precariedade do transporte alternativo e seus … · trata-se de um veículo (caminhão) adaptado...

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Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas ARRAIS, E.; TAVARES, I.; MOREIRA, R. 681 PRECARIEDADE DO TRANSPORTE ALTERNATIVO E SEUS REFLEXOS SOCIOECONÔMICOS NA MOBILIDADE CAMPO-CIDADE: um estudo de caso no município de Acopiara/CE Estêvão Arrais 1 Ives Tavares 1 Raniere Moreira 1 RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar os efeitos do uso de caminhões adaptados no transporte alternativo de passageiros no município de Acopiara, Ceará. Apesar do seu uso comum no Nordeste, este meio constitui uma forma precária e excepcional de transporte de passageiros, sendo preponderante na interligação entre as zonas rural e urbana no contexto considerado. Para tanto, realizou-se um estudo de caso, tendo a entrevista aberta e a observação indireta e não-participante como meios de coleta de dados, e a análise de conteúdo como instrumento de análise. Os resultados indicam que, a despeito da irregularidade e constante exposição ao risco, este transporte proporciona impactos na dinâmica socioeconômica entre as populações urbana e rural do município por serem o único meio de condução dos cidadãos, ao tempo em que evidenciam a omissão do poder público municipal na regulação e fiscalização deste serviço, bem como na melhoria da infraestrutura viária municipal. Palavras-chave: Mobilidade Campo-Cidade; Sistemas de Transporte Alternativo; Regulação Rodoviária; Poder Público Municipal. 1 Universidade Federal do Cariri (UFCA).

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Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas ARRAIS, E.; TAVARES, I.; MOREIRA, R.

681

PRECARIEDADE DO TRANSPORTE ALTERNATIVO

E SEUS REFLEXOS SOCIOECONÔMICOS

NA MOBILIDADE CAMPO-CIDADE:

um estudo de caso no município de Acopiara/CE

Estêvão Arrais1 Ives Tavares1

Raniere Moreira1

RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar os efeitos do uso de caminhões adaptados no transporte alternativo de passageiros no município de Acopiara, Ceará. Apesar do seu uso comum no Nordeste, este meio constitui uma forma precária e excepcional de transporte de passageiros, sendo preponderante na interligação entre as zonas rural e urbana no contexto considerado. Para tanto, realizou-se um estudo de caso, tendo a entrevista aberta e a observação indireta e não-participante como meios de coleta de dados, e a análise de conteúdo como instrumento de análise. Os resultados indicam que, a despeito da irregularidade e constante exposição ao risco, este transporte proporciona impactos na dinâmica socioeconômica entre as populações urbana e rural do município por serem o único meio de condução dos cidadãos, ao tempo em que evidenciam a omissão do poder público municipal na regulação e fiscalização deste serviço, bem como na melhoria da infraestrutura viária municipal. Palavras-chave: Mobilidade Campo-Cidade; Sistemas de Transporte Alternativo; Regulação Rodoviária; Poder Público Municipal.

1 Universidade Federal do Cariri (UFCA).

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1 INTRODUÇÃO

Na língua latina é comum encontrarmos variedade de interpretações sobre os

conceitos de Política. O mesmo conceito pode atribuir diferentes significados,

dependendo da forma como se aplica no caso. Seja para designar um programa

governamental e seu processo burocrático ou efeito de uma decisão política do alto

escalão, os diferentes significados são oriundos de uma mesma palavra: Política

(SECCHI, 2013). Enquanto isso, os países de língua inglesa delimitam os conceitos

em termos distintos, são eles: politics e policies. Em resumo, o primeiro termo

remete ao grupo seleto de políticos que deliberam em suas instâncias de poder e

propõem projetos governamentais, enquanto que o segundo se trata da

concretização das decisões políticas em ações, programas e planos para lidar com

problemas públicos, logo, seria a efetivação das decisões políticas, também

denominada de política pública. (SECCHI, 2013).

Autores como WU et ali (2014) demonstram que a tomada de decisão política

é um complexo procedimento que se desenvolve na medida em que dialoga com

questões políticas, gerenciais e burocráticas. Porém, os autores deixam claro que,

por mais adequada que fosse, a decisão nem sempre perpassa por esses três

pilares ou detêm tempo ou instrumentos para tal. O que há, muitas vezes é que a

tomada de decisão pode acabar sendo mais influenciada por um dos três pilares em

função de um conjunto de variáveis das quais nem sempre se tem o devido controle,

o que acomete a gestão de muitos municípios no interior do Brasil.

Na medida em que se adentra para o interior do Ceará, em especial às

cidades localizadas nas regiões sertanejas, é notório um quadro de cidades com

alguns serviços públicos de baixa qualidade ou a total ausência dos mesmos. Um

exemplo disto é o serviço de transporte alternativo entre as zonas urbanas e rurais

destes municípios que, na ausência de políticas públicas que promovam a

infraestrutura mínima para tais atividades, provocam o surgimento de mercados

paralelos de transporte sem muitas vezes possuir qualquer nível de inspeção ou

segurança, tal como os veículos de carga adaptados para o transporte de

passageiros, popularmente chamados de “Paus de Arara”, ainda comumente

encontrados no Nordeste brasileiro.

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Embora precário em virtude da ausência de segurança e conforto, e detendo

uma regulamentação que só o legitima em função da ausência total de transportes

adequados, o Pau de Arara continua sendo responsável pelo transporte de milhares

de pessoas nas mais diversas situações, para comércio, romarias etc.

Em função disso, o artigo se norteou pela seguinte questão: quais os efeitos

decorrentes do uso de transporte alternativo precário para a população local direta

ou indiretamente ligada a ele, no que concerne à mobilidade campo-cidade no

município de Acopiara/CE?

Com base nas condições supracitadas, analisou-se o uso do transporte de

Pau de Arara no município de Acopiara, Região Centro-Sul do Ceará, e suas

resultantes para a dinâmica da mobilidade entre campo e cidade. Para que o

objetivo geral pudesse ser alcançado, os seguintes objetivos específicos foram

traçados: identificar como é realizado o transporte entre a zona urbana e rural no

município; compreender os efeitos da mobilidade campo-cidade sobre o comércio

local; capturar a percepção de atores locais sobre essa temática; e analisar se há

alguma mudança cultural na cidade por conta desse modelo de mobilidade

alternativa.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Pau de arara como meio de transporte do Nordeste

Pau de Arara é o nome que se dá a um meio de transporte muito utilizado no

Nordeste do Brasil. Trata-se de um veículo (caminhão) adaptado para o transporte

de passageiros, configurando-se como um substituto improvisado dos ônibus. O

termo vem da expressão „pau de arara‟ que se refere a uma vara utilizada para o

transporte de araras e outros pássaros. Para Cascudo (2002), o termo rememora o

significado que consistia em um meio de transporte antigo e improvisado para o

deslocamento de aves, o que acarretaria muita algazarra e barulho pelas aves no

decorrer da viagem.

Sobre a carroceria do veículo são colocadas tábuas que servem de assentos.

Acima delas é posicionada uma lona para proteger os passageiros contra variações

do tempo. A origem histórica da popularização desse veículo se dá no período em

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que empresas de caminhões começaram a se instalar no país e popularizaram esse

veículo de carga que é resistente aos terrenos bastante irregulares e se adapta bem

ao nível precário das estradas (idem).

O Pau de Arara está ligado à cultura popular Nordestina, visto que foi

fortemente utilizado no passado, sendo, inclusive, um dos instrumentos de

integração nacional e regional, pois diversos migrantes, flagelados, romeiros e

famílias inteiras viajavam à procura de melhores condições de vida, migrando para

os grandes centros urbanos na tentativa de sobrevivência em terras com maiores

oportunidades.

Sabe-se que o Nordestino se constituiu em mão de obra predominante nos

centros urbanos do Sudeste de nosso país, utilizando como meio de transporte o

trem e o pau de arara em viagens longas e desconfortáveis para chegar às regiões

metropolitanas e tentar obter novos ganhos. O Código de Trânsito Brasileiro atual

esclarece que o veículo não apresenta condições mínimas que envolvam pontos

ligados à segurança e conforto dos passageiros o tornando um transporte

completamente inadequado e, portanto, irregular.

Porém, a Resolução N°82/98, arts. 1º ao 3°, do CONTRAM salienta que há

uma exceção quando não houver transporte existente entre comunidades não

atendidas por concessões públicas ao transporte de pessoas em veículos

destinados a cargas, desde que possuam, em contrapartida, as condições básicas

para o conforto e segurança dos passageiros, como bancos com encosto, carroceria

e cobertura adequadas.

Como observado, o veículo pode ser utilizado nos casos de inexistência de

um meio de mobilidade adequado, porém, a lei salienta que deve ser feita as

devidas adequações para que o veículo possa trafegar legalmente. O artigo 2° da

referida norma acrescenta que há um limite territorial por onde o mesmo pode

percorrer e recolher passageiros: o município. Conquanto, a lei é flexível e se

estende aos demais municípios que não possuam regularidade de outro transporte,

tal como os ônibus ou outro transporte alternativo. Dessa forma, pode ser permitido,

inclusive, um transporte de município para município, sempre deixando claro que se

trata de uma exceção à regra, visto a ausência de outras possibilidades.

Quanto à fiscalização, a lei assegura que tal meio de transporte deve passar

por uma vistoria pelos órgãos competentes, mas o que se tem visto é um nível

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precário de fiscalização e de preparo dos responsáveis dos veículos. A percepção

que há é que o número de fiscais é reduzido e, do outro lado, ao menos quando

aplicado à realidade desta pesquisa, boa parte dos motoristas sequer possuem a

documentação mínima, seja a composição dos documentos do veículo ou a

permissão de dirigir. Em muitos casos, o que se observa é a tolerância institucional

que se omite no processo de fiscalização e acaba sendo conivente com as

irregularidades.

Por mais rudimentar e inadequada que seja esta modalidade de transporte

alternativo, a ausência de uma gestão pública que permita um melhor

gerenciamento dos seus sistemas de transporte acaba por estimular a padronização

e aceitação social de tais veículos. Portanto, estes meios de transporte acabam

despontando como única alternativa de mobilidade entre campo e cidade. Tal

realidade é facilmente identificável em diversos municípios do interior do Nordeste, a

exemplo de Acopiara/CE.

2.2 O fazer e o não-fazer político: consequências de uma tomada de decisão

Na área acadêmica, há uma discussão sobre a natureza da política pública.

Teóricos como Secchi (2013) identificam que política pública é um fazer político,

pois, política pública é orientada para solucionar um problema público, dessa forma,

é necessário existir uma ação para modificar o status quo operante que se encontra

inadequável. Por outro lado, Rua (2013), identifica que a natureza da política pública

também pode se tratar de uma inação política, pois, o status quo mantem um padrão

operante de gestão que pode trazer consequências diretas e indiretas para grupos

de interesses específicos.

No Brasil, especialmente no Nordeste, podemos identificar a “política da

seca”, onde a ausência de ações integradas que deveriam promover a convivência

com o seminário e multiplicação de tecnologias sociais são deixadas em segundo

plano em detrimento de políticas imediatas e não planejadas como os carros pipas

que acabam que por beneficiar grupos políticos de determinadas localidades. Ainda

sob a ótica de Rua (2013), podemos avaliar que a própria legislação do CONTRAN,

mencionada anteriormente, é um não-fazer político, tendo em vista que a lei legisla

sobre como proceder na ausência de um serviço público mínimo de transporte-

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permitindo meios precários ao invés de promover uma ação que obrigue o ente

federado a providenciar o transporte com a devida qualidade.

Dessa forma, se cria uma política pública paralela que posiciona em cena

novos atores „paralelos‟. No caso, na ausência de ônibus, é permitido o Pau de

Arara, mesmo com toda a anuência dos perigos relacionados à segurança e ao

transporte e posiciona o motorista de pau de arara como agente „paralelo‟ integrador

da mobilidade campo-cidade.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Tendo em vista os objetivos do trabalho, optou-se pela realização de um

Estudo de Caso, de natureza qualitativa. Segundo Gondim et ali (2005) e Yin (2007;

2010), o estudo de caso é compreendido como uma abordagem teórica

metodológica geral que pretende compreender fenômenos nos contextos complexos

nos quais eles se manifestam. Sendo o Estudo de Caso a descrição ou reconstrução

precisa de casos contemporâneos e singulares, tal método atende a devida

demanda, pois buscou entender o processo ímpar das consequências provocadas

pelo uso do pau de arara interligando a zona rural e urbana da cidade de Acopiara.

A escolha do objeto se deu pelo fato de ser esta a cidade natal de um dos

pesquisadores, o que facilitou a compreensão dos aspectos históricos, culturais e

sociais daquela localidade.

Para isso, a pesquisa em questão se dividiu em dois momentos: Território e

Sociedade. Na etapa Território, houve o estudo de dados governamentais do

Instituto de Pesquisas e Economia Aplicada do Ceará (IPECE); Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE); Atlas do Desenvolvimento e bibliografia para um

melhor conhecimento do recorte escalar territorial. Já na etapa Sociedade, foram

realizadas entrevistas semiestruturadas para compreender a interação entre os

atores envolvidos e suas percepções (MINAYO, 1993; BONI E QUARESMA, 2005,

KVALE & BRINKMANN, 2009) quanto à temática: agricultores, comerciantes,

agentes políticos e motoristas. As conversas ocorreram informalmente nos mais

variados momentos do dia. O roteiro, desenhado para dar mobilidade ao

entrevistador, baseou-se em cinco fundamentais questionamentos: 1. Como se dá o

transporte de pessoas para os distritos? 2. O pau de arara tem alguma influência no

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comércio? 3. O transporte de pau de arara mudou algo na vida no campo? 4. Qual o

maior problema do Pau de Arara? 5. Qual a maior dificuldade para se chegar ao

distrito?

A coleta se deu entre os dias 01 e 07 de setembro de 2015 no centro

comercial da cidade, local onde facilmente se concentra a maior quantidade de Paus

de Arara e onde ocorre toda a dinâmica econômica, cultural e social da cidade. Por

fim, a apreciação dos dados obtidos foi realizada por meio da análise de conteúdo.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Acopiara é um município localizado na região centro sul do estado do Ceará.

Seu nome tem como significado “Terra do Lavrador”, rememorando a importância

histórica que a agricultura possui no seu contexto. Trata-se de um município

relativamente novo, sendo fundado em 1921, fruto de seu desmembramento de Vila

Telha, atual município de Iguatu.

O município possui uma população de 50.000 habitantes, o que o configura

como município de médio porte (IPECE, 2015).

O município possui nove distritos, além do distrito sede. A população total é

de 51.160 habitantes populacional, divididos em 25.228 habitantes na zona urbana e

25.932 na zona rural (IPECE, 2015). É o maior município em termos territoriais da

região Centro Sul cearense e até o final da década de 80, possuía uma participação

intensa na indústria de transformação de algodão, tendo produzido um valor acima

de 22 milhões toneladas de algodão vendidas para estados brasileiros e para países

como a Alemanha Oriental e Portugal (ARRAIS et ali, 2015).

Por mais que, aparentemente, o município tenha uma divisão populacional de

quase 50% na zona rural e 50% na zona urbana, culturalmente boa parte dos

munícipes da região urbana (classe média e alta) consomem e usufruem em

municípios vizinhos, principalmente no município de Iguatu, que possui melhor

infraestrutura e oferta de produtos e serviços. Bar- El (2002) aponta o município de

Iguatu como uma metrópole regional da região Centro-Sul cearense, onde abriga

uma posição estratégica de fácil acesso aos demais municípios, além de possuir

uma quantidade maior de órgãos governamentais, empresas e indústrias quando

comparado aos demais municípios da região. Logo, o perfil preponderante do

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consumidor no centro comercial de Acopiara é de agricultores ou moradores da zona

rural do próprio município.

A distância de cada distrito varia bastante, podendo chegar à marca de até 30

km de distância da sede. Até o final da década de 80, havia o transporte ferroviário

por meio da Rede Ferroviária Federal S.A, RFFSA. Porém, dado o fim do ciclo do

algodão, as modificações gerenciais no Estado no final da década de 90 e outras

variáveis, suas ações foram encerradas e os distritos voltaram a se tornarem

isolados da sede municipal.

Com base nesta pesquisa exploratória, foi mapeado um total de 46 carros do

tipo Pau de Arara que interligam a sede do município aos demais distritos de

Acopiara. Não há uma associação ou entidade que os gerencie ou os represente.

Todos são veículos antigos, sem qualquer tipo de segurança e são utilizados nos

transportes de pessoas, animais e mercadorias. Deste, apenas dois condutores são

habilitados e possuem documentação do veículo.

A maioria dos condutores chega bastante cedo na cidade de Acopiara, por

volta de 05 horas da manhã, retornando para a zona rural por volta do meio-dia. Boa

parte deles realiza duas viagens diárias, uma de manhã e outra pela tarde, havendo

aqueles que o fazem apenas pela manhã. Devido à ausência de um planejamento

mais sistemático, como o mapeamento de rotas e limitações de opções, a definição

dos preços é feita de forma aleatória, ocorrendo consideráveis variações de valor

sem um critério que as regule.

4.1 Percepção dos motoristas

Todos os motoristas entrevistados residem na zona rural. Nenhum deles

chegou a concluir o Ensino Fundamental II. Além disso, não possuem Carteira

Nacional de Habilitação e os veículos não se encontram regularizados perante os

órgãos competentes.

Quando questionados sobre os preços das passagens, cada um diz acreditar

ser o preço adequado, visto os desgastes que há em seus veículos, bem como a

excessiva sobrecarga de pessoas e mercadorias.

Os motoristas compreendem que são personagens importantes para garantir

a logística de pessoas para a cidade. Além disso, ressaltam que caso a

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administração pública municipal fornecesse um nível adequado de infraestrutura nas

vias rodoviárias, eles pensariam em realizar um maior investimento em seus

transportes, tal como a aquisição de ônibus.

Há destaque para a intensa competição que obriga os motoristas a chegarem

com até duas horas de antecedência apenas para assegurar seus clientes. Some-se

a isso a dificuldade de realizar mais de uma viagem visto que a maioria das ações e

serviços são realizados durante o turno da manhã. Porém, há de se perceber que a

não realização de outras viagens em diferentes turnos e horários não se dá pela

falta de passageiros, mas sim pelo que eles chamam de “grosso do povo”, que é

quantidade mínima – e sempre presente – de usuários que cotidianamente acessam

o serviço de transporte. A incoerência reside no fato de que mesmo com esse

“grosso”, os motoristas não ampliam seus serviços por receio de baixa procura e,

consequentemente, pouco lucro.

4.2 Imaginário dos Agricultores/Moradores da zona rural

Os entrevistados são pessoas com mais de cinquenta anos. Vivem de

agricultura de subsistência. Em virtude da intensa seca dos últimos cinco anos, boa

parte deles compram rações e grãos na cidade para alimentar seus animais. As

principais fontes de renda são oriundas de aposentadoria ou de benefícios sociais

como o Bolsa Família e o Seguro Safra.

Há um discurso nostálgico que rememora a década de 80 quando havia o

transporte ferroviário, onde havia uma maior facilidade de escoamento da carga para

o destino final. Há o curioso destaque para a cobrança da taxa não apenas do

passageiro, mais também de sua carga no veículo, o que aumenta mais ainda as

despesas do cliente e retira seu poder de consumo no comércio local. Os

agricultores ressaltam que deveriam ter condições mais adequadas de transporte,

um deles faz alusão ao município vizinho de Iguatu que dista apenas 36 km e tem o

custo de R$5,00, enquanto que o serviço de transporte de pau de arara possui um

preço mais elevado, mas que não detêm condições adequadas pelo elevado preço

(segurança e conforto), estando os clientes sem escolhas de outras alternativas.

O outro discurso aponta para a remodelagem cultural que os cidadãos da

zona rural passam em virtude da intensa competição dos motoristas, sendo

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obrigados a acordar mais cedo do que o próprio costume em função da

competitividade dos motoristas e das péssimas condições das estradas. Muitos

ficam à deriva na cidade, visto que muitos órgãos públicos, bancos e o comércio

local ainda se encontram fechados.

4.3 Discurso dos agentes políticos

Os agentes políticos foram representados por dois vereadores, um de partido

da base de apoio do executivo municipal, e o outro de um partido de oposição.

Ambos moram na cidade, contudo, segundo relatam, os votos dos distritos foram o

diferencial para se elegerem.

Curiosamente, nenhum dos discursos compreendeu o pau de arara como

sendo um meio de transporte inadequado. Apenas a má qualidade das estradas de

chão foi reconhecida como um problema público. Há um reconhecimento das perdas

do potencial econômico da população dos distritos da zona rural e sua

vulnerabilidade frente à questão da mobilidade campo-cidade, porém, ambos não

apresentam propostas ao longo prazo, se atendo a dizer que dependem de repasses

de outras instâncias e a problemática dos processos burocráticos governamentais.

Ou seja, o planejamento é em curto prazo e imediato - terraplanagem e a busca por

recursos para o provimento da pavimentação.

4.4 Percepções dos comerciantes

Os comerciantes entrevistados detêm comércios familiares tradicionais que

vendem rações, grãos, e produtos diversos encontrados em atacados e varejos. O

comércio, principalmente de grãos, se aquece durante o período da seca, visto que

os grãos (milho, soja e trigo) se tornam mais escassos, logo, os preços sobem

bastante. Em virtude de uma seca contínua que perdura mais de cinco anos, os

valores continuam subindo, mas não há mais água para manter a pecuária de

subsistência. Como consequência, tanto a compra do produto por parte dos

comerciantes como a venda para o agricultor se torna inviável, visto que os preços

sobem de forma vertiginosa, inviabilizando, inclusive, o comércio, pois o cliente

dessa localidade possui certo grau de vulnerabilidade e limitação econômica.

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Os comerciantes reconhecem a importância do pau de arara para a

movimentação econômica da cidade, porém salientam que a população fica dispersa

pela cidade e logo mais volta para suas casas na zona rural, dessa forma, o

comércio entre os horários das 07h00min até às 11h00min da manhã é o período

mais agitando, principalmente, o intervalo entre 11h00min e 12h00min, período em

que boa parte dos motoristas já se prepara para voltar para os distritos. Em função

disso, há um sobrecarga pela manhã que facilmente desmobiliza os turnos da tarde

e impede a criação de um mercado noturno na cidade. Na percepção de um dos

entrevistados, um dos motivos da apatia política quanto aos investimentos de

mobilidade campo-cidade é que, embora os redutos eleitorais sejam os distritos da

zona rural, os representantes dessas regiões residem na sede do município, logo,

não necessitam ou vivenciam o problema do transporte.

Em outro momento, já pela ótica econômica, há destaque para uma clientela

que consome à vista os produtos na cidade. Os períodos mais movimentados no

comércio são a primeira e a última semana do mês, período que coincide com o

recebimento de benefícios de previdência, auxílios e bolsas dos programas de

transferência de renda do governo. Entende-se que no restante do mês e nos turnos

da tarde há um comércio relativamente parado, tendo boa parte da clientela oriunda

da própria zona urbana.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O transporte alternativo em veículos Pau de Arara viabiliza a mobilidade

campo-cidade em Acopiara/CE. Dada a falta de interesse político e a incapacidade

gerencial do governo municipal em garantir uma infraestrutura adequada à

mobilidade da sede do município para os demais distritos, esta acaba sendo a única

opção de deslocamento.

Em função da competição por passageiros e das péssimas condições das

vias, os deslocamentos são realizados em horários bem cedo. Isso acarretou

reflexos na cultura rural e alteraram a dinâmica econômica urbana, uma vez que

impele os comerciantes a abrirem seus estabelecimentos mais cedo. Muitas vezes,

ocorre sobrecarga nos atendimentos em horários específicos do dia, sendo

rapidamente esgotados pelo turno da tarde, em função da baixa movimentação de

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pessoas para o centro comercial, pois não são todos os motoristas que fazem mais

de duas viagens para a cidade em horários alternativos.

Os agricultores são os maiores prejudicados nessa situação, visto que ficam à

mercê dos preços e dos horários disponíveis. Já o comércio, sofre sérias perdas de

ganho, já que a ausência de um fluxo contínuo no decorrer do dia impossibilita a

comercialização de mercadorias em horários que não sejam pelo turno da manhã e

dificulta o fomento de uma vida noturna na cidade. Os políticos se justificam por

questões burocráticas e orçamentárias pela inação, além disso, compreendem que o

único problema seria a infraestrutura das vias, não se atendo às questões de

segurança, conforto e regularidade dos transportes. O transporte em Pau de Arara

sequer é compreendido como problema público.

São claros os efeitos da ineficiência do poder público municipal no tocante à

regulação do transporte coletivo no município, bem como no que diz respeito à má

conservação das vias vicinais que ligam a zona urbana a rural, atingindo

completamente a dinâmica da cidade em seus aspectos culturais e sócio

econômicos. Fica evidente a demanda por uma melhor gestão deste serviço público

visando restabelecer uma polaridade campo-cidade de modo mais justo e

equilibrado.

Para possíveis aprofundamentos de pesquisa, sugere-se a multiplicação

dessa pesquisa em cidades de maior ou menor porte no intuito de compreender se

há uma dinâmica parecida ou divergente da realidade descrita nessa pesquisa e

quais atores sofrem influência devido a esses problemas públicos de mobilidade

campo-cidade. Recomenda-se ainda um estudo mais aprofundado sobre o que leva,

em pleno Século XXI, a manutenção dessa prática de mobilidade ser perpetuada,

especialmente na região do Nordeste Brasileiro.

REFERÊNCIAS

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Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas ARRAIS, E.; TAVARES, I.; MOREIRA, R.

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RIGOTTO, Raquel Maria. “Caiu na rede, é peixe!”: a industrialização tardia e suas implicações sobre o trabalho, o ambiente e a saúde no Estado do Ceará, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23 Sup 4:S599-S611, 2007 RUA, Maria das Graças. Análise de Políticas Públicas: Conceitos básicos. São Paulo, 2013. SECCHI. Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage Learning, 2013. WU, Xun. RAMESH, M. HOWLETT, Michael. FRITZEN, Scott. Guia de Políticas Públicas: Gerenciando processos; traduzido por Ricardo Avelar de Souza. – Brasília: Enap, 2014. YIN. Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. ___________ . Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2007.