lições de direito do ambiente iii

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  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    1

    SUMRIOS DESENVOLVIDOS DE DIREITO AMBIENTAL

    CAPITULO I - INTRODUO

    1.1 - Conceito de ambiente

    O dicionrio1 define o ambiente como envolvente, o que

    rodeia os corpos por todos os lados ou tudo aquilo que

    envolve os seres vivos e as coisas. Esta definio

    demasiadamente ampla e vaga para os objectivos desta

    disciplina jurdica, na medida em que o direito regula todas a

    componentes e circunstncias que envolvem o homem. Isto

    implicaria dizer que todo o direito seria direito do ambiente.

    Trata-se de um conceito que no serve para o direito do

    ambiente.

    Neste caso, h que se encontrar um conceito de ambiente que

    seja til para o direito do ambiente, devendo ser menos

    amplo que o conceito do dicionrio. Para tal, discutem-se dois

    conceitos de ambiente, sendo o conceito de ambiente numa

    dimenso ampla e o conceito de ambiente numa dimenso

    1 Dicionrio de Lngua Portuguesa. Texto Editores (2006)

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    2

    estrita. Ou seja, pode se falar de conceito amplo e estrito de

    ambiente.

    Por um lado, o conceito estrito de ambiente inclui apenas os

    elementos naturais do ambiente, como gua, ar, solo, subsolo

    fauna e flora. Por outro lado, o conceito amplo inclui no s

    os componentes ambientais naturais (gua, ar, solo, subsolo

    fauna e flora), mas tambm os componentes ambientais

    construdos (patrimnio artstico, cultural, histrico e

    econmico-social). Isto , no inclui apenas os elementos do

    ambiente natural, mas tambm os elementos do ambiente

    construdo. Ainda assim, este conceito de ambiente menos

    amplo que o conceito do dicionrio.

    O conceito amplo tem a vantagem de oferecer um sistema

    global de interpretao completa do mundo e da vida, assim

    como de todos os factores que integram o mundo natural que

    esto relacionados em interaco contnua e profunda. Mas

    tambm, tem a desvantagem de ser encarada a partir de

    muitos pontos de vista, que podem tornar o discurso jurdico

    ambguo e duvidoso.

    Grande parte da doutrina tem optado por um conceito estrito

    de ambiente como sendo mais operacional ao direito,

    justificando a sua posio ideia de que quando foram

    lanadas as bases da proteco jurdica do ambiente e do seu

    desenvolvimento, o que estava em jogo era a garantia da

    preservao e manuteno dos elementos ambientais

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    naturais. Mas, no esta a posio da LBA. A LBA define o

    ambiente como

    O conjunto dos sistemas fsicos, qumicos, biolgicos e suas

    relaes dos factores econmicos, sociais e culturais com efeito

    directo ou indirecto, mediato ou imediato sobre os seres vivos e a

    qualidade de vida dos seres humanos.

    Esta definio corresponde a um conceito amplo de ambiente.

    Nesta definio, esto includos quer os elementos do

    ambiente natural quer os elementos do ambiente construdo.

    uma definio que nos parece ser mais operacional ao

    direito, na medida em que permite ter uma viso mais

    completa sobre as matrias a serem reguladas pelo Direito

    Ambiente. Esta definio legal consentnea ideia de

    desenvolvimento sustentvel, permitido a integrao dos

    factores econmico, social e ambiental. O conceito

    desenvolvimento sustentvel, como veremos mais adiante,

    norteia as normas do direito do ambiente, tendo uma grande

    influncias na sua formulao e implementao.

    1.2 O problema da pr-compreenso do direito

    ambiental

    Na abordagem desta problemtica debatem-se duas

    doutrinas: a concepo antropocntrica e a concepo

    ecocntrica.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    A concepo antropocntrica defende que se forem

    comprometidos os elementos naturais do ambiente, a

    existncia do homem ou pelo menos as suas condies

    mnimas de existncias estariam postas em causa. Ou seja,

    de acordo com esta teoria a tutela do ambiente tem como

    pano de fundo a defesa de valores distintos ao ambiente,

    como a vida e sade humanas. Para os antropocentrista, a

    gesto ambiental deve colocar as necessidades dos seres

    humanos no centro de todas as prioridades. Esta posio

    defendida no Relatrio de Brundtland ao definir o conceito de

    desenvolvimento sustentvel e na seco 2 (2) da Lei sobre

    Gesto Ambiental da frica do Sul2.

    A concepo ecocntrica pretende proteger o ambiente em si,

    como um novo valor autnomo, o que est em causa a

    comunidade bitica e respectivo ambiente no vivo como um

    novo valor jurdico emergente. Trata-se de uma tutela do

    ambiente que no esconde em si tutela de outros valores

    como a vida e a sade humana. O ambiente, neste caso,

    tutelado em si e de per si.

    Contudo, o n. 2 do art. 3. adopta uma posio intermdia,

    na medidas em que estabelece que

    2 Environmental management must place people and their needs at the forefront of its concern, and serve their physical, psychological, developmental, cultural and social interests equitably.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    devido o respeito aos princpios do bem estar a toda populao,

    proteco, preservao e conservao do ambiente e ao uso

    racional dos recursos naturais, cujos valores no podem ser

    subestimados em relao a interesses meramente utilitrios.

    Nesta disposio podemos afirmar a adopo de um

    antropocentrismo que no afasta o ecocentrismo.

    1.3 O ambiente como bem jurdico

    As revolues industriais que introduziram a mquina

    vapor por exemplo, e o consequente desenvolvimento

    tecnolgico e do crescimento demogrfico que tiveram como

    consequncia o aumento do consumo e da procura pelos

    recursos naturais. Esta procura gerou uma crescente presso

    da actividade humana sobre o ambiente causando sobre si

    numerosos impactos negativos. Estes acontecimentos

    colocaram na ordem do dia a questo da sustentabilidade dos

    recursos naturais.

    Para garantir a sustentabilidade dos recursos naturais, assim

    como preservar e promover o ambiente, houve necessidade de

    elevar o ambiente qualidade de bem jurdico digno de tutela

    jurdica enquanto valor em si.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    Segundo Canotilho (1998:197), o bem jurdico a expresso

    de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na

    manuteno ou integridade de certo estado, objecto ou bem

    em si mesmo reconhecido como socialmente relevante e por

    isso juridicamente reconhecido como valioso.

    Nesta perspectiva, a tutela do ambiente embora possua uma

    dimenso individual deve sempre ser visto como um bem

    jurdico da colectividade. Neste caso, fala-se da socializao

    do ambiente relevante para a ideia de interesse social ou

    colectivo da comunidade.

    No est em causa a tutela de valores como a vida, a sade

    ou a propriedade das pessoas, mas sim a tutela imediata de

    valores ambientais, visto que o ambiente actualmente um

    bem jurdico protegido de forma autnoma.

    A transcendncia do ambiente aos interesses individuais a ele

    conexos permite que a sua dimenso colectiva seja

    irredutvel. No se pode reduzir a tutela do ambiente, tutela

    da vida, sade, patrimnio e desenvolvimento econmico e

    tecnolgico. Embora estes valores possam ser prosseguido

    pela tutela estabelecida por uma norma ambiental, no quer

    dizer que este seja o fim nico e imediato desta tutela. O fim

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    imediato a proteco do ambiente em si. Os recursos

    naturais hoje j no pode ser utilizados sem regras, tem uma

    tutela jurdica de modo a tornar a sua utilizao de mais

    racional e sustentvel. Por isso, o ambiente tem consagrao

    jurdico-constitucional (artigo 39. da CRA).

    1. 3 O conceito de Direito do Ambiente

    A ecologia como fonte de normao, no pode deixar de ser a

    base de interpretao na aplicao da norma.

    Para Peres Moreno, o Direito do Ambiente o ordenamento

    jurdico que garante e disciplina o gozo colectivo inerente aos

    bens ambientais zelando pela sua integridade.

    A pare deste Autor, Joo Ferreira Reis apresenta um conceito

    estrito de Direito do Ambiente. Para o Autor, o Direito do

    Ambiente um sistema de normas jurdicas que tm

    especialmente em vista as relaes do homem com o meio,

    prosseguindo os objectivos de conservao da natureza,

    manuteno dos equilbrios ecolgicos, salvaguarda do

    patrimnio gentico, proteco dos recursos naturais e o

    combate as diversas formas de poluio. Este um conceito

    que atende ao conceito em sentido restrito de ambiente,

    porque parte-se do pressuposto de que os elementos

    artificiais do conceito amplo de ambiente so abordados por

    outras disciplinas jurdicas, como o direito do ordenamento

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    do territrio, direito do urbanismo, direito do patrimnio

    histrico e cultural, entre outros.

    Em sentido contrrio, Fernando dos Reis Condesso define o

    direito do ambiente como um conjunto de normas jurdicas

    que enquadram o relacionamento dos homens com os

    elementos naturais e artificiais do ambiente, que

    condicionam directa ou indirectamente os seres vivos em

    geral e a qualidade humana. Este conceito perfilha a ideia de

    conceito amplo de ambiente, adoptando uma viso

    antropocntrica que no exclu a proteco da natureza,

    essencialmente da prpria vida do homem e a sua qualidade,

    assim como a subsistncia do gnero humano. Para o Autor,

    o direito do ambiente um direito de matriz ecolgica,

    tendencialmente paranatural, na medida em que no

    apenas antropocntrica e do presente mas protege cada vez

    mais os seres vivos e a natureza enquanto tal. Afirma-se que

    Condesso defende um antropocentrismo ecolgico que rejeita

    a viso instrumentalizadora, economicista ou utilitarista da

    natureza ao considerar que o ambiente deve ser tutelado pelo

    direito como tal e que a sua preservao tambm constitui

    uma condio da realizao da dignidade da pessoa humana.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    1.4 - Caractersticas do direito ambiental

    1.4.1 - Direito novo

    No se pode estranhar a existncia de normas jurdicas que

    protegem o ambiente desde os tempos recuados, pois o

    homem polui a natureza desde milnios. Destaca-se a

    existncia de tabus e situaes relacionadas com a gesto

    durvel dos recursos naturais, como o caso da agricultura

    praticada em regimes de pousios em algumas regies e

    culturas do pas.

    Francois Ost aponta a existncia do direito florestal nascido

    na Babilnia em 1900 a.c; o cdigo hitita redigido de 1380

    1346 a.c. que contem disposies relativas a poluio da

    gua. Outras legislaes milenares so as recomendaes

    imperial para a conservao de florestas da dinastia Chow

    (1.122 a.c 255 a.c). Acresce-se a criao da primeira reserva

    natural de 1370 a.c. criada pelo fara Ackenatanou. No sec.

    III foi publicada a primeira lei de proteco de diferentes

    espcies de animais selvagens por edito do Imperador Indiano

    Asoka .

    Apesar disto, o direito ambiental tal como hoje se concebe

    um direito constitudo por normas crescentes. um direito

    novo, isto , ainda no sedimentado, cuja a dogmtica de

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    conceptualizao comeou a densificar-se a partir da dcada

    de 70.

    Em Angola, a nvel do direito positivo, s a partir da LC de

    1992 e da Lei das Actividades Geolgicas e Mineiras que

    comea a ser colocada a problemtica da tutela do ambiental.

    A nvel do ensino, o Direito Ambiente s includo como

    disciplina curricular com o surgimento das Universidades

    Privadas, nos anos de 1999 2000. A Universidade Agostinho

    Neto como sendo a primeira universidade em Angola continua

    a no ter a disciplina de Direito do Ambiente no seu plano

    curricular. A Universidade Metodista de Angola incluiu esta

    disciplina no seu currculo em conjunto com o Direito do

    Urbanismo, sendo leccionadas pela primeira vez, no ano

    lectivo de 2011.

    1.4.2 Direito disperso

    O Direito do Ambiente um direito disperso por estar

    constitudo por um nmero extenso de diplomas normativos.

    Esta disperso dificulta a codificao do direito do ambiente.

    Devido a sua horizontalidade tem muitas normas avulsas ou

    extravagantes, isoladas em diplomas que visam regular

    muitos aspectos da vida social, das actividades humanas

    nomeadamente do campo econmico, sanitrio, ordenamento

    territorial, urbanismo, patrimnio cultural, habitao.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    1.4.3 Direito Experimental e Revisvel

    um direito experimental e revisvel por natureza (dado o

    aprofundamento contnuo dos conhecimentos sobre a

    ecologia e as tecnologias para responder aos vrios

    problemas) e pelas limitaes da sua concretizao

    (confiscada pela gnese negocial das suas normas de

    contedo mnimo normalmente toleradas pelas organizaes

    econmicas, mas distintas do que, no momento normativo, j

    se devia considerar necessrio, em face das exigncias

    ecolgicas)

    um direito de complexidade crescente e evolutivo, por ser

    de base ecolgica, ao passo que o seu objecto depende e

    influenciado pela ecologia.

    1.4.4 Autonomia do Direito do Ambiente

    A questo da autonomia do direito ambiental no tem sido

    pacfica. Duas correntes tm discutido esta questo: os

    negativistas e positivistas. Os negativistas rejeitam

    autonomia ao direito ambiental, afirmando-o como sendo um

    conjunto de normas e de institutos pertencentes aos vrios

    ramos de direito reunidos pela sua funo instrumental, por

    regular o comportamento do homem em relao ao meio.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    Em defesa desta perspectiva destaca-se:

    a) Michael Prieur que defende o direito ambiental um

    direito de reagrupamento.

    b) Diogo Figueiredo defende que enquanto direito ecolgico

    no se deve conferir autonomia cientfica por lhe faltar

    princpios jurdicos e mtodos prprios, situando-se este

    direito num ramo de direito meramente informativo. No

    devemos concordar com esta afirmao, pois como mais

    adiante veremos o direito ambiental est norteado por

    princpios prprios que s so estudados neste ramo de

    direito, assim como um mtodo especfico.

    c) Tochio Mukai afirma que a natureza interdisciplinar do

    direito ambiental afasta a sua caracterizao como um

    ramo de direito autnomo, face aos lugares de destaque

    que tm as normas de direito privado e do direito penal

    nesta rea do saber. um direito horizontal que cobre

    os diferentes ramos de direito (privado, pblico e

    internacional) e um direito de interaces que tende a

    penetrar em todos os sectores do direito para neles

    introduzir ideias ambientais.

    d) Para Sousa Franco, o direito ambiental apenas um

    conjunto horizontal e materialmente determinada de

    tpicos princpios, regras e situaes jurdicas

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    pertencentes a diversos ramos de direito (direito

    constitucional, administrativo, financeiro, civil).

    e) Ainda dentre os negativistas, Vasco da Pereira da Silva

    questiona a autonomia cientifica do Direito Ambiental

    mas reconhece a sua autonomia pedaggica. Sustenta o

    Autor que apesar de o Direito Ambiental comear a dar

    os primeiros passos para a formao de uma dogmtica

    prpria (veja-se o desenvolvimento da doutrina de

    princpios prprios e procedimentos administrativos

    especficos e autnomos como o da AIA e do

    licenciamento ambiental) o factor aglutinador (defesa do

    ambiente) que se move ao lado deste no pode ser visto

    como fundamento bastante para se reconhecer

    autonomia dogmtica ou cientifica ao direito ambiental

    que, na sua perspectiva, continua a ser amplamente

    tributrios do estudo das questes ambientais, de

    acordo com a metodologia prpria de cada ramo de

    direito acrescendo-se ainda o seu carcter

    multidisciplinar. Para justificar a autonomia pedaggica

    do Direito Ambiental, Vasco Pereira da Silva sustenta-se

    oo facto de ser um ramo de direito estudado como

    disciplina nos diversos currculos acadmicos das mais

    diversas faculdades de direito do mundo.

    J para os positivistas, o direito ambiental um ramo de

    direito autnomo. Nesta perspectiva destaca-se Gomes

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    Canotilho que ao defender a autonomia dogmtica e

    sistemtica deste ramo de direito ressalta a sua autonomia

    relativa por entender ser um direito que implica

    necessariamente a reviso dos institutos, das tcnicas e

    instrumentos dogmticos clssicos de outros ramos de

    direito.

    No mesmo sentido Fernando Condesso ressalta que um

    ramo de direito tendencialmente autnomo apesar de

    manter fortes relaes com outros ramos de direito, donde

    resultam as normas que constituem o seu objecto.

    No se deve, porm, perder de vista a ideia de que todo

    direito interdisciplinar at mesmo porque os chamados

    ramos do direito clssico no sobrevivem sem recorrer a

    conceitos e a experincia de outros ramos de direito ou de

    cincias no jurdicas. Veja-se o fenmeno da publicizao

    da esfera privada e da privatizao da esfera pblica no

    mbito das relaes do direito civil e o direito

    administrativo.

    Assim o direito ambiental estabelece relaes com os

    seguintes ramos do direito:

    A) Direito Internacional Pblico - no qual se sobressai o

    direito internacional ambiental cujas normas so

    consideradas verdadeiras fontes do direito interno

    ambiental. Ou seja, o Direito do Ambiente evoluiu a

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    partir de Direito Internacional do Ambiente e mantm

    forte relaes com o Direito Internacional Pblico por

    fora dos artigos 13. e 26. da CRA.

    B) Direito Constitucional - a Lei Constitucional da

    Repblica de Angola consagra um conjunto de

    normas e princpios constitucionais que do lugar ao

    chamado direito constitucional ambiental.

    C) Direito Penal - neste ramo de direito encontram-se

    normas penais que formam o direito sancionatrio

    ambiental, pois em diversas legislaes at mesmo na

    Lei de Bases do Ambiente encontramos disposies

    que apontam para tipificao de certos

    comportamentos lesivos ao ambiente como crimes

    ambientais. Esta a viso do ante-projecto de cdigo

    penal.

    D) Direito Econmico, Financeiro e Fiscal - onde se

    colocam um novo paradigma de relacionamento entre

    a economia e a ecologia ressaltando princpios como o

    do poluidor pagador, do desenvolvimento sustentvel

    e do uso racional dos recursos naturais.

    E) Direito civil - a sua relevncia para o direito

    ambiental dos dias de hoje bastante e resulta do

    surgimento do chamado direito civil ambiental,

    bastando olhar para o efeito para as figuras da

    responsabilidade civil por danos ambientais.

    F) Direito administrativo - grande parte das normas do

    direito ambiental so tributrias no direito

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    administrativo, veja-se a prpria ideia do

    procedimento de licenciamento ambiental, de

    avaliao do impacto ambiental que so verdadeiros

    procedimentos administrativos especiais, assim como

    da organizao e funcionamento dos rgos e servios

    da administrao pblica com competncias em

    matria ambiental

    Segundo Condesso, existem certas especificidades que

    permitem justificar a autonomia do direito ambiental, a

    saber:

    a) Especificidade em termos de valor protegido -

    o bem jurdico ambiente enquanto valor

    protegido pelo direito do ambiente tutelado de

    forma autnoma como bem da comunidade dos

    viventes, abrangendo valores e interesses

    integrantes do interesse geral da sociedade.

    b) Especificidade em termos do seu contedo -

    um direito que implica direitos de outros seres

    vivos que no apenas o homem, assim como de

    seres vindouros, que ainda no existem

    (perspectiva do desenvolvimento sustentvel).

    um direito que no se limita regular as relaes

    entre os homens mas tambm deste com a

    natureza.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    17

    c) Especificidade na conteno dos objectivos -

    os objectivos necessrios do direito ambiental

    tm cedido em parte, quando envolvem

    interesses economicamente poderosos ao

    compromisso entre as empresas e o Estado. Por

    isso, um direito negociado, no seu contedo e

    vacatio legis, por vezes, muito extensa quando

    no protelada. o caso do desenvolvimento

    sustentvel cujo mrito informador tem

    revitalizado a proteco do bem ambiente que

    muitas vezes camufla a aceitao pelas

    autoridades pblicas de presses econmicas no

    campo da poluio e envenenamento para alm

    do admissvel (ex: veja-se como exemplo o caso

    da agricultura qumica causadora do fenmeno

    das doenas cancergenas). um direito que

    no vive do necessrio mas do tolervel.

    d) Especificidades em termos de princpios

    fundamentais - o direito ambiental est

    informado por princpios que no so estudados

    no mbito de outros ramos de direito. Veja-se a

    ttulo de exemplo, os princpios da preveno,

    precauo, da correco na fonte, do poluidor

    pagador, do desenvolvimento sustentvel, do

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

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    uso racional dos recursos naturais, dentre

    outros.

    e) Especificidades em termos do contributo de

    todos os ramos clssicos do direito e da sujeio

    intensas das aquisies das cincias da

    natureza

    1.4.5 - Direito de interveno radical

    um direito de interveno radical porque tem que ir a raiz

    da coisa, a origem, a fonte das poluies. por fora desta

    caracterstica que se fala dos princpios da correco na

    fonte, da preveno e precauo

    1.4.6- Direito estratgico

    um direito estratgico porque exige intervenes

    programadoras e panificadoras para atingir os seus

    objectivos. Por isso, se afirma que um direito prospectivo

    porque s se concebe a partir da necessidade de se proteger o

    no direito das geraes actuais de prejudicar o direitos

    ambientais dos homens e seres vivos do amanha.

    1.4.7- Direito de sancionamento administrativo e

    criminal

    um direito de sancionamento administrativo e criminal

    porque para tornar efectivas as suas prescries recorre

    varias vezes as sanes administrativas (multas, embargo e

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    19

    apreenses) e as sanes criminais penais.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    20

    CAPITULO II - A CONSTITUIO AMBIENTAL

    2.1- Introduo

    A Constituio funciona como a base do nosso ordenamento

    jurdico, pois nela encontramos um conjunto de normas e

    princpios que o norteia. Neste captulo, vamos procurar

    estudar como alguns Pases da SADC abordam a questo

    ambiental nas respectivas Constituies, nos quais

    escolhemos a Nambia, frica do Sul e Moambique.

    Trataremos tambm de analisar como a LC de 1992 e a CRA

    abordam a questo ambiental, estabelecendo as diferenas

    entre as disposies pertinentes LC de 1992 e CRA de 2010,

    seguindo-se de um estudo aprofundado do art. 39. da CRA

    de 1992.

    2.2 - A questo ambiental nas constituies de alguns

    pases da SADC

    2.2.1 Nambia

    A nvel da frica Austral, a Nambia, logo que alcanou a

    independncia em 1990, foi precursora na consagrao da

    questo ambiental na respectiva Constituio. Distintamente

    de outras constituies nas quais a questo ambiental est

    prevista no captulo referente s liberdades e direitos

    humanos fundamentais, a Constituio Namibiana prev a

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    21

    tutela do ambiente no captulo dos princpios sobre as

    polticas do Estado, nos seguintes termos:

    The State shall actively promote and maintain the welfare of the people

    by adopting, inter alia, policies aimed at the following:

    ()

    (I) maintenance of ecosystems, essential ecological processes and

    biological diversity of Namibia and utilization of living natural resources

    on a sustainable basis for the benefit of all Namibians, both present and

    future; in particular, the Government shall provide measures against the

    dumping or recycling of foreign nuclear and toxic waste on Namibian

    territory.3

    Segundo Glasewisk (2009:71), embora tenha jogado um papel

    importante na formulao da poltica e legislao ambiental

    da Nambia, esta norma ainda no foi invocada em Tribunal.

    2.2.2 Moambique

    A Constituio Moambicana consagra o direito do ambiente

    no captulo referente aos direitos econmicos, sociais e

    culturais, ao lado, nomeadamente, dos direitos de

    propriedade, educao, sade, habitao e urbanizao. O

    art. 90. desta Constituio estabelece o seguinte:

    1. Todo o cidado tem o direito de viver num ambiente equilibrado e o

    dever de o defender.

    3 Artigo 95 da Constituio Namibiana

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    22

    2. O Estado e as autarquias locais, com a colaborao das

    associaes de defesa do ambiente, adoptam polticas de defesa

    do ambiente e velam pela utilizao racional de todos os recursos

    naturais.

    2.2.3 frica do Sul

    A Constituio de Sul Africana prev os direitos ambientais

    na seco 24 localizada no captulo o Bill of Rights, nos

    seguintes termos:

    (1) Everyone has the right:

    (a) to an environment that is not harmful to their health or well-being; and

    (b) to have the environment protected, for the benefit of present and future

    generations, through reasonable legislative and other measures that: (i) prevent

    pollution and ecological degradation; (ii) promote conservation; and (iii) secure

    ecologically sustainable development and use of natural resources while

    promoting justifiable economic and social development.

    Alm do seu papel na formulao e implementao da legislao e

    da poltica ambiental na frica do Sul, esta constitui uma das

    poucas disposies constitucionais relativas tutela do ambiente na

    SADC que j foi numerosas vezes invocada em Tribunal. O que

    considera-se um exemplo a ser seguido noutros pases da SADC.

    2.3 O ambiente na LC de 1992 (art. 24.)

    A LC de 1975 e as respectivas revises no fizeram qualquer

    aluso questo ambiental. Em termos constitucionais, a

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    23

    questo ambiental foi pela primeira vez adoptada na LC de

    1992. O art. 24. desta LC estabelecia:

    1. Todos os cidados tm o direito de viver num ambiente sadio e no

    poludo.

    2. O Estado adopta as medidas necessrias a proteco do ambiente

    e das espcies da flora e da fauna nacionais em todo territrio

    nacional e a manuteno do equilbrio ecolgico.

    3. O Estado pune os actos que lesem directa ou indirectamente ou

    ponham em perigo a preservao do meio ambiente.

    Apesar desta consagrao constitucional do ambiente, LC de

    1992 no fez qualquer referncia expressa ao

    desenvolvimento sustentvel. Para a Professora Coelho

    (2007:664-665), ainda que no tivesse referncia expressa na

    LC de 1992, o princpio do desenvolvimento vinha claramente

    consagrado na LC nos artigos 1, 7,4 9, 5 106 e 11/3.7 Com

    4 . Ser promovida e intensificada a solidariedade econmica, social e cultural

    entre todas as regies da Repblica de Angola, no sentido do desenvolvimento

    comum de toda a Nao angolana.

    5 . O Estado orienta o desenvolvimento da economia nacional com vista a

    garantir o crescimento harmonioso e equilibrado de todos os sectores e regies

    do pas, a utilizao racional e eficiente de todas as capacidades produtivas e

    recursos nacionais, bem como a elevao do bem estar e qualidade de vida dos

    cidados.

    6 . O sistema econmico assenta na coexistncia de diversos tipos de

    propriedade, gozando todos de igual proteco. O Estado estimula a

    participao, no processo econmico, de todos os agentes e de todas as formas

    de propriedade (pblica, privada, mista, cooperativa e familiar), criando as

    condies para o seu funcionamento eficaz no interesse do desenvolvimento

    econmico nacional e da satisfao das necessidades dos cidados.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    24

    efeito, a LC estabelece o objectivo do progresso social no art.

    1 e depois do desenvolvimento econmico e social. Mas,

    afirma a Professora Coelho, se atendermos aos trs

    componentes do desenvolvimento sustentvel (econmico,

    social e ecolgico), indubitvel que a LC se preocupou com a

    vertente econmica do desenvolvimento (crescimento

    harmonioso e equilibrado) e tratou-o essencialmente a

    propsito do estatuto das empresas, muito embora o elenco

    de direitos fundamentais8 e a sua garantia jurdica (art. 43) e

    material (art. 50) tambm sejam relevantes em matria do

    desenvolvimento, no sentido abrangente e inclusivo de

    desenvolvimento comum de toda a Nao angolana (art.

    7).

    Ainda que, em termos jurisprudencial, esta disposio no

    tenha sido invocada em tribunal, jogou um papel

    fundamental na elaborao da poltica e legislao sobre a

    gesto ambiental e dos recursos naturais.

    2.4 O ambiente na CRA (art. 39.)

    A CRA estabelece a proteco do ambiente e dos recursos

    naturais como uma das tarefas fundamentais do Estados

    7 . 3. O Estado incentiva o desenvolvimento da iniciativa e da actividade

    privada, mista, cooperativa e familiar criando as condies que permitam o

    seu funcionamento, e apoia especialmente a pequena e mdia actividade

    econmica, nos termos da lei.

    8 . Arts 18-52.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    25

    (art. 21., al. m)). Alm disso, consagra genericamente a

    questo ambiental no captulo II, referente aos direitos,

    liberdades e garantias fundamentais, particularmente na

    seco I deste captulo atinente aos direitos e liberdades

    individuais e colectiva onde est localizado o art. 39.. este

    art. estabelece que,

    1. Todos tm o direito de viver num ambiente sadio e no poludo,

    bem como o dever de o defender e preservar.

    2. O Estado adopta as medidas necessrias proteco do

    ambiente e das espcies da flora e da fauna em todo o territrio

    nacional, manuteno do equilbrio ecolgico, correcta

    localizao das actividades econmicas e explorao e

    utilizao racional de todos os recursos naturais, no quadro de

    um desenvolvimento sustentvel e do respeito pelos direitos das

    geraes futuras e da preservao das diferentes espcies.

    3. A lei pune os actos que ponham em perigo ou lesem a

    preservao do ambiente.

    2.5 Comparao do art. 24. da LC com o art. 39 da CRA

    O artigo 39. da CRA continuou a consagrar o mesmo

    pensamento filosfico do art. 24. da LC. Porm, o contedo

    do art. 39. mais amplo que do artigo 24.. Se no, vejamos:

    a) O art. 24. restringe a titularidade do direito de viver

    num ambiente sadio e no poludo apenas a cidado

    angolanos, da presente gerao, enquanto a utilizao

    do termo todos no seguido do cidado implica

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    26

    afirmar que o art. 39. estende a titularidade destes

    direitos tambm aos estrangeiros que se encontrem no

    territrio nacional.

    b) Distintamente do art. 24., o artigo 39. alm de conferir

    direito ao ambiente, impe a todos o dever de defender e

    preservar o ambiente.

    c) Enquanto o n. 2 do art. 39. refere expressamente o

    desenvolvimento sustentvel, correcta localizao das

    actividades econmicas, explorao e utilizao racional

    de todos os recursos naturais e o respeito pelos direitos

    das geraes futuras e da preservao das diferentes

    espcies, o art. 24. evita referncia a estes elementos.

    2.6 Significado do art. 39.

    2.6.1 Todos tm o direito.

    2.6.1.1 Direitos dos seres humanos e outros entes?

    A utilizao do termo todos no art. 39., levanta muitas

    questes do ponto de vista ambiental.

    Desde logo uma questo tica e filosfica a de saber se o

    termo todos inclui os seres humanos apenas ou se tambm

    engloba outros seres vivos ou mesmo o ambiente no vivos. A

    outra questo a de saber o termo todos se limita a

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    27

    presente gerao ou se tambm susceptvel de abarcar as

    futuras geraes.

    Respondendo a primeira questo, as teorias do deep

    ecology9 e do eco-centrismo extremo defendem que os

    direitos ambientais so titulados por todos os seres vivos,

    incluindo os seres humanos. Regan (citado por Glazewski,

    2009:73) afirma que apenas os seres com valor inerente tm

    direito.

    Contrariamente, os antropocentristas defendem que os

    direitos ambientais dizem apenas respeito aos seres

    humanos. Embora a Constituio e a LBA (art. 3/2) tenham

    adoptado uma perspectiva intermdia entre o ecocentrismo e

    o antropocentrismo10, esta posio parece ser a que tem

    acolhimento na nossa ordem jurdica. Segundo Glazewski

    (2009:73) os direitos reconhecidos a outros seres que no

    sejam os humanos, so actualmente considerados em todos

    os ordenamentos jurdicos, num ponto de vista moral do que

    9 Ecologia profunda. Simba (2011:35) explica a teoria do deep ecology nos

    seguintes termos: To characterize this theory, Naess (quoted by Pete9)9

    defined seven principles9. The second principle refers to the ethos of

    biospherical egalitarianism. Pete9, citing Mathews, describes this principle as

    an ethic of interrelatedness, according to which all forms of life are equally

    entitled to live and blossom. Human beings are not morally privileged in any

    way in this ecological scheme of things other life forms are just morally

    considerable as we are

    10 No sentido de no subestimar os valores ambientais a interesse meramente

    utilitrios.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    28

    jurdico. Contudo a CRA, LBA e demais legislao impem a

    todos o dever de respeitar e preservar as espcies da fauna e

    da flora.

    Quanto a segunda questo, a CRA reconhece na parte final

    do n. 2 do art. 39. direitos s futuras geraes. Esta posio

    de afirmao das futuras geraes como novos sujeitos de

    direitos ao ambiente constitui uma das grandes novidades

    que este texto constitucional nos apresenta, se bem que esta

    reflexo tenha j encontrado respaldo no direito costumeiro

    de alguns povos Bantu que afirma a terra como um elo de

    ligao entre os antepassado e a presente geraes, sendo

    esta simplesmente gestora delas em benefcio das futuras

    geraes (Altuna:145).

    2.6.1.2 Todos o problema da legitimidade

    processual

    O termo todos levanta tambm o problema de legitimidade

    que a sua verso tradicional adoptada no artigo 26. do CPC

    pode constituir um obstculo s pessoas individualmente

    consideradas ou organizadas em associaes de interporem

    aces em defesa do ambiente ou dos direitos das futuras

    geraes. Nos termos deste art. do CPC, a pessoa tem que

    demonstrar ao Tribunal algum grau de interesse pessoal ou

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    29

    patrimonial na interposio de uma aco cvel ou do

    contencioso administrativo.

    O art. 74. da CRA respeitante aco popular resolve

    definitivamente este problema, ao estabelecer que:

    Qualquer cidado, individualmente ou atravs de associaes

    de interesses especficos, tem direito aco judicial, nos casos

    e termos estabelecidos por lei, que vise anular actos lesivos

    sade pblica, ao patrimnio pblico, histrico e cultural, ao

    meio ambiente e qualidade de vida, defesa dos

    consumidores, legalidade dos actos da administrao e

    demais interesses colectivos.

    Esta disposio corresponde um instrumento de

    concretizao do dever de defender e preservar o ambiente

    que a parte final do n. 1 do art. 39. da CRA impe a todos.

    Embora entenda-se que o art.74. pretendeu atribuir o direito

    de aco popular apenas aos cidados nacionais.

    2.6.1.3 Todos O problema da fora jurdica do

    direito ao ambiente.

    O problema aqui levantado no sentido de saber se o direito

    ao ambiente tem aplicao com efeito vertical ou apenas com

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    30

    efeito horizontal11. Ou seja, ser que este direito vincula

    apenas o Estado ou se vincula tambm os particulares.

    A expresso da parte final do n. 1 do art. 39., segundo qual,

    todos tm o dever de defender e preservar o ambiente pode

    implicar a ideia de que este direito pode vincular tanto o

    Estado como os particulares.

    Contudo, esta questo est claramente absolvida no art.

    28./1, nos termos do qual:

    1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais . vinculam todas as entidades pblicas e privadas.

    Isto quer dizer que os direitos ambientais podem ser directa e

    imediatamente aplicado nas disputas entre particulares ou

    entre o Estado e particulares. Relativamente s disputas

    entre particulares, veja-se nos casos do direito de vizinhana

    em um particular causa poluio atmosfrica susceptvel de

    afectar negativamente o direito de outra pessoa de viver num

    ambiente sadio e no poludo.

    Em termos jurisprudenciais, na frica do Sul, o Juiz, no

    Woodcarb case12, corroborou com esta posio, afirmando

    11 Glazewski (2009:74) distingue os direitos de aplicao horizontal e verticais.

    12

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    31

    que uma contraveno Atmospheric Pollution Prevention

    Act 45 of 1965 (Lei sobre a Preveno da Poluio

    Atmosfrica) constitua uma violao do direito do queixoso

    em viver num ambiente no prejudicial sua sade e bem

    estar nos termos da Constituio Transitria da frica do Sul,

    de 1994.

    2.6.2 Natureza dos direitos ambientais na CRA

    A abordagem da natureza dos direitos ambientais passa pela

    abordagem genrica da natureza dos direitos.

    Tradicionalmente, os direitos humanos fundamentais esto

    divididos em 3 geraes ou categorias. Os direitos da primeira

    gerao ou direitos azuis so os direitos civis e polticos dos

    indivduos nos quais inclumos os direitos a vida, a

    igualdade, integridade fsica e liberdade de associao. So

    direitos que impem ao Estado ou outras entidades o dever

    de absterem-se de praticar actos que atentem contra o seu

    contedo, no requerendo do Estado qualquer aco positiva

    para a sua realizao.

    Os direitos da segunda gerao so os direitos econmicos,

    sociais e culturais que, entre outros, incluem os direitos

    alimentao, trabalho, assistncia mdica e habitao. Estes

    direitos requerem uma aco positiva do Estado para a sua

    realizao. Estes so os chamados direitos programticos

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    32

    cuja aplicao pelos Tribunais tem sido controversa. Os

    direitos da terceira gerao ou os direitos verdes so

    aqueles exercitveis como direitos de um grupo nos quais

    incluindo os direitos ao desenvolvimento, direitos ambientais

    e o direito paz. So os direitos dos povos ou de

    solidariedade ou seja, so mais direitos colectivos do que

    individuais. So direitos dos povos e de solidariedade.

    Os direitos ambientais atravessam todas as geraes13. Ou

    seja pode ser includo na primeira, segunda e terceira

    geraes, podendo assim, ter uma dimenso positiva e

    negativa.

    A dimenso negativa destes direitos impe a todos os

    interessados o dever de praticarem actos que atentem contra

    o seu contedo. Esta dimenso est afirmada na expresso

    utilizada na primeira parte do n. 1 e no n. 2, todos do art.

    39. da CRA14 bem como na localizao dos direitos

    ambientais na CRA. Conforme vimos anteriormente, a CRA

    consagra os direitos ambientais no captulo II, referente aos

    direitos, liberdades e garantias fundamentais,

    particularmente na seco I deste captulo atinente aos

    13 Para mais discusses, vide Simba (2011:18), Kidd (2009:19); Birnie et al.

    (2009:271-272); Glazewisk (2005:70, 72 e 75) que categorizam os direitos

    ambientais e do desenvolvimento sustentvel nos direitos de primeira,

    segunda e terceira geraes.

    14 Todos tm o direito de .

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    33

    direitos e liberdades individuais e colectivas. Ou seja esta

    seco parece tratar dos direitos da primeira e da terceira

    geraes. Enquanto direitos da primeira gerao, os direitos

    ambientais tm uma dimenso de direitos individuais

    pertencente a cada membro da comunidade.

    Os direitos ambientais so direitos de terceira gerao. Alm

    da localizao deste direito, esta afirmao reforada pelo

    disposto no n. 74. da CRA. Este art. caracteriza os direitos

    ambientais como sendo um direito difuso ao qual se confere o

    direito de aco a todos os cidados, individualmente

    considerados ou associados em organizaes de defesa de

    interesses especficos. Os direitos difusos so aqueles que

    pertencem a todos. Os direitos ambientais tm esta natureza,

    pois o ambiente pertence a todos. Nesta vertente, os direitos

    ambientais so direitos colectivos, pertencentes

    comunidade, a grupos ou ao Estado.

    Na dimenso positiva, os direitos ambientais impem ao

    Estado o dever de praticar actos tendentes a sua realizao.

    Este sentido est espelhados no n. 2 do art. 39. da CRA,

    segundo o qual

    O Estado adopta a medidas necessrias

    Este enunciado indica que os direitos ambientais so tambm

    direitos de realizao progressiva. Ou seja, afirma-se aqui o

    carcter de direito econmico e social aos direitos ambientais.

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    34

    2.6.3 - Todos tm um direito de viver num

    ambiente

    A CRA refere-se de forma genrica ao ambiente nos artigos

    21., al. m) e 39., mas no define o ambiente. O ambiente

    est definido no n. 2 do anexo da LBA, segundo o qual

    o ambiente o conjunto dos sistemas fisicos, qumicos,

    biolgicos e suas relaes e dos factores econmicos, sociais e

    culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato

    sobre os seres vivos e a qualidade de vida dos seres humanos.

    Esta definio de ambiente, mais uma vez, corresponde a

    conceito amplo de ambiente susceptvel de abarcar os

    elementos naturais e construdos do ambiente.

    2.6.4 De viver num ambiente sadio e no poludo

    Muitas disposies constitucionais que tratam do direito a

    sade e proteco social (art. 77.), habitao e qualidade

    de vida (art. 85.) e justia social (90.) podem ser invocadas

    em aces onde se discutam questes ambientais.

    O n. 21 do anexo da LBA define a poluio como sendo a

    deposio no ambiente de substncias ou resduos,

    independentemente da sua forma, bem como a emisso de

    luz, som e outras formas de energia, de tal modo e em

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    35

    quantidade tal que o afecta negativamente. Este particular

    ambiente pode causar danos a sade de uma pessoa. Veja-se

    os casos de poluio das guas, do ar ou depsito de

    substncias ou resduos perigosos numa dada rea.

    Contudo, importa distinguir a sade referida no artigo 39.

    da do art. 77. da CRA. A sade referida no art. 39. mais

    ampla que a referida no art. 77., podendo abarcar inclusive

    os casos de sade do 77.. Este termo sade refere-se ideia

    nebulosa de qualidade do ambiente cuja garantia da

    responsabilidade do Ministrio do Ambiente. Foi este tipo de

    sade que foi invocada no Verstappen case no qual foi

    solicitado um Tribunal Sul Africano que ordenasse s

    autoridades locais a cessao do depsito de resduos slidos

    nas proximidades das residncias dos requerentes que

    estavam a afectar seriamente a sua sade. Distintamente, o

    direito a sade do art. 77. se refere ao direito assistncia

    mdica e medicamentosa sob responsabilidade do Ministrio

    da Sade.

    Ligado ao ambiente sadio, embora no previsto

    expressamente no art. 39., o direito qualidade de vida

    previsto no art. 85.. O n. 24 do anexo da LBA define a

    qualidade de vida como o resultado da interaco de

    mltiplos factores no funcionamento das sociedades

    humanas que se traduz no bem-estar fsico, mental e social e

    na afirmao cultural do individuo. Este direito mais

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    36

    amplo que o direito de viver num ambiente sadio, podendo

    abarcar direitos atinentes ao acesso a gua, alimentao,

    sade, lazer, habitao e saneamento bsico. Este direito diz

    respeito a natureza e personalidade das pessoas, podendo

    ainda abarcar as ideias de essncia do ambiente e sentido de

    integridade ambiental, no sentido de que devemos utilizar o

    ambiente numa maneira moralmente responsvel. A

    jurisprudncia Sul Africana, referiu-se ao direito a qualidade

    de vida no Hichange Case no qual o Juiz afirmou que

    ningum obrigado a trabalhar num ambiente de fedor e

    que, do seu ponto de vista, um ambiente contaminado de H2S

    adverso ao bem-estar.

    2.6.5 O Estado adopta medidas necessrias ..

    A grande questo que se coloca a de saber que medidas

    devem ser adoptadas. Mais uma vez, no BP Southern Africa e

    no Grootboom cases, a jurisprudncia Sul Africana

    respondeu a esta questo. No primeiro caso, o Juiz afirmou

    que as medidas que devem ser adoptadas pelo Estado devem

    ser capazes de facilitarem a realizao de direitos. No

    segundo caso, o Juiz afirmou que ao Estado requere-se que

    tome medidas legislativas racionais e outra medidas. As

    medidas legislativas no parecem constituir cumprimento do

    mandato constitucional. Meras medidas legislativas no so

    suficientes. O Estado obrigado a actuar de modo a alcanar

    o resultado requerido, e as medidas legislativas devem ser

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    37

    necessariamente suportadas pelas polticas e programas

    apropriadas e bem direccionados a implementar pelo

    Executivo. Estas polticas e programas devem ser racionais

    quer na sua concepo quer na sua implementao. A

    formulao de um programa apenas o primeiro passo para

    que o Estado cumpra com as suas obrigaes. O programa

    deve ser tambm racional na sua implementao. Se o

    programa no for implementado de forma racional no

    constituir cumprimento das obrigaes do Estado.

    Contudo, as medidas necessrias tomar devem passar

    necessariamente pelas medidas legislativas, regulamentares,

    judiciais, formulao e execuo de polticas, planos,

    programas, projectos e aces, criao de institutos pblicos

    e fundos para execuo destas medidas.

    2.6.5 - O Estado adopta as medidas necessrias

    .. correcta localizao das actividades

    econmicas

    A correcta localizao das actividades econmica garantida

    pelos instrumentos de ordenamento do territrio previstos na

    LOT, nomeadamente, Principais Opes do Ordenamento do

    Territrio Nacional, Planos Provinciais e Inter-provinciais,

    Planos Municipais e Inter-minicipais e Planos Sectoriais e

    Especiais. Estes instrumentos permitem que os terrenos

    sejam classificados e qualificados de acordo com a natural

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    38

    aptido dos solos. Por exemplo, uma rea potencialmente

    apta para a agricultura ou destinada a fins de conservao da

    natureza no poder, por determinao destes instrumentos,

    ser utilizada para a implantao de uma cidade ou

    explorao mineira.

    2.6.6 - O Estado adopta medidas necessrias ..

    explorao e utilizao racional de todos os recursos

    naturais.

    Esta disposio constitucional constitui uma clara afirmao

    do princpio da sustentabilidade e do uso sustentvel,

    racional e sbio dos recursos naturais. Segundo a Professora

    Coelho (2007: 96-97), o uso sustentvel dos recursos

    naturais refere-se sua utilizao a taxas e segundo mtodos

    que no conduzam ao esgotamento ou degradao desses

    recursos no longo prazo, mantendo assim o seu potencial

    para satisfazerem necessidades das geraes actuais e

    futuras.

    A Professora aponta ainda a Carta Mundial da Natureza que

    impe algumas regras sobre a utilizao dos recursos

    naturais que garantem o uso sustentvel, a saber: (i) os

    recursos vivos no devem ser usados excedendo-se a sua

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    39

    capacidade natural de regenerao; (ii) a produtividade dos

    solos deve ser mantida ou reforada atravs de medidas que

    salvaguardem a sua fertilidade no longo prazo e o processo

    orgnico de decomposio, e previnam a eroso e outras

    formas de degradao; (iii) os recursos, incluindo a gua, que

    no so consumidos quando usados devem ser reutilizados

    ou reciclados; (iv) os recursos no renovveis que sejam

    consumidos quando so usados devem ser explorados com

    restries, tendo em considerao a sua abundncia, as

    possibilidades racionais de os converter para consumo, e a

    compatibilidade entre a sua explorao e o funcionamento

    dos sistemas naturais.

    A nvel interno, a LRBA estabelece o uso racional e

    sustentvel dos recursos biolgicos como sendo um dos fins

    do ordenamento de pesca (art. 8./a)). Para concretizao

    deste disposto a LRBA prev os planos de ordenamento de

    pescas (art. 11. - 18.), capturas totais admissveis - TAC

    (art. 19. - 20.), as quotas de pescas (art. 21. - 24.) e o

    limite de esforos de pescas (art. 25. - 30). As TACs, por

    exemplo, so definidas pelo art. 1./17 da LRBA como a

    quantidade limite de uma dada espcie ou sub-espcie de

    recursos biolgicos aquticos que pode ser capturada num

    dado perodo de tempo sem pr em perigo a conservao e a

    renovao sustentvel do recurso. A ideia de uso sustentvel

    constitui a parte central desta definio e garante que os

    recursos biolgicos aquticos no seja explorados at ao seu

  • Eduardo Mendes Simba Lies de Direito do Ambiente

    40

    esgotamento. Neste caso, por exemplo, a fixao das TACs

    no permite que o carapau seja explorado taxas e mtodos

    que no garante a sua capacidade natural de regenerao.

    2.6.7 O Estado adopta medidas .no quadro de um

    desenvolvimento sustentvel e do respeito pelos direitos

    das geraes futuras e da preservao das diferentes

    espcies

    Estes aspectos sero abordados no quadro do princpio do

    desenvolvimento.

    2.6.7 A lei pune os actos que ponham em perigo ou

    lesem a preservao do ambiente.

    Parece-nos que as medidas punitivas que a CRA se refere so

    as chamadas comand-and-control, onde inclumos as

    medidas criminais, cveis e administrativas. Alm destas

    medidas, a lei pode adoptar outros mecanismos no

    sancionatrios que garantem uma eficaz aplicao da

    legislao ambiental, como o caso dos incentive-based

    measures e voluntaries measures. Estas matrias sero

    aprofundas capitulo V.