imprensa alternativa e ditadura militar - o humor ... · para a cadeia, ao falar sobre uma...
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IMPRENSA ALTERNATIVA E DITADURA MILITAR - O HUMOR SUBVERSIVO DE HENFIL NAS PÁGINAS DO PASQUIM Zamara Graziela Pinheiro de Oliveira1 Universidade Federal do Rio de Janeiro
bolsista UFRJ/CNPQ [email protected]
Resumo: O presente trabalho possui como foco a relação entre a política e o humor
representado através das charges publicadas na Imprensa Alternativa durante o período em
que foi instituído o regime militar. Jornais como O Pasquim formaram uma oposição ao
Estado militar soberano, tornando-se a voz de uma sociedade marcada pelo medo.
As personagens criadas pelos traços de Henfil ilustravam os temores enfrentados pela
população diante das mudanças do regime, dentre essas; a liberação dos partidos políticos, a
diminuição da censura à imprensa e a possibilidade, das por muito aguardadas, eleições
presidenciais, junto à esperança trazida por essa “abertura” veio também à insegurança de um
possível recrudescimento do regime militar. Dessa forma proponho uma leitura do contexto
político-social, através da análise de charges que, valendo-se do humor, atuaram como um
meio de expressão político da sociedade.
Palavras-chave: Ditadura; Humor; Imprensa alternativa.
No presente artigo tenho por objetivo apresentar as conclusões parciais de minha pesquisa
sobre a Imprensa Alternativa e as charges políticas no período da década de 70 no Brasil,
trazendo uma discussão sobre a importância do uso das charges como um meio de contestação
do regime militar.
O Semanário “O Pasquim” foi publicado no período de 1969 a 1991 tendo como sede a
cidade do Rio de Janeiro, ele caracterizava-se por ser uma <<crítica pontual, localizada no
cotidiano e sempre muito precisa>>2. Fundado por Jaguar, Carlos Prosperi, Claudius, Ziraldo,
Tarso de Castro e Sérgio Cabral, o jornal foi alvo de atentado e sofreu diversas “batidas”
policiais devido a seu conteúdo considerado de caráter ‘subversivo”. O “Pasquim” chegou a
alcançar a tiragem de 200 mil exemplares e com uma grande penetração junto aos filhos da
classe média, virou um símbolo da resistência. Ele representava a voz da população expondo
em suas páginas a indignação do povo brasileiro frente a um regime coercitivo e repressivo.
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Com a decretação do Ato Institucional nº 5 a população foi impedida de exercer seus
direitos políticos e a censura havia sido imposta,através de escutas telefônicas, de
“bilhetinhos” ou através da censura prévia, exercida pelos censores ou mesmo por uma
autocensura que os meios de comunicação deveriam “se” impor.
A censura foi uma forma do Estado se proteger tentando ocultar aos olhos da população os
abusos que o Regime autoritário havia sido instituído.
A censura imposta ao Pasquim fez com que os donos das bancas se recusassem a vendê-
lo e a publicidade caísse a zero, a censura das matérias fez com que o jornal não pudesse usar
seu diferencial que despertava a resistência e a luta por parte da população. Os problemas
econômicos, a dissolução do grupo original e a mudança do contexto político fizeram com
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que o jornal perdesse seu espaço no mercado, tendo seu fim na edição nº 1072 publicada em
11 de novembro de 1991.
No Pasquim as charges criadas por Henfil procuraram
mostrar através do uso do humor, a insegurança política que
o país viveu tanto na instauração quanto no momento de
abertura do regime militar.
Henrique de Souza Filho (HENFIL) foi um intelectual de
esquerda, militante do PT e um dos principais cartunistas
brasileiros, viveu de 1944 a 1888, sendo hemofílico
necessitava de sucessivas transfusões onde em uma delas
contraiu o vírus da AIDS, seu falecimento ocorreu em um
dos seus melhores momentos profissionais, onde muitas de
suas criações estavam sendo divulgadas nas principais
revistas brasileiras.
Criador de personagens famosos como os Fradins, a Graúna, o nordestino Zeferino,
Bode Orelana e de Ubaldo o paranóico. O público leitor identificava-se com as personagens
das charges uma vez que elas eram o retrato tanto do trabalhador, do Intelectual, como dos
ativistas da oposição, com isso as reflexões despertadas pelas personagens eram um reflexo da
condição vivida pela população do período, possibilitando assim a formação de um vínculo
identitário entre o produto e seu receptor. Por exemplo:
Ubaldo, o paranóico foi criado no ano de 1975, logo após a morte do jornalista Vladimir
Herzog nas dependências do II Exército, seus traços lembram o estereotipo do militante
político e reflete os temores vividos na época retratando como a censura, a perseguição e a
restrição da liberdade causaram uma autocensura por parte das pessoas. Elas não agiam por
impulso, ou em seu estado natural, cada decisão era tomada pensando-se em como ela seria
recebida, tanto pelas autoridades, quanto pelas pessoas que as cercavam. Pois existia o temor
de que alguém pudesse fazer alguma denúncia que os levasse
para a cadeia, ao falar sobre uma canção, uma reportagem de
jornal, ou até mesmo um assunto do dia a dia, cada palavra
deveria ser pensada para que o destino não fosse as prisões
militares.
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“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada. Até que um dia,
o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”3
“A idéia de fazer o Ubaldo foi justamente de colocar a nu a perseguição. Porquê? Porque
pouco se fala dela. Porque muita gente acha que ela não existe, porque ela se tornou tão forte
que numa reação de defesa gigantesca as pessoas evitam pensar nela para não se anularem de
medo. Não pensando, não existe, né? Porque muita gente engoliu tanto medo que ficou
incapaz de perceber a perseguição nelas (a paranóia neste caso como doença mesmo). (...)
Ubaldo é filho da perseguição. Só que a historinha mostra, além da perseguição real, a criação
que Ubaldo faz por conta própria.(...) E acho também que Ubaldo é jornalismo. Estou
informando que em 1976 as pessoas estavam com medo de falar no telefone, por exemplo4.”
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Ubaldo tratava através do humor as contradições do regime e de como as decisões políticas
que estavam sendo tomadas eram recebidas pela população, caso fosse escrita uma
reportagem falando da repressão do governo, do medo vivido pela juventude engajada de
desaparecer sem nenhum motivo, de ser torturado e de ser morto certamente a reportagem
seria censurada, os jornalistas
presos e a sede fechada,
contudo através das charges
esse conteúdo poderia ser
retratado, tornando possível o
seu entendimento mesmo não
podendo ser dito diretamente
em palavras .
As charges de Henfil
necessitam de um
conhecimento prévio sobre o
período para que possam ser
plenamente entendidas , elas
não retratam apenas um
período histórico e sim o
cotidiano da vida de toda uma
população. Sua obra possui
inestimável importância tanto
para o entendimento do que
estava ocorrendo politicamente no país por parte daqueles que vivenciaram o período
ditatorial, quanto para um estudo sobre a relação entre a imprensa e a censura. Henfil trouxe a
todos combatentes do regime a materialização de seus medos e suas inseguranças, dando-lhes
através de seus traços um possível conforto de que a esquerda não havia deixado de lutar e
que a censura não os privaria de lutar e de defender seus direitos.
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Notas:
1 Aluna de bacharel pela UFRJ e bolsista de Iniciação Cientifica PIBIC/CNPQ. 2 BRAGA, 1977, op.cit,p.233 3 COSTA, Eduardo Alves In: Diretas Já. Rio de Janeiro, Editora: RECORD,1ª Edição,1984. 4 Revista do Fradim, n. 16, pp 44/46.
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