possibilidades de leituras a partir das infovias dos ciberespaços redes 2011
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Entre a cultura do papel e a cultura da tela, incluindo nesta última as infovias dos ciberespaços, busco compreender o conceito de leitor a partir do cotejo entre as habilidades de leitura de normovisuais e deficientes visuais cegos usuários de leitores de telas. A transposição da tecnologia tipográfica para as digitais potencializa a inclusão digital de deficientes visuais que utiliza leitores de telas? Quais os efeitos sociais, cognitivos e discursivos, resultantes de tais mecanismos tecnológicos? Tendo como foco de estudo as habilidades de leitura do deficiente visual cego usuário de leitor de telas e dialogando com Chiavegatto (2009), Santaella (2010, 2004, 2001 e 1983) e Peirce (2003), busco um ponto de convergência entre a teoria dos espaços mentais, as matrizes do pensamento, a semiótica e as possibilidades de leituras desse leitor/navegador ao acessar infovias dos ciberespaços. É necessário ainda que, nesta proposta de estudo, seja definido em que consiste a leitura do Deficiente Visual ao “habitarem” os ciberespaços que ofereçam e-acessibilidade.TRANSCRIPT
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Possibilidades de Leituras a Partir das Infovias dos Ciberespaços:
O Deficiente Visual Usuário de Leitores de Telas em Ação1
Valeria de Oliveira Silva2
RESUMO
Entre a cultura do papel e a cultura da tela, incluindo nesta última as infovias dos ciberespaços, busco compreender o conceito de leitor a partir do cotejo entre as habilidades de leitura de normovisuais e deficientes visuais cegos usuários de leitores de telas. A transposição da tecnologia tipográfica para as digitais potencializa a inclusão digital de deficientes visuais que utiliza leitores de telas? Quais os efeitos
sociais, cognitivos e discursivos, resultantes de tais mecanismos tecnológicos?
Tendo como foco de estudo as habilidades de leitura do deficiente visual cego usuário de leitor de telas e dialogando com Chiavegatto (2009), Santaella (2010, 2004, 2001 e 1983) e Peirce (2003), busco um ponto de convergência entre a teoria dos espaços mentais, as matrizes do pensamento, a semiótica e as possibilidades de leituras desse leitor/navegador ao acessar infovias dos ciberespaços. É necessário ainda que, nesta proposta de estudo, seja definido em que consiste a leitura do Deficiente Visual ao “habitarem” os ciberespaços que ofereçam e-acessibilidade.
Palavras-chave:
e-Acessibilidade. Cibercultura. Inclusão Digital. Linguagem e Pensamento
1 Texto revisado com inclusão de descrições nas imagens; Artigo publicado nos anais do VI Seminário Internacional “As Redes Educativas e as Tecnologias: práticas/teorias sociais na contemporaneidade” de 6 a 9 de junho de 2011 – UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Programa de Pós-Graduação em Educação (ProPEd) – Eixo Temático 1- Práticas/Teorias Sociais em Redes Educativas e Cotidianos na Contemporaneidade. 2 Mestranda em Educação do PROPED-UERJ, Linha de Pesquisa “Cotidianos, redes educativas e processos culturais”, membro do GPDOC – Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura, Especialista em Lingüística Aplicada e Educação Especial – Deficiências Sensoriais, Coordenadora Pedagógica do Programa Rompendo Barreiras: Luta pela Inclusão / Faculdade de Educação / UERJ
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Introdução
Objetivo constatar se a transposição da tecnologia tipográfica para as digitais
potencializaram a inclusão digital de deficientes visuais (DV) cegos que utilizam
leitores de telas3 e quais os efeitos sociais, cognitivos e discursivos resultam de tais
mecanismos.
Também objetivo, na linguística cognitiva, mais precisamente na teoria dos espaços
mentais investigada por Chiavegatto (2009), verificar a possibilidade de convergência
dessa teoria com os estudos de Santaella (2010, 2004, 2001 e 1983), baseando-me,
inclusive, em Peirce (2003), quando define a natureza do leitor/navegador das infovias
de acesso aos ciberespaços.
Registro ainda que no decorrer deste trabalho, apresentarei exemplos de algumas
técnicas de conversão de imagens em textos, ao tempo em que darei informações
esclarecedoras sobre quem é o DV que faz uso de leitores de telas.
Habilidades de Leituras
A discussão que segue é permeada de polêmica e constatações oriundas de estudos
ainda muito recentes. O ato de ler não deve ser observado fora do contexto do cotidiano
de quem vivencia a leitura. Para os pesquisadores da área de educação e linguística
sociointeracionista não existem sujeitos ativos fora de seus contextos de atuação, assim
como para Santaella (2004) não há leitor/navegador imersivo fora de suas rotas e
infovias. Logo, se vou discutir os diferentes atos de leitura não é prudente que este
estudo seja desvinculado do contexto histórico, políticos e sociais incorporados, os
quais trazem o leitor para sua realidade existencial.
Do mesmo modo que o contexto semiótico do código escrito foi historicamente modificando-se, mesclando-se com outros processos de
3 Ferramentas e softwares que, inclusive, em ambientes e-acessíveis, dá autonomia a deficientes visuais impossibilitados de perceber o mundo através do sentido da visão.
3
signos, com outros suportes e circunstancias distintas do livro, o ato de ler foi também se expandindo para outras situações. (Santaella, 2004, p.17)
Com a adequação da escrita às diferentes línguas, a leitura e o perfil do leitor evoluíram.
Hoje as práticas de leitura ganharam conotações diferentes das entendidas em séculos
passados. O leitor que explorou cavernas, colecionou escritos em blocos de pedras,
desenrolou pergaminhos, rolos de couro animal, chegando a manipular folhas
empilhadas e costuradas e, por fim, folhear livros modificou seu modo de ler. Só depois,
foi possível numerar páginas, escrever dos dois lados da folha e guiar-se por índices e
sumários. Hoje, portanto, os dispositivos de leitura são variados.
Propiciada, entre outros fatores, pela mídia digital, a revolução tecnológica que estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente muito mais profunda do que foi a invenção do alfabeto, do que foi também a revolução provocada pela invenção de Gutenberg. É ainda mais profunda do que foi a exploração da cultura de massa, com os seus meios técnicos mecânico-eletrônicos de produção e transmissão de mensagens. (Santaella, 2001, p. 389)
Além dos livros impressos, dentre outros, é possível destacar os formatos digitais o “
pdf’, ‘doc’, ‘docx’, ‘rtf’, ‘txt’ são extensões que permitem que os leitores de telas
acessem as informações nelas contidas. A lógica da navegação através de índices e
sumários de livros foi utilizada ao se desenvolver as infinitas vias de acesso aos textos e
hipertextos disponíveis nos ciberespaços.
Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs), Semioses e Leituras/navegações
Tendo como foco de estudo as habilidades de leitura do deficiente visual (DV) cego
usuário de leitor de telas e dialogando com Chiavegatto (2009), Santaella (2010, 2004,
2001 e 1983) e Peirce (2003), busco um possível ponto de convergência entre a teoria
dos espaços mentais, as matrizes do pensamento, as semioses e as possibilidades de
leituras a partir das infovias dos ciberespaços.
Os estudos voltados para a lingüística cognitiva são capazes de estabelecer a
interligação entre cognição, linguagem e interação a partir da análise de enunciados
linguísticos. O respaldo dessas análises, segundo Chiavegatto (2009), está em outras
4
análises que explicam “como as formas linguísticas e discursivas estão calcadas em
processos cognitivos amplos e gerais dos quais a linguagem faz parte, como instrumento
de expressão e compartilhamento de conhecimentos entre os homens.” (p.77)
Santaella (1983), entretanto, quando nos alerta da necessidade de se estabelecer-se a
distinção entre a Lingüística e a Semiótica, evidencia a importância de perceber-se o
ponto de convergência dessas ciências e o momento em que suas especificidades
estabelecem uma orientação divergente, pois a lingüística é a ciência da linguagem
restritamente verbal, a Semiótica é a ciência de todas as linguagens, inclusive a verbal.
Assim, como a supramencionada autora em “O Que é Semiótica”, destaco (o texto está
na primeira pessoa do singular) que língua e linguagem não devem ser vistas como
pertencentes ao mesmo campo semântico de significação, língua é um conjunto de
signos convencionais que serve como código de comunicação entre determinado grupo
de pessoas4. Estes códigos verbais, denominados signos linguísticos, se pertencentes a
uma língua oral auditiva, podem ser evidenciados de forma oral ou escrita (em tinta ou
relevo5) e percebidos auditiva ou visualmente, ou, ainda, com o uso do tato.
Da mesma forma que encontramos um correspondente perceptível pelos olhos
para os textos manuscritos e/ou impressos em tinta, para os textos em Braille essa
correspondência será tátil. Quando pertencem a uma língua espaço-visual, esses signos
são representados por sinais cujos pontos de articulação são espaciais, e a percepção se
realiza pela visão ou tato. Uma língua de sinais, que é o código linguístico próprio e
natural de comunidades de surdos, pode ser percebida pelo tato daqueles que, além de
surdos, são cegos ou têm a percepção visual muito comprometida.
Tendo a Semiótica o objeto de investigar toda e qualquer linguagem, é uma ciência que
está presente em várias áreas do conhecimento ligadas à comunicação. Por conseguinte,
esta pesquisa também dialoga com as orientações semióticas apontadas por Santaella
(1983) quando investiga as formas de conversão de signos verbais impressos e não
4 Embora cada espécie tenha características próprias para estabelecer um tipo determinado de comunicação, no reino animal, só o homem é capaz de comunicar-se verbalmente. Animais têm linguagem, mas só o ser humano cria, modifica e recria uma língua para se comunicar. 5 Neste caso nos referimos à escrita em Braille que pode ser manuscrita ou impressa.
5
verbais, em signos verbais registrados em arquivos de áudio e que podem ser acessados
simultaneamente por usuários normovisuais e deficientes visuais cegos que fazem uso
de leitores de telas. Arrisco afirmar, portanto, que estamos diante de um estudo
multirreferencial6 que, dentre outras ciência, se ancora em conhecimentos linguísticos e
semióticos.
Como Chiavegatto (2009), assumo que a linguagem é parte da cognição e que ambas
permitem que várias operações e eventos sejam tratados como parte de outros, que
podem ser mais gerais e amplos e, desta forma, é possível interligarem-se múltiplas
semioses na constituição da linguagem. Sendo a linguagem, portanto, parte de um todo
que engloba a cognição e este todo fundamentado nos processos cognitivos,
sociointeracionais e culturais, tais estudos não podem ser estabelecidos separadamente
dos atos cotidianos que legitimam o contexto conceptual dos processamentos mentais.
Os processos de construção de significados nas interações linguísticas são o foco das pesquisas cognitivistas. Os significados não são propriedades das formas, mas são contextualmente construídos. As formas da língua ativam processos mentais que não são exclusivos da linguagem, mas a elas servem tanto quanto a outras habilidades cognitivas. Compartilhamos, portanto, percepções (gestalts) de conjunto, distinguimos figura–fundo, ativamos domínios de conhecimento, realizamos projeções entre domínios, efetuamos mesclagens cognitivas, todas as operações compartilhadas por outras habilidades cognitivas. (Chiavegatto, 2009, p.85)
Santaella (2001) destaca a capacidade humana de conjugar sentidos, porque dessas
conjugações emergem sensações ainda não experimentadas. Perceber as realizações
hibridas a partir da lógica de Santaella é entender as matrizes da linguagem e do
pensamento que nos caracterizam. “As matrizes não são puras. Não há linguagens
puras. Apenas a sonoridade alcançaria certo grau de pureza, se o ouvido não fosse tátil e
se não se ouvisse com o corpo todo” (Santaella, 2001, p. 371). Quando proponho a
utilização de leitores de telas para DV cegos que vislumbram a e-acessibilidade, essas
matrizes devem estar muito bem entendidas.
Na realidade, cada linguagem existente, nasce do cruzamento de algumas submodalidades de uma mesma matriz ou cruzamento entre submodalidades de duas ou três matrizes. Quanto mais cruzamentos se processarem dentro de uma mesma linguagem, mais híbrida ela será (...) Portanto, sob o ponto de vista das matrizes da linguagem e pensamento, linguagens concretizadas são
6 Segundo Ardoino (1998), a abordagem multirreferencial propõe-se a uma leitura plural de seus objetos 9práticos e teóricos), sob diferentes pontos de vista.
6
na realidade corporificações de uma lógica semiótica abstrata que lhes está subjacente e que é sustentada pelos eixos da sintaxe na sonoridade, da forma na visualidade e pela discursividade no verbo escrito. (Santaella, 2001, p. 379)
Chiavegatto (2009), ao dissertar sobre os processos cognitivos que operam nas
construções lingüísticas, destaca cinco aspectos que fundamentam seu estudo: os
domínios de conhecimentos; as projeções entre esses domínios; os espaços mentais
existentes entre os domínios; as mesclagens conceptuais feitas a partir dos aspectos
anteriores; e o enquadre, foco e perspectiva que cada sujeito é capaz de explicitar a
partir do seu conhecimento de mundo associado à proposta que o levou a um processo
cognitivo.
Desta forma, uma análise cognitivista demanda conceitos indispensáveis à
descrição de tais processos que, como um entrelaçar de dados, faz com que a cognição e
a linguagem permaneçam enredadas com vários pontos em comum.
Dentre os conceitos que formam o arcabouço teórico para tratar a linguagem como instrumento cognitivo, está o de que há conjuntos de conhecimentos sobre os quais a linguagem opera. Tais conjuntos são estruturas mentais parcialmente estruturadas, estáveis ou transitórias. E é sobre essas estruturas que passaremos a tratar. (...) A base de conhecimentos sobre a qual se organizam as construções linguísticas é adquirida a partir de experiências vivenciadas pelos indivíduos em suas comunidades, desde os primeiros anos de vida. Tais conhecimentos vão sendo armazenadas na memória, parcialmente estruturadas, hierarquizados e relativamente permanentes. São os domínios cognitivos. (...) Podem ser representadas como esquemas em imagens, modelos cognitivos idealizados ou modelos culturais. Os esquemas em imagens referem-se aos conhecimentos mais básicos de nossa experiência, que são estruturados em imagens esquematizadas, disponíveis para serem aplicadas a diferentes domínios. (Chiavegatto, 2009, p. 86)
Resgatando o tema deste artigo “as possibilidades de leitura para deficiente visual
usuário de leitores de telas a partir das infovias dos ciberespaços” adianto que
esquemas, imagens e modelos cognitivos idealizados ou modelos culturais são
compartilhados, os esquemas de quem verte imagens para textos (mais adiante darei
alguns detalhes sobre esta abordagem). Como estruturas elaboradas a partir de imagens
esquemáticas sobre atos compartilhados cotidianamente, estruturas mais gerais podem
ser compartilhadas entre normovisuais e DV, enquanto o primeiro elabora um texto
verbal a partir de uma imagem (figura, foto, desenho, tabela, gráfico, obras de ate,
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paisagens, mapas cartográficos e conceituais), a interpretação dos enunciados
linguísticos é um processo cognitivo do DV.
Partindo das primeiras experiências de uma criança com DV, que é seu próprio corpo, e
das experiências de quem tem uma DV adquirida depois da formulação de conceitos
socialmente compartilhados, é possível afirmar que ambos são capazes de compartilhar
informações que agreguem ao seu contexto as expressões “braço de rio, orelha de livro,
costas do armário” (Chiavegatto, 2009, 87). Tais expressões fazem parte do
conhecimento do esquema corporal humano e, como esses dados, são espontaneamente
compreendidos, dispensam maiores explicações em contextos que não são os que foram
concebidos. Desta forma,
Extremamente produtivos no processamento de novas construções, ativam na mente do intérprete conhecimentos básicos, compartilháveis pela grande maioria dos falantes, o que torna usuais as expressões criadas com base nestes esquemas. Assim, ruas como veias das cidades; esqueletos como estruturas; estreitamento como engarrafamento;raízes como origem estão na base de muitos dos processos figurativos que operam nos enunciados. (Chiavegatto, 2009, p.87)
Os modelos cognitivos idealizados (MCIs) postulados por Chiavegatto (2009) referem-
se especificamente aos conhecimentos supracitados, os quais são armazenados
mentalmente como estruturas quase sempre estáveis. A lacuna que delimitará o grau de
estabilidade entre tais estruturas no momento de interpretação dos enunciados
dependerá, tanto do grau de conhecimento e envolvimentos do leitor DV com o
contexto apresentado, quanto da capacidade de expressão, além do domínio contextual
de quem elabora os registros que serão lidos por este usuário.
Quando interpretamos enunciado, fazemos projeções e transferimos informações entre
domínios que podem pertencer a um mesmo contexto ou não, é possível, o
estabelecimento de transposições de signos que podem assumir novos significados.
Desta forma, quando alguém precisa registrar as impressões que uma imagem lhe causa,
de forma que o leitor DV tenha uma impressão que se aproxime da imagem elaborada
pelo autor do primeiro registro, a escolha dos vocábulos, principalmente das figuras de
linguagem, deve ser criteriosa. Observe as figuras 1 e 2.
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Figura 1 – Caricatura do jogador Ronaldinho Carioca
Fonte: Ramos, 2011 - Blogs dos Quadrinhos
<Figura retangular, disposta em 3D, ao fundo a caricatura de
“de uma torcida organizada”, várias pessoas sorrindo,
homens, mulheres, negr@s, branc@s, com roupas muito
coloridas e almas pessoas têm bandeiras do Brasil com se
estivessem em uma arquibancada. Em segundo plano, como
se fossem gritos da torcida, entre as pessoas e caricatura do
Ronaldinho, escrito em branco, no alto do retângulo, em
letras grandes a palavra GOOOOOOLLLLLL e na base do
retângulo está escrito: É DO BRAAASILLLL! Em primeiro
plano, a caricatura do Ronaldinho, só a cabeça: com a forma
de um mamão grande, a careca e a testa ocupam um terço da
imagem, as orelhas estão posicionadas e ocupam o terço
central, entre as orelhas têm as sobrancelhas finas e
elevadas, os olhos redondos e pequenos e, ao centro o nariz,
que é um pouco achatado. Sua boca avantajada ocupa o
terceiro terço da imagem, tendo ao centro dois dentes que
chegam a pousar sobre os lábios.>
Figura 2 – Foto de um mamão
<Fotografia de um mamão maduro,
amarelo, cuja forma se assemelha
com a caricatura do Ronaldinho. A
fruta está deitada como se estivesse
sobre uma superfície plana.>
Há uns quatro anos, fui convocada a transcrever para o Braille os textos da Prova Brasil
do 9º ano. Entretanto, quem solicitou a transcrição não imaginou o trabalho que seria
verter para português os textos não verbais. Disseram, inicialmente, que eu deveria
ignorá-los, mas argumentei que as imagens (mapas, gráficos, tabelas e esquemas) eram
partes integrantes daquele instrumento de controle e que sem os estes algumas questões
perderiam o sentido. Pois bem, a imagem mais difícil no momento da transcrição foi
uma charge do jogador Ronaldinho Carioca. Ela era bem parecida com a figura 1. Não
bastava dizer que era um desenho da imagem do jogador. Eu precisava encontrar em
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meus registros mentais uma imagem que também fizesse parte dos registros mentais de
meu aluno que nasceu cego, sendo assim, o primeiro passo era encontrar uma forma que
ele já tivesse captado pelo tato e registrado em sua mente, pois na hora da prova eu não
estaria presente, nem ele teria à sua disposição uma forma semelhante que pudesse tocar
com as mãos. Se eu não tivesse percebido que a imagem do jogador representada na
charge parecia com um mamão (ver figura 2), eu poderia ter confundido meu aluno. Fui
feliz com a escolha, ele entendeu o recado e acertou a questão.
Quando transferimos informações entre domínios diferentes, ampliamos nossa
capacidade de significar as informações,
quando falamos em indisposição do mercado transferimos do MCI saúde nosso conhecimento sobre indisposições – ainda não uma doença, mas um mal estar, aviso de mau funcionamento da economia, expressão metafórica das correspondências efetuadas na mente. (...) Com as informações que são transferidas entre os domínios, construímos novos significados com relações que se processam no contexto. Fazemos corresponder significados entre itens que têm componentes semelhantes nos MCIs correlacionados. As correspondências efetuadas podem explicar, por exemplo, processos figurativos como as metáforas e suas extensões em figuras como analogias, comparações, personificações, hipérboles, eufemismos. (Chiavegatto, 2009, p.89)
Entretanto, é necessária muita cautela ao se fazer uso de metáforas, e ao se elaborar um
texto descritivo/interpretativo de imagens que serão lidos por deficientes visuais. Estes
cuidados devem ser observados
quando acontecem correspondências com deslocamentos entre significações de itens que pertencem ao mesmo domínio, explicamos as metonímias e as figuras que lhe são assemelhadas, como a catacrese, a sinédoque, ou seja, as que envolvem parte pelo todo, continente pelo conteúdo, autor pela obra, causa por consequência e as outras relações que envolvem transferências de sentido entre termos que compartilham o mesmo domínio, como por exemplo, no clássico exemplo do domínio de livros, quando nos referimos à obra pelo autor. (Chiavegatto, 2009, p. 89)
A teoria dos espaços mentais também pode dar conta da interpretação de algumas
expressões idiomáticas e gírias. Ao explicar esses termos, experiências concretas
contribuem para o entendimento de conceitos abstratos compartilhados socialmente.
Percebam que em “Tsunami de esgoto em Niterói foi provocada por erro em projeto”
(Jornal O Globo – 21.04.2011), o leitor, mesmo sem ler a matéria, é capaz de inferir
sobre o ocorrido na cidade de Niterói/RJ. Transferindo o conhecimento que ele tem
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sobre “tsunami” ou maremoto é possível postular as correspondências necessárias aos
entendimento do enunciado.
Dentre as estruturas com as quais os conhecimentos se organizam na linguagem, destacamos os espaços mentais. Enquanto os MCIs são estruturas estáveis de estruturação da experiência, os espaços mentais são transitórias, espécie de arquivos de trabalho nos quais organizamos pensamentos em linguagem. (Chiavegatto, 2009, p. 90)
Os espaços mentais são acessados como hipertextos, à medida que as informações
fluem. Interligados entre si a fluidez de tais espaços acompanha o texto.
A partir de um espaço-base, situado em primeira instância na situação comunicativa, somos guiados por introdutores a abrirmos novos espaços de referenciação: são os espaços mentais. Em cada novo espaço instaurado, os elementos que o compõem devem ser interpretados. Podemos guiar o discurso para outro tempo, outro espaço, outra realidade – física ou virtual. (...) De link em link o discurso progride e os significados são decorrentes dos sentidos que processamos nos espaços de organização do pensamento em linguagem. (Chiavegatto, 2009, p. 91)
Os conceitos projetados entre dois domínios, a partir da troca de informações entre eles,
são a base para o processo de mesclagens conceptuais, uma das mais complexas
operações cognitivas que dá origem a um terceiro espaço.
Os significados que são projetados na mescla - espaço transitório de organização dos itens importados dos espaços mentais de origem - são relacionados no novo contexto, herdando aspectos dos significados de origem, mas incorporando novas significações. A mesclagem é decorrente do re-arranjo das projeções efetuadas com a situação comunicativa em que ocorrem. Mesclagens acontecem no léxico, na sintaxe, no discurso, na situação comunicativa e, mais extensivamente, em todo processo de aprendizagem ou de atualização de saberes na vida social. (Chiavegatto, 2009, p. 92)
O processo criativo da linguagem pode ser percebido, quando novos conceitos são
criados a partir de outros dois já existentes, mesmo que o termo introduzido não seja
conhecido, se os domínios de origem fazem parte do repertório de quem recebe a
mensagem, oral ou escrita. Em “bike táxi” e “táxi ecológico” a informação referente ao
termo táxi – meio de transporte fretado com exclusividade – é conjugado a outros
termos. Em “bike táxi”, é apresentada uma bicicleta, ou triciclo que pode ser fretado
por alguém que queira se deslocar com exclusividade. Em “táxi ecológico” o conceito
de táxi é conjugado a um meio de transporte que não cause poluição ao ambiente,
podendo ser, inclusive, uma bicicleta. Quem não conhece o “táxi ecológico”, que pode
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ser encontrado na Ilha de Paquetá no Rio de Janeiro/RJ, só poderá inferir que o
transporte não polui, mas não terá certeza sobre sua natureza: uma charrete que pode ser
fretada pelos moradores da ilha.
Concluindo a abordagem apresentada por Chiavegatto (2009) sobre os processos
cognitivos que operam nas construções lingüísticas, apresento o último dos cinco
aspectos que fundamentam o estudo da autora, os “enquadres, focos e perspectivas”.
Este conjunto de aspectos cognitivos, observável a partir do uso da língua em contexto
real de comunicação, é altamente relevantes para este estudo. Como a própria autora
propõe, embora este seja o recorte mais significativo para o entendimento dos processos
cognitivos do leitor DV usuário de leitor de telas, não há como desvincular o processo
de enquadre, foco e perspectiva dos aspectos anteriores.
Na medida em que uma das premissas da análise cognitiva é que toda a situação comunicativa é uma cena, uma representação dramática, reconhecer os quadros que se sucedem na cena e associá-los aos significados construídos é embutir a interação nos significados que emergem nas cenas. (Chiavegatto, 2009, p. 93)
As experiências sociais evidenciadas em interações comunicativas, com o passar do
tempo, são incorporadas ao repertório de seus usuários. Esses conhecimentos são
guardados na memória e atualizados a cada novo evento. Desta forma, os
conhecimentos vão se tornando cada vez mais complexos e os processos semióticos de
diferentes naturezas fazem com que seja possível emoldurar os episódios
comunicativos. A cada novo quadro,
As cenas emitem sinais de múltiplas semioses. Nós aprendemos a interpretá-los: formam nosso conhecimento pragmático do uso da língua nos eventos de interação e comunicação. Tornam-se essenciais, também, os conceitos de enquadre – o recorte que se faz na cena; de foco, o aspecto da cena no qual pomos luz (atenção) e o lugar do qual “olhamos” a cena , ou seja, de que perspectiva o falante fala na cena ou sobre a cena a que se faz referência. (Chiavegatto, 2009, p. 93)
Na leitura de Santaella (2004), encontramos em Peirce (2003) que, cientificamente, o
raciocínio está fundamentado em três métodos que nos remetem à dedução de que:
é o modo de raciocínio que examina o estado de coisas colocando nas premissas, que elabora um diagrama desse estado de coisa, que percebe, nas partes desse diagrama, relações não explicitamente mencionadas, que se
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assegura, através de elaborações mentais sobre o diagrama, de que essas relações sempre substituíram, ou pelo menos substituíram num certo número de casos, e que conclui pela necessária, ou provável, verdade dessas relações. (Peirce, 2003, p. 6)
Já indução “é o modo de raciocínio que adota uma conclusão como aproximada por
resultar ela de um método de inferência que, de modo geral, deve no final conduzir à
verdade (Peirce, 2003, p. 6) e retrodução, que foi mal interpretada do texto de
Aristóteles e, consequentemente, tendo sido traduzida como abdução:
é a adoção provisória de uma hipótese em virtude de serem passíveis de verificação experimental todas suas possíveis consequências, de tal modo que se pode esperar que a persistência na aplicação do mesmo método acabe por revelar seu desacordo com os fatos, se desacordo houver (Peirce, 2003, p. 6).
Além dessas três, Peirce (2003) destaca que a analogia apresenta característica dos dois
primeiros princípios, indução e retrodução, pois “é a inferência de que num conjunto
não muito extenso de objetos, se estes estão em concordância sob vários aspectos,
podem muito provavelmente estar em concordância também sob outro aspecto” (Peirce,
2003, p. 6).
Baseada nas observações de Peirce (1983), Santaella (2004) tem como foco os tipos de
leitores que acessam as infovias dos ciberespaços. Ela categoriza esses sujeitos a partir
das características cognitivas que apresentam ao interpretarem as informações
apreendidas nos espaços por eles acessados.
O raciocínio abdutivo é próprio do novato, que pratica a errância como procedimento exploratório em território desconhecido; o indutivo é próprio do internauta que seta em processo de aprendizado e o dedutivo, daquele que já conhece todas as manhas do jogo. (Santaella, 2004, p. 93)
O navegador experiente, aquele que se aventura às práticas dedutivas, segundo a autora,
é quem navega fazendo uso de estratégias que já tem um uso cristalizado. Este tem
controle da sua trajetória, sabe mapear as infovias pelas quais percorre e controla as idas
e vindas sem perder o rumo de sua navegação.
Em processos de investigação, a indução consiste em se partir de dados teóricos e se medir o grau de concordância da teoria com fatos concretos. A indução mostra que determinados dados teóricos baseados em suposições são operatórios praticamente. Trata-se, pois, de um processo de investigação voltado para a experiência, não necessariamente no sentido experimental, mas no sentido de ser um método que traz a contribuição da experiência para as suposições teóricas. (Santaella, 2004, p. 106)
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Quanto ao navegador não tão experiente, aquele que se apóia em práticas indutivas, a
autora destaca que ele ainda não tem pleno domínio do processo de navegação e, por
este motivo, apóia-se em breves resoluções. Suas necessidades imediatas são atendidas,
mas ao tentar enveredar-se por caminhos que não domina, acaba “perdendo o fio da
meada”. Ele tenta, mas ainda não é capaz de compreender os domínios e caminhos que
levam aos múltiplos domínios da cibercultura. A ausência de compreensão da natureza
híbrida das hipermídias faz com que suas experiências sejam baseadas em ensaios e
erros. O hábito do ler/navegar vai ganhando forma a cada exercício de acesso aos
ciberespaços. A partir da indução, o leitor cria hábitos e pode chegar à imersão.
Certas sensações, todas envolvendo uma idéia geral, são seguidas, cada qual, pela mesma reação; e uma associação se estabelece por meio da qual aquela ideia geral será seguida uniformemente por aquela reação. Esse é justamente o processo que ocorre quando o internauta internaliza um procedimento de navegação, passando, então, a repeti-lo cada vez mais sob a ação de um hábito. (Santaella, 2004, p. 108)
Por fim, temos o leitor/navegador neófito, aquele que ainda não teve tempo de acumular
experiência de navegação e que, pela falta de informações indispensáveis para acessar
as infovias, é um leigo. As buscas deste leitor são baseadas em práticas incipientes.
Se pudéssemos graduar esse leitor/navegador, segundo suas experiências e atuações,
seria possível comparar o navegador experto a um especialista; o novato a um estudante
das séries iniciais em pleno processo de letramento; e o navegador leigo àquele
estudante que acabou de ingressar no ensino fundamental e precisará de um tempo para
adaptar-se à proposta de fazer parte de um grupo letrado do qual, com o passar do
tempo, poderá ele tornar-se mestre. Por conseguinte, a passagem de uma categoria a
outra é possível e inevitável, bastando apenas que o leitor/navegador tenha à sua
disposição condições que lhe deem acesso às infovias e o inclua nos ciberespaços.
Portanto,
A dedução consiste na construção de uma imagem ou diagrama, ou seja, um esquema, de acordo com um preceito geral, e em perceber nessa imagem certas relações de partes não explicitamente estabelecidas no preceito, e em se convencer a si mesmo de que as mesmas relações sempre ocorrerão quando aquele preceito for seguido. Como fruto desse convencimento, a navegação pode ser realizada como uma sequência de relações rotineiras. Assim a navegação de rotina consiste pelo menos de três passos: acionar o
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esquema apropriado adaptá-lo a situação dada e executar os procedimentos adequados. O esquema é acionado tão logo um esquema particular salta à mente. (...) Assim, também, no processo de navegação do experto, o disparo metal de um esquema navegacional ocorre antes mesmo que a situação, que se apresenta na tela, tenha sido inteiramente varrida pela percepção. (Santaella, 2004, p. 108)
Logo, este processo confere à navegação de rotina traços que também podem ser
observados ao se estudar os Modelos Cognitivos Idealizados - MCIs propostos por
Chiavegatto (2009). À medida que o leitor/navegador vai ativando seus espaços
mentais e se apropriando das técnicas de leitura/navegação, torna-se um leitor imersivo.
A possibilidade, capacidade e vontade de imergir tornando-se um leitor/navegador
capaz de acessar as infovias, sem que as idas e vindas apresente obstáculos ou perda de
rota, depende tanto da experiência (horas de navegação), quanto da sua aptidão de
manter-se atento aos caminhos percorridos. Esta consciência e segurança alcançadas
pelo leitor/navegador imersivo realiza-se, inicialmente, nos espaços mentais, “arquivos”
por ele organizados mentalmente, quando os domínios e informações necessárias para
manter-se a rota são acessados.
Destaco, pois, que as constatações de Santaella (2004) são fundamentais para quem
desenvolve alguma pesquisa voltada para a cibercultura. Entender quem são os
sujeitos/leitores que navegam nas infovias pode ser o início de muitas pesquisas nesta
área. No meu caso, confrontar quem são e como agem os leitores/navegadores
normovisuais habitantes das infovias que levam aos ciberespaços com aquele que não
têm o canal visual de comunicação com o mundo é o ponto de partida de meus estudos.
Entender que domínios cognitivos são acessados pelo leitor/navegador que, em
decorrência de uma DV, é levado a fazer uso de leitores de telas que vertem textos
escritos em arquivos em áudio para realizar as suas leituras/negações é uma das noções
necessárias para justificar a análise de espaços que têm como proposta oferecer cursos
de educação on line.
Cabe, a partir deste ponto, retomar as constatações de Santaella (2010, p.88) ao definir
ciberespaços “como um mundo virtual global, hipercomplexo, mas coerente,
independente de como se acesse a ele e como se navega nele.” A autora também
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enumera as várias formas de acesso aos ciberespaços desde as animações ainda
disponíveis nos computadores, pelo mouse, pela realidade virtual ou, ainda, pelos
dispositivos sem fio.
Em um processo digno de ser definido como mesclagem, Santaella (2010) entende que
“as redes têm uma linguagem própria, caracteristicamente dinâmica, evolutiva e
complexa” (p.93) e destaca três eixos que compõem a linguagem: a hibridação, que é
um processo sígnico, códigos e mídias, que a hipermídia é capaz de acionar e mesclar
sentidos receptores. “Na sensorialidade global, sinestesia reverberante que é capaz de
produzir, na medida mesma em que o receptor ou leitor imersivo interage com ela,
cooperando na sua realização” (p.93), a mistura de todas as linguagens, compartilha este
processo com o fluxo das informações a partir de uma estrutura hipertextual e com a
composição enredada cujas laçadas são definidas pelo leitor/navegador, segundo suas
experiências de acesso às infovias e suas intenções e necessidades imediatas ao iniciar
uma navegação cibercultural. “A hipermídia pode consistir de centenas e mesmo
milhares de nós, com uma densa rede de nexos. Disso advém a grande flexibilidade do
ato de ler uma hipermídia, uma leitura sempre em trânsito (p.93).
A leitura nas Infovias dos Ciberespaços: o DV usuário de leitores de telas em ação
O leitor do século vinte e um tem, inclusive, o texto na ponta dos dedos, as práticas de
leitura além dos instrumentos impressos, dentre eles livros, revistas, jornais, hoje são
intensificadas e exercitadas através das mídias. A era digital propiciou a circulação dos
bens culturais, estreitou distâncias, aproximou fronteiras e estabeleceu o ponto de
encontro entre os habitantes dos ciberespaços que não se prendem ao tempo-espaço,
para esses usuários tais categorias são relativas e estão estreitamente voltadas para as
necessidades, vontades e expectativas de quem busca manter-se imersivo.
Seguindo uma tendência mundial, a cultura virtual, embora ainda desconhecida e até
mesmo temida por quem se nega a vivenciar o potencial das tecnologias digitais, vem
exercendo crescente influência no modo de ser e pensar da população brasileira. A
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intensificação das trocas de informações virtuais modifica, de forma impactante, as
perspectivas psíquicas, culturais, científicas e educacionais das sociedades complexas
que vêm desenvolvendo práticas para armazenar e recuperar informações. As
habilidades de leitura multimídia se tornam mais intensas quando as hipermídias se
expandem e deixam de se ancorar em suporte CR-Rom e passam ocupar lugares
infinitamente exploráveis nas infovias dos ciberespaços.
Enquanto o leitor/navegador normovisuais permanece conectado e aciona comandos
diversos por meio do mouse, teclado, “links”, de forma a-sequencial, como destaca
Santaella (2004), construindo seu próprio repertório de informações, a partir da “sua
interação com o potencial dialógico da hipermídia, um tipo de comunicação multilinear
e labirintica” (Santaella, 2004, p. 12), o DV cego usuário de leitor de telas depende de
ambientes e-acessíveis cujo projeto tenha a previsão de construções quadro a quadro e
garanta a leitura dos hipertextos, inclusive os textos imagéticos não verbais (fotos,
desenhos, gravura e outros) e os verbais que se apresentam em forma de imagem
(gráficos, esquemas, tabelas, logomarcas).
Enquanto Santaella (2004) buscou entender as habilidades perceptivas e cognitivas que
estão por trás desse modo extraordinariamente novo de comunicação e que operações
mentais, perceptivas e sensoriais guiam os comando do leitor/navegador normovisual
quando movimenta e “clica” o mouse, e entendeu que mergulhar no cotidiano de DV
cegos cuja “única” barreira é sensorial, a falta de visão, e que suas faculdades mentais e
cognitivas estão preservadas, busco evidenciar como são estabelecidas as habilidades
perceptivas desses leitores/navegadores que fazem uso de leitores de telas e que no
lugar do monitor e mouse necessitam de um teclado e de caixas de som e/ou fones
auriculares.
Para os DV, enquanto seus olhos estão impedidos de perceber o que se apresenta no
monitor e suas mãos não são capazes de guiar o cursor por falta da orientação visual, os
demais sentidos, principalmente a audição, permitem que ele explore as diferentes
infovias e ciberespaços, navegando como qualquer outro leitor imersivo e sendo capaz
de explorar espaços nunca acessados. Entretanto, esta possibilidade só é verdadeira e
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concreta para DV usuários de leitores de telas. Até o momento não identifiquei outra
possibilidade de o DV tornar-se um navegador dos ciberespaços e um leitor imersivo.
Assim como Santaella (2004), percebo que
por trás do instantâneo movimento nervoso do mouse e do hipnotismo ocular,
processam-se inferências lógicas sintonizadas com processos perceptivos
complexos, numa junção inconsutível das atividades mentais com atividades
perceptivo-corporais,(...) combinação instantânea de ambos que possibilita a
leitura imersiva, (Santaella, 2004, p. 14)
Percebo mais que, no convívio diário com o DV, este tipo de leitor intensifica seus
movimentos táteis ao operarem o teclado que acessa os comandos de leitura (→ direita,
← esquerda, ↓ para baixo, ↑ para cima e “enter”). Quanto ao seu hipnotismo, este é
auditivo-mental, o que possibilita a leitura imersiva deste sujeito. A integração
sincrônica entre as habilidades tátil, auditiva e de processamento mental garante ao DV
a possibilidade de interatividade e imersão.
A partir das proposições de Santaella (2004):
considerando (...) como um dos tipos de leitores, visto que as habilidades perceptivas e cognitivas que eles desenvolvem nos ajudam a compreender o perfil do leitor que navega pelas infovias do ciberespaço, povoadas de imagens, sinais, mapas, rotas, luzes, pistas, palavras, textos e sons. Se, de um lado, minha proposta é muito específica, a saber, delinear o perfil cognitivo desse novo leitor, de outro lado, para delinear esse perfil, é necessário ampliar a concepção mesma do que seja a prática da leitura.
Amplio a noção de leitura, pois vou além do que postula a autora. A leitura do DV
usuário de leitor de telas é processada através do uso de ferramentas ou “softwares”,
transmitida ao usuário em forma de arquivo de áudio, para só então iniciar-se a etapa
cognitiva referente à leitura. A informação só é captada, internalizada e (re)significada
pelo DV que tem acesso a tais instrumentos e ciberespaços e-acessíveis.
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< Fotografia: Ao fundo temo um quadro branco, com
algumas textos, preso na parede. Sobre a bancada um
monitor ligado com a imagem do sistema DOS VOX e
uma teclado. Sentado à frente do monitor, o aluno do
curso de direito Charles de Souza que é cego ensina à
bolsista Raquel como operar o DOS VOX. Raquel está
de pé ao lado do Charles.>
Figuras 3 e 4: DV usuário de leitor de telas em ação7.
Diante dos avanços tecnológicos, a inclusão digital, inclusive de pessoas com
deficiência, foi pensada no Brasil em 1993, três anos depois do primeiro acesso à web e
seis anos antes da proposta da WAI8, o DOSVOX, primeira ferramenta brasileira para
acesso de DV a sistemas computacionais, foi desenvolvido no Núcleo de Computação
Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NCE – UFRJ). Segundo
informações obtidas no site do NCE, o DOSVOX é um sistema para
microcomputadores que se comunica com o usuário por meio de uma síntese de voz,
que possibilita ao DV o uso de computadores. Este sistema hoje conta com mais de
2.000 usuários em todo Brasil, o que representa um grande impacto social pelo
benefício que traz aos DV ao abrir novas perspectivas de trabalho e de comunicação e
acesso à informação. Além do DOS VOX e de softwares livres como o NVDA e o
ORCA, o mercado comercializa softwares como o JAWs e o Virtual Vision9.
Em Ferreira e Leite (2003) percebemos que os ambientes virtuais devem ser habitados
por sistemas orientados para a usabilidade em que as interfaces executem tarefas sem
chamar a atenção para si. Desta forma, os trabalhos de acesso aos ciberespaços fluirão
7 Charles de Souza, graduando do Curso de Direto da UERJ e Raquel Rodrigues Ferreira, graduanda do Curso de Pedagogia da UERJ, ambos fazem parte da pesquisa “E-acessibilidade para Praticantes com Deficiência Visual Usuários de Leitores de Telas no Ensino Superior Online” 8 WAI (Web Acessibility Initiative), departamento que estabeleceu recomendações para a acessibilização de conteúdo da web. 9 Licenças gratuitas do leitor de tela Virtual Vision são disponibilizadas pelo Banco Bradesco para seus usuários com DV.
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com naturalidade. Tornar as infovias acessíveis é possibilitar a qualquer pessoa,
independentemente da sua condição sensório-motora e/ou física, usufruir de tudo que os
ciberespaços tiverem a oferecer e que ela deseje explorar, inclusive o acesso a sistemas
de educação e formação on line.
Considerações Finais
Sei que não foi possível apresentar exaustivamente de que forma tem avançado os
estudos sobre cognição no Brasil e no Mundo. A própria professora Chiavegatto, ao
concluir seu tempo de serviço na UERJ, depois de décadas de estudo, dos quais
participei por quatro anos, ainda continua essa pesquisa.
Se a proposta inicial foi apresentar o DV cego usuário de leitores de telas como um
leitor imersivo, que potencializa seu acesso às Infovias a partir do uso de ferramentas e
softwares, noções como escrita, leitura e-acessibilidade, não poderiam ser
completamente descartadas.
Entendo, portanto, que as perguntas introdutórias foram respondidas ao longo do texto.
Se o ambiente é e-acessivel e se o DV faz uso de leitores de telas, sua inclusão digital é
potencializada, pois a organização cognitiva da sua língua natural, a partir do uso que
ele faz desses dispositivos, garante que o mesmo se torne um leitor/navegador imersivo.
Os exemplos aqui apresentados foram uma forma que encontrei para aguçar os
pesquisadores interessados em aprofundar seus conhecimentos a partir de estudos e
pesquisas no campo da cibercultura.
As investigações em linguística cognitiva, aqui apresentadas, foram trazidas
intencionalmente para este estudo, a fim de evidenciar o quão convergentes estes são
com os pressupostos apresentados por Santaella que encontra em Peirce uma âncora
para suas teses.
Quanto aos efeitos sociais, cognitivos e discursivos resultantes de tais mecanismos, só
podem ser positivos. Se ele é capaz de organizar suas ideias, sempre agregar novas
informações a seu repertório de dados e vivenciar o dinamismo das relações entre
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linguagem e cognição e entre ele e as infovias que lhe são apresentadas a partir dos
leitores de telas, de tanto só se extrai uma única e inafastável constatação: o DV cego
usuário de leitor de telas que acessa ambientes virtuais e-acessíveis é um
leitor/navegador imersivo e satisfeito com as interfaces que é capaz de estabelecer.
Referencial Teórico
CHIAVEGATTO, V. C. Introdução à Linguística Cognitiva. Matraga. Rio de Janeiro, v.16, n.24, jan./jun. 2009 FERREIRA, S. B. L. e LEITE, J C S do P. Avaliação da Usabilidade em Sistemas de
Informação: o Caso do Sistema Submarino. Disponível em : http://anpad.org.br/rac/vol_07/dwn/rac-v7-n2-sbf.pdf , acessado em 20.2.2011 PEIRCE, C.S. Semiótica. (Coleção Estudo Dirigido). São Paulo: Perspectiva, 2003. 337 p.
RAMOS, P. Blogs dos Quadrinhos - Disponível em:
http://blogdosquadrinhos2.blog.uol.com.br/arch2006-06-01_2006-06-30.html -
Acessado em 23.04.2011
SANTAELLA, L. Hibridismos: Um Conceito em Expansão. In SANTAELLA, L. A Ecologia Pluralista da Comunicação: conectividade, mobilidade, ubiqüidade. São Paulo: Paulus, 2010. 394 p. _______ . <avegar no Ciberespaço: o perfil do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004. 191 p. _______ . Matrizes da Linguagem e Pensamento Sonoro-Visual-Verbal: aplicações
na hipermídia. São Paulo: Iluminuras, 2001. 432 p. _______ . O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983