principios do direito constitucional

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1 INTRODUÇÃO As bases fundamentais do sistema tributário brasileiro vêm estabelecidas na Constituição Federal. O constituinte originário delimitou competências, consagrou os princípios constitucionais tributários e enumerou as espécies tributárias. Os princípios constitucionais tributários constituem o cerne do presente trabalho e, pode-se afirmar, do próprio Direito Tributário. São os princípios que impõem limites ao poder de tributar do Estado e conferem reais garantias aos contribuintes. É devido à existência de tais princípios que a Constituição Federal fora denominada por Roque Antônio Carrazza como “Estatuto do Contribuinte”. Estatuto este que, conforme se verá, é constantemente desrespeitado por nossos legisladores que editam leis no intuito de mitigar a força imperativa de princípios fundamentais como o da legalidade e o da anterioridade. Dentre os princípios constitucionais tributários, destacam-se aqueles afetos ao Imposto sobre Produtos Industrializados, sobretudo o princípio da seletividade. A aplicação do referido princípio ao IPI não constitui mera faculdade do legislador ordinário, mas deve ser por ele rigorosamente observado.

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Page 1: Principios Do Direito Constitucional

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INTRODUÇÃO

As bases fundamentais do sistema tributário brasileiro vêm

estabelecidas na Constituição Federal.

O constituinte originário delimitou competências, consagrou os princípios

constitucionais tributários e enumerou as espécies tributárias.

Os princípios constitucionais tributários constituem o cerne do presente

trabalho e, pode-se afirmar, do próprio Direito Tributário. São os princípios que

impõem limites ao poder de tributar do Estado e conferem reais garantias aos

contribuintes.

É devido à existência de tais princípios que a Constituição Federal fora

denominada por Roque Antônio Carrazza como “Estatuto do Contribuinte”.

Estatuto este que, conforme se verá, é constantemente desrespeitado

por nossos legisladores que editam leis no intuito de mitigar a força imperativa

de princípios fundamentais como o da legalidade e o da anterioridade.

Dentre os princípios constitucionais tributários, destacam-se aqueles

afetos ao Imposto sobre Produtos Industrializados, sobretudo o princípio da

seletividade.

A aplicação do referido princípio ao IPI não constitui mera faculdade do

legislador ordinário, mas deve ser por ele rigorosamente observado.

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O critério de seletividade constitucionalmente estabelecido ao IPI é o da

essencialidade dos produtos e será também discutido neste trabalho.

Contudo, por se tratar o IPI de um imposto cuja função preponderante é

a extrafiscal, suas alíquotas poderão variar não somente em razão da

essencialidade dos produtos, mas também conforme o interesse do poder

público em estimular ou não determinados comportamentos do contribuinte.

O estudo do Imposto sobre Produtos Industrializados, suas hipóteses de

incidência e a não-cumulatividade a ele aplicável, constituem também objeto da

presente monografia.

Por fim, questiona-se a possibilidade de aplicação do princípio da

capacidade contributiva ao IPI, tendo em vista se tratar de um imposto indireto.

A seletividade em função da essencialidade dos produtos seria, para

alguns autores, uma forma de expressão da capacidade contributiva.

Pretende-se apresentar o Imposto sobre Produtos Industrializados e o

Princípio da Seletividade não somente como imposto e princípio previstos na

Constituição Federal, mas também como forma de se alcançar a justiça fiscal,

por meio de sua correta aplicação.

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1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS AFETOS AO IPI

A Constituição Federal como lei máxima do ordenamento jurídico, num

Estado Democrático de Direito, a todos submete e obriga nos limites das

normas editadas pelo legislador constituinte, bem como dos princípios

constitucionais por ele instituídos, expressa ou implicitamente.

Pode-se afirmar que os princípios consagrados pela Constituição

Federal são as diretrizes de todo o ordenamento jurídico e constituem o

alicerce, a essência, o fundamento das normas constitucionais e

infraconstitucionais.

Paulo de Barros Carvalho, apresenta a seguinte definição de princípios:

“Os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. (...) Algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos”. (2007, p.163)

São os princípios constitucionais que conferem validade a toda norma

infraconstitucional, sob pena de ser considerada inexistente, nula, anulável ou

ineficaz.

Na importante lição de Roque Antônio Carrazza, (2007, p. 42)

aprendemos que “(...) o princípio cumpre uma função informadora dentro do

ordenamento jurídico e, assim, as diversas normas devem ser aplicadas em

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sintonia com ele. Todas, só encontram a correta dimensão quando ajustadas

aos princípios que a Carta Magna alberga e consagra”.

Celso Antônio Bandeira de Mello apud Roque Antônio Carrazza (2007,

p.39), ensina que “princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um

sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua

exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá

sentido harmônico”.

Também as normas atinentes ao Direito Tributário devem ser

compreendidas e aplicadas à luz dos princípios constitucionais que as

informam.

Segundo exposto por Humberto Ávila:

“A Constituição Brasileira tem um título específico que regula tanto o “Sistema Tributário Nacional quanto as “Finanças Públicas”. Dessas disposições constitucionais resulta uma estrutura específica do sistema: as normas que regulam pormenorizada e profundamente a relação tributária estão organizadas em um sistema externo e separadas das finanças públicas; essas normas ocupam-se expressamente de questões tributárias. A determinação de um ordenamento constitucional formulado especificamente para um âmbito material faz com que o Direito Tributário ( e Financeiro) Brasileiro tenha seu fundamento (embora não exclusivo) na própria Constituição: os princípios gerais, as limitações ao poder de tributar e as regras de competência da União, dos Estados e dos Municípios estão dispostas na própria Constituição.” (2007, p.107)

Assim sendo, os fundamentos de todo o sistema tributário estão

estabelecidos na Constituição Federal, expressos, sobretudo, por meio dos

princípios que constituem a base desse sistema.

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Dessa forma, a ação tributária dos entes competentes para instituir os

tributos encontra-se submetida aos princípios que resguardam os direitos dos

contribuintes, impondo limitações ao poder de tributar do Estado.

Humberto Ávila assevera que:

“A rigidez específica das normas tributárias é também direta e indiretamente instituída: algumas são denominadas “garantias” (art. 150: legalidade, igualdade, irretroatividade, anterioridade, proibição de tributo com efeito de confisco, imunidades); outras mantém relação com os princípios fundamentais (princípio federativo, democrático e da separação dos Poderes) ou com direitos e garantias individuais cuja modificação é vedada”. (2007, p.110)

Como se vê, a própria Constituição Federal, ao disciplinar o Sistema

Tributário, tratou de delimitar a atuação do Poder Público, definindo

competências e estabelecendo regras ou princípios asseguradores dos direitos

do contribuinte, que devem ser obrigatoriamente observados pelos poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário.

Conforme explica Paulo de Barros Carvalho:

“Pertencendo ao estrato mesmo da Constituição, da qual se destaca por mero expediente lógico de cunho didático, o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações jurídicas que se estabelecem entre Administração e administrados”. (2007, p. 157)

Consoante o exposto, definidos estão os parâmetros de atuação do

Estado no exercício da tributação que, em decorrência das limitações impostas

pelos princípios constitucionais tributários, impedem o desrespeito aos direitos

fundamentais do contribuinte.

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Dentre os princípios constitucionais tributários, abordaremos neste

capítulo aqueles afetos ao IPI, quais sejam: legalidade, anterioridade,

anterioridade nonagesimal, irretroatividade, igualdade, capacidade contributiva

e seletividade.

1.1 Princípio da Legalidade

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, II, preceitua que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tal

determinação é a garantia constitucional de que somente a lei, editada em

perfeita conformidade com o processo legislativo previsto na própria

Constituição, pode privar os cidadãos de sua liberdade ou propriedade.

Destaca-se neste momento que, em Direito Tributário, este princípio

fundamental deve ser incondicionalmente observado. Trata-se de questão

relacionada à segurança jurídica do contribuinte, que não pode ser

surpreendido pela cobrança de um tributo não instituído ou majorado por lei,

sem prejuízo das demais garantias que lhe foram dadas pela Magna Carta.

O art. 150, I, da Constituição da República traz a vedação expressa aos

entes políticos – União, Estados, Municípios e Distrito Federal - de exigir,

reduzir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

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Podemos observar, nesta oportunidade, que o legislador constituinte

além de consagrar o princípio da legalidade no supracitado artigo 5º, II, optou

por reafirmá-lo no art. 150, I, ao tratar das limitações ao poder de tributar.

Para que um tributo seja validamente instituído, reduzido ou majorado, é

mister que o seja por meio de lei ordinária1, emanada do Poder Legislativo, e

que sobretudo, delimite “concreta e exaustivamente, o fato tributável”.

Na lição de Luciano Amaro:

“O princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Estado cobre tal ou qual tributo. È mister que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo(...).”(2007, p.112)

Portanto, o art. 150, I, deve ser compreendido levando em conta três

elementos básicos: a) refere-se à lei ordinária (ressalvados os casos de

exigência de lei complementar) - ato emanado do Poder Legislativo, sendo

quorum simples de aprovação; b) deve ser um ato emanado do Poder

Legislativo do ente competente para instituir o respectivo tributo; e c) deve

descrever minuciosamente o fato tributável, com todos os seus elementos

essenciais.

Conforme contribuição de Hugo de Brito Machado:

“Só por lei pode ser o tributo criado ou extinto (art.97, I, CTN). Lei, em sentido estrito, da entidade titular da competência tributária respectiva. O tributo federal só por lei da União pode ser criado ou extinto. O estadual, só por lei do Estado, e o municipal, só por lei do Município respectivo”. (2007, p.110)

1 A Constituição Federal prevê que a instituição de empréstimos compulsórios (art.148), imposto residual (art.154, I) e contribuições sociais (art.195, §4º) se dará mediante a edição de Lei Complementar.

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Diante das considerações feitas acima, tem-se como certo que tributo

algum é exigível se criado, majorado ou reduzido por meio de ato

administrativo do Poder Executivo. Vale destacar também que, sob nenhuma

hipótese é permitida a utilização de analogia ou presunções na interpretação

da norma tributária, sobretudo se algum prejuízo sobrevier ao contribuinte

diante de tal interpretação.

Roque Antônio Carrazza assegura que:

“(...) o princípio da legalidade, no direito tributário, não exige, apenas, que a atuação do Fisco rime com uma lei material. Mais do que isto, determina que cada ato concreto do Fisco, que importe exigência de um tributo, seja rigorosamente autorizado por uma lei. È o que se convencionou chamar de reserva absoluta de lei formal (Alberto Xavier) ou de estrita legalidade (Geraldo Ataliba)”. (2007, p.245)

O princípio da legalidade não comporta exceções, conforme se verá adiante.

1.1.1 O princípio da Legalidade em face do §1º do art.153 da Constituição

Federal

Algumas considerações se fazem necessárias em razão do §1º do

art.153 fazer menção expressa ao IPI, objeto de nosso estudo. O referido

parágrafo traz a seguinte redação: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas

as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos

impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”.

Questiona-se se haveria sido descrita neste parágrafo eventual exceção

ao princípio da legalidade.

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Neste ponto, tem-se que a referida norma deve ser interpretada

sistematicamente, à luz dos demais princípios constitucionais que informam

todo o ordenamento jurídico. Aplicável, neste caso, o princípio da interpretação

efetiva das normas constitucionais, segundo o qual deve prevalecer a

interpretação que mais eficácia atribui à norma constitucional.

Analisando a redação trazida pelo artigo, observa-se que o mesmo

permite ao Executivo que altere as alíquotas dos tributos ali citados, atendidas

as condições e os limites estabelecidos em lei. Depreende-se de uma

interpretação sistemática que tendo sido fixadas em lei as alíquotas daqueles

tributos, poderá o Executivo alterá-las nos limites pré-fixados pelo legislador

quando da instituição da respectiva lei. Não se trata de atribuição de

competência ao Executivo para alterar livremente as alíquotas do imposto

sobre a importação, imposto sobre a exportação, IPI e IOF.

Segundo Carrazza:

“A Constituição concede ao legislador a prerrogativa de apontar as alíquotas mínima e máxima de certos impostos, consentindo, assim, que o Executivo atue. Donde tudo nos leva a concluir que: a) os impostos alfandegários, o IPI e o IOF devem ser criados ou aumentados por meio de lei; b) tal lei poderá conceder ao Poder Executivo a faculdade de alterar as alíquotas destes tributos (simplesmente estabelecendo seus parâmetros mínimo e máximo); e c) esta lei poderá, ainda, fixar uma única alíquota, e, nesta hipótese, cairá por terra o permissivo constitucional, isto é, nada será facultado ao Poder Executivo no que concerne à majoração ou mitigação destes impostos. Estamos, aqui, pois, diante de uma faculdade, não da Administração, mas do legislador. Ele é que está autorizado a estabelecer “as condições e os limites” para que o Poder Executivo altere as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da CF”. (2007, p.296).

O que ocorre é uma mitigação do princípio da legalidade, que não

implica em exceção. Tanto é assim que o próprio artigo pressupõe e exige a

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existência de uma lei, emanada do Poder Legislativo, que fixe limites mínimos

e máximos para alteração dessas alíquotas.

Ademais, o destaque conferido aos tributos mencionados no art.153,

§1º, fortalece sobremaneira o princípio da estrita legalidade no que se refere

aos demais tributos, com relação aos quais sequer a alíquota poderá ser

alterada por ato do Executivo, ainda que as condições e limites tenham sido

fixadas previamente em lei.

Com relação ao IPI, no entanto, prevalece a obrigatoriedade do

legislador em fixar os limites de variação das alíquotas, para que o Executivo

as altere segundo o princípio da seletividade (art.153, §3º, I, CF).

1.1.2 O Princípio da Legalidade e as Medidas Provisórias

A princípio é necessário destacar que medida provisória não é lei. Trata-

se de um ato normativo, expedido pelo Presidente da República, em caso de

relevância e urgência (art.62, CF).

A eficácia das medidas provisórias é temporária, ou seja, somente

produzirão efeitos permanentes se convertidas em lei pelo Congresso

Nacional.

No que se refere à tributação, determina o art. 62, §2º da Constituição

Federal que ”medida provisória que implique instituição ou majoração de

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impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá

efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o

último dia daquele em que foi editada”.

Excetuados os impostos sobre importação, exportação, produtos

industrializados, operações de crédito, câmbio e seguro ou relativo a valores

imobiliários e imposto extraordinário, todos os demais tributos se instituídos ou

majorados por medida provisória somente serão exigíveis, conforme explica

Hugo de Brito “(...) no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida

em lei até o último dia daquele em que foi editada.” (2007, p.112).

Considerando a exigência imposta pelo princípio da anterioridade

nonagesimal, conclui-se que os tributos somente poderão ser exigidos no

exercício financeiro seguinte à edição da medida provisória se convertidos em

lei até noventa dias antes do término do exercício em que foram editadas.

Com relação aos tributos que constituem exceção à essa regra, dentre

eles o IPI, editada a medida provisória os mesmos serão exigíveis. Todavia,

para que os efeitos da medida permaneçam, ela deverá ser convertida em lei

pelo Congresso Nacional.

Hugo de Brito Machado observa que:

“As ressalvas ao princípio da legalidade não se confundem com as ressalvas ao princípio da anterioridade, embora todos os impostos albergados pelas primeiras estejam também ao abrigo das últimas. Nem se pode entender como ressalva ao princípio da legalidade a exclusão completa desse princípio para determinados impostos. Todos os tributos estão sujeitos ao princípio da legalidade, embora em relação a alguns impostos tal princípio se mostre mitigado”. (2007, p.111)

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Humberto Ávila também faz uma importante observação a respeito das

medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária:

“Os princípios e regras que decorrem do sobreprincípio do Estado de Direito, para assegurar segurança jurídica e democracia (arts. 1º, 5º e 150, I e II), e os requisitos constitucionais ( “em caso de relevância e urgência”) não receberam conteúdo normativo no caso da delimitação da competência para a edição das medidas provisórias. Isso demonstra que o significado protetivo do princípio da legalidade da tributação, apesar de expressamente estabelecido péla Constituição, que o coloca como espécie de “limitação” (art. 150, I, em conjunto com o art. 5º, II), foi diminuído pelo Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal permitiu, de fato, a instituição regular de tributos por medidas provisórias”. (2007, p.128)

1.1.3 O Princípio da Legalidade e a Contribuição de Intervenção no

Domínio Econômico (art. 177, §4º da CF)

O art. 177, §4º, I, “b” da Constituição Federal traz a seguinte disposição:

“a lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às

atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás

natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes

requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser : b) reduzida e

restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no

art. 150, III, b”.

A norma supracitada permite a redução e o restabelecimento da alíquota

da referida contribuição por meio de ato expedido pelo Poder Executivo.

Para Roque Antônio Carrazza:

“Inconstitucional, a “exceção” criada pela Emenda Constitucional 33, de 11.12.2001, (...) “permitindo” que tal tributo tenha sua alíquota “reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo”. Esta

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possibilidade de conceder isenções e de revogá-las fere o princípio da Separação dos Poderes”. (2007, p.300)

O princípio da legalidade, conforme já dito, implica na exigência

inafastável de que um tributo somente seja instituído, majorado ou reduzido em

virtude de lei emanada do Poder Legislativo.

Ao autorizar que o Poder Executivo reduza ou restabeleça a alíquota da

contribuição de que trata o art.177, a norma estaria contrariando o princípio da

legalidade estrita, bem como o princípio da separação dos poderes.

Diante disso, conclui-se pela inconstitucionalidade da referida norma.

1.2 Princípio da Anterioridade

O princípio da anterioridade está previsto expressamente no art.150, III,

“b” da Lei Fundamental, considerado também como limitação ao poder de

tributar dos entes políticos. É corolário da segurança jurídica e determina que

somente no exercício financeiro seguinte à criação da lei que instituiu ou

majorou um tributo, este poderá ser exigido do contribuinte.

A lei tributária, ao entrar em vigor, está apta a produzir todos os seus

efeitos. Porém, em obediência ao princípio da anterioridade tem sua eficácia

suspensa, já que será aplicada e efetivamente produzirá todos os seus efeitos

somente no exercício financeiro seguinte ao de sua publicação.

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Atrelado ao princípio em estudo está o princípio da anterioridade

nonagesimal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios, “cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da

data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado

o disposto na alínea b.” (art.150, III, “c”).

Além de estabelecer que os tributos criados ou majorados num dado

exercício financeiro somente poderão ser exigidos no exercício financeiro

seguinte, a Constituição determina, ainda, que esses tributos sejam cobrados

somente depois de decorridos noventa dias da publicação da lei que os instituiu

ou aumentou.

Aplicando estes dois princípios conjuntamente, temos que para produzir

efeitos logo no primeiro dia de janeiro do exercício financeiro seguinte, é

necessário que a lei que instituiu ou majorou o tributo já esteja vigorando há

noventa dias, sob pena de suprimir a anterioridade especial. Assim, a referida

lei já deverá estar vigorando a partir de 02 de outubro.

Caso a lei passe a vigir após esta data, teremos para a situação três

possíveis interpretações.

A primeira defende a idéia de que decorrido o prazo de noventa dias, o

tributo criado ou majorado será prontamente exigível, tendo em vista que já

terá se iniciado o exercício financeiro seguinte.

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Consoante o exposto por Roque Antônio Carrazza:

“De acordo com a primeira (aceita pelas autoridades fazendárias e pela maior parte dos tributaristas), esta lei será eficaz (e, portanto, incidirá) já no próximo exercício financeiro, bastando aguarde a fluência do prazo de noventa dias, a que alude o art.150, III, “c”, da CF”. (2007, p.198).

A segunda interpretação afirma que a lei será eficaz tão logo se inicie o

exercício financeiro seguinte e decorra o lapso temporal de noventa dias. Note-

se que o termo inicial da noventena será o dia primeiro de janeiro. Portanto, em

qualquer hipótese, o tributo instituído ou majorado será exigível sempre a partir

de 1º de abril do ano seguinte ao de sua publicação. Tal entendimento firmado

por Eduardo Domingos Botallo, observa separadamente o princípio da

anterioridade e o da anterioridade nonagesimal, na medida em que aguarda o

exercício financeiro seguinte e, uma vez alcançado este, o tributo somente

poderá ser cobrado após noventa dias.

Segundo Eduardo Domingos Botallo:

“Com efeito, deve ser veementemente rejeitado o entendimento segundo o qual não viola o princípio da anterioridade a circunstância de lei nova, instituidora ou majoradora de tributo, adquirir eficácia no exercício subseqüente, mesmo quando publicada (nos casos em que efetivamente o é) nos estertores do exercício anterior”. (2002, p.93).

E continua:

“Assim se, em caráter excepcional, a Carta Suprema fixou o prazo de noventa dias para que entre em vigor lei nova que institua ou majore tais exações, é inaceitável que o contribuinte venha a contar com prazo menor ou – o que frequentemente tem ocorrido -, com nenhum prazo antes de submeter-se aos efeitos da lei menos onerosa em relação a outros tributos não excepcionados da garantia da anterioridade”. (2002, p.96).

A terceira e última interpretação, de acordo com Roque Antônio Carrazza:

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“E, há, ainda, uma terceira interpretação, que, data venia, nos parece melhor atender à segurança jurídica da tributação: a lei que criar ou aumentar um tributo somente incidirá a partir do dia 1º de janeiro seguinte ao exercício financeiro em que se completou a noventena”. (2007, p.198/199).

Diante do exposto acima, pode-se concluir que é necessária a

anterioridade da noventena para que o tributo seja exigível.

O princípio da anterioridade consagrado pela Constituição Federal foi

reescrito pela Suprema Corte ao editar a Súmula 67, “é inconstitucional a

cobrança do tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício

financeiro”.

Todavia, o princípio da anterioridade bem como o da anterioridade

nonagesimal, admitem algumas exceções, como estudaremos a seguir.

1.2.1 Exceções ao Princípio da Anterioridade e da Anterioridade

Nonagesimal

Sabe-se que a principal função dos tributos é garantir ao Estado os

recursos financeiros necessários para atender aos interesses públicos, visando

o bem da coletividade. Esta é a função fiscal dos tributos.

Contudo, alguns deles visam, antes mesmo que a própria arrecadação

financeira, interferir no domínio econômico, estimulando ou desestimulando

determinados comportamentos do contribuinte.

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Nas palavras de Sacha Calmon, “a extrafiscalidade se caracteriza

justamente pelo uso e manejo dos tributos, com a finalidade de atingir alvos

diferentes da simples arrecadação de dinheiro”. (2007, p. 89)

Dentre os tributos cuja função extrafiscal é predominante, há o II, IE, IPI

e o IOF, razão pela qual estão elencados no art.150, §1º, primeira parte, como

exceções ao princípio da anterioridade, juntamente com o empréstimo

compulsório para despesa extraordinária, o imposto extraordinário e as

contribuições sociais a que se refere o art. 195, §6º.

Como exceções ao princípio da anterioridade, esses tributos poderão ser

cobrados no mesmo exercício financeiro em que foram, por lei, instituídos,

aumentados ou diminuídos. A razão é a extrafiscalidade.

Na segunda parte do referido artigo, foram apontados os tributos que

não devem obediência ao princípio da anterioridade nonagesimal. São eles: II,

IE, IOF, IR, empréstimo compulsório para despesa extraordinária, imposto

extraordinário, bem como a fixação das bases de cálculo do IPTU e do IPVA.

A exceção prevista no art.150, §1º, segunda parte, implica na cobrança

imediata destes tributos tão logo seja editada a lei que os tenham instituído,

majorado ou diminuído, sem que para isto, aguardem o lapso temporal de

noventa dias, conforme estabelece o princípio da anterioridade nonagesimal.

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O imposto sobre produtos industrializados, como exceção ao princípio

da anterioridade é passível de ser exigido do contribuinte no mesmo exercício

financeiro em que tenha sido instituído ou majorado, mas não antes de

decorridos os noventa dias de sua publicação, visto que não figura entre as

exceções ao princípio da anterioridade nonagesimal.

1.3 Princípio da Irretroatividade

Consoante o disposto no art.150, III, “a” da Constituição Federal, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, cobrar

tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da

lei que os instituiu ou aumentou.

Trata-se do princípio da irretroatividade que não admite que determinada

lei tributária produza efeitos sobre fatos ocorridos anteriormente à sua edição.

Segundo Luciano Amaro: “O que a Constituição Federal pretende é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou o tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência.” (2002, p.118).

Conclui-se, portanto, que a lei nova será aplicável tão somente a fatos

futuros que, pertencendo ao campo da incidência, passaram a ser geradores

da obrigação tributária.

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1.4 Princípio da Igualdade

Segundo o princípio da igualdade todos aqueles que se encontram em

situações iguais devem receber tratamento igual, ao passo que, aqueles que se

encontram em situações desiguais devem receber tratamento desigual, na

medida de suas desigualdades.

O art.5º, caput, da CF, consagra o princípio da igualdade: “Todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza(...)”. O art.150, II,

prescreve que contribuintes que se encontrem em situação equivalente

recebam tratamento igual, proibindo qualquer distinção em razão de ocupação

profissional ou função por eles exercida, independentemente de denominação

jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Assim sendo, todo aquele que realiza o fato descrito na hipótese de

incidência tem o dever de pagar o tributo oriundo de sua conduta, sem

discriminação de qualquer natureza.

Para Humberto Ávila (2007, p.348), o princípio da igualdade é

tridimensional: apresenta-se como “princípio, regra e postulado”.

Na qualidade de princípio, eis que esta é sua dimensão preponderante,

“estabelece o dever de buscar um ideal de igualdade, equidade, generalidade,

impessoalidade, objetividade, legitimidade, pluralidade e representatividade no

exercício das competências atribuídas aos entes federados”. (2007, p.348).

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Na qualidade de regra, “descreve o comportamento a ser adotado pelo

Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, determinando a igualdade de

tratamento para situações equivalentes”. (2007, p.348).

E, por fim, na qualidade de postulado, “exige do aplicador a

consideração e a avaliação dos sujeitos envolvidos, dos critérios de

diferenciação e das finalidades justificadoras da diferenciação”. (2007, p.348).

Como limitação ao poder de tributar, também segundo Humberto Ávila, a

igualdade:

“(...) qualifica-se como uma limitação positiva de ação e também negativa, na medida em que exige uma atuação do Poder Público para igualar as pessoas (igualdade de chances, ações afirmativas), bem como proíbe a utilização de critérios irrazoáveis de diferenciação ou o tratamento desigual para situações iguais(...)” (2007, p.349).

O referido autor observa ainda que:

“É preciso atentar, também, para o fato de que o conteúdo normativo do princípio da igualdade não se exaure na igualdade “perante a lei”, mas exige também a igualdade “na lei” ou na “elaboração da lei””. (2007, p.363).

O ponto fundamental a ser observado é o fato de que contribuintes que

se encontram em situação perfeitamente igual devem receber o mesmo

tratamento, tanto no momento da edição da lei quanto no momento de sua

aplicação.

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, o princípio da

igualdade veda apenas o tratamento diferenciado sem fundamento.

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Conforme explica Humberto Ávila:

“O Supremo tribunal Federal decidiu, a respeito de uma diferenciação de tratamento com base em finalidades extrafiscais, que o princípio da igualdade proíbe apenas desigualdades injustificadas. Deve haver um fundamento para justificar o tratamento diferenciado. Se houver fundamentos materiais (concretos), o tratamento diferenciado não é arbitrário”. (2007, p.350/351).

E continua:

“De acordo com as decisões do Supremo Tribunal Federal, o princípio da igualdade não é violado, quando: a) a norma tratar igualmente os contribuintes que se encontram na mesma situação; b) o tratamento diferenciado não violar nenhum direito fundamental; c) nenhuma pretensão decorreria do igual tratamento; d) o tratamento diferenciado possui um fundamento constitucional justificador”. (2007, p.352).

A respeito dos requisitos a serem observados de modo a impedir a

violação do princípio da igualdade, Humberto Ávila observa:

“O fundamento justificativo decorre normalmente de um interesse público. O critério de diferenciação deve possuir um fundamento constitucional. Ele deve ser adequado, impessoal e objetivo. Deve haver, sobretudo, controle a respeito do critério de discriminação, que deve ser objetivo: o tamanho diminuto de um homem pode ser eleito como critério de discriminação para o preenchimento do cargo de agente de polícia, porque é razoável para garantir o cumprimento da função administrativa.” ( 2007, p.353).

Caso o critério de diferenciação adotado pelo legislador viole o princípio

da igualdade, atribuindo um tratamento desigual aos contribuintes que se

encontram na mesma situação, é possível que o Poder Judiciário declare a

nulidade do referido critério, já que em respeito ao Princípio da Separação dos

Poderes, não pode o mesmo alterar o conteúdo da norma a fim de que esta

alcance os contribuintes discriminados.

Considerando tal possibilidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, apresenta duas posições, conforme explica Humberto Ávila:

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“(...) uma no sentido de que as decisões do Poder Judiciário não podem ter eficácia positiva, isto é, a lei não pode ser positivamente alterada pelo Poder Judiciário, mesmo quando o princípio da igualdade for violado; e outra posição contrária, no sentido de que o Poder Judiciário, quando a norma constitucional for capaz de concretização, pode declarar a nulidade do critério de discriminação, de modo que a Constituição possa encontrar eficácia direta”. (2007, p.356).

Desta forma, atribui-se maior efetividade ao princípio da igualdade, uma

vez que, declarada a nulidade do critério de diferenciação aqueles que se

encontram em situação idêntica e não são alcançados pela norma, passam a

ser. Nisto consiste a “eficácia positiva indireta” da decisão que declara a

nulidade do critério de diferenciação.

1.5 Princípio da Capacidade Contributiva

Conforme citado anteriormente, o princípio da capacidade contributiva

revela-se como um importante instrumento para se alcançar a tão almejada

igualdade tributária.

Está expresso no art.145, §1º que: “sempre que possível, os impostos

terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte (...)”.

O dispositivo constitucional supramencionado implica em uma ordem

direcionada ao legislador, que assim deverá proceder ao instituir o tributo. A

hipótese de incidência deve ser descrita de modo a permitir a identificação de

fatos que revelem a capacidade econômica do contribuinte. São os “signos

presuntivos de riqueza”, assim denominados por Alfredo Augusto Becker apud

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Roque Antônio Carrazza (2007, p.90), capazes de exprimir objetivamente as

potencialidades econômicas de cada contribuinte.

Sacha Calmon Navarro Coelho, explica que a capacidade contributiva

distingue-se em capacidade econômica objetiva e capacidade econômica

subjetiva:

“A capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos. É subjetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada). Aí temos “signos presuntivos de capacidade contributiva.” (2007, 84).

Conforme explica Roque Antônio Carrazza:

“A capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva, e não subjetiva. É objetiva porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações objetivas de riqueza (ter um imóvel, possuir um automóvel, ser proprietário de jóias ou obras de arte, operar em Bolsa, praticar operações mercantis etc.)”. (2007, p.90).

No caso de alguns impostos, como o IPTU, o IPVA, é o próprio bem o

sinalizador da riqueza, da capacidade do contribuinte em suportar a carga

econômica que advém da propriedade daquela casa luxuosa, daquele carro

importado. Assim, por meio do fato signo presuntivo de riqueza, qual seja, a

casa luxuosa, presume-se ter o seu morador recursos financeiros suficientes

para pagar o IPTU; assim como se presume que o proprietário de um

determinado carro importado tenha capacidade financeira equivalente ao bem

que possui.

Page 24: Principios Do Direito Constitucional

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Da mesma maneira, aquele que não é proprietário de uma casa luxuosa

ou de um carro importado, deve ser tributado considerando o fato signo

presuntivo de riqueza que apresenta.

Destaca-se, nesta oportunidade, que a progressividade apresenta-se

como um instrumento eficaz para se alcançar o princípio da capacidade

contributiva.

Na progressividade, quanto maior a base de cálculo, maior a alíquota

que sobre ela incide.

Carrazza esclarece que:

“(...) as leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, tanto maior haverá de ser a alíquota aplicável, na determinação do quantum debeatur.” (2007, p.88)

E prossegue afirmando:

“Impostos com alíquotas crescentes em função do aumento das suas bases tributáveis (base de cálculo in concreto) levam corretamente em conta que o sacrifício suportado pelo contribuinte para concorrer às despesas públicas é tanto maior quanto menor a riqueza que possui (e vice-versa). Ademais, permitem que o Estado remova, pelo menos em parte, as desigualdades econômicas existente entre as pessoas”. (2007, p.89).

O mesmo não ocorre na proporcionalidade. Nesta, a alíquota é fixa,

independentemente da base de cálculo sobre a qual incide. Desta forma,

assevera Carrazza, “a proporcionalidade atrita com o princípio da capacidade

contributiva, porque faz com que pessoas economicamente fracas e pessoas

economicamente fortes paguem impostos com as mesmas alíquotas”.

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1.5.1 O Princípio da Capacidade Contributiva e os Impostos Indiretos

A redação do art.145, §1º, inicia-se com a expressão “sempre que

possível” os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte (...)”.

Cabe aqui analisarmos o alcance da referida expressão e sua relação

com os impostos indiretos, como o IPI.

Ives Gandra Martins, faz a seguinte observação:

“A oração “sempre que possível” só se deveria referir ao caráter pessoal dos tributos, visto que nem todos os tributos têm caráter pessoal. Para tanto, haveria necessidade de a frase ser colocada após a primeira oração, a saber: “Os impostos terão caráter pessoal, sempre que possível, e serão graduados segundo...” O fato de a oração ter sido colocada no início do parágrafo passou, em interpretação mais superficial, a permitir que se entenda que a oração comandaria não apenas aquela sobre graduação pessoal, como também a do princípio da capacidade contributiva, no que a norma se transformaria em verdadeira autorização de confisco”. (1991, p.75).

Hugo de Brito Machado pondera:

“É certo que a expressão “sempre que possível”, utilizada no início do mencionado dispositivo, pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor interpretação, porque sempre é possível a observância do referido princípio. A nosso ver, o “sempre que possível”, do §1º do art. 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com caráter pessoal. “(2007, p.69).

Segundo Roque Antônio Carrazza, a expressão “sempre que possível”:

“(...) não está autorizando o legislador ordinário a, se for do seu agrado, graduar os impostos que criar, de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes. O sentido desta norma jurídica é muito outro. Ela, segundo pensamos, assim deverá ser interpretada: se for da índole constitucional do imposto, ele deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ou melhor: se a regra-matriz do imposto

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(traçada na Constituição Federal) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva”. (2007, p.103)

A diretriz constitucional esculpida no §1º não confere ao legislador a

faculdade de atribuir ou não caráter pessoal aos impostos e graduá-los

segundo a capacidade econômica do contribuinte. Trata-se de limitação

imposta pelas próprias espécies tributárias.

Nos impostos diretos, o contribuinte de direito é, de fato, aquele que irá

suportar o ônus do pagamento do tributo. O mesmo não ocorre com os

impostos indiretos, em que o contribuinte definido na hipótese de incidência

não é aquele que, de fato, paga o imposto2.

No caso do IPI, assim como do ICMS, o encargo é repassado aos

consumidores finais, que pagam o imposto ao comprar o produto

industrializado.

Diante disso não é possível considerar as características pessoais do

contribuinte, de modo a definir os signos presuntivos de riqueza na hipótese de

incidência, já que o contribuinte de direito não é o contribuinte de fato.

2 Nos impostos indiretos o contribuinte definido em lei não é quem, de fato, realiza o pagamento do imposto. Conforme explica Luciano Amaro: “Uma classificação, de fundo econômico, mas com reflexos jurídicos, é a que divide os tributos em diretos e indiretos. Os primeiros são devidos, “de direito”, pelas mesmas pessoas que, “de fato”, suportam o ônus do tributo; é o caso do imposto de renda. Os indiretos, ao contrário, são devidos “de direito”, por uma pessoa (dita “contribuinte de direito”), mas suportados por outra (“contribuinte de fato”): o “contribuinte de direito” recolhe o tributo, mas repassa o respectivo encargo financeiro para o “contribuinte de fato”; os impostos que gravam o consumo de bens ou serviços (IPI, ICMS, ISS) estariam aqui incluídos”. (2002, p.88).

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Em face do exposto, a expressão “sempre que possível”, diz respeito à

possibilidade de se aplicar ou não o princípio da capacidade contributiva a uma

determinada espécie tributária. Ao legislador cabe, obrigatoriamente, imprimir

caráter pessoal ao imposto e graduá-lo segundo a capacidade econômica do

contribuinte, sempre que compatível com a natureza do mesmo.

Pertinente observar, ainda, o posicionamento do Supremo Tribunal

Federal no que diz respeito à aplicação do princípio. É pacífico naquele

Tribunal, segundo decisão proferida no RE nº. 248892, o entendimento de que

somente com relação aos impostos pessoais é possível a aplicação do

princípio da capacidade contributiva.

Assim sendo, não seria possível ao IPI observar referido princípio, tendo

em vista tratar-se de um imposto real.

Em suma, pelas razões já explicitadas acima, o princípio da capacidade

contributiva não se aplica aos impostos indiretos, inclusive, ao IPI.

1.5.2 A Capacidade Contributiva e o Princípio da Seletividade

O artigo 153, §3º, I da Constituição Federal, determina que o IPI “será

seletivo, em função da essencialidade do produto”.

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A referida norma traz estampado o princípio da seletividade aplicável ao

IPI e ao ICMS. Ambos, impostos indiretos.

Os tributos seletivos, consoante explicação de Luciano Amaro:

“(...) têm as suas alíquotas graduadas para onerar mais gravosamente os bens menos essenciais (supérfluos, de luxo, ou de consumo suntuário) e mais brandamente os bens essenciais (que podem até, em razão da essencialidade, ficar no campo da não incidência); atentam, pois, para a maior ou menor essencialidade do bem. É o caso do IPI”. (2002, p.90).

O princípio da seletividade impõe ao legislador a obrigatoriedade em

conceder tratamento tributário mais brando aos produtos básicos e essenciais

à sobrevivência digna. Em contrapartida, aos produtos menos essenciais ou

supérfluos, pode-se dispensar tratamento mais gravoso.

Roque Antônio Carrazza afirma:

“(...)as operações praticadas com produtos industrializados de primeira necessidade deverão ser exonerados da incidência do IPI ou, quando pouco, menos gravadas do que as realizadas com produtos voluptuários. (...)Portanto, o princípio da seletividade é atendido adotando-se um processo de comparação de produtos industrializados (no caso do IPI) e de mercadorias e serviços (no caso do ICMS). Nunca, evidentemente, discriminando-se contribuintes, em função de raça, sexo, ocupação profissional, local em que exerçam suas atividades etc.(...)”. (2007, p.98).

Dessa forma, a seletividade é aplicada como um critério de diferenciação

entre os produtos essenciais, de “primeira necessidade” e os produtos não

essenciais, “voluptuários”.

Em se tratando do IPI, sabe-se ser este um imposto cuja função

preponderante é a extrafiscal. Busca-se, por meio de sua tributação, estimular

ou coibir determinados comportamentos do contribuinte.

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É por esta razão que, em certas operações as alíquotas aplicadas ao IPI

são extremamente baixas, e, em outras, extremamente elevadas, considerando

a conveniência social e o interesse público na aquisição de determinados

produtos.

Sabe-se também que o IPI é um imposto real e indireto. Portanto, o

contribuinte de direito, definido na lei, não é quem, de fato, suporta o ônus pelo

pagamento do tributo.

Ao estabelecer a seletividade do IPI em função da essencialidade do

produto, o constituinte preocupou-se com o contribuinte de fato, que paga o IPI

ao adquirir o produto. Portanto, presume-se que quem tem menor capacidade

contributiva irá adquirir o produto essencial com alíquota fixada em patamares

mínimos, ou até mesmo, com alíquota zero. Embora aquele que possui maior

capacidade contributiva também consuma os produtos essenciais, o objetivo da

seletividade em função da essencialidade foi alcançado em relação àquele que

tem menos.

Todavia, por se tratar de um imposto real e indireto, o IPI não se

submeteria ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que esta é

observada em relação ao contribuinte de direito.

Roque Antônio Carrazza assevera:

“Impostos há, porém, que, por sua natureza, não permitem que se atenda ao princípio da capacidade contributiva. É o caso do ICMS, que, positivamente, com ele não se coaduna. De fato, a carga

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econômica deste imposto é repassada para o preço da mercadoria. Quem a suporta não é o contribuinte (o comerciante, o industrial ou o produtor que praticou a operação mercantil), mas o consumidor final da mercadoria. Este, ao adquiri-la, vê repassada, no preço, a carga econômica do ICMS. Ora, tal carga é idêntica para todos os consumidores finais, sejam eles ricos ou pobres. Exemplificando, se um milionário e um mendigo comprarem, cada um para si, um maço de cigarros, da mesma marca, suportarão a mesma carga econômica do imposto. Vemos, portanto, que não é da índole do ICMS ser graduado de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes. Nem dos impostos que, como ele, são chamados, pela Ciência Econômica, de indiretos (IPI)”. (2007, p.103)

Neste ponto, tem-se que embora se trate de imposto real e indireto, a

essencialidade adotada como critério de seletividade do IPI é uma forma de

expressão da capacidade contributiva, pois quanto mais essencial o produto

menor será a alíquota.

Consoante Luciano Amaro:

“Não há nenhuma razão pela qual pudessem ser desconsiderados, no caso dos impostos indiretos, os valores que os princípios em análise buscam preservar, a pretexto de que a capacidade contributiva deva ser a do contribuinte de direito, ignorando-se o contribuinte “de fato”. Não fosse assim, o princípio poderia ser abandonado, para efeito de tributação de alimentos básicos e remédios, a pretexto de que os contribuintes de direito dos impostos aí incidentes são empresas de altíssimo poder econômico”. (2002, p.138)

Com muita propriedade, Sacha Calmon descreve a imperfeita aplicação

do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos:

“Supõe-se que os de menor renda (contribuinte de fato) consomem artigos necessários tão-somente a uma existência sofrida e, por isso, as alíquotas são reduzidas, ou mesmo isenções são dadas. Ocorre que tanto compra feijão José da Silva quanto Ermírio de Moraes, com o rico industrial se beneficiando dos favores pensados para José. Em compensação, José não consome champanha ou caviar, cujas alíquotas são altas (...).” (2007, p.88)

A alíquota fixada em patamares mínimos pelo legislador, levou em conta

as características pessoais de José – menor capacidade contributiva – embora

dela tenha se beneficiado Antônio – maior capacidade contributiva.

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A imperfeição do princípio da capacidade contributiva reside no fato de

que tanto aquele que tem mais quanto o que tem menos, pagam o mesmo

quantum debeatur. Todavia, há que se considerar que, ainda que de forma

mitigada ou imperfeita, está se aplicando o princípio da capacidade

contributiva. Não fosse assim, não teria o constituinte expressamente adotado

como critério de seletividade a essencialidade do produto industrializado (IPI)

ou das mercadorias ou serviços (ICMS), como uma forma de beneficiar o

contribuinte de fato, detentor de menos capacidade contributiva.

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2 IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

2.1 Aspectos históricos

O Imposto sobre produtos Industrializados, antes do advento da Emenda

nº 18 de 1946, denominava-se imposto sobre o consumo de mercadorias,

sendo a União o ente competente para instituí-lo.

Ressalte-se, ainda, que incidia sobre o consumo de mercadorias, e não

sobre a sua produção.

Com as alterações feitas pela referida emenda, o Imposto sobre o

Consumo passou a se chamar Imposto sobre Produtos Industrializados,

mantendo-se a competência da União para instituí-lo.

Todavia, consoante o exposto por Leandro Paulsen (2009, p.79), “não se

tem mais um simples imposto sobre o consumo, como constava da

Constituição de 1946, mas um imposto sobre operações com produtos

industrializados, que grava a produção”.

Conforme explica Hugo de Brito Machado:

“A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a albergar uma partilha do poder de tributar entre União, Estados e Municípios, e a primeira a fazer expressa referência ao imposto de consumo, posto que atribuiu à União competência privativa para instituir imposto “de consumo de quaesquer mercadorias, excepto os combustíveis de motor a explosão”. (...) A Constituição de 1937 reproduziu as mesmas normas, atribuindo à União competência para decretar impostos sobre a importação de mercadorias de procedência estrangeira, e também de consumo de quaisquer mercadorias. (...) Na Constituição Federal de 1946, foi atribuída à União competência

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para decretar impostos sobre importação de mercadorias de procedência estrangeira, e sobre consumo de mercadorias. (...) Com a Emenda nº 18 foi atribuído à competência da União o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, e também o imposto sobre produtos industrializados. (...) Na Constituição de 1967, foi atribuída à União competência para decretar, entre outros, impostos sobre a importação de produtos estrangeiros, e sobre produtos industrializados. A Emenda nº 1, de 1969, reproduziu a norma atributiva de competência tributária à União, limitando-se a trocar o verbo decretar, por instituir, e acrescentar nos próprios incisos em que se refere aos dois impostos a faculdade atribuída ao Poder Executivo para, nos limites e nas condições estabelecidas em lei, alterar-lhes as alíquotas e bases de cálculo. A Constituição Federal de 1988 atribui competência à União para instituir, entre outros, impostos sobre importação de produtos estrangeiros, e sobre produtos industrializados”. (2003, p.465 a 468)

Pode-se concluir, portanto, que as bases para a instituição do IPI,

conforme o conhecemos hoje, datam de 1934, quando a Constituição vigente

previu expressamente o imposto sobre o consumo.

As alterações substanciais ocorreram com a Emenda nº 18 de 1946, em

que o então imposto sobre o consumo passou a denominar-se imposto sobre

produtos industrializados, gravando a produção e não mais o consumo.

2.2 Competência e Imunidade

A competência tributária está definida na Constituição Federal e deve

ser exercida pelos entes políticos nos limites por ela estabelecidos.

A Carta Magna, em seus artigos 153 a 156, elenca os impostos cuja

instituição compete à União, aos Estados, ao DF e aos Municípios.

Hugo de Brito Machado explica que:

“Pela atribuição de competência divide-se o próprio poder de instituir e cobrar tributos. Entregam-se à União, aos Estados, ao Distrito

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Federal e aos Municípios parcelas do próprio poder de tributar. Os arts. 153 a 156 da Constituição Federal tratam da atribuição de competência tributária à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”. (2007, p.60)

A competência da União, dos Estados, do DF e dos Municípios é

privativa, no sentido de exclusiva, considerando que somente aquele ente ao

qual a Constituição atribuiu competência para a instituição de determinado

tributo, poderá fazê-lo.

Trata-se a competência tributária, nos dizeres de Luciano Amaro:

“(...) a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição”. (2002, p.93)

O art. 8º do Código Tributário Nacional traz a seguinte disposição: “O

não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de

direito público diversa daquela que a Constituição a tenha atribuído”.

A competência é, portanto, exclusiva do ente competente, ainda que ele

não a exerça. Exemplificando: o Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII

da CF), de competência da União, até o presente momento não foi instituído.

Não podem os Estados ou os Municípios instituírem referido imposto, sob o

pretexto de não ter a União exercido a competência que lhe fora outorgada

pela Constituição. Se o fizerem, estaremos diante de uma inconstitucionalidade

por violação à expressa disposição constitucional, bem como por ofensa ao

princípio federativo.

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A Constituição Federal em seu artigo 153, IV e parágrafo 3º estabelecem

a competência da União para instituir o imposto sobre produtos

industrializados, bem como os limites em que deve exercê-la.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I- (...) II- (...) III- (...) IV- produtos industrializados; V- (...) VI- (...) VII- (...) Art.153, §3º. O imposto previsto no inciso IV: I- será seletivo, em função da essencialidade do produto; II- será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; III- não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior; IV- terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.

Lado outro, observa-se que a Constituição Federal, em certos casos,

veda expressamente que sejam instituídos tributos sobre a ocorrência de

determinados fatos geradores. É o que ocorre no art. 153, §3º, III, supracitado.

Não fosse tal vedação contida na própria Constituição, o fato gerador por

ela excluído do campo da incidência, qual seja, os “produtos industrializados

destinados ao exterior”, seriam tributados pelo IPI.

Conforme lição de Sacha Calmon:

“Ao tracejar o espaço fático sobre o qual pode o legislador infraconstitucional atuar, o constituinte previamente o delimita, separando as áreas de incidência e as que lhe são vedadas. O espaço fático posto à disposição do legislador infraconstitucional resulta das determinações genéricas dos fatos jurígenos (áreas de incidência). As áreas vedadas à tributação decorrem de proibições constitucionais expressas (imunidades) ou de implícitas exclusões (toda porção fática que não se contiver nos lindes da descrição legislativa do “fato gerador” é intributável à falta de previsão legal)”. (2007, p.288).

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Assim como a Carta Suprema cuidou de delimitar o campo de atuação

dos entes tributantes definindo suas respectivas competências, cuidou também

de definir os fatos que por eles não podem ser alcançados. Ao definir tais fatos,

a Constituição afasta do ente tributante a competência para instituir os tributos

que deles se originam.

A não previsão de competência para instituir determinados tributos, leva-

nos à imunidade.

Segundo Roque Antônio Carrazza, a imunidade tributária:

“(...) é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações”. (2007, p.705)

Paulo de Barros Carvalho assim define imunidade tributária:

“(...) a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”. (2007, p.203)

Desta forma, uma vez fixada a norma imunizante pela Constituição

Federal, a pessoa por ela beneficiada está imune à tributação por parte de

qualquer um dos entes políticos.

Eduardo Domingos Botallo observa:

“A imunidade configura-se, pois, para o seu beneficiário, como direito líquido e certo impostergável e inafastável, encontrando-se eivadas de inconstitucionalidades quaisquer disposições normativas inferiores que procurem burlar a dicção constitucional”. (2002, p.108)

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Em se tratando do IPI, há que se analisar a imunidade sob dois

aspectos: o primeiro, com relação aos produtos industrializados destinados ao

exterior, e o segundo com relação à imunidade recíproca existente entre os

entes políticos.

2.2.1 A imunidade prevista no art. 153, §3º, III da Constituição Federal

O disposto no art.153, §3º, III da Constituição Federal, confere

imunidade aos produtos industrializados destinados ao exterior. Tal disposição

implica em dizer, portanto, que não ocorrerá incidência de IPI sobre tais

produtos.

A imunidade do IPI, neste caso, atende à sua função extrafiscal,

demonstrando o legislador a intenção de estimular a exportação de produtos

industrializados para o mercado internacional.

Roque Antônio Carrazza salienta:

“Parece óbvio que a imunidade em pauta visa proteger não a pessoa do exportador, mas as exportações de produtos industrializados (manufaturados), fazendo com que cheguem ao mercado internacional com preços competitivos”. (2007, p.797)

Desta forma, evidente a utilização da extrafiscalidade do IPI com vistas

ao desenvolvimento econômico.

2.2.2 A imunidade prevista no art.150, VI, “a” da Constituição Federal

Dispõe o art. 150, VI, “a” da Constituição Federal:

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Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

Por imposição do princípio da isonomia e do princípio federativo é

vedado aos entes políticos tributarem uns aos outros.

O princípio da isonomia estabelece a igualdade entre a União, os

Estados, o DF e os Municípios. Um ente não se submete à tributação imposta

pelo outro, tendo em vista que um não se encontra em situação de sujeição em

relação ao outro.

A tributação recíproca também limitaria a atuação autônoma de cada

ente da federação, constituindo este fato em ofensa ao princípio federativo,

marcado pela autonomia dos entes que compõem a federação.

Segundo Roque Antônio Carrazza, a imunidade recíproca:

“Decorre do princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir impostos de outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia. Sim, porque, cobrando-lhe impostos, poderia levá-la a situação de grande dificuldade econômica, a ponto de impedi-la de realizar seus objetivos institucionais. (...) também o princípio da isonomia das pessoas políticas impede que se tributem, umas às outras, por meio de impostos. De fato, a tributação por meio de impostos – justamente por independer de uma atuação estatal – pressupõe uma supremacia de quem tributa em relação a quem é tributado. (...) Ora, entre as pessoas políticas reina a mais absoluta igualdade jurídica. Umas não se sobrepõem às outras”. (2007, p.719)

Sacha Calmon observa que:

“O “telos” do princípio imunitório é, precisamente, não permitir que a coisa pública venha a ser molestada pela tributação: o patrimônio, (uma universitas rerum), as rendas, os serviços públicos. As pessoas políticas não possuem capacidade contributiva. Ao revés, são dotadas de competência para tributar, não porém umas às outras”. (2007, p.295)

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Contudo, com relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),

há que ser analisado o alcance da imunidade prevista no art. 150, VI, “a” da

CF.

Trata-se o IPI de um imposto indireto, surgindo, daí, as figuras do

contribuinte “de direito”, aquele definido na lei, e o contribuinte “de fato”, aquele

que efetivamente paga o imposto.

O que se discute é a observância da regra de imunidade quando o

contribuinte “de fato” é um ente político.

Sacha Calmon explica o entendimento de Aliomar Baleeiro a respeito

dessa questão:

“Para ele, duas ideias-força deveriam prevalecer na análise da espécie. Por primeiro, deve-se observar, caso a caso, quem está pagando realmente o imposto, quer como contribuinte de jure, quer como contribuinte de fato. Se for pessoa jurídica de Direito Público interno, deve-se conceder imunidade. Governo não paga governo. Em segundo lugar, deve-se ter sempre em mente a evolução histórica dos institutos, mormente a que ocorreu nos EUA, sob a inspiração e o controle dos justices da Suprema Corte norte-americana, construtores da doutrina judicial sobre a imunidade intergovernamental recíproca. E lá, segundo ele, esta evolução deu-se ao influxo da acomodação entre os interesses do Poder Central e dos estados federados, sob a égide do interesse público, que a tudo e a todos sobrelevou na preservação da idéia federalista”. (2007, p.289/290)

Portanto, entende-se que, mesmo em relação aos impostos indiretos,

sendo contribuinte de fato um dos entes políticos, deve-se considerar a

imunidade recíproca.

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40

Sacha Calmon, destacando ainda o pensamento de Aliomar Baleeiro,

defende que:

“(...) seja qual for o imposto, quando o estado é “contribuinte de fato” (consumidor final de bens e serviços), torna-se indubitável que uma pessoa política está pagando a outra. Ora, elas não têm capacidade contributiva. E a Constituição manda que se tribute levando em conta a aptidão contributiva das pessoas, exclusive das políticas. Deve a União pagar o ICMS da energia que consome como usuária final? Pela ótica de Aliomar, não”. (2007, p.293)

O Supremo Tribunal Federal, segundo comentado por Sacha Calmon:

“(...) atualmente prestigia o entendimento de Baleeiro. (...) Especificamente inclui no âmbito protetor da imunidade os chamados “impostos indiretos” (terminologia da Ciência das Finanças), admitindo a repercussão tributária sobre pessoa de Direito Público para atrair a aplicação da regra imunitória (em que pesem algumas decisões contrárias)”. (2007, p.293)

Tal entendimento prevaleceu no julgamento do RE-AgR 357291/PR,

Relator Ministro Cezar Peluso, em que reconheceu que a Empresa Brasileira

de Correios e Telégrafos também (empresa pública prestadora de serviço

público) “está abrangida pela imunidade recíproca”, sendo indevida a cobrança

de ICMS que é um imposto indireto, assim como o IPI.

Na decisão do Ministro Cezar Peluso, constou a seguinte argumentação:

“Decidiu esta corte que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos está abrangida pela imunidade tributária. Ora, a imunidade tributária alcança não somente o ISS, como também o ICMS, porque ambos são tributos”. (RE-AgR 357291)

Portanto, pode-se concluir que a mesma regra aplica-se ao IPI,

considerando que este também é um imposto indireto, cujo valor a ser pago a

título de tributo é repassado ao consumidor final. No caso de o consumidor final

ser um ente político, acobertado pela regra de imunidade, teria sua incidência

afastada.

Page 41: Principios Do Direito Constitucional

41

2.3 Natureza Extrafiscal

Sabe-se que a função primordial dos tributos é gerar receita aos cofres

públicos, com o fito de atender às necessidades da coletividade.

Todavia, há alguns impostos que têm como função preponderante

estimular ou desestimular determinados comportamentos do contribuinte.

Dependendo do objetivo que se pretende alcançar, seja de cunho econômico

ou social, a tributação de determinados produtos poderá ser mais elevada ou

extremamente reduzida.

O Imposto sobre Produtos Industrializados, está entre os tributos cuja

função principal é a extrafiscal.

Modesto Carvalhosa apud Eduardo Domingos Botallo explica que a

extrafiscalidade consiste:

“(...) no emprego dos instrumentos tributários com objetivos não fiscais, mas econômicos, ou seja, para finalidades não financeiras, mas regulatórias dos comportamentos sociais em matéria econômica, social e política”. (2002, p.56)

Por se tratar de um instrumento destinado a atingir finalidades

econômicas, sociais e políticas, a Constituição Federal nos dizeres de Eduardo

Domingos Botallo, contem “um expressivo número de dispositivos que

consubstanciam técnicas extrafiscais” (2002, p.59).

Referido autor classifica as normas constitucionais extrafiscais em duas

modalidades: “(...) (a) as voltadas à consecução de metas que poderiam ser

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42

chamadas de desenvolvimento econômico; (b) as que visam à realização de

objetivos de justiça fiscal” (2002, p.59).

Na primeira modalidade, segundo Botallo, estão compreendidas as

regras:

“I – que faculta ao Poder Executivo, nas condições e limites estabelecidos em lei, as alíquotas dos impostos sobre importação de produtos estrangeiros, exportação para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados, produtos industrializados e operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores imobiliários; II – que declara a não incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis ou direitos a eles relativos, incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre tais atos, quando decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, salvo quando a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda destes direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; III – as que declaram a não incidência sobre produtos industrializados e sobre operações relativas a circulação de mercadorias e serviços quando se tratem de produtos industrializados destinados ao exterior, exceto, no caso do ICMS, os semi-elaborados definidos em lei complementar; IV – a que prevê a tributação, apenas pelo IOF, do ouro quando definido como ativo financeiro ou instrumento cambial”. (2002, p.59/60)

As regras atinentes ao IPI, compreendidas na primeira modalidade

encontram-se nos itens I e III, facultando ao Poder Executivo alterar as

alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados, nos limites e condições

definidos pelo legislador ordinário, e estabelecendo a imunidade com relação

aos produtos industrializados destinados ao comércio exterior,

respectivamente.

Na segunda modalidade, explica Botallo, inclui-se a norma que:

“I – (...) atribui ao IPI, obrigatoriamente, a característica da seletividade, em função da essencialidade dos produtos, e a que faz idêntica atribuição ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços, porém, em termos facultativos; II – (...) determina sejam as alíquotas do imposto territorial rural fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, além de declarar a não incidência deste tributo sobre pequenas glebas rurais quando as explore, só ou com sua família, o

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proprietário que não possua outro imóvel; III – (...) prevê a possibilidade de o imposto predial e territorial urbano ser progressivo em razão do valor do imóvel e ter alíquotas diferentes de acordo com sua localização e uso; IV – (...) dispõe sobre a incidência progressiva no tempo, do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana como forma de desestimular a manutenção de imóveis urbanos sem aproveitamento adequado; V – (...) institui imunidade a impostos e a contribuição para seguridade social em favor de instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos; VI – (...) estabelece a gratuidade da ação popular, das ações de habeas corpus e habeas data, bem como dos atos necessários ao exercício da cidadania”. (2002, p.60/61)

Como se vê, também nesta modalidade figura o Imposto sobre Produtos

Industrializados, em razão do princípio da seletividade que o informa. Trata-se

de um dever do legislador ordinário, ao fixar as alíquotas do IPI, atentar para a

essencialidade dos produtos. Estes terão alíquotas mais gravosas se menos

essenciais; e alíquotas menos gravosas quanto mais essenciais.

Conclui-se, desse modo, a preponderância da função extrafiscal no

Imposto sobre Produtos Industrializados, já que as normas constitucionais a ele

inerentes incluem-se nas duas modalidades supracitadas.

Segundo Botallo, o IPI:

“(...) vem sendo utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, seja favorecendo a realização de operações havidas por necessárias, úteis ou convenientes à sociedade, seja dificultando, por meio de incidências mais pesadas, a prática de outras, que não se mostrem capazes de ir ao encontro do interesse coletivo”. (2002, p.62)

Portanto, a extrafiscalidade presente no Imposto sobre Produtos

Industrializados assume relevante dimensão, ora para promover o

desenvolvimento econômico, ora para realizar a justiça social.

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44

2.4 Aspectos da Hipótese de Incidência do IPI

2.4.1 Aspecto Material

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 46, incisos I a III, define

como fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados: I- o seu

desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II- a sua saída

dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; e III- a sua

arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.

Antes de proceder à análise de cada uma das hipóteses elencadas no

artigo supracitado, necessário se faz compreender a dimensão da base

econômica do imposto sobre produtos industrializados.

Leandro Paulsen compreende o IPI como sendo o imposto que:

“(...) incide sobre a “operação” com “produtos industrializados”, ou seja, sobre o negócio jurídico que tenha por objeto bem, ainda que não necessariamente destinado ao comércio (mercadoria), submetido por um dos contratantes a processo de industrialização. Pressupõe, pois, a industrialização e a saída do produto do estabelecimento industrial”. (2009, p.80)

Portanto, para que seja caracterizada a hipótese de incidência do IPI há

que se considerar três elementos básicos: a “operação” com um “produto” que

tenha sido “industrializado”.

Na explicação de Leandro Paulsen:

“Operação” (...) é um negócio jurídico. (...) a Constituição coloca como base econômica a ser tributada os negócios jurídicos com produtos industrializados, mas não, necessariamente, negócios que

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45

impliquem a transferência do bem, admitindo outros que tenham o produto industrializado como objeto”. (2009, p.81/82)

Referido autor expõe também os conceitos de “produto” e

“industrializado”:

“O conceito de produto, pois, diferencia-se do conceito de mercadoria. Esta é apenas o bem destinado ao comércio; aquele, o produto, é tanto o bem destinado ao comércio como ao consumo ou a qualquer outra utilização. (...) o termo industrializado, na norma de competência do art.153, IV, está no sentido de produto industrializado por um dos contratantes da respectiva operação”. (2009, p.82)

A despeito do conceito de “produto industrializado”, o Código Tributário

Nacional o faz em seu art.46, parágrafo único: “(...) considera-se industrializado

o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a

natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.

Os artigos 3º e 4º do Decreto 4.544/02 (RIPI) assim o definem:

Art. 3º. Produto industrializado é o resultante de qualquer operação definida neste Regulamento como industrialização, mesmo incompleta, parcial ou intermediária. Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único): I – a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação); II – a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento); III – a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem); IV – a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou V – a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

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46

Como se vê o legislador ordinário ampliou o conceito de produto

industrializado, incluindo operações como a transformação, o beneficiamento, a

montagem, o acondicionamento ou reacondicionamento, a renovação ou

recondicionamento.

Contudo, para a ocorrência do fato gerador do IPI não basta apenas que

o produto tenha sido industrializado, ou seja, “que tenha sido submetido a

qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o

aperfeiçoe para o consumo”, mas que seja objeto de uma operação que

implique na transferência de sua posse ou propriedade.

Segundo Eduardo Domingos Botallo:

“(...) não basta ocorrer a industrialização de um produto, para que o IPI seja devido. Por igual modo, é insuficiente que o produto industrializado saia do estabelecimento produtor. Na verdade, a obrigação de pagar IPI se aperfeiçoa apenas quando a saída do produto industrializado seja causada por um negócio jurídico”.

Ultrapassadas as primeiras considerações a respeito da hipótese de

incidência do IPI, segue-se na compreensão do inciso I do art. 46 do Código

Tributário Nacional.

Conforme consta do inciso I, o IPI terá como fato gerador “o seu

desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira”.

Trata-se da incidência do IPI quando da importação de um produto

industrializado.

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47

Para Leandro Paulsen:

“(...) uma análise consistente da base econômica do IPI (operação com produto industrializado, ou seja, negócio jurídico que tenha por objeto produto submetido por um dos contratantes a processo de industrialização) nos leva ao entendimento de que é passível de tributação a “operação com produto industrializado”, o que pressupõe a saída do produto do estabelecimento industrial. Ademais, impende que seja assegurada a não-cumulatividade”. (2009, p.109)

Considerando a diretriz constitucional que determina a não-

cumulatividade do IPI, questiona-se se em qualquer tipo de importação o

referido imposto será devido, tendo em vista que, em determinados casos,

como na importação por pessoa física, torna-se impossível observar a não-

cumulatividade.

Neste sentido, Leandro Paulsen (2009, p.109) assevera que “(...) o

próprio caráter não-cumulativo do IPI somente é assegurado quando a

importação é realizada por industrial, capaz de creditar-se e de repassar o ônus

em operação posterior”.

Nesta oportunidade, destaca-se ainda a existência de um imposto de

competência da União, cujo fato gerador ocorre com a importação de produtos

de origem estrangeira. Trata-se do Imposto sobre a Importação, responsável

por tributar a importação.

Nesse sentido, Eduardo Domingos Botallo (2002, p.36) compreende o

fato gerador expresso no art.46, I do Código Tributário Nacional, “um mero

adicional do imposto de importação, a cargo de quem importa produto

industrializado do exterior”.

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José Roberto Vieira apud Hugo de Brito Machado destaca:

“Se o Código Magno atribui à União competência para instituir imposto sobre importação de produtos estrangeiros (art.153, I), claro está que as operações com produtos industrializados não poderão estender seu manto por sobre a importação de produtos industrializados estrangeiros, sob pena de invadirem a materialidade de hipótese de outro tributo”. (2003, p.472)

Rogério Lima apud Leandro Paulsen observa:

“(...) o cerne do problema é se a importação de produto industrializado também realiza a hipótese fática do IPI. E quanto a isso há duas linhas de pensamento totalmente opostas: 1ª) que entende incidir o IPI tão-só sobre o produto, e aí, ao ingressar o produto no território nacional, sendo industrializado, certamente o importador deverá pagar tanto o imposto de importação quanto o IPI; e 2ª) que considera também importante para a incidência do IPI a fase de produção, a qual somente terá relevância jurídica para a cobrança do imposto quando ocorrida no país”. (2009, p.109/110)

Para Eduardo Domingos Botallo somente pode ser considerado “IPI em

sentido estrito: aquele cujo aspecto material da hipótese de incidência é

industrializar produto e celebrar operação jurídica que promova a transferência

de sua propriedade ou posse”. (2002, p.37).

O momento da ocorrência da citada hipótese de incidência encontra-se

definido no inciso II, qual seja, “a saída dos estabelecimentos a que se refere o

parágrafo único do art.51”.

Para a compreensão do aspecto material que se exterioriza com a saída

do produto industrializado do estabelecimento industrial, faz-se necessário

analisar a finalidade pela qual se dá a saída do produto. Esta deve ocorrer em

virtude de uma operação com o produto industrializado.

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Conforme explica Leandro Paulsen, “se impõe a saída por força de uma

“operação” com produto industrializado (...), ou seja, por força de um negócio

jurídico. As saídas sem tal pressuposto não dão ensejo, a rigor, à incidência do

IPI”. (2009, p. 103)

E continua ressaltando que:

“(...) nos termos do art.46 do CTN, combinado com seu art.51, o IPI tem como fato gerador a saída dos produtos industrializados (transformados, beneficiados, montados, renovados ou recondicionados) do estabelecimento industrial ou daquele a ele equiparado por lei ou, ainda, do estabelecimento comercial que forneça produtos industrializados a estabelecimento industrial”. (2009, p.102)

A Lei 4.502/64 em seu art.2º dispõe o seguinte:

Art.2º Constitui fato gerador do imposto: (...) II – quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor. (...) §2º O imposto é devido sejam quais forem as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a saída do estabelecimento produtor.

Por fim, o aspecto material compreendido na hipótese do inciso III do art.

46 do Código Tributário Nacional, “a sua arrematação, quando apreendido ou

abandonado e levado a leilão”.

Tal hipótese, apesar de prevista no Código Tributário Nacional, não fora

regulamentada pelo legislador ordinário.

Consoante explicação de Eduardo Domingos Botallo:

(...) “trata-se de imposto compreendido na competência residual da União, já que tem como aspecto material da hipótese de incidência a arrematação de produto industrializado apreendido ou abandonado e levado à leilão”. (2002, p.37)

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Considera-se, portanto, aspecto material da hipótese de incidência do

IPI a operação realizada com um produto industrializado, de modo a transferir-

lhe a posse ou a propriedade. Tal hipótese de incidência ocorre no momento

em que o produto industrializado sai do estabelecimento industrial, em virtude

de um negócio jurídico.

2.4.2 Aspecto Espacial

Conforme explicação de Leandro Paulsen:

“Não há dispositivo legal tratando especificamente do aspecto espacial da hipótese de incidência tributária do IPI. Sendo assim, aplica-se o critério da territorialidade, de maneira que, tratando-se de tributo federal, será considerada geradora da obrigação tributária a saída da mercadoria do estabelecimento industrial ocorrida dentro do território nacional (...)”. (2009, p.112)

Porém, considera-se ocorrido o fato gerador quando do desembaraço

aduaneiro do produto industrializado de origem estrangeira.

Segundo Hugo de Brito Machado (2003, p.471) “a ocorrência do

desembaraço aduaneiro seria fato gerador desse imposto. Entretanto, a rigor,

ele é apenas a forma, ou o momento de exteriorização do fato gerador do IPI”.

O desembaraço aduaneiro ocorrerá em território nacional, contudo a

saída do produto industrializado do estabelecimento industrial se dará no

exterior. Por esse motivo pode-se falar, como explica Leandro Paulsen (2009,

p.112), “numa espécie de extraterritorialidade do IPI”.

Page 51: Principios Do Direito Constitucional

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2.4.3 Aspecto Temporal

O fato gerador do imposto sobre produtos industrializados ocorre no

momento em que o produto industrializado sai do estabelecimento industrial.

Em se tratando do aspecto temporal da hipótese de incidência o Decreto

4.544/02 estabelece diversos momentos que se considerará ocorrido o fato

gerador, conforme consta dos artigos 35 e 36 da referida lei:

I – na entrega ao comprador, quanto aos produtos vendidos por intermédio de ambulantes (Lei nº 4.502, de 1964, arts. 2º e 5º, inciso I, alínea a, e Decreto-Lei nº 1.133, de 16 de novembro de 1970, art. 1º); II – na saída de armazém-geral ou outro depositário do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial depositante, quanto aos produtos entregues diretamente a outro estabelecimento (Lei nº 4.502, de 1964, arts. 2º e 5º, inciso I, alínea a, e Decreto-Lei nº 1.133, de 1970, art. 1º); III – na saída da repartição que promoveu o desembaraço aduaneiro, quanto aos produtos que, por ordem do importador, forem remetidos diretamente a terceiros (Lei nº 4.502, de 1964, arts. 2º e 5º, inciso I, alínea b, e Decreto-Lei nº 1.133, de 1970, art. 1º); IV – na saída do estabelecimento industrial diretamente para estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, por ordem do encomendante, quanto aos produtos mandados industrializar por encomenda (Lei nº 4.502, de 1964, arts. 2º e 5º, inciso I, alínea c, e Decreto-Lei nº 1.133, de 1970, art. 1º); V – na saída de bens de produção dos associados para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; VI – no quarto dia da data da emissão da respectiva nota fiscal, quanto aos produtos que até o dia anterior não tiverem deixado o estabelecimento do contribuinte (Lei nº 4.502, de 1964, arts. 2º e 5º, inciso I, alínea d, e Decreto-Lei nº 1.133, de 1970, art. 1º); VII – no momento em que ficar concluída a operação industrial, quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora do estabelecimento industrial (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º, § 1º); VIII – no início do consumo ou da utilização do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, em finalidade diferente da que lhe é prevista na imunidade de que trata o inciso I do art. 18, ou na saída do fabricante, do importador ou de seus estabelecimentos distribuidores, para pessoas que não sejam empresas jornalísticas ou editoras (Lei nº 9.532, de 1997, art. 40); IX – na aquisição ou, se a venda tiver sido feita antes de concluída a operação industrial, na conclusão desta, quanto aos produtos que, antes de sair do estabelecimento que os tenha industrializado por encomenda, sejam por este adquiridos;

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X – na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial, quando da ocorrência de qualquer das hipóteses enumeradas no inciso VII do art. 25 (Lei nº 9.532, de 1997, art. 39, § 4º); XI – no momento da sua venda, quanto aos produtos objeto de operação de venda que forem consumidos ou utilizados dentro do estabelecimento industrial (Lei nº 4.502, de 1964, arts. 2º e 5º, inciso I, alínea e, Decreto-Lei nº 1.133, de 1970, art. 1º, e Lei nº 9.532, de 1997, art. 38); XII – na saída simbólica de álcool das usinas produtoras para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; e XIII – na data do vencimento do prazo de permanência da mercadoria no recinto alfandegado, antes de aplicada a pena de perdimento, quando as mercadorias importadas forem consideradas abandonadas pelo decurso do referido prazo (Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, inciso II, e Lei nº 9.779, de 1999, art. 18, e parágrafo único). Parágrafo único. Na hipótese do inciso VII, considera-se concluída a operação industrial e ocorrido o fato gerador na data da entrega do produto ao adquirente ou na data em que se iniciar o seu consumo ou a sua utilização, se anterior à formalização da entrega.

Art. 36. Na hipótese de venda, exposição à venda, ou consumo no

Território Nacional, de produtos destinados ao exterior, ou na hipótese de

descumprimento das condições estabelecidas para a isenção ou a suspensão

do imposto, considerar-se-á ocorrido o fato gerador na data da saída dos

produtos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial (Lei nº 9.532,

de 1997, art. 37, inciso II).

2.4.4 Aspecto Pessoal

Em se tratando de imposto de competência da União, o sujeito ativo da

obrigação tributária é, por óbvio, a própria União.

A direção dos serviços de fiscalização compete à Secretaria da Receita

Federal, cabendo a fiscalização aos Auditores Fiscais da Receita Federal

(art.427 do Decreto 4.544/02).

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Quanto aos sujeitos passivos, o Código Tributário Nacional, em seu art.

51, dispõe que:

Art.51. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador , industrial, comerciante ou arrematante.

Segundo Hugo de Brito Machado:

“Por ficção legal, cada estabelecimento se considera um contribuinte autônomo. Trata-se de solução prática, pois em muitos casos a empresa possui mais de estabelecimento, e algumas vezes até estabelecimentos destinados ao exercício de atividades diversas. (...) Essa autonomia dos estabelecimentos só prevalece para o fim de verificação da ocorrência do fato gerador do imposto. A responsabilidade pelo pagamento deste, todavia, é da empresa”. (2007, p.356)

O Decreto 4.544/02, em seu art.24, também elenca os sujeitos passivos

como sendo:

I – o importador, em relação ao fato gerador decorrente do desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea b); II – o industrial, em relação ao fato gerador decorrente da saída de produto que industrializar em seu estabelecimento, bem assim quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea a); III – o estabelecimento equiparado a industrial, quanto ao fato gerador relativo aos produtos que dele saírem, bem assim quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea a); e IV – os que consumirem ou utilizarem em outra finalidade, ou remeterem a pessoas que não sejam empresas jornalísticas ou editoras, o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, quando alcançado pela imunidade prevista no inciso I do art. 18 (Lei nº 9.532, de 1997, art. 40). Parágrafo único. Considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial ou comerciante, em

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54

relação a cada fato gerador que decorra de ato que praticar (Lei nº 5.172, de 1966, art. 51, parágrafo único).

Leandro Paulsen, acerca do aspecto pessoal da hipótese de incidência

do IPI assevera que:

“(...) só pode ser tributada a operação com produto que tenha sido industrializado por uma das partes do negócio jurídico, de maneira que não é dado fazer incidir o imposto em outras situações, tampouco colocar como contribuinte senão a pessoa que pratica a industrialização ou que com ela realiza a operação”. (2009, p.113)

2.5 Não-cumulatividade

O art. 153, §3º, II da Constituição Federal dispõe sobre a não-

cumulatividade do IPI, nos seguintes termos:

Art. 153.(...) § 3º. O imposto previsto no inciso IV: I – (...) II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.

A não-cumulatividade do IPI é um mandamento constitucional, cabendo

a todos, contribuintes e Fazenda Pública, observá-lo sem qualquer restrição, já

que restrições não foram feitas pelo legislador constituinte.

Conforme destaca Eduardo Domingos Botallo:

“Como se vê, a estrutura básica da não-cumulatividade do IPI está compreendida no texto da Constituição. Em consequência, o princípio que a consagra não pode ter seu alcance restringido ou afastado, seja por normas infraconstitucionais, seja por mero labor exegético”. (2002, p.43/44)

O intuito do legislador constituinte ao consagrar o princípio da não-

cumulatividade ao IPI não fora outro senão evitar uma elevada tributação por

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meio do IPI, uma vez que sua incidência ocorre em cada operação realizada

como o produto industrializado.

Uma vez observada a não-cumulatividade torna-se possível o

abatimento do valor pago pelo contribuinte a título de IPI na operação

anteriormente realizada com o produto.

Assim explica Leandro Paulsen:

“A não-cumulatividade constitui uma técnica de tributação que visa a impedir que as incidências sucessivas nas diversas operações da cadeia econômica de um produto impliquem um ônus tributário muito elevado, decorrente da múltipla tributação da mesma base econômica, ora como insumo, ora como integrante de outro insumo ou de um produto final”. (2009, p.87)

Conforme consta do texto constitucional, a não-cumulatividade será

impedida “compensando-se o que for devido em cada operação”. Nos dizeres

de Eduardo Domingos Botallo (2002, p.44) “o propósito fundamental para o

qual se volta o princípio da não-cumulatividade tem na figura da compensação

o seu mecanismo de maior eficácia”.

Eduardo Domingos Botallo também observa que:

“O sistema de compensação (...) não está limitado pela proveniência ou origem dos componentes (mercadorias e demais insumos) que irão ocorrer para a fabricação do produto final. Para dar-lhe curso é suficiente a existência de operações anteriores, já que, destas, irão resultar, efetivamente ou por presunção, os créditos a serem apropriados”. (2002, p.48)

Bastando para o sistema de compensação somente a existência de

operações realizadas com o produto, tem-se que serão consideradas as

entradas ou operações ocorridas num determinado período, bem como as

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56

saídas ocorridas neste mesmo período. Para efeito da não-cumulatividade, o

montante referente às entradas será abatido do montante referente às saídas.

Hugo de Brito Machado ensina:

“Em uma empresa industrial, por exemplo, isto significa dizer o seguinte: a) faz-se o registro, como crédito, do valor do IPI relativo às entradas de matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, e outros insumos que tenham sofrido a incidência do imposto ao saírem do estabelecimento de onde vieram; b) faz-se o registro, como débito, do valor do IPI calculado sobre os produtos que saírem. No fim do mês é feita a apuração. Se o débito é maior, o saldo devedor corresponde ao valor a ser recolhido. Se o crédito é maior, o saldo credor é transferido para o mês seguinte”. (2007, p.353)

Dessa forma, a entrada de um insumo poderá ocorrer dentro de um

período diverso daquele em que ocorrerá a saída do produto ao qual o insumo

fora incorporado. Tanto a entrada do insumo, quanto a saída do produto final

serão registradas no momento em que ocorrerem, dentro do respectivo

período. Percebe-se, portanto, que o momento da entrada do insumo não

guarda qualquer relação com o momento da saída do produto final.

Se o montante correspondente às entradas for menor que o

correspondente às saídas, o contribuinte deverá recolher o imposto no valor do

saldo devedor. Se, ao contrário, o montante correspondente às entradas for

maior que o correspondente às saídas, o contribuinte terá direito ao crédito do

IPI. Este crédito será considerado nas operações a serem realizadas no

próximo período. Nisto consiste a compensação.

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Ressalte-se ainda que, para se efetuar a compensação, não é exigido

que o contribuinte tenha efetivamente pago o valor devido na operação

anterior.

Segundo Leandro Paulsen:

“O creditamento independe do efetivo pagamento do montante devido na operação anterior. O industrial adquirente credita-se do valor de IPI simplesmente destacada na Nota. A utilização dos créditos, diga-se, ainda, não está vinculado à saída da mercadoria em que incorporado o insumo. Não se estabelece relação entre a entrada do insumo e a saída especificamente do produto final que o incorporou no processo de industrialização. Tal identidade é irrelevante. Trabalha-se, sim, por períodos em que se faz o creditamento do IPI relativo a todos os insumos, produtos intermediários e embalagens entrados no estabelecimento, procedendo-se à compensação com o IPI devido pela saída de produtos finais no mesmo período”. (2009, p.91)

No mesmo sentido argumenta Eduardo Domingos Botallo:

“Assente-se, desde logo, que o direito de crédito em consideração não está preso ao efetivo pagamento do imposto, nas operações anteriores. (...) Neste sentido, cabe invocar o sempre autorizado magistério de Alcides Jorge da Costa, para quem o vocábulo “cobrado” não pode ser entendido no sentido de “exigido”, mas de “incidido”. (2002, p.47)

O art.163 do Regulamento do IPI assim dispõe:

Art. 163. A não-cumulatividade do imposto é efetivada pelo sistema de crédito, atribuído ao contribuinte, do imposto relativo a produtos entrados no seu estabelecimento, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste Capítulo (Lei nº. 5.172, de 1966, art. 49).

Nesta oportunidade, destaca-se a seguinte questão: em se tratando de

produtos isentos, com alíquota zero ou não tributados, o contribuinte terá direito

a crédito do IPI?

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Necessário se faz, antes de se proceder à análise da questão

supracitada, diferenciar a incidência da não incidência e da isenção.

Conforme explica Ruy Barbosa Nogueira:

“Incidência – é o fato de a situação previamente descrita na lei ser realizada e incidir no tributo, dar nascimento à obrigação tributária. Neste caso a situação está incluída no campo da tributação. Tecnicamente se diz que é a ocorrência do fato gerador do tributo, ou que o tributo, como expressão da lei, incide na relação fática previamente tipificada e efetivamente realizada”. (1990, p.14)

Neste caso, não há dúvidas acerca da incidência do IPI sobre os fatos

ocorridos que constituam hipótese de incidência do referido tributo. Ocorrida a

situação hipotética definida na lei como fato gerador do IPI, este será devido

pelo contribuinte.

Por outro lado, a não incidência, consoante explicação de Rui Barbosa

Nogueira (1990, p.14), “(...) é o inverso, isto é, o fato de a situação ter ficado

fora dos limites do campo tributário, ou melhor, a não ocorrência do fato

gerador, porque a lei não descreve a hipótese de incidência”.

Nesta situação não há que se falar em incidência de IPI, uma vez que o

fato gerador da obrigação tributária sequer ocorreu.

Já, a isenção, segundo Ruy Barbosa Nogueira:

“(...) é a dispensa do pagamento do tributo devido, feita por disposição expressa da lei e por isso mesmo excepcionada da tributação. Só se pode isentar o que esteja a priori tributado. Em princípio, somente pode isentar o legislador que tenha competência para criar o tributo, pois a isenção é uma dispensa da obrigação a pagar. (...) A isenção, sendo uma dispensa do pagamento do tributo devido – ou, como declara o CTN no art.175, I, exclusão do crédito tributário - , é uma parte excepcionada ou liberada do campo da incidência, que poderá ser aumentada ou diminuída pela lei, dentro do campo da respectiva incidência”. (1990, p.14)

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Assim sendo, ao se falar em isenção, tem-se como ocorrido o fato

gerador da obrigação tributária de pagar o tributo. Todavia, o pagamento do

tributo é dispensado em virtude de lei editada, em regra, pelo mesmo ente

detentor da competência para instituir o respectivo tributo.

Em se tratando do IPI, sabe-se que, em função da essencialidade do

produto o legislador poderá excluí-lo do campo da incidência ou incluí-lo,

estabelecendo alíquotas reduzidas até zero, se de primeira necessidade. Ou

então, tributá-lo pesadamente se artigo supérfluo ou de luxo.

A questão é saber se, no caso de não-incidência, isenção ou alíquota

zero, pode-se considerar existente o crédito do IPI.

Leandro Paulsen assim se posiciona:

“Efetivamente, no caso da não-incidência, não se pode falar em transferência do ônus fiscal (inexistente) nem em cumulatividade (trata-se da primeira operação tributada). Na hipótese da alíquota zero, por sua vez, não há como imaginar creditamento possível, na medida em que não há representação econômica do IPI incidente na compra do insumo. Até mesmo no caso de isenção, tal não se viabilizaria. Isso porque o art.175 do CTN exclui o crédito tributário. Ou seja, nos casos de isenção, a operação implica fato gerador do IPI, há a incidência por força da lei tributária impositiva, mas, em face de outro dispositivo legal instituidor de benefício, o respectivo crédito tributário é excluído. Com a exclusão do crédito, exclui-se o ônus de pagar o tributo e, portanto, não há que se falar em montante “cobrado”. Cabe referirmos, ainda, que, se, em nenhuma dessas operações, houve cobrança de IPI, não houve tal ônus a pressionar o preço do insumo (lembre-se que o IPI é calculado por fora), de maneira que a empresa adquirente pagou menos pelo produto do que pagaria se houvesse a tributação. A par disso, o IPI devido na saída do produto final é repassado ao comerciante, de modo que o industrial acabou não suportando os respectivos ônus”. (2009, p.94)

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado:

“Pode ocorrer que um produto seja não tributado, ou submetido a alíquota zero, por ser essencial. Esse produto presta-se como insumo para fabricação de produtos diversos. Muitos deles de

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grande essencialidade – como remédios, por exemplo. Outros menos essenciais, ou até supérfluos – como perfumes. A única forma de preservar o princípio da seletividade, fazendo com que o ônus do IPI sobre cada produto seja o efetivamente resultante da aplicação da alíquota respectiva, é restringir os créditos do imposto às entradas efetivamente oneradas. Assim, as aquisições de insumos não tributados ou com alíquota zero não devem ensejar os créditos, porque estes viriam amesquinhar o princípio da seletividade”.(2007, p.355)

Eduardo Domingos Botallo, por sua vez, defende que:

“(...) o direito de crédito que estamos examinando independe, para surgir, da efetiva cobrança do IPI, nas operações anteriores. Vale dizer, tal direito permanece íntegro ainda que contribuintes que realizaram estas operações anteriores deixem de recolher o tributo, ou a União de lançá-lo, inclusive, por motivo de isenção. Basta, repita-se, que o tributo possa, em tese, incidir sobre tais operações, para que o abatimento seja devido. (...) Com efeito, o já referido preceito do art.153, §3º, II da CF assegura o direito ao crédito de IPI relativo ao montante cobrado nas operações anteriores, inclusive quando isentas (ou sujeitas à alíquota zero), exatamente porque não ressalvada, de modo restritivo, estas situações, ao contrário do que acontece com o ICMS, que, quanto a este aspecto, está submetido à vedação expressa pelo texto constitucional (art.155, §2º, II). (...) permanece inviolável o direito ao crédito em operações isentas, não-tributadas, com aplicação de alíquota zero, a fim de ser preservado o cânone da não-cumulatividade do IPI (sem qualquer restrição constitucional)”. (2002, p.51/52)

Importa considerar o fato de que o legislador constituinte não fez

nenhuma ressalva quanto ao direito de crédito pelo contribuinte do IPI, em caso

de não-incidência, isenção ou alíquota zero, diferentemente do que ocorre com

o ICMS, caso em que o texto constitucional dispõe, em seu art. 155, §2º, inciso

II, alíneas “a” e “b”, que: “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em

contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o

montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a

anulação do crédito relativo às operações anteriores”.

Como se vê, a Constituição expressamente estabeleceu para o ICMS a

inexistência de crédito a ser compensado em se tratando de operações isentas

ou não tributadas.

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Com relação ao IPI não se observa o mesmo. Ao contrário, nenhuma

limitação constitucional foi imposta ao direito de crédito do contribuinte, ainda

que se trate de operação isenta ou não tributada.

Acerca da alíquota a ser empregada para a tomada dos créditos no caso

de a operação anterior ser isenta ou tributada com alíquota zero, Eduardo

Domingos Botallo esclarece:

“(...) Com efeito, se as matérias-primas, produtos intermediários e outros insumos irão ser empregados na industrialização de produto cuja saída é tributada pelo IPI mediante a aplicação da alíquota X, soa natural que os créditos se façam pelo emprego da mesma alíquota”. (2002, p.54)

Diante da questão controvertida, o Supremo Tribunal Federal assim se

posicionou no julgamento do RE nº 353657/PR, Relator Ministro Marco Aurélio,

conforme consta do acórdão, publicado em 07 de março de 2008:

“IPI - INSUMO - ALÍQUOTA ZERO - AUSÊNCIA DE DIREITO AO CREDITAMENTO. Conforme disposto no inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, observa-se o princípio da não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que não se pode cogitar de direito a crédito quando o insumo entra na indústria considerada a alíquota zero. IPI - INSUMO - ALÍQUOTA ZERO - CREDITAMENTO - INEXISTÊNCIA DO DIREITO - EFICÁCIA. Descabe, em face do texto constitucional regedor do Imposto sobre Produtos Industrializados e do sistema jurisdicional brasileiro, a modulação de efeitos do pronunciamento do Supremo, com isso sendo emprestada à Carta da República a maior eficácia possível, consagrando-se o princípio da segurança jurídica”.(RE nº 353657)

No mesmo sentido, a decisão do Ministro Carlos Britto, quando do

julgamento do RE nº 578853/RS, tendo a decisão sido publicada em 13 de abril

de 2009:

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“Vistos, etc. Cuida-se de processo em que se discute a legitimidade da utilização de créditos presumidos do Imposto sobre Produtos Industrializados '' IPI, alusivos a insumos favorecidos por alíquota zero e não-tributação. 2. Pois bem, o Plenário desta Suprema Corte, ao apreciar os REs 353.657 e 370.682, entendeu que a mencionada utilização de créditos afronta o inciso II do § 3º do art. 153 da Constituição Federal. Isso porque a não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão expressa da própria Carta Magna, tributo devido e já recolhido e, nos casos de isenção, alíquota zero e não-tributação, não há parâmetro normativo para se definir a quantia a compensar. De mais a mais, ao ser admitida a apropriação dos créditos, o produto menos essencial proporcionaria uma compensação maior, sendo o ônus decorrente dessa operação suportado indevidamente pelo Estado (...)”.(RE nº 578853)

Tal entendimento também prevalece na decisão do Ministro Cezar

Peluso na decisão do RE nº 504423/SC, publicada em 05 de setembro de

2007, a saber:

“Esta Corte, a partir do julgamento do RE nº 212.484 (Rel. p/ acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 05.03.1998), reconheceu a existência do direito de crédito de IPI na aquisição de insumos isentos, como se lhe pode ver da respectiva ementa: "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTE SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. Recurso não conhecido." A Corte estendeu esse entendimento para o caso de aquisição de insumos não tributados ou tributados com alíquota zero, no julgamento do RE nº 350446 (Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 06.06.2003): "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não conhecido." (No mesmo sentido: RE nº 293511-AGR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 21.03.2003) Mas, no que toca à aquisição de insumos não tributados ou tributados com alíquota zero, a Corte no julgamento dos REs nº 370.682 (Rel. Min. ILMAR GALVÃO), e nº 353.657 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO), concluído em 25.06.2007, reviu tal entendimento, decidindo ser indevida compensação de créditos de IPI decorrentes da aquisição de matérias-primas e insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero(...)”.(RE nº 504423)

Diante de todo o exposto, percebe-se que prevalece na Suprema Corte

o seguinte entendimento: em se tratando de insumos não tributados, tributados

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com alíquota zero ou beneficiados pela isenção, não terá o contribuinte direito

a compensação de créditos de IPI, sob pena de incorrer em ofensa ao princípio

da não-cumulatividade que implica em compensar o que for devido em cada

operação com o montante cobrado nas anteriores. Se nada foi cobrado na

operação anterior, não há que se falar em crédito a ser compensado.

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3. O IPI E O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE

3.1 Previsão Constitucional

A Constituição Federal em seu art.153, §3º, I determina que o imposto

sobre produtos industrializados “será seletivo, em função da essencialidade do

produto”.

Trata-se de um imperativo constitucional, não restando ao legislador

ordinário qualquer discricionariedade quanto à sua observância.

Nas palavras de Eduardo Domingos Botallo:

“A regra que erige tal princípio em atributo inerente à exação ora considerada, longe de outorgar mera opção ao legislador ordinário, comete-lhe um dever ao qual ele não pode furtar-se no desempenho de sua competência tributária. Trata-se, assim, de verdadeiro “poder/dever”. (2002, p.61/62)

Leandro Paulsen comenta:

“A primeira observação necessária, à luz do inciso I do §3º do art. 153 da CF, é no sentido de que o critério da seletividade, tratando-se de IPI, constitui uma imposição constitucional, e não uma faculdade”. (2009, p.84)

Em se tratando do IPI, o texto constitucional expressa de modo

indubitável que as alíquotas do IPI serão obrigatoriamente seletivas, em função

da essencialidade dos produtos.

Nesta oportunidade, importante se faz traçar um paralelo entre a

seletividade prevista para o IPI e para o ICMS.

A Constituição Federal em seu art.155, §2º, III, também prevê que o

ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e

dos serviços”.

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Como se vê, o texto constitucional no que se refere ao princípio da

seletividade com relação a este imposto utiliza o verbo “poderá”, admitindo o

entendimento de que a seletividade, neste caso, não se apresenta como um

poder/dever do legislador ordinário.

Para Hugo de Brito Machado, a seletividade no ICMS, ao contrário do

que ocorre no IPI, seria facultativa:

“Nos termos da Constituição vigente, esse imposto poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias. A seletividade é, assim, facultativa. Entretanto, se o legislador estadual resolver adotar a seletividade, terá esta de ser sempre em função da essencialidade da mercadoria”. (2007, p.395)

No mesmo sentido, Leandro Paulsen:

“De fato, a técnica da seletividade só é colocada como uma faculdade quanto ao ICMS, pois o art. 155, §2º, III da Constituição prevê, para tal imposto estadual, que o ICMS “atenderá o seguinte: (...) III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. (2009, p.84)

Eduardo Domingos Botallo aponta a característica da seletividade no

ICMS como facultativa:

“(...) atribui ao IPI, obrigatoriamente, a característica da seletividade, em função da essencialidade dos produtos, e faz idêntica atribuição ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços, porém, em termos facultativos”. (2002, p.60)

Roque Antônio Carrazza, entretanto, considera obrigatória a observância

da seletividade não somente quanto ao IPI, mas também quanto ao ICMS:

“Salientamos que estas normas constitucionais, mandando que tais impostos sejam seletivos, não estão dando uma mera faculdade ao legislador, mas, pelo contrário, estão lhe impondo um inarredável dever, de cujo cumprimento ele não se pode furtar. (...) Portanto, a seletividade, no IPI e no ICMS, é obrigatória. (...) toda e qualquer manipulação do IPI e do ICMS que importe modificação ou variação do valor a pagar deve, sob pena de irremissível inconstitucionalidade, ser direcionada de modo a garantir-lhes o caráter de impostos seletivos, em função da essencialidade dos produtos industrializados (no caso do IPI) ou da essencialidade das

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mercadorias ou serviços (no caso do ICMS). Qualquer outro objetivo visado pelo legislador ordinário que importe descaracterização do IPI ou do ICMS como impostos seletivos viola esta diretriz constitucional obrigatória.” (2007, p.96/98)

Em que pese a controvérsia existente acerca da seletividade no ICMS, o

mesmo não ocorre com relação ao IPI. A seletividade é qualidade inerente a

este tributo e não há qualquer discussão acerca da obrigatoriedade ou não de

sua observância.

3.2 O Princípio da Seletividade

Segundo o princípio da seletividade que norteia o IPI, as alíquotas dos

produtos industrializados serão mais gravosas quanto menos essenciais forem

tais produtos; e, quanto mais essenciais, menos gravosas deverão ser suas

alíquotas.

Ricardo Lobo Torres apud Eduardo Domingos Botallo assim explica a

seletividade do IPI:

“Seletividade em função da essencialidade é o único critério para a incidência do IPI e significa que o tributo recai sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade.” (2002, p.61)

Nas palavras de Ruy Barbosa Nogueira, seletividade no IPI:

“Significa, em primeiro lugar, que o legislador não deve incluir no rol da tributação os produtos industrializados os artigos de primeira necessidade e consumo mais popular ou conveniente à população”. (1990, p.10)

Segundo Leandro Paulsen:

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“Ser seletivo implica ter alíquotas diferenciadas dependendo do produto (individualmente considerado) ou do tipo de produto (se alimentício, de higiene, têxtil etc.), sendo que o critério para tal seletividade é dado pelo próprio constituinte: o grau de essencialidade do produto”. (2009, p.85)

A seletividade no imposto sobre produtos industrializados, realiza-se

através do critério da essencialidade dos produtos.

Um produto essencial, pode-se dizer, é fundamental e imprescindível à

sobrevivência humana.

Aliomar Baleeiro apud Eduardo Domingos Botallo, afirma que:

“A palavra [essencialidade] (...) refere-se à adequação do produto à vida do maior número de habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros”. (2002, p.67)

Humberto Ávila assim considera a essencialidade:

“Essencial significa que algo é de importância decisiva. Decisiva para quê? A essencialidade só pode ser vista na perspectiva da garantia e do desenvolvimento das decisões valorativas constitucionais, isto é, aquilo que for essencial para a dignidade humana, para a vida ou para a saúde do homem”. (2007, p.394)

O princípio da dignidade da pessoa humana é o parâmetro norteador

que determina se um produto é essencial ou não. Faz-se necessário, desse

modo, estabelecer uma comparação entre os diversos produtos, tomando-se

como referência a dignidade da pessoa humana, para o fim de definir o quanto

são essenciais.

Nas palavras de Eduardo Domingos Botallo:

“Percebe-se, pois, que o princípio da seletividade requer a adoção de um processo de comparação de produtos, pois dele é que resulta, em cada caso concreto, a caracterização da essencialidade”. (2002, p.67)

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Roque Antônio Carrazza adverte também:

“Portanto, o princípio da seletividade é atendido adotando-se um processo de comparação de produtos industrializados (no caso do IPI) e de mercadorias ou serviços (no caso do ICMS). Nunca, evidentemente, discriminando-se contribuintes, em função de raça, sexo, ocupação profissional, local em que exercem suas atividades etc., que a isto obstam os arts. 5º, I, e 150, II, ambos da CF”. (2007, p.98)

Feita essa comparação, as alíquotas dos produtos poderão ser elevadas

ou reduzidas, segundo a essencialidade de cada um.

Importante salientar também que, sendo um imposto cuja função

predominante é a extrafiscal, as alíquotas do IPI poderão ser utilizadas como

forma de estimular ou desestimular determinados comportamentos do

contribuinte.

Neste caso, o critério de aplicação das alíquotas dependeria também

das necessidades econômicas, sociais e políticas do momento.

Consoante explicação de Eduardo Domingos Botallo, o IPI:

“(...) vem sendo utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, seja favorecendo a realização de operações havidas por necessárias, úteis ou convenientes à sociedade, seja dificultando, por meio de incidências mais pesadas, a prática de outras, que não se mostrem capazes de ir ao encontro do interesse coletivo”. (2002, p.62)

A seletividade do IPI apresenta-se, dessa forma, como um instrumento

de realização da extrafiscalidade, fazendo com que seja possível ao Estado

estabelecer as alíquotas do imposto de modo a estimular a aquisição de bens

essenciais à dignidade da pessoa humana e à saúde, e, ao mesmo tempo,

desestimular a aquisição de bens prejudiciais ao indivíduo ou à coletividade.

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Leandro Paulsen sustenta ainda que, em caso de utilização do IPI com

finalidade extrafiscal, a essencialidade seria um critério secundário quando da

aplicação das alíquotas:

“Será possível, ainda, que, excepcionalmente, se atribuam alíquotas que desbordem da simples graduação segundo a essencialidade. Isso por força de uma utilização extrafiscal do tributo. É o caso do fumo, cuja alíquota, de 330%, evidentemente abriga um caráter extrafiscal bastante pronunciado: não só o produto é supérfluo como de consumo desaconselhável por razões de saúde pública, razão pela qual se o tributa de forma especialmente pesada, de modo a encarecê-lo e, com isso, restringir sua circulação. Certo é que, nestes casos, tais alíquotas não servem de parâmetro para a comparação relativa à essencialidade”. (2009, p.86/87)

A utilização do IPI como tributo extrafiscal torna-se possível tendo em

vista que o consumidor final é o contribuinte de fato deste imposto. Tanto é

assim que Roque Antônio Carrazza (2007, p.98) observa que “o princípio da

seletividade tem por escopo favorecer aos consumidores finais, que são os

que, de fato, suportam da carga econômica do IPI e do ICMS”.

Isto ocorre por se tratar o IPI de um imposto indireto, ou seja, o

contribuinte definido na lei, o chamado “contribuinte de direito” não é aquele

que efetivamente suporta o ônus pelo pagamento do tributo. Este será

suportado pelo chamado “contribuinte de direito”, ou seja, o consumidor final do

produto.

É neste contexto que será analisado o alcance do princípio da

capacidade contributiva no IPI.

Humberto Ávila apresenta duas questões fundamentais em torno do

problema. A primeira refere-se a possibilidade de aplicação do princípio da

capacidade contributiva nos casos em que o contribuinte de direito é diverso do

contribuinte de fato; e, a segunda, no sentido de que, sendo admitida a

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aplicação do princípio, de quem será considerada a capacidade contributiva: se

do contribuinte de fato ou de direito.

Apresenta ainda, uma outra questão fundamental: a de se saber se o

fato de não serem tributados alimentos e remédios, por exemplo, decorre da

seletividade ou da capacidade contributiva.

Referido autor aponta, após os questionamentos, uma limitação imposta

pela própria Constituição Federal em seu art. 145, §1º, dispondo que “sempre

que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte...”.

Portanto, nos impostos indiretos, em razão da natureza desses tributos,

não seria possível a aplicação do princípio da capacidade contributiva, uma vez

que não se consideraria, no aspecto material da hipótese de incidência, as

características pessoais do contribuinte.

Humberto Ávila explica que:

“A opinião dominante é no sentido de que a consideração dos aspectos pessoais, no caso dos impostos que não levam em conta, na sua hipótese material, aspectos pessoais, deve ser feita por outros instrumentos como a progressividade baseada na essencialidade dos produtos ou serviços, por exemplo”. (2007, p.390)

Analisando a relação entre seletividade e capacidade contributiva indica

como condição para se chegar a uma possível resposta, a compreensão do

princípio da igualdade.

Assim, relata que:

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“Pertence ao núcleo do princípio da igualdade a proteção estatal do status humano (sua dignidade, sua vida, etc.) Essa tarefa estatal, que surge como implicação da exigência de coerência sistemática (no sentido de uma coerente aplicação do dever de proteção da dignidade da pessoa humana, da vida, da saúde), é concretizada, no âmbito do Direito Tributário, por meio da garantia de iguais condições mínimas de existência. A seletividade seria, nesse sentido, a concretização tributária da igualdade de tratamento de acordo com o parâmetro da dignidade humana. Ela não seria, assim, nenhuma consequencia do princípio da capacidade contributiva”. (2007, p.395)

Pode-se concluir, portanto, que tanto o princípio da capacidade

contributiva como o princípio da seletividade decorrem do princípio maior da

igualdade. Não guardam relação entre si, mas derivam da igualdade

consagrada pela Constituição Federal.

Destaca-se também o fato de que a seletividade deve ser observada por

se tratar de um mandamento constitucional, e não por existir relação entre ela e

a capacidade contributiva.

Assim explica Humberto Ávila:

“(...) basta considerar que a seletividade não decorre da capacidade contributiva. Seja como for, como a seletividade é expressamente exigida pela Constituição (art. 153, §3º, I, art. 155, §2º, III), essa questão perde parte de sua importância. Ela deve ser efetivada porque a Constituição assim o exige”. (2007, p.395)

Klaus Tipke, analisando o princípio da capacidade contributiva,

argumenta que:

“(...) se a finalidade extrafiscal de certos tributos ou normas tributárias consiste em equilibrar a balança comercial, penalizar o poluidor, desincentivar o fumo ou o alcoolismo ou incentivar a contratação de deficientes físicos, tais tributos deixam em parte a seara do Direito Tributário para invadir o Direito Econômico, o Direito Ambiental, o Direito Previdenciário, o Direito Trabalhista, nos quais não se faz sentido falar em justiça fiscal e de princípio da capacidade contributiva. Nestes casos, trata-se de outra espécie de justiça: a justiça social”. (2002, p.62)

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Doutrinadores há, porém, que admitem a seletividade como uma forma

de se realizar a capacidade contributiva.

Assim defende Henry Tilbery apud Ruy Barbosa Nogueira:

“A técnica da tributação em conformidade com a capacidade contributiva focaliza nos impostos direitos o aspecto pessoal (subjetivo) da renda global; nos impostos indiretos o aspecto material (objetivo) da manifestação de riqueza pela despesa”. (1990, p.11)

Roque Antônio Carrazza observa:

“Podemos perceber a influência do princípio da capacidade contributiva em outras normas constitucionais tributárias. (...) obrigam o legislador a tornar seletivos o IPI, em função da essencialidade dos produtos industrializados (art.153, §3º, I da CF) e o ICMS, em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços (art.155, §2º, III da CF)”. (2007, p.96)

Luciano Amaro salienta:

“Mas os impostos reais (que consideram, objetivamente, a situação material, sem levar em conta as condições do indivíduo que se liga a essa situação) também devem ser informados pelo princípio da capacidade contributiva, que é postulado universal de justiça fiscal. (...) Aliás, é precisamente em atenção ao contribuinte “de fato” que se põe outra das vertentes da capacidade contributiva no campo dos impostos indiretos, ou seja, o princípio da seletividade, segundo o qual o gravame deve ser inversamente proporcional à essencialidade do bem”. (2005, p.141)

Leandro Paulsen (2009, p.85) diz ser a seletividade:

“(...) uma técnica de tributação que atende ao princípio da capacidade contributiva. (...) Certo é, em regra, que os produtos essenciais são consumidos por toda a população, e que os produtos supérfluos são consumidos apenas por aqueles que, já tendo satisfeito suas necessidades essenciais, dispões de recursos adicionais para tanto. A essencialidade do produto, pois, realmente constitui critério para diferenciação das alíquotas que acaba implicando homenagem ao princípio da capacidade contributiva”. (2009, p.85)

Ricardo Lobo Torres apud Leandro Paulsen se refere à seletividade

como um dos “subprincípios da capacidade contributiva, a significar que o

tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos

produtos”.

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No mesmo sentido José Maurício Conti apud Leandro Paulsen defende

que:

“A seletividade em função da essencialidade é uma forma pela qual se aplica o princípio da capacidade contributiva aos impostos indiretos, porque é possível admitir-se que, na generalidade dos casos, os produtos essenciais são indispensáveis aos indivíduos com baixa capacidade contributiva, e os produtos supérfluos são adquiridos por aqueles com maior capacidade contributiva”. (2009, p.85)

Diante de todo o exposto, conclui-se que o princípio da seletividade

consagrado pelo legislador constituinte, bem como o critério definidor desta

seletividade, qual seja, a essencialidade dos produtos, é acima de tudo, uma

forma de se realizar a justiça social, seja com fundamento no princípio da

capacidade contributiva, seja com fundamento no princípio da igualdade.

3.3 Aplicabilidade do Princípio da Seletividade ao IPI

Sabe-se que o critério constitucionalmente definido para a seletividade

do IPI é a essencialidade dos produtos industrializados.

Quanto mais essencial o produto, menor será a alíquota que sobre ele

irá incidir. Quanto menos essencial o produto, maior será a alíquota a incidir

sobre sua base de cálculo.

Resta-nos agora saber quais mecanismos serão utilizados na aplicação

das alíquotas.

Eduardo Domingos Botallo explica que:

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“Para a sua efetiva realização, a seletividade, no IPI, poderá ser buscada mediante a utilização de quaisquer técnicas que possam redundar na modificação quantitativa da carga tributária: sistema de alíquotas diferençadas, variação de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais e semelhantes. Contudo, acaba sendo confirmado, na prática, que, por intermédio da manipulação das alíquotas, mais facilmente se alcança a seletividade no IPI”. (2002, p.64)

Roque Antônio Carrazza (2007, p.97) destaca que “acaba se

confirmando na prática, que por intermédio da manipulação das alíquotas mais

facilmente se alcança a seletividade (...)”.

Necessário se faz, nesta oportunidade, definir as figuras da não-

incidência, da alíquota zero e da isenção.

A não-incidência implica em dizer que determinado fato não está

descrito na hipótese de incidência como suficiente para fazer nascer a

obrigação tributária. A sua ocorrência fora excluída do campo de incidência do

tributo.

Luciano Amaro (2005, p.280), a respeito da não-incidência assevera que

“todos os fatos que não tem a aptidão de gerar tributos compõem o campo da

não-incidência (de tributo)”.

Dessa forma, explica Ruy Barbosa Nogueira:

“A melhor e legítima técnica legislativa, pois, para alcançar o pleno objetivo da seletividade em função da essencialidade dos produtos, mercadorias e dos serviços, é, dentro do Sistema Tributário Nacional, não apenas isentar, graduar alíquotas, mas para bens absolutamente essenciais, deve o Poder competente livrá-los de todos os ônus fiscais, por meio da não-incidência”. (1990, p.11)

Já, a regra de isenção, consoante Paulo de Barros Carvalho:

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“(...) investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os parcialmente. (...) o encontro de duas normas jurídicas, sendo uma regra-matriz de incidência tributária e outra regra de isenção, com o seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos critérios da hipótese ou da consequencia da primeira (regra-matriz)”. (2004, p.487)

Pedro Luciano Marrey Júnior apud Roque Carrazza compartilha do

mesmo entendimento:

“(...) a lei de isenção, no momento em que surge, já retirou do campo de incidência determinados fatos; a obrigação tributária não chega a nascer pois a lei de isenção suprimiu determinadas situações do campo da incidência. (...) o efeito principal da isenção é o de impedir o nascimento da obrigação tributária”. (2007, p.847)

Roque Antônio Carrazza também concorda que a isenção impede o

nascimento da obrigação tributária. Contudo, borda novos contornos em sua

definição:

“(...) isenção é uma limitação legal no âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça. Ou, se preferirmos, é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que passa a ter o seu âmbito de abrangência restringido, impedindo, assim, que o tributo nasça in concreto (evidentemente, naquela hipótese descrita na lei isentiva)”. (2007, p.856)

O que as definições acima apresentam em comum é o fato de que a

norma isentiva impede o nascimento da obrigação tributária. Se a obrigação

tributária não nasce, não há que se falar pagamento do tributo.

Se um determinado produto é isento de tributação de IPI, vale dizer que,

a norma isentiva, suprimindo algum aspecto da hipótese de incidência deste

imposto, impede que a obrigação tributária decorrente da prática de um

determinado fato, surja.

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Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (2005, p.491), “(...) não pode

o fato ser constituído e seus peculiares efeitos não se irradiam, justamente

porque a relação obrigacional não se poderá instalar à míngua de objeto”.

Com relação à alíquota zero, Eduardo Domingos Botallo entende que:

“(...) em verdade, não passa de isenção, concedida, como o próprio nome diz, pela redução da alíquota do tributo a zero, disso resultando a impossibilidade de surgimento da obrigação tributária”. (2002, p.64)

Paulo de Barros Carvalho, sobre a alíquota zero:

“Que expediência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI? A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma-padrão, investindo contra o critério quantitativo do conseqüente. Qualquer que seja a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação. Que diferença há em inutilizar a regra de incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da percussão tributária? Nenhuma. No entanto, o legislador designa de isenção alguns casos, porém, em outros, utiliza fórmulas estranhas, como se não se tratasse do mesmo fenômeno jurídico”. (2005, p.487/488)

Dessa forma, tanto a isenção como a alíquota zero possuem o mesmo

efeito: impedem o nascimento da obrigação tributária. O que se observa é que

o legislador se utiliza de diferentes nomes para tratar do mesmo fenômeno

jurídico.

O Decreto 4.542/02, que aprova a Tabela de Incidência do IPI (TIPI)

prevê para alguns produtos a alíquota zero.

Tanto estes produtos quanto aqueles isentos de tributação pelo IPI

podem ser considerados essenciais, tendo em vista que, em ambos os casos,

sequer ocorre o nascimento da obrigação tributária.

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Eduardo Domingos Botallo comenta:

“Vale dizer, a carga econômica do IPI haverá de ser distribuída diversamente, conforme a utilidade social do produto industrializado que está sendo colocado no mercado, daí emergindo, com naturalidade, a idéia de que operações praticadas com “produtos industrializados de alta significação social (no plano individual ou coletivo) deverão ser exonerados da incidência do IPI”. (2002, p.65)

Em se tratando do produto industrializado não há dúvidas a respeito da

aplicação do critério da essencialidade. Todavia, ao produto final são

incorporados diversos componentes que, espera-se, recebam o mesmo

tratamento que aquele dispensado ao produto final.

Neste sentido, Eduardo Domingos Botallo salienta que:

“(...) o princípio da seletividade do IPI sinaliza que os “componentes” dos produtos por ele favorecidos não podem sujeitar-se a regime fiscal mais gravoso, mesmo na hipótese de a legislação específica expressamente assim não dispor. Devem, pois, receber o tratamento tributário correspondente ao dispensado a referidos produtos”. (2002, p.68)

Se um produto industrializado é isento de IPI, não há dúvidas de que

recebeu este tratamento em razão de sua essencialidade. Sendo essencial,

todos os componentes incorporados a este produto devem também ser

considerados essenciais e serem isentos de tributação.

Caso contrário, conforme explica Eduardo Domingos Botallo (2002,

p.68), “(...) por via indireta, o IPI, de algum modo (ainda que mais diluído),

sobre ele se fará sentir, infringindo, de consequencia, o princípio da

seletividade”.

Este também é o entendimento apresentado por Roque Antônio

Carrazza:

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“Ainda a respeito da seletividade, estamos convencidos de que ele alcança igualmente as embalagens que servem de “acessórios” aos produtos que, em atenção a este princípio, tenham sido isentados do IPI ou de ICMS, (...) sob pena de restar anulado o benefício constitucional”. (2007, p.100)

Como se vê, o princípio da seletividade deve ser amplamente

considerado e aplicado de modo a preservar tanto o próprio princípio quanto o

contribuinte.

Daí a questão que se apresenta acerca da possibilidade de controle pelo

judiciário sobre a observância da seletividade.

São duas as correntes apresentadas por Eduardo Domingos Botallo, a

saber:

“A primeira, a sustentar que o princípio da seletividade tem, como destinatário exclusivo, o legislador ordinário. Tratar-se-ia, portanto, de regra de política fiscal, uma norma de “conduta” que a Constituição oferece ao legislador, para orientar o exercício de sua competência legislativa (...). Decorre naturalmente desta visão que o controle sobre a aplicação do princípio não pode ser exercido pelo Poder Judiciário, pois a este faltaria competência para questionar as decisões que o legislador eventualmente viesse a tomar, em termos de sua aplicação. (...) Outra posição, que nos parece a mais correta, é a que sustenta que a essencialidade, embora sem perder este sentido de diretriz de política fiscal, expressa, também, uma regra de proteção do contribuinte. Assim, quando a Constituição declara ser o tributo seletivo, dá ao Judiciário, implicitamente, a possibilidade de exercer o controle sobre a aplicação do princípio. (...) Isso significa que o Judiciário pode – e deve – averiguar se os critérios adotados pelo Legislativo foram adequados e racionais. Se concluir que a legislação ultrapassou as fronteiras da razoabilidade e do bom senso, poderá perfeitamente restabelecer o benefício fiscal”. (2002, p.66)

Parece óbvio que, em se tratando de um princípio expresso na

Constituição Federal, é passível de controle pelo Poder Judiciário no sentido de

constatar se a seletividade, em razão da essencialidade, fora observada

quando da fixação da alíquota de um determinado produto.

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Ademais, não se trata apenas de imperativo constitucional destinado ao

legislador ordinário, mas também de mais uma regra asseguradora dos direitos

do contribuinte, sobretudo porque, no caso do IPI, é o consumidor final quem o

efetivamente paga.

Assim expressa Eduardo Domingos Botallo:

“Como se vê, a graduação que cabe ao legislador federal instrumentalizar, deverá prender-se sempre ao propósito de caracterizar o IPI como tributo seletivo, em função, repita-se e reitere-se, da essencialidade do produto industrializado e não de outro referencial. Qualquer desvio desta linha acarreta a incidência da “força repulsora” que o princípio exerce em relação a determinações que venham em seu desafio”. (2002, p.72)

A seletividade, em função da essencialidade dos produtos, é diretriz

constitucional que irradia toda a sua autoridade sobre o legislador

infraconstitucional, sobre o aplicador da lei e seu intérprete e também sobre o

contribuinte, este último permanecendo sob o seu manto protetor.

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CONCLUSÃO

A Constituição Federal alberga em seu texto todos os princípios

essenciais garantidores dos direitos dos contribuintes. Esses princípios

concorrem para o estabelecimento da segurança jurídica que deve existir na

relação do Estado com aqueles.

Todavia, nem sempre é possível qualificar essa relação como segura,

face à voracidade dos entes políticos em arrecadar cada vez mais recursos

financeiros.

Quanto ao Imposto sobre Produtos Industrializados, a função

arrecadatória assume papel secundário, já que prepondera, neste imposto, sua

função extrafiscal.

Pode-se afirmar, portanto, que a extrafiscalidade presente no IPI

apresenta-se como instrumento de intervenção do desenvolvimento econômico

e como forma de se realizar finalidades sociais.

Percebe-se, neste ponto, a importância do princípio da seletividade em

razão da essencialidade dos produtos, demonstrada no presente trabalho.

No entanto, permanece a discussão acerca da possibilidade de se

aplicar o princípio da capacidade contributiva ao Imposto sobre Produtos

Industrializados.

São variadas as opiniões dos doutrinadores. Alguns afirmam que a

capacidade contributiva se impõe a todos os impostos, independentemente de

serem diretos ou indiretos. Outros, afirmam que o princípio da seletividade

seria decorrência do princípio da capacidade contributiva. Há quem defenda

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ainda que a seletividade seria uma técnica utilizada para a satisfação do

princípio da capacidade contributiva no IPI.

Como se vê, difícil a tarefa de estabelecer um consenso diante de

opiniões tão variadas.

Apesar de tamanha discussão, uma realidade apresentou-se como certa

e indiscutível: o princípio iluminador do Imposto sobre Produtos

Industrializados, qual seja, o da seletividade em razão da essencialidade dos

produtos, cumpre relevante papel na busca pela tão almejada justiça fiscal.

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