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1 UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS Jeferson Jardim Ferreira Messa PRÁTICAS ILÍCITAS FUNDAMENTADAS NO DIREITO DE RELIGIÃO NO BRASIL Governador Valadares 2011

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS

Jeferson Jardim Ferreira Messa

PRÁTICAS ILÍCITAS FUNDAMENTADAS NO DIREITO DE RELIGIÃO NO BRASIL

Governador Valadares

2011

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JEFERSON JARDIM FERREIRA MESSA

PRÁTICAS ILÍCITAS FUNDAMENTADAS NO DIREITO DE RELIGIÃO NO BRASIL

Monografia para obtenção do grau de bacharel em

Direito, apresentada à Faculdade de Direito,

Ciências Administrativas e Econômicas da

Universidade Vale do Rio Doce.

Orientador: Prof. Fabiano Batista Corrêa

Governador Valadares

2011

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JEFERSON JARDIM FERREIRA MESSA

PRÁTICAS ILÍCITAS FUNDAMENTADAS NO DIREITO DE RELIGIÃO NO BRASIL

Monografia apresentada como requisito para

obtenção do grau de bacharel em Direito pela

Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e

Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce

Governador Valadares, 14 de junho de 1988.

Banca Examinadora:

__________________________________________

Prof. Fabiano Batista Corrêa - Orientador

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________

Prof. Afrânio Hilel Terra

Universidade Vale do rio Doce

__________________________________________

Prof. Julio Fabrini Mirabete

Universidade Vale do rio Doce

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço ao Senhor Jesus, por tudo que tenho e tudo que sou. A ele

toda honra e glória.

Em seguida, agradeço à minha família, principalmente meus pais, pelo incentivo,

financiamento e amor que dedicaram a mim.

Ao meu orientador Prof. Fabiano, agradeço imensamente, pela dedicação, paciência e,

sobretudo, pela aprendizagem extensa que me proporcionou.

À minha esposa querida e companheira, Luciana, que me incentiva e me apóia a todo

o momento.

Aos demais professores do curso de Direito da UNIVALE e a todos os profissionais

que trabalham nessa Universidade.

Enfim, a todos que de uma maneira direta ou indireta me ajudaram a finalizar mais

essa etapa.

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Resumo

Sabe-se que nos dias atuais é crescente o fenômeno de práticas ilícitas no meio religioso tais

como crimes de charlatanismo, curandeirismo, estelionato e lavagem de dinheiro. Cada vez

mais a mídia retoma esses fatos sociais e os expõe à sociedade, porém, poucos estudos

existem para discutir tais fatos. Por esse motivo, esse trabalho tem como objetivo discorrer

sobre algumas práticas ilícitas fundamentadas no Direito de Religião. Para tanto, o presente

trabalho foi realizado com base na pesquisa indutiva e bibliográfica das quais foram

apresentados fatos sociais circulados por alguns veículos de comunicação nacional. Concluiu-

se, a partir desse estudo, que o Estado, apesar de não poder adentrar na liberdade religiosa,

deve buscar um caminho mais válido e mecanismos efetivos de controle, oprimindo para tanto

as práticas ilícitas no meio religioso, sendo que os direitos fundamentais não são absolutos em

seu exercício.

Palavras-chave: Liberdade Religiosa, Práticas Ilícitas, Direitos Fundamentais.

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Abstract

We know that today is growing the phenomenon of illegal practices in the religious crimes

such as charlatanism, quackery, fraud and money laundering. Increasingly the media takes up

these social facts and exposes them to society, but few studies exist to discuss these facts.

Therefore, this paper aims at discussing some of the illicit practices based on the Law of

Religion. To this end, the present study was based on inductive research and literature of

social facts which were presented circulated by some media outlets nationwide. It was

concluded from this study that the state, although he could not enter in religious freedom,

must seek a more valid and effective mechanisms of control, overwhelming for both the

illegal practices in the religious, and the fundamental rights are not absolute in its exercise.

Word Key: Religion Right, Illicit Practices, Fundamental Rights.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------------- 8

2 DIREITO DE RELIGIÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ----------------------- 10

3 CONCEITOS SOBRE A LIBERDADE DE RELIGIÃO --------------------------------------- 21

4 ASPECTOS SOCIAIS NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RELIGIÃO -------------------- 29

5 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS ILICITAS FUNDAMENTADAS

NO DIREITO DE RELIGIÃO. ------------------------------------------------------------------------ 41

6 CONCLUSÃO ----------------------------------------------------------------------------------------- 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ---------------------------------------------------------------- 48

8

1 INTRODUÇÃO

O Homem tem passado por várias dificuldades pessoais e sociais em um mundo

contemporâneo que se encontra em constantes mudanças, trazendo situações cada vez mais

difíceis. No entanto, certos grupos de pessoas, aproveitando dessas situações enfrentadas pela

humanidade, usam do direito de religião e pregam em suas liturgias e cultos religiosos,

milagres, curas, soluções para vida financeira e conjugal, terrenos no ―céu mais próximos de

Deus‖, entre tantas outras promessas vinculadas à entrega de ofertas e dízimos. Portanto, os

fiéis ofertam tudo o que podem a esses mercantilistas enganados pela boa eloqüência de

alguns pregadores de má fé pautados em distorções bíblicas.

A presente monografia tem por objetivo demonstrar fatos sociais, ocorridos

principalmente nestas últimas décadas, por alguns religiosos que aproveitando de más

situações como catástrofes, abalos financeiros, entre outras dificuldades enfrentadas pelo

Homem, abusam do direito de religião consagrado no inciso VI do artigo 5º e do Estado Leigo

preceituado no artigo 19, inciso I da Constituição Federal, para práticas de crimes.

O tema a ser apresentado busca demonstrar que o direito à religião, e com isso aos

seus cultos, consagrado no mencionado preceito constitucional, não poderá ser refúgio para

práticas ilícitas como os crimes de estelionato, charlatanismo, curandeirismo, lavagem de

dinheiro, etc. Diante desses acontecimentos nota-se a importância desta pesquisa e ressalta-se

que o Estado, apesar de ser separado da religião, não poderá ignorar tais relações sociais ao

meio religioso, devido, sobretudo, a consagração do principio da dignidade da pessoa

humana.

Nesse sentido, a primeira seção trata de um breve histórico constitucional do direito de

religião, buscando demonstrar a evolução desse principio constitucional nas constituições

promulgadas no Brasil, inclusive a constituição vigente, demonstrando que tais conquistas são

alcançadas pela luta cotidiana de um povo.

Na segunda seção intitulada ―Conceitos sobre liberdade e religião‖ serão traçados

alguns conceitos basilares necessários para o desenvolvimento, buscando assim delinear

premissas para a efetiva conclusão. Já na terceira seção serão demonstrados fatos sociais

ocorridos nos últimos anos por práticas abusivas violando o Estado Democrático de Direito.

Serão, portanto, apresentadas reportagens, artigos de jornais e revistas de grande circulação

nacional, citando que tais condutas, além de serem crimes, ferem também a ordem pública e

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os bons costumes, e que devem ser reprimidas pelo Direito, garantindo, assim, o direito de

religião e a supremacia da Constituição.

Para a finalização do desenvolvimento do trabalho traçar-se-á na última seção algumas

considerações, de suma importância, para fundamentação desse estudo no qual discorrerá

sobre os limites do Estado na regulamentação do direito de religião buscando demonstrar que

uma pequena massa de indivíduos em detrimento de uma maioria, encontra-se, ferindo o

Estado Democrático de Direito, os bons costumes e a ordem pública.

Sendo assim, a relevância do tema justifica-se pelo fato de que essas práticas abusivas

vêm tomando grandes proporções, inclusive perante a mídia. Logo, o Direito deverá buscar

mecanismos de controle e acareação para regular melhor tais atividades e garantir não

somente o direito de religião, mas os mecanismos necessários para viabilizar o livre exercício

de tal direito, sem lesão ou ofensa.

Assim, este trabalho será cindido em capítulos e tópicos objetivos, apesar das

dificuldades sobre a escassa fonte direta de pesquisa bibliográfica, uma vez que, o tema ainda

não se encontra esboçado pelos operadores do direito. Para tanto, para a realização desta

pesquisa utilizou-se do método indutivo e da técnica da pesquisa bibliográfica, inclusive

através de revistas, jornais e internet, sendo os meios mais acessíveis para demonstração dos

fatos sociais.

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2 DIREITO DE RELIGIÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A evolução da liberdade conquistada pelo povo através das Constituições, quanto aos

princípios e garantias fundamentais, foi adquirida ao longo de toda história do Brasil. Pois,

desde o Brasil Colônia essa evolução foi gradualmente alcançando conquistas através de lutas

e ideais almejadas na constante busca pela valoração humana. Logo, o objetivo desse capítulo

é recuperar historicamente, de forma sucinta, a evolução do direito de religião no Brasil como

garantia consagrada nas constituições. Porquanto, em cada contexto histórico há obtenções em

frente aos direitos e garantias fundamentais, mas, esse capítulo ater-se-á basicamente ao

Direito de Religião. Assim, antes mesmo de adentrar-se no histórico de cada Constituição,

tem-se como parâmetro o Brasil Colônia, que por sua vez, não havia nenhuma liberdade

religiosa.

Desde o descobrimento do Brasil, em 1500, até o Império, as Ordenações (Afonsinas,

Manoelinas e Filipinas) mantinham o monopólio religioso reprimindo os brasileiros que

exteriorizassem qualquer manifestação religiosa contrária ao catolicismo, que na época era a

religião oficial do Império. Regulavam com mão de ferro o campo religioso, não somente

estabelecendo o catolicismo como a religião oficial, mas também, concedendo o monopólio

religioso para, inclusive, governantes e julgadores. Reprimia as demais crenças,

principalmente a protestante, tratando como crime qualquer manifestação contrária ao

catolicismo estabelecendo penas corporais aos que blasfemasse contra Deus e aos santos

católicos. É o que confirma Oliveira (2010, p.15): ―Durante o período do descobrimento do

Brasil (1500) até o Império (1824) as Ordenações regulavam a vida no Brasil Colônia. Neste

contexto, as Ordenações Filipinas duraram mais de dois séculos e criminalizavam condutas

que ofendiam a religião católica (...)‖.

2.1 BRASIL IMPÉRIO – CONSTITUIÇÃO DE 1824

A liberdade religiosa na Constituição Imperial, mencionada no artigo 5º de 25 de

março de 1824, outorgada por D. Pedro I, retratava: ―A Religião Católica Apostólica Romana

continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu

culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de

Templo‖.

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As bases da Constituição Imperial refletiram tendências do pensamento político-social

dominante da época, sofrendo influências do clima liberal que predominava naquele tempo. O

Brasil buscava um grande liberalismo, que nascia galgando os direitos e garantias

fundamentais, refletidas pelas duas grandes revoluções do século XVIII, a francesa e a

americana. Nesse sentido, Bastos (2001) ao citar a Constituição outorgada de 1824 afirma

que

(...) embora sem deixar de trazer consigo características que hoje não seriam

aceitáveis como democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo,

que se tratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais, que era praticamente o que

havia de mais moderno na época, como também na adoção da separação de Poderes,

que, além dos três clássicos, acrescentava um quarto: o Poder Moderador (BASTOS,

2001, p. 316)

O liberalismo, que para aquele período era expressivo, avançou muito no aspecto de

liberdade religiosa, inclusive em outros direitos individuais. Exemplo nítido foi em garantir

que ninguém poderia ser perseguido por motivos religiosos desde que respeitasse a religião do

Estado e não ofendesse a moral pública, e permitia aos estrangeiros o culto doméstico em suas

línguas originárias, sem características de templos.

Contudo, restringia algumas prerrogativas e privilégios, em busca de manter o poderio

estatal, como sendo um instrumento para o desempenho da funcionalidade da segurança

política e jurídica. Tal condição era tamanha que para alguém ser eleito deputado, deveria ser

católico, conforme elencava o artigo 95, parágrafo 3º, in verbis: ―Art. 95. Todos os que

podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se: inciso III - Os

que não professarem a Religião do Estado‖. Logo, pela natureza dos aspectos jurídicos

constantes na constituição de 1824, nota-se que o Estado apesar de restringir alguns direitos

citados acima, permitiu-se um avanço significativo quanto ao direito de religião, entre outros,

marcando o início da liberdade religiosa no Brasil.

Já concernente à liberdade de crença, o artigo 179, inciso V, relata: ―Ninguém pode

ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a

Moral Pública‖. Assim, pode-se demonstrar a guarda da liberdade de crença como requisito

da liberdade de religião. Porém, quanto à liberdade de culto, essa ficou restringida, permitindo

somente a exteriorização da religião estatal. É o que demonstra Oliveira (2010):

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A análise do dispositivo transcrito, em cotejo com o restante do texto da

Constituição de 1824, no tocante à liberdade de religião, demonstra que a liberdade

de crença foi preservada (um dos aspectos da liberdade de religião), vez que era

dispositivo constitucional expresso a possibilidade de se seguir religião diversa da

do Estado, resguardando ainda o direito do súdito de não ser perseguido por este

fato. Entretanto, a liberdade de culto, outro aspecto da liberdade de religião, foi

limitada, sendo possível somente o culto à religião do Estado (OLIVEIRA, 2010,

p.16)

2.2 CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE 1891

A Constituição Republicana de 1891 foi promulgada em 24 de fevereiro. Aconteceu

imensa reforma, principalmente quanto aos princípios e garantias fundamentais, adotados

pelos constituintes que embasaram na Constituição Norte-Americana. É o que relata Cretella

(1992, p.13): ―Por orientação de Rui Barbosa, nossa Primeira Constituição Republicana

tomou por modelo a Constituição Norte-Americana, cujos princípios fundamentais foram

adotados pelos constituintes pátrios‖.

Aconteceu também, de inovador, que ouve a separação do Estado e a Igreja, contudo,

para essa mudança ocorrer, três grandes grupos contribuíram para tal evolução, sendo eles: os

republicanos, os positivistas e os protestantes, além dos maçons que, via de regra, estavam

presentes contribuindo para tal progresso. Com isso, ocorreu a oficialização da separação

entre a Igreja e o Estado pondo fim ao monopólio católico e permitindo a exteriorização da

liberdade religiosa e dos cultos, denotado no artigo 11 da referida Constituição: ―É vedado aos

Estados, como à União: 2º) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos

religiosos‖.

No entanto, a secularização do Estado e a instauração da liberdade religiosa, não

retiraram como se podem perceber até os dias atuais, alguns privilégios da Igreja Católica,

como por exemplo, a organização de festas com feriados nacionais, a Padroeira do Brasil –

Nossa Senhora Aparecida - entre tantos outros feriados religiosos. Mas, para aquele período,

grandes mudanças e avanços ocorreram com o rompimento da Monarquia com a religião.

Sendo assim, houve a ampliação da declaração de direitos e garantias constitucionais, que

ganharam destaque na Lei Maior de 1891, sendo uma conquista importante contra o poder

arbitrário do Estado. Nesse sentido Oliveira (2010, p.17) comenta que ―a independência total

entre o Estado e a Igreja marcou a tônica da Constituição de 1891. O objetivo era a

aniquilação do apoio do catolicismo ao Estado Monárquico e a busca do exercício do poder

estatal sem a interferência da Igreja Católica‖.

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Em consequência aconteceu que se retirou do preâmbulo a referência à religião,

mais uma afirmação para caracterização do Estado Laico, pelo menos é o que queriam

demonstrar; o casamento religioso deixou de ter validade jurídica; os cemitérios foram

secularizados, passando a administração aos municípios; e, houve proibição do ensino

religioso nas escolas públicas. Sendo assim, seguem as referências da Constituição de 1891:

―Nós os Representantes do Povo Brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para

organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a

seguinte Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil ...‖.

―Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu

culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do

direito commum‖. (Artigo 72, parágrafo 3º, da Constituição de 1891).

―A republica só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita. (Parágrafo

4º, do artigo 72).

―Os cemitérios terão caracter secular e serão administrados pela autoridade municipal,

ficando livre a todos os cultos religiosos a pratica dos respectivos ritos em relação aos

seus crentes, desde que não offendam a moral publica e as leis‖. (Parágrafo 5º, do

artigo 72).

―Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos‖ (Parágrafo 6º, do

artigo 72).

2.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934

Devido aos acontecimentos sociais da época essa constituição vigorou por pouco

tempo. Bastos (2001, p.339) demonstra que ―a curta duração que teve não deve ser explicada

pelos defeitos que trazia em si, mas, em verdade, pela radicalização do clima social da época‖.

Como explanado, a constituição de 1934, logrou êxito por pouquíssimo tempo, porém,

trouxe avanços significativos, como exemplo, o mandado de segurança, com intuito de

ampliar a proteção dos direitos individuais. Nesse sentido, Oliveira (2010) explica

Houve um verdadeiro alargamento das matérias constantes do texto constitucional.

Além das matérias pertinentes à organização do Estado e de declaração de direitos

individuais, a Constituição de 1934 incluiu em seu texto matérias relativas à ordem

social e econômica, à família, à cultura e à educação (OLIVEIRA, 2010, p.21).

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No concernente à liberdade religiosa o Estado confirmou a laicidade, sendo que

proibiu a intervenção do Estado mesmo que para estabelecer aliança, permitindo, no entanto,

a colaboração recíproca desde que em prol do interesse coletivo. É o que vigorava no artigo

17 incisos II e III, da citada constituição: ―È vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal

e aos Municípios: II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício dos cultos

religiosos; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, sem prejuízo da

colaboração recíproca em prol do interesse coletivo‖.

Porém, na visão de muitos autores, como por exemplo, Mariano ―é mais católica de

todas‖. Haja vista, que o Governo de Getulio Vargas (1930-1945) juntou-se com o Cardeal

Leme para consagrar novamente o catolicismo como um braço direito do Estado e permitir a

essa religião status perante a República, utilizando do preceito ―sem prejuízo da colaboração

recíproca em prol do interesse coletivo‖, ferindo assim, o dispositivo constitucional da

Constituição.

Apesar dos artigos mencionarem a vedação dos entes da República em subvencionar

ou embaraçar qualquer culto religioso, a aliança feita entre o Estado e o Catolicismo, torna-se

estampada pelos fatos sociais da época. Assim, o Estado Brasileiro retrocedeu no progresso

da separação entre o Estado e a Religião, permitindo aquele apoiar-se neste, deixando de lado

as demais religiões.

Assim, foi mantido o casamento civil, mas dispôs sobre a produção de efeitos civis

para casamento religioso. Também foi previsto o ensino religioso facultativo em

estabelecimentos públicos, autorizando o aluno a professar seus princípios religiosos.

2.4 CONSTITUIÇÃO DE 1937

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, publicada em 10 de novembro de 1937,

pouco trouxe de inovação para o direito de religião. Tanto mais expressou no artigo 122,

parágrafo 4°, o direito dos indivíduos e as confissões religiosas poderem expressar livremente

suas crenças e consequentemente protegeu o culto religioso, dando-lhes livre expressão. É o

que vigorava no referido artigo: ―A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros

residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos

seguintes: 4º) todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente

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o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do

direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes‖.

Sabe-se, porém, que naquele tempo havia muitas repressões, tanto pela sociedade

quanto pelo próprio Estado à manifestação de algumas religiões, principalmente as religiões

dos negros, como exemplo, o candomblé. Ainda também se restringia alguns direitos

individuais, como a manifestação de pensamento que para aquela época foi censurado,

impactando diretamente no direito de religião, que por sua vez, ficou engessado nas suas

manifestações. Alves apud Bastos (2001) demonstra que

Era de se esperar que a Constituição de 1937 criasse restrições aos direitos

individuais e às suas garantias. (...) o direito de manifestação de pensamento foi

limitado através da censura prévia da imprensa, teatro, cinema e radiofusão, sendo

facultado à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação

(ALVES apud BASTOS, 2001, p.345)

Apesar do citado preceito constitucional, garantir expressamente o direito de religião

e permitir suas manifestações se nota que para exercer tal direito era necessário, como se é até

os dias atuais, a manifestação do pensamento, que por sua vez, estava restringida pela censura

do Estado ditador, tornando inviável a ampla manifestação e exteriorização do direito de

religião. Nesse segmento Oliveira (2010) diz

Ora, se havia a obrigatoriedade da observância das exigências da ordem pública e

dos bons costumes, estava nítida a limitação da liberdade de religião. (...) Em linhas

gerais, a Constituição de 1937 não se interessou por matérias referentes à liberdade

de religião que existiam na Constituição de 1934, deixando de dispor sobre

assistência religiosa em estabelecimentos oficiais e expedições militares;

eclesiásticos no serviços militar ou casamento religioso (OLIVEIRA, 2010, p.23)

São notórias, que para aquele tempo, o direito de religião e suas manifestações

sofreram grande repressões estatais devido à ditadura militar.

2.5 CONSTITUIÇÃO DE 1946

A presente Constituição preservou expressamente a separação do Estado e a Igreja em

seu artigo 31, inciso II e III, mas mencionou a proteção de Deus no preâmbulo, o que não

significa a separação entre o Estado e a Igreja. É o que descreve Oliveira (2010, p.25): ―O

preâmbulo mencionava a proteção de Deus e o art. 31, inciso II e III, mantinham o Estado

Laico‖. Como está descrito na Constituição de 1946: ―À União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios é vedado: II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou

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embaraçar-lhes o exercício; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou

igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo‖.

O artigo 141, parágrafo 7º, assegurava a liberdade religiosa em três sentidos: de

consciência, de crença e de culto, como já vigorava na carta legal de 1937, confirmando a

ampliação dos direitos de religião, com a ressalva da contrariedade a ordem pública e aos

bons costumes.

A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual

e à propriedade, nos termos seguintes: § 7º - É inviolável a liberdade de consciência

e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que

contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas

adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil (CONSTITUIÇÃO, 1946).

Sabe-se que os princípios expressos nessa constituição, para aquela ocasião, foram um

marco na história brasileira, que avançou socialmente, buscando garantir os direitos do povo.

Bastos (2001) descreve que

A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a melhor, de todas que

tivemos. Tecnicamente é muito correta e do ponto de vista ideológico traçava

nitidamente uma linha de pensamento libertária no campo político sem descurar da

abertura para o campo social que foi recuperada da Constituição de 1934 (BASTOS,

2001, p. 348).

Houve também a inserção de artigo garantido a imunidade tributária e ampliando a

proteção à liberdade religiosa, que de certa forma, incentivava a criação e exteriorização de

religiões. Acresceu também a assistência religiosa em estabelecimentos de internação coletiva

e as forças armadas no artigo 141, parágrafo 9º. Nessa mesma constituição voltaram o

reconhecimento do casamento religioso com efeitos civis. Tais fatos são demonstrados por

Oliveira (2010)

A imunidade tributária sobre a atividade religiosa surgiu nesta Constituição, no Art.

31, inciso V, ―b‖, o que demonstra a ideologia da Constituição de 1946 em proteger

a liberdade de religião com incentivo ao pluralismo religioso, pois a imunidade

favorece a criação de templos e igrejas (OLIVEIRA, 2010, p.25).

Observa-se claramente que o Estado buscava alcançar os direitos inerentes ao ser

humano e consequentemente viabilizá-los. Nesse sentido, o Estado caminhava para uma

17

liberdade religiosa ampla, que permitisse ao povo as expressões necessárias de suas religiões

sem perseguições e injustiças.

2.6 CONSTITUIÇÃO DE 1967 E SUA EMENDA EM 1969

A Constituinte de 1967 manteve todos os direitos de religião que foram expressos na

Constituição anterior, contudo, devido à ditadura militar esses direitos não eram garantidos,

principalmente pela repressão de consciência praticada na época. Nesse sentido, Oliveira

(2010) demonstra que ―no Brasil da ditadura militar, a Constituição tinha sua força normativa

reduzida ao mínimo possível, pois era simplesmente ignorada por aqueles que tinham o dever

de fazê-lo cumprir‖. Nessa linha, a autora descreve os abusos cometidos pela ditadura militar

que prevalecia sobre a Lei maior:

A Constituição de 1967 repetiu no Art. 150, § 6º, a impossibilidade de privação dos

direitos por motivo de crença religiosa, salvo se invocada para eximir-se de

obrigação a todos impostas; e no Art. 150, § 7º, a previsão de assistência religiosa às

forças armadas e estabelecimentos de internação coletiva. Lembrando que em

especial estes dois parágrafos eram corriqueiramente descumprindo durante o

regime militar (OLIVEIRA, 2010, p.27).

Já a Emenda Constitucional de 1969 transcreveu todos os direitos religiosos expressos

na Constituição de 1967, exceto, a assistência religiosa às forças armadas que foi retirada do

corpo da Carta Magna, o que na realidade já encontrava sendo desrespeitada pelo abuso

ditatorial.

Antes de iniciar as Diretas-Já os brasileiros sofreram sérias repressões nas

manifestações de pensamento. Fatos esses que não estão longe dessa geração que foram

vítimas de várias iniquidades, afetando inclusive a liberdade religiosa, que não poderia se

expressar contrária ao regime ditatorial pelo qual tinha o dever de respeitar e fazer cumprir o

que assegurava a Carta maior.

2.7 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O Direito busca alcançar os objetivos de um povo que sempre caminha à frente da

legislação, pela procura em respaldar suas necessidades em um Estado Democrático de

Direito. Logo, a democracia deve-se buscar a amplitude dos direitos do homem, trazendo

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sempre a prevalência de garantias para firmar e sustentar esses direitos. Nesse sentido, a Carta

Magna vigente, traz em seu escopo, a conquista alcançada até os presentes dias, conforme

preceitua o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - é

inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício

dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as

suas liturgias (CONSTITUIÇÃO, 1988).

A Constituição Cidadã, assim chamada pelos constitucionalistas, trouxe uma enorme

amplitude de garantias, já conseguida até os dias atuais, principalmente quanto ao direito de

religião. De modo que consagra não somente o direito de possuir uma religião, assim como de

não profanar nenhuma, como também em garantir a liberdade de expor os rituais religiosos.

Logo, Oliviera (2010, p.29), afirma que ―consoante o texto do inciso VI verifica-se que a

Constituição buscou a proteção do aspecto interno (liberdade de crença) e externo (garantia do

livre exercício dos cultos e liturgias, além da proteção aos locais respectivos) da liberdade de

religião.‖

Importante mencionar que o inciso VII garante a assistência religiosa em internações

coletivas e o seguinte inciso impede que o Estado invalide os direitos políticos do cidadão,

por motivo de crença religiosa. Vale ressaltar também que o artigo 19, inciso II da referida

Carta Magna, estampa o principio da Separação entre a Igreja e o Estado, deixando

caracterizado o Estado Laico.

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer

cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou

manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,

ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (CONSTITUIÇÃO,

1988).

O artigo 15 inciso IV traz a proibição da cassação dos direitos políticos do cidadão em

face aos direitos religiosos, não permitindo, portanto, abusos por partes de autoridades.

Contudo, poderá sofrer exceção se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

imposto e cumprir prestação alternativa em que a lei designar.

Tais conquistas constitucionais da liberdade religiosa e a livre manifestação de

consciência é um grande marco de verdadeira maturidade de um povo, pois a fé humana não

poderá ser reprimida pelo Estado que visa à dignidade humana. Sendo assim, sua expressão

19

deverá ser ilimitada, desde que dentro dos ditames legais e que não se confronte com outros

direitos e princípios elencados na própria Constituição.

Logo, essa amplitude democrática consagrada pela Constituição, busca permitir aos

brasileiros e estrangeiros toda segurança para uma livre manifestação, sem perseguições ou

privilégios por parte do Estado e terceiros. O Estado, também não pode estabelecer, com

qualquer religião, nenhum tipo de aliança que comprometa o funcionamento de outras ou

estabeleça privilégios para garantir força política ou econômica.

Contudo, sabe-se que o direito de religião, não fora tão garantido e expressado no

passado, porque tanto o Estado quanto à sociedade, resistia em aceitar algumas religiões,

impondo várias restrições e inúmeras perseguições, para assegurar o poder político e religioso

que se consolidava nas mãos de poucos. Todavia, a Constituição Federal de 1988, veio com

enorme avanço nos direitos e garantias individuais, sendo modalidade dos direitos

fundamentais, garantindo a todos o direito de religião como prerrogativa da dignidade da

pessoa humana. No mesmo sentido, é o pensamento do jurista Kildare Gonçalves Carvalho

quando afirma que ―a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana (em todo o

homem e em toda a mulher se acham presentes todas as faculdades da humanidade), é

irrenunciável e inalienável, e constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele

não pode ser destacado‖ (CARVALHO, 2007, p.548).

Assim, não se pode retroceder quanto aos princípios e garantias individuais, ademais,

devem-se ampliar as garantias para viabilizar os princípios, com o intuito de satisfazer a

essência humana, pois a fundamentação de um Estado Democrático se resume na propagação

da dignidade humana, sendo o ser humano como protagonista da Nação. É nessa mesma

acepção que relata Carvalho (2007)

No âmbito da Constituição brasileira de 1988, a dignidade da pessoa humana é o

fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes

constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa e

que com base nesta é que devem aqueles ser interpretados (CARVALHO, 2007,

p.549).

Por fim, está garantido o ensino religioso, porém de matrícula facultativa nas escolas

públicas de ensino fundamental não obrigando ninguém a professar e participar de credo que

não creia. Permitiu também a imunidade tributária como meio de promoção de todas as

religiões. Aceitou o casamento religioso com efeitos civis.

Sendo assim, Carvalho (2007, p.619), atesta a posição explicitada acima, quanto ao

direito de religião como principio fundamental de um Estado Democrático de Direito

20

afirmando que ―em linhas gerais, a liberdade de religião se mostra com uma garantia

complementar às liberdades de opinião e expressão, composta por aspectos interiores (crença)

e exteriores (garantia do exercício de cultos e proteção aos locais de culto e liturgias).‖

Resumindo, a liberdade de religião na Constituição de 1988 torna-se uma garantia

assessoria às liberdades de opinião e expressão, compondo-se também pela liberdade de

crença, como ato interior, e pela liberdade em profanar essa crença, respaldando inclusive os

locais para essas expressões, como ato exterior ao direito de religião.

21

3 CONCEITOS SOBRE A LIBERDADE DE RELIGIÃO

Para desenvolvimento do presente trabalho faz-se necessário adentrar em alguns

conceitos como: dignidade da pessoa humana, liberdade de crença e de culto, liberdade de

consciência, religião, etc. Tais concepções são de suma importância para alicerçar a presente

pesquisa, dando-lhe fundamentações jurídicas e jurisprudenciais.

Nesse sentido, para entender a dimensão e importância do direito de religião e sua

amplitude no campo jurídico e também para estabelecer a relação da religião com a dignidade

da pessoa humana é que se seguem tais conceitos e comentários.

3.1 – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal tem como fundamento em seu artigo 1º: ―A República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: inciso III a

dignidade da pessoa humana‖. Logo, esse Estado democrático estampa que a dignidade da

pessoa humana é um dos pilares de sustentação do Estado, ou seja, a razão do funcionamento

do Estado é promover a dignidade para pessoa humana.

Conquanto, para clarear o que seja realmente a dignidade da pessoa humana e a

importância de tal tratamento pela constituição, Wallace Tesch Sabaini discorre em sua obra

Estado e Religião que

(...) numa perspectiva de construção de um conceito de dignidade com base na

evolução histórica, de forma objetiva e pragmática, há que se considerar que o

conceito de dignidade na atualidade está ligado à idéia de respeito. Nesse caso,

respeito à vida do ser humano, com todas as suas possibilidades individuais e

coletivas, como integridade física e psíquica, liberdade de pensamento, intimidade,

consciência, opção religiosa, saúde, educação, segurança, etc (SABAINI, 2010, p.

39).

É notório que para a dignidade da pessoa humana surgir e assim perpetuar como pilar

do Estado Democrático de Direito e, para tantos outros direitos fundamentais existirem, que

se deve garantir o direito à vida, a fim de atingir-se a essência da dignidade da pessoa humana

e proporcionar tal fundamento aos demais direitos, inclusive o direito de religião.

22

Seguindo, pode-se entender como um valor supremo, mas também básico e necessário.

A essência humana deverá ser respeitada pelos demais seres humanos e principalmente pelo

próprio Estado. Nesse norte, Alexandre de Moraes, esclarece que

(...) a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta

singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que

traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se

um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar (MORAES, 2005,

p. 48).

Para resumir, a dignidade da pessoa humana é o atributo que todo ser humano possui

em sua essência e por isso deve ser respeitado. Melhor, é a superioridade que todo ser humano

possui não em cima dos demais, mas, diante de todas outras coisas e seres. Para que isso

ocorra é necessário que o próprio Estado garanta através dos demais princípios e garantias o

tratamento adequado sem distinção de sexo, cor, raça ou religião de nenhum indivíduo,

dando-lhes respeito e tendo-o como a essência de toda norma jurídica. Ademais, Moraes

(2005, p.49) sustenta que ―Todos os seres racionais são igualmente dignos. Como atributo

inerente a toda pessoa humana, a dignidade não significa superioridade de um ser humano

sobre outro, mas dos seres humanos sobre outros seres‖.

Para testificar as razões já aduzidas, segue o posicionamento do Tribunal do Rio

Grande do Sul, sobre a dignidade da pessoa humana.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.

TESTEMUNHA DE JEOVÁ. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITOS

FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE CRENÇA E DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA. PREVALÊNCIA. OPÇÃO POR TRATAMENTO MÉDICO QUE

PRESERVA A DIGNIDADE DA RECORRENTE. A decisão recorrida deferiu a

realização de transfusão sanguínea contra a vontade expressa da agravante, a fim de

preservar-lhe a vida. A postulante é pessoa capaz, está lúcida e desde o primeiro

momento em que buscou atendimento médico dispôs, expressamente, a respeito de

sua discordância com tratamentos que violem suas convicções religiosas,

especialmente a transfusão de sangue. Impossibilidade de ser a recorrente submetida

a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do

uso de força policial. Tratamento médico que, embora pretenda a preservação da

vida, dela retira a dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a

existência restante sem sentido. Livre arbítrio. Inexistência do direito estatal de

"salvar a pessoa dela própria", quando sua escolha não implica violação de direitos

sociais ou de terceiros. Proteção do direito de escolha, direito calcado na

preservação da dignidade, para que a agravante somente seja submetida a tratamento

médico compatível com suas crenças religiosas. AGRAVO PROVIDO1 (TJ-RS, Rel.

Cláudio Baldino Maciel, RT 910).

1 Agravo de Instrumento Nº 70032799041

23

3.2 – RELIGIÃO

A palavra religião veio do latim ―religio‖ que significa prestar culto a uma divindade,

ligar novamente ou religar a algo. Para uns a religião é forma de externar a crença a um

determinado Deus. Já para alguns filósofos como Durkheim (1996 apud OLIVEIRA, 2010)

em que afirma que o significado de religião é um sistema de várias pessoas ligadas à mesma

crença, externando praticas religiosas como meio sagrado, sempre ramificado com a idéia de

igreja, muitas vezes expressada na forma de coletividade.

Chegamos, pois à seguinte definição: uma religião é um sistema solidário de crenças

e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e

práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles

que a elas aderem. O segundo elemento que participa assim de nossa definição não é

menos essencial que o primeiro, pois, ao mostrar que a idéia de religião é

inseparável da idéia de igreja, ele faz pressentir que a religião deve ser uma coisa

eminentemente coletiva (DURKHEIM, 1996, p. 32 apud OLIVEIRA, 2010, p. 42).

Assim, conclui-se que a religião pode ser entendida como o meio de disciplina ao

Homem perante alguma divindade, sendo expressa pela crença através da igreja, que por sua

vez, possui suas normas internas de controle. Pode também ser entendida como o meio de se

autocontrolar por meio de ritos e meditações sem a presença de algum Deus, como no caso,

por exemplo, do Budismo, ou pela presença da natureza como nas comunidades indígenas.

3.3 LIBERDADE DE CRENÇA

A liberdade de crença é um direito que todo indivíduo possui em escolher uma

determinada religião, por sua livre iniciativa ou opinião, optando até mesmo em mudar de

religião quantas vezes for conveniente. É assim que Sabaini (2010, p. 62) descreve:

―Liberdade de crença é a liberdade de escolha da religião, é o ato de aderir livremente a

qualquer religião ou seita religiosa, e até mesmo de mudar de religião se assim o desejar‖.

Logo é o intimo da pessoa que conduz sua aceitação para determinada religião, ou até

mesmo a livre iniciativa em mudar de religião ou seita, simplesmente pelo fato de não desejar

mais fazer parte daquele grupo que outrora tanto lhe chamava atenção. Essa iniciativa não está

atrelada a nenhum fator externo ou a nenhum requisito necessário para aderir outras religiões,

sendo assim atributo único da intimidade humana.

Portanto, a liberdade de crença como um requisito do direito de religião, permite ao

individuo a opção em escolher qualquer religião, ao seu tempo e modo que lhe aprouver, sem

24

a criação de nenhum embaraço, por parte dos particulares ou do Estado. Contudo, desde que

não prejudique a mesma liberdade que os demais possuem, respeitando, portanto as outras

convicções religiosas. Para melhor explanar sobre a liberdade de crença segue os

ensinamentos Sabaini (2010):

Além de poder escolher livremente, mudar ou abandonar a própria crença religiosa,

a liberdade de crença também consiste na: a) liberdade de agir de acordo com o

sistema de doutrinas de cada religião, desde que essas ações estejam dentro da

legalidade e respeitem a dignidade da pessoa humana. b) Liberdade de professar a

própria crença, podendo para tanto: empreender atividade missionária em busca de

novos crentes (fazer proselitismo); exprimir e divulgar livremente por meios

cabíveis o seu pensamento em matéria religiosa; produzir obras literárias sobre sua

religião. c) liberdade de acesso livre à informação sobre as religiões, seja por

qualquer meio legal (mídia impressa, radiodifusão, televisão, internet etc.). d)

Liberdade de estudar o sistema de crenças e doutrinas de cada religião, podendo,

assim, ensinar e explicar os propósitos da crença adotada, sem jamais impô-la aos

outros (SABAINI, 2010, p.63).

3.4 – LIBERDADE DE CULTO

A liberdade de culto é outro direito que todo ser humano tem em expressar sua religião

ou liturgia religiosa, seja sozinho ou em conjunto com os demais que fazem parte de sua

convicção religiosa, tanto em sua casa quanto nas congregações, igrejas, etc. Esse outro

atributo do direito de religião pode ser praticado através de orações, meditações, ritos,

clamores, louvores, etc. Nesse sentido é que Sabaini (2010) descreve o que seja liberdade de

culto,

Liberdade de culto é a liberdade da prática individual e coletiva da religião por meio

de cultos que podem ser individuais, domésticos ou públicos. O culto individual é

quando o crente entre em íntima comunhão pessoal com o seu Deus. O culto

doméstico é o ato pelo qual os membros de uma determinada família se reúnem em

sua residência, para meditação, leituras e orações. Já o culto público é a reunião de

pessoas de diferentes origens, mas ligadas pela mesma fé, quando se realizam,

manifestações, tradições e hábitos praticados de acordo com a religião escolhida

(SABAINI, 2010, p. 64).

Ademais é permitido até as manifestações religiosas públicas em que várias pessoas

reúnem publicamente com o mesmo propósito para expor sua fé ou crença religiosa, adorando

seus deuses. Esse meio de adoração, nos dias atuais, está muito comum, principalmente no

protestantismo, que vários fiéis reúnem para práticas espirituais em praças públicas e/ou

congressos, por exemplo. Seguindo, o autor descreve que a liberdade de culto pode ser

individual ou coletiva: ―Como se pode notar, a liberdade de culto tanto se mostra como

25

liberdade individual quanto como liberdade coletiva, tendo em vista que a vida religiosa

comporta atos de devoção cúltica praticados individualmente e atos de cultos praticados pelas

pessoas em conjunto‖ (SABAINI, 2010, p. 65).

Para isso o Estado tutela a liberdade de culto garantindo o livre exercício dos cultos

religiosos e protegendo os seus locais e as suas liturgias. Podendo assim, qualquer religião

praticar seus atos como casamentos, festividades religiosas, realizar sepultamentos com

rituais, etc., mas sempre respeitando as demais religiões, a ordem pública, o sossego e os bons

costumes, não cabendo qualquer manifestação de culto que seja atentatória a esses requisitos.

de modo que é posicionamento da jurisprudência citada por Moraes (2005, p.119),

A Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não

forem contrários à ordem, tranqüilidade e sossegos públicos, bem como compatíveis

com os bons costumes (STF – RTJ 51/334). Dessa forma, a questão das pregações e

curas religiosas devem ser analisadas de forma a não obstaculizar a liberdade

religiosa garantida constitucionalmente, nem tampouco acobertar práticas ilícitas

(STJ – RT 699/376).

Tem-se como diretriz às religiões, respeitarem as leis, principalmente de cunho civil e

criminal, ou seja, não podem utilizar da prerrogativa constitucional para realizarem qualquer

manifestação que pratiquem atos ilícitos ou contrárias ao sossego público ao passo que a

liberdade de culto não é absoluta em frente aos outros citados direitos.

3.5 LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

A liberdade de consciência, como o próprio nome aduz, é a liberdade íntima de uma

pessoa optar ou acreditar em determinada religião, em conformidade com o seu foro íntimo.

Para tanto, o Estado e ninguém por sua vez, não poderá penetrar e fazer imposições a cerca de

determinada convicção religiosa, pois a consciência traz primeiramente a aceitação íntima do

indivíduo com aquela determinada religião ou mesmo a opção pelo ateísmo. O doutrinador

Sabaini (2010) descreve respeitosamente o que seja a liberdade de consciência.

Liberdade de consciência envolvendo aspectos desse direito fundamental significa a

liberdade de optar entre o ateísmo, o agnosticismo e a afiliação a uma religião que

melhor expresse o sentimento religioso que as pessoas possuem dentro de si. É um

ato de caráter pessoal e interior, de natureza espiritual, decidido de acordo com as

faculdades mentais de cada um, e que, por ser de foro íntimo da consciência, escapa

jurisdição do Estado (SABAINI, 2010, p.61).

26

Logo, o Estado não pode adentrar no conceito íntimo de um individuo que opte por

determinada religião, nem mesmo sofrer imposições de particulares. Para afirmar tal

posicionamento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatou:

No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à

liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião

denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a

realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando

existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema

imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições

de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar2 (TJMG, Rel. Alberto Vilas Boas).

Sendo assim, o Estado e nem mesmo particulares não podem submeter nenhum

individuo, desde que gozando da plena capacidade civil, a aceitar imposições contrarias à sua

intima consciência, de modo que é atributo personalíssimo.

3.6 – LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA.

A liberdade de organização religiosa nada mais é que o direito dos adeptos à

determinada religião, poderem criar, modificar e até mesmo expandir sem interferência

Estatal sua igrejas, casas de cultos, terreiros, etc. O Estado permite que seja livre a

organização, tanto interna como externa, garantindo que as religiões possam criar, modificar,

extinguir e ampliar sua formas de manifestações com seus fiéis e até mesmo com outros

particulares. Nessa mesma posição é o entendimento de Sabaini (2010)

Entendemos que a liberdade de organização religiosa é tida por duas vertentes: a

primeira se apresenta pelo exercício livre de criar e organizar igrejas, ou seja, estas

podem se auto-organizar sem interferência do poder estatal; e, na segunda,

decorrente da primeira, após as igrejas estarem livremente organizadas, surge o

estabelecimento de relações com o Estado e com particulares (SABAINI, 2010, p.

69).

Conforme Sabaini (2010) o artigo 5º, inciso VI, combinado com o artigo 19, inciso I,

da Carta Magna, garante a liberdade de organização religiosa como direito subjetivo de

pessoas, em forma de agrupamentos, ou até mesmo sozinha, dando-lhes autonomia para

criarem, estruturarem e auto regularem, permitindo estipularem suas regras em conformidade

com cada credo, mesmo não sendo registrada no órgão competente.

2 AGRAVO N° 1.0701.07.191519-6/001. Data do Julgamento: 14/08/2007. Data da publicação: 04/09/2007.

27

Enfim, tendo por referência o disposto no artigo 5º, inciso VI, combinado com o

artigo 19, inciso I da Constituição Federal, a liberdade religiosa como direito

subjetivo de grupo de pessoas, ou seja, com organização religiosa, consiste na: a)

Liberdade de criação: as religiões possuem liberdade de criação e definição quanto

ao registro ou não dos atos constitutivos, visando à aquisição de personalidade

jurídica, ou seja, tal direito prevê o reconhecimento de uma Igreja mesmo ela não

tenha sido registrada no órgão competente. b) Liberdade de estruturação e

autorregulamentação: questões como a forma de administração, admissão e

demissão de membros, controle das finanças, gestão do patrimônio, responsabilidade

dos membros, criação de instâncias decisórias, quoruns, dissolução etc. são de

competência exclusiva de cada religião, não podendo o Estado interferir (SABAINI,

2010, p.70).

Tamanha é a liberdade dada pelo Estado para as religiões se organizarem e

regulamentarem em conformidade com suas convicções religiosas e doutrinas que a Lei

10.825 de 22 de dezembro de 2003 deu nova redação aos artigos 44 e 2.031 do Código Civil

Brasileiro, permitindo que as instituições religiosas criem e estabeleçam regras aos seus

estatutos conforme suas decisões próprias. Sabaini (2010) faz referência à modificação do

Código Civil em sua obra Estado e Religião.

Nesse sentido, temos o advento da Lei 10.825, de 22.12.2003, que deu nova redação

aos artigos 44 e 2.031 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, desobrigando as

organizações religiosas de adaptarem seus estatutos de acordo com o novo Código

Civil brasileiro. Com isso, o Código Civil passou a ter, em seu artigo 44, o § 1º com

a seguinte redação: São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o

funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-

lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu

funcionamento (SABAINI, 2010, p.70).

Diante das explanações discorridas no presente capítulo fica evidente que o direito de

religião é composto pelo direito de culto, crença e consciência, pela liberdade de organização

religiosa e pela liberdade de pensamento. Essa amplitude sobre a liberdade religiosa é o

alcance da maturidade de um Estado Democrático regido pelos povos que incessantemente

busca a garantia Constitucional de seus direitos. Para demonstrar a posição dos Tribunais é

que segue a jurisprudência do douto Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO DAS PESSOAS JURÍDICAS E DE TÍTULOS E

DOCUMENTOS. AUTONOMIA. REQUISITO INDISPENSÁVEL À

CONSTITUIÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. MANTIDA A SENTENÇA DE

PROCEDÊNCIA. 1.Devem-se sopesar as garantias constitucionais de liberdade de

culto religioso, estatuídas nos arts. 5º, inciso VII e 19, inciso I, ambos da Magna

Carta, vedando as pessoas jurídicas de direito público a intervenção nas associações

religiosas. 2.O legislador constitucional pretendeu dar garantia à liberdade de culto

religioso, vedando toda e qualquer discriminação ou proibição ao exercício de

qualquer fé ou religião. 3.Foi com esse espírito, de proteção às entidades religiosas,

que a Lei Federal 10.825 de 2003 alterou o art. 44 do Código Civil a fim de incluir

as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito

privado e, ao mesmo tempo, acrescentar o parágrafo primeiro, o qual veda ao poder

28

público a negativa do reconhecimento, ou registro dos atos constitutivos e

necessários ao seu funcionamento. 4.A vedação presente em tal artigo não pode ser

considerada como absoluta, cabendo ao Judiciário tutelar interesses a fim de

certificar-se, precipuamente, do cumprimento da legislação pátria, vale dizer, há que

se averiguar se a organização religiosa atende os requisitos necessários ao registro

do ato constitutivo. 5.Denota-se dos artigos 20, 35, 38 e 39 do Estatuto da

Comunidade Evangélica de Canoas, a suscitada se encontra dependente da anuência

de outra entidade, o Conselho Sinodal ou IECLB para a prática de determinados atos

previstos no estatuto social, como a convocação da Assembléia Geral

Extraordinária, a venda ou oneração de bem imóveis e o registro em Cartório da

alteração do Estatuto. 6.Não se pode constituir um ente jurídico distinto quando não

guarda autonomia nas suas deliberações, não tendo sequer plena gestão sob o seu

patrimônio, ficando vinculada a outra entidade privada. 7. No caso em tela, falta à

organização religiosa autonomia e independência funcional, decisória,

administrativa e patrimonial, motivo pelo qual deve ser negado seu registro, tendo

em vista o constante em seu estatuto social. Negado provimento ao apelo. (Apelação

Cível Nº 70024920258, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 17/12/2008).

Assim, para discorrer com maior amplitude sobre os fatos sociais ocorridos nestas

últimas décadas, como abuso do direito de religião, foi-se necessário aduzir os conceitos e

posições acerca dos elementos apresentados. Logo, o próximo capítulo trará referências

jornalísticas como demonstração das várias práticas ilícitas praticadas no exercício do direito

de religião.

29

4 ASPECTOS SOCIAIS NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RELIGIÃO

Pela maturidade alcançada na Constituição de 1988, o Estado Democrático de Direito,

garante o direito de religião, nos seus aspectos de liberdade de crença e de consciência,

liberdade de organização religiosa e liberdade de culto nas suas diversas e variadas

manifestações, como fora explanado no capítulo anterior. Com isso, cada cidadão pode

expressar sua fé, conforme suas crenças íntimas, ou mesmo optar em não proclamar nenhuma

religião. É o descreve Moraes (2003, p.74): ―Ressalta-se que a liberdade de convicção

religiosa abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o

Estado respeito ao ateísmo‖.

Isso se encontra tão amplo que em todas as cidades pode-se notar que crescem

consideravelmente a quantidade de templos religiosos das mais variadas denominações e

doutrinas. Realmente é um marco importante no Brasil, pois o Estado, que é separado da

religião, denominado como laico, está garantindo e respeitando suas normas constitucionais e

infraconstitucionais.

No entanto, o que vem ocorrendo nos meados dessas últimas décadas é que alguns

indivíduos de má-fé, usando do direito de religião e da prerrogativa de que o Estado não deve

embaraçar ou subvencionar o exercício das religiões, encontra-se extorquindo ofertas e bens

materiais de fiéis que desejam expressar o seu íntimo de religiosidade e fé. Logo, como os

fatos sociais surgem primeiro do que às normas jurídicas e que o Direito busca alcançar sua

eficácia nos controles das relações humanas, garantindo aos indivíduos sua dignidade como

pessoa humana, é que surge tamanha dificuldade em regulamentar de forma neutra as relações

religiosas.

Nesse sentido, conforme exemplificado no discorrer deste capítulo, é que esses fatos

sociais, contumazes, encontram-se ocorrendo naturalmente em vários templos religiosos,

inclusive perante a mídia, lesando fiéis através de práticas criminosas sempre voltadas a

retirar ofertas e dízimos dos fiéis, causando-os irreparáveis danos à moral, fé e patrimônio.

A revista Veja publicou um artigo ―Concorrência Virtuosa‖ em que é retratada a

dificuldade de tratamento neutro para as questões religiosas diante dos acontecimentos sociais

mais frequentes no Brasil. Um trecho dessa matéria diz que

Tratar com neutralidade de assuntos relacionados à religião é um dos maiores

desafios intelectuais que um ser humano pode enfrentar. Ao retratar um dos

fenômenos sociais mais interessantes do Brasil nos últimos anos, o da religião ao

30

estilo auto-ajuda – basta chegar, rezar, pagar e sair com alguma graça -, é fácil cair

na tentação de exagerar suas vantagens ou execrar suas vulnerabilidades‖ (...)

(VEJA, 2006, Ed. 1964, ano 39, nº27, p. 9).

Fica evidente que vários Pastores estão abusando do direito de religião para fomentar

suas habilidades empresarias, tratando o direito de religião como um empreendimento

altamente lucrativo e vantajoso. Sempre buscando fortunas ao trabalhar a religiosidade e a fé

dos fiéis. A apóstola Valnice Milhomens, usou o seguinte termo à sua entrevista a revista

Veja em outra reportagem sobre o tema; ela diz: ―Deus usaria o marketing‖. (VEJA, 2004, Ed.

1873, ano 37, nº39, p. 77).

Basta ligar a televisão ou o rádio para perceber que muitos cultos religiosos não

passam de um comércio altamente lucrativo, em que orações de curas ou orações que libertam

pessoas de dívidas e situações complicadas, sempre estão relacionadas ao requerimento de

muita oferta e dízimo. Utilizam, inclusive, o direito de religião para profanarem outras

religiões com intuito de trazerem para suas congregações mais e mais fiéis, sendo que para

isso, usam das mais variadas artimanhas para conseguirem o que precisam, pois, quanto mais

fiéis, maior será a lucratividade. Em 12 de julho de 2006, a revista Veja publicou uma

reportagem, que retrata essa realidade:

Um dos episódios mais famosos ocorreu em 1995, durante a transmissão do

programa Despertar da Fé, na TV Record. Para salientar a diferença entre os

evangélicos e os ―adoradores de imagem‖ católicos, o pastor Sergio Von Helede, da

Universal do Reino de Deus, desferiu socos e pontapés em uma estátua de Nossa

Senhora Aparecida (VEJA, 2006, Ed. 1964, ano 39, nº27, p. 79).

Ora a utilização do direito de religião é universal e todos podem usar e gozar dessa

prerrogativa, desde que não fira a lei, a moral e os bons costumes. Pois, a liberdade de crença

como requisito da liberdade de religião deve ter limites, não atingindo ao absoluto, posto que

todos devam respeitar a crença alheia. Nesse mesmo pensamento Moraes (2003, p.75) cita,

A Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não

forem contrários à ordem, tranqüilidade e sossego públicos, bem como compatíveis

com os bons costumes (STF – RTJ 51/334). Dessa forma, a questão das pregações e

curas religiosas devem ser analisadas de forma a não obstaculizar a liberdade

religiosa garantida constitucionalmente, nem tampouco acobertar práticas ilícitas

(STJ – RT 699/376).

31

E acrescenta,

Obviamente, assim como as demais liberdades públicas, também a liberdade

religiosa não atinge um grau absoluto, não sendo, pois, permitido a qualquer religião

ou culto, atos atentatórios à lei, sob pena de responsabilização civil e criminal

(MORAES, 2003, p. 75).

Logo, não resta dúvida que o direito de religião como prerrogativa íntima de cada

indivíduo não poderá sobrepor ao dos outros, nem tampouco subestimar nenhuma outra

religião, trazendo desordem e promovendo intrigas entre indivíduos pelo fato de não

condizerem com os mesmos princípios e crenças espirituais.

Para tanto, no desenvolver desse capítulo, traçar-se-á as questões sociais mais

dramáticas em que o Brasil vem passando nessas últimas décadas. Nesse segmento, seguem

demonstrações do abuso do direito de religião, contrários à ordem, tranqüilidade e sossego

público, bem como os bons costumes e a prática de diversos crimes ocorridos no exercício de

muitas religiões.

4.1 A POLÍTICA E A RELIGIÃO

O Estado e a religião sempre se juntavam, no passado, para apoiar uns às necessidades

dos outros. Situações essas que, tanto o Estado quanto a Religião, muitas vezes necessitavam

da influência um do outro para controlar e permanecer com o poder. Basta analisar, mesmo

que superficialmente, o contexto histórico para se chegar a esta conclusão. Para mensurar tal

dimensão que Renato da Silva Dias, cita em seu artigo ―Entre a cruz e a espada religião,

política e controle Social nas Minas do Ouro (1693-1745).‖, no qual foi enviada ao rei, pelo

Governador Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, Conde de Assumar, uma carta em que

descreve bem esse passado:

Os males vão crescendo na medida do aumento destes povos já bárbaros pela grande

distância em que estão do seu soberano e pela vastidão do país, e numa profecia nas

primeiras pedras que lançou para o edifício da república romana achou que melhor

freio para povos rebelados era inspirar-lhe Religião quando a não tinha, e com muita

mais razão se pode esperar que estes se domestiquem por que já a tem suposta que

na idéia, e não na prática; a objeção que a isto se oferece é a maior despesa que

acresce a fazenda de V. Majestade, mas se este motivo é o suficiente para que se

32

devem de aplicar os meios precisos para o bem interior da consciência dos povos

3

(DIAS, 2010, p. 157).

Há séculos os povos de alguns países, e dentre eles o Brasil, buscavam separar o

Estado da Religião, pois como se sabe, ambos já trouxeram ao povo brasileiro dores e

amarguras suficientes para a necessidade dessa laicização. Sobretudo, algumas religiões

encontram-se utilizando dos fiéis, ou melhor, da comunidade de fiéis, para promoverem seus

representantes religiosos ao ingresso na política. Não obstante, encontra-se problema algum

em pastores ou representantes de suas religiões se elegerem para qualquer mandato delegado

pelo povo. Contudo, o risco ocorre quando estes utilizam da religião para tornarem-se eleitos,

buscando defender seus interesses religiosos dentro de suas candidaturas e mandatos, trazendo

assim novamente a religião para a política.

Sendo assim, esse foi o questionamento da revista Veja, em sua reportagem publicada

em 21 de julho de 2004, na edição 1863:

A associação entre política e religião carrega em si uma semente da qual podem

brotar ervas daninhas. Nos Estados Unidos, talvez o exemplo mais eloqüente da

influência de Deus na política de uma nação democrática, a questão religiosa tem

gerado profundas controvérsias, em especial depois da eleição de George W. Bush,

um fundamentalista cristão que – assustadoramente – dá sinais de que se julga

enviado divino. (...) No Brasil, felizmente, a questão religiosa está longe de produzir

tal dicotomia bizarra, mas há exemplos de que a chegada ao poder de gente que se

sente investida de uma missão divina pode gerar complicações num Estado laico

como o brasileiro. (...) Sempre que a fé religiosa chega aos assuntos públicos de um

Estado constitucionalmente laico surgem polêmicas (VEJA, 2004, Ed. 1863, ano 37,

nº29, p. 44).

Nessa mesma reportagem, esboça-se que os envolvimentos de religiosos com a

política têm crescido significativamente:

O envolvimento de religiosos com a política é crescente e, neste ano, atingiu o ápice.

(...) Na última década a população evangélica cresceu 94%, passando de 13,5

milhões para 26,2 milhões de fiéis. No mesmo período, a bancada de parlamentares

evangélicos em Brasília aumentou 287,5%, chegando hoje a 62 membros – uma

bancada maior que a de partidos como PSDB ou PTB (em números de

parlamentares) (VEJA, 2004, Ed. 1863, ano 37, nº29, p. 43).

O problema da mistura da religião com a política é justamente retroceder ao

conquistado, a laicização do Estado. O Estado Laico busca distanciar da religião com intuito

de não intervir, subvencionar ou embaraçar o funcionamento, deixando que essas se

3 Belo Horizonte. Arquivo Público Mineiro. (APM) Secretaria de Governo. Seção Colonial (SC). Códice 04,

f.695. Carta do Governador dom Pedro de Almeida e Portugal ao Rei dom João V, 22 de Agosto de 1719.

33

organizem e expressem da melhor forma que desejarem os seus cultos, lógico que embasados

na ordem, tranqüilidade, sossego e nem sejam atentatórios à lei. Outro aspecto do Estado

Laico é justamente não permitir aliança com a Religião, evitando que certos grupos de

pessoas saem beneficiadas em detrimento dos demais.

Os problemas são os mesmos, porém com a roupagem nova. Apesar de se estar no

século XXI será que se encontram os representantes do povo usando da religião para alcançar

e permanecer no poder? Ou os representantes religiosos, usando da política para alcançar e

defender seus objetivos religiosos? Não sabe ao certo, mas conforme o titulo da reportagem

estampado na revista Veja: ―Candidatos, de todos os partidos, vão ao calvário para conquistar

o voto religioso e levantam uma questão: é saudável colocar Deus no centro da política?‖

(VEJA, 2004, p. 42), pode-se notar que conforme os fatos sociais ocorridos nessas últimas

décadas, essa sutil aliança entre a política e a religião, podem brotar maus frutos, diante de um

Estado Laico. Na mesma reportagem o então candidato Marcelo Crivella, do PL, afirma que a

população não se encontra voltado a tal situação, mas não é a realidade.

No Rio de Janeiro, o canditato Marcelo Crivella, do PL, afirma que a população não

está interessada em ―saber a religião do candidato‖. Por via das dúvidas, Crivella

não se esquece de dizer que é bispo da Igreja Universal do Reio de Deus, a

denominação evangélica que mais cresce no país, e usa os templos espalhados pela

cidade como diretórios partidários (VEJA, 2004, Ed. 1863, ano 37, nº29, p. 42).

Diante dos levantamentos surge a dúvida de que alguns partidos políticos dirigidos por

religiosos ou até mesmo religiões estejam sendo usado para alcançar mandatos eletivos, de

modo que podem advir situações viciosas entre a religião e o Estado.

4.2 CURANDEIRISMO

Sabe-se que o crime de curandeirismo titulado no Código Penal Brasileiro é aquele

desempenhado e/ou praticado por pessoas que não têm a habilitação profissional para

promover tratamentos e acabam prometendo curas milagrosas, através de meios não

científicos. Para isso utilizam de métodos desconhecidos para promover a suposta cura,

inclusive através de modos sobrenaturais sempre mediante remuneração. No entanto, para

que o crime possa se configurar é necessária a prática reiterada e com habitualidade, usando o

curandeiro dos modos estabelecidos nos incisos do artigo 284, do Código Penal, como:

prescrevendo, ministrando, aplicando, usando gestos, palavras ou qualquer outro modo e

34

também fazendo diagnósticos. Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt esclarece:

O núcleo do tipo é verbo o exercer (desempenhar, praticar). O curandeirismo pode

ser conceituado como ―o exercício da arte de curar de quem não tem a necessária

habilitação profissional, por meios não científicos. Admite três modos de execução:

a) prescrevendo (receitando), ministrando (dando a consumo) ou aplicando

(utilizando) habitualmente qualquer substância; b) usando gestos, palavras ou

qualquer outro meio; c) fazendo diagnósticos (identificando a doença pelos sintomas

exteriorizados) (BITENCOURT, 2004, p.272).

Desse modo, os fatos sociais ocorridos nos meados dessas últimas décadas, encaixam-

se nas formas de execução acima descrito. Pois, religiosos e seus auxiliares, ministram em

seus cultos supostas curas milagrosas de doenças por meios sobrenaturais, de forma habitual e

corriqueira e sempre utilizando de requerimentos de ofertas, que em outras palavras, denotam-

se pagamentos por supostas curas. Certamente encontram-se fazendo vítimas em se passarem

de ―enviados de Deus‖, colocando em risco a saúde pública, para obterem vantagens

pecuniárias. Para retratar a gravidade é o que descreve o jornal O GLOBO, na reportagem

publicada em 29/04/2008:

Consta nos autos que os acusados foram presos em setembro de 2007, na Paraíba,

pelas polícias, militar e civil que cumpriam mandados judiciais desencadeados pela

operação "João Grilo", que apreendeu com os acusados, computadores, veículos

importados e R$ 9.350 em espécie. Ainda segundo o processo, os denunciados há

alguns anos aplicavam golpes de cunho religioso, sob a vertente da "cura pela fé",

atraindo as vítimas, sempre pessoas humildes e insipientes, com a promessa de

resolver problemas de qualquer natureza. Por meio do pagamento de consultas, que

variavam de R$ 2 mil a R$ 8 mil, as pessoas eram submetidas a "trabalhos

espirituais" a base de ervas, banhos e velas4 (O GLOBO, 2008).

Já alguns autores como Rogério Greco retrata existir uma linha muito tênue que separa

a religião do curandeirismo. Pois, esta se distingue daquela, pelo fato de que o curandeirismo

é exercido por pessoas ignorantes que acreditam em seus poderes milagrosos pondo em risco

a incolumidade pública. Assim segue:

Existe, muitas vezes, uma linha tênue que separa a religião do curandeirismo. O

inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal assegura, ainda, ser inviolável a

liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos

religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção de locais de culto e as suas

liturgias. No entanto, deve-se tentar levar a efeito a distinção entre a crença religiosa

e as atividades praticadas por pessoas ignorantes, que acreditam em seus poderes

milagrosos de cura e que, com isso, acabam criando uma situação de perigo à

incolumidade pública (GRECO, 2007, p.195).

4Acesso em:

http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/04/29/stj_revoga_prisao_de_acusados_de_curandeirismo_na_pb-

427124161.asp

35

Ora o problema não é generalizado a todas as religiões brasileiras. Existem, portanto,

uma parcela problemática nesse meio, que estão utilizando da fé e religiosidade alheia para

adquirir fortunas em meio a curas milagrosas por meios secretos e infalíveis, sempre através

da retirada de dinheiro ilicitamente. O que se percebe é que fatos sociais que se encontram

ocorrendo, não podem ser distanciados dos controles públicos, facilitando assim a práticas de

crimes.

Ademais a linha tênue que separa a ignorância da esperteza encontra-se facilmente

dissipada pelo entendimento humano, pois nunca se sabe realmente se tais pessoas são

ignorantes a ponto de acreditar que tais curas são advindas da ―divindade‖ ou se realmente

estão utilizando de tal partida para acobertar crimes. Desse modo o que se percebe é a

esperteza demonstrada nessas práticas, devido ao exagero dos requerimentos de ofertas e

dízimos, para o enriquecimento do patrimônio dos líderes religiosos, que por sua vez, nunca

fazem ―milagres‖ de forma gratuita pela fé ou pela religiosidade.

4.3 CHARLATANISMO

O crime de charlatanismo encontra-se próximo ao do estelionato. O que os diferencia

são os bens jurídicos tutelados. Nesse o bem jurídico protegido é justamente o patrimônio da

vitima, já naquele a proteção dada pela norma é proteger a incolumidade pública, ou melhor, a

saúde pública. O que se nota é que os charlatões são pessoas que sabendo da ineficácia dos

meios empregados em suas curas milagrosas ou infalíveis, buscam, por meio dessas, a

vantagem pecuniária para obter e conseguir lucros ilicitamente enganando suas vitimas. Essa

também é a posição de Luiz Regis Prado, quando afirma que ―limitou-se o seu significado

àqueles que, de má-fé, aproveitando-se da situação de fragilidade em que se encontram as

pessoas, apregoam e divulgam curas eficientes e milagrosas (PRADO, 2008, p.201).

No mesmo sentido Rogério Grego esboça o seguinte:

Como já destacamos, o charlatão se comporta no sentido de inculcar ou anunciar

cura por meio secreto ou infalível. Inculcar é utilizado no texto legal no sentido de

indicar, apregoar, recomendar meio secreto ou infalível para a cura de determinada

doença; anunciar é fazer propaganda, alardear esse meio, seja por intermédio de

jornais, revistas, rádio, televisão, folhetos, cartazes, etc. A cura a que se refere à lei

penal diz respeito a determinadas doenças para as quais não exista tratamento

36

próprio, de acordo com os conhecimentos científicos do momento, ou mesmo já

existindo, o agente propõe tratamento alternativo, por meio secreto ou infalível

(GREGO, 2007, p.188).

É sabido que indivíduos, através da religião, encontram-se pregando curas milagrosas

e infalíveis por meio de ―orações‖ e ―ungimentos de óleos‖, bem como outros diversos meios,

para tratarem de doenças, principalmente as incuráveis. Sabe-se que essas pessoas se

encontram aproveitando da boa-fé de outras que, por necessidade, acreditam em tais curas

milagrosas e até mesmo deixam de usar os medicamentos ou tratamentos adequados

prescritos por médicos para aderirem a esses tratamentos.

Nota-se que os charlatões abusam da carência emocional que as pessoas estão

passando para venderem seus produtos sabendo da ineficácia dos mesmos. A partir de tal

posição não resta nenhuma dúvida de que esses meios ilegais são para obterem recursos. A

recente reportagem publicada no Globo Repórter, feita por Drauzio Varella, exemplifica o que

foi mencionado.

Infelizmente a popularidade dos chás e das infusões não tem sido acompanhada de

estudos científicos. A falta de pesquisa abre caminhos para indicação de tratamentos

inúteis, para a demora em buscar assistência médica adequada e para a prática do

charlatanismo. (...) A terapeuta fez um exame em Sebastiana chamado ―bioteste‖.

Ela usou uma varinha de metal e fotos de plantas e quase convenceu Dona

Sebastiana a adiar a biópsia. Além da recomendação de não fazer a biópsia, a receita

do bioteste incluía aplicação de argila no pescoço e uma mistura de sete ervas. Onde

Dona Sebastiana conseguiu tudo isso? Na Igreja Santa Luzia, em Aparecida de

Goiânia. ―Muitos dos que divulgam tratamentos alternativos são ligados a algumas

religiões, padres e outros e a pessoa vai para lá, quer dizer, se eu não acreditar no

padre, em quem eu vou acreditar?‖ afirma o médico Riad Younes‖5.

4.4 ESTELIONATO

O crime de estelionato é um dos mais praticados em atividades religiosas em que

indivíduos de má-fé usando de artifícios induzem fiéis a erro, obtendo para si e para outros,

vantagens pecuniárias despojando as vitimas de seus patrimônios. Nessa mesma linha é a

posição de Bitencourt (2007), quando ensina o que seja adequação típica do tipo penal no

crime de estelionato.

5 Acesso: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1617411-15607-404,00.html

37

A ação tipificada é obter vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo

alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer

outro meio fraudulento. A característica fundamental do estelionato é a fraude,

utilizada pelo agente para induzir ou manter a vítima em erro, com a finalidade de

obter vantagem patrimonial ilícita (BITENCOURT, 2007, p.281- 282).

Nota-se que em algumas religiões são utilizados diversas falcatruas para a busca

incessante de retirada de dinheiro e outros bens, por meio dos cultos religiosos, através da fé

alheia, empregando resoluções de problemas como curas impossíveis, resolução de dívidas,

etc. Para melhor demonstrar tal situação que segue a reportagem publicada na revista Veja,

em 12 de julho de 2006: ―Um sinal disso é que a geração de pastores especializados em

separar os fiéis de seu suado dinheirinho acenado com intervenções milagrosas vem sendo

substituída por profissionais com foco em resultados‖ (VEJA, 2006, Ed. 1964, ano 39, nº27,

p.9).

Ora, percebe-se a prática de diversos crimes na realização desses cultos. Enganadores

falam e até imploram por várias e várias vezes em seus cultos, a necessidade dos fiéis

entregarem tudo que tenham para a igreja realizar grandes obras. Esses mesmos indivíduos

usam de todos os meios ardis para convencerem os fiéis a dizimarem e ofertarem cada vez

mais dinheiro, para tanto abusam da fé e da religiosidade dos fiéis. A revista Istoé, publicou

uma interessante façanha dos estelionatários, em setembro de 2004, que exemplifica

claramente esses abusos.

O missionário David Miranda dedica 80% do tempo de suas pregações – que

chegam a durar horas – para pedir dinheiro aos fiéis. (...) ―Vocês não podem mentir

a Jesus. Se alguém disser que não tem R$ 10,00 está mentindo. E se Deus pode ver o

coração, ele vê o seu bolso‖, intimidava. Miranda só falou em R$ 10 depois de ter

insistido em recolher R$ 1 mil, R$ 200 e R$ 100. É como se fosse um pregão. A

força da oração depende do valor da doação. ―Vamos fazer uma oração forte para

essa senhora que deu R$ 1 mil. E por aqueles que deram R$ 200 e R$ 100. Pelo

menor orar‖ dizia o missionário. ―Quem não tiver dinheiro pode dar um cheque‖

(ISTOÉ, 2004, Ed. 1824, p.46).

A realidade ainda é mais assustadora. Uma reportagem publicada na internet, pelo

jornal Opção, através do Jornalista Marcos Bandeira, citando uma revista Cristã, denominada

de Eclésia, trouxe a mostra de uma das mais variadas falcatruas apresentadas por esses

enganadores:

Antigamente, havia o conto do vigário. Hoje, está surgindo o conto do pastor.

Calote, estelionato, falsidade ideológica e até sedução de mulheres — que depois

são roubadas pelos falsos parceiros — têm sido ocorrências cada vez mais

38

freqüentes nas igrejas evangélicas. Esses crimes, quase sempre de estelionato, são

praticados em nome de Jesus — por supostos evangélicos que se valem da fé dos

crentes. E, antes que alguém pense que esta é mais uma reportagem gratuitamente

contra as igrejas pentecostais (vítimas de um inegável preconceito), convém dizer a

sua fonte — ela se inspira na revista Eclésia, a mais importante publicação

evangélica do país. Em sua edição de janeiro deste ano, a revista trouxe como

matéria de capa uma reportagem altamente corajosa, com um título extremamente

ousado: ―Picaretagem em nome de Jesus‖. E é a própria revista (também autora da

criativa expressão ―conto do pastor‖) que afirma: ―Calote, estelionato, falsidade

ideológica... É longa a lista de golpes praticados nas igrejas por supostos

evangélicos‖6

É perceptível que crescem e espalham as mais variadas religiões, sendo por muitas

vezes, abertas por criminosos espertos e fraudulentos, que sabendo do amparo constitucional,

buscam realizar seus crimes dentro de cultos religiosos utilizando da Bíblia Sagrada para levar

os fiéis a erros e extorquirem o que podem dessas fáceis vítimas.

Outra interessante reportagem, publicada no jornal O Globo, descara a realidade,

Os integrantes da quadrilha são acusados tanto por obrigarem fiéis a fazer doações

como por dar aparência legal às transações financeiras do grupo. Um desses fiéis,

que sofre de doença mental, chegou a doar a totalidade de seu salário, fazer

empréstimo bancário e vender um terreno por preço irrisório para doar todo o

dinheiro à Universal. Em troca, recebeu uma "chave do céu" e um "diploma de

dizimista" no qual assina como "abençoador" ninguém menos do que Jesus Cristo

(O GLOBO, 2009).

A Constituição consagra expressamente a liberdade religiosa e a sua exteriorização,

bem como protege os cultos e suas formas de realização. Porém, não devem ser atentatórios à

lei, nem mesmo aos bons costumes e também à moral. O respeitado Doutrinador Guilherme

de Souza Nucci, descreve exemplarmente tal posição.

Quando se tratar de atividade gratuita, bem como quando se referir a algum tipo de

credo ou religião, não se pode punir, pois a Constituição Federal assegura liberdade

de crença e culto; quando se referir a atividade paga, cremos estar configurado o

delito de estelionato (NUCCI, 2009, p. 747).

No passado os abusos cometidos no aspecto religioso era realizado pelo Estado, já nos

dias atuais são por criminosos que aumentam suas fortunas em meio ao abuso da liberdade

constitucional.

6 Acesso: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/02/273530.shtml

39

4.3 LAVAGEM DE DINHEIRO

Outro crime distribuído pelos enganadores da fé é a lavagem de dinheiro. Nesse os

criminosos precisam lavar o dinheiro retirado ilicitamente dos fiéis, através de diversos outros

crimes, além dos já mencionados, para impetrarem no sistema financeiro o dinheiro sujo,

como se limpo fosse. Para isso utilizam dos paraísos fiscais no exterior ou de laranjas. Nesse

horizonte é a explicação da Neydja Maria Dias de Morais, procuradora da Fazenda Nacional,

em sua publicação do artigo ―O crime de lavagem de dinheiro no Brasil e em diversos países‖,

no sitio JurisWay em 2005,

O crime de ´lavagem de dinheiro´ tem caráter transnacional e movimenta, em escala

mundial, a cifra de 500 bilhões a 1,5 trilhão de dólares. Neste processo, com a

finalidade de tornar legítimo o capital obtido de maneira ilícita, o dinheiro percorre o

sistema financeiro-econômico dos países, comprometendo a segurança da ordem

econômico-financeira, servindo até mesmo de estímulo ao cometimento dos crimes

mais graves - tráfico de drogas, terrorismo, extorsão, seqüestro, tráfico de armas,

corrupção, etc (MORAIS, 2005).

O artigo 1° ―Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou

indiretamente, de crime:‖ inciso VII ―praticado por organização criminosa‖ da Lei de número

9.613 de 3 de março de 1998, titula o crime de lavagem de dinheiro em que são denunciados

os enganadores da fé. Isso porque, está estabelecido claramente que os criminosos, através da

religião, estão se organizando e fortalecendo para retirada de dinheiro dos fiéis para

enriquecerem ilicitamente, mesmo que para isso utilizam de os meios ilegais para

conseguirem tais benefícios. Logo, depois de arrebanhados fortunas, precisam agora lavar o

dinheiro para aquisição de bens e aplicação em imóveis.

Comprovam-se esses fatos sociais, através de diversas publicações em jornais e

revistas e entre elas está a publicação da revista Veja em sua edição de número 1985 de 6 de

dezembro de 2006:

Os promotores atribuem aos Hernandes uma fazenda de 1,3 milhão de reais, quatro

apartamentos, que juntos valem mais de 6 milhões de reais, e um haras de 3 milhões.

Com a ajuda da Receita Federal, eles descobriram que a editora Publicações

Gamaliel, que pertence ao grupo Renascer, movimentou 46 milhões de reais em três

anos e não declarou essa dinheirama ao Fisco. Os promotores concluíram o óbvio:

os líderes da Renascer são muito mais ricos do que dizem ser. Para o Ministério

Público, a fortuna foi amealhada com os dízimos dos fiéis, e os Hernandes

praticaram crime de lavagem ao se apropriar desse dinheiro (VEJA, 2006, Ed.

1985, p.91)

40

Diante do explanado no presente capítulo pode-se observar que existe uma

necessidade de se encontrar uma forma adequada para regulamentar de maneira laica as

relações religiosas, sem que o Estado embarace, subvencione ou mesmo ofenda o Direito de

Religião, consagrado no artigo 5°, inciso VI da Constituição Federal e traga além da

amplitude dessa liberdade a segurança nas relações religiosas.

No capítulo que se segue serão detalhados alguns argumentos com intuito de

demonstrar a essência do Direito como norma regulamentadora que busca responder às

necessidades humanas, trazendo para tanto, uma concreta liberdade religiosa.

41

5 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS ILICITAS

FUNDAMENTADAS NO DIREITO DE RELIGIÃO.

No capitulo anterior foram expostos vários crimes que são praticados por indivíduos

de má fé que, aproveitando da fragilidade dos fiéis, retiram dolosamente ofertas e dízimos

mediante falsas e distorcidas recompensas. Esses meios utilizados têm como fundamento

passagens bíblicas distorcidas e a fé em Deus que os fiéis obtêm, de modo que àqueles

encontram-se ofendendo para tanto o Direito de Religião, consagrado na Carta Magna. Tais

práticas ilícitas, demonstradas pelas reportagens de revistas nacionais, foram expostas para

retratar esses fatos sociais que não podem ser ignoradas pelo controle Estatal.

À medida que os fatos sociais surgem sempre primeiro do que as normas jurídicas,

cabe, então, ao Estado, seja através do Legislativo ou Judiciário, adentrar para controlar tais

situações em busca de um efetivo Estado de Direito, ao passo que as normas jurídicas são

norteadoras das relações sociais, não permitindo para tanto que os direitos fundamentais

sejam proteção para práticas de crimes. Um exemplo de tal situação foi a recente decisão

julgada procedente do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade de

número 4.277 Distrito Federal, sobre as uniões homoafetivas.

As relações homoafetivas não puderam mais ser ignoradas pelo Estado no qual através

do Judiciário foram consagrados seus direitos os quais careciam de uma regulamentação para

fortalecer e fomentar a dignidade da pessoa humana, sendo esse um princípio basilar do

Estado Democrático de Direito.

Nesse segmento as práticas ilícitas acontecidas no meio religioso não devem escapar

do controle estatal, independentemente da laicidade do Estado, pelo fato de o mesmo não

permitir condutas ilícitas, imorais e antiéticas que acabam criminalizando a dignidade e o

patrimônio de fiéis que ao exercerem o seu direito de religião são lesados por uma pequena

parcela de indivíduos que aproveitam da efetiva falta de controle estatal.

Assim, nesse mesmo sentido é o posicionamento do Jurista Alexandre de Moraes ao

qual retrata gloriosamente em sua obra Direitos Humanos Fundamentais,

Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados com um verdadeiro

escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento

para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos

criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de

Direito. (...) os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos

limites impostos pela Constituição, sem, contudo, desconhecerem a subordinação do

42

indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos

pelo direito. (MORAES, 2005, p.28)

É de se notar tamanha dificuldade do Estado em controlar ou reprimir de forma neutra,

ou melhor, laica, as relações religiosas sem ferir o preceituado no artigo 19, inciso I da

Constituição Federal. Para tanto carece o Estado não somente de ações repressivas, como as

tipificações penais, mas, também, de ações preventivas e norteadoras para garantir aos fiéis a

total liberdade religiosa. Essa dificuldade cresce ao meio das diversidades religiosas

existentes no País ao passo que o tratamento adequado para o controle, por exemplo, sem

agredir o principio da isonomia, se torna verdadeiramente um desafio ao Estado Brasileiro.

Segundo Lenza (2010), o direito de religião em sua amplitude não é absoluto.

Ademais, o direito de religião de uns não poderá sobrepor aos demais, conduta essa que deve

ser regularizada pelo Estado para que tais relações sociais não fiquem sobremodo

desamparadas.

Não há dúvida de que o direito fundamental da liberdade de crença, da liberdade de

culto e suas manifestações e prática de ritos não é absoluto. Um direito fundamental

vai até onde começa outro e, diante de eventual colisão, fazendo-se uma ponderação

de interesses, um deverá prevalecer em face do outro se não for possível harmonizá-

los. É claro que, na primeira situação, a liberdade de culto não pode justificar o

consumo de droga ilícita (...) (LENZA, 2010, p.759).

Portanto, os direitos fundamentais não poderão ser escudo para práticas ilícitas e tão

pouco poderá sobrepor aos demais, caso em que se deve analisar para chegar a um balanço de

forma harmônica sem prevalecer sobremaneira aos demais. Situação essa que deverá ser

reprimida ao ponto da efetiva do direito de religião.

5.1 COLABORAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO

O artigo 19, inciso I, in verbis,

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer

cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou

manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,

ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (CONSTITUIÇÃO,

1988).

È certo que o Estado não pode subvencionar, embaraçar ou estabelecer aliança com

qualquer igreja ou seus representantes, mas, como o próprio preceito constitucional reserva,

43

poderá ocorrer situações em que haja relacionamento para a colaboração de interesse público.

Tal colaboração sempre será visada como uma obra social mediante as igrejas para colaborar

com o Estado em busca do bem comum. Nesse sentido é a lição de Crettela (1991)

Apenas no que diz respeito à colaboração de interesse público, é licita a aliança entre

o Estado e as Igrejas, principalmente no setor de educação, assistencial e hospitalar,

na forma e nos limites constantes da lei ordinária federal. Tudo isso é obra social,

não religiosa, embora a causa motriz ou eficiente seja a igreja (CRETTELA, 1991,

p. 1179)

Conforme a norma constitucional o Estado, através ou conjuntamente das igrejas ou

religiões, estão autorizados a cumprirem perante a sociedade, com base nos ditames

infraconstitucionais, as relações que visam o bem comum, como assistência religiosa em

presídios, hospitais, casas de internações, etc.

5.2 ORDEM PÚBLICA E OS BONS COSTUMES

O inciso VI do artigo 5° da Constituição Federal de 1988 não mencionou

expressamente que a liberdade religiosa encontra-se freada nos limites da ordem pública e dos

bons costumes. Entretanto, isso não significa que tais limites foram abolidos, pois cabe ao

Estado reprimir os cultos que agridam esses valores não sobrepondo a ordem pública e os

bons costumes. Os autores Celso Ribeiro de Bastos e Ives Gandra Martins confirmam tal

posicionamento,

O Texto atual preferiu omitir-se quanto à exigência de não-contrariedade da ordem

pública e dos bons costumes. Isso não significa, no entanto, que a atual Constituição

esteja a proteger cultos que agridam tais valores. A sua omissão do Texto

Constitucional não os exclui do direito vigente. Neste, remanescem por implicitude.

É pressuposto de todo direito o ser utilizado de forma a não prejudicar igual direito

de outrem, como também é requisito de toda faculdade juridicamente protegida o só

poder ser exercida de molde a não ferir os valores ético-morais estruturantes de uma

sociedade (BASTOS E MARTINS, 2001, p. 56-57).

Logo, as religiões, seitas e toda sorte do gênero não poderão abusar da garantia

constitucional. Contudo, o que está acontecendo por parte de algumas religiões é a nítida

agressão aos direitos dos fiéis ao expressarem seu intimo religioso, ofendendo sobremaneira a

ordem pública e aos bons costumes, além das práticas criminosas identificadas em vários

cultos. Ademais, tais práticas encontram-se infundadas em um Estado Democrático de

Direito.

44

Sobretudo, é notória a dificuldade do Estado em controlar condutas antiéticas e

criminosas no campo religioso. Como se sabe a delicadeza da situação torna acesso fácil de

criminosos adentrarem ao meio religioso para praticar crimes, justamente por falta de

controle; entretanto, tamanha delicadeza não pode ser motivo para a abstenção do Estado, pois

cabe a este o controle das relações sociais, para efetivação do Estado Democrático de Direito.

Nesse mesmo posicionamento Bastos (2001) afirma que,

Sabe-se da dificuldade existente na determinação desses valores. Conhece-se a sua

evolutividade. Nada disso, contudo, exclui que seja dever do Estado o policiar o

exercício dos direitos fundamentais, para compatibilizá-los com o bem comum. Em

matéria religiosa, essa atividade ganha simultaneamente em delicadeza no seu

cumprimento, mas também na imperiosidade do seu exercício. O campo religioso,

além de ser por excelência o das faculdades mais altas do ser humano, é também

espaço invadido por impostores, falsos profetas, que desnaturam essa atividade,

motivos por toda sorte de vícios. O Estado não pode, pois, deixar de estar alerta para

coibir essas falsas expressões de religiosidade. Esta há de estar adstrita sempre a

dois requisitos essenciais: à boa-fé dos promotores do culto ou da seita; e também à

exclusão de qualquer prática que, independentemente do seu pretenso caráter

religioso, seria algo repugnável pela ordem jurídica (BASTOS, 2001, p. 57).

Assim, nota-se a delicadeza do problema, mas que diante da necessidade ética e legal

o Estado não pode escusar-se de dar tratamento especial para esses fatos sociais.

5.3 ALGUMAS CITAÇÕES BIBLICAS UTILIZADAS COMO FUNDAMENTO NAS

PREGAÇÕES POR ALGUNS PASTORES, PARA RETIRADA ILÍCITAS DE

CONTRIBUIÇÕES

Os comentários a seguir se fazem necessários tendo em vista que os indivíduos de má

fé utilizam da bíblia sagrada para fundar os exagerados requerimentos de dízimos e ofertas.

Então, discorrerão algumas passagens bíblicas para demonstrar a sutileza de tais indivíduos

que distorcem ou aumentam tais passagens para conseguirem contribuições, ilicitamente, que

são usados para enriquecimento próprio. Mas, ressalta-se que estas demonstrações não têm

intuito persuasivo, tendo em vista que o cunho religioso é atributo intimo de cada individuo.

Antes de tudo, sabe-se, entretanto, que qualquer religião ou seita religiosa

necessariamente depende de doações para existirem, de modo que precisa garantir sua

subsistência, através de doações ou ofertas dadas pelos seus adeptos. Assim, o que se busca

demonstrar neste tópico é tão somente as fundamentações bíblicas que os indivíduos de má fé

45

utilizam para retiradas de dinheiro nos quais são desviadas para paraísos fiscais em proveito

próprio. São algumas delas:

Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se

recolher do campo (DEUTERONÔMIO, 14:22).

Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa,

e depois fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir

as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar

suficiente para a recolherdes (MALAQUIAS, 3:10).

Estando Jesus a observar, viu os ricos lançarem suas ofertas no gazofilácio. Viu

também certa viúva pobre lançar ali duas pequenas moedas; e disse:

Verdadeiramente, vos digo que esta viúva pobre deu mais do que todos. Porque

todos estes deram como oferta daquilo que lhes sobrava; esta, porém, da sua pobreza

deu tudo o que possuía, todo o seu sustento (LUCAS, 21:1-4).

Pode-se notar que em tais citações há mesmo solicitações de dízimos e ofertas,

contudo, não provém desses versículos bíblicos a incitação para retiradas ilícitas ou

exageradas, com intuito de arrecadarem fortunas para enriquecimento indevido, desviando

assim, a finalidade das arrecadações. Para sustentar tais práticas é que segue a reportagem

publicada pelo Jornal O GLOBO,

JOHANNESBURGO - Duas semanas após o Ministério Público de São Paulo

denunciar o bispo Edir Macedo e mais nove pessoas por lavagem de dinheiro, O

GLOBO conversou com ex-pastores da Igreja Universal do Reino de Deus na África

do Sul, um dos cinco países onde, segundo o MP, ocorreram movimentações

financeiras suspeitas. Eles revelaram detalhes sobre o funcionamento da instituição

no país e disseram que eram ensinados a "tirar dinheiro de fiéis usando trechos da

Bíblia". Afastados da Universal desde 2004, Frans Nkabane contou que os pastores

passam por um curso de seis meses antes de serem ordenados. - Para convencer os

fiéis, é preciso nos convencer antes. No curso você aprende que, para ser um bom

pastor, é preciso conseguir bastante dinheiro. Mas tudo é feito indiretamente, através

de versículos da Bíblia, e muitos não percebem no que estão se metendo. Hoje eu

vejo que nunca se tratou da fé das pessoas, era tudo pelo dinheiro (...).

Portanto, de acordo com o demonstrado fato social pode-se visualizar tamanha

ilicitude nesses atos, caso em que o Estado precisa de ações que garantam o exercício do

direito de religião sem ofensas à ordem pública, práticas de crimes e o direito de religião

alheio.

.

46

6 CONCLUSÃO

A análise do presente trabalho fundou-se em fatos sociais que se encontram ocorrendo

em meio a ações ilícitas de alguns indivíduos que abusam do direito de religião e da relação

laica do Estado com as igrejas.

Conforme demonstrado no desenvolvimento da pesquisa a separação do Estado com a

igreja deu-se na Constituição de 1891 ao qual trouxe grandes avanços para o cunho religioso.

Esse Estado alcançou verdadeiramente uma maturidade na Constituição de 1988, ampliando

os direitos fundamentais e dentre eles a liberdade religiosa. Sendo assim, a confirmação da

separação do Estado com a Igreja e o rol de direitos fundamentais consagrados na Carta

Magna vigente, traz à baila a verdadeira maturidade de um povo que busca alcançar seus

direitos em uma democracia consolidada.

Contudo, o que vem ocorrendo nestas últimas décadas são os crescentes fatos sociais

que demonstram práticas ilícitas exercidas através da liberdade religiosa. O Estado, através de

mecanismos de controle repressivo, tipificou como crimes para reprimir tais práticas, o

curandeirismo, charlatanismo, estelionato, lavagem de dinheiro, etc. Utiliza também de outros

mecanismos para reprimir condutas atípicas ao meio religioso, como aqueles que ferem a

ordem pública e os bons costumes.

Entretanto, diante dos fatos sociais demonstrados e da realidade constatada, pode-se

perceber que tais mecanismos, por sua vez, demonstram-se falhos para garantir o direito de

religião a milhões de fiéis que se encontram sendo usurpados, com a arrecadação exagerada

de dízimos e ofertas, desviando ilegalmente a finalidade de tais contribuições. Logo, ferindo

para tanto, os princípios do Estado Democrático de Direito.

Essas práticas ilícitas estão sendo comuns devido à dificuldade que o problema

demonstra mediante a delicadeza que o campo religioso aduz. Por conseguinte, como os fatos

sociais surgem primeiro do que as normas jurídicas e que cabe ao direito a constante busca

para alcançar sua eficácia nos controles das relações humanas é que deve o Estado harmonizar

tais relações. Com isso, mesmo diante do Estado Leigo e da liberdade religiosa consagrada na

Constituição Federal, vale ressaltar que tais princípios não são absolutos. Assim, sabe-se que

a religião é uma das faculdades do ser humano mais intima e que merece notável respeito não

somente pelo Estado, mas, também pelos demais seres humanos. Logo, a liberdade religiosa

não deve ser amparo para práticas ilícitas e esse exercício não deve ser absoluto em frente ao

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mesmo direito de liberdade religiosa dos fiéis. Portanto, vale frisar que como qualquer

garantia constitucional, a liberdade religiosa não é absoluta.

A partir disso pode-se concluir que cabe ao Estado buscar mecanismos de efetivos

controles para garantir a segurança nas relações religiosas não somente pelas formas

repressivas, já demonstradas, como também por meios preventivos, como por exemplo, a

prestação de contas dos bens e movimentações dos representantes, pastores e das próprias

instituições religiosas, como nas demais entidades privadas. Outro exemplo, para controle,

seria a criação de uma regulamentação infraconstitucional, que determine que as igrejas

possam ser representadas e dirigidas por pastores de conduta ilibadas, como no caso da Lei

Complementar de número 135 de 4 de junho de 2010 - Lei da Ficha Limpa. Assim, o Estado

com base no principio da dignidade da pessoa humana não deve permitir a eiva na liberdade

religiosa, buscando controlar práticas abusivas e garantir o livre e amplo exercício de tal

direito de forma que falsas expressões religiosas não ofendam essa liberdade consagrada na

Constituição Federal.

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