultural (cinema, televisão, rádio, livros, jornais, magazines, telegramas de agências); a informação conhecimento (patentes, gerenciamento, consultoria). No “conhecimento”, ele vai incluir, portanto, o conjunto do saber-fazer (knou-how) e saber-apresentar, a experiência organizacional, a informação cientifica e técnica, a informação para a gestão. (MATTELART, 2001, p. 162).

No período técnico atual, dentre as atividades informacionais, destacamos aqui a

informação estratégica, isto é, aquela necessária na organização/gestão dos grandes grupos

econômicos e na articulação do uso corporativo do território. Silva (2001, p. 112),

apresenta quatro grandes tipos de informações estratégicas/produtivas: a informação

(metamorfoseada em dinheiro) presente nas finanças e seus instrumentos modernos; a

informação enquanto imagem (produzida em agências de publicidade); a informação

tecnológica (produzida em centros de pesquisa/universidades) e a informação sobre

negócios (produzida por firmas de consultoria, marketing). É nosso propósito neste trabalho

analisar este último tipo de informação a partir do estudo das grandes consultorias.

2 AGÊNESE DAS EMPRESAS GLOBAIS DE CONSULTORIA E AS INFORMAÇÕES AOS NEGÓCIOS CORPORATIVOS

As primeiras empresas, que posteriormente vieram a se constituir como grandes firmas

na área da consultoria, datam do final do século XIX e início do século XX. A Inglaterra e os

Estados Unidos são os principais locais de origem destas empresas que, nesse período,

apresentavam como atividade principal os serviços de auditoria. A partir de meados do século

XX, sobretudo dos anos 1970, estas empresas se tornaram grandes organizações que

atualmente dominam os serviços de consultoria a nível planetário. Como foi apontado por

Chesnais, (1996, p. 185) Em certas atividades, como o transporte marítimo e a atividade mercantil, a internacionalização das companhias de serviços acompanhou, em muitos casos, a grande onda de multinacionalização das multinacionais industriais, nos anos 1965-1975. Foi o que ocorreu nas empresas de serviços de

(2003) apresenta um quarto ciclo, que seria apoiado na indústria de consumo de massa (1940-1970) e um quinto ciclo que estaria ainda em sua fase ascendente, correspondendo à atual “revolução da informação”. O autor ainda destaca que as datas são aproximadas, mas necessárias à periodização.

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auditoria, publicidade, consultoria de gestão empresarial. A homogeneização da demanda, em torno das normas de “consumo” do capitalismo avançado, que são intensivas em serviços mesmo quando se referem a bens, contribuiu, evidentemente, para esse processo. Nesse aspecto, a internacionalização dos serviços tem a ver também com os grupos industriais, ciosos de manter sua ascendência sobre certas importantes atividades de serviços, complementares às suas operações centrais.

Hoje, as firmas de consultorias, segundo Silva (2001, p. 113), São atores centrais na trama global de produção e distribuição das informações produtivas. No Brasil é somente com o advento da industrialização nacional que haverá uma demanda efetiva por mercadorias organizacionais, isto é, uma demanda por aportes à racionalização dos negócios. E, hoje, o novo contexto político, que parece buscar no “modelo da globalização” novas formas de regulação da economia e do território, requalifica os conteúdos do sistema produtivo nacional, dinamizando ainda mais os circuitos produtivos de informações.

No período atual, as informações produzidas e difundidas por grandes empresas de

consultoria têm alcance planetário dado, entre outros fatores, o grau de competitividade que

as empresas enfrentam no contexto mundial. Tais firmas, segundo Donadone (2001, p. 30),

“apresentam-se como pólo dominante no mercado mundial da consultoria, influenciando tanto

pela razão de ganho de escala, proporcionado pelo porte das empresas, quanto pela

abrangência de sua área de atuação”. Entre estas empresas está o grupo de consultorias

globais4 conhecido como “big four” que é formado pela PricewaterhouseCoopers, Deloitte

Touche Tohmatsu, Ernst & Young e KPMG. As empresas de capital hegemônico do atual

período foram gestadas, em sua maioria, nos países centrais e tiveram o seu crescimento

pautado em políticas, muitas vezes formuladas nestes próprios países, conforme nos alerta

Chesnais, (1996, p. 34), A perda, para a esmagadora maioria dos países capitalistas, de boa parte de sua capacidade de conduzir um desenvolvimento parcialmente autocentrado e independente; o desaparecimento de certa especificidade dos mercados nacionais e a destruição, para muitos Estados, da possibilidade de levar adiante políticas próprias, não são conseqüência mecânica da globalização, intervindo como processo “externo”, sempre mais coercitivo, impondo a cada país, a seus partidos e a seus governos uma determinada linha de

4 No enfoque das “business schools”, o termo “global” se refere à capacidade da grande empresa de elaborar, para ela mesma, uma estratégia seletiva em nível mundial, a partir de seus próprios interesses. Esta estratégia é global para ela, mas não é integradora ou excludente para os demais atores, quer sejam países, outras empresas ou trabalhadores. (CHESNAIS, 1996, p. 37).

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conduta. Sem a intervenção política ativa dos governos Thatcher e Reagan, e também do conjunto dos governos que aceitaram não resistir a eles, e sem a implementação de políticas de desregulamentação, de privatização e de liberalização do comércio, o capital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam podido destruir tão depressa e tão radicalmente os entraves e freios à liberdade deles de se expandirem à vontade e de explorarem os recursos econômicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente.

No contexto nacional, os anos noventa com a abertura da economia brasileira e o

processo de privatização através do Programa Nacional de Desestatização (PND) representam

um período de grande expansão para os serviços consultivos. Segundo Donadone (2001, p.

110), “os processos de reorganização associados às novas configurações do controle de

empresas, representados emblematicamente pelas fusões e aquisições, abrem um grande

espaço de atuação às empresas de consultoria”. Assim, ainda segundo esse autor, As privatizações também influenciaram de modo decisivo o movimento de fusões e incorporações por que passavam as empresas brasileiras na década de noventa. Isso se deu, primeiramente, com a transferência para o setor privado das empresas de siderurgia e petroquímica no início da década. Posteriormente, com a privatização dos serviços públicos, o movimento de fusões e incorporações ganha uma nova dinâmica tanto no número de transações quanto na composição acionária das empresas, com a crescente entrada de investidores estrangeiros (DONADONE, 2001, p. 59).

Podemos constatar a expansão do número de fusões e aquisições que ocorre no Brasil

desde a década de noventa até o ano de 2010, a partir do gráfico a seguir (Figura 1) que

apresenta a classificação dos vinte primeiros setores econômicos no total acumulado de

transações (fusões e aquisições) por setor5, desde o início do “Plano Real”. Vale destacar que

depois do setor de alimentos, bebidas e fumo que ocupa o primeiro lugar na classificação, os

três setores que aparecem na sequência (nessa ordem de classificação) são os setores da

tecnologia da informação, telecomunicações & mídia e instituições financeiras, os quais se

destacam pela sua imaterialidade, sendo que a informação compõe grande parte do seu

produto vendável.

5 Foram classificados (1ª a 40ª posição) 40 setores de atividades econômicas, os demais setores foram considerados “outros”, numa pesquisa realizada pela KPMG sobre aquisições (fusões e aquisições) no Brasil, no período entre 1994 e 2010. Disponível em: http://www.kpmg.com.br/publicacoes/fusoes_aquisicoes/2010/FA_4otrim_2010.pdf. Acesso em: 13 de abr. 2011

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Figura 1 - Total acumulado de transações (fusões e aquisições) por setor, desde o início do "Plano

Real" (1994-2010). Fonte: Elaboração própria a partir de KPMG no Brasil, 2011.

Apesar do serviço de consultoria tornar-se imprescindível na reorganização do atual

modelo de gerenciamento das empresas e também pelo grau de complexidade que as firmas

globais apresentam em função das suas ações em escala mundo e por enfrentarem uma

intensificação da racionalidade da globalização, para Donadone (2001) há questionamentos

sobre o grau de confiabilidade dos serviços consultivos para a acumulação financeira. Além da maior visibilidade e novas áreas de atuação, o crescimento das consultorias na primeira metade da década de noventa também trazia consigo questionamentos sobre eficácia e as formas de atuação dos consultores, representados principalmente pelas discussões sobre modismos e gurus gerenciais. Começam a aparecer de forma sistemática críticas à sucessão de “fórmulas salvadoras de empresas” às condutas éticas dos consultores. Como exemplo emblemático, utilizava-se o ocorrido na AT&T, um dos gigantes do setor de telecomunicação mundial. A empresa a partir dos anos oitenta tornou-se uma das principais clientes das consultorias, tendo gastado só na primeira metade dos anos oitenta mais de meio bilhão de dólares em tais serviços. Entretanto, apesar de armada de um exercito de consultores e dos mais variados tipos de fórmulas de sucesso, a empresa apresentou um desempenho que passava longe do prometido pelos seus consultores, como por exemplo, no caso da compra da NCR com um valor bem acima do valor de mercado (DONADONE, 2001, p. 33).

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Esse fato reforça a importância em entendermos as ações das empresas de consultoria

no contexto de privatização brasileira a partir da década de 1990, bem como no atual

planejamento territorial, pois se há equívocos nos serviços oferecidos aos gigantes agentes

econômicos, os quais são cercados de defesas estratégicas, o que dirá as ações destas

empresas em países da periferia do sistema, como é o caso do Brasil.

Para dimensionarmos a territorialidade vertical (CATAIA, 2008), isto é, a

seletividade de pontos estratégicos nos usos do território por estas grandes empresas do

mercado de consultoria, analisamos a seguir o papel das cidades médias como difusores da

informação, uma vez que tais cidades ainda não cumprem a função de produzir6 essa variável-

chave do período contemporâneo, mas se tornaram importantes na difusão da informação, em

especial por acolher setores econômicos que necessitam deste aporte organizacional.

Ressaltamos que este trabalho não se propõe a discutir as cidades médias do ponto de vista

teórico-conceitual, o objetivo se restringe a análise da difusão de informações nestas cidades

através da expansão da topologia das consultorias globais.

3 CIDADES MÉDIAS NA DIFUSÃO DE INFORMAÇÕES

Segundo Arroyo (2006, p. 71), “as cidades médias fazem parte da dinâmica territorial

a partir de uma vida de relações que as integra, com maior ou menor intensidade, ao

movimento do mundo e da formação socioespacial”. Para entender esse movimento, ainda

segundo essa autora, é preciso estudar “o papel da circulação no processo de diferenciação

espacial e seus desdobramentos conceituais, que nos permitem, por sua vez, refletir sobre essa

trama de relações tecida pelas cidades”. (ARROYO, 2006, p. 71).

No contexto da rede urbana, Branco (2006), considera que as cidades médias são

formadas por um conjunto de cidades que se constituem como “nós articuladores entre as

grandes metrópoles e cidades menores, localizadas em sua área de influência, caracterizadas

por patamar de tamanho populacional, econômico e qualidade de vida”. (BRANCO, 2006, p.

246). O debate teórico-conceitual sobre as cidades médias tem sido proposto por autores em

6 A produção de informações no território brasileiro por essas empresas globais ainda é restrita às grandes cidades, em especial a metrópole de São Paulo, a qual acolhe o principal escritório, no Brasil, das quatro maiores empresas de empresas.

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diversos estudos como Sposito (2001, 2007), Pontes (2001, 2006), Correa (2007) entre outros.

Este desafio em pensar os centros urbanos não-metropolitanos na reorganização do território

já foi tema de políticas objetivando o desenvolvimento da economia regional através da

chamada “política das cidades médias” (ROCHEFORT, 1998). No Brasil, essa iniciativa

pública de reorganização urbana data da década de 1960, no entanto, o referido objetivo não

se concretizou conforme revela Rochefort (1998, p. 97), De início, pensou-se que era necessário escolher apenas um pequeno número de cidades no interior do conjunto das cidades médias brasileiras, a fim de que o financiamento sobre cada uma delas pudesse atingir uma massa crítica que permitisse uma arrancada econômica e social. Adotou-se pois uma definição restritiva das cidades médias, incluindo apenas as cidades de 50 mil a 250 mil habitantes; o Brasil contava com 95 delas em 1974; 37 foram escolhidas em função de um certo número de critérios: localização nas diversas regiões, situação com respeito aos eixos de transportes, dinamismo interno dos poderes locais e outros fatores que permitem obter a “arrancada”. A escolha provocou imediatamente reações políticas complexas, já que isso resultava em dar uma ajuda seletiva a certas cidades de preferência a outras. Seguida de diversas reivindicações e pressões políticas, os serviço de reorganização, a partir de 1978, alargam progressivamente essa definição das cidades e revisam a lista das cidades escolhidas. No final de 1978, o programa conta com 112 delas. Essa decisão se dá no momento em que uma mudança geral na política do Ministério do planejamento obriga este a reduzir a quantidade global de meios financeiros fornecidos ao programa “cidades médias”. Essa redução será contínua entre 1978 e 1982, para chegar ao desaparecimento quase total do fundo destinado ao desenvolvimento urbano. Essa evolução contraditória do número de cidades escolhidas e da importância global dos meios de financiamento disponíveis transformou progressivamente num sistema de pulverização pequenas intervenções pontuais, destinadas antes a dar satisfação aos poderes locais das cidades escolhidas do que a provocar uma verdadeira arrancada econômica destas últimas.

Neste período, isto é, a partir dos anos 70, impõe-se um movimento de

desconcentração da produção industrial e paralelo este ocorre o de reconcentração da

população e da informação nos lugares. Nesse contexto, em que as economias dos núcleos

metropolitanos “são cada vez mais vinculadas aos serviços e às atividades de gestão, as

cidades médias estão assumindo o papel de centros industriais”, (SOARES, 2006, p. 349). No

entanto, Sposito (2007, p. 52), assinala que Desde as duas últimas décadas do século XX, em algumas regiões do país, as cidades médias passaram por substanciais transformações em face da implantação de novos serviços, sobretudo os logísticos, de informação, de

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comunicação, de transportes, de educação e de turismo. Assim sendo, aparecerem como alternativa de moradia, por oferecerem melhores condições e qualidade de vida em relação às áreas metropolitanas.

Assim, além de receber parte das atividades industriais que migraram das metrópoles

densamente industrializadas, as cidades médias já se despontam como difusoras de alguns

serviços especializados, tornando-as pontos de convergência de atividades econômicas

variadas. Conforme apontado por Arroyo, (2006, p. 82), É na encruzilhada da circulação, das redes, dos fluxos que cidades crescem ou se estacam. É, através de sua capacidade para criar condições de fluidez e porosidade territorial, que elas conseguem ser ponto de confluência de diversos circuitos produtivos. É todo esse movimento, por sua vez, que lhes outorga uma vida de relações intensa. Não necessariamente esses atributos são exclusivos das metrópoles ou das grandes cidades, ao contrário, podem ser encontradas nas cidades médias e, inclusive, tornar-se um elemento de diferenciação entre elas.

Podemos verificar essa importância que as cidades de porte médio já exercem em

relação aos serviços especializados a partir da presença de escritórios das quatro maiores

empresas globais do mercado da consultoria, como pode ser observado na tabela a seguir, a

qual apresenta a relação de cidades brasileiras que possui escritórios pertencentes à rede das

Big Four no país.

Tabela 1 – Presença de escritório das quatro maiores empresas globais de consultoria em

cidades brasileiras por unidade da federação (2011)

Estado

Cidade

Big For/Número de escritórios

PWC

KPMG Ernst

& Young

Deloitte

São Paulo

São Paulo 1 4 1 2 Campinas 1 2 1 1

Ribeirão Preto 2 2 0 0 Sorocaba 1 0 0 0 Barueri 1 0 0 0

São José dos Campos 1 1 0 0 São Carlos 0 1 0 0

Osasco 0 1 0 0 Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2 2 1 1

Minas Gerais Belo Horizonte 1 2 1 1 Uberlândia 0 1 0 0

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Brasília Brasília 1 1 1 1 Paraná Curitiba 1 2 1 2

Londrina 0 1 0 0

Rio Grande do Sul Caxias do Sul 1 0 0 0 Porto Alegre 1 2 1 1

Pernambuco Recife 1 1 1 1

Santa Catarina Florianópolis 1 1 0 0 Joinville 0 1 0 1

Blumenau 0 0 1 0 Mato Grosso do

Sul Campo Grande 0 1 0 0

Espírito Santo Vitória 0 0 0 0 Amazonas Manaus 0 1 0 0

Goiás Goiânia 0 1 1 0 Ceará Fortaleza 0 1 1 1 Bahia Salvador 1 1 1 1

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados levantados por Sueli Santos & Sérgio Teixeira através de informações disponíveis nos sites das empresas.

É interessante notar que as cidades médias que possuem estes escritórios estão

localizadas na Região Concentrada7, sendo que muitas dessas cidades receberam várias

atividades industriais que a partir dos anos setenta migraram do eixo Rio-São Paulo para

outros lugares, em especial nas regiões Sul e Sudeste. Para ilustrar esta concentração de

escritórios da rede Big Four foi feito o mapeamento da sua topologia no país e na Região

Concentrada. Destacamos ainda que, nos últimos anos, o faturamento anual destas empresas

no país ultrapassou um bilhão de reais, deste grupo apenas a KPMG não conseguiu esse valor,

obtendo um faturamento em torno de 800 milhões de reais no ano de 2013. Já em relação à

receita global destas empresas, os valores ultrapassam 20 bilhões de dólares (VALOR

ECONÔMICO, 2014). Todas elas possuem escritórios em 150 países e contam com mais de

140 mil profissionais em toda a rede global.

7 Essa denominação – Região Concentrada – foi introduzida na literatura geográfica com as pesquisa dirigidas por Milton Santos e Ana Clara Torres Ribeiro em 1979. Essa região estaria constituída pelos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e pedaços do Centro-Oeste (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 27). Tal região, que no passado acolheu o maior número de indústrias e ainda é atualmente a região mais industrializada do Brasil e que apresenta maior densidade na rede urbana, também é a área concentradora das modernizações, onde o meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1996 [2012) tende a ser contíguo dado a presença de inúmeras cidades com potencial de produção e difusão dos serviços mais modernos do país.

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Mapa 1 – Rede de escritórios das quatro maiores consultorias globais no Brasil (2011)

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Mapa 2 – Rede de escritórios das quatro maiores consultorias globais na Região Concentrada

(2011)

A importância do trabalho intelectual também cresce nestas cidades com a chegada

das atividades produtivas, conforme assinalam Santos & Silveira (2001, p. 203) “as cidades

de porte médio passam a acolher maiores contingentes de classes médias e um número

crescente de letrados, indispensáveis a uma produção material, industrial e agrícola, que se

intelectualiza”, (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 203). Neste contexto, as cidades médias

assumem papel importante na rede urbana do país e se configura, especialmente, como uma

forma de extensão da área de influências das metrópoles, como aponta Egler, (2002),

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A configuração da rede urbana brasileira é marcada pelo contraste, entre áreas de distribuição urbana rarefeita, com estrutura primaz e poucos centros regionais, e áreas de maior densidade de cidades, com forte presença de centros regionais que ampliam a área de atuação das metrópoles a que se acham ligadas, espalhando as diferentes dinâmicas urbano-regionais (EGLER, 2002, apud BRANCO, 2006, p. 250-251).

No entanto, as cidades intermediárias por mais que complexizam as suas atividades

econômicas não lhes é permitido o papel de comando, este se restringe praticamente às

metrópoles, como nos lembra Arroyo, (2006, p. 83), Quanto um maior número de circuitos produtivos e círculos de cooperação atravessa a cidade, mais ela precisa atender a suas redes técnicas – de transporte e de comunicação – para garantir uma circulação adequada às novas demandas. Cabe, entretanto, observar que embora essas cidades médias se diferenciem por serem mais dinâmicas e complexas, raramente elas têm um papel de comando. Na realidade, sua área de ação política é reduzida, pois são as metrópoles, como sede das grandes empresas, que exercem um maior controle territorial.

O mapeamento dos centros de gestão empresarial no Brasil ilustra a participação

pouca expressiva das cidades médias no comando do território, pois a maioria se encontra na

classificação de terceiro nível de centralidade neste tipo de gestão8.

8 Os centros de gestão do território caracterizam-se como aquelas cidades onde se localiza uma grande diversidade de órgãos do Estado e sedes de empresas, a partir das quais são tomadas decisões que afetam direta ou indiretamente um dado espaço” (CORRÊA, 1995 apud REGIC, 2007). “Para a definição dos centros da rede urbana brasileira, buscam-se informações de subordinação administrativa no setor público federal, para definir a gestão federal, e de localização das sedes e filiais de empresas, para estabelecer a gestão empresarial. A oferta de distintos equipamentos e serviços capazes de dotar uma cidade de centralidade – informações de ligações aéreas, de deslocamentos para internações hospitalares, das áreas de cobertura das emissoras de televisão, da oferta de ensino superior, da diversidade de atividades comerciais e de serviços, da oferta de serviços bancários, e da presença de domínios de Internet – complementa a identificação dos centros de gestão do território”, (REGIC, 2007).

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Mapa 3 – Centros urbanos de gestão empresarial no Brasil (REGIC-2007). Fonte: IBGE – Regiões de Influência das Cidades (REGIC), 2007.

Embora as cidades médias não possuam o papel de comando do território, elas

exercem uma importância como apoio das atividades econômicas na sua região, como nos

lembra Branco, (2007, p. 90), As cidades médias constituem nós da rede urbana e servem a sua área de influência como pontos de prestação de serviços em escala regional. Seu tamanho populacional e área de atuação variam segundo características geográficas das regiões onde estão inseridas.

Neste sentido, vale ressaltar que as cidades que apresentam maiores níveis de

centralidade (como pode ser observado no mapa anterior) estão concentradas nas regiões Sul

e Sudeste, justamente as regiões em que as grandes empresas de consultoria possuem um

número maior de escritórios como foi verificado na tabela 1 e nos mapas 1 e 2. Isso reforça a

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participação importante das cidades de porte médio na reestruturação produtiva do território

nacional e na organização de um novo sistema urbano, muito mais complexo, resultado do

aprofundamento da divisão territorial do trabalho, o que favorece as especializações

produtivas regionais. Neste sentido, tais cidades passam a reclamar cada vez mais por

trabalho intelectual, conforme aponta Santos (1993, p. 136), “as cidades intermediárias

apresentam, assim, dimensões bem maiores. Essas cidades médias são, crescentemente, lócus do

trabalho intelectual, o lugar onde se obtêm informações necessárias à atividade econômica”.

Portanto, para entender a conformação da rede de empresas globais nos usos do

território brasileiro, perpassa, hoje em dia, também pela análise da importância e da

participação das cidades de porte médio em atividades ligadas aos serviços consultivos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A topologia das grandes consultorias no território brasileiro nos indica que a

importância crescente da informação como apoio às atividades produtivas vai além das

metrópoles, abarcando outros núcleos urbanos como as cidades de porte médio na Região

Concentrada, tendo sempre como base uma lógica econômica que privilegia espaços

estratégicos aptos a atender as necessidades do capital hegemônico em expansão. Visando

atrair estes capitais dominantes altamente concentrados, muitas cidades (inclusive as médias)

se adaptam em função de interesses, muitas vezes, alheios ao território. Este processo tem

gerado uma guerra entre lugares tal como demonstra Santos (2002, p. 88), As maiores empresas elegem, em cada país, os pontos de seu interesse, exigindo, para que funcionem ainda melhor, o equipamento local e regional adequado e o aperfeiçoamento de suas ligações mediante elos materiais e informacionais modernos. Isso quanto às condições técnicas. Mas é também necessário uma adaptação política, mediante a adoção de normas e aportes financeiros, fiscais, trabalhistas etc. É a partir dessas alavancas que os lugares lutam entre si para atrair novos empreendimentos, os quais, entretanto, obedecem a lógicas globais que impõem aos lugares e países uma nova medida do valor, planetária e implacável. Tal uso preferencial do território por empresas globais acaba desvalorizando não apenas as áreas que ficam de fora do processo, mas também as demais empresas, excluídas das mesmas preferências.

Destacamos ainda a importância que a rede urbana adquire com a intensificação da

racionalidade global. Como nos lembra Corrêa (2006, p. 16), “por meio da rede urbana e da

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crescente rede de comunicações a ela vinculada, distantes regiões puderam ser articuladas,

estabelecendo-se uma economia mundial”. É graças a essas redes complexas que atualmente é

possível um uso seletivo e perverso que se impõe cada vez mais no território.

De acordo com o contexto apresentado no presente trabalho verificamos, a partir do

estudo das grandes empresas de consultoria, a seletividade que predomina no uso do território

por esses novos agentes do mercado global. Neste contexto, podemos falar numa

transformação dos territórios nacionais em espaço nacional da economia internacional

(SANTOS, 1996/2012, p. 163), “os sistemas de engenharia mais modernos, criados em cada

país, são mais bem utilizados por firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional”.

Como nos alerta Silveira (2011, p. 38) “no período da globalização, alguns agentes se

expandem no território e revelam um crescimento econômico extraordinário, não sem o

generoso auxílio do Estado”. Por isso, devemos repensar a reorganização da sociedade e do

território brasileiro, em especial das cidades médias, em um contexto cada vez mais

globalizado; buscar o desenvolvimento socioeconômico e espacial neste contexto implica,

entre outros fatores, ter como desafio a construção de um pacto territorial que priorize um

planejamento verdadeiramente voltado aos interesses nacionais.

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