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APLICAÇÃO DE DIREITO ESTRANGEIRO. REGRAS DE CONEXÃO E DE DETERMINAÇÃO DO STATUS PESSOAL. CONFLITO ESPACIAL E TEORIA DO REENVIO. Profa. Me. Érica Rios [email protected]

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APLICAÇÃO DE DIREITO ESTRANGEIRO. REGRAS DE

CONEXÃO E DE DETERMINAÇÃO DO STATUS PESSOAL. CONFLITO ESPACIAL E TEORIA DO REENVIO.

Profa. Me. Érica Rios

[email protected]

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

• Problema fundamental = determinação e utilização das regras solucionadoras de

conflitos interespaciais, isto é, a utilização dos elementos de conexão.

• Existem várias regras de conexão, como por ex.: lex patriae (lei da nacionalidade da

pessoa física), lex domicilli (lei do domicílio), lex loci actus (lei do local do ato jurídico),

entre outras.

• Art. 7o da LINDB: A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o

fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

• Lex fori: a maioria dos internacionalistas indicam que para melhor solução deve-se

aplicar a lei do foro. No Brasil quase sempre se opta pela Lex fori, com duas exceções:

• Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em

que estiverem situados.

• Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

DISPOSIÇÕES PROCESSUAIS DA LINDB

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no

Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

• § 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis

situados no Brasil.

• § 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma

estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira

competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar,

quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas

que a lei brasileira desconheça.

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do

texto e da vigência.

DISPOSIÇÕES PROCESSUAIS DA LINDB

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes

requisitos:

• a) haver sido proferida por juiz competente;

• b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

• c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no

lugar em que foi proferida;

• d) estar traduzida por intérprete autorizado;

• e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não

terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons

costumes.

CONFLITOINTERESPACIAL

POSITIVO DE NORMASHavendo divergência entre a lei nacional (lex fori) e

a lei estrangeira (estranha) deverá o juiz aplicar a

que melhor resolva, com justiça, o caso concreto.

Nesse exato sentido está o art. 9º da Convenção

Interamericana sobre Normas Gerais de Direito

Internacional Privado (1979), segundo o qual “as

diversas leis que podem ser competentes para

regular os diferentes aspectos de uma mesma

relação jurídica serão aplicadas de maneira

harmônica, procurando-se realizar os fins colimados

por cada uma das referidas legislações”,

complementando que “as dificuldades que forem

causadas por sua aplicação simultânea serão

resolvidas levando-se em conta as exigências

impostas pela equidade no caso concreto”.(MAZZUOLI, p. 69-70)

APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO

• Não se faz por ato arbitrário do juiz, mas em decorrência da legislação interna.

A norma estrangeira tem força coativa igual à brasileira. As partes, em

princípio, não podem renunciar ao seu império. Sua obrigatoriedade é de tal

natureza que o julgador tem o dever de aplicá-la mesmo quando não invocada

pelas partes.

• Os tratados e convenções internacionais celebrados pelo Brasil e

internalizados no ordenamento jurídico nacional se equiparam ao direito

federal, dispensada a parte do ônus da prova do texto e da vigência.

• Aquele que alegar direito estrangeiro deverá provar-lhe o teor e a vigência,

salvo se o juiz dispensar a prova. O meio mais próprio de prova é o da

certidão passada pela autoridade consular estrangeira, contendo o texto legal

e sua vigência, ou uma certidão de autoridade estrangeira autenticada pelo

cônsul.

Ao se aplicar o direito estrangeiro, aparentemente ocorre umabrecha na soberania, pois o juiz estaria reconhecendo a autoridadeou a competência ao poder legislativo estrangeiro. Porém não édisso que se trata. Diferentes soluções foram propostas pordiferentes sistemas jurídicos:

COMMON LAW

• Vested Rights Theory (EUA e Inglaterra): aaplicação do direito estrangeiro pelo seujuiz decorre de que este não poderiaapreciar a existência dos direitosadquiridos das partes sem recorrer aoteor do direito de onde estes tiveramorigem. Criticada porque a origem nãodetermina todo o decorrer de umcontrato, por exemplo. Já caiu noesquecimento.

• Teoria da Recepção (Itália): a ordem jurídica

exclui o caráter jurídico do que nela não se

inclui. Uma regra qualquer de direito

estrangeiro só teria valor se fosse

incorporada ao direito local via recepção.

• Teoria de Batiffol (França): na prática, a

parte deve aportar ao juiz a prova do seu

conteúdo, ou este deve determinar que ele

seja provado, ou obter a prova do seu teor

por outra forma.

CIVIL LAW

CONFLITOINTERESPACIAL

NEGATIVO DE NORMASQuando cada um dos ordenamentos em causa

exclui a aplicação de suas normas internas para

a resolução da questão jurídica com conexão

internacional.

Segundo Haroldo Valladão, a diretriz

jurisprudencial em quase todos os países

resolveu o problema pela chamada teoria da

devolução (ou do reenvio), segundo a qual o juiz

do foro aceita a referência (devolução) que a

lex causae (a lei declarada competente) faça à

mesma lex fori (retorno; devolução para trás; ou

reenvio ao primeiro grau) ou à outra lei para

diante (devolução à lei estrangeira; reenvio de

segundo grau).(MAZZUOLI, p. 71)

TEORIA DO REENVIO

A devolução realizada pela lex causae pode dar-se relativamente à lex fori (reenvio

ao primeiro grau) ou a uma terceira lei, distinta da lex fori (reenvio de segundo

grau).

• Retorno ou Reenvio de 1° grau: devolve-se à lei do foro o direito de ser aplicada.

• Devolução ou Reenvio de 2° grau: passa-se à frente, para a lei de terceiro Estado,

a regência da questão.

Ex.: No caso de um brasileiro e de um francês domiciliados na Itália, a solução

seria o juiz brasileiro aplicar a lei brasileira ao brasileiro domiciliado na Itália

(retorno) e a lei francesa ao francês domiciliado na Itália (devolução à lei estrangeira).

Elogio à teoria do reenvio: por meio dela, aplica-se, em quase todos os casos, a lex

fori, com a qual o juiz interno tem maior familiaridade, ficando afastados os perigos

em se aplicar uma lei estrangeira que mal se conhece.

TEORIA DO REENVIO

Porém o art. 16 da LINDB proibiu expressamente a devolução: “Quando, nos

termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-

á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela

feita a outra lei.”

• Pela regra, ficaram igualmente proibidos os reenvios de1º e 2º graus, sem qualquer

exceção.

• Vedação corroborada pelo art. 1º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais

de Direito Internacional Privado (1979), segundo o qual, na falta de norma internacional,

“os Estados Partes aplicarão as regras de conflito do seu direito interno”.

DIREITO INTERTEMPORAL INTERNACIONAL

• As normas de DIPr de um dado Estadopodem entrar em conflitosintertemporais decorrentes da alteraçãoda legislação interna relativa aos conflitosde leis interespaciais ou interpessoais.

• Art. 5º, XXXVI, da CF: a lei nãoprejudicará o direito adquirido, o atojurídico perfeito e a coisa julgada. – salvose se tratar de afronta à ordem pública eaos bons costumes (LINDB, art. 17). Estaregra deve ser aplicada a quaisquer normasnacionais, sejam elas materiais ou formais,infraconstitucionais ou constitucionais,ou, ainda, do próprio DIPr. (MAZZUOLI, p. 74)

CRITÉRIO DE ADAPTAÇÃO OU APROXIMAÇÃO

• Em princípio, tem-se que a lei indicada pela norma de DIPr da lex fori para resolver a questão

sub judice é certa e determinada. Há casos, porém, em que tal indicação leva à potencial

aplicação de várias leis ou, até mesmo, de nenhuma delas.

• Ex.: art. 9º da LINDB,diz que “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país

em que se constituírem”. Imagine-se, agora, que o país em que contraída a obrigação não tenha

lei a respeito daquela modalidade obrigacional, ou, se a tem, apresenta extrema vagueza de

conteúdo.

• Pelo método da adaptação ou aproximação adéqua-se a norma indicada (ou a

falta dela) à situação jurídica concreta, com a finalidade de buscar a aplicação do

melhor direito ao caso concreto.

• Ex.: quando o direito brasileiro não conhecia o divórcio e o direito japonês só conhecia essa

forma de dissolução da sociedade conjugal, concedia-se os nipo-brasileiros o desquite,

raciocinando-se no sentido de que se o direito japonês autoriza o divórcio, plus, com maior

razão deveria admitir o desquite,minus.

CONEXÃO NO DIPR

As normas de DIPr têm uma estrutura característica composta sempre de

duas partes bem nítidas: uma contendo o elemento de conexão da norma e

outra prevendo o(s) objeto(s) de conexão. Veja-se, a propósito, o exemplo do

art. 8º da LINDB, que dispõe:

“Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á

a lei do país em que estiverem situados”.

OBJETO DE CONEXÃO

ELEMENTO DE CONEXÃO

CONEXÃO NO DIPR

• O objeto trata de aspecto material, do fato envolvido.

• Os elementos tratam da vinculação internacionalmente à questão de DIPr, tornando possível

saber qual lei (se a nacional ou a estrangeira) deverá ser efetivamente aplicada ao caso

concreto a fim de resolver a questão principal.

“O método pelo qual o juiz verifica se é possível enquadrar o ato ou fato jurídico com conexão

internacional no objeto de conexão previsto pela norma de DIPr da lex fori é a qualificação.

Qualificada, porém, a relação jurídica, isto é, classificada a questão dentre o rol de institutos

jurídicos existentes, caberá, então, ao juiz, determinar o elemento de conexão da norma indicativa,

ou seja, localizar a sede jurídica da relação qualificada. Será o elemento de conexão da norma

indicativa que possibilitará ao juiz assegurar-se de que esta ou aquela lei (nacional ou estrangeira)

deverá ser aplicada ao caso concreto. Somente após todo esse exercício jurídico – depois de

qualificado o instituto em causa e encontrado o objeto de conexão – é que, finalmente, poderá o

magistrado determinar a lei aplicável e, a partir daí, realmente aplicá-la à questão decidenda

(questão principal).” (MAZZUOLI, p. 94)

TIPOS DE ELEMENTOS DE CONEXÃO

• Pessoais (nacionalidade, domicílio, religião, origem, etc.)

• Reais ou territoriais (relativas a coisas)

• Formais (relativas aos atos jurídicos em geral, como local de celebração,execução, etc.)

• Voluntários (as partes resolvem o conflito pela aplicação da lei livremente

escolhida)

Cada Estado escolhe que elementos adotará para cada situação jurídica. O costume tem grande preponderância nessa escolha.

APLICAÇÃO DE D. ESTRANGEIRO PELO P. JUD. BRASILEIRO

• Art. 2º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional

Privado (1979): “Os juízes e as autoridades dos Estados Partes ficarão obrigados a

aplicar o direito estrangeiro tal como o fariam os juízes do Estado cujo direito seja

aplicável, sem prejuízo de que as partes possam alegar e provar a existência e o

conteúdo da lei estrangeira invocada”

• O Brasil é parte na Convenção Interamericana sobre Prova e Informação Acerca do

Direito Estrangeiro (CIDIP II, Montevidéu, 1979), segundo a qual são meios idôneos

para a comprovação do direito estrangeiro (art. 3º):

• a) a prova documental, consistente em copias autenticadas de textos legais com indicação de sua

vigência, ou precedentes judiciais;

• b) a prova pericial, consistente em pareceres de advogados ou de técnicos na matéria (método

conhecido como affidavit nos países da common law); e

• c) as informações do Estado requerido sobre o texto, vigência, sentido e alcance legal do seu direito

acerca de aspectos determinados.

EM CASO DE MÁ APLICAÇÃO DE D. ESTRANGEIRO PELO P. JUD. BRASILEIRO,

O QUE FAZER?

• Art. 412 do Cód. Bustamante: “em todo Estado contratante onde existir

o recurso de cassação, ou instituição correspondente, poderá ele

interpor-se, por infração, interpretação errônea ou aplicação indevida de

uma lei de outro Estado contratante, nas mesmas condições e casos em

que o possa quanto ao direito nacional”.

• No Brasil, aplicam-se a apelação cível e todos os demais recursos

processualmente previstos.

• Caso seja impossível o juízo conhecer o d. estrangeiro a ser aplicado, a

doutrina e a jurisprudência internacionais orientam que deve ser aplicada

a norma do próprio país do juízo. (MAZZUOLI, p. 125)