problematização da pesquisa - mestrado profissional - ufscar - márcio s miranda

22

Click here to load reader

Upload: paidotheo

Post on 12-Jun-2015

5.027 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Problematização da pesquisa do mestrando Márcio Santos Miranda no programa de Ensino de Ciências Exatas da UFSCar

TRANSCRIPT

Page 1: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

Problematização

Introdução

Minha história como professor começa em 1994 no ano em que ingressei na

graduação em física na Unicamp e fui lecionar numa escola pública na cidade de

Jundiaí. Durante a graduação, como projeto de iniciação científica, trabalhei com o

professor Doutor Décio Pacheco na Faculdade de Educação na Unicamp. Ele sempre

foi piagetiano convicto e foi óbvio que meus estudos caminhassem nessa direção. Meu

projeto consistia na investigação sobre o papel da experimentação no ensino de física

nas décadas de 60, 70 e 80. Esse projeto foi financiado pelo SAE da Unicamp e durou

de novembro de 1995 a outubro de 1996. Durante o trabalho analisei os projetos de

ensino: PSSC (Physical Science Study Committee), PEF (Projeto de Ensino de Física),

FAI (Física Auto-instrutiva) e o PBEF (Projeto Brasileiro de Ensino de Física)

procurando verificar quais eram as concepções de ciência e aprendizagem por trás deles

e quais eram os papéis de alunos e professores imaginados para sua implementação. No

final do ano em 1996, a convite do professor Décio, tornei-me assistente de pesquisa

num projeto financiado pela FAPESP na linha de melhoria do ensino público

desenvolvido junto a EE Barão Geraldo de Rezende em Campinas. Esse projeto tinha

como objetivo investigar e transformar a prática didática em aulas de física tendo como

diretriz metodológica a análise de fenômenos físicos. Nele trabalharam conosco dois

professores de física da escola na implementação de um curso de física para os três

anos do ensino médio construído de forma colaborativa. Tínhamos como referência a

pesquisação desenvolvida pelos próprios professores, além do nosso olhar observador

externo. A dinâmica que se desenrolou até o fim do projeto era baseada numa reunião

preliminar minha com o professor Décio na qual decidíamos que discussões seriam

realizadas com os professores ora sobre conteúdos físicos, ora sobre elementos de

pesquisa ou mesmo sobre os textos de educação que estudaríamos. Nas reuniões com

os professores definíamos quais seriam as atividades que usaríamos em sala de aula e

estudávamos os conteúdos pertinentes ao desenvolvimento do projeto. Esse trabalho

nos rendeu uma mesa redonda da qual participei com o professor Décio e um painel na

sessão de troca de experiências em colaboração com os professores ambos no ENDIPE

de 1998.

Page 2: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

No final de 1998 participei do processo de seleção do mestrado em educação na

Faculdade de Educação da UNICAMP. Fui aprovado e comecei a cursar as disciplinas

em 1999. O professor Décio Pacheco era meu orientador. O grupo de pesquisa ao qual

pertencíamos chamava-se Formar-ciências. Era um grupo multidisciplinar que

trabalhava com a formação de professores na área de ciências da natureza. Mesmo sem

definir exatamente meu projeto de pesquisa, comecei a cursar as disciplinas. Totalizei

810 horas/aula nas disciplinas: Metodologia da Filosofia e Educação; Pesquisa em

Metodologia do Ensino de Ciências I; Tendências Atuais do Ensino de Ciências

Naturais; Pesquisa em Metodologia do Ensino de Ciências II todas com conceito A,

além das Atividades Programadas de Pesquisa I e II. Por razões profissionais, em 2002,

desisti do mestrado (mesmo tendo concluído todos os créditos) e fui desligado do

programa.

Esse percurso trouxe, sem dúvida nenhuma, conseqüências para minha prática

de sala de aula que podem ser percebidas nas diferentes ações de tentativas repletas de

erros e acertos, mas sem pesquisa acadêmica. Isso significa dizer que os resultados

provêm exclusivamente da minha memória e das sensações positivas ao realizar tais

empreendimentos. A partir de um livro da professora Maria Lúcia (Uma abordagem

Piagetiana para o Ensino de Flutuação dos Corpos) ofereci um curso extra-classe no

contra-turno dos alunos um programa experimental para investigação do fenômeno da

flutuação. Foram aulas interessantes que foi possível graças às adesões espontâneas dos

alunos para o curso. Esse projeto durou 2 meses e foi realizado com alunos da primeira

série do ensino médio numa escola particular da cidade de São João da Boa Vista no

ano de 1998.

Outra tentativa considerada por mim motivadora para os alunos aconteceu nos

anos 2000 e 2001 em aulas de laboratório de física para alunos de ensino médio. Nesses

anos, nessa escola particular da cidade de Campinas, montei um programa experimental

baseado na aprendizagem pautada nas escolhas dos materiais experimentais que seriam

utilizados pelos alunos para resolver uma situação problema. A título de exemplo,

realizei com alunos uma competição de catapultas construídas por eles. Depois de

apresentar m trecho do filme Gladiador em que batalhas aconteciam com lançamento

de projéteis, propus uma data para a grande competição. Seriam duas provas:

lançamento de precisão e lançamento de maior alcance. Na aula experimental inicial

deixei sobre a bancada diferentes tipos de palito de madeira (churrasco, sorvete, dente)

e distintos tipos de elástico (de dinheiro, de roupa, de estilingue) para que as escolhas

Page 3: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

dos materiais fossem dos alunos. Paralelamente, estudávamos os conceitos físicos

presentes nos lançamentos de projéteis.

Em 2002, elaborei uma visita ao parque de ciências de cidade de Águas de

Lindóia – Tecnorama. Nele existem inúmeros experimentos montados de forma que os

alunos possam interagir com eles percebendo regularidades e diferenças. Esse projeto

tinha como objetivo oferecer aos alunos uma forma distinta de avaliação. Pensava em

resgatar uma análise conceitual dos fenômenos físicos e com isso motivar os alunos (e

também contribuir para o aumento da auto-estima dos alunos) que não tem muita

familiaridade e facilidade com a manipulação de símbolos algébricos que representam

conceitos físicos. Porém, não queria, como professor, exigir um relatório de viagem.

Gostaria que os alunos lessem e escrevessem sobre física de forma criativa. Para isso,

com o auxílio de um professor de redação, montei uma coletânea de textos que falavam

de física de diferentes formas. Junto com ela, vinha a proposta de redação que deveria

falar de um fenômeno físico presente no Tecnorama escolhido pelo aluno de forma

livre e criativa. Os resultados foram impressionantes. Desde cartas, a poesias, passando

por panfletos e textos jornalísticos.

No início de 2003 recebi um convite para conhecer o Laboratório Educativo do

Hopi Hari para desvendar o potencial educativo do parque. Em troca de ingressos

grátis, tínhamos que assistir a uma palestra sobre as possibilidades de trabalho

pedagógico nas dependências do parque. Comigo estavam cerca de 300 outros

professores das mais diferentes disciplinas, escolas e regiões do estado de São Paulo.

Confesso que nunca tinha pensado na possibilidade de levar alunos para estudarem

física num parque por diversas razões: receio que a atividade pedagógica virasse apenas

passeio, medo dos alunos fazerem alguma pergunta para qual eu não estivesse

preparado e inseguro em relação à física do mundo real que não se apresenta

organizada em conteúdos escolares. Entretanto, uma frase dita pelo gestor do canal

escola naquele dia chamou-me a atenção “Venha para o Hopi Hari com o seu projeto

que nós faremos tudo que for possível para torná-lo realidade”.

Voltei com aquele incômodo na cabeça para o mundo real de todas as aulas que

ministrava semanalmente, porém, após algumas semanas de maturação, o incômodo

virou projeto. No mês de maio, de acordo com a minha programação, estudaríamos

queda livre meus alunos da primeira série do ensino médio e eu num colégio particular

da cidade de Campinas. Com o auxílio do coordenador iniciei um projeto que

culminaria numa visita ao Hopi Hari para investigar a atração La Tour Eiffel, mais

Page 4: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

conhecida como elevador. Uma gôndola com 4 ocupantes despenca de quase 70 metros

de altura sendo freada nos últimos 30 metros por um freio de indução eletromagnética.

Durante a elaboração do projeto, fiz algumas visitas ao Hopi Hari para conhecer melhor

a atração e me certificar do que poderia ser feito e o que não poderia em razão da

segurança. Confesso que minha apreensão só terminou quando os alunos chegaram de

volta na escola ao final do dia da visita. Nessas conversas com o parque aprendi

detalhes de funcionamento da atração e aspectos operacionais da visita como, por

exemplo, que os alunos poderiam entrar nas dependências do parque antes da abertura

normal para a entrada dos visitantes e teríamos a atração disponível para nós durante 40

minutos.

A elaboração do projeto teve como base teórica a abordagem do GREF – Grupo

de Re-elaboração do Ensino de Física da USP. Em 1999, no SNEF (Simpósio Nacional

de Ensino de Física) conheci esse trabalho e tomei contato com material do aluno que

estava sendo divulgado. Gostei da idéia de começar um assunto pelo que os alunos

pensam e já conhecem e organizei um painel sobre queda-livre. Para contextualizar o

assunto apresentei três trechos de filmes (dois deles faziam sucesso na época entre os

alunos: Homem-Aranha e Triplo X; o outro tinha ganhado o Oscar de melhor efeito

especial: Apollo 13). A partir das cenas, que tinham pessoas caindo e astronautas no

espaço, elaborei 4 perguntas que deveriam ser respondidas individualmente, num

primeiro momento pelos alunos e abriria caminho para o painel montado a seguir. Dele

conclui que estudaríamos queda livre e então perguntei o que eles gostariam de saber,

como gostariam de investigar e onde poderíamos fazer isso. Muitas sugestões surgiram

e entre elas a visita ao Hopi Hari. Essa sugestão veio quase como uma brincadeira de

um aluno, mas eles não sabiam que eu já vinha planejando isso para eles. Foi muito

curiosa a reação dos alunos quando eu disse “Certo! Vamos para o Hopi Hari! Mas,

para sairmos daqui precisamos de um projeto e nesse projeto quero saber o que vocês

querem investigar lá sobre queda livre usando o elevador.” A partir daí os alunos

começaram a trabalhar em grupos montando sua pergunta e sua metodologia de

investigação. Alguns queriam saber quando o elevador começava a frear, outros

queriam medir sua altura enquanto que outros queriam calcular a velocidade máxima.

Com tudo planejado, visitamos o parque na data agendada. Eram quase 100 alunos de

três turmas que se espalharam em volta da atração medindo, fotografando, filmando

para conseguir responder sua pergunta. Esse trabalho terminou no fim do ano com uma

Page 5: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

mostra científica da pesquisa feita pelos alunos de temas interdisciplinares decorrentes

da visita ao Hopi Hari.

De certa forma, esse trabalho realizado despertou o interesse do Hopi Hari. A

diretoria do parque gostaria que outros professores realizassem experiências

semelhantes e me convidou para trabalhar com formação de professores. Naquele

momento, Secretaria Estadual de Educação e Hopi Hari assinavam um termo de

cooperação para formação de professores nas dependências do parque. Mais de 2 mil

professores participaram de um curso de 8 horas realizado no hopi Hari que foi

desenvolvido e realizado por mim com a colaboração da CENP – Coordenadoria de

Ensino e Normas Pedagógicas da Secretaria de Estado da Educação. Desde 2004,

trabalho, então, como assessor pedagógico do Laboratório Educativo do Hopi Hari

desenvolvendo atividades educativas em espaços não formais de ensino para

professores das redes particular e pública que procuram o parque. Mensalmente

realizamos dois encontros com professores sobre as possibilidades educativas do

parque e sua disposição em auxiliar o professor nas suas necessidades. O LED –

Laboratório Educativo do Hopi Hari é um departamento do parque responsável por

acolher as escolas que pretendem realizar uma atividade educativa.

Problema

O problema de pesquisa, decorrente das necessidades, experiências e motivações

pessoais reveladas anteriormente, propõe o conjunto de questões: (a) Quais razões

levam o aluno a se interessar pelas aulas de física? (b) Como resgatar o prazer do aluno

em aprender e a satisfação do professor em ser mediador desse processo? (c) Como

transformar a aula (com todos os conteúdos, indivíduos, relações que a compõe) numa

situação de aprendizagem efetiva?

Pela minha experiência, a hipótese que dialoga com essas questões perpassa pela

produção dos alunos quando submetidos a uma atividade desafiadora para a elaboração

de um produto mensurável inclusive por eles mesmos e não só por nós professores.

Nesse sentido, os conteúdos conceituais são, na minha opinião, um conjunto de

ferramentas necessário e fundamental para a resolução da questão proposta. É claro que

os conteúdos são mais do que isso, possuem toda a história humana construída e seu

valor como legado para o futuro, porém ele deve servir também as necessidades

humanas atuais que, no caso dos alunos, proponho que seja para também resolver o

problema proposto e elaborar o produto solicitado.

Page 6: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

A partir dessas questões, espero também contribuir com a sala de aula e com a

formação de professores principalmente com a terceira questão que aponta para uma

empreitada de intervenção na sala de aula que pretende rever o trabalho do professor

em sala com o objetivo principal de torná-lo autor da sua prática pedagógica

conferindo-lhe, portanto, autonomia. Para tanto é necessário um exercício difícil que

exige uma mudança de paradigma consideravelmente ampla. Faz-se necessário refletir

sobre as atividades realizadas em sala, além dos papéis desempenhados por alunos e

professor. Sendo que este último revela-se como mais importante pelo seu papel de

gerenciador do processo de conhecimento.

Alertamos para dificuldade porque a mudança deve partir de um elemento que

pertence ao problema, é intrínseco a ele. É impossível destacar o professor do seu papel

para ele possa refletir sobre sua prática na medida em que ela ocorre. Como aponta

LIMA (2003), Piaget já nos alertava sobre essa dificuldade:

“Piaget e, de maneira similar, Michel Foucault aponta a questão

de paradigma como mudança da própria colocação do problema. Ora,

qualquer exterioridade, isto é, mudanças periféricas, não alcançam êxito

por não atingirem a própria maneira de olhar o objeto” (p. 23).

É imprescindível uma consciência do professor em relação a essa mudança de

paradigma que se refere à localização e natureza das dificuldades encontradas em sala

de aula. Fazê-lo identificar sua parcela de responsabilidade nessa situação. Isso nos

remete a um questionamento de que o problema se dá na própria colocação do

problema, isto é, o professor precisa primeiro aceitar que as relações na sala de aula

precisam ser diferentes para depois perceber como poderiam ser diferentes para então

ser capaz de transformá-las para que fossem diferentes de fato. LIMA (2003) propõe

que o aluno não seja avaliado como estratégia dessa mudança do olhar:

“Seria de fato uma total mudança do “olhar” se deixássemos de

avaliar o aluno, único que não deveria ser avaliado, mas sim ser o

avaliador” (p.23)

Embora não concordemos que o aluno não deva ser avaliado, até porque aqui

também caberia uma discussão entre os conceitos de avaliação que a autora propõe e

Page 7: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

aqueles que me baseio, destaco o papel do aluno como também um elemento indicativo

de avaliação do processo educacional. Em suma, nessa questão de mudança do olhar,

concordamos com a autora quando aponta:

“Não é possível mudar por acumulação de conhecimento, é

necessário olhar o objeto de outro ângulo” (p.27)

Desta forma, o caminho proposto é o de criar um blog para divulgação da

Ciência em conjunto com os alunos composto por perguntas elaboradas e respondidas

por eles de acordo com os seus próprios interesses. O recorte que será oferecido passa

pela Física que acontece em casa em virtude da distância apontada pelos alunos entre a

Física da sala de aula e os fenômenos cotidianos. A partir dessa construção espero que

esse projeto de mestrado possibilite a recuperação da auto-estima do aluno em relação

ao seu processo de aprendizagem e possa inseri-lo no processo de construção de

conhecimento acadêmico (aprender a aprender). Penso ainda que a proposição dessa

atividade contribua para a hipótese de que a aula desafiadora pautada na elaboração de

produtos mensuráveis pelos alunos e vinculada à realidade, pautada na análise de

fenômenos utilizando-se dos conceitos com propósito definido traga autonomia deles

em relação a sua própria construção do conhecimento.

A filosofia que sustenta minha proposta é de caráter existencialista, isto é, é

pautada na construção do conhecimento a partir das interações de natureza dialética

entre aluno e conhecimento, entre aluno e professor e entre os próprios alunos. Nesse

sentido, a teoria que suporta esse trabalho é de cunho sócio-interacionista de forma que

os princípios que se destacam para estudo durante o decorrer da pesquisa remetem as

semelhanças e diferenças entre fazer ciência e aprender ciência, além de aspectos da

física do cotidiano, conceitual e fenomenológica. Pretendo também balizar o resultado

produzido pelos alunos pelas pesquisas acerca de divulgação científica e sobre as

políticas públicas como os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Exame Nacional do

Ensino Médio. Por fim, serão objetos de estudo para fundamentação dessa pesquisa

elementos da Aprendizagem Significativa de David Ausubel e da Mobilização de

Bernard Charlot. Com relação a utilização de perguntas para aprendizagem pretendo

relacionar elementos de Bachelard com Obstáculos Epistemológicos e a Equilibração de

Piaget.

Page 8: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

Fundamentação

Inicialmente, para investigarmos os elementos relevantes sobre aprendizagem

significativa como propomos, é necessário esclarecermos o que concebemos como

aprendizagem. Embasamo-nos na idéia de que aprendizagem é a composição de

insumos externos e insumos internos. Numa concepção existencialista, o que cada

indivíduo apreende (destaca como relevante) e, portanto aprende (leva consigo

terminada a realização da atividade) de uma determinada situação a que foi submetido

depende da sua história, das suas experiências. Somente aquilo que é afetivo tem

caráter significativo, pois está relacionado ao armazenamento de informações

decorrentes da atuação de sistema internos. NOVAK (1983) nos ajuda nessa

compreensão sobre aprendizagem e complementa a proposição feita acima:

“aprendizagem é um processo de comparação, isto é de

identificação de semelhanças (esquema prévio ou esquema de

assimilação) e diferenças (acomodação, esforço) entre o objeto conhecido

e o desconhecido (do particular para o geral e vice-versa)” (p.41)

Desta maneira, três momentos do processo de conhecimento e, portanto da

aprendizagem se revelam e merecem nosso destaque:

Síncrese: primeiro contato; confusão; indiferenciação; percepção.

Análise: tateio, diferenciação; ensaio e erro; classificação; observação;

experimentação.

Síntese: reorganização; totalidade; salto de qualidade; resumo; generalização;

hipótese; conceito.

E, em relação a esses três momentos, evidenciamos três níveis de comportamento

social que dependem do estágio de desenvolvimento do indivíduo:

Anomia: ausência total de consciência/necessidade de reflexão

Heteronomia: reflexão conduzida/motivada por elementos externos

Autonomia: auto-regulação do processo de aprendizagem

Page 9: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

Nem é preciso mencionar a relevância de identificar o nível de desenvolvimento

do sujeito para adequar o melhor processo de aprendizagem. Essa classificação e

identificação do nível de desenvolvimento, na nossa opinião, para esse projeto, é tão

importante para a construção das atividades para os alunos como também para a

tomada de consciência do professor, a fim de que ele se torne autor da sua própria

prática pedagógica.

Explicitada a compreensão de aprendizagem, podemos enveredar pela

Aprendizagem Significativa de Ausubel que sustenta nosso conjunto de atividades.

Segundo NOVAK (1983) ela pode ser entendida como:

“Aprendizagem significativa é um processo no qual uma nova

informação é relacionada a um aspecto relevante, já existente, da

estrutura de conhecimento de um indivíduo.” (p.56)

Para que possamos nos apropriar da teoria de Ausubel a ponto de incorporá-la na

prática pedagógica é preciso percebê-la como existencialista/interacionista na medida

em que os conceitos se constroem na relação professor/aluno, aluno/aluno,

aluno/conhecimento. LIMA (2003) caracteriza essa suposição para compreensão das

relações em sala de aula:

“[a suposição interacioanista] expressa-se pela admissão de

relações dialéticas (contradição) entre o sujeito e o meio, que supõe de

um lado uma montagem hereditária, fundamentalmente biológica, e, de

outro, uma ambiente (meio) físico e social.” (p.35)

Nesse sentido também revela-se importante pensarmos na abordagem biológica

em relação ao papel desempenhado pelo meio na aprendizagem significativa. NOVAK

(1983) destaca:

“A base biológica da aprendizagem significativa envolve

mudanças no número ou tipo dos neurônios participantes, ou no conjunto

celular envolvido; o fenômeno psicológico envolve a assimilação de

novas informações dentro de uma estrutura de conhecimento específica

Page 10: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

existente na estrutura cognitiva do indivíduo. Ausubel define estas

entidades psicológicas como conceitos subsunçores.” (p.57)

Os subsunçores que se refere Ausubel não são estruturas físicas que poderiam

ser explicadas pela neurobiologia. Na realidade, essa definição neurobiológica não é

crucial para que entendamos a aprendizagem significativa. Basta que pensemos nelas

como estruturas que auxiliam o indivíduo na apropriação de um determinado

conhecimento. NOVAK (1983) mostra a relação dos subsunçores com a aprendizagem:

“Dependendo da experiência prévia do indivíduo, os

subsunçores podem ser relativamente grandes e bem

desenvolvidos, ou podem ser limitados na variedade e quantidade

de elementos (conjuntos celulares) que contêm.” (p.58)

Quando um subsunçor é modificado, ocorre a aprendizagem significativa. Isso

quer dizer que o conteúdo externo encontrou vínculo com a estrutura interna num

esforço do indivíduo por compreender aquele objeto de conhecimento. Essa análise

permite um paralelo da teoria de Ausubel com o Construtivismo piagetiano, pois

podemos pensar que esse processo de aquisição de conhecimento descrito acima com a

modificação do subsunçor assemelha-se com o processo de Equilibração.

A Equilibração é a relação entre as necessidades do sujeito aberto com o meio

externo. É um processo dinâmico de modificações internas do indivíduo em paralelo

com recortes do objeto de conhecimento externo que está sendo apropriado no ato de

aprender. Esse processo é composto por dois outros não dicotômicos, mas inter-

relacionados: assimilação e acomodação. Enquanto a assimilação consiste na

transformação do meio para adequar-se ao sujeito, a acomodação é a transformação de

si mesmo para adequar-se ao objeto.

Por outro lado, quando não há ligação entre o objeto de conhecimento e a

experiência prévia do indivíduo (ausência de subsunçores devidamente adequados e

desenvolvidos), ocorre a aprendizagem mecânica. NOVAK (1983) ilustra esse

conceito:

“Quando conceitos relevantes não existem, na estrutura cognitiva

de um indivíduo, novas informações têm que ser aprendidas

Page 11: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

mecanicamente. Ou seja, cada unidade de conhecimento tem que ser

arbitrariamente armazenada na estrutura cognitiva.” (p.58)

É relevante perceber que as aprendizagens significativa e mecânica não são

dicotômicas, mas na verdade se complementam e mostram-se necessárias ao processo

de ensino-aprendizagem. Numa outra passagem, o mesmo autor evidencia:

“a aprendizagem mecânica ocorre quando não é feito um esforço

consciente para relacionar o novo conhecimento à estrutura de conceitos

ou elementos de conhecimento já existentes na estrutura cognitiva.

Portanto, até que ponto a aprendizagem é mecânica ou significativa é, em

parte, função da predisposição do aprendiz em relação à tarefa de

aprendizagem; é também, como já foi dito antes, função do grau de

desenvolvimento de conceitos relevantes na estrutura cognitiva e da

gama de possíveis ligações que pode ser feitas entre novas informações e

a estrutura cognitiva já existente.” (p.62)

A aprendizagem mecânica é sempre necessária quando o novo conceito não tem

nenhuma (ou muito pouca) relação com os conhecimentos já estruturados pelo

indivíduo. Porém, a partir desse momento, uma nova situação de aprendizagem

semelhante no conteúdo a anterior passa a ser significativa.

A fim de compreendermos um pouco mais sobre a aprendizagem significativa

precisamos conhecer duas características que merecem nosso destaque e análise:

não arbitrariedade da tarefa de aprendizagem à estrutura cognitiva;

substantividade do relacionamento da tarefa de aprendizagem à estrutura

cognitiva.

De forma bem simplificada, o aprendiz usa o conhecimento que já tem para

compreensão de outros novos conhecimentos. Isso possibilita a internalização, sem

grandes esforços e poucas repetições, de uma vasta quantidade de novos significados de

palavras ou conceitos. O não arbitrário significa que o novo pode ser visto como

totalidade para dar origem a novas totalidades. AUSUBEL APUD NOVAK (1983)

esmiúça essa questão:

Page 12: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

““Devido a esse fator de não arbitrariedade, o significado

potencial de novas idéias, como totalidades, pode ser relacionado a

significados já estabelecidos (conceitos, fatos, princípios), também como

totalidades, para dar origem a novos significados. Em outras palavras, a

única maneira possível de fazer uso de idéias previamente aprendidas no

processamento (internalização) de novas idéias é relacionar estas de

maneira não arbitrária às primeiras. As novas idéias, que assim se tornam

siginficativas, expandem,m por sua vez, a base da matriz de

aprendizagem” (p. 58; grifos de Ausubel)” (p.55)

A não arbitrariedade é tão relevante que ela traz de volta a percepção do

contínuo mecânica-significativa, pois mesmo o que é incorporado pelo indivíduo de

forma mecânica transforma-se em potencial para aprendizagem significativa. NOVAK

(1983) ilustra esse dinamismo:

“A estrutura cognitiva se desenvolve através da incorporação não

arbitrária de material de aprendizagem significativo, mas por sua, vez,

material de aprendizagem significativo é aquele que, potencialmente

pode ser incorporado à estrutura cognitiva de maneira não arbitrária”

(p.55)

Por essas razões percebemos o valor da aprendizagem mecânica, no entanto a

aprendizagem significativa possui vantagens:

Conhecimento adquirido é retido por mais tempo;

A informação assimilada resulta numa maior diferenciação dos subsunçores

(facilita a aprendizagem de novas informações relacionadas);

Subsunção obliteradora (modificação do subsunçor após esquecimento): efeito

residual no subsunçor que facilita novas aprendizagens.

As vantagens acima decorrem dos trabalhos de NOVAK (1983):

“a variação nas taxas de esquecimento depende primordialmente

do grau de significância associado ao processo de aprendizagem” (p.65)

Page 13: Problematização da pesquisa - Mestrado Profissional - UFSCar - Márcio S Miranda

“Estudos de laboratório mostram que a informação aprendida de

maneira mecânica inibe a aprendizagem subseqüente de material

adicional similar” (p.65)

Em suma, mesmo sendo, geralmente, mas perene que a aprendizagem mecânica,

a aprendizagem significativa permite o esquecimento. Entretanto, essa perda da

informação não retorna o subsunçor à condição inicial e isso faz com que a

aprendizagem de novos conceitos seja facilitada.

Bibliografia

Lima, A. O. Fazer ESCOLA – A gestão de uma escola PIAGETIANA

(construtivista). Editora Vozes. Petrópolis (2003). Cap 1 (pag. 17-55).

Novak, J. D. Uma teoria de educação. Editora Pioneira. São Paulo (1983). Cap.

III/pag.47-73

Referências bibliográficas

Barberá, E (et. al.) O construtivismo na prática. Artmed. Porto Alegre (2004).

Carvalho, A. M. P. (et. al.) Ciências no ensino fundamental. O conhecimento

físico. Editora Scipione. São Paulo (1998).

Chalmers, A. F. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense. São Paulo (1997).

Charlot, B. Da relação com o saber. Elementos para uma teoria. Artmed. Porto

Alegre (2000).

Delizoicov, D. Angotti, J. A. Pernambuco, M. M. Ensino de

Ciências:fundamentos e métodos. Editora Cortez. São Paulo (2002).

Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. Editora Atlas. São Paulo (2002).

Lahera, J. Forteza, A. Ciências Físicas nos Ensinos Fundamental e Médio.

Modelos e exemplos. Artmed. Porto Alegre (2006).

Lüdke, M. André, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.

Editora Pedagógica Universitária. São Paulo (1986).

Macedo, L. Machado, N. J. Jogo e projeto. Summus editorial. São Paulo (2006).

Pavão, A. C. Freitas, D. (orgs.) Quanta ciência há no ensino de ciências.

EduFSCar. São Carlos (2008).