problemas de separação nos cães
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Artigo sobre problemas de separaçao ("ansiedade de separação") nos cães e suas causas (Publicado na revista Cães de Companhia de Janeiro de 2011)TRANSCRIPT
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EtologiaD
A maioria dos casos não será assim tão se-vera, mas a “ansiedade por separação”, como é popularmente chamada, é um problema sério que afecta a qualidade
de vida de numerosos cães e dos seus donos (e vi-zinhos!). Pode inclusive ser causa de abandono e/ou eutanásia de cães de outra forma saudáveis.Em clínicas especializadas em comportamento, a ansiedade por separação tem sido diagnosticada em 14 a 39% dos casos de animais apresentados a consulta.
O que é a ansiedade por separação?A ansiedade por separação pode ser definida, de forma ampla, como o comportamento problemático
A situação é temida por numerosos donos de cães, e no entanto repetida diariamente. A pessoa prepara-se para sair de casa e o seu cão começa a dar sinais de estar a ficar stressado, não sai debaixo dos pés do dono e põe o ar mais infeliz do mundo. Assim que vira as costas e sai de casa, o animal começa a ladrar em contínuo e/ou a uivar de uma forma capaz partir do coração mais duro, saltando desesperadamente na porta da rua. Quando o dono regressa a casa, minutos ou horas depois, o cenário é dantesco – sofás esventrados, roupa ou tapetes roídos, a porta da rua toda esgravatada, urina e fezes espalhadas pela casa… E queixas dos vizinhos pelo barulho que o cão fez!
motivado por uma ansiedade que ocorre exclusiva-mente na ausência (real ou virtual) do dono. Tradi-cionalmente, considera-se que a ansiedade por se-paração é derivada de uma grande ligação do cão a uma pessoa (normalmente o dono), a ponto de não conseguir lidar com a sua ausência; quanto maior a ligação entre o cão e a pessoa, maiores seriam os problemas.Quando fica sozinho em casa, o cão pode exibir uma grande diversidade de comportamentos, no-meadamente, destruição de diferentes objectos, tentativas de escavação no local por onde o dono saiu, vocalização excessiva (ladrar continuado, ui-vos, gemidos), urinar e/ou defecar em casa (mesmo que o cão saiba ser limpo dentro de casa em situa-ções “normais”).
Ansiedade por separação Por: Carla Cruz, Bióloga, Mestre em
Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal • Fotos: Shutterstock
Outros sintomas que poderá exibir, não tão salientes mas também indicadores de uma alteração do seu bem-estar incluem isola-mento, falta de apetite, hiperventi-lação, salivação, tremores, problemas gastrointestinais (vómitos/diarreia), actividade motora aumentada e repetiti-va (como andar de um lado para o outro, andar às voltas) e comportamentos repeti-tivos (como excesso de comportamentos de limpeza ou auto-mutilação).
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Uma vez que as pessoas, quando se preparam para sair de casa, tendem a cumprir uma série de rituais, mesmo que deles não se apercebam – por exemplo, desligar a televisão, vestir o casaco, pegar na cartei-ra e nas chaves – os cães aprendem a associar estes estímulos com a saída iminente do dono, começando desde logo a ficar ansiosos, agitados, eventualmente deprimidos; alguns chegam mesmo a tentar evitar a saída do dono de forma agressiva.
Ansiedade e medoPopularmente, equacionamos a ansiedade a um es-tado de medo ou receio. Porém, estes dois estados são diferentes.A ansiedade pode ser caracterizada como uma resposta a um perigo potencial (ou seja, pode ser independente de um estímulo específico), enquanto o medo será uma resposta a um perigo presente [figura 1].O medo leva o organismo a reagir de forma reflexa em resposta a esse estímulo, afastando-se dele e evi-tando-o. A variante patológica do medo será a fobia, na qual o medo em relação à situação específica é tal que o cão deixa de conseguir fazer decisões conscien-tes sobre como lidar com a situação, podendo mesmo exibir comportamentos que o coloquem ainda mais em risco ou exibir acções reflexas de pânico; na fobia o medo não desaparece com a exposição gradual à situação que a originou, pode mesmo aumentar ao longo do tempo.
Estímulos ou sinais próximos e iminentes
Processos de atenção
Avaliação de risco
Activação do sistema de defesaacçao imediata
Resultado reflexo autonómico e somático
Medopromove comportamentos que removem o animal da fonte de perigo
Ansiedadepromove
comportamentos que permitem que o animal
se aproxime da fonte de perigo
estímulos ou sinais remotos, ou constituindo “associações internas”
Figura 1 – Distinção entre medo e ansiedade (adaptado de Ohl, F., S.S. Arndt, & F.J. van der Staay (2008) Pathological anxiety in animals. The Veterinary Journal, 175:18-26).
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Em contrapartida, a ansiedade promove comporta-mentos que permitem que o animal se aproxime da fonte do perigo (apercebido), aumentando a atenção e a avaliação do risco, permitindo que no futuro, se afaste dele se necessário; ou seja, a ansiedade permi-te a adaptação às condições ambientais. Foi sugerido que a ansiedade surge quando existe uma discre-pância entre a informação que o animal apercebe e a informação que tinha já armazenado previamente, ou seja, a ansiedade pode resultar de falsos alarmes na ausência de um perigo ou ameaça factual. Se as respostas devidas à ansiedade forem inadequadas, a capacidade de adaptação do indivíduo ficará seria-mente comprometida, podendo mesmo atingir um estado patológico, no qual o comportamento devido à ansiedade é uma resposta a uma antecipação ou percepção dos perigos feita de forma exagerada, não correspondendo à situação real.Tanto no caso do medo como da ansiedade, os esta-dos patológicos são normalmente adquiridos durante a vida do animal, possivelmente como resultado de distorções ou disfunções cognitivas. A identificação de um estado de ansiedade patológico é complicada, e devido à própria natureza da ansiedade, apenas é possível de diagnosticar se estiver presente uma mo-tivação para a exploração, que é depois inadequada-mente inibida por comportamento de evitação.
Apesar de se considerar que a ansiedade e o medo são distintos, e podem ser causados por mecanismos distintos, estão provavelmente relacionados a nível neuroquímico.
Ansiedade por separação ou problema de separação?Apesar de tradicionalmente se designarem por “an-siedade de separação” todos os problemas relacio-
Eliminação em casa Destruição Vocalização
Má higiene em casaSubmissão/excitaçãoMarcação urináriaInduzido por medoAnsiedade por separação
JogoCachorro a roerReacção a estímulos excitantesExcesso de actividadeResposta por medoAnsiedade por separação
Reacção a estímulos externosFacilitação socialJogo/agressãoInduzido por medoAnsiedade por separação
Tabela 1 – Diferentes comportamentos que podem suscitar sintomas classicamente também atribuídos à ansiedade por separação(adaptado de Appleby, D. & J. Pluijmakers (2003) Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, 33(2): 321-344
Figura 2 – Relação entre os factores que influenciam o com-portamento por separação (adaptado de Lund, J.D. & M. Chr. Jøgensen (1999) Behaviour patterns and time course of activity in dogs with separation problems. Applied Animal Behaviour Science, 63: 219-236)
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nados com a separação, tem-se constado que estes podem resultar de causas não relacionadas com a ansiedade.Adicionalmente, os sintomas apresentados não são exclusivos desta patologia, são também característi-cos de diferentes outros comportamentos [tabela 1]. O que têm em comum é que, nesta situação, ocorrem apenas quando a figura com quem o cão criou laços está ausente. Assim, será mais correcto falar-se que existe um “problema por separação” em vez de “an-siedade por separação”.De uma forma geral, os problemas por separação poderão ser divididos em comportamento explorató-rio (1), jogo com objectos envolvendo elementos de comportamento predatório (2), comportamento des-trutivo (3) e vocalização (4). Existem também com-portamentos de eliminação, menos frequentes.
Possivelmente, os primeiros comportamentos es-tarão relacionados com estratégias do cão para tentar recuperar o controlo e serão indicativos de um baixo nível de excitação, enquanto o defecar e urinar inapropriados serão indicadores de um ní-vel de excitação maior, de ansiedade generalizada ou de resposta intensa a um estímulo ameaçador, e tenderão a ocorrer quando o cão sente que não tem controlo sobre o estímulo e não consegue encontrar uma estratégia de compensação ade-quada.
Que factores predispõem?Tipicamente, os primeiros sinais aparecem entre um e os dois anos de idade, que corresponde ao período de maturidade social, e no qual os sistemas neuronais passam por grandes alterações de desenvolvimento. No entanto, podem aparecer em animais mais novos ou mais velhos.Tem-se constatado que este problema ocorre mais em machos do que em fêmeas. Os estudos sobre o estado reprodutivo (animais inteiros ou castrados) parecem ser algo contraditórios, com estudos a indiciar que há maior probabilidade de ocorrência nos animais repro-dutivamente intactos e outros a indicar o oposto.A importância da raça varia consoante os estudos; apesar de parecer haver uma maior prevalência em cães sem raça definida, obtidos em refúgios ani-mais ou abandonados, estudos na população gene-ralizada (em oposição à que é apresentada em con-sultas de comportamento) não parecem encontrar diferenças. Cães obtidos através de familiares ou pessoas amigas tendem a apresentar uma menor tendência para este problema que os adquiridos em lojas de animais ou em canis.Outros factores que têm sido indicados como causas para a ansiedade por separação são períodos pro-
longados sem separação do dono, um período pro-longado sem o dono, períodos de estadia em canil, mudança de casa com o dono ou período passado num refúgio para animais.
Um modelo para os problemas por separaçãoA figura 2 esquematiza as relações que têm sido sugeridas entre os diferentes factores que influen-ciam o comportamento de separação, com base no pensamento clássico. Devido à sua ligação ao dono, todos os cães que são deixados sozinhos em casa sofrem um certo nível de stress e de frustração.Num cão normal, esta situação não causa proble-mas; porém, em alguns cães, este nível poderá su-perar um certo limiar, levando a que exibam certos comportamentos originados pela separação. A frus-tração leva à perda de inibição de certos padrões comportamentais, que serão então apresentados como actividades deslocadas (actividades fora do seu contexto normal) – por exemplo, o jogar com objectos apresentam elementos de comportamento predatório, mas será precedido por comportamento exploratório e irá levar a comportamento destruti-vo, como roê-los ou rasgá-los.Adicionalmente, a frustração irá excitar o cão, o que tem como resultado diminuir o limiar de resposta a estímulos externos e aumentar o nível de activida-de, incluindo o comportamento de exploração e o nível de vocalizações – em particular o ladrar.Poderá ainda haver reacções de medo, quer devi-das directamente à ausência do dono, quer devido a frustração prolongada. Os sintomas de medo in-cluem o choramingar, o uivar e, em casos severos, salivação, hiperventilação e eliminação (urinar/de-fecar). Há quem pense que o saltar repetidamente para a porta de saída e esgravatar nela podem ser respostas de escape relacionadas com o medo.
Quando está sozinho, um cão com problemas por separação tende a ladrar durante longos períodos de tempo
A destruição de objectos pode ou não ser um elemento do comportamento por
separação, dependendo do contacto e restantes comportamentos apresentados.
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O risco de problemas de separação estará relacionado com as características individuais do cão, influencia-das pela sua raça e sexo e pelas atitudes do dono em relação ao cão. As características individuais, influen-ciadas pela raça e sexo, afectariam o comportamento por separação de duas formas: indirectamente in-fluenciando a ligação do cão ao dono, e directamente influenciando o nível de medo sofrido ou o nível de excitação, reflectido pelo nível de actividade exibido após a saída do dono.O nível de medo que o cão sofre quando está sozinho pode ser influenciado pela raça, uma vez que há ra-ças e linhas que parecem ser mais “medrosas” que outras.
A actividade ao longo do tempoSe o comportamento por separação fosse devido ao aborrecimento do cão, seria de esperar que o nível de actividade aumentasse à medida que decorre tempo após a partida do dono. Porém, quando o compor-tamento é analisado durante um período suficiente-mente longo, verifica-se que, na realidade, o nível das diferentes formas de comportamento vai diminuindo ao longo do tempo. Esta diminuição não é linear, mas decorre em ciclos.O comportamento por separação começa a ser exibi-do nos primeiros 30 minutos após a partida do dono, frequentemente logo após ao cão ser deixado sozi-nho. Aumenta rapidamente de magnitude atingindo
um pico e diminuindo em seguida, apesar de a vocali-zação poder ser relativamente constante.Este comportamento repete-se em ciclos de cerca de 20-30 minutos, que é a mesma duração de outros ciclos de actividade, como a actividade nocturna, su-gerindo a existência de um relógio biológico no seu estabelecimento. Os sintomas podem persistir até ao dono voltar, mas o cão poderá relaxar mais cedo. Parece haver uma tendência para os ciclos irem dimi-nuindo de intensidade ao longo do tempo (figura 3), apesar de poderem recuperar a magnitude se ocorrer um estímulo externo.
A ligação ao donoNa base da interpretação clássica dos problemas por separação está o considerar-se existir uma ligação excessiva do cão ao dono. Esta hiperligação pode ser primária, se o cão mantém o seu vínculo primário a um indivíduo para além da puberdade, e está corre-lacionada com outras características de imaturidade, ou secundária, se se desenvolver em qualquer idade, passando o cão a depender de uma ou mais pesso-as do seu meio familiar. Este último tipo de ligação pode ser desenvolvido por um animal que sofra de um problema emocional, como fobia ou a perda da sua figura de ligação primária.As manifestações típicas da hiperligação correspon-dem àquilo que normalmente associamos ao com-portamento com o dono de um cão que sofre de pro-blemas de separação, como seja o cão centrar a sua
actividade nessa pessoa, seguindo-a por todo o lado, de divisão em divisão, mantendo-a sempre à sua vis-ta, tentando manter um contacto muito estreito com ela, exibir manifestações de stress quando não puder estar junto do dono estando ele em casa e cumpri-mentá-lo efusivamente quando volta a vê-lo.Os vários comportamentos associados aos proble-mas por separação têm sido atribuídos a questões de hiperligação – a destruição orientada para portas por onde o dono saiu seriam frustração por barrei-ra por não chegar ao dono, a destruição de objectos com o cheiro do dono seria uma desorganização do comportamento exploratório de procura do dono, a vocalização quando separado do dono (que é dife-rente da “normal”) seria sinónimo às vocalizações de um cachorro em stress e exibindo comportamento afiliativo.Porém, há indicações que a ligação excessiva não é uma condição necessária para os problemas de sepa-ração. Nem todos os cães que sofrem destes proble-mas exibem sintomas de hiperligação quando o seu dono está em casa. Os estudos relacionados a ligação dos cães ao dono com a ocorrência de ansiedade por separação são escassos mas um estudo comparando o comportamento de cães com e sem ansiedade por separação revelou que não havia diferenças entre ambos os tipos de cães, por exemplo no tempo que passavam junto ao dono ou junto à porta por onde o dono saiu de casa. Os resultados obtidos sugerem que a ansiedade por separação não está correlacio-
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Tempo após a partida do dono
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Figura 3 – Modelo do comportamento por separação ao longo do tempo: (a) padrão básico, com flutuações cíclicas que vão diminuindo de magnitude ao longo do tempo, (b) efeito de uma estimulação externa que irá voltar a excitar o cão, levando a um novo aumento na magnitude dos ciclos seguido de nova diminuição ao longo do tempo (adaptado de Lund, J.D. & M. Chr. Jøgensen (1999) Beha-viour patterns and time course of activity in dogs with separation problems. Applied Animal Behaviour Science, 63: 219-236)
a) Padrão básico de actividade
a) Efeito da excitação por um estímulo externo
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nada com a hiperligação do cão ao dono, mas que poderá antes ter a ver com um tipo de relação de li-gação ao dono diferente, que não lhes permite mediar as suas respostas em situações stressantes.
Diagnóstico e tratamentoNão é objectivo deste artigo fornecer métodos de tra-tamento para os problemas de separação, pois estes devem ser considerados e aplicados caso a caso.O diagnóstico inicial, geral, é frequentemente (mas nem sempre) efectuado pelo dono do cão, que ao constatar o problema procura ajuda especializada. Uma listagem exaustiva dos sintomas irá fornecer informação sobre as possíveis causas do problema de separação e o nível de ansiedade exibido. Uma ampla gama de sintomas será indicadora de múltiplas cau-sas e/ou de um elevado nível de excitação. Sintomas mais específicos (como por exemplo a destruição e/ou vocalização) indiciam uma tentativa do animal em lidar com a situação e um menor nível de ansiedade; nesta situação é mais provável que seja haja apenas uma única causa subjacente ao comportamento.
O defecar e urinar, sozinhos ou em conjunção com outros sintomas, indicam um nível mais elevado e generalizado de excitação e o possível envolvimento de estímulos causadores de medo (como por exemplo fobia a barulhos).O tratamento será assim dependente da sintomatolo-gia e dos factores subjacentes, levando tipicamente à alteração da situação em que o cão vive e ao tipo de relação com o seu dono. Deverá ser implementado de forma faseada, de forma a não levar a um inadvertido aumento de ansiedade devido a uma alteração radi-cal das circunstâncias.
Não ignore!Os problemas de separação afectam seriamente a qualidade de vida do animal e da pessoa, e podem ser fonte de conflitos com os vizinhos. Não devem ser “menosprezados”, através da formulação de “des-culpas” e “justificações” para a perpetuação do com-portamento, ou de tentativas de compensação que frequentemente limitam e condicionam o bem-estar de todos os envolvidos. Quando em dúvida, procure ajuda especializada!D
Os problemas comportamentais devido à ausência do dono são relativamente frequentes e não devem ser menosprezados, pois afectam seriamente a qualidade de vida dos cães