prevalÊncia de transtornos mentais …site.ucdb.br/public/md-dissertacoes/15728-via-final.pdf ·...

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ANDRÉIA DE CÁSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM SERVIDORES DE UMA UNIVERSIDADE PUBLICA DE MATO GROSSO DO SUL UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO MESTRADO EM PSICOLOGIA CAMPO GRANDE - MS 2014

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  • ANDRIA DE CSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON

    PREVALNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS

    EM SERVIDORES DE UMA UNIVERSIDADE PUBLICA

    DE MATO GROSSO DO SUL

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO

    MESTRADO EM PSICOLOGIA

    CAMPO GRANDE - MS

    2014

  • ANDRIA DE CSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON

    PREVALNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS

    EM SERVIDORES DE UMA UNIVERSIDADE PUBLICA

    DE MATO GROSSO DO SUL

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Mestrado e Doutorado em Psicologia da

    Universidade Catlica Dom Bosco, como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de

    Mestre em Psicologia, rea de concentrao:

    Psicologia da Sade, sob a orientao da Prof.

    Dr. Liliana Andolpho Magalhes Guimares.

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO

    MESTRADO EM PSICOLOGIA

    CAMPO GRANDE - MS

    2014

  • Ficha catalogrfica

    Alarcon, Andria de Cssia Rodrigues Soares

    A321p Prevalncia de transtornos mentais comuns em servidores de uma

    universidade pblica de Mato Grosso do Sul./ Andria de Cssia Rodrigues

    Soares Alarcon; orientao Liliana Andolpho Magalhes Guimares. 2014.

    95 f.+ anexos

    Dissertao (mestrado em psicologia) Universidade Catlica Dom

    Bosco, Campo Grande, 2014.

    1. Transtornos mentais 2. Sade mental 3. Sade do trabalhador

    I. Guimares, Liliana Andolpho Magalhes II. Ttulo

    CDD 616.89

  • A dissertao apresentada por ANDRIA DE CSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON,

    intitulada PREVALNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS EM SERVIDORES DE UMA

    UNIVERSIDADE PBLICA DE MATO GROSSO DO SUL como exigncia parcial para

    obteno do ttulo de Mestre em PSICOLOGIA Banca Examinadora da Universidade

    Catlica Dom Bosco (UCDB), foi .......................................

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________________

    Prof Dr Liliana Andolpho Magalhes Guimares - UCDB

    (Orientadora)

    _________________________________________________

    Prof Dr Helosa Bruna Grubits - UCDB

    ___________________________________________

    Prof Dr Flavins Rebolo - UCDB

    _________________________________________________

    Prof Dr Edelvais Keller- UFJF

    Campo Grande/MS, _____ de _________________ de 2014.

  • Aos meus filhos Joo Victor e Natlia

    Maria, razo da minha vida, meu amor

    mais puro.

    Ao meu esposo Joo Bosco, meu amor

    verdadeiro.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus por me proporcionar a vida e me permitir momentos maravilhosos de

    crescimento e realizao de sonhos, debaixo de suas poderosas mos.

    Aos meus pais, por sempre me mostrarem a importncia do conhecimento,

    acreditando nos meus anseios e ideais. Em especial, agradeo minha me, Alzerina, que foi o

    colo para os meus filhos nos momentos de minha ausncia e minha sogra Elvira, que

    tambm me ajudou com as crianas em vrios momentos desta trajetria. A ambas, agradeo

    o incentivo desde o incio, o apoio e a segurana de ter com quem contar e deixar meus filhos

    com tranquilidade, pelo incentivo e confiana em todos os momentos, para a realizao deste

    trabalho.

    Ao meu esposo Joo Bosco, pelo incentivo, carinho, amor, por acreditar no meu

    potencial ao longo de toda essa trajetria, sem jamais perder a calma nas horas difceis e ser

    pe dos nossos filhos nesses tempos de ausncia.

    Aos meus filhos Joo Victor e Natlia Maria, pela compreenso da minha

    ausncia e falta de tempo em todos os momentos e por serem meu maior incentivo para

    continuar galgando degraus mais altos em minha carreira.

    Aos meus irmos, Wania, Alessandra, Adilson e Arley, meus cunhados, meus

    queridos sobrinhos, pelo incentivo, amor e carinho a mim dedicados e por entenderem todos

    os momentos da minha ausncia.

    Agradeo de corao a toda a minha famlia, pela torcida, carinho, compreenso e

    principalmente pelas oraes ao longo dessa jornada.

    Profa Dr Liliana Andolpho Magalhes Guimares, pela orientao segura e

    paciente, pelo apoio, a mo estendida e o carinho ao longo de todo o curso. Seu estmulo e sua

    dedicao constantes foram primordiais para a concretizao desse trabalho.

    Aos colegas de turma no Mestrado, principalmente, Aline, Iris, Leciana e

    Rodrigo, pela troca afetiva e intelectual nessa jornada, que se tornaram alm de amigos,

    irmos de caminhada.

    A minha amiga mestra Juliana Cestari, que sempre me estendeu a mo no

    momento certo, colaborando de maneira incansvel para a realizao desse sonho.

    Luciana, secretria do Programa de Ps-Graduao Mestrado e Doutorado em

    Psicologia da UCDB, pela ateno permanente s minhas solicitaes.

  • Aos integrantes do Laboratrio de Sade Mental e Qualidade de Vida do

    Trabalhador, que por meio das discusses dos temas abordados, ajudaram muito na minha

    pesquisa.

    Aos meus chefes e amigos do Hospital Universitrio, que acreditaram no meu

    sonho e capacidade, proporcionando-me momentos de aprendizado e principalmente de

    solidariedade, em especial ao enfermeiro Eleandro Almeida, amigo, companheiro, que sempre

    esteve pronto para me substituir nas ausncias, cobrindo meu setor com amor e

    companheirismo, tendo o cuidado para no deixar nada faltar.

    UFMS, por acreditar no meu potencial e consequentemente no deste estudo e

    abrir as portas para realizao desta pesquisa.

    A todos os servidores da UFMS, que participaram deste estudo, que facilitaram os

    estafantes dias de coleta de dados em campo, recebendo-me com carinho, e tambm com um

    cafezinho, tornando possvel sua realizao.

    UCDB, por meio do Programa de ps-graduao Mestrado e Doutorado em

    Psicologia, por proporcionar-me um curso de qualidade para a realizao deste sonho.

  • A UFMS, sucessora da Universidade Estadual de Mato Grosso,

    aqui evidenciada em suas duas histrias, precisa deste trabalho

    irresistvel (nada se constri sem trabalho) e de todos, para no

    fenecer, nem se estiolar e no passarmos a fazer parte dos

    povos dispensveis. Mas isto no acontecer porque a

    Universidade tem o sentido de formar e fazer crescer as

    pessoas, os reitores, professores, alunos e servidores, com a

    dignidade dos que trabalham num templo do saber,

    redobraro seus esforos, assumindo responsabilidades que

    lhes so devidas, para no buscarem no arrependimento de

    amanh o consolo para as omisses de hoje. (Joo Pereira da

    Rosa, 1 Reitor, 25 de novembro de 1970).

    Sem a curiosidade que me move, que me inquieta,

    que me insere na busca, no aprendo nem ensino.

    (FREIRE, 1996, p. 85)

  • RESUMO

    Introduo- O adoecimento psquico um dos grandes problemas enfrentados na atualidade,

    comprometendo a sade da populao trabalhadora e, representando um elevado nus para a

    sade pblica. Os Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho

    representam a segunda causa para afastamentos, colocando em pauta a questo da sade

    mental do trabalhador, que neste estudo ser acessada por meio dos Transtornos Mentais

    Comuns (TMC) dos servidores tcnico-administrativos e docentes de uma universidade

    pblica de Mato Grosso do Sul. Os TMC so um conjunto de sintomas no psicticos

    caracterizados pela presena de insnia, fadiga, dificuldade de concentrao, esquecimento,

    ansiedade, queixas somticas e irritabilidade, entre outros. Objetivos- Estimar a prevalncia

    de Transtornos Mentais Comuns e fatores associados em servidores de uma universidade

    pblica federal. Mtodo- Trata-se de um estudo epidemiolgico, de corte transversal, cujo

    indicador de escolha foi a prevalncia de Transtornos Mentais Comuns. De um universo de

    1545 servidores e uma populao de N=863, foi investigada uma amostra por convenincia,

    composta por n=315 servidores (36,50%), no perodo de outubro a dezembro de 2013. Para

    acesso aos dados, foram aplicados dois instrumentos de forma individualizada e assistida: (i)

    o Questionrio scio demogrfico e ocupacional (QSDO) e (ii) o Self Reporting

    Questionnaire (SRQ-20), um instrumento rastreador de suspeio para TMC, de auto-relato.

    A anlise estatstica foi realizada com nvel de significncia p < 0,05, clculo da razo de

    prevalncia e intervalos de confiana de 95%. Resultados- A prevalncia de Transtornos

    Mentais Comuns foi de 18,4%, considerada alta quando comparada da populao geral (20 a

    25%). Como fatores associados maior prevalncia de TMC destacaram-se, em ordem

    decrescente: ter tido problemas de sade relacionados ao trabalho nos ltimos 12 meses, ser

    do sexo feminino, ter o doutorado como maior titulao acadmica, estar na faixa etria entre

    33 e 40 anos e considerar sua qualidade de vida como regular. Concluso- A prevalncia de

    Transtornos Mentais Comuns pode ser considerada alta, em se tratando de populao

    economicamente ativa. Foram identificados fatores associados aos TMC que podem interferir

    na sade mental da amostra. Os resultados deste estudo indicam que parte dos fatores

    relacionados aos Transtornos Mentais Comuns, passvel de interveno preventiva.

    Palavras-chave: Transtornos Mentais Comuns. Servidores Pblicos Federais. SRQ -20.

    Universidade. Sade mental.

  • ABSTRACT

    Introduction- The mental disorder is one of the major problems faced today, compromising

    the health of the working populations, representing a high burden to public health. The mental

    and behavior disorders related to work are the second cause for sick leaves, putting on the

    agenda the issue of mental health workers, that in this study with the technical-administrative

    staff and teachers of a public university of Mato Grosso do Sul, will be accessed by the

    Common Mental Disorders (CMD). CMD are a set of non-psychotic symptoms characterized

    by the presence of insomnia, fatigue, difficulty concentrating, forgetfulness, anxiety, somatic

    complaints and irritability, among others. Aims- To determine the prevalence of Common

    Mental Disorders and associated factors in a university public federal workers Method- This

    is an epidemiological and cross-sectional study, whose indicator of choice was the prevalence

    of Common Mental Disorders. From a universe of 1545 servers and a population of N = 863, was investigated a convenience sample consisting of n=315 servers (36.50 %), in the period

    between October-December of 2013. To access the data, were applied two instruments

    individually and assisted: (i) a demographic and socio occupational questionnaire (QSDO)

    and (ii) the Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), a screening for CMD suspicion, self-

    report. Statistical analysis was performed with a significance level p

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AET Anlise Ergonmica do Trabalho

    CAGE Teste de triagem de alcoolismo

    CAPS Centro de Ateno Psicossocial

    CAT Comunicao de Acidente no Trabalho

    CF Constituio Federal

    CFP Conselho Federal de Psicologia

    CLT Consolidao das Leis Trabalhistas

    CPDO Campus de Dourados

    DM Doenas Mentais

    ES Esprito Santo

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

    MG Minas Gerais

    MS Mato Grosso do Sul

    NIN Ncleo de Informtica

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PCCTAE Plano de Carreira dos Cargos Tcnico-Administrativo em Educao

    PE Pernambuco

    PROGEP Pr-reitoria de Gesto de Pessoas

    PST Programa de Sade do Trabalhador

    QMPA Questionrio de Morbidade Psiquitrica em adultos

  • QSDO Questionrio Sociodemogrfico - Ocupacional

    RS Rio Grande do Sul

    SRQ Self Reporting Questionnaire

    STM Suspeio para Transtorno Mental

    SUS Sistema nico de Sade

    SP So Paulo

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    TM Transtornos Mentais

    TMC Transtornos Mentais Comuns

    TMM Transtornos Mentais Menores

    UCDB Universidade Catlica Dom Bosco

    UEMT Universidade Estadual de Mato Grosso

    UFB Universidade Federal do Bolso

    UFES Universidade Federal do Esprito Santo

    UFGD Universidade Federal da Grande Dourados

    UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    UFPAN Universidade Federal do Pantanal

    UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Prevalncia de Transtornos Mentais Comuns na amostra, com suspeitos e no

    suspeitos no SRQ-20 ............................................................................................ 66

    Tabela 2 - Correlao do fator sexo com suspeio para TMC ............................................. 67

    Tabela 3 - Correlao do fator faixa etria, com suspeio para TMC ................................. 67

    Tabela 4 - Correlao do fator problema de sade relacionado ao trabalho nos ltimos 12

    meses e suspeio para TMC ................................................................................ 68

    Tabela 5 - Correlao do fator qualidade de vida com suspeio para TMC ........................ 68

    Tabela 6 - Correlao do fato fazer uso de medicao com suspeio para TMC ............. 69

    Tabela 7 - Correlao do fator avaliao do ambiente de trabalho, com suspeio para

    TMC ...................................................................................................................... 69

    Tabela 8 - Regresso logstica para variveis sociodemogrficas e ocupacionais ................ 70

    Tabela 9 - Regresso logstica para os dados sociodemogrficos e ocupacionais mais

    significativos da amostra ...................................................................................... 71

  • SUMRIO

    I INTRODUO ................................................................................................................... 14

    II REFERENCIAL TERICO ............................................................................................ 19

    2.1 O SERVIDOR PBLICO FEDERAL: CONJUNTURA SOCIAL E SOFRIMENTO

    PSQUICO ......................................................................................................................... 20

    2.1.1 Breves notas sobre a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul ................. 24

    2.2 SADE DO TRABALHADOR ........................................................................................ 27

    2.2.1 Breve histrico ........................................................................................................ 27

    2.3 SADE MENTAL E TRABALHO .................................................................................. 33

    2.3.1 Abordagens terico-metodolgicas em Sade Mental do trabalhador ............... 40

    2.4 EPIDEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS E IMPACTOS SOCIAIS ........ 43

    2.5 SOBRE OS TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ..................................................... 46

    III OBJETIVOS ..................................................................................................................... 50

    3.1 OBJETIVO GERAL ..................................................................................................... 51

    3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ....................................................................................... 51

    IV HIPTESES ..................................................................................................................... 52

    V CASUSTICA E MTODO .............................................................................................. 54

    5.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO .................................................................................... 55

    5.2 POPULAO DO ESTUDO ............................................................................................ 55

    5.3 CRITRIOS DE INCLUSO E EXCLUSO ................................................................. 55

    5.4 DEFINIO DAS VARIVEIS ...................................................................................... 55

    5.5 LCUS DA PESQUISA ................................................................................................... 56

    5.6 RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS ....................................................................... 56

    5.7 INSTRUMENTOS DA PESQUISA ................................................................................. 56

    5.7.1 Questionrio Sciodemogrfico e Ocupacional (QSDO) .................................... 57

    5.7.2 Self Reporting Questionnaire SRQ-20 ................................................................... 57

    5.8 PROCEDIMENTOS E COLETA DE DADOS ................................................................ 58

    5.8.1 Preparao para a coleta de dados ....................................................................... 58

    5.8.2 Estudo piloto ........................................................................................................... 59

    5.8.3 Coleta de dados ....................................................................................................... 59

  • 5.8.4 Construo do banco de dados .............................................................................. 62

    5.8.5 Anlise dos dados .................................................................................................... 62

    5.8.6 Aspectos ticos da pesquisa ................................................................................... 63

    VI RESULTADOS ................................................................................................................. 64

    6.1 INFORMAES SOCIODEMOGRFICAS DOS SERVIDORES ESTUDADOS ...... 65

    6.2 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ......................................................................... 66

    6.3 CORRELAES ENTRE AS VARIVEIS SOCIODEMOGRFICAS E

    OCUPACIONAIS E OS TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ................................. 66

    VII DISCUSSO ................................................................................................................... 72

    7.1 DADOS SOCIODEMOGRFICOS E OCUPACIONAIS .............................................. 73

    7.2 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ......................................................................... 78

    7.3 VARIVEIS SOCIODEMOGRFICAS OCUPACIONAIS E A SUSPEIO PARA

    TMC .................................................................................................................................. 78

    VIII CONCLUSES ............................................................................................................. 81

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 84

    APNDICES .......................................................................................................................... 96

    ANEXOS ................................................................................................................................ 126

  • I INTRODUO

  • 15

    As mudanas na organizao e no funcionamento do trabalho tm implicado em

    grande aumento das cargas cognitiva, psquica e emocional do trabalhador, levando a

    repercusses importantes na sade mental da populao ativa, destacando-se o aumento da

    prevalncia dos Transtornos Mentais relacionados ao Trabalho, que levam a prejuzos ao

    indivduo, a organizao, famlia e sociedade (GUIMARES et al., 2014).

    Embora o conjunto dos Transtornos Mentais represente, cerca de 13% a 14% da

    carga total de doenas, menos de 1% dos gastos totais em sade so investidos em sade

    mental, produzindo uma importante lacuna entre a demanda e a oferta dos servios. Em

    decorrncia desse descompasso, apenas parte dos casos existentes identificada e tratada,

    elevando os custos sociais e econmicos (SHANKAR; SARAVANAN; JACOB, 2006). Esses

    transtornos constituem causa relevante para os dias perdidos de trabalho, o que acarreta

    indiretamente um aumento da demanda nos servios de sade.

    Apesar das poucas estimativas disponveis indicarem a relevncia dos Transtornos

    Mentais, os dados sobre a situao de sade mental em grupos de trabalhadores ainda so

    escassos, ocasionando uma carncia de informaes sobre os indicadores de morbidade

    psquica. A ausncia ou insuficincia de informaes sobre a situao da sade mental nos

    trabalhadores, tambm em nosso meio, fator contribuinte para a ateno ainda precria ou

    inexistente em sade mental, tanto no que se refere oferta de servios, quanto elaborao

    de polticas de proteo e promoo sade.

    Para a Organizao Internacional do Trabalho (OIT, 2013), anualmente surgem

    mais de 160 milhes de casos de doenas relacionadas ao trabalho, o que significa que 2% da

    populao mundial, a cada ano acometida por alguma forma de enfermidade, associada

    atividade que exerce profissionalmente. Entre as doenas que mais geram mortes de

    trabalhadores esto aquelas que afetam os pulmes, os msculos, os ossos e os transtornos

    mentais.

    Por sua crescente significncia social e epidemiolgica, os Transtornos Mentais

    Comuns representam uma morbidade psquica com prevalncias significativas nas sociedades,

    independentemente da localizao territorial e faixa etria, correspondendo a um desafio

    sade pblica (ROCHA et al., 2002). Os TMC so considerados como de grande prevalncia

    e importncia nas mais diversas classes trabalhadoras, sendo responsveis por um grande

    nmero de afastamentos dos trabalhadores, gerando custos elevados para o trabalhador, sua

    famlia, empresas e para o pas, o que representa um gasto de R$ 2,2 bilhes por ano aos

    cofres pblicos (ARAJO; CARVALHO, 2009).

  • 16

    A Organizao Mundial de Sade (OMS, 2011) estima que cerca de 30,0% dos

    trabalhadores so acometidos por Transtornos Mentais Comuns e que 5,0 a 10,0% por

    Transtornos Mentais graves. Estes transtornos so responsveis por estados incapacitantes em

    adultos e por absentesmo laboral, e no mundo, por cerca de um tero dos dias de trabalho

    perdidos (WHO, 2001). Segundo dados da OMS (2000), aproximadamente 30% dos

    trabalhadores empregados sofrem de Transtornos Mentais Comuns (TMC)1 e 10% de

    Transtornos Mentais Graves (GUIMARES et al., 2006).

    No Brasil, de acordo com dados estatsticos do Instituto Nacional de Seguridade

    Social (INSS), somente, computando-se aqueles trabalhadores com registro formal, os

    Transtornos Mentais ocupam a terceira posio entre as causas de concesso de benefcios

    previdencirios, com auxlio-doena, afastamento do trabalho por mais de 15 dias e

    aposentadorias por invalidez (BRASIL, 2001; GASPARINI; BARRETO; ASSUNO,

    2005). Nesta direo, a OIT (2013) relata que no pas, dos 166.4 mil auxlios-doena

    concedidos pelo INSS, cerca de 15.2 mil so por Transtornos Mentais ou do Comportamento,

    e que , entre esses, a depresso ocupa o primeiro lugar da lista.

    O conceito de absentesmo caracterizado como o perodo de ausncia laboral

    que se aceita como atribuvel a uma incapacidade do indivduo, exceo para aquela derivada

    de gravidez normal ou priso, entendendo-se por ausncia laboral o perodo ininterrupto de

    falta ao trabalho, desde seu comeo, independentemente da durao (SILVA; PINHEIRO;

    SAKURAI, 2007; OIT, 2012).

    Dado o acima exposto, faz-se importante desenvolver mais estudos, visando

    diminuio das consequncias que so geradas no s pelo absentesmo, mas tambm pelo

    presentesmo2 que at podem causar mais perda de produtividade do que o absentesmo

    (ANDRADE et al., 2008).

    Para a realizao da presente pesquisa, foram realizadas buscas nos seguintes

    Bancos de Dados: Scielo, Lilacs, Portal CAPES, BIREME, utilizando-se os descritores:

    Sade/Doena Mental; Sade Mental e Trabalho; Transtornos Mentais Menores (TMM),

    1 Transtornos Mentais Comuns (TMC) - De acordo com Santos (2002 apud MARAGNO et al, 2006), se

    referem situao de sade de uma populao, com indivduos que no preenchem os critrios formais para

    diagnsticos de depresso e/ou ansiedade, segundo as classificaes do DSM-IV (Diagnostic and Statistical

    Manual of Mental Disorders Fourth Edition) e da CID-10 (Classificao Internacional de Doenas- 10

    Reviso), mas que apresentam sintomas proeminentes que trazem uma incapacitao funcional comparvel ou

    at mais grave que quadros crnicos j bem estabelecidos. 2 Presentesmo: se refere presena fsica do trabalhador no ambiente de trabalho, sem que o mesmo esteja

    conectado, causando repercusses pessoais, profissionais, organizacionais e sociais.

  • 17

    Transtornos Mentais Comuns (TMC), Minor Psychiatrics Disorders (MPD). Observou-se

    que, estudos avaliando os TMC dos servidores pblicos federais, no so muitos,

    constituindo-se esta, uma das justificativas para sua realizao. Optou-se por conhecer a sade

    mental do servidor pblico federal ora estudado, pelo vis dos TMC.

    Existem duas lacunas na literatura cientfica nacional. A primeira oferecer

    pesquisas e reflexes sobre questes conceituais e novos aportes tericos, alm de analisar a

    questo da sade emocional nas mais diferentes ocupaes, como policiais, bancrios,

    funcionrios pblicos, trabalhadores rurais, da rea de servios, entre outros. A segunda

    oferecer propostas prticas de abordagens, particularmente, no que se refere ao estresse

    ocupacional e nova realidade dos contextos de trabalho.

    Como interesses de ordem pessoal da pesquisadora pela temtica a ser estudada

    nessa investigao, tem-se que: a mesma graduou-se na instituio, enfermeira de formao

    e trabalha no Ncleo do Hospital desta Universidade, funcionria pblica federal em

    exerccio. Em paralelo com seu trabalho de chefia de enfermagem da Enfermaria de clnica

    mdica, desenvolve a funo de Preceptora da Residncia Multiprofissional de Sade em

    Ateno ao Paciente Crtico do NHU/UFMS, desde 2010, composta por enfermeiros,

    odontlogos, fisioterapeutas, nutricionistas e farmacutico-bioqumicos, o que a habilita a

    transitar em teoria e prtica por diferentes reas do conhecimento, incluindo-se noes sobre o

    campo da psicologia.

    Em seu cotidiano de trabalho, a investigadora que chefe de enfermagem no

    hospital onde trabalha, pode perceber como os servidores que trabalham sob seu comando,

    apresentavam uma importante desgaste profissional e elevado nmero de atestados mdicos

    por problemas fsicos, mas principalmente por problemas psquicos e emocionais, talvez por

    conta do tipo de trabalho, pelo excesso de burocracia, por uma no preocupao com a

    ergonomia, falta de materiais, pela organizao do trabalho, entre outros. Passou ento, a

    interessar-se por conhecer mais profundamente se o adoecimento mental nos servidores da

    UFMS estaria associado ao trabalho. Sua aprovao no Programa de Ps-Graduao,

    Mestrado em Psicologia em 2012, na Universidade Catlica Dom Bosco - UCDB, as

    discusses durante as aulas, as reunies no Laboratrio de Sade Mental e Qualidade de Vida

    no Trabalho, coordenado pela Prof Dr Liliana Andolpho Magalhes Guimares,

    aprofundaram mais ainda seu interesse pelo tema, abordado pelo ento projeto Prevalncia

    de Transtornos Mentais Comuns em servidores de uma universidade pblica de Mato Grosso

    do Sul, hoje sua dissertao de mestrado.

  • 18

    Para interpretar os achados obtidos nesta pesquisa, ser utilizada a abordagem

    psicossociolgica em sade mental e trabalho e foram considerados os aspectos individuais do

    servidor (micro), da instituio (meso) e em que se supe a influncia do meio externo

    (macro), e.g., o mercado de trabalho, as polticas pblicas, entre outros, levando-se em conta a

    percepo do trabalhador sobre o seu sofrimento e a sade mental, as interferncias do local

    de trabalho e suas caractersticas socioeconmicas demogrficas e ocupacionais

    (GUIMARES, 2013).

    Espera-se com esse estudo dar visibilidade face indiferenciada desse servidor,

    por meio de sua caracterizao sociodemogrfica e ocupacional, identificando se existe ou

    no a prevalncia para TMC e dos fatores associados, relacionando, por meio do mtodo

    epidemiolgico. Tal visibilidade poder contribuir para a elaborao de programas

    institucionais de promoo e preveno que se reflitam em uma melhor sade geral e mental

    destes profissionais, bem como para que os mesmos possam apresentar uma atuao e

    execuo de um trabalho com mais qualidade de vida na instituio.

    A seguir, na seo II, o estudo apresenta o referencial terico utilizado para

    embas-lo contendo os seguintes tpicos: o servidor pblico federal: conjuntura social e

    sofrimento psquico, breves notas sobre o lcus de pesquisa, sade do trabalhador, sade

    mental e trabalho, epidemiologia dos Transtornos Mentais e impactos sociais e Transtornos

    Mentais Comuns. Na seo III, so expostos os objetivos da pesquisa e na IV as hipteses de

    estudo. Na seo V so apresentados a Casustica e Mtodo em que se justifica e explica o

    passo a passo do desenvolvimento da pesquisa; a seo VI traz os resultados; na seo VII so

    discutidos e interpretados os resultados encontrados e na seo VIII, so feitas as

    consideraes finais e as concluses.

  • II REFERENCIAL TERICO

  • 20

    2.1 O SERVIDOR PBLICO FEDERAL: CONJUNTURA SOCIAL E SOFRIMENTO

    PSQUICO

    O contingente de servidores pblicos ativos do Executivo Civil Federal do Brasil

    de aproximadamente 528.000 servidores ativos, distribudos pelos 27 estados da Federao.

    O Rio de Janeiro, antiga capital da Repblica, o estado com o maior nmero de servidores

    pblicos federais, com mais de 110.000 servidores, o que corresponde ao dobro de servidores

    da atual capital, Braslia (CARNEIRO, 2008).

    A denominao servidor pblico utilizada, segundo Di Pietro (2003 apud

    ARAJO; CARVALHO, 2009), para designar, em sentido amplo, as pessoas fsicas que

    prestam servios ao Estado e s entidades da Administrao Indireta, com vnculo

    empregatcio e mediante remunerao paga pelos cofres pblicos. Assim, so considerados

    servidores pblicos: os servidores estatutrios, ocupantes de cargos pblicos providos por

    concurso pblico e que so regidos por um estatuto definidor de direitos e obrigaes; os

    empregados ou funcionrios pblicos, ocupantes de emprego pblico tambm provido por

    concurso pblico, contratados sob o regime da CLT (TAVARES BENETTI; FERREIRA DE

    ARAJO, 2008).

    Para Ribeiro e Mancebo (2013), servidores pblicos so todos aqueles ocupantes

    de cargo do poder pblico. No conceito de servidor, segundo Di Pietro e Ribeiro (2010)

    existem trs grupamentos distintos: (1) servidores estatutrios, que so titulares de cargos

    pblicos, so submetidos em Lei a regulamentos estabelecidos e pelas unidades da Federao;

    (2) grupamento composto por empregados pblicos, subordinados s normas da Consolidao

    das Leis Trabalhistas (CLT) e que so ocupantes de cargo pblico e os (3) servidores

    temporrios contratados por prazo determinado para o exerccio de certas funes.

    A Constituio Brasileira, assim define o funcionrio ou servidor pblico

    (BRASIL, 1990, p. 245).

    Art. 327 - Considera-se funcionrio ou servidor pblico, para os efeitos

    penais, quem, embora transitoriamente ou sem remunerao, exerce cargo,

    emprego, serventia ou funo pblica. 1 - Equipara-se a funcionrio

    pblico, quem exerce cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal e

    quem trabalha para empresa prestadora de servio, contratada ou conveniada

    para a execuo de atividade tpica da Administrao Pblica

    A expresso funcionrio pblico no empregada na Constituio Federal de

    1988, devido ao regime contratual celetista que o assemelha ao empregado privado, que

  • 21

    emprega a designao servidor pblico (grifo nosso) e agente pblico para se referir aos

    trabalhadores do Estado. Agente Pblico a designao mais abrangente: alcana os agentes

    polticos, os servidores pblicos e os particulares, em atuao colaboradora. Os servidores

    pblicos so referidos como categoria de agentes pblicos: so os agentes permanentes,

    profissionais, a servio da Administrao Pblica (BRASIL, 1994).

    O cargo em comisso, antigamente chamado cargo de confiana, destinado a

    funes de direo, chefia ou assessoramento. O servidor pode ser efetivo (de carreira) ou

    algum de fora da administrao; o provimento no se d por concurso, a nomeao livre e,

    como no possui estabilidade, o servidor pode ser exonerado a qualquer tempo. Nesse caso, se

    um servidor efetivo, volta para o cargo normal e, se uma pessoa anteriormente estranha ao

    servio pblico, perde o vnculo com a administrao pblica. O servidor comissionado no

    possui os mesmos direitos do efetivo, principalmente a previdncia prpria, filiado ao INSS.

    Existe tambm a funo de confiana, que uma funo sem cargo prprio, isto , o servidor

    efetivo sai da sua funo normal e assume a funo que seria do cargo em comisso.

    Permanece, ento, com seu cargo normal e uma funo especial (BRASIL, 1988).

    Como possvel observar, existem diferentes formas de vinculao formal ao

    trabalho do servidor pblico, o que certamente repercute em condies de trabalho desiguais,

    muitas vezes, com a mesma funo e cargos, submetidos a diferentes normas e estatutos,

    podendo gerar conflitos.

    Os servidores estudados na presente pesquisa so servidores estatutrios, titulares

    de cargos pblicos, so submetidos em Lei a regulamentos estabelecidos e pelas unidades da

    Federao, ou seja, so titulares de cargo pblico, que aps concurso pblico, passam a ser

    regidos pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispe sobre o Regime Jurdico dos

    Servidores Pblicos Civis da Unio, das Autarquias e das Fundaes Pblicas Federais, que

    aps tomarem posse e passarem por trs anos de estgio probatrio, adquirem estabilidade.

    So tambm adquiridos o direito ao recolhimento da previdncia social, uma remunerao

    conforme a classe, a funo pelo poder pblico Federal e a oportunidade de continuar se

    qualificando e capacitando, com o incentivo de Plano de Carreira dos Cargos Tcnico-

    Administrativos em Educao (PCCTAE).

    A maioria dos servidores presta um servio do tipo intelectual (caracterizado no

    processamento de informaes, negociaes, fiscalizao, ensino, pesquisa, policiamento,

    entre outras) e no-braal (tpico das lavouras ou das atividades repetitivas das linhas de

    montagem das indstrias). Por mais que as rotinas sejam fragmentadas e estruturadas em ritos

  • 22

    processuais rgidos, elas esto ainda aliceradas sobre normas jurdicas complexas, por vezes

    contraditrias (PORTO, 2006).

    Caracteristicamente, o modelo tcnico-burocrtico nas organizaes, derivado da

    adoo do modelo weberiano, corresponde basicamente existncia de normas escritas, da

    estrutura hierrquica, da diviso horizontal e vertical do trabalho e, finalmente, da

    impessoalidade do recrutamento de pessoal. Assim, os trabalhadores que se vem

    mergulhados no modo de gesto burocrtico so influenciados, tomando para si caractersticas

    especficas, como morosidade e extrema regulamentao na dinmica do trabalho.

    Na atualidade, os sujeitos que trabalham em empresas estatais vivem os reflexos

    das transformaes, as exigncias do novo mercado de trabalho formal, e so impelidos a

    buscar outro perfil mais flexvel. A demanda de estar empregvel real nessas empresas,

    porque ali se observa o movimento do Estado para enxugar e reduzir o quadro de vagas de

    trabalho (NUNES; LINS, 2009).

    Lancman et al. (2007) pontua que, apesar de vivenciarem relaes menos

    instveis de trabalho (menor exposio ao risco de demisso sumria), os profissionais do

    setor pblico esto expostos a outras formas de instabilidade e precarizao do trabalho, tais

    como: privatizao de empresas pblicas seguidas de demisses, terceirizao de setores

    dentro da empresa, deteriorao das condies de trabalho e da imagem do trabalhador do

    servio pblico, e responsabilizao deles pelas deficincias dos servios e por possveis

    crises das instituies pblicas, entre outros. A estabilidade no emprego, que era prerrogativa

    do setor pblico, retirada pela alterao da sua legislao, e a poltica de desvalorizao do

    sujeito visvel atravs do achatamento dos salrios e das precrias condies de trabalho,

    evidenciadas na diminuio da quantidade e da qualidade dos materiais de consumo, da

    manuteno e compra de equipamentos, o que leva muitos a procurarem outras empresas para

    trabalhar (RODRIGUES; IMAI; FERREIRA, 2001).

    Segundo Nunes e Lins (2009) as empresas estatais apresentam, em sua estrutura,

    uma especificidade que lhes confere uma ntida distino das empresas privadas. Elas, como

    outras quaisquer, possuem sua funo produtiva, mas assumem contornos do Estado. Sua

    estruturao sempre ser regida pelos planos polticos e econmicos do governo a que esto

    vinculadas. As adaptaes das prticas gerenciais oriundas da iniciativa privada e introduzidas

    no setor pblico brasileiro, em conjunto com a grande mudana produzida pela revoluo da

    informtica e a necessidade de absoro rpida desses novos modelos de gesto, o que muitas

  • 23

    vezes acarretou choques para as culturas organizacionais, tm modificado o panorama da

    sade ocupacional e da qualidade de vida do servidor pblico.

    Apesar desses avanos na esfera nacional da categoria, pouco se tem estudado

    sobre a figura do trabalhador do servio pblico por sua caracterizao primordial: a ligao

    com o Estado e o modo de gesto peculiar que utilizado em toda essa rede. Tal formatao

    demanda um olhar diferenciado por parte dos estudiosos da categoria profissional. A viso

    quanto ao servidor pblico vem sendo modificada pela necessidade do mercado atual, do

    aperfeioamento, e tambm pela perda do antigo "emprego vitalcio", sempre to exaltado

    como referncia ao funcionalismo pblico (NUNES; LINS, 2009).

    Quanto aos cuidados com esse tipo de servidor diferenciado, segundo Carneiro

    (2008), especificamente, na rea da seguridade social do servidor pblico federal, o governo

    poca, fez alguns avanos, no s na esfera normativa, que permite a operacionalizao das

    diretrizes polticas nessa rea especfica de atuao, mas, fundamentalmente, comprometeu-se

    na implementao de aes interventivas que impliquem na melhoria da qualidade de vida e

    trabalho, com influncia direta na realidade da administrao pblica federal, sobretudo no

    que tange a assistncia sade suplementar e sade ocupacional do servidor pblico.

    Sugere- se, como feito nesta investigao, que em primeiro lugar, seja cotejado o

    diagnstico epidemiolgico dos agravos sade mental.

    Cabe destacar que o sofrimento mental ligado ao trabalho, cada vez mais, tem

    sido objeto de estudos, pela alta incidncia e prevalncia dessa ocorrncia nos ambientes de

    trabalho, o que gera prejuzos ao desempenho profissional do trabalhador e perdas

    econmicas para o empregador (GUIMARES; GRUBITS, 2004).

    Nunes e Lins (2009) estudaram a relao do prazer e sofrimento no trabalho dos

    servidores de uma instituio federal, em que foi possvel detectar que as maiores causas de

    sofrimento so as dificuldades impostas pelo servio pblico, ou seja, um modo de gesto

    altamente hierarquizado e tomado pela racionalizao burocrtica e, como fator de prazer,

    quando percebem o sucesso ao atingirem metas, apesar dos obstculos, expressando a

    ambiguidade que os mesmos vivenciam no ambiente laboral.

    Nessa mesma direo, Figueiredo e Alevato (2012), citam que os servidores

    tcnico-administrativos de uma instituio de ensino superior, entre outras demandas, lidam

    diariamente com novas formas de explorao como a precarizao, intensificao e a

    flexibilizao do trabalho (SEGNINI, 1999; ANTUNES, 2008; SENNETT, 2008;

  • 24

    WOLLECK, 2011). O estudo de Figueiredo e Alevato (2012) conclui que a maior parte dos

    servidores que foram afastados do servio teve como causa os Transtornos Mentais e do

    Comportamento, includas a depresso, a sndrome do pnico e a esquizofrenia, entre outros,

    bem como foram responsveis pela maioria dos dias de afastamento.

    A literatura em sade mental no trabalho do servidor pblico federal sugere,

    portanto, a amplitude e a relevncia do problema a ser enfrentado em todo o territrio

    nacional, indicando a necessidade do estabelecimento de uma poltica em sade mental

    incorporada s gestes, levando em conta as dificuldades estruturais da Administrao

    Pblica Federal, at mesmo pela inexistncia de dados fidedignos sobre as os fatores

    psicossociais de risco no servio pblico federal em universidades. Tal providncia

    possibilitaria um real dimensionamento do adoecimento mental, aliado a uma diversidade de

    fatores organizacionais associados (BRASIL, 2010).

    2.1.1 Breves notas sobre a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    A Universidade Federal de (UFMS) uma instituio pblica de ensino, sediada

    na cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul. Conforme consultas ao

    site da Universidade (UFMS) sua histria teve inicio da no ano de 1962, ano em que foi

    criada a Faculdade de Farmcia e Odontologia, na cidade de Campo Grande, onde seria o

    primeiro centro de ensino superior pblico, no ento estado de Mato Grosso.

    Em 1966, foi criado o Instituto de Cincias Biolgicas de Campo Grande, que

    absorveu os dois cursos j existentes e instituiu e criou o curso de medicina. Em 1967, foram

    instalados o Instituto Superior de Pedagogia em Corumb e o Instituto de Cincias Humanas e

    Letras em Trs Lagoas. Em 16 de setembro de 1969, fundou-se ento a Universidade Estadual

    de Mato Grosso (UEMT), em 1970 a UEMT em Dourados, em 05 de julho de 1979 a UFMS,

    por meio da Lei Federal n 6.674, de 05 de julho de 1979, a partir da federalizao da ento

    Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT).

    Foram agregadas, portanto, todas as unidades educacionais integrantes desta

    Instituio (UFMS, 2011): o Instituto de Cincias Biolgicas de Campo Grande, criado em

    1966, formado pelas Faculdades de Farmcia, Odontologia e Medicina, o Instituto Superior

    de Pedagogia de Corumb, criado em 1967; o Instituto de Cincias Humanas e Letras de Trs

  • 25

    Lagoas, criado em 1967; o Centro Pedaggico de Aquidauana, criado em 1970 e o Centro

    Pedaggico de Dourados, criado em 1970.

    Santos (1995) ressalta uma caracterstica especfica da UFMS, [...] [ela] j

    nasceu geograficamente descentralizada., o que facilitou o acesso e beneficiou a populao

    sul-mato-grossense, os estados e pases vizinhos.

    Atualmente, a UFMS composta por nove unidades setoriais acadmicas, sendo

    trs Centros, cinco Faculdades e uma Coordenadoria, mantidas na sede, em Campo Grande, e

    outras 10 unidades setoriais no interior do estado (UFMS, 2012). Aps essa expanso, em

    2001, criou-se o Campus de Coxim; em 2005 foi desmembrado o Campus de Dourados

    (CPDO) para ser criada a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em 2008 foi

    criado o Campus de Chapado do Sul, em 2009, o de Nova Andradina, as Faculdades de

    Direito e Computao e em 2010, os campi3 de Bonito, Navira e Ponta Por.

    Assim sendo, devido extenso territorial da UFMS, a mesma atende

    educacionalmente vrias cidades, estados e at pases vizinhos, como Paraguai e Bolvia.

    A unidade setorial acadmica cidade sede (que foram contempladas alm de outras nesta

    investigao) assim composta: Centro de Cincias Biolgicas e da Sade (CCBS); Centro

    de Cincias Exatas e Tecnologia (CCET); Centro de Cincias Sociais (CCHS); Faculdade de

    Computao (FACOM); Faculdade de Direito (FADIR); Faculdade de Medicina (FAMED);

    Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia (FAMEZ); Faculdade de Odontologia

    (FAODO) e Coordenadoria de Educao Aberta e Distncia (CED/PREG).

    Alm destas unidades acadmicas, a UFMS possui os seguintes rgos e unidades

    suplementares que no foram contemplados nesta investigao: Ncleo de Hospital

    Universitrio, Ncleo de Informtica, Base de Estudos do Pantanal, Hospital Veterinrio,

    Fazenda Escola, piscinas, quadras, ginsios, Estdio Pedro Pedrossian, Teatro Glauce Rocha

    (UFMS, 2011), Museu Arqueolgico (MUARQ), Pantanal Incubadora Mista de Empresas,

    Empresa Jnior, Agncia de Propriedade Intelectual e Transferncia de Tecnologia (APITT),

    e Escola de Conselhos (UFMS, 2012). Nesta pesquisa, ser visado estritamente o campus

    localizado na cidade de Campo Grande, onde funcionam oito unidades setoriais, Reitoria, Pr-

    Reitorias e Coordenadorias.

    3 Campi: o plural de campus em sua forma tradicional (latim), segundo a Assessoria de Comunicao do

    Ministrio da Educao, em seu manual de redao (BRASIL. MEC, 2012).

  • 26

    Com relao oferta de cursos, dados apresentados no Plano de Desenvolvimento

    Institucional 2010-2014, indicam que a UFMS oferecia, poca de sua publicao, cento e

    dois cursos de graduao, dos quais noventa e quatro presenciais e oito distncia e trinta

    cursos de ps-graduao, sendo vinte e dois de mestrado e oito de doutorado (UFMS, 2011).

    Na cidade universitria de Campo Grande, so ofertados atualmente 58 cursos de graduao

    distribudos nos Centros e Faculdades, dos quais apenas 18 so licenciaturas.

    A estrutura organizacional da universidade tambm acompanhou o processo de

    fragmentao do conhecimento, adotando em sua composio setores e agregando reas

    especficas e afins, por meio de departamentos e faculdades.

    A UFMS oferece cursos de graduao e ps-graduao, ambos presenciais e

    distncia. Os cursos de ps-graduao comportam os cursos de especializao e os programas

    de mestrado e doutorado.

    Para o futuro, existe o projeto de criao da Universidade Federal do Pantanal-

    UFPAN, com sede em Corumb e a Universidade Federal do Bolso-UFB em Trs Lagoas,

    unindo-se ao campus de Paranaba, ambas desmembrando-se da UFMS.

    Exposto o cenrio de criao da UFMS, local em que os servidores aqui estudados

    desempenham sua funo, passa-se a abordar a sade do trabalhador, campo de estudos em

    expanso, sendo esta derivada dos inmeros problemas relacionados sade fsica e mental

    que o trabalhador brasileiro vem apresentando, refletindo-se em custos humanos e

    econmicos para os servidores, para a prpria instituio e para a sociedade.

  • 27

    2.2 SADE DO TRABALHADOR

    2.2.1 Breve histrico

    Impossvel tecer a fundamentao terica de um estudo onde se contemplam as

    relaes entre Sade Mental e Trabalho, sem referenciar seu incio no sculo XVII. Para

    tanto, esta parte da dissertao tratar de suas origens, onde se encontra a contribuio

    fundamental de Bernardo Ramazzini, considerado na atualidade, o pai da Medicina do

    Trabalho e referncia para todos aqueles que trabalham com sade do trabalhador.

    Bernardo Ramazzini inicia no curso mdico de Mdena, Itlia, suas aulas sobre a

    matria que denominou Artificum- As doenas dos trabalhadores. Suas observaes foram

    registradas no livro que intitulou De Morbis Artificum Diatriba (1700) e resultou da amalgama

    de uma slida bagagem de erudio na literatura histrica, filosfica e mdica disponvel -

    como se ver adiante, com as observaes colhidas em visitas aos locais de trabalho e

    entrevistas com trabalhadores. Ressalte-se importncia de Ramazzini para o incio da

    sistematizao do campo de estudos e prticas em sade, que mais tarde seria relacionado com

    as origens da Higiene Ocupacional, depois denominada Sade Ocupacional, importante at os

    dias de hoje.

    Figura 1- Capas: antiga e atual do livro de Ramazzini As doenas dos trabalhadores

    Fonte: ANAMT (2014)

    Conforme relato feito pelo prprio Ramazzini, o despertar do seu interesse pelas

    doenas dos trabalhadores e pela elaborao de um texto voltado para este tema deu-se a

    partir da observao do trabalho dos cloaqueiros, em sua prpria casa, em Mdena, Itlia.

    http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&docid=asPYrGACKIz74M&tbnid=u6EnEPxuZN8FAM:&ved=0CAUQjRw&url=http://s-trabalho.webnode.com.br/news/as "doen%C3%A7as dos trabalhadores":/&ei=aEuDU7CEHJOlsQSXl4GgDw&psig=AFQjCNEVEcnN5ORQoxkIYtaAOzH4fKE7yQ&ust=1401199715385306

  • 28

    Esses trabalhadores tinham a tarefa de esvaziar as cloacas fossas negras que

    armazenavam fezes e outros dejetos, como, alis, ainda era feito rotineiramente, h at no

    muito tempo atrs, em diversas cidades brasileiras, e excepcionalmente por trabalhadores de

    empresas de saneamento bsico.

    Ramazzini (1992, p. 47-48), em uma rica descrio, que aqui se mantm na

    ntegra, dada sua riqueza de contedo e narrativa, baseada em sua incomum e singular

    capacidade de observao relata,

    Observei que um dos operrios, naquele antro de Caronte, trabalhava

    aodadamente, ansioso por terminar; apiedado de seu labor imprprio,

    interroguei-o porqu trabalhava to afanosamente e no agia com menos

    pressa, para que no se cansasse demasiadamente, com o excessivo esforo.

    Ento, o miservel, levantando a vista e olhando-me desse antro, respondeu:

    ningum que no tenha experimentado poder imaginar quanto custaria

    permanecer neste lugar durante mais de quatro horas, pois ficaria cego.

    Depois que ele saiu da cloaca, examinei seus olhos com ateno e os notei

    bastante inflamados e enevoados; em seguida procurei saber que remdio os

    cloaqueiros usavam para essas afeces, o qual me respondeu que usaria o

    nico remdio, que era ir imediatamente para casa, fechar-se em quarto

    escuro, permanecendo at o dia seguinte, e banhando constantemente os

    olhos com gua morna, como nico meio de aliviar a dor dos olhos.

    Perguntei-lhe ainda se sofria de algum ardor na garganta e de certa

    dificuldade para respirar, se doa a cabea enquanto aquele odor irritava as

    narinas, e se sentia nuseas. Nada disso, respondeu ele, somente os olhos so

    atacados e se quisesse prosseguir neste trabalho muito tempo, sem demora

    perderia a vista, como tem acontecido aos outros. Assim, atendendo-me,

    cobriu os olhos com as mos e seguiu para casa. Depois observei muitos

    operrios dessa classe, quase cegos ou cegos completamente, mendigando

    pela cidade [...].

    Segundo Mendes (2000, p. 48), Ramazzini tinha uma preocupao e o

    compromisso com uma classe de pessoas habitualmente esquecida e menosprezada pela

    Medicina. O prprio Ramazzini (1992, p. 15 e 16) reconhece no prefcio de seu tratado, que,

    [...] ningum que eu saiba ps o p nesse campo [doenas dos

    operrios]. [...] , certamente um dever para com a msera condio de

    artesos, cujo labor manual muitas vezes considerado vil e srdido,

    contudo necessrio e proporciona comodidades sociedade humana

    [...].

    Ramazzini (1992, p. 16) entendera que,

    os governos bem constitudos tm criado leis para conseguirem um bom

    regime de trabalho, pelo que justo que a arte mdica se movimente em

    favor daqueles que a jurisprudncia considera com tanta importncia, e

  • 29

    empenhe-se [...] em cuidar da sade dos operrios, para que possam, com a

    segurana possvel, praticar o ofcio a que se destinaram.

    Os passos de abordagem utilizados e ensinados por Ramazzini seguem-se pelas

    visitas ao local de trabalho e pelas entrevistas com trabalhadores. Alis, como antes visto, foi

    o impacto da observao do trabalho e a das conversas com os trabalhadores que levou

    Ramazzini a se dedicar ao tema das doenas dos trabalhadores.

    Mais tarde, com a sistematizao de seus estudos sobre as doenas dos

    trabalhadores, Ramazzini (1992, p. 16-17) pode afirmar com a autoridade dos mestres:

    [...] eu, quanto pude, fiz o que estava ao meu alcance, e no me considerei

    diminudo visitando, de quando em quando, sujas oficinas a fim de observar

    segredos da arte mecnica. [...] Das oficinas dos artfices, portanto, que so

    antes escolas de onde sa mais instrudo, tudo fiz para descobrir o que

    melhor poderia satisfazer o paladar dos curiosos, mas, sobretudo, o que

    mais importante, saber aquilo que se pode sugerir de prescries mdicas

    preventivas ou curativas, contra as doenas dos operrios.

    abordagem clnico-individual, cujos fundamentos foram ensinados por

    Hipcrates (460-375 a.C.), Ramazzini agregou a prtica da histria ou anamnese

    ocupacional. Assim, ele dizia algo, que no se aplica somente ao mdico, mas a todos os

    profissionais da sade que atuam no contexto do Trabalho (MENDES, 2000, p. 50)

    [...] Um mdico que atende um doente deve informar-se de muita coisa a seu

    respeito pelo prprio e por seus acompanhantes [...]. A estas interrogaes

    devia acrescentar-se outra: e que arte exerce? . Tal pergunta, considero

    oportuno e mesmo necessrio lembrar ao mdico que trata um homem do

    povo, que dela se vale chegar s causas ocasionais do mal, a qual quase

    nunca posta em prtica, ainda que o mdico a conhea. Entretanto, se a

    houvesse observado, poderia obter uma cura mais feliz.

    Ampliando a abordagem clnico-individual, Ramazzini introduziu, tambm, a

    anlise coletiva ou epidemiolgica, categorizando-a segundo ocupao ou profisso (cerca de

    54) o que lhe permitiu construir e analisar perfis epidemiolgicos de adoecimento,

    incapacidade ou morte, como at ento no feitos. Com justia, portanto, Ramazzini

    tambm respeitado pelo campo da Epidemiologia, por haver introduzido esta categoria de

    anlise no estudo da distribuio das doenas, o que para esta investigao reproduz quando

    busca estimar a prevalncia de transtornos mentais comuns em trabalhadores.

    Outra rea para a qual Ramazzini deixou sua contribuio foi a da sistematizao

    e classificao das doenas, segundo a natureza e o grau de nexo com o trabalho. Com efeito,

  • 30

    ao descrever as doenas dos mineiros, Ramazzini (apud MENDES, 2000, p.19) entendeu

    que:

    [...] o mltiplo e variado campo semeado de doenas para aqueles que

    necessitam ganhar salrio e, portanto, tero de sofrer males terrveis em

    conseqncia do ofcio que exercem, prolifera, [...] devido a duas causas

    principais: a primeira, e a mais importante, a natureza nociva da substncia

    manipulada, o que pode produzir doenas especiais pelas exalaes danosas,

    e poeiras irritantes que afetam o organismo humano; a segunda a violncia

    que se faz estrutura natural da mquina vital, com posies foradas e

    inadequadas do corpo, o que pouco a pouco pode produzir grave

    enfermidade.

    A propsito das doenas dos que trabalham em p assim se expressa Ramazzini

    (1992, p. 107):

    [...] at agora falei daqueles artfices que contraem doenas em virtude da

    nocividade da matria manipulada; agrada-me, aqui, tratar de outros

    operrios que por outras causas, como sejam a posio dos membros, dos

    movimentos corporais inadequados, que, enquanto trabalham, apresentam

    distrbios mrbidos, tais como os operrios que passam o dia de p,

    sentados, inclinados, encurvados, correndo, andando a cavalo ou fatigando

    seu corpo por qualquer outra forma.

    De fato, deste critrio de classificao emprica utilizado por Ramazzini,

    possvel pegar as bases para uma sistematizao da Patologia do Trabalho, onde, no primeiro

    grupo estariam as doenas profissionais ou tecnopatias, e, no segundo, as doenas

    adquiridas pelas condies especiais em que o trabalho realizado, ou as mesopatias -

    classificao at hoje utilizada para fins mdico-legais e previdencirios em muitos pases,

    inclusive no Brasil.

    Muitas outras contribuies poderiam ser aqui identificadas, tais como sua viso

    das inter-relaes entre a Patologia do Trabalho e o Meio-Ambiente, quando Ramazzini

    estuda as doenas dos qumicos (RAMAZZINI, 1992, p. 110) e a nfase na preveno

    primria das doenas dos trabalhadores, o que ele faz no interior de inmeras sees de seu

    livro. Ainda no estudo das doenas dos qumicos que ele descreve a utilizao potencial

    de registros de bito para o estudo dos impactos da poluio ambiental sobre a sade das

    comunidades - estratgia metodolgica que at hoje se utiliza.

    As relaes entre Trabalho, Sade e Doena dos trabalhadores so cada vez mais

    reconhecidas e as prticas da Sade Ocupacional tm se transformado, incorporando novos

    enfoques e instrumentos de trabalho, em uma perspectiva interdisciplinar. relativamente

    recente uma produo mais sistemtica sobre a Sade mental do trabalhador.

  • 31

    As propores epidmicas das afeces emocionais e mentais exigem a adoo de

    estratgias adequadas e cientificamente comprovadas, compatveis com a cultura de nosso

    pas. Por meio das estatsticas de afastamentos e acidentes no trabalho pelos profissionais da

    rea e diagnsticos feitos pelo Cdigo Internacional de Doenas (CID), os Transtornos

    Mentais relacionados ao trabalho, emergem como os de maior prevalncia e incidncia, no

    mundo e em nosso pas.

    Neste contexto, urge que os profissionais e pesquisadores de sade ocupacional se

    encaminhem para alm dos riscos ambientais, buscando entender e abordar os fatores

    psicossociais de risco relacionados ao trabalho. emblemtica a insero deste pilar, no

    modelo de ambiente de trabalho saudvel proposto pela Organizao Mundial da Sade

    (OMS, 2010).

    Para Borsoi (2007), durante muitos anos, o fato de o ser humano trabalhar para

    sobreviver no era pensado como parte integrante do conjunto de aspectos significativos da

    vida das pessoas, de um modo a ser um fator importante na constituio de sofrimento

    psquico, pois a histria familiar, os aspectos orgnicos e afetivos dos indivduos, com

    frequncia eram vistos como as principais causas explicativas para os problemas encontrados

    neste campo. Atualmente, este conceito ainda permanece, pois, segundo o autor, estudos tm

    relatado que ainda se percebe nos comportamentos de mdicos, uma no preocupao em

    saber o que seus pacientes fazem para sobreviver, que profisso exercem, quantas horas

    trabalham por dia, se tiram frias regularmente, entre outros.

    Ogata (2014) refere que uma pesquisa realizada com mais de um milho de

    participantes em todo o mundo, constatou que o trabalho o elemento mais importante do

    bem-estar, em relao aos outros domnios da vida, tais como o como financeiro, social,

    comunitrio e fsico. O bem estar estaria relacionado primordialmente realizao e ao

    sentido do trabalho (RATH, 2010). A abordagem unicamente individual, em geral, no

    efetiva, se no forem abordadas as questes psicossociais relacionadas ao trabalho.

    Os gestores dos programas de promoo de sade e qualidade de vida reconhecem

    que a questo emocional e o estresse so fatores muito importantes, pois esto relacionados ao

    adoecimento precoce, absentesmo e presentesmo, ao aumento dos custos de assistncia

    mdica e doenas ocupacionais. No entanto, frequentemente, as abordagens so pontuais,

    como palestras, feiras de sade, Semana Interna de Preveno de Acidentes do Trabalho

    (SIPATs) ou sesses de massagem, o dia da fruta, entre outros, o que no modifica a

    estrutura e a dinmica do trabalho, funcionando mais como um apagar de incndios, do que

  • 32

    como promoo e preveno. A abordagem dos fatores emocionais exige conhecimento

    terico e a elaborao de programas de Sade Mental que propiciem resultados efetivos e

    sustentveis (OGATA, 2014).

    Lacaz (2007) acrescenta que para no adoecer pelo processo de trabalho,

    importante desvendar a nocividade que se encontra no processo de trabalho sob o capitalismo

    e suas implicaes, as quais so: alienao, sobrecarga e/ou subcarga, pela interao dinmica

    de carga sobre os corpos que trabalham, conformando um nexo biopsquico que expressa o

    desgaste, que impede as potencialidades de fluir e a criatividade dos trabalhadores.

    Para Gomez e Lacaz (2005), evidenciam-se, na atualidade, trs pontos cruciais no

    campo da sade do trabalhador:

    1. a ausncia de uma Poltica Nacional de Sade do Trabalhador Intersetorial e

    capaz de propor linhas de ao, formas de implementao e de avaliao

    efetivas e adequadas s necessidades reais do conjunto dos trabalhadores;

    2. a fragmentao da rea de conhecimento denominada campo de sade do

    trabalhador, o que impede uma colaborao estratgica e orgnica com as

    necessidades diversificadas, complexas e cambiantes dessa populao e;

    3. o enfraquecimento dos movimentos sociais e sindicais dificultando presses

    necessria, tanto para a rea acadmica, como para os sucessivos governos.

    A preocupao com a sade mental do trabalhador ganha impulso com o incio da

    Medicina do Trabalho, abordagem que se restringe a uma viso individual e biolgica do

    trabalho. O conceito de Medicina do Trabalho foi aos poucos substitudo pelo de Sade

    Ocupacional, em que o ambiente do qual esse trabalhador faz parte, passa a ser considerado

    na relao sade/doena, iniciando-se assim a preocupao com o movimento de preveno

    As maiores conquistas no mbito da Sade do Trabalhador se devem luta

    histrica e cotidiana da classe trabalhadora, como atestam os registros da Histria. Voltar-se,

    hoje, para as relaes entre Sade Mental e Trabalho o novo desafio a ser coletivamente

    assumido. Para tanto, faz-se necessrio demandar sustentao terica, estudos empricos,

    pactos com diversos segmentos sociais, posies polticas e um trabalho de militncia,

    trabalho este potencialmente promotor de sade.

    Embora existam lacunas, estudos que abordem a sade mental e as implicaes do

    trabalho esto aumentando significativamente, principalmente pela deteco da alta

    prevalncia dos Transtornos Mentais, problemas emocionais de ordem somtica, distrbios do

  • 33

    comportamento e do que isto representa para a sade pblica (GASPARINI; BARRETO e

    ASSUNO, 2005).

    Ser enfocado a seguir, o campo de estudos da Sade Mental e Trabalho, tema

    nuclear desta pesquisa.

    2.3 SADE MENTAL E TRABALHO

    O termo Trabalho deriva do latim Tripalium, que na Antiguidade era um

    instrumento de trs pontas de ferro utilizado para a ceifa dos cereais. No entanto, com o

    decorrer do tempo, o termo Tripalium passa para a histria como instrumento de tortura

    associado ao sofrimento. O termo Tripaliare significa torturar algum. Atualmente,

    Trabalho tem um duplo significado: prazer e sofrimento. H pessoas que percebem o trabalho,

    predominantemente, como sofrimento e outras, como prazer, embora se saiba que, prazer e

    sofrimento sempre coexistem, variando os graus.

    A Sade Mental definida pela Organizao Mundial da Sade (OMS, 2000, p.

    44) como o estado de bem-estar no qual o indivduo realiza as suas capacidades, pode fazer

    face ao estresse normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutfera e contribuir para a

    comunidade em que se insere e pode ser promovida por meio de programas adequados, da

    melhoria das condies sociais e da preveno do estresse entre outros fatores, e da luta

    contra o estigma, segundo o Secretariado Nacional para Reabilitao e Integrao das pessoas

    com Deficincia (SNRIPD, 2006).

    Cabe reafirmar que a Organizao Mundial de Sade (OMS, 2000), embora diga

    no existir definio oficial sobre sade mental, definindo-a, diz que diferenas culturais,

    julgamentos subjetivos, e teorias relacionadas concorrentes a afetam o modo como a sade

    mental definida. Portanto, a Sade mental um termo usado para descrever o nvel de

    qualidade de vida cognitiva e/ou emocional e pode incluir tambm a capacidade de um

    indivduo de apreciar a vida e procurar um equilbrio entre as atividades e os esforos para

    atingir a resilincia psicolgica. Admite-se, entretanto, que o conceito de Sade Mental mais

    amplo que a ausncia de Transtornos Mentais.

    O conceito de Sade Mental deve envolver o homem no seu todo biopsicossocial,

    o contexto social em que est inserido, assim como a fase de desenvolvimento em que se

    encontra. Neste sentido, pode-se considerar a Sade Mental como um equilbrio dinmico que

  • 34

    resulta da interao do indivduo com os seus vrios ecossistemas: o seu meio interno e

    externo, a suas caractersticas orgnicas e os seus antecedentes pessoais e familiares

    (FONSECA, 1985).

    O Ministrio da Sade (BRASIL, 2011, p. 161) em decorrncia do importante

    lugar que o trabalho ocupa na vida das pessoas, sendo fonte de subsistncia e de posio

    social, a falta de trabalho ou mesmo ameaa de perda do emprego geram sofrimento psquico,

    pois ameaam a subsistncia e a vida material do trabalhador e de sua famlia. O Ministrio

    da Sade vai dizer que o trabalho ao mesmo tempo abala o valor subjetivo que a pessoa se

    atribui gerando sentimentos de menos-valia, angstia, insegurana, desnimo e desespero,

    caracterizando quadros ansiosos e depressivos. Marques, Martins e Sobrinho (2011) afirmam

    que o trabalho est carregado de sentidos e refere que em nossa cultura, o mesmo um

    organizador social que investe os atores sociais de identidade e, por meio dele, o sujeito se

    reconhece e reconhecido na sua atividade profissional. Maggi e Tersac (2004) ressaltam que

    o trabalho uma necessidade e um desejo e este mesmo trabalho que permite a

    sobrevivncia e que tambm contribui para o adoecimento dos trabalhadores.

    As transformaes introduzidas nos contextos laborais, nos ltimos anos, tm

    oportunizado, em geral, melhores condies de trabalho, com ambientes mais limpos, menos

    insalubres, com menos riscos de acidentes e doenas. Por outro lado, tais transformaes nos

    processos de trabalho tm suscitado novas formas de sofrimento e/ou doena, vinculadas,

    preferencialmente ao funcionamento psquico dos trabalhadores e disseminadas pelos mais

    diferentes espaos de trabalho. As estatsticas de auxlio-doena e aposentadoria por invalidez

    refletem este novo perfil.

    Cabe ressaltar que as pesquisas em Sade Mental e Trabalho no se constituem

    como novas e, de acordo com Codo (1988), j em 1917, Freud publicava Noes

    Introdutrias sobre Psicanlise, o primeiro nmero de um jornal conhecido como Higiene

    Mental, no qual um artigo j trazia um alerta sobre o fato de que pacientes desempregados

    apresentavam srios problemas, que se agrupavam em trs classificaes: instabilidade

    emocional, personalidades inadequadas e personalidades paranides. Dois anos aps,

    Southard (1919) foi indicado pela Engineering Foundations of New York, para investigar os

    problemas emocionais entre os trabalhadores e, em 1933, foi aprovada a jornada de seis horas

    para os bancrios, com argumento baseado na psiconeurose bancria essencial. Entre vrios

    autores que contriburam para o avano do conhecimento neste campo de estudos, pode ser

    citado Le Guillant que descreveu A neurose das telefonistas (LE GUILLANT et al.,1956),

  • 35

    que considerava o trabalho apenas como desencadeante de sintomas, em pessoas j portadoras

    de uma neurose latente.

    Como no objetivo desta investigao detalhar a histria da Sade Mental do

    Trabalhador, faz-se um salto, assinalando que, foi na dcada de 1980, que no Brasil, se

    iniciaram os estudos sobre as relaes entre Sade Mental e Trabalho, com a pioneira Edith

    Seligmann-Silva seguida por outros importantes pesquisadores, tais como Wanderley Codo,

    Ione Vasquez Menezes, Lvia de Oliveira Borges, Liliana Guimares, entre outros.

    Para Areias e Guimares (1999, p. 23), o campo da Sade Mental do trabalhador

    se dedica ao estudo da dinmica, da organizao e dos processos de trabalho, visando a

    promoo da Sade Mental do trabalhador, por meio de aes diagnsticas, preventivas e

    teraputicas eficazes, enfatizando o importante papel do trabalho, tanto na promoo de

    sade mental quanto na contribuio para a ocorrncia da doena mental.

    De acordo com Jacques (2003) ocorreram alteraes no mbito interno da

    psicologia, que permitiram um novo olhar sobre a dimenso do trabalho, uma releitura das

    teorias clssicas sobre a constituio do psiquismo. Essa releitura de teorias vem reafirmando

    a importncia do trabalho na constituio do sujeito e na sua insero social, como estratgia

    de sade e como associado ao adoecimento mental.

    Codo (1988) postula que o trabalho tem funo determinante, embora no

    exclusiva, nos Transtornos Mentais. De acordo com Heloani e Capito (2003), a forma de

    organizao do trabalho no ir criar doenas mentais especficas, pois os surtos psicticos e a

    formao das neuroses dependem da estrutura da personalidade que a pessoa desenvolve

    desde o incio de sua vida, na adolescncia, antes mesmo de entrar no processo produtivo.

    Jardim, Ramos e Glina (2010) dizem que o trabalho ocupa um valor nico,

    singular, na vida das pessoas, pois, fonte de subsistncia e posio social para o trabalhador

    e sua famlia. Essas mesmas autoras pontuam que a ociosidade gera sofrimento psquico, no

    apenas para o trabalhador, mas consequentemente tambm para sua famlia, e o trabalho

    ocupa um lugar importante no psquico das pessoas, ou seja, se for satisfatrio proporcionar

    sade, prazer, alegria e, ao contrrio, sendo que um trabalho sem reconhecimento propicia

    ameaa fsica e mental para a sade do trabalhador, gerando sofrimento e levando a doenas

    tanto fsicas como psquicas.

    certo que o sofrimento faz parte da vida de qualquer ser humano, na rea social

    ou do trabalho, e, pode levar a uma trajetria patolgica, fato este que vem preocupando

  • 36

    especialistas do mundo inteiro, pois os impactos da globalizao na organizao do mundo do

    trabalho tm causado os mais diversos efeitos sobre a sade mental do trabalhador, exigncias

    crescentes de maior qualificao profissional, competitividade, precarizao do emprego e a

    ameaa de perder o emprego, que se tornam cada vez mais constantes nos postos de trabalho

    (FLECK et al., 2000).

    Estas posies quanto relao sade mental e trabalho remetem necessria

    caracterizao do seu nexo causal. A seguir, so comentadas as dificuldades para esta tarefa e

    alguns dados derivados da mesma, relacionados a grupos ocupacionais semelhantes ao

    estudado nesta investigao.

    Glina et al. (2001) citam que a caracterizao do nexo causal entre trabalho e

    sade mental , no um processo simples, uma vez que este se desenvolve de maneira nica

    em cada indivduo, envolvendo toda a sua histria de trabalho e de vida. Ento, para

    estabelecer esse nexo, fundamental a descrio pontual da situao de trabalho, no que tange

    organizao, ao ambiente e percepo da influncia que o trabalho exerce, no processo de

    doena. As autoras acrescentam que a evoluo dos quadros clnicos encontrados, mantm-se

    intimamente relacionada com o fornecimento de suporte pelos servios de sade, pela

    empresa, familiares, sindicatos e instituies, enfatizando que esse conjunto de suportes deve

    ser fundido a um conjunto de aes para o resgate da identidade profissional e social desses

    trabalhadores.

    Siano et al. (2009) fizeram uma anlise descritiva de exames periciais de

    segurados do Instituto Nacional do Seguro Social, sobre Transtornos Mentais, que mostrou

    que o diagnstico mais frequente entre os mesmos foram os transtorno do humor, (39,6%).

    Outro problema no menos importante foi exposto por Marques, Martins e

    Sobrinho (2011), que tiveram como objetivo mapear as licenas mdicas apresentadas pelos

    servidores da Universidade Federal do Esprito Santo - UFES que justificaram ausncias ao

    trabalho. Os dados obtidos indicaram que no se dissociou adoecimento do trabalhador e a

    ausncia ao trabalho. Os adoecimentos mais prevalentes foram os Transtornos Mentais e

    comportamentais e as doenas do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, que juntas

    representaram 59,2% das ausncias que predominaram na amostra pesquisada, resultantes do

    contexto de trabalho, em interao com o corpo e o aparelho psquico dos trabalhadores.

    Silva, Pinheiro e Sakurai (2007) relatam que os Transtornos Mentais e

    Comportamentais foram responsveis por 19,28% do total de dias de afastamentos de

  • 37

    bancrios de um banco estatal de Minas Gerais, em que os transtornos do humor foram

    responsveis por aproximadamente 55% do nmero de dias de afastamento e os transtornos

    neurticos com relao ao estresse e transtornos somatoformes por 32%, mostrando que essas

    doenas esto intimamente vinculadas organizao do trabalho. O que ocorre, no entanto,

    neste ambiente laboral, que estas doenas no so reconhecidas como tal, portanto no

    emitem CAT (Comunicao de Acidente no Trabalho). No estudo, os autores detectaram uma

    tendncia na mudana do perfil de absentesmo no setor bancrio, com os distrbios

    osteomusculares sendo superados pelos Transtornos Mentais e do Comportamento.

    Na idade adulta, aparecem grandes diferenas entre homens e mulheres, em

    relao aos Transtornos Mentais, pois a mulher apresenta maior vulnerabilidade para sintomas

    depressivos e ansiosos, que esto em especial ligados ao perodo reprodutivo (ANDRADE;

    VIANA; SILVEIRA, 2006). Segundo esses autores, a depresso a doena que mais causa

    impacto nas mulheres, tanto em pases em desenvolvimento, como em pases desenvolvidos,

    mostrando que o suicdio a segunda causa de morte em mulheres na faixa etria dos 15 a 44

    anos de idade no mundo, precedida apenas por tuberculose. Para os autores acima citados, as

    mulheres apresentam maior comorbidade entre depresso e transtornos de ansiedade,

    particularmente com os transtornos do pnico e fobias simples. Os homens apresentam maior

    comorbidade entre problemas relacionados ao uso de substncias (mais comumente o lcool)

    e transtornos de conduta. Ressalte-se que os esterides sexuais femininos, particularmente o

    estrgeno, agem na modulao do humor, o que, em parte, poderia explicar a maior

    prevalncia dos transtornos do humor e da ansiedade na mulher, pois a flutuao dos

    hormnios gonodais teria alguma influncia na modulao do sistema neuroendcrino

    feminino, desde a menarca at a menopausa.

    Foi realizado por Tavares et al. (2012) um estudo epidemiolgico, de corte

    seccional, com 130 docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRS para

    investigar a demanda psicolgica e o controle sobre o trabalho (Modelo demanda-controle de

    Karasek) e a associao destes com distrbios psquicos menores e a prevalncia global de

    suspeio de distrbios psiquitricos nesta populao foi de 20,1%. Concluram que os

    enfermeiros docentes que desenvolvem as atividades em ambientes de alta exigncia tm mais

    chances de desenvolver distrbios psquicos menores, e que docentes em trabalho ativo

    (considerado negativo para Karasek), apresentam mais chances de adoecimento mental,

    comparados aos que tm baixa exigncia no ambiente laboral.

  • 38

    Para caracterizar o perfil sociodemogrfico e as condies de Sade e Trabalho

    dos professores de escolas estaduais paulistas, Vedovato e Monteiro (2008) realizaram um

    estudo epidemiolgico, de corte transversal, feito em duas cidades, uma de grande e outra de

    mdio porte do interior do estado de So Paulo. Concluram que as doenas com diagnsticos

    mais citadas foram as msculo-esquelticas e respiratrias (27,1%), os acidentes e doenas

    digestivas (22,1%) e os Transtornos Mentais (20,9%).

    Investigando os Transtornos Mentais e Comportamentais e o perfil dos

    afastamentos de servidores pblicos estaduais em Alagoas, Silva et al. (2012) concluram que

    os Transtornos Mentais so uma causa importante de afastamentos dos servidores pblicos do

    estado e que esta informao indica a necessidade urgente de planejamento, desenvolvimento

    e implementao de aes voltadas melhoria das condies de trabalho, emprego e

    segurana para os servidores pblicos.

    Com as mesmas caractersticas dos servidores aqui estudados, em uma

    universidade pblica do estado de So Paulo, Areias e Guimares (2004) realizaram um

    estudo com 400 trabalhadores que objetivou identificar a sade mental e os fatores

    psicossociais de risco em trabalhadores de uma universidade pblica, segundo o gnero e

    concluram que o gnero feminino apresentou mais fatores de risco para o estresse no

    trabalho, estresse social e estresse pessoal do que o masculino, mostrando tambm que a

    sade mental e os fatores de apoio esto interligados.

    Pesquisas em pases desenvolvidos e em desenvolvimento tm mostrado que os

    Transtornos Mentais so mais comuns entre os socialmente desfavorecidos, em pessoas que j

    tenham sido casadas e mulheres, sendo que estes fatores associados educao, renda e classe

    social (ARAYA; ROJAS; FRITSCH, 2001). Para Ludermir e Melo Filho (2002) a ocorrncia

    de Transtornos Mentais tem associao direta com a estrutura ocupacional, escolaridade,

    condies de moradia e insero no processo produtivo e renda. Assim, conhecidos os fatores

    associados s caractersticas ocupacionais dos indivduos, possvel afirmar que a maioria das

    doenas mentais sofre influncia de diversos fatores biolgicos, psicolgicos e sociais, que

    afetam todas as faixas etrias, causando sofrimento s famlias e comunidades e, sobretudo,

    ao indivduo (OMS, 2002).

    Em outro aspecto, as modificaes ocorridas na dinmica do trabalho, como

    aspectos gerenciais, novos mtodos e tcnicas organizacionais, tal como evidenciam

    Gasparini; Barreto e Assuno (2006) levaram a consequncias significativas para a vida e

  • 39

    para a sade dos trabalhadores a partir das novas exigncias do mercado, reproduzindo um

    contexto de aumento de doenas mentais, psicossomticas, cardiovasculares entre outras.

    Os indivduos acometidos por Transtornos Mentais, de forma geral, so

    gerenciados quase que exclusivamente na ateno primria (LLOYD, 2009, p. 342).

    Consequentemente, a falta de acesso a tratamentos adequados, o no conhecimento das

    providncias cabveis e a descontinuidade do tratamento, so quesitos preocupantes. Ainda, a

    subnotificao em sade mental prejudica o conhecimento dos indicadores, repercutindo na

    falta de ateno e orientao do cuidado para estes indivduos. Segundo o Relatrio Mundial

    da Sade Mental da OMS (2002, p. 27) uma pequena minoria das 450 milhes de pessoas

    que apresenta perturbaes mentais no mundo, recebem tratamento.

    Goulart Jnior, Cneo e Lunardelli (2009) mostram como se tornam ineficazes

    somente as possveis mediaes usadas pelo trabalhador para se manter saudvel e afastar um

    possvel adoecimento no trabalho, que pode advir de vrias condies que predispe a

    situaes de sofrimento no ambiente laboral. Todas estas condies, fatores relacionados ao

    ritmo e ao tempo de execuo das tarefas, jornadas longas e com poucos intervalos, trabalho

    em turnos (principalmente noite), presses de chefia por maior produtividade, entre outras

    podem levar ao adoecimento fsico e mental. Este resultado remete ao compromisso que a

    organizao tem com o adoecimento do trabalhador, implicada em que est com as formas de

    gesto do trabalho adoecedor.

    As aes de promoo da sade tm sido implementadas, ainda timidamente, na

    UFMS, e a diviso de Medicina do Trabalho realizou um projeto denominado

    Compartilhando o mundo com a pessoa especial feito com os servidores da instituio,

    visando melhorar a qualidade das relaes intrapessoais e interpessoais destes, obtendo-se

    como resultado uma significativa humanizao do ambiente de trabalho. O projeto foi

    publicado no manual dos Princpios, Diretrizes e aes em sade mental na administrao

    pblica federal, no ano de 2010.

    A seguir, sero apresentadas e discutidas as principais abordagens terico-

    metodolgicas utilizadas em Sade Mental do trabalhador, segundo alguns estudiosos da rea:

  • 40

    2.3.1 Abordagens terico-metodolgicas em Sade Mental do trabalhador

    Entre os modelos explicativos das relaes entre Sade Mental e Trabalho podem

    ser definidas duas principais correntes: (i) a Psicopatologia do trabalho - denominada

    Psicodinmica do Trabalho, a partir dos estudos de Dejours, e os estudos que tratam da (ii)

    Relao entre estresse e trabalho (Work Stress) (GLINA; ROCHA, 2006). A

    Psicodinmica do Trabalho entende o trabalho como vrtice do indivduo e refere que a

    diviso de tarefas e diviso dos homens norteia conflitos psquicos. Enfatiza a centralidade do

    trabalho na vida dos trabalhadores, analisando os aspectos dessa atividade que podem

    favorecer a sade ou a doena. Ao analisar a inter-relao entre Sade Mental e Trabalho,

    Dejours (1986), seu principal expoente, acentua o papel da organizao do trabalho no que

    tange aos efeitos negativos ou positivos que aquela possa exercer sobre o funcionamento

    psquico e vida mental do trabalhador. Este autor conceitua a organizao do trabalho como

    a diviso das tarefas e a diviso dos homens. A diviso das tarefas engloba o contedo das

    tarefas, o modo operatrio e tudo o que prescrito pela organizao do trabalho. Mais

    recentemente, Dejours et al. (1994) passaram a acentuar o fato de que a relao entre a

    organizao do trabalho e o ser humano encontra-se em constante movimento. Do ponto de

    vista da ergonomia, a anlise da organizao do trabalho deve levar em conta: a organizao

    do trabalho prescrita (formalizada pela empresa) e a organizao do trabalho real (o modo

    operatrio dos trabalhadores). Segundo o autor, o descompasso entre as duas, favoreceria o

    aparecimento do sofrimento mental, uma vez que levaria o trabalhador necessidade de

    transgredir para poder executar a tarefa.

    A segunda corrente de anlise dedicada ao estudo da Sade Mental e Trabalho a

    que privilegia a relao entre estresse e trabalho. O estudo da relao entre estresse

    trabalho (tambm denominado Work stress) afere o desequilbrio entre as demandas do

    trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores. Nesta abordagem, vrios modelos

    terico-metodolgicos foram construdos, a comear por uma ampla variao do conceito de

    estresse, que apresenta um alto grau de complexidade. Destacam-se, nesse campo, os autores

    escandinavos (FRANKENHAEUSER; GARDELL, 1976; KALIMO, 1980; LEVI, 1988),

    entre outros, que tm em comum em sua definio de estresse o desequilbrio entre as

    demandas do trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores.

    Nesta vertente, observa-se a preocupao com a determinao dos fatores

    potencialmente estressantes em uma situao de trabalho. No objetivo deste estudo,

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    detalhar os diferentes modelos terico-metodolgicos sobre o estresse ocupacional, mas como

    exemplo, Karasek e Theorell (1990) propem um modelo com abordagem tridimensional,

    contemplando os seguintes aspectos: exigncia/controle (demand/control); tenso/

    aprendizagem (strain/learning) e suporte social. Este modelo denominado D/C, um dos

    mais utilizado no mundo e a situao saudvel de trabalho seria aquela que permitisse o

    desenvolvimento do indivduo, alternando exigncias e perodos de repouso, com o

    trabalhador tendo controle sobre o processo de trabalho.

    No entanto, diferentes autores nacionais classificam as abordagens terico-metodolgicas em

    Sade Mental e trabalho de diferentes maneiras, explicitadas na seqncia.

    Edith Seligmann-Silva (1995 apud JACQUES, 2003) apresenta trs diferentes

    abordagens terico-metodolgicas em Sade Mental e Trabalho:

    (i) As teorias sobre estresse (work stress),

    (ii) A Psicodinmica do Trabalho;

    (iii) O Desgaste mental.

    Para Jacques (2003) existem quatro (4) amplas abordagens em Sade Mental:

    (i) As teorias sobre estresse,

    (ii) A Psicodinmica do Trabalho;

    (iii) As abordagens de base epidemiolgica ou diagnstica,

    (iv) Os estudos e pesquisas em subjetividade e trabalho.

    Borges, Guimares e Silva (2013), classificam em trs as abordagens terico-

    metodolgicas:

    1. As abordagens individualistas: que se caracterizam por buscar explicaes,

    principalmente nas caractersticas das prprias pessoas e no na relao destas

    com o trabalho e suas condies. Mesmo que haja reconhecimento do nexo

    entre sade psquica e trabalho, nessas abordagens, ele mais enfraquecido. A

    subjetividade levada em conta na forma de crenas, percepes, atitudes,

    motivaes, esteretipos, preconceitos, etc. e no impacto que tais cognies e

    afetos esto relacionados e/ou imbricados no processo de sade/doena. O

    trabalho aparece como categoria social secundarizada, tanto na construo de

    tais cognies, quanto na etiologia do processo de sade/doena. Tal

    pensamento est relacionado diretamente ao posicionamento dos psiclogos de

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    tal abordagem, apontando na direo que tende mais a uma aproximao de

    uma psicologia abstrata, que explica o processo de sade-doena

    prioritariamente com base em processos psquicos.

    2. A Psicodinmica do Trabalho: j descrita na pgina 40 e 41.

    3. As abordagens psicossociolgicas, descritas por vrios autores (e.g.,

    LVARO, 1995; MONTERO, 2000; SANDOVAL, 2000; PRADO, 2002;

    LVARO et al., 2007).

    Nas abordagens psicossociolgicas, assume-se abertamente a categoria trabalho

    como estruturante, tanto do ponto de vista das sociedades, como da vida concreta dos grupos e

    das pessoas. Assim, a posio dos psiclogos sobre o nexo entre sade psquica e trabalho

    abrange a considerao ao papel do trabalho no desenvolvimento de identidade (CHANLAT,

    2011). por isso que nessa abordagem, h uma busca da explicao do processo

    sade/adoecimento diretamente nas condies de trabalho. Diferentemente das abordagens

    anteriores, o trabalho concreto o foco principal (grifo nosso). As caractersticas pessoais

    (humanas) so consideradas, mas ora como elementos facilitadores do processo, ora mediando