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REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005. 1 PRESENÇA REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR

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REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.

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PRESENÇA REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR

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UNIVEUNIVEUNIVEUNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA ———— UNIR UNIR UNIR UNIR

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS MODOS DE VIDAS E CULTURAS AMAZÔNICAS-GEPCULTURA

LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA HUMANA E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

PRESENÇAPRESENÇAPRESENÇAPRESENÇA ---- ISSN 1413ISSN 1413ISSN 1413ISSN 1413----6902690269026902

Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente

Vol. IX - n° 30 - Maio — 2005 — Porto Velho/RO

PROVADO PELO CONSEPE/UFRO RESOLUÇÃO N°0122/1994

E d i t o r : JOSUÉ COSTA

Foto:

Josué da Costa

Leiaute e Diagramação:

Eliaquim T. da Cunha

Sheila Castro dos Santos

CONSELHO EDITORIAL

Arneide Bandeira Cemin – antropóloga/UNIR

Carlos Santos – geógrafo/UNIR

Clodomir Santos De Moraes - sociólogo/UNIR

Liana Sálvia Trindade – antropóloga/USP

Maria Das Graças Silva Nascimento Silva – geógrafa/UNIR

Mariluce Paes De Souza –administradora/UNIR Miguel Nenevé – letras/UNIR

Nídia Nacib Pontuschka – geógrafa/USP Theóphilo Alves De Souza Filho – administrador/UNIR

www.revistapresença.unir.br

PRESENÇAPRESENÇAPRESENÇAPRESENÇA.... Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, fundação Universidade Federal de Rondônia.

Trimestral

1. Educação-Periódica 2. Meio Ambiente — Periódico

CDU 37(05)

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

EDITORIAL..................................................................................................04 POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA OCIDENTAL: UMA ABORDAGEM DO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA EM RONDÔNIA..........................................................................................05 RICARDO GILSON DA COSTA SILVA A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO DE CHAYANOV..........17 JOÃO CARLOS HERRMANN UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANAFORO....................................................23 SÉRGIO AUGUSTO MAMANNY. COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM MISTO DE POVOS E CULTURAS...................................................................................................35 ARLENE MARIANI FUJIHARA POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS VITRINES DA MODERNIDADE NO PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA..............44 BENEDITA NASCIMENTO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO CAPITALISMO OS ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIA..................................................................................................52 MAURÍLIO GALVÃO DA SILVA AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE DESENVOLVIMENTO...............................................................................60 LUIZ ANTONIO DA COSTA PEREIRA

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EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIAL

A revista Presença vem marcar mais uma publicação colocando como centro da discussão teór ica aspectos vol tados a comunicação, imaginár io e significação para o homem em suas relações sociais. Neste sentido, as matérias aqui apresentadas vislumbram contribuir de forma significativa para a discussão sobre a pesquisa que utiliza a oralidade como referência em formar interpretações da realidade que têm, no entrevistado uma visão prioritária para essa aproximação, bem como a construção mítica e cultural que os rituais que trazem símbolos e códigos textuais que dizem muito mais do que o ato de realização cultural em si. E m u ma d i n âmi c a qu e é p ecu l i a r a o c ar á te r e ex is tê nc i a dessa revista, propomos uma expansão da leitura do meio ambiente, sob o ponto de v ista ético. Pensamos todas as discussões articuladas com o conhecimento da real idade amazônica (compromisso irrefutável, imbricado com o próprio existir da revista), publicando fatos acerca da construção histórica deste lugar, enquanto entidade federativa assim como espaço urbano. Ambos sob a égide da dependência política. Por certo não poderíamos deixar de contribuir com a discussão sobre o ensino superior refletindo sobre a seleção do conhecimento que lhe vem sendo inquirida através das reformas curriculares. Essas reflexões, neste número, enriquecerão e certamente contribuirão para o debate por todos aqueles que são interessados pelo tema. Isto nos estimula a confiar que no próximo número a disputa por um espaço nesta revista continuará acirrado.

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POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA OCIDENTAL:OCIDENTAL:OCIDENTAL:OCIDENTAL: UMA ABORDAGEM SOBRE O UMA ABORDAGEM SOBRE O UMA ABORDAGEM SOBRE O UMA ABORDAGEM SOBRE O

PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA EM RONDÔNIAMADEIRA EM RONDÔNIAMADEIRA EM RONDÔNIAMADEIRA EM RONDÔNIA

Ricardo G. da Costa SILVARicardo G. da Costa SILVARicardo G. da Costa SILVARicardo G. da Costa SILVA1111; ; ; ; Dorisvalder D. NUNESDorisvalder D. NUNESDorisvalder D. NUNESDorisvalder D. NUNES2222; ; ; ;

José Januário de O. AMARALJosé Januário de O. AMARALJosé Januário de O. AMARALJosé Januário de O. AMARAL3333; ; ; ; Maria MadaMaria MadaMaria MadaMaria Madalena C. LACERDAlena C. LACERDAlena C. LACERDAlena C. LACERDA4444; ; ; ;

Joiada M. da SILVAJoiada M. da SILVAJoiada M. da SILVAJoiada M. da SILVA5555;;;; Josélia F. BATISTAJosélia F. BATISTAJosélia F. BATISTAJosélia F. BATISTA6666

RESUMO: O trabalho tem por objetivo discutir as estratégias do poder público na formulação de grandes projetos para a Amazônia Ocidental, com destaque para o projeto de construção de um complexo hidrelétrico e hidroviário na calha do Rio Madeira, estado de Rondônia. À luz do conceito de políticas territoriais e de globalização, discute-se a natureza enquanto recurso de acumulação capitalista e o território amazônico como locus de diversas escalas de interesses. PALAVRAS CHAVE: Hidrelétrica, Território, Rio Madeira, Amazônia ABSTRACT: This work has as objective, to discuss public strategy on formulating great projects to Western Amazon area, highlighting the projects of hydro power plant complex, and water way construction along the way of Madeira river at Rondônia State. About the concept of territorial politics and globalization, nature has been discussed as resource of capital accumulation, and the Amazon territory as locus of the most several scales of interest. KEYWORD: Water Way, Territory, Madeira River and Amazon.

A relevância da Amazônia no cenário mundial destaca-se, entre outros temas, por sua

dimensão e grande biodiversidade de recursos naturais. Esta visão de recursos alimenta os sonhos

e as possibilidades de uso destes, gerando formas de exploração econômica, assim como,

1 Geógrafo, pesquisador do Laboratório de Geografia Humana e Planejamento Ambiental–LABOGEOHPA, professor substituto do Departo. de

Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil.([email protected]). 2 Coordenador do LABOGEOHPA e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil ([email protected]). 3 Pesquisador do LABOGEOHPA e Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil ([email protected]). 4 Acadêmica do Curso de Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil. 5 Geógrafo e pesquisador do LABOGEOHPA. 6 Geógrafa e pesquisadora do LABOGEOHPA.

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emergem os conflitos entre os diversos atores sociais na busca de sua preservação e/ou

conservação.

No plano mundial o debate firma uma linha de conservação, na medida em que toda essa

região do planeta, ainda pouco conhecida e alterada, enche de preocupações os atores que fazem

leituras sobre sua importância para o equilíbrio global; sua potencialidade a partir do uso de

recursos para as indústrias de vanguarda tecnológica, somando-se neste cenário, as recentes

estratégias de utilização dos recursos hídricos, visto que a Amazônia possui cerca de um quinto de

toda água doce continental do planeta.

No plano nacional o debate se encaminha pela necessidade de construir um processo de

desenvolvimento econômico e social capaz de manter a sustentabilidade ambiental, ou seja, sua

base física, gerando formas de usos sustentáveis e qualidade de vida, ainda que se visualize sérias

incongruências entre os sujeitos, constituindo desse modo, umas das problemáticas basilares no

debate sobre a Amazônia, caracterizada na necessidade de como explorar economicamente sem

destruí-la.

No bojo do processo, como essência das “visões do paraíso”, tem-se a Amazônia como

recurso e capital natural, que é diferente do que vulgarmente tem sido denominado de recursos

naturais. Esta inquietude conceitual reside no plano de que o entendimento sobre essa natureza

deriva de vários olhares e de múltiplas paixões, em que se cristalizam as complexidades,

contradições e os paradoxos destes olhares e manifestações.

É no âmbito do debate sobre a Amazônia enquanto recurso, que se insere a discussão do

Projeto Hidrelétrica do Rio Madeira e seu entorno, caracterizada pelos atores ou agentes

econômicos, públicos e sociais, todos agentes políticos, na medida em que vêem o território a partir

das suas múltiplas possibilidades de uso.

Território e o Mundo Globalizado: algumas reflexões

Este início de século XXI está marcado, dentre outras questões, pelo advento simbólico que

representa para a sociedade a passagem do século, mas, fundamentalmente, pelas características

deste novo momento histórico que deriva da revolução técnico-científica e do mundo globalizado, a

partir dos quais moldam-se imperativamente os olhares sobre a compreensão do mundo

contemporâneo, (re)significando conceitos, culturas e lugares.

A humanidade vive momentos de intensas transformações em todas as esferas da vida

societária, são tempos de acelerações produzidas pela intensidade dos avanços conseguidos pelo

conhecimento científico e pelo desenvolvimento de tecnologias apropriadas. Informação, ciência,

tecnologia tornam-se híbridos nos diversos produtos da chamada revolução técnico-científica, o

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que aumenta o fosso, em escala mundo, da produção do conhecimento e sua internalização

social7.

São processos em escala mundo que globalizam e fragmentam territórios, em que os novos

objetos já nascem com um conteúdo em informação, de que lhe resultam papéis diferenciados na

vida econômica, social e política: são fluxos de informação superpostos aos fluxos de matéria

(Santos, 1991).

O território ganha novas dimensões sociais e políticas derivadas de seu uso e pela crescente

artificialização; são dimensões quantitativas e qualitativas e que segundo Santos e Silveira (2001),

o território embora já definido em termos de uso pelas sociedades mais tradicionais, apresenta nos

últimos 30 anos novos usos, os quais definem descontinuidades nas feições regionais, moldadas

por uma modernização excludente, cristalizando novas racionalidades. Neste sentido, entendemos

o projeto hidrelétricas do alto rio Madeira como formulação de uma política territorial, que expressa

segundo Costa (1991), “toda e qualquer atividade estatal que implique, simultaneamente, ‘uma

dada concepção do espaço nacional’, uma estratégia de intervenção ao nível da estrutura territorial

e, por fim, mecanismos concretos que sejam capazes de viabilizar essas políticas”.

Assim, uma das leituras para a compreensão dos acontecimentos e suas interpretações, deve

necessariamente passar pelo momento contemporâneo da economia globalizada, que transforma

Estados-Nações em economias decadentes ou emergentes e produz uma perversa acumulação

das economias centrais ou desenvolvidas. Esse processo em curso denominado por alguns

autores de globalização, não está circunscrito apenas a esfera da economia, mas

fundamentalmente, perpassa todas as dimensões da vida humana, sejam elas a da cultura, da

política, da ética ou do consumo (Smith, 1996).

Na Amazônia dentre tantos projetos rotineiramente conhecidos na mídia mundial, mais uma

dessas universalidades empíricas, derivadas de processos globalizantes, está representada e

materializada no projeto de integração fluvial regional8 Hidrovia Madeira-Amazonas, há pouco mais

de cinco anos inaugurada e que articula um complexo multimodal rodo-hidroviário, permitindo em

função da necessidade de diminuição de custos e, conseqüentemente, do imperativo da

competitividade mercantil, estabelecer o transporte de produtos agrícolas entre Brasil (destaque

para soja do Mato Grosso e recentemente Rondônia) e Europa, sem que os habitantes das regiões

e localidades nas quais a Hidrovia atravessa, não usufruam concretos benefícios desse processo.

7 É o que revela o Índice de Avanço Tecnológico (IAT) do PNUD. O objetivo desse novo índice é mostrar quão bem um país está criando e difundindo tecnologias entre sua população a fim de criar uma rede de pessoas aptas a usufruir dos avanços tecnológicos. A título de comparação a diferença entre o IAT moçambicano, 0,006 e o finlandês, 0,744, é de mais de 11 vezes. A diferença entre o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da Noruega, e o menor, de Serra Leoa, é de 3,6 vezes. (PNUD, 2001. acessado: www.pnud.org.br/hdr2001 em 10/07/2001) .

8 Esta é uma articulação que deriva de um plano nacional e latino-americano de integração fluvial pensado no âmbito da Corporacion Andina de Fomento. (CAF, 1998).

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Para Claval (1987) os processos de ordenamentos territoriais em transformações, só podem

ser compreendidos se não separar o espaço da natureza e nem da sociedade, o que implica uma

relação dialética onde, para o entendimento da contemporaneidade de alguns dos processos, é

necessário um exercício de análise que parta do reconhecimento das mudanças no espaço,

induzidas muitas vezes por agentes externos. Esses momentos são de acelerações

contemporâneas que estão em todos os espaços com intensidades diferenciadas (Santos, 1994).

Essa nova ordem em gestação, com um volume de acelerações de tempos e de espaços em

função dos ingredientes que são inseridos no território, ou seja, a tecnificação do território, permite

a construção de um meio geográfico técnico-científico-informacional, do qual fala Santos (1996),

representado pelo processo denominado de tecnosfera, produto da crescente artificialização do

ambiente físico e cultural, e psicosfera, representado pelas crenças, desejos, vontades ainda não

satisfeitas ou plenamente satisfeitas, característico de uma demanda reprimida, sobretudo, de

países subdesenvolvidos, periféricos (Op. Cit., 1994).

Em meio a revolução técnico-científica que se desenvolve, sobretudo no pós-guerra, têm-se

as transformações do território pelos processos produtivos. O que, há pouco eram lugares

distantes e sem quase nenhuma interferência humana, passa a ser objeto de intervenção, derivada

das relações sociais e econômicas que proporcionam a construção de novas paisagens. Daí ser a

natureza (o conjunto biótico e abiótico e suas inter-relações) objeto de apropriação humana, ainda

que tais processos sejam só em potência, em intencionalidades não concretizadas, como sugere

nosso foco de análise.

A Amazônia brasileira, obviamente, não escapa às transformações em curso. Sua valorização

como capital natural e estoque de recursos abre um leque de campo de acumulação para a

atuação de frações do capital na região, colocando em relevo o significado material da natureza,

definida com um recurso, portanto mercadoria. Segundo Becker (1995), a globalização gerou o

conceito de capital natural, na medida em que a questão ecológica é também ideológica,

revestindo-se num parâmetro geopolítico em escala mundo. Do ponto de vista eminentemente

econômico, capital natural pode ser entendido como o processo no qual “os ativos ambientais –

muitas vezes, a própria natureza – são tratados como guardando uma considerável similaridade

com as formas manufaturadas ou artificiais de capital” (Lima, 1999).

No contexto de construção de vários empreendimentos, a partir da década de 90, tem-se uma

apropriação e a transformação de lugares antes “alheios ao mundo”, mas que passam a ser

incorporados ao processo produtivo, indicando que a análise deve estar relacionada a diversas

escalas, permitindo compreender que a metamorfose do espaço deriva das relações sociais que

articulam interesses em diversos níveis e escalas, de modo que o olhar sobre o objeto deve partir

dos processos sociais que lhe dão existência, das relações sócio-espaciais que expressam as

formas espaciais produzidas pela sociedade, manifestando projetos, interesses, necessidades,

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utopias (Moraes, 1996) e é nesse contexto que se configura o projeto de construção das

hidrelétricas do Rio Madeira em Rondônia.

Hidrelétricas do Rio Madeira: localização e sobreposição de interesses

O Rio Madeira forma-se a partir da confluência dos rios Beni e Mamoré, na altura do distrito

de Vila Murtinho, Município de Nova Mamoré – Rondônia. Estabelece limite territorial entre Brasil e

Bolívia até a foz do rio Abunã, onde adentra o território brasileiro até a sua foz, no rio Amazonas.

Está localizado entre os paralelos 10º e 03º Sul e os meridianos 65º e 58º Oeste, nos estados de

Rondônia e Amazonas (Japiassu; Valverde; Ferreira, 1979; Rondônia, 1997 e Silva, 1999; Silva et

al., 2001 falta joiada). Para compreendermos as diversas propostas do empreendimento, devemos

pontuá-las, visto que são várias e ainda não estão totalmente definidas.

Mapa de Localização da Área do Empreendimento

Num primeiro contexto, historicamente o projeto de interligação fluvial pelo rio Madeira foi

pensado desde o período Pombalino, Séc. XVIII (Pinto, 1998). Contudo, essa discussão só seria

retomada em fins dos anos 60, a partir dos estudos da Empresa SONDOTECNICA – Engenharia

de Solos S.A, realizados em 1971, que previa no Projeto Hidrelétrica do Rio Madeira, a construção

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de duas eclusas em território brasileiro, localizadas no salto de Santo Antonio e Jirau9, com uma

capacidade potencial instalada de 1.100.000 KW (Japiassu; Valverde; Ferreira, 1979).

A partir de 1997, a empresa INTEROCEAN Engenharia & Ship Management Ltda,

considerando os estudos da Empresa SONDOTECNICA e da ELETRONORTE, propôs, ainda que

de forma preliminar, um projeto para construção de Usinas Hidrelétricas/Eclusas do Alto Madeira,

desta feita com a construção de três barramentos, sendo os mesmos no salto do Jirau e Santo

Antônio (território Brasileiro) e, por fim, um barramento na “cachoeira” de Esperanza (território

Boliviano), conforme Quadro 1. Embora as discussões tenham perdido forma em 2000, o projeto

além da geração de energia, também explicitava o aproveitamento hidroviário à montante de Porto

Velho.

Quadro 1 - Potencial Energético do Projeto Hidrovia/Hidrelétrica do Alto Rio Madeira

POTÊNCIA INSTALADA (MW) BARRAMENTOS COORD.

GEOGRÁFICAS SONDOTECNICA INTEROCEAN ELETRONORTE Cachoeira de Esperanza

10o 35’11,5’’S 65o39’53,4’’W

- 1.500 -

Cachoeira do Jirau 09o 19’47,8’’S 64o43’52,4’’W

500 3.500 4.000

Cachoeira de Santo Antônio

08o48’26,6’’S 63o53’41,3’’W

600 4.000 3.800

Fonte: INTEROCEAN (s/d); ELETRONORTE apud Atlas Geoambiental de Rondônia, 2002.

Por fim, depois de 2001, a partir da empresa FURNAS – Centrais Elétricas, as discussões são

retomadas culminando na realização do estudo de inventário, para caracterização do potencial

energético do Rio Madeira, com o mesmo objetivo de propor a construção de uma

Hidrelétrica/Eclusas com a possibilidade de ampliar a Hidrovia Madeira-Amazonas, o que facilitaria

o escoamento de grãos do Mato Grosso via a cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade. Esta

proposta de construção de um empreendimento Hidroviário/Hidrelétrico com a capacidade

instalada para a geração de energia em território Brasileiro de, no mínimo, 7.500 MW10, constitui-se

assim, num dos grandes projetos da Amazônia que sugere mobilizar diversos agentes, sejam eles,

Público/Tecnocratas, econômicos ou sociais.

A partir de sua espacialidade, pode-se observar que o empreendimento Hidrovia-Hidrelétrica

do Alto Rio Madeira está circunscrito na área de três municípios de Rondônia: Porto Velho, Nova

Mamoré e Guajará-Mirim (Tabela 1), compreendendo a porção Noroeste do Estado,

correspondendo a 28,11 % da população rondoniense e a 29,57% da área do Estado, o que nos dá

9 VALVERDE (1979) informa que a empresa SONDOTECNICA – Engenharia de Solos S.A, sob encaminhamento do Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia-ENERAM da empresa ELETROBRÁS, realizou estudo, em 1971, sobre o potencial energético do rio Madeira, em terras Brasileiras. Conclui o mesmo que poderiam ser construídos dois barramentos, sendo eles na cachoeira de Santo Antonio e no Jirau. 10 A título de comparação a UHE ITAIPU tem a potência nominal de 12.600 MW e a UHE TUCURUI tem a potência nominal de 4.245 MW (IBGE, 1999)

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a possibilidade de inferir o montante de atores sociais que serão envolvidos nesta proposta de

caráter governamental, cunhada para a Amazônia Ocidental a partir de atores sociais externos à

região, como já alertara Santos (1991a).

Tabela 1- Município na área do Empreendimento Hidrovia-Hidrelétrica do Rio Madeira

MUNICÍPIO Pop.1996 Pop.2000 % Cresc. 1996/2000 % POP./RO ÁREA (Ha) % (RO)

Porto Velho 294.220 334.585 3,27 24,28 3.522.718,00 15 Nova Mamoré 13.644 14.769 2,00 1,07 997.696,13 4,25 Guajará-Mirim 36.542 38.012 0,99 2,75 2.422.569,85 10,32 Total 344.406 387.365 -- 28,11 6.943.007,98 29,57 Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000.

Também se verifica no trecho considerado Alto Madeira (Filho et al., 1999), núcleos político-

administrativos (Distritos e Povoados), na área dos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré,

correspondendo a um total de 5.820 habitantes que estão sujeitos aos efeitos diretos do

empreendimento (Tabela 2).

Tabela 2 - Distritos/Povoados localizados no entorno do Projeto Hidrovia-Hidrelétrica do rio Madeira

DISTRITO/VILA MUNICIPIO POPULAÇÃO Garimpo do Araras Nova Mamoré 484 Mutum-Paraná Porto Velho 1.089 Jaci-Paraná Porto Velho 2.197 Cachoeira do Teotônio Porto Velho 1.202 Vila de Abunã Porto Velho 848 Total 5.820

Fonte: IBGE,1996. Metamorfose do Território: de matéria a recurso

O território, como categoria de análise, deve ser explicitado através de seu uso, ou seja, o

território usado na medida em que consideramos “a interdependência e a inseparabilidade entre a

materialidade, que inclui a natureza, e seu uso, que inclui a ação humana, isto é o trabalho e a

política” (Santos; Silveira, 2001, p. 247; Bernardes et al., 2001). O território enquanto formação do

espaço constitui derivação de uma ação conduzida por um ator sintagmático, ou seja, dos sujeitos

capazes de desenvolverem programas em diversos níveis. De modo que a apropriação de um

dado espaço de forma abstrata ou concreta, estabelece a partir dos diversos atores a

territorialização do espaço e, dentro desse raciocínio, o espaço é materializado ou projetado pelo

trabalho (energia e/ou informação), revelando como síntese, relações marcadas e mediadas pelo

poder (Raffestin, 1993).

Devemos considerar que, ao se elaborar leituras dos fenômenos ou dos diversos processos

decorrentes da intervenção humana na natureza, a exemplo do Projeto Hidrelétricas do Rio

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Madeira, esses se dão num determinado lugar (considerando sua delimitação, localidade), sendo

processos espaciais, entendidos como elementos mediatizadores entre processos sociais e

organização do espaço (Corrêa, 1996), que decorrem de variáveis internas e externas, em muitas

situações mais externas do que internas.

As análises dos fenômenos geográficos stricto sensu só podem ser realizadas na medida em

que situamos a sua dinâmica social. A problemática ambiental é, em si, uma problemática social,

pois, deriva das relações sociais estabelecidas no e do espaço (Rodrigues, 1994 e 1998). Não

estamos, evidentemente, afirmando que o espaço social, prescinde da natureza física, ou do

espaço físico. Mas que a análise geográfica, ainda que reconhecendo as suas variadas

segmentações, tem como foco as relações sociais que transformam e (re)significam o espaço. A

organização do espaço é fruto de um processo histórico e dialético e não há espaço que se

modifique sem que se compreenda as relações de produção. São essas relações que pautam a

transformação da natureza, de modo que, não há transformação da natureza que não seja produto

do trabalho social.

A transformação da natureza pela práxis social se processa no espaço e a sociedade ao se

apropriar do espaço – seja uma apropriação concreta ou abstrata (pré-ideação) – imprime um

processo de territorialização. Assim, não podemos dissociar da compreensão e transformação do

espaço a sua materialidade física, a natureza física. Daí a compreensão de Smith (1988) de que os

elementos naturais se apresentam como o substratum material da vida diária e tornam-se

indissociáveis na produção do espaço geográfico. As relações entre sociedade, território e natureza

é que nos permitem elaborar uma leitura sobre os significados das múltiplas transformações da

Amazônia e sua materialidade técnica, o que pode ser exemplificado a partir do Projeto Hidrovia-

Hidrelétricas do Rio Madeira.

A inserção de novos projetos na Amazônia, sobretudo na década de 90, em que pese todo um

conjunto crescente de políticas de orientação mais conservacionista, derivam de uma

(re)significação que os atores sociais imprimem em suas relações sociais e estas com a matéria-

prima e potenciais recursos.

O ambiente amazônico em termos de utilização, metamorfoseia-se em função dos

significados que lhe são expressos conforme a dinâmica que a sociedade impõe. Para tanto, não

se pode argumentar que a natureza tem um significado universal e totalizante para toda a

população que vive na Amazônia, seus sentidos modificam-se no tempo e no espaço, sendo

processo de uma interpretação com elementos que articulam a técnica desenvolvida e aprimorada

pela sociedade, pelo conhecimento e vivência empírica processual no cotidiano e pelas

necessidades da população.

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Raffestin (1993) argumenta que a matéria – um dado inerte, puro - e recursos – produção

derivada do trabalho - são elementos com significados diferenciados que se metamorfoseiam pelas

relações sociais e de trabalho inerente a utilização do território. Para isso, esclarece que:

A matéria (ou substância), encontra-se na superfície da terra ou acessível a partir dela, é assimilável a um ‘dado’, pois preexiste a toda a ação humana. A matéria é um dado puro, na exata medida em que resulta de forças que agiram ao longo da história da terra sem nenhuma participação ou intervenção do homem (...) Assim, uma mudança de prática [humana] constitui uma nova relação para com a matéria, donde resulta a probabilidade de evidenciar novas propriedades. Estando entendido que uma prática, sempre complexa, mesmo a mais rudimentar, é uma seqüência que apela a um ou vários conhecimentos, dos quais alguns surgem na ação, mas outros resultam de uma acumulação anterior atualizada pela memória. Portanto, uma prática não é estável; evolui, ao mesmo tempo, no espaço e no tempo (...) Sem prática, a matéria não é desvendada como campo de possibilidades: sem prática, nenhuma relação com a matéria e, portanto, nenhuma produção. (...) o homem não se interessa pela matéria como massa inerte indiferenciada, mas na medida em que ela possui propriedades que correspondem a utilidades (...) não é a matéria que é um recurso. Esta para ser qualificada como tal, só pode ser o resultado de um processo de produção: é preciso um ator, uma prática ou, se preferirmos, uma técnica mediatizada pelo trabalho e uma matéria. A matéria se torna recurso se sair de um processo de produção...”. (Op. cit. p. 223-225)

Resulta, nesta ótica, um entendimento que são a relações humanas e o modo de produção

que modificam processualmente a natureza e estabelecem as novas espacialidades das

modificações promovidas, via de regra, por atores externos para o atendimento de demandas

externas. De modo que a noção de recurso, deriva de uma ação política, com elementos técnicos e

acúmulo de práticas e conhecimentos elaborados numa perspectiva relacional que atuam no tempo

e no espaço, onde a Amazônia constitui o principal locus.

Considerações Finais

O Projeto Hidrelétricas do Rio Madeira está inserido numa ótica em que a utilização dos

recursos naturais tende a potencializar, a priori, economicamente o País e melhorar as condições

sociais da população através da oferta de energia, o que estimula novos empreendimentos e incide

no aumento da oferta de empregos. O Estado de Rondônia obtém receitas em função, não

somente da geração de empregos, que se traduz em impostos de diversas fontes, mas, sobretudo,

pelo pagamento de Royalties.

Os dados que veiculados na mídia local, indicam que a geração de divisas anuais está

estimada em 2 bilhões e 750 milhões de dólares, o que pode ser ampliado com a materialização de

um sistema de eclusas capaz de expandir a navegabilidade da hidrovia do Madeira em mais 4.200

quilômetros (O ESTADÃO, 22/11/2002; ALTO MADEIRA, 22/11/2002).

Empreendimentos deste porte, sempre foram colocados como motores do desenvolvimento,

como se intrinsecamente pudessem emergir de um processo lineares e assim, novos

empreendimentos surgiriam à revelia dos processos sociais mais regionalizados ou locais. Ocorre

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que isto não se consolida sem maiores conflitos sociais e que não se garante que os benefícios se

internalizem na escala dos impactos negativos.

A natureza política de grandes projetos atende escalas superiores às demandas locais, sendo

sua prioridade algo externo às populações que estão nas áreas de abrangência dos

empreendimentos. Em geral, os projetos de grande porte são caracterizados pela “escala gigante

da construção, da mobilização de capital e de mão-de-obra; pelo caráter de enclave, dissociado do

contexto local e conectado a sistemas econômicos mais amplos” (MMA, 1995). Articular em

escalas superiores põe em dúvida sobre quais resultados podem ser implementados no espaço

local/regional.

Os “sentidos” da Amazônia revelam os diferentes significados que o território tem para com os

diversos grupos sociais. Para o grande capital, o território amazônico é uma fronteira de

exploração, de acumulação e reprodução de recursos; para o Estado, representa uma região

estratégica para articulação dos processos de ocupação, domínio territorial e potencialização da

acumulação de frações do capital e para as “comunidades amazônidas”, ou seja, os indígenas, os

ribeirinhos, os seringueiros, os agricultores familiares migrantes, o território amazônico não é

somente lugar de exploração de recursos para a sua sobrevivência, mas fundamentalmente, uma

morada identificada com valores culturais, com traços paisagísticos muito particulares e um espaço

de construção social, em que a relação ultrapassa a noção de recursos naturais, abrangendo uma

nova identidade cultural e ética com a natureza.

Essas diferenças de significados do espaço e do território amazônico para os atores sociais

geram um volume de conflitos sociais e de exploração irracional da natureza. A lógica de ocupação

da Amazônia não se diferencia dos processos de construção territorial na dinâmica sócio-

econômica do Brasil. O território sempre foi compreendido pelas elites como reserva de exploração

de recursos, em que a natureza (matérias-primas), nesta mesma ótica, aparece sempre como

matéria infinita, algo inabalável em seus ecossistemas e, portanto, elemento potencializador de

acumulação do capital.

Como política territorial o projeto Hidrelétrica do alto Rio Madeira, emerge como

verticalidades, constituindo óticas estranhas às localidades e ao lugar, que operam em escalas

nacional e até mundial, produzindo novas formas e configurações espaciais, são os “espaços

derivados” (Santos, 1996). A questão reside no olhar para a realidade e no método de análise. O

fenômeno e a realidade são os mesmos, apenas o método é que faz a sua leitura. Daí o perigo em,

não apreendendo sua complexidade, poder resultar na não compreensão dos processos em

análise, ou seja, deformar a realidade, o fenômeno.

Referências Bibliográficas:

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A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO DE CHAYANOVDE CHAYANOVDE CHAYANOVDE CHAYANOV

João Carlos HerrmannJoão Carlos HerrmannJoão Carlos HerrmannJoão Carlos Herrmann11111111 1111 RESUMO: Este artigo tem como objetivo realizar uma breve discussão com relação a concentração da pecuária nas pequenas propriedades rurais de Rondônia. Tida no senso comum como uma atividade de grandes produtores rurais, teve seu real significado revelado no Senso Agropecuário realizado pelo IBGE em 1995/96, quando se demonstrou uma elevada concentração de bovinos nas pequenas e médias propriedades rurais de Rondônia. A interpretação destes dados a luz do modelo de Chayanov, o qual explica a lógica econômica da pequena propriedade rural a partir da penosidade do trabalho, busca demonstrar a necessidade de maiores estudos com relação e este e a outros modelos, que levem a compreensão da racionalidade do pequeno produtor rural de Rondônia. É a partir desta compreensão que efetivamente poderão ser estabelecidas políticas agrícolas públicas eficientes e que levem a uma maior produtividade e melhoria da qualidade de vida do pequeno produtor. PALAVRAS-CHAVE: Rondônia, pequeno produtor rural, pecuária, modelo de desenvolvimento, Chayanov. ABSTRACT: This article has as objective accomplishes an abbreviation discussion with relationship the concentration of the livestock in the small rural properties of Rondônia. Had in the common sense as an activity of great rural producers, he/she had your Real meaning revealed in the Agricultural Sense accomplished by IBGE in 1995/96, when a high concentration was demonstrated of bovine in the small ones and averages rural properties of Rondônia. The interpretation of these data the light of the model of Chayanov, which explains the economical logic of the small rural property starting from the penosidade of the work, search to demonstrate the need of larger studies with relationship and this and the other models, that take the understanding of the rationality of the small rural producer of Rondônia. It is starting from this understanding that indeed can be established public agricultural politics efficient and that take to a larger productivity and improvement of the quality of life of the small producer. KEYWORD: Rondônia, small rural producer, livestock, development model, Chayanov.

Introdução

O presente artigo trata da questão da pecuária em Rondônia, especialmente no que se refere

ao pequeno produtor rural, utilizando como ferramenta de discussão o modelo proposto por

11 Geólogo, Perito Criminal com especialização em Geografia, em Análise Ambiental e em Segurança Pública, mestrando do curso de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

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Chayanov para explicar a forma de produção da unidade familiar rural e, a partir deste, entender o

processo de tomada de decisão que leva a introdução do gado nesta unidade.

Contrariando ao senso comum, em que gado é negócio de grande produtor rural, verifica-se,

como demonstram as estatísticas e especialmente o último Senso Agropecuário de Rondônia

(IBGE, 1996), que sua concentração maior se dá em pequenas propriedades:

“Finalmente, em 1995-1996 as atividades de pecuária bovina de Rondônia se desenvolveram em estabelecimento de todos os tamanhos, mas com acentuada concentração nos pequenos e médios. Assim, em 31/07/96, do total de 3,9 milhões de bovinos do Estado, 1,8 milhão se encontravam nos estabelecimentos de 10 a menos de 100 ha (31,3 mil estabelecimentos), e 1,3 milhão em estabelecimentos de 100 a menos de 1.000 ha (3,9 mil estabelecimentos). A elevada concentração de bovinos em unidades pequenas indica que muitos colonos e ocupantes de terra diversificaram as atividades em seus lotes, incluindo com destaque, a pecuária bovina” (p. 39).

A introdução e concentração da pecuária nas pequenas e médias propriedades rurais

apresenta aparentemente um contra-senso, uma vez que esta atividade exige áreas extensas de

pastagens, em geral uma cabeça de gado por hectare, justamente onde o grande fator limitante é o

tamanho da propriedade. Em se tratando de uma atividade com limite claro de expansão (o da

propriedade) e com exigência de grandes espaços que não estão disponíveis, a sua viabilidade fica

desde logo comprometida, restando então descobrir qual a lógica que leva a tomada de decisão

pelo pequeno produtor de investir em pecuária, sendo este o objeto de discussão do presente

artigo.

Os modelos:

O comportamento camponês12 vem sendo objeto de estudo e de revoluções desde os

primórdios da modernidade e mesmo antes dela. O feudalismo e posteriormente o capitalismo,

exerceram forte pressão sobre o campesinato, cada um a seu tempo, imprimindo características

peculiares a este modo de produção.

O surgimento do capitalismo no século XVIII como modo de produção dominante, que se

impôs aos demais de maneira avassaladora, provocou intensas mudanças no campesinato,

principalmente no que se refere a forma de produção agrícola. No entanto, não conseguiu se impor

sobre o campesinato da mesma forma como se impôs sobre o meio urbano. Na tentativa de

explicar esta diferença, surgiram inúmeros modelos que tratam da forma de produção campesina e

suas conseqüências.

12 Usa-se a designação camponês para tratar as diversas formas de produção familiar no agrário, conforme definido por Costa (1994). Embora reconhecendo a origem européia do termo “camponês” como família trabalhadora rural tradicional participante de uma sociedade de interconhecimento relativamente autônoma, não mais existente para o “agricultor” - família trabalhadora rural participante da sociedade industrial moderna dependente 100% do mercado -, entende, para o caso brasileiro e amazônico, não produtivo o estabelecimento de uma distinção radical e de uma ruptura genética entre camponeses tradicionais e outras forma de produção familiar no agrário.

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Alguns destes modelos se baseiam no estudo das opções econômicas do campesinato,

podendo-se ressaltar três modelos significativos a respeito do assunto: O de Theodore Schultz

(1964/1965), segundo o qual não existe diferenciação entre o modo de produção camponês e a

empresa moderna; Lipton (1968) interpreta que o camponês não busca o lucro, mas a aversão ao

risco e Mellor (1963), Senn (1966) e Nakagima (1969) retomam Chayanov e o problema da

especificidade da tomada de decisão na unidade produtiva camponesa (Abramovay,1991).

Como a tomada de decisão de investimento em pecuária não envolve diretamente a questão

do lucro, devido a sua baixa rentabilidade, nem tão pouco a aversão ao risco, pois estamos em

região em que os fatores naturais atuam de maneira mais intensa sobre o gado, propõe-se discutir

este assunto em base ao modelo de Chayanov e a especificidade do processo de tomada de

decisão.

Chayanov e o processo de tomada de decisão:

Segunda Chayanov, existe um balanço lógico na relação trabalho-consumo dentro da unidade

camponesa. Esta relação não segue a lógica capitalista no seu contexto mais formal, mas sim

segue uma lógica própria, instituída e gerada a partir das condições vigentes no meio camponês e

na produção familiar. O processo de escolha econômica: produzir, quando, quanto e o que

produzir, por exemplo, são fatores determinantes da lógica camponesa e resultam de uma

racionalidade132 própria, a qual nem sempre se enquadra dentro da lógica capitalista ou urbana.

Esta última, passa pela troca de trabalho por dinheiro e este por consumo, organizada em

base ao trabalho individual. A lógica camponesa implica em troca, pelo menos parcial, diretamente

do trabalho por consumo, pois o pequeno produtor produz diretamente parte do que consome,

estando organizado em base ao trabalho familiar. “A relação entre as necessidades de consumo da

família e o trabalho necessário a que sejam atingidas é a base para o estabelecimento de um

equlíbrio microeconômico em torno do qual o campesinato se define” (Abramovay, op. cit, p. 91).

A fusão entre a unidade de produção e a de consumo, é uma das características do

campesinato e neste modelo há uma correlação direta entre o volume da produção e o número de

elementos da família, sendo que a decisão de produção é tomada diretamente em função da

penosidade do trabalho. Esta racionalidade objetiva sobretudo maximizar a única variável da

produção que está diretamente sob controle do agricultor, que é a intensidade de trabalho.

13 A racionalidade camponesa, conforme definido por Wolf (1978, apud Costa 1994), “trata de um tipo de adaptação, uma combinação de atitudes e atividades destinadas a sustentar o cultivador em sua luta pela sobrevivência individual e de toda a sua espécie dentro de uma ordem social que o ameaça de extinção”. Ou como esclarecido por Costa (1994), constitui-se “das categorias e suas relações que explicam a condição de permanência ou de fracasso das estruturas camponesas – quer dizer, sua sustentabilidade – como um estado dinâmico de ações e reações adaptativas, que conformam estratégias reprodutivas das unidades frente a condições que lhes colocam os processos reprodutivos da sociedade global na qual se inserem”.

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“Enquanto as necessidades básicas da família não forem atingidas, haverá disposição para

um grande sacrifício em trabalho – embora com retorno econômico muito baixo. Uma vez

alcançadas estas necessidades elementares, a estimativa feita em torno da utilidade de bens

adicionais cai e aumenta a aversão à penosidade do trabalho (Abramovay, op. cit, p. 91).” O

investimento, dentro desta unidade produtiva familiar, se justifica essencialmente como um

elemento de redução da penosidade do trabalho.

A inserção da pecuária na pequena propriedade:

O Senso Agropecuário realizado pelo IBGE entre 1995 e 1996 mostrou uma concentração da

pecuária nas pequenas e médias propriedades rurais, presumivelmente àquelas em que se tem

atividade de agricultura familiar. Do total de 3,9 milhões de bovinos do Estado, 1,8 milhão se

encontravam nos estabelecimentos de 10 a menos de 100 ha (31,3 mil estabelecimentos) e 1,3

milhão em estabelecimentos de 100 a menos de 1.000 ha (3,9 mil estabelecimentos.

A idéia de agricultura familiar nestas pequenas propriedades é corroborada no mesmo senso,

quando este mostra que 80,6 % das propriedades rurais tinham o próprio proprietário como

responsável pela sua exploração, percentual que representa 62,5% da área total explorada do

Estado. O restante das propriedades, tem como responsáveis por sua exploração arrendatários,

ocupantes e administradores, sendo que estes últimos se concentram nas propriedades de

grandes dimensões.

Neste mesmo ano, o total de área ocupada por pastagens plantadas somava 2.578.700

hectares e o ocupado por lavouras somava 432.308 hectares, gerando uma renda total de R$

334,2 milhões. Deste total, 53,9% advinha da produção animal e 46,1% da produção vegetal.

Assim sendo e no ano de 1995, mesmo considerando que toda a produção animal advinha da

pecuária bovina (não considerando os suínos e aves), a renda em hectares da pecuária somava

R$ 69,85, enquanto que da produção vegetal foi de R$ 356,36 por hectare (considerou-se também

que toda a renda tenha provido da agricultura, não sendo separada a atividade madeireira).

O baixo rendimento da pecuária em relação a atividade agrícola em geral, aliado a falta de

área para expansão, que determina um pequeno número de animais e a baixa disponibilidade de

mão de obra, dividida com as demais atividades necessárias a sobrevivência da unidade familiar,

corrobora o aparente contra-senso desta atividade em pequenas propriedades.

A pecuária e o modelo de Chayanov:

A busca de uma explicação para a introdução da pecuária como forma de exploração da

pequena propriedade rural em Rondônia, leva a uma leitura e interpretação da realidade local em

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base ao modelo proposto por Chayanov, em que o processo de tomada de decisão de produção se

relaciona diretamente com a penosidade do trabalho.

A pecuária, como forma de exploração, tem como uma de suas características ocupar

grandes áreas com baixa utilização de mão de obra. Daí advém uma das principais críticas à

atividade, a qual promove a expulsão do pequeno produtor do meio rural através de sua expansão

e incorporação de novas áreas, bem como do baixo nível de emprego fornecido.

A baixa utilização de mão de obra talvez seja exatamente o grande atrativo e a justificativa

para a reprodução da pecuária na pequena produtor rural, onde a mão de obra é limitada, assim

como a capacidade de contratação de mão de obra externa assalariada. Há que se considerar

ainda a questão da penosidade do trabalho, não só relacionada a sua intensidade, mas ao tipo de

trabalho, lembrando que a exigência física do pastoreio é menor que a da enxada, arado ou

colheita.

Assim sendo e ao que parece, a racionalidade que está levando os pequenos produtores

rurais de Rondônia a “diversificaram as atividades em seus lotes” optando pela implantação da

pecuária, conforme apontado pelo IBGE, é a introdução de uma atividade que consuma baixa mão

de obra, consequentemente pouco penosa. A baixa rentabilidade da atividade é compensada pela

baixa penosidade, o que a torna atrativa dentro da lógica vigente no meio do pequeno produtor.

Outros fatores também devem ser considerados, aliados a questão da penosidade do

trabalho, tais como a criação de uma reserva de valor pelo produtor, onde ele aplica eventuais

rendas extras obtidas com a atividade agrícola, a falta de acesso a estabelecimentos bancários

onde ele possa guardar estas eventuais rendas e a fácil comercialização do gado. Observa-se

ainda que a renda investida em gado é remunerada, seja pelo acréscimo de peso nos animais de

corte, seja pela reprodução e/ou produção de leite nos animais de cria.

Conclusão

A discussão aqui realizada, embora extremamente superficial, demonstra a possibilidade e a

necessidade de se estudar a concentração da pecuária nas pequenas propriedades rurais em

Rondônia, através dos vários modelos que tentam explicar a sua economia. No presente artigo,

utilizou-se do modelo de Chayanov, o qual por certo não esgota o assunto, nem tão pouco elimina

a possibilidade de aplicação de outros modelos.

A compreensão da lógica no qual se baseia o pequeno produtor ao tomar sua decisão de

produção, se faz necessário não só pelo seu interesse acadêmico, mas sobretudo para a

implementação de políticas agrícolas coerentes e que levem efetivamente a melhoria da qualidade

de vida do pequeno produtor rural. “Não se pode implementar políticas de modernização da

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agricultura sem a compreensão dos fatores que presidem a tomada de decisão por parte dos

agricultores (Abramovay, op. cit, p. 81 ).

Tais políticas devem sair da esfera puramente economicista derivada da visão “bancária” de

agricultura, para uma esfera mais real, que encontre respaldo em atos e intenções do pequeno

produtor rural, que se aproveitem de sua cultura e do seu modo de ser para propiciar acesso à

renda e, consequentemente, para promover a melhoraria de sua qualidade de vida.

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UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA IMPLEMESOCIAL NA IMPLEMESOCIAL NA IMPLEMESOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO DO NTAÇÃO DO NTAÇÃO DO NTAÇÃO DO

PLANAFOROPLANAFOROPLANAFOROPLANAFORO

Sérgio Augusto MamannySérgio Augusto MamannySérgio Augusto MamannySérgio Augusto Mamanny14141414 RESUMO: Atualmente todo e qualquer projeto que tencione solucionar problemas socioeconômicos de um determinado público, sempre será passível de êxitos e fracassos. Contudo, observam-se diferenças quando esse mesmo público tem a oportunidade de opinar na definição do seu próprio futuro, através da escolha dos benefícios que pode ser o melhor e o mais adequado para o seu desenvolvimento. Embora a idealização inicial do PLANAFLORO – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia incorpore essa vertente participativa, não deixou de receber críticas dos mais diversos segmentos da sociedade. Isto posto, o trabalho que apresentamos, pretende abordar conceitos e práticas aplicadas na execução do projeto. PALAVRAS CHAVE: Participação, descentralização e gestão de projetos. ABSTRACT: The peculiarities of environmental geography, associated to the rich biodiversity of flora and fauna that the state of Rondônia concentrate, was the principal issue that motivated the eleboration of the “Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia”, named PLANAFLORO. Tha occupational process of the territory in Rondônia, mainly in the seventies, was out of order and uncontrolled, that happened because of the inadequate developing models that tried to follow only tha national politic strategies to minimize problems related to social and productive conflicts comig from other centers of the country, which were born because of the lack of productive land to develop the agriculture. That planning style made the state of Rondônia a stage to severe environmental impacts, specially the ones related to indiscriminate deforestation of its forest to support practices of agriculture to increase the areas to develop animals and plants. With the goal of using the land in its best way , PLANAFLORO was idealized, and it was idealized to search ways to make the conception of creating good mechnisms to use the territory, with the idea of reorder the investments according to the potentialities of which micro-region of this state. KEYWORD: Participation; Descentralization; Project Management.

Introdução

O PLANAFLORO assim como todo projeto não deixa de ser passível de erros e acertos,

assim como dificilmente haverá projetos totalmente fracassados se soubermos transformar os

14 Engº Agrônomo – Esp. Em Planejamento, Ecologia e Legislação Ambiental – UNIR. Mestrando em Desenvolvimento Regional – UNIR.

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desacertos em boas lições à construção de novos projetos que tencionem essa aprimoração. Tais

incongruências na maioria das vezes retratam o jogo de uma partida de futebol, onde existem

forças opostas com esquemas e propósitos diferentes, visando tão somente benefícios pontuais.

Assim como uma partida futebol, um projeto envolve diversos atores de uma certa região,

município ou localidade, porém com aspirações de objetivos comuns, compactuando, inclusive, do

sucesso e insucesso do que fora almejado através do projeto. Sobre esse aspecto, mais

especificamente na execução de um projeto quanto maior for o nível de participantes e de

participação na definição do que é melhor para o grupo, certamente estaremos compartilhando

também as responsabilidades do êxito ou fracasso do empreendimento, mas certamente com um

grau menor de erros do que os projetos produzidos em gabinetes sem nenhuma intervenção social.

Este processo que envolve atores com finalidades comuns na construção de um projeto é

conhecido como “participação”, atualmente em voga e permeando em todos os setores

governamentais e não-governamentais, em decorrência do esgotamento conceitual e metodológico

dos modelos tradicionais de planejamento, idealizados a revelia dos interesses da população. Esse

insuportável estilo de planejamento vem contribuindo sobremaneira no aumento de patologias

sociais altamente prejudiciais à melhoria das condições de vida da população. Por outro lado, uma

simples consulta popular sem equipamentos metodológicos apropriados para identificação de

demandas reais, não significa dizer que seja uma participação plena, a participação a qual nos

referimos exige um campo maior de atuação dos beneficiários, isto é, requer a abertura de canais

de interlocução entre sociedade e governo, para que os atores sociais possam em conjunto opinar

na definição de necessidades, criar capacidades de execução, acompanhamento e avaliação do

projeto.

Sem estes predicados pressupomos que seja muito difícil criar novos estilos de planejamento,

pois continuaremos a dialogar com os mortos e iniciar um novo ciclo de incongruências com

reprodução dos mesmos erros do passado. Esta falta de mecanismos, de equipamentos

metodológicos e conceituais foi basicamente o que faltou no PLANAFLORO.

O projeto e sua interação com as políticas públicas

As políticas públicas tal qual estão constituídas, não podem representar as aspirações das

partes interessadas (governo e sociedade) de uma mesma causa para o alcance do bem-estar

comum a partir da agregação de interesse da esfera pública a serviço da sociedade. Isto se deve a

inadequação de seus instrumentos (Leis) legais existentes, vulneráveis a qualquer tomada de

decisão governamental, e por isso esses mesmos interesses enveredam por caminhos opostos. É

sob esse olhar de vulnerabilidade que o PLANAFLORO será abordado neste trabalho.

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Sob esse olhar não podemos dizer que o PLANO atende essas prerrogativas, isto é, não reúne

essas aspirações conciliatórias, pois com rara exceção as reivindicações inseridas na sua versão

preliminar foram pleiteadas por populações de base propriamente ditas, prevalecendo neste caso

as observações de campo sistematizadas por técnicos do governo e de opiniões de ONGs, que

direta ou indiretamente trabalhavam com o público alvo assinalado pelo projeto. É como disse um

entrevistado representante de uma comunidade ribeirinha “nós chegou a saber do PLANAFLORO

quando vieram nos oferecer o projeto do PAIC(projeto de iniciativa comunitária), foi assim que nos

cheguemos a saber que a gente tinha direito”.

O desencontro de aspirações entre o Estado e a sociedade civil, ficou caracterizado pela

rejeição que Plano recebia, mais precisamente, pela da falta de divulgação de seus propósitos à

população e por não estar contribuindo à melhoria do bem-estar social. Nessa mesma linha de

pensamento os municípios que concentram extensas áreas destinadas à conservação e proteção

ambiental eram os mais insatisfeitos, por não receber nenhuma contrapartida socioeconômica.

Essa rejeição evidenciou-se ainda mais quando relacionada ao público beneficiário de fato e de

direito, que até então, não haviam conseguido enxergar os benefícios oriundos do projeto, neste

caso propostos por organismos governamentais eleitos para executar o planejamento e

administração dos projetos contemplados nos diversos componentes do PLANO. Esta

desarticulação criou uma lacuna entre o saber técnico e a realidade local. É como assinala a

versão preliminar do PLANAFLORO, 1987

O PLANO não aquece, ainda, uma vez que por trás das ações do campo econômico, estão forças políticas e interesses de classes ou frações de classes, cuja composição e correlação de forças é quem determina a intervenção no Estado/Governo e na sua economia, em uma direção determinada.

Em que pese a boa intenção do Plano, no que se refere ao estabelecimento de instrumentos

de planejamento rumo ao cumprimento das metas previstas, a sua concepção pecou quando

adotou ocupação acelerada do Estado como um dos principais pressupostos para sua

concretização, embora historicamente esse tenha sido o emblema utilizado para alicerçar a

expansão do capital na economia brasileira. No caso de Rondônia, esse processo de expansão do

capital na economia se deu de forma articulada, subordinada e dependente aos centros

hegemônicos desse capital no Brasil, mais precisamente na região centro-sul do país.

Tais informações permitem assegurar que embora a concepção do PLANAFLORO tencione

corrigir as falhas do POLONOROESTE, que também foi oriundo de políticas governamentais

idealizadas em gabinete, com o propósito de atender a circulação do capital, era de se esperar que

problemas iriam emergir, porém não se imaginava o grau de intensidade de tais problemas, cujo

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preço é a sociedade rondoniense quem está pagando, confirmando-se, assim, a sua

incompatibilidade com as políticas públicas locais. Sobre a questão, Moraes, 1998:31. assinala

Dessa diversidade de funções podemos projetar as redes de hierarquias sobrepostas ou paralelas existentes no setor, isso atendo-se a esfera do Executivo. Se adicionarmos as ações e demandas oriundas de outras esferas ( medidas judiciais, ações do Poder Legislativo aos vários níveis, demandas da sociedade civil e etc), chegamos a um quadro no qual a institucionalização estatal da gestão ambiental – se for orientada para uma atuação exaustiva – estará fada a um clima de babel .

Assim, a proposta do Zoneamento basicamente plasmado sobre aspectos ambientais,

vislumbrou o fetiche de ser o instrumento capaz para equacionar o ordenamento espacial,

assumido assim, a rotulação exaustiva mencionada por MORAES, embora esse tenha sido o seu

propósito, o de alocar os investimentos do projeto de acordo com as potencialidades de cada

macrozonas, e adotá-lo daqui por diante como a diretriz das políticas públicas de ocupação do

solo, até então sem a devida atenção.

Estrutura organizacional e mecanismos de gestão

A idealização da construção do PLANAFLORO ocorreu concomitantemente com o término do

POLONOROESTE (1986/1987), quando Rondônia praticamente ainda respirava sua nova

condição de Estado instalado em 1981. O Estado recém criado padecia de inúmeras deficiências,

desde estruturais, políticas e técnicas, o que certamente comprometeria a implementação do

projeto, caso não fossem criados mecanismos que assegurassem a integridade de seus

propósitos.

Desta forma o empréstimo destinado para executar o PLANO, ajudaria a fortalecer as

estruturas físicas/materiais e técnicas dos organismos envolvidos nessa execução, através da

construção de escritórios, equipamentos e treinamentos. A viabilização do financiamento das ações

relacionadas ao fortalecimento das estruturas do Estado previa uma estrutura mínima de

coordenação estadual que pudesse administrar o PLANO, por intermédio do componente

denominado Administração do Projeto, com recursos na ordem de 5% do montante global da fonte

externa do PLANAFLORO, ou seja, US$ 8 milhões dólares dos US$ 167 milhões previstos sem a

contrapartida estadual e federal, para fins de capacitação da equipe de monitoria, assistência

técnica e consultorias, instalação da Unidade de Coordenação (espaço físico, equipamentos e

custos operacionais), monitoramento do Estado por imagens satélites e contratação anualmente de

um Comitê de Avaliação Independente, para avaliar o andamento do projeto.

Esse instrumental permitiu desenhar a estrutura organizacional da Unidade de Coordenação

Estadual, que sua vez era diretamente ligada a Secretaria de Desenvolvimento Regional – SDR, da

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Presidência da República – PR. Em nível estadual criou-se um Conselho Estadual presidido pelo

governo do Estado, responsável pela orientação e direcionamento das políticas do projeto, bem

como do orçamento anual.

O Conselho seria composto por representantes da SDR/PR, Secretaria de Estado do

Planejamento de Rondônia-SEPLAN, e representantes das agências executoras estaduais e, no

nível federal pela FUNAI, INCRA, IBAMA. Ainda em nível local a Associação dos Prefeitos

municipais e por representantes de ONGs fariam parte desse conjunto. A SEPLAN atuaria como

uma Secretaria do Conselho, representada pela Unidade de Coordenação do Projeto, idealizada

para operar com um administrador, três diretores de áreas específicas (administrativa/financeira,

técnica e de monitoria e avaliação), treze chefes de seção e mais 40 técnicos de apoio às seções,

perfazendo um total de 57 técnicos. A Unidade Técnica seria a responsável pela revisão e

consolidação dos programas de trabalhos dos diversos componentes do projeto. A Unidade de

Monitoria e Avaliação, teria a atribuição de supervisionar os trabalhos de campo das agências

executoras e produzir relatórios com relatos sobre o andamento qualitativo e quantitativo de todos

os projetos. A Unidade de Controle Financeiro se responsabilizaria pelo orçamento, desembolsos,

gastos e prestação de contas.

A Unidade de Monitoria e Avaliação desempenharia ainda, a função de assessoria especial à

Unidade de Coordenação e SDR/PR, para fins de repasse do produto extraído da análise dos

relatórios (indicadores de monitoria), relacionados com o desmatamento, invasões a unidades de

conservação, áreas indígenas e demais áreas protegidas, bem como outras informações inerentes

aos demais componentes do PLANAFLORO. Os respectivos relatórios teriam a função de registrar

as distorções que comprometessem os resultados finais dos projetos, quer seja por

incompatibilidade com a política pública ou pela incompatibilidade com a realidade local. Marcovith

(1972:53), salienta por sua vez,

Que a manutenção de um nível de eficácia adequado num sistema exige elevado grau de percepção da dinâmica do seu ambiente, acompanhado de elevada capacidade de adaptação às oportunidades e ameaças pertinentes à missão da qual ele deve incumbir-se.

Por outro lado, as entidades executoras das ações contempladas por cada componente do

Plano, seriam as responsáveis pela administração dos recursos e implementação dos Planos

Operativos Anuais, assim como dos resultados obtidos.

Na prática a estrutura organizacional previamente definida não se oficializou, possivelmente

pela falta de homogeneidade de entendimento sobre o estilo de gestão participativa, entre os

idealizadores do Plano e os que de fato o gerenciaram. Aliada a essa falta de entendimento, a

rotatividades dos administradores, 05 (cinco) no período de 1993 a 1998 e 02(dois) 1999 a 2002,

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de concepções diferentes, atribuíam ao Plano as mais diversas interpretações de incertezas,

contribuindo para sua descontinuidade. É como lembra JARA (1996:65)

Mudar a consciência significa, além dos valores e atitudes, mudar a leitura da própria realidade, a partir de uma visão mais totalizante e integradora, admitindo, por exemplo, que a nova corrente de pós-modernização conservadora impulsionada pela globalização, também representa uma forma limitada e provavelmente absurda de desenvolvimento.

A relutância pela não adoção da estrutura organizacional previamente definida em

documentos contratuais me conduz aos seguintes pressupostos: Primeiro, o desenho original podia

ser incompatível com a prática: Segundo, a SEPLAN representada pela Unidade de Coordenação

jamais imaginou ficar submissa ao Conselho em termos organizacional para deliberar e aprovar

todos os assuntos inerentes ao Plano; Terceiro, a falta de experiência prática em processos

participativos de ambas as partes, sociedade civil e governo, para administrar uma gestão

compartilhada dificultaram sobremaneira o andamento do projeto. Para governo era inadmissível

abrir espaço para a sociedade civil, pela simples razão de estar cedendo ou perdendo os espaço

até então sempre ocupados por representantes governamentais, bem como a sociedade civil se

encontrava um tanto quanto perdida ao lado do governo como parceiros de uma mesma causa;

Quarto, o não funcionamento das CNPs limitou de uma certa forma o nível de participação da

sociedade, cujo campo de atuação ficou restrito a opinar sobre as ações macro do Plano, sem

abertura para atuar no acompanhamento das atividades contidas nos diversos componentes do

projeto, na sua primeira etapa de implementação (1993/1996), a exceção do que ocorreu após

avaliação de Meio Termo, com atuação mais pontual no acompanhamento dos projetos

comunitário.

Por outro lado, a gerência de monitoria que deveria ser a mais preparada para propor

modelos sistematizados de acompanhamento, tornou-se impotente ao ficar diretamente

subordinada à subcoordenadoria técnica, sem muita flexibilidade para tomar decisões. Esta e

outras decisões tiveram conseqüências negativas para o avanço da gestão compartilhada, o que

desgastou ainda mais o entendimento entre governo e sociedade civil. As reuniões do Conselho

Deliberativo, bem como das Comissões Normativas de Programas, na sua maioria eram apenas

para referendar processos idealizados na esfera governamental, agredindo indiretamente a

representatividade social. Observa-se também, que mesmo havendo a participação da sociedade

na definição de ações macro de determinados projetos, nem sempre seus propósitos refletiam a

necessidade da população alvo, pela falta de mecanismos de consulta popular que auxiliasse na

obtenção de demandas do público beneficiário, a princípio, tido como elemento fundamental.

O regime de parceria e de divisão de responsabilidades com a sociedade civil no exercício de

descentralização do PLANAFLORO recebiam as mais diversas interpretações negativas, de uma

boa fatia de técnicos governamentais, que sempre cultivaram o hábito de trabalhar com estilo de

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gestão centralizadora e autoritária. Do mesmo modo a sociedade civil demonstrava insegurança

pelo desconhecimento das verdadeiras nuances administrativas, que supostamente as levaria a

validar processos elaborados em gabinetes e possivelmente construídos para serem conduzidos

por caminhos diferentes. Esse episódio é lembrado por (JARA, 1995:41), conceituando a ”Fórmula

do Leopardo” : alguma é mudada apenas para não mudar coisa nenhuma.

A estrutura organizacional implementada na operacionalização projeto, até 1998, era

composta pelo Conselho Deliberativo do PLANAFLORO de formação paritária e presidido pelo

Secretário de Estado do Planejamento e Coordenação Geral. Este Conselho era assessorado

diretamente pelas Comissões Normativas de Programas, cuja função era de elaborar programas e

projetos das diversas áreas e submetê-los à aprovação do Conselho.

Tanto o Conselho Deliberativo como as Comissões Normativas de Programas foram

instâncias criadas para permitir a participação da sociedade civil organizada no âmbito do

PLANAFLORO, com direito a voz e voto. O funcionamento e operacionalização dessas instâncias

participativas obedeciam a um regimento próprio e tinham como objetivos deliberar assuntos

inerentes às ações do Projeto como um todo. Contudo, a sua implementação foi prejudicada por

diversos motivos: Primeiro, o Estado não previu recursos para assegurar a participação dos

representantes da sociedade civil nas duas instâncias criadas no contexto do Plano, por entender

que essa participação da sociedade no programa, deveria ser a contrapartida desta mesma

sociedade no âmbito do projeto.

Esse entendimento e a falta de habilidade para gerir processos participativos, comprometeu

sobremaneira as reuniões deliberativas das Comissões, prejudicando inclusive alguns assuntos

que mereciam urgência, em razão da dificuldade de deslocamento dos representantes da

sociedade civil até a cidade de Porto Velho, onde eram realizadas as reuniões deliberativas.

Nesse sentido convêm assinalar que 03 (três) dos 07 (sete) membros da sociedade civil que

integravam o Conselho Deliberativo residiam no interior do Estado, sem a mínima condição de

custear despesas com hospedagem, transporte e alimentação durante sua estadia em Porto Velho.

Tal situação estendia-se também aos integrantes das Comissões Normativas de Programas-

CNP’s. Segundo, a falta de recursos que limitou a participação da sociedade civil nas instâncias

participativas do PLANO, desencadeou uma série de adiamento das reuniões por falta de

“quorum”, contribuindo assim, para o seu esvaziamento. Terceiro, a falta de recursos humanos

sobrecarregou os técnicos da sociedade civil que muitas vezes tinham que estar simultaneamente

em 02 (duas) ou 03 (três) comissões, limitando o seu desempenho com eficiência. Quarto, a falta

de habilidade de ambas as parte (sociedade civil e governo), para consensuar decisões de

interesses do Plano como verdadeiros parceiros era remota, prevalecendo à lei do mais forte, o

que originou o surgimento de dois inimigos implacáveis diante uma mesa de negociação. Quinto, a

verdadeira função das Comissões Normativas de Programa, isto é, de elaborar os programas que

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norteariam os projetos executivos dos organismos até então considerados executores do

PLANAFLORO não saíram do papel, embora tenha havido esforços de algumas Comissões, como

foi o caso da Comissão Agroflorestal e indígena que intentaram pôr em prática a elaboração de

seus programas, com resultados bem tímidos, devido a fragmentação de entendimento adotado

por cada membro da Comissão sobre a própria finalidade do programa e do seu conteúdo. Aliado a

essa falta de entendimento, outras razões vieram à tona, assim como o nítido descompasso dos

interesses pleiteados pela sociedade civil e pelo setor público.

Esse elenco de ambigüidades contribuiu para a não-sustentação dessa nova prática de

planejamento idealizado inicialmente para suprimir vícios até então adotados sem nenhuma

intervenção social e, contrários aos interesses locais.

A não-continuidade do organograma idealizado inicialmente para administrar o

PLANAFLORO, bem como o não funcionamento das CNPs, realimentou o retorno do planejamento

“verticalizado” contemplando ações produzidas em gabinete alheio aos interesses de seus

beneficiários. A retomada deste velho modelo de planejamento promoveu o retrocesso no avanço

para uma gestão mais participativa, culminando em críticas contundentes por não estar

contribuindo para o desenvolvimento do campo conforme seus propósitos. Presume-se também

que esses acontecimentos podem ter ocorrido mais por divergência de entendimento entre os

idealizadores do Plano e os responsáveis pela sua implementação, na maioria das vezes

adequando-o ao seu estilo de administrar.

A origem do novo desenho aplicado após avaliação de meio-termo

Em dezembro de 1993, com apenas 6 à 7 meses de implementação do projeto, ocorreu a

primeira e única avaliação independente que deveria ocorrer anualmente. A comissão denominada

de Comitê de Avaliação Independente – COMAI identificou debilidades e incompatibilidades entre

o desenho inicial e a gestão posta em prática, relatado posteriormente no documento denominado

Estudo da Pertinência das Concepções Teóricas e da Gestão Técnica do PLANAFLORO. Este

documento elenca,

(a) Os pressupostos teóricos e operacionais do PLANAFLORO não encontraram legitimação em nível de sociedade de Rondônia. Isto é, devido aos antagonismos entre as propostas de ordenamento das atividades econômicas e sociais determinadas pelo PLANAFLORO e a ideologia de predação hegemônica nessa sociedade;

(b) A via autoritária de concepção e da efetivação do PLANAFLORO, através da Coordenação, não contribuiu para a formação de idéias e ações (práxis sociais) capazes de democraticamente se anteporem à ideologia da predação;

(c) A ausência de unidade de ação entre as instituições públicas e dos governos estadual e federal, com relação aos propósitos do PLANAFLORO, contribuiu decisivamente para a

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desagregação ética e técnica/científica do setor público facilitando, de um lado, a desorganização explícita da ação governamental (amplo senso) perante os atores sociais e, por outro lado, a descrença da sociedade na possibilidade de uma relação Estado-Sociedade e Homem-Natureza;

(d) A idolatria ao Plano Operativo Anual – POA, esteriliza o esforço técnico-científico e administrativo da gerência Central e Setorial do PLANAFLORO, propiciando, no pessoal mobilizado a sensação da dedicação desperdiçada e, portanto, um intrínseco desencanto com o PLANO;

(e) A ausência de um sólido e descentralizado programa de formação de pessoal, tanto do setor público como dos atores sociais beneficiados pelo projeto, impede um conhecimento sistematizado sobre as mudanças econômicas, sociais, institucionais e políticas necessárias para efetivação do PLANAFLORO;

(f) Enfim, mas não finalmente, a não participação massiva dos atores sociais em todas as fases de revisão e de implementação do PLANAFLORO contribuiu para o isolamento do projeto e o descrédito na construção de uma proposta contra-hegemônica a ideologia da predação hoje dominante na sociedade rondoniense.

O relatório conclui ainda: “Em síntese, o PLANAFLORO apresenta incongruências estruturais,

tanto em nível de modelo conceitual como no operacional, que o torna social, político e

institucionalmente insustentável”.

Apesar dessa conclusão e recomendações proferidas no relatório, o PLANAFLORO continuou

a implementação do modelo até então severamente criticado, sem ao menos considerar o relato

dos descompassos identificados pelos avaliadores independentes, que por incrível que pareça,

eram idênticas as lições extraídas da execução do POLONOROESTE, sobre as quais se construiu

o novo conceito do PLANAFLORO, com o propósito de corrigir uma possível repetição dos fatos.

Diante de tais evidências, pensar na diminuição do índice de desmatamento torna-se

ambíguo, se considerarmos que nada se fez para mudar os rumos do projeto, após a conclusão do

Relatório do Comitê de Avaliação Independente, isso nos leva a crer que outros interesses

prevaleceram para atrair recursos internacionais para o Estado, em detrimento do ordenamento

territorial de Rondônia altamente prejudicado pela depredação ambiental. Em tese de Doutorado

escrita por (Ari Miguel Teixeira Ott, 2002:76) assinala que, “assim, os efeitos colaterais

inesperados, resultados desastrosos ou conseqüências calamitosas de uma intervenção

transmudam-se em justificativas para o início de um novo projeto corretivo, perpetuando o ciclo”.

Outro fator que merece toda nossa atenção está relacionado com a temporalidade, mais

especificamente o descompasso existente entre a concepção do Plano e o início de sua

implementação, isto é, as primeiras discussões ocorreram em 1986, sua aprovação em 1989 e o

início de sua implementação em 1993, ou seja, 7 anos entre uma atividade e outra. Possivelmente

tudo isso tornou o projeto vulnerável a partir do seu nascimento, ocasionado pela própria dinâmica

dos acontecimentos, isto é, podia ser ideal para aquela época, tanto é que o próprio COMAI

identificou incompatibilidades em apenas 6 meses de execução do Plano.

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Simultaneamente, o projeto de monitoria ocorreria sob dois aspectos, o primeiro diz respeito

ao monitoramento ambiental através de imagens de satélite, para a identificação da agressão ao

meio ambiente, o segundo seria a criação de uma equipe de monitoria em nível de Unidade

Central, que teria uma função relevante dentro da estrutura do programa, mais precisamente pelo

papel de aglutinar os relatórios oriundos das entidades executoras do programa, analisá-los e

propor medidas corretivas quando observado possível contraponto entre a concepção inicial do

Plano e implementação dos projetos propostos pelas unidades executoras.

Considerando este segundo aspecto, o monitoramento da Unidade Central, uma peça

fundamental no acompanhamento da evolução executiva do Plano, a sua linha de ação ficou

estrangulada e presa a subcoodenadoria técnica, sem muita flexibilidade de atuação, ficando

condicionada a compilar todos os relatórios dos executores do projeto, sem sequer analisar os

avanços e propor correções em caso de necessidade, mesmo porque os relatórios eram

desprovidos de tais informações. A falta desse instrumento contribuiu para o acúmulo de

incongruências que fizeram do Plano o paradoxo a sua concepção inicial.

Conclusão

A princípio, qualquer referência ou análise sobre o PLANAFLORO, só será possível se

tomarmos como base, a própria história do Estado e das políticas de desenvolvimento

idealizadas para a Amazônia, que fizeram de Rondônia um alvo perverso de processos

migratórios. Assim conclui-se que:

a) A própria concepção do PLANFLORO, não visava apenas corrigir os efeitos negativos herdados do POLONOROESTE, instituir mudanças na política estadual com vistas na manutenção dos seus recursos naturais, e o ordenamento territorial do solo, mas sim utilizar o emblema ambiental altamente em voga como principal atrativo de recursos externos para preencher lacunas deixadas pelo governo federal ocasionado pela escassez de recursos para a região Amazônica, em particular para Rondônia;

b) O interesse do Banco Mundial em viabilizar a construção do desenho inicial do projeto através de consultores externos para agilizar a elaboração do mesmo nos faz entender que nada veio por acaso, ou seja, não entende como conquista da sociedade, não entende como doação como se pensou inicialmente, e sim como mais uma determinação superior, se considerarmos que o Estado era deficiente de informações, de técnicos e de conhecimentos suficientes para elaborar uma proposta do porte do PLANAFLORO, de abrangência estadual com diferenças micro-regionais específicas. Não quero com isso desmerecer o conhecimento técnico local, porém teço críticas ao estilo conservador e verticalizado utilizados na sua construção do Plano com pouca ou sem nenhuma anuência social;

c) Os objetivos do projeto se tornaram volumosos diante um Estado fragilizado em termos materiais, técnicos e operacionais, o que limitou de uma certa forma a praticidade no processo de descentralização;

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d) A teia de inter-relações da estrutura organizacional inicial, representada pelo trinômio: Conselho Deliberativo, Unidade de Coordenação e CNPs, e em particular esta última, de assessoria ao Conselho e responsável pela elaboração dos programas que orientariam a elaboração dos projetos governamentais, não se consolidaram na sua totalidade, mais precisamente pela falta de entendimento sobre o conceito de programa e do seu conteúdo. Embora as CPNs agroflorestal e indígena tenham empreendido esforços para adotá-la com resultados bem tímidos.

e) A unidade de monitoria idealizada para desempenhar o papel de vigilância do projeto resumiu suas atividades à consolidação de relatório, possivelmente pela falta de indicadores plausíveis e convincentes que respaldassem a correção rumos do projeto. Percebe-se que a Unidade de monitoramento do projeto foi a mais prejudicada no âmbito da estrutura organizacional, haja vista que na prática ficou subordinada à Coordenadoria Técnica sem muita flexibilidade para tomar decisões;

f) A temporalidade ocorrida entre a concepção do Plano e início de sua execução, foi o grande vilão, tornou o projeto caduco antes mesmo de começar, uma vez que as ações previstas na época de sua concepção, na sua maioria ficaram descaracterizadas, como identifica a avaliação do COMAI em dezembro de 1993, nos seus 6 (seis) primeiros meses de existência, razão pela qual recomendaram correções que não foram realizadas;

Tais evidências clamam pela revisão da nossa visão de mundo, de conceitos, de novas

ferramentas teóricas e metodológicas capazes de experimentar novas formas de auto-gestão de

projetos de desenvolvimento que conquistem a credibilidade pa população alvo, buscando pelo

menos evitar a repetição dos consecutivos ciclos de projetos sem nenhuma legitimidade local.

Bibliografia

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COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM MISTO DE POVOS E CULTURASMISTO DE POVOS E CULTURASMISTO DE POVOS E CULTURASMISTO DE POVOS E CULTURAS

Arlene Mariani FujiharaArlene Mariani FujiharaArlene Mariani FujiharaArlene Mariani Fujihara15151515

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo registrar a composição social da Amazônia, iniciando pela descrição da origem do homem amazônico, a sua estrutura societária e a visão de teorias históricas que apontam a conquista e a colonização como momentos paradoxais. Perpassa pela revelação de uma outra Amazônia, inaugurada com a chegada dos europeus, que provocaram profundas transformações no ambiente, no tocante à economia, a política e a cultura locais. O retrato da etnia cabocla encerra a abordagem, acentuando a importância do índio na gestação étnica do povo da Amazônia. Reservamos para a conclusão, a opinião sobre o desrespeito dos ditos “civilizados”, que a partir da invenção da região, milenarmente construída e registrada com lendas e mitos, sinônimos da grandeza do mundo natural e imaginário e que se confunde com o próprio aborígine. PALAVRAS-CHAVE: Composição social, Amazônia, etnia, povos, culturas, conquista, colonização e miscigenação. ABSTRACT: The present article has for objective to register the social composition of the Amazonian, beginning for the description of the amazon man's origin, your structure societária and the vision of historical theories that point the conquest and the colonization as paradoxical moments. Perpassa for the revelation of another Amazonian one, inaugurated with the arrival of the Europeans, that they provoked deep transformations in the atmosphere, concerning the economy, the politics and the culture places. The picture of the etnia cabocla contains the approach, accentuating the importance of the Indian in the ethnic gestation of the people of the Amazonian. We reserved for the conclusion, the opinion on the disrespect of the civilized " statements ", that starting from the invention of the area, built milenarmente and registered with legends and myths, synonyms of the greatness of the natural and imaginary world and that gets confused with the own aborigine. KEYWORD: Composition social, Amazonian, etnia, people, cultures, it conquers, colonization and miscegenation.

O passado em primeira mão

Os trilhos da história social da Amazônia antecederam o descobrimento da América pelos

europeus no século XVI. A Região Amazônica, coberta por densa floresta – Hiléia Amazônica –

localizada nos trópicos, de penetração e de ocupação difíceis, já estava povoada por grupos

15 Pedagoga, docente do Quadro Efetivo da UNIR. Mestranda em Desenvolvimento Regional – UNIR/RO.

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humanos. O conjunto de comunidades tribais, presente na região, apresentava-se bastante

diferenciado entre si, cada qual com sua identidade, organização social e cultura milenar de

adaptação ao trópico úmido.

As referências do antropólogo Claude Lévi-Straus, citadas por Souza, sobre a questão

ilustram o que se afirmou:

Este grande e isolado segmento da humanidade consistiu de uma infinidade de sociedades, maiores ou menores, que tiveram pouco contato entre si. E para completar as diferenças causadas pela separação, há outras, igualmente importantes, causadas pela proximidade: o desejo de se distinguirem, de se colocarem à parte, de serem – cada uma – elas mesmas. (2001, p. 18).

A Amazônia, ao contrário do que foi apregoado pela historiografia ocidental, “não era um

vazio demográfico” (Souza). Na verdade, a Amazônia, desde a Pré-História já era um rico e

diversificado cenário de sociedades humanas que foram sendo reveladas pelos avanços dos

estudos arqueológicos na região e têm afirmado a existência de sociedades de caçadores e

coletores de, aproximadamente, 40.000 anos, nessa região.Ainda segundo Márcio Souza, (2001, p.

19):

As pesquisas da arqueóloga Anna Roosevelt, sobre as culturas da ilha de Marajó e da calha amazônica comprovam a existência de uma inequívoca ocupação desde o Pleistoceno, ou Holoceno, por sociedades de caçadores e coletores, donos de elaboradas culturas de tecnologia da pedra, e por algumas das mais antigas sociedades sedentárias, fabricantes de cerâmica e agricultores equatoriais. Um passado formado por sociedades de grande complexidade e sofisticação cultural (...).

Sobre a composição social, o próprio Souza esclarece que:

...os antigos caçadores e coletores da Amazônia não eram exatamente primitivos em termos de tecnologia e estética, mas também pouco lembravam os povos indígenas atuais, que supostamente são seus descendentes (Idem).

Várias teorias, inclusive algumas muito imaginosas, explicam a origem do homem no “Novo

Mundo”. A mais aceita é a de que o homem primitivo, em busca da sua subsistência, na Era

Glacial, deslocou-se da Sibéria, na Ásia, para o Alasca, na América, atravessando o estreito de

Bering. Foi uma glaciação que possibilitou essa travessia do homem coletor, há aproximadamente

40.000 anos, unindo os dois continentes. A partir daí, o povoamento atingiu a Costa Ocidental da

América do Norte, em seguida a América Central e depois, a América do Sul, na Região Andina.

O mesmo autor descreve o percurso dessa migração para a Amazônia.

Algumas dessas levas de migrantes asiáticos, ou seus descendentes acabaram chegando ao vale do Rio Amazonas. É provável que essas primeiras levas de migrantes tenham cruzado a grande floresta por volta de 15.000 anos atrás, dando início à colonização da Amazônia (p. 17).

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Esse processo histórico, inicialmente, gerou na Amazônia, uma sociedade de caçadores e

coletores, que estabeleceram uma variada rede de sociedades de subsistência sustentadas por

economias especializadas em pesca e caça intensivas e também em substâncias extraídas das

plantas da floresta tropical com o fim de controlar algumas doenças. Em busca de animais para

caçar e pescar, e das plantas para desenvolver a cura, eles permaneciam pouco tempo no mesmo

local, caracterizando-se como nômades. Depois, de forma lenta, transitam para o desenvolvimento

da agricultura que lhes dá nova estrutura societária, o agrupamento em aldeias ou vilas,

densamente povoadas, com uma cultura adaptada à floresta tropical caracterizando-se, então, ao

modo de sociedades sedentárias, isto porque, mantinham-se fixas numa área mais ou menos

delimitada que se estendia por muitas milhas.

Darcy Ribeiro, em “O Povo Brasileiro” destaca e dá amplitude a essa questão, quando diz:

Toda a área era ocupada, originalmente, por tribos indígenas de adaptação especializada à floresta tropical. A maioria delas dominava as técnicas da lavoura praticadas pelos grupos Tupi do litoral atlântico, com que se depararam os descobridores. (...) Eram, todavia, sociedades de nível tribal, classificáveis como aldeias agrícolas indiferenciadas, porque não chegaram desenvolver núcleos urbanos, nem se estratificaram em classes, já que todos estavam sujeitos às tarefas de produção alimentar, nem tinham corpos diferenciados de militares e de comerciantes. Ensejavam, porém condições de convívio social amplo e de domínio de extensas áreas. Os cronistas, que documentaram aqueles aldeamentos após os primeiros contatos com a civilização, ressaltaram o vulto das populações, que se contavam por milhares em cada aldeia, a fartura alimentar e a alegria de viver que gozavam. (...) (2001, p.309).

Embora com identidade singular, em relação à maioria dos aspectos culturais, no tocante à

agricultura as comunidades praticavam técnicas indiferenciadas. As aldeias se caracterizavam

agrícolas e, isso não permitia que os núcleos urbanos se efetivassem. Eram as tarefas da

agricultura que tornavam as tribos classificáveis. No entanto, todo esse legado do passado, com o

tempo, passa a se diluir. É a chegada dos invasores europeus o marco e o divisor de águas de

uma nova história, que decreta o início da devastação, da destruição e da morte, eventos que se

desenrolam por muitos séculos.

Um novo tempo ...

Com a conquista e a colonização abre-se um tempo novo para a Amazônia: “...o encontro de

sociedades do Antigo e do Novo Mundo” (...) (Cunha, 1992, p. 12).

O Antigo porque se apresenta com o perfil civilizatório europeu monopolizador, fundado no

modelo de estruturação societária com divisão social entre classes; o Novo porque se apresenta ao

Velho como gente nova, diferente; povo novo com hábitos, culturas e estrutura societária singular.

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Esse encontro exacerba o distanciamento social entre esses dois mundos, e é nesse

encontro que se agravam as diferenças. A partir daí, a Amazônia toma outra face e se transforma

completamente. Como se pronuncia Darcy Ribeiro, “acontece uma verdadeira colisão cultural,

racial e social”, quando prevalece a supremacia cultural do europeu. Desencadeia-se o eixo de

superioridade/inferioridade que marcou o devir da história da colonização da Amazônia e das

relações entre colonizadores e índios.

Os europeus por não conseguirem apreender a originalidade das diferenças entre a cultura

européia e a cultura aqui encontrada, fizeram com que emergisse o fator de desigualdade,

marcado pela conquista e colonização. Povos e povos indígenas desapareceram e os

remanescentes passaram a sofrer “...um processo de transfiguração étnica se convertendo em

índios genéricos, sem língua nem cultura própria e sem identidade cultural específica” (Ribeiro,

2001, p.319), resultando uma fusão de culturas entre as gerações que se seguiram, ao fim do

colonialismo, e essas populações primeiras pagam um tributo muito alto ainda hoje.

É isso que inaugura uma nova realidade e que coloca à prova a colonização da Amazônia. O

que na verdade ocorreu foi a tomada da região de forma discriminada, inventando-se uma outra

Amazônia.

Nesse sentido, reportamo-nos à professora Neide Gondim que

Contrariamente ao que se possa supor, a Amazônia não foi descoberta, sequer foi construída; na realidade a invenção da Amazônia se dá a partir da construção da Índia, fabricada pela historiografia greco-romana, pelo relato dos peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes (1994, p 9).

A história oficial registra a colonização como o início de um processo de formação social. No

entanto, a leitura que a autora faz desse evento é fruto da influência da visão européia sobre uma

realidade imaginária e mitológica, associada à natureza variada que, de certa forma, ao mesmo

tempo em que encantava com suas maravilhas, assustava com suas monstruosidades animais e

corporais.

O homem medieval, de visão prática, que chegou à região, sofre um impacto com o meio

físico e com a população nativa. Esse primeiro contato fez com que o índio não visse no invasor

uma ameaça. A sua visão mítica do mundo, convivência solidária e, até uma certa inocência e

confiança o faz ver o europeu como pessoa dadivosa e do bem. No entanto, aquela gente prática,

na convivência com o gentio, provoca neste o assombro, promove o flagelo, o despojo e o

cativeiro. Muitas dessas ações até em nome de Deus, em forma de atividades missionárias. Outras

representando autoridade, mesmo, de mando.

A vontade mais veemente daqueles heróis d’além-mar era exercer-se sobre aquela gente vivente como seus duros senhores. Sua vocação era a de autoridades de mando

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e cutelo sobre os bichos e matos e gentes, nas imensidades de terras que iam se apropriando em nome de Deus e da Lei (Ribeiro, 2001, p. 49).

Esse processo produz a deculturação e a despersonalização desses povos amazônicos. A

imposição cultural do europeu identifica a invenção da Amazônia, uma invenção confundida com

exploração - eixo de superioridade/inferioridade - pautada na prática da devastação do ambiente e

na destribalização e instauração do escravismo. Os recém-chegados apropriam-se do espaço

geográfico e eles mesmos “(...). Negaram ao índio o direito de ser índio” (...). E com o seqüestro da

alteridade do índio, ficou seqüestrada também a Amazônia (Souza, 2001, p. 38).

Além disso, “os heróis d’além-mar” exploraram as riquezas da terra, sobretudo, as minerais,

para proporcionar o maior lucro para as suas metrópoles e, um pouco mais tarde, passam a

explorar as “drogas do sertão” para abastecer o mercado europeu, uma vez que o ouro não lhes

deu o resultado que esperavam.

O processo de conquista é determinante na formação social da região amazônica porque

reunia, então, objetivos materiais – ouro, drogas, madeira, símbolos da ganância e da ambição

branca - mascarados de doutrinação religiosa e de poder de convencimento.

O índio não se manteve indiferente a esses interesses do invasor, lutou com bravura,

utilizando-se de técnicas de manuseio de armas como arco e flecha e mesmo os venenos e as

armadilhas, numa demonstração de defensor do seu território. Um outro aspecto explorado pelo

índio, e a seu favor, foi o conhecimento imensurável sobre o ambiente em que vivia. Isso comprova

que as informações da composição científica da região eram e se mantêm suas grandes aliadas.

No entanto, o índio também se prestou ao papel servil como mão-de-obra explorada,

apontando rumos e rotas na floresta e nas composições hídricas da mata, para o povo europeu.

Mostravam onde podiam os brancos encontrar as riquezas que procuravam, além de lavrar a terra,

produziam alimentos para o invasor.

A composição da sociedade da Amazônia, a partir da conquista e da colonização se mesclava

com a presença dos espanhóis, ingleses, franceses, holandeses e portugueses, que implantavam

seus modelos de colonização. Desses povos, alguns grupos vinham com objetivos específicos: os

missionários para evangelizar e catequizar os índios – como é o caso dos espanhóis; os militares

para “guarnecer” as fronteiras e os bens naturais. Os cientistas, cronistas e historiadores

aportavam na Amazônia, interessados em registrar o potencial mineral e vegetal do ambiente,

numa tentativa de expressar a região. Utilizavam-se de recursos da literatura, e da retórica

salvacionista e reducionista que denotam conformismo e mistificação de um importante passo da

evolução humana, mas ao mesmo tempo representativa da mais explícita exploração do homem.

Os políticos, por sua vez, vinham para a apropriação e dominação do espaço.

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O espírito simulador e o poder discursivo identificavam o europeu e os serviam como armas

de manobra. A arrogância extrapolou alguns limites da oratória, a ponto de fazer aparecerem os

termos - índio/indígena - na literatura e em dicionários, marcando essa página na história.

Os aborígenes da América, a partir de então, ficam reconhecidos no mundo pelo referencial

“índios”. A expressão é usada para distingui-los dos outros povos e assim está dicionarizada: “índio

(adj + sm) - Aborígene da América”.16

Esse conjunto de povos constituía a Amazônia de modo particular. Os espanhóis buscavam

basicamente metais preciosos e desejavam enriquecer rapidamente. Como dizia Hernán Cortez,

citado por Souza (p. 68) “eu vim para pegar o ouro, não para tratar a terra como um camponês”.

Desse modo, somente os missionários dedicados à conquista espiritual persistiram na região.

Os holandeses só tinham interesse em ocupar as fazendas usadas pelos ingleses e explorar

os produtos tropicais. Já, os franceses, de forma organizada, contribuem para o surgimento da

Guiana Francesa, onde implantaram um sistema colonial, próprio, singularizado, numa repetição do

sistema feudal – baseado no senhorio e na relação social identificada pela vassalagem.

Ao mesmo tempo, os ingleses instalavam grandes fazendas, legado deixado para os povos

da Holanda.

A colonização portuguesa, conforme Souza (2001), politicamente vai de 1600 a 1823 e se

divide em: de 1600 a 1700, - expulsão dos outros europeus e ocupação colonial; de 1700 a 1755 -

estabelecimento do sistema de missões religiosas e organização política da colônia; de 1757 a

1798 - criação do sistema de diretorias de índios e esforço para alcançar o avanço do capitalismo

internacional; de 1800 a 1823 - crise e estagnação do sistema colonial.

E é assim que realmente começa a história escrita desse Mundo Novo – A Amazônia

inventada pelos europeus. Sim, inventada pelos europeus, uma vez já estava construída, há um

longo tempo pelos povos amazônicos. Essa região já possuía a sua história – história oral

veiculada no mundo através de seus mitos e de suas lendas, contada pelos viajantes,

comerciantes e missionários como o El Dorado no seio da floresta, rica e cheia de tesouros.

Conhecer e analisar a história social da Amazônia sem introduzir o período que antecedeu a

chegada dos europeus torna-se um desrespeito àquelas populações que já povoavam a região e

que vinham, milenarmente, construindo a sua história social. A perpetuação dessa história através

de mitos e de lendas é uma comprovação de que (...) “os povos indígenas atuais ainda guardam

como forma de não esquecer esse passado que se perdeu na voragem da conquista” (Souza, 26).

Não esquecer esse passado pode-se interpretá-lo num sentido de sobrevivência, estímulo e

até resistência para manter viva a sua cultura e, também, como forma de eliminação de causas de

sofrimento, de constrangimento e, sobretudo da exclusão social a que foram submetidos.

16 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa/São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998. p. 1148

(Dicionário Michaelis).

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Historicamente, podemos afirmar que a sociedade relegou os índios à marginalidade sem lhes dar

o “direito de ser índio” e, o que é pior, procurou reinterpretar o que se definia como espaço e

homens amazônicos.

São esses eventos históricos, enfim, que tornam a Amazônia, surpreendentemente complexa

e, sobretudo, senhora de um perfil civilizatório europeu miscigenado com a sociedade aqui

encontrada.

“Povo Novo”

A matriz étnica da região amazônica tem sua base na família indígena, que diversa, se

espalhava em grupos independentes. Porém é o tronco Tupi essencialmente o mais importante na

formação de novas unidades étnicas.

A formação neobrasileira é resultado do cruzamento de mulheres da terra com o homem

português, resultando no mestiço. Essa mestiçagem foi estimulada, oficialmente, gerando um tipo

racial mais índio que branco. A característica nativa era geneticamente mais expressiva,

identificando um povo novo, uma nova raça, que se multiplicava, porém fruto de uma invasão

européia, que chegou aqui na região não só para o acasalamento, mas e, principalmente, para a

exploração e para a obtenção de lucros. Uma exploração múltipla, que se desenhou ao longo da

história, atingindo a sociedade nativa material, social e moralmente.

A submissão dos índios pelos brancos se dava de forma monstruosa. Já na chegada, a

branquitude, portadora de pestes mortais, sobrevivente da escravidão e de guerras, produzia a

mortandade dos índios, fato que Dobyns chamou de “um dos maiores cataclismos biológicos

do mundo” (In Cunha, 1992: p. 13).

Os nativos, ao contrário, tinham vida tranqüila, num mundo dadivoso e numa sociedade

solidária. Embora também guerreassem, suas lutas simbolizavam o heroísmo e um ato de

comunhão com a tribo. Ser possuído, sexualmente, pelo português simbolizava o início da

transfiguração da matriz étnica, da língua e de muitos outros costumes tradicionais.

Ribeiro considera -os

... sem língua nem cultura próprias, e sem identidade cultural específica. A ele se juntaram, mais tarde, grandes massas de mestiços, gestados por brancos e mulheres indígenas, que também não sendo índios nem chegando a serem europeus, e falando tupi, se dissolveram na condição de caboclo (2001, p. 319).

O homem caboclo tem em João Ramalho a sua representatividade, pois o cruzamento dele

com uma mulher indígena resultou um filho-caboclo. E a partir daí estabeleceram-se “criatórios de

gente mestiça”. A tomada de uma índia como esposa marca o processo de gestação étnica

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conhecido por cunhadismo, uma instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro,

velho hábito dos índios de incorporar estranhos à comunidade. Embora o exemplo de relação

étnica não tenha se iniciado na Amazônia, o cunhadismo também foi comum na região.

O autor acentua que o caboclo é resultante da mestiçagem de brancos com índias

amazônicas, isso o permitiu reconhecer a Amazônia como um dos cinco brasis – o Brasil Caboclo.

Com essas palavras, resta-nos afirmar: o povo amazônico é um povo de contrastes, de

desafios e tentativas de fusão de povos numa única sociedade, e, talvez, seja por isso, que seja

considerado um dos povos mais interessantes, étnica e culturalmente.

Considerações Finais

O passado é um pano de fundo para conhecer e compreender a realidade amazônica e,

poder perceber a composição social de um espaço geográfico, marcado pelas invasões e

conquistas de outros povos e culturas, principalmente os europeus.

O legado indígena passa a se diluir com esse entrechoque das duas entidades, que

complexamente diferentes, enfrentaram desafios cruciais no decorrer de cerca de 250 anos. O

europeu sentiu-se desafiado ao ter que, além de se adaptar, conquistar e explorar uma massa

humana resistente e feroz – quando ameaçada – num mundo misterioso e adverso ao seu. Ao

índio, o desafio maior era defender o seu patrimônio da ambição incomensurável de gentes

desconhecidas.

Esse encontro representa também um divisor de águas de uma nova história, que acentua as

desigualdades. Não dá para negar, porém, a riqueza substancial para a identificação de uma

sociedade herdeira da miscigenação de povos e culturas.

Por outro lado, e não com menos substância, registra-se o desrespeito no relacionamento

dessas duas culturas, principalmente pelo “branco civilizado”. Desrespeito acentuado pelas

cronistas-viajantes e, posteriormente, pela historiografia oficial. Esses, representantes iberos,

mascaravam a verdadeira história do “homem natural”, na tentativa de descolorir e desvalorizar o

fluido mitológico que vitalizava e ainda vitaliza uma sociedade extraordinariamente marcada pela

riqueza do seu imaginário.

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POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS VITRINES DA MODERNIDADE NO VITRINES DA MODERNIDADE NO VITRINES DA MODERNIDADE NO VITRINES DA MODERNIDADE NO

PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIA

Benedita NascimentoBenedita NascimentoBenedita NascimentoBenedita Nascimento RESUMO: O presente artigo apresenta um ensaio sobre a lógica que opera o contexto das relações entre as Populações Tradicionais e as questões inerentes ao desenvolvimento, fazendo um recorte pelos conceitos de desenvolvimento sustentável e modernidade, compondo um diálogo sobre os impactos e os dilemas das contradições que marcam a veia do progresso e os rumos da Amazônia na dimensão da sustentabilidade. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento, Desenvolvimento Sustentável, Modernidade, Populações Tradicionais. ABSTRACT: The present article introduces an essay about the logic that controls the context of terms between the Traditional Populations and the development's questions, passing by concepts of supportable development and modernity, writing a dialog about the impacts and the dilemma of contradictions that mark the progress and the ways of amazon in the size of supportability. KEYWORD: Development, Supportable Development, Modernity, Traditional Populations

Nossas inquietações são tantas quando tratamos de culturas, populações tradicionais,

florestas, recursos naturais, desenvolvimento, sustentabilidade, modernidade e globalização..., que

o exercício do diálogo entre o conhecimento teórico e as experiências de vida se recolhem para

além das nossas visões de mundo. Deixando-nos perecer por alguns momentos, sob uma enorme

fadiga entre a razão e a sensibilidade.

Perguntamo-nos, se acaso fossemos montar um jogo de desafios entre os pares - as

terminologias -, por onde começaríamos, quais dessas palavras eliminaríamos, por onde as

relacionaríamos umas quais outras, ou as deixaríamos inertes ao seu fluxo convencional definido

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pelo movimento do tempo e do espaço, e porque não dizer da história ou simplesmente analisá-las

sob a luz da leitura representada pela semiótica?

Ao depararmo-nos com tais inquietações, surgem mais e mais questionamentos, e cada vez

que as reflexões são atraídas pelo universo da razão, navegando tanto pela subjetividade, quanto

pelo imaginário filosófico e científico, mais conflitante se torna a escolha do caminho que se deve

seguir para iniciar o jogo. Ou seja, o fio delineador que faz o contorno das regras para montar o

jogo dos desafios colocados no atual contexto, se rompem em meio a tantos ensaios conceituais

que se integram e constituem a forma estrutural do universo real da palavra no seu mais intenso

sentido de ser. Será isso uma dialética do conhecimento?

Aí então, o que fazer? Seria possível dez - construir todas as teorias impostas no universo de

cada palavra? Ou iniciar o jogo colocando em cheque o conjunto de argumentos sustentados pela

epstemologia do conhecimento? ou nesse vai e vem do trem, poderíamos deixar tudo por conta da

chamada hermenêutica?

Recordando as sábia palavras de um grande companheiro, de origem extrativista, seringueiro,

o Zé Maria17, dizia ele reafirmando os ditos populares: “quem não pode com o pote, não segura na

rodilha...” ou então, “Nunca deixe de apreciar as pequenas coisa que estão a sua volta”.

Na realidade, como estamos falando de um “jogo de desafios”, é imprescindível que este,

seja recheado de indagações ou de questionamentos. O fato é que cada uma pode gerar outras

tantas indagações ou provocações, mas nem por isso, o torna impossível de ser jogado, ao

contrário, a primeira perspectiva colocada aqui, ou identificada é que esse jogo é muito desafiador,

por isso, torna-se mais interessante.

No entanto, é preciso compreender que nem sempre as regras estabelecidas ou os caminhos

definidos, são os que necessariamente deverão ser seguidos.

Portanto, ao lembrar das palavras sábias do Zé, talvez e de fato sozinha, não consiga

carregar o pote, mas ao considerar as “pequenas coisa” no universo do saber coletivo e da vida em

constante acenos para as descobertas, num movimento sinérgico, possamos colaborar com a

construção de novas veias do conhecimento que nos anime, ou nos leve, se não a responder as

nossas indagações, mas sobretudo, a compreende-las de tal maneira que seja possível

transformar, construir e produzir novos conhecimentos nesse tão famigerado contexto de conflitos

e contradições.

Ao iniciar essa jogada, fiz-me compreender que nenhuma das questões ou das indagações

colocadas a cima seria especificamente a trilha por onde seguiria para explorar o meu objeto de

análise, ou melhor dizendo, por onde iniciaria o diálogo entre as palavras e as indagações aqui

17 Liderança comunitária do Movimento dos Extrativistas, ex-presidente da Organização dos Seringueiros de Rondônia -OSR.

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destacadas e, sim todas elas formarão um conjunto de situações pela qual permanecerão vivas,

merecendo retornar a elas sempre que for necessário.

Por outro lado, diria, que nesse “jogo de desafios” que envolve esses temas geradores e tão

complexos, não importa por onde começar, mas sobretudo, devemos nos remeter a lógica que

opera cada um num determinado contexto, numa determinada sociedade.

Assim, ao retomar a discussão inicial, invoquei três conceitos inerentes ao tema abordado

que seria de grande importância para trabalhar inicialmente, sendo eles: “desenvolvimento”,

“modernidade e populações tradicionais”. Tudo isso, para ter mais claro a lógica que opera no

universo das relações entre população, desenvolvimento e qualidade de vida e os desafios

colocados na sociedade amazônica para enfrentar as façanhas, os encantos e desencantos da

modernidade no encalço do desenvolvimento.

Esclarecendo que, tal iniciativa, de tímida abordagem será a priori para compor um ensaio

sobre as Populações Tradicionais e as questões inerentes ao desenvolvimento, devendo portanto,

reconhecer que o recorte tratado como objeto de estudo neste artigo, será construído também

numa conformação das experiências apreendidas nas relações sociais compartilhadas com as

populações extrativistas e indígenas na época que atuei no Fórum das ONGS de Rondônia(1999 a

2001), como secretária executiva, na qual me orgulho da oportunidade que me foi concedida, pois,

pude vivenciar e experimentar um pouco do cotidiano que abrigava o cenário de vida dessas

populações.

Desembrulhando os conceitos de Desenvolvimento X Desenvolvimento Sustentável X

Modernidade X Populações Tradicionais

Inicialmente, quando se falava em desenvolvimento, logo se fazia relação com algo positivo,

coisas muito boas que aconteceria na vida dos habitantes de um determinado lugar, de uma

determinada cidade ou região. Também, fazíamos referência ao crescimento econômico

correspondente ao progresso, que enfim, estava chegando para nós Brasileiros, nós povo

Amazônidas, nós Rondoniense.

De certo modo, foi e tem sido essa “ilusão de mundo desenvolvido” que ainda reside no

imaginário do povo amazônico, não somente pelas nossas características regionais ou culturais,

mas principalmente porque a todo momento nossas vidas são invadidas pelos variados sistemas

de informações que sustentam essa idéia de desenvolvimento e progresso.

E nesse movimento dinâmico, obviamente, Rondônia é uma boa peça de estudo tanto para a

abordagem do conceito de “desenvolvimento”, como para os dilemas das contradições que

marcam a sua história e o seu desenvolvimento em épocas e contextos diferentes. Não só por está

na Amazônia, mas sobremaneira, por ter sido um dos poucos Estados na região, que mais sofreu

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com as receitas de desenvolvimento implantada pelos Governos Federal e Estadual nas últimas

décadas.

Rondônia, me parece ser então, um caso típico, que permite qualquer um realizar estudos

sobre conceitos de desenvolvimento. Pois, nele a meu ver, está estruturado os princípios básicos

de desenvolvimento sob a ótica relacional do progresso e do crescimento econômico.

Passaram-se os anos, mas precisamente na década de 80/90 e voltamos a falar novamente

de desenvolvimento, agora, agregando ao termo não só uma nova terminologia, mas

principalmente a introdução de novos conceitos que pudessem atender ou conformar uma nova

realidade que se colocava diante das dimensões e da lógica de mercado e das demandas sociais e

ambientais expressivas e fecundas no chamado processo de “Desenvolvimento Sustentável”.

Assim, nos últimos anos, os debates sobre as relações entre meio ambiente, qualidade de

vida e desenvolvimento resultaram no surgimento do conceito de Desenvolvimento Sustentável. De

acordo com o Relatório Brundtland, “em seu sentido mais amplo, a estratégia de Desenvolvimento

Sustentável visa promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza”

(Brundtland 1998).

Em termos gerais, o conceito de Desenvolvimento Sustentável “exige que o crescimento

econômico seja orientado pelas necessidades das populações humanas, especialmente as mais

pobres, sem prejudicar a capacidade de auto renovação da natureza.” (MILLIKAN, 1997.)

Na busca pela aproximação dos conceitos e das realidades, “Desenvolvimento Sustentável

tem como objetivo básico assegurar condições dignas de vida para as gerações atuais,

combatendo desigualdades sócio - econômicas existentes e respeitando a diversidade cultural,

baseado em padrões de produção e consumo que mantêm os estoques de recursos naturais e a

qualidade ambiental, de forma a permitir que gerações futuras possam ter um padrão de qualidade

de vida igual ou superior à nossa.” (BRUNDTLAND,1998)

Numa rápida composição de conceitos sobre Desenvolvimento Sustentável, vale ressaltar,

algumas características inovadoras, uma delas é a visão “holística” que o conceito trás na medida

que integra simultaneamente preocupações sociais, econômicas, ambientais e culturais, além do

combate à pobreza, como meta estabelecida para o enfrentamento das desigualdades sociais.

Uma outra teoria que desponta no universo acadêmico sobre Desenvolvimento e

Sustentabilidade é a teoria do eco- desenvolvimento que vem sendo trabalhada por Ignacy Sachs.

De acordo com Sachs18, “a conservação da biodivecidade é condição necessária do

desenvolvimento sustentável... e, reciprocamente, o eco desenvolvimento professa um caminho

apropriado de conservação da biodivecidade, provavelmente o mais apropriado, ao assumir a

harmonização dos objetivos sociais e ecológicos”.

18

Sachs. Ignacy, Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável, Garamund, 2000.

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Ainda, segundo Sachs o termo sustentabilidade muitas das vezes é utilizado para expressar

somente a sustentabilidade ambiental, no entanto, este conceito tem diversas dimensões, no

sentido amplo da questão, quando afirma que “a sustentabilidade social vem na frente, por se

destacar como a própria finalidade do desenvolvimento, sem contar com a probabilidade de que

um colapso social ocorra antes da catástrofe ambiental.”

Como nossa intenção é de estabelecer apenas os conceitos básicos de Desenvolvimento

Sustentável que vem orientando as políticas de desenvolvimento para a Amazônia e para o mundo,

cabe por fim, afirmar que o debate a cerca desse conceito, a nosso ver, está em processo de

construção, e que portanto ainda será alvo de muitos conflitos teóricos.

Outros dois temas que exigem uma absorção teórica na dimensão que trata as questões

inerentes ao desenvolvimento e seus impactos na sociedade contemporânea é a abordagem dos

conceitos de “Modernidade e Populações Tradicionais”. Esse último, inclusive acolhe muitas

preocupações ou indagações que se mantêm numa linha tênue, quando a discussão revolve a

fronteira das inovações tecnológicas em relação ao homem e a mulher da floresta.

O que podemos construir ou desconstruir dessa relação complexa e intensa entre as culturas

tradicionais e a modernidade? Primeiramente, ao se tratar de Populações Tradicionais pelo menos

na Amazônia, é importante perceber que estamos tratando de um vasto universo constituído por

uma diversidade cultural e ambiental, de vários povos, de costumes variados e com várias formas

de viver na Amazônia.

Mas o debate sobre essas populações, é marcado principalmente pelo seu modo de vida,

nesse sentido procuramos fazer um destaque sobre a cultura amazônica, trabalhado por Loureiro.

De acordo com Loureiro19 “a cultura amazônica” é analisada, sob a ótica da esteticidade

dominante, sendo entendida como “função essencial ao homem, vetor de identidade numa

sociedade dispersa”. Mais adiante Loureiro destaca que a “cultura amazônica tem sua origem e

está influenciada pela cultura do caboclo...” (1995:30 ).

Esse breve enfoque sobre Culturas Amazônicas, corresponde e pode ajudar na construção

do conceito sobre Populações Tradicionais, que segundo o Professor Dr. Josué da C. Silva e

Theófilo A. de S. Filho, no livro “Nos Banzeiros dos Rios”, a atribuição ao sentido do termo

populações tradicionais, se da:

“levando em consideração o modo de vida, as formas de produção, as técnicas artesanais

utilizadas em sua estratégia de sobrevivência. Assim, no conjunto de populações tradicionais,

temos o pequeno produtor agrícola que utiliza a mão-de-obra familiar, pescadores que utilizam

artefatos artesanais, coletores de produtos da mata como os seringueiros, os coletores de açaí,

abacaba, patoá, castanha-do-brasil, ervas medicinais, óleos; os mateiros, as populações indígenas,

19

Loureiro, João de Jesus Paes, Cultura Amazônica: uma poética do imaginário, Belém: Cejup, 1995.

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os que organizam seu modo de vida, segundo os movimentos das cheias e vazantes do rio como

os ribeirinhos que vivem às margens dos igarapés, paranas, rios. Cada uma dessas categorias

possui sua própria forma de se organizar e produzir o espaço”.

Assim, nesse universo complexo que introduz uma relação entre homem e natureza,

envolvendo mitos, valores, culturas e religiões, os apontamentos sobre as contradições e os

dilemas entre populações tradicionais, modernidade e desenvolvimento aparecem na própria

estruturação de cada conceito. Embora há quem diga que o conceito de modernidade está ainda

em construção , como veremos mais adiante.

Na verdade, o conceito de modernidade está em plena elaboração. Para Antony Giddens (As

conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991): Modernidade

refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”.

De acordo o Professor Cristovão Buarque20, ele diz que o termo moderno, antes de definir

características tecnológica, socioeconômica e cultural dos tempos atuais, tem um significado mais

antigo, como predicado de tempo. Origina-se etimologicamente do latim hodiernus, que significa

“recente, dos nossos dias, atual...” Nesse sentido, as sociedades estariam condenadas a caminhar,

cronologicamente, para a modernidade, tanto quanto para o futuro. Algumas podem fazer este

caminho cronológico sem grandes ou mesmo sem nenhuma transformação.

Outra abordagem sobre modernidade, segundo Spósito, que no livro (A vida nas Cidades.

São Paulo: Contexto, 1994,p.67), apresenta uma conceituação extraída da Obra de Marshall

Berman (Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.):

“ A modernidade é um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje (...). A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras, geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e de ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia.”.

Ainda nessa odisséia teórica sobre modernidade, Santos, apresenta a teoria crítica de

(HORKHEIMER, 1976; HABERMAS, 1987 E 1992; GEUSS, 1988; GIDDENS, 1991) sobre a

modernidade, onde aponta “para o fato de que a modernidade se pauta por uma lógica subjetivista,

que através do modo capitalista de produção implementa formas privativistas de acesso aos

recursos redundando em um processo de exclusão social.”

20 BUARQUE, C. O Colapso da Modernidade Brasileira e uma proposta alternativa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.

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Para Giddens, temos que dar conta do extremo dinamismo e do escopo globalizante das

instituições modernas e explicar a natureza de sua descontinuidade em relação às culturas

tradicionais..., e segue dizendo que:

“O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de sua

recombinação em formas que permitem o zoneamento tempo-espacial preciso da vida social; do

desencaixe dos sistemas sociais(um fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na

separação tempo-espaço); e da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das

contínuas entradas de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos” (Giddens, ibid.)

A complexidade do que se constata sobre a modernidade, são principalmente os impasses

que ela nos colocou por conta da lógica instrumental que é imperativa dentro do projeto de

modernidade estabelecido para as sociedades, como um modelo único de desenvolvimento,

desconsiderando outras realidades e a diversidade cultural.

Nessa composição teórica, talvez se consiga diminuir o campo das inquietações, entretanto,

tem sido essa lógica instrumental que despreza as relações socais na sua forma mais intensa de

ser e descaracteriza todo e qualquer tipo ou modo de vida diferente, que não esteja “enquadrado”

dentro do projeto de modernidade estabelecido na sociedade.

Dessa forma, em que pese a inclusão de novos paradigmas no campo das ciências para

análises e estudos sobre “sustentabilidade e desenvolvimento”, os rumos da Amazônia e de suas

comunidades: povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, pescadores, populações negras,

agricultores, homens, mulheres, crianças, jovens e adolescentes continuam sendo compartilhados

por um futuro incerto, ou melhor, pelas incertezas de um “progresso” que assume imagens de

exclusão e expropriação da diversidade da vida na floresta, nos campos e nas cidades.Pois na

vitrine da modernidade as manchas das contradições entre desenvolvimento, meio ambiente e

população se chocam perante a natureza e a cultura de um povo, quando a realidade de vida é

marcada e refletida pela sombra da arquitetura do “progresso” que desmonta os modos, os hábitos,

a vida , a história e os sonhos daqueles que ainda sobrevivem das raízes e dos maneirismo

amazônicos.

Bibliografia

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BRUNDTLAND. Nosso Futuro Comum, Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1998.

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CARDOSO, Fernando Henrique, MÜLLER, Geraldo. AMAZÔNIA: Expansão do Capitalismo. 1ª ed: 1977: Editora Brasiliense, São Paulo, 1978.

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GIDDENS, Antony. As Conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário. Belém: CEJUP. 1995,São Paulo: Ed. Escrituras Editora, 2001.

MILLIKAN, B. Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável em Rondônia: Situação atual e Abordagem para um Planejamento Participativo de Estratégias para o Estado. SEPLAN, PNUD/PLANAFLORO, Porto Velho:1997.

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PORTELLA, Eduardo. Dilemas e desafios da modernidade. Estudos Avançados 14 (40).2000.

KURZ, Robert. O Colapso da modernização: Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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WAGLEY, Charles. Uma comunidade Amazônica: Estudo do homem nos trópicos: Tradução de Clotilde da Silva Costa. 3ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.1998. 448p.

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AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO CAPITALISMOCAPITALISMOCAPITALISMOCAPITALISMO OOOOS ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS S ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS S ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS S ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS

POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIAVALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIAVALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIAVALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIA

Maurílio Galvão da SilvaMaurílio Galvão da SilvaMaurílio Galvão da SilvaMaurílio Galvão da Silva

RESUMO: O presente trabalho é baseado na obra Amazônia: Expansão do Capitalismo, de Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Müller, editado em 1977 pela Editora Brasiliense, na qual os autores enfocam o devassamento do mundo amazônico, a partir da década de 70 do século passado, impulsionado pela expansão capitalista, no tocante à penetração territorial, propriedade de terras, minas e florestas, organização econômica e política da área. ABSTRACT: The present work is based on the Amazonian work: Expansion of the Capitalism, of Fernando Henrique Cardoso and Geraldo Müller, edited in 1977 by Publisher Brasiliense, in the which the authors focus the devassamento of the amazon world, starting from the decade of 70 of last century, impelled by the capitalist expansion, concerning the territorial penetration, property of lands, mines and forests, economical and political organization of the area.

Introdução

O espaço amazônico foi atingido pelo afã do progresso, a busca de integração nacional e o

crescimento econômico. È o começo de sua incorporação ao processo geral da expansão

capitalista no Brasil.

A região guarda as características de frente pioneira e incorpora, em sua expansão, as mais

variadas formas sociais de produção que abarcam, num leque, desde formas compulsórias de

trabalho até relações puramente assalariadas, uma vez que a expansão capitalista não se efetiva

de modo homogêneo e retilíneo.

A penetração geográfica na Amazônia e a história da região devem ser vistas portanto em

relação com o processo, em função da forma, ritmo e volume da acumulação ocorrida nas demais

regiões brasileiras. O capital nada mais é do que uma relação social, a expansão do capitalismo na

Amazônia depende da forma concreta que aquela relação social assume. Para sua análise são

relevantes tanto o pioneirismo típico da Amazônia, como o contexto político em que ocorre a

ocupação da área.

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A visão clássica das funções do Estado

Segundo Filellini (1990), a visão clássica sobre as funções do Estado foi formada a partir das

experiências vividas na transição da sociedade feudal para a sociedade comercial-industrial. Na

era medieval, a organização social era essencialmente estática. As mudanças institucionais

ocorriam de forma imperceptivelmente lentas e os comportamentos pessoais ajustavam-se

adequadamente entre si. Cada indivíduo dispunha de um espaço demarcado pelos costumes e

códigos não escritos. As decisões individuais eram determinadas por um conjunto de obrigações

indeclináveis da família servil para com as classes nobre e eclesiástica e, até certo ponto destas

para com aquela. A sociedade era vista como uma grande família, organizada em bases

hierárquicas e paternalistas.

No âmbito de tais condições estáticas, esse modo de organização social parecia natural, mas

o crescimento do comércio e o surgimento das cidades, entre outros fatores, criaram as pressões

que terminaram por dissolver a sociedade medieval. O camponês que migrava para a cidade

deixava para trás não somente a proteção do proprietário da terra, mas também suas obrigações

para com ele. Relações contratuais passaram a substituir os compromissos vinculados a castas e

direitos hereditários. As escolhas individuais ampliaram-se, dando origem ao conflito de classes.

Como resultado, o conceito político de poder mudou. Os homens não eram mais governados pelos

costumes e uma ordem social estabelecida. O poder do Estado poderia agora ser utilizado para

servir aos interesses daqueles que pudessem submetê-lo. A abertura da sociedade para as forças

dinâmicas do individualismo pavimentou o caminho para a mobilidade social. Isto transmitiu

àqueles que experimentavam a mudanças o profundo receio de que o Governo, que passou a ser

o instrumento do interesse geral, pudesse ser controlado por poucos, em prejuízo da maioria.

Se a disputa da ordem feudal trouxe o risco da convivência com governos efêmeros, contribui

para a formação da consciência de que o rumo da sociedade não era predeterminado. Em um

mundo dinâmico, o Estado iria inevitavelmente desempenhar um papel imposto pelo desejo dos

indivíduos. O problema político decorrente passou a ser o de estruturar os processos de decisão de

forma que pudessem refletir os interesses gerais.

A partir dessa perspectiva, o sistema de mercados, no qual a competição limita o poder

individual de extrair vantagem dos demais, pareceu a forma ideal e oportuna e social. Cada

indivíduo tornava-se livre para perseguir seus próprios objetivos, mas a concretização deles exigia

que suas ações beneficiassem a outros, além de a si mesmo. Gradualmente desenvolveu-se a

ideologia de que a competição estabelecia a soberania do consumidor, constituindo condição

necessária e suficiente para a orientação do uso dos recursos sociais e definição de um padrão

superior de bem-estar social.

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Se o consumidor é soberano, então o bem estar geral exige que os recursos devam ser

aplicados de acordo com suas preferências. Dentro dessa visão, que influência deveria ser

exercida pelo poder público no processo de alocação de recursos?

Para os economistas clássicos, a resposta era óbvia: nenhuma! Suas funções deveriam

limitar-se às de natureza administrativa.

Esta é a questão que passa a ser analisada, neste capítulo e subseqüentes, nos seguintes

níveis de averiguação:

a) quais os critérios e métodos utilizáveis nas comparações entre diferentes perfis

de alocação de recursos?

b) de que forma as economias de mercado operam nessa alocação e em que

condições o resultado final pode ser considerado superior?

Pretende-se demonstrar que as condições requeridas para o desempenho “clássico” são

excessivamente idealizadas e improváveis de serem conseguidas nas sociedades modernas. O

papel do Governo na economia pode, então, ser avaliado em função daquilo que é exigido, em

termos de, políticas, para compensar as falhas dos mecanismos de mercado.

Os órgãos públicos e as políticas de ocupação e valorização da Amazônia.

Retrata o presente tópico a evolução da política governamental em relação à Amazônia no

que diz respeito a sua ocupação e valorização, que criou condições para o capital privado atuar

naquele espaço brasileiro. Enfatizam-se as estruturas jurídico-administrativas dos principais órgãos

e mecanismos estatais; a metodologia que a Superintendência de desenvolvimento da Amazônia –

SUDAM e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, utiliza para disciplinar a

ocupação do solo é analisada resumidamente.

O governo federal apoiado na Constituição da República de 18 de setembro de 1946, artigos

199, cria a política de desenvolvimento e integração da Amazônia, criando o Plano de Valorização

Econômica da Amazônia, onde prevê a aplicação durante 20 anos consecutivos pelo menos 3% da

receita tributária da União, enquanto que os estados e territórios da região e respectivos municípios

3% da receita tributária anualmente, cujos recursos serão aplicados por intermédio do governo

federal.

Por meio da Lei n.º 1.806/53, define-se 12 principais objetivos do referido Plano como segue

resumidamente:

1 – promover o desenvolvimento da produção agrícola, extrativa e mineral;

2 – recuperar e tornar aproveitáveis as áreas inundáveis;

3 – explorar os recursos minerais da região;

4 – favorecer a industrialização de matérias–primas nativas;

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5 – elaborar e executar um plano de transporte e comunicação;

6 – promover o estabelecimento de uma política de energia;

7 - interessar o capital privado na exploração das riquezas regionais.

8 – estabelecer uma política demográfica que compreenda a regeneração física e

social das populações da região;

9 – criar um sistema de crédito bancário regional;

10 – promover pesquisas necessárias à elaboração do plano;

11 – manter um serviço de divulgação econômica e comercial;

12 – orientar a organização administrativa necessária ao controle e execução do

plano.

Para a execução do Plano foi criada Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia

– SPVEA, cujas funções básicas era a elaboração qüinqüenal do Plano e o controle de sua

execução com poderes de coordenação a nível nacional as atividades de todos os órgãos que

atuassem na região amazônica.

Existe uma comissão de Planejamento da Valorização Econômica da Amazônia, presidida

também pelo superintendente da SPVEA, cujas atribuições principais eram:

1 -elaborar os planejamento qüinqüenais que compunham o Plano e

enviá-lo ao presidente da república;

2 – alterar e rever o Plano;

3 – fazer a proposta anual do orçamento geral;

Foi criando também um Fundo de Valorização Econômica da Amazônia, com 5 fontes de

receitas, sendo 3% da renda tributária da União, dos estados, territórios e municípios localizados

na região amazônica; o produto das operações de crédito e de dotação extraordinárias da União,

dos estados, territórios e municípios, assim como das rendas provenientes dos serviços prestados

pelo Plano, os juros dos depósitos bancários e efetuados, com os recursos do Fundo; os saldos

dos balanços anuais do Plano.

Com o advento da Lei n.º 5173/66 houve nova redefinição dos objetivos principais do Plano e

outros fundamentais modificações, sendo menos paternalista, se referindo explicitamente à fixação

de população nas zonas fronteiriças.

A Lei n.º 5173/66 extingue a SPVEA e cria a Superintendência do Desenvolvimento da

Amazônia – SUDAM, com a finalidade de coordenar a ação federal na Amazônia, sendo, dessa

forma, a principal encarregada da elaboração e execução do Plano de valorização.

Estabelecia ainda duas fontes de recursos para financiar seu orçamento: 2% da renda

Tributária da União e 3% da renda tributária dos estados territórios e municípios da Amazônia,

podendo ainda dispor dos recursos do Fundo para Investimentos Privados no desenvolvimento da

Amazônia.

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A Lei n.º 5174/66, cria incentivos fiscais, estabelece que todas as pessoas jurídicas poderiam

descontar do imposto de renda até 75% do valor das obrigações do Banco da Amazônia S.A –

BASA que adquirissem e até 50% do valor do imposto devido para investimento em projetos

agrícolas, pecuários, industriais e de serviços básicos, segundo critérios de prioridades

determinados pela SUDAM.

Em julho de 1970, por meio do Decreto Lei n.º 1110 é criado o Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária – INCRA, cujas origens remonta a 1934, quando foi criado o

Serviço de Irrigação, Reflorestamento e Colonização (Decreto n.º 24.467, de 26.6.1934), sendo

que em 1938 pelo Decreto-Lei n.º 3059, de 14.2.1941, surge a Divisão de Terras e Colonização, já

em 1954, pela Lei n.º 2163, de 5 de janeiro e criado o Instituo Nacional de Imigração e

Colonização, a 11 de outubro de 1962, pela Lei delegada n.º 11, em 30.11.1964, pela Lei n.º 4504,

foram criados os Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o Instituto Brasileiro de reforma

Agrária.

O INCRA tem como objetivos principais a realização da reforma agrária no Brasil, a promoção

da colonização particular e a execução da colonização oficial e o desenvolvimento no campo.

Várias foram as políticas do governo em prol da colonização, senão vejamos: em 1971,

mediante a aprovação pelo INCRA era aberta à iniciativa privada a implantação de projetos de

colonização; em, 1972 o governo decide abrir ao capital privado o desenvolvimento de projetos

agropecuários de pequeno porte na Amazônia. Inicialmente em Rondônia e Pará, por meio de

concorrência pública. O INCRA estabelece tratamento especial às pessoas já fixadas nas áreas em

questão. É obrigatório a apresentação de ante projeto de viabilidade econômica para um prazo

máximo de cinco anos para implantação, sob pena de perda da propriedade.

O INCRA, a SUDAM, vários outros órgãos públicos e programas especiais atuavam na

Amazônia, dos quais destacamos o Plano de Integração Nacional – PIN (Decreto-Lei n.º 1106/70,

superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA (Decreto-Lei n.º 288/67), companhia de

Pesquisa de Recursos Minerais _CPRM (Decreto- Lei n.º 764/69), Comitê Coordenador de Estudos

Energéticos da Amazônia (Decreto n.º 63.952/68), Projeto Radar da Amazônia – RADAM, criado

em 1970.

Destacam-se algumas das principais políticas de ocupação do solo e da colonização,

adotadas pelo INCRA e pela SUDAM, tais como: Todos os órgãos de planejamento regional no

Brasil, encontravam-se subordinados ao então Ministério do Interior, que estabelecia referências

básicas de indicadores nacionais de desvios a serem calculados por cada Estado. A SUDAM se

propõe a atuar em praticamente todos os setores necessários ao desenvolvimento equilibrado da

região. Já o INCRA criou um método de trabalho a ser empregado em todos os projetos de

colonização no Brasil, no qual são definidos os setores em que o órgão deve atuar, o que deve ser

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realizado em cada um deles e quais os limites de sua responsabilidade. Essa é a diretriz básica no

que se diz respeito à colonização oficial para propriedades familiares.

Três foram as unidades básicas de trabalho: organização Fundiária, Organização Agrária e

Promoção Agrária, divididas em duas sub-unidades cada uma, que correspondem a doze

programas abrangendo os setores considerados fundamentais à instalação e funcionamento de um

núcleo colonial.

A ação governamental: a colonização

A experiência de colonização dirigida no Brasil remonta há várias décadas. Por outro lado a

colonização privada, de forma esparsa, foi ativa na região. A colonização dirigida aparece, como

um esforço consciente, para ocupar os vazios amazônicos, valorizando as terras, atuando como

alternativas para a “pressão” demográfica.

De 1970 a 1973, foram implantados oito projetos de Colonização Oficial, totalizando 1.028.037

há, e 6596 lotes, em Rondônia, Pará e Amazonas. Já a Colonização particular implantou 9

projetos, totalizando 162.219 há e 2111 lotes rurais e 4.600 lotes urbanos, nos Estados do Pará, e

Mato Grosso.

Os candidatos aos lotes rurais passam por um processo de seleção, preenchendo um

formulário fornecido pelo INCRA, onde consta idade, sexo, idade dos dependentes, força de

trabalho, anos de trabalho e outros itens. Dentre outras exigências (Lei n.º 4504/64), não ser

funcionário público e não possuir imóvel rural.

Ação do governo: incentivos fiscais, emprego e empresa privada

Tomando como modelo a Superintendência de Desenvolvimento do Noroeste – SUDENE, foi

delineado o mecanismo de incentivos fiscais por meio de descontos no impostos de renda.

A idéia de que a iniciativa privada era essencial para a ocupação da Amazônia decorria não

apenas de sua capacidade de reagir a “incentivos pragmáticos” mas também do “espírito

empresarial”.

A privatização parece ter caminhado do bem. O INCRA em 1972 inicia a venda de terras

públicas da Amazônia a capitais privados, sendo postos à venda em Rondônia 500 mil hectares e

250 mil hectares no Pará.

O Programa de aplicação do BASA para o período 1975 – 1979 destinava Cr$ 7.100.000,00

de crédito a programas de complementação a outros pré-investimentos, feitos pela SUDAM e pela

Superintendência da Zona Franca de Manaus, SUFRAMA que previa para o próximo quinquênio

211,2 bilhões de cruzeiros.

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No período de 1965 a 1973 a SUDAM liberou Cr$ 1.601.590.827,00 de incentivos fiscais dos

quais 50,6% para o setor Agropecuários 41,5% para o Setor Industrial e 7,9% para o Setor de

serviços Básicos.

É discutível o impacto social dos programas. O impacto das fazendas de criação sobre o

número de empregos é sabiamente limitado. Na Amazônia calcula-se que um empregado se ocupe

de 275 cabeças de gado, e o custo de cada novo empregado, é de Cr$ 318.000,00, contra os dos

projetos industriais aprovados pela SUDAM, com custos de investimentos de Cr$ 180.000,00.

Na época da derrubada, para abrir fazendas, ou construir estradas, o emprego é abundante,

após essa fase escasseia-se. Com a implantação de todos os projetos já aprovados criaria 15.000

novos empregos nos anos seguintes, contra 12.450 dos já implantados. Nessa época cerca de

80.000 trabalhadores preparam a terra.

Em 1974, já tinha 498 projetos de colaboração financeira da SUDAM, com financiamento de

Cr$ 7.550.080.180,00, proporcionando 57.967 empregos, numa área de 7.053.648,46 há,

abrigando 5.033.639 cabeças de gado. Os mecanismos de fiscalização da SUDAM e do BASA se

revelaram falhos, devidos a extensão da área dos projetos e a dificuldade nas comunicações.

Ressalta-se que a política de incentivos fiscais significou não apenas o robustecimento da

iniciativa privada na Amazônia, mas também atuou como uma medida ativadora da acumulação

financeira no sul do país.

A ação do governo: a transamazônica e a política rodoviária

A política rodoviária aliada à política de colonização dos incentivos fiscais e dos projetos

industriais, foram os instrumentos que o governo federal dispôs na Amazônia para ocupa-la de

maneira racional e efetiva, caracterizando numa política audaciosa de ocupação da área.

A Transamazônica e a Cuiabá-Santarém representam o que há de mais significativo na

operacionalização do pretendido.

A Belém-Brasília foi o projeto pioneiro de maior impacto na selva amazônica. A decisão de

construir a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém foi motivada por duas razões distintas e

complementares, que são razões estratégicas geopolíticas e o excesso de população pobre no

nordeste.

A Transamazônica não estava contemplada no Plano Nacional de Viação. A idéia original

para a construção dessa obra fundamentou-se no conceito de integração nacional, ligando o

nordeste à Amazônia.

Dessa forma os recursos minerais e naturais da Amazônia teriam uma saída natural pelo

sistema hidroviário em conexão com as vias navegáveis da região. A Transamazônica na visão dos

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homens encarregados da segurança territorial, era parte do conjunto de medidas necessárias para

povoar a região com segurança e sem prejuízo do povo.

O então senador José Ermínio de Morais se opôs abertamente contra a construção das

rodovias juntamente com Juarez Távora, que fez declarações francas, que apoiava a idéia da

Transamazônica para ocupar espaços vazios, por meio de colonização, absorver os excelentes do

nordeste e favorecer a exploração de minérios. Mas, ponderava, a urgência da obra é discutível,

ela não deve ser feita em desmedro de outras estradas mais vitais; as colônias corriam o risco de

não encontrar escoamento para suas produções dadas as distâncias; dever-se-ia começar a

ocupação “a partir da fronteira econômica a leste, mais precisamente entre Araguaia e o

Tocantins”.

Por outro lado o então Ministro do Interior Mário Andreazza, dizia que a obra é irreversível,

assim, a Transamazônica é considerada vital para o desenvolvimento e a segurança nacional. É

uma decisão política , não podendo ficar presa às regras clássicas da análise econômica, segundo

o Ministro dos Transportes da época, Eliseu Rezende

Os batalhões de engenharia de construção e a engenharia civil se uniram na tarefa de

construir a Perimentral Norte, no Cuiabá-Santarém e nos trechos ocidentais da Transamazônicas,

junto à fronteira.

A Transamazônica propriamente dita, ficou como área reservada para o ministério dos

Transportes e para as empreiteiras, dando-se ao INCRA o osso difícil de roer que consistiu em

improvisar uma política de colonização oficial dirigida.

Segundo o filósofo inglês Francis Bacon, que viveu no século XVI, “em matéria de governo,

todo plano é suspeito, ainda que seja para melhor”.

Bibliografia

CARDOSO, Fernando Henrique; Müller, Geraldo. Amazônia: Expansão do capitalismo. – São Paulo: Brasiliense, 1977. (6,7,8 e 9 cap.)

FILELINE, Alfredo. Economia do setor público. – São Paulo: Atlas, 1990 (1. Cap.)

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AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE DESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTO

Luiz AntoniLuiz AntoniLuiz AntoniLuiz Antonio da Costa Pereirao da Costa Pereirao da Costa Pereirao da Costa Pereira

RESUMO: Este trabalho procurou sintetizar reunindo de alguma forma alguns fragmentos de compreensão acerca da temática do meio ambiente. O homem parte integrante do sistema ambiental, particularmente aquele homem que está colocado mais próximo e por isso mais atento aos ecossistemas, tem importante contribuição a trazer para o debate de planejamento e meio ambiente. De outra forma seu “habitat”, cultura, organização social e modos de produção, serão afetados por planos e mais planos de desenvolvimento, que podem resultar em benefícios sim, mas de um fracionamento desigual, principalmente aos menos esclarecidos e menos representados nos fóruns decisórios do país. Procuramos coletar da bibliografia, e mais a experiência pessoal, o que de mais representativo no campo das idéias tem sido publicado regularmente, com o intuito de contribuir para discussão do tema que de uma maneira ou de outra nos afeta a todos. Falamos sobre as gentes e sua caminhada no planeta Terra, como é tecida a malha do desenvolvimento a quem atinge e para quem pode servir; a importância do uso racional dos recursos naturais, os resultados do desenvolvimento desigual promovido pelo sistema sócio econômico predominante, e as possibilidades de vir a ocorrer transformações nas sociedades para se atingir níveis aceitáveis de justiça social, representados pelos resultados de melhor distribuição dos recursos econômicos gerados pela humanidade. Acima de tudo procuramos aspirar e desejar como podem melhorar as gentes, os espaços e as visões de desenvolvimento para todos.

PALAVRAS-CHAVES: meio ambiente, homem, planejamento, cultura, desenvolvimento, sócio- econômico.

ABSTRACT: This essay is reuniting comprehension fragments about the environment theme. The man, part of the environment system, particularly the man who is closer and aware to the environment debate. In other words, his habitat, culture, social organization and means of production, are going to be affected for many development plans, which can result in benefits, but just for the well-represented in this country’s forums. We have tried to collect from bibliography, and from personal experience, the more important things on the field of ideas, with the purpose to contribute for this essay discussion, wich no matter what affects us. We have been talking about people and their life in Earth, how the development contributes and who it can contribute, the importance of the rational use of natural resources, the results of the unequal development promoted by the social-economical system, and the possibilities of transformations in society resulting in acceptable levels of social justice represented by the results of better distribution of economical resources made by humanity. On top of that we are looking for the enhacement of people, the spaces and visions of development for all.

KEY WORDS: Environment, Man, Planning, Culture, Development, Social-Economical

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‘Na visão primitiva, a terra não é algo que pode ser dividido em partes e vendida como lotes. A terra não é uma parte do espaço existindo dentro de um sistema maior. Pelo contrário, ela é vista em termos de relações sociais. As pessoas, como uma parte da natureza, estão intimamente ligadas à terra. (...) Não é privativamente dividida nem possuída. Além disto, ela é viva como os espíritos e a história das pessoas, e os lugares sobre ela

são sagrados.’ (Robert Sack)

Introdução

Geralmente com importância secundária nas planilhas estatísticas oficiais e sem muita

significância para os investidores empresariais, grupamentos humanos formando comunidades

tradicionais, sofrem certo isolamento e preconceito por parte daqueles idealizadores do

planejamento racionalizado. Sem compreender as formas culturais de expressão desses povos,

sua organização social e modos de produção, os ditos planejadores modelam intervenções a título

de desenvolvimento regional que na maioria das vezes tem agravado sua situação social.

Em nome do regime sócio-econômico vigente, terras antes primitivas são apropriadas,

loteadas, degradadas e postas a serviço de processos produtivos que em instância final buscam a

acumulação de riqueza monetária. Essa busca e pressão sobre os recursos naturais, ao contrário

de ser conduzida com a racionalização necessária, é praticada veloz e intensamente, vindo a

causar a extinção daqueles recursos em algumas regiões e em outras o seu comprometimento

qualitativo e quantitativo.

Ao mesmo tempo em que são afetados os meios físico e biótico do meio ambiente, as

pessoas também o são, quando não diretamente por prejuízo à sua saúde, indiretamente através

dos prejuízos impostos ao meio sócio-econômico - ou as formas de uso e ocupação do solo

ocorrentes em sua região. Em se tratando de uma região de ecossistemas frágeis, incluindo aqui

seus habitantes, isto pode se tornar muito mais problemático, caso não tenham suficiente

discernimento e esclarecimentos para perceber que estão recebendo pressões indevidas, em

nome do progresso e do desenvolvimento econômico.

Há desenvolvimentos e desenvolvimentos, aquele que busca perpetuar a intermediação dos

meios de produção, se apropriando das terras e dos recursos naturais, apoiados por leis e poderes

por eles mesmos criados, não parece ser o mais adequado para a harmonização de todos os seres

e componentes do meio ambiente.

Simultâneo à compreensão e busca pelo homem da sua integração ao meio ambiente, deve

se colocar em discussão a compreensão entre os próprios homens, fazendo as indagações

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corretas acerca das melhores formas de desenvolvimento social e econômico a serem aplicadas e

que venham a beneficiar a todos os habitantes do planeta Terra, e não apenas aos detentores do

capital.

Se conforme o Princípio Antrópico aplicado ao Universo “aquilo que vemos é da forma que é,

pois se assim não o fosse, não estaríamos aqui para vê-lo” (Hawking, 1989), o homem é sim

também meio ambiente, matéria na pior das hipóteses que tem papel fundamental na construção

de seu próprio caminho e “universo”, e um fatal receptor dos resultados maléficos ou benéficos de

todas suas práticas. Esperemos que as gentes, os espaços e as visões possam ser harmonizadas

para a continuidade da construção da humanidade e de todo o meio ambiente.

Gentes e Espaços (Homem e Meio Ambiente)

Partindo inicialmente da situação do Homo Sapiens no espaço terrestre, após um longo

período de evolução biológica e cultural, este foi capaz de construir sua história e ultrapassar as

provas à sua sobrevivência. Naqueles primórdios, naturalmente posicionado com os espaços e a

vida circundante, obtinha sua visão particular desse ambiente na medida em que experimentava a

sua interação com ele. Longe ainda de questionamentos acerca de sua participação ou integração

no meio ambiente, vivia e se transformava com ele.

Com o acentuamento dessas transformações originadas daquela interação, do homem e do

meio ambiente (não levando em conta aqui outros processos naturais de grande magnitude de

transformação do meio ambiente), os espaços foram sendo afetados em sua aparência e essência,

resultando então como os espaços das gentes. Ou melhor como os lugares, já que é o lugar e não

o espaço, que as pessoas vivenciam; primitivamente a terra não era dividida existindo através das

relações sociais; pertencer a uma terra ou a um lugar é pertencer a um conjunto social. Junto com

a terra está a história e a cultura das pessoas (Sack, Apud Smith, 1988). O espaço e seu uso

(mítico e material) não são diferenciáveis enquanto espaço social e físico (Smith, op.cit.).

Mesmo que o homem da história não pensasse (ou não estivesse interessado em indagar)

sobre sua harmonia com a natureza, se estava ou não integrado a ela, se era parte integrante dela,

ele permanecia no meio ambiente, estreitado com ele dependia dele para sua sobrevivência.

Modernamente o conceito universal de natureza, integra a dualidade natureza exterior e natureza

humana na totalidade da natureza, tudo se resumindo à matéria; em sua essência a natureza é

material. Quando se fala em inserção genética do homem na natureza se está novamente

contrastando o homem com a natureza, continua-se com o mesmo problema da dualidade da

natureza, a que está fora dos seres humanos e a que os inclui (Smith, op. cit.)

Com a evolução das necessidades humanas, conforme a cultura se transformava com a

introdução de outras variáveis não tanto primitivas, essas as variáveis políticas e econômicas,

novas transformações advinham para os lugares; resultando em outras configurações com a

produção de novos ambientes. O homem realizava essa produção, colocando-se agora numa

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posição central à natureza, já num quadro de acumulação de riqueza material, denominada

desenvolvimento econômico, evidenciando a produção da natureza; a contradição entre espaço

físico e espaço social é uma determinante criada pelo homem moderno (Smith, 1988

Essa visão utilitarista do meio ambiente, dos seus recursos naturais, pelo homem acentuar-

se-ia ao longo da história da modernidade, com o advento da hegemonia de sistemas político-

econômicos mais complexos, baseados em controles sociais e inovação tecnológica, visando o

acúmulo de excedentes produtivos; a partir daí estaria em permanente questionamento que tipo de

relacionamento haveria de evoluir entre o homem e o meio ambiente.

Espaços e Visões (Meio Ambiente e Desenvolvimento)

A variada composição ecossistêmica dos espaços possibilitou ao homem a utilização de seus

recursos naturais, bióticos e abióticos, nem sempre sabiamente, para a satisfação de suas

necessidades materiais. as suas incipientes necessidades de alimentação e abrigo, inicialmente,

dos primeiros tempos exerciam uma pressão relativa pequena. quando dos acréscimos

populacionais significativos em algumas regiões do planeta terra, tornou-se necessária a

implantação de assentamentos urbanos, aumentando em muito a necessidade de alimentos, água

e material para construção de moradias, além da necessidade da disposição de dejetos e resíduos

em geral.

Estava iniciada então uma forte pressão antrópica sobre o meio ambiente. era então

necessária uma mínima ordenação acerca dos processos de produção e de consumo para a

sobrevivência das populações. ao longo desse período evolutivo tem-se aplicado variadas visões

de modelos de desenvolvimento, buscando a melhoria da condição humana, pelo menos no que se

refere ao aspecto material.

O modelo aplicado nas duas últimas décadas promoveu uma dramática reestruturação do

espaço, tendo como resultantes: desendustrialização e declínio regional, gentrificação e

crescimento extrametropolitano, industrialização do terceiro mundo, nova divisão internacional do

trabalho, intensificação do nacionalismo e nova geopolítica de guerra, como ações de

desenvolvimento integrado demonstrando profunda transformação espacial, como premissa do

capitalismo (Smith, 1988)

O resultado desse modelo foi o desenvolvimento desigual com padrões geográficos

determinados e peculiares; expressando a sistemática das contradições inerentes à própria

construção e estrutura do capital; por sua vez derivada da diferenciação e simultânea igualização

dos níveis e condições de produção do capitalismo (Smith op. cit.)

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A procura de expansão do capital provoca o seu deslocamento constante, resultando em

desenvolvimento desigual do capitalismo, expressando geograficamente a contradição entre valor

de uso e valor de troca (Smith op. cit.)

O capitalismo realiza a produção do espaço, integrando mais completamente sociedade e

espaço na teoria do desenvolvimento desigual, nas reais escalas espaciais, gerando a coerência

desse desenvolvimento; também realiza a produção da natureza como resultado da aplicação

desse modo de produção; em conseqüência disso os problemas da natureza, do espaço e do

desenvolvimento desigual são colocados juntos pelo próprio capital; o desenvolvimento desigual é

o processo e o padrão concreto da produção da natureza sob o capitalismo (Smith, op. cit.)

Essa análise dramática e realista nos leva a pensar que alternativas teríamos além do modelo

capitalista, para diminuir a pressão sobre a utilização dos recursos naturais e reduzir o sofrimento

das pessoas excluídas dessa geografia de desenvolvimento.

Visões, Espaços e Gentes (Desenvolvimento, Meio Ambiente e Homem)

Até agora vimos que a visão de modelo de desenvolvimento gerado para as gentes nos seus

espaços, ou mais apropriadamente lugares, trouxe aquele resultado desigual para as diferentes

regiões. Aquele modelo calcado apenas na forma acumulativa de renda, desconsidera outras

análises históricas que poderiam apontar alternativas mais pertinentes de desenvolvimento ou

visões de desenvolvimento, fundamentadas nas características mais evidentes de determinada

região; por exemplo sua complexa dinâmica social e seu relacionamento com outras visões (de

desenvolvimento) (Hémery et al., 1993).

Considerações das mais fundamentais em qualquer projeto de desenvolvimento se deve dar

às características culturais locais, utilizando a pesquisa etnográfica, para compreender o

funcionamento daquelas sociedades e seus valores intrínsecos; suas visões pessoais, seu estágio

de evolução, seus desejos de transformação, etc. No caso de pequenos grupos o método da

geografia permitirá o empreendimento de pesquisa que resulte na compreensão da formação do

espaço vivido, da organização primeira da comunidade, da busca da codificação do espaço,

visando compreender aquele grupo; análise de sua organização social e modos de produção.

Apenas com esse exemplo torna-se claro que não será com apenas aqueles modelos

originários do planejamento racional que chegaremos a visões (de desenvolvimento) que atendam

a tudo e a todos ao mesmo tempo e hora simultâneos; havendo que se analisar as características

locais e regionais para aplicação de modelos consistentes e de verdadeira profundidade acerca

das dimensões social e cultural.

O atual modelo concentrador de renda, o capitalismo, quando examinado e suportado por

toda a análise histórica efetuada acerca do desenvolvimento da utilização de energia, [por

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exemplo] a grosso modo como um modelo semelhante a outros mais antigos - forças de elite

suportadas por forças militares conduzindo a exploração do trabalho e da energia em diferentes

regiões do Planeta - apresenta características perversas que têm trazido o denominado

desenvolvimento desigual a variadas regiões, privilegiando umas e condenando outras às penúrias

alimentares e energéticas [por exemplo] (Hémery et al., op. cit.). Está bastante claro que o

capitalismo é dominador dos sistemas energéticos mundiais, [ou outros sistemas produtivos]

impondo sua lógica acumulativa conforme os interesses dos investimentos realizados em variadas

regiões globais, o que vem ocasionar a desigualdade de desenvolvimento regional. Este domínio

desenvolve-se através de um duplo mecanismo de exclusão, que atravessa todas as fronteiras

nacionais, geográficas ou étnicas do Terceiro Mundo; integração pela extensão de ramificações

radiais, do centro capitalista para a periferia; exclusão de vastas zonas condenadas à miséria e a

uma marginalização crescente (Hémery, et al,op.cit.).

Quadro triste e desalentador resultante do modelo de desenvolvimento vigente; no entanto a

busca por novas visões de desenvolvimento deve prosseguir, considerando a imensa massa

excluída e sequiosa de justiça social.

A Harmonização da Vida (Homem, Meio Ambiente e Desenvolvimento Harmonizados)

Então o que fazer para o atendimento às variadas necessidades de desenvolvimento para

variadas regiões com parcimoniosa pressão ao meio ambiente e ao homem?

Tem-se escrito bastante acerca do denominado desenvolvimento sustentável do qual o maior

problema é a correta análise e dimensionamento da variável intergeracional; outro aspecto

relevante por sinal descurado no desenvolvimento sustentável é a questão econômico-espacial. O

desenvolvimento sustentável singulariza-se por considerações temporais, dando ênfase às

relações “intergeracionais”. Privilegia, territorialmente o âmbito do global, desconsiderando a sua

variada abrangência, com imbricações que envolvem todas as escalas geográficas: desde a

mundial, passando pela nacional, até a regional e a urbana. Quando objetiva voltar-se para o

regional, procede apenas casuística e pontualmente. Seus pontos fortes servem para

complementar programas da valorização regional. Neste sentido, é possível identificar pelo menos

quatro importantes utilidades derivadas do desenvolvimento sustentável: servir de referência

circunscritiva à avaliação de impactos sócio-ambientais potencialmente deflagráveis por projetos de

atividades diretamente produtivas e de infra-estrutura econômica, detectando a necessidade de

medidas e investimentos adicionais compensatórios e de minimização dos efeitos negativos e

maximização das externalidades positivas; estabelecer diretrizes de orientação à elaboração de

projetos econômicos; particularizar áreas adequadas ou não à implantação de deteminadas

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atividades econômicas (zoneamento econômico-ecológico); criar incentivos para projetos

ambientalmente recomendáveis (Costa, 1997).

Outras alternativas são colocadas para novos modelos de desenvolvimento que venham a

harmonizar homem e meio ambiente, considerando a necessidade de ir além da história natural da

sociedade, produzindo uma autêntica história social, evitando assim a completa obliteração da

natureza e da sociedade, e da natureza com ela. Apesar da idéia de controle do capitalismo sobre

a natureza, isto é apenas um sonho (dele capitalismo). Focalizado no humano e no verdadeiro, o

controle social sobre a produção da natureza, seria a realização do socialismo (Smith, 1988).

Nessa mesma linha se alterna modelo semelhante, visando se libertar do poder e da

violência, do domínio das empresas multinacionais, da lógica fatal e guerreira, de vitória possível

sobre a natureza; e também uma reavaliação das posições relativas dos trabalhadores nos

processos de produção rural e urbano. Implícito a esse modelo estaria o respeito à diversidade dos

ecossistemas e à diversidade das capacidades e das necessidades humanas; e uma socialização

efetiva da energia [ou qualquer outro produto] e não a sua privatização (Hémery et al.,1993).

Proposta mais moderna, Pós-Queda-do-Muro, mas também considerando a valorização

humana como imprescindível para essa realização; se caracteriza pelo estabelecimento de nova

ordem, qual seja aquela que contemple as políticas de valorização da vida, as políticas

emancipatórias, a politização do local e a politização do global; a participação democrática, a

humanização da tecnologia, a desmilitarização e o sistema pós-escassez; o que conduziria

conforme o modelo, a uma ordem global coordenada, a um sistema de cuidado planetário, a uma

organização econômica socializada e à transcendência da guerra. Ou decidimos a trabalhar as

possíveis alternativas de desenvolvimento para todos ou optemos a enfrentar os riscos de alta-

conseqüência: o crescimento do poder totalitário, a deterioração ou desastre ecológico, o colapso

do crescimento econômico e o conflito nuclear ou guerra de grande escala. Esse alerta serve para

aquela diretriz de acumulação indefinida, e as “exterioridades” que os mercados ou não tocam ou

influenciam adversamente - tais como as aborrecidas desigualdades globais - que podem revelar

implicações socialmente explosivas (Giddens, 1991).

Conclusão

Esse trabalho não teve o intuito de ser conclusivo no sentido de trazer alternativas prontas e

adequadas acerca de tema tão complexo como é o desenvolvimento regional e o meio ambiente.

No entanto procurou colocar em cheque as alternativas atuais de desenvolvimento, principalmente

a do crescimento econômico através do capitalismo que não tem beneficiado a imensa maioria dos

povos da Terra.

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O objetivo de atingir uma melhor qualidade de vida para todos num ambiente de globalização

altamente competitivo onde milhares e milhares de postos de trabalho são encerrados todos os

dias, parece ser um tanto utópico por causa das premissas básicas do capitalismo: concentração;

igualização- diferenciação nos investimentos que redunda no desenvolvimento desigual.

No entanto há que se considerar alternativas outras que não apenas aquelas do planejamento

racionalizado que atende aos grupos mais esclarecidos e poderosos. Há que se considerar a

realidade das múltiplas populações tradicionais, discutindo o melhor a ser feito, agindo

corretamente com essas populações, analisando com profundidade e com olhar especial e ação

especial, respeitando a sua cultura, organização social e seus modos de produção. Procurando

contemplar essas comunidades tradicionais em segmentos do desenvolvimento regional,

concernentes ao seu modo de vida e como dignos guardiães de ecossistemas portentosos.

Com a base de recursos naturais fortemente pressionada será necessário a redução do

consumismo, e o desenvolvimento de novas tecnologias para melhor aproveitamento daqueles

recursos e reciclagem de materiais utilizados. Também uma redução do controle dos meios de

produção e do comércio mundial que é mantido, pelos países mais poderosos, com proteções

tarifárias e outras restrições, o que mantém a expansão de seus negócios, beneficiando-se ainda

das desigualdades de preços e salários regionais (globais).

Assim todas as gentes e todos os espaços poderão ser conduzidos na construção da

harmonização da vida e da natureza, sem a dominação, apropriação e preponderância de sistemas

sócio-econômicos sobre a natureza e sobre as pessoas.

Referências bibliográficas

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