pró-reitoria de pós-graduação e pesquisa stricto sensu em...

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ALINE VEIGA DOS SANTOS Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Mestrado em Educação A GOVERNANÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO TRABALHO DOCENTE Brasília-DF 2012 Autora: Aline Veiga dos Santos Orientadora: Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif

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ALINE VEIGA DOS SANTOS

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Mestrado em Educação

A GOVERNANÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA:

SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS

NO TRABALHO DOCENTE

Brasília-DF 2012

Autora: Aline Veiga dos Santos

Orientadora: Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif

ALINE VEIGA DOS SANTOS

A GOVERNANÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: SOBREIMPLICAÇÕES

DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO TRABALHO DOCENTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu do Mestrado em Educação,

da Universidade Católica de Brasília, como requisito

parcial para a obtenção do Título de Mestre em

Educação. Na área de concentração “Políticas e

Administração Educacional”.

Orientadora: Profª. Drª. Ranilce Mascarenhas

Guimarães-Iosif

BRASÍLIA-DF

2012

S237g Santos, Aline Veiga dos

A governança da educação superior privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente / Aline Veiga dos Santos – 2012.

161 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif

1. Educação. 2. Universidades e faculdades - Corpo docente. 3.

Oligopólios. 4. Educação Superior. I. Guimarães-Iosif, Ranilce Mascarenhas, orient. II. Título.

CDU, 378:330.142.23

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação do SIBI//UCB

Dissertação de autoria de Aline Veiga dos Santos, intitulada A GOVERNANÇA DA

EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS

OLIGOPÓLIOS NO TRABALHO DOCENTE, apresentada como requisito parcial para a

obtenção do grau de Mestre em Educação da Universidade Católica de Brasília, em 10 de

dezembro de 2012, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

__________________________________________________________________________________

Profª. Drª. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif

Programa de Mestrado em Educação – UCB

(Orientadora)

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Síveres

Programa de Mestrado em Educação – UCB

(Examinador interno)

___________________________________________________________________________

Profª. Drª. Vera Lúcia Jacob Chaves

Universidade Federal do Pará – UFPA

(Examinadora externa)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, que sempre esteve ao meu lado me guiando e abençoando. Ao

Senhor, toda minha gratidão e infinito amor.

À minha mãe e ao meu pai, pela criação pautada nos princípios e valores que

dignificam o ser humano: humildade, honestidade, ética e bondade. Ao senhores, a minha

eterna admiração.

Ao meu grande companheiro, Noel Carlos Brandão, pelo zelo e carinho para comigo e

pela compreensão e força nessa longa trajetória. Basta um sorriso para que cada dia se torne

mais que especial. Você engrandece a minha vida com a sua presença. Ao Noelzinho Filho,

por guardar um cantinho especial no seu coração para mim.

À minha irmã e ao meu cunhado, por terem me dado o melhor presente da minha vida.

Vítor, você é um presente de Deus. A titia te ama muito.

Não tenho palavras para agradecer à minha orientadora, Ranilce Guimarães-Iosif.

Professora brilhante que, desde o primeiro encontro, me recebeu com muito carinho e sempre

me deu forças para continuar caminhando.

Aos professores, Vera Jacob Chaves e Luiz Síveres, pelas valorosas contribuições e

sugestões no trabalho.

À minha avó, Carmelita Veiga, in memoriam, não há um dia que passe em que eu não

me lembre de ti. Você se faz presente em minha vida. Como foi maravilhoso viver todos esses

30 anos ao seu lado.

Aos meus chefes, Reginaldo Ferreira, Jorge Tempone, Gustavo Tarragô e Ronaldo

Araújo, pela compreensão e apoio. A todos os meus colegas de seção, que acompanharam

cada etapa deste trabalho.

Aos meus colegas de mestrado, Carlos da Silva, Angela Sugamosto, Gleice Paixão,

Ana Gaudio, Glória Maria e Isabela, por partilharmos um pouco das nossas histórias e por

sermos grandes companheiros.

RESUMO

SANTOS, Aline Veiga. A governança da educação superior privada: sobreimplicações da

formação dos oligopólios no trabalho docente. 2012. 161 f. Dissertação de Mestrado em

Educação – UCB, Brasília, 2012.

O presente estudo tem por finalidade investigar as sobreimplicações da formação dos

oligopólios no trabalho docente, no atual contexto de governança da educação superior

privada brasileira. Considerando a natureza do tema e os objetivos deste estudo, optou-se por

realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando como estratégia o estudo de caso realizado em

uma instituição de ensino superior privada da Companhia Anhanguera Educacional – segundo

maior grupo de ensino superior do mundo. Como técnicas de investigação, foram utilizadas: a

análise documental, as entrevistas individuais semiestruturadas e a observação assistemática.

Os dados foram interpretados à luz da Análise de Conteúdo proposta por Bardin e discutidos

em quatro categorias: política e governança da educação superior – concepções e

contradições; Anhanguera Educacional – aquisições institucionais e abertura de capital na

bolsa de valores; relações e condições de trabalho dos docentes; consciência política dos

docentes – sindicalismo e engajamento social. Os resultados apontam que a formação dos

oligopólios, processo oriundo do modelo vigente de governança da educação superior privada,

intensifica a exploração da subjetividade do trabalho docente, por meio da extração da mais-

valia de sua força de trabalho. Essa sobreimplicação contribui para práticas de acumulação de

tarefas que correspondem à lógica capitalista contemporânea e compromete a qualidade da

educação, cuja concepção se limita à racionalidade técnica e quantitativista. Este estudo

conclui que o avanço do capital na exploração do trabalhador docente despreza a natureza do

trabalho pedagógico e as implicações políticas, sociais e éticas envolvidas, ao intensificar e

precarizar as condições trabalho. Na instituição de ensino superior privada investigada, a

flexibilização e a acumulação de tarefas tornaram-se uma máxima, por meio da

institucionalização da gestão racionalizadora e da padronização do sistema. Nesse contexto,

o docente é um trabalhador com voz, autonomia e participação limitadas. Destarte, propomos

que as políticas que regulam a adoção do plano de carreira nas instituições de ensino superior

sejam acompanhadas com maior rigor pelo Estado e pelos órgãos representativos da classe

docente; que o sindicato se aproxime mais da categoria e trabalhe com pautas unificadas e

efetivamente representativas; que os docentes se organizem coletivamente e lutem pelos seus

direitos, exercendo sua cidadania politicamente. Torna-se urgente que o Estado regule e

fiscalize o processo de privatização das instituições de ensino superior no País e os contratos

trabalhistas. O estudo aponta para a necessidade de se estabelecer limites para os atores

nacionais e internacionais que incentivam e financiam a governança da educação superior

privada no Brasil. O modelo hegemônico precisa ser repensado, porque prioriza a expansão

dos oligopólios, da internacionalização e do lucro, em detrimento de melhores condições de

trabalho para os docentes e, consequentemente, da qualidade da educação. Palavras-chave: Governança. Educação Superior Privada. Formação dos Oligopólios.

Trabalho Docente.

ABSTRACT

SANTOS, Aline Veiga. The governance of private higher education: the over-implications

of the formation of oligopolies on teachers' work. 2012. 161 p. Dissertation of Master in

Education – UCB, Brasilia, 2012.

This study aims to investigate the over-implications of the formation of oligopolies on

teachers' work, in the current context of governance of private higher education in Brazil.

After considering the nature of the theme and objectives of this study, we chose to conduct a

qualitative research using the case study as a strategy. The data collection took place in a

private institution of higher education owned by Anhanguera which is the second largest

group of higher education in the world. The investigative techniques used were document

analysis, semi-structured individual interviews, and systematic observation. The data were

interpreted in light of the Content Analysis proposed by Bardin and discussed in four

categories: policy and governance of higher education - concepts and contradictions;

Anhanguera Educational- institutional acquisitions and opening of capital on the stock

exchange; relations and working conditions of teachers; political consciousness of teachers -

syndicalism and social engagement. The results indicate that the formation of oligopolies, a

process resulting from the current model of private higher education governance, intensifies

the exploitation of the subjectivity of teachers' work through the extraction of value from their

labor. This over-implication contribute to the accumulation of tasks that matches

contemporary capitalist logic and undermines the quality of education, whose design is

limited to quantitative and technical rationality. This study concludes that the advance of

capital in the exploitation of teachers disrespects the nature of pedagogical work and the

political, social, and ethical issues involved by intensifying and making the working

conditions more precarious. In the private higher education institution investigated, the

uncertainty and accumulation of tasks have become a rule as a result of the institutionalization

of productivity, efficiency and standardization of the administration system. In this context,

the teacher is an employee with limited voice, autonomy and participation. Thus, we propose

that policies governing the regulation of career paths in higher education institutions are

watched more closely by state and teacher organizations; that the teachers' union gets

involved more intimately with its members and promotes a more unified and representative

agenda; that teachers organize themselves collectively and fight for their rights, exercising

their citizenship politically. It is urgent that the state regulates and supervises the process of

privatization of higher education institutions and the way teachers' work contracts are made in

Brazil. The study points to the need to set limits for national and international actors who

promote and fund the governance of private higher education in Brazil. It is urgent to rethink

the current hegemonic model because it prioritizes the expansion of oligopolies,

internationalization and profit-making at the expense of better working conditions for teachers

and, consequently, lowering the quality of education.

Keywords: Governance. Private Higher Education. Formation of Oligopolies. Teachers'

Work.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 1 – Programas, objetivos e alcance ............................................................................ 34

QUADRO 2 – Abertura de capital na BM&FBOVESPA / Mercado educacional ...................... 73

QUADRO 3 – Fusões e aquisições por fundos private equity e grupos internacionais ............... 75

QUADRO 4 – Projetos de Leis: 2.183/2003, 7.200/2006, 6.358/2009 e 7.040/2010 ................. 81

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Evolução das funções docentes com titulação de doutor, mestre e até

especialização entre 2001-2010 .................................................................................................... 88

TABELA 2 – Regime de trabalho e categoria administrativa: percentual de participação

dos docentes nas IES em 2010 ..................................................................................................... 89

TABELA 3 – Número e percentual de funções docentes, grau de formação/titulação e

jornada de trabalho nas IESP do DF em 2010 .............................................................................. 89

TABELA 4 – Síntese dos dados dos professores entrevistados .................................................. 94

TABELA 5 – Carga horária semanal total dos docentes ............................................................. 116

LISTA DE SIGLAS

AGCS Acordo Geral Sobre Comércio de Serviços

ANDES-SN Sindicato Nacional dos docentes das instituições de ensino superior

BM Banco Mundial

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNE Conselho Nacional de Educação

CONTEE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino

DF Distrito Federal

FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

FMI Fundo Monetário Internacional

IES Instituições de Ensino Superior

IESP Instituições de Ensino Superior Privadas

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério da Educação

OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OI Organismo Internacional

OMC Organização Mundial do Comércio

PC Plano de Carreira

PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos

PROIES Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de

Ensino Superior

PROUNI Programa Universidade para Todos

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais

SEB Sistema Educacional Brasileiro

SERES Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior

SINPROEP Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do

Distrito Federal

SINPRO Sindicato dos Professores do Distrito Federal

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

1T12 1º TRIMESTRE 2012

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO .................................... 15

1.1 A PESQUISADORA E O TEMA: SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA ............... 15

1.2 RELEVÂNCIA E OBJETIVOS DO ESTUDO ...................................................................... 16

1.3 DELINEAMENTO METODOLÓGICO ............................................................................... 18

1.3.1 Abordagem ......................................................................................................................... 18

1.3.2 Lócus da investigação ........................................................................................................ 19

1.3.2.1 Limitações no lócus da investigação ................................................................................ 20

1.3.3 Participantes do estudo ..................................................................................................... 21

1.3.4 Procedimentos metodológicos ........................................................................................... 22

1.3.5 Análise dos dados ............................................................................................................... 24

CAPÍTULO II – POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ........................ 26

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR .................................................. 26

2.2 PROGRAMAS DIRECIONADOS À AMPLIAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO

SUPERIOR PÚBLICO E PRIVADO ........................................................................................... 34

2.3 MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: IMPACTO DA

GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL ............................................................................................. 39

CAPÍTULO III – NOVAS ARENAS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL .................... 44

3.1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS .............................................................................................. 44

3.2 OS CAMINHOS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL ................................................... 48

3.3 O MODELO DE GOVERNANÇA EDUCACIONAL CONTRA-HEGEMÔNICO ............ 53

CAPÍTULO IV – AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

DOCENTE .................................................................................................................................. 57

4.1 SOBREIMPLICAÇÕES ......................................................................................................... 57

4.2 ORGANIZAÇÃO COLETIVA E POLITICIDADE DOCENTE .......................................... 64

CAPÍTULO V – FORMAÇÃO E PODER DOS OLIGOPÓLIOS: IMPACTOS NO

TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO ............................................... 70

5.1 FUSÕES E AQUISIÇÕES INSTITUCIONAIS .................................................................... 70

5.2 PANORAMA ATUAL DAS COMPANHIAS EDUCACIONAIS ....................................... 76

5.3 (DES)REGULAÇÃO DO PROCESSO DE FUSÕES E AQUISIÇÕES

INSTITUCIONAIS ...................................................................................................................... 79

5.4 IMPACTOS NO TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO .................. 82

CAPÍTULO VI – SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO

TRABALHO DOCENTE: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE DE

CONTÉUDO ............................................................................................................................... 92

6.1 A ANÁLISE DE CONTEÚDO .............................................................................................. 92

6.1.1 Compreendendo a subjetividade dos protagonistas do estudo ...................................... 93

6.1.2 Política e governança da educação superior: concepções e contradições ..................... 95

6.1.3 Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa

de valores ..................................................................................................................................... 105

6.1.4 Relações e condições de trabalho dos docentes ............................................................... 115

6.1.5 Consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social ............................ 124

6.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...................................................................................... 129

6.3 SUGESTÕES DE QUESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS ............................................ 132

CONCLUSÃO: O OLHAR DA PESQUISADORA ................................................................ 134

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 138

APÊNDICE A – Termo de Consentimento .............................................................................. 150

APÊNDICE B – Roteiro da entrevista com os docentes ......................................................... 151

APÊNDICE C – Roteiro da entrevista com os docentes demitidos ....................................... 153

APÊNDICE D – Roteiro da entrevista com o Representante do SINPROEP ...................... 155

ANEXO A – CM Consultoria – Tabela 1: Quadro geral de fusões e aquisições no Ensino

Superior privado – 2007/2011 .................................................................................................... 156

12

INTRODUÇÃO

A história do ensino superior no Brasil é marcada pela expansão avassaladora das

instituições de ensino superior privadas (IESPs) e pelas contradições advindas desse processo.

O alto índice de privatização, com predomínio das instituições privadas com fins lucrativos,

que hoje correspondem a 88,3% do sistema1 (BRASIL, 2012c) é uma questão que passa a ser

tema de destaque, especialmente diante da intensificação do fenômeno de fusões e aquisições

de IESPs por grandes grupos educacionais e financeiros.

A nova estrutura de gestão pública, resultante da presença do neoliberalismo nas

políticas públicas, a partir da década de 1990, permitiu que novos atores entrassem em cena

no disputado campo da educação superior, que deixa de ser considerada como bem comum e

passa a ser vista como serviço, a partir do Acordo Geral de Comércio e Serviços (AGCS)

proposto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995. Nesse escopo, a educação

transformou-se em um dos negócios mais rentáveis do mundo. Em consonância às diretrizes

neoliberais, a redução do investimento público no sistema de educação superior brasileiro, ao

longo dos anos, fomentou o crescente processo de privatização e auferiu uma dimensão mais

mercantil a esse segmento.

As negociações na educação superior privada se enquadram perfeitamente dentro do

novo modelo de governança educacional, que, ao privilegiar os interesses mercantis, atinge

diretamente o trabalho docente e, consequentemente, compromete a qualidade do ensino

voltada para a formação humana e emancipação social. A abertura de capital de cinco grupos

educacionais na Bolsa de Valores2 – Anhanguera Educacional, Estácio Participações, Sistema

Educacional Brasileiro (SEB), Kroton Educacional, todas em 2007; e a Abril Educação em

20113 – demonstra a voracidade do mercado e consolida o gigantismo econômico-finaceiro,

inclusive para a entrada de capital estrangeiro no setor.

Desde então, a educação superior privada compõe-se dos seguintes elementos:

concepção mercantil, abertura de capital, fusões e aquisições (processo de formação dos

1 De acordo com os dados do INEP (BRASIL, 2010b), em 2009 havia 2.314 instituições de ensino superior

cadastradas, sendo 245 públicas e 2.069 privadas, destas 1.779 eram particulares com fins lucrativos e 290 eram comunitárias e confessionais, ou seja, não auferem lucro. Até 2009 o INEP coletava essa informação. A partir do 2 Em 2008, a Bolsa de Valores de São Paulo integrou-se a Bolsa de Mercados & Futuros, e passou a ter a

denominação BM&FBOVESPA. Portanto, nesse estudo, será utilizada a expressão bolsa de valores ou

BM&FBOVESPA. 3 Das empresas educacionais listadas na BM&FBOVESPA, a Abril Educação é a única companhia que não atua

no segmento da educação superior.

13

oligopólios 4 ), internacionalização, precarização e intensificação do trabalho, mudanças

curriculares tecnicistas (TIRANDENTES, 2009a, 2011). Esse quadro criou uma reengenharia

nas formas de ser e agir das IESPs: produziu danos aos trabalhadores envolvidos no setor

como agravo à saúde, perda do tempo livre e a perda do sentido do trabalho; afastou o sentido

pedagógico, comprometeu a formação humana e mudou o papel da educação superior em suas

mais elevadas manifestações.

A precarização e intensificação do trabalho docente se desenvolvem em um processo

contínuo e estão vinculadas às metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho, que ocorreram

em concomitância ao novo modelo de gestão pública difundido internacionalmente por

agências e corporações multilaterais, tais como o Banco Mundial (BM), a Organização

Mundial do Comércio (OMC), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE). Trata-se de um processo que atingiu vários segmentos de trabalhadores, inclusive

trabalhadores qualificados como os docentes das instituições de ensino superior (IES).

Conforme René Lourau (2004a), a “sobreimplicação” do trabalho, configura-se na exploração

da subjetividade que não só produz sobretrabalho, estresse rentável, doença e mais-valia,

como também “cash-flow” (fluxo de caixa), configurando o crescimento indefinido da

empresa-instituição. Esse processo contribui para práticas de acumulação de tarefas e

relaciona-se à subjetividade-mercadoria, sendo esta a realidade dos docentes que atuam nas

IESPs, que respondem à lógica capitalista contemporânea.

Uma das funções delineadas na “universidade micro-ondas” 5 é a reprodução da

ideologia do empreendedorismo e da empregabilidade, como condutores de legitimação do

desemprego, que “se apoia em concepções neofuncionalistas e neoprodutivistas: só se

justifica na educação (ou melhor, no ensino) aquele saber que venha a contribuir para a

produtividade do mercado, cujo retorno em agregação de valor seja mensurável.”

(TIRADENTES, 2009a, p. 111). Outras dimensões da formação humana são desprezíveis,

pois significam desperdício de custos.

Situar a questão do trabalho docente na educação superior privada, objeto deste estudo,

nessa realidade abrangente, torna-se de fato um grande desafio, posto que o trabalhador

docente tem representado fonte de lucro para os “empresários da educação”, que gerenciam as

4 Segundo Ferreira (2004, p. 591), “oligopólio é a situação de mercado em que a oferta é controlada por um

pequeno número de grandes empresas.” 5 Tiradentes (2009a, p. 95) construiu esta metáfora para designar o modelo de Educação Superior imposto às

economias de capitalismo periférico pelas economias de capitalismo central [...]. Assim como o uso do forno de micro-ondas consagrou-se pela função de descongelamento e aquecimento para consumo do alimento pré-produzido, a universidade de capitalismo periférico teria o papel de descongelar, aquecer e fornecer para consumo, ou seja, transformar em mercadoria, agregar valor.

14

instituições sob a tutela da regulação autoritária do capital e promovem o “esvaziamento

semântico da docência universitária” (FARO, 2012). O objetivo principal deste estudo é

analisar como o processo de formação de oligopólios no ensino superior privado, oriundo do

atual modelo de governança da educação superior, contribui para a “sobreimplicação” no

trabalho docente.

O presente trabalho está estruturado em seis capítulos. No primeiro, “Caracterização do

objeto de estudo”, apresentamos a relevância do estudo e os objetivos e delineamos a

metodologia de pesquisa. No segundo, “Políticas de Educação Superior no Brasil”, fazemos

uma análise do contexto histórico da educação superior. Na discussão levada a termo no

terceiro, “Novas Arenas da Governança Educacional”, apresentamos as concepções e práticas

da governança, e o modelo de governança contra-hegemônico a partir da concepção de

Boaventura de Sousa Santos. No quarto capítulo, “As transformações no mundo do trabalho

docente”, explicitamos os elementos característicos da acumulação flexível do capital,

processo em que as redes de ensino extraem o valor e a mais-valia, ou seja, sobreimplicam o

trabalho docente. No quinto, “Formação e poder dos oligopólios na educação superior:

sobreimplicações no trabalho docente”, investigamos os processos de mercantilização da

educação oriundos das negociações, destarte discutimos os impactos no setor educacional, no

trabalho docente e na qualidade do ensino. No sexto é último capítulo, “As sobreimplicações

da formação dos oligopólios no trabalho docente: um olhar sob a perspectiva da análise de

conteúdo”, analisamos os dados, discutimos os resultados e, por fim, apresentamos algumas

questões para estudos futuros.

Embora este estudo discuta a questão da formação dos oligopólios na educação superior

brasileira e as sobreimplicações desse processo no trabalho docente, reconhecemos que, por

se tratar de um Estudo de Caso, os dados limitam-se ao contexto investigado, não podendo ser

generalizados. Sem qualquer pretensão de exaurir a complexidade temática, esperamos

contribuir para um maior entendimento da atual condição de trabalho dos docentes que atuam

nas companhias educacionais, operadas pela lógica do capital. O conhecimento da realidade

não é sinônimo de transformação, porém, é necessário que este se reverta em estratégia de

mudanças.

15

CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

O presente capítulo apresenta o processo de construção do objeto de estudo da pesquisa,

bem como os objetivos, evidenciando a relevância do tema, a metodologia utilizada, os

procedimentos e instrumentos empregados para geração de dados e o processo de tratamento

dos dados sob a análise de conteúdo.

1.1 A PESQUISADORA E O TEMA – SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA

Este trabalho de investigação se inscreve na linha de pesquisa “Política, Gestão e

Economia da Educação do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade

Católica de Brasília (UCB). A gênese dessa dissertação, “Governança da educação superior

privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente”, surgiu na

disciplina – “Política Educacional Internacional, Governança Global e Desenvolvimento

Social” ministrada no mestrado pelos professores Ali Abdi 6, Lynette Shultz 7 e Ranilce

Guimarães-Iosif – e, ainda, nos estudos realizados no Grupo de Pesquisa – “Políticas

Públicas, Governança Educacional e Cidadania” – do Programa de Pós-graduação em

Educação da UCB. As discussões em sala e no grupo de pesquisa nos instigaram a estudar a

dinâmica da formação dos oligopólios na educação superior privada e as sobreimplicações

desse processo no trabalho docente, campo este envolto de contradições e desafios diante do

capitalismo financeiro.

Mais da metade das funções docentes, no ensino superior brasileiro, estão no setor

privado, o que corresponde a 214.546 (62,12%) dentro de um contexto de 345.335 (100%)

(BRASIL, 2012c). Portanto, é imperioso que as condições de trabalho dessa categoria sejam

melhor investigadas e discutidas. De acordo com Ryon Braga, presidente da Hoper

Educação 8, 34%, ou seja, 1,7 milhão dos estudantes das instituições privadas brasileiras

frequentam um dos campi dos 12 maiores grupos educacionais. “Não há registro de tamanha

concentração nas mãos de instituições com fins lucrativos em todo o mundo, afirma o

consultor” (SILVA, 2012, p. 28). Nesse escopo, qual é o impacto desse processo na educação

superior brasileira e no trabalho docente?

6 Professor da University of Alberta, Canadá, visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.

7 Professora da University of Alberta, Canadá, visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.

8 Empresa de consultoria no segmento educacional (http://www.hoper.com.br/).

16

A compreensão da natureza contemporânea do trabalho docente não ocorre somente

pela análise profunda de técnicas e processos pedagógicos, do conhecimento como fonte do

trabalho, da relação professor-aluno. É indispensável, como ponto de partida, entender como

são geridas as empresas de ensino, os seus objetivos e as suas relações com a sociedade

capitalista. Nesse cenário de expansão e transformação da educação superior no Brasil em

mercadoria, quais são as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente?

Partimos da hipótese de que o modelo contemporâneo de governança da educação superior

brasileira, ao não estabelecer leis que regule a entrada de capital estrangeiro no setor e o

processo de aquisição e fusão de instituições privadas, favorece a formação dos oligopólios

que sobreimplicam o trabalho docente e, consequentemente, comprometem a qualidade da

educação.

O conceito de qualidade, atualmente, está submetido aos critérios temporais e, até certo

ponto, volúveis da economia. Portanto, nesse estudo, o conceito de qualidade adotado baseia-

se na “qualidade educativa” proposta por Dias Sobrinho (2002; 2010). Para o autor, a

qualidade educativa não se limita à racionalidade técnica e instrumental, bem como aos

interesses sociais, mas está concernida também e, sobretudo, por valores sociais da

humanidade. Valores estes de primeira ordem, que dizem respeito aos horizontes universais e

perenes da humanidade: liberdade, democracia, cidadania, cooperação e outros do mesmo

campo semântico. Apesar da questão da qualidade não ser objeto desse estudo, entendemos

ser fundamental a compreensão desse termo, uma vez que a formação dos oligopólios acaba

afetando diretamente o trabalho docente e a qualidade do ensino.

1.2 RELEVÂNCIA E OBJETIVOS DO ESTUDO

A privatização da educação superior no Brasil intensificou-se a partir da reforma

gerencialista impressa na década de 1990. “Pode-se detectar que, a partir daí, profundas

modificações ocorreram na cultura e no cotidiano das instituições [...], sobretudo, no trabalho

do professor e do pesquisador.” (MANCEBO, 2011, p. 34). Para Mancebo, atualmente, o

trabalho docente efetiva-se no sentido de conferir qualidade à mão de obra, que equivale à

mercadoria básica na produção de valor.

Diante do novo modelo de política e governança da educação superior corremos o risco

de que a educação superior seja direcionada apenas aos interesses do mercado (nacional e

internacional), o que compromete diretamente o projeto democrático e emancipatório do país.

17

A falta de uma política pública que regule o processo de fusões e aquisições9 das instituições

de ensino contribui para que a governança do setor fique nas mãos de grandes grupos, cuja

preocupação maior é o lucro e não a qualidade e o compromisso social da universidade, assim

os professores ficam a mercê dessas empresas, visto que a legislação não estabeleceu critérios

que amparem o trabalhador docente frente ao sistema capitalista voraz, tampouco critérios

para a elaboração dos planos de carreira (PCs).

Essa problemática da formação de oligopólios, dentro do contexto contemporâneo da

governança educacional, ainda é pouco explorada e discutida no campo das pesquisas

nacionais em educação, haja vista a reduzida bibliografia relacionada ao assunto. Na obra

Globalizing education policy, Rizvi e Lingard (2010) assinalam que os governos nacionais

não são mais a única fonte de autoridade política e representam os interesses de toda uma

gama de atores políticos, tanto nacionais quanto internacionais, que fazem parte da nova

concepção de gestão pública e de atuação do Estado.

O artigo de Chaves (2010) – “Expansão da privatização/mercantilização do ensino

superior brasileiro: a formação dos oligopólios” – aponta que o processo de mercantilização

do ensino superior no Brasil adquiriu nova configuração com a formação dos oligopólios, a

partir das aquisições e fusões de instituições e da abertura de capital na bolsa de valores.

Oliveira (2009), em seu texto – “A transformação da educação em mercadoria no Brasil” –,

conclui que é cabível falar em financeirização da educação, visto que o setor financeiro

assumiu a hegemonia na educação privada no país. Portanto, mais do que a transformação da

educação em mercadoria, o que se observa no ensino superior é um processo intenso de

concentração. Para o autor, estamos presenciando um processo de oligopolização.

Sendo assim, cabe ressaltar que não encontramos na literatura estudos que remetam às

sobreimplicações da formação de oligopólios no trabalho docente privado. Na Biblioteca

Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e em outros domínios, foram encontrados trabalhos

que discutem o processo de mercantilização e financeirização da educação superior privada e

as condições do trabalho docente, mas nenhum que remeta ao tema em foco (DIAS, 2006;

SIQUEIRA, 2006; NONNENMACHER, 2008; SILVA, 2009; VALE, 2011).

Dada a pertinência do estudo, entendemos que seria de grande importância discutirmos

o desenvolvimento do processo de formação dos oligopólios e as sobreimplicações no

9 Fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova, que lhes

sucederá em todos os direitos e obrigações; aquisição é a operação pela qual uma ou mais sociedades são

absorvidas por outra, sucedendo-lhe em todos os direitos e obrigações – artigos 227 e 228 da Lei nº 6404/1976.

18

trabalho docente, principalmente por se tratar de trabalhadores que atuam na formação e

emancipação do cidadão e para o desenvolvimento do país.

O objetivo principal deste estudo é investigar as sobreimplicações da formação dos

oligopólios no trabalho docente privado no contexto do atual modelo de governança da

educação superior brasileira. Visando alcançar o objetivo geral, foram constituídos os

seguintes objetivos específicos:

a) Identificar as concepções e práticas de política e governança educacional adotadas pelo

Estado brasileiro na condução da educação superior e como essas concepções e práticas

se relacionam com os interesses de mercado.

b) Identificar os grupos que estão formando os oligopólios na educação superior privada e

quais são os seus interesses prioritários.

c) Identificar a percepção dos docentes em relação às fusões e aquisições institucionais e a

abertura de capital na bolsa de valores.

d) Analisar a percepção dos docentes no que tange as suas relações e condições de

trabalho, bem como compreender a visão desses trabalhadores em relação à atuação do

sindicato que os representa.

A forma com que as políticas e os acordos são estabelecidos, diante da governança

educacional global, é que vai determinar a direção da educação superior no Brasil. A

formação dos oligopólios na educação superior privada é um processo recente, que trouxe

uma nova configuração para a governança do setor e precisa ser investigada para saber quais

as sobreimplicações promovidas no trabalho docente, na qualidade do ensino e na autonomia

universitária. Neste estudo, o enfoque se volta para a questão do trabalho docente, por

considerar que esta é estratégica para as demais.

1.3 DELINEAMENTO METODOLÓGICO

1.3.1 Abordagem

Adotou-se para este estudo, um paradigma de pesquisa qualitativo, haja vista ser este

um meio para entender o significado que determinado grupo ou indivíduos atribuem a um

problema social, tendo uma estrutura flexível ao valorizar a importância da interpretação da

complexidade de uma situação. A flexibilidade é uma característica marcante da pesquisa

qualitativa, as fases do processo são emergentes e podem mudar ou se deslocar a partir do

momento que o investigador entra no campo e começa a coletar os dados. A ideia

19

fundamental que está por trás do método qualitativo, conforme aponta Creswell (2010), é a de

compreender o problema ou questão com os participantes e lidar com a pesquisa de modo a

obter informações.

Partimos do princípio que a pesquisa qualitativa, utilizando como estratégia o estudo de

caso, é de grande relevância para compreender a questão em foco. Ludke e André (1986)

apontam que o estudo de caso se desenvolve numa situação natural, é rico em dados

descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e

contextualizada. As autoras destacam que o estudo de caso “procura representar os diferentes

e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social” (LUDKE; ANDRÉ,

1986, p. 20), quando o objeto ou situações estudadas podem suscitar opiniões divergentes.

Yin (2010) faz sua contribuição acrescentando que o estudo de caso vai permitir a

compreensão de características significativas e holísticas do processo organizacional e

administrativo da instituição investigada. Esse método de pesquisa vai contribuir para

compreender as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente diante do

atual cenário de governança da educação superior no Brasil.

1.3.2 Lócus da investigação

A pesquisa teve como cenário de investigação uma Instituição de Ensino Superior (IES)

da Anhanguera Educacional Participações S.A., segundo maior grupo de ensino superior do

mundo (NINNI; CRUZ, 2011) e maior organização privada com fins lucrativos do setor

educacional do Brasil. O grupo atua em todos os 27 estados, inclusive no Distrito Federal

(DF), e conta com 432 mil alunos no ensino superior. A Anhanguera tem mais de 570

unidades, onde são ofertadas mais de 90 modalidades de cursos de graduação e graduação

tecnológica, além de cursos de pós-graduação e extensão. A maioria de seus alunos são jovens

de média e baixa renda que trabalham durante o dia e estudam à noite (ANHANGUERA,

2012c).

A Anhanguera Educacional foi fundada em 1994 por um grupo de professores liderado

por Antonio Carbonari Netto e José Luis Poli. As atividades iniciaram com o estabelecimento

de uma IES na cidade de Leme (São Paulo), sem fins lucrativos. Em 2003, a Anhanguera

passou a ser a sucessora da então existente Associação Lemense de Educação e Cultura,

entidade mantenedora do Centro Universitário Anhanguera (Leme e Pirassununga); da

Faculdade Comunitária de Campinas e das Faculdades Integradas de Valinhos. Essa

associação, de natureza não lucrativa, foi a base legal para a transformação de cada unidade

20

do grupo em sociedade educacional, no molde de Sociedade Anônima (S.A.): forma

organizacional então idealizada e preparada para a futura abertura de seu capital na

BM&FBOVESPA em 2007 (ANHANGUERA, 2012b).

Vale ressaltar que o Anhanguera Educacional, em menos de duas décadas de existência,

expandiu-se estrondosamente. Ao longo da sua trajetória, o grupo vivenciou diversas fases de

crescimento: expansão dos seus cursos superiores e da sua base física; otimização e

qualificação dos seus currículos e projetos pedagógicos; reorganização estrutural,

administrativa e financeira com a abertura de capital na bolsa de valores, por meio dos

investidores; e a atual fase de consolidação e empresariamento no mercado da educação

superior. A companhia tem como objetivo permanecer como uma das maiores instituições de

ensino superior do mundo.

De acordo com os dados Anhanguera (2012c), o grupo finalizou o 2º trimestre de 2012

com 432 mil alunos, sendo 66% matriculados em cursos presenciais e 34% em cursos a

distância. A base de alunos vinculados ao FIES também cresceu significativamente e já

representa 19% (54.172) da base total de alunos de cursos presenciais. O lucro líquido da

companhia no 1º semestre de 2012 foi registrado em R$ 86,6 milhões, 59% superior ao

mesmo período do ano anterior. Segundo os dados da CM Consultoria (2012b), entre 2007 e

2011, a companhia realizou 28 transações com instituições voltadas para o ensino superior.

Nos últimos cinco anos, o grupo tem sido caracterizado por uma expansão agressiva.

A instituição selecionada localiza-se em uma das 31 Regiões Administrativas do

Distrito Federal (DF). Fundada em 1999, é uma das 5 unidades adquiridas no DF no período

compreendido entre 2008 e 2011. As aquisições estão em linha com a estratégia de expansão

da Anhanguera na Região Centro-Oeste. A instituição oferece 15 cursos de graduação

(presenciais e a distância) na área das ciências humanas e exatas. Para preservarmos a

identidade da instituição selecionada, optamos por não oferecer mais dados específicos sobre

a mesma.

1.3.2.1 Limitações no lócus da investigação

A realização da pesquisa, na instituição do grupo Anhanguera no DF, foi um processo

muito difícil, pois o grupo é “fechado”. No primeiro momento, o diretor foi receptivo, mas

quando indagado sobre os processos institucionais, as respostas foram bem sucintas. Embora

os dados e resultados da Companhia sejam divulgados trimestralmente nos domínios públicos,

o diretor da instituição, objeto de investigação, informou que precisaria ser muito cuidadoso

21

com as informações prestadas, pois a divulgação de dados específicos pode influenciar na

queda do valor das ações. “Quando um grupo educacional tem capital aberto, ele não pode

ficar divulgando informações das instituições pertencentes, devido ao ‘período de silêncio’”,

enfatizou o diretor. Conforme Comunello (2012), a Anhanguera não divulga números locais

(quantidade de alunos e docentes), pois companhias abertas não liberam dados regionais.

Durante a nossa primeira conversa, foi exposta a intenção de analisar o Plano de

Desenvolvimento Institucional (PDI) e o Plano de Carreira (PC) da instituição. O diretor disse

que nos passaria os documentos, mas sempre que solicitados, ele perguntava o que queríamos

saber e nos respondia, não abrindo espaço para que pudéssemos ter acesso direto aos

documentos. Portanto, o PDI não foi analisado; quanto ao PC, o diretor só nos disponibilizou

uma parte.

1.3.3 Participantes do estudo

A pesquisa contou com a participação de 15 docentes e com um representante do

Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal

(SINPROEP-DF) 10. Entre os docentes entrevistados, 11 atuam na Instituição e 04 foram

demitidos de outra instituição do grupo Anhanguera 11 , localizada na mesma Região

Administrativa. A princípio, o critério estabelecido para a escolha dos docentes seria o tempo

mínimo de 06 anos na instituição, ou seja, as entrevistas seriam realizadas com os professores

que passaram pelo processo de aquisição da instituição pela Anhanguera Educacional.

No entanto, a exiguidade do tempo, as dificuldades de contato e a aceitação do docente

em participar do estudo fizeram com que a pesquisa fosse realizada de acordo com a

disponibilidade dos professores que estavam presentes na sala dos professores no momento

das visitas à instituição. Assim, os participantes da pesquisa foram escolhidos de forma

aleatória. O contato com os docentes demitidos do grupo Anhanguera foi realizado por meio

da indicação de alguns professores e de pessoas que conheciam professores que haviam sido

demitidos recentemente do grupo.

10

Realizamos um contato com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), a fim de marcar uma entrevista com o atual Secretário, Jorge Messias. Eles sinalizaram positivamente e pediram que enviássemos um e-mail para marcar a data. O e-mail foi enviado duas vezes para os responsáveis pelo setor, mas infelizmente não obtivemos êxito. O intuito em realizar a entrevista com o secretário era saber como a SERES tem acompanhado o processo de fusões e aquisições institucionais, a abertura de capital na bolsa de valores e a inserção de capital estrangeiro nas instituições de ensino superior privadas. 11 O objetivo era realizar a entrevista com todos os docentes que atuam e que já atuaram na Instituição, objeto de

investigação. Todavia, como não foi possível realizar contato com os professores demitidos, decidimos entrevistar os professores de outra instituição pertencente ao grupo Anhanguera, situada na mesma localidade.

22

Vale ressaltar a resistência dos professores que atuam na instituição e dos ex-docentes

em participar da pesquisa; quando indagados, diziam que estavam sem tempo, que tinham

tarefas a serem feitas. O intuito em realizar a entrevista com o representante do SINPROEP-

DF foi o de compreender como o sindicato percebe o processo de fusões e aquisições

institucionais e como ele tem tratado as questões pertinentes aos docentes.

A fim de preservar a identidade dos entrevistados, os que atuam na Instituição foram

identificados por ordem alfabética, sendo o primeiro chamado de “Docente A”, e assim,

sucessivamente, até o “Docente L”; e os docentes, demitidos de uma instituição do grupo

Anhanguera, foram identificados da seguinte forma “Ex-docente A”, “Ex-docente B”, “Ex-

docente C” e “Ex-docente D”. O “Representante do Sindicato” foi caracterizado como tal. A

coleta de dados foi realizada no período compreendido entre junho e julho de 2012. As

entrevistas tiveram duração média de 30 minutos. Todos os participantes assinaram o Termo

de Consentimento (cf. APÊNDICE “A”). As entrevistas foram conduzidas, gravadas e

transcritas pela autora da pesquisa.

1.3.4 Procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos utilizados para a geração e coleta de dados foram a

análise documental, as entrevistas individuais semiestruturadas e a observação in loco. Ludke

e André (1986) apontam que a análise documental permite desvelar aspectos novos sobre o

tema ou problema, podendo complementar as informações obtidas por outras técnicas de

coleta. Os documentos são uma fonte rica de onde podem ser retirados argumentos e

evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador, ou seja, representam

uma fonte natural de informações. De acordo com Bardin (2010), o propósito da análise

documental é obter o máximo de informações (aspectos quantitativos), com o máximo de

pertinência (aspectos qualitativos).

A análise documental teve a finalidade de buscar informações nos documentos

relacionados ao tema da pesquisa, no que se refere às leis, aos decretos e outros, que ajudaram

a compreender melhor a mercantilização da educação superior no Brasil e as metamorfoses no

trabalho docente. Nessa pesquisa foram analisados os seguintes documentos: a) Oficiais:

Constituição Federal de 1988; LDB 9.394/1996; Projetos de 2.183/2003, 7.200/2006,

6.358/2009, 7.040/2010 e 4.372/2012; e o Censo e Sinopse da Educação Superior 2010; b)

23

Técnicos: PC dos docentes 12 ; Relatórios Trimestrais divulgados pelas companhias

educacionais (Anhanguera e Kroton); e Relatório divulgado pela CM Consultoria. 13

A entrevista individual semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas, essa

técnica, segundo Ludke e André (1986), permite que o entrevistado discorra sobre o tema em

questão sem se prender à indagação formulada, pois não há a imposição de uma sequência

rígida das questões. O ponto chave da entrevista é explorar o espectro de opiniões, as

diferentes representações sobre o assunto em questão. As autoras acrescentam que a grande

vantagem da entrevista sobre outras técnicas é a captação imediata e corrente da informação

desejada, independente do informante e sobre os mais variados tópicos. “A entrevista ganha

vida ao se iniciar o diálogo entre o entrevistador e o entrevistado.” (LUDKE; ANDRÉ, 1986,

p. 34). O roteiro das entrevistas encontra-se nos Apêndices “B, C e D”.

Para Gaskell (2003), a entrevista individual é utilizada para explorar em profundidade

as experiências, de forma que diversas variáveis – sociais, econômicas, políticas – possam

surgir durante toda a coleta de dados. O posicionamento individual será o ponto de partida

para a visão coletiva do fenômeno. A entrevista desvela novas possibilidades na compreensão

do fenômeno que se quer pesquisar. Esse momento propicia uma reestruturação de ideias.

Por sua vez, a observação permite que o pesquisador chegue mais perto da “perspectiva

dos sujeitos” (LUDKE; ANDRÉ, 1986), pois possibilita um contato pessoal e estreito do

pesquisador com o ambiente investigado. O tipo de observação empregado neste estudo foi o

“assistemático”. Segundo Boni e Quaresma (2005), na observação assistemática, o

pesquisador recolhe e registra os fatos da realidade sem a utilização de meios e técnicas

especiais, não é necessário que haja um planejamento a ser seguido. As observações foram

realizadas durante 5 dias, intercaladas entre os períodos matutino e noturno. O objetivo em

utilizar essa técnica foi o de compreender o ambiente e as relações e condições de trabalho

dos docentes. Szymanski, Almeida e Prandini (2008) apontam para o cuidado de não

apresentar as informações como algo definitivo, mas que traz em seu interior a possibilidade

de transformação.

A análise dos documentos (oficiais e técnicos) ocorreu concomitantemente à análise das

entrevistas e das observações realizadas. Os documentos foram utilizados com vistas a

contextualizar o fenômeno em foco, buscando a compreensão das condições do trabalho

docente com a realidade investigada.

12 Como mencionado anteriormente, tivemos acesso somente a uma parte do PC da instituição. 13

Empresa de consultoria para instituições de ensino superior (http://www.cmconsultoria.com.br/).

24

1.3.5 Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada com base na teoria da análise de conteúdo de Bardin

(2010). Esta fase da pesquisa visou compreender os dados obtidos na análise documental, nas

entrevistas e nas observações, no sentido de responder ao problema ao qual a pesquisa se

dispõe. Segundo Bardin (2010, p.45), a técnica “procura conhecer aquilo que está por trás das

palavras sobre as quais se debruça.” Portanto, apresenta-se como um conjunto de

instrumentos metodológicos, em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos

extremamente diversificados. Esse método oscila entre dois polos: o rigor da objetividade e a

fecundidade da subjetividade, o que leva o pesquisador a desvelar o não aparente, o não dito.

A análise de conteúdo é uma paciente tarefa de desocultação. Szymanski, Almeida e Prandini

(2008) complementam que essa análise, baseada na inferência, possibilita ao pesquisador

desocultar os significados invisíveis à primeira vista.

Toda análise de conteúdo implica comparações textuais que podem ser multivariadas e

devem, obrigatoriamente, ser direcionadas a partir da sensibilidade, da intencionalidade e da

competência teórica do pesquisador. “Isso não significa, porém, descartar a possibilidade de

se realizar uma sólida análise acerca do conteúdo ‘oculto’ das mensagens e de suas

entrelinhas, o que nos encaminha para além do que pode ser identificado e teoricamente

relacionado, para o que pode ser decifrado mediante códigos.” (FRANCO, 2008, p. 16). É

essencial que os dados sobre o conteúdo da mensagem estejam, necessariamente,

relacionados a outros dados. A autora destaca que o pesquisador deve partir da comunicação,

e não falar por meio dela. A análise de conteúdo não pode se resumir a uma mera projeção

subjetiva.

Bardin (2010) parte do pressuposto de que, em geral, os procedimentos de análise

organizam-se em categorias que podem ser definidas a priori ou a posteriori. Nessa pesquisa,

as categorias foram definidas a posteriori. Esse tipo de categoria “emerge da fala, do discurso,

do conteúdo das repostas e implica constante ida e volta do material de análise à teoria .”

(FRANCO, 2008, p. 61). A autora ressalta que o processo de análise prossegue com a

classificação dos pontos convergentes e divergentes.

À medida que as respostas foram surgindo durante as entrevistas, os dados foram sendo

construídos na análise documental e nas observações realizadas, amparamo-nos em quatro

categorias principais de análise para identificar, na instituição investigada, as

sobreimplicações no trabalho docente: a) política e governança da educação superior:

concepções e contradições; b) Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura

25

de capital na bolsa de valores; c) relações e condições de trabalho dos docentes; d)

consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social.

As entrevistas com os docentes e com o representante do sindicato foram analisadas

concomitantemente (cf. capítulo VI). Na pesquisa qualitativa, os investigadores buscam a

compreensão do significado que os participantes atribuem às suas experiências. Conforme

Demo (2009), o dado é, sobretudo, construído, não apenas colhido. Nos capítulos seguintes,

seguem o referencial teórico, a análise dos dados e a discussão dos resultados.

26

CAPÍTULO II – POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

Neste capítulo, fazemos uma análise do contexto histórico da educação superior no

Brasil: do surgimento das primeiras instituições de ensino às políticas direcionadas a esse

setor, com ênfase nas reformas estatais que caracterizaram de forma substancial a expansão

do sistema de ensino superior, em especial, o privado. Em seguida, apresentamos os

programas com maior impacto na expansão das matrículas na rede pública e privada e o foco

dessas políticas. Finalizamos o capítulo destacando o impacto da globalização neoliberal na

governança da educação superior.

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A primeira experiência do Brasil com o ensino superior ocorreu durante o período

colonial. A educação, à época, era conduzida pelos Jesuítas, que se baseavam nos valores da

Igreja Católica e na reprodução das relações de dominação. Com a transferência da Corte

Portuguesa para o País, em 1808, foram criadas as primeiras escolas técnicas superiores e

algumas faculdades. Os primeiros cursos superiores estiveram ligados à área militar, de

engenharia, direito, agronomia e medicina. O objetivo da criação dessas instituições, isoladas

em poucas cidades do Brasil, era ofertar uma educação voltada para atender as necessidades

da Corte. Os cursos, instituídos como estabelecimentos isolados, apresentavam um caráter

profissionalizante. “Nenhuma instituição com status de universidade existiu no período

colonial nem no imperial.” (CUNHA, 2003, p. 161). Uma política educacional estatal

(FREITAG, 1986), nesse período, foi quase que inexistente.

Nesse período, a classe dominante direcionava-se ao exterior para ter acesso às

universidades, em contrapartida a grande maioria da população brasileira, índios, escravos e

pobres, não tinha sequer o acesso à educação básica. “A proclamação da Independência do

Brasil, em 1822, não trouxe os avanços necessários para a educação.” (GUIMARÃES-IOSIF,

2009, p. 45). Em 1824, foi instituído o primeiro regime constitucional do País, que

estabeleceu a “educação primária gratuita a todos os cidadãos” (art. 179). A grande questão é

que apenas os homens brancos e com posses eram considerados cidadãos. O direito foi

instituído, todavia a garantia não foi contemplada.

O projeto para a criação de uma política nacional de educação foi promulgado em 1827

e determinava que houvesse escolas primárias em todas as cidades. A lei não foi

implementada e a disseminação do ensino no País permaneceu apenas no papel. “Até a

27

Proclamação da República, em 1889, praticamente nada se fez de concreto pela educação

brasileira.” (BELLO, 2001, p. 5). No fim do século XIX, o País “contava com mais de 90% da

população analfabeta.” (GUIMARÃES-IOSIF, 2009, p. 46).

A Primeira Guerra Mundial (1914-1919) trouxe grandes consequências para a

transformação do sistema educacional em todo o mundo, o que se intensificou ainda mais

após a Segunda Guerra (1939-1945). No começo do século XX, o Brasil passou por

profundas e constantes reformas na educação, idealizadas por Anísio Teixeira, Francisco

Campos, Lourenço Filho. O Movimento dos Pioneiros – Escola Nova – em 1930, conhecido

como manifesto ideológico, foi o marco para a educação brasileira, sendo considerado o

momento mais revolucionário. O movimento defendia uma escola mais democrática e

acessível para as massas (GUIMARÃES-IOSIF, 2009). Nesse período, surgiram as primeiras

universidades brasileiras: Rio de Janeiro (1920), Minas Gerais (1927), São Paulo e Porto

Alegre (1934).

Com o advento da Revolução Industrial, em 1930, e a complexidade inerente à

urbanização, a necessidade de mão de obra especializada se fez presente, incidindo em um

investimento nacional na educação superior, visando atender a demanda capitalista. Sendo

assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde e, em seguida, 1931, foram

criados o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Estatuto das Universidades Brasileiras

pelos respectivos Decretos n° 19.850 e 19.851.

De acordo com o art. 5 do Decreto n° 19.850/1931, o CNE, em colaboração com o

Ministro da Educação e Saúde, tinha a incumbência de elevar o nível da cultura no País e a

grandeza da Nação; sugerir providências para ampliar os recursos financeiros; e fomentar a

extensão universitária. Em consonância com as medidas de desenvolvimento e organização da

educação, o Decreto n° 19.851/1.931 estabeleceu que o ensino superior no Brasil seria,

preferencialmente, instituído por universidades. Os institutos isolados seriam uma exceção.

As universidades brasileiras seriam criadas e mantidas pela União, pelos Estados ou, sob a

forma de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades federais

estaduais e livres (art. 6). À época, as IES, ainda, não tinham o caráter privado. O art. 1º, ao

dispor sobre a finalidade do ensino universitário, estabelece a necessidade de elevação do

nível cultural, estimulação técnica e científica, harmonização dos objetivos entre docentes e

discentes, desenvolvimento nacional, entre outros.

A Constituição de 1934 consagrou a educação como um direito de todos pela primeira

vez, no entanto, as políticas de acesso só atendiam a classe dominante. No primeiro ano do

período ditatorial, implantado por Getúlio Vargas (1937-1945), uma nova Constituição foi

28

outorgada. “A orientação político-educacional para o mundo capitalista ficou bem explícita no

texto constitucional ao sugerir a preparação de um maior contingente de mão de obra para as

novas atividades abertas pelo mercado.” (BELLO, 2001, p.6). Segundo Freitag (1986), a

política do Estado Novo visava à transformação do sistema educacional em um instrumento

de manipulação das classes subalternas. O Estado, procurando ir ao encontro dos interesses e

necessidades das empresas privadas, se propôs a assumir o treinamento da força de trabalho

de que elas necessitavam, recrutando a nova força de trabalho dentro da nova configuração da

sociedade de classes.

Na esteira da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), o mundo passa por intensas

transformações. É nesse contexto pós-segunda guerra mundial que as grandes corporações

internacionais passaram a intervir na educação: Banco Mundial (BM), Fundo Monetário

Internacional (FMI), Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ( Unesco)14. Essas

Organizações Internacionais (OIs) procuravam fortalecer o mercado dos países dominantes

que haviam se enfraquecido com os gastos da segunda guerra e difundiam um modelo

hegemônico de democracia que temia o sistema socialista. Foi no período da Guerra Fria que

essas organizações surgiram ou ganharam força.

Os críticos, no entanto, desconfiam do papel ativo dessas organizações nas políticas

educacionais, uma vez que as ideologias específicas por trás dessas atividades nem sempre

são condizentes com as metas nacionais. Em geral, as agências multilaterais são dirigidas

pelos países centrais, atuando em prol dos interesses dos representados (LEUZE; MARTENS,

RUSCONI, 2007). As OIs passaram a influenciar não apenas as políticas educacionais em um

nível macro, mas estabeleceram suas próprias agendas, passo este inicial para instituir um

nível transnacional de educação.

Em 1948, no contexto nacional, foi apresentado o anteprojeto da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (LDB), que enfrentou um extenso embate ideológico em relação às

propostas apresentadas. Havia três linhas: a nacionalista, a privatista e a internacional 15. Após

13 anos de discussões foi promulgada a LDB, Lei 4.024/1961, “prevalecendo as

reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no

confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos

brasileiros.” (BELLO, 2001, p. 8). A LDB de 1961 marcou a liberdade de ensino, ao

14

Agência especializada das Nações Unidas. 15

Esse período foi muito influenciado pelas políticas externas.

29

assegurar a igualdade entre os estabelecimentos públicos e particulares, em contrapartida ,

fomentou a expansão educação por meio da iniciativa privada.

Em busca de desenvolvimento científico e tecnológico e a inserção no mercado

internacional, o governo criou, na década de 1950, o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq)

e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O CNPq tinha a

missão de promover, estimular e coordenar o desenvolvimento da investigação científica e

tecnológica em qualquer domínio do conhecimento. A criação do órgão foi o marco para a

sistematização da pesquisa científica no País. Na mesma direção, a Capes tinha o objetivo de

promover o aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, estimulando as atividades de

intercâmbio e a cooperação entre instituições e países, por meio da política de concessão de

bolsas de estudo. Na década de 1960, houve um grande impulso da pós-graduação no País,

que foi formalizada por meio do Parecer nº 977/1965. Desde a época, as políticas

governamentais passaram a promover o estudo de acadêmicos no exterior.

Lima e Contel (2011) ressaltam que, em 1976, a Capes organizou o primeiro processo de

avaliação de programas de pós-graduação, e, desde então, passou a interferir diretamente na

evolução das IES no País, por meio da avaliação sistemática dos cursos, da produção

acadêmica dos professores e dos programas de pós-graduação. O sistema de pós-graduação

baseou-se no arcabouço jurídico da Reforma Universitária de 1968, no modelo de

universidade norte-americano e teve como principal missão a formação de professores e

pesquisadores. Durante todo esse período, a ênfase das políticas do governo federal foi

promover a expansão do sistema; ao passo que a ênfase da Capes, responsável pelo

financiamento do sistema e pela avaliação do desempenho nas universidades coligadas, recaiu

sobre a combinação de parâmetros acadêmicos e critérios quantitativos (BRASIL, 2010b).

Durante o segundo período de Regime Militar (1964-1985), ocorreu a primeira reforma

universitária em 1968, a Lei nº 5.540/68, quando foram fixadas normas de organização e

funcionamento do ensino superior e mudanças estruturais nas universidades. Sob o regime

militar, a Lei teve como “propósito pautar as universidades brasileiras por parâmetros de

eficiência, de eficácia e de modernização administrativa, em uma perspectiva racionalizadora

e gerencialista da vida acadêmica.” (BITTAR; OLIVEIRA; MOROSINI, 2008, p.12).

A possibilidade de implementação de políticas que promovessem a democracia,

apresentando respostas para as demandas sociais de todos os brasileiros, foi enfraquecida pela

supressão dos direitos políticos e civis durante os períodos de ditadura (GUIMARÃES-IOSIF,

2009). Para Mancebo, Maués e Chaves (2006, p. 48), a Lei nº 5.540, que ainda rege o ensino

30

superior brasileiro, “fez-se acompanhar de toda uma legislação que reprimia as liberdades

mais básicas na sociedade e na academia”.

As mudanças propostas na Lei vieram ao encontro das prerrogativas do mercado de

trabalho diante da necessidade de mão de obra qualificada e das exigências dos organismos

internacionais (OIs) de financiamento – BM e FMI – para a modernização do País. Nesse

sentido, tornou-se necessário promover uma política de expansão do ensino superior. Para

Sguissardi (2008, p. 998), “sob o ‘espírito’ do regime político, ocorre de forma marcante o

primeiro grande movimento de privatização do sistema”. Conforme o autor, nos primeiros 10

anos do regime militar, o número de matrículas nesse segmento educacional passou de

142.386 para 937.593, contabilizando um aumento de 559,8%. As matrículas na categoria

pública tiveram um aumento de 289,1%, enquanto o crescimento das matrículas privadas foi

de 990,1%.

Com a retomada da democracia após duros 20 anos ditatoriais (1964-1985), a

Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabeleceu, no art. 207, o poder de autonomia

didático-científica e administrativa e de gestão financeira e patrimonial para as universidades.

Reafirmando que o ensino é livre à iniciativa privada (art. 209). O ensino superior privado

continuou a se expandir, pois “dos 1,5 milhões de estudantes universitários matriculados,

quase 900 mil encontravam-se em instituições particulares, fazendo crescer o debate da

democratização, autonomia e avaliação universitária.” (JENISE, 2008, p. 175).

A LDB instituída em 1996 (BRASIL, 1996) caracterizou-se como a reforma mais

marcante para o ensino superior. O art. 19 classificou as IES em duas categorias: públicas,

criadas e mantidas pelo poder público; e privadas, mantidas e gerenciadas por pessoas físicas

ou jurídicas de direito privado. O art. 20 enquadrou as instituições privadas em três tipos:

particulares, em sentido estrito, com fins lucrativos; comunitárias, sem fins lucrativos, que

incluam na entidade mantenedora representantes da comunidade; e confessionais e

filantrópicas, sem fins lucrativos.

A LDB permitiu a fragmentação do sistema e estabeleceu uma diversidade de cursos de

nível superior. Foram criados os cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis

de abrangência (art. 44); de tecnologia; e de extensão (art. 39). Para atender as novas

modalidades de cursos, foram abertos centros universitários, centros de educação tecnológica

e institutos superiores de graduação. A diversidade dos cursos e de instituições abertas incidiu

na ampliação significativa do acesso, por outro lado, a qualidade e a permanência no ensino

não acompanharam o novo ritmo.

31

As mudanças na configuração do ensino superior permitiram a consolidação da

iniciativa privada e uma maior atuação do mercado na organização do setor. Chaves (2010)

ressalta que o discurso de que o mercado é bom empreendedor e que via de regra a

privatização deve ser o eixo central a ser adotado, foi expresso na LDB, que acabou sendo

decisiva para a criação do mercado educacional. As diretrizes expressas nesta lei

impulsionaram a mercantilização do sistema de ensino superior no País.

As políticas do Estado brasileiro, tais como a Constituição Federal de 1988 e a LDB de

1996, subscreveram e alinharam-se às políticas capitalistas neoliberais de desenvolvimento.

Após a aprovação da LDB de 1996, foram aprovados dois decretos que redirecionaram os

rumos do sistema de ensino superior no Brasil. O Decreto nº 2.207 (BRASIL, 1997a)

classificou as IES no país em universidades, centros universitários, faculdades integradas,

faculdades e institutos ou escolas superiores. Essas modalidades visavam maior autonomia,

flexibilidade e oportunidade ao setor privado. O tripé – ensino, pesquisa e extensão – ficou a

cargo somente das universidades. Segundo o art. 13 do decreto, apenas as universidades

deveriam ter no mínimo 1/3 do corpo docente contratado em regime integral e pelo menos 1/3

dos professores com mestrado e doutorado, sendo pelo menos 15% com doutorado. Os

centros universitários tinham o mesmo grau de autonomia das universidades, todavia tinham a

prerrogativa de não precisar cumprir as mesmas exigências.

Logo em seguida, o governo aprovou o Decreto nº 2.306 (BRASIL, 1997b), permitindo

que as mantenedoras de IES assumissem a natureza civil ou comercial, ou seja, consentiu que

as instituições passassem a operar com fins econômicos. Apesar dos avanços educacionais

inegáveis, nas últimas duas décadas, a visão mercadológica instalou-se e promoveu um

modelo que vem se sobrepondo à garantia dos direitos sociais.

O estudo realizado por Silva (2002) apontou que, no decorrer das décadas de 1980 e

1990, a educação pública brasileira esteve sujeita à macropolítica de intervenção dos OIs,

dentre eles, o BM e o FMI, trazendo um novo direcionamento voltado para o ajustamento do

modelo de desenvolvimento econômico, que se estendeu às políticas sociais e educacionais. O

ajuste econômico foi acompanhado pelo ajuste social. A política de consentimento por parte

do governo federal foi constatada nas mudanças constantes na Constituição Federal (edição e

reedição de medidas provisórias), nas reformas administrativas e de Estado, na abertura

econômica, no controle dos investimentos no setor público e nos setores que induzem

gradualmente a prática da concorrência para os serviços públicos para serem redefinidos pelo

mercado capitalista.

32

As reformas implantadas na década de 1990 promoveram o crescimento expressivo do

segmento, que passou à nova tipologia denominada setor privado na educação superior,

estimulando a concorrência entre as IES. Situação em que se admitiu a categoria das

instituições com fins lucrativos. A LDB foi o marco da reforma instalada no País. O

dispositivo legal consentiu que o Estado assumisse o controle e a gestão das políticas

educacionais e promoveu a liberalização da oferta da educação superior à iniciativa privada

(CHAVES, 2010). “O setor passou a focar o gerenciamento de resultados, ficando a atuação

governamental restrita ao campo da avaliação como alternativa de regulação do novo setor.”

(TAVARES, 2011, p. 176). A educação superior passou a contar com o interesse de múltiplos

atores provedores, instigados por diferentes motivações.

Segundo Oliveira (2009), estamos diante de uma situação em que não é possível frear o

avanço do mercado educacional por formulações compartilhadas por parte da sociedade.

Mesmo com a previsão legal no texto constitucional de que a educação é um direito social e

dever do Estado, o mercado avançou vertiginosamente.

Diante dessas mudanças de cunho neoliberal, Henry Giroux (2011) destaca que os

problemas sociais foram privatizados e os espaços públicos mercantilizados. Houve uma

ênfase maior em soluções individuais para problemas socialmente produzidos, ao mesmo

tempo em que as relações de mercado e as instituições de comando do capital estão

dissociadas de problemas políticos, éticos e de responsabilidade. Nessas circunstâncias, as

noções de bem público e de cidadania são substituídas pelas exigências focadas na

responsabilidade individual e num ideal totalmente privatizado de liberdade. Na sociedade

orientada para o mercado atual, com suas incertezas e ansiedades em curso coletivamente

induzidas, o núcleo de valores públicos que salvaguardam o bem comum foi abandonado ao

abrigo de um regime que promove uma sobrevivência do mais eficiente na doutrina

econômica.

Com a difusão, em nível global, da ideologia neoliberal, seguida do concomitantemente enfraquecimento do Estado de bem-estar social, as pressões por

inovações decorrentes de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e da massificação da educação superior aumentaram sensivelmente. Da década de 1990 em diante, as universidades foram pressionadas a autofinanciar parte substantiva dos recursos de que necessitavam para cumprir suas múltiplas funções. No conjunto, esses aspectos têm contribuído para a privatização do sistema de educação superior, à medida que as instituições de ensino superior, dedicadas à atividade de ensino, passam a depender crescentemente do pagamento de taxas de escolaridade, inscrição

e anuidade; e as universidades dedicadas à pesquisa passam a depender substancialmente do investimento privado na direção da pesquisa útil, pragmática, simultaneamente voltada para a solução de problemas e para o curto prazo. (LIMA; CONTEL, 2011, p. 18).

33

Assim, a favor dos poderosos atores privados, foram instaladas novas formas de

organização das políticas públicas, de oferta da educação superior, de financiamentos e de

fomento à pesquisa. O governo passou a investir na formação de um sistema de ensino

superior voltado para as necessidades do mercado, distanciando-se da formulação de projetos

nacionais, estratégicos e de longo prazo, promotores da democratização da sociedade e de um

desenvolvimento mais autônomo do País. Utilizando-se da estratégia de redução dos

financiamentos públicos nos setores públicos, o governo criou bases legais para a expansão de

provedores particulares.

O caráter das políticas adotadas pelo Estado Brasileiro no governo de Fernando

Henrique (1995-2002) e no governo de Lula (2003-2010) promoveu deliberadamente a

“abertura da educação superior como campo de mercado desregulamentado”, atendendo a

duas fortes tendências no sistema de ensino superior: a privatização e a internacionalização

(ALMEIDA FILHO, 2008, p. 110). A privatização ampliou rapidamente o número de vagas,

principalmente nas instituições privadas, operadas por empreendedores que visam ao lucro.

A autora alerta que os países em desenvolvimento, como o Brasil, foram invadidos por

publicidade massiva dos programas de Master of Business Administration (MBA) e outros

pacotes de educação instantânea ofertadas por instituições norte-americanas e europeias, o

que coloca em cheque a qualidade da educação. A internacionalização intensificou-se com a

globalização econômica e financeira. Conforme Romão (2009, p. 36), “o fenômeno, agora,

não se dá apenas pela associação de IES nacionais e estrangeiras, para o intercâmbio

acadêmico, mas também, e principalmente, pela transferência de sua manutenção a grupos do

capital estrangeiro.”

Na última década, destacaram-se os processos avaliativos, estabelecendo rankings

nacionais entre as instituições, aflorando a competitividade do sistema. Em 2004, o governo

criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído pela Lei

nº 10.861, com o objetivo de avaliar as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes.

Atualmente, a educação superior está diretamente ligada ao processo de globalização e às

diretrizes impostas pelas agências internacionais.

Sob a ótica lucrativa, este segmento é considerado como fonte de conhecimento e valor

para o mercado. “O Estado Avaliativo adquire a conotação de avaliação em todos os aspectos

da realidade educacional e em todos os níveis do sistema. Entretanto, é no ensino superior que

se verifica o maior impacto.” (MOROSINI, 2006, p.112). A busca constante pela educação e

certificação dos sistemas educacionais é um continuum presente nos patamares nacionais,

regionais e internacionais.

34

Nesse cenário, houve a redução do Estado do Bem-Estar Social e a ascensão do “Estado

Coordenador ou Regulador de último recurso” (DALE, 2010). Assim, o Estado-Nação atua

como agente provedor e regulador quando convém aos interesses de mercado, e se posiciona,

na maioria do tempo, como agente avaliador e coordenador. O foco maior das políticas

educacionais na atualidade é avaliar e fiscalizar até que ponto as instituições de ensino

fornecem os conhecimentos necessários para formar o capital humano capaz de fomentar o

mercado, seja formando mão de obra especializada, futuros consumidores ou

empreendedores.

2.2 PROGRAMAS DIRECIONADOS À AMPLIAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO

SUPERIOR PÚBLICO E PRIVADO

O Estado brasileiro vem implantando diversos programas no âmbito da educação

superior para atender a demanda de alunos egressos do ensino médio, as exigências do

mercado de trabalho mão de obra especializada e a grande quantidade de vagas ociosas nas

IESPs.

O governo, nos últimos anos, criou programas como o Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a Universidade Aberta do

Brasil (UAB) e o Sistema de Seleção Unificada (SISU) para promover o acesso ao ensino

superior público, todavia passou a adotar uma postura cada vez mais flexível em relação ao

setor privado. O número de matrículas nas IES públicas fica aquém da rede privada, que

corresponde a 74,6%. Constata-se que as políticas com maior impacto são as direcionadas ao

ensino superior privado, que beneficiam mais as instituições (com o preenchimento de vagas

ociosas) que os próprios estudantes, que ainda têm que manter os custos para estudar, como

passagem, alimentação, livros. O Quadro 1 apresenta os programas que ampliaram e visam

ampliar o acesso à educação superior.

Quadro 1 – Programas, objetivos e alcance.

Programa Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES

Instrumento legal Medida Provisória nº 1.827, de 27/05/99; Lei nº 10.260, de 12/07/01; A Lei nº 11.552, de 19/11/2007, reformulou o programa.

Ano de Criação Criado em 1999 e reformulado em 2007.

Objetivo Financiar cursos de graduação aos estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação nas instituições privadas. O programa financia até 100% das mensalidades do curso selecionado.

Alcance Desde o começo do programa até 2010, foram firmados 616.743 contratos, o que totaliza R$ 8,3 bilhões em financiamentos. Esse é o programa do governo federal que apresenta maior padrão tecnológico, tudo é feito pela internet, o que torna o acesso bem mais rápido e fácil.

35

Programa Programa Universidade para Todos – Prouni

Instrumento legal Portaria MEC nº 3.268, de 18/10/2004; Lei nº 11.128 de 28/06/2005.

Ano de Criação Criado em 2004 e implantado em 2005.

Objetivo Permitir o acesso da população de baixa renda ao estudo universitário por meio da concessão de bolsas de estudo integrais ou parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior que em contrapartida recebem isenções fiscais do governo.

Alcance O PROUNI já ofertou, desde a sua criação até o 2º semestre de 2010, 1.128.718 bolsas. E beneficiou, até o processo seletivo do 2º semestre de 2010, cerca de 748 mil estudantes, sendo 69% com bolsas integrais.

Programa Universidade Aberta do Brasil – UAB – Sistema integrado por universidades

públicas

Instrumento legal Decreto nº 5.800, de 08/06/2006.

Ano de Criação Criado em 2006.

Objetivo Oferecer cursos de nível superior para as camadas da população que têm dificuldade de acesso à formação universitária, por meio do uso da metodologia de educação a distância.

Alcance A UAB conta com: 92 instituições parceiras; 774 pólos de apoio presencial; 880 cursos de graduação, pós-graduação e extensão; e 180 mil matrículas efetuadas até 2010.

Programa Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais – REUNI

Instrumento legal Decreto nº 6.096, de 24/04/2007.

Ano de Criação Criado em 2007 com conclusão prevista para o fim de 2012.

Objetivo Ampliar o acesso e a permanência na educação superior pública. A meta é dobrar o número de alunos nos cursos de graduação em dez anos, a partir de

2008, e permitir o ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação.

Alcance Todas as universidades federais aderiram ao programa e apresentaram ao MEC planos de reestruturação, de acordo com a orientação do Reuni. As ações preveem aumento de vagas, ampliação ou abertura de cursos noturnos, aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, flexibilização de currículos e combate à evasão.

Programa Sistema de Seleção Unificada – SISU

Instrumento legal Portaria Normativa MEC nº 2, de 26/01/2010.

Ano de Criação Criado em 2009. O SISU é um sistema de seleção de estudantes, por meio das notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para as vagas ofertadas pelas

instituições públicas de ensino superior participantes.

Objetivo Propiciar ao sistema federal de educação superior e às demais instituições públicas de ensino que aderiram ao SISU significativos ganhos operacionais e de custos. Ampliar as possibilidades dos estudantes egressos do ensino médio de candidatarem-se às vagas oferecidas por instituições públicas de todo o país, permitindo maior mobilidade acadêmica.

Alcance A partir das notas do Enem aplicado em 2009, 60.838 estudantes ingressaram no ensino superior em 2010.

Programa Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de

Ensino Superior - PROIES

Instrumento legal Medida Provisória 559/2012 e Lei n. 12.688, de 18 de Julho de 2012.

Ano de Criação Criado em 2012, o PROIES visa assegurar condições para a continuidade das atividades de mantenedoras de IESPs.

Objetivo Recuperar créditos tributários e ampliar a oferta de vagas no ensino superior privado por meio de bolsas integrais.

Alcance O programa visa criar mais de 500 mil vagas no ensino superior privado.

Fonte: autora, com base nos dados de BRASIL (2010c; 2012b).

Dentro desse novo cenário, as políticas direcionadas à promoção da qualidade e

equidade ocupam cada vez menos espaço em um campo político de disputas onde o mais

importante é o lucro a ser obtido. Uma política que tem sido alvo de amplo debate é o Prouni.

36

O Projeto de Lei, criado em 2004, recebeu 292 propostas de emendas antes mesmo de ser

implantado. O governo federal cedeu à maioria das reivindicações das IESPs. A partir da

análise de algumas modificações sofridas pelo programa, fica evidenciado que, da forma

como foi sancionado, traz uma noção falsa de democratização, pois legitima a distinção dos

estudantes por camada social de acordo com o acesso aos diferentes tipos de instituições, ou

seja, contribui para a manutenção da estratificação social existente. O teor social do programa

se viu reduzido diante da voracidade das instituições privadas (CATANI; GILIO, 2005).

O Prouni foi implantado com uma engenharia administrativa, equilibrando o impacto

popular, o atendimento às demandas do setor privado, o atendimento às exigências do BM e a

restrição de políticas públicas de maior custo para o governo, tal como o investimento nas

universidades públicas. O Programa constituiu-se em mais uma política educacional de cunho

neoliberal e precisa ser melhor problematizado em estudos da área. Portanto, como o foco do

presente estudo não é esse, nossa análise sobre o programa será limitada.

A matéria do “Jornal Valor Econômico”, publicada em maio de 2012, revela que, neste

ano, o governo deixará de receber R$ 733,9 milhões referentes à isenção fiscal das

instituições privadas que ofertam vagas via Prouni. O montante representa alta de 44% sobre a

renúncia fiscal do ano passado. De 2005 ao primeiro semestre de 2010, o programa ofertou

mais de 1 milhão de bolsas, das quais 748 mil foram preenchidas. A lucratividade das

instituições particulares e as novas adesões à política educacional federal, a cada ano,

confirmam o forte avanço da renúncia fiscal. O jornalista Máximus alerta:

Desde seu lançamento, a isenção tributária proporcionada pelo Prouni totaliza mais de R$ 3 bilhões. Os especialistas também argumentam que, até o ano passado, o

modelo do Prouni favorecia o setor privado, que ganhava isenção fiscal apenas por aderir ao programa e abrir oferta de bolsas, não pelos auxílios efetivamente concedidos. “Não havia regra de escalonamento da renúncia. Se a instituição oferecesse 50 bolsas, mas preenchesse apenas 25 teria isenção total. Depois da mudança da legislação [em junho de 2011], o tamanho da isenção passou a depender do efetivo número de bolsas concedidas.” (MÁXIMUS, 2012).

O professor da USP, Rezende Pinto, aponta que os fatos levantam a polêmica discussão

sobre o modelo adotado no Programa. Não há contestação de que o Prouni promove o acesso

dos alunos de baixa renda no ensino superior. No entanto, o governo deveria imprimir

esforços para favorecer a inserção desses estudantes no setor público (MÁXIMUS, 2012).

Outro programa que vem fortalecendo as IESPs é o FIES. A Anhanguera (2012), maior

companhia do setor, ao apresentar em abril, o resultado do 1º trimestre de 2012 (1T12),

mostrou que a empresa já estava perto de atingir a marca de 40 mil alunos que utilizam o

37

programa. O FIES contribuiu para o crescimento de alunos captados no vestibular e para a

manutenção dos níveis de retenção. A empresa considera que o governo federal oferece

ótimas condições aos estudantes e acredita na expansão significativa das matrículas por meio

do programa. A Companhia Estácio (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2012) conta com 23 mil

alunos com o FIES e preencheu 99,3% das vagas ofertadas pelo Prouni, o que representou

cerca de 12 mil alunos a mais só no 1T12.

Martins (2012) reforça que o FIES também é um dos motivos do crescimento das

matrículas nas instituições dos grandes grupos educacionais. Segundo Galindo, presidente da

Kroton,16 no 1º semestre de 2010, a empresa contabilizou cerca 3,5 mil estudantes cadastrados

no FIES. E no 1º semestre de 2012, o grupo atingiu a marca de 37 mil alunos, o que equivale

a um aumento de 1.057%. O Prouni e o FIES são políticas educacionais, com vinculação

social, que atendem aos alunos que não tem condições de arcar com os custos de uma

instituição e demandam alto investimento público no setor privado, estimulando o

crescimento e fortalecimento deste segmento.

Vale ressaltar que o PROIES, política mais recente do governo direcionada à educação

superior, é mais um programa que vem fortalecer o ensino superior privado. O programa

propõe a troca de R$ 15 bilhões em dívidas por cerca de 560 mil bolsas de estudo, a serem

oferecidas nos próximos 15 anos pelas IESPs. Contrapondo-se ao previsto no texto original do

projeto, as entidades controladas por pessoa física ou jurídica não sediada ou não residente no

Brasil, ou seja, estrangeiras, poderão aderir ao programa. A Confederação Nacional de

Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE, 2012) ressalta que “parte das IES

que poderão se beneficiar do Programa é alvo de constantes denúncias dos trabalhadores, em

função da precarização do trabalho, da desvalorização de seus profissionais, da ausência de

democracia interna, entre outras questões estruturais e político-pedagógicas”. Por hora, fica

explícita a preocupação extremamente limitada com a valorização e a melhoria das condições

do trabalho docente.

Diante dessas políticas – Prouni, FIES, PROIES – e de tantas outras, é premente uma

política educacional que repense alternativas que venham favorecer o acesso dos estudantes

em instituições públicas e que leve em conta não só dados quantitativos. As reformas e a

criação das políticas públicas no Brasil são, com frequência, influenciadas por determinações

e fundamentos das políticas externas das OIs e do mercado privado. No Brasil, não há uma

norma legal de ensino superior concretizada. Existe um conjunto de leis, como a LDB,

16

Uma das maiores companhias educacionais.

38

Medidas Provisórias e Resoluções Ministeriais / Conselho Nacional da Educação (CNE), que

estruturam o modelo de ensino superior cada vez mais voltado para interesses privados e não

públicos. O posicionamento governamental favorece os conglomerados educacionais, que em

grande parte são financiados pelo capital internacional, e perpetua o processo de

desnacionalização da educação brasileira.

Em 2011, o governo federal criou a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação

Superior (SERES), órgão do MEC responsável pela regulação e supervisão de IES públicas e

privadas. A Secretaria tem o intuito de garantir que a legislação educacional seja cumprida e

suas ações buscam induzir a elevação da qualidade do ensino por meio do estabelecimento de

diretrizes para a expansão dos cursos e instituições. Após 1 ano de sua criação, a SERES

ainda não implementou medidas substanciais para regular o setor. No dia 10 agosto corrente

ano, o MEC criou, por meio da Portaria nº 1.006/2012, o Programa de Aperfeiçoamento dos

Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (PARES), visando aprimorar o

processo de regulação das IES e dos cursos. A coordenação do PARES ficará a cargo da

SERES. Um dos objetivos do programa é criar mecanismos e canais de participação da

sociedade no processo de regulação, sobretudo por meio de consultas e audiências públicas.

Entretanto, como o programa encontra-se em fase de implementação ainda não é possível

avaliar como será sua atuação diante da regulação das IES.

Na contramão desse processo, as instituições privadas estão se organizando para criar

uma entidade única comandada por um corpo executivo independente das instituições. Em

entrevista à “Revista Ensino Superior”, José Loureiro, vice-presidente do grupo Laureate,

rede internacional de IES no País, afirmou que “a melhor forma para fortalecer a

representatividade do setor seria criar uma organização independente, e talvez o melhor

mecanismo societário seja uma confederação, de forma que todos os diferentes tipos de

instituições estejam representados.” (LESZCZYNSKI, 2012, p. 16).

A intenção é criar uma ponte ainda mais direta com o governo, uma voz única com

Brasília. Enquanto o governo implanta programas e ações incipientes desorganizadas e pouco

articuladas, os grandes grupos educacionais buscam medidas efetivas para assumir de vez o

sistema de educação superior brasileiro. É preciso reforçar a luta por políticas públicas que

estabeleçam limites à ação dos grandes grupos empresariais nacionais e estrangeiros.

39

2.3 MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: IMPACTO DA

GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL

Ao analisar o contexto contemporâneo, observa-se que a globalização não incide apenas

no aumento da circulação de produtos, capital e serviços com as empresas globais, mas

também no cruzamento de fronteiras entre as pessoas; e relaciona-se diretamente à mobilidade

humana, que se tornou um componente integral da economia global, com a procura de países,

empresas e trabalhadores para melhorar sua competitividade. A mobilidade da força de

trabalho especializada levou a educação para o campo internacional, ultrapassando as

fronteiras e situando o reconhecimento da educação superior no topo da política e economia

nacional e internacional.

Nesse cenário, ao longo das últimas duas décadas, os sistemas educacionais em todo

mundo sofreram mudanças significativas, que buscam interpretar e responder ao atual campo

de mudanças no contexto econômico, social e político dentro do qual a educação está inserida.

As políticas educacionais têm sido profundamente afetadas por estas transformações, processo

em que os governos nacionais têm buscado realinhar suas prioridades educacionais ao que

eles consideram ser os imperativos da globalização (RIZVI; LINGARD, 2010). Nesse

contexto, a educação superior despertou interesse não só das universidades ou dos governos

locais, mas também de novos atores nacionais e internacionais que passaram a ter grande

influência no processo de elaboração e implementação de políticas públicas, fazendo com que

o papel da educação como responsabilidade do Estado seja cada vez mais questionado.

A globalização neoliberal visa à criação de nichos na sociedade e, apesar de muitas

promessas enganosas, não permite que todas as pessoas tenham acesso à educação, à cultura,

ao conhecimento, e as novas tecnologias de informação e comunicação, fato este que promove

e massifica as desigualdades sociais. As mudanças ocorridas, em maior ou menor grau, no

setor educacional dos Estados-Nação e dos blocos regionais, estão atendendo as premissas

impostas pelo regime neoliberal para se inserirem no campo internacional e transnacional.

Nota-se que as novas regulações, a que os países e os blocos têm se submetido, estão

acontecendo em nível mundial.

As políticas globais estão sendo transformadas em políticas nacionais e os interesses dos

capitalistas são transformados em políticas públicas, ou melhor, estatais nacionais. Segundo

Romão (2008, p. 169), “as políticas do Estado Neoliberal não têm apresentado o caráter

público, isto é, voltado para os interesses das maiorias, mas, ao contrário, têm se caracterizado

por traços profundamente particulares ou privados, porque se voltam para a satisfação dos

40

interesses da acumulação.” O autor destaca que a globalização, ao criar novas conexões

internacionais entre as nações e o processo capitalista, gradualmente, internacionalizou os

Estados Nacionais ao impor novas obrigações e funções. As políticas públicas passaram a

atender aos interesses globais, ou seja, dos países dominantes. Porém, é importante ressaltar

que os países não são meros receptores das agendas postas pelas agências multilaterais

(MONFREDINI, 2009). Ao contrário, a privatização, o atendimento às regulações do

mercado e a diversificação dos sistemas, com todos os efeitos excludentes, inseriram-se na

própria constituição do Estado no decorrer do tempo.

Em entrevista à “Revista Ensino Superior”, Boaventura de Sousa Santos ressalta que a

economia globalizada alcançou também as universidades e transformou o conhecimento em

mais um produto a ser comercializado (FAGUNDES, 2012). Para o sociólogo, a universidade

está numa encruzilhada por duas razões: a) ser determinada por uma visão neoliberal, onde os

projetos nacionais não são mais o foco e não há uma economia nacional, mas sim uma

economia globalizada ; b) aceitar que o conhecimento seja cada vez mais ditado pelas regras

do mercado, o que transforma as universidades em empresas. Professores e alunos são

tratados como operários e clientes e não como cidadãos da própria universidade. Destarte, as

humanidades entram em profunda crise e o conhecimento valorizado é o que interessa ao

mercado. Seguindo a mesma discussão, Cowen (2002, p. 40) afirma:

Estas universidades similiares a empresas e geridas como negócios competem com outras universidades por prestígio e reputação – mas esse prestígio e reputação estão

marcados por instrumentos públicos de mensuração [...]. Do ponto de vista do seu entorno, este tipo novo de universidade se localiza num universo financeiro competitivo, o que significa que deve atrair clientes externos (estudantes, dotações de fundações de pesquisa) para garantir sua continuidade e existência.

Chauí (2001, p. 56) corrobora assinalando que “a universidade está estruturada segundo

o modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia

como meio e as leis do mercado como condição”. Vale acrescentar que atualmente, não só a

universidade brasileira segue esses preceitos, mas também as políticas públicas e a própria

organização e gerência do Estado, que promovem a exclusão social intensificada pela

globalização neoliberal. Com a mudança do papel do Estado enquanto regulador das políticas

educacionais, grupos financeiros e organismos multilaterais passam a controlar ou exercer

grande influência nas decisões relacionadas aos rumos da educação superior no Brasil e no

mundo.

41

O espaço social – o enclave da universidade humboldtiana – é invadido e a distância política e econômica entre a universidade e o Estado se dissipa; mais precisamente, é eliminada pelas leis e agências do Estado para criar uma ética de competição e eficiência. Epistemologicamente, este novo tipo de universidade tem que oferecer conhecimentos interessantes para o mercado, vendáveis, ou seja, conhecimentos

pragmaticamente úteis. Esta universidade se localiza no âmbito de um mercado do conhecimento e tem de responder às demandas de seus usuários e clientes. (COWEN, 2002, p. 40-41).

A partir da concepção curricular relativista, o neoconservadorismo invadiu a sala de

aula. “Sendo tudo relativo, inexistindo verdades científicas e/ou políticas, não havendo

partido a tomar, nem posições a assumir, nem modelo econômico a denunciar , nem

transformações estruturais a construir coletivamente” (TIRADENTES, 2009a, p. 109). A

formação crítica e a práxis docente vêm sendo substituídas por uma infinidade de saberes

particulares, por disciplinas instrumentais e pela suposta formação para a cidadania. Uma

“cidadania abstrata” mais próxima da “cidadania corporativa” e da responsabilidade social,

que liberam as corporações de sua responsabilidade, afirma Tiradentes. A ausência de

questionamento mutila a capacidade crítica e até mesmo cognitiva do educador, que hoje não

se vê sujeito da própria história.

Se, por um lado, a globalização oferece novas e interessantes oportunidades, por outro

ela revela mais visivelmente as desigualdades e os limites do sistema. Segundo Rizvi e

Lingard (2010), o imaginário da globalização neoliberal levou a uma nova forma de pensar

sobre como os sistemas de ensino devem ser governados. Este ponto de vista da governança

educacional mostra sinais notáveis de convergência em torno de um discurso político de

educação proselitista por uma gama de organização internacional, incluindo a OCDE, o BM e

a Unesco, e abraçou prontamente os sistemas nacionais dos hemisférios Norte e Sul.

No Brasil, o desmonte do Estado-Nação acentua ainda mais a dependência econômica e

a desnacionalização das atividades desenvolvidas. Ao se globalizar, a Universidade deixa de

ser um “espaço em que as contradições no país poderiam expressar sua identidade e defender

os interesses coletivos, expressos numa superação de desigualdade social e na emancipação

econômica, política e cultural da maioria de seus habitantes” (ALMEIDA; SOUZA;

MANCINI, 2008, p.195). Em tempos de internacionalização e homogeinização dos Estados-

Nação, os desafios têm dimensões complexas e plurais quando se pensa nas questões sociais,

culturais, educacionais e históricas. Para Freitag (1986), a economia hegemônica procura

concretizar sua concepção de mundo na forma do senso comum, consequentemente faz com

que a sociedade interiorize os valores e as normas que asseguram o esquema de dominação

por ela implantado. O sistema educacional tem sido utilizado como agente mediador dessa

filosofia hegemônica.

42

É fundamental que a universidade reconstrua o seu ethos público, no sentido de ser uma

instituição que perpasse todas as instâncias sociais, convidando os diversos atores sociais para

se unirem em torno de um projeto nacional. Portanto, é imprescindível “romper com os

modelos fechados e quebrar os projetos acabados para colocar a instituição de educação

superior num constante processo de aprendizagem, bem como, diluir o paradigma

profissionalizante para recuperar a sua dimensão reflexiva.” (SÍVERES, 2006, p. 168). Diante

da complexidade da expansão da educação superior no Brasil, que ultrapassa as fronteiras

nacionais, é necessário que haja estudos e políticas públicas que repensem a perspectiva

mercadológica e contribuam para a qualidade educativa, que não se restringe às dimensões

técnicas e científicas, mas comporta inevitável e centralmente sentidos e princípios éticos e

políticos (DIAS SOBRINHO, 2002; 2010).

Uma das maiores contradições no contexto educacional do Brasil é compreender por que

ele acata as diretrizes impostas pelas agências multilaterais e pelo mercado nacional e global

quando sua economia está em pleno processo de crescimento? A resposta para essa questão,

de certa forma, relaciona-se com o novo modelo de governança educacional caracterizado por

uma teia de relações entre instituições nacionais e internacionais, que participam dos

processos de decisão voltados para a educação na esfera subnacional, nacional e

supranacional (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). Nesse panorama, entram em cena

Estado, mercado e sociedade civil, organizados no complexo jogo de poder (DALE, 2010).

Para Rizvi e Lingard (2010), diante da globalização em vigor, há uma notável mudança

no modo como a educação é governada. Essa nova dinâmica envolve a passagem de governo

para governança. Os governos nacionais não são mais a única fonte de autoridade política e

representam os interesses de toda uma gama de atores políticos, internos e externos, que

fazem parte dessa nova concepção de gestão pública e de atuação do Estado. Essa mudança

ocorreu a partir do fim da Guerra Fria e do surgimento da hegemonia do capitalismo

neoliberal em escala global e foi encabeçada, na década de 1980, pelos líderes políticos do

Reino Unido e dos Estados Unidos (Margareth Thatcher e Ronald Regan) e mais tarde

apoiada por governos em todo o mundo. Segundo os autores, o governo funciona dentro de

um Estado-Nação e dentro das estruturas burocráticas do setor público, que controlam as

estruturas e as práticas do Estado. Por outro lado, a governança, influenciada pelos princípios

da globalização neoliberal, extrapola os limites do Estado-Nação e direciona os governos para

uma nova forma de gestão pública, onde novos interesses e atores passam a fazer parte do

processo de tomada de decisão.

A nova forma de gestão pública do Estado brasileiro foi marcada pelo Consenso de

Washington, que recomendou mudanças para que houvesse uma reestruturação econômica

nos países latino-americanos. A Conferência Mundial, “Educação para todos”, realizada em

43

Jontiem na Tailândia em 1990, pela Unesco, foi o marco inicial das transformações sofridas

pela educação no contexto neoliberal. Esse evento consagrou, no campo educacional, o que o

Consenso de Washington consagrou no plano econômico-político. “Tanto um quanto o outro

são [...] elementos-síntese de um processo histórico multideterminado, e, em última instância,

traçam as diretrizes para a ‘Era do Mercado’.” (TIRADENTES, 2009b, p. 1). Os eventos

ampararam-se no conceito de que o mercado é a fundamentação legítima da economia e da

sociabilidade e de que a educação deve ser ofertada pelo mercado sob a forma mercadoria-

serviço e sob os regulamentos da produção e da circulação de mercadorias.

Segundo Ferreira (2001), em 1989, o Institute for International Economics, entidade

privada, convocou representantes do FMI, BIRD e do governo dos EUA para um encontro em

Washington. O objetivo era avaliar as reformas em curso na América Latina. O encontro

resultou no Consenso de Washington e a decisão tomada foi de que os países em questão

deveriam promover um conjunto de reformas, tais como: concentração de gastos públicos em

atividades voltadas para a educação, saúde e infraestrutura; reforma tributária; liberalização

financeira; eliminação das restrições legais à entrada de capitais estrangeiros; privatização das

empresas; desregulamentação do trabalho e da legislação. Nesse escopo, a globalização

neoliberal, pós Consenso de Washington, fez surgir o atual modelo de gestão pública, que

muitos denominam como governança, conceito que será discutido no próximo capítulo.

44

CAPÍTULO III – NOVAS ARENAS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL

Neste capítulo, apresentamos as concepções e práticas da governança, assim como a

influência do Banco Mundial (BM), da Organização de Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), da Organização Mundial do Comércio (OMC) no novo modelo de

governança educacional. Ao final, discutimos a governança educacional contra-hegemônica a

partir da concepção de Boaventura de Sousa Santos (2010a).

3.1 CONCEPÇOES E PRÁTICAS

Desde a segunda metade do século XVIII, os Estados-Nação governavam as provisões

de serviços educacionais, financiando-as e estabelecendo padrões. Hoje, estamos no limiar de

mudanças fundamentais no campo político que fizeram com que o Estado passasse a dividir a

gestão da política educacional com vários agentes, especialmente com os organismos

multilaterais e os agentes de mercado nacional e internacional, que têm a educação como uma

de suas maiores áreas de interesse. A partir das décadas de 1980 e 1990, a natureza e função

da política educacional Estatal mudaram fundamentalmente, assumindo uma dimensão mais

voltada para a internacionalização e mercantilização da educação (LEUZE; MARTENS;

RUSCONI, 2007). A integração dos OIs e dos agentes de mercado neste campo político levou

a novas formas de governança, o que afetou fortemente o modo de se fazer políticas

educacionais nacionais. As áreas tradicionalmente consideradas como função e dever do

Estado (educação, saúde, segurança), passaram a ser compartilhadas.

O termo governança adentrou na esfera educacional na década de 1980 e tomou forma

no Documento Governance and Development do BM em 1992. “A governança é o modo pelo

qual o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um país com vistas ao

desenvolvimento” (WORLD BANK, 1992, p. 1). Ao propor um modelo de “boa governança

educacional” difundido em quatro princípios: gestão pública baseada no princípio da

eficiência, estrutura legal, accountability, e transparência; o BM estabeleceu um novo

caminho para o desenvolvimento mundial através das reformas educacionais; e passou a

priorizar a instrumentalidade dos serviços. Tavares (2011) salienta que, desde então, o

conceito de governança passou a fazer parte também dos documentos elaborados por outras

agências de cooperação internacionais, tais como o FMI e o Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD).

45

Em seguida, o BM elaborou o seguinte documento: Higher Education: the lessons of

experience (WORLD BANK, 1994), que propunha uma maior diferenciação das instituições,

fortalecendo o desenvolvimento de instituições privadas; diversificação das fontes de

financiamento das instituições públicas, incluindo a partilha de custos com os alunos;

redefinição do papel do Estado no ensino superior; implantação de políticas que dessem

prioridade aos objetivos de qualidade e equidade. No quesito qualidade do ensino superior e

aumento das matrículas, o Banco sugeriu, aos países em desenvolvimento, que essas metas

devessem ser alcançadas com “pouco” ou “nenhum” aumento dos gastos públicos.

Lessard e Brassard (2009) apontam que um elemento central para se entender a

governança é a ideia de que os governos não têm mais o monopólio do poder legítimo: outros

organismos podem contribuir para a manutenção da ordem dentro do Estado-Nação e

participar da regulação econômica e social. Nesse sentido, a governança se refere à

capacidade de coordenar as atividades interdependentes, efetuando mudanças sem ter a

autoridade legal para ordená-la. Enquanto o governo no seu sentido estrito envolve

representantes eleitos ou representantes legítimos, a governança amplia o círculo de tomada

de decisão para incluir outros atores, setores e organizações. E o faz de tal forma que as

decisões tomadas apresentam um ar de legitimidade e criam uma impressão de eficiência e

eficácia na sua execução.

Portanto a governança é, em certo sentido, uma maneira de se referir aos processos

políticos de tomada de decisão baseados em uma rede de organizações e atores em

várias arenas políticas, onde o Estado passa a trabalhar em parceria com outros atores, a fim

de provocar uma ação para que a responsabilidade, os custos e os riscos sejam todos

compartilhados. “Ao contrário do que se repete impunemente, o Estado continua forte e a

prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais

dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território, sua vontade

política ou econômica.” (SANTOS, 2011, p. 77).

A partir da década de 1990, ocorreram importantes reformas nos sistemas de ensino em

todo o mundo, principalmente nas destinadas a incentivar as instituições a serem mais

sensíveis às necessidades do capitalismo. Essa questão envolveu uma reavaliação dos

objetivos do ensino superior e a definição pelos governos de novas estratégias para o

futuro. Também envolveu mais espaço de manobra para as instituições (OECD, 2008). Essas

transformações na educação fizeram com que a governança adquirisse grande destaque na

política e pesquisa educacional, principalmente internacional, trazendo novas formas de

organização e planejamento dos serviços educacionais atrelados aos novos atores.

46

A observação preliminar de Amos (2010, p. 26) é que a governança considera o

“surgimento e a influência do nível internacional ou transnacional indicativo de

transformações significativas no entrelaçamento dos Estados e as respectivas implicações

dessas novas configurações em áreas tradicionalmente consideradas focos de tarefas e

obrigações primordiais” dos Estados-Nação. Os organismos multilaterais, além de executar as

políticas educacionais em um nível multiescalar, criam suas próprias agendas e constituem um

nível transnacional na educação. A governança educacional está orientada pelo mercado e se

esforça para controlar os resultados educacionais por meio da avaliação.

A tomada de decisão na governança educacional, para Dale (2010), reside em diferentes

instituições de coordenação que dividem entre si o processo de governança no novo contexto

das políticas educacionais. No entanto, apesar de ter seu papel cada vez mais limitado pela

presença do mercado, o Estado, geralmente, assume a posição de “coordenação da

coordenação”. O autor chama atenção para o caráter multiescalar da governança educacional,

onde as políticas educacionais não podem mais ser concebidas como reserva exclusiva do

Estado-Nação. Assim, torna-se fundamental compreender e enfrentar essa nova dinâmica que

não significa apenas um jogo de soma nula, mais sim um jogo caracterizado por uma divisão

de trabalho entre as escalas, onde cada um tem seu papel a cumprir. Nesse sentido,

Boaventura Santos esclarece:

A governação é uma forma geneticamente modificada de direito e de governo, que procura tornar-se resistente a duas perigosas pragas: por um lado, pressões

populares, a partir de baixo, potencialmente caóticas; por outro lado, mudanças imprevisíveis das regras do jogo da acumulação de capital, causadas pela regulação estatal ou inter-estatal. [...] A sociedade civil admitida à participação na governação é a sociedade civil liberal, uma vez que só as suas organizações partilham os valores subjacentes à parceria e à coordenação auto-regulada. (SANTOS, 2010a, p. 409-410).

Desde a década de 90 do século passado, o autor relata que a governança tornou-se a

matriz política da globalização neoliberal, significando a estrutura básica de um ambiente

fomentador de toda rede de ideias pragmáticas de padrões de comportamento cooperativo,

partilhados por um grupo de atores selecionados com os seus respectivos interesses. Para

identificar o significado político da governança neoliberal, é preciso prestar atenção ao não

dito, ao que está silenciado, como o contrato social, a justiça social, as relações de poder e a

conflitualidade.

47

De fato, as alternativas aos conceitos silenciados propostas pela governação são, todas elas, negativas, no sentido em que se definem por oposição aos conceitos de legitimidade: em vez de transformações sociais, a resolução de problemas; em vez da participação popular, participação dos titulares de interesses reconhecidos (stakeholders); em vez do contrato social, a auto-regulação; em vez da justiça social,

jogos de soma positiva e políticas compensatórias; em vez de relações de poder, coordenação e parcerias; em vez de conflitualidade social, coesão social e estabilidade de fluxos. (SANTOS, 2010a, p. 406).

Na nova estrutura do poder, Romão (2008, p.118) destaca que as organizações privadas

transnacionais assumiram papel tão importante que “acabaram se tornando uma nebulosa

governação sem governo. E isto aconteceu exatamente porque o mundo bipolarizado tornou-

se um mundo monopolarizado, com um centro suficientemente grande para não se submeter a

qualquer disciplina externa”. Dando continuidade a essa linha de pensamento, Tavares (2011,

p.180) assinala que o modelo de boa governança priorizado pela globalização neoliberal

constitui “a capacidade que o Estado tem de reduzir sua dimensão pública, impondo sua

minimização na condução das políticas públicas, as quais passam a depender do mercado, na

dinâmica própria da esfera do privado”. Portanto, o fortalecimento da dimensão pública

certamente implica no fortalecimento da própria sociedade civil uma vez que esta também

constitui agente crucial do processo contemporâneo de governança.

O conceito de governança ganhou espaço na área de políticas públicas de educação e

por todas as contradições e polissemias que o acompanha, certamente merece ser melhor

problematizado (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). É preciso ir além da concepção de

governança corporativa voltada para a educação que, segundo Tavares (2011), passou a fazer

parte da gestão dos estabelecimentos de ensino superior privados, que visam assegurar

sustentabilidade e retorno do capital investido. O importante dentro dessa concepção é cr iar

um modelo que aproxime a universidade ao molde empresarial, direcionado para a eficiência

e eficácia, tornando-a segura para seus proprietários, bem qualificada no mercado e atrativa

aos investidores.

O documento, Principles of Governance Corporate, da OECD (2004) conceitua a

governança corporativa como o elemento central para melhorar a eficiência econômica e o

crescimento, bem como fortalecer a confiança dos investidores. A governança corporativa

envolve um conjunto de relações entre a gestão da empresa, diretoria, acionistas e outras

partes interessadas. A governança corporativa também fornece a estrutura por meio da qual

são definidos os objetivos da empresa, os meios para alcançá-los e o desempenho de

monitoramento. Nesse entendimento, a boa governança corporativa deve proporcionar

incentivos adequados para a diretoria e a administração alcançarem os objetivos, além de

48

facilitar o acompanhamento eficaz. A presença de um sistema eficaz de governança

corporativa ajuda a suscitar o grau de confiança necessário para o funcionamento adequado de

uma economia de mercado. Como resultado, o custo de capital é menor e as empresas são

incentivadas a utilizar mais recursos eficientemente, apoiando assim o crescimento.

Toda essa dinâmica da governança corporativa que há algumas décadas era apenas

utilizada no meio empresarial, passou a fazer parte, também, das instituições educacionais.

Segundo Cowen (2002), em quase todo o sistema-mundo, há um grandioso esforço para

vincular as universidades ao capital; para classificá-las; para criar novas formas de relação

entre universidade e capacidade produtiva; para padronizar programas de doutorado; e

consequentemente tornar as universidades eficientes, transformando ideias em dinheiro.

A partir dos novos contextos econômicos e produtivos, a governança, no campo das

instituições, sejam elas educacionais ou não, tem a finalidade de propor processos e estruturas

para uma relação mais harmônica e eficaz entre capital, gestão, exercício do poder,

organização e sociedade. Para Alves (2012, p. 134), “governança significa: administrar, gerir,

dirigir, comandar, reger, controlar um sistema e/ou uma organização. Atualmente, a

governança amplia seu espaço nas pesquisas e nas publicações em Ciências Gerenciais, mas

ainda muito pouco no âmbito das Ciências da Educação”. O autor ressalta que o tema da

governança educacional no Brasil segue pouco discutido e pesquisado.

Apesar de no campo nacional o tema governança ainda ser pouco explorado,

internacionalmente tem sido muito discutido, existe uma vasta literatura. O tópico a seguir

apresenta os caminhos da governança no contexto global e o impacto no contexto local.

3.2 OS CAMINHOS DA GOVERNANÇA EDUCACIONAL

O novo modelo de governança, influenciado pelos organismos internacionais, tais como

o BM, a OMC e OCDE, é um termo-chave na política educacional contemporânea e

relaciona-se diretamente com as profundas mudanças na área da educação. Essas

transformações direcionam-se a mecanismos mais competitivos e à descentralização dos

serviços educacionais, que envolvem instrumentos e meios de direcionamento das novas

formas de ofertar e organizar os serviços educacionais, além de estimular a participação de

novos atores na política educacional.

Com a inclusão da educação nas regras do Acordo Geral sobre Comércio e Serviços

(AGCS) proposto pela OMC em 1995, esta passou a ser tratada como produto

comercializável, dispondo-se às iniciativas do mercado e dos novos provedores privados que

49

atuam em âmbito local, nacional e transnacional. Esses organismos assinalam em seus

documentos a preocupação com questões de igualdade e equidade, entretanto priorizam

questões ligadas à eficiência econômica e à competitividade.

Entre 2000 e 2002, as delegações da Austrália, Estados Unidos, Japão e Nova Zelândia

remeteram à OMC uma proposta exigindo ações para possibilitar a liberação do comércio de

serviços educacionais, em escala mundial, tendo em vista a importância comercial desse setor

e suas reais possibilidades de expansão e rentabilidade. Tanto a OMC quanto os países que

exportam serviços educacionais entendem que, a partir do momento que um país reconhece a

existência de instituições privadas, que têm fins lucrativos e que são provedoras de serviços

educacionais, esses programas passam a ser identificados como serviços comerciais (LIMA,

2006). O Brasil, apesar de ainda não ter oferecido seu mercado educacional ao AGCS,

imprimiu processos de privatização e comercialização da educação em todo país. Importa

ressaltar que a política educacional adotada, nas últimas décadas, criou um mercado

extremamente atraente para a iniciativa privada, sobretudo no ensino superior.

O Relatório da OECD (2008), Tertiary Education for the knowledge society, assinala

que, embora nem todos os países estejam na mesma posição na economia global, surgiram

uma série de tendências no ensino superior em todo o mundo:

a) Expansão dos sistemas de ensino superior

b) Diversificação da oferta

c) Heterogeneidade estudantil referente a gênero, idade, etnia e classe

d) Novas modalidades de financiamento

e) Foco na prestação de contas e desempenho

f) Novas formas de governança institucional

g) Rede global – mobilidade e colaboração

O Relatório esclarece que, ao longo das últimas décadas, mudanças importantes

ocorreram na liderança das IES, incluindo o surgimento de novas perspectivas sobre liderança

acadêmica e novas formas de organização da estrutura de tomada de decisão. Líderes

acadêmicos são cada vez mais vistos como gestores da aliança de construtores ou

empreendedores. Todas essas mudanças surgiram das novas formas de governança

educacional. Destarte, o ensino superior tornou-se mais internacionalizado e cada vez mais

envolve redes fortalecidas entre instituições, pesquisadores, estudantes e outros atores, como a

indústria.

Segundo Shultz (2012, p. 27), “a globalização e as políticas de redes transnacionais

veem a autoridade dispersada além do Estado-Nação e legitimam conhecimento(s) políticos e

50

interesses, não necessariamente localizados dentro do Estado-Nação ou da comunidade local.”

Na arena educacional, as autoridades externas exercem o poder por meio de iniciativas

globais, tais como o Programa Educação para Todos17, o Programa International de Avaliação

dos Estudantes – PISA18 e o Processo de Bolonha19. Em todos esses programas, as pressões

modificaram os arranjos de governança para além das tradicionais noções do Estado-Nação e

de cidadania.

Para Dias Sobrinho (2002, 2010), na educação superior, um dos temas mais presentes

nas agendas das discussões e das políticas nacionais e internacionais é a “garantia da

qualidade”. Sendo que a qualidade passou a ser definida por critérios supranacionais baseados

em determinantes econômicos, que a reduz a uma representação dos resultados que as

instituições, feito empresas, devem ser capazes de demonstrar, tais como rendimentos

estudantis e quantidade de alunos ou de artigos publicados. A qualidade, na perspectiva

economicista hoje dominante, é baseada na formação como fator de competitividade e de

incremento de produtividade. Os critérios supranacionais de definição e de controle da

qualidade, nos moldes de um serviço comercializável, aprofundam a tensão entre cooperação

e competição e representam um duro golpe à autonomia universitária e à soberania nacional.

Após uma década de sua implantação, o Processo de Bolonha, tema de destaque na

agenda da União Europeia e no mundo, descreve os caminhos que os Estados-Nação vêm

trilhando diante das rápidas e constantes reformas da educação superior, alavancadas pelo

novo modelo de governança. O programa caracterizado pelo aligeiramento dos cursos,

padronização e instrumentalização curricular, desregulamentação da profissão docente e

mobilidade docente e discente, “sintetiza-se na busca do docente de menor custo onde quer

que ele esteja e do discente, igualmente, onde quer que se encontre e, ainda, na formação de

consórcios para fins de corte de custos salariais e de equipamentos”. (TIRADENTES, 2009b,

p. 3).

As mudanças ocorridas, aos moldes neoliberais, no campo educacional europeu,

respondem à mercadorização da educação e refletem nos demais países e blocos. Para se

adaptar ao conjunto europeu de globalização, cada país teve de fazer ajustes econômicos,

17 Programa lançado em 1990 na Conferência Mundial, Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia. A Unesco

foi a organizadora do evento. Vários países, inclusive o Brasil, grupos da sociedade civil, organizações não governamentais e agências como BM se comprometeram a alcançar as metas estabelecidas. Esse programa é aplicado à educação básica. 18

O Programa foi criado pela OCDE em 1997 e direciona-se à educação básica. Os testes, aplicados em vários

países, são padronizados. Para maiores informações, ver página do programa (http://www.oecd.org/pisa/). 19 O objetivo do acordo firmado em Bolonha, em 1999, é promover um sistema de educação superior

comparável: qualificação, padronização de currículos, acreditação, avaliação e mobilidade na área acadêmica.

51

diminuir as intervenções estatais e suas funções de provedores do bem-estar social, a serem

asseguradas em organismos supranacionais.

De acordo com Dias Sobrinho (2010, p. 175), “trata-se de uma reforma de cima para

baixo, sem que a comunidade universitária tivesse oportunidade de participar amplamente de

suas discussões. A comunidade acadêmica e científica teme que a universidade perca suas

perspectivas de longo prazo”. As funções essenciais da educação superior passaram a ser

questionadas, ao passo que o mercado econômico é quem está ditando as regras. O Processo

de Bolonha é um estímulo à privatização, direta ou indireta, da educação superior e a

transmissão de conteúdos que visam favorecer a competência laboral, para atender às

exigências do mercado atual. A elaboração de um contrato social entre educação e sociedade e

as políticas de formação para a cidadania não fazem parte dos objetivos desse processo.

Baseado no modelo anglo-saxônico, pode se consolidar como um pensamento único.

Um componente importante da nova governança educacional em escala global tem sido

a construção de um espaço de harmonização educacional a nível mundial. A OCDE tem sido

muito importante na construção deste espaço, por meio do seu trabalho de indicadores e do

PISA. Na verdade, Rizvi e Lingard (2010) apontam que a OCDE criou um nicho para si entre

as organizações internacionais como um repositório de especialização internacional

em matéria de medidas comparativas da qualidade dos sistemas educacionais. O PISA

demonstra o importante papel da OCDE, que agora joga como um ator político e mediador do

conhecimento, com o aumento da capacidade de moldar as prioridades da política na

educação, não só entre os seus países membros, mas entre os outros países não

membros também.

A concepção de governança, baseada no discurso neoliberal, fez com que o Estado

brasileiro passasse a contar com novos agentes financiadores e provedores dos serviços. Mas

para que isso acontecesse, o Estado teve que promover a privatização de alguns setores

públicos e a liberalização e desregulamentação do mercado. No campo educacional, a

mudança de governo para governança é claramente perceptível após a promulgação da

LDB/1996, quando o Estado diversifica e fragmenta o sistema educacional. Essas diretrizes

incidiram na expansão desregulada do sistema de ensino superior privado, que hoje

corresponde a 88,3% (BRASIL, 2012c); na contramão, o setor público conta com a

precarização das estruturas físicas e das condições de trabalho dos docentes, salários

insatisfatórios e a falta de financiamento público para pesquisas.

O quadro vigente distancia-se cada vez mais da criação de um sistema voltado para a

democratização da sociedade e para um desenvolvimento mais autônomo da academia. Desde

52

então, o sistema de educação superior conta com a influência mais direta do mercado

financeiro e dos grandes grupos educacionais. Assim, o Estado passou de agente provedor a

agente coordenador e fiscalizador.

Conforme Rizvi e Lingard (2010), nessa nova estrutura, a eficiência tornou-se uma

espécie de metavalor e os valores éticos e culturais da educação passaram a ser vistos em

segundo plano. A concepção de eficiência se relaciona com o fato de se alcançar os melhores

resultados acadêmicos, sem, no entanto, ampliar os recursos para o financiamento. Na

verdade, muitas vezes, há uma reestruturação para fazer mais com menos, com políticas que

muitas vezes procuram os chamados dividendos e eficiência. A concepção de eficácia é

concebida como o alcance de um conjunto de objetivos alocados dentro de prazos

determinados. A ênfase na eficiência e eficácia deu lugar a uma concepção particular de

accountability, bem como uma nova forma de se pensar e praticar a governança educacional.

Em 2000, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) criou níveis diferenciados de

governança corporativa, com a finalidade de proporcionar um ambiente de negociação que

estimulasse, concomitantemente, o interesse dos investidores e a valorização das companhias.

Nesse contexto, as companhias educacionais, que negociam ações na bolsa, passaram a atuar

com segmentos especiais de governança corporativa. O foco desses grupos é maximizar o

lucro e transformar as instituições de ensino superior em grandes conglomerados.

O rápido crescimento desse segmento, com uma nova tipologia que passou a ser denominado setor privado na educação superior, acirrou a concorrência, antes quase inexistente, entre as instituições de ensino superior. Assim o cenário da educação superior passou a acomodar além das instituições públicas, as universidades particulares, estas últimas resultantes do agrupamento de atores com diferentes formatos jurídicos e finalidades econômicas, compondo um conjunto bastante

diversificado e diferenciado em seus fins e na própria concepção de universidade. Tudo isso aconteceu com evidentes [...] reflexos na forma de administração acadêmica, nas relações com o alunado e com o corpo docente e técnico-administrativo, bem como na forma de inserção dessas universidades no meio social onde atuam. (TAVARES, 2011, p. 176).

A concepção de universidade dos grandes grupos educacionais é gerida pelo modelo

empreendedor, direcionado à governança corporativa. Esses grupos se valeram das mudanças

dos objetivos e das regras por parte do Estado. Hoje se presencia a transformação das políticas

de Estado para as políticas de governo que privilegiam os interesses e os valores do mercado.

Uma das demandas da Carta de Araxá,20 conforme Tiradentes (2009b) é o pleito à abertura,

pelo governo federal, do FIES para bancos privados e não somente para a Caixa Econômica

Federal (banco público), assim os banqueiros acionistas de IES supervalorizariam o capital

20

Documento final do II Congresso de Educação Superior Privada em Araxá-MG, 2009.

53

numa operação “ambígua e ambivalente”. Essa é uma das estratégias da governança

corporativa requerida pelas IESPs.

Santos (2011) pontua que o Estado alterou suas regras e configurações num jogo

conjugado de influências externas e internas. Todavia não há apenas um caminho e este não é

obrigatoriamente o da passividade. A globalização não impede a construção de um projeto

nacional. Sem este, os governos ficam à mercê de exigências externas, por mais descabidas

que sejam e este parece ser o caso brasileiro. A tendência é que os interesses corporativos

prevaleçam aos interesses públicos. Nesse quadro, a política das empresas consegue,

“mediante uma governance, a tornar-se política; na verdade uma política cega, pois deixa a

construção do destino de uma área entregue aos interesses privatísticos de uma empresa que

não tem compromissos com a sociedade local.” (SANTOS, 2011, p. 107). É mister corrigir as

direções equivocadas da governança vigente e primar pelos interesses da nação.

3.3 O MODELO DE GOVERNANÇA CONTRA-HEGEMÔNICO

Na tentativa de criar um modelo alternativo para se pensar a governança hegemônica, é

necessário que se fortaleça o modelo de governança contra-hegemônico que surge, ainda que

de forma limitada, da reivindicação de movimentos sociais organizados que querem fazer

parte do processo de decisão política em escala nacional e global. Apesar das diretrizes

neoliberais visarem à redução do espaço da sociedade civil, Santos (2010a) aponta que ela

tem conseguido se organizar e propor alternativas ao modelo hegemônico de globalização e

governança, articulando-se em redes nacionais e globais que lutam pela garantia de direitos

que estão sendo ameaçados pelas políticas públicas neoliberais.

Visando ao fortalecimento das organizações sindicais e associações representativas,

Guimarães-Iosif (2009; 2011) defende a oferta de uma educação para a cidadania local e

global de caráter emancipada, que educa cidadãos preparados para questionar até que ponto os

pactos e parcerias nacionais e internacionais comprometem ou contribuem para a melhoria

das condições de vida nos contextos locais. Este modelo de educação, ao valorizar a

politicidade, a cultura local, a diversidade de saberes, a organização coletiva e a intervenção

social, instrumentaliza os cidadãos a lutarem contra formas de colonização impostas por meio

de políticas públicas que, ao invés de se colocarem a serviço do bem comum do povo

brasileiro, privilegiam interesses escusos, geralmente voltados apenas para as demandas do

mercado global e do capitalismo econômico-financeiro.

54

O desafio é criar espaços para que agentes, educadores e instituições sociais se articulem

em prol da defesa de uma educação realmente democrática e de melhores condições para o

trabalhador, nesse caso os docentes, para que estes não sejam concebidos e tratados apenas

como uma mercadoria. Santos (2010a) acrescenta que o modelo de governança contra-

hegemônico propõe um novo modelo de emancipação e transformação social. Nesse contexto,

a sociedade civil encontra meios criativos e efetivos para se inserir inteligentemente no jogo

de disputas geralmente dominado apenas pelo mercado e/ou pelo Estado, interferindo

diretamente na definição da agenda e nas ações.

Aprendemos dos sistemas históricos do colonialismo que educadores tem comumente sido a infantaria de políticas opressivas, que são, geralmente,

responsabilidade de atores externos. Se o atual sistema econômico global criou um neocolonialismo que impõe estruturas e normas a cidadãos ao redor do mundo, então a resistência precisa trabalhar com este sistema globalizado, entendendo como os atores das formulações de políticas, espaços e conhecimentos restringem e permitem que as formulações de políticas se direcionem de uma forma específica. Com este conhecimento, educadores e formuladores de políticas educacionais podem trabalhar

com conhecimento e atores locais para que as políticas educacionais sirvam de forma mais eficiente às necessidades de todos os cidadãos locais. (SHULTZ, 2012, p. 38).

Perante a globalização e a dominação que o capital internacional ocidental exerce sobre

todo o mundo, Almeida, Souza e Mancini (2008, p.192) enfatizam a busca de uma nova

perspectiva: “a construção de uma globalização de oposição, que pode buscar a construção de

uma utopia, porém pode ir além, buscando a construção de uma realidade transformada, que

valorize as vozes do passado e permita o resgate de nossa emancipação” – promessa da

modernidade não cumprida e da qual necessitamos para a construção de um novo modelo de

governança com respaldo na justiça social. Shultz complementa,

Espaços de formulação de políticas reivindicados são muito mais fluidos do que espaços fechados e é o local onde vemos os aspectos democráticos do processo

político em sua totalidade e a possibilidade também para uma autenticidade mais profunda. Quando as pessoas decretam a sua cidadania elas criam espaços públicos onde processos de formulação de políticas são reivindicados. O forte caráter público desses espaços provê alguma resistência à hegemonia de normas políticas neoliberais, que lutam para enfraquecer o que é público em prol do que é privado. (SHULTZ, 2012, p. 36-37).

A criação de espaços de discussão fortalece as comunidades locais, que passam a ter

conhecimentos importantes sobre a formulação de políticas públicas e desvelam o jogo de

interesses que está por trás. Com um pensamento crítico, a população passa a reconhecer e a

55

reivindicar seus direitos e, assim, adquirem mais força para redirecionar as políticas para as

necessidades educacionais que visam ao bem comum.

Segundo Síveres (2006, p 166-167), “a universidade, para dar cumprimento a essa

missão, não pode ser uma simples organização reflexa do progresso econômico, mas uma

instituição potencializadora de um processo capaz de contribuir com a construção de uma

sociedade sustentável”. A universidade não pode ser uma ferramenta de reprodução do

sistema economicista, mas de renovação e de desenvolvimento da sociedade. Esses princípios

estão relacionados com a natureza da própria universidade.

O autor ressalta que, apesar desse ideário estar se fortalecendo, a universidade brasileira,

num contexto macro, está conectada aos interesses hegemônicos e profundamente vinculada

ao mercado. Portanto, essa instituição pouco tem contribuído com o fortalecimento da

sociedade e pouco tem se comprometido com a transformação social. “Nesse sentido, a

universidade, em vez de ser uma luz para iluminar a sociedade, se acomodou como uma brasa

para aquecer o aspecto economicista do mercado global.” (SÍVERES, 2006, p. 168). O

descompasso entre um projeto educativo (voltado para a formação humana e cidadã que se

implanta como uma peça na engrenagem do sistema social) e as exigências do setor

econômico dilui a função mais crítica e reflexiva da universidade.

Chaves (2010) pontua que a consequência dessa ideologia é a transformação da

educação em um grande negócio a ser comercializado pelo mercado de capitais e a

transformação dos universitários em clientes-consumidores, disputados no grande jogo de

interesses entre as instituições de ensino privadas. Estas reproduzem, de forma endógena,

relações mercantis, através de práticas instrumentais e utilitaristas, distanciando-se cada vez

mais da reflexão crítica e emancipatória da educação.

Atualmente, a política é feita no mercado e os atores são as empresas globais, que não

têm preocupações éticas, tampouco finalísticas. Vive-se a transição da política do estado à

política das empresas. Estamos assistindo à “não política”, quer dizer, à política das empresas,

sobretudo das maiores. “À medida que se impõe esse nexo das grandes empresas, instala-se a

semente da ingovernabilidade, já fortemente implantada no Brasil, ainda que sua dimensão

não tenha sido adequadamente avaliada.” (SANTOS, 2011, p. 69).

É nesse campo, que se observa a influência da governança nos padrões de tomada de

decisão, nas relações políticas e na forma com que os programas são implementados. Shultz

(2012, p. 34) discorre que os “cidadãos neoliberais são (ou são treinados para serem) cidadãos

autorreguladores: obedientes, consumidores da sociedade e não criadores da sociedade”. A

política e organização educacional estão a serviço da agenda multilateral, em diversos níveis,

56

primando para que haja um consenso entre todos. A autora reitera que nesse novo modelo de

gestão pública, os atores privados estão sendo movidos para instituições públicas, onde a

educação é desenhada para ser enxuta e ágil, ou seja, convergente com mudanças rápidas e

fluídas, conforme as forças do mercado e das exigências dos clientes. Tudo deve ser

compilado pelo enquadramento decisório, seguindo os resultados mensuráveis e as análises de

custos transacionais.

Compreender o complexo campo da governança da educação superior no País e

identificar quais são os maiores interesses dos agentes que fazem parte desse campo de

disputa tão importante para a sociedade é certamente um desafio. Assim, se quase 80% das

matrículas da educação superior estão nas mãos do setor privado, o que querem os atores que

controlam e que decidem o modelo de educação superior ofertado no Brasil? Como ficam as

condições do trabalho docente dentro dessa nova forma de se fazer educação superior privada

no País Brasil? Essas questões serão discutidas nos capítulos IV e V.

57

CAPÍTULO IV – AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

DOCENTE

À luz da Teoria de Marx, a produção capitalista é essencialmente produção de mais-

valia. Sob esse prisma, este capítulo foi construído com a finalidade de discutir os elementos

característicos da acumulação flexível do capital e as sobreimplicações desse processo no

trabalho docente.

4.1 SOBREIMPLICAÇÕES

A crise de acumulação de capital, no início da década de 1970, nos países ocidentais

desenvolvidos, trouxe ao capital formas flexíveis de reprodução. O capital dinamizou-se e a

força de trabalho livre foi lançada no mercado. O principal objetivo do capital é a

maximização dos recursos, que também é uma das características do atual modelo de

governança (DIAS, 2006). As novas exigências no modo de produção e racionalização

propaladas pelo capitalismo ultrapassaram as fronteiras nacionais configurando-se em práticas

ininterruptas de financeirização. Essas exigências transformaram sobremaneira o “mundo do

trabalho”. 21 Nesse escopo, as atividades laborais se ativeram à nova realidade. O livre

mercado já demonstrou nas crises passadas do capitalismo, e especialmente da atual, do que é

capaz:

A ‘mão livre do mercado’ é uma metáfora esperta para disfarçar os objetivos reais do mercado livre, que não são, como universalmente reconhecidos, nem a preservação ambiental, nem as dignas condições de trabalho dos trabalhadores, nem a qualidade dos produtos, nem a ética da prestação dos serviços, e em última instância o bem universal da sociedade. Se isso é válido para o mercado em geral, o

que dizer do mercado educacional? (SGUISSARDI, 2008, p. 1012).

A crise experimentada pelo capital, assim como suas respostas, das quais o

neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível são expressão, têm

acarretado um processo de transformação no cerne do mundo do trabalho. Entre tantas

consequências, presenciamos o desemprego estrutural e um crescente contingente de

trabalhadores em condições precarizadas, “conduzidas pela lógica societal voltada

21

Nas palavras de Antunes (2005), o tratamento detalhado da crise no mundo do trabalho, englobando um conjunto de questões, seria aqui impossível, dada a amplitude e a complexidade dos elementos constitutivos mais gerais da crise do movimento operário, além da crise estrutural do capital, bem como das respostas dadas pelo neoliberalismo.

58

prioritariamente para a produção de mercadorias e valorização do capital.” (ANTUNES,

2005, p. 15).

Em sua obra,22 Antunes (2005) apresenta um quadro analítico das “metamorfoses” que

vêm ocorrendo no mundo do trabalho e seus principais significados e consequências. O autor

nos remete à ascensão de Thatcher no Reino Unido, em 1979, que erigiu na variante

neoliberal sua forma mais ousada e virulenta. Uma nova agenda desenhou a trajetória do

labour. Pouco a pouco foi se delineando um modelo que alterou as condições econômicas e

sociais existentes na Inglaterra e em todo o mundo: a) privatização de praticamente tudo o que

havia sido mantido sob controle estatal (à exceção do metrô e do correio, todas as demais

atividades públicas, atualmente, encontram-se nas mãos do capital privado); b) redução e

extinção do capital produtivo estatal; c) desenvolvimento de uma legislação fortemente

desregulamentadora das condições de trabalho e flexibilizadora dos direitos sociais; d) e, para

destruir de vez a força societal, foi aprovado um conjunto de atos profundamente coibidores

da atuação sindical, visando destruir até as formas mais estabelecidas do contratualismo entre

capital, trabalho e Estado, expresso nas negociações coletivas.

Instituiu-se uma conjuntura que propiciou o advento da “nova cultura empresarial” ,23

marcada pela proliferação de conceitos e práticas como Escolas de Negócios e Gestão dos

Recursos Humanos. “Desprovido de uma orientação humanamente significativa, o capital

assume, em seu processo, uma lógica onde o valor de uso das coisas foi totalmente

subordinado ao seu valor de troca” (ANTUNES, 2005, p. 17) , onde a dialética societal se

inverteu e se transfigurou, tecendo um novo sistema de metabolismo estruturado pela

produção de mercadoria e valorização do capital. Assim a “classe que vive do trabalho”,

constituída por aqueles que vendem sua força, tem como núcleo central os trabalhadores

produtivos.

Segundo a Teoria Marxiana (MARX, 1984, p. 205), a produção capitalista não é tão

somente produção de mercadoria, é fundamentalmente produção de mais-valia. “O

trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral.

Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para

o capitalista ou serve à autovalorização do capital.” Fora da esfera produtiva material, Marx

exemplifica com o trabalho do mestre-escola:

22

Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 23

No próximo capítulo, veremos como essa “nova cultura empresarial” se desenvolveu no campo educacional brasileiro, em especial, na educação superior.

59

[...] um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha a cabeça das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera em nada a relação. O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre atividade

e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas azar. (MARX, 1984, p. 106).

Para que haja o enriquecimento do empresário, a “intensidade crescente do trabalho

supõe o dispêndio ampliado de trabalho no mesmo espaço de tempo.” (MARX, 1984, p. 116).

Quanto mais for reduzida a jornada de trabalho, tanto mais pode crescer a intensidade. O

trabalho intensificado demanda um processo de captura da subjetividade 24 do trabalhador na

produção da mais-valia, que podemos chamar de “sobreimplicação”, conceito tecido por René

Lourau na década de 1990. Para entendermos a sobreimplicação no trabalho docente,

precisamos voltar ao conceito de implicação proposto por Lourau nos anos 70 do século

passado (2004a, p. 187): a implicação refere-se aos “[...] juízos de valor sobre nós mesmos,

sobre os demais, destinados a medir o grau de ativismo, de identificação com uma tarefa ou

instituição, a quantidade de tempo/dinheiro que lhe dedicamos (estando lá, estando presentes),

bem como a carga afetiva investida na cooperação.”

Ao aprofundar a noção de implicação, Lourau revela que o termo é portador de

múltiplos sentidos, sendo difícil conceituá-lo, pois estava além da ordem no trabalho social,

sob a pressão de movimentos “implicacionistas” como o do “potencial humano”. A lógica da

implicação, quando perpassa as restituições psicologistas ou sociologistas, põe em questão a

lógica hipotético-dedutiva, binária, antidialética, dos neopositivismos.

Segundo Mancebo (2007, p. 79), “nos anos de 1980/90, Lourau retoma o conceito de

implicação e chama atenção para um desvio utilitarista do seu uso”, construindo, assim, o

conceito de sobreimplicação. Para o autor, uma “nebulosa ideológica” com palavras que se

referem ao comprometimento, participação, motivação, investimento afetivo, promovem a

“síndrome da implicação” nos discursos das ciências sociais.

A sobreimplicação é uma deriva do conceito de implicação e relaciona-se à

subjetividade- mercadoria –, portanto uma ideologia normativa do sobretrabalho, gestora da

necessidade de implicar-se, isto é, no ativismo da prática, haja vista, que a instituição

permanece ocupada por um único e determinado objetivo. Logo, a sobreimplicação apresenta

24 “A subjetividade é a organização dos processos de sentido e significado que aparecem e se organizam de

diferentes formas e em diferentes níveis no sujeito e na personalidade, assim como nos diferentes espaços sociais em que o sujeito atua.” (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 108).

60

“aspectos extremamente passivos: submissão a ordens explícitas ou a consignas implícitas da

nova ordem econômica e social, ávida por preencher as grandes brechas produzidas tanto pela

desafetação quanto pela institucionalização, maior ou menor, do desemprego.” (LOURAU,

2004a, p. 191). A sobreimplicação contribui para práticas de acumulação de tarefas, sendo

esta a realidade dos docentes, que respondem à lógica capitalista contemporânea. Nas IESPs,

principalmente nas companhias educacionais, a flexibilização e a acumulação de tarefas

tornaram-se uma máxima, por meio da institucionalização de determinadas práticas, como

mudança nos currículos, otimização dos docentes, redução da carga horária, padronização do

sistema.

“A sobreimplicação é composta igualmente de virtudes exigidas dos empregados,

hierarquizados em grades de avaliação” (LOURAU, 2004a, p. 192), ordenando um

suplemento de espírito, garantindo o sobretrabalho diretamente produtor de identificação com

a instituição e indiretamente produtor de mais-valia em prol do empregador (instituição) e não

em favor do trabalhador coletivo (nesse caso, a classe docente). Nas palavras de Lourau

(2004a, p. 193), “é a autogestão ou a co-gestão da alienação.” Esta é uma situação de

desafetação silenciosa, embora vise ao instituído, é diretamente produzida pelo instituído. O

sistema político econômico, frente à ideologia liberal, além de transcender a questão da

felicidade, denegando-a com uma força e uma violência equivalentes às que exercia a

dominação teocrática, fabrica a soropositividade do gigantesco desemprego, por meio da

exploração subjetiva.

O trabalho, a subjetividade e a sobre-exploração apresentam-se organicamente fundidos

na sobreimplicação. O encanto que paira sobre a vida universitária pode, sob este prisma de

análise, voltar-se contra os docentes, que se transformaram em “trabalhadores ‘full-time’,

trabalhadores com 24 horas de trabalho diário” (MANCEBO, 2007, p. 79). As redes de

relações e produções capitalistas que permeiam o ambiente universitário vêm direcionando as

atividades docentes ao ajustamento da nova ordem econômica.

Marx (1983, p. 263) aponta que “o motivo que impulsiona e o objetivo que determina o

processo de produção capitalista é a maior autovalorização possível do capital, isto é, a maior

produção possível de mais-valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho

pelo capitalista”. É preciso indagar as reais contradições às quais estão inseridas a “força de

trabalho” e analisar as formas de exploração.

A gênese do capitalismo mundial deixa claro o processo destrutivo em relação ao

trabalho. O intenso e significativo processo de informalização e precarização da classe

trabalhadora “nos faz presenciar uma corrosão ainda maior do trabalho contratado e

61

regulamentado, que foi dominante ao longo do século XX, de matriz taylorista-fordista”.

(ANTUNES, 2011, p. 406). O autor acrescenta que, em pleno século XXI, milhares de

pessoas realizam trabalhos parciais, precarizados e na informalidade, enfrentando jornadas de

trabalho de até 17 horas diárias. O capital vem desempregando o trabalho estável ao substituí-

lo por trabalhos informais que se encontram em enorme expansão.

À luz do caso brasileiro, observa-se que os efeitos dessas mudanças capitalistas

neoliberais vêm atingindo as relações de trabalho na educação superior pública25 e privada de

forma direta e/ou indireta, por meio do ajuste da economia nacional e das privatizações a

partir da década de 1990, que levaram ao produtivismo acadêmico; à ampliação da jornada de

trabalho (com a não reposição de quadros vagos); à realização de diversos serviços

concomitantemente com a sala de aula; ao aguçamento dos contratos temporários; dentre

outras tantas práticas. “A intensificação do trabalho docente na nova dinâmica capitalista, tem

sua matriz na complexificação da classe trabalhadora, processo este que esteve lado a lado

com a desregulamentação do trabalho e com a ‘terceirização’ / privatização da educação.”

(OLIVEIRA, 2011, p. 42).

As reformas primam pela instabilidade do trabalhador em todas as áreas. Para Oliveira

(2011), as recomendações das agências internacionais, expressão do controle imperialista nos

países em desenvolvimento, advogaram estratégias de quebra das condições objetivas e

subjetivas do trabalhador docente. O objetivo era pressionar e controlar o trabalho docente ao

efetuar mudanças significativas no sistema de financiamento, nas matrizes curriculares, na

gestão das instituições e por meio da captação de recursos em outros setores.

Atualmente, a informalização do trabalho é um traço constitutivo e crescente da

acumulação de capital que se coaduna com os princípios neoliberais. Em decorrência, a

racionalização e a organização capitalista “respondem aos esforços de manutenção e

fortalecimento da dominação e subordinação, cujos ‘instrumentos’ e ‘meios’ para a

consecução dos objetivos hegemônicos incluem o trabalhador docente, pois este é visto como

‘recurso humano estratégico’.” (OLIVEIRA, 2011, p. 41). Nesse contexto, as políticas

engendram um novo nível de subsunção do trabalho ao capital calcado na mercantilização

crescente da educação, onde o protagonista – professor – está sob às leis do mercado.

Na medida em que o trabalho do professor é formador de valor, ou seja, uma fonte de valor, em nada se distingue de qualquer outro trabalho, como o do produtor de giz, livros, computadores etc., realizado nos meios de produção da educação. Somente por causa dessa identidade é que produzir giz, livros e computadores podem ser partes diferentes, apenas quantitativamente, do mesmo valor total (o valor

da educação). (SILVA, 2009, p. 81).

25

Os estudos de Mancebo (2007; 2010) e Silva (2009) apontam que os docentes das universidades públicas também sofrem com as práticas capitalistas inseridas no campo do trabalho.

62

A qualidade, a natureza e o conteúdo do trabalho, nesse aspecto, já não têm importância

significativa. Segundo Silva (2009), trata-se somente da quantidade desse trabalho e de um

valor de troca. Destarte, valor e valorização da força de trabalho são duas grandezas bem

distintas, no processo chamado “trabalho”. Para o mercado, em específico os empresários da

educação, é crucial que o valor de uso dessa “mercadoria” não seja somente fonte de valor;

mais do que isso, precisa gerar mais valor do que ela possui. Esse é o diferencial que o

capitalista busca na força de trabalho do professor. “O empresário da educação, como

comprador, paga toda a mercadoria por seu valor: giz, papel, livros, computadores, carteiras,

força de trabalho docente. Depois, como qualquer outro comprador de mercadorias, consome

seu valor de uso.” (SILVA, 2009, p. 82). O método de consumo da força de trabalho docente

– processo de produção de educação – gera um serviço educacional com um determinado

valor em reais.

Desse processo, as redes de ensino extraem o valor e a mais-valia, em outras palavras,

transformam seu dinheiro em capital. “Como corolário da tendência de tudo ser transformado

em mercadoria pela sociedade capitalista, é que se pode entender que os serviços

educacionais, como um direito e um bem público, possam ser considerados como uma

mercadoria, a educação-mercadoria”, objeto de exploração da mais-valia (SGUISSARDI,

2008, p. 1013). Essa prática não ocorre somente entre os empresários da educação, mas até

certo ponto, e inclusive, para os interesses privado/mercantis do aparelho do Estado.

Nesse cenário, o Estado brasileiro implantou reformas direcionadas à reinserção da

economia nos circuitos internacionais, conciliando-as aos interesses de grupos internos e

externos. As mudanças setoriais e estruturais pautaram-se nos princípios da administração

gerencial. A racionalização da gestão pública acarretou no “rígido controle sobre o

desempenho dos servidores, orientação por metas e resultados e não por processos, aferição

de resultados mediante indicadores definidos a priori, delegação de responsabilidades a

terceiros, descentralização de serviços” via setor privado (SILVA, 2011, p. 341). Assim

estimulou-se a parceria com o setor privado que precarizou ainda mais as condições de

trabalho. Essas reformas, não atingiram apenas os aspectos objetivos das relações entre

docentes, empregadores e protocolos de trabalho. Conduziram “um processo de redistribuição

do poder social que acarretou em modificações no próprio modo como cada grupo social se

auto representa, se pensa e configura seu destino social no trabalho e na própria sociedade.”

(MANCEBO, 2010, p. 81).

Essas mudanças, segundo Antunes (2011), caracterizaram-se por um processo

tendencial de precarização da força humana de trabalho e adquiriu uma dimensão maior, uma

63

vez que os capitais globais passaram a exigir o desmonte da legislação social protetora do

trabalho. A flexibilização da legislação social promoveu, ainda mais, os mecanismos de

extração do sobretrabalho e expandiu medidas de destruição dos direitos sociais conquistados

pelas classes. “Uma fenomenologia preliminar dos modos de ser da informalidade demonstra

a ampliação acentuada de trabalhos submetidos a sucessivos contratos temporários, sem

estabilidade, sem registro em carteira, dentro ou fora do espaço produtivo das empresas”.

(ANTUNES, 2011, p. 408).

Observa-se que essa informalidade incide no trabalho docente, tanto das instituições

públicas quanto privadas. No entanto, esse processo se intensifica no setor privado, pois, ou

os docentes aceitam as novas formas de trabalho (que diminuem o vínculo institucional, além

de não garantir os direitos trabalhistas básicos – aposentadoria, auxílio-doença, licença-

maternidade, FGTS) ou permanecerão na condição de desempregados.

Durante as discussões no IV Encontro Nacional do Sindicato Nacional dos docentes das

instituições de ensino superior (ANDES-SN) sobre a Saúde do Trabalhador, realizado em

maio de 2012, em Curitiba, o professor Eduardo Silva apontou que quanto menor a autonomia

no trabalho, mais rígidas são as prescrições e o modo operatório de realização da tarefa:

trabalho patogênico. “O não reconhecimento do trabalho intensifica sua dimensão patogênica,

e o não reconhecimento de si no produto do trabalho gera o estranhamento. Assim, o

produtivismo acaba gerando o esvaziamento do sentido.” (ANDES-SN, 2012b, p. 3).

Conforme Mancebo (2010, p. 78-79), “o aumento da exploração do trabalho docente, no

Brasil, ademais como em todos os países latinos, deu-se em especial pela flexibilidade

registrada nos regimes de trabalho e consequente quebra da carreira docente, onde ela

existia.” Segundo Mancebo, sabe-se da existência de expedientes menos ortodoxos de

flexibilização da contratação e do regime de trabalho nas IES públicas e privadas, tais como a

utilização de alunos da pós-graduação como professores substitutos, bolsistas, monitores e

professores-tutores para a educação a distância.

As políticas implementadas na educação superior brasileira e seus efeitos sobre o

trabalho docente desenvolvem-se num ambiente macro e determinante, de modo que – o

empresariamento, a mercantilização, a privatização, a produtividade, a competitividade, o

conformismo e a heteronomia institucional e profissional – aproximam-se e são

complementares às principais categorias das reformas advogadas no Processo de Bolonha, no

modelo de educação difundido pelo BM e nas proposições da OMC (MANCEBO, 2010).

Esses conceitos direcionam a gestão das universidades aos moldes empresariais, esvaecendo o

64

seu caráter de instituição social voltada para a formação crítica e para a solução de problemas

nacionais.

Por fim, deve-se considerar que ações isoladas, mesmo que exemplares, são insuficientes e que uma reforma radical da universidade requer avanços coletivos nas lutas anticapitalistas, com as quais deve-se dialogar e interagir para que a universidade possa levar adiante sua responsabilidade crítica diante da sociedade. (MANCEBO, 2010, p. 87).

Mancebo acrescenta que a oposição e a resistência individual e coletiva são difíceis e

dolorosas. Mas a autora acredita que o sindicalismo deve ser a principal resistência coletiva.

Segundo Demo (2000), o processo de emancipação ocorre por meio da organização coletiva

“organizada”. É mister que sejam discutidas novas maneiras de pontuar essa questão. A partir

do sindicato é que pode haver uma solução para encarar essa situação, para tanto é necessário

que o sindicato trabalhe com pautas unificadas.

4.2 ORGANIZAÇÃO COLETIVA E POLITICIDADE DOCENTE

Ao falar em luta, ações e avanços coletivos, Antunes (1994) assinala que os sindicatos

nasceram dos esforços da classe operária que lutavam contra o despotismo e a dominação do

capital. À época, a função primordial dos representantes de classe era evitar que os níveis

salariais assentassem abaixo do mínimo necessário para sobrevivência do trabalhador e

impedir que o capitalista tratasse os interesses individuais do operário.

É preciso resgatar como se deu a origem dos sindicatos e trazer para a

contemporaneidade o sentido de luta e conquistas que foram se perdendo no desenvolvimento

da sociedade neoliberal, focada no individualismo, na liberalização e na flexibilização. “O

thatcherismo reduziu fortemente a ação sindical, ao mesmo tempo em que criou as condições

para a introdução das técnicas produtivas, fundadas na individualização das relações entre

capital e trabalho e no boicote sistemático à atuação dos sindicatos”. (ANTUNES, 2005, p.

68). Portanto, partiu-se de um sistema de precária regulamentação que possibilitava a ampla

atividade sindical, para uma sistemática de extensa regulamentação, restritiva para os

sindicatos e desregulamentadora no que tange às condições do mercado de trabalho.

Em “Adeus ao trabalho”, Antunes (2006) ressalta que o quadro complexificado de

múltiplas tendências e direções afetou agudamente o movimento sindical, atingindo

especialmente na década de 1980, os países de capitalismo avançado; e posteriormente, dada a

dimensão globalizada e mundializada dessas transformações, na virada da década de 90 do

65

século passado, atingiu também os países de Terceiro Mundo, particularmente aqueles

dotados de uma industrialização significativa, como o Brasil e o México, entre tantos outros.

Para o autor, a crise sindical se depara com um contexto mediado pelas seguintes

tendências: 1) crescente individualização das relações de trabalho, deslocando o eixo das

relações entre capital e trabalho em âmbito nacional para a esfera micro, para o lócus de

trabalho, isto é, para a empresa. O sindicalismo de empresa nasceu na “Toyota” e se expandiu

mundialmente; 2) uma fortíssima corrente no sentido de desregulamentar e flexibilizar ao

limite o mercado de trabalho, que atingiu duramente as conquistas históricas do movimento

sindical; 3) o esgotamento dos modelos sindicais vigentes, que os obriga em escala global, a

lutar novamente, sob formas mais ousadas e em alguns casos mais radicalizadas, pela

preservação dos direitos sociais conquistados e pela redução da jornada de trabalho.

A ação do sindicalismo docente precisa ser analisada sob a ótica da sociedade na qual

está inserida, das mudanças correntes e das mudanças que são necessárias operar nela. O

sindicato precisa ocupar um lugar de agente de transformação e de mudança na sociedade. “O

docente é um agente de transformação. O mesmo conceito aplica-se ao sindicato.” (DAL

ROSSO, 2009, p. 12). O sindicato é um instituto voltado para a transformação da sociedade

no sentido de superar os grandes problemas sociais e culturais recebidos das gerações

anteriores e perpetuados contemporaneamente. Dessa feita, o sindicato tem um papel de

contestação e desafio à ordem estabelecida. O sindicato precisa ir além da ordem, questionar a

validade e apresentar parâmetros para mudanças.

É nesse sentido de contestação e desafio à ordem estabelecida, que a greve dos docentes

das universidades e das instituições federais de ensino (IFE) durou 4 meses. A paralisação

teve início em maio do corrente ano e atingiu 57 universidades federais e 74 institutos

federais. “O movimento grevista representa a maior paralisação no Setor da Educação Federal

nos últimos dez anos, demonstrando o descontentamento em relação às condições de trabalho,

ensino, permanência e denunciando a precariedade nas IFEs”. (ANDES-SN, 2012c). O

movimento mostrou que os docentes das instituições públicas, apesar de não terem que lidar

diretamente com as sobreimplicações da formação dos oligopólios na educação superior

privada, também sofrem com o atual modelo de política e governança educacional brasileiro.

Apesar dos esforços, os sindicatos estão cada vez mais desacreditados pelos docentes e

perdendo o foco, isso faz parte dos ideais neoliberais que visavam desde o princípio a

desvalorização dos sindicatos e a fragmentação das organizações.

66

Por seu turno, a questão docente, em que pesem os esforços das entidades, associações e sindicatos tornou-se precípua se almeja modificar e estender políticas sociais. As relações entre o Estado brasileiro e os docentes são tensas, pois são relações capitalistas inseridas no campo do trabalho e dos direitos e deveres, e ambíguas, pois nos governos não há consenso sobre piso salarial, carreira e

aperfeiçoamento profissional. (SILVA, 2011, p. 341-342).

Faro (2012) afirma que o Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP) fez uma

análise de todas as alterações nos PCs das IESPs, relacionadas aos instrumentos de

valorização dos professores. Constatou-se um triplo objetivo: 1) desestruturar os PCs

existentes anteriormente; 2) ampliar e promover obstáculos que os docentes precisam vencer

para alcançar níveis elevados em sua vida acadêmica; 3) introduzir novas e reduzidas

referências salariais para cada um dos estágios reformulados nos PCs. Essa prática retrata a

violência contra a ideia de valorização da atividade docente já que sua “operacionalização tem

como reflexo ‘zerar’ as recompensas simbólicas e materiais instituídas num determinado

momento da carreira, substituindo-as por um novo ordenamento cujo efeito desestabiliza a

atividade.” (FARO, 2012, p. 17).

O PC dos docentes do ensino superior constitui, atualmente, uma exigência legal para

todas as IES do país. A LDB/1996 exigia o PC apenas para as universidades. A partir da Lei

nº 10.861/2004, que instituiu o SINAES, bem como do Decreto 5.773/2006, que dispõe sobre

a regulação, supervisão e avaliação das IES, todas as instituições devem criar seus PCs.

Todavia, as leis não estabeleceram os critérios de constituição desses planos.

A carreira docente, portanto, deixa de ser vista e respeitada pela instituição particular de ensino pela sua afirmação, já que a vida universitária requer de seus quadros uma atividade que se desenvolve na perspectiva do tempo, de forma ininterrupta e progressiva, de acordo com critérios objetivos e mensuráveis de antiguidade e de titulação/mérito/produção, conjunto de compromissos que agregam valor às atividades desenvolvidas pela instituição e em troca das quais o docente

recebe reconhecimento simbólico e material. (FARO, 2012, p. 17).

Quando os PCs são formulados a partir das três variáveis – titulação, mérito, produção

– inspiradas na racionalidade financeira, as redes de ensino pensam os PCs a partir da

“negação” de sua necessidade para a vida acadêmica. Da forma como são conduzidos, os PCs

representam, para a categoria, um estado permanente de suspensão. Uma vez que as

mudanças fazem com que a ascensão profissional assemelhe-se a uma corrida de obstáculos.

Faro (2012) defende a tese de que as mudanças arbitrárias requeridas nos PCs pelas empresas

de ensino precisam ser questionadas quanto a sua constitucionalidade diretamente no

Supremo Tribunal Federal. Visto que não há informação de que algumas delas tenham o

67

objetivo de consolidar ou resgatar o significado da carreira acadêmica. Nesse quesito, superar

o esvaziamento da docência universitária trará o melhor dos resultados: realocação das coisas

no devido lugar, restaurando o seu verdadeiro significado.

Do ponto de vista da análise institucional, a sobreimplicação no trabalho docente “não

só produz sobretrabalho, estresse rentável, doença ou morte e mais-valia, como também cash-

flow – benefício absolutamente nítido consagrado ao reinvestimento e, portanto, ao

crescimento indefinido da empresa-instituição”. (LOURAU, 2004a, p. 195).

O “quadro político-econômico neoliberal da mundialização do capital e da

reestruturação dos paradigmas da produção e da gestão do trabalho” (TIRADENTES, 2009a,

p. 117) fortificou o processo de mercantilização da educação superior empreendido nas

últimas décadas, concorrendo para a desqualificação docente e para a perda de sentido de seu

trabalho, assim como para a descaracterização do processo pedagógico e das relações

educacionais.

A valorização das ações, paradoxalmente, ocorre pela descaracterização da atividade-fim da empresa que, neste caso, para baixar custos, rompe com qualquer

caráter acadêmico e social de qualidade. O capital fictício alimenta-se de cadeias especulativas que pouco guardam relação com atributos da mercadoria, mas com sua representação no mercado. Se a representação (ou capital de marca) pode derivar de uma potente estratégia de marketing, a extração de mais-valia desloca-se das atividades-fim, o ensino, a pesquisa e a extensão, definidos por lei, para o relacionamento com o mercado. E os custos com a força de trabalho, ampliados pela

inserção dos trabalhadores produtores de valor de marca, devem ser enxugados das atividades docentes. (TIRADENTES, 2009a, p. 105).

Estudar o trabalho docente “como um processo de trabalho é concebê-lo como uma

atividade orientada para a transformação de jovens e adultos em pessoas com boa formação

humana, acadêmica, profissional, técnica, etc. E quanto mais adequado o trabalho a esse fim,

tanto melhor é a educação”. (SILVA, 2009, p. 81). Na Constituição Federal, a valorização do

magistério é condição necessária para garantir o padrão de qualidade da educação pública

brasileira. O que se tem observado, contudo, é uma crescente precarização das condições de

trabalho em todos os segmentos educacionais.

Diante das transformações no mundo do trabalho, que atingem diretamente o cenário

acadêmico, Cowen (2002) afirma que é possível falar em “erosão” da liberdade acadêmica.

Para o autor, esse processo está se desenvolvendo em quatro maneiras:

a) Grande parte dos sistemas universitários tem orientação para o mercado, com foco na

quantidade de resultados e não na qualidade de resultados, simbolizando as regras da

68

competição. O discurso de excelência acadêmica transformou-se em um discurso sobre

competição, clientes, rendas, despesas e participação no mercado.

b) Para alcançar sucesso no mercado, as instituições são gestadas para maximizar a

produção, gerindo eficientemente os recursos humanos – funcionários, docentes,

discentes.

c) Quando as regras para competição são internas, ou seja, em âmbito nacional, os dois

processos acima se situam em graus extremos. “O discurso sobre originalidade

disciplinar, amplo domínio do conhecimento e trabalho intelectual individual se

transforma num discurso sobre desempenho institucional comparado e hierarquizado em

escalas nacionais de classificação”. (COWEN, 2002, p. 46).

d) Em casos extremos, o governo amplia as técnicas de monitoramento desde a pesquisa

até o ato pedagógico, passando a fazer uso de um discurso gerencialista visando

padronizar todas as rotinas de ensino.

Cowen ressalta que, em alguns lugares, esses quatro processos ocorrem

sequencialmente. Por fazer parte da economia competitiva, a universidade orienta-se para o

mercado, sendo compreendida como uma “corporação”. Portanto, seu gerenciamento se faz

necessário. A mudança no discurso interno das instituições sinaliza a mudança de poder,

constituindo-se no discurso do mercado: competição, controle da qualidade, valor adicionado,

excelência. No caso inglês, o autor afirma que a retirada da liberdade acadêmica nas

universidades não aconteceu de forma assustadora. A eliminação legal da estabilidade do

docente, ministrada por Thatcher, fez uma alusão à liberdade dos gestores para administrarem

o pessoal universitário de acordo com seus perfis e salários. Institucionalmente, o controle das

definições de excelência no ensino e na pesquisa passaram a vir de fora para dentro, sendo

burocratizado segundo as regras nacionais.

Conforme Mancebo (2007, p. 79), “engajamento político num projeto de mudança, que

pudesse dar contornos à universidade e delinear práticas docentes prazerosas e não reguladas

pelo produtivismo, não se tem constituído efetivamente, numa alternativa abordada com

maior sistematicidade pelos docentes.” É imperativo que os docentes façam uma reanálise de

todo o quebra-cabeça e que compreendam a realidade na qual estão inseridos e passem a

questionar, a buscar alternativas contra-hegemônicas. “A razão maior do conhecimento é

fazer autonomia, para que o ser humano, de massa de manobra, torne-se criador de

alternativas próprias.” (DEMO, 2002, p. 10).

A autonomia não é uma situação dada, muito menos completa, é um processo

inacabado. Embora não exista autonomia absoluta, a autonomia humana relativa pode ser

extremamente ampliada. Vai depender da iniciativa de cada pessoa e, em um contexto maior,

69

da respectiva sociedade ou classe. Uma das manifestações mais relevantes é a instituição das

democracias, onde são organizados movimentos e reivindicações em prol da maioria (DEMO,

2000; 2002). A participação mais competente é a coletiva, pois estas potencializam as

condições de confronto. A sociedade que sabe pensar e intervir, além de se organizar

adequadamente, pode mudar suas condições históricas (FREIRE, 2000).

É necessário que os docentes sejam políticos. A politicidade permite conquistar espaços

próprios. “Ser político é aquele que sabe planejar e planejar-se, fazer e fazer-se oportunidade,

constituir-se sujeito e reconstruir-se de modo permanente [...] conceber fins e ajustar meios

para os atingir, gestar-se cidadão capaz de história própria, aprender de modo reconstrutivo-

político.” (DEMO, 2002, p. 11). Politicidade é sinônimo de conquista e participação, portanto

os docentes precisam urgentemente se organizar coletivamente. Mesmo em um sistema tão

perverso, como o capitalista, é possível emplacar ganhos populares notáveis. Vai depender do

grau de participação e resistência. “O processo de conscientização não implica apenas tomar

consciência crítica e autocrítica, mas igualmente saber partir para a luta.” (DEMO, 2002, p.

33).

Ao não reconhecerem que estão sendo oprimidos pelas relações capitalistas, os docentes

estão perdendo a oportunidade de resgatar o respeito profissional e de melhorar sua qualidade

de vida e suas condições de trabalho. Sem organização coletiva, a sociedade civil se

enfraquece e pouco consegue interferir no processo assimétrico de decisões de poder.

(GUIMARÃES-IOSIF, 2009). O professor protagonista (e não espectador) deve requerer

direitos, não apenas benefícios. A despolitização da sociedade deveria nos preocupar, porque,

ao contrário do que o mercado sugere (formação de sujeitos apolíticos), a despolitização é o

signo seguro de uma politização em marcha impiedosa (FREIRE, 2000).

No Brasil, o campo do trabalho vive a exasperação das privatizações, das terceirizações,

do desemprego estrutural, do aumento da informalidade e da fragilização do poder sindical.

Tudo isso na conjuntura da globalização e de suas reformas neoliberais, disseminando

políticas que diluem as fronteiras público/privadas. No plano da superestrutura, determinada

pelo quadro de mercantilização da educação superior, o sentido de classe vem sendo

substituído pelo sentido de indivíduo ou fração, gerando uma consciência ingênua e

despolitizada dos novos docentes (TIRANDENTES, 2009b). Na era da acumulação flexível, a

luta de classes pouco consegue se manifestar, diante da expansão das relações capitalistas e

das mudanças advindas desse processo. No capítulo V, fazemos uma análise da relação das

companhias educacionais com a sociedade capitalista, processo este que se desenvolve por

meio de mudanças significativas no setor, tais como a formação de oligopólios e a gestão

racionalizadora, que incidem diretamente no trabalho docente.

70

CAPÍTULO V – FORMAÇÃO E PODER DOS OLIGOPÓLIOS: IMPACTOS NO

TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO

Este capítulo mostra a investigação realizada sobre os processos de mercantilização da

educação, oriundos das negociações (fusões e aquisições instituições) entre os grandes grupos

educacionais, embaladas por capital estrangeiro. A abertura de capital na bolsa de valores

trouxe uma nova configuração para o setor, e a consequência é a formação de oligopólios,

destarte são discutidos os impactos no setor educacional, na qualidade do ensino e no trabalho

docente.

5.1 FUSÕES E AQUISIÇÕES INSTITUCIONAIS

A abertura do capital e a transposição de fronteiras, nas duas últimas décadas, foram um

ponto forte para a economia brasileira, que conquistou a hiperinflação dos anos 80, século

passado. Segundo Ituassu (2011), o avanço do país é reconhecido interna e externamente; em

contrapartida, a desigualdade de oportunidades é um problema muito antigo. O Brasil está

entre as 10 nações com pior distribuição de renda. Esse aspecto é particularmente histórico e

proeminente do sistema educacional. Na verdade, o avanço do País tem sido marcado por uma

revolução capitalista, uma transformação orientada para o mercado em uma sociedade

industrial, marcada pela burocracia centralizada e motivada pelo materialismo e consumismo.

A rápida e crescente expansão da educação superior no Brasil nos últimos anos

despertou a atenção do mercado nacional e internacional, devido ao extraordinário potencial

gerador de lucros do setor. Baseado em dados de 2009, o documento, Global Education

Digest (UNESCO, 2011), aponta que o Brasil é o maior mercado de ensino superior da

América Latina e o 5º maior do mundo. Nessa direção, os dados do Censo da Educação

Superior 2010 (BRASIL, 2012c) assinalam um futuro promissor aos investidores:

a) O número de matrículas no ensino superior aumentou em 7,1% de 2009 a 2010; e

aumentou 110,1% entre os anos de 2001 a 2010, as matrículas passaram de 3 para 6,3

milhões, no entanto, ainda não conseguiu equacionar o atendimento quantitativo à

demanda correspondente ao ensino médio.

b) Apenas 1,6 milhão (25,4%) de estudantes estão matriculados na rede pública e 4,7

milhões (74,6%) estão na privada, a tendência é que o número de alunos matriculados

em instituições privadas aumente.

71

c) Em 2010, contabilizou-se com 2.378 IES, sendo 278 públicas (11,7%) e 2.100 privadas

(88,3%). O Resumo Técnico da educação superior 2002 (BRASIL, 2002) mostra que

em 2001, havia 1.391 IES, 183 públicas (13,2%) e 1.208 privadas (86,8%). Em uma

década, o aumento das instituições públicas foi de 51,9%, enquanto o aumento das

instituições privadas foi de 173%.

d) Somente 14,4% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados no ensino superior.

Todavia, cabe lembrar que apesar do avanço considerável no número de matrículas na

última década, a porcentagem de alunos na educação superior ainda está abaixo do

mínimo estabelecido no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001-2010 (BRASIL,

2001), que era alcançar pelo menos 30% da população na faixa etária supracitada. O

novo PNE (2011-2020) pretende não apenas alcançar este índice, mas superá-lo.

Os dados revelam que as políticas voltadas para o ensino superior, público e privado,

nos últimos anos, embora com lobby democrático, visam à privatização da educação e à

transformação dos alunos em clientes, além de promover amplo espaço para a ascensão no

mercado de capitais, devido à demanda crescente por trabalhadores qualificados.

A submissão da educação à lógica mercadológica é fruto do modelo de governança

neoliberal instalado no país a partir da década de 1990. Essa nova forma de gestão pública

permite a presença marcante do mercado no processo de elaboração e implementação das

políticas públicas (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). Mais do que a transformação da

educação em mercadoria, o que se observa é um processo intenso de concentração de poder

nas mãos de um pequeno grupo de empreendedores da educação. Oliveira (2009, p. 754)

destaca que é admissível falar em processo de oligopolização, “o número de fornecedores

tende a se concentrar ainda mais nos próximos anos e uma fatia significativa do mercado

tende a ficar com os maiores grupos”. Poucas instituições serão capazes de manter as

condições atuais de sustentação exclusivamente por mensalidades, sendo assim, apenas um

grupo restrito conseguirá ocupar nichos específicos no mercado sem ser acossado pelas

instituições mais fortes.

Assentida nesse contexto está a crescente expansão do mercado educacional. Segundo

Silva (2009, p. 77) “como nos demais setores, também nesse se instalaram oligopólios.

Grupos empresariais disputam preço no mercado, oferecendo ‘serviços educacionais’ de

qualidade duvidosa, fruto de um mercado de trabalho fragmentado, ‘flexibilizado’ pelas novas

relações de trabalho”, que resultam em uma crescente precarização do trabalho docente.

72

Chaves (2010) argumenta que o processo de mercantilização do ensino superior

brasileiro adquiriu nova configuração com a formação dos oligopólios, a partir da compra e

venda de instituições e da abertura do capital na bolsa de valores. A expansão desordenada do

ensino superior privado vincula-se ao processo de desnacionalização da educação, que tem

sido marcado pela inserção do capital internacional.

No início desta década [2000], ao se identificar que o setor de educação superior

permaneceria em rápida expansão, a atenção dos fundos de investimento direcionou-se para essa área, ocasião em que foram constituídos os primeiros fundos de investimento exclusivamente direcionados à educação. Esses fundos têm condições de injetar altas quantias em empresas educacionais, ao mesmo tempo em que empreendem ou induzem processos de reestruturação das instituições nas quais investem, por meio da redução de custos, da racionalização administrativa, em suma,

da ‘profissionalização’ da gestão das instituições de ensino, numa perspectiva claramente empresarial. Essa perspectiva racionalizadora é fundamentalmente orientada para a maximização de lucros, chegando ao paroxismo em algumas situações. (OLIVEIRA, 2009, p. 743).

A profissionalização da gestão das instituições de ensino está diretamente relacionada

ao modelo de governança corporativa que visa à reengenharia dos processos administrativos e

de ensino e aprendizagem. Netto (2011) pontua que, na dinâmica atual de reestruturação das

entidades mantenedoras do setor educacional superior, ocorreram duas formas de

incorporação de recursos financeiros: 1) a venda parcial ou integral da entidade para

instituições estrangeiras, que investiram pesadamente para adquirir o controle da instituição

ou parte dela; 2) a oferta de ação na bolsa de valores, incorporando recursos para o

aprimoramento e a ampliação de suas atividades no mercado educacional. O autor acrescenta

que, no primeiro caso, os investidores entraram no ramo educacional com a posse da

instituição de ensino; e no segundo, com a aquisição de ações na BM&FBovespa, por não

possuírem o controle da instituição e visarem ao retorno para seus investimentos. Para o autor,

que é um dos maiores empresários do setor, em ambos os casos, os recursos oriundos dessas

transações trouxeram diversos projetos de melhoria da qualidade nas instituições, como

gestão profissionalizada, reestruturação física, PCs regulamentados, governança corporativa.

Chaves (2010, p. 491) ressalta que “além das fusões, que têm formado gigantes da

educação, as ‘empresas de ensino’ agora abrem o capital na bolsa de valores, com promessa

de expansão ainda mais intensa e incontrolável." O primeiro grupo de educação a inaugurar o

processo de abertura de capital na bolsa de valores foi a Anhanguera Educacional em 2007. O

grupo deu início à primeira Oferta de Ações Primárias (Initial Public Offering – IPO) do

setor. Para uma instituição realizar a IPO, é necessário renunciar a condição de entidade

73

filantrópica, pois passará a assumir a condição de uma empresa de negócios. O Quadro 3

apresenta as companhias educacionais que abriram capital na BM&FBovespa e as atividades

desenvolvidas no mercado educacional.

Quadro 2 – Abertura de capital na BM&FBovespa / Mercado educacional.

Ano Companhia Mercado educacional

2007 Anhanguera Educacional

Educação básica, ensino técnico e profissionalizante e educação superior

(graduação, pós-graduação e educação continuada), por meio presencial e a distância.

2007 Estácio Partipações Educação superior nas modalidades presencial e a distância.

2007 Sistema Educacional Brasileiro (SEB)

Educação básica presencial, ensino superior presencial e a distância.

2007 Kroton Educacional Educação básica, ensino superior e serviços de educação, tecnologia de ensino e material didático. Além de atuar no mercado nacional, tem 5 escolas associadas no Japão e 1 no Canadá.

2011 Abril Educação Educação básica e pré-universitária, escolas técnicas profissionalizantes e prestação de serviços educacionais.

Fonte: autora, com base nos dados da BM&FBovespa (2012).

A inserção dessas empresas no mercado de capitais atraiu um considerável aporte de

recursos, o que lhes propiciou condição absolutamente privilegiada e supremacia no setor,

constituindo verdadeiros conglomerados. Os três maiores grupos educacionais – Anhanguera,

Kroton e Estácio – detêm 24,2% do mercado de ensino superior privado no Brasil.

Ao assumir o Ministério da Educação em janeiro de 2012, Aloísio Mercadante, destacou

que é imperativa a adoção de mecanismos para controlar a qualidade da educação nas

instituições privadas, responsáveis pela maioria das matrículas dos universitários no País. Para

o ministro, a atual fase de abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa de valores e a

dinâmica crescente de fusão e concentração do ensino particular nas mãos de grandes grupos

financeiros requer controle sistemático da avaliação, regulação e supervisão. O Estado tem

que assumir a gestão estratégica de seus recursos humanos (FERREIRA, 2012). “As IES

privadas, focadas no lucro, quando atuam no ambiente de mercado educacional, em que os

processos de verificação de qualidade são frágeis, tendem a colaborar com a deteriorização

dos padrões de qualidade (...).” (REIS, 2011, p. 257). Diante da dimensão e diversificação do

sistema de educação superior no Brasil, o MEC encontra dificuldades para implantar

processos de avaliação e acreditação substanciais que consigam efetivar todo o processo em

um sistema com 2.378 instituições, sendo 278 públicas e 2100 privadas, e mais de 29 mil

cursos de graduação presencial e a distância (BRASIL, 2012c).

Em 2005, ocorreu a primeira venda de uma IES brasileira para um grupo estrangeiro. A

Anhembi Morumbi em São Paulo foi vendida para o grupo americano Laureate. Desde então,

as negociações não pararam. “Entre os cinco maiores grupos educacionais do País, só a Unip

74

não tem um grupo financeiro por trás de sua administração. A Anhanguera é comandada pelo

Pátria Investimentos; a Estácio, pela GP Investimentos; a Kroton, pela Advent International e

a Laureate tem participação do fundo americano KKR”. (OSCAR, 2012b).

A onda de consolidação dos últimos anos e o perfil semelhante dos grupos deram

origem às grandes lideranças que fazem parte e interferem diretamente na nova dinâmica de

governança da educação superior no País. A CM Consultoria26 (2012a, p. 2) aponta que o

“setor tem se pautado cada vez mais pela inteligência de mercado, ofertando cursos que

realmente apresentem demanda para a região, com mensalidades apropriadas, além do

posicionamento definido de cursos e programas”.

A empresa apresentou uma tabela ilustrativa das fusões e aquisições no ensino superior

privado, com base em informações divulgadas na imprensa e em sites de relacionamento dos

investidores. Nos períodos compreendidos entre 2007 e 2011, ocorreram 91 transações,

representando uma movimentação financeira superior a R$ 5 bilhões (ver ANEXO “A”).

Características comuns entre as empresas de ensino: a) gestão financeira profissional; b)

modelo acadêmico padronizado; c) grande volume de capital; d) gestão de marcas; e) tempo

mínimo de maturação dos investimentos; f) diferenciais mínimos de competitividade de

mercado.

Essas particularidades apresentam-se dentro de uma rede ideológica tecida para a

reprodução do capitalismo flexível e atuam em consonância com a economia de larga escala,

afetando a universidade, os professores e os alunos. Chaves (2010) esclarece que esse modelo

organizacional baseia-se na ideologia do valor econômico e do marketing e nos princípios

neoliberais como flexibilidade, racionalidade, competitividade e produtividade. A atuação em

larga escala permite que essas “redes” adquiram materiais e equipamentos em grande

quantidade, reduzindo os custos operacionais e ampliando as margens de lucro. Tendo essas

características como pilares, os grupos de educação se preparam para atuar em um mercado

altamente competitivo focado na eficiência e no resultado.

O processo de compra e venda de instituições por grandes grupos educacionais, por

fundos private equity e por capital internacional descreve os caminhos para a oligopolização

do mercado educacional no Brasil. O Quadro 3 apresenta os fundos de investimento privado,

private equity, e os grupos de investidores internacionais que adquiriram IES no Brasil entre

2007 e 2012.

26

Empresa de consultoria para instituições de ensino superior (http://www.cmconsultoria.com.br/).

75

Quadro 3 – Aquisições por fundos private equity e grupos internacionais.

Ano Fundos private equity (FPE) / Grupo

Internacional (GI)

Adquirida Aquisição

2007 Pátria Investimentos (FPE) Anhanguera Educacional (Anhanguera) -

2008 GP Investimentos (FPE) Estácio Participações (Estácio) 20%

2009 DeVry University (GI) Faculdade Nordeste (FANOR) 69%

2009 Cartesian Capital (FPE) Faculdade Maurício de Nassau (FMN) 100%

2009 Advent International (FPE) Kroton Educacional (KROTON) 50%

2010 Laureate International Universities

(GI) Centro Universitário Hermínio da Silveira (UNI-IBMR)

90%

2010 Capital Internacional (FPE) IBMEC Educacional - Veris e IBMEC -

(IBMEC)

-

2010 Laureate International Universities (GI)

Universidade Salvador (UNIFACS) 100%

2010 Grupo Britânico Pearson (GI) Sistema Educacional Brasileiro (SEB) -

2010 Laureate International Universities (GI)

Uniritter (Uniritter) 100%

2011 BR Educacional (FPE) Abril Educação (ABRIL) 24,7%

2012 Actis (FPE) Grupo Cruzeiro do Sul 37%

Fonte: CM Consultoria (2012a, 2012b) com adaptações.

Os dados do Quadro 3 demonstram que as negociações de instituições educacionais por

fundos private equity e grupos internacionais vem crescendo, fato que coloca o mercado

educacional brasileiro em ascensão. A fragmentação do sistema de educação superior e a

possibilidade de altas taxas de retorno financeiro atrai a atenção dos investidores estrangeiros.

Segundo informações de Ernani Torres, chefe da Secretaria de Assuntos Econômicos do

Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2007, 3.875 prepostos do

capital internacional assumiram 80% do SEB; aproximadamente 12 mil estrangeiros

adquiriram 70% do controle da Kroton; e mais de 14 mil investidores internacionais

adquiriram 76% da Anhanguera (FIGUEIRA, 2008).

Em 2008, a educação já era a terceira área da economia em que mais ocorriam fusões e

aquisições no País (AGÊNCIA ESTADO, 2008). De acordo com Oscar (2012a), em 2011,

ocorreu a maior transação da história, a Kroton Educacional, empresa controlada pelo Advent

(fundos private equity), comprou a Universidade do Norte do Paraná (Unopar), líder do

segmento de ensino superior a distância, por R$ 1,3 bilhão. Até a venda da Unopar para a

Kroton, o maior negócio da história do setor no Brasil havia sido a aquisição da Universidade

Bandeirantes de São Paulo (Uniban) pela Anhanguera Educacional por um valor de R$ 510

milhões. Com a aquisição, a Anhanguera tornou-se o 2º maior grupo de ensino superior do

mundo, após atingir o quadro de mais de 400 mil alunos no País, ficando atrás apenas do

Apollo Group, de Phoenix, Arizona (Estados Unidos).

Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria (SILVA, 2012), enfatiza que o processo

de consolidação do ensino superior no Brasil desenvolve-se em quatro estágios. Inicialmente

76

caracterizou-se pela ausência de barreiras, o que facilitou o aparecimento de novos players até

meados de 2005. Assim o setor passou por uma grande expansão e ingressou no segundo e

atual estágio em que as instituições maiores estão adquirindo as de porte menor. No terceiro e

próximo estágio, o ensino superior estará consolidado com poucos atores na liderança de

mercado. Após essa fase, irá para o quarto estágio, onde acontecerão as megafusões entre os

grandes grupos. Chegará a um ponto em que os líderes só terão interesse por outros grandes.

5.2 PANORAMA DAS COMPANHIAS EDUCACIONAIS

A Anhanguera Educacional, maior empresa privada com fins lucrativos no setor

educacional do Brasil, possui mais de 570 instituições de ensino e está presente em todos os

estados brasileiros, inclusive no Distrito Federal (ANHANGUERA, 2012c). A companhia,

que iniciou suas atividades em 1994, conta com mais de 90 modalidades de cursos de

graduação, além dos cursos de pós-graduação e extensão. A maioria de seus alunos é das

classes C e D. O foco da empresa, em 2012, foi dar continuidade ao seu modelo de negócios,

buscando a solidez.

A “empresa” afirma (ANHANGUERA, 2012a) que devido às mensalidades acessíveis,

localização, formato de cursos adequados à demanda do mercado e a qualidade comprovada

tanto pelos alunos quanto pelo regulador permitiram uma captação recorde de alunos no 1º

trimestre de 2012 (1T12). Mais de 146 mil novos alunos, crescimento de 46% em relação ao

mesmo período do ano passado. Hoje, a empresa supera a marca de 432 mil matrículas. Os

dados da companhia atestam que o lucro líquido no 1T12 foi de R$ 62 milhões, 33,5% maior

que o mesmo período do ano passado.

Com atuação há mais de 45 anos, a Kroton Educacional está presente em todos os

estados do Brasil e possui um modelo de negócio diferenciado, atua do maternal ao

doutorado. A companhia conta com 46 unidades de ensino presencial e 399 polos ativos de

ensino a distância. Na educação básica, a Kroton atende atualmente 289 mil alunos divididos

entre os setores público e privado, com atuação em três cidades. No 1T12, o lucro líquido da

empresa foi de R$ 99 milhões, 202,4% superior ao mesmo período do ano passado; a captação

de alunos no ensino superior foi recorde, notabilizou cerca de 115 mil novas matrículas

(KROTON EDUCACIONAL, 2012a). A companhia atribui ao desenvolvimento exponencial,

o crescimento das receitas e margens; a forte geração de caixa; a forte captação e retenção de

alunos; os processos de integração robustos; e a eficiência de gestão e reconhecimento de

mercado.

77

No dia 24 de abril de 2012, a companhia ganhou o prêmio “Negócio do Ano de 2012” –

iG/Insper. A Premiação destacou as fusões e aquisições mais importantes para as empresas, os

setores e a economia do País. A Kroton ficou com o 2º lugar na categoria “Negócio mais

ousado do ano”, com a compra da Unopar, por R$ 1,3 bilhão em dezembro de 2011. Após a

aquisição do grupo catarinense Uniasselvi em maio deste ano, a Kroton passou de 321 para

412 mil alunos matriculados no ensino superior.

A Estácio Participações, fundada em 1970, atua em 16 Estados e no Distrito Federal. A

maior clientela do grupo se encontra nas classes C e D. O crescimento no mercado é atribuído

à qualidade dos cursos, à localização das unidades, aos preços competitivos e à sólida situação

financeira. A eficiência operacional da companhia está relacionada aos processos basilares do

negócio: formação adequada de turmas, aumento da ocupação média das salas de aula e o

controle do custo docente. A cultura organizacional direciona-se aos resultados e à

meritocracia. No 2º trimestre de 2012 (2T12), o lucro líquido foi de R$ 15,1 milhões

(ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2012), aumento de 91,1% em relação ao 2T11. Ao todo são

mais de 260 mil alunos matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação.

O SEB tornou-se um dos maiores sistemas de ensino do Brasil ao atuar nos setores

públicos e privados, firmando parcerias com centenas de escolas na década de 1980. Em

2010, o Grupo Britânico Pearson comprou quatro sistemas de ensino da companhia27 – COC,

Dom Bosco, Pueri Domus e Name. Dados de 2010 (SEB, 2010) revelam que o SEB tinha

mais de 68 mil alunos próprios, dos quais 8 mil eram do ensino superior; e 470 mil alunos

parceiros, dos quais 200 mil eram da rede pública e 270 mil da privada. A meta da empresa é

expandir sua atuação de forma rentável em todos os segmentos em que atua, por meio das

seguintes estratégias: expansão da educação básica, do ensino superior e do ensino a

distância; fortalecimento e expansão dos polos regionais como suporte comercial para

estratégia de crescimento; e aperfeiçoamento do modelo de negócio e aumento dos ganhos de

escala.

A companhia é pioneira na atuação em parcerias com o setor público, via fornecimento

de material didático e metodologia de ensino básico no Estado de São Paulo. A partir de 2007,

o SEB expandiu a oferta de serviço educacional em todo o Brasil. O grupo ressalta que a

parceria com o setor público apresenta oportunidade de crescimento, com um mercado

potencial de 24,3 milhões de alunos no Brasil, segundo o INEP/MEC. No 1º trimestre de 2010

(SEB, 2010), a empresa registrou um lucro líquido de R$ 25,9 milhões.

27 O SEB deixou de negociar suas ações na bolsa de valores após a venda de parte da empresa ao Grupo

Internacional Pearson em 2010 (CM CONSULTORIA, 2012b).

78

Apesar do grupo Abril Educação não atuar no segmento da educação superior, vale

ressaltar que a empresa abriu capital na BM&FBovespa em julho de 2011 e apresentou um

avanço expressivo no mercado. A meta é diversificar para crescer e atrair os investidores. A

Abril destaca-se como a 3ª maior companhia de métodos de ensino apostilados no Brasil, que

vão da educação infantil aos pré-vestibulares. Além de ampla atuação no mercado privado, a

empresa atende cerca de 30 prefeituras, ou seja, atende também ao setor público. De acordo

com os resultados do 1º semestre de 2012 (ABRIL EDUCAÇÃO, 2012), a companhia obteve

um lucro líquido de R$ 33,4 milhões, 492% superior ao do mesmo período do ano passado.

O grupo encerrou o 1º semestre com 530 mil alunos matriculados em escolas adotantes

dos Sistemas de Ensino da companhia, um aumento de 43% em relação aos 370 mil alunos

em junho de 2011. No quesito “gestão corporativa”, o crescimento da companhia foi de R$

4,1 milhões no 2º trimestre do ano em curso. “Esses acréscimos estão associados ao aumento

da exigibilidade de controles e reportes pela abertura de capital e ao aumento da estrutura

necessária para gestão de um portfólio muito mais diversificado de negócios.” (ABRIL

EDUCAÇÃO, 2012, p.17). Ryon Braga afirma que está havendo uma consolidação dos

grandes grupos desse segmento, fato similar ao que ocorreu em 2007 com a compra e venda

de IES (ARROYO, 2012).

Os dados das companhias indicam que as instituições estão em condições financeiras

extremamente favoráveis e a captação de alunos tem sido crescente. O foco desses grupos é a

gestão profissionalizada e a obtenção de lucros, os alunos são vistos como clientes, portanto

as empresas investem massivamente em programas de marketing e comercialização. A

Anhanguera, a Estácio e o SEB já atuam em todo o território nacional. A Kroton, o SEB e a

Abril, além de prestar serviços privados, atuam o setor público na forma de parceria, por meio

de programas de gestão, materiais didáticos e avaliações educacionais. Conforme Dias

Sobrinho (2002, p. 14), esses grupos “já estão vendendo sua proposta pedagógica [...] a

diversas prefeituras, principalmente no interior, cujos prefeitos foram convencidos de que um

gasto suplementar de recursos públicos em benefício desses grupos privados produziria um

ensino de melhor qualidade.” Para o autor, a promiscuidade do público com o privado, na

educação, se apresenta de modo emblemático.

O campo de atuação e de serviços dessas companhias vem se ampliando

significativamente e apresenta sinais prospectivos. Não é em vão que mais quatro grupos

educacionais se preparam para abrir o capital em 2014 (CRUZEIRO DO SUL, 2012): Grupo

Multi, Cruzeiro do Sul Educacional, Grupo Ser Educacional e Grupo Ânima Educação.

79

Diante de tamanha lucratividade das companhias educacionais e do crescimento

vertiginoso, optamos por investigar as condições do trabalho docente em uma instituição do

grupo Anhanguera, pois este se destaca como o maior grupo de ensino superior da América

Latina e o segundo maior do mundo e por ser a companhia que tem maior quantidade de IES e

alunos no DF. Ao analisarmos os resultados do grupo, surgiram alguns questionamentos: a

gestão racionalizadora focada em resultados também prioriza a valorização dos docentes e a

qualidade do ensino? Como estão as condições de trabalho dos docentes que atuam em uma

das maiores empresas educacionais do mundo? Essas questões serão discutidas no tópico 5.4.

5.3 (DES)REGULAÇÃO DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO E FUSÃO INSTITUCIONAL

As empresas de consultoria, Hoper Educacional e CM Consultoria, estimam que as

compras e vendas no setor terão uma nova roupagem nos próximos anos. “O ingresso de

grupos financeiros no controle das universidades parece um caminho sem volta num setor que

movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano.” (SILVA, 2012, p. 31-32).

Figueira (2008) afirma que uma torrente de dólares e euros tem sido despejada na

educação superior brasileira. A finalidade não é ampliar conteúdos, especializar professores,

montar laboratórios. Na verdade, a invasão do capital do estrangeiro almeja aprofundar o

processo de transformação da educação em mercadoria para obter lucro máximo e levá-lo de

volta aos países de origem o quanto antes. O montante desses investidores cresce, ainda mais,

com o Prouni e o FIES, programas sociais que permitem lotar as salas de aulas das faculdades

particulares. Na corrida pela obtenção do lucro máximo, a Anhanguera Educacional

permanecerá voltada para o atendimento da massa universitária. Segundo o autor, a empresa

reconhece que grande parte dos alunos chega com falhas do ensino básico, portanto assegura

que há um projeto de nivelamento em todos os cursos. Na realidade, o ditado de que as

instituições privadas são chamadas de caça-níqueis comprova-se a cada dia. Desde que as

mensalidades estejam pagas, pouco importa a qualidade do ensino.

O maior problema do modelo de expansão da educação superior (SGUISSARDI, 2008,

p. 1012) “é a necessidade de conciliar a regulação, isto é, o reconhecimento de padrões, a

acreditação de títulos, pelo Estado, de instituições que fazem do lucro seu principal, embora

muitas vezes oculto, objetivo final.” Os investimentos internacionais no setor educacional

vêm crescendo de forma acelerada, visto que as negociações são amparadas pela legislação

em vigor, que não impõe limites à participação estrangeira nas mantenedoras ou grupos

80

educacionais e não exige que as instituições privadas valorizem seus docentes e invistam em

qualidade.

O primeiro Projeto de Lei, nº 2.183, que visa à regulação desse processo, foi proposto

em 2003. Ele proíbe a entrada de capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras .

No decorrer dessa década, foram criados mais quatro Projetos – 7.200/2006, 6.358/2009,

7.040/2010, 4.372/2012 – e o governo ainda não se posicionou. Sem nenhuma restrição por

parte do Estado, a tendência é que os investimentos internacionais continuem crescendo.

O Projeto de Lei nº 7.200/2006 da Reforma Universitária (BRASIL, 2006), que restringe

a participação de instituições estrangeiras em até 30% nas empresas nacionais de ensino,

ainda não tem a menor previsão de aprovação. Visando à questão da soberania nacional, o

Projeto de Lei nº 6.358/2009 limita o capital estrangeiro nas mantenedoras das instituições

educacionais a 49% (BRASIL, 2009). O Projeto de Lei nº 7.040/2010 dispõe que a

participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino brasileiras fica limitada a 10%

do capital total (BRASIL, 2010a). Enquanto os projetos permanecem engavetados, grupos

financeiros nacionais e estrangeiros estão dominando o setor, pois não há controle algum por

parte do Estado. “Em nenhum dispositivo legal existe qualquer limitação à atuação da livre

iniciativa de capital estrangeiro para manter e desenvolver a educação superior no País. Não

importa a origem do capital nem a nacionalidade dos mantenedores de instituições

educacionais privadas.” (NETTO, 2011, p. 195).

No dia 31 de agosto de 2012, foi apresentado na Câmara Federal mais um projeto que

visa à regulação do sistema de educação superior. O Projeto de Lei nº 4.372/2012 (BRASIL,

2012a) prevê a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior

(INSAES) que ficará responsável pela avaliação, supervisão e regulação do setor de educação

pública e privada, inclusive, pela regulação das “fusões e aquisições”. O art. 3º, inciso XII,

dispõe que compete ao INSAES aprovar previamente aquisições, fusões, cisões,

transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de IES.

Antes de ser aprovado, o projeto já causa polêmica.

O sindicato das faculdades privadas de São Paulo (SEMESP) avalia que o INSAES terá

demasiado poder e acarretará aumentos de custos para as IESPs, pois as faculdades pagarão

taxas para acreditação, fiscalização (o valor varia conforme o porte da instituição), dentre

outras. Ante a possibilidade de aprovação do Projeto, o SEMESP voltou a defender a criação

de uma agência regulatória para fiscalizar o setor, que seria independente do MEC. Para

Figueiredo, presidente do SEMESP, a agência regulatória ficaria responsável pelo setor

privado, e o MEC ficaria responsável pelas políticas públicas de educação (KOIKE, 2012b).

81

Como bons representantes da economia capitalista, a Associação Brasileira de

Mantenedoras da Educação Superior (ABMES), o Fórum da Livre Iniciativa na Educação

Superior e a Frente Parlamentar em Defesa das IESPs abominam o Estado em sua função

reguladora, mas não abrem mão de sua forte presença como ente financiador. “O mercado

educa, mas o Estado, leia-se o povo brasileiro, financia.” (TIRADENTES, 2009b, p. 17). A

educação, uma das principais estratégias para o desenvolvimento do país, não pode ficar nas

mãos de agências independentes, pois estas, sem a intervenção do Estado, atuarão em causa

própria.

O Quadro 4 apresenta uma síntese do teor dos Projetos de Lei referidos acima.

Quadro 4 – Projetos de Lei: 2.183/2003, 7.200/2006, 6.358/2009, 7.040/2010 e4.372/2012.

Projetos de Lei Ementa Teor

2.183/2003 Proíbe o capital estrangeiro nas Instituições Educacionais Brasileiras.

Não é admitido ingresso do capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras com fins lucrativos.

7.200/2006

Estabelece normas gerais da educação

superior, regula a educação superior no sistema federal de ensino e dá outras providências.

Pelo menos 70% do capital votante das entidades

mantenedoras de instituição de ensino superior, com fins lucrativos, deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados. Além de ser vedada a franquia na educação superior.

6.358/2009

Limita o capital estrangeiro nas Mantenedoras de Instituições

Privadas de Educação Básica e Superior, por questão de Soberania Nacional.

51% do capital votante das Mantenedoras de Instituições Privadas de Educação Básica e Superior

deverão pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados.

7.040/2010 Dispõe sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino superior.

A participação acionária do capital estrangeiro nas instituições de ensino superior brasileiras fica limitada a 10% do capital total.

4.372/2012

Cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação

Superior - INSAES, e dá outras providências.

O INSAES tem por finalidade supervisionar e avaliar instituições e cursos de educação superior; e

aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de instituições de integrantes do sistema federal de ensino.

Fonte: autora, com base nos dados de BRASIL (2003; 2006; 2009; 2010a; 2012a).

Esses projetos procuram reforçar a ideia da educação superior como um setor que deve

ser controlado pelo Estado, todavia, ainda não tiveram força política suficiente para tornarem-

se uma realidade, o que deixa a educação superior um campo vulnerável; e sinalizam que a

participação massiva de capital internacional possa causar a desnacionalização do ensino

superior. A alta competitividade entre as empresas envolve o Estado e sua força normativa na

implementação de condições favoráveis àquelas de mais poder.

Segundo Tiradentes (2009a, p. 8), as IESPs “contam com uma base de apoio: a Frente

Parlamentar em Defesa das IES Privadas, composta por 214 congressistas”, disposta a aprovar

82

as demandas requeridas pelos grupos e não os interesses sociais. Segundo a pesquisa do

Instituto Data Folha (KOIKE, 2012a), em 2012, os brasileiros gastarão R$ 62,8 bilhões em

educação. Atentos ao desenvolvimento econômico do País, às perspectivas cada vez mais

crescentes do setor e à ascensão das classes C e D, os investidores estrangeiros se valem da

falta de regulamentação do sistema para inserirem-se na educação superior privada e

ampliarem seus lucros.

O grande desafio do MEC é evitar que a educação se resuma a um negócio. Para

Guimarães-Iosif e Santos (2012), a falta de uma política pública que regule o mercado de

fusões das IESPs abre espaço para que a governança da educação superior no País seja

fortemente influenciada pelo mercado interno e externo, o que compromete a qualidade, a

autonomia e o compromisso social da universidade brasileira. Destarte, o Estado precisa se

posicionar e adotar uma política pública que limite e supervisione a expansão do mercado no

setor. A falta de uma política pública não significa neutralidade, mas carrega em si o

posicionamento de conivência do Estado com a expansão desregulada do mercado. Conforme

Costa (2012), o fechamento de faculdades, denúncias de fraude no exame do MEC em IESPs

e a demissão de professores são situações que colocam o governo diante do desafio de regular

o setor.

5.4 IMPACTOS NO TRABALHO DOCENTE E NA QUALIDADE DO ENSINO

Da forma como vem sendo conduzida a governança das IESPs, o critério decisivo é

descobrir o nicho de mercado que garante mais lucro. Os objetivos das empresas educacionais

seguem as estruturas de mercado que interessam à economia capitalista. Essa realidade tem

consequências bastante impactantes, pois afeta diretamente o projeto social nacional, o

trabalho dos docentes, as atividades pedagógicas e a qualidade do ensino.

Diante do atual cenário de mercantilização e precarização da educação superior privada

no País, foi aberta a “CPI do ensino superior privado” no Estado de São Paulo em 2011 (SÃO

PAULO, 2012). O objeto de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi a

expansão das instituições a partir da década de 1990; a financeirização, a desnacionalização, a

mercantilização do ensino os anos 2000; a inserção de capital estrangeiro no setor; a formação

dos conglomerados (por meio das fusões e aquisições institucionais); e as implicações desses

processos na autonomia universitária; na qualidade do ensino e nas condições de trabalho dos

docentes. Especialistas, agentes públicos, líderes de organizações da sociedade civil e do setor

83

privado foram convidados a prestar depoimentos, contribuindo para o melhor esclarecimento

dos fatos.

A real situação do ensino superior privado, no âmbito de São Paulo, foi discutida a

fundo durante as sessões. Seguem abaixo, as considerações de alguns depoentes (SÃO

PAULO, 2012):

a) Madalena Guasco Peixoto, da CONTEE, salientou que o fenômeno da

desnacionalização do ensino superior começou em 2005. Ela “define a

desnacionalização como o rápido processo de formação de conglomerados econômicos

no ensino superior, que atuam no mercado financeiro a partir da abertura de seus

capitais para a oferta pública de ações na bolsa de valores” (SÃO PAULO, 2012, p.4).

Na região do ABC paulista e de Osasco, o grupo Anhanguera e o Metodista 28 dominam

o setor. Portanto, quando um professor é demitido, não consegue mais exercer a

profissão na região, o que legitima o grande monopólio no setor. Apesar de a educação

ser livre à iniciativa privada, deve ser regulada devido à sua função social.

b) Emile Durham, do Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior da USP (NUPES),

declarou que a venda de instituições para grupos de capital estrangeiro é um problema,

pois eles compram instituições em funcionamento, pagando pela instituição e pelo

reconhecimento no MEC. É preciso haver um controle maior durante a abertura dos

cursos, pois depois de abertos, é muito difícil fechar. Para a professora, “o lucro é ao

mesmo tempo um instrumento muito ágil e deformante no ensino, pois o público que

procura cursos com maior demanda de vagas não tem muita renda para gastar” (SÃO

PAULO, 2012, p. 8). Os cursos têm de ter um custo baixo para atrair alunos e ao mesmo

tempo tem de gerar lucro. Assim, a qualidade do ensino fica em segundo plano,

inclusive pela “brutal exploração do corpo docente”, que não é fiscalizada. Não tem

como ter um ensino de qualidade com carga horária de 40 horas aula por semana. É

preciso que haja limitação de horas em sala de aula, para tanto é necessário que haja

uma proteção do contrato trabalhista. A tendência dos grandes grupos educacionais é

contratar professor como autônomo, isto é, não há recebimento de férias, 13º salário,

etc.

c) Luiz Antônio Barbagli, do Sindicato dos Professores (SINPRO), acrescentou que as

mantenedoras, conforme exigências do MEC, devem apresentar um plano de carreira

para os docentes, no entanto este acaba servindo como plano de rebaixamento salarial ,

28

Cabe ressaltar que o grupo educacional Metodista não tem capital aberto na bolsa de valores.

84

pois classifica os professores doutores em categorias, por exemplo: auxiliares,

assistentes, adjuntos e titulares, assim o salário é definido de acordo com a função e não

com a titulação. O outro ponto é que os professores que estão no topo da carreira são

demitidos, assim a instituição contrata os docentes que estão iniciando na carreira, que

em alguns casos chegam a ganhar a metade dos que têm mais tempo de profissão. As

mantenedoras criaram um mecanismo para se beneficiar da exigência legal, pois

aumentaram a rotatividade e o lucro.

d) Em relação à pesquisa e ao ensino, Celso Napolitano, da Federação dos Professores do

Estado de São Paulo (FEPESP), afirmou que fazer pesquisa custa caro, portanto essa

questão é esquecida pelas instituições privadas, bem como os cursos de pós-graduação

que formam os pesquisadores, pois necessitam de turmas pequenas. Na maioria das

instituições privadas, o professor é quem financia sua própria formação, principalmente,

porque a contratação por hora/aula é o regime de trabalho predominante. Nesse escopo,

aos docentes faltam dinheiro e tempo para realizar pesquisa, pois as atividades são

intensas: preparação de aula, suporte aos alunos, orientação, correção de trabalhos.

Estes recebem apenas pelo tempo que estão em sala de aula.

e) Carlos Henrique de Brito Cruz, da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São

Paulo (FAPESP), acrescentou que a realização de pesquisa pelas instituições privadas é

muito baixa, em torno de 4 a 5% do total contabilizado no país.

f) Segundo Otaviano Helene, da Associação dos docentes da USP (ADUSP), “as

condições de estudo e trabalho nas universidades privadas, em geral, são muito

precárias. Isso porque não há laboratórios, os salários pagos são menores que os do setor

público, há muitos professores horistas e poucos mestres e doutores” (SÃO PAULO,

2012, p.8).

Diante de todos esses indícios, a Comissão da Assembleia Legislativa recomendou que

fosse enviado um ofício ao MEC “solicitando a realização de estudos técnicos necessários ao

aperfeiçoamento da legislação pertinente ao regime de contratação do corpo docente nas

instituições privadas de ensino superior, bem como à melhoria da fiscalização dos contratos

em vigor por parte dos órgãos competentes.” (SÃO PAULO, 2012, p. 9). Os elementos

expostos acima requerem uma posição firme do governo, a fim de garantir a autonomia

universitária, a qualidade do ensino e melhores condições de trabalho para os docentes.

Apesar de a CPI trazer apontamentos apenas das instituições privadas do estado de São

Paulo, nota-se que a situação vem ocorrendo em todo o país, uma vez que os grandes grupos

educacionais já atuam praticamente em todo o território nacional. A prática docente, em

85

qualquer nível educacional, é repleta de desafios e contradições. Ao professor cabe a nobre

missão de ensinar e formar o cidadão. Todavia, essa missão se torna quase impossível, quando

o próprio professor tem a sua própria cidadania negada diante de um cenário

desregulamentado que não lhe proporciona condições dignas de trabalho.

Ao instituir no Decreto nº 2.207 (BRASIL, 1997a) que apenas as universidades têm a

obrigação de manter a estrutura de ensino, pesquisa e extensão, o Estado brasileiro, de certa

forma, abriu espaço para que os empresários optassem por investir, preferencialmente, na

oferta do ensino uma vez que esta demanda menos investimento financeiro. Em geral, as

instituições privadas preferem permanecer como centros universitários ou faculdades, pois

não têm a obrigação legal de realizar pesquisa, portanto voltam-se, em geral, somente para as

atividades ligadas ao ensino. Os dados do Censo da Educação Superior 2010 (BRASIL,

2012c) confirmam essa realidade, das 2.378 IES, 2.025 (85%) são faculdades. Os grandes

grupos educacionais preferem ofertar cursos rápidos, como os tecnólogos, a terem que

assumir uma série de custos com as atividades de pesquisa e extensão.

Nesse escopo, a qualidade da educação vem se desenvolvendo para os aspectos

quantitativos, produtivos e de composição dos quadros no mercado de trabalho. Demo (2001;

2002) aponta para a importância de vincularmos a qualidade formal à qualidade política da

educação. A qualidade formal é instrumental: “trata das condições melhores possíveis em

termo de manejo do conhecimento – métodos, meios e instrumentos, estratégias e táticas.” A

qualidade política “é, certamente, razão de ser, fim e ética, mas não se realiza adequadamente

sem a devida qualidade formal.” (DEMO, 2002, p. 152). A qualidade política refere-se ao

homem como ator e criador de si mesmo, à conquista humana; pressupõe cultura, criatividade,

participação. Demo ressalta que a qualidade formal é o meio e a política, o fim; portanto as

duas fazem parte do todo: a qualidade. “A presença de gente competente e bem-formada, no

sentido da qualidade política, é fator significativo de reformas fundamentais.” (DEMO, 2001,

p. 92).

A expansão acelerada da educação superior via setor privado/mercantil promove ainda

mais intensificação e precarização das condições do trabalho docente. Contrapondo-se à visão

de Netto (2011), que afirma que os recursos dos investidores promoveram inúmeros projetos

de melhoria na qualidade das instituições, Marco Aurélio, diretor do ANDES-SN, ressalta que

o resultado disso tudo é a baixa qualidade do ensino. “É impossível oferecer um curso

superior com qualidade cobrando mensalidades de R$ 300,00. Se nos ensinos fundamental e

médio, as mensalidades estão em torno de R$ 900,00, como uma faculdade cobra menos da

metade desse valor para formar um profissional?” questiona (ANDES-SN, 2012a). Fica fácil

86

responder a essa questão: baixos salários pagos aos docentes e a não oferta de laboratórios,

aulas práticas e estágios supervisionados. Ao adquirir uma instituição, uma das primeiras

providências dos fundos de investimento é diminuir as despesas com pessoal.

Marco Aurélio (ANDES-SN, 2012a) cita um exemplo dessa nova dinâmica, que ocorreu

no fim de 2011. A Anhanguera Educacional demitiu cerca de 600 professores paulistas que

trabalhavam nas faculdades compradas recentemente pela rede. Conforme denúncias feitas

por professores, a companhia demitiu mestres e doutores para contratar especialistas, que

recebem menos por hora/aula. Costa (2012) aponta que, entre o fim de 2011 e o início de

2012, aconteceram 1.552 demissões só no estado de São Paulo pelo grupo Anhanguera, após a

compra de algumas instituições de ensino. No Rio de Janeiro, houve mais 400 demissões pelo

grupo Galileo após a fusão de duas instituições.

Com o domínio do setor por um seleto grupo educacional, os riscos para a educação

superior brasileira são muitos e as consequências desse novo modelo de governança atingem

diretamente a qualidade da educação, o trabalhador docente e a sociedade de um modo geral.

Guimarães-Iosif e Santos (2012) ressaltam alguns efeitos desse processo:

a) queda na qualidade da educação ofertada, com a redução de investimentos para pesquisa

e extensão, principalmente, se estes estiverem voltados para questões sociais;

b) substituição dos professores em regime integral por regime parcial ou por hora/aula, o

que não demonstra preocupação com a pesquisa ou extensão;

c) a recorrente prática de demissão em massa de professores e novas contratações com

salários menores – professores doutores são substituídos por especialistas no intuito de

reduzir custos;

d) substituição de aulas presenciais por aulas não presenciais;

e) junção de turmas – fator que compromete o trabalho docente e a qualidade da educação

ofertada;

f) as instituições de pequeno porte não estão conseguindo reduzir o valor das

mensalidades, o que torna difícil a concorrência com os grupos educacionais que têm

maior poder econômico;

g) comprometimento da autonomia universitária – o conceito de autonomia universitária

vem sofrendo um desvio semântico que fere a sua essência, pois o mercado está

definindo os perfis profissionais e os conhecimentos que têm utilidade e preço. Assim,

pouco interessam os processos que produzirão os resultados, a pertinência e a relevância

social (DIAS SOBRINHO, 2002; 2010);

87

h) comprometimento da aprendizagem e cidadania docente e discente, situação que se

contradiz com a legislação educacional nacional e com a função social da universidade;

i) formação de oligopólios – as companhias educacionais que abriram ações na bolsa de

valores estão dominando o mercado da educação superior por meio das mensalidades

com baixo custo e da gestão corporativa. Esse processo é um fenômeno novo no País.

Por concentrarem uma grande quantidade de alunos e instituições, têm grande influência

no governo e estão determinando os rumos da educação no Brasil.

Segundo Dias Sobrinho (2002, p. 16), “o ponto mais grave é que junto com a ideologia

empresarial e suas práticas vem o individualismo, a competitividade, o utilitarismo, a

maximização dos rendimentos a qualquer preço, a cultura e o culto dos resultados.” Com a

cultura da privatização, a formação se reduz ao treinamento para o exercício de profissões ou

à capacitação de indivíduos para a ocupação de postos de trabalho, devidamente

caracterizados, e ao enfrentamento das disputas acirradas que a competitividade produz em

todos os níveis. Os valores alçados ao lugar da centralidade ética são medidos por um

processo simplificador, pela capacidade demonstrada na captação inicial e na titulação final

de mais alunos, na atração de mais investimentos, na eficácia organizativa e administrativa,

no aumento dos rendimentos acadêmicos, sobretudo, quantitativamente. Na ideologia dos

empresários da educação, a isso corresponde o conceito de qualidade.

Embora a categoria privada corresponda a 88,3% do sistema de ensino superior

brasileiro, a educação substantiva, focada no desenvolvimento social, cultural, econômico e

político, acontece mais frequentemente nas instituições públicas, uma vez que reúnem o maior

número de universidades; 80% desses professores trabalham em regime integral e

desenvolvem grande parte dos projetos de produção e difusão do conhecimento científico e

tecnológico no País; 49,9% das funções docentes nas IES públicas exigem a titulação de

doutorado (BRASIL, 2012c).

Na contramão das instituições privadas com fins lucrativos, observa-se que as

instituições confessionais, como as Pontifícias Universidades Católicas (PUCs) e outras

instituições comunitárias, ainda procuram primar pela qualidade educacional e social da

educação, assim como pelos valores da ciência e do conhecimento como valor público. Além

de ofertar uma educação superior fundada no tripé: ensino, pesquisa e extensão

(GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). O cerne da questão da mercantilização é que “do

jeito que está, as instituições sérias, historicamente constituídas, como as confessionais, que

obedecem à determinação do MEC de praticar ensino, pesquisa e extensão, não terão

88

condições de funcionar e serão engolidas pelos Fundos de Investimento”, prevê Marco

Aurélio (ANDES-SN, 2012a).

No Brasil, as funções docentes na educação superior pública e privada correspondem a

345.335; destas 62,12% estão nas IESPs. Visando à diminuição com os gastos, as instituições

privadas contratam menos professores mestres e doutores. Para cada 3 funções docentes com

doutorado nas IES públicas, há 1 função docente com essa titulação nas IESPs. As funções

docentes com doutorado aumentaram nas instituições privadas, porém o percentual ainda é

muito baixo (BRASIL, 2012c). Uma das diretrizes propostas no novo PNE (2011-2020) é a

melhoria da qualidade do ensino. A meta 13 dispõe que é preciso “elevar a qualidade da

educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas IES para 75%, no

mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores”. Caso seja

aprovado, as IESPs terão que elevar o número de doutores que hoje corresponde a 15,4%,

como pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1- Evolução das funções docentes com titulação de doutor, mestre e até

especialização entre 2001-2010.

Funções docentes Categoria pública Categoria privada

2001 2010 2001 2010

Doutor 35,9% 49,9% 12,1% 15,4%

Mestre 26,9% 28,9%, 35,4% 43,1%

Até especialização 37,2% 21,2% 52,0% 41,5% Fonte: autora, com base nos dados de BRASIL (2012c).

Os dados da Tabela 1 e da Tabela 2 comprovam que grande parte das instituições

privadas não atende às exigências estabelecidas na LDB/1996, de um terço do corpo docente

com titulação de mestres e doutores e em regime integral de trabalho. Destarte, a precarização

da função docente acaba se refletindo na própria qualidade do ensino ofertado. A maioria dos

professores, nas IESPs do país, são contratados por hora/aula, o que dificulta a realização de

pesquisa, participação em cursos de extensão e atividades de formação. Nesse sentido, a

valorização desses profissionais e o estímulo à formação continuada são questionáveis.

De acordo com os dados do Censo da Educação Superior 2010, 48% dos professores da

categoria privada são horistas (BRASIL, 2012c). A Tabela 2 apresenta o regime de trabalho

dos docentes nas IES públicas e privadas e o percentual de participação nas duas categorias

administrativas.

89

Tabela 2 – Regime de trabalho e categoria administrativa: percentual de participação

dos docentes nas IES em 2010.

Regime de Trabalho Categoria Pública

(2010)

Categoria Privada

(2010)

Tempo integral 80,2% 24%

Tempo parcial 12,9% 28%

Horista 6,9% 48%

Total 100% 100%

Fonte: autora, com base nos dados de Brasil (2012c).

Na capital do Brasil, Brasília-DF, a educação superior como oferta pública é ainda mais

precária. Das 64 IES, 3 (4,7%) são públicas e 61 (95,3%) são privadas. A titulação das 6.298

funções docentes contabilizadas nas IESPs no DF estão em consonância com a categoria

privada em todo o Brasil: 13,8% são ocupadas por doutores, 43,8% por mestres e 42,33% por

docentes que têm até especialização. O regime de trabalho segue a mesma tendência: 20,9%

da categoria trabalha em regime integral, 35,11% parcial e 44,81% horista (conforme Tabela

3).

Tabela 3 – Número e percentual de funções docentes, grau de formação/titulação e

jornada de trabalho nas IESP do DF em 2010.

Distrito Federal – Funções docentes em exercício 2010 nas IES privadas e regime de trabalho/ Percentual %

Funções Docentes Grau de formação / Titulação Regime de Trabalho

Até Esp. Mest Dout. Integral Parcial Horista

Total 6.298 2.666 2.763 869 1.265 2.211 2.822

Percentual 100% 42,33% 43,87% 13,8% 20,9% 35,11% 44,81%

Fonte: autora, com base nos dados de Brasil (2011).

O regime de trabalho por hora/aula legitima um modelo de trabalho precarizado,

“mediante a aparente liberdade do docente na determinação do seu salário, em vista da

quantidade de horas que consiga ministrar, sem levar em consideração a carga de trabalho

além das aulas ministradas, bem como torna o docente o responsável pelo seu próprio ganho.”

(SIQUEIRA, 2009, p. 68). O trabalho docente tem sido submetido a novos parâmetros para a

exploração de sua força de trabalho. A maioria dos docentes, em destaque os da rede privada,

tem a jornada de trabalho ampliada para fazer jus a um salário mais digno. Em outros casos, a

carga horária prescrita é mantida, no entanto os docentes têm que “hiperotimizar o tempo”

(MANCEBO, 2011) ou ampliá-lo por conta própria para realizar todas as atividades

propostas. Esses fatores intensificam o trabalho docente e aprofundam o limite extremo da

autoexploração. Diante do sistema capitalista e da formação de oligopólios, a tendência é que

as condições do trabalho docente se precarizem ainda mais (baixos salários, instabilidade,

jornadas esticadas, PCs inconsistentes).

90

Para Síveres (2006, p. 149), “a universidade precisa superar o elemento meramente

organizativo e pautar seu projeto institucional numa proposta educativa. Na medida em que a

universidade é assumida como organização, resta a ela o simples papel de prestadora de

serviços”. Guimarães e Chaves (2011) corroboram com esse pensamento ao afirmar que o

Estado vem induzindo a privatização educacional, ao incentivar a livre política mercadológica

e a adoção de medidas mercantis no setor público. Nesse escopo, a educação formal, em

especial a superior, é literalmente um negócio, competindo ao Estado apenas gerenciar a

política educacional. Os autores entendem que a reconfiguração desse segmento educacional é

uma estratégia utilizada para reproduzir o capital. Sob os ditames dos preceitos neoliberais e

das organizações multilaterais, a educação superior configura-se como um serviço não

exclusivo do Estado, sendo colocada na lógica férrea do mercado, afetando diretamente o

trabalho docente universitário.

A intensificação do trabalho docente vem sendo apontada como responsável pelo

enorme sofrimento físico e emocional dos professores. O ritmo e a intensidade das atividades

são fatores responsáveis por inúmeros casos de professores que desenvolveram algum tipo de

transtorno mental e/ou físico. Diante da gravidade da situação, que é consequência do

processo de sobreimplicação do trabalho docente, o ANDES-SN (2012b) realizou o IV

Encontro Nacional sobre o “Adoecimento Docente relacionado ao trabalho”. O

desencantamento e o sofrimento são comuns, principalmente, nos docentes que atuam nas

IESPs, pois estes passaram a conviver angustiados com a questão da demissão. Como essas

instituições são gerenciadas como empresas, os alunos passaram a ser tratados como clientes,

portanto o professor/trabalhador deve primeiramente pautar-se pela satisfação da clientela sob

o risco de demissão.

Siqueira (2009, p. 68) acrescenta que esses docentes “parecem não ter espaço diante da

racionalidade econômica que impõe, cada vez mais, sua lógica e decide sobre seus custos e

benefícios, por meio de interesses e perspectivas da instituição e dos alunos/clientes no ‘novo

mercado educacional’.” Essa relação profissional racional izadora traz um sentimento de

esgotamento moral e de não valorização, bem como sinaliza a impossibilidade de edificação

de uma carreira e o aproveitamento de um conjunto de qualificações.

Na perspectiva de Lourau (2004b, p. 212), “assim se põe em ação um novo modo de

exploração, mediante a exploração da subjetividade”. A sobreimplicação ao buscar a

subjetividade do trabalhador promove o estresse, a doença e a mais-valia. Esta última tão

agenciada pelas empresas de ensino.

O pesquisador Eduardo Silva (ANDES-SN, 2012b, p. 2) aponta que “ao considerar a

acumulação flexível do capital e o trabalho imaterial do professor, associado à valorização do

capital, o que se vê são práticas universitárias utilitárias, pragmáticas e competitivas, que

91

estão levando ao trabalho intensificado e à crescente incidência de doenças”. Nas palavras de

Mancebo (2011, p. 34-35), a intensificação pode (e deveria) ser regulada. “Seguindo a

tendência predominante no mundo do trabalho, sob a acumulação flexível, o trabalho docente,

além de precarizado, também foi flexibilizado, de modo que as atividades prescritas para esse

profissional são cada vez mais diversificadas e em maior número.” As circunstâncias

intensificadoras do trabalho são diversas e conhecidas por todos nós: a) acúmulo de atividades

em uma mesma pessoa que antes era exercida por mais pessoas; b) não reposição de quadros

quando de processos de aposentadoria; c) realização de diversos serviços ao mesmo tempo; d)

versatilidade e flexibilidade; e) aumento do ritmo e velocidade tirando o máximo lucro do

tempo; f) gestão por resultados; dentre outros procedimentos.

No dia a dia acadêmico, as atividades dos professores da educação superior transpõem o

ensino, a pesquisa e a extensão e buscam a mais-valia. A discussão dessa temática é prioritária

e urgente. No sexto e último capítulo, veremos, por meio da análise dos dados e discussão dos

resultados, as práticas institucionais que contribuem para a sobreimplicação do trabalho

docente.

92

CAPÍTULO VI – SOBREIMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO DOS OLIGOPÓLIOS NO

TRABALHO DOCENTE: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE DE

CONTÉUDO

O capítulo em tela apresenta a análise dos dados, à luz da Análise de Conteúdo, e a

discussão dos resultados. Essa parte do trabalho foi construída a partir da análise documental,

das entrevistas e das observações. Os dados são apresentados dentro das categorias que foram

aventadas.

6.1 A ANÁLISE DE CONTEÚDO

A análise de conteúdo busca a compreensão das manifestações humanas do

comportamento, reconhecendo o poder da “fala”, seus enunciados e mensagens que passam a

ser vistos como indicadores indispensáveis às práticas educativas. Após a realização das

entrevistas, procedemos às transcrições das falas. A partir das transcrições, dos documentos

oficiais e das observações realizadas, fizemos a “leitura flutuante”, que, conforme Bardin

(2010), é a primeira atividade que se deve fazer ao realizar a análise de contéudo. Nessa fase,

o pesquisador deixa-se invadir por impressões e orientações e pouco a pouco a leitura vai se

tornando mais precisa. Szymanski, Almeida e Prandini (2008) afirmam que, quando nos

aprofundamos, a compreensão do fenômeno estabelece conexão com contextos maiores,

desencadeando uma análise plural.

O ponto de partida para analisar os dados foi a “mensagem” verbal, silenciosa ou

documental. Como as categorias, ponto crucial na análise de conteúdo, foram definidas a

posteriori, o processo foi longo e requereu constantes idas e vindas, do material de análise à

teoria (BARDIN, 2010; FRANCO, 2008). As categorias foram construídas após constantes

idas e vindas aos documentos analisados, as transcrições das entrevistas e às informações

coletadas durante as observações; e depois foram interpretadas à luz das teorias.

O trabalho docente, em especial, no ensino superior, vem se desenvolvendo como um

trabalho necessário ao atual estágio de desenvolvimento do País, que hoje se configura como

a sexta economia mundial. Sob a lógica do capital, a força de trabalho no campo educacional

encontra-se reduzida a simples mercadoria. Diante dessa realidade, o presente estudo dirigiu

seu foco de análise para as condições que sobreimplicam o trabalho docente na instituição

investigada, pertencente à Companhia Anhanguera, que diante do atual modelo de governança

e da abertura de capital na bolsa de valores passou a conduzir o sistema por meio da gestão

93

corporativa e racionalizadora, onde o objetivo principal centra-se na obtenção do lucro

máximo a curto e médio prazo. À medida que as respostas foram surgindo durante as

entrevistas e os dados foram sendo construídos na análise documental e nas observações

realizadas, amparamo-nos em quatro categorias principais de análise para identificar, na

instituição investigada, as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente:

a) política e governança da educação superior: concepções e contradições; b) Anhanguera

Educacional: aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa de valores; c) relações e

condições de trabalho; d) consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social.

6.1.1 Compreendendo a subjetividade dos protagonistas do estudo

Para compreendermos melhor as categorias analisadas, faz-se necessário conhecer quem

são os docentes que compõem o universo dessa pesquisa. Entre os 15 participantes,29 8 são do

gênero masculino e 7, do feminino. A maioria dos docentes está na faixa etária entre 31 e 40

(40%) e 41 e 50 (40%). No tocante à titulação acadêmica: 73,3% dos docentes, ou seja, 11 são

especialistas; há 1 (6,7%) graduado, 2 mestres (13,3%) e 1 doutor (6,7%). Somente 4 docentes

(26,7%) não trabalham em outra instituição, os demais (73,3%) tem mais de um emprego.

Todos os docentes são contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho,

13 (86,7%) professores são horistas e 2 (13,3%) trabalham em regime integral. Quanto à carga

horária semanal na instituição, 11 (73,3%) docentes têm uma carga de até 20h. Observamos

que o grupo Anhanguera não visa manter um vínculo de exclusividade com os docentes e que

as contratações, em geral, priorizam os especialistas, uma vez que a mão de obra é mais

barata.

No quesito tempo de atuação na instituição, 63,6% dos docentes têm menos de 4 anos.

De acordo com os docentes, há uma rotatividade muito grande na instituição, todo semestre

tem professores novos. O tempo de experiência como docente universitário varia entre 2 e 12

anos, com tempo médio de 6 anos. Há uma característica de professor predominantemente

novato no universo estudado. No que tange à quantidade de alunos na instituição, 60% dos

professores têm entre 101 e 300 alunos por turma.

A Tabela 4 apresenta uma síntese dos dados dos professores entrevistados – que atuam

na Instituição, e ex-docentes que já atuaram no grupo – com relação ao gênero, idade,

titulação acadêmica, carga horária semanal na instituição, emprego em outra instituição,

29

Conforme citado no capítulo I, dos 15 docentes participantes, 11 atuam na instituição pertencente ao Grupo Anhanguera e 4 são docentes que foram demitidos de uma outra instituição do grupo.

94

tempo de experiência como docente universitário, tempo de atuação na instituição, regime de

trabalho e quantidade de alunos.

Tabela 4 – Síntese dos dados dos professores entrevistados.

Variáveis Categoria Docente

*

Ex-

docente

**

Total de

docentes

%

Gênero Masculino 7 1 53,3%

Feminino 4 3 46,7%

Idade

21 a 30 anos - 1 6,7% 31 a 40 anos 4 2 40% 41 a 50 anos 6 - 40% 51 a 60 anos 1 1 13,3%

Titulação Acadêmica

Graduação 1 - 6,7% Especialização 9 2 73,3%

Mestre - 2 13,3%

Doutor 1 - 6,7%

Carga horária semanal na instituição

Até 10 horas 5 - 33,3% 10 a 20 horas 5 1 40% 21 a 30 horas - 1 6,7% 31 a 40 horas 1 2 20%

Emprego em outra instituição

Sim 8 3 73,3% Não 3 1 26,7%

Tempo de carreira como professor universitário

De 2 a 4 anos 5 3 53,3% De 5 a 8 anos 5 1 40%

Acima de 9 1 - 6,7%

Tempo de atuação na instituição

Até 1 ano 4 1 33,3% De 2 a 3 anos 3 - 20% De 4 a 6 anos 2 2 26,7%

Acima de 7 anos 2 1 20%

Regime de trabalho Horista 11 2 86,7% Integral - 2 13,3%

Quantidade de alunos na

instituição

Até 100 alunos 3 2 33,3% 101 a 200 alunos 4 - 26,7%

201 a 300 3 2 33,3% Acima de 301 alunos 1 - 6,7%

P* - docentes que atuam na Instituição da Anhanguera

EP** - docentes que já trabalharam no grupo Anhanguera

Fonte: autora

Diante dos dados, podemos observar que os docentes têm um perfil variado e que a

maioria está há pouco tempo na instituição. Os docentes não se omitiram em falar das suas

condições e relações de trabalho, posto que expuseram seus anseios, contentamentos e

descontentamentos. Alguns falaram detalhadamente das práticas institucionais, respondendo

com muita cautela. Durante as entrevistas, em alguns momentos, pairavam alguns segundos

de silêncio, onde pareciam estar refletindo sobre a sua profissão. Os participantes

demonstraram interesse pelo estudo. O “Docente I” solicitou que encaminhássemos a ele uma

cópia da pesquisa para que ele pudesse compreender melhor sobre a governança educacional.

95

Alguns termos utilizados na pesquisa foram novos para os docentes, tais como: governança,

fusões e aquisições institucionais, formação de oligopólios, abertura de capital (ver tópicos

6.1.2 e 6.1.3).

Em relação às atividades de pesquisa e extensão, grande parte dos docentes, ou seja, 12,

afirmou que não está participando de projetos de pesquisa ou extensão. A atividade dos

docentes é quase que exclusivamente o ensino. Os participantes desse estudo atuam em c ursos

superiores diversificados e somente dois ministram aulas apenas para um curso.

Resumimos o perfil dos protagonistas desse estudo com os seguintes dados: são

docentes que têm pouco tempo de experiência no ensino superior, em média 6 anos; são

predominantemente horistas, ou seja, recebem apenas pelo tempo que estão em sala de aula;

todos têm a carteira assinada; a maioria têm, no máximo, curso de especialização; as

atividades são voltadas ao ensino, poucos realizam projetos de pesquisa e extensão; os

docentes não têm o hábito participar de eventos acadêmicos, tampouco de publicar artigos e

capítulos de livros. As categorias, subsequentes, estão organizadas de acordo com os objetivos

específicos da pesquisa.

6.1.2 Política e governança da educação superior: concepções e contradições

Esta categoria tem a finalidade de analisar a concepção dos docentes quanto à política e

a governança da educação superior no contexto nacional e a governança na instituição em que

atuam ou atuaram.

A governança educacional atua em diferentes escalas – local, regional, nacional e

transnacional –, onde novos atores e organismos exercitam seu poder e passam a fazer parte

do processo de tomada de decisão. No Brasil, presenciamos a forte influência das agências

internacionais (BM, OCDE, OMC, Unesco, entre outras), dos grandes grupos educacionais

(Anhanguera Educacional, Kroton Educacional, Estácio Participações, SEB...) e do mercado

na formulação e implementação das políticas públicas. Este é um jogo complexo, pois ,

quando interessa ao Estado, ele se posiciona soberanamente e quando não, abre-se um amplo

espaço para que forças externas possam intervir e até mesmo determinar os rumos

educacionais que o país deve seguir. O modelo vigente dá voz ao mercado e, na maioria dos

casos, procura silenciar a sociedade civil. O discurso docente revela o atual panorama da

governança educacional no País e traz sua percepção e concepção acerca do tema:

96

A governança é um termo possuidor de uma multirreferencialidade muito grande, eu

não consigo pensar na governança sem ter uma ótica econômica, ótica histórica,

ótica global [...]. Apesar de ser um termo que está em uma efervescência recente, ele é

um termo que vem permeado de todo um histórico e dentro da educação hoje traz

um reflexo de tudo o que a gente visualizou nos últimos anos. E dentro do Brasil, é

impossível não relacionar esse tema com que foi o governo Fernando Henrique e como a

educação tem sido vista nos últimos tempos. (Ex-docente “B”, grifo nosso)

A nova gestão pública, comumente denominada governança, é o desenvolvimento da

forma política do neoliberalismo. Dale (2010, p. 1111), identifica quatro categorias de

atividades que “compõem a governança educacional: financiamento; fornecimento ou oferta;

propriedade; e regulação.” No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC – 1995-2002),

foi ministrada a reforma mais marcante do Estado Brasileiro: minimização do papel social do

Estado, interpenetração das esferas públicas e privadas; privatização dos setores públicos;

forte influência dos agentes internacionais; desenvolvimento orientado para o mercado. Essas

mudanças não só atingiram o setor econômico, mas também, e principalmente, o educacional,

que passou a contar com novos agentes e provedores. Não só no governo FHC, no governo

Lula, e, inclusive, no atual, essas atividades passaram a ser desempenhadas por uma série de

agentes privados, em diferentes escalas. Segundo Amos (2010), a governança atribuiu às

organizações internacionais um importante papel na modelagem das políticas educacionais.

O Ex-docente “B” destaca a influência dos OIs na educação brasileira e o verdadeiro

interesse dessas organizações, que direcionam a governança da educação para o campo

mercantil e privado.

Você tem o FMI e o BIRD influenciando a educação, você vê a educação enquanto

moeda de troca, de barganha [...]. E você fica se perguntado quem é santo e quem é

mocinho, é impossível não ter um olhar maniqueísta. Principalmente quando você lida

com a forma como o mundo gira hoje, se desenvolve, como permeia essa ótica

globalizada [...]. O que nos impede de um dia estarmos vendo nossas instituições

públicas se transformando em grandes conglomerados internacionais. Estamos vendo

as instituições internacionais querendo comprar nossas instituições públicas, as

hidroelétricas sendo vendidas, os aeroportos sendo vendidos. Da mesma forma, que daqui

uns dias você pode ter uma UNB sendo vendo vendida, uma UniCamp sendo vendida,

uma USP [...]. Todo esse contexto, esse olhar nos ajuda a entender o que é a

governança hoje – a internacionalização, a mercantilização, a privatização . (Ex-

docente “B”, grifo nosso).

O modelo de governança difundido pelos países do norte global 30 ultrapassou as

fronteiras físicas entre os mercados, flexibilizou o intercâmbio de mercadorias, potencializou

a mobilidade física de pessoas e promoveu profundas mudanças na sociedade e na educação

30

Boaventura Santos (2010b) entende por países do norte global, os países centrais ou desenvolvidos, quer se encontrem no norte geográfico, quer no sul geográfico.

97

contemporânea. Nesse contexto, o Brasil passa por reformulações em sua legislação, gestão e

prática educativa, que se aproximam cada vez mais dos princípios mercantilistas impostos

pelos novos agentes e financiadores. Conforme Dale (2010), a governança educacional

caracteriza-se por uma “teia de relações” entre organizações que participam dos processos de

decisão voltados para a educação nas esferas micro e macro. Como explica o docente,

A governança é um conjunto de ações, que visa atingir um determinado objetivo.

Essa governança é interrelacional, só funciona num conjunto. Por exemplo, no que

diz respeito a gestão dos vários segmentos que fazem a máquina funcionar. Quando se

fala em governança tem-se uma supermáquina cheia de engrenagens. (Docente “A”, grifo

nosso).

É importante ressaltar que essa “supermáquina cheia de engrenagens”, quando da

formulação e implantação das políticas públicas, na maioria dos casos, não visa ao bem

comum, mas sim aos interesses privatistas. As orientações do ajuste neoliberal que se

impuseram às economias nacionais promoveram a disputa dos interesses particulares pelos

setores da esfera pública. Desde então, pouco a pouco, o Estado foi se afastando do papel de

provedor e a esfera privada foi se expandindo e ocupando seu espaço de forma acelerada.

Como efeito, o mercado privado consolidou-se no setor educacional e vem estabelecendo

mudanças substantivas na gestão das instituições, nas relações de trabalho e nos objetivos da

universidade. Hoje, o campo educacional está permeado por conceitos empresariais, o que

aprofunda o distanciamento do papel social das IES. Os docentes complementam que a

governança educacional:

Seria algo maior fazendo ligação com elos menores. Várias partes menores fazem

ligação com um todo. Você consegue trabalhar com processos. (Docente “G”, grifo

nosso).

Eu entendo o mesmo que administração e gestão educacional, mas esse é um nome

mais pesado, está muito superior. (Docente “H”, grifo nosso).

Gestão da educação como um todo. Governança em administração . (Docente “F”,

grifo nosso).

Embora não tenham um conceito pré-estabelecido sobre governança, os docentes

apontam para a complexidade do termo. A governança se refere às regras e aos procedimentos

que estruturam as relações de poder ao redor do mundo, imbricados por diretrizes

hegemônicas e neoliberais. Por exemplo, as companhias, os serviços de fundos de

investimentos e as instituições multilaterais são agora atores políticos no cenário educacional

não apenas global (SHULTZ, 2012). Desse modo, as regras do mercado entraram no campo

98

da governança educacional, criando uma competição mundial dirigida economicamente para

alunos, pesquisas e empresas de consultoria (LEUZE; MARTENS; RUSCONI, 2007).

Alguns docentes veem a governança no contexto interno das instituições mais voltada

para a administração dos recursos.

É a maneira de gerir e promover realmente o aprendizado . (Docente “B”, grifo

nosso)

A forma de você administrar a questão dos recursos, pessoas, ambientes, para se alcançar

os objetivos. Governança é a forma de administrar todos os recursos. (Docente “D”,

grifo nosso)

Essa visão está em consonância com o pensamento de Alves (2012, p. 135): a

“governança tem sua origem e seu foco no conjunto das relações de uma organização:

relações interpessoais, relações de poder; processo de comunicação e processo decisório”, ou

seja, a governança cria condições para que a racionalidade, a objetividade e as ciências

gerenciais imperem sobre as expectativas pessoais, tanto no âmbito dos sistemas quanto das

instituições. Embora as falas dos docentes tenham sido ricas quanto a essa temática, três

docentes disseram que não sabiam falar sobre o tema ou que não conheciam o termo

governança.

Eu não sei falar. (Docente “C”)

Não sei falar. (Ex-docente “A”)

Não conheço o termo. (Ex-docente “C”)

Independentemente de a governança ser analisada em várias esferas, podemos

depreender que o que está em jogo são interesses e objetivos que vão muito além do que

podemos imaginar e do que é divulgado. Para identificarmos o significado político da

governança neoliberal, “temos que prestar atenção não apenas àquilo que ela diz, mas também

àquilo que silencia. São os seguintes silêncios mais importantes da matriz da governação: as

transformações sociais, a participação popular, o contrato social, a justiça social, as relações

de poder.” (SANTOS, 2010a, p. 406). Embora faça parte dos processos decisórios – estado,

capital, sociedade civil, setores produtivos, mercado, agências internacionais –, a sociedade

civil (família, comunidade, docentes, alunos) tem cada vez menos espaço e voz.

99

No decorrer das entrevistas, quando falávamos sobre as políticas e os programas

direcionados à educação superior, a maioria dos professores diziam desconhecer as políticas

ou não se lembravam a respeito. Os que responderam ao tópico foram bem sucintos.

Eu conheço a LDB, mas de forma superficial. (Docente “D”, grifo nosso)

Eu conheço a LDB, mas não tenho nada para falar. (Docente “E”, grifo nosso)

O PROUNI é uma coisa fantástica, pois permite o acesso àqueles que não têm

condições de pagar. (Docente “J”, grifo nosso)

O FIES está permitindo que os alunos consigam pagar suas mensalidades. (Docente

“L”, grifo nosso)

Os relatos acima demonstram o desconhecimento em relação à legislação e às políticas

que cercam sua área de atuação. Os docentes não souberam explicar quais são as diretrizes

dessas políticas, bem como seus alcances e consequências. O Ex-docente “B” foi o único que

questionou a condução de uma política – o Prouni. “O que se paga para ter esses alunos nas

instituições privadas? Como essas instituições estão sendo cobradas? Que cobrança o Prouni

faz para as instituições que ofertam as vagas?”

A questão sobre as políticas e os programas nos fez refletir bastante. Como um

professor, especificamente 8 professores, desconhece ou não se lembra de nenhuma política

direcionada a área em que atua? Será que eles não discutem sobre política em sala de aula ,

não leem e não analisam as leis que regem sua profissão e área de atuação? Como foi a

formação política deles? Como eles formarão alunos críticos e questionadores, sendo que eles

mesmos desconhecem as questões que norteiam e permeiam a área em que atuam? Para

compreender a governança da educação superior, os docentes precisam conhecer as políticas

que regem o setor: como elas estão sendo formuladas; qual o objetivo dos programas; quem

está sendo beneficiado.

Constatamos que a politicidade dos docentes é bastante limitada. Para Demo (2001, p.

17), “o homem político é aquele que tem consciência histórica. Sabe dos problemas e busca

soluções. Não aceita ser objeto. Quer comandar seu próprio destino. E amanhece o horizonte

dos direitos, contra o dado e contra a imposição. Ator, não espectador. Criativo, não produto.”

Essa falta de conhecimento, de politicidade e de questionamento crítico dos docentes é

denominada por Demo como pobreza política.

Ao discorrerem sobre a governança da instituição em que atuam ou atuaram, 13

professores disseram estar satisfeitos. Apenas 2 relataram que é um modelo fechado, que vem

100

pronto da mantenedora que fica em Valinhos, São Paulo, e que não há abertura. É um sistema

vertical e centralizado.

Ela [a gestão] é bem centralizada, por causa da mantenedora em São Paulo, então as

coisas fluem de cima para baixo. (Docente “B”, grifo nosso)

Como aponta Shor (2006), o controle de “cima para baixo” é uma estratégia de modelo

autoritário de educação, onde as diretrizes, as regras e os objetivos são impostos e não

decididos democraticamente, cabendo aos docentes, funcionários administrativos e alunos

somente cumprir as determinações. O que falta nas instituições, sejam públicas ou privadas, é

a qualidade democrática proposta por Demo (2001), esta se desenvolve de “baixo para cima”.

No entanto, os discursos apontam que a gestão empresarial, centralizadora e vertical é que

rege a instituição.

A gestão fica muito a cargo de São Paulo. A faculdade Anhanguera de Brasília, não

tem poder de autonomia plena no exercício das funções. (Ex-docente “B”, grifo nosso)

De acordo com Ex-docente “B”, no final do ano passado (2011), aqui em Brasília, a

ordem foi muito concreta: todos os mestres e doutores deveriam ser mandados embora. “É

aquela política clássica das instituições, que mandam os mestres e doutores embora e ficam só

com os especialistas. Aí depois baixam o teto dos especialistas e tentam recontratar os mestres

e doutores com o piso lá embaixo”. (Ex-docente “B”). Como a instituição manteve os

contratos trabalhistas da instituição adquirida, agora ela está demitindo os professores que

tinham os salários mais altos e contratando docentes com salários mais baixos. Em conversa

informal com o “Diretor da Instituição”, ele nos informou que “quando o grupo Anhanguera

adquiriu a instituição, os contratos trabalhistas foram mantidos, isto é, os docentes

permaneceram recebendo o mesmo valor da hora/aula, no entanto, nos contratos novos, o

valor da hora/aula já veio reduzido.” O Docente “A” enfatizou,

Quando a Anhanguera adquiriu a instituição, o contrato foi mantido. Com os novos docentes é

um novo modelo [...]. (Docente “A”, grifo nosso).

O relato do Ex-docente “D” descreve essa nova realidade,

Quando a Anhanguera assumiu, ela manteve o nosso salário até a demissão. Eu recebia R$ 7.980

reais por 40h, eu trabalhava em regime integral. Depois, eles me chamaram de volta só que

para ganhar R$ 1.280 por 20h semanal . Não aceitei, pois eu ia ganhar menos da metade do

que eu ganhava por hora/aula. (Ex-docente “D”, grifo nosso).

101

Segundo o Ex-docente “D”, até ele ser demitido da instituição, ele recebia o equivalente

a R$ 49 por hora trabalhada. E caso ele aceitasse retornar para a instituição, iria receber R$

16, menos da metade do que ele recebia por hora. É importante destacar que esse professor

era especialista e trabalhava no curso de enfermagem com os alunos que estavam estagiando

nos hospitais. Esse professor tinha no máximo 05 alunos.

De acordo com os dados obtidos nas entrevistas, em uma instituição da Anhanguera em

Brasília, no curso de pedagogia, 5 professores foram demitidos, no curso de enfermagem

foram mais de 30. Eles mandaram os professores embora e juntaram as turmas. Um curso que

contava com a colaboração de 15 docentes, agora está com apenas 4 ou 5 professores.

Podemos inferir que a instituição trabalha com o modelo de “gestão racionalizadora”

(OLIVEIRA, 2009) – cortar gastos para aumentar o lucro.

Não pagar para fazer pesquisa, não pagar para orientar aluno e ainda você viver sob

a ameaça de ser demitido, isso aí não é valorizar o profissional [...]. Além de tudo,

depois que a Anhanguera comprou a instituição, a ameaça de demissão sempre existiu.

Não que os coordenadores falassem que seríamos demitidos, pois jamais alguém vai fazer

isso. Mas os boatos nos corredores era muito frequente. A gente trabalhava muito

inseguro e para mim isso já é desvalorizar. Eles demitiram quase todos os mestres para

contratar especialistas. 80% das equipes foram mandadas embora, eram equipes

boas e colocaram só especialistas no lugar. É uma coisa que não tem lógica e é sinal

que eles não valorizam os profissionais. (Ex-Docente “C”, grifo nosso)

Diante da desvalorização do profissional docente, que não recebe para fazer pesquisa,

realiza atividades que não são remuneradas e que convive com a pressão da demissão, Demo

(2002) afirma que a politicidade se põe como referência fundamental e pode ser vista também

sob o signo da qualidade formal e política. Em relação à qualidade formal, o docente precisa

de formação primorosa, “carece de capacidade inequívoca de pesquisa – para produzir

conhecimento próprio – e de elaboração própria – para se tornar sujeito de ideias que possam

vir de fora.” Em relação à qualidade política, “além da óbvia conveniência do exercício

próprio da cidadania – participar do sindicato, por exemplo – torna-se crucial fazer aflorar no

saber pensar o saber intervir.” (DEMO, 2002, p. 35). É por meio da politicidade que o docente

será capaz de fazer história própria, individual e, principalmente, coletiva, transformando

políticas de opressão em sua própria libertação.

O problema é que uma das grandes questões que reprime o docente e o torna submisso

às ordens vigentes é o desemprego. Para manter-se empregado ou readquirir seu emprego, o

102

docente tem que se submeter às ordens da instituição, até mesmo, se conformar com a perda

salarial.

Eles [grupo Anhanguera] mandaram quase todos os docentes embora, para reduzir o

salário. Depois de 6 meses chamaram de volta. Vocês querem voltar? O salário agora é

esse [...]. Muitas pessoas voltaram mesmo com o salário menor. (Ex-docente “A”, grifo

nosso).

Segundo Guerón (2011), a possibilidade de demissão é um fator que abala o psicológico

do profissional, que passa a conviver pressionado, sem saber o que vai acontecer no dia de

amanhã. Na instituição privada investigada, a demissão pode ocorrer a qualquer hora com ou

sem motivos. Quando os docentes não se adaptam ao sistema da instituição, só há duas

soluções: ou pedem para sair por conta própria ou são demitidos, pois as decisões não são

tomadas no ambiente interno da Instituição.

A gestão fica muito a cargo de São Paulo (da sede). A gestão mesmo vem de São Paulo,

as decisões, as ordens. Até as avaliações iam para São Paulo e depois chegavam pra

gente. As notas tinham que ser enviadas para São Paulo [...]. (Ex-docente “B”, grifo

nosso)

A instituição percebe a educação como um negócio, por isso a gestão é centralizada,

sendo todas as ordens e decisões emanadas da mantenedora que fica em São Paulo. O sistema

é fechado. Os diretores, coordenadores e professores atuam como cumpridores de tarefas.

Na Anhanguera, aqui funciona como uma franquia, já vem tudo pronto de São Paulo,

então o diretor apenas conduz. Mas ele já tem um modelo pronto. Ele é um condutor,

um monitor. (Docente “L”, grifo nosso)

Seguindo a tendência dos grupos comerciais (lanchonetes, postos de combustíveis) que

constituem suas redes para revender produtos padronizados, mediante estratégias comuns e

publicidade centralizada, alguns grupos educacionais formam suas redes de franquias.

Segundo Dias Sobrinho (2002, p. 13), “assim se preserva a identidade de cada grupo, ou seja,

se consolidam as ‘marcas’ das respectivas bandeiras empresariais”, facilmente identificadas

pelas seguintes características: concepções educativas, metodologias de ensino, know how,

publicidade centralizada, estilos administrativos e comerciais. “Sendo grupos explicitamente

interessados na maximização dos lucros, uma intensa competição se estabelece entre esses

grupos empresariais de ensino.” (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 13).

103

Essa nova gestão é dinâmica, existe um protocolo, então se o docente não consegue se

adaptar, acaba saindo. (Docente “A”, grifo nosso)

Ao analisarmos o conteúdo da fala dos docentes, percebe-se que eles se sentem

desvalorizados diante da forma como são conduzidas as diretrizes dentro da instituição. Eles

deixam subentendido que os seus anseios não são/foram atendidos e que a gestão é

extremamente empresarial. Segundo Tiradentes (2011, p. 17), quando os grandes grupos

educacionais lançam seu capital na bolsa de valores, passam a “submeter-se ao controle de

grupos de investimentos (vinculados a negócios em diversas áreas), que impõem padrões de

produtividade e metas de lucratividade que envolvem demissões e desqualificação do trabalho

docente, ‘pasteurização’ e ‘industrialização’ do projeto pedagógico.”

De acordo com a literatura na área e com os meus valores, a gestão deve ser vista com

uma outra prática. Seguindo o raciocínio do Gramsci, o gestor é o organizador das

vontades coletivas. Eu me pergunto que se um cara manda 600 professores embora e

junta 2 turmas de 40 alunos numa mesma sala [...] e só tem 4 professores para dar

todas as disciplinas de um curso [...]. Então, de quem são as vontades coletivas que ele

está organizando? Ele organiza as vontades coletivas ou as vontades individuais dele ou

da chefia da instituição? Então assim, nesses quesitos eu acho que a gestão era muito

falha. Não sei empresarialmente, pois eu não tenho competência profissional e intelectual,

para julgá-los enquanto empresários, mas também eu acho meio tiro no pé você mandar

600 mestres e doutores embora de uma instituição que ganha a vida dizendo que

oferta educação de qualidade. (Ex-docente “B”, grifo nosso)

O comentário acima nos remete à questão da qualidade do ensino que é tão discutida

pelo governo, organizações multilaterais e instituições educacionais. Segundo Dias Sobrinho

(2002), os discursos resumem-se pelo aumento da qualidade baseada na excelência das

instituições educacionais, isto é, na elevação de produtividade – menos recursos humanos e

econômicos e mais organização e eficácia gerencial empresarial. Na esfera capitalista, não há

espaço para a prática educativa libertadora (FREIRE, 2000): valorização do exercício da

vontade, da decisão, da resistência; promoção das emoções, sentimentos, desejos; fomento da

consciência histórica, do sentido ético da presença humana no mundo. A prática libertadora é

provocadora da esperança e de transformação, por isso ela é silenciada.

A gestão acadêmica da instituição ocorre nas esferas não acadêmicas, nos espaços das

relações com os investidores. Ao acompanhar trimestralmente os resultados financeiros e a

prestação de contas de dois dos principais grupos educacionais no Brasil, Tiradentes (2011, p.

18) constatou que “não é a comunidade acadêmica que os gestores das IES têm contas a

prestar, mas à assembleia de investidores.” É no espaço financeiro que as decisões são

tomadas quanto às disciplinas que um curso terá; quantos professores serão otimizados;

104

quantos cursos serão condensados em uma sala de aula para reduzir os recursos e custos;

quantas e quais as disciplinas e cursos serão oferecidos na modalidade de ensino a distância.

Todas essas decisões almejam a obtenção de ganhos de escala. O princípio educativo é a

valorização do capital investido. Embora o Docente “E” tenha dito que a “instituição tem uma

boa gestão” e que “semanalmente nós temos reuniões pedagógicas para discutir os trabalhos

desenvolvidos”, ele afirma:

A gestão tem que melhorar muito. Faltam investimentos para se ter uma boa governança,

não é só ter uma sala de aula, um professor e um projeto institucional e empurrar

goela abaixo aos professores e alunos, há uma desvalorização muito grande e não há

uma satisfação de ambos. Se você tiver uma satisfação geral, você trabalha feliz [...].

Para trabalhar na área de educação você tem que gostar muito, caso contrário você ajuda

a afundar o pouco que ainda tem. (Docente “E”, grifo nosso)

Shor (2006, p. 109) ressalta que “a educação não é engolir livros, mas é sim

transformadora das relações entre alunos, professores, a escola e a sociedade.” Guimarães-

Iosif (2011) complementa que as IES não devem ser espaços de medo e opressão, mas sim um

ambiente democrático, autônomo, dialético, de intervenção social e práticas coletivas. Um dos

objetivos da educação superior é o desenvolvimento social e não o desenvolvimento de

práticas opressoras que usurpam a autonomia discente e docente.

A questão da mercantilização da educação é muito delicada, o aluno é visto como

cliente e o professor como operário que vende sua força de trabalho. Não se pensa em

alcançar as metas propostas, no art. 43 da LDB/1996 (BRASIL 1996), para o ensino superior:

estimular o pensamento reflexivo; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica;

promover a divulgação dos conhecimentos culturais; estimular os conhecimentos do mundo

presente; mas sim formar o profissional de uma forma que custe mais barato para a instituição

e gere mais lucro para a própria.

No processo de financeirização, segundo Tiradentes (2011, p. 19), “o pedagógico

traduz-se em uma atividade meramente econômica, técnica, científica e politicamente

‘neutra’, objetivável, orientada por ‘homens de negócios’”. Nesse sentido, a função social

contra-hegemônica da universidade é destruída, em prol da consolidação do projeto

capitalista. Essas transformações que assolam as IES brasileiras, principalmente as

companhias educacionais, têm como marco a hegemonia neoliberal impressa no novo modelo

de governança proposto por Thactcher e Regan, nas atividades pactuadas no Consenso de

Washington (1989) e no AGCS (1995). O ponto culminante para esse novo processo foi a

105

inclusão da educação nas regras do comércio e serviços (apesar do acordo não ter sido

formalizado legalmente).

Nessa categoria, temos achados importantes: se por um lado, a maioria dos docentes

mostrou-se desconhecedora das políticas educacionais; por outro, alguns docentes têm

consciência e entendem o conjunto de relações – jogo de interesses – que permeiam a

governança da educação superior no País. Estes afirmam que a gestão da instituição, em que

atuam/atuaram é centralizada (as ordens fluem de cima para baixo) e racionalizadora, focada

em resultados e não em processos. A questão salarial é um aspecto chave na nova gestão.

Com o objetivo de cortar gastos, a instituição está demitindo os professores mais antigos, que

têm os salários mais altos e está realizando novos contratos com salários mais baixos. E, além

disso, passou a não pagar por algumas atividades desempenhadas pelos docentes, como

orientação de alunos e realização de pesquisa (quando ocorre).

Diante dessa situação, os docentes se sentem desvalorizados, pois convivem com a

constante pressão de demissão, realizam atividades que não são pagas e não têm voz dentro da

instituição. Apesar de quase todos os docentes terem dito que estavam satisfeitos com a gestão

da instituição, essa categoria nos revela uma grande contradição, pois os discursos descritos

nesta categoria acabaram apontando várias mudanças que afetaram direta ou indiretamente o

seu trabalho, ainda que eles não estejam plenamente conscientes do fato e não se posicionem

para tentar mudar essa situação. As mudanças impressas buscam aflorar o “aspecto passivo”

do trabalho docente (LOURAU, 2004a) e não satisfatório, político e emancipatório (FREIRE,

2000; DEMO, 2002; GUIMARÃES-IOSIF, 2009).

6.1.3 Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa

de valores

O modelo de governança impresso, nas últimas décadas, promoveu a mercantilização da

educação com o crescimento desmedido do setor privado. Esse é um dos aspectos que abriu

espaço para a atual conjuntura da educação superior: formação dos oligopólios com as fusões

e aquisições institucionais e a abertura de capital na bolsa de valores. Esse processo e suas

consequências foram molas propulsoras para a realização desse estudo. A presente categoria

tem como objetivo analisar a percepção dos docentes quanto a esse fenômeno.

Durante as entrevistas, constatamos uma diversidade de opiniões: posicionamentos

favoráveis às fusões instituições, outros desfavoráveis e outros que conseguem ver, ao mesmo

tempo, aspectos positivos e negativos. Os docentes que pensam nas fusões como um aspecto

106

positivo, acham que, quando uma instituição compra outra, é para melhorar, pois se a

instituição adquirida estivesse bem, não estaria à venda.

Na verdade, a gente vê os grandes engolindo os pequenos. Por um lado é bom, porque

muitas instituições pequenas estavam afundando e fechando as portas. Com as aquisições,

começaram a se reerguer novamente, as fusões trouxeram mais benefícios que

malefícios. (Docente “B”, grifo nosso).

Quando a instituição é grande, ela tem mais poder de barganha, pode dar condições de

trabalho melhor. Pode trazer a parte boa da empresa que foi adquirida, além de trazer

tecnologias novas, costume novo, treinamento novo. (Docente “F”, grifo nosso).

Os relatos dos docentes acima apontam para uma percepção limitada, pois eles estão

vendo apenas o lado objetivo desse processo e esquecendo-se de analisar as fusões e

aquisições institucionais que estão afetando suas condições de trabalho e a qualidade da

educação. Com a financeirização da educação, as questões pedagógicas e humanas não estão

sendo priorizadas e é por isso que a gestão da instituição está centrada exclusivamente no

lucro.

Esse mercado é interessante, quando você abre o mercado de capital, você pode ter o

benefício de novas fusões, aquisições, parcerias. Isso acaba trazendo benefício para a

própria instituição, pois fortalece o nome da empresa. Eu acho que é positivo, é uma

tendência das grandes empresas. (Docente “C”, grifo nosso)

Segundo Freire (2000, p. 129), o discurso do docente é fatalista: “‘a realidade é assim

mesmo, que fazer?’, decretando a impotência humana, sugere-nos a paciência e a astúcia para

melhor nos acomodar à vida como realidade intocável.” A visão acima, do Docente “C”,

assemelha-se aos objetivos das companhias educacionais – fortalecer o nome da empresa para

atrair recurso financeiro. O problema é que esse foco não abrange o fortalecimento das

relações de trabalho, a valorização dos profissionais da educação, a melhoria do ensino e o

investimento em pesquisa. “O objetivo dessas ações, como era de se esperar, é reduzir, ao

limite, os custos de funcionamento, por um lado, e garantir o maior lucro possível, por outro”

(GUERÓN, 2011, p. 27). O Docente “H” não vê o domínio do mercado com algo bom.

Quando você compra, você centraliza a coisa. A centralização eu não vejo algo

benéfico. A concorrência sempre é boa, mas quando uma empresa começa a dominar

o mercado não é bom. (Docente “H”, grifo nosso)

107

Os docentes, que conseguem extrair aspectos positivos e negativos desse processo de

compra e venda de instituições, esclarecem:

Na verdade, quando você analisa a aquisição, ela se dá justamente no momento de

crise da outra. Então nesse aspecto é positivo, pois a aquisição fez com que a

instituição permanecesse aberta. Por outro lado, essas mudanças podem trazer a

substituição dos docentes, do pessoal de apoio. Isso não tem como você evitar.

Quando há fusão, a primeira coisa que acontece é o enxugamento da folha e adequar

carga horária. Muitas vezes a carga horária é reduzida e se o professor não aceitar ele

vai ter que sair, porque a política da instituição é essa. (Docente “L”, grifo nosso)

As falas supracitadas apontam para uma questão eivada de contradições. Se por um lado

a instituição foi adquirida porque estava cheia de dívidas e à beira da falência, esse é um

ponto bastante considerável, pois permite que a instituição não feche as portas e que os alunos

deem seguimento ao curso. Mas, por outro lado, a formação de oligopólios pressupõe o

domínio do sistema; o gerencialismo do ensino; a perda da autonomia docente; a redução de

custos; a redução da carga horária; a ampliação da jornada de trabalho; a disseminação de

modelos pedagógicos empresariais; demissões em massa; a substituição de mestres e doutores

por especialistas (TIRANDENTES, 2011). Ou seja, a iniciativa privada torna-se um espaço de

acumulação meramente capitalista.

Quando você funde uma empresa com outra, você tem uma quantidade maior de alunos e

o preço cai, consequentemente as outras instituições que são pequenas tem de diminuir o

valor das mensalidades, como elas não conseguem acabam vendendo. Aí elas ficam a

mercê das instituições maiores, caso elas queiram permanecer no mercado vão ter que [...]

bancar o mesmo preço das mensalidades. E para isso terão que contratar profissionais

sem qualificação nenhuma para dar aula, aí é aonde cai a qualidade. (Docente “H”,

grifo nosso)

Para manter os valores das mensalidades mais baixos, a instituição demite mestres e

doutores e contrata especialistas, conforme apontam Costa (2012) e o ANDES-SN (2012a).

Ao ostentar métodos de gestão típicos dos negócios, os grandes grupos educacionais

equiparam suas atividades àquelas, desprezando a natureza do trabalho e as implicações

políticas, sociais, humanas envolvidas. As mantenedoras estão agindo da forma como o

capitalismo contemporâneo opera. “Não só porque lançam ações em bolsa, mas, sobretudo,

porque funcionam como notáveis esquemas de controle e bloqueio do desejo de quem nelas

trabalha e estuda. O próprio lema do ‘preocupemo-nos apenas com o mercado’ é parte disso”.

(GUERÓN, 2011, p. 28). Há uma espécie de terrorismo psicológico para capturar a

subjetividade de estudantes e professores em uma espécie de operação que busca cada vez

108

mais o enclausuramento. O potencial produtivo é, assim, esvaziado, inclusive através do medo

de não achar espaço no mercado e acaba jogando o docente num processo de pura repetição e

reprodução passiva.

As companhias que abriram capital na bolsa de valores estão liderando o mercado de

fusões e aquisições, pois fortaleceram o caixa e o processo de crescimento, com modelos

padronizados. Segundo Lourau (2004a), a sobreimplicação do trabalho, ao produzir

sobretrabalho, traz índices elevados de fluxo de caixa, promovendo assim o crescimento

indefinido da empresa-instituição.

Os bons resultados financeiros são vistos na avaliação que o mercado faz das

companhias. Referindo-se à Anhanguera, Barboza (2012) destaca que o conglomerado

paulista está avaliado em R$ 4,7 bilhões, valor superior ao da Companhia Aérea Gol. Em

2012, as ações das companhias educacionais foram as que mais valorizaram na bolsa de

valores: Anhanguera (53,4%); Estácio (85,2%); e Kroton (87,7%). Em 2011, os faturamentos

foram respectivamente R$ 1,39 bilhão, R$ 1,14 bilhão e R$ 734 milhões (ECONOMÁTICA,

apud BARBOSA, 2012). Enquanto a rentabilidade das empresas listadas na BM&FBovespa

despencou, diante da crise externa na zona do euro e pela desaceleração da economia interna

do País, as companhias educacionais viram suas ações disparar. No momento em que o País

discute estratégias para melhorar a qualidade do ensino, no campo financeiro, os gigantes

educacionais jamais ganharam tanto dinheiro.

Na visão do Ex-docente “B”, o capital aberto precariza ainda mais a educação. “Eu não

sei como não repercute na bolsa 600 mestres e doutores da Anhanguera terem sido mandados

embora”. Outro docente, com uma visão mais mercadológica, acrescenta,

A abertura é amplamente divulgada e querendo ou não, nós temos que assumir e

entender que a educação passou a ser um produto [...]. E o mercado de trabalho tem a

mesma visão. (Docente “A”,grifo nosso)

O comentário do professor vai ao encontro da política da OMC que estabelece a

educação como uma mercadoria, produto negociável (TIRADENTES, 2011). O entrevistado

que representa os professores das IESPs no DF avalia que “no intervalo de 15 a 20 anos, todo

o sistema educacional superior no Brasil vai estar nas mãos de 20 grupos educacionais.

Justamente pela concepção de ir sufocando as faculdades pequenas e atuar na lógica do

mercado” (Representante do Sindicato). Os grandes grupos determinarão os rumos de todo o

ensino superior no Brasil. Este processo é muito preocupante, porque não leva em

consideração o aspecto regional de cada Estado, além de uma série de fatores negativos que

podem advir da formação dos conglomerados. “Por exemplo, a rede Anhanguera que,

109

simultaneamente, dá uma aula para 20 mil alunos (via satélite), na concepção da educação a

distância, não leva em consideração a realidade de cada região, as especificidades. Isso pra

gente é muito preocupante” (Representante do Sindicato).

O Representante do Sindicato acrescenta que a CONTEE, que reúne 90 sindicatos de

professores em todo o País, tem discutido a mercantilização da educação em nível nacional,

pois o setor está saindo do patamar educacional e indo para a concepção do mercado.

Quando você vai pra bolsa de valores, você tem empresas ou investidores adquirindo as

ações e que querem um resultado imediato daquele capital que ele investiu. Junto com

essas aquisições, vem automaticamente a fatura seguinte. A gente costuma usar essa

expressão de fatura, pois qual é a fatura? Se o investidor colocou 1 milhão, ele vai querer

que aquele 1 milhão renda lucros num patamar muito maior. Quando a educação passa

por essa concepção automaticamente cai a qualidade. Por que? Porque se pensa não do

ponto de vista do processo de construção da educação e da sociedade e sim do

mercado. (Representante do Sindicato, grifo nosso)

O resultado dessa voracidade do mercado financeiro dentro da educação está reportada

nos jornais e nos discursos dos especialistas e associações que representam a categoria:

diminuição do número de funcionários; corte de gastos; atuação em larga escala, que permite

baixar o valor da mensalidade; ao invés de ter 30 alunos, colocam 100, 200 alunos em uma

sala de aula. Por que isso? Porque a concepção do lucro é cada vez mais dominante. “Os

sindicatos e associações, em âmbito nacional, têm feito um grande movimento no sentido de

regular a abertura do capital educacional não só em bolsas de valores, mas principalmente de

impedir a inserção do capital internacional nas IESPs.” (Representante do Sindicato).

As redes de ensino investiram no mercado de capitais buscando atrair recursos e

crescimento orgânico, estratégia empreendida como forma de expansão e captação de

dinheiro. Os relatórios trimestrais, divulgados pelas empresas listadas na BM&FBovespa,

demonstram que os ativos das empresas estão em alta. A companhia Anhanguera

(ANHANGUERA, 2012c), nesse 2º trimestre de 2012 registrou um lucro líquido de R$ 24,6

milhões, uma variação de 206% a mais que o ano passado. A Kroton Educacional obteve um

lucro líquido de R$ 32,4 milhões (KROTON EDUCACIONAL, 2012b).

A injeção de capital permite que a empresa cresça. Porque ninguém compra alguma coisa

para ir pra baixo [...]. Eu só acho que a inserção do capital estrangeiro não deva ser

majoritária. Ter ações sim, mas desde que o capital continue sendo nosso. Exemplo que

aconteceu com o Pão de Açúcar, o seu Abílio Diniz não é mais dono da empresa que ele

ajudou a criar, são os franceses. Agora não sabemos mais como eles vão administrar a

empresa, isso eu não acho positivo por ser de fora. (Docente “L”, grifo nosso).

110

A expansão desregulada do ensino superior privado, intensificada pela inserção de

capitais estrangeiros no setor, vincula-se ao processo de desnacionalização da educação no

País. Segundo a CM Consultoria (2012a, p. 2), “a venda de IES privadas para investidores

internacionais é o que se convencionou chamar de desnacionalização do ensino superior, um

assunto muito polêmico atualmente, pois, para muitos educadores, significa apenas uma

transação para o capital especulativo internacional”, que está interessado somente em grandes

lucros. Não há como ignorar essa realidade.

A companhia Anhanguera conquistou seu império educacional ao captar grande volume

de capital estrangeiro na bolsa de valores e hoje se destaca como a maior empresa educacional

da América Latina.

Ela [Anhanguera] comprou 5 instituições só em Brasília, foram mais de 50 em todo o

Brasil, deve ter sido mais ou menos isso [..]. Ela comprou bastante instituições em todo o Brasil, com capital ela fortalece, vira uma hold, uma grande empresa. Aí ela tem

maior poder de barganha. (Docente “H”, grifo nosso).

Os investimentos internacionais no setor educacional crescem aceleradamente e as

negociações são amparadas pela legislação hoje em vigor, que não impõe limites à

participação estrangeira nas mantenedoras ou grupos educacionais. Diante da passividade do

governo, dos próprios docentes e discentes e da sociedade em geral, a tendência é que os

quatro Projetos de Lei – 2.183/2003, 7.200/2006, 6.358/2009, 7.040/2010 – que visam à

regulação desse processo, não saiam do papel. É mister que essa questão seja analisada e, de

forma bem consciente, por toda a sociedade: mercado, Estado, estudantes, docentes,

instituições, organizações da sociedade civil, comunidade, entidades e associações sindicais.

Será que a nova autarquia que está sendo criada para regular o processo de fusões e aquisições

institucionais, Projeto de Lei 4.372 (BRASIL, 2012a), conseguirá lidar com esse problema?

Quando uma instituição compra (adquire) outra, sempre há mudanças, que, geralmente,

não condizem com os anseios dos docentes e funcionários. O período de transição é muito

difícil, pois muda a gestão, a cultura organizacional, a metodologia de trabalho, inclusive, as

relações de trabalho. Os dados assinalam que, diante desse processo, ocorreram as seguintes

práticas nas instituições compradas pela Anhanguera Educacional: diminuição do valor da

hora/aula (os contratos novos já vêm com um valor reduzido); fim da orientação de trabalho

de conclusão de curso (TCC); junção de turmas; redução das aulas de laboratório e trabalhos

de campo ao mínimo possível; em determinados cursos, quando das aulas de laboratório, é

111

preciso dividir a turma, pois não cabe todo mundo; padronização do sistema; bem como tantas

outras.

Quando vem outro grupo e compra, ele vai implantar a cultura dele. E nessa de implantar

a cultura dele, a gente passa pelo processo de transição que é muito sofrido , se adaptar

a tudo de novo, tudo vem pré-estabelecido, porque esses grupos estão aqui e em vários

locais do país, então eles têm que padronizar os sistemas. Por exemplo, se tem um curso

de farmácia em Anápolis, a realidade é indústria. Aí eles pegam e colocam um curso aqui

voltado para a indústria, sendo que aqui não tem, a realidade aqui é outra. Tem o

choque da cultura, porque os grandes grupos querem tudo padronizado, sendo que os

padrões não se adéquam as necessidades das regiões. E eles têm esse negócio de juntar

turmas, turmas gigantes, e a gente não tem tempo para dar atenção para o aluno que está

com dúvida. Em uma aula prática, como você enfia um monte de gente no laboratório,

então às vezes é preciso dividir a turma, dividir também o tempo que você tem para

dar a aula prática. É muito desgastante, principalmente por causa das turmas muito

grandes. (Docente “C”, grifo nosso)

Frente a essas mudanças e pressões, Guerón (2011, p. 29) considera que é fundamental

“buscar a instalação de conselhos acadêmicos nos quais possamos ter participação ativa na

estruturação e na concepção dos currículos, indo além da lógica dos cortes de custos e do

‘treinamento’ para o ‘mercado’.” Mesmo sendo difícil, os docentes precisam resistir a toda

forma de precarização, toda estratégia que vise dificultar, atrapalhar ou até mesmo impedir a

produção cognitiva e criativa dos docentes, funcionários e alunos. Todas essas mudanças

objetivam alcançar metas e obter resultados que se sintetizam em cifras. A “gestão por

resultados”, como afirma Mancebo (2011), provoca mudanças organizativas no processo de

trabalho que impactam diretamente no aumento da intensidade do labor docente e na

qualidade do ensino. Assim, a função social das IES se esvae diante da voracidade financeira.

Tiveram muitas mudanças e os docentes resistiram, pois agora trabalhamos com

colegiados, que tomam as decisões e nós temos que cumprí-las. Os professores não

entendiam, eles queriam planejar a aula, sendo que havia um plano de ensino pré-

estabelecido para padronizar as disciplinas em todos os horários. As ementas e os

cursos foram padronizados. A gente sempre trabalha com o cumprimento de metas e

prazos. Então, às vezes, para a gente cumprir metas, a gente sofre algumas pressões.

(Docente “B”, grifo nosso)

Essa composição organizacional de agudas mudanças retira a autonomia profissional e o

sentido pedagógico e acaba provocando o adoecimento do professor. As transformações nas

IES afetam e desvalorizam o trabalhador docente, “que perde a sua autonomia e passa a ser

controlado, adequado e uniformizado segundo critérios de produtividade, a partir da lógica

racionalizadora do capital.” (CHAVES, 2005, p. 148).

112

Uma das mudanças mais citadas pelos docentes é a política da Anhanguera de juntar

turmas. A maioria dos docentes tem mais de 200 alunos. Tem professor que chega a ter mais

de 400 alunos (Docente “F”) só na instituição, isso implica em mais provas e trabalhos para

corrigir, preenchimento de formulários e documentos de controle da sua própria atividade,

dinamização das aulas, que tiveram de ser readaptadas ao novo modelo de sala superlotada.

Há um paradoxo. O positivo é que houve uma injeção significativa de computadores,

livros [...]. O que eu não achei positivo é ter uma sala com 70, 80, 90 alunos. O ponto

complicador é que se perde o maior contato com os alunos. Quando eu falo em perder o

contanto, eu falo de discussão, troca de ideias, maior interatividade. Eu diria que perdeu

um pouco a qualidade, em termos de disseminação do conhecimento por parte do

professor. Ele não consegue dar aula com uma sala com 90 alunos. (Docente “L”, grifo

nosso)

Após a Anhanguera ter adquirido a instituição, houve avanços e retrocessos. Mas os

dados apontam que as perdas superaram os avanços. Os avanços incidem em mais recursos

materiais, folha de pagamento em dia, carteira assinada, plano de saúde31. O contraponto é

que as perdas impactaram diretamente nas condições do trabalho docente, na autonomia do

professor e, consequentemente, na qualidade do ensino. Os professores têm que

“hiperotimizar o tempo” (MANCEBO, 2010) para dar conta de realizar todas as atividades

previstas. A intensificação das atividades promove a sobrecarga de trabalho e gera o

esgotamento profissional. É preciso resgatar a qualidade formal e política proposta por Demo

(2001, 2002).

Na instituição privada, o professor se sacrifica mais. Na pública, ela fica poucas horas

em sala de aula [...]. Na privada, ele pega 40 horas ou mais em sala de aula, o

professor da pública nunca faz 40 horas em sala, faz 12 no máximo. (Ex-docente “C”,

grifo nosso)

O trabalho docente nas IESPs caminha em consonância com a lógica da acumulação

capitalista, e o trabalhador é exaurido em sua força, em função da intensidade do trabalho que

precisa realizar para garantir uma remuneração minimamente considerável com a função

desempenhada. Com o cansaço físico e mental, a qualidade do ensino fica a desejar. A análise

de Marx ilustra a voracidade do capitalismo diante do trabalho:

31

Vale ressaltar que o plano de saúde é um benefício raro no setor. Em Brasília, das 64 IES, só o grupo Anhanguera e uma universidade confessional oferecem esse benefício aos seus trabalhadores.

113

[...] em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por mais-trabalho, o capital atropela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo necessário para o consumo de ar puro e luz solar. Escamoteia o tempo destinado às refeições para

incorporá-lo onde possível ao próprio processo de produção, suprindo o trabalhador, enquanto mero meio de produção [...]. (MARX, 1996, p. 378-379).

Não importa como e em que condições o trabalho será realizado, o empresário

simplesmente aguarda os resultados. Para cumprir as tarefas, os docentes estendem as

atividades madrugada adentro, nos fins de semana, no seu tempo de descanso e lazer.

Nós estávamos acostumados com turmas pequenas de no máximo 30 alunos, e de repente

teve de lidar com turmas de 50-60 alunos. Então isso foi um desgaste, pois tem que fazer

várias provas diferentes, pois todo mundo faz prova coladinho; teve que adaptar a aula,

pois é um tempo menor com uma turma maior. (Ex-docente “C”, grifo nosso)

Hoje, o professor ganha um determinado valor para realizar suas tarefas, sendo que na

verdade sua carga de trabalho vai muito além do estabelecido, caracterizando uma

intensificação, extensão e sobrecarga. Alguns professores ressaltaram que desempenham

algumas funções que não são remuneradas.

Pelo volume de tarefas que a gente faz, até várias atividades além da função do curso,

acho que isso [o salário] pode ser melhorado. (Docente “B”, grifo nosso)

Eu acho que o salário poderia melhorar mais. Os empresários visam lucro, mas o

empregado recebe em cima de um limite estabelecido na planilha. (Docente “C”,

grifo nosso)

Nos últimos anos, a questão salarial tem sido alvo de amplo debate e reivindicação da

categoria docente pública e privada, principalmente por causa das mudanças organizacionais,

tecnológicas e produtivas que flexibilizaram o trabalho. Os docentes recebem abaixo do

necessário, e a média salarial nacional está aquém de seu próprio valor. O grau de autono mia

do professor vem diminuindo no mesmo ritmo intensivo de redução salarial, seja pela

ampliação da jornada de trabalho, seja pelo rebaixamento de seu nível de qualificação.

Apesar de eu ter falado que o salário é bom. Eu acho que deve haver uma valorização

dos professores, alguns professores dependem do pão de cada dia. Uma boa

remuneração atrai bons profissionais. Em outras profissões, a hora do profissional é 10

vezes maior. (Docente “G”, grifo nosso)

Como a prática de fusões e aquisições institucionais ainda não é regulada pelo governo,

o cerne principal da questão é o lado financeiro e não educacional. Portanto, o malefício para

114

os discentes e docentes é que as fusões visam à rentabilidade e não à promoção da educação

de qualidade e à valorização profissional. Essa realidade nos traz alguns questionamentos:

Quais são os impactos sociais da mercantilização e financeirização da educação? Como ficam

os professores, os alunos e a sociedade nesse jogo de interesses? Haverá espaço para a

qualidade educativa pautada em valores humanos? Qual é o nível da formação desses

profissionais que irão para o mercado de trabalho? Por que o governo não se posiciona e não

regula o setor? A fala abaixo aponta para a necessidade de uma fiscalização maior por parte

do governo:

Eu acho que uma questão importante seria a fiscalização do governo nas instituições

hoje. Apesar do MEC estar empenhado nisso, eu acho que ainda deixa a desejar. Teria

que ter uma fiscalização maior para ver se melhora o sistema como um todo.

(Docente “I”, grifo nosso)

Costa (2012), Guimarães-Iosif e Santos (2012), Tiradentes (2009b), entre outros,

apontam para a necessidade de regulação do setor. Conforme citado no capítulo V, o governo

acabou de criar mais um Projeto de Lei, nº 4.372 (BRASIL, 2012a), que visa à regulação,

inclusive das fusões e aquisições institucionais, e à fiscalização do sistema. Antes mesmo de

ser aprovado, já está sendo alvo de diversas críticas por parte das associações que representam

a iniciativa privada, como a ABMES. Esperamos que na quebra de braço entre governo e

“empresários da educação”, os interesses da maioria, isto é, da população, venham prevalecer.

Enquanto alguns docentes estão preocupados com o futuro e clamam para que o setor

seja fiscalizado e regulamentado pelo governo, o Docente “F” é totalmente favorável à

inserção do capital internacional na educação.

Os grupos estrangeiros já compraram coisa muito mais importante que a educação .

Tem que vim, investir e botar pra funcionar. Dinheiro é dinheiro. (Docente “F”, grifo

nosso)

A visão desse docente é totalmente mercantil e está de acordo com a ideologia das

companhias educacionais, da OMC e do próprio neoliberalismo, onde a educação só é mais

um setor que deve se submeter às regras do mercado. A lei da mais-valia instalou-se dentro do

ambiente educacional, corrompendo seu significado, processos, objetivos e relações.

Essa categoria tem achados intrigantes, enquanto alguns docentes veem a educação

como um negócio e acham normal o processo de mercantilização e até mesmo importante no

sistema capitalista; outros apontam que, para o sistema funcionar e alcançar ganhos em escala,

eles estão sendo silenciados (perdendo a autonomia), ao mesmo tempo em que as condições

115

de trabalho estão mais precarizadas e intensificadas. Com as aquisições institucionais, muitos

docentes estão sendo demitidos, estes passaram a viver pressionados. A maioria das falas

nessa categoria aponta que o aumento de alunos nas turmas prejudicou consideravelmente a

qualidade do trabalho docente e do ensino. Ao fazermos uma breve análise institucional com

base na teoria de Lourau (2004a), constatamos que as mudanças que permeiam o trabalho

docente, visam à cooptação e à exploração da própria subjetividade do trabalhador, bem como

constituem-se na ideologia do sobretrabalho em busca da mais-valia. É um processo de

sobreimplicação do trabalho docente.

6.1.4 Relações e condições de trabalho dos docentes

Considerando a complexidade da esfera do trabalho, a categoria em tela tem a finalidade

de compreender as relações e as condições de trabalho dos docentes na instituição privada,

objeto de investigação.

A maioria dos professores considera que a Instituição tem uma infraestrutura boa. Em

geral, as instalações atendem as necessidades dos alunos e dos profissionais: há ar

condicionado nas salas, nos laboratórios, na biblioteca; algumas salas de aula são grandes, até

mesmo porque as turmas têm em torno de 60-80 alunos, dependendo do curso, têm data show.

No entanto, os professores que trabalham na área de tecnologia acham que poderia m ter mais

equipamentos e laboratórios.

Como o curso é muito técnico, eu sinto falta de laboratórios mais especializados.

(Docente “G”).

O vínculo do docente com a instituição é estabelecido por meio de contrato de trabalho

e carteira assinada, exigência da própria instituição.32 Esse é um aspecto positivo ressaltado

pelos docentes, uma vez que, segundo eles, muitas instituições da região não assinam a

carteira e o regime de trabalho é informal. Na instituição, apenas 12% dos docentes são

mestres e doutores, sendo que a LDB/1996 (BRASIL, 1996) determina que pelo menos um

terço do corpo docente das IES deve ser composto por mestres e doutores; e um terço dos

contratos de trabalho deve ser em regime integral.

Fazendo uma análise dos dados sobre o regime de trabalho dos docentes nas IES no

Brasil, a situação na Instituição da Anhanguera, objeto de investigação, é ainda mais

32

Conforme conversa informal com o “Diretor da Instituição”, “nenhum professor entra em sala de aula sem carteira e contrato de trabalho assinados”.

116

agravante: 100% dos docentes são horistas. Nas IES públicas, apenas 6,9% são horistas; nas

demais IESPs no País, o percentual fica em torno de 48% (BRASIL, 2012c). Guerón (2011, p.

29) é bem enfático ao dizer que “a remuneração que segue a lógica do professor ‘horista’

simplesmente ignora a produção que sempre buscamos manter quando estamos fora das salas

de aula, produção essa da qual tanto depende a qualidade das aulas nas universidades

privadas”. Atualmente, nos deparamos com profundas mudanças, tanto no setor público

quanto privado, que precarizam ainda mais o trabalho docente, perante uma crescente

desvalorização e o não cumprimento da legislação educacional e trabalhista.

Para Vale (2011), com a formação dos conglomerados no setor privado, o trabalho

docente está ainda mais rigorosamente submetido às diretrizes da acumulação capitalista

flexível e vem se desenvolvendo sob duras condições: predominância do regime hora/aula,

PCs inconsistentes e falta de estímulo à pesquisa e à qualificação profissional. Em boa parte

das instituições, as condições de trabalho correspondem ao avanço do sobreimplicação do

capital na exploração do trabalhador.

Em um contexto geral, as instituições privadas não estabelecem um regime de

exclusividade com o corpo docente, levando-os a buscar vínculos com outras instituições. Dos

15 docentes entrevistados, somente 4 não tinham um outro emprego, sendo que destes, 2,

além de serem professores, são coordenadores e passam parte do dia e da noite na Instituição.

Conforme a Tabela 5, verificamos que a carga horária semanal total dos docentes é elevada,

40% trabalham, em média, 55 horas semanais. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL,

1988), artigo 7º, inciso XIII, estabelece que a duração da jornada deve ser de, no máximo, 8

horas diárias e 44 horas semanais, exceto nos casos de negociação onde se estabeleça a

compensação ou redução da jornada. No entanto, a jornada de trabalho, da maioria dos

docentes no País, ultrapassa o previsto na legislação, uma vez que o trabalho do professor é

um trabalho que se estende ao horário pago pela Instituição.

Tabela 5 – Carga horária semanal total dos docentes.

Carga horária semanal

total

Docentes

(%)

Até 30h 1 (6,6%) De 31 a 40h 3 (20%) De 41 a 50h 3 (20%)

De 51 a 60 h 6 (40%) De 61 a 70h 1 (6,6%) Acima de 71 1 (6,6%)

Total 15 (100%)

Fonte: autora

117

A sobrecarga de atividades impacta na qualidade de vida do professor, bem como

interfere na qualidade do ensino (MANCEBO, 2010). Pelos relatos, observamos que

prevalece o elevado número de horas trabalhadas, seguido de jornadas extensas e constantes.

O corpo docente da Instituição é constituído por professores “integrantes do quadro de

carreira docente” e “colaboradores”. Estes são contratados em caráter eventual de substituição

ou para o desenvolvimento de programas especiais. Os professores integrantes do quadro de

carreira atendem a quatro categorias funcionais, a saber: professor auxiliar (graduados),

professor assistente (especialistas), professor adjunto (mestres) e professor titular (doutores).

Em cada categoria, a partir da categoria “professor assistente”, existem 5 níveis de ascensão

para promoção, que correspondem ao “tempo de casa” e à “pontuação exigida para cada

promoção”.

As atividades consideradas para pontuação estão relacionadas à produção intelectual,

que corresponde à publicação de livros, capítulos, artigos, pesquisas e trabalhos acadêmicos,

apostilas, palestras; a atividades extraclasses ou curriculares como coordenação de cursos de

extensão e graduação, orientação de alunos; e à avaliação docente (pelos alunos e instituição)

que seja igual ou superior a “7”. As pontuações para ascensão nas categorias são um pouco

elevadas, visto que os professores da instituição não têm o hábito, nem tempo para escrever e

publicar artigos, tampouco realizar pesquisas. Nos últimos 3 anos, dos 15 docentes

entrevistados, somente 4 (Docente “A”, Docente “E”, Docente “G”, Ex-docente “B”) tiveram

publicações. Os Docentes “B” e “C” enviaram este ano um artigo para a própria Instituição,

que está em fase de análise. De acordo com Demo (2001, 2002), o professor que não

pesquisa, não escreve, não produz, apenas reproduz o conhecimento.

Quanto ao plano de carreira, 9 professores disseram que nunca chegaram a ler. O

Docente “E” disse que conhece, mas não chegou “a ler a fundo”, e o Docente “F” disse:

[O plano de carreira] É muito interessante. Eu sou tutora, eu estou praticamente fora

do plano, pois começa com professor auxiliar que é presencial e vai até professor titular

“E” (doutorado). É carreira de professor, você não vai deixar de ser professor para ser

coordenador. (grifo nosso)

O Docente “F” tem contrato de trabalho e carteira assinados, porém, como ele mesmo

afirma: está praticamente fora do plano. Ele é “professor tutor”, isto é, apenas colaborador, e

não “professor integrante do quadro de carreira” como consta no plano institucional. O

discurso do docente é contraditório com a sua própria realidade. Como ele pode considerar o

PC interessante, sendo que ele nem figura no PC?

118

Durante as entrevistas, acompanhamos por cinco dias a rotina dos professores na

instituição e observamos que há lanche e café, cada dia é um cardápio diferente (por exemplo

: pão com presunto e queijo e café / pão de queijo e café / brioche e café). Pelas informações

obtidas durante esse período, os docentes estão satisfeitos com alguns benefícios que a

instituição oferece. Eles acham importante o lanche, pois, geralmente, vêm de outro trabalho e

não têm tempo para lanchar. Os planos de saúde e odontológico são um dos benefícios mais

citados pelos docentes.

Temos benefícios de saúde, odontológico e políticas de incentivo a treinamentos. A

instituição oferece cursos com descontos ou até mesmo isenção. (Docente “G”).

As duas pós que eu estou fazendo são gratuitas. Temos plano de saúde e

odontológico, café com pão de queijo [...]. (Docente “F”, grifo nosso)

Já fiz cursos que a instituição disponibiliza para os docentes, curso em EAD de

formação de tutores [...]. Outros benefícios, plano de saúde, cartão benefício em que o

docente pode fazer compras nas redes conveniadas (consignado na folha de pagamento).

(Docente “C”, grifo nosso)

A instituição também oferece cursos de pós-graduação, com descontos e até mesmo

isenção, e cursos de formação continuada para os docentes. Quase todos os docentes já

realizaram algum curso pela Instituição. A Anhanguera Educacional oferece bolsas de

mestrado e doutorado para os docentes, mas não têm os cursos em Brasília. Infelizmente, não

conseguimos ter acesso ao programa, para saber maiores detalhes sobre como é o processo de

seleção para essas bolsas. No entanto, os professores disseram que não conhecem ninguém

que já tenha se beneficiado e afirmam:

Existem alguns incentivos para quem quer fazer mestrado e doutorado, mas é limitado.

Não conheço ninguém que está fazendo . (Docente “B”, grifo nosso).

As bolsas de mestrado e doutorado são fictícias, eu não conheço ninguém que

conseguiu [...]. Eles dificultam o processo. (Ex-docente “A”, grifo nosso).

Mestrado aqui em Brasília não tem, isso só a nível de São Paulo. (Ex-docente “D”,

grifo nosso).

Segundo conversa informal com o Diretor, os docentes em Brasília têm a oportunidade

de fazer o mestrado a distância, em “Meio Ambiente”, em uma universidade do grupo. No

entanto, não há nenhum docente que tenha interesse em fazer mestrado nessa área. Assim, o

curso ofertado pelo grupo Anhanguera no momento não condiz com os anseios dos docentes.

Apesar dos benefícios ofertados pela Instituição, com a formação dos conglomerados na

educação superior, a primeira implicação do novo modelo de gestão empreendido é a questão

119

da falta de autonomia do professor (que está cada vez mais em xeque), a intensificação do

trabalho e a precarização das condições de trabalho.

A gente não tem autonomia e os planos de ensino das disciplinas são muito

incompletos, são muito ruins. Por exemplo, uma disciplina que teria que ter pelo menos

6h semanais, tinha 2h. Aí vinha o plano de ensino superincompleto e eu tinha que fazer

mágica, a gente fazia mágica para priorizar os conteúdos mais importantes. Tinha que

otimizar o tempo e sobrecarregar os alunos de informação , porque tinha de falar

muita coisa. O plano de ensino da minha disciplina, que era Química Farmacêutica, tinha

que ser de 6h semanais no mínimo, mas só tinha 3h. Era um plano de ensino gigante, com

muita coisa a ser dada. Eu olhava e via que era impossível de dar aquilo tudo em 3

créditos, mas eu tinha que fazer mágica, pois além de tudo eu tinha que dar aquele

conteúdo muito extenso e ainda dar aula prática [...]. O plano vem pronto e as aulas

práticas predeterminadas e nem sempre isso é bom. (Ex-docente “C”, grifo nosso).

Segundo Freire (2006), o currículo padronizado, o currículo de transferência, é uma

forma mecânica e autoritária de se educar o cidadão. É uma estratégia de manipular, à

distância, as atividades dos educadores e dos educandos. O que se ouve muito dos professores

é que eles estão sempre correndo para “dar a matéria”, para “cumprir o programa”, para

“fechar a grade”. Além de terem de cumprir metas e prazos todo semestre e, no próximo

semestre, se ele ainda estiver empregado, começa tudo de novo. Os docentes “são

pressionados a usarem certos livros didáticos, ou a dar certos tópicos obrigatórios, numa dada

ordem prescrita, em aulas demais, com alunos demais.” (SHOR, 2006, p. 110). O currículo e

as novas diretrizes na instituição tornaram-se uma angústia permanente ao professor. Para

mudar essa realidade tecnocrata e opressora, Freire (2006) aponta para a necessidade de uma

educação como prática de liberdade e de uma prática pedagógica voltada para autonomia e

para intervenção social. A educação como prática libertadora está longe de ser ofertada pela

instituição, pois esta visa à formação voltada para as necessidades do mercado.

A exigência de uma nova formação [para o mercado] requer a mudança dos cursos. Então

essa especificidade acaba deixando de lado alguns conhecimentos que poderiam facilitar

a formação humanista. (Docente “A”, grifo nosso).

Essas transformações, que tocam a essência da educação superior, modificaram os

sentidos da formação e, consequentemente, da qualidade. Na lógica da privatização, “a

formação se reduz ao adestramento para o exercício de profissões, ou capacitação de

indivíduos para a ocupação de postos de trabalho, devidamente caracterizados, e o

enfrentamento das disputas acirradas que a competitividade engendra em todos os níveis.”

(DIAS SOBRINHO, 2002, p. 15). Segundo o autor, as instituições, ao inserirem-se nos

120

processos competitivos e tornarem-se mais eficientes, operam um deslocamento ético. Os

valores de primeira ordem – cidadania, solidariedade, justiça, tolerância – são substituídos por

ícones economicistas – eficiência, produtividade, lucratividade, utilidade. Essa é a realidade

de grande parte das IES brasileiras que estão formando os cidadãos para o futuro.

Ao comprar a instituição, a Anhanguera mudou a grade curricular dos cursos, os planos

de ensino e de curso, diminuiu a carga horária dos cursos e reduziu o número de professores

em cada curso. Amparada na legislação, a companhia instituiu pelo menos uma disciplina a

distância em todos os cursos. A Portaria 4.059, de 10 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004),

regulamentou a oferta de até 20% da carga horária total dos cursos de graduação em

disciplinas a distância ou semipresenciais.

Houve uma mudança radical no modelo pedagógico e institucional. Os grandes grupos

estão instituindo um processo de padronização que se manifesta em aulas engessadas,

programadas fora do contexto, muitas vezes distante da realidade local. A ação pedagógica é

mercantilizada, pois vai ao encontro dos novos modelos de gestão, que lhes usurpam a

autonomia e o sentido. Os procedimentos adotados representam ainda o controle ideológico

da formação e a descaracterização do conhecimento científico, supondo sua neutralidade.

“Somente uma concepção positivista de ciência e de pedagogia pode comportar currículos

engessados, padronizados, industrializados; textos únicos selecionados por especialistas,

tecnocratas, como se estivéssemos simplesmente tratando de escolhas técnicas e não

ideológicas”. (TIRADENTES, 2011, p. 18).

Essa concepção positivista está retratada na forma com que as atividades e os programas

são estabelecidos na Instituição. Um exemplo é o “Programa Livro Texto”, onde um grupo de

professores se reúne e escolhe um livro que atende a grade curricular de determinada

disciplina. Definido o livro, a Instituição faz um acordo com a editora, que publica edições

exclusivas para a rede com um preço bem reduzido, em torno de 70% abaixo do valor de

mercado.

O plano de ensino já vem pronto, você não constrói [...]. Como você vai desenvolver

seu trabalho, se você já tem até os livros que seus alunos têm que ler. Na verdade, tem o

Programa Livro Texto, os professores são obrigados a usar a bibliografia que eles

trazem, da mesma forma que as aulas já vêm prontas. É uma pressão, é uma ditadura

dentro da instituição. Eu ministrava a disciplina de Educação Lúdica, e a disciplina

tinha o programa livro texto que travava um pouco a disciplina, que é essencialmente

prática. O professor é meio escravo da figura desse programa. (Ex-docente “B”, grifo

nosso).

O objetivo dos grupos internacionais é retorno financeiro a todo custo. Não interessa

como o aluno vai ser formado. (Docente “H”, grifo nosso).

121

É no espaço das relações com os investidores que “ocorre a aprovação do projeto

curricular” das companhias educacionais. O objetivo é “padronizar a produção em todas as

‘unidades fabris’ da ‘empresa’ [...] para a obtenção de ‘ganhos em escala’.” (TIRADENTES,

2011, p. 18). Segundo Demo (2002), para que haja superação do currículo instrucionista, é

mister promover uma concepção de educação fundamentada nas habilidades do saber pensar e

do aprender a aprender, práticas essenciais para a construção de uma política social

emancipatória. Reverter a situação vigente é extremamente difícil, mas não impossível.

Outro ponto que dificulta o trabalho dos docentes é a falta de conhecimento e habilidade

dos alunos que chegam à faculdade. Dos 15 professores entrevistados, 13 alegam que os

alunos vêm muito fracos do ensino médio e não conseguem acompanhar o curso. Esse fator

implica diretamente na qualidade do curso e na qualidade do trabalho desenvolvido em sala

de aula, pois eles não podem cobrar do aluno e acabam se desgastando muito para que o aluno

possa compreender o conteúdo. Além de terem de ser maleáveis quanto aos prazos dos

trabalhos, pois, mesmo após as datas previstas para entrega, eles têm de receber os trabalhos.

Os Docentes “G” e “F” deixam claro que o lado financeiro está acima de todos os demais.

Boa parte dos alunos que vem do ensino médio tem dificuldade em acompanhar o

curso, é preciso selecionar melhor os alunos. Não há um filtro. As instituições privadas

visam o lado financeiro e deixam passar qualquer um. O fator financeiro está se

sobressaindo. Há 10 anos havia um filtro no vestibular, havia uma seleção, hoje

praticamente não existe. O que acaba desvalorizando o ensino [...]. As universidades

públicas conseguem fazer com que o aluno aprenda e formam profissionais mais

valorizados no mercado do que os das instituições privadas. O funil no setor público

ainda está bem apertado. (Docente “G”, grifo nosso)

No particular tem uma certa tolerância, porque o aluno além de ser aluno é cliente.

(Docente “F”, grifo nosso)

Ao falar em aprendizagem, percebemos que, por causa do ensino precário na educação

básica e da formação aligeirada (superficial) e racionalizadora contemporânea, empreendida

pelas redes de ensino, os alunos não estão conseguindo ter a habilidade formal e técnica, o

que implica na qualidade formal, tampouco assumir a condição de sujeito de história própria

(qualidade política). O Ex-docente “B” é bem enfático, ao dizer:

O interesse deles não é formar profissional de qualidade, porque se fosse não

demitiriam mestres e doutores. Você vê um doutor sendo mandado embora, porque

custa caro. Como diz o meu amigo, você custa caro. (Ex-docente “B”, grifo nosso)

122

Atualmente os alunos estão sendo formados por especialistas que estão substituindo

mestres e doutores demitidos. Será que os alunos terão as mesmas leituras, o mesmo

arcabouço teórico e prático que teriam ao estudar com docentes mais qualificados

academicamente? O Ex-docente “C” questiona:

Como esse aluno vai conseguir um emprego, se ele está aprendendo metade da metade do

que deveria? Qualidade não tem. (Ex-docente “C”)

A reportagem do Jornal da Nacional33, do dia 13 de agosto de 2012, retrata muito bem

o que a professora está falando. O noticiário informou que há um apagão de mão de obra

qualificada no País e a causa é a precariedade da educação. As empresas estão tendo

dificuldades para encontrar profissionais qualificados para preencher as vagas em muitos

setores da economia brasileira. Um aluno do 3º ano de economia fez um teste e das 30

palavras ditadas, ele errou 28. Durante a reportagem, o professor José Pastore, da USP,

destacou “o mundo do trabalho não quer apenas canudo, apenas diploma. A escola de hoje

ensina, na melhor das hipóteses, a passar no exame. Não ensina a pensar. E o trabalho

moderno exige o pensamento”.

Atualmente, o grande desafio da educação é a “qualidade educativa” (DIAS

SOBRINHO, 2002, 2010), porque curso tem muito, mas a qualidade, que visa à educação

crítica, emancipatória e libertadora, poucos têm. O problema é que muitos alunos querem

mágica e visam apenas a um diploma. Esse tipo de aluno acha que o diploma vai resolver a

vida dele, ainda que ele não tenha o conhecimento necessário para desempenhar a sua função.

E o diploma não resolve. Hoje temos muitos recém-formados que não têm emprego.

A base do ensino superior é muito fraca, você não tem o tripé ensino, pesquisa e

extensão. Você não tem pesquisa na instituição privada, não da forma que existe na

instituição pública. (Ex-docente “B”, grifo nosso )

O modelo da Anhanguera é de um grupo grande e que massifica o ensino... A gente fala que é um ensino fast food. (Ex-docente “C”, grifo nosso)

Esta ideologia empresarial e a cultura globalizada centrada na padronização dos valores

utilitários e nos benefícios materiais que invadem de algum modo toda a sociedade, inclusive

os seus espaços de formação, já foi cunhada como mcdonaldização (DIAS SOBRINHO,

2002, p. 16). O ponto mais grave, para Dias Sobrinho (2010), é que com essa prática vem o

33

Matéria intitulada: “Dificuldade de encontrar mão de obra qualificada afeta economia brasileira”. Ver mais em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/08/dificuldade-de-encontrar-mao-de-obra-qualificada-afeta-economia-brasileira.html>.

123

individualismo, o utilitarismo, a maximização dos rendimentos a qualquer preço, a cultura e o

culto dos resultados.

Parece haver, segundo Guerón (2011, p. 27), “em uma parcela das universidades

privadas brasileiras, certa nostalgia do capitalismo industrial e do seu modo de produção

fordista, uma vez que seus donos não param de repetir que a universidade deve se submeter

completamente ao que chamam abstratamente de ‘mercado’”. Termo este que aparece no

discurso das “redes de ensino” como uma espécie de transcendente cultuado, ao se estabelecer

que a única função da universidade seria a formação de mão de obra para uma determinada

forma de organização de produção. Neste caso, a vida universitária se reduz a uma preparação

que se assemelha a um “treinamento” em decorrência de um emprego predeterminado. De tal

modo que toda atividade produtiva e subjetiva de docentes e discentes fique reduzida a uma

corrida de obstáculos por um diploma constitutivo de superioridade social e um posto de

trabalho. A visão de mundo e de sociedade dessas instituições foge a uma visão

emancipatória.

Para Mancebo, Maués e Chaves (2006), o docente está imerso em uma nova

organização do trabalho, que o configura enquanto trabalhador de um sistema produtivo-

industrial. As mudanças e consequências dessa nova realidade são múltiplas, e, quase sempre

desastrosas: a) intensificação do regime de trabalho – resultando em sofrimento subjetivo,

neutralização da mobilização coletiva, aprofundamento do individualismo competitivo e

mudanças de conduta; b) precarização do trabalho docente – principalmente no que tange às

(sub)contratações; c) flexibilização do trabalho – por meio de novas atribuições muitas das

quais eram desenvolvidas por funcionários de apoio; d) processos avaliativos que visam à

eficiência e alta produtividade do professor. Sem falar na questão da autonomia que, a cada

dia, se comprime mais.

Nessa categoria, observamos que a instituição não atende ao proposto na LDB

(BRASIL, 1996): 1/3 de mestres e doutores e 1/3 de contratos em regime integral, os dados da

instituição são piores que os das demais IESPs no país. Os docentes têm uma carga horária

semanal total elevadíssima, em média 55h, fora o horário de trabalho realizado na hora de

descanso. A padronização dos currículos e dos cursos é uma questão muito comentada pelos

docentes, pois além de afetar a qualidade do ensino, retira-lhe a autonomia. Em suma, os

professores não têm espaço para se posicionar e discutir suas ideias. Eles trabalham em um

ambiente opressor.

124

6.1.5 Consciência política do docente: sindicalismo e engajamento social

A presente categoria tem o objetivo de compreender a visão dos docentes em relação ao

sindicato que os representa. No que se refere às condições de trabalho e às relações com a

Instituição a qual são membros, percebe-se um certo “conformismo” por parte dos docentes,

acompanhado por uma desistência na busca por mecanismos de luta contra o gigantismo

financeiro que assola a educação, principalmente a privada. O sentimento de pertença, de

mobilização e de união dos professores é bastante limitado. Apenas dois docentes (“A” e “D”)

são afiliados ao sindicato das instituições particulares. A maioria não percebe ou não tem

consciência de que o isolamento do trabalhador e o individualismo colocam em risco não só

as conquistas trabalhistas adquiridas por meio de intensas lutas, como também inviabiliza a

conquista de melhores condições de trabalho, melhores salários e mais estabilidade

empregatícia.

Segundo Demo (2000, p. 40), o educador “precisa ir às vias de fato, ou seja, buscar

formas de cidadania coletivamente organizada, mais capaz de se confrontar com o mercado. É

esta competência política, no fundo, que eleva o salário mínimo, impõe condições de

contratação e dispensa de trabalhadores”. É por meio da politicidade, organização coletiva,

que o educador tem a possibilidade de se tornar sujeito capaz de história própria. O processo

emancipatório se desenvolve por meio da consciência do sujeito, de dizer não à pobreza

política, procurando meios de superação, propondo alternativas, organizando-se em

associações. Só assim os docentes se libertarão da opressão vivida e sairão da condição da

massa de manobra.

Somente 3 docentes (“B”, “D” e “I”) acreditam que o sindicato traz melhorias. O

Docente “I” acrescentou:

Apesar de acreditar que o sindicato contribui para a melhoria das condições de

trabalho, acho que o trabalho desenvolvido poderia ser mais significativo. (Docente “I”,

grifo nosso).

Podemos perceber – por meio da fala dos entrevistados – um descrédito quanto à

atuação sindical. Eles disseram que houve um enfraquecimento, que as associações e

organizações sindicais, nos anos de 1980/90, tinham mais força. Eles têm a visão de que o

sindicato não tem cumprido seu papel na luta pelos direitos e defesa da categoria.

125

Eu acredito que eles já contribuíram muito, mas no final dos anos 1990 muita coisa

mudou [...]. Existem muitas instituições (sindicatos) e poucas as ações no sentido de

perceber as necessidades e as mudanças. (Docente “A”, grifo nosso)

Não só os sindicatos, mas também os partidos de massa e a maioria das organizações

populares sofreram duras pressões e influências do pensamento hegemônico neoliberal na

década de 1990, que enfraqueceram e fragmentaram os grupos que representam a classe

trabalhadora em todo o mundo. Segundo Guimarães-Iosif (2009), a consequência é que a

classe trabalhadora, principalmente os docentes, está cada vez menos organizada e que os

sindicatos que os representa estão sem rumo, sem metas que evidenciem preocupação efetiva

com a qualidade da educação e com melhores condições de trabalho para a categoria. De

acordo com as entrevistas, os docentes não veem o trabalho desenvolvido pelo sindicato.

Eles representam a classe, mas eu não consigo ver o trabalho desenvolvido por eles. (Ex-

Docente “A”)

Pelo menos o sindicato das instituições particulares não faz nada. (Ex-Docente “C”)

Não sei dizer até que ponto contribuem, em alguns casos só atrapalham. (Docente “H”).

Eles trazem pouco resultado. (Docente “E”)

Segundo o Representante do Sindicato, embora o sindicato ainda seja um pouco ausente

no dia a dia das instituições, a organização não deixa passar nada do ponto de vista do direito

do professor. As convenções da categoria são celebradas no sentido de manter e ampliar os

direitos conquistados.

A gente briga muito. Todo ano, nas nossas convenções, a gente tem conseguido ganho

real. E eu faço uma avaliação que em um curto espaço de tempo a gente vai ter um

sindicato como era nos anos 80. (Representante do Sindicato, grifo nosso)

Todavia, a fala abaixo evidencia que os docentes gostariam de ver uma postura mais

ativa do sindicato.

Eles não são que nem o Sinpro [Sindicato dos Professores das Instituições Públicas], que

vem nas escolas uma vez por mês ou a cada 2 meses e mostra o que estão fazendo,

discute, chama a gente, faz debate. Com o SINPROEP eu não tive esse tipo de contato.

Eles nem perguntam se a gente quer se sindicalizar, quer ser fidelizado [...] Esse tipo

de contato eu não tive em nenhum momento. Isso porque a Anhanguera foi a 5ª IES

privada que eu dei aula. Eu acho esse tipo de contato super importante, mas com uma

ação nesse sentido que eu estou te falando, em termos de mostrar para a categoria o

que está fazendo, de pensar melhorias, de interferir junto à insti tuição, de ser uma

voz mesmo dentro da categoria, ainda mais lidando com a Anhanguera com o porte que

possui. (Ex-docente “B”, grifo nosso)

126

Segundo Santos (2010a), o movimento sindical deve reorganizar-se de modo a estar

mais próximo do quotidiano dos trabalhadores, das aspirações e dos direitos legítimos da

categoria enquanto cidadãos. É preciso que o sindicato quebre o distanciamento dos

trabalhadores. A energia política de globalização contra-hegemônica deve ocupar um lugar de

destaque na agenda e nas ações de organização do sindicalismo. O importante é que as

estratégias adotadas ou reivindicadas sejam autênticas: contestação genuína em vez de

contestação simbólica; participação em assuntos relevantes em vez de participação em

assuntos triviais. A ação reivindicativa não pode deixar de fora nada que afete a vida dos

trabalhadores.

Eu acho que eles fazem muito barulho, muita bagunça e pouco resultado . O que traz o

resultado mesmo é o próprio diálogo com a instituição. (Docente “F”, grifo nosso)

Santos (2010a, p. 396) pontua que “o sindicalismo já foi mais movimento que

instituição. Hoje é mais instituição que movimento.” Nesse período de reconstituição

institucional, o sindicalismo corre o risco de se esvaziar, caso não se reforce como

movimento. Estamos diante de um esvaziamento de sentido não só carreira docente, mas

também na própria organização que os representa. A mobilização social tem de ser um palco

de discussão e luta pela qualidade e a dignidade de vida e não incidir simplesmente sobre

rendimentos.

Há um esvaziamento de sentido tão grande nos modos de ser, agir e pensar do educador,

que o Docente “E” chega a acreditar, que mesmo diante do dragão financeiro-econômico, é

mais fácil alcançar melhores condições de trabalho dialogando com a instituição do que se

organizando coletivamente. “As condições reais da vida cotidiana foram plenamente

dominadas pelo ethos capitalista, sujeitando os indivíduos [...] ao imperativo de ajustar suas

aspirações de maneira conforme.” (MÉSZÁROS, 2008, p. 80). Vivemos sob condições de

uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do real estado das coisas dentro

da consciência.

O Sinproep-DF, sindicato que representa os docentes da instituição investigada, é fruto

da fragmentação dos movimentos sindicais. O Sinproep-DF surgiu há sete anos, “após decisão

política tomada pela diretoria do Sinpro-DF, que reconheceu a necessidade da formação de

uma entidade específica para atender as demandas dos docentes do setor privado de ensino.”

(REVISTA CONTEÚDO, 2009, p. 23). Até então, existia um sindicato único, que era o

Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF). O sindicato tinha duas realidades na mesma

categoria. Desde que o Sinpro-DF foi dividido, o Sinproep-DF está em um processo de

127

reorganização. Portanto, o sindicato está em um processo de construção; sem falar da própria

questão da rápida expansão do número de IESPs na região. “Nos anos 80, havia 12 faculdades

em Brasília, hoje há 64. Havia 50 escolas particulares à época, hoje há quase 600. O processo

é dinâmico e a estrutura do sindicato ainda é limitada”, afirmou o Representante do Sindicato.

Antunes (2006) avalia que as metamorfoses em curso no mundo do trabalho afetaram a

forma de ser da classe trabalhadora e das organizações sindicais em escala mundial, tornando-

as mais heterogêneas, fragmentadas e complexas. Segundo Dal Rosso (2009, p. 15), “a

fragmentação constitui um empecilho de monta na conquista de direitos para os

trabalhadores”. Observa-se atualmente o avanço da divisão no interior da instituição sindical.

Apesar da fragmentação do sindicato no DF e das limitações devido ao processo de

reorganização e da expansão da educação superior privada, que hoje tem um amplo domínio

do setor, as falas do “Representante do Sindicato” apontam que o sindicato tem se mobilizado

e lutado pelos direitos da classe. Uma questão muito preocupante é a demissão. As demissões

em massa nas instituições do grupo Anhanguera têm sido alvo de grande debate. De acordo

com o “Representante do Sindicato”, não há mecanismos que impeçam a instituição de

demitir, pois a instituição é privada e tem esse direito. No entanto, existe uma convenção

coletiva que reza todos os direitos dos professores. Então, quando o professor é demitido, o

sindicato fiscaliza todos os direitos trabalhistas. “Coloca-se uma lupa na relação de trabalho e

não deixa passar nada do ponto de vista financeiro-trabalhista,” afirmou o Representante do

Sindicato.

No estado de São Paulo, por exemplo, teve uma audiência pública na Câmara dos

Vereadores, em fevereiro de 2012, justamente para verificar o porquê desse grande número de

demissões. Constatou-se que as demissões não levam em consideração o aspecto pedagógico.

A instituição demite simplesmente pela lógica do mercado, ou seja, ela usa a estratégia de

aumentar o número de alunos em sala de aula e, com isso, ao invés de dois professores, ela só

precisa de um. Apesar de ser proibido por lei, algumas instituições vêm tentando reduzir o

valor da hora/aula. Várias já tentaram fazer isso e os sindicatos têm entrado com ações na

justiça para manter o valor da hora/aula.

Hoje a gente tem uma rotatividade [de professores] em torno de 25% por ano no

ensino superior, ou seja, com isso você não tem uma continuidade pedagógica do

projeto, porque o professor entra e sai da instituição sem nenhum critério .

(Representante do Sindicato, grifo nosso)

O Representante do Sindicato afirmou que é preciso entender que no governo FHC, na

gestão do ministro Paulo Renato (1995-2002), houve a expansão sem precedentes do ensino

superior, onde o MEC credenciou várias faculdades do setor privado. Essa expansão

128

desencadeou na precarização da educação, pois não houve uma regulamentação do setor.

Segundo o Representante, necessitamos de políticas que especifiquem critérios de

funcionamento, de avaliação; modelos de plano de carreira; critérios para demissão dos

docentes, não apenas a demissão pela lógica do mercado.

Um outro ponto é a regulamentação da educação a distância, que hoje é praticamente

inexistente. É claro que houve um avanço do ponto de vista do acesso da população

ao ensino superior, mas houve ao mesmo tempo a precarização da qualidade do

ensino e das relações de trabalho. (Representante do Sindicato, grifo nosso)

Um ponto relevante nessa categoria é que os docentes querem mais representatividade

do sindicato, no entanto, não têm o entendimento da real necessidade de se organizarem e de

se fortalecerem para enfrentar os patronatos quanto à desregulamentação a que estão sendo

submetidos: planos de carreira inconsistentes; pressão constante de demissão; redução da

carga horária. Extrai-se dos discursos que eles demonstram pouco interesse pelos

acontecimentos relacionados à área em que atuam e também pelo sindicato que os representa.

Como foi ressaltado anteriormente, grande parte dos docentes desconhece as políticas e os

programas voltados para a educação superior e não são sindicalizados. Quando questionados

sobre as fusões e aquisições, abertura de capital na bolsa de valores e a inserção do capital

estrangeiro no setor, 8 docentes afirmaram desconhecer ao menos um desses processos.

Capital internacional? Eu não sei nada disso. (Docente “J”).

[Fusão institucional] Essa palavra é nova pra mim. Não sei nada disso. (Ex-docente “A”).

[Abertura na bolsa] Não sei nada sobre isso. (Ex-docente “A”).

[Abertura na bolsa] Não sei. (Docente “D”, Docente “E”, Docente “G”, Docente “H”, Ex-

docente “C”).

Causa estranhamento, um professor que trabalha para um dos maiores grupos

educacionais no mundo desconhecer sobre o assunto. Tem professor que não sabia sequer que

a Anhanguera tem o capital aberto na bolsa de valores.

Eu não sabia que a Anhanguera abriu capital na bolsa de valores. (Ex-docente “C”).

Um outro aspecto é que só falaram das demissões em massa os docentes que foram

demitidos. Dos 11 que ainda atuam na instituição, nenhum falou sobre o assunto. Nas palavras

de Lourau (2004a, p. 193), estamos diante da “autogestão [...] da alienação”. É mister que o

129

sindicato busque uma aproximação maior com os docentes, que se desperte o fenômeno

dialético entre a categoria e a organização sindical. A inércia, a não mobilização e

participação dos docentes pode manter e até mesmo promover ainda mais a flexibilização, a

desregulamentação trabalhista, a intensificação e precarização das condições de trabalho. Há

um longo caminho para que seja construída a consciência e a atuação política do professor.

6.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise do trabalho docente na instituição pesquisada forneceu elementos

fundamentais à elaboração da discussão aqui apresentada. A nova forma de gestão pública da

educação brasileira sofreu influência direta do atual modelo de governança que reconfigurou

o papel do Estado e promoveu a consolidação do segmento privado no setor. Esse universo

instaurado pelo neoliberalismo não é nada mais que a financeirização da educação. Nesse

contexto, o sistema de educação superior sofreu mudanças significativas que buscam

interpretar e responder ao atual cenário econômico, social e político. Com a entrada de novos

atores no setor e a inexistência de políticas públicas que regulem o mercado das fusões, a

educação superior privada transformou-se literalmente em mercadoria. Esses fatores acabam

influenciando diretamente nas condições de trabalho dos docentes e, como consequência,

comprometem a qualidade do ensino e a função social das IESPs do País.

A oferta de capital da Anhanguera na bolsa de valores permitiu que o grupo ampliasse

seus recursos por meio de investimentos nacionais/internacionais e aflorasse as negociações.

A partir do momento que a empresa tornou-se uma companhia, foram criados mecanismos de

reestruturação por meio da “gestão racionalizadora” que se caracteriza pelos seguintes

elementos: a) corte de gastos com pessoal – vários professores foram demitidos

(principalmente mestres, doutores e os docentes mais antigos que tinham salários mais altos) e

outros foram contratados com salários menores; b) redução do número de professores:

intensificando as atividades dos que permaneceram; c) cumprimento de metas e prazos; d)

todos os cursos presenciais passaram a ter ao menos uma disciplina ofertada a distância; e)

padronização dos cursos – que em alguns casos não estão em acordo com as especificidades

das regiões; f) junção de turmas; g) diminuição da carga horária dos cursos – os professores

têm de repassar todo o conteúdo com um tempo menor; h) currículos engessados,

padronizados – o projeto curricular das companhias educacionais é aprovado no “espaço das

relações com os investidores”, para a obtenção de ganhos em escala (TIRANDENTES, 2011).

130

Todas essas mudanças visam à valorização do capital investido e atingem diretamente o

trabalhador docente, que fica submetido às diretrizes da acumulação flexível.

Todas essas práticas empreendidas pela Anhanguera promovem a sobreimplicação do

trabalho docente, que se relaciona à subjetividade da mercadoria, onde o principal objetivo a

ser alcançado é extração da mais-valia para a obtenção do lucro máximo. A sobreimplicação

contribui para práticas de acumulação de tarefas, sendo esta a realidade dos docentes que

respondem à lógica capitalista contemporânea. Nas IESPs, principalmente nas companhias

educacionais, a flexibilização e acumulação de tarefas tornaram-se uma máxima, por meio da

institucionalização das práticas descritas acima.

A grande contradição que percebemos em algumas falas dos professores é que, apesar

de a maioria ter conhecimento do processo de mercantilização na educação, muitos ainda não

têm a consciência de que é essa dinâmica que está afetando as suas condições de trabalho, a

autonomia e a qualidade do ensino. Com base na fala dos entrevistados, muitos professores

são favoráveis às fusões institucionais e à inserção do capital estrangeiro na educação. Como

disse o Docente “F”, “os grupos estrangeiros [...] têm que vim, investir e botar pra funcionar.

Dinheiro é dinheiro”. Eles não percebem que, diante do processo de fusões e aquisições

institucionais, promovido pela inserção do capital internacional e pela abertura de capital na

bolsa de valores, eles estão ficando cada vez mais sem espaço e acabam sendo forçados a

aceitar as diretrizes impostas pelas empresas de ensino. Caso contrário, assumirão a condição

de desempregados.

Com a formação dos oligopólios, fenômeno contemporâneo na educação superior

privada, se um professor for demitido de uma instituição do grupo, dificilmente ele vai

arrumar outro emprego na educação superior. A não ser que ele passe em um concurso para

trabalhar em uma IES pública ou que seja convidado pela instituição a retornar, todavia com

piores condições de trabalho (carga horária menor, salário mais baixo e sobrecarga de

trabalho). Como a instituição não prioriza o estabelecimento de vínculo de exclusividade com

o docente, este, por uma questão empregatícia e salarial é levado a assumir outros vínculos,

geralmente com instituições também particulares.

Além de todas essas metamorfoses, os docentes qualificados encontram dificuldades

para se firmar no mercado de trabalho. Dos 15 docentes entrevistados, somente 2 são mestres

e 1 é doutor, sendo que os 2 mestres foram demitidos (fazem parte dos ex-docentes

entrevistados). A instituição não busca um profissional com titulação máxima, ao contrário, as

contratações em quase sua totalidade priorizam docentes especialistas, que têm uma

131

remuneração menor, isto é, o valor da hora/aula é menor. A instituição visa, a todo custo, ao

enxugamento da folha para aumentar os ganhos em escala.

O resultado para os docentes é uma extenuante jornada de trabalho e uma carga horária

total semanal fragmentada e ampliada. Esse estudo constatou que 53% dos docentes

trabalham mais de 50 horas semanais. Eles já se acostumaram a ter de trabalhar em 2, 3, até 4

instituições; já faz parte da “carreira docente”. Nas outras profissões, é difícil nos depararmos

com essa situação do trabalhador qualificado ter mais de três empregos para atingir um salário

razoável.

Quando questionado sobre o salário, o Docente “G” afirmou que estava bom: “estou

conseguindo pagar a prestação do meu carro e do meu apartamento”. O trabalho do docente

constituiu-se em uma moeda de troca. Há certo “conformismo” por parte dos docentes. O

atual modelo de governança do Estado brasileiro, ao mesmo em tempo que enfraqueceu as

ações coletivas, fortaleceu os grandes grupos privados. Ao analisarmos as categorias –

“Anhanguera Educacional: aquisições institucionais e abertura na bolsa de valores” e as

“Relações e condições de trabalho do docente” – constatamos que os docentes entrevistados

estão mais preocupados com a questão das mudanças organizacionais, oriundas da gestão

racionalizadora, que afetaram diretamente a qualidade do ensino, do que com as perdas

salariais e outras limitações advindas desse processo.

A ética do mercado invadiu a ética humana e social ao impor padrões de qualidade do

ensino baseada na eficiência e eficácia e suprimiu o desenvolvimento da qualidade educativa

pautada em valores, que priorizam a formação integral do cidadão. Cidadão este conhecedor

de seus direitos, questionador, capaz de imprimir mudanças. Os discursos dos docentes

apontam que a padronização dos cursos, dos currículos e do sistema atingiu diretamente a

qualidade do ensino e não somente suas condições de trabalho.

A educação superior privada está marcada pela consolidação dos conglomerados, que

traz em seu bojo um jogo nebuloso de interesses entre capital e investidor. Encontrar

alternativas capazes de conter a flexibilização das relações de trabalho e manter os direitos

básicos até então conquistados é o grande desafio dos docentes e das organizações sindicais.

“A tendência à instrumentalização dos movimentos sociais e à condenação da escola a um

eterno estado vegetativo formam parte de um mesmo processo: a despolitização da vida social

promovida pelo neoliberalismo nesta virada de século” (GENTILI, 2001, p. 121).

A compreensão do que ocorre no contexto educacional e nas demais questões

relacionadas à área deve ser uma premissa dos educadores e pesquisadores educacionais. O

educador crítico tem consciência das relações de poder que permeiam a governança e a

132

política educacional e busca meios para reivindicar por espaços onde todos possam ser

ouvidos e ter seus direitos defendidos. A não conformação com as imposições do sistema, já é

o primeiro passo para que ocorram mudanças. Conforme Guimarães-Iosif (2012, p. 64), “se o

primeiro passo é a conscientização da situação de exploração, o segundo precisa ser a

organização e a reivindicação social coletiva e organizada. Os educadores não podem ser

apenas expectadores de políticas, precisam ser agentes”.

É preciso reverter essa situação dos docentes estarem tornando-se apolíticos. Eles não

discutem e não questionam as suas relações e condições de trabalho. Os docentes

entrevistados acham que o sindicato deveria fazer mais pela categoria, no entanto, não

percebem que o ponto de virada, também, tem de partir deles. É preciso lutar, ir em busca de

melhores condições. Para Lourau (2004a), o sujeito está no coração do jogo – social,

econômico e político – independente da posição ocupada, existem espaços para que ele possa

compreender os processos metapolíticos que o atravessam. É mister que essa situação também

seja problematizada na esfera pública, visto que 75% dos estudantes e mais da metade das

funções docentes estão nas instituições de ensino superior particulares. O Estado precisa dar

mais atenção a esse setor. A academia também não pode se silenciar diante dessa

problemática.

6.3 SUGESTÕES DE QUESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS

Diante das limitações do presente estudo de caso, sugerimos investigações futuras que

discutam questões que foram levantadas ao longo da pesquisa. As questões estão agrupadas a

partir dos eixos temáticos a seguir:

a) Política e governança da educação superior: quais são os atores que governam a

educação superior no Brasil e quais são seus interesses? O que cabe ao Estado, ao

mercado e à sociedade civil dentro do modelo de governança hegemônico ancorado em

um dinâmico processo de fusões e aquisições entre os grandes grupos educacionais e

financeiros? Por que o Estado, em vez de criar tantos programas que subsidiam a

formação dos universitários nas IESPs, não abre mais espaço para que os estudantes

possam ter acesso a uma educação superior pública? Qual é o custo de um aluno

(graduando) nas redes pública e privada?

b) Fusões institucionais e abertura de capital na bolsa de valores: caso o Projeto de Lei

4.372/2012 seja aprovado, até que ponto o INSAES, que objetiva regular o processo de

fusões e aquisições institucionais, vai dar conta de priorizar a qualidade do ensino?

133

Como fica a situação das instituições menores nesse cenário onde os grandes grupos

educacionais estão engolindo os pequenos? Diante do cenário em que a educação é

tratada como mercadoria, como ficam as questões éticas, humanas e sociais?

c) Condições de trabalho, valorização e formação continuada: o que os docentes podem

fazer para resgatar sua autonomia dentro das empresas de ensino? Como as IESPs estão

contribuindo para a formação continuada dos docentes?

d) Consciência política do docente e sindicalismo: diante do cenário de sobreimplicação

do trabalho, por que os docentes não se unem para pleitear melhores condições de

trabalho? Como é possível superar o enfraquecimento e a fragmentação dos sindicatos

que representam a categoria docente, principalmente dos sindicatos que representam a

categoria privada? Como a sociedade civil pode se organizar e lutar pela formulação de

políticas contra-hegemônicas? Por que os estudantes também não estão se mobilizando?

As discussões das questões levantadas poderão trazer muitas respostas ou apontar pistas

importantes para ao atual cenário de financeirização da educação superior no País e para o

resgate da valorização e autonomia docente dentro das IESPs. A conjuntura que assola a

educação superior e os seus trabalhadores não é um dado natural, mas vem sendo construída

pelo avanço contínuo do capitalismo e da consolidação dos oligopólios, portanto esse quadro

é passível de mudanças, de uma nova reconfiguração. Como dizia Paulo Freire (2000, p. 130),

“para a busca de uma tal ampla e profunda superação necessitamos de outros valores que não

se gestam nas estruturas forjadoras do lucro sem freio, da visão individualista do mundo, do

salve-se-quem-puder.”

134

CONCLUSÃO: O OLHAR DA PESQUISADORA

O presente estudo buscou investigar as sobreimplicações da formação dos oligopólios

no trabalho docente, tomando como referência uma instituição adquirida pelo maior grupo de

educação superior da América Latina – Anhanguera Educacional.

O atual modelo de governança educacional, instalado a partir da década de 1990,

promoveu a diversificação e a fragmentação do sistema educacional, criando um mercado

extremamente atraente para a iniciativa privada. Nesse contexto, a educação é vista como

mercadoria e a liberalização para o capital estrangeiro é vista como uma estratégia para

maximização dos lucros. A abertura de capital na bolsa de valores abriu as portas para

inserção massiva do capital estrangeiro no setor e resultou na formação e consolidação dos

oligopólios, que são caracterizadas pela concentração de alunos e instituições nas mãos dos

principais grupos educacionais do País. Esse processo, ao não ser regulamentado pelo

governo, atinge diretamente as condições de trabalho do docente, a qualidade do ensino e a

função social da universidade.

Atualmente, a concepção de universidade dos grandes grupos educacionais é focada na

gestão por resultados, que atua em consonância com as políticas capitalistas neoliberais, que

visam à intensificação do trabalho docente frente à racionalização dos custos. Prática esta

constatada na instituição investigada. Por meio da concentração de alunos e instituições e dos

lucros divulgados nos relatórios financeiros trimestrais em domínio público, o grupo tem se

destacado no mercado nacional e internacional. O contraponto é que os funcionários da

instituição, principalmente os docentes, e a qualidade do ensino sequer têm espaço nesse

cenário. A qualidade da educação tem sido reduzida às suas dimensões quantitativas,

baseando-se nos princípios da eficácia e eficiência difundidos por organismos como o Banco

Mundial e a Organização Mundial do Comércio e pelos modelos de avaliações externos.

Assim, o investimento na formação ética, humana e social é desprezado e visto como gasto

desnecessário, como algo que deve ser evitado.

Tal qual uma grande empresa, a gestão da instituição é centralizada. Os discursos dos

docentes deixam claro que as ordens fluem de cima para baixo, pouco importando a opinião

dos trabalhadores. Os planos de ensino, os currículos, até mesmo a forma como as aulas serão

ministradas, já vêm prontos de São Paulo, Estado onde se localiza a mantenedora da

instituição. A preocupação do grupo é a obtenção do lucro máximo e não a realidade local da

instituição e da população. Em geral, as funções docentes na instituição se reduzem às

135

atividades em sala de aula. Os docentes, praticamente, não pesquisam e nem participam de

projetos de extensão.

A instituição funciona como uma “franquia”, tudo já vem pronto e instituído pela

mantenedora. A gestão acadêmica não ocorre mais no ambiente interno das unidades, mas nos

espaços das relações com os investidores, ou seja, na esfera financeira regional, nacional e/ou

internacional. Assim, o aluno é visto como cliente e o professor como operário que vende sua

força de trabalho. O avanço do capital na exploração do trabalhador despreza a natureza do

trabalho pedagógico e as implicações políticas e sociais envolvidas, assim a força de trabalho

do docente passou a ser uma mercadoria negociável e com um “valor comercial” cada vez

mais baixo.

Atualmente, o trabalhador docente é comparável a um “robô”, pois lhes foram

extirpadas a “voz” e a “autonomia”, o objetivo é estabelecer um clima de neutralidade dentro

e fora da sala de aula e o engessamento das atividades desenvolvidas. Um exemplo dentro da

instituição é o “Programa Livro Texto”, no qual um livro específico é adotado para atender a

grade curricular de cada disciplina. O docente não pode trabalhar com outras referências

bibliográficas, devendo se restringir ao livro escolhido por um determinado grupo de

professores.

Na instituição investigada, 100% dos docentes recebem por hora/aula, sendo que a

legislação estabelece que 1/3 do corpo docente trabalhe em regime integral. A remuneração

por hora/aula não leva em consideração o trabalho extraclasse que o professor desenvolve

cotidianamente. Nesse regime, o professor não recebe para preparar aula, orientar alunos,

corrigir provas e trabalhos, fazer pesquisa, atuar em projetos de extensão, assim, acaba

estendendo essas atividades para as suas horas de descanso. Essa situação não permite a

preparação criteriosa das aulas, a qualificação profissional, tampouco o desenvolvimento de

projetos de pesquisa e extensão. Essa é uma questão crítica, pois o docente tornou-se um

“aulista”. Durante as entrevistas, poucos professores reclamaram sobre esta situação, parece

que esse regime de trabalho não os incomoda. Será que eles se encontram tão alienados diante

desse processo que ainda não tomaram consciência política do fato? O sobretrabalho está

atingindo diretamente a qualidade de vida do docente e a qualidade do ensino.

Um ponto intrigante é que, embora os docentes reclamem da falta de segurança no

emprego, da carga excessiva do trabalho, da falta de autonomia, da gestão centralizada, da

redução da carga horária dos cursos, da perda da qualidade do ensino, alguns acham normal o

processo de mercantilização da educação e até mesmo necessário diante da economia

globalizada. Alguns docentes ainda não se deram conta de que é a relação entre

136

neoliberalismo/mercantilização/educação que promove e intensifica todos esses fatores. Com

algumas exceções, os professores não questionaram as políticas que permeiam a área

educacional, tampouco o gigantismo econômico-financeiro instalado na instituição por causa

da abertura de capital na bolsa de valores e do investimento internacional.

O estudo aponta que a maior parte dos docentes ignora ou desconhece essa relação.

Ficou evidente que os docentes entrevistados, quase a totalidade, não têm envolvimento com

o sindicato. Eles acreditam que as associações não têm feito nada pela categoria e não estão

cumprindo com o seu papel enquanto organizações sindicais. Há, por parte desses

profissionais, um esvaziamento do sentido político de movimentação, de busca e luta pelos

seus interesses.

A sobrecarga, a intensificação e a precarização são processos que, de uma forma velada,

sobreimplicam o trabalho docente por meio de aspectos subjetivos, que em busca do

sobretrabalho visam à produção de mais-valia em prol da instituição. A rapidez, a produção e

a competição estão presentes no dia a dia do professor. Esses mecanismos, que fazem parte da

nova ordem hegemônica instalada, exigem um novo tipo de profissional: flexível; ativo; que

atenda às exigências do mercado; que otimiza seu tempo; que acelera suas atividades para

alcançar o rendimento máximo. Imersos no trabalho, os docentes não dispõem de tempo para

pensar, analisar e discutir sobre sua profissão. Assim, o individualismo se faz presente e,

como efeito, esvazia os espaços coletivos de mobilização e reivindicação.

Pensar esse processo como algo que pode ser mudado é um desafio. Fortalecer os

movimentos sindicais, promover o engajamento dos docentes, fomentar redes de discussão

são alternativas para a mudança desse cenário. É imperativo que os docentes, juntamente com

o sindicato e associações, se unam para pleitear com o governo uma legislação que ampare e

proteja seus direitos. Além dessa questão, o Estado precisa se posicionar e adotar uma política

educacional que supervisione a inserção massiva do capital estrangeiro no setor e as fusões e

aquisições institucionais.

O governo deu um sinal verde para a regulação desse processo, ao criar o Projeto de

Lei 4.372/2012, que prevê a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da

Educação Superior (INSAES). O projeto foi direcionado ao Congresso Nacional com a

assinatura de três ministros – Aloizio Mercadante, da Educação; Miriam Belchior, do

Planejamento; e Guido Mantega, da Fazenda. A expectativa é que o projeto não seja

engavetado como tantos outros. A educação, uma das principais estratégias para o

desenvolvimento do país, não pode ser controlada pelo mercado privado.

137

Destarte, propomos que o Estado adote políticas que estabeleçam critérios para a

formulação do plano de carreira dos docentes das instituições de ensino superior; que o

sindicato se aproxime mais da categoria e trabalhe com pautas unificadas e efetivamente

representativas; que os docentes se organizem coletivamente e lutem pelos seus direitos,

exercendo sua cidadania politicamente. É mister que o Estado regule e fiscalize o processo de

privatização das instituições de ensino superior no País e os contratos trabalhistas. O estudo

aponta para a necessidade de se estabelecer limites para os atores nacionais e internacionais

que incentivam e financiam a governança da educação superior privada no Brasil. O modelo

hegemônico vigente precisa ser repensado porque prioriza a expansão dos oligopólios, da

internacionalização e do lucro, em detrimento de melhores condições de trabalho para os

docentes e, consequentemente, da qualidade da educação.

138

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150

APÊNDICE A

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Prezado Professor / Representante do SINPROEP-DF,

Gostaria de convidá-lo para participar de uma pesquisa referente à minha dissertação de

mestrado da Universidade Católica de Brasília, que tem por finalidade investigar “A

governança da educação superior privada: sobreimplicações da formação dos

oligopólios no trabalho docente”. A sua contribuição consiste em participar de uma

entrevista que será gravada.

A entrevista será conduzida por mim, Aline Veiga dos Santos.

Este Termo garante a você os seguintes direitos:

1) Solicitar a qualquer tempo maiores esclarecimentos sobre a pesquisa;

2) Sigilo absoluto sobre seus dados pessoais, bem como qualquer informação que possa

levar à sua identificação pessoal ou à instituição à qual pertence;

3) Recusar a responder questões ou a fornecer informações que julgue prejudiciais à sua

integridade física, moral e social;

4) Recusar-se a participar da pesquisa, se julgar conveniente.

Sua participação é fundamental. As gravações serão arquivadas com os responsáveis

da pesquisa e analisadas. Maiores informações, bem como os resultados da pesquisa poderão

ser obtidos por e-mail. Para isso, se desejar, escreva seu e-mail abaixo.

“Eu declaro estar ciente das informações constantes neste ‘Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido’. Entendo que minha participação é voluntária. Li e entendi o

procedimento. Concordo em participar desta pesquisa e recebi uma cópia deste formulário.

Fico ciente de que uma cópia deste termo permanecerá arquivado com o Professor

responsável”. Caso resolva retirar ou acrescentar alguma informação, pode entrar em contato

com os pesquisadores abaixo:

Pesquisadora: Aline Veiga dos Santos

Contato: [email protected]

(61) 8111-4851

Orientadora: Drª Ranilce Guimarães-Iosif

Contato: [email protected]

(61) 8502-7988

Brasília, __________ de _________________ de 2012.

Participante:___________________________________________________________

E-mail (opcional): ______________________________________________________

151

APÊNDICE B

Roteiro da Entrevista – Professor

Titulação máxima:_____________________________

Faixa etária: ( )entre 20 e 30 anos ( ) entre 31 e 40 anos ( ) entre 41 e 50 anos

( )entre 51 e 60 anos ( ) acima de 61 anos

Tempo de carreira como professor universitário: ____________________________

Tempo de atuação na Instituição: ________________

Regime de Trabalho: ( ) exclusivo ( ) integral ( ) parcial ( ) horista

Carga horária semanal: ________________________

Curso que trabalha: ___________________________

EIXO I – Relação do professor com a Instituição e o sindicato

1. Como você se sente na instituição?

2. Existe alguma política de incentivo ou benefício profissional na instituição? 3. Você conhece Plano de Carreira da Instituição?

4. Você tem autonomia dentro da instituição para opinar nas decisões e/ou para escolher sua

metodologia de trabalho? Há estabilidade de emprego na instituição? Tem algum colega

seu que foi demitido recentemente? Caso a resposta seja positiva, saberia explicar porque

ocorreu a demissão?

5. Você se sente valorizado na Instituição?

6. Você é afiliado a sindicatos / associações ou participa de algum outro movimento de sua

categoria? Acredita que estes movimentos contribuem para a melhoria das suas condições

de trabalho? Comente.

EIXO II – O professor e as condições de trabalho

1. Seu curso promove projetos de pesquisa e extensão? Caso resposta seja positiva, como é a

sua participação? Comente.

2. Você participa de eventos acadêmicos (na Instituição e/ ou fora da Instituição)?

3. A Instituição investe na formação continuada dos docentes? Comente.

4. Você publicou algum artigo ou livro nos últimos 3 anos? Quantos?

5. Você está satisfeito com o seu salário? Qual seria o valor de uma remuneração

satisfatória?

6. Você trabalha em outra instituição ou tem um outro emprego? Caso a resposta seja

positiva, por que precisa ter outro emprego? Qual é a sua carga horária semanal total? O

outro emprego é na mesma área?

7. Quantas turmas você tem? São quantos alunos por sala? Quantos alunos no total?

8. Quais são as principais pressões vividas hoje por um professor que trabalha em uma

instituição privada?

9. Quais são as implicações da concentração de alunos e instituições no trabalho docente?

10. Você está satisfeito com suas condições de trabalho na Instituição? O que poderia ser

melhorado: ambiente de trabalho, recursos, equipamentos, salário, formação?

11. No que se refere às condições de trabalho dos docentes na educação superior, você

percebe alguma diferença entre o setor privado e o público? Comente.

152

EIXO III – Gestão e governança

1. Como é a gestão desta Instituição? Qual o seu nível de participação nos colegiados e

decisões?

2. Como são escolhidos os gestores dos cursos de graduação? Vocês participam da escolha?

3. Você sabe quem governa o grupo Anhanguera? Quais são os princípios educacionais do

grupo?

4. O que você entende por governança educacional? Na sua opinião, como está a governança

educacional da educação superior no Brasil? Quais são os maiores avanços e desafios

desse segmento educacional?

5. Quais são as políticas que regulam a educação superior no Brasil e qual a sua opinião

sobre elas?

EIXO IV – Percepção dos docentes quanto ao processo de fusão e aquisição

institucional, às implicações no trabalho docente e à qualidade do ensino

1. Você trabalhava na Instituição quando ela foi adquirida pelo grupo Anhanguera?

Ocorreram mudanças? Quais foram as implicações dessas mudanças no trabalho docente?

2. Qual é o impacto das negociações (fusão e aquisição institucional) na educação superior?

3. O que você sabe sobre a abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa de valores?

Saberia falar do impacto dessa prática na educação superior no Brasil?

4. O que você sabe sobre a inserção do capital estrangeiro nas instituições de ensino superior

brasileiras? Quais são as implicações dessa prática?

5. Qual é o impacto da aquisição dessa instituição pelo grupo Anhanguera na qualidade da

educação?

6. No que se refere à qualidade do ensino na educação superior, você percebe alguma

diferença entre o setor privado e o público? Comente.

Você gostaria de acrescentar alguma outra questão que não foi abordada nesta entrevista?

Qual?

Muito obrigada pela colaboração!

153

APÊNDICE C

Roteiro da Entrevista – Professor demitido

Titulação máxima:

Faixa etária: ( )entre 20 e 30 anos ( ) entre 31 e 40 anos ( ) entre 41 e 50 anos

( )entre 51 e 60 anos ( ) acima de 61 anos

Tempo de carreira como professor universitário:

Tempo de atuação na Instituição adquirida:

Regime de Trabalho quando trabalhava na instituição: ( ) exclusivo ( ) integral ( )

parcial ( ) horista

Valor da hora/aula recebida na instituição:

Carga horária semanal:

Curso que trabalhava:

EIXO I – Relação do professor com a Instituição e o sindicato

1. Como você se sentia na instituição?

2. Existia alguma política de incentivo ou benefício profissional na instituição?

3. Você se sentia valorizado na Instituição?

4. Você conhecia Plano de Carreira da Instituição?

5. Você tinha autonomia dentro da instituição para opinar nas decisões e/ou para escolher

sua metodologia de trabalho?

6. Você era ou é afiliado a sindicatos/associações ou participava de algum outro

movimento de sua categoria? Acredita que estes movimentos contribuem para a

melhoria das suas condições de trabalho? Comente.

EIXO II – O professor e as condições de trabalho

7. A Instituição investia na formação continuada dos docentes? Comente.

8. Você participava de eventos acadêmicos (na Instituição e/ ou fora da Instituição)?

9. Enquanto trabalhava na instituição, você publicou algum artigo ou livro? Quantos?

10. Você estava satisfeito com o seu salário? Qual seria o valor de uma remuneração

satisfatória?

11. Você trabalhava em outra instituição ou tinha um outro emprego? Qual era a sua carga

horária semanal total? O outro emprego era na mesma área?

12. Quantas turmas você tinha? Eram quantos alunos por sala? Quantos alunos no total?

13. Quais são as principais pressões vividas hoje por um professor que trabalha em uma

instituição privada?

14. Quais são as implicações da concentração de alunos e instituições no trabalho

docente? 15. No que se refere às condições de trabalho dos docentes na educação superior, você

percebe alguma diferença entre o setor privado e o público? Comente.

EIXO III – Gestão e governança

154

16. Como era a gestão da Instituição? Qual era o seu nível de participação nos colegiados

e decisões?

17. Como eram escolhidos os gestores dos cursos de graduação? Vocês participavam da

escolha?

18. Você sabe quem governa o grupo Anhanguera? Quais são os princípios educacionais

do grupo?

19. O que você entende por governança educacional? Na sua opinião, como está a

governança educacional da educação superior no Brasil? Quais são os maiores

avanços e desafios desse segmento educacional?

20. Quais são as principais políticas/programas da educação superior no Brasil e qual a

sua opinião sobre elas?

EIXO IV – Percepção dos docentes quanto ao processo de fusão e aquisição

institucional, às implicações no trabalho docente e à qualidade do ensino

21. Quando o Grupo Anhanguera adquiriu a Instituição ocorreram mudanças? Quais

foram as implicações dessas mudanças no trabalho docente?

22. Depois que a Instituição foi adquirida pelo Grupo, você ainda trabalhou na Instituição

por quanto tempo?

23. Por que você saiu da instituição? Foi demitido ou foi opção sua?

24. O que você já ouviu falar sobre fusões institucionais na educação superior? Qual é o

impacto dessas negociações (fusão e aquisição institucional) na qualidade do ensino?

25. O que você sabe sobre a abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa de

valores? Saberia falar do impacto dessa prática na educação superior no Brasil?

26. O que você sabe sobre a inserção de capital estrangeiro nas instituições de ensino

superior privadas? Quais são as implicações dessa prática?

27. No que se refere à qualidade do ensino na educação superior, você percebe alguma

diferença entre o setor privado e o público? Comente.

28. Voce gostaria de voltar a trabalhar na mesma instituição? Por que?

Você gostaria de acrescentar alguma outra questão que não foi abordada nesta entrevista?

Qual?

Muito obrigada pela colaboração!

155

APÊNDICE D

Roteiro da Entrevista – Representante do Sindicato dos Professores em

Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (SINPROEP-DF)

__________________________________________________________________________________

Entrevista com o Representante do SINPROEP-DF

1. Na sua opinião, como está a governança da educação superior no Brasil?

2. Como você percebe o crescimento do setor privado na educação superior no Brasil?

3. No DF, há quantos docentes atuando nas IES privadas? Qual é o regime de trabalho

desses profissionais?

4. As IES privadas no DF cumprem a exigência legal de constituição do quadro docente

no nível superior com 1/3 de mestres e doutores? E a Anhanguera?

5. O SINPROEP tem acompanhado o processo de fusões e aquisições de instituições de

ensino superior?

6. Qual é a percepção do sindicato quanto às implicações das fusões institucionais no

trabalho docente?

7. Como o sindicato vê a questão da abertura de capital dos grupos educacionais na bolsa

de valores?

8. Quais são as principais práticas que caracterizam o processo de precarização do

trabalho docente no ensino superior privado?

9. Quais são as ações do sindicato quanto a essas questões?

10. No estado de São Paulo, onde estão localizadas as maiores unidades do grupo

Anhanguera, tem havido demissões em massa. Como está a questão da demissão dos

docentes que atuam nas instituições do grupo Anhanguera aqui no DF?

11. Quantos professores atuam nas instituições do grupo Anhanguera no DF?

12. A Anhanguera cumpre as diretrizes estabelecidas no plano de carreira dos docentes?

13. Durante as entrevistas com os docentes, quando eu falo sobre o sindicato com os

docentes, eles dizem que houve um enfraquecimento, que o sindicato perdeu força.

Eles acham que o sindicato nos anos 80 e 90 tinha mais força. O que você pensa sobre

essa questão?

Você gostaria de acrescentar alguma outra questão que não foi abordada nesta entrevista?

Qual?

Muito obrigada pela colaboração!

156

ANEXO A

CM Consultoria – Tabela 1: Quadro geral de fusões e aquisições no Ensino Superior

privado – 2007/2011

157

158

159

160

161