problemas de alicerçagem grounded theory - coimbra 2004

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Page 1: Problemas de alicerçagem   grounded theory - coimbra 2004

GROUNDED THEORY:

PROBLEMAS DE “ALICERÇAGEM”

António Rodrigues [email protected]

Cláudio Horácio Loureiro Albuquerque [email protected]

Cristóvão André Carvalho Bento. [email protected] Jorge Manuel Amorim Vieira [email protected]

José Gonçalo Alves Oliveira Basto da Silva [email protected]

Métodos de Investigação Científica

Mestrado em Engenharia Informática Departamento de Engenharia Informática

Universidade de Coimbra 3030 Coimbra, Portugal

Resumo - A Grounded Theory é uma metodologia de investigação qualitativa que se baseia na recolha e análise de dados. Esta foi introduzida nos anos 60 por Glaser e Strauss, e tem actualmente um nível de utilização bastante reduzido. A Grounded Theory defende que a teoria deve ser descoberta, desenvolvida e verificada através da recolha e análise sistemática de dados. O investigador começa com uma área de estudo e os dados relevantes dessa área provocam o emergir das teorias. No entanto a GT apresenta uma série de dificuldades, entre as quais a dificuldade de eliminar a subjectividade da investigação e a de validar a fiabilidade das teorias finais, que fazem com que a sua utilização seja tão limitada. Palavras chave – Grounded theory, GT, descrição, dificuldades, objectividade, validade, limites.

1. INTRODUCTION

A Grounded Theory (GT)é uma metodologia qualitativa cujo nome advêm da prática de gerar uma teoria de pesquisa que é alicercada em dados. Formalmente introduzida pelos sociologistas Barney Glaser e Anselm Strauss no livro The Discovery of Grounded Theory [5], esta metodologia emergiu como uma estratégia alternativa às aproximações científicas mais tradicionais que tem por base a hipótese, as técnicas de verificação, e formulários quantitativos de análise que eram particularmente populares nas ciências sociais desse tempo. Embora muitos dos componentes centrais da GT tenham sido apresentados no livro (por exemplo, comparação constante, amostragem teórica, procedimentos de codificação, etc.), em publicações subsequentes tanto de Glaser como de Strauss, começaram a reflectir-se diferenças importantes, na forma em como os dois fundadores vêm a GT e o seu uso. Como consequência, é possível discutir de uma forma bastante convincente que

duas metodologias um tanto distintas evoluíram baseadas no trabalho original, onde cada uma surge com a sua própria epistemologia subjacente e propriedades. O debate entre Glaser e Strauss discute diversos dos princípios fundamentais e propriedades operacionais desta metodologia que podem ter impacto na sua implementação durante todos os estágios do processo da pesquisa, consequentemente afectando as conclusões alcançadas. O presente trabalho foi desenvolvido segundo as metodologias acção-investigação e estudos de casos. A acção-investigação é uma metodologia de investigação com uma forte componente prática. Simplificadamente poderá dizer-se que acção-investigação é “aprender fazendo”. No caso de estudos sociais o método é aplicado directamente na população em estudo. As soluções são testadas sobre a população em estudo e analisados os seus resultados. Assiste-se assim ao contributo da população visada no próprio processo de investigação. Estudos de

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casos é uma metodologia de investigação qualitativa que se baseia na observação de casos reais. Seleccionam-se alguns casos reais e estudam-se os seus fenómenos e contextos. Este método, à semelhança da acção-investigação, é frequentemente aplicado nas ciências sociais. O artigo está estruturado da seguinte forma: na secção 2 é apresentada uma breve descrição sobre a origem da Grounded Theory e seus autores e descreve-se todo o processo que caracteriza este método de investigação. Aborda-se a discordância dos autores sobre os métodos utilizados na aplicabilidade da GT surgida anos depois da sua apresentação. Explicam-se as várias fase do método durante o processo de investigação. A secção 3 é dedicada aos problemas e dificuldades identificados por alguns investigadores seguidores deste método e apresentam-se as suas opiniões. Pontos críticos como a objectividade, validade, fiabilidade e limites da investigação e suas teorias são explorados ao longo desta secção. Na ultima secção é apresentada a conclusão deste estudo em que se ponderam as vantagens defendidas pelos autores e defensores da GT e os problemas e riscos abordados pelos utilizadores do método.

2. GROUNDED THEORY

2.1. Origem da Grounded Theory

Glaser e Strauss começaram seu trabalho em conjunto na universidade de Califórnia -São Francisco, onde tinham a tarefa de ajudar os estudantes de enfermagem com as suas pesquisas. Um dos primeiros projectos, consistia no estudo dos pacientes que se encontravam em fase terminal nos hospitais. Isto levou ao desenvolvimento do que descreveram como uma aproximação nova à investigação científica. Esta aproximação foi apresentada no livro The Discovery of Grounded Theory [5]. Usando este livro como um trampolim para pesquisa subsequentes e refinamentos metodológicos, eles publicaram diversos artigos e livros sozinhos ou em conjunto com outros cientistas durante os trinta anos seguintes. Os mais conhecidos são Theoretical Sensitivity [9] e Basics of Grounded Thoery Analysis [10] de Glaser, e Qualitative Analysis for Social Sciences [11] de Strauss. Em conjunto com Corbin, Strauss publicou adicionalmente Basics of Qualitative Research: Gounded Theory Procedures and Techniques [12]. No entanto nenhum destes se compara ao artigo de Glaser [10] Basics of Grounded Theory Analysis, para dar inicio à controvérsia e servir de catalisador para a futura discussão.

2.2. Strauss Vs Glaser

No artigo Basics of Grounded Theory Analysis [10], Glaser apresenta uma dura crítica aos textos de Strauss e de Corbin apresentados anteriormente, assim como a outros trabalhos conduzidos por Strauss desde o livro The Discovery of Grounded Theory [5]. De acordo com Glaser, a sua motivação para escrever este artigo foi a de corrigir erros realizados por Strauss e Corbin. Convencido de que a sua versão é que seria a correcta, Glaser delineou as diferenças entre a sua concepção da GT e a versão de Strauss e Corbin, a qual acredita ter-se desviado completamente da versão original. Ou seja, Glaser diz que agora para ele é óbvio que Strauss nunca compreendeu na totalidade a GT tendo como consequência o aparecimento de duas metodologias distintas. Embora aos leitores do artigo de Glaser, as diferenças entre estas duas metodologias possam parecer mínimas, na realidade elas levam a uma compreensão distinta da ideologia por detrás da GT. As diferenças principais entre as versões de Glaser e de Strauss parecem articular-se em lacunas epistemológicas e metodológicas. Por exemplo, Glaser parece mais empenhado nos princípios e nas práticas que são normalmente associados ao paradigma qualitativo. Ele parece ver a GT mais como um processo inerentemente flexível guiado principalmente pelas realidades socialmente construídas. Para ele, o mundo do investigador deve emergir naturalmente da análise, dedicando pouco esforço ou atenção detalhada ao processamento por parte do investigador. Estando no entanto também empenhado em fornecer introspecções importantes sobre as realidades dos participantes culturais. Por outro lado Strauss aparenta estar mais interessado em produzir uma descrição detalhada da cena cultural. Glaser afirma, que esta descrição pode ser um resultado forçado de uma abundância virtual de regras e procedimentos para fazer uso da GT, que pode exigir a um trabalho muito intensivo em termos de tempo e conduzir os teoristas da GT ao excesso cognitivo. Adicionalmente, Strauss dá repetidamente ênfase ao facto da GT reter “ideologias das boas ciências”, tais como a replicabilidade, a generalização, a precisão, o significado e a verificação levando-a muito mais perto das doutrinas quantitativas tradicionais. Infelizmente, as 129 páginas de Glaser de correcções aos artigos de Strauss e Corbin fazem muito pouco para convencer o leitor que a GT é uma metodologia inerentemente flexível, onde o investigador “deve simplesmente codificar e analisar categorias e propriedades com códigos teóricos a partir dos quais emergirá a sua teoria complexa de um mundo complexo" [10, p. 71].

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No coração da GT a análise é o processo de codificação que consiste em três tipos: aberto, axial, e selectivo. No entanto, mesmo neste ponto Glaser discorda das ideias sistematicamente esboçadas por Strauss e Corbin [13] para o modus operandi recomendado para a estratégia de codificação. Esta discordância torna-se particularmente evidente no que diz respeito ao tratamento de Strauss e de Corbin da codificação axial, que é vista como um processo de organizar os dados de novas maneiras através da realização de conexões entre categorias e subcategorias. Isto é conseguido, através da elaboração conceptual das categorias via o uso de um paradigma de codificação que denota as condições causais, o contexto, as estratégias de acção/interacção e consequências. Glaser acredita que o exagerado ênfase de Strauss e de Corbin em extraírem detalhes dos dados por meio de um paradigma pré-estruturado, pode facilmente levar os investigadores a ignorarem a relevância dos dados devido à forma rígida como os dados são forçados numa estrutura pré concebida. No artigo Basics of Qualitative Research [13], Strauss e Corbin sugerem diversas fontes de problemas para investigar, incluindo problemas sugeridos, literatura técnica e experiências pessoais. Eles acreditam que a questão a investigar num estudo usando GT é uma afirmação do fenómeno a ser estudado. Contraditoriamente Glaser afirma que o problema próprio da pesquisa é um subproduto natural da codificação aberta, da amostragem teórica e da comparação. Idealmente, o teorista da GT inicia o seu estudo com a inquisição abstracta sobre qual é o problema que está a acontecer e como é que este é tratado. Glaser adicionalmente critica a teoria da generalização versus a teoria da verificação, sendo a teoria da verificação um tema recorrente nos artigos de Strauss e Corbin. Na opinião de Glaser, a verificação não faz parte da GT. Esta deverá ser direccionada para a descoberta de hipóteses ou teorias. Glaser relembra ao leitor que o modelo verificacional foi exactamente o modelo que a GT tentou evitar no livro The Discovery of Grounded Theory [5]. 2.3. Bases da GT

Os três elementos básicos da GT são: conceitos, categorias e preposições. Os conceitos são a unidade básica da analise uma vez que é da conceitualização dos dados, e não dos dados per si, que uma teoria emerge e evoluí até atingir o ponto de saturação. Corbin e Strauss [6, p. 7] dizem:

“As teorias não podem ser construídas a partir da observação de actividades, isto é, a partir dos dados em bruto. As actividades ou acontecimentos são tidos, ou analisados, como indicadores potenciais de um fenómeno, aos quais são atribuídas etiquetas conceptuais. Se um entrevistado diz a um investigador: Todos os dias, eu passo as minhas manhãs a descansar entre fazer a barba e tomar banho, o investigador pode etiquetar esta actividade de descansar. À medida que o investigador encontra outras actividades, e depois de efectuar uma comparação com a primeira, estas podem ser etiquetadas de descansar, se parecerem reproduzir o mesmo fenómeno,. Apenas através da comparação de actividades e agrupamento das mesmas por tipo de fenómeno que cada uma representa, um investigador consegue acumular unidades básicas para a construção de uma teoria.” As categorias, segundo elemento da GT, são definidas por Corbin e Strauss [6, p. 7] da seguinte forma: “As categorias estão a um nível mais alto e são mais abstractas do que os conceitos que estas representam. Elas são geradas através do mesmo processo analítico de comparação, descoberta de semelhanças e diferenças, que é usado para a produção de conceitos de baixo nível. As categorias dão-nos um meio para a integração da teoria. Podemos mostrar como o agrupamento de conceitos forma uma categoria, continuando o exemplo dado anteriormente. Em adição ao conceito de descansar, o investigador pode gerar outros conceitos como: auto medicação, controlo da dieta. Quando estas actividades são codificadas, o investigador poder reparar que, embora estes conceitos sejam diferentes quanto a sua forma, estes parecem representar uma única actividade: Controlo de uma doença. As actividades podem então ser agrupadas debaixo da categoria, Estratégias para o controlo de doença.” As preposições (o terceiro elemento da GT) indicam relações generalizadas entre uma categoria e o conceito associado. A geração e desenvolvimento de conceitos, categorias e preposições faz parte de um processo iterativo. A GT não é gerada à priori e depois subsequentemente testada. Em vez disso, ela é indutivamente derivada do estudo de fenómenos que a representam. Isto é, a teoria é descoberta, desenvolvida e verificada através da recolha sistemática de dados e análise de dados associados a um determinado fenómeno. Por isso, existe uma relação recíproca entre a recolha de dados, analise e a teoria em si. Um investigador que segue uma abordagem GT não começa com uma teoria para depois a provar. Em vez disso, começa com uma área de estudo e permite-se que

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os dados relevantes dessa área provoquem o emergir das teorias. 2.3.1. Grounded Theory: O Processo

A partir da literatura identificam-se cinco (não necessariamente sequenciais) fases analíticas na construção de teorias usando a abordagem da GT. Estas são:

1. Questão de Investigação 2. Recolha de dados 3. Ordenação de dados 4. Analise de dados 5. Comparação com a literatura

2.3.2. Questão de Investigação

Esta fase consste na configuração da peça de investigação: que tipo de dados são recolhidos, de onde são recolhidos e como os dados são interpretados de forma a produzir boas respostas às questões básicas de investigação. Tipicamente o primeiro passo consiste na definição das questões de investigação. Estas devem ser definidas de forma a que a investigação seja focalizada e larga o suficiente para permitir flexibilidade e serendipidade. Assim que as questões de investigação tenham sido definidas e a investigação estiver focalizada, o próximo aspecto a considerar é a selecção do primeiro caso. Os casos (a principal unidade de dados numa investigação que utiliza uma abordagem grounded) devem ser seleccionados de acordo com o principio de amostragem teórica (theoretical sampling): processo de recolha de dados utilizado para a construção de uma teoria, onde o investigador colecciona, codifica, analisa os dados e decide que dados deve recolher a seguir e onde os vai encontrar. Durante a recolha inicial de dados, quando as categorias principais começam a emergir, é necessária uma cobertura total dos dados. Subsequentemente, o principio da amostragem teórica requer apenas que o investigador agrupe os dados em categorias, para assim poder desenvolver propriedades e preposições com os mesmos. O critério para a avaliação do ponto de paragem passa pela chamada saturação teórica (theorical saturation). Quando esta é alcançada quer dizer que por mais dados que o investigador recolha, estes não adicionam nada de novo ao modelo já definido.

De acordo com o principio da amostragem teórica, cada caso adicional deve servir propósitos específicos dentro do âmbito geral. Três opções podem ser identificadas:

1. Escolha de um caso que extenda a teoria emergente e/ou,

2. Escolha de um caso que replique um caso anterior para testar a teoria emergente; ou,

3. Escolha de um caso que é inverso ao caso que extende a teoria emergente.

2.3.3. Recolha de Dados

A GT pressupõe a recolha de dados a partir de múltiplas fontes. Dados que por sua vez convergem para o mesmo fenómeno. Glaser e Strauss [5, p. 65] dizem: “Quando se utiliza a técnica de amostragem teórica, nenhum tipo específico de dados numa categoria ou técnica de recolha é necessariamente adequada. Diferentes tipos de dados dão diferentes perspectivas ao investigador, as quais podem fornecer pontos importantes para a compreensão de uma categoria e para o desenvolvimento das suas propriedades” Através da triangulação dos dados podemos obter uma sinergia: os dados quantitativos podem indicar relações directamente observáveis e confirmar as descobertas dos dados qualitativos. Os dados qualitativos podem ajudar a entender a razão da teoria e as suas relações internas. Resumindo, nesta fase, é desenvolvido um protocolo rigoroso de recolha de dados usando diferentes métodos de recolha de diversas fontes para dados qualitativos e quantitativos. 2.3.4. Ordenação dos dados

A próxima fase dá-se pelo nome de ordenação de dados. Dependendo da área em que se está a investigar e das questões básicas de investigação definidas, os dados devem ser ordenados de forma conveniente. Por exemplo, a ordenação cronológica permite ao investigador determinar eventos casuais no tempo, porque a sequencia básica causa-efeito não pode ser temporalmente invertida. 2.3.5. Análise de dados

Depois dos dados ordenados, a próxima fase consiste na analise dos dados recolhidos. A analise dos dados é o passo central no processo de construção de teorias usando

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a GT. Através da observação da Figura 1 podemos ter uma ideia das diversas fases e como estas se interligam entre si.

AmostragemTeórica

Inicio

Recolhade

Dados

Ordenaçãode

DadosAnalise

deDados

Teoria

Fim

Saturaçãoatingida

?

Sim

Não

AmostragemTeórica

Inicio

Recolhade

Dados

Ordenaçãode

DadosAnalise

deDados

Teoria

Fim

Saturaçãoatingida

?

Sim

Não

Figura 1 - Processo iterativo da GT. A analise de dados para cada um dos casos recolhidos envolve a geração de conceitos através do processo de codificação. O processo de codificação não é mais do que a atribuição de etiquetas ou categorização dos fenómenos indicados pelos dados. O produto deste processo são os conceitos – os blocos base utilizados na construção de uma teoria utilizando uma abordagem GT. O processo de codificação requer a aplicação de um método comparativo, isto é, questionar os dados e compara-los. Os dados inicialmente são organizados através de perguntas simples como: o que, onde, como, quando, quanto, etc. Subsequentemente, os dados são comparados sendo as actividades idênticas agrupadas com a mesma etiqueta. O processo de agrupar conceitos a um nível mais elevado e abstracto é chamado de categorização. Em primeiro lugar é necessário identificar uma categoria central sobre a qual a investigação se vai desenrolar. As subcategorias estarão directamente relacionadas com a categoria central de acordo com o modelo do paradigma (Figura 2), com o único propósito de obrigar o investigador a pensar nos dados e relaciona-los de forma

complexa. A ideia principal consiste em propor ligações e fazer perguntas ou comparações com o propósito de validar as ligações propostas.

Condições Casuais

Fenomeno

Contexto

Condições Intervinientes

Estrategias de Interacção

Consequencias

Figura 2 - Modelo do Paradigma

A categoria central (o fenómeno, ideia central, evento ou acontecimento) é definido como o fenómeno. As outras categorias são então relacionadas com a categoria central de acordo com um esquema. As condições casuais são os eventos que levam ao desenvolvimento de um fenómeno. O contexto refere-se ao conjunto de condições particulares intervenientes no qual o fenómeno é ”aconchegado”. A estratégia de interacção representa as acções e respostas que ocorrem como resultado de um fenómeno. Por ultimo, os resultados, tanto intencionais como não intencionais destas acções e respostas são referidos como consequências. 2.3.6. Comparação com a literatura

A fase final é a comparação da teoria emergente com a literatura existente de forma a verificar o que é igual e o que é diferente e porque. Eisenhardt [7, p. 545] sugere a importância desta tarefa quando dizendo que: “No global, a comparação da teoria emergente com a literatura existente aumenta a sua validade, generalização e o nível teórico interno da teoria construída através do estudo de casos.”

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3. PROBLEMAS E DIFICULDADES

3.1. Objectividade da investigação

A GT é um método de investigação, que ao contrário do hipotético-dedutivo, não parte de uma hipótese ou teoria. A investigação baseada na GT parte normalmente de um problema mal estruturado, que vai sendo continuamente estruturado ao longo do desenvolvimento da investigação. É portanto importante que o investigador não focalize a sua investigação e não tenha ideias preconcebidas quando recolhe e analisa os dados. Apesar de na GT não se partir de uma hipótese ou teoria, este método não defende a posição ingénua de que os problemas são abordados pelo investigador como uma tabula rasa. O investigador deve ter uma perspectiva acerca das coisas, de forma a observar os dados relevantes e conseguir extrair deles categorias [5]. No entanto essa perspectiva pessoal não deve afectar a objectividade da investigação. Um estudo de GT deve ser obrigatoriamente realizado de forma objectiva e nunca subjectiva. Os resultados obtidos num estudo de GT realizado de forma objectiva por um investigador, poderão ser confirmados por outro investigador, desde que baseado nos mesmos dados [8]. Os achados do estudo emergem dos participantes, assegurando que os dados falam por eles mesmos e não surgem de acordo com a subjectividade e as assumpções do investigador. A objectividade do investigador é um ponto essencial para que a teoria desenvolvida seja válida. 3.2. Análise da informação

Como foi visto anteriormente a codificação consiste na análise do texto das entrevistas de forma a extrair palavras ou frases chave que se destaquem em significado. Estas palavras ou frases são, no âmbito da GT, conhecidas como códigos. Mas de que forma se pode proceder à extracção destes códigos? Qual o processo de análise que permite identificar informação chave no meandro de ruído de palavras? George Allan [4] é um defensor convicto da GT utilizando-a regularmente, mas critica fortemente os métodos descritos por Glaser e Strauss [5, 9, 10] por estes não instruírem o leitor num mecanismo adequado para efectuar a codificação. Numa das suas criticas Allan refere: “Eles (Glaser e Straus) descrevem a conceptualização da codificação. Eu não sabia exactamente de que andava à procura. O que era um código? “.

Fruto da sua experiência, Allan apresenta-nos dois métodos já por si utilizados na codificação e explica-nos as suas diferenças. O primeiro método é a micro-análise que consiste na análise palavra-a-palavra. O segundo, codificação de pontos-chave, incide sobre conceitos e não sobre palavras. 3.2.1. Micro-análise

A micro-análise permite codificar todo o texto palavra-a-palavra ou linha-a-linha através da segmentação das frases. O processo é bastante simples. Na presença do texto da entrevista procede-se à segmentação das frases em pequenos segmentos com significado. Atribui-se então um significado a cada um dos segmentos. O resultado da codificação terá o seguinte aspecto:

Tabela 1 - exemplo de micro-análise Este método apresenta alguns problemas essenciais. Primeiro, trata-se de um processo moroso e fastidioso. O texto de uma entrevista pode conter imensa informação que terá de ser estudada de forma a identificar a informação relevante. Segundo, trata-se de um processo confuso e que poderá conter inconsistências. Por um lado o significado de cada um dos segmentos poderá ter uma interpretação diferente quando lido isoladamente perdendo o significado original quando contido na frase. Por outro lado torna-se difícil a segmentação da frase pois é possível segmentá-la de mais do que uma forma. Neste caso é possível, para a mesma frase, atribuir códigos diferentes, consoante a segmentação efectuada. Por ultimo, como se pode ver no exemplo, nem todos os códigos extraídos tem valor para a investigação. Isto obriga a uma análise muito mais exaustiva na fase seguinte aquando da identificação de categorias, de forma a eliminar os códigos sem importância.

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3.2.2. Codificação de pontos-chave

A codificação de pontos-chave não é tão microscópica como a micro-análise. Neste método o que é analisado não são segmentos de texto, mas o texto em si deixando sobressair os conceitos que se encontram encapsulados nos mesmo. O processo consiste na extracção de frases ou conceitos de real significado, obtendo assim os pontos-chave. A codificação é então efectuada sobre os pontos-chave.

Tabela 2 - exemplo de codificação de pontos-chave Como se pode ver pelo exemplo a codificação de pontos-chave não se apresenta tão ambígua como a micro-análise. A análise é efectuada sobre o verdadeiro significado do texto e não no significado de segmentos isolados. Tem ainda a vantagem de permitir que os conceitos significativos comecem desde logo a emergir, uma vez que se foca nos conceitos extraídos das entrevistas. Segundo Allan este método está em linha com a análise qualitativa abordada e defendida por Miles e Huberman [16]. 3.3. Validade e fiabilidade das teorias finais

Os defensores da GT criticam as outras metodologias dizendo que os critérios de rigor são limitados e vocacionados para a sua forma de investigar, enquanto que a GT procura evidência que conteste a hipótese emergida na sequência dos dados de investigação obtidos, até chegar ao ponto em que essa teoria em si seja sólida por não ser refutável. Segundo Strauss, os problemas e os métodos estão separados das investigações [1], contudo, esta sugestão esquece-se que na maioria dos casos, um investigador começa o seu trabalho com uma questão de investigação mal estruturada, e essa questão é tratada ao longo da investigação de forma deficiente. Isto sugere que toda a evolução da investigação até à emergência da teoria final será de validade duvidosa, uma vez que assenta em bases pouco seguras.

Conforme foi dito anteriormente, a observação é um dos métodos essenciais da GT. Contudo, é vulgar na GT como no hipotético-dedutivismo haver uma confusão generalizada entre dados e fenómenos. Esta confusão não permite entender devidamente a natureza da ciência, porque tipicamente é a partir dos fenómenos e não dos dados que as teorias são construídas por forma a explicar e prever. Os dados tendem a ser homogéneos, enquanto que nos fenómenos surgem comportamentos que se desviam totalmente do padrão (e.g. o fenómeno das ondas gigantes é uma “hard science”, mas claramente não se pode basear em meros dados para se chegar à teoria final [2]). A validade da GT seria maior quanto mais as observações fossem mais baseadas em fenómenos e menos em dados. Sendo a GT um pensamento epistemológico construtivista, sugere que as teorias emergem a partir da interacção entre o actor e o objecto de estudo. Sabemos que a hipótese ontológica deste pensamento assenta na irreversibilidade da cognição, o que nos leva a questionar sobre a validade das teorias emergentes. Um mesmo facto, bastando que seja investigado por pessoas diferentes, poderá dar origem a teorias totalmente diferentes. Segundo os idealistas, os nossos sentidos são enganadores, logo, à partida para eles, esta teoria não teria qualquer fiabilidade. Dada a forte crença de que a GT não pode partir de ideias pré concebidas, surge aqui um grave conflito cada vez mais proeminente na sociedade actual. Ninguém consegue arrancar uma investigação com suficiente credibilidade se não tiver bases sólidas e um mínimo de conhecimento sobre a questão de investigação. Obviamente, o investigador que utilize a GT pode avançar nos seus trabalhos indefenidamente até atingir o chamado “ponto de saturação”, que nunca foi claramente definido pelos autores da teoria [4], o que por sua vez, constitui mais um factor de descrédito de validade da GT. A metodologia em si permite que qualquer um, após um relativo curto espaço de tempo, comece a formular teorias. A facilidade de teorização sobre um tema de investigação não oferece credibilidade, antes pelo contrário, levanta dúvidas quanto às suas bases. Sabendo que a teoria não parte de conclusões de anteriores investigações, não se pode esperar grandes resultados quer em termos de rigor quer em termos de validade. Uma falha grave de Anselm Strauss é a profunda convicção de que os métodos científicos e as questões de investigação têm uma origem natural. Acreditamos que uma teoria minimamente fiável tem que se basear em trabalhos anteriormente desenvolvidos por outros investigadores. Se um trabalho de investigação é como uma corrida de 4 vezes 100 metros, em que cada

Key points Codes Manual standards on CM were set up as a result of a Requirements Study for better control of in-house software development.

Control of software Software development

Scheduling changes was regarded as an essencial and integral part of the software process.

Changes Software process

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investigador passa o “testemunho” na forma de artigos, é relativamente lógico perceber que um só corredor não irá ter a performance nem o alcance das restantes equipas [3]. Claramente uma metodologia arriscada. 3.4. Limites da investigação

A investigação baseada na GT desenvolve-se em ciclos de análise de informação permitindo que os conceitos e as teorias vão emergindo gradualmente. Do texto emergem os pontos chave, dos pontos chaves as categorias e das categorias a(s) teoria(s). Em cada um dos ciclos a informação deve ser repetidamente analisada dando assim a possibilidade que conceitos não identificados anteriormente ainda possam emergir. Mas quais são os limites em cada uma das fases da investigação? Quantas vezes é necessário re-analisar a informação para se garantir que os conceitos essenciais emergiram? Qual a quantidade de informação necessária para estabelecer um ponto chave ou uma categoria? Será uma afirmação suficiente para fazer emergir um conceito, ou será necessário que tenha sido afirmada por mais do que um entrevistado? Estas questões dificultam o trabalho de investigação pois o investigador necessita de sentir confiança suficiente para decidir quando deve parar. Glaser [9] aborda este ponto e estabelece a saturação como a chave para se compreender quando parar. Significa isto que, após repetido um ciclo de análise, se não emergirem novos conceitos então deve-se passar ao passo seguinte.

4. CONCLUSÕES

A GT tinha sido vista como um método de investigação promissor, no entanto, como se viu, é um método que pode apresentar certas dificuldades ao investigador que poderão contribuir para a qualidade do resultado final. Estas dificuldades são, contudo, ultrapassáveis e vão-se atenuando e à medida que o investigador adquire experiência e descobre formas eficientes de analisar a informação disponível. Mesmo George Allan, como forte critico dos métodos descritos por Glaser e Strauss, aplaude a GT e usa-a efectivamente no seu trabalho. Citando-o: “A Grounded Theory é recomendada como uma forma poderosa para a recolha e análise de dados e a extrasão de conclusões significativas. A recomendação aplica-se a qualquer investigador das ciências ‘rígidas’ (hard sciences) bem como das ciências sociais”.

Outros autores insistem que, apesar de defenderem a GT, apresentam algumas fraquezas deste método de investigação. Antony Bryant [15] afirma que as fraquezas não se confinam à sua filosofia, mas sim à metodologia utilizada. Segundo Bryant as pessoas que defendem o uso da GT são frequentemente as que a usam para distinguir a sua incompetência ou fragilidade metodológica. Geralmente a GT é usada como desculpa para fugir às questões metodológicas. Bryant justifica-se referenciando Charmaz [14] que procedeu à análise das fraquezas da GT. No entanto Bryant não pretende com estas afirmações criticar a GT, mas sim alertar para os problemas da sua generalização. Um método de investigação só poderá ser generalizado se poder ser considerado um método válido. Bryant chama-nos a atenção para o facto de que se deve dar mais atenção aos métodos utilizados na GT e menos à sua filosofia afirmando “O valor da GT encontra-se no acompanhamento de conduta para pesquisa”. E refere que os exemplos de investigação apresentados por Glaser e Strauss são óptimos exemplos da prática de investigação qualitativa. E conclui: “... é necessário prestar atenção ao que eles fazem (Glaser e Strauss), em vez do que o que eles dizem.”. Como se viu ao longo dos capítulos anteriores a GT caracteriza-se por conceber conceitos e teorias que emergem dos dados analisados. A validade do método, ainda que duvidosa, é possível uma vez que as teorias emergem dos próprios dados, ou seja, da realidade impírica, Segundo Strauss e Corbin, não necessitando de ser provados. Se conjugarmos o que Bryant nos apresenta com as dificuldades apresentadas por Allan poderemos depreender que o rigor do método é bastante importante para a validade da teoria. O resultado da investigação é válido e pode ser generalizado desde que o investigador seja rigoroso nos seus métodos e não utilize a GT como forma de deresponsabilização. Em termos práticos, a GT é muito exigente em termos de duração, esforço e até de fé. O volume de dados envolvidos é assustador e envolve extensos períodos de incerteza e longos percursos pelo “deserto metodológico”. Por todos estes motivos, a GT revela-se como uma metodologia inimiga dos investigadores mais inesperientes. A sua utilização deve ser bem estudada e cuidadosamente ponderada antes de ser aplicada, o que, paradoxalmente, constitui logo à partida uma atitude contrária à essência da própria GT.

Page 9: Problemas de alicerçagem   grounded theory - coimbra 2004

5. REFERÊNCIAS

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