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1 Realização Apoio Instituto Internacionalde Educação do Brasil – IEB francivane fernandes POTENCIALIDADES E LIMITES DA CADEIA DE VALOR DA CASTANHA DO BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA) NO MUNICÍPIO DE MANICORÉ, SUL DO AMAZONAS Dezembro 2016

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Inst

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Bras

il –

IEB

francivane fernandes

POTENCIALIDADES E LIMITES DA CADEIA DE VALOR DA CASTANHA DO BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA) NO MUNICÍPIO DE MANICORÉ, SUL DO AMAZONAS

Dezembro 2016

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Realização Apoio

Inst

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Inte

rnac

iona

lde

Educ

ação

do

Bras

il –

IEB

InstItuto InternAcIonAl deEDUCAÇÃO DO BRASIL - IEB

Potencialidades e limites da cadeia de valor da castanha do Brasil (Bertholletia excelsa) no município de Manicoré, sul do Amazonas

francivane fernandesDezembro 2016

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1. IntroduçãoA história econômica da castanha se confunde com a história da colonização da Amazônia, que sempre esteve vinculada a diferentes ciclos econômicos dependentes de produtos agroextrativistas (Ribeiro, 1995). O comércio da castanha vem desde as épocas coloniais, porém, expandiu-se após a crise da borracha a partir de 1911, quando a empresa inglesa Booth Line começou a introduzi-la nos mercados da Inglaterra. Entretanto, após a descoberta da aflatoxina, substância de potencial cancerígeno produzida principalmente por fungos do gênero Aspergillus, encontrado no amendoim e nas castanhas, houve a queda do consumo pelos ingleses. Após a descoberta de que o fungo se proliferava com a unidade, os navios da Booth Line passaram a levar trabalhadores com a função de revirar o produto durante as viagens. Mais tarde passou-se descascar e torrar as castanhas enviando o produto já beneficiado. Na Segunda Guerra foi proibido o embarque de castanhas, pois a prioridade era o embarque da borracha, muito utilizada pelos países em guerra.

Da mesma forma que os ingleses levaram a Borracha, também levaram as sementes de castanha para suas colônias no Oriente. Entretanto, o longo tempo que levou para a frutificação das plantas, em torno de 15 anos, inviabilizou os investimentos em curto prazo. Além disso, as castanheiras chegaram a florescer, mas não produziram frutos pela inexistência dos agentes polinizadores específicos, abelhas de vários gêneros.

Devido sua abundância por quase toda a região amazônica, hoje a castanha pode ser considerada como o principal produto extrativista florestal não madeireiro da região Amazônica, e constitui-se numa das principais fontes de renda de grande parte das populações tradicionais e indígenas da região, sendo considerada um produto extrativista estratégico, devido à sua importância social, ecológica e econômica.

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Para falar da cadeia de valor da castanha de Manicoré é preciso falar do movimento social dos extrativistas naquela região. O histórico da mobilização social para a criação de Unidades de Conservação no município e para se organizarem em associações e cooperativas fez com que a atividade castanheira ganhasse força localmente.

Com o declínio comercial da Borracha no início do século XX, o extrativismo da castanha passou a se constituir como a principal atividade econômica da região amazônica. Segundo Reis (2005), em 1797 o tráfego fluvial no rio madeira para exportação de produtos extrativistas era intenso. Naquele período, houve a fundação do povoado do Crato (atual cidade de Manicoré) que passou a facilitar esse comércio. Mas tarde o local viria a ser um polo de exportação dos produtos regionais. Entretanto, as unidades familiares envolvidas nesse comércio eram economicamente exploradas e a posse e domínio dos recursos florestais, assim como as relações de troca e comercialização, eram intermediados pelas relações de aviamento e arrendamento. As famílias não detinham a posse da terra.

A partir da década de 90 iniciou-se um processo de transformação da organização social de Manicoré. A compra de uma das áreas particulares pela madeireira Gethal Amazonas S/A foi vista por algumas lideranças comunitárias uma ameaça às áreas de coleta de castanha. Outra preocupação das lideranças era com os próprios castanheiros que estavam desanimados com as condições de trabalho e o preço baixo da castanha, além do que recursos oriundos de políticas públicas não chegavam às comunidades (Amaral et al. 2012).

Frente ao contexto da atividade castanheira ameaçada e da organização precária das comunidades envolvidas, lideranças comunitárias começaram a percorrer as áreas produtoras de castanhas ao longo do rio Madeira, dos seus afluentes e igarapés, conversando e sensibilizando os moradores sobre a importância de se organizarem em associações comunitárias. As ações eram realizadas com o apoio

2. A cAdeIA de vAlor do cAstAnhA em mAnIcoré

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dos moradores de algumas comunidades e do escritório local do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT) que estava então vinculado ao IBAMA e que hoje é uma coordenação da esfera administrativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Nesse mesmo período o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), se instalou na região através de uma articulação com as lideranças que estavam à frente do processo da organização das comunidades. A participação do CNS foi fundamental como animador e articulador para a formação de associações de base comunitária.

Porém, com o passar do tempo surgiu o desafio de articular as associações e suas reivindicações. Criou-se então o Conselho das Associações Agroextrativistas de Manicoré (CAAM) que aglutinou as associações do município, apoiando na articulação e organização das iniciativas na área de produção e comercialização da castanha. Para melhorar as práticas de coleta e beneficiamento da castanha e incrementar a cadeia produtiva, a CAAM fomentou a criação da Cooperativa Verde de Manicoré (COVEMA), atualmente um dos principais atores econômicos e sociais envolvidos na cadeia de valor da castanha de Manicoré.

A CAAM foi importante também no processo de ordenamento territorial de Manicoré já que naquele momento lideranças das associações reivindicavam a criação de áreas protegidas, a garantia de direitos territoriais, econômicos e sociais. Essa demanda organizada resultou na criação das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Rio Amapá e Rio Madeira, da Reserva Extrativista do Lago do Capanã Grande, e nos Projetos de Assentamento Extrativista (PAE), Jenipapo, Onças, Baetas, Fortaleza, Acará e Matupiri.

Manicoré despontava como um dos principais produtores de castanha no Amazonas, contribuindo para as exportações brasileiras para os Estados Unidos e Comunidade Europeia. Entretanto, a Comunidade Europeia estabeleceu uma barreira sanitária para importação da castanha, principalmente por conta da aflatoxina. Como consequência, o preço da castanha diminuiu ainda mais.

Em 2001, a Universidade Federal do Amazonas através de um projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) deu

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início a um estudo com o objetivo de controlar a contaminação da castanha pela aflatoxina. Manicoré, devido à alta produção de castanha, foi escolhido para um diagnóstico detalhado da cadeia produtiva da castanha em duas localidades, Democracia e Capanã Grande. Foram observados o trabalho de coleta, o transporte e armazenagem do produto para identificar as fragilidades que pudessem contribuir para a contaminação, também foram analisadas amostras que indicaram que os níveis de aflatoxina eram de 41 ppb, dez vezes acima do permitido pela Comunidade Europeia. Como resultado conclui-se que a contaminação ocorria devido aos procedimentos de coleta e armazenagem das castanhas.

Com base nos resultados, os pesquisadores propuseram para as comunidades a adoção de boas práticas de manejo com mudanças nos procedimentos de coleta e construção de paióis para a secagem e armazenamento da castanha. Em 2004 a pesquisa foi reaplicada nas duas localidades e os resultados foram positivos, o índice de contaminação caiu para zero. Esse estudo foi reconhecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e as boas práticas de manejo tornaram-se uma política pública para o setor. Três anos após a implantação das boas práticas, resultado de um esforço coletivo de Organizações Governamentais e Não Governamentais, em 2008, o valor pago pela castanha de Manicoré já era maior, os castanheiros receberam mais, e a renda com a atividade aumentou.

Vale ressaltar que todo esse processo de melhoria da qualidade da castanha, resultou no “selo verde”, da certificadora suíça IMO (Instituto de Mercado Ecológico) para a castanha beneficiada pela COVEMA. O processo de certificação foi apoiado pela AFLORAM que fez a intermediação entre os castanheiros e a certificadora. Entretanto, em 2013 a COVEMA perdeu o selo, pois a maioria dos castanheiros não manejou a castanha com as boas práticas, e no momento da vistoria pela certificadora a produção que estava na Usina foi reprovada.

Atualmente a atividade da castanha em Manicoré envolve aproximadamente 1500 famílias. Destas, 300 estão associadas à COVEMA, da qual usamos as informações nesta nota técnica por ser a única fonte mais organizada sobre a produção de castanha do município. Não foi possível obter informações junto à Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento (SEMAPA) e ao IDAM, pois os mesmos não possuem qualquer informação sistematizada a respeito.

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Grande parte da produção da castanha comercializada na COVEMA vem das áreas protegidas. As principais áreas de coleta são: Rio Marmelos (povos Tenharin e Pirahã), Rio Atininga, Rio Uropiara, Rio Mataurá, Urucuri, Braço Grande, Matupirizinho, Matupiri Grande, Terra Preta do Capanãzinho, PAE Matupiri, PAE Baetas, PAE Acará, PAE Jenipapo, RESEX Capanã Grande, RDS Rio Madeira, RDS Amapá, RDS Juma (rio Marepauá) e TI Palmeiras (povo Mura).

O período da safra vai de novembro até maio, entretanto, os castanheiros vão para os castanhais a partir de dezembro, e dependendo da distância do castanhal, o castanheiro pode ficar mais de um mês morando num tapiri (casa provisória), e leva a família e um rancho (alimentação) para esse período. A mão de obra envolvida na atividade é familiar, desde a limpeza do castanhal, coleta, amontoa, quebra, lavagem e ensacamento para o transporte.

No caso da realização das Boas Práticas de manejo a castanha vai para paiol familiar para a secagem e armazenamento das sementes, e depois, a castanha passa do paiol familiar para o paiol central, no qual o “paioleiro”, um cooperado da COVEMA, recebe a produção, paga a castanha com recursos adiantados pela cooperativa, e repassa para a COVEMA que transportará a castanha para a Usina beneficiadora que fica na cidade, onde faz a seleção entre aquelas manejadas com as boas práticas e as não manejadas, seguido do beneficiamento e envase para venda.

A castanha de Manicoré é comercializada em três diferentes formas: castanha “ in natura” (do castanheiro para a cooperativa ou para o atravessador), amêndoas dos tipos “dry” (seca, com casca ou sem casca), da cooperativa para as empresas. No caso da COVEMA, após a venda e o pagamento das despesas com a produção, a cooperativa faz a repartição do lucro da seguinte forma: 20% do recurso que sobra retorna para o castanheiro (repasse), 20% destina-se à capitalização da cooperativa; 30% à manutenção das máquinas e equipamentos; e 30% retornam para os colaboradores da usina (Pró-labore). Vale ressaltar que o repasse é proporcional à produção e é realizado apenas quando a castanha é manejada.

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Segundo a COVEMA, a produção de Manicoré gira em torno de 100.000 latas de castanha ou 1000 toneladas, mas não há dados oficiais de produção que confirmem essa informação. Dessa produção estimada a COVEMA comercializou em 2015, 51 toneladas das quais apenas 30% foram de castanha manejada com as Boas Práticas (Tabela 01). Da safra 2016 a cooperativa recebeu apenas 04 toneladas na Usina. Deste total apenas 01 tonelada foi vendida até o momento, sendo que o restante está sendo negociado com a mesma empresa de João Pessoa-PB que comprou a primeira tonelada a R$ 30,00/kg.

Figura 02: Esquema geral do processo de produção, beneficiamento e venda da castanha pela COVEMA.

Fonte: Diretoria da COVEMA

Coleta e manejo da castanha nascomunidades

Armazenamento de secagem nopaiol familiar

Armazenamento de secagem no paiol central e entrega da castanha à usina debeneficiamento

Processo de beneficiamentoda castanha

Venda da castanha pelaCovema

Retorno financeiro ao castanheiro ("repasse")

Ano

2012

2013

2014

2015

2016

61 Ton

21.5 Ton

12.5 Ton

(17.300) 51 Ton

Comercializaram apenas 01 Ton., das 04 beneficiadas

25,00

45,00

35,00

55,00

45,00

15,00

17,00

18,00

23,00

30,00

Volume comercializado

Preço médio de compra

Preço médio de venda

tAbelA 01: escAlA dA comercIAlIzAção vIA covemA nos últImos cInco Anos

Devido ao alto nível que o rio Madeira atingiu em 2014 e ao longo período de inundação muitas castanheiras produtivas morreram. Entretanto, os entrevistados não souberam quantificar a perda de produção em 2015, só relataram que a mesma diminuiu. De acordo com um castanheiro da RESEX do Lago do Capanã Grande, em muitas áreas onde muitas castanheiras morreram devido à cheia estão brotando açaí e seringueira e menos a castanheira. Isso poderá interferir futuramente na

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produção de castanha, pois muitas áreas de coleta estão ameaçadas.

É sabido que há uma oscilação natural na produção da castanha (variação de ano a ano), mas é preciso monitorar essa produção e gerar estatísticas mais confiáveis já que cada vez mais os eventos climáticos extremos estão afetando o volume produzido e, consequentemente, o preço.

Em 2015, o preço variou entre 18 até 55 reais por lata de castanha. Essa variação é devido ao fato da castanha ser hoje uma commodity agrícola do Estado do Amazonas e seu preço varia de acordo com o mercado internacional. Sabe-se também que os preços variam durante a safra dentro de um limite “pré-determinado” pelos grandes empresários. As maiores empresas compradoras estão sediadas nos grandes centros como Belém e Rio de Janeiro. Ao repassar aos compradores menores nos Estados o capital de giro para a aquisição de grandes volumes de castanha a cada safra, estas empresas também fixam um limite de preço para o produto, acima do qual a castanha não deve ser comprada. A margem de lucro do atravessador local se dá nessa flutuação de preços entre o teto fixado pelas empresas aviadoras e o preço mínimo a ser pago aos castanheiros, o que ocorre principalmente no começo da safra, quando é alta a oferta da castanha e os preços são mais baixos. Assim, o preço médio da lata de castanha é definido antes da safra pelo empresário dos grandes centros, que já sabem a margem de lucro que terão com a venda da castanha para o mercado interno brasileiro ou para outros países.

Fonte: Diretoria da COVEMA

Ano

2012

2013

2014

2015

2016

18,00

33,00

22,00

45,00

45,00

25,00

45,00

35,00

55,00

55,00

15,00

17,00

18,00

23,33

23,33

Preço (lata) pago ao castanheiro pelo patrão/ atravessador

Preço pago pela cooperativa

Preço regional para comercialização em escala

tAbelA 02: hIstórIco dos preços dA cAstAnhA no mercAdo locAl nos últImos cInco Anos, prAtIcAdos pelA covemA.

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Para entender as relações sociais e comerciais que envolvem a atividade da castanha, é preciso observar todos os atores que compõe a cadeia de valor do produto nessa região.

Em Manicoré, da etapa da colheita até a venda da castanha a presença do Aviamento (financiamento privado prévio da safra por parte de comerciantes compradores que firmam contratos verbais com os produtores) é muito forte desde um passado remoto. A cultura do coronelismo de barranco persiste até hoje e os patrões continuam presentes nas relações sociais (compadrio na maioria das vezes) e comerciais (possuem a preferência de compra dos produtos extrativistas). Em Manicoré, os patrões são os comerciantes locais capitalizados por empresários do Pará, principalmente, que aviam a castanha através do repasse de capital para outro ator que pode ser um castanheiro da região, ou outra pessoa de sua confiança. Esse “patrãozinho” então funciona como um atravessador nessa cadeia.

Foram identificados pelo menos dois grandes patrões que adiantam dinheiro ou repassam mercadorias para serem pagas com a produção, na maioria das vezes muito mais caras do que o valor de mercado. Assim, à priori, há um “patrão local” capitalizado por um “patrão de fora”, e que possui uma rede de atravessadores (“patrãozinho”), nas áreas produtivas. Porém, nas não foi possível identificar qual o volume de produção e o valor comercializado da castanha em cada elo desse arranjo.

A castanha que não é comercializada pela COEVEMA segue dos castanhais para a cidade de Manicoré para o patrão local que revende para o “patrão de fora” e de lá para a agroindústria, com um preço de revenda bem maior do que o praticado junto ao produtor primário. Em certas situações a produção nem passa pela cidade sendo escoada diretamente por embarcações via fluvial dos castanhais para as agroindústrias de Manaus ou de Porto Velho (Figura 03).

3. os elos dA cAdeIA de vAlor: Atores socIAIs e econômIcos

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A COVEMA se esforça para ser competitiva no momento da compra da castanha, entretanto, a cooperativa está fragilizada social e economicamente. O castanheiro já compromete a produção junto ao atravessador no momento em que vai para o castanhal, pois recebe um adiantamento (aviamento) para aquisição dos gêneros necessários ao período de coleta. Sem capital de giro e crédito a COVEMA não consegue viabilizar a produção e nem evitar que os castanheiros recorram ao aviamento privado.

A atuação da COVEMA na compra e venda da castanha fez com que a cooperativa funcionasse como uma “reguladora de preços” na região. O preço por lata da castanha passou de R$ 2,50 em 1997 para mais de R$ 30,00 em 2005, oscilando nos anos posteriores em preços entre R$ 12,00 e R$ 25,00. Com os bons frutos gerados pelo trabalho realizado a cooperativa expandiu sua atuação à outras comunidades e passou a contar com o apoio de outras organizações governamentais e não governamentais.

Figura 03: Esquema da cadeia da castanha de valor em Manicoré/Amazonas – primeira aproximação.

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A COVEMA também adianta recurso para que as famílias que realizam as boas práticas de manejo possam comercializar com a cooperativa e não entregar a produção para o atravessador, mas de acordo com o presidente da cooperativa, esta é uma prática inadequada na situação atual da COVEMA, que está operando com recursos limitados. Também frisou que a COVEMA recebeu apoio de parceiros como o IDAM e o IEB, que aportaram recursos para a difusão das boas práticas de manejo da castanha. Embora muitos castanheiros tenho aprendido a fazer o bom manejo da castanha isso não vem sendo feito já que os atravessadores compram a castanha manejada ou não manejada pelo mesmo preço.

Essa relação do castanheiro (produtor) com patrão (atravessador) é vista como um dos principais gargalos da cadeia de valor da castanha de Manicoré, já que é uma relação desfavorável ao castanheiro, que no “final das contas” não recebe o valor justo pela produção. A COVEMA, que pode agregar valor à castanha está enfraquecida por vários motivos. Para a maioria dos entrevistados, um dos principais é a relação social frágil entre cooperativa e cooperados. Vale ponderar que nem todo castanheiro é cooperado da COVEMA, que conta atualmente com 520 sócios embora nem todos se envolvam com a coleta da castanha. Aparentemente a compreensão dos sócios sobre cooperativismo não foi internalizada. A cooperativa também não tem conseguido aglutinar os cooperados em torno de suas atividades, incentivando os processos participativos e transparentes e mantendo um diálogo constante com os associados numa relação não apenas comercial.

O presidente da COVEMA comentou que os cooperados parecem não sentirem que a cooperativa é deles e lembra que os mesmos não visitam a cooperativa quando vão à cidade, e que muitos preferem vender para os atravessadores que entregar a produção na COVEMA, mesmo tendo a repartição dos lucros após a venda da castanha. Ressaltou que não estão conseguindo sensibilizar os castanheiros para o uso das boas práticas no processo da coleta até a secagem, mesmo que muitas capacitações e reuniões já tenham acontecido para com esse intuito no decorrer dos anos. Com as boas práticas a perda de produtividade é praticamente nula, já que 01 lata de 10 kg de castanha com casca manejada produz cerca de 5kg de amêndoas, enquanto que de uma lata não manejada aproveita-se em média apenas 2,8 kg de castanha boa.

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Segundo um dos sócios diretores, os castanheiros parecem que não entendem a importância do manejo, que refletirá num melhor preço de venda. Na safra de 2015, 01 kg de castanha não manejada atingiu o preço de R$ 22,00, enquanto 01 kg de castanha manejada variou de R$ 75,00 a R$ 80,00 no mercado nacional, e chegou a R$ 100,00 para exportação. A COVEMA tem capacidade para processar 1,5 toneladas de castanha por dia, mas não consegue operar em seu potencial, pois não adquire produção suficiente.

Mesmo com todos esses problemas a maior contribuição da COVEMA para a cadeia de valor da castanha em Manicoré é o incentivo das boas práticas e a tentativa de organizar os castanheiros em torno da cooperativa. Embora no momento esse poder de mobilização esteja enfraquecido, vale ressaltar a importância histórica da cooperativa para o movimento social da região, das políticas públicas que chegaram até o território e de todos os investimentos em capacitação que, em parceria com outras organizações e instituições, fomentou a melhoria das condições de manejo e do mercado da castanha na região.

A COVEMA também desempenha um importante papel social no município, pela geração de empregos que beneficia principalmente as mulheres. Como em outros municípios do país, o número de postos de trabalho para a mão de obra feminina é baixo em Manicoré. Na COVEMA a mão-de-obra feminina é a principal envolvida na limpeza, quebra das sementes, seleção e empacotamento (Figura 4). A COVEMA possui 60 funcionários, sendo a segunda organização que mais gera empregos no município, ficando atrás apenas da Prefeitura de Manicoré.

Destaca-se também a atuação de outras organizações na cadeia de valor da castanha, como o Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB, que vem contribuindo

Figura 04: Funcionárias no processo de seleção das amêndoas na COVEMA. Foto: Arquivo do IEB.

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com as organizações locais para o fortalecimento institucional, e a organização da produção agroextrativista através de cursos de capacitação, seminários, oficinas e intercâmbios.

Durante a execução do projeto “Fortalecimento Institucional no Sul do Amazonas” (FORTIS) o IEB sistematizou, em 2011, a experiência de organização social da COVEMA para o manejo e a comercialização da castanha com o objetivo de documentar e difundir a experiência da cooperativa como um caso emblemático de capital social de base extrativista. Por meio do FORTIS o IEB também investiu nas capacitações em associativismo e gestão de associações da região. Também promoveu, em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, uma Oficina sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que teve como objetivo divulgar as políticas públicas existentes para a Agricultura Familiar (PNAE, PAA e PGPM-Bio), esclarecer as principais dúvidas sobre o tema e viabilizar o acesso a essas políticas pelas organizações locais como a COVEMA e as associações das Unidades de Conservação, principalmente.

Em parceria com a COVEMA e o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas – IDAM, o IEB fomentou e articulou, entre 2012 e 2013, cursos de boas práticas de castanha em diferentes áreas de coleta, com o objetivo de disseminar as boas práticas e potencializar a produção, além de fortalecer o extrativismo em Manicoré.

Pelo Programa de Desenvolvimento Local Sustentável no Sul do Amazonas – PDLS, o IEB fomentou uma série de reuniões e Oficinas visando fortalecer as capacidades dos poderes públicos municipais e das organizações da sociedade civil para a implantação de políticas públicas, programas, projetos e ações de apoio ao Desenvolvimento Local Sustentável. Já no âmbito do projeto CONSBIO, executou um programa de formação sobre cadeias produtivas sustentáveis e manejo de recursos naturais com o objetivo de promover as boas práticas em manejo e comercialização e apoio ao desenvolvimento de sistemas agroflorestais em Unidades de Conservação e Terras Indígenas na região do sul do Amazonas. Em ambas as iniciativas a cadeia da castanha esteve no cerne das discussões, planejamentos e orientações, quer fossem técnicas, econômicas, políticas ou sociais. O IEB também fez parte de um coletivo de instituições e organizações que se reunia para discutir os problemas da

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COVEMA e a soluções possíveis. Entretanto, após o fechamento do escritório local de Manicoré do IEB, e da mudança da equipe para Humaitá em 2013, houve uma desmobilização desse processo e nenhuma instituição assumiu a articulação para os encontros. Contudo, em 2013, através de uma parceria com o IPAM e recursos do Serviço Florestal Americano, promoveu a oficina “Análise da Viabilidade Financeira de Empreendimentos Florestais Comunitários nos Trópicos”, voltada para a diretoria e cooperados da COVEMA, com a participação do IMAFLORA, e do Naturaleza y Cultura Internacional – NCI do Equador.

Como supracitado, o IDAM de Manicoré é outra instituição envolvida na cadeia e, dentro de suas possibilidades, vem apoiando a atividade castanheira. Muitas atividades realizadas foram importantes para a melhoria da qualidade da produção. Entre elas está o “dia de campo” realizado em 2011 e voltado aos castanheiros em suas áreas de coleta, e que consistiam em aulas práticas de manejo nos castanhais.

Em 2012, por meio de um convênio com a CIEX (Comércio Indústria e Exportação Ltda.), empresa instalada em Manaus e que atua no segmento de produtos como juta e castanha e atendendo os mercados nacional e internacional, contratou 02 profissionais para assessoria dos extrativistas em Manicoré. Além da assessoria especializada, o trabalho dos técnicos, que era acompanhado pelo IDAM, resultou num relatório técnico com recomendações para melhorar a produção da castanha, e um plano de ação para a COVEMA. Mas, de acordo com o IDAM a diretoria da COVEMA não executou o plano devido a problemas internos de gestão. Em 2013, o IDAM elaborou um projeto para apoiar a atividade e submeteu ao edital TERRA FORTE, da carteira de projetos do INCRA, mas o mesmo não foi aprovado. Já em 2015, o projeto elaborado pelo IDAM para a Agência de Fomento do Estado do Amazonas – AFEAM, de crédito para capital de giro para a compra da produção de castanha pela COVEMA, não pode ser implantado, pois a cooperativa estava inadimplente junto a outros agentes financeiros. Atualmente a ação do IDAM está limitada pelo pouco recurso repassado pelo governo do Estado para ações de ATER e pelo número reduzido de técnicos. Contudo, através de algumas parcerias locais o IDAM promove palestras sobre temas ligados à produção, sobre crédito rural e linhas de financiamento.

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4. polítIcAs públIcAs e Acesso A fInAncIAmentoUm ator importante na cadeia da castanha de Manicoré é a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). As compras institucionais lideradas pela empresa acabam sendo uma alternativa para que o produtor acesse o mercado e venda a produção por um melhor preço. A Política de Garantia do Preço Mínimo para a Sociobiodiversidade – PGPMBio, operacionalizada pela CONAB, oferece a subvenção direta, quando os extrativistas comprovam a venda da castanha (com casca) por preço inferior ao mínimo fixado pelo Governo Federal, que hoje é de R$ 1,27/Kg (portaria MAPA n°123 de 05/07/2016). O programa atua comprando no período de safra quando os produtos estão saturados no mercado, ajudando a colocar no mercado a produção.

Outros instrumentos de compras públicas também já foram acessados no município para a comercialização da castanha, em sua maioria via COVEMA. A cooperativa já acessou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) nas modalidades compra com doação Simultânea (CDS) e Formação de Estoque (FE), essa última usada para capital de giro para a compra da produção em 2014 (tabela 03).

Fonte: Diretoria da COVEMA e SEPROR.

tAbelA 03: Acesso A fInAncIAmento pArA empreendImentos coletIvos vIA covemA.

Ano

2012 n.d.

Bradesco

Banco do Brasil

Banco do Brasil

CONAB - PAA FE

AFEAM

CONAB - PNAE

2012

2012

2013

2014

2015

2015

BNDES/ Fundo

Social - Programa

de Desenvolvimento

Regional Sustentável

(DRS) do Banco do Brasil

Reembolsável

Reembolsável

Reembolsável

Reembolsável

Reembolsável

Reembolsável

Capital de Giro

Capital de Giro

Capital de Giro

Capital de Giro

Capital de Giro

550,000,00

238.613,00

43.908,80

734.160,00

900,00,00

412.000,00

8% ao mês

3% ao ano

3% ao ano

2% ao ano

4%

n.d.

Capital de Giro 700.000,00 n.d.

Fonte Finalidade ValorReembonsável ou fundo perdido

Condições (juros, abatimentos, etc.)

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A castanha (sem casca) pode ser vendida ao PAA pelo preço atual de R$ 17,00/kg. No PAA formação de estoque, o dinheiro é repassado para a cooperativa que compra a castanha e depois paga a CONAB com juros de 3%, em dinheiro ou em produto. Neste programa somente são aceitos produtos não perecíveis e apenas um produto por projeto. Ele oportuniza aos produtores o melhor momento de revender os produtos e conseguir um melhor preço.

A castanha sem casca também pode ser negociada no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) o no Programa Regional de Merenda Escolar (PREME). A COVEMA já acessou essas modalidades de compra direta para alimentação escolar ao vender a castanha para o Governo do Amazonas, a qual foi distribuída nas escolas de Manaus. Mas, não foram disponibilizados os valores de comercialização com o mercado institucional nessas modalidades, e os anos em que acessaram as políticas, exceto a operação do PNAE em 2015 (tabela 03).

Tão importante quanto à adoção das boas práticas no manejo da castanha é a questão da infraestrutura e da logística para o transporte, armazenamento e escoamento da produção, para garantir o fluxo mais dinâmico entre a coleta e o beneficiamento e assim garantir qualidade ao produto final.

Vários fatores influenciam nesse processo, como a distância das áreas de coleta até as localidades e das comunidades à sede do município, o que determina a logística e, consequentemente, os custos de produção. A localização dos castanhais também é importante nesse processo pois influencia no esforço de coleta do castanheiro. Alguns castanheiros relatam a necessidade de construções de pontes nas áreas das “baixas” de algumas trilhas de acesso os castanhais, locais com declividades acentuadas e que no período das chuvas são alagadas. Os igarapés são geralmente atravessados em pontes improvisadas que podem causar acidentes pondo em risco a integridade física do castanheiro, mas que também pode levar a perda de produção (Figura 05).

5. InfrAestruturA e logístIcA

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Quanto mais próximo o castanhal dos paióis ou galpões para secagem e armazenamento, mais rápido a produção chega para a Usina da COVEMA em Manicoré. Essa velocidade no processo do manejo entre a chegada ao paiol e a saída para a usina é muito importante para que se diminua a possibilidade da amêndoa, depois de seca, entrar em contato com a umidade, o que pode favorecer o desenvolvimento da aflatoxina.

O custo da logística também é um dos principais motivos para que os castanheiros aviem a produção. O custo para a viagem de coleta é mais alto quando os castanhais são distantes, o que exige grande quantidade de combustível e de alimentação para a temporada em que o grupo familiar fará a coleta. Quando o castanheiro não consegue os recursos para o custeio os castanhais mais distantes ou de difícil acesso são abandonados, o que prejudica a produção total. Enquanto castanhais de mais fácil acesso geralmente são coletados por apenas um castanheiro, nos castanhais mais distantes, onde a logística de coleta é mais complicada, normalmente eles se reúnem

Figura 06: Trilha para um castanhal na RESEX do Lago do Capanã Grande. Um tronco de árvore é usado como ponte. Foto: Francivane Fernandes.

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em grupos e passam dias acampados. Neste caso precisam de uma infraestrutura no local para que armazenem temporariamente a produção, aumentando o custo dessa fase de coleta.

A COVEMA poderia organizar a produção dos castanheiros de forma estratégica para diminuir os custos e fomentar as viagens de coleta. Mas atual situação da cooperativa é de fragilidade financeira e os castanheiros acabam se comprometendo com os atravessadores que também aviam as canoas e os motores de popa para o transporte da produção, no caso do castanheiro não possuir esses equipamentos.

Já na fase de secagem e armazenamento o que se levantou nas entrevistas é que poucos castanheiros possuem um local adequado para o manejo da castanha, já que não dispõem de paiol ou galpões adequados para esse fim. Durante a execução do projeto “Castanha do Brasil”, em 2002, foi proporcionado aos castanheiros, além do treinamento em manejo da castanha, capacitação gerencial e preparação para certificação orgânica, a construção de paióis para armazenamento e secagem do produto. O primeiro paiol experimental comunitário, construído no Capanã Grande.

Nesse mesmo ano outras localidades também começaram a participar do processo de boas práticas e também construíram seus paióis, alguns comunitários, outros individuais por família. Vale ressaltar que naquele momento os paióis foram construídos no âmbito do projeto com o apoio da Agência de Florestas e Negócios Sustentáveis (AFLORAM), Instituto Brasileiro de Educação em Negócios Sustentáveis (IBENS), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA/CNPT), Prefeitura Municipal de Manicoré, Câmara Municipal de Manicoré, Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas – IDAM e SEBRAE. Entretanto, muitos paióis não passaram por manutenção e com a ação do tempo perderam sua condição de uso. Outros passaram a ser usados para outros fins, como galinheiros, por exemplo.

O que é importante salientar é que o processo de manejo da castanha em Manicoré reduziu a praticamente zero a incidência de aflatoxina nas castanhas nesse período onde houve investimento em infraestrutura de secagem e armazenamento. Porém, com o passar do tempo essa preocupação foi se perdendo e o investimento diminuiu, o que demonstra que este assunto deve ser discutido nas comunidades, na COVEMA e nos órgãos de assistência técnica rural. A experiência de manejo da castanha

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em Manicoré conquistou o Prêmio Von Martius oferecido pela câmara de Comércio Brasil-Alemanha obtendo o 2º lugar na categoria “humanidade” e ficou entre os 20 melhores projetos de Inovação Social. É imprescindível para a atividade castanheira que se tenha investimento em infraestrutura e logística para que Manicoré volte a ocupar lugar de destaque na produção de castanha na Amazônia.

Para o beneficiamento da castanha no município a COVEMA possui os maquinários e equipamentos básicos para funcionar com todo seu potencial. A cooperativa comprou, em 2007, maquinário e equipamentos com recursos de financiamento através do BNDES. Os recursos seriam usados para estruturar o galpão mas isso não foi possível porque o galpão não pertencia à cooperativa. Assim, os recursos foram utilizados para aquisição de máquinas e equipamentos que complementariam a estrutura, já que adquiriram as primeiras máquinas em 2002, a partir do projeto “Castanha do Brasil”.

Figura 06: Galpão da COVEMA no terreno cedido pela Prefeitura por um período de 20 anos. Área de recebimento da produção. Foto: arquivo IEB.

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A COVEMA ainda não comprou o terreno onde funciona a usina, mas possuem um contrato com a prefeitura de Manicoré que permite a sua utilização por 20 anos (Figura 06). De acordo com o presidente da cooperativa, um dos principais objetivos da entidade é conseguir comprar o terreno para poder acessar financiamento e assim melhorar a infraestrutura do prédio. Em relação a equipamentos a cooperativa precisa ampliar o tamanho da estufa para que possa aperfeiçoar o processo de secagem das amêndoas. Hoje a estufa limita a dinâmica do processo de beneficiamento tornando-o mais lento. A estufa atual leva 08 horas para processar uma produção que com a estufa ampliada processaria em 04 quatro horas.

Apesar de um histórico de organização social de base comunitária, de luta dos extrativistas pelos direito ao território e de fortalecimento da atividade castanheira na região de Manicoré, a cadeia de valor da castanha ainda está longe de estar fortalecida em sua base, ou seja, beneficiando de fato os castanheiros.

Os castanheiros em sua maioria ainda permanecem numa relação comercial desvantajosa com os “patrões” e “atravessadores”, recebendo por seu produto um preço inferior ao do mercado. São muitos os desafios para que uma parcela justa do valor da castanha chegue aos produtores. Entre eles está o sistema de aviamento, que é caracterizado pela pouca governança dos extrativistas nos processos que envolvem a cadeia de valor da castanha. Esse pouco protagonismo dos castanheiros pode ser decorrente do endividamento, que leva a subordinação aos patrões e atravessadores e que pode ser potencializado pela não adoção das boas práticas de manejo da castanha e pelo pouco acesso às tecnologias produtivas que melhoram a qualidade e a valorização do produto.

Entretanto, ressaltam-se os esforços e avanços na organização para a produção entre 2002 até 2012, frutos de uma coordenação de ações coletivas entre as organizações da sociedade civil, Instituições de ensino e pesquisa, órgãos de assistência técnica rural e agências de financiamento e crédito. Contudo, mesmo com todo investimento em formação de capital humano através de cursos de capacitação em

6. consIderAções fInAIs

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associativismo, em boas práticas de manejo, em gestão de empreendimentos, entre outros, observa-se que a cadeia de valor da castanha ainda não está consolidada na região. São necessários novos investimentos para viabilizar a logística, infraestrutura e de transporte e a participação efetiva dos castanheiros nos processos de tomada de decisão. O empoderamento dos castanheiros para serem os protagonistas e principais beneficiários na cadeia ainda não é uma realidade concreta.

Outro ponto que chama a atenção na cadeia, e que limita o planejamento na busca de mercados e de financiamentos, é a ausência de informações sistematizadas da produção de castanha no município. A própria secretaria municipal de produção e abastecimento não possui informações sobre a produtividade das diferentes áreas de coleta. Essa fragilidade no monitoramento da produção também é notada em outros órgãos que deveriam ter esses dados disponíveis como o IDAM, INCRA, ICMBio e SEMA. Os dois últimos são responsáveis pela gestão das Unidades de Conservação, que são áreas de grande produção na região, juntamente com as Terras Indígenas e os Projetos de Assentamentos Agroextrativistas, e que também não possuem monitoramento da produção. Outras instituições como a SEPROR, que estão ligadas à produção agroextrativista, parecem também não possuir essas informações sistematizadas. Os dados do IBGE estão muito aquém de refletir a real e a potencial produtividade de castanha de Manicoré. Assim, um dos maiores desafios a serem superados é o monitoramento e a organização dos dados de produção por todos os atores envolvidos na cadeia, já que muitos castanheiros também não fazem esse controle. Mesmo com toda fragilidade organizacional e financeira que enfrenta, a COVEMA é o ator na cadeia da castanha de Manicoré que possui informações de produtividade. Entretanto, só possui sistematizados os dados de parte da produção, a qual é vendida para a cooperativa, o que é uma parcela muito pequena da produção municipal total. A cooperativa tem recebido cada vez menos a produção das áreas de coleta, a maioria está sendo vendida para atravessadores e patrões.

Nos últimos anos o mercado do Amazonas tem sido pressionado pela concorrência dos atravessadores bolivianos e peruanos, os quais conseguem muitas vezes comprar castanha in natura do Amazonas e do Acre sem pagar todos os impostos devidos, o que coloca as usinas brasileiras em situação de desvantagem. Além de que, essa produção também não é mensurada.

Outra questão a ser avaliada na cadeia de valor da castanha é a certificação de

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origem, exigência dos mercados consumidores como forma de garantir a qualidade do produto. Hoje o mercado internacional está preferindo adquirir a castanha com casca.

Segundo o IDAM, o principal desafio na exportação da castanha é a aplicação da IN-MAPA-11/2010, que estabelece os critérios e procedimentos para o controle higiênico-sanitário do produto e seus subprodutos, destinados ao consumo humano no mercado interno, na importação e na exportação, ao longo da cadeia produtiva.

A cadeia enfrenta problemas que são gargalos para o desenvolvimento da atividade castanheira, sendo eles de ordem organizacional, financeiro, logístico e ambiental. A cheia catastrófica de 2014 e a forte estiagem no mesmo ano ocasionou a perda de produção. Uma das maiores preocupações dos castanheiros foi a perda de árvores produtivas que morreram devido à enchente atingir até mesmo regiões de várzeas altas, onde as “pontas de castanhais” foram submersas. Vale ressaltar que os castanheiros não apontaram só as mudanças climáticas que vêm causando invernos e verões mais intensos, mas também a implantação das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, que de acordo com os mesmos promoveram a alteração no nível do rio Madeira. Observam-se, também, gargalos que limitam a qualidade produtiva nas etapas de manejo, sobretudo na fase da coleta. As boas práticas são realizadas por uma pequena parcela dos castanheiros e a cada ano, menos castanheiros se dedicam a fazê-las. De acordo com os castanheiros entrevistados, eles estão desmotivados a fazerem as boas práticas principalmente porque o esforço e o tempo para realiza-las não refletem hoje no preço que lhes é pago. Já na opinião de outros atores, os castanheiros não entenderam e internalizaram a importância das boas práticas não só para a qualidade do produto, mas também para agregar valor à produção e fortalecer a própria organização social no sentido de conquistarem mercados diferenciados. Contudo, observa-se que a relação entre os castanheiros e a organização que foi criada outrora para fortalecê-los na cadeia da castanha, a COVEMA, está bastante fragilizada e o diálogo entre esses atores não é aberto.

Os castanheiros reclamam da ausência da cooperativa nas comunidades para o repasse de informações, da pouca transparência dos negócios financeiros e do distanciamento da diretoria em relação aos sócios cooperados. Já a direção da

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COVEMA, por sua vez, avalia que os castanheiros cooperados não se sentem donos da cooperativa, que falta um pouco mais de entendimento sobre cooperativismo, organização social e gestão de empreendimentos coletivos.

Levantou-se a possibilidade de que uma medida tomada pela COVEMA, também tenha colaborado para a diminuição da venda da castanha para a cooperativa: diretoria da COVEMA passou a cobrar 03 latas de castanhas dos cooperados no momento da entrega da castanha, e essas seriam revertidas em capital para fazer a gestão interna da cooperativa. Esta estratégia parece ter contribuído para o afastamento entre a direção da cooperativa e a sua base social.

Contudo, é ponto de concordância entre cooperativa e castanheiros que o fator principal que dificulta aumentar o volume de castanha que a COVEMA recebe dos coletores é o preço oferecido pelo atravessador. O preço disputa com o preço pago pela cooperativa sem a exigência do uso das boas práticas e da entrega das três latas de castanha, que representa um esforço a mais para o cooperado na atividade de coleta.

Diante desse fato, a COVEMA poderia rever a cobrança das três latas, mas principalmente fazer um esforço em melhorar o diálogo com os castanheiros cooperados e a transparência de suas negociações com o mercado. A sensibilização dos castanheiros quanto aos benefícios que a COVEMA, como empreendimento coletivo de base comunitária, representa diante dos patrões e atravessadores, deixando claro aos cooperados a forma como a sua atuação age na regulação dos preços.

Observando o contexto local da cadeia de valor da castanha na região de Manicoré, e considerando as informações levantadas, podem-se sugerir algumas ações de curto, médio e longo prazo de apoio à cadeia:

1. Trazer para os espaços de discussão o poder público local, para que busque políticas públicas para diversificação da renda financeira das populações tradicionais e indígenas pautadas nos produtos da Sociobiodiversidade como a castanha do Brasil;

2. Melhorar a qualidade da produção extrativista por meio da sensibilização

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ao uso das boas práticas nas áreas onde já houve investimentos em capacitações e ampliar para novas áreas, já que as capacitações foram limitadas às áreas de castanhais de Unidades de Conservação.

3. Apoiar e viabilizar a comercialização da castanha do Brasil e de outros produtos da Sociobiodiversidade através da ampliação do conhecimento e divulgação das cadeias de valor de forma a atingir o mercado consumidor, sensibilizando-o sobre a origem do produto, das famílias, das organizações locais envolvidas, dos processos desde a coleta até o consumo nos grandes centros, de forma a valorizar os produtos florestais não madeireiros;

4. Garantir melhor preço para a castanha manejada em relação à castanha não manejada. Diferenciar o produto quanto à sua qualidade, estabelecer um padrão e critérios para os preços ou o uso de dois preços diferenciados para a catanha com e sem manejo e buscar mercados que valorizam a certificação;

5. Investir em intercâmbios que envolvam os castanheiros, as organizações sociais, as indústrias e promover rodadas de negócios entre produtores e indústrias (a exemplo das rodadas de negócio do pirarucu em Tefé);

6. Promover a cooperação técnica entre as instituições públicas, privadas e do terceiro setor (SEMAPA, IDAM, SEPROR, SEMA, CONAB, ICMBio, IEB, CNS, e etc.) para que possam apoiar e fortalecer as iniciativas já em curso, como a COVEMA, e a cadeia da castanha, enquanto estratégia de gestão socioambiental e territorial;

7. É recomendável que a COVEMA receba assistência em gestão de negócios, e assessoria técnica, administrativa para aprimorar as capacidades da diretoria, com conhecimentos mínimos em informática e contabilidade. Isso pode maximizar os recursos já aportados e acessar novos, propiciar acesso a política de capital de giro à juros menores para competir com o atravessador. Por fim, buscar a autonomia, menor dependência governamental, e tornar o empreendimento viável social e economicamente;

8. Apresentar projetos que visem à implementação de infraestrutura de armazenamento, transporte, seleção, secagem e beneficiamento de Castanha do Brasil nas áreas de castanhais dentro e fora de áreas protegidas;

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9. Investir em novas lideranças, em capacitação técnica e formação política desses grupos de produtores, para o fortalecimento de suas organizações, para melhorar a organização de sua produção e para aumentar a sua capacidade de negociar a venda de seus produtos;

10. Investir na Regularização Fundiária da região, através do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) nas áreas de várzea e dos Contratos de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) para as Associações dos moradores das Unidades de Conservação federais e estaduais. Isso vinha sendo feito até 2016, pela parceria da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e do IEB. Mas esta iniciativa ficou ameaçada uma vez que a SPU sofreu um corte nos recursos repassados pelo governo federal destinado à Regularização Fundiária e o IEB dispõe de poucos recursos orçamentário para continuar investindo e fomentando as ações;

11. Diminuir ou extinguir os impostos pagos pelas Organizações Sociais, como os pagos sobre maquinários e equipamentos. A cooperativa deve deixar claro para o produtor que existem impostos, que esse recurso não fica retido na cooperativa. As cobranças de alguns impostos prejudicam as cooperativas na competição com os atravessadores pelos custos que geram ao empreendimento, ao passo que a maior parte da castanha sai do município sem pagar impostos;

12. Investir no mapeamento dos castanhais e em estudos de capacidade de produção dos castanhais ativos e inativos, além de investir em monitoramento da produtividade envolvendo todos os atores locais da cadeia de valor da castanha;

13. Criar estratégias de combate às barreiras fitossanitárias e o contrabando da castanha do Brasil para alavancar as exportações do Amazonas;

14. Avaliar os modelos de arranjos interorganizacionais, propostos pelo Pacto das Águas (Agência de negócios sustentáveis) e pelo Fundação Vitória Amazônica com as cooperativas e associações (COOPMAS, COVEMA, ARPOCAM, ASSOAB, COOMARU). A atuação intercooperativa, pela Rede de Cooperativas e Associações de Beneficiamento Agroextrativista do Amazonas (RECABAAM), aponta para possíveis arranjos produtivos que promovam as cadeias agroextrativistas em Manicoré.

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Essas demandas podem, por meio de ações coordenadas e planejadas entre os atores sociais e econômicos, se transformarem em estratégias para a estruturação e consolidação da cadeia de valor da Castanha do Brasil na região, gerando renda, remunerando de forma justa o castanheiro e fortalecendo os empreendimentos coletivos de base comunitária.

Amaral, R.; Aleixo, J.; Franco, M. (Org.). 2012. Organização da produção na Amazônia: a experiência de comercialização coletiva da castanha em Manicoré. IEB/COVEMA, Brasília, DF, Brasil. 86p.

Reis, A.V.F. 2005. Histórias do nosso chão. Prefeitura Municipal de Manicoré.

Ribeiro, D. 1995. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. Companhia das Letras. 2ª ed. São Paulo, Brasil

7. referêncIAs bIblIográfIcAs

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