favela do moinho: a condição humana na precariedade urbana

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Autor: Filipe Maciel Paes Barreto Orientação: Karina de Oliveira Leitão Trabalho Final de Graduação, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - 2012. O trabalho busca um entendimento mais profundo das condições de vida que permeiam os moradores da Favela do Moinho.

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FAVELA DO MOINHO:A Condição Humana na Precariedade Urbana

Filipe Maciel Paes Barreto

Trabalho Final de Graduação FAUUSP, 2012

Orientação: Karina Leitão

Banca Examinadora:João Sette Whitaker FerreiraÂngela Amaral

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À toda comunidade da favela do Moinho. Pelas grandes lições de vida que me deram ao longo deste traba-lho. Obrigado em especial a Humberto, dona Rosa, Milton, Neide, Renaci, Eloy, e Wellington pelo acolhi-mento e grande ajuda durante todo o processo.

À toda equipe do Projeto InsideOut. Não só fundamentais para o andamento deste trabalho, mas tam-bém agregadores no processo de construção de uma sociedade mais humana. Foi uma grande experiência conhece-los. Obrigado especialmente aos coordenadores Carlos Inada e Bruno Fernandes que seguraram a bronca no início do projeto, e concordaram gentilmente com o uso de parte do material utilizado na pesquisa aqui apresentada.

À Karina Leitão. Por ser ela mesma. Obrigado.

Aos professores que mudaram minha forma de compreender o mundo, mas que também foram companhei-ros no processo de busca e produção do conhecimento. Obrigado João Whitaker, Ermínia Maricato, José Lira, Alexandre Delijaicov, e Euler Sandeville.

A todos os colegas da FAU. Cada um com uma particularidade mais fascinante que a outra. Cada um que tive a oportunidade de conhecer por entre os vaivéns das rampas. Obrigado por agregar coisas inimaginá-veis à minha vida.

Aos amigos da Turma. Por compartilharem durante esses sete anos um dos períodos mais importantes da minha vida. Obrigado pelo companheirismo. Teruia, Guta, Takayama, Sartori, Carol, Paulinha, Flu, Diego, Gui, Vic, Lu, Mari. Hiro, obrigado pela paciência!

Aos companheiros de LABHAB. Pela busca incessante por uma cidade melhor. Obrigado Ju, Danilê, Danizi-nha, Ligia, Tami, Rafa, Fê, Paulo, Angela, Kat, Ana Teresa, Leca, Lu Ferrara e todos aqueles que comparti-lham da mesma luta.

Aos amigos da vida. Por participarem (desde sempre ou desde pouco tempo) tão ativamente do meu processo de formação como pessoa. Obrigado ao Vini, Victor, Tchaba, Takashi, Ligia, Jow, Pereira, Brub’s, Vivi, Amato, Lu, Nati, Mi, Cami, Dani, Fer.

À Carol La Terza. Pela cumplicidade dos anos ao meu lado, pela presença ilustre em minha vida. Obrigado.

À minha família, pelo amor multiplicador da vida. Aos mais distantes e aos mais próximos. Obrigado Ne-reu, obrigado Raquel. Obrigado Leila, Oscar e Goga.

Obrigado.

Agradeço

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Índice:Do Início.............................................................................................................8

O processo de pesquisa...................................................................................10

O produto do trabalho.....................................................................................11

Da Área............................................................................................................12

Uso e Ocupação do Solo no Entorno da Comunidade...........................21Acessibilidade da Área....................................................................................21

Zoneamento Urbano do terreno...................................................................23

Do Tempo........................................................................................................26

Linha do Tempo.................................................................................................32

Do Contato....................................................................................................36

O motivo pelo qual foi morar lá..................................................................38

A importância da questão da moradia e infraestrutura básica..........39

A importância da proximidade com os empregos..................................40

As relações de vizinhança internas.............................................................43

O poder paralelo................................................................................................45

A relação com a prefeitura............................................................................47

A relação com a polícia militar e a guarda civil......................................48

A relação com a família..................................................................................50

A relação com o resto da sociedade...........................................................50

Das Pessoas...................................................................................................52

Donizetti..............................................................................................................54Eloy.......................................................................................................................55Fabio.....................................................................................................................56Fernanda..............................................................................................................57Giannini...............................................................................................................58Humberto............................................................................................................59Ivonete.................................................................................................................60Jorge.....................................................................................................................61Josefa....................................................................................................................62Karen.....................................................................................................................63Marcelino............................................................................................................64Maria....................................................................................................................65Neide....................................................................................................................66Otaviano..............................................................................................................67Renaci...................................................................................................................68Rosa.....................................................................................................................70Taylon...................................................................................................................71Wellington..........................................................................................................72

Do Debate......................................................................................................74

Sobre a situação atual....................................................................................75

Sobre os incêndios............................................................................................76Da “irrelevância” da questão da autoria dos incêndios........................76

Da “relevância” da questão da autoria dos incêndios...........................77Porque poderiam ter sido provocados pelos moradores?.....................78Porque poderiam ter sido provocados pelo interesse de grupos de poder?..................................................................................................................79

CPI dos Incêndios e a situação atual do debate......................................81

Do Fim..............................................................................................................83

Bibliografia....................................................................................................86

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DO INÍCIO

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Esse trabalho final de graduação visa amarrar conhecimentos e ferramentas adquiridos durante todo o curso. Além disso, pressupõe o atendimento das angústias pessoais na compreensão das dinâmicas que formam os espaços urbanos, assim como a relação do ser humano com o ambiente construído. Pretende ser um documento de encerramento de uma etapa de vida, sendo símbolo de um posicionamento social, político, e acima de tudo ético do futuro profissional frente à realidade.

A partir dessas premissas, o tema de pesquisa surge como síntese dos interesses e inquietações manifestos no processo de obtenção e produção do conhecimento.

O TFG presente faz uma investigação mais próxima do que é a realidade dos moradores da Favela do Moinho. O projeto pretende compreender, através dos instrumentos de análise urbana e das memórias pessoais/afetivas daquela população, o que significa ou o que se pode depreender daquele espaço à luz das disputas subjacentes e interesses em jogo. Como ele foi formado, porque ele foi ocupado, que dinâmicas políticas e socioeconômicas o geraram, e mais que isso, quem são as pessoas que re-significam aquela área, como é a relação deles com as áreas de seu entorno.

Para isso o trabalho buscou uma maior aproximação com os moradores daquele assentamento. Somente dessa forma poder-se-ia enxergar melhor a complexidade das relações entre os indivíduos, dos indivíduos com o espaço e a relação desses com as ações políticas envolvidas. Políticas que, ao enxergarem as pessoas como número, muitas vezes deixam de contemplar nuancem fundamentais da realidade dessas famílias, acabando por ser inconsistentes ou ineficientes no atendimento das necessidades reais da população. A motivação primeira do trabalho surgiu do aviltante incêndio ocorrido em 22 de dezembro de 2011. Esse, por vir após uma série de outros incêndios em favelas da capital, gerou logo suspeita de parte da comunidade acadêmica. A partir disso, decorreram uma série de outras questões, que tomaram corpo e se tornaram mote central da pesquisa.

Para além dos fatores geradores daquele assentamento, permanece também uma ameaça constante à exis-tência do mesmo. Ainda que tenham obtido a tutela antecipada por usucapião da área, o contato com os moradores, e as notícias, não só do projeto de construção de uma estação de trem naquela área, como de novo incêndio ocorrido menos de nove meses após o anterior, explicitam a fragilidade latente daquelas pessoas excluídas, ou mal incluídas no mercado e, portanto, na sociedade que nele se apoia.

É dessa forma que surge esse produto final em que se faz registro e denúncia. Registro não só dos agentes e forças sociais envolvidos na área, como também das impressões pessoais daqueles que viveram, ou vivem nessa situação de alta precariedade. Denúncia, pois expõe os agentes e fatores que levaram as pessoas a essa situação.

Do Início

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O Processo de pesquisa

O trabalho presente então traz três frentes de pesquisa que, ao longo do trabalho, se complementaram e agregaram informações umas às outras para uma maior abrangência de entendimento da complexidade da realidade estudada. Além da leitura e revisão da produção acadêmica existente sobre o tema (seja de forma mais ampla, seja de forma mais especifica), também se seguiram a análise territorial da área em questão (com ênfase nas questões legais e locacionais daquele espaço), e levantamento etnográfico com a popula-ção moradora da área em estudo. Somente conseguindo enxergar a área a partir de um conjunto de escalas e relações distintas é que se poderia chegar a um melhor entendimento de seu significado.

Para isso, portanto, foram levantadas informações básicas sobre a área, como sua localização, o uso e ocupação da área, o zoneamento municipal, a topografia, entre outras. Também um histórico da posse do terreno e sua situação jurídica atual foram levantados, possibilitando conhecer o entendimento do Estado sobre aquela área, além de compreender o contexto urbano em que está inserida.

Como a leitura puramente urbanística da área seria insuficiente para entender o papel daquele espaço para seus habitantes, a aproximação com os moradores da comunidade se tornou essencial para o desenvolvi-mento coerente do trabalho.

A partir do contato com uma das lideranças da comunidade, foi possível abrir caminho para as visitas seguintes. Também a participação no projeto Inside Out São Paulo (melhor descrito mais adiante) foi uma porta de entrada para a comunidade, já que pressupunha visitas constantes e, mais que isso, conversas e entrevistas com os moradores.

Além da relação estabelecida com a própria comunidade, também foram feitos contatos com atores ex-ternos à favela, mas que possuem forte contato e visões diferentes desse espaço. Esses puderam agregar informações e memórias sobre o local que nem os planos urbanísticos, nem os próprios moradores pode-riam trazer.

Finalmente, a coleta de informações oficiais a respeito do projeto existente para aquela área vem trazer um panorama de perspectivas de futuro da favela do Moinho. Os projetos do Governo do Estado, em parceria com o Governo Municipal (gestão 2008-2012), de construção de uma estação de trem (futura estação-terminal da Linha 8-Diamante), exatamente no terreno onde se encontra a favela, e a realocação dessa po-pulação para supostos conjuntos habitacionais na Vila dos remédios, e Vila dos Bosques, chamam atenção para a possibilidade de remoção completa da favela, e a dissolução da comunidade do Moinho. Além disso, o programa Auxílio Aluguel provido a parte dos moradores no pós-incêndio, além da mudança de gestão municipal, trazem ainda mais incerteza sobre o futuro da área e dos habitantes dela.

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Conforme se verá, as informações aqui enunciadas serão detalhadas ao longo deste trabalho em 5 capítulos dedicados a diferentes escalas de aproximação da realidade, mas que interagem de maneira a se comple-mentarem ao logo do documento.

No primeiro capítulo, “Da Área”, serão abordados os aspectos físicos e geográficos do terreno, além de sua condição atual dentro do Zoneamento Urbano estabelecido pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo. O segundo item, “Do Tempo” trata de levantamento histórico da situação jurídica do terreno, assim como de sua ocupação e de fatos marcantes para o mesmo. O terceiro capítulo está intimamente ligado com o quarto. Esse primeiro faz uma leitura das principais relações entre os agentes daquele espaço a partir não só de leituras conceituais sobre o tema, como também a partir das declarações diretas de seus agentes. Naquele outro são apresentados os depoimentos de forma mais completa, trazendo a tona a voz de parte das pessoas que moram no assentamento. Finalmente, o quinto e último traz as opiniões conflitantes da sociedade a cerca dos casos de incêndio na favela; traça um panorama da condição atual dos moradores, e encerra o estudo aqui apresentado.

O Produto do Trabalho

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DA ÁREA

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A favela do Moinho está localizada no bairro de Santa Cecília, região central de São Paulo.

O terreno que ocupa é delimitado pelo viaduto Orlando Murgel (Av. Rio Branco) a Oeste, por uma série de tapumes1 a Leste, e por dois trilhos de trem a Norte e a Sul. Sendo ambos pertencentes à Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM), no trilho mais ao Sul passa a Linha 08 - Diamante (no caminho entre as estações Júlio Prestes e Barra Funda), e no outro –mais ao Norte - passa a Linha a Linha 07 - Rubi (no caminho entre as estações Luz e Barra Funda).

A área atual é de, aproximadamente, 12.700m² 2, tendo perdido área após o último incêndio, com uma “fai-xa não edificável” de 10 metros a partir do viaduto e após a prefeitura ter colocado tapumes de concreto no limite de onde ficava o antigo edifício do moinho. Esse terreno está atualmente “em disputa judicial entre os dois proprietários, que arremataram as terras em um leilão, a União, que tenta reavê-lo após serem cons-tatadas irregularidades no processo”3, a Companhia de Trens Metropolitanos e os moradores, que entraram com pedido de usucapião em 2006, com ajuda do Escritório Modelo da PUC4. De acordo com informações fornecidas pelo escritório, em março de 2008 “foi concedida a tutela antecipada para permanência das famílias na área até o julgamento final da ação”. O processo ainda corre na justiça e as famílias ainda têm direito à tutela antecipada do terreno5.

1 Os tapumes foram postos pela prefeitura municipal no limite do terreno onde ficava o edifício do moinho, demolido uma semana após o incêndio de 22 de dezembro de 2011.

2 Estimados por mensuração de foto aérea

3 (METROPOLO, 2008: 07)

4  Escritório Modelo D. Paulo Evaristo Arns, da Pontifícia Universidade Católica – São Paulo. Segundo seu site de internet, o Núcleo visa: “Ampliar o acesso da população à justiça e colaborar na formação acadêmica dos estudantes da PUC-SP comprometidos com a função social do Direito. Em um trabalho que inclui prevenção, tutela coletiva e individual e atuação extrajudicial, o Escritório Modelo já atendeu, desde a sua criação em 1999, mais de 28 mil pessoas e suas famílias.”, mais sobre em <http://www4.pucsp.br/mostracomunitaria/projetos/escritorio_modelo.html>, último acesso em 04/07/2012.

5 Mais detalhes em <http://advivo.com.br/materia-artigo/prefeitura-e-uniao-disputam-terreno-da-favela-do-moinho>, ultimo acesso em 15 de novembro de 2012.

Da Área

A ocupaçao entre duas linhas de trem, em 2009. Silos e antigo edifício do moinho ao fundos.

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Foto aérea do terreno, 2011

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Aproximando-se da ocupação, nota-se que no entorno imediato os edifícios possuem altura máxima de dois ou três pavimentos. “Para o lado do Bom Retiro esse gabarito é mantido (...). Para o lado dos Campos Elíseos, o terreno sobe chegando ao espigão central e as construções têm um gabarito mais alto, com mui-tos edifícios de 10 a 15 pavimentos” (METROPOLO, 2008: 06)6.

O terreno hoje possui apenas uma entrada, sob o viaduto. É ali que fica parte dos desabrigados pelo o últi-mo incêndio. Nas calçadas próximas, em barracos improvisados encostados ao muro de proteção da linha de trem, ou, em sua maioria, em um galpão de escola de samba7, à direita de quem entra. Lá as famílias vivem em alojamento improvisado: o teto é compartilhado pelas diversas famílias e os poucos pertences que restaram ou foram obtidos em doações se misturam: colchões, roupas, cobertores ou fogões.

Mais adiante, para adentrar de fato o terreno da favela é necessário cruzar a linha férrea. A única coisa que ajuda o desavisado a atravessar de forma segura é uma cancela (que não ocupa toda a entrada, não impedindo de fato sua travessia) e uma dupla de “vigias” da empresa.

Do outro lado da linha de trem, a primeira coisa que se encontra é um grande portão de ferro que encerra-va extensa área sob o viaduto, destruída pelo último incêndio, e que abrigava parte do material reciclável separado pelos moradores. Da primeira bifurcação, à direita do portão, vê se a viela mais confortável da favela. Com aproximadamente 5 metros de largura, a via “liga a entrada do terreno sob o viaduto, passan-do pelos silos, ao antigo prédio do moinho. Nela estão os (...) bares, os silos e a igreja, além da casa dos missionários8.”(METROPOLO,2008: 09) Era o antigo ramal ferroviário do moinho, tendo se tornado o “eixo estruturador” da favela. Por ali, o movimento de carroças, “tanto dos catadores como outros com materiais de construção e insumos, é intenso. Esse vai e vem acontece sob o olhar atento dos que descansam senta-dos na larga escada de entrada do barraco em frente à igreja. (...) A “igrejinha”, de madeira e com pequenas aberturas laterais, seria um local escuro se não fosse pela grande abertura zenital sobre o altar. A última obra dos missionários foi a instalação de uma cruz, ao lado do barracão, que pode ser vista do lado de fora, sobre os muros da CPTM.” (METROPOLO,2008: 09)

Além dessa importante via, tomando-se a “quebrada” da esquerda para adentrar na próxima paralela à direita, chega-se ao campo de futebol. Feito uma grande praça, o espaço é um importante centro de reunião da população jovem e das crianças do moinho. “De terra batida e sem metade das dimensões oficiais é um equipamento usado por moradores de todas as idades e em todos os períodos do dia”(METROPOLO,2008: 10). À volta desse espaço estão barracos, uma grande árvore, um parquinho infantil, e uma edificação em alvenaria de tijolo cerâmico maciço, telhas de amianto e janelas de vidro. Diferindo-se fundamentalmente do resto das edificações autoconstruídas da favela, essa última foi construída em 2004 pela Aliança de Mi-

6 Philippe Mercaldi Metropolo, é arquiteto formado pela Universidade de São Paulo. Desenvolveu em seu Trabalho Final de Graduação o projeto “Praia Urbana da Orla Ferroviária: um balneário público na área central de São Paulo ”, no qual estudou a área de ocupação da comunidade. Nesse trabalho, de 2008, faz uma descrição muito competente da área, à qual muitas características ainda são válidas.

7 Galpão da Escola de Samba 1ª da Aclimação, e depósito da Escola de Samba Leandro de Itaquera, de acordo com site <http://www.andi.org.br/infancia-e-juventude/pauta/fundacao-abrinq-inaugura-espaco-seguro-na-favela-do-moinho-atingida-por-i>, ultimo acesso em 15 de novembro de 2012

8 Missionários da Aliança de Misericórdia. De acordo com o site da Aliança, “o trabalho social desenvolvido com estas famílias visa à retomada da cidadania e das condições básicas de vida, através da formação de mutirões para reforma de barracos e a limpeza da favela, programas de atendimento médico, alimentação e divulgação de noções higiene, além da construção de uma creche, inaugurada em maio de 2004.” In <http://www.misericordia.com.br/social/index.php?option=com_content&view=article&id=43:noticia02&catid=3:noticias>, último acesso em 20/10/2012,.

Linha de ferro e trem no único acesso à comunidade.

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sericórdia. Os missionários, que possuem forte atuação na comunidade, construíram um espaço para servir de creche e centro comunitário no moinho. Com dificuldades de manter o serviço às famílias, a creche ficou fechada por uns tempos até ser retomada em setembro desse ano. Hoje a creche atende a 70 crianças que moradoras da favela9 10.

Do antigo “Moinho Central”, hoje restam apenas os seis silos (de 28m de altura, e 6 metros de diâmetro11), já que o antigo edifício da empresa foi demolido após o incêndio de dezembro de 2011.

9 De acordo com o site do grupo: <http://www.misericordia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3689:favela-do-moinho-e-vitima-de-mais-um-incendio&catid=11:noticias&Itemid=> último acesso em 20/10/2012, as 18:25h.

10 Ainda de acordo com o site da Aliança: “Nos fins de semana, os missionários da Aliança fazem evangelização na favela através de visitas ás famílias e momentos de oração com celebrações da palavra, missas e catequese para as crianças. Eles permanecem no local para prestar ajuda aos moradores, já que muitas das famílias que foram vítimas do incêndio em dezembro de 2011, ainda estão desabrigadas.”

11 Estimados por fotografia

Via mais larga e principal eixo estruturador da favela.

Fachada da creche construída pela Aliança de Misericórdia em 2004.

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Fotos que compõe fotomontagem: Elaine Santana Elaboração: Filipe Barreto

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Na panorâmica: o campinho de terra, a creche e os barracos do entorno, com os silos ao fundo.

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Uso e Ocupação do Solo no Entorno da Comunidade

Por se localizar em uma área central da cidade, a favela do moinho tem, ao menos, uma vantagem em relação a outros assentamentos precários localizados na periferia. A característica marcante das favelas próximas aos centros das cidades é justamente o uso e ocupação do solo que, por ser misto em áreas cen-trais, traz benefícios no dia-a-dia da vida urbana. A oferta de emprego, comércio e serviços é vantajosa a todo tipo de população. Ainda mais para as populações de baixa renda, esse ponto passa a ser ainda mais crítico. Por necessitarem ainda mais dos equipamentos públicos de educação, saúde e lazer, o acesso a eles passa a ser fundamental.

No caso do assentamento em estudo, ao se levantar os usos no seu entorno, além de muitas habitações (com grande número de cortiços) e comércios locais (tendo sido levantados pelo menos nove pontos de comércio de alimento somente dentro da própria favela), também há a presença de equipamentos públicos de lazer, cultura, educação e saúde.

“Em um raio de 1000m, podemos observar a existência de quatro escolas do FDE (ensino funda-mental, médio, EJA, e Educação Especial), um SAE – DST/AIDS, um Pronto Socorro Municipal, duas UBS, dois Telecentros, um deles na “Oficina Boracea” (atendimento para moradores de rua), a LBV (assistência a idosos e gestantes), um supermercado, um museu, três escolas particulares (ensino infantil, fundamental e médio), a Rua José Paulino (tradicional comércio de roupas), (...) um centro educacional e esportivo, o terminal Princesa Isabel, a estação Julio Prestes e a Sala São Paulo, além de um SESC(...). Em um raio um pouco maior, atingimos os rios Tietê e o Tamanduatei, o teatro São Pedro, a estação da Luz com seu jardim, e o Museu da Língua Portuguesa, além da Avenida Tiradentes, onde estão uma FATEC, a Pinacoteca, o Teatro Franco Zampari e o Museu de Arte Sacra. As três praças que se encontram na região estão localizadas mais próximas à estação Julio Prestes.” (METROPOLO, 2008: 13)

Essa infraestrutura deixa clara a proximidade do terreno a equipamentos (públicos e privados) de educação, saúde e lazer, necessidades básicas ao bem-estar social, e direito de todo cidadão brasileiro.

Outra característica que marca os centros urbanos é a grande acessibilidade. Bem provida de transportes, a área central de São Paulo é também para onde convergem os transportes públicos e o sistema radio-concêntrico da estrutura rodoviária.No caso do terreno onde se localiza a favela do Moinho, temos grande número de linhas de ônibus que pas-sam na Av. Rio Branco, com parada muito próxima à entrada do assentamento. Também ficam próximos, como já dito antes, o terminal de ônibus Princesa Isabel, as estações Marechal Deodoro e Santa Cecília da Linha 03-Vermelha do Metrô, e as estações Júlio Prestes e Barra Funda da Linha 08 – Diamante de trem e as Luz e Barra Funda da Linha a Linha 07 – Rubi também da CPTM.

Acessibilidade da Área

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Mapa: Estações de metrô e trem próximas ao Moinho.

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De acordo com Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo(PDE-SP), previsto para ser revisto a partir de 2013, o terreno onde se localiza a ocupação está em área de Zona Especial de Interesse Social – 03 (ZEIS 03).

De acordo com o Plano Diretor Estratégico de São Paulo12, ZEIS são: “porções do território do Município delimitadas por lei e destinadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, à regularização fundiária e à produção de Habitações de Interesse Social - HIS e de Habitação de Mercado Popular - HMP, incluindo a recuperação de imóveis degradados, a provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local” (DM 44.667/2004, Art. 1º).

Especificamente as ZEIS 03 possuem a particularidade de estarem inseridas, na maioria dos casos, no cen-tro da cidade, em “áreas dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, ou que esteja recebendo investimentos dessa natureza, em que haja interesse público na promoção e manutenção de HIS e HMP e na melhoria das condições habitacionais da população moradora, incluindo equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local” (DM 44.667/2004, Art. 2º).

O “Observatório do Uso Do Solo e da Gestão Fundiária do Centro De São Paulo”, desenvolvido em 2006 pelo LABHAB, descreve muito bem as especificidades da ZEIS-03.

“A principal regra da ZEIS-3 é a exigência de percentual mínimo de Habitação de Interesse Social - HIS e de Habitação de Mercado Popular - HMP para aprovação de empreendimentos de construção ou reforma em terrenos com área maior que 500m².

O Plano Diretor Estratégico - PDE exigia um percentual de 50% de HIS, podendo os 50% restantes ser ocupados por qualquer outro uso. Os Planos Regionais Estratégicos - PRE e a Lei de Uso e Ocu-pação do Solo - LUOS alteraram essas porcentagens: exigem 40% para HIS e 40% para HMP, per-mitindo apenas 20% para outros usos. Nas áreas delimitadas como ZEIS-3 aplicam-se os seguintes instrumentos urbanísticos:

- Parcelamento, edificação e utilização compulsórios;- IPTU progressivo no tempo;- Desapropriação com títulos da dívida pública;- Isenção da outorga onerosa (concessão do direito de construir acima do CA básico);- Transferência do potencial construtivo.- Tanto a construção de HIS, como de HMP, como os outros usos, ficam liberados do pagamento da outorga onerosa.

No município de São Paulo, a instituição da ZEIS se deu a partir da elaboração do PDE. No entan-

12 Cf. LABHAB, Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Universidade de São Paulo. Observatório do Uso Do Solo e da Gestão Fundiária do Centro De São Paulo, São Paulo: 2006.

Zoneamento Urbano do terreno

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to, a implementação deste instrumento não necessita de vinculação com a aprovação de plano diretor municipal. Portanto, o importante é perceber que qualquer projeto que venha a ser desenvolvido naquela área (se tiver área maior que 500m²) é obrigado por lei a reservar 40% de sua área à destinação de Habitação de Interesse Social, 40% à Habitação de Mercado Popular e os restantes 20% possuem liberdade de uso.”

Ainda de acordo com LABHAB - 2006, o objetivo disso, entre outros, é “Garantir a permanência da população de baixa renda nas áreas consolidadas ou objeto de intervenção pública, sobretudo quando tendem a provocar a valorização imobiliária”. Assim, delimitar a área da favela do moinho como ZEIS03 serve para “garantir o acesso das famílias assentadas em moradias dignas, dentro do centro da cidade e não nos extremos da mancha urbana, longe do trabalho e dos equipamentos públicos.” (CARVALHO, 2009: 11)

Santa Cecília

Bom Retiro

Barra Funda

Áreas de ZEIS-3

Linha de trem

Cursos d'água

Perímetro - Centro

Divisão de bairros

Áreas de ZEIS-3

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DO TEMPO

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No início do século XX, a área era o “Moinho Central”. O lugar armazenava farinha de trigo e ração para aves, e era possívelmente uma das antigas propriedades da família Matarazzo13.

Junto com o declínio industrial de São Paulo, na segunda metade do século XX, a área também teve sua funcionalidade decaída. Logo a construção se tornou inútil para a produção industrial que se tornou escas-sa, e foi abandonada. O que era um terreno estratégico transformou-se então, em um terreno de sobra, um hiato urbano entre duas linhas de trem.

Durante aproximadamente trinta anos, a área, no centro da cidade, permaneceu sem uso. Ainda que tenha sido adquirida pela antiga operadora federal de trens, a RFFSA, o terreno ficou ocioso até a última década do século passado. Deu-se início então a primeira ocupação do terreno, com barracos de madeira sob o viaduto Orlando Murgel, no ano de 198014, mas que tem registro oficial como favela do ano de 199915. Desde então o histórico da ocupação é também um histórico de incêndios, ameaças de remoção e disputas judiciais pela posse da terra. Nos 21 anos oficiais de existência da favela do moinho, foram oito incêndios, ao menos 3 tentativas de remoção da comunidade, e inúmeros processos de litigio pela posse do terreno.

Em 1996 ocorreu já o primeiro incêndio no assentamento, porém as informações sobre ele são escassas, o que se sabe é que o assentamento permaneceu existindo. Três anos depois, a área foi leiloada pela RFFSA e passou a pertencer à empresa Mottarone Serviços de Supervisão, Montagem e Comércio Ltda. Completando oficialmente nove anos de ocupação, em 2000, as famílias sofreram a primeira ação de remoção, promo-vida pela Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM)16. Porém, pouco tempo depois, não tendo a cidade uma política habitacional adequada, o terreno foi reocupado.

Mal houve tempo das famílias se reestabelecerem na ocupação, e novo incêndio ocorreu, atingindo três barracos. No ano seguinte, em 2002, mais um episódio, desta vez maior, atingindo deixando ao menos 10 famílias desabrigadas. Em ambos os casos, não houve registro de mortos. Outro incêndio foi registrado em 2003, mas sem maiores informações. Note-se que estes três incêndios, um a cada ano, ocorreram durante a gestão municipal da petista Marta Suplicy, a mesma que lançou o programa de prevenção de incêndio em assentamento precário (PREVIN) em 2004. O programa, porém, não prosseguiu na gestão municipal seguinte.

Em 2005, sob a gestão do peessedebista José Serra, a Secretaria de Habitação e demais que cuidam da

13 De acordo com Carvalho, H. R. S. Campos Elíseos: Um bairro, um patrimônio, uma cidade. Um caso histórico de mutação urbana e de patrimônio público na cidade de São Paulo. Relatório final de pesquisa de iniciação científica .São Paulo: FAU USP, FAPESP, 2009. Também foram encontradas referencias do moinho como “Moinho Fluminense S/A”. O tema porém é controverso, não tendo sida encontrada pesquisa específica sobre o assunto.

14 Segundo entrevista com Francisco para o InsideOut São Paulo. Morador desse espaço desde 1980, se diz um dos fundadores da favela: “vim direto aqui pra debaixo da ponte”.

15 HABISP Sistema de informações para Habitação Social da cidade de São Paulo. Notícia disponível no site: <http://www.habisp.inf.br/pagina/b55h16_prefeitura-disponibilizara-moradia-definitiva-favela-do-moinho>, ultimo acesso em 04/07/2012.

16 Segundo trabalho desenvolvido para a disciplina AUP0274 – Desenho Urbano, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pelos estudantes: Gabriela Garcia, Jennifer Liao, Nathalia Fonseca, Thiago Reple e Victor Infante, 2009.

Do Tempo

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gestão do espaço público na cidade iniciaram ações no projeto de “revitalização” urbana - Nova Luz17 que tem impactos sobre a área da favela do Moinho, em virtude de construção de nova estação de trem (conforme será abordado mais adiante). O projeto, que soma investimentos públicos e grandes projetos de equipamento cultural com uma operação urbana para a revalorização imobiliária18 em área vizinha à favela , não envolve então as necessidades habitacionais do assentamento em questão. Porém, em se tratando de área vizinha ao pretendido vetor de valorização urbana, o projeto transforma aquele espaço que a própria lei entendia por ser de interesse social, em área de interesse da expansão imobiliária.

A favela, que representa um empecilho à expansão imobiliária, acabou por aumentar de tamanho. Logo no primeiro ano de gestão de José Serra, o número de moradores da ocupação cresceu vertiginosamente, expandido a favela para leste do viaduto Orlando Murgel, em terreno anteriormente de propriedade da extinta Rede Ferroviária Federal.

“Podemos identificar uma aproximação entre o crescimento populacional do Moinho desde 2005 à chegada ao poder de partidos políticos de orientação mais direitista, no Estado e na cidade. Isso porque medidas de caráter higienista [social] têm sido mais frequentemente adotadas(...)” (CARVA-LHO, 2009: 03). 19

Dessa forma, a favela passou a incomodar de maneira mais intensa os interesses não só daqueles envolvi-dos no projeto de gentrificação do bairro da Santa Ifigênia (o dito Nova Luz), como também aos moradores do entorno, no próprio bairro de Santa Cecília, predominantemente de classe média.20 Grande parte tem interesse na revalorização de seus próprios imóveis, interesses esses típicos de uma sociedade de elite21, que vê a favela como sinônimo de violência, sujeira e malandragem, assim como veem nas populações mais pobres feiura ou um perigo iminente, desejável de ser eliminado ou transferido de lugar.

No mesmo ano da posse da gestão municipal peessedebista, ocorreu novo incêndio na favela. O maior até aquele momento. Atingiu 19 domicílios da ocupação, sendo o maior incêndio até então. Não há, porém, informação sobre mortos ou feridos.

Já no ano seguinte, 2006, nova tentativa de expulsão dos moradores foi realizada. Assinado por Andréa Matarazzo (então subprefeito da Sé), o decreto de desapropriação foi arquivado pela Justiça; “a justifica-tiva da medida era pautada na suposta contaminação do solo pela existência de materiais explosivos no subsolo, o que nunca foi comprovado. Segundo a advogada Anna Vazzoler, coordenadora do Escritório Modelo da Pontifica Universidade Católica (PUC-SP), “a prefeitura elaborou um laudo sem base técnica, feito a partir de depoimentos, em que a culpa das explosões é atribuída às ligações elétricas clandestinas, e não às ditas substâncias”. A responsabilidade por análises de contaminação de solos é da CETESB, em-presa da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo. A empresa possui

17 Site oficial <http://www.novaluzsp.com.br/projeto.asp> último acesso em 14 de novembro de 2012.

18 Cf. SOUZA, Felipe Francisco De. “A Batalha pelo Centro de São Paulo: Santa Ifigênia, Concessão Urbanística e Projeto Nova Luz”. São Paulo: Editora Paulo’s, 1ª edição, 2011.

19 Reforçando o assunto, Carvalho ainda coloca que: “como afirmou em 2007 o defensor público Carlos Henrique Loureiro em entrevista à Carta Maior: “desde que a atual gestão assumiu, em 2005, há uma prática de eliminar a pobreza do centro, enviá-la para a periferia e escondê-la da classe média”. (CARVALHO, 2009: 03)”.

20 De acordo com pesquisa Fundação SEADE, 2000.

21 Cf. FERREIRA, João. in SOUZA, Felipe Francisco De. “A Batalha pelo Centro de São Paulo: Santa Ifigênia, Concessão Urbanística e Projeto Nova Luz”. São Paulo: Editora Paulo’s, 1ª edição, 2011.

Perímetro do NovaLuz (em amarelo) e a proximidade com a favela (em rosa).

Imagem aérea da área de 2003.

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um cadastro de todas as áreas contaminadas do Estado e, após realizarmos a busca em todo o documento, não encontramos nenhuma ficha de contaminação referente à favela do Moinho, ou ao endereço ocupado pela favela, o que nos leva a crer que, de fato, o decreto de Andrea Matarazzo seria pautado em informa-ção leviana.” (CARVALHO, 2009: 06). Este fato chama a atenção para a maneira como o governo municipal tratou a questão habitacional. Causa estranhamento como um subprefeito tem liberdade para criar decreto de remoção populacional, ainda mais por essa ter sido apoiada em informações não confiáveis, de forma imprudente. Para a sorte das famílias moradoras da ocupação, o judiciário barrou a ação.

No ano de 2007 uma medida provisória (nº 353), convertida em lei federal (11.453 de 31/05/2007) estabe-leceu a extinção da RFFSA e a transferência dos bens imóveis para a União; a própria RFFSA e a CPTM tentaram anular o leilão do terreno, realizado em 1999, e a arrematado pela Mottarone Serviços de Super-visão, Montagem e Comércio Ltda. Com o leilão anulado, a posse do terreno iria então para a União, o que facilitaria também um acordo com a CPTM para que essa utilize o terreno. Em meio à disputa judicial pela posse do terreno, a crescente demanda habitacional paulistana e o não atendimento do direito à moradia se refletiram no crescimento e adensamento da favela do moinho. Em 2008 eram estimados 750 moradores22 no assentamento.

Nesse mesmo ano, “a Prefeitura Municipal de São Paulo inicia um processo jurídico junto à União solici-tando transferência do terreno para o município, a fim de viabilizar a construção de um parque urbano, o Parque Moinho Novo” (CARVALHO, 2009: 05). Porém a legislação do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo então vigente já classificava a área como ZEIS03. Com a tentativa (frustrada) de se modificar essa condição na revisão do PDE de 2008, e a disputa judicial pela posse da terra, o projeto de parque para a área não foi levado adiante. Ainda em 2008, com a ajuda do Escritório Modelo da PUC, os moradores entraram com pedido de Usucapião coletivo da terra. Enquanto o processo corria na justiça, os ocupantes conseguiram o direito à posse do terreno por tutela antecipada23.

Aparentemente, o período que se seguiu a partir da tutela antecipada, de 2009 até o final de 2011, foi um período mais estável para os moradores da favela do moinho. Apesar de haver ocorrido um incêndio em 2009 e outro em 2010, não houve registro de nenhum ou morto, apenas um ferido. Porém, se não houve tentativas oficiais de remoção da população no período, tão pouco houve ações políticas com vistas ao atendimento da demanda por habitação daquela população.

O período de menor instabilidade na vida dos moradores não durou muito tempo. Às vésperas do natal de 2011, um grande Incêndio tomou conta do antigo prédio do Moinho. A favela que contava então com mais de 1.656 moradores24 teve aproximadamente metade dos barracos destruídos, deixando uma população de mais de 800 pessoas desabrigadas25. Segundo a imprensa, houve três mortes26. Segundo os moradores, o número de mortos ultrapassou 20, sendo parte deles crianças, que não conseguiram fugir a tempo.

22 (CARVALHO, 2009: 03)

23 Informação em vídeo institucional “Favela do Moinho” do Escritório Modelo D. Paulo Evaristo Arns, da Pontifícia Universidade Católica – São Paulo. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=y8UEM2nrwGM>

24 CENSO - IBGE, 2010.

25 Segundo informações verbais de moradores do moinho em entrevistas para esta pesquisa; de acordo com Folha de São Paulo de 23 de dezembro de 2012, esse número foi de 500 pessoas, já de acordo com o Estado, foram 200famílias (cerca de 600 pessoas, tomando-se a média de moradores por família da favela, que é inferior a 3 pessoas).

26 O Estado de São Paulo - Bombeiros localizam terceiro corpo em favela incendiada - 23 de dezembro de 2011 in <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,bombeiros-localizam-terceiro-corpo-em-favela-incendiada,814624,0.htm> último acesso em 14 de novembro de 2012.

Imagens do incêndio de dezembro de 2011.

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Daí para frente sobrou incertezas aos moradores da favela. Com incrível (e até estranha) agilidade, uma semana após o incêndio, o antigo prédio do moinho foi demolido, restando apenas os silos e parte dos barracos não atingidos. O antigo acesso pela Al. Nothmann foi encerrado, e a área incendiada isolada por tapumes. Seguiram-se muitas promessas da prefeitura, poucas delas cumpridas.

Através do Sistema de informações para Habitação Social da cidade de São Paulo (Habisp27), o poder muni-cipal anunciou que iria atender a todos os moradores da comunidade do Moinho, transferindo parte deles para o conjunto habitacional Vila dos Remédios, na Zona Oeste da cidade, e outra parte para “área vizinha ao Moinho” sem clara identificação de sua localização. Foi dito a moradores da comunidade que essa área seria na Rua dos Bosques, que faz parte do perímetro de ZEIS 0328. Ainda segundo site da prefeitura, “815 famílias da área que aguardam pela moradia definitiva estão sendo incluídas nos programas da Sehab, seja ele o Auxílio Aluguel ou o Parceria Social”. Porém o que se seguiu foi, além da criação de grande expecta-tiva nos moradores atingidos – direta e indiretamente– pelo incêndio, o não cumprimento das promessas. Quatro meses depois daquele incêndio, e até hoje, não há notícia de nenhum morador que tenha sido transferido para a Vila dos Remédios (ainda em fase de obras)29, tão pouco para a Vila dos Bosques (cujo terreno ainda passa por terraplanagem)30. Além disso, de acordo com os próprios moradores, grande parte dos beneficiados pelas bolsas da prefeitura não viviam na área. Pior que isso, parte dos que começaram a receber o Auxílio Aluguel tinha dificuldades em receber a segunda parcela. Uma desatenção do estado que, ao invés de cumprir com a efetivação de direitos, cria um “fazer provisório”. Ao oferecer uma quantia em dinheiro às famílias, não só desmobiliza a unidade entre os ocupantes (que no caso apenas coletivamente possuem o direito de usucapião), como transfere a responsabilidade para eles de encontrar um lugar para morar que, além de tudo, não é possível que seja próximo de onde vivem, devido aos preços dos aluguéis no centro31.

Em meio às promessas e expectativas, como que para desestabilizar ainda mais a situação já precária de vida dos moradores da favela do moinho, notícias na imprensa32 dão conta de interesse da Prefeitura em construir estação de trem exatamente na área da favela. A despeito da tutela antecipada dos moradores so-bre o terreno por usucapião, dá-se a previsão de remoção completa dos moradores no ano de 2013. A ideia de usar aquela área como estação de trem está intimamente ligada ao projeto Nova Luz. Para a efetivação do almejado pólo artístico-cultural no centro e a revalorização dos terrenos no entorno, o projeto pretende desativar a estação Júlio Prestes. Vizinha à área do moinho e pertencente ao perímetro do Nova luz, é também na Júlio prestes que se encontra a luxuosa Sala São Paulo de consertos, além do museu do DOPS.

Após algum tempo sem informações oficiais, os cerca de 800 pessoas restantes na comunidade33, final-mente tiveram reuniões com representantes da prefeitura para a implantação do um novo Programa de

27 Sistema de informações para Habitação Social da cidade de São Paulo. Notícia disponível no site: <http://www.habisp.inf.br/pagina/b55h16_prefeitura-disponibilizara-moradia-definitiva-favela-do-moinho>, ultimo acesso em 04/07/2012.

28 Segundo informações verbais de moradores do moinho em entrevistas para esta pesquisa.

29 De acordo com site da Habisp <http://www.habisp.inf.br/det/projeto?pid=247ed2e6-2b82-31d2-b1a1-d710886a410d> último acesso em 14 de novembro de 2012.

30 Segundo informações verbais de moradores do moinho em entrevistas para esta pesquisa.

31 A questão do Auxílio Aluguel será melhor discutida mais adiante.

32 Jornal da Tarde - Favela vai virar estação da CPTM, 28 de Março de 2012.

33 Segundo informações verbais de moradores do moinho em entrevistas para esta pesquisa.

Com estranha rapidez, apenas uma semana após o incêndio, antigo edifício do Moinho é demolido.

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Prevenção Contra Incêndios (PREVIN)34. Porém as provisões, além de incompletas, foram insuficientes para prevenir um novo incêndio35.

Em setembro de 2012, pela nona vez, e a segunda em menos de nove meses, parte da favela do moinho foi incendiada. Dessa vez atingindo cerca de 80 barracos no extremo oposto da ocupação, sob o viaduto Orlando Murgel, o incidente deixou um homem morto e 300 pessoas desabrigadas36. Mais uma vez, parte dos desabrigados foi cadastrada no programa municipal de Auxílio Aluguel. Porém, a maior parte, não conseguindo pagar aluguel com o valor, passou a morar em casa de amigos ou parentes na periferia. Outros acabaram utilizando o espaço de escola de samba sob a ponte para servir de abrigo provisório.

Hoje a favela conta com mais de 700 moradores37. Apesar da pressão para que aceitem um Auxílio Aluguel e passem a morar em outro lugar, ainda parte dos atingidos pelo incêndio tenta reconstruir seus barracos em área que sobrou da favela.

34 De acordo com site da prefeitura, “Entre as medidas para redução da vulnerabilidade aos incêndios estão previstas ações de inserção comu-nitária, como a criação de zeladores comunitários, brigadas de incêndio e cadastramento social dos moradores destas comunidades. Além disso, o programa prevê ação conjunta institucional de todos os órgãos que de alguma forma estão envolvidos com o problema”. Mais detalhes no site <http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=43696>

35 As reuniões e ações do PREVIN serão melhor tratadas mais adiante.

36 Folha de São Paulo, 18 setembro de 2012.

37 Estimados a partir do número de moradores segundo o Censo 2010, menos os desabrigados dos dois últimos incêndios. Considerando-se que parte desses voltaram a morar no assentamento, esse número deve saltar para mais de 1000 moradores.

Imagens do incêndio de setembro de 2012.

Área devastada pelo fogo sob o viaduto Orlando Murgel e Moradores caminham por entre os barracos incendiados.

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DO CONTATO

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As primeiras visitas ao local, realizadas no âmbito dessa pesquisa, se deram na ocasião do festival Baixo-Centro38, de 2012. Nesse festival, uma das atividades propostas por um grupo de artistas para re-pensar e re-ocupar a área denominada por eles de Baixo-Centro, era exibir para os moradores da favela do moinho um vídeo-documentário sobre festas populares em cidades do interior brasileiro. A oportunidade de aden-trar a comunidade foi de grande importância, já que possibilitou o acesso à favela e, mais que isso, a cria-ção de contato com uma das lideranças locais. Também algo chamou atenção logo de início: a divulgação de que haveria projeção de filme, solicitada pelos artistas, não ocorreu. O fato já apontava para a baixa união da comunidade, confirmada mais tarde, no decorrer do trabalho. O que sucedeu é que o público majoritário do filme foi de crianças. Elas, pelo desinteresse em um documentário, acabaram por forçar a mudança de programação para a exibição de um desenho animado, mais adequado às suas expectativas.Com o primeiro contato feito, logo se seguiu uma segunda visita. Essa, por sua vez, coincidiu com a visita de uma equipe de áudio e vídeo no local. A equipe fazia parte do projeto artístico Inside Out Project, idea-lizado pelo artista francês JR, vencedor do prêmio TED 201139. O projeto produziu fotografias de rosto dos moradores, que foram posteriormente coladas em muros da cidade - inclusive dentro da comunidade - em grande escala através da técnica de lambe-lambe. Também para esse projeto foram produzidos vídeos de entrevistas com moradores, que contaram um pouco de sua história, sua origem, há quanto tempo estão na comunidade e responderam à pergunta: “o que é importante para você?”.

Visto que ter uma equipe trabalhando com fotografia e filmagem dos moradores da favela pareceu uma ótima forma de introdução à comunidade, foi decidido integrar a equipe de voluntários. Através do traba-lho junto ao Inside Out Project (IOP), foi possível fazer visitas constantes à comunidade, com periodicidade quinzenal ou semanal.

Esse contato possibilitou outro nível de entendimento da realidade dos moradores, e acabou por esclare-cer uma série de questões importantes. Em conversas de aproximadamente meia hora, foi possível ouvir acerca de suas vidas, sua relação com os vizinhos, a importância que a questão habitacional tem para eles, e mesmo descobrir um pouco mais sobre o preconceito que sofrem por serem habitantes de uma favela.

Ao longo do processo de estudo, uma das características mais marcantes sobre o caso da comunidade da favela do Moinho, foi a forma como a vida das pessoas que vivem em condição de precariedade é dinâmi-ca. No intervalo aproximado de sete meses, foi possível acompanhar mudanças drásticas nas condições de vida de muitos dos moradores. Enquanto uns ficaram desempregados, outros montaram negócio próprio; tiveram filhos, perderam parentes, reformaram o barraco ou simplesmente foram embora; novos morado-res vieram e lideranças se consolidaram tão logo quanto ruíram. Mas se esses aspectos parecem comuns também nas classes sociais de melhores condições de vida. Porém, um aspecto difere determinantemente os ocupantes daquele terreno da elite da sociedade: a forma como são excluídos, relegados a péssimas condi-ções de moradia, e à desassistência do Estado, gera uma situação de extrema fragilidade dessas pessoas. É essa fragilidade que faz com que uma simples mudança de política pública, ou uma ação criminosa, trans-

38 Mais sobre o festival no site <http://baixocentro.org>, ultimo acesso em 30/06/2012 às 12:00h.

39 Ver mais sobre em <http://blogs.dharma.art.br/2012/02/inside-out-sao-paulo-humanidade-compartilhada>, <http://blogs.dharma.art.br/iop-sp/> e <http://catarse.me/pt/projects/779-inside-out-sao-paulo-humanidade-compartilhada>, ultimo acesso em 30/06/2012.

Do Contato

Equipe do projeto InsideOut São Paulo entrevita morador da comunidade e retratos são colados em tapume do largo da Batata.

Crianças da comunidade ajudam na colagem dos lambe-lambes na fachada da creche.

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forme significantemente a vida deles. Pode fazê-los de moradores de favela a habitantes de uma moradia digna, ou a moradores de rua.

Um fato em particular, reincidente na área, transformou a história dos moradores. Um incêndio (em 17/09/2012, o nono deles nos últimos 16 anos) desabrigou novamente moradores, expulsou mais 150 pes-soas do assentamento e fragmentou ainda mais a comunidade. O tema em específico será mais bem tratado mais adiante. Porém é dessa dinâmica das relações interpessoais e das pessoas com o espaço em que vivem que será descrita nesse capítulo.

De acordo com Lúcio Kowarik40, a lógica de acumulação do capitalismo faz com que, quanto mais esse avance, maior se torne a extração da mais valia e a exploração dos detentores de meios de produção e re-produção do sistema sobre a massa trabalhadora. Dessa forma, grosso modo, nas cidades que passaram por processos de industrialização e entrada na economia globalizada, acirraram-se as condições de exploração e dominação da massa trabalhadora. Mesmo tendo escrito sobre o tema em 1979, o autor parece ter razão ainda hoje em dia: são a questão salarial e a falta de provisão de moradia por parte estatal os fatores mais relevante para se ir morar em uma favela em nossa sociedade subdesenvolvida.

No caso do Moinho, frequentemente os moradores são migrantes, e estão, no caso dos entrevistados, de três meses a 20 anos em São Paulo. Vieram em busca de emprego e melhores salários. Acabaram desemprega-dos, em empregos de baixa remuneração, ou em subempregos. Assim, ganham menos do que o necessário para pagarem água, luz, aluguel e comida. Como o estado não provê a moradia a que o cidadão tem di-reito, nem o acesso aos serviços de consumo coletivo que igualmente garante a constituição brasileira, e muito menos isso lhes é garantido pelo capitalista empregador, então o que resta é a autoconstrução das habitações em terrenos vazios.

Francisco de Oliveira descreve muito bem esse processo. São casas edificadas “pelos próprios proprietários, utilizando dias de folgas, fins de semana em formas de cooperação como o ‘mutirão’. Ora, a habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não-pago, isto é, sobre-trabalho”41. O sociólogo também explica o papel dessa forma de produção habitacional na sociedade capitalista: “Embora esse bem não seja desapropriado pelo setor privado de produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado – a casa – reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho – de que os gastos com habitação são um componente importante – e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de ‘economia natural’ dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capita-lista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho”42.

É por isso que, por não conseguir combater a crueldade da exploração a que são acometidos, por não con-seguir se organizar socialmente como classe devido à sua total vulnerabilidade, pois nem condições míni-mas de vida e moradia têm, faltam-lhes condições básicas para lutarem contra isso, é que eles passam a “se

40 KOWARICK, Lucio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979

41 OLIVEIRA, Francisco de – A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista. Estudos CEBRAP 2,outubro de 1972, p.31.

42 Idem.

O motivo pelo qual foi morar lá

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39

virar” como podem. Os trabalhadores, migrantes ou locais, ao serem convidados por amigos ou parentes para morar na favela, veem na moradia ilegal uma forma de sobreviver. Ao menos lá, não necessitam pagar pela infraestrutura (mesmo que essa seja precária), e nem pelo aluguel. Caem assim na quase que completa imobilização da luta pelos seus direitos de cidadão.

Após comprarem43 o barraco, têm a mínima garantia para poderem preocupar-se mais exclusivamente com a alimentação e necessidades de seus filhos. Por vezes, podem também pagar por um ou outro estudo, um curso de aperfeiçoamento, ou abrir um pequeno negócio, que faz com que finalmente possam aumentar um pouco a renda (ainda que essa permaneça abaixo do suficiente para o sustento das famílias e o acesso aos serviços básicos através do mercado formal). Diversas falas comprovam isso. Humberto44, por exem-plo, explica que foi para a favela para sair do aluguel, comprou o barraco porque pagando o aluguel só tinha dinheiro para “gastar e comer”. Afirma que assim, pôde ter algum dinheiro extra para fazer cursos de marcenaria, elétrica e hidráulica: “caso [eu venha a] perder o emprego um dia, não fico desempregado”. Também outros moradores reforçam a ideia. Fernanda, por exemplo, diz que ao chegar a São Paulo, procu-rou aluguel. Como não possuía renda suficiente para pagar, foi morar na favela. Karen diz que a vantagem de morar no Moinho é não pagar aluguel, não pagar água ou luz. Não sendo por isso também, que acham a alternativa justa. Todos dão a entender que foi a alternativa que restou, não a que optariam se tivessem alternativa. Gianini esclarece: “[Aqui] você não tem a sua vida adequada. Você não consegue pagar uma coisa pra ter a responsabilidade, a liberdade que você tem”.

Talvez o assunto mais recorrente nas conversas, ao lado da questão do emprego e da família, seja mesmo o tema habitacional. Algo que parece evidente também para quem olha de fora, mas que é reforçado pelas falas dos moradores. Ao responderem sobre “o que é importante para você?”, um quarto dos 159 entrevis-tados responderam coisas como “Moradia” ou “Moradia digna para todos”.

Ao observar os barracos45, em sua maioria de ripas de madeira, e em alguns casos de alvenaria, fica claro o porquê disso. Além de serem mal iluminados e mal ventilados, também têm a salubridade prejudicada pela precariedade das instalações elétrica, de água potável, e esgotamento sanitário. O acesso dos moradores a esse tipo de serviço se dá sempre através ligações clandestinas à rede pública de energia elétrica, água potável e capitação e tratamento de esgoto. Também por vezes moradores optam por fossas sépticas para o despejo de dejetos sanitários.

Mas os “gatos”, como são chamadas as ligações improvisadas, estão longe de ser uma solução fácil ou definitiva para se obter aquilo que o estado deveria prover. Ainda que existam moradores com formação técnica em elétrica, ou com experiência em construção civil suficiente para criar sistemas de esgotamento, a dificuldade de obter materiais ou ferramentas adequadas para a realização de tais instalações torna essas

43 Transação dentro de um mercado informal de habitação, presente em 90% dos casos das pessoas entrevistadas, excetuando-se somente os pioneiros da ocupação e os que foram morar no barraco dos pais ou parentes.

44 As falas dos moradores citadas adiante foram retiradas de vídeos do Projeto Insideout, transcritos com autorização do projeto, no âmbito dessa pesquisa. Somente os primeiros nomes foram utilizados para evitar sobre exposição dos mesmos. As entrevistas consentidas diretamente para este trabalho terão a indicação devida.

45 Segundo o Dicionário de Língua portuguesa Michaelis, o verbete Barraco: Pequena casa de tijolo ou madeira, nos bairros pobres, coberta com palha, ramos, telha ou zinco.

A importância da questão da moradia e infraestrutura básica

Instalações elétricas improvisadas.

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perigosas para os próprios barracos a que servem. Os cabos expostos às intempéries e as instalações feitas de forma improvisada tornam a ligação elétrica de grande potencial para curto-circuitos, produção de fa-gulhas (gerando risco de incêndios) ou mesmo de choque elétrico de alta tensão. Apesar de acordo com a Sabesp (pelo entendimento de que negar provisão de água inviabiliza a sobrevivência das pessoas, sendo esse então um dever da companhia),a água provida é constantemente cortada para a comunidade46. Já o esgotamento improvisado (muitas vezes a céu aberto) torna-se um problema de saúde pública. Não raro foi ver crianças brincando na vala como se essa fosse um pequeno rio para seus barquinhos de papel. Parte delas visivelmente tinham doenças de pele. Hematomas que muito provavelmente foram provocados pela exposição à água contaminada e pelos dejetos da própria comunidade.

Além disso, os moradores, por viverem em uma área residual da cidade desprovida de acesso à infraestru-tura básica, acabam por ter suas casas invadidas por muitos tipos de insetos e pragas às quais a fórmula: lixo, mais humidade, mais temperaturas cálidas, formam a combinação perfeita para sua proliferação. Nas palavras de Jorge Luis Santos, morador recente da comunidade, “rato aqui é inquilino”. Nilda Maria tam-bém reforça a ideia: “Não é fácil não, ver seus filhos pequenos dormindo com os ratos”. Também outros animais vetores de doença aparecem por lá. Facilmente vê-se baratas e pernilongos, tendo sido encontrada, mais de uma vez, a variedade transmissora de dengue - o Aedes Aegypti. Nas palavras de Karen dos Santos, “É ruim [morar no moinho] porque (...) as instalações são precárias, agente fica com medo”.

A localização da favela na área central da cidade é parte importante para a sobrevivência de seus morado-res. Com uma população com aproximadamente 70% de catadores de material reciclável47, a proximidade com o “lixo rico”, aquele que contém grande quantidade de papel, lata, ou ferro-velho, é essencial para a efetividade do negócio. Também possuir espaço para armazenar o material recolhido (o que dá possibili-dade de negociar melhores valores no pagamento pelo material48) é importante, por isso existem barracos somente para o depósito de materiais recicláveis. De uma forma geral, existe um acordo com companhias de reciclagem que levam o caminhão até a favela para recolhimento do material.

A premissa de que as populações trabalhadoras que vivem no centro devem seguir vivendo ali, tantas vezes pregada pelos urbanistas que defendem a reocupação dos terrenos e prédios vazios do centro, encontram eco nas falas de Renaci. Catador de papel há 17 anos (quando foi morar no moinho, vindo de Mogi das Cruzes), e um dos desabrigados do último incêndio que houve na comunidade, dá uma aula sobre a impor-tância de se viver em uma área acessível para os trabalhadores de baixa renda.

“Eu te garanto que eu, saindo aqui, se eu for até a [Avenida]Paulista, eu arranjo 20 reais, dá pra comprar uma mistura, comprar um leite pros meus filhos. (...)Hoje em dia49 tenho meu carrinho aqui na minha garagem. Você vê que é uma coisa que se eu tivesse lá [em Mogi] eu não teria condições nem de ter, nem de sustentar minha família do jeito que eu sustento aqui. Já morei em Mogi das Cruzes com a minha mãe. E é difícil hein? Você pegar uma condução lá em Mogi das Cruzes, vir aqui

46 De acordo com lideranças da comunidade, em entrevista concedida para este trabalho.

47 Estimativa dos próprios moradores.

48 Ponderação feita pela arquiteta Marcia Saeko Hirata, e também confirmada pelos moradores.

49 Entrevista concedida antes do Segundo incêndio, no qual Renaci perdeu seu barraco e seus pertences.

A importância da proximidade com os empregos.

Sistema de esgoto improvisado.

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41

puxar carrinho o dia inteiro no centro da cidade e depois de tarde você voltar morto, segurando [em pé] no trem, e o trem sacoalejando… O que é você pegar um trem, você pegar um ônibus lá na casa do chapéu, aí vem, chegar aqui, ralar o dia inteiro, de faxineira, ou de servente de pedreiro, o que seja, e depois pegar um ônibus de volta pra casa, chegar em casa morto de cansado, e ainda chegar lá, tem as criança bagunçando... tem que já chegar, bater um ranguinho, ir deitar e dormir, para levantar as quatro horas da manhã.

Aqui não, aqui eu saio oito horas da manhã, pego meu carrinho, já tô no centro catando minha reciclagem. Volto meio dia, já volto com 30, 40R$ no bolso. Eu morando lá em Mogi, se eu ganhar 30R$, (...) ou eu tenho que trazer marmita, comer por aí, gelada, igual eu fazia nas antigas, ou eu tenho que fazer o que? Pegar, ir almoçar no bar. No bar vou gastar 15R$ de almoço. E aí? Se eu ganhar 30 eu vou chegar em casa com o que? Com 12? Porque eu tenho que pagar passagem. No outro dia tem que pagar passagem de volta. Aí eu vou ganhar dez reais por dia.(...)Eu trabalho a vinte anos catando reciclagem aqui no centro da cidade. E graças a Deus, não me falta nada.

(...)Eu falo a verdade. Dou o maior valor aqui pro moinho, porque moro aqui há uns 17 anos, e dou o maior valor aqui. Aqui eu tiro meu sustento. Deu dez horas, já ganhei um dinheirinho - ah, eu vou em casa. Vejo minhas filhas. Igual: elas tão de férias agora, minha esposa trabalha. Eu tenho que estar indo e vindo, pra que? Eu tenho que cuidar delas também. Agora se eu moro lá em Mogi, ou lá em Suzano, São Mateus – que eu já morei em São Mateus quando eu era pequeno - como é que eu vou fazer isso? Não tem condições. Eu tenho que deixar elas lá e pedir a Deus que vai ficar tudo bem com elas. Vou pagar um vizinho pra olhar. Mas às vezes você paga um vizinho, você pensa que aquele vizinho é o bom, aquele vizinho é o que não presta. Você não sabe o coração de ninguém como é. Entendeu?”

Além dos catadores, residem na favela diaristas, passadeiras, encanadores, pedreiros, eletricistas, pintores, artistas plásticos, e um grande número de desempregados ou inválidos. Em comum, eles têm o fato de que ir viver na periferia representaria um aumento significativo no custo de vida. Devido a distancia dos locais de trabalho, gastariam mais com transporte público, teriam que comer fora de casa e possivelmente pagar pelo aluguel ou compra de outro barraco. Isso sem contar no custo da qualidade vida, já tão sofrida, tendo que gastar horas em deslocamentos casa-trabalho. Todos também dependem de uma boa localização para terem condições de manter a família, ou de ter algum acesso a atividades culturais ou de esporte e lazer, aos quais muito mais dificilmente te-riam na periferia. Fernanda comenta que gosta de viver no moinho porque “é perto de tudo”.

Apesar disso, há quem ache vantajoso sair do assentamento para ir viver na Vila dos Remédios, na zona Oeste. Vanderléia Brandão, que disse ter aceitado mudar-se para o conjunto habitacional em construção próximo à ponte dos remédios, não vê a hora de mudar-se, já que, além de sonhar em ter um habitação digna, o conjunto é mais próximo de seu emprego – Vanderléia trabalha como atendente na lanchonete de uma faculdade da zona Oeste.

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Viela escura da comunidade: acima - intalações eletricas improvisadas, abaixo –esgoto a céu aberto.

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Interessante notar que a imagem que mora no censo comum (e que também é um preconceito), de que todo morador de favela é unido, de que a pobreza e as condições precárias de vida acabam por agregar os moradores e por criar uma sociedade de cooperação, não se verifica completamente no caso da favela do moinho.

Como já citado antes, a dificuldade de divulgação interna entre os moradores de um evento como o rea-lizado pelo Festival Baixo-Centro já apontava para essa característica. Higor Carvalho, em iniciação cien-tífica pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Estado de São Paulo, dava um indicativo do porquê: “[As] famílias possuem histórias e origens muito diversificadas, o que dificulta na construção de uma sociabilidade pautada nas similaridades entre indivíduos, apesar do compartilhamento da mesma situação presente.”(CARVALHO, 2009: 03). Posteriormente, tomando mais contato com os moradores, ficou tudo mais evidente. “Agente se fala em comunidade, mas comunidade mesmo não existe” comentou Giannini, ao tratar dessa relação.

As conversas com os moradores, durante todo o período de desenvolvimento do trabalho, permitiu en-xergar matizes dessa relação. Enquanto alguns dizem fazer de tudo pela comunidade, outros se mostram pouco solícitos e pouco afeitos de seus vizinhos. Muitas foram as falas de desconfiança entre os moradores, trazendo a explicitação de conflitos internos. Na parede externa de um dos barracos era possível ler, escrito em tinta vermelha e com o próprio dedo sendo usado como pincel:

“Recado aos invejosos: Antes de falar de mim, lembre-se do seu passado. Sei que em silencio tem inveja de mim, fala mal da minha vida e coloca defeito em tudo o que faço. Mas fique sabendo que tudo que tenho foi conquistado com o fruto do meu suor. Por isso, ao invés de me invejar, faça como eu. TRABALHE!”.

Por outro lado, não faltam pessoas que dão o que podem para ajudar os vizinhos em momentos de neces-sidade. Dona Rosa sempre reforça a importância de ajudar os outros moradores “aqui uma mão lava outra”. Gentil, Rosa sempre recebia a equipe do projeto Inside Out com balas e pirulitos. Marcelino dos Santos, o seu Santos, também demonstra ajudar com o que pode. Artista plástico, e ex-integrante da União de Movi-mentos de Moradia, aporta uma noção que difere da maioria de seus vizinhos: “sempre que eu posso, ajudo as pessoas aí, [com] conhecimento, cultura...”. Seu Santos conta que, sempre que possível, arma oficinas de artesanato ou mesmo de artes para as crianças ou para os adultos, oferecendo também seu conhecimento para criar uma oportunidade a mais de diversão, lazer, ou mesmo complemento de renda para seus compa-nheiros. “[O importante é] Interligar as pessoas que precisam de trabalho, que precisa de alguma coisa aqui da comunidade; cheguei até [a ser] presidente da associação aqui”. A associação de moradores da favela do moinho passa constantemente por altos e baixos.

Em 2006, a comunidade estava sendo - mais uma vez - ameaçada de ser removida pela prefeitura50. Os então 700 moradores51 brigavam pelo direito de usucapião, já que estavam instalados ali havia mais de

50 Detalhes no capítulo Do Tempo

51 Segundo video “Favela do Moinho”, produzido pelo Escritório Modelo e disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=y8UEM2nrwGM>,

As relações de vizinhança internas.

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cinco anos. Aparentemente a ameaça favoreceu a união dos moradores, que conseguiram, com auxílio do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Escritório Modelo de Direito da PUC), a tutela antecipada do terreno. Oficialmente, hoje, se a prefeitura quiser remo-ver os moradores do terreno como um todo, deveria pagar de indenização a eles o mesmo valor de mercado do terreno, como faz com qualquer outra desapropriação.

Depois da tutela antecipada garantida, houve uma desmobilização da comunidade. Após o incêndio de de-zembro de 2011, a organização dos moradores foi novamente prejudicada. Com três mortos52 (20 segundo os moradores) e a saída de mais de 800 pessoas da favela, sua população passou de 1.656 morardores53 para aproximadamente 865 moradores54. Tal fato contribui, para a mudança da população residente e, portanto, para sua menor união.

Em maio de 2012 houve, por exemplo, uma primeira tentativa de assembleia dos moradores para decidir as lideranças da associação, mas que teve a presença de somente cinco moradores. Segundo Humberto, um dos motivos seria que o espaço para a assembleia, que tradicionalmente ocorria na creche (de alvenaria, construída na área com ajuda da Aliança de Misericórdia), estava fechado. Nas falas dele: “Eu que convo-quei. E como a chave não foi cedida, né? Porque fica com os pessoal da igreja, como sempre, entendeu? (...) [Falaram que] estava condenado [o espaço da creche], agora já tá voltando de novo. Não sei, entendeu; olha aí: tava condenado, aí depois volta de novo.... entendeu? Aí já não é mais de novo,...”. A influência político-organizacional exercida pela Aliança de Misericórdia sobre a comunidade não ficou clara naquele momento. Porém, cerca de dois meses depois da primeira tentativa, uma segunda ocorreu, dessa vez no espaço da creche (recentemente reaberta), e contando com o quórum necessário. Neide foi eleita Presidente da Associação de Moradores, e Humberto o Vice-presidente.

Tal composição organizacional serve para que os moradores tenham um porta-voz oficial. Além disso, aqueles que estão no corpo da associação presam por promover os interesses da comunidade frente à so-ciedade e mesmo frente à ela própria, tentando que resolver, além de problemas de infraestrutura, brigas de vizinhos ou problemas de relação entre os moradores e agentes externos da comunidade, dando permissão para esses atuarem ou não na comunidade. Foi a presidente da associação que esteve presente na reunião com a equipe da prefeitura do PREVIN, por exemplo. Foi também ela que deu permissão para a ação do grupo InsideOut ser realizada na favela.

Porém também essa composição não durou muito tempo. Pouco antes do segundo incêndio, de setembro de 2012, um antigo chefe do tráfico local foi solto da prisão. Não foi possível descobrir o exato motivo disso, porém, pouco tempo depois, Neide acabou por se mudar da favela. Ainda que o novo incêndio tenha certamente deixado ela e sua família abalados, estranha-se o fato de que sua mudança (para a casa de um amigo) tenha ocorrido escoltada pela polícia civil.

ultimo acesso dia 19/1./2012.

52 O Estado de São Paulo - Bombeiros localizam terceiro corpo em favela incendiada - 23 de dezembro de 2011 in < http://www.estadao.com.br/noticias/geral,bombeiros-localizam-terceiro-corpo-em-favela-incendiada,814624,0.htm> último acesso em 14 de novembro de 2012.

53 CENSO IBGE - 2010

54 Número que voltou a cair após o incêndio seguinte, em 2012.

“Recado aos invejosos” exposto em muro de um dos barracos.

Moradores realizam Assembléia no campinho, logo após o incêndio de 2011.

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Essa influência do tráfico de drogas não é de todo clara, afinal pouco se fala abertamente sobre isso. O fato acima citado, somado a determinados episódios presenciados lá, faz transparecer o poder deles. Tal poder gera um “papel centralizador do tráfico”, que é baseado em mostrar quem é o dono “da força (violência), e [no] medo que impõem aos demais. A violência sobre os moradores não é física, mas psicológica. A ima-gem de quem porta a arma já é suficientemente convincente para determinar quem é o dominante e quem o dominado.”(CARVALHO, 2009: 05)

Descobriu-se logo no começo que existe certa demarcação territorial dentro do terreno da favela a qual não se passa nem se toma registros da favela sem autorização. Em conversa com os líderes da associação descobriu-se que a área para trás dos Silos não pode ser fotografada, muito menos filmada. “Da bandei-ra55 para lá nóis não tem autorização né? Como foi que eu te falei”. Em dois casos particulares, fotógrafos membros da equipe do InsideOut tiveram que dar explicações a membros do tráfico que aparentemente não haviam sido avisados de que a equipe iria fazer registros no local, ou mesmo de que tipo de registro se tratava. “São eles, [os traficantes], que permitem ou proíbem diversas atividades na favela, como a aceitação ou a recusa da instalação de uma nova família ou mesmo a vigilância de tudo o que acontece, de todos que entram e saem da favela”(CARVALHO, 2009: 05), como foi possível observar. Também é deles o papel de regular e gerir o “ “mercado imobiliário e de terras” ilegal da comunidade, regulando os preços de compra e venda e os aluguéis dos barracos de acordo com as leis da oferta e da procura, assim como o faz o mercado imobiliário legal”.(CARVALHO, 2009: 04).

Além disso, por vezes os moradores deixam escapar uma importância oculta do tráfico. Os “meninos”56 que mantém sua “lojinha”57 no assentamento, algumas vezes fazem o papel do Estado para essa população. Mais de uma vez foi citada a ajuda financeira que dão, por exemplo, para a aquisição de brinquedos para o parquinho das crianças, ou os projetores-multimídia adquiridos para atividades culturais na comunidade. “Agora, a noite, depois das 17h da tarde eu tenho cine, que eu consegui. Eu estava pretendendo comprar né? Eu consegui, através de doações, da ajuda de uma menina aí, e eu consegui um projetor. Agora todo fim-de-semana vou passar um filme aqui para a criançada”, explica um dos moradores, deixando a enten-der que a “menina aí” era da “turma do movimento”56.

Mais que isso, foi ouvido de pessoas externas ao moinho, mas que trabalharam junto à comunidade por algum tempo, que também ao tráfico interessa a permanência dos moradores na área. A comunidade faria assim uma espécie de “escudo de camuflagem” para o tráfico, que supostamente forçaria os moradores a exigirem a permanência na favela. Porém ainda não foram obtidas evidencias que aponte nesse sentido, o que assinala também para uma possível influencia é o fato de que, depois do último incêndio, reivindicar a permanência na área ter ficado muito mais difícil para os moradores. Isso porque o argumento do “risco iminente de vida” mina a força de resistência no local, seja essa resistência pela espera de uma moradia digna, seja pela suposta pressão do tráfico.

55 Refere-se a uma bandeira do Brasil, quase que ironicamente pendurada entre os silos do antigo moinho.

56 Uma das maneiras as quais os moradores se referem aos traficantes.

57 Uma das maneiras as quais os moradores se referem ao ponto de tráfico.

O Poder Paralelo

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A bandeira limitrofe.

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Ouvindo as falas dos moradores fica clara a dificuldade de comunicação existente entre os moradores da comunidade e o poder municipal. Foi dito, nas primeiras conversas, que os representantes da prefeitura não mais apareciam por lá - “eles sumiram”. “Ninguém sabe de mais nada! Não tão passando informação nenhuma mais!” dizia Humberto, uma das lideranças da favela. Dos primeiros registros, em abril, às últi-mas conversas, em setembro de 2012, a comunicação entre moradores e prefeitura não pareceu melhorar muito. Nesse meio tempo, a prefeitura, através da Habisp, divulgou nota na internet58 afirmando que todos os moradores seriam atendidos no programa de habitação popular da prefeitura. As famílias teriam o direi-to de comprar – a prestações minguadas – um pequeno apartamento popular na Vila dos Remédios (Zona Oeste da cidade, a 11Km do assentamento atual), ou em “área vizinha ao Moinho”. Essa “área vizinha ao Moinho” a que se refere o site é, segundo moradores, na rua dos bosques, na Barra Funda, a cerca de 3km da favela, e pertencente à atual área de ZEIS03. Mas essa nota foi o mais próximo que o poder municipal conseguiu chegar de cumprir com o direito à moradia que todo cidadão possui.

Averiguou-se também a realização de uma reunião entre a então presidente da associação de moradores da favela, o chefe de gabinete da prefeitura, representantes da Subprefeitura da Sé, da Sehab, da Eletropaulo, da Sabesp, do Centro de Referência e Assistência Social, da Secretaria da Educação, da Guarda Civil Me-tropolitana, da Secretaria das Subprefeituras, e dos Bombeiros, para tratar do Programa de Prevenção de Incêndios em Assentamentos Precários (PREVIN), na última semana de agosto de 2012. A discussão girou entorno de ações preventivas contra incêndios, na favela como um todo (a instalação de um hidrante, e uma edícula contendo equipamentos essenciais, como extintores e luvas) cujas obras estariam atrasadas (já que tinham previsão de término para 10 de agosto de 2012, e ainda não haviam sido realizadas), além da exigência da prefeitura de que fossem retirados os moradores que estavam sob o viaduto Orlando Murgel, que, segundo eles, estariam em situação de maior risco. Extraoficialmente, o que muitos moradores confir-maram é que de fato a prefeitura estava retirando os moradores daquela parte do assentamento. A maneira como o fiziam é que não parece condizer com uma política pública de habitação ética, feita para atender as necessidades das populações mais pobres.

Ao menos dois relatos de coação e ameaça de “capangas” da prefeitura sobre os moradores puderam ser ouvidos. As declarações de moradores ouvidos falavam que “as meninas [da prefeitura] vêm aqui dizendo que agente tem que sair até segunda. Que se agente não sair, vai destruir os barracos com tudinho dentro”, ou menções semelhantes de alguém que se diz da prefeitura dando prazos para a saída dos moradores. Após as ameaças, aqueles que insistem em ficar nos barracos passam a receber oferta oficial de “Auxílio Aluguel”. O Auxilio Aluguel emergencial corresponde ao valor de R$300,0059 por família por mês, teorica-mente para que aluguem um apartamento para viver. Mas Neide, por exemplo, esclarece o porquê o valor é muito baixo: “Como eu vou passar aí pra sair com R$300, mas aí tem aluguel, (…) luz, gás, telefone(...). Eu fui procurar uns aluguel, aí o menor preço que eu achei aqui foi R$950. E é dois cômodos, debaixo da casa do dono. Você vê. Aí a minha casinha aqui... eu não quero isso!”. Muitos dos que acabam por aceitar

58 Site da Habisp <http://www.habisp.inf.br/pagina/b55h16_prefeitura-disponibilizara-moradia-definitiva-favela-do-moinho>, ultimo acesso em 04/07/2012, às 02:40h.

59 Decreto no56.664, de 11 de janeiro de 2011 de São Paulo

A relação com a prefeitura

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o auxílio da prefeitura acabam por voltar à favela. Segundo Renaci: “a prefeitura oferecendo uma mixaria aí de Auxílio Aluguel tem um monte querendo ir embora. Mas se a prefeitura cortar o Auxílio Aluguel eles querem voltar, porque eles não vão ter pra onde ir né?”

Além disso, Renaci afirma também que, ao expulsar os moradores originais da favela e não demolir bar-racos, a prefeitura acaba por atrair novos moradores para a área, que aproveitam os cascos vazios das habitações. Esses novos moradores são, muitas vezes, viciados em crack e/ou envolvidos com o tráfico. Muda-se assim as relações de vizinhança da comunidade, reforçando o poder paralelo dentro da favela: “A prefeitura vem aí, tira os moradores, e bota os noínha”.

O último fato marcante no período, o incêndio de 17 de setembro de 2012, traz grande reflexão quanto à maneira como a prefeitura de São Paulo em sua atual gestão vem encarando a questão habitacional, e, portanto, o como se dá a relação entre moradores e governo. Com cerca de 80 barracos atingidos, e mais de 30060 moradores desabrigados, a atitude da prefeitura foi cadastrar (mais uma vez) os moradores atingidos, prometer aquele mesmo Auxílio Aluguel a eles, por tempo indeterminado, até que os conjuntos habitacionais sejam construídos. O auxílio aluguel que deveria ter caráter emergencial, se tornou a política habitacional do governo municipal vigente, conforme mostra o Observatório de Remoções da Cidade de São Paulo (LABHAB, 2012)61. Desta forma, com as obras da Vila dos Remédios ainda nas fundações e a Vila dos Bosques ainda sem início, as famílias que perderam seu lar no evento se veem mais uma vez em situação de grade fragilidade e sem perspectiva de atendimento habitacional no curto prazo. Como é sabido por eles que, em geral, as bolsas acabam por não ser providas durante todo o período de espera (muitos são os casos em que um ou dois meses depois de cadastrados os desabrigados param de receber o auxílio), e que o valor é irrisório para famílias alugarem um espaço digno para se viver perto de onde moravam (região central), acabam por precarizar ainda mais sua condição de vida. Se não conseguem voltar e reconstruir seus barracos, vão, na maioria dos casos, optar por viver em casas de parentes ou amigos na periferia da cidade ou, quando tem sorte, alugam um cômodo em algum cortiço do centro, passando a viver em situ-ação pior que a anterior.

Alguns atos da polícia militar (PM) e da guarda civil metropolitana (GCM), em geral ocultos aos olhos externos por ocorrerem contra a camada mais frágil da sociedade, acabam por transparecer na conversa com parte dos moradores. Ações truculentas da PM ou da GCM no trato com os moradores são relatadas ao se conversar com as pessoas. Revistar moradores sem motivo, ou direito para isso, como também a au-tuação ou apreensão dos produtos vendidos como tentativa de complementação de renda parecem ser atos corriqueiros. Como testemunha Edvaldo Eloy de Souza62, “Se eu vendo um cafezinho na rua eles manda os “urubu” chegar lá e pegar. Chega, empurra agente e pega: o carro tá preso. Agente não pode falar nada

60 Folha de São Paulo, 18 setembro de 2012.

61 Dados da prefeitura municipal dão conta de que a produção de unidades habitacionais previstas até o fim de 2012 chega a um total de aproxi-madamente 8000 UHs, quando há pelo menos 28000 famílias em situação de auxílio aluguel na cidade atualmente (SEHAB, 2012). Isso demonstra que a política de atendimento municipal via auxílio aluguel não tem caráter emergencial apenas, se tornou prática corrente na gestão municipal vigente, que não apresenta previsão de atendimento habitacional definitivo, não só em caso de remoções por incêndios, como também em remoções motivadas por projetos de diversas naturezas, inclusive de urbanização de favelas cf. <http://observatorioderemocoes.blogspot.com.br/> , ultimo acesso em 05/11/2012.62 Veja depoimento completo de Eloy no capitulo Das Pessoas.

A relação com a polícia militar e a guarda civil

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que leva um empurrão, leva um chute”. Mais recentemente tornou-se pública uma confusão ocorrida entre moradores, Polícia Militar de São Paulo e Guarda Civil Metropolitana. Conversando com pessoas de fora da comunidade mas que faziam trabalho voluntário lá aquele dia, foi possível ouvir sobre o conflito. De acordo com testemunhas, após último incêndio, a guarda civil foi chamada pela prefeitura para garantir que não fossem reconstruídos barracos nas áreas abaixo do viaduto e a uma distância mínima de 10m do mesmo. A despeito da tutela antecipa-da que os moradores possuem pelo usucapião da área, a prefeitura utilizou o argumento, vindo do corpo técnico da instituição, de que seria alto o risco de novo incêndio para proibir a reconstrução dos barracos próximos ou sob o viaduto. A determinação de se fazer o isolamento da área através da GCM, sem prévia explicação ou qualquer tipo de comunicação oficial com as lideranças da comunidade, a não ser da própria guarda, gerou revolta dos moradores. Ao tentarem reconstruir o pouco que sobrou de seus lares, ou limpar o espaço e recuperar algum pertence que tenha escapado do fogo, foram impedidos à força pela guarda civil. Essa, segundo a mesma testemunha, provocava moradores com falas ofensivas, ou mesmo amea-çando utilizar a força caso algum morador insistisse em entrar na área delimitada. Também segundo essa testemunha, parte dos moradores – em geral ligados ao comercio de entorpecentes – também provocava a guarda civil para que essa saísse dali. Seguiram-se bombas de gás lacrimogênio e cassetetes de um lado, contra gritos e pedras do outro. A Guar-da Civil então chamou reforço da Policia Militar que, através da presença mais ostensiva e a exibição de armamento mais pesado abrandou a situação.

Parece ser trazida a tona mais uma faceta de como são tratados os problemas sociais pelo governo muni-cipal atual. No momento que um grupo tenta retomar algo ao qual tem direito garantido pela constituição (direito à habitação), parece que ele se torna um problema de polícia, não mais sendo um problema político. É dizer: se a população quer reocupar uma área ao qual não tem mais permissão por ter se tornado área de risco, então, ao invés agir-se de maneira a contemplar essas pessoas com um abrigo digno, proíbe-se a ação através da força. É como se o cidadão desprovido de habitação não tivesse mais escolha. Ou aceita o Auxílio Aluguel e vai procurar uma habitação ainda mais precária que a de antes, ou simplesmente vira alvo de violência do estado.

A relação parece casar-se com o paradigma do Estado servindo de instrumento à acumulação capitalista. Em Espoliação Urbana, Kowarik fala de como a luta pelos direitos sociais não interessa para a acumulação capitalista, sendo então cerceada pelo Estado (mesmo que esse se pretenda democrático, no regime atual). “As necessidades sociais, numa situação em que as reinvindicações e protestos coletivos estão bloqueados, são instrumentalizadas em função das necessidades da acumulação. Assim os investimentos, nos quais é preponderante a participação estatal, visam à lubrificação da engrenagem econômica, e os problemas vi-vidos pela população só se transformaram em problemas públicos na medida em que são compartilhados pelas camadas dirigentes”(Kowarik, 1979: 50). No caso vê-se que a reinvindicação dos moradores por uma moradia digna só é ouvida quando incomoda, de alguma forma, à elite. Reconstruir os barracos sob o via-duto traria novamente risco de incêndio e, em consequência o fechamento da via que liga a Av. Rio Branco à Av. Rudge, tornando-se notícia de jornal, e atrapalhando os 30% da população que faz viagens diárias de transporte automotor individual63. Ainda assim, ao invés de se cumprir o direito à moradia, estabelece-se

63 Número obtido a partir de cruzamento de dados de pesquisa Origem-Destino da Região Metropolitana de São Paulo 1997-2007. Valor exato da proporção – total de viagens x viagens em automóvel individual – é de 27,25%

Agentes da Guarda Civil Metropolitana se colocam ante à população da favela do após protesto da comunidade.

Moradores fazem protesto no dia seguinte a ação repressiva da polícia sobre os moradores.

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mais uma limitação ao terreno de moradia torna-se o desrespeito a isso um caso de polícia. Dessa forma, criminaliza-se a vítima, quase permitindo ao estado fugir de seu cumprimento com os direitos básicos do cidadão.

Se em um quarto das respostas sobre “o que é importante para você?”, os moradores citavam a questão habitacional, em um terço das respostas a família era colocada diretamente como tendo papel central em suas vidas. A opção por viver na favela, assim como a luta por uma condição melhor parecem sempre estar ligados à melhoria de condições para a família, não somente para si próprio.

Muitos demonstram isso em fala e ações, reforçando a maneira altruísta e dedicada como lidam com suas famílias. Humberto, afirma sempre que o importante para ele é a “felicidade de (...)[seus] filhos e nunca faltar nada para eles”, assim como Josélia, grávida de 3 meses quando entrevistada, época em que vendia lanches na própria comunidade para ajudar na renda: “O importante pra mim é meu filho, que vai vir”. Wellington, ex-catador de material reciclável, fala do sacrifício do trabalho na rua: “Dia de chuva então, não pode parar, se parar o meu Filho não vai ter nada. O meu sonho é poder comprar uma bicicleta pra ele né? Uma motoquinha pra ele brincar; às vezes as outras criança tá brincando ele quer brincar também e não tem. Aí meu sonho é resgatar isso aí né? Fazer de tudo pra ele continuar estudando na creche, pra ele ser melhor que eu na vida, não tá nesse caminho né, que é perigoso, estar empurrando carroça, pode vir um caminhão, um carro...”. Todos parecem reforçar esse laço social, sempre atrelando a seus próprios valores morais. Joel diz: “Estou criando meus filhos, eles tem que ter responsabilidade. Eu nunca tirei de ninguém e não quero que eles tirem de alguém”.

O que parece ficar subentendido é que, em estando em uma situação na qual a batalha pela sobrevivência é constante, em uma condição de fragilidade muito grande, cada núcleo familiar presa para que a próxima geração do grupo viva de forma mais estável que a atual, tentando sempre criar melhores condições de vida as próximas gerações do que as de hoje. É quase como se, não tendo muitas esperanças de ter uma condição melhor de vida para sí próprio neste momento, passasse a apostar que, futuramente, seus filhos ou netos irão poder ter uma vida mais estável.

Também conversando com os moradores, nota-se algo que, para quem vê os fatos de fora pode ser imper-ceptível: ainda existe muito preconceito para com os moradores da comunidade, que, por viverem em um assentamento precário, são estigmatizados como “bandidos”, “malandros” ou “drogados”, que ainda são associados à imagem da favela, mesmo essa sendo a realidade de pelo menos 11% dos habitantes da me-trópole paulista64. O preconceito, reforçado pelas mídias e incrustrado em todas as classes sociais65, parece morar fortemente na ideologia Liberal/Capitalista, associando de maneira rasa e falaciosa, os moradores de

64 Segundo dado da reportagem da revista Exame, de 21 de dezembro de 2011, baseada no IBGE 2010, e disponível em <http://exame.abril.com.br/economia/brasil/noticias/sao-paulo-e-metropole-com-mais-moradores-de-favelas-do-brasil-segundo-o-ibge>, último acesso dia 03/07/2012.

65 Sobre o assunto, o sociólogo Paulo Silvino Ribeiro escreve para o site Brasil Escola. Disponível em <http://www.brasilescola.com/sociologia/preconceito-classe-social.htm>, último acesso dia 03/07/2012.

A relação com a família

A relação com o resto da sociedade

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favelas à vagabundos, ladrões e traficantes, como se a ausência de regulação da terra e dos serviços básicos da vida urbana (características daquilo que se pode conceituar aglomerados subnormais66) transformasse trabalhadores de baixa renda em bandidos. Nas palavras da moradora Giannini: “Porque tem uns errados aqui, eles acham que são todos. E não é.”

Tal postura, faz com que “certamente grande parte dos moradores legais dos Campos Elíseos prefeririam a instalação (...)[de um] Parque em detrimento de um projeto de habitação social, como (...) foi revelado em encontros com diversos moradores da área mais nobre do bairro, no entorno das últimas quadras da Ala-meda Barão de Limeira, em meados do ano de 2008. Além do interesse na valorização de suas propriedades, estes moradores possuem uma opinião bastante clara no que tange à ocupação da favela: para eles, grande parte das famílias seriam oportunistas interessadas apenas no recebimento do cheque-despejo (como já se convencionou chamar a indenização dada pelo poder público a cada família.”(CARVALHO, 2009: 08).

É ainda esse preconceito que acaba por inviabilizar também a inserção de grande parte dos moradores no mercado formal de trabalho. Mais de uma vez foi ouvido de moradores que eles tinham que mentir ende-reço na hora de fazer entrevista de emprego. “Se digo que moro na favela, eles não me pegam [para fazer o serviço]”. Wellington também testemunha a postura de parte da sociedade para com os moradores da favela, em particular, com os catadores de material reciclável, que já atuam como trabalhadores informais:

“Agente passa com as carroça, eles buzinam: ‘sai da frente!’. Mas não sabem que ali na frente tá passando um carroceiro. Assim, tá pesado né? Se pudesse descer, ajudar. Não, eles tipo critica nóis: ´sai da frente, tira esse negócio daqui’, essas coisa aí. Pensa que todos são usuário, morador de rua, mas não são. Tem diferença pro pai de família que está aí batalhando, sem ter que mexer com nada, roubar ninguém; (...) Queria ser mais respeitado na rua, né?”.

66 Sobre a conceituação de aglomerados subnormais, ver metodologias do Censo - IBGE.

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DAS PESSOAS

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Das Pessoas

A seguir, o que se verá são depoimentos de alguns dos moradores (ou que se tornaram ex-moradores após o ultimo incêndio) da favela do Moinho. Eles foram entrevistados e fotografados como parte das ações do projeto artístico Inside Out, que por sua vez cedeu as imagens e depoimentos em vídeo para uso neste tra-balho. Após explicação do que consistia o projeto, os que aceitavam participar foram estimulados a contar um pouco de sua realidade, porém com liberdade para falar sobre o que os interessava. As perguntas feitas foram sempre relacionadas com aquilo que as interessava falar. Como estímulo inicial, perguntava-se o nome da pessoa, onde ela havia nascido e como e havia chegado ao Moinho. Finalmente, a única pergunta obrigatória a ser respondida para o projeto foi “o que é importante para você?”.

Posteriormente transcritas no âmbito desta pesquisa, foram selecionados trechos que chamaram a atenção deste autor, sempre por agregar alguma informação que interessa à aproximação e ao maior entendimento daquelas realidades individuais e de seu contexto histórico, social e afetivo.

Dessa forma, as fichas aqui apresentadas pretendem complementar a pesquisa realizada, tentando tam-bém dar voz à essa população em geral esquecida ou, quando muito, mal ouvida quando da realização de projetos, programas ou planos políticos que envolvem suas vidas e as põe constantemente em cheque. Foi dado destaque também a aquelas falas que explicitam a vulnerabilidade e o medo de uma população tantas vezes atingida por ameaças de despejo e incêndios. Isso em um terreno, como já apresentado, em constante disputa por sua posse devido a interesses do estado e do mercado naquela área.

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O importante é “o saneamento básico aqui na favela; que o governo desse auxílio para

cada família. Por que é o seguinte mano, eles tão olhando para nóis aqui na favela, enten-

deu? Toda favela para eles é o seguinte, é só dinheiro no bolso, e,… poucas ideia, tio! Tá

ligado? Agora, não olha pro pessoal que tá sofrendo, vários aí que não tem o que comer,

lutando pra caraí, na maior luta pra conseguir alguma coisa, muitas vezes não tem nada!”

“E rato? Rato aqui é adoidado, tio! Rato aqui é inquilino!”

“Área da saúde? Uma porcaria! Educação? Educação é pior brow! E tudo isso, tudo isso aí

já contribui com o crime, entendeu? “

“Nóis quer é moradia! Esse bolsa aluguel não serve de nada! Nóis vai receber até quando isso aí? Até quando? Agente quer é casa, moradia. Tem criança, não é só nóis.”

“Nóis trabalha mais que qualquer um nessa vida aí, pra pagar seus imposto, suas mordo-

mia. Vocês roba pra caraí, e nóis aqui? Nóis aqui precisando de auxílio do governo. Escola,

creche, cadê? Na hora que vocês vem pedir voto, demorô, tá aqui. Agora, nóis não vai

votar em vocês mais não!”

Donizetti

Paulistano

22 anos

Há 1 ano no moinho

Reveza a moradia entre o barraco da esposa,

no Moinho, e a casa da mãe, no Jabaquara.

É desempregado, mas tem um grupo de rap

com os amigos.

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“Com 62 anos eu não posso estar empregado, ninguém me pega para trabalhar.”

Ex-garçon, tendo trabalhado 26 anos só em restaurante quatro estrelas, vendia lanche na

rua e posteriormente na própria comunidade.

“Se eu vendo um cafezinho na rua eles manda os ¨urubu” che-gar lá e pegar. Chega, empurra agente e pega: o carro tá preso.

Agente não pode falar nada que leva um empurrão, leva um chute,(...) isso é uma pouca vergonha para um irresponsável

grande lá.”

Referindo-se ao poder público como “eles”, Eloy declara sua revolta: “Se esses irresponsá-

veis me dessem ajuda, eu era um grande, igual a eles, pra ajudar eles também.”

“Eu não quero sair daqui. Ou eles me dão uma casa igual a essa daqui para eu ficar sosse-

gado, (…) suficiente com documento pra mim dizer assim ó: essa aqui é sua. Sua chave e

tranquilidade.”

Após o segundo incêndio, ele e sua mulher, Neide, optaram por se mudar da comunidade,

pois julgaram na poder arcar mais com a insegurança.

Eloy

Paulista

62 anos

Vive com a esposa (Neide).

Morava em apartamento na Rua General

Osório, até que ficou desempregado e não

conseguiu mais pagar o aluguel.

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

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Trabalha em padaria que montou no moinho.

“[O importante é que] deveria ter um pouco mais de igualdade, de respeito. De amor que falta aí; união, amor, consciência tam-bém, e com isso sempre tem um lado que sofre mais, um lado que perece né? Em fim, eu gostaria que tivesse um pouco mais de igualdade.”

Fábio

Alagoano

Há 18 anos em São Paulo.

Há 4 anos no Moinho.

Era estudante antes de vir para cá.

Tinha apenas 12 anos e se mudou com a famí-

lia.

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Veio para São Paulo para trabalhar como doméstica.

Gosta de viver no moinho porque “é perto de tudo, mas queria uma vida melhor, uma casa”.

Acha importante moradia e um trabalho, porque “para agente que vem do nordeste sem

estudo e sem profissão é muito difícil pra nós”.

Fernanda

Baiana

Há três anos em São Paulo

Mora com o marido e os dois filhos.

Quando chegou em São Paulo, como não

conseguia pagar o aluguel, por isso foi morar

na favela.

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

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Desempregada, foi dançarina e cantora por dois anos. Deixou o emprego quando engravi-

dou.

Morava em barraco que foi incendiado em 2011, hoje vive em outro barraco na comuni-

dade.

Teve quatro filhos no primeiro casamento, e mais um nesse segundo.

“Sou trabalhadeira.... e sofredora. Sofredora por que não tive sorte na vida.“

“Sou louca por sair daqui”.

“ [Aqui] você não tem a sua vida adequada. Você não consegue pagar uma coisa pra você

ter a responsabilidade, a liberdade que você tem.”

“Agente se fala em comunidade, mas comunidade mesmo não existe.”

Giannini almeja sair da favela por querer “uma vida digna”, já que há muito preconcei-

to para com os moradores da favela. “Porque tem uns errados aqui, eles acham que são

todos. E não é.”

“Viver feliz é muito difícil, é difícil ter paz, é difícil ter tudo aqui.”

Gianinni

Pernambucana

33 anos

Há quinze anos no moinho

“Juntada” (casada) a 4 anos.

Vive com o marido e o filho.

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Atual presidente da associação de moradores do moinho.

Filho de caminhoneiro, hoje trabalha como marceneiro e faz-tudo (eletricista, encana-

dor,...).

Em Alagos, “Para terminar os estudos precisei cortar cana.”

Quando veio para São Paulo, morava em quarto de pensão.

Conheceu a comunidade através de um amigo.

Foi para a favela para sair do aluguel, comprou o barraco por que pagando o aluguel só

tinha dinheiro para “gastar e comer”.

Diz ter melhorado de vida no Moinho:

“Passei, por respeito da comunidade, a ser um líder participativo. No que posso procuro

ajudar”.

“Me aperfeiçoei em diversos cursos. Se hoje caso perder o em-prego um dia, não fico desempregado.”

“O importante pra mim é os estudos, felicidade de meus filhos e nunca faltar nada para

eles.”

Humberto

Alagoano

Há 21 anos em São Paulo

Há 16 anos no Moinho

Casado, vive com a esposa e os dois filhos em

um barraco compartilhado com o cunhado.

Os dois fihos conseguiram bolsa de estudos

na escola.

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

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Na Bahía trabalhava na horta, era diarista, vendia tapete e trabalhava em bar.

Sempre morou em favela.

Já trabalhou em hotel na rua Eduardo Prado.

“Se eu pudesse fazer alguma coisa para a comunidade, eu faria, trazer uma melhora para eles.”

“Eu sempre gostei de ter um barraquinho, de morar em comunidade mesmo. Eu vim, com-

prei esse barraquinho, e fiquei. Eu gosto daqui.”

“O importante para mim, é meus filhos. Meus filhos são o alicerce da minha vida.”

“É gostoso você sofrer e lutar. [Fico] na esperança de reencontrar os outros filhos pra po-

der explicar o que aconteceu. Eu não abandonei, foi problema de saúde. Mas eu não me

entrego, por esse problema de saúde que eu tenho, não. Eu tenho um grande acidente

médico, dois reimplante, uma insuficiência crônica renal, mais uma sobrevivência. E aí eu

venho lutando. Barreira, mais barreira, é a busca do melhor. E aí eu sobrevivo. Eu sobrevi-

vo. Até hoje não recebo nenhum benefício. Honestamente eu sobrevivo.”

Ivonete

Baiana

Há sete anos no moinho

Veio com 18 anos para São Paulo

Veio a passeio, e acabou ficando.

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“Me identifico com a comunidade, conheço a comunidade desde 2003; Já morei aqui, e

continuo vindo aqui porque tenho amigos, pessoas que tenho como meu irmão. A dona

Zefa aqui, a senhora dahora sempre tá correndo ao lado da comunidade e o que for em

prol da comunidade ela tá aqui pra ajudar nóis, certo? Como todos nóis aqui, morô?.”

“O importante para mim é ter uma escola aqui para a molecada; fazer as moradias aqui mesmo, não mudar daqui porque nóis já se identifica aqui. Aqui é uma comunidade pequena do centro,

como se fosse um bairro. Tanta área sobrando aí! Olha a área do estadão lá, que

eles dizem que é do governo. Eles tem poder para comprar lá e fazer moradia pra nóis ali.

Porque não faz? Cadê?”

“O Mais importante pro governo é fazer mais cadeia do que escola, morô? Quanto mais

gente desenformada no Brasil, melhor pra eles, mais dinheiro no bolso deles, entendeu?”

“Nóis não somos pobre. Nós somos pessoas humilde, trabalhadora, que lutamos para con-

quistar nossos direitos. Vamos respeitar mais a comunidade!”

“Sabe o que os cara vieram fazer? Vieram oferecer o bolsa aluguel, querendo nos corrom-

per com esse poder. Mas nada disso vai trazer os companheiros que se foram de volta!”

“ É casa, moradia pra população. É desse jeito. Porque aqui, aqui mora gente. Não é cachor-

ro não!(...) Um maço de cigarro que tá comprando já tá pagando imposto, uma bala, já tá

pagando imposto, então, agente não vê nada de volta pra nóis!(...) Só aparece em eleição.”

Jorge

Baiano

Há 14 anos em São Paulo; “desde criança”.

Já foi morador da comunidade.

“Obrigado senhor por me fortalecer/ Me fazer esquivar fora do dia-a-dia/O que acontece na nossa periferia/ A covardia/ A criança deitada ali no chão

A tiazinha revirando o lixão/ Trabalhadora ela que limpa o seu chãoParo, penso, fico tenso/ Que nos seus olhos colocaram lenço

Agora só vê escuridão”

[Rap improvisado por Jorge durante a entrevista]

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

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Trabalha a 23 anos de carroceira. Catadora de material reciclável, analfabeta.

Já trabalhou em duas “firmas”.

“To lutando a trancos e barranco”, cuidando dos netos.

“Vim da minha terra pra Campina Grande, de lá pra João Pessoa, de João Pessoa andei em

Recife, Recife eu vim direta é pra o Rio, do Rio to aqui em São Paulo.”

“Eu já andei em lugar bom, mas esse foi o melhor” fala, referindo-se ao moinho.

“Mesmo com sofrimento, mas aqui foi onde matei a fome dos meus filhos e dos meus netos, que eu trabalho pros meus netos, não pra mim”.

“O importante é a nossa união, a nossa liberdade. Que agente pode seguir e não ter pro-

blema”.

“Eu ando como uma andorinha, eu sou livre. Eu adoro ficar livre. E se eu to na rua eu to

mais feliz. Meu negócio é pegar peso, é, sabe? Mesmo com essa idade.”

“A médica me passou vitamina pra mim tomar, diz que eu to muito fraca”.

JosefaJoséfa

Paraibana

61 anos

Há 43 anos em São Paulo

Há 11 anos no moinho

Vive com os dois netos.

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Karen é dona de casa.

Sua vida na Bahía “estava muito difícil” pois morava de aluguel e o marido estava desem-

pregado.

A mãe ofereceu um cômodo para ela vir morar em São Paulo.

O bom de morar no moinho é que não pagar aluguel, não pagar luz ou água.

“É ruim porque tem incêndio. As instalações são precárias, agen-te fica com medo.”

Karen

Paulista

Tem dois filhos.

Mora com o marido há 12 anos.

Morava em Salvador antes de ir morar no

Moinho.

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

Page 64: FAVELA DO MOINHO: A Condição Humana na Precariedade Urbana

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Já fez parte da União dos Movimentos de Moradia, UMM.

É artista plástico, e trabalha com conserto de eletroeletrônicos na própria comunidade.

Montou seu atelier na própria comunidade também. “Nunca trabalhei pra ninguém. Só

tive carteira assinada uma vez na vida. Uma vez que o cara falou assim: pago o dobro pra

você trabalhar comigo.(...) Já fiz muita coisa pra SABESP, pra Eletropaulo...”.

“O momento que pegou fogo mudou radicalmente a vida da-gente, de cada um.”

“Sempre que eu posso, ajudo as pessoas aí, [com] conhecimento, cultura, [à] interligar

as pessoas que precisam de trabalho, que precisa de alguma coisa aqui da comunidade,

cheguei até [a ser] presidente da associação aqui, trabalhei junto com o pessoal que tá

organizando, trazendo algumas boas novas aqui pra comunidade, junto com a Aliança,

junto com a Paiva Neto, aqui do lado, e muitas ONGs que vem aqui com boa vontade, pra

ajudar a comunidade.”

“O importante é a família, ter um bom relacionamento com a comunidade onde mora.

A pessoa ter uma consciência da sua cidadania em geral. Por que hoje em dia até agente

ter consciência de morar bem, de se sentir bem, agente tem que ter um bom governante.

Saber escolher bem seus políticos na sua comunidade porque você não adianta ter um

bom berço, um bom relacionamento, se o seu governante não dá o que a comunidade

realmente precisa. E aí todo mundo sofre. Sofre igual.”

“Para se viver bem, para se ter uma felicidade, em geral, tem que ser intregrado tudo né? A política, a comunidade, um leve conhecimento de cidadania. De se tratar do seu meio ambiente, no seu convívio. (...) Porque tudo é uma coisa só.”

Marcelino (Santos)Sul-mato-grossense

Há 41 anos em São Paulo

Há 9 anos no moinho

Antes de ir para o moinho, morava no bairro

da casa verde.

Separou da esposa e foi morar no Moinho

após conhecer a comunidade por dar aulas de

artesanato e pintura para a “juventude“.

Comprou o barraco em que mora.

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É empregada doméstica .

Já trabalhou “na enxada”, na roça. Já vendeu brita também. Tem as mãos calejadas, pois

quebrava a brita com marreta.

Puxou carroça por 5 anos. Catava papelão. “Fui feliz (...) Fui muito paparicada na rua.”

“Eu gosto é de trabalhar. Eu sou muito trabalhadera.”

Tem diabetes, e quebrou o fêmur.

“Eu sou uma mulher muito doente. Não tem como eu trabalhar. Não tenho ainda idade

de aposentar (...) pelejo para trabalhar, não tenho força. Gosto de trabalhar uma coisa por

demais, mas não guento.”

“Tá pra essa favela sair, e eu ver o que é que vão fazer com agen-te. (...) Eu to aí, esperando. Uma hora um vem aí fala que diz que

vai sair ganhando alguma coisa, outra hora um diz que vai sair não ganhando nada... e eu to esperando ver o que vai aconte-

cer.”

“Agente fica abalado nessa favela né... essa semana mesmo que tá terminando, ela quase

pegou fogo de novo ai atrás.”

“Eu não tenho outra opção de nada. Não tenho dinheiro, quem me apoie, me ajude. O

apoio que eu tenho é (se) alguém quiser me ajudar, e Deus.”

Maria

Mineira

Há 36 anos em São Paulo

Há 16 anos no Moinho

Mora com o companheiro.

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

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Já foi presidente da associação dos moradores.

Aposentada.

Vendia café da manhã, açaí, crochê, para ajudar na renda da aposentadoria. Chegou a

abrir uma lanchonete na própria comunidade.

Compraram o barraco no moinho por R$3500 (R$1500 de entrada). Não é o mesmo atual.

A pessoa que lhe vendeu o barraco “pegou a entrada e não queria sair”. Neide arrumou

“umas pessoas aí” que obrigaram o antigo dono a finalizar a venda e desocupar o espaço.

Ofereceram auxílio aluguel de R$300, mas para ela é insuficiente.

“Como eu vou passar aí pra sair com R$300, mas aí tem aluguel, (…) luz, gás, telefone, (…)

e R$300 pra mim vai dar pra quê?”

“Eu fui procurar uns aluguel, aí o menor preço que eu achei aqui foi R$950. E é dois cômodos, debaixo da casa do dono. Você vê. Aí a minha casinha aqui... eu não quero isso! Eu quero que eles venha me dar a chave!”

Após o segundo incêndio, ela e seu marido, Eloy, optaram por se mudar da comunidade,

pois julgaram na poder arcar mais com a insegurança.

NeideMorava em apartamento na Rua General

Osório, mas não tinha condições de pagar pela

moradia.

Vive com o marido (Eloy).

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O moinho foi o lugar que já morou que o fez mais sentir-se bem.

“Fiz amizades aqui. Inclusive nem tanta amizade como eu fiz aqui eu fiz lá. Aqui eu fiz mais

amizade do que lá.”

“Como eu tava catando papelão, eu tava procurando outro serviço, né? Então agora eu to

trabalhando registrado. Porque agente trabalha na rua catando pape-lão, a prefeitura tá sempre em cima dagente né? Dando bronca,

xingando,... né, e agora parei um pouquinho né? E to trabalhando em firma, até resol-

ver que a prefeitura decida deixar agente trabalhar na rua sossegado. Não pode deixar os

carrinho nem num canto nem no outro que eles tão recolhendo os carrinho.”

“Agente vai pra todo canto, daqui agente vai pra rua, vai pra Lapa, vai pro Brás, pro Tatua-

pé, pra Santana, pro Ceasa, quando com o carrinho, vem carregado, chega aqui meia noite,

meia noite e meia, uma hora da manhã, vem carregado. Chega aqui, encosta o carrinho, e

vai pro barraquinho dormir né? Tomar um banho, descansar, e no outro dia vai descarregar

o carrinho.”Otaviano

Paulistano

Há 10 anos no Moinho

Já morou na Vila Nova Cachoeirinha.

Foto: Súlia Folli para InsideOut São Paulo

Page 68: FAVELA DO MOINHO: A Condição Humana na Precariedade Urbana

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“Eu não quero sair nunca daqui; os que querem sair é porque não dá valor aonde mora.

Aí quer sair. Mas não vai embora porque não tem condições de morar em outro lugar. Aí

mora aqui porque precisa daqui. Mas igual a prefeitura oferecendo uma mixaria aí de bol-

sa aluguel tem um monte querendo ir embora. Mas se a prefeitura cortar o bolsa aluguel

eles querem voltar, porque eles não vão ter pra onde ir né? É aquela coisa: tem muitos

que foram embora, e já foram embora e voltaram, porque não conseguiram morar em ou-

tro lugar. A mãe da cidade é o Moinho. Eu te garanto que eu, saindo aqui, se

eu for até a paulista, eu arranjo 20 reais, dá pra comprar uma mistura, comprar um leite

pros meus filhos, sempre sustentei minha mulher e meus filhos.”

“Hoje em dia tenho meu carrinho aqui na minha garagem. Você vê que é uma coisa que

se eu tivesse lá [em Mogi] eu não teria condições nem de ter, nem de sustentar minha

família do jeito que eu sustento aqui. Já morei em Mogí das Cruzes com a minha mãe. E

é difícil hein? Você pegar uma condução lá em mogi das cruzes, vir aqui puxar carrinho o

dia inteiro no centro da cidade e depois de tarde você voltar morto, segurando [em pé] no

trem, e o trem chacoalejando…”

“Tem pessoas que não dá valor aonde mora. Quem não dá valor tem que ir embora mes-

mo! Pra depois sentir na pele. O que é você pegar um trem, você pegar um ônibus lá na

casas do chapéu, aí vem, chegar aqui, ralar o dia inteiro, de faxineira, ou de servente de

pedreiro, o que seja, e depois pegar um ônibus de volta pra casa, chegar em casa morto

de cansado, e ainda chegar lá, tem as criança bagunçando tal; tem que já chegar, bater

um ranguinho, ir deitar e dormir, pra levantar as quatro horas da manhã. Aqui não, aqui

eu saio oito horas da manhã, pego meu carrinho, já tô no centro catando minha recicla-

gem. Volto meio dia, já volto com 30, 40 reais no bolso.”

“Onde que eu morando lá em Mogi, se eu ganhar 30reais, (...) ou eu tenho que trazer

marmita, comer por aí gelada, igual eu fazia nas antigas, ou, eu tenho que fazer o que?

Pegar, ir almoçar no bar. No bar, só aí eu vou gastar 15R$ de almoço. Eaí? Se eu ganhar 30

eu vou chegar em casa com o que? Com 12? Porque eu tenho que pagar passagem. Aí no

RenaciParanaense

Desde os 3 anos em São Paulo

Há 17 anos no Moinho

Tem três filhas.

Perdeu seu barraco no último incêndio, de

setembro de 2012.

Catador de papel

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outro dia tem que pagar passagem de volta. Aí eu vou ganhar dez

reais por dia. Aí eu tenho que arranjar emprego registrado. E sen-

do que aqui eu não tenho patrão. Eu trabalho a vinte anos catando

reciclagem aqui no centro da cidade. E graças a Deus, não me falta

nada”.

“Com sinceridade, eu prefiro, pegar meu papelão na rua do que

trabalhar registrado. Que eu sei que tenho que chegar oito horas

da manha e ponto. Se eu chegar lá oito e dez, dependendo da

firma aí que eu conheço amigo meu que trabalha aí e falou pô

meu, cheguei oito e quinze e o patrão me mandou voltar pra casa,

e vir só no outro dia. Então quer dizer, eu com três filhos, se eu

perder um dia de serviço... Aqui não, aqui, tando chovendo, tando

sol, eu vou pra minha correria, sei que vou arrumar, porque lixo

é o que mais tem na cidade é lixo. Eu sei que to fazendo um bem

pra cidade além de tudo, né? Eu retirando a reciclagem da rua eu

to fazendo um benefício pra cidade, e fazendo um benefício pra

minha família. Porque minha esposa trabalha de faxineira, ganha

600 reais por mês, se eu for trabalhar de faxineiro eu vou ganhar

600 reais. Como que eu vou viver com 600 reais? Sendo que aqui

[com a reciclagem], eu tiro 300, 400 reais toda semana; Em mês que

tem quatro semanas eu ganho 1200 reais. Em mês que tem cinco

semanas, eu ganho 1500reais”.

“Aí eu fazendo minhas contas eu falei pô: não dá pra trabalhar

registrado. Porque eu não vou ter as condições que eu tenho. Tá

certo que eu não vou ter um serviço registrado, eu não vou ter um

seguro... se eu ficar doente, eu vou ter que guardar um pouquinho

pra na hora que eu precisar eu ter pra onde ir, porque você sabe

né, amanha você vai no médico aí, eles te passam o remédio, às vezes

tem lá no postinho, e às vezes, se for outro mais caro, aquele outro mais

caro não tem né? Aí você tem que comprar do seu bolso, então..”.

“Eu falo a verdade. Eu dou o maior valor aqui pro moinho, por que eu

moro aqui à uns 17 anos, e dou o maior valor aqui. Por que aqui eu tiro

meu sustento. Deu dez horas, já ganhei um dinheirinho, ah, eu vou em

casa. Vejo minhas filhas. Igual, elas tão de férias agora, minha esposa

trabalha, eu tenho que estar indo e vindo, pra que? Eu tenho que cuidar

delas também. Agora se eu moro lá em Mogi, ou lá em Suzano, São Ma-

teus – que eu já morei em São Mateus quando eu era pequeno - como

é que eu vou fazer isso? Não tem condições. Eu tenho que deixar elas lá

e pedir a Deus que vai ficar tudo bem com elas. Vou pagar um vizinho

pra olhar. Mas às vezes você paga um vizinho, você pensa que aquele

vizinho é o bom, aquele vizinho é o que não presta. Você não sabe o

coração de ninguém como é que é. Entendeu?”

“Então, se eu pudesse, eu ia construir isso aqui tudi-nho de tijolo com minhas próprias mãos. Igual que eu

tava fazendo ali, ó, o cimentado ali ó, pra passar os carros, não des-

barrancar aí na descida... é o que falo. Se eu pudesse não sair daqui, a

prefeitura falasse – você pode fazer seu, seu quintalzinho aqui de tijolo,

ia ser maior benefício aqui pragente, porque, - claro, tem umas pessoas

que não quer, não posso fazer nada por eles, eu posso fazer por mim,

né? Posso dar o meu depoimento pela minha pessoa, pela minha famí-

lia- se nós sair daqui, nóis vai sofrer muito morando em outro lugar.”

“O importante é minha família estar bem. Se minha família está bem, eu

estou bem.”

Page 70: FAVELA DO MOINHO: A Condição Humana na Precariedade Urbana

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Vive de “auxílio saúde”.

“Agora você sabe né? [Estou] velha, sem problema, sem casa né? E sem dinheiro, né? Mas

o meu sonho é ver minha irmã.”

“Eu não sei fazer conta de cabeça, porque eu nem estudei.”

“O mundo pra mim foi minha escola. E aqui no moinho eu to tirando é minha faculdade, tanta coisa que eu aprendo.”

“Aprendi a viver, aprendi a ser humilde.”

“Nós pensa que nossos filhos vão ser nossos né? Mas não é. Cresce e bate asa!”

RosaMineira

61 anos

Saiu de minas com 15 anos.

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“Aqui é um moinho. Entrando aqui, vão ver que tem pessoas boas, trabalhadoras, pessoas

dignas… Não é só, que nem o povo fala, que tem na favela só tem criminalidade, não é só

isso, entendeu? Em todo lugar tem bandido, em todo lugar rouba, tem isso, tem ladrão.

Até na câmara de justiça também. Câmara dos deputados, no governo, é o que mais tem.”

“O importante pra mim hoje é uma moradia digna, uma condição de vida melhor, não só pra mim, mas pra todos da comunidade,

não só aqui, mas em várias regiões, vários lugares. Porque não é só

aqui que o pessoal passa dificuldade, entendeu? Em vários pontos também, tanto na rua…

porque quando eu falo uma coisa assim, o que é importante pra mim, é resumindo o geral.

Agente tá na batalha para ter um futuro bom para todos nós, entendeu?”

“Agente tá aqui buscando algo de bom pragente. Em luta por uma moradia melhor. Eu

acho que agente não tá pedindo nada demais, entendeu? Agente só quer ser visto com

bons olhos, uma atenção a mais pragente, entendeu? Porque aqui tem crianças, que depen-

de de uma moradia melhor, e saneamento básico.”

“Agente tá nessa batalha, nessa luta. Dói até o coração até de falar essas palavras aqui,

entendeu? Porque é doído agente vê a situação de cada um. É um precisando de uma coisa,

outro precisando de outra coisa, é água que não tem a mais de um mês, entendeu?”

“A prefeitura, o governo gasta seu dinheiro em coisas banais como um estádio de futebol, hotéis… poxa, e o nosso povo? E o

povo brasileiro, aqui? Vai ficar melhorando as coisas pro pessoal viver no conforto, no luxo?

Meu, dá uma atenção pragente aqui, ó. Olha nossas crianças do Brasil aí, precisando de um

apoio, uma creche aí… as áreas desocupadas aí, sendo ocupadas de lixo em vez de moradia,

entendeu?”

“Não é pedindo nada de mais, é só nosso direito, só.”

Taylon

Paulistano

21 anos

Há 6 anos no moinho

Vive com a esposa e o filho.

Trabalha em uma marcenaria.

Também desenha, faz caricatura, graffiti.

Tem um grupo de funky.

Foto: Bruno Fernandes para InsideOut São Paulo

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Trabalhou como carroceiro por 7 anos, hoje abriu uma barraquinha para vender batata-

frita próximo à comunidade. Concedeu a entrevista antes disso.

“Minha vida é catar papelão ferro-velho, latinha”.

Enquanto era catador de material reciclável se declarava desempregado.

De fim de semana, joga bola e passeia com a família pelo centro da cidade.

“Eu sou de São Paulo, nasci aqui mesmo na comunidade; aqui era só mato só, na época.

Era em 87, 89. Eu vim pra cá com sete anos de idade. Aí depois eu tive que ir embora de

novo, pra Mogi, aí eu voltei. Aí faz mais de quinze anos que eu moro aqui. Todos os luga-

res tem meu documento, comprovando que eu moro aqui faz tempo.”

“Nós tamo aí pela luta né? Pra ver sai daqui uma moradia digna, né? É isso aí.”

“O importante é resgatar nossa humildade, mostrar que nós também somos vistos.

Agente passa com as carroça eles buzinam: ‘sai da frente!’. Mas não sabe que ali na frente tá passando um carroceiro, assim, tá pesado né? Se pudesse descer, ajudar. Não, eles tipo critica nóis ´sai da frente, tira

esse negócio daqui’, essas coisa aí. Pensa que todos são usuário, morador de rua, mas não são. Tem diferença pro pai de família, que está aí batalhando, sem ter que mexer com nada, roubar ninguém; aí

outras pessoas olha desse jeito né, um olhar mais respeitoso né? Tipo falar ‘o, bom dia,

tem aqui uns ferro velho pra você pegar, aceita? - ô aceito sim, não precisa me pagar pra

tirar, eu to levando já pra vender né? É assim. Queria ser mais respeitado na rua, né? Pelos, pelos, pelas pessoas... taxista, essas pessoa que tem carrão assim, que

passa, buzina xingando.”

WellingtonPaulista, nascido no Moinho.

23~25 anos

Passou período da infância fora, mas já vive lá

a mais de quinze anos.

Mora com os dois filhos e a esposa.

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“ Dia de chuva então, não pode parar, se parra o meu filho não vai ter nada. O meu sonho é poder com-

prar uma bicicleta pra ele né? Uma motoquinha pra ele brincar; as

vezes as outras criança tá brincando ele quer brincar também não

tem.”

“Aí meu sonho é resgatar isso aí né? Fazer de tudo pra ele continu-

ar estudando na creche, pra ele ser melhor que eu na vida, não tá

nesse caminho né, que é perigoso, estar empurrando carroça, pode vir um caminhão, um carro... Ensi-

nar ele a estudar para ser alguém na vida. Coisa que eu não fiz [foi]

estudo direito; eu perdi minha mãe faz tempo. Aí eu fui vivendo a

vida sozinho aí; tô aprendendo aí, aí to ensinando ele do jeito que

eu posso né? Bom, assim, assim, essas coisa... eu não sei o que falar

né?”

Page 74: FAVELA DO MOINHO: A Condição Humana na Precariedade Urbana

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DO DEBATE

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Do Debate

A situação atual e o futuro da favela e de seus moradores se mostra incerto. Mais uma vez se encontram em uma situação em que a escolha de seu próprio modo de vida ou mesmo do local onde vão viver quase não existe. Muitos fatos marcantes ocorreram na área no último mês, e como dito antes, qualquer ação por parte do estado, do poder paralelo, ou da sociedade civil, é capaz de transformar a vida de cada um dos moradores da favela, seja para uma condição de vida melhor, seja para uma condição pior, tamanha é a fragilidade em que se encontra essa população.

Por isso esse último capítulo trata da situação encontrada na última visita, e últimas conversas com os moradores da favela do moinho, no dia 12 de outubro de 2012, das repercussões na mídia e na sociedade dos últimos incêndios ocorridos lá, e dos futuros possíveis para seus habitantes.

Após incêndio ocorrido em 17 setembro 2012, ao menos 300 pessoas67 ficaram desabrigadas, cerca de 80 barracos foram destruídos, e um homem foi morto. Parte dos desabrigados foi cadastrada no programa municipal de Auxílio Aluguel. Porém, a maior parte -de acordo com declarações dos próprios moradores- não conseguindo pagar aluguel com o valor, passou a morar em casa de amigos ou parentes na periferia. Outros acabaram utilizando o espaço de uma escola de samba sob a ponte para servir de abrigo provisório, enquanto tentam reconstruir seus barracos em área que sobrou da favela.

Além disso, muitos dos antigos moradores, mesmo que não tenham tido seus barracos atingidos, também se mudaram da favela para casa de amigos ou parentes. O medo da ocorrência de um novo incêndio foi a gota d´água para muitos moradores que já tem uma rotina pesada de apreensão e insegurança, e passaram a não conseguir suportar mais a situação. Passam a preferir morar longe, ainda mais apertados, dividindo algum imóvel pequeno com outro núcleo familiar e muitas vezes se deslocando muito mais até o emprego do que viver em uma situação de extrema sensação de fragilidade. Escolha difícil, mas que para alguns pareceu necessária.

Essa expulsão gradual dos antigos vizinhos, direta ou indiretamente por causa da precariedade em que se encontram, abre espaço para novos moradores tentarem a sorte e irem morar no assentamento. A mudança populacional da comunidade, podendo ocorrer mudança também no perfil dos moradores, gera ainda mais incertezas sobre a área.

Os que ainda insistem em morar na lá, mesmo após mais um grande incêndio, e mesmo vendo seus vizi-nhos, amigos, e parentes se mudando, o fazem porque avaliam que ainda assim sair dali poderia levá-los a uma situação de igual ou pior incerteza. Muitos dependem da localização da área para sobreviver. Como

67 De acordo com a Folha de São Paulo de 18 de setembro de 2012.

Sobre a situação atual

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já explicado por Renaci68, viver no centro é muito importante para os catadores de material reciclável, ainda maioria entre os moradores. Não só isso é fator de permanência, mas também a consciência de que, por deterem a tutela antecipada do terreno por usucapião, a prefeitura só poderia removê-los mediante pagamento de indenização equivalente ao valor de mercado do terreno, sendo para isso necessário que as famílias permaneçam no local referido. É uma conquista e uma pequena segurança que os apoia na hora de decidir permanecer no local (e manter o direito adquirido), ou sair e arriscar ir morar em outro assen-tamento que nem isso possua.

Como já dito antes, o presente estudo começou justo pelo fato de que o incêndio na favela do moinho de dezembro de 2011 gerou forte debate entre parte dos estudantes da FAUUSP, e parte da comunidade aca-dêmica. Passou-se a estudar, portanto, o tema de incêndios em outras favelas, de uma forma mais geral. Mais ou menos na mesma época em que este trabalho final de graduação começara, a arquiteta Ana Paula Bruno defendia sua tese de doutorado intitulada “Incêndios em Favelas de São Paulo”69. Nela, a autora faz amplo levantamento dos incêndios em favelas de São Paulo no período de 1991 a 2010, a partir de diversas fontes. Também estuda a conceituação e os índices de risco, além do conceito de favela, habitação subnor-mal e habitação precária, a fim de propor atenção das políticas públicas à questão dos incêndios em fave-las. Dessa forma, então, o doutorado serviu de baliza na hora da escolha do recorte temático deste trabalho.

O levantamento da autora, porém, aponta para um caminho diferente do esperado por aqueles que veem, nessas ocorrências, grande probabilidade de que sejam incêndios criminosos. Tanto para os que acham que eles ocorrem como maneira de retirada fácil dos moradores ilegais para valorização do terreno, quanto para os que acham que isso pode ser tramado pelos próprios moradores no sentido de obterem de forma mais rá-pida algum tipo de indenização pelo terreno ou os bens perdidos, Bruno coloca outra luz sobre a discussão: “sobre eventos criminosos, a hipótese do benefício decorrente de incêndios – em polos antagônicos, em detrimento ou em favor da população atingida – é a que sobrepõe, e desloca, de toda forma, a discussão da esfera social (em sentido amplo), para a esfera policial, como se tudo se resolvesse aí. A complexidade dos incêndios em favelas não permite sua redução, embora esse seja um ponto relevante, (...).”(BRUNO, 2012: 96)

Dessa forma, optou-se por uma discussão que fosse além do tema policial, pela aproximação e entendi-mento da condição de vida na precariedade urbana, como forma também de destacar o ponto que essa ou aquela investigação teriam em comum: é o fato do estado omitir-se em prover o acesso à habitação e o di-reito à cidade que faz com que essas famílias passem a viver em situações de alta vulnerabilidade. O ponto de fato mais relevante e irrefutável dessa história toda é que, sendo criminosos ou não os incêndios em si, a postura do estado tem se revelado no mínimo leviana ao não realizar programas de prevenção e contenção de incêndios em favelas, cujo risco desse tipo de ocorrência é sabidamente conhecido70. Mais sério ainda,

68 Ver depoimento de Renaci no capítulo anterior.

69 BRUNO, Ana Paula - Incêndios em Favelas de São Paulo. São Paulo, 2012.

70 Sobre período em que o Programa de Prevenção de Incêndios em Assentamentos Precários foi abandonado em 2005 pelo governo municipal de José Serra e somente retomado -com modificações- pelo governo Kassab em 2012, ler Rede Brasil atual “Serra desativou programa de prevenção

Sobre os incêndios

Da “irrelevância” da questão da autoria dos Incêndios

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é o fato de as instâncias de poder da sociedade não trabalharem de forma a suprir os direitos básicos do cidadão. É criminoso fecharem os olhos para o tema, ou então, fazerem somente o mínimo e necessário para se manter o controle social. Nas palavras do urbanista João Sette W. Ferreira, vivemos no Brasil um estado de “deixe estar social”, onde o estado deliberadamente se ausenta da garantia de direitos sociais.

Não obstante, mais adiante no desenvolvimento da investigação, novos incêndios ocorreram em diversas favelas de São Paulo. Foram 69 incêndios somente em 201271 (número muito superior à média de 12,3 incêndios por ano levantados por Ana Paula Bruno entre 1991 e 201072), tendo ocorrido, como já descrito antes, mais dois incêndios na favela do moinho, sendo o último o nono desde 1999, o segundo em menos de nove meses. Tais incêndios, além de atingirem diretamente a comunidade objeto desse estudo, geraram ainda mais polêmica e debate, não mais somente da comunidade acadêmica, mas da sociedade como um todo. Dessa forma, tornou-se inviável fazer uma investigação sobre a favela do moinho e seus moradores e não dedicar uma parte dessa a considerações sobres os incêndios lá ocorridos.

Não só é importante a descrição da situação a qual se encontraram e se encontram os moradores nos dois períodos pós incêndio que foram acompanhados e expostos neste documento, como também o cerne do debate sobre a autoria dos incêndios tornou-se um registro importante, embora não seja esse o foco do trabalho.

O ponto chave da questão da culpa pelos incêndios pode ser buscado através das perguntas: a quem ou a que grupos interessa que os barracos das famílias de determinada ocupação peguem fogo? Porque os interessa?

Há mais de uma resposta para essas perguntas; porém a maior parte delas se encaixa em dois lados an-tagônicos do senso comum: aqueles que acreditam que o incêndio pode trazer benefícios aos moradores, portanto pode ter sido provocado por eles próprios, e aqueles que acreditam que os eventos podem trazer benefícios a outros grupos de pessoas, em geral ligados a grupos de poder do grande capital, sendo esses grupos os responsáveis por criar tais ações criminosas. Argumentos dos dois lados serão expostos em se-guida, junto ao levantamento de onde está o ponto atual do debate.

de incêndios em favelas em São Paulo” disponível em < http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2012/09/serra-desativou-programa-de-prevencao-de-incendios-em-favelas-de-sao-paulo>

71 Segundo levantamento da Folha de São Paulo, atualizado em 14 de novembro de 2012 e disponível em < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/11/14/incendio-atinge-favela-na-zona-leste-de-sao-paulo.htm> ultimo acesso em 15 de novembro de 2012

72 Média tirada do total de incendios levantados dividos pelo numero de anos. In BRUNO, 2012: 89

Da “relevância” da questão da autoria dos Incêndios

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Segundo tal ponto de vista, alguns seriam os benefícios trazidos aos moradores pelos incêndios. Dentre eles, os que mais são utilizados como argumento é o de que a intenção é queimar os barracos para se obter Auxílio Aluguel do governo, e, assim, “viver as custas” do estado. O argumento é preconceituoso e muitas vezes entrecortado com falas que acusam os moradores de, na realidade, nem viverem nos barracos incen-diados. O vereador Toninho Paiva (PR), um dos componentes da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga os incêndios em São Paulo73, chegou a afirmar em entrevista: “Geralmente, em São Paulo, com a proximidade do período eleitoral, acontece não só a instalação organizada (de favelas), mas também acabam se incendiando. (...) Quem está interessado em pagamento por um ano? Quem está interessado em construir rapidamente, refazer os barracos?”74 Também outro suposto benefício, seria chamar a atenção do Estado, de maneira a que se “furasse a fila” de prioridades no atendimento habitacional.

É preciso dizer que os argumentos não possuem consistências frente à realidade encontrada na presente pesquisa. Isso porque, como foi largamente descrito anteriormente, assinar o cadastramento do Auxílio Aluguel, até o momento, não tem se mostrado uma grande vantagem. A precariedade de seu pagamento (que muitas vezes é feito de maneira apenas parcial, não sendo pagas todas as parcelas devidas a cada mês), e o baixíssimo valor pago (R$300,00), inviabilizaria uma família qualquer (ainda que com poucos membros) a viver somente com o auxílio da prefeitura. Além disso, apesar de ser verdade o fato de haver locadores de barracos, há sempre alguma família morando lá, o qual parece não interessar perder todos os (poucos) bens que possuem em troca de R$300,00 por mês. Além disso, a ideia de que a instalação de uma favela se daria de forma organizada e proposital para que a mesma seja posteriormente incendida parece nascer, não só do desconhecimento dos motivos ao qual se formam uma favela (anteriormente discutidos aqui para o caso da favela do Moinho), como da ideia, baseada em forte preconceito, que liga as populações mais pobres à malandragem ou ao “ganhar fácil”, sendo assim levianas e facilmente contra argumentáveis.

O argumento seguinte parece ainda mais distante da realidade. Até o determinado momento, não há uma política pública efetiva e clara com relação ao atendimento do déficit habitacional na cidade de São Paulo. Ao menos não com vistas a suprir as necessidades de forma digna e coerente com os anseios da população, a qual nem sempre viver em um conjunto habitacional representa a melhora de qualidade de vida espe-rada75. Dessa forma, se não existe nem uma “lista de prioridades” clara para um atendimento digno das famílias incluídas no déficit habitacional, não há, também, maneira de burlar uma fila inexistente.

73 A CPI dos Incêndios será melhor tratada mais adiante.

74 De acordo com Gisele Brito, para Rede Brasil Atual. Disponível em <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/cpi-dos-incendios-investiga-interesse-de-moradores>, ultimo acesso em 16 de novembro de 2012.

75 PETRELLA, Guilherme Moreira. Das fronteiras do Conjunto ao conjunto das Fronteiras. Pós - Revista do programa de pós graduação em Arquite-tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Disponível em : <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/posfau/v18n29/08.pdf>

Porque poderiam ter sido provocados pelos moradores?

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Aqui, as vozes do senso comum que defendem essa tese são tão diversas quanto os argumentos para justi-ficar a mesma. Porém todos passam por uma questão central.

A premissa é a de que os grupos de poder ligados à especulação imobiliária - entenda-se: os donos dos terrenos ocupados pelas comunidades, empreiteiras e construtoras do mercado imobiliário, e parte do pró-prio poder público, que muitas vezes é composto por membros que fazem parte do setor (o atual prefeito Gilberto Kassab, por exemplo, é ex-presidente do SecoviSP - Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), buscam majoritariamente a expansão do lucro e a constante valorização de seus terrenos ou imóveis.

A partir disso, o argumento que defende essa tese é o de que incêndios em favelas que ocupam áreas de in-teresse desse setor seriam vantajosos para esse grupo, principalmente, porque não haveria gasto adicional para a remoção das populações que ocupam os terrenos. Isso porque, se fossem feitas remoções de maneira legal, seria necessário o pagamento de indenização, nos casos em que as famílias possuem o usucapião da área, ou teriam que ser construídas unidades habitacionais nos casos de terrenos em ZEIS, ou mesmo pa-gos auxílios aluguel pelo Estado, em todos os casos em que não houvesse unidade habitacional disponível para essas famílias. Ainda que, na prática, se se faz a remoção das famílias, não se faz cumprir essa série de direitos do cidadão, é justamente porque no caso de incêndio os moradores são expulsos pela perda de seus barracos, que não se cumpre com esses direitos. Fica ainda mais difícil a essas famílias lutarem pela habitação digna se não possuem nem ao menos um lugar (mesmo que precário) para viver.

A tese então associa a “solução incêndio” à solução mais fácil para os proprietários das terras ou os in-teressados na valorização dessa e de seu entorno. Em seu livro Planeta Favela, Mike Davis fala de forma contundente em favor desse ponto de vista: “os incêndios em favelas costumam ser tudo, menos acidentes: em vez de arcar com o custo dos processos judiciais ou suportar a espera por uma ordem oficial de demo-lição, é frequente que proprietários prefiram a simplicidade do incêndio criminoso” (DAVIS, 2006: 13)76. Do mesmo ponto de vista compartilha Guilherme Simões, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que explica: “Como nem sempre é possível despejar as famílias com a truculência militar ou com indenizações ridículas, os incêndios prestam um grande serviço à intenção de expulsar os mais pobres das áreas mais valorizadas da cidade. Não é só o caso desses últimos incêndios, mas da maioria deles.”

A urgência em retirar os moradores, que se faz a partir da noção de risco da área, ou do incêndio em si, acelera esses processos, passando por cima de uma política habitacional desejável para atendimentos des-sas famílias. Para se ter uma ideia, mais de 28000 famílias vivem hoje de auxílio aluguel77. É a substituição de modo improvisado, de uma política de provisão habitacional, para uma ação meramente mitigadora da condição de precariedade, mas que, na verdade, acaba tornando a condição de vida dessas pessoas ainda pior do que a anterior (vide Capitulo Do Contato).

76 DAVIS, Mike. Planeta Favela, Editora Boitempo - 2006

77 SEHAB, 2012

Porque poderiam ter sido provocados pelo interesse de grupos de poder?

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Mais argumentos são utilizados para comprovar-se isso. Existe um levantamento intitulado fogo-no-barraco78, por exemplo, que cruza o mapeamento das ocorrências de incêndios em favelas São Paulo, a partir de 2005, com os vetores de expansão do mercado imobiliário. A coincidência entre a localização de favelas incendiadas, com os locais onde o mercado cresce traz uma forte evidencia para esta segunda tese. O mapeamento levantado mostra impressionante coincidência entre as favelas incendiadas e a expansão do mercado. A presença de uma favela torna a área menos valorizada do ponto de vista do mercado imo-biliário. Portanto, sua remoção, seja efetivada de forma legal (pelo poder público), seja de forma ilegal (através então dos incêndios supostamente criminosos), traria vantagens diretas aos setores ligados ao mercado imobiliário.

Em contraponto, a tese de Ana Paula Bruno destaca o fato de que a única conclusão que pode-se chegar desse fato é ainda a de que a diferença principal entre as favelas localizadas no centro ou no entorno das marginais (as que tem maior índice de ocorrência de incêndios – e em áreas de valorização do mercado) para as mais periféricas (estatisticamente menos “inflamáveis” – e em terrenos de menor valor) é que essas são mais recentes, portanto menos consolidadas, e assim, mais deficitárias quanto à condições de habitabilidade. O motivo disso também merece destaque: esse tipo de favela possui mais “olhos” sobre o seu terreno, já que o valor da terra é maior nessas áreas. Isso gera maior dificuldade de consolidação das construções, que poucas vezes são de alvenaria, e muitas vezes acabam por possuir menor área, com maior densidade populacional. Uma fórmula mágica não só para a produção de incêndios, como também para um distanciamento ainda maior dessas pessoas a uma moradia digna.

Apesar de o argumento ser forte, o crescimento estatístico no número de incêndios, não anteriormente detectado pela arquiteta, além de um número muito maior proporcionalmente dessas ocorrências com as de incêndios em favelas de outros estados ainda mantém a hipótese válida (as favelas no Rio de Janeiro, por exemplo, não sofrem incêndios com a mesma frequência que as de São Paulo).

Além das vantagens para o mercado imobiliário, outros fatores contribuem para que se suspeite que a pressão do mercado e dos grupos de poder podem ter a ver com o alto numero de incêndios em favelas pau-listanas. Tomando-se como premissa o fato de que o poder público estaria (ao menos em parte) aparelhado aos interesses dos grandes grupos de poder, chama atenção o alto número de projetos públicos envolvendo a área (neste caso) específica da favela do Moinho. Segundo os argumentos a favor dessa tese, o estado atuaria como agente valorizador dos terrenos particulares, ao remover favelas e prover à área equipamen-tos de interesse da elite (exatamente aqueles que estão inseridos no mercado habitacional).

78 <http://fogonobarraco.laboratorio.us/>, plataforma colaborativa que se trata de tentativa de mapear todos os incêndios em favelas de São Paulo, desde 2005, e cruzar essa informação com a espacialização das regiões mais valorizadas pelo mercado imobiliário no mesmo período.

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Após o crescimento vertiginoso no número de incêndios em favelas da capital paulista, e sua repercussão na imprensa e em mídias sociais, foi criada, em dezembro de 2011, uma Comissão Parlamentar de Inqué-rito (CPI) na câmara de vereadores de São Paulo para investigar a origem das conflagrações ocorridas nos últimos tempos.

A CPI somente iniciou seus trabalhos em maio de 2012. Até o presente momento ocorreram apenas 3 sessões, além de 6 canceladas por falta de quórum. Notícias na internet dão conta de que investigação e debate somente ocorreram na última delas em outubro deste ano. De acordo com essas notícias, as reuniões ocorreram em 29 de agosto, 12 de setembro e 18 de outubro. Além do baixo número de reuniões, também o conteúdo delas e a composição de seus membros trazem suspeitas quanto a sua idoneidade e seriedade.

De acordo com Guilherme Simões, que escreve para o site brasilianas.org79, a reunião de 12 de setembro “durou [apenas] 20 minutos”, além disso, nas três primeiras reuniões, “o único encaminhamento foi a no-meação de um relator (Aníbal de Freitas, do PSDB) e uma vice-presidente (Edir Sales, do PSD). (...) a CPI tem prazo até dia 9 de setembro pra apresentar um relatório da investigação que ainda não começou (a comissão ganhou mais 120 dias para produzir o relatório de investigações), (...) e a maioria dos vereadores são da base de apoio do governo municipal de Gilberto Kassab”. Esse tipo de postura, e os cancelamentos, por falta de quórum, geraram protestos dos moradores da favela do Moinho, de movimentos por moradia, e de outras favelas incendiadas, na frente da câmara municipal, em 27 de setembro. “Segundo o coorde-nador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Simões, o grupo quer uma resposta do legislativo. “Queremos que essa CPI aconteça e queremos que a prefeitura se responsabilize por dar moradia à população”, disse.”80 Em defesa da comissão, o vereador e presidente da CPI, Ricardo Teixeira (PV), declarou à imprensa, em setembro: “Estamos lendo o relatório da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Tenho feito as convocações, temos feito os requerimentos dos laudos”81, concluiu. Apesar da autodefesa do vereador, de fato, até outubro de 2012 a CPI dos incêndios não havia avançado na investigação no que diz respeito à questão de autoria desses. Mais do que o fato de ela ser composta (pelo menos até o momento) por membros da base governista, reportagens ainda dão conta de que todos os eles receberam avultosas quantias de empreiteiras para suas campanhas eleitorais82. Desta forma, não é de se admirar que o processo investigativo tarde em ocorrer de fato. Acusar o setor imobiliário de ser responsável por incêndios criminosos em assentamentos habitacionais poderia representar o risco da perda de finan-ciamento de futuras campanhas eleitorais, além do risco de perda no crescimento do capital especulativo ligado à atividade, à qual é possível que haja interesse pessoal.

79 Disponível em <http://advivo.com.br/materia-artigo/incendios-em-favelas-e-a-especulacao-inflamavel>,ultimo acesso em 16 de novembro de 2012.

80 Disponível em <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI6181803-EI8139,00-SP+sessao+de+CPI+dos+Incendios+e+cancelada+e+moradores+protestam.html> acesso em 16 de novembro de 2012.

81 Idem

82 Vide “Setor imobiliário financiou todos os vereadores da CPI dos Incêndios, em São Paulo; total chega a R$ 700 mil”, notícias uol, disponível em <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/10/05/vereadores-da-cpi-dos-incendios-em-favelas-de-sp-receberam-doacoes-de-construtoras-em-2008.htm>, ultimo acesso em 16 de novembro de 2012.

CPI dos Incêndios e a situação atual do debate

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A única sessão da comissão que de fato contemplou a investigação, em 18 de outubro, desviou o foco acu-sativo do interesse imobiliário para suposto interesse dos próprios moradores nas ocorrências de incêndios. Baseados em depoimentos de coronéis que comandam as subprefeituras de Jabaquara, Vila Prudente e São Miguel Paulista, “a vereadora Edir Sales (PSD), (...), afirmou que concorda com a adoção de uma linha de investigação que apure a hipótese de que moradores interessados em receber benefícios da prefeitura sejam responsáveis pelas chamas. “A CPI está investigando todas as possibilidades. Tem o viés das construtoras e esse (interesse no bolsa-aluguel) é outro. Nenhum será descartado”, disse, por meio de sua assessoria. (...) No entanto, o presidente da CPI, vereador Ricardo Teixeira (PV), descartou que os sinistros nas favelas Estação, na Vila Prudente, Nair, em São Miguel Paulista, e Babilônia, no Jabaquara, tenham sido motivados pela especulação imobiliária.”83

O esperado agora é que os rumos da investigação mudem. Apenas quatro, dos seis vereadores da comissão foram reeleitos (Ricardo Teixeira (PV), Edir Sales (PSD), Toninho Paiva (PR) e Souza Santos (PSD)), e com a mudança de vereadores na câmara, além da vitória da oposição na prefeitura, a tendência é de que também os trabalhos das comissões parlamentares mudem. Há ainda um mês para o fechamento da câmara por recesso de fim de ano, e portanto antes da mudança nos mandatos; contudo, novas reuniões da comissão nesse período são improváveis.

83 De acordo com Gisele Brito, para Rede Brasil Atual. Disponível em <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/cpi-dos-incendios-investiga-interesse-de-moradores>, ultimo acesso em 16 de novembro de 2012.

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Para além das questões levantadas neste trabalho, o fato é que é ainda grande o número de pessoas em situação de precariedade no município de São Paulo. O registro aqui feito é apenas uma pequena amostra da situação em que vivem milhões de pessoas, não só no nosso município, mas na maioria das grandes cidades do mundo. Contudo, é o conhecer das particularidades de cada caso, junto com as características comuns a todos eles, que podem em conjunto conduzir uma melhor ação no mundo. Entendo aqui que a compreensão da complexidade de relações, motivações e situações de vida destes cidadãos é fundamental para desenvolver uma postura mais ética frente a uma vida profissional. Como arquiteto, urbanista e ci-dadão, é especialmente importante essa busca em uma prática que se pretende luta, e enfrentamento das condições políticas e sociais para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas.

Do Fim

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