post 1 de direito do ambiente

Upload: joana-ribeiro

Post on 03-Apr-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    1/9

    Prevenir no Direito do Ambiente atravs da no autonomizao do Princpio da

    Precauo

    A Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) pode tambm ser denominadacomo Constituio de Ambiente por ser, no entendimento do Professor Vasco Pereira daSilva, uma Constituio verde. Assim , uma vez que trata das questes ambientais e f-lo numa dupla vertente. Na nossa Constituio o ambiente, ou as questes que lhedizem respeito so tidas em conta enquanto tarefas do Estado, de acordo com o dispostono artigo 9., d) e e), no que se chama uma dimenso objectiva; e ainda, luz do artigo66., enquanto direito fundamental, agora numa dimenso subjectiva. [Ao ocupar-se dasquestes ambientais enquanto uma tarefa estadual, a Constituio est automaticamentea considerar que os princpios e valores ambientais representam bens jurdicosfundamentais presentes na aplicao e concretizao do direito e que como tais no sosusceptveis de afastamento por parte de poderes pblicos. Assim, possvel encontrarna Constituio portuguesa, em matria ambiental, um conjunto de princpiosfundamentais, por ela estabelecidos.

    Esta consagrao tem vindo a verificar-se ao longo dos ltimos vinte anos, nos a nvel interno mas tambm a nvel externo. A este fenmeno tambm chamado oesverdear da legislao pelos anglo-saxnicos. Os princpios de Direito do Ambienteesto presentes, nomeadamente, no artigo 66. da Constituio da Repblica Portuguesae na Lei de Bases do Ambiente, nos artigos 2. e 3.. Estes princpios, apesar de

    recentes, ou verdes, como o Professor Vasco Pereira da Silva aos mesmo se refere, e deconterem um contedo relativamente mais vago quando em comparao com ocontedo concreto de uma norma, permitem saber se uma determinada lei vlida ouno, e consequentemente estabelecer a inconstitucionalidade ou ilegalidade de certasdisposies ou actos administrativos que os contrariem. Para alm desta funoessencial servem ainda como auxiliares de interpretao de outras normas jurdicas e

    possibilitam a integrao de lacunas.

    Contudo, ao falar em princpios de Direito do Ambiente convm ter em contaque nem todos os autores se referem ao mesmo. O Professor Gomes Canotilho defende

    a existncia de sete princpios do Direito do Ambiente. So eles o princpio dapreveno; da correco na fonte; da precauo; do poluidor-pagador; da integrao; daparticipao e da cooperao internacional. Por princpio da preveno, entende oProfessor que este pretende evitar que se venha a produzir um dano antes que o mesmose verifique. O segundo princpio, da correco na fonte, permite-nos saber quem deveevitar a poluio, onde que esta deve ser evitada e quando o fazer. O princpio da

    precauo tem como objectivo ultrapassar o cepticismo decorrente da falta de provascientficas da existncia de um dano, invertendo o nus da prova de um dano ambiental

    possvel. Do princpio do poluidor-pagador possvel retirar-se a ideia de que os danos

    ambientais existentes devem ser suportados por quem os causou, ou poluidores, e nopelos contribuintes. De seguida, diz-nos o princpio da integrao que a proteco do

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    2/9

    ambiente deve ser sempre tida em conta em todas as actividades realizadas, enquanto oprincpio da participao confere aos cidados o direito de intervir em todas as decisessusceptveis de afectar o ambiente. Por ltimo, o princpio da cooperao internacionalimpe aos Estados o dever de colaborao uns com os outros com o objectivo de

    proteger de forma eficaz o ambiente uma vez que tem subjacente a ideia de que oambiente um bem de todos e a poluio um fenmeno transnacional.

    J o Professor Vasco Pereira da Silva, refere-se apenas aos princpios dapreveno; do desenvolvimento sustentvel; do aproveitamento racional dos recursosnaturais e do poluidor-pagador. O Professor refere-se ainda a um processo que se temvindo a desenrolar tendente autonomizao do princpio da precauo, e que oProfessor entende no ser o melhor caminho. E exactamente aqui que se encontra ocerne da questo a ser estudada. Incide precisamente numa das diferenas existentes noentendimento destes dois Professores. A defesa, por parte do Professor Gomes

    Canotilho, da existncia de um princpio da precauo autonomizado do princpio dapreveno. Enquanto por outro lado, o Professor Vasco Pereira da Silva, defende aadopo de um contedo amplo do princpio da preveno que prefervel separaoentre preveno e precauo.

    O princpio da precauo significa antes de mais que ao ambiente deve ser dadoo benefcio da dvida quando no exista certeza, por falta de provas cientficasevidentes, quanto ao nexo causal entre uma actividade e um determinado fenmeno de

    poluio ou degradao do ambiente. Estamos por um lado perante uma antecipao daaco preventiva, ainda que a sua necessidade no seja certa, e por outro lado, a proibir

    actuaes potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade no sejacientificamente indubitvel. O princpio da precauo acaba assim por ser um meio delidar com a incerteza. Incerteza essa referente tanto ao conhecimento dos riscosassociados a um dano ou efeito de uma determinada actividade, quanto relao causalentre uma determinada actuao e um dado dano ou efeito. Ao lidarmos com a incertezadesta forma estamos, no trato com o ambiente, a pautar-nos por uma atitudeextremamente cautelosa.

    Quanto origem do princpio da precauo tambm aqui as opinies divergem.A Professora Carla Amado Gomes (Preveno prova no DA) refere que o princpio da

    precauo surgiu devido preocupao cada vez maior das pessoas face ao aumentosucessivo dos nveis de poluio. Poluio essa presente em maior escala a nvelmarinho, tendo sido a esse nvel que o princpio em questo se desenvolveu mais at virmais tarde a fazer parte integrante do Direito Internacional do Ambiente.

    Por outro lado, a Professora Ana Gouveia e Freitas Martins, aponta comonascimento deste princpio a traduo, por volta dos anos 80, da palavra alemVorsorgeprinzippara a lngua inglesa, para precautionary principle1. Esta palavratem, contudo, a capacidade de nela encerrar uma amplitude de significados, de tal forma

    que a sua traduo se torna, bastante complexa. A palavra Vorsorgeprinzip, ou melhor,1Ou precautionary approach.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    3/9

    o termo Vorsorge, envolve uma actuao no presente mas tendo em conta e virada parao futuro. um apelo a uma actuao, no presente, ponderada e cuidadosa qual subjazuma ideia de investimento no futuro e de responsabilidade e planeamento a longo prazo.O que essencialmente distingue preveno de precauo a identificao ou no de umrisco. A preveno exige a adopo de medidas contra riscos j conhecidos, enquanto a

    precauo fala de uma actuao contra a possibilidade, ainda, de virem a existir riscos.Seguindo este entendimento o princpio da precauo veio a surgir na Alemanha noincio dos anos 70 devido a uma onda de actuao face poluio atmosfrica existia naaltura. As pessoas, preocupadas com os perigos que poderiam resultar do smogfotoqumico e tendo conhecimento que se perspectivava a destruio das florestasdevido s chuvas cidas, resolveram adoptar uma poltica intervencionista e centrada na

    poluio atmosfrica. Ou seja, para que os poderes pblicos pudessem actuar de formalegtima e com competncias para tal tornou-se absolutamente necessria a criao do

    princpio da precauo, isto porque, pairava a incerteza e desconhecimento das

    consequncias da poluio no meio ambiente e a situao ameaava ser irreversvel e,contudo, no havia provas cientficas conclusivas, que permitissem actuar2.

    Posto isto, quer o princpio da precauo deva o seu nascimento como reaco poluio marinha, ou, por outro lado, como reaco poluio atmosfrica, o que certo que surgiu como uma necessidade que as pessoas tinham de que existisse uma

    poltica ambiental proactiva.

    Foi reconhecido pela primeira vez, em 1987,na Segunda Conferncia Ministerialdo Mar do Norte como princpio autnomo ao nvel internacional. Veio desta forma a

    permitir a adopo de medidas adequadas. Passados trs anos, em 1990, foi adoptadopela Declarao da conferncia governamental de Bergen sobre DesenvolvimentoSustentado3. Em 1992 surgiu no princpio 15 da Declarao do Rio 4, e ainda no artigo3. da Conveno-quadro da ONU sobre as alteraes climticas, e no pargrafo 22.5 daAgenda 21.

    A nvel do Direito Comunitrio, h quem entenda que este princpio tambm porele foi acolhido no artigo 130-R na verso ps Maastricht, hoje artigo 174., aps arenumerao introduzida pelo Tratado de Amesterdo. O Acto nico Europeu, nocontendo o Tratado de Roma qualquer referncia proteco do ambiente, foi o

    primeiro a explicitamente reconhecer competncias ambientais Comunidade. O Actonico Europeu introduziu no Tratado um ttulo VII, sob a epgrafe Meio Ambiente. A,

    2 J a Professora Carla Amado Gomes, refere-se a toda esta situao que diz respeito ao Vorsorgeprinzipalemo como, apesar da sua importncia no ter sido o que contribui, ou o que contribui mais, para a suaautonomia do princpio da precauo nos textos internacionais.3 In order to achieve sustainable development, policies must be based on the precautionary principle.Environmental measures must anticipate, prevent and attack the causes of environmental degradation.Where there are threats of serious or irreversible damage, lack of full scientific certainty should not beused as a reason for postponing measures to prevent environmental degradation.4 In order to protect the environment, the precautionary approach shall be widely applied by States

    according to their capabilities. Where there are threats of serious or irreversible damages, lack of fullscientific certainty shall not be used as a reason for postponing cost-effective measures to preventenvironmental degradation.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    4/9

    no j acima referido artigo 130-R, vinham estabelecidos os grandes objectivosambientais e determinado que a actuao da Comunidade se devia basear nos princpiosda aco preventiva, da correco, preferencialmente na fonte, e no princpio do

    poluidor-pagador. Tudo isto tendo em conta os dados cientficos disponveis e ospotenciais riscos e benefcios das aces ou da omisso das mesmas. Como se pode vero princpio da precauo no referido e controvertido na doutrina se este se deveentender como incorporado no princpio da preveno. Das duas uma, ou distinguindoos dois conceitos chegamos concluso que no se encontra consagrado, ou nodistinguindo ento estaria incorporado no princpio da preveno, estando, atravs deleconsagrado, mas no como princpio autnomo. Esta ltima hiptese parece-me amelhor, e , inclusive, a que vai no entendimento do Professor Vasco Pereira na Silvano que a no separao dos dois conceitos diz respeito. Contudo o Tratado deMaastricht veio estabelecer, nos artigos 2. e 3. que a proteco do ambiente era umadas tarefas fundamentais da Unio Europeia. Tal inovao fez com que interesses

    ambientais e econmicos ficassem em p de igualdade surgindo o artigo 130-R, n. 2que contemplava a exigncia da poltica comunitria prosseguir um nvel elevado de

    proteco e acrescentando o princpio da precauo ao j existente elenco de princpios.Esta enunciao do princpio por muito benfica que tenha sido ao tornar indubitvel asua vigncia no Direito Comunitrio, nem por isso veio definir com clareza oscontornos do princpio.

    , contudo, prudente ter em conta que esta previso do princpio pode terimplicaes internas, tendo em conta a vinculao dos Estados-membros ao DireitoComunitrio, uma vez que existem pases, como o caso de Portugal, que a nvel do seuordenamento interno, no adoptaram o princpio como fazendo parte dos princpiosfundamentais de Direito do Ambiente. Esta situao uma das que mais contribui paraa falta de consenso no que ao princpio da precauo diz respeito, sendo o seu statusmuito discutido quer a nvel internacional, quer interno. Havendo quem o inclua nos

    princpios gerais de Direito Internacional, enquanto outros o vem como uma regra deDireito Internacional geral ou comum. A falta de acordo no fica, no entanto por aqui.Existem autores que negam ao princpio da precauo o estatuto de princpio geral deDireito Internacional, enquanto outros no o consideram sequer um princpio jurdico5.Tudo isto contribui para que no haja uma formulao consensual do princpio da

    precauo, at porque h quem no o considere sequer um princpio. Este princpio,para BOUDANT, que no o considera um princpio sequer, implica uma tomada dedeciso perante uma determinada situao: uma atitude de prudncia face a riscosengendrados pela incerteza tcnica ou cientfica, indicando uma direco e no umregra. J GIRAUD refere trs elementos constitutivos para que o princpio da precauo

    possa ter aplicao; 1) risco de ocorrncia de um dano grave e irreversvel, 2) ausnciade certeza cientfica, 3) obrigao de adopo de medidas preventivas.

    5

    O prprio Tribunal Internacional de Justia quando demandado para se pronunciar sobre o valornormativo do princpio da precauo e a sua aplicabilidade directa, omitiu qualquer apreciao sobre oassunto.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    5/9

    BARTON que nega ao princpio da precauo o estatuto de princpio jurdicodevido sua grande indefinio, estabeleceu quatro critrios que derivam da aplicaodo princpio.

    As medidas so tomadas para prevenir danos considerveis eirreversveis no meio ambiente, na ausncia de provas cientficas que

    comprovem o nexo causal entre a actividade e os seus efeitos no meio

    ambiente.

    Estamos perante uma ordem de actuao, ainda que faltem provas cientficas quetradicionalmente a legitimariam. Quer a gravidade, quer a irreversibilidade, do dano sofactores sujeitos incerteza, donde se retira que a Administrao apenas poder basear asua actuao em juzos de prognose. O campo de aplicao do princpio da precauo o campo da possibilidade, e no o da probabilidade como acontece quando se fala no

    princpio da preveno. Pressupondo a preveno a previsibilidade do perigo, e visandoa precauo antecipar o surgimento de um perigo, a fim de o evitar, torna-se necessriodistinguir a defesa contra um perigo, da evitao de um perigo. A esta distinodedicou-se, entre outros, SSENBUHL, que entendeu a precauo como sendo ocuidar antes e a preveno o cuidar. Entende o autor que o cuidar diz respeito a

    perigos existentes e portanto j conhecidos, enquanto o cuidar antes respeita

    adopo de condutas que se antecipem ao perigo hipottico e que portanto, previnamum risco. Daqui se pode retirar, que a distino entre preveno e precauo acaba porresultar da pequena, ou grande, diferena entre a previsibilidade de um perigo e aconsiderao de um risco. O princpio da precauo numa interpretao estrita levaria a

    que todas as actuaes que, com um grau de possibilidade mnimo, pudessem lesar oambiente, tivessem que ser evitadas, salvo havendo uma certeza quase absoluta sobre asua inocuidade. Essa atitude seria completamente irrealista, dadas as caractersticas dasociedade de risco, em que vivemos nos dias de hoje e em que impossvel prevenirtodos os danos, pelo que o princpio no seria operativo.

    O nus da prova cabe a quem pretenda desenvolver uma determinadaactividade cuja lesividade para o ambiente no est cientificamente

    comprovada.

    O mesmo dizer que estamos perante uma inverso do nus da prova tanto a nvelprocessual como a nvel procedimental, uma vez que quem realiza uma actividade, ouquem autoriza essa actividade passa a ter a obrigao de provar que dessa mesmaactividade no resultaro danos irreversveis e graves para o meio ambiente. Deixandoassim de pertencer ao lesado a sobrecarga de provar o nexo de causalidade existenteentre a actividade e o dano.

    Para responder questo de saber se uma actividade causar danosgraves e irreversveis ao ambiente, o risco de erro ser sempre

    computado a favor deste.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    6/9

    Este princpio permitiria estabelecer uma ponte entre a capacidade de resposta assenteno conhecimento cientfico e a incapacidade de realizar um prognstico vlido a longo

    prazo. Havendo incerteza a deciso tomada in dubio pro ambiente, mesmo que talsignifique afrontar uma perspectiva positiva no curto prazo.

    Uma medida tomada com base no princpio da precauo dever sempreinvoc-lo ou, pelo menos, decorrer da aplicao do princpio do

    desenvolvimento sustentado6.

    Pode dizer-se que o princpio da precauo tem um sentido preventivo uma vez que aprecauo parte sempre de uma orientao preventiva. Em contrapartida, a prevenopode no se traduzir em precauo. Todavia, j no estamos dentro do mbito doprincpio da precauo se as medidas tomadas o forem perante um risco potencial, certoou comprovado.

    Assim, o princpio da precauo traduzir-se-ia numa espcie de prevenoqualificada que entraria em cena, sempre que faltasse certeza cientfica, em socorro doambiente. A sua actuao consistiria na proibio de uma actividade cujo efeitoambiental no seja conhecido, ou na legitimao de uma conduta que pretenda evitar umdeterminado efeito quando no se tem sequer a certeza de quem possa vir a ocorrer umaleso. Uma vez mais, sermos precaucionistas por definio faria com que o ambiente

    se tornasse um valor superior a todos os outros, no olhando a meios, inclusive, paraatingir fins.

    De todos estes critrios, o mais aliciante seria sem dvida o referente inversodo nus da prova. A verificar-se levaria a um equilbrio, em termos processuais, entre as

    partes. Seria o poluidor, que na maior parte dos casos tem mais meios financeiros e quenormalmente aguardaria o desenrolar do processo sem grandes incmodos, quem

    passaria a ter de o nus da prova. Tal faria com que vrios processos, que esto partidacondenados por falta de meios dos lesados, renascessem. Contudo necessrio no

    esquecer que a prova da total inocuidade da actividade eventualmente poluente seriauma verdadeira diabolica probatio.

    de interesse agora referir, a nvel constitucional, se o princpio da precauo seencontra ou no consagrado. Em primeiro lugar, evidente a consagrao do princpioda preveno no artigo 66., a) da Constituio, relativo preveno e controlo da

    poluio. J no assim quanto ao princpio da precauo, que no est nitidamenteconsagrado na Constituio. A Professora Carla Amado Gomes, entre outros levanta a

    6O princpio do desenvolvimento sustentado refere-se necessidade de gerir os ecossistemas de formaracional, assegurando assim a sua produtividade contnua, condio essencial do progresso econmico ede paz social. Trata-se no fundo de conciliar a preservao da Natureza com o desenvolvimento scio-

    econmico.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    7/9

    questo de saber se, no estando o princpio da precauo consagrado, este podereventualmente ser recebido no nosso ordenamento por fora do artigo 174., n. 2 doTCE. Ou seja, por fora da vinculao portuguesa aos princpios e normas do DireitoComunitrio. Cabe ento saber se este princpio dotado de efeito directo. difcil queassim seja tratando-se de um princpio que levanta opinies to diversas a nvelinternacional, no s quanto sua existncia, mas tambm quanto ao seu contedo. Peloque seria forado assumir que teria no Direito Comunitrio um contorno to claro ecerto ao ponto de assim vincular os Estados-membros. Os Estados-membros a estaremvinculados seria por via de actos normativos concretos e no devido a invocao directado artigo 174., n. 2. Deste modo no h assim, pela via comunitria, uma adstriodirecta do Estado portugus ao princpio da precauo. Vamos, ento, saber se tal

    possvel pela via constitucional, nomeadamente atravs das normas que estorelacionadas com o ambiente. Surge logo no artigo 9., e) da CRP7, o objectivo da

    proteco do ambiente enquanto tarefa estadual8. Este objectivo vem a ser concretizado

    mais frente no artigo 66., n. 2, da CRP, em vrias das suas alneas. Esto aindarelacionados os artigos 81., l) e m)9 e 90. e 93., n. 1, d) todos da CRP. Existe noentanto outra abordagem que parte da dimenso subjectiva, que consiste na consagraode um direito ao ambiente no artigo 66., n. 1 da CRP10. Mas no existem dvidas queem vrias partes da nossa Constituio se encontram presentes diversos objectivos quecomprovam o valor constitucional atribudo ao bem jurdico ambiente. A Professora,analisando diversos factores, chega concluso de que estes apontam, partida, noseguinte sentido. O legislador e a Administrao, ao exercerem as suas funesdeveriam levar a cabo todas as diligncias necessrias que visem evitar a ocorrncia,

    cientificamente comprovada, de danos irreversveis, tal como pretende o princpio dapreveno. E ainda, estariam obrigados a acautelar essa mesma ocorrncia, ainda queno existissem provas cientficas sobre o nexo de causalidade entre uma determinadaactividade, ou falta dela, e o dano eventual, proibindo-a ou evitando-a, ilustrando assimo princpio da precauo. No entanto, vistas as coisas deste prisma, o ambiente

    prevaleceria sempre. Parece-me no ser esse o sentido e a Constituio tambm no isso que estabelece. A Constituio prev o objectivo da proteco do meio ambiente talcomo prev muitos outros objectivos, no dando, ao primeiro, prevalncia sobre osrestantes. Podemos ter por um lado um desejo de defender o bem ambiente preservandoos seus recursos naturais e por outro lado o desejo de apostar no desenvolvimentoeconmico. So interesses e objectivos diferentes e ambos encontram consagrao anvel constitucional. E ainda que se procure que coexistam em harmonia e a conciliaodos dois, por vezes no se consegue isso. assim necessrio ter em conta a situaoconcreta, tentando-se a harmonia nesse plano, e presidindo ponderao o princpio da

    proporcionalidade.

    7defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais.8 Ao que o Professor Vasco Pereira da Silva atribui o nome de dimenso objectiva das questesambientais, tal como j acima referido.9 Encontram-se referncias proteco do ambiente mas em sede de incumbncia estatal e num mbito

    econmico e social, e de forma reflexa.10 A Prof. Carla Amado Gomes entende esta disposio como enunciando um direito-dever, e recondu-la ideia de proteco objectiva.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    8/9

    O Professor Vasco Pereira da Silva, quanto a todo este assunto, entende que omais profcuo seria olhar para o princpio da preveno num sentido amplo, em vez deeste ser visto numa acepo restrita sendo dele autonomizado um chamado princpio da

    precauo. O Professor reconhece que tem sido essa a tendncia que se tem vindo adesenvolver e at que esta chegou a encontrar expresso legislativa ao nvel dosTratados constitutivos da Unio Europeia, no, j referido, artigo 174., n. 211. Nesta sua

    posio o Professor baseia-se em trs ordens de razes; de natureza lingustica, decontedo material e de tcnica jurdica.

    Em relao ao primeiro o Professor comea por dizer que a distino existenteentre preveno e precauo parece basear-se numa identidade vocabular e que portantono v vantagens em introduzir no jargo dos juristas uma diferenciao aparente queno encontra correspondncia na linguagem comum. Os verbos precaver e prevenir

    so, na nossa lngua, sinnimos. No esse, no entanto, o caso da lngua inglesa. A, as

    expresses prevention e precaution podem no acalentar o mesmo significado. Estarealidade pode permitir explicar a autonomia do princpio da precauo defendida pelos

    pases de lngua inglesa. No me parece no entanto que a literalidade de umatransposio para a nossa lngua portuguesa, e que tantas vezes no corresponde, como

    parece ser o caso, realidade, possa servir de fundamento criao de um novoprincpio. O Professor entende, pela explicao que acima d, que este no umargumento decisivo e que deve ser procurada a mxima clareza de forma a evitar

    possveis equvocos. Desta forma, necessrio ir alm do sentido das palavras e deforma ampla integrar no contedo do princpio da preveno a lgica defendida no

    princpio da precauo. Ou seja, abrangendo a preveno acontecimentos naturais econdutas humanas que possam vir a lesar o meio ambiente, tanto actuais como futuras.

    A razo de ordem de contedo material deve-se ao facto de no serem oscritrios de distino entre preveno e precauo interpretados da mesma forma, nemos resultados a que se chegaria pela autonomizao da precauo, uma vez que o seu

    prprio contedo carece de certeza. Este tanto pode passar por uma normal ponderaocomo facilmente consistir em interpretaes eco-fundamentalistas. No faz sentido quea distino entre preveno e precauo assente no facto de a primeira se destinar a

    perigos decorrentes de causas naturais, e a segunda em riscos que viriam a ser causados

    por aces humanas. Isto porque na sociedade dos nossos dias, considerada como derisco, frequentemente se verifica um concurso de causas para uma dada leso, no sendopossvel distinguir com certeza e rigor se a leso resulta de condutas humanas ou causasnaturais. No tambm prprio basear a distino no carcter actual ou futuro de umdeterminado risco, uma vez que estes acabam por estar interligados. O Professoracrescenta ainda que a distino no deve igualmente basear-se na ideia de na dvidafavorece-se o ambiente. Pois esta lgica de in dubio pro natura ou in dubio pro ambienteacaba por ser um pouco contrria. Ou o princpio considera a dimenso ambiental dosfenmenos e a encontra-se consagrado e pode ser integrado no contedo da preveno.

    11Que estabelece que a poltica da comunidade () basear-se- nos princpios da precauo e da acopreventiva.

  • 7/28/2019 Post 1 de Direito Do Ambiente

    9/9

    Ou ento consiste numa verdadeira presuno que obrigaria a fazer prova da noexistncia de lesividade a qualquer sujeito que pretendesse levar a cabo uma actividade.Relativamente a esta questo do nus da prova, que no mbito da precauo seriainvertido, o Professor considera-o excessivo devido inexistncia do risco zero emmatria ambiental e ao facto da sua existncia levar a um factor inibidor de qualquermudana. Podendo, inclusivamente, virar-se o feitio contra o feiticeiro ao deixaremde ser desenvolvidas actividades que seriam benficas para a tutela ambiental porinibio devido sobrecarga da prova relativa no lesividade dessa actividade. Porestas razes entende o Senhor Professor que a melhor forma de tutelar o ambiente passa

    por filtrar, sempre com bom senso, algumas preocupaes que se encontramsubjacentes a esta tentativa de separao da precauo da preveno. Desta formaprevenindo-se construes dogmticas do Direito do Ambiente.

    Por ltimo, por razes de tcnica jurdica, uma vez que a preveno vem

    consagrada como princpio constitucional, no sendo esse o caso da precauo. Peloque, a adopo de uma noo ampla do princpio da preveno seria sempre benfica,por constitucionalmente consagrada. Sendo desta forma, e com fundamento, a formamais eficaz de assegurar a melhor defesa possvel do ambiente.

    Em jeito de concluso, mais vale prevenir que remediar e mais vale ainda um

    pssaro na mo, do que dois a voar. Ou seja, mais vale olhar para o princpio da

    preveno como um conceito amplo, do que, baseando-nos na incerteza da precauo,tentar autonomiz-la. E, desta forma, entender o princpio da preveno como estandonele includas tanto a antecipao de leses ambientais de carcter actual como de

    futuro e como considerando este perigos naturais e riscos humanos.

    Bibliografia:

    - SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito-GOMES, Carla Amado, Textos Dispersos de Direito do Ambiente, Volume I, ArtigoDar o duvidoso pelo (in)certo? Reflexes sobre o princpio da precauo-GOMES, Carla Amado, A Preveno prova no Direito do Ambiente, CoimbraEditora, 2000

    -CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes, Introduo ao Direito do Ambiente,Universidade Aberta, 1998-MARTINS, Ana Gouveia e Freitas, O Princpio da Precauo no Direito do Ambiente-BEYERLIN, Ulrich, The Oxford Handbook of International Environmental Law

    Maria Joana RibeiroN 18263