pós-graduação - maria cristina barongeno

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1 1 PÓS- GRADUAÇÃO DA FAZU (O IMPACTO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL NA VIDA DO PECUARISTA E DOS TÉCNICOS). MARIA CRISTINA DE LUCA BARONGENO e.mail: djrural.barongeno FRANCISC HENRIQUE SILVA e-mail: [email protected] RESUMO: O novo Código Florestal é extenso e objetiva conciliar a conservação do meio ambiente com a atividade agropecuária. A aplicação dessas normas abstratas, contudo, tem gerado dúvidas aos pecuaristas e técnicos no que diz respeito à degradação do meio ambiente, averbação de reserva legal, sobreposição da área de Reserva Legal nas Áreas de Proteção Permanente, inexistência de Reserva Legal e suas consequências, cálculo da área de Reserva Legal, utilização de cercas nas áreas de Reserva Legal, anistia, ocupação antrópica e veredas. Esse trabalho visa, de uma forma simplificada, esclarecer essas questões, valendo-se das decisões mais recentes de nossos Tribunais. PALAVRA CHAVE: averbação da reserva legal, degradação do meio ambiente, sobreposição da área de Reserva Legal nas Áreas de Proteção Permanente, inexistência de Reserva Legal e suas consequências, cálculo da área de Reserva Legal, utilização de cercas nas áreas de Reserva Legal, anistia, ocupação antrópica e veredas. THE IMPACT OF THE NEW CODE FOREST CODE IN THE CATTLE FARMERS LIFE ABSTRACT: The new Forest Code is extensive and objective reconcile environmental conservation with farming. The application of these abstract rules, however, has raised doubts cattle farmers and technicians with regard to registration of the legal reserve, environmental degradation, overlapping Legal Reserve area in Permanent Protection Areas, absence of legal reserve and their consequences, calculation of legal Reserve area, use of fences in legal Reserve areas, amnesty, occupation anthropic and veredas. This work aims, in simplified form, to clarify these issues, using the most recent Courts’decisions. KEY WORD: registration of the legal reserve, environmental degradation, overlapping Legal Reserve area in Permanent Protection Areas, absence of legal reserve and its consequences, calculating the Legal Reserve area, use of fences in the areas of Legal Reserve, amnesty, occupation anthropic and veredas. INTRODUÇÃO Esse trabalho expressa uma reflexão sobre o Novo Código Florestal, lei n. 12.727/2012, e o seu impacto na vida dos pecuaristas brasileiros escrita através de um viés empírico. Representa uma pequena contribuição para todos aqueles comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Na exposição do meu trabalho farei uma pequena incursão na legislação ambiental brasileira, verdadeiro cipoal. Realmente, no Brasil é urdida a crença de que todos os problemas, dos mais graves aos mais simples, se resolvem com uma simples mudança das leis ou com a elaboração de mais algumas. Surgem, assim, diplomas legislativos ao sabor dos ventos. Todos eles, incompletos, paradoxais e confusos, cabendo ao intérprete desbravá-lo, razão da importância da hermenêutica. Ocorre que, na maioria das vezes, o nosso intérprete tem pouco conhecimento do contexto fático e jurídico a ser interpretado, confundido a efetiva proteção ao meio ambiente com autoritarismo, dissimulado desejo de vindita social e outros que tais. 1 A boa hermenêutica 2 desempenha uma função essencial ao Direito. Contudo, quando mal utilizada, transforma-se num grande instrumento de dominação e poder, comprometendo a concretização do Bem Comum, objetivo final das leis e da sua interpretação. Nesse contexto, o objetivo de meus estudos é ponderar sobre algumas questões controvertidas acerca do Novo Código Florestal e encontrar soluções plausíveis, todas elas embasadas em recentes acórdãos de nossos Tribunais. MEIO AMBIENTE Podemos definir o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências, interações de ordem física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Nesse conceito estão 1 BARONGENO, Maria Cristina. Direitos Humanos Sociais: Necessidade de Positivação das Regras de Interpretação? Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2009. 2 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 1 a . edição, Petrópoles: Vozes, 1997 p.485.

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FAZU - O Impacto do novo Código Florestal na vida do pecuarista e dos técnicos. Por Maria Cristina Barongeno.

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PÓS- GRADUAÇÃO DA FAZU (O IMPACTO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL NA VIDA DO

PECUARISTA E DOS TÉCNICOS). MARIA CRISTINA DE LUCA BARONGENO e.mail: djrural.barongeno FRANCISC HENRIQUE SILVA e-mail: [email protected] RESUMO: O novo Código Florestal é extenso e objetiva conciliar a conservação do meio ambiente com a atividade agropecuária. A aplicação dessas normas abstratas, contudo, tem gerado dúvidas aos pecuaristas e técnicos no que diz respeito à degradação do meio ambiente, averbação de reserva legal, sobreposição da área de Reserva Legal nas Áreas de Proteção Permanente, inexistência de Reserva Legal e suas consequências, cálculo da área de Reserva Legal, utilização de cercas nas áreas de Reserva Legal, anistia, ocupação antrópica e veredas. Esse trabalho visa, de uma forma simplificada, esclarecer essas questões, valendo-se das decisões mais recentes de nossos Tribunais. PALAVRA CHAVE: averbação da reserva legal, degradação do meio ambiente, sobreposição da área de Reserva Legal nas Áreas de Proteção Permanente, inexistência de Reserva Legal e suas consequências, cálculo da área de Reserva Legal, utilização de cercas nas áreas de Reserva Legal, anistia, ocupação antrópica e veredas. THE IMPACT OF THE NEW CODE FOREST CODE IN THE CATTLE FARMERS LIFE ABSTRACT: The new Forest Code is extensive and objective reconcile environmental conservation with farming. The application of these abstract rules, however, has raised doubts cattle farmers and technicians with regard to registration of the legal reserve, environmental degradation, overlapping Legal Reserve area in Permanent Protection Areas, absence of legal reserve and their consequences, calculation of legal Reserve area, use of fences in legal Reserve areas, amnesty, occupation anthropic and veredas. This work aims, in simplified form, to clarify these issues, using the most recent Courts’decisions. KEY WORD: registration of the legal reserve, environmental degradation, overlapping Legal Reserve area in Permanent Protection Areas, absence of legal reserve and its consequences, calculating the Legal Reserve area, use of fences in the areas of Legal Reserve, amnesty, occupation anthropic and veredas.

INTRODUÇÃO

Esse trabalho expressa uma reflexão sobre o Novo

Código Florestal, lei n. 12.727/2012, e o seu impacto na vida dos pecuaristas brasileiros escrita através de um viés empírico.

Representa uma pequena contribuição para todos aqueles comprometidos com o desenvolvimento sustentável.

Na exposição do meu trabalho farei uma pequena incursão na legislação ambiental brasileira, verdadeiro cipoal.

Realmente, no Brasil é urdida a crença de que todos os problemas, dos mais graves aos mais simples, se resolvem com uma simples mudança das leis ou com a elaboração de mais algumas.

Surgem, assim, diplomas legislativos ao sabor dos ventos. Todos eles, incompletos, paradoxais e confusos, cabendo ao intérprete desbravá-lo, razão da importância da hermenêutica.

Ocorre que, na maioria das vezes, o nosso intérprete tem pouco conhecimento do contexto fático e jurídico a ser interpretado, confundido a efetiva proteção

ao meio ambiente com autoritarismo, dissimulado desejo de vindita social e outros que tais.1

A boa hermenêutica 2 desempenha uma função essencial ao Direito. Contudo, quando mal utilizada, transforma-se num grande instrumento de dominação e poder, comprometendo a concretização do Bem Comum, objetivo final das leis e da sua interpretação.

Nesse contexto, o objetivo de meus estudos é ponderar sobre algumas questões controvertidas acerca do Novo Código Florestal e encontrar soluções plausíveis, todas elas embasadas em recentes acórdãos de nossos Tribunais.

MEIO AMBIENTE

Podemos definir o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências, interações de ordem física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Nesse conceito estão

                                                                                                               1 BARONGENO, Maria Cristina. Direitos Humanos Sociais: Necessidade de Positivação das Regras de Interpretação? Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2009.

 2 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 1a. edição, Petrópoles: Vozes, 1997 p.485.  

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englobados a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora3.

A proteção ao meio ambiente tem assento constitucional, apresentando um sentido jurídico unitário e abrangente, pois dentro dele está inserido também o ser humano, além da flora, da fauna, do solo, das águas e da atmosfera.

Conforme previsão constitucional, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem essencial à sadia qualidade de vida, constituindo a sua defesa obrigação do Poder Público e da coletividade4, Essa tarefa é realizada mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.5

Consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal6, o meio ambiente é um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão)7, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade 8 – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõe o grupo social.

CÓDIGO FLORESTAL (LEI N. 12.651/2012) A legislação ambiental brasileira é extremamente

avançada e uma das mais rigorosas do mundo. Reconhece a importância da função estratégica da atividade agropecuária e das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia 9 . Protege o direito de propriedade, com as limitações legalmente impostas. 10

O novo Código Florestal, Lei 12.651, de 25 de

maio de 2012, é fruto do reconhecimento pela sociedade brasileira da necessidade de atualizar a legislação sobre a proteção e o uso sustentável das florestas e demais formas de vegetação nativa. A sua elaboração durou cerca de dez anos, contando com a efetiva participação de

                                                                                                               3 Brasil. Lei 6. 938/91, art. 3o I e artigo 3o, V. 4 Brasil. Constituição Federal, artigo 225. 5 Brasil. Constituição Federal, art. 170, VI. 6 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Acórdão.ADI 3.540-MC. Relator Ministro Celso de Melo. Disponível em www.stf.jus.br. 7 LAFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo. Companhia das Letras, 1988, p.131/1321988. 8  LEMES  MACHADO,  Paulo  Affonso.  Direito  Ambiental  Brasileiro,  13a.  Edição,  2005,  Malheiros,  p.121/123,  item  3.1.  9  Brasil.  Lei  12.651/2012,    artigo  1o  A,  I  e  II.  10 Brasil. Código Florestal, artigo 2o.

vários setores da sociedade brasileira, consultas à população, audiências públicas e debates internos no Congresso Nacional.

Como todo acordo razoável, o resultado não atendeu inteiramente os anseios das partes polarizadas em ruralistas e ambientalistas.

A legislação veio cumprir um papel ambivalente de zelar pela conservação do meio ambiente e tornar viável a atividade agropecuária, a redução das desigualdades sociais, o fomento da produção agropecuária, a organização do abastecimento familiar e compatibilizar o desenvolvimento econômico social, a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico

Com a edição dessa lei, o Brasil, como a sexta maior economia do Mundo, reconhece e reafirma o seu compromisso soberano com a proteção e o uso sustentável de seus recursos naturais .

INTERPRETAÇÃO DA LEI E CONFLITO DE

INTERESSES

Existe um permanente estado de tensão entre o imperativo de desenvolvimento nacional (Constituição Federal, artigo 3o , II), de um lado, e a necessidade de preservação do meio ambiente do outro (Constituição Federal, artigo 225).

A superação desse antagonismo dependerá da ponderação concreta dos interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a harmonizá-los, tendo como vetor interpretativo, para efeito de um mais justo e perfeito equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, o princípio do desenvolvimento sustentável, segundo o qual o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras.11

COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE O MEIO AMBIENTE E COMPETÊNCIA PARA ADMINISTRAR QUESTÕES AMBIENTAIS

A Constituição Federal de 1988, além de

consagrar a preservação do meio ambiente, anteriormente protegido somente por leis infraconstitucionais, procurou definir as competências dos entes da federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) para legislar e para administrar as questões ambientais.

A repartição de competência é um dos temas mais conflituosos em matéria ambiental, tanto sob o aspecto administrativo, quanto sob o aspecto legislativo.

Nos termos previstos na Constituição Federal, a princípio, somente a União Federal pode legislar sobre águas, energia, jazidas, outros recursos minerais, além de atividades nucleares de qualquer natureza .12

                                                                                                               11 Brasil. Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. 12 Brasil. Constituição Federal. Artigo 22, IV, XII, XXVI e parágrafo único.

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A União, os Estados, o Município e o Distrito Federal têm competência comum para legislar sobre as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, preservação de florestas, fauna e flora, fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar, registar, acompanhar, fiscalizar as concessões de direitos de pesquisas e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios. 13

A União, os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição, proteção ao patrimônio paisagístico, responsabilidade por dano ao meio ambiente e a bens e direitos de valor paisagístico.14

No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

Os Municípios, desde que observada a legislação federal e estadual, podem legislar sobre assuntos de interesse local. 15

No que diz respeito à competência administrativa ambiental a questão deverá ser regulamentada por lei complementar, conforme determina o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal. Enquanto não editada essa lei, prevalece a competência comum dos entes federativos, o que contribui para aumentar o número de conflitos relacionados à matéria.

Esses conflitos, decorrentes da aplicação de leis elaboradas pela União, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios acerca de uma mesma matéria ambiental, vêm sendo dirimidos pela jurisprudência brasileira.

Nas hipóteses em que as noções de norma geral e especial não sejam claras o suficiente para a solução de conflitos envolvendo a União e os Estados, os Tribunais têm decidido que deve prevalecer, no caso concreto, a norma que melhor garanta a efetividade do direito fundamental tutelado, dando-se preferencia àquela mais restritiva sob a ótica da preservação da qualidade ambiental (in dubio pro natura). 16

O BRASIL E DEGRADAÇÃO DO MEIO

AMBIENTE O Brasil é um país com dimensão continental,

apresentando inúmeras diferenças regionais. Portanto, quando falamos de Brasil, precisamos indicar a região da qual estamos tratando.

Contudo, nos limites estreitos desse trabalho, podemos dizer que o Brasil possui 60% da sua

                                                                                                               13 Brasil. Constituição Federal. Artigo 23, III, IV, VII, VIII, IX, X, XI e parágrafo único. 14 Brasil. Constituição Federal. Artigo 24, VI, VII, VIII e parágrafos 1o , 2o , 3o e 4o . 15 Brasil. Constituição Federal. Artigo 30, I, II e III .  16 Brasil. Tribunal de Justiça do Paraná, Acórdão 15.278-3, Supremo Tribunal Federal, ADIN 1.086-SC, Recurso Especial n. 1240.122 , Paraná, relator Ministro Herman Benjamin, disponível em www.stj.jus.br, www.trf5.jus.br, www.stf.jus.br.

vegetação nativa em pé (ficando atrás da Suécia e do Japão, com 69% das florestas em pé) e uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo na qual 45% da energia consumida provêm de fontes renováveis, ante uma média mundial de 13%.

Segundo dados do IBGE do ano de 2010,17 a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país, havendo preservado somente 12 % da sua área original. Depois da Mata Atlântica, o Pampa gaúcho é o mais desmatado, havendo perdido 54% de sua área original. A devastação do Cerrado, segundo maior bioma do País, chegou a 49,1% em 2010. A caatinga perdeu 45,6% de seus 826,4 mil km² originais. O Pantanal é o menor e mais preservado bioma, havendo perdido 15% da área total de 150,4 mil km².

CONCEITO DE RESERVA LEGAL A reserva legal foi reconhecida pelo Supremo

Tribunal Federal 18 como sendo uma limitação administrativa de caráter geral ao direito de propriedade, fundada na função social da propriedade.

Ela não constitui limite para o desmatamento lícito. Ao contrário, representa ônus inerente ao direito de propriedade, a teor do que dispõe o art. 186, inc. II, da Constituição Federal. Segundo esse artigo, a função social da propriedade rural encontra-se cumprida apenas quando se verificar a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.

A instituição de 20% de área de reserva legal, exceto se o imóvel estiver situado na Amazônia Legal em área de florestas ou em área de cerrado,19 é exigência do Novo Código Florestal, que declara bens de interesse comum as florestas e demais formas de vegetação reconhecidas de utilidade para as terras que revestem, impõe limitações ao exercício do respectivo direito de propriedade 20e fixa como de reserva legal a “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do artigo 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.21

Essa área de reserva legal, de pelo menos 20% (vinte por cento) da área total da propriedade (artigo 12, II), pode ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável (artigo 20), e sua localização deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual integrante do

                                                                                                               17 Disponível no site www.ibge.gov.br 18 Brasil. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 100.717-6, relator, relator Ministro Francisco Rezek, disponível no site www.stf.jus.br 19 Brasil. Código Florestal, artigo 12, I. 20 Brasil. Código Florestal, artigo 2o.  21  Brasil. Código Florestal, artigo 3º, III.

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Sisnama ou instituição por ele habilitada, a CETESB no Estado de São Paulo.22

DA OBRIGATORIEDADE DA AVERBAÇÃO DA

RESERVA LEGAL NO REGISTRO DE IMÓVEIS X REGISTRO NO CADASTRO AMBIENTAL RURAL

O art. 18, parágrafo 4º, da Lei 12.651/2012,

desobriga a averbação no Registro Imobiliário na hipótese de registro no Cadastro Ambiental Rural. A contrário senso, ausente inscrição no mencionado cadastro é obrigatória a sua averbação. A conclusão é da necessidade da averbação da reserva legal no registro imobiliário nos estados onde ainda não houver o registro eletrônico.

Além disso, o art. 167, inciso II, número 22, da Lei de Registros Públicos prevê que a reserva legal deve ser averbada no registro de imóveis: Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. II - a averbação: 22 - da reserva legal; (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006).

Dessa forma, enquanto não instituído o CAR, persiste a obrigação de averbar a reserva legal no registro de imóveis, como condição necessária para proteger o meio ambiente, devido à observância do princípio da publicidade.23

CONCEITO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE

APP é chamada de área de preservação permanente. Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

CONSEQUÊNCIAS DA SUPRESSÃO DA VEGETAÇÃO NATIVA, DE CONFORMIDADE

COM OS PERCENTUAIS DE RESERVA LEGAL PREVISTOS PELA LEGISLAÇÃO EM VIGOR NA

ÉPOCA EM QUE OCORREU A SUPRESSÃO Se houver a comprovação de que a supressão da

vegetação nativa respeitou os percentuais previstos pela legislação em vigor na época da supressão, os proprietários ou possuidores ficam dispensados de

                                                                                                               22 Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 0095357-32.2008, Rel. Des. Antônio Celso Aguilar Cortez. DJ.16/8/2012), disponível no site www.tjsp.jus.br. 23 Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento 0044216-32.2012.8.26.0000 – Voto 17292 – Ribeirão Preto, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente Agravo de Instrumento 0044216-32.2012.8.26.0000, Tribunal de Justiça de São Paulo, apelação n. 000924552.2009.8.26.0153, relator Desembargador Ruy Alberto Leme Cavalheiro. Disponível no site www.tjsp.jus.br

promover a recomposição, compensação ou regeneração da área. 24

SOBREPOSIÇÃO DA RESERVA LEGAL NAS

ÁREAS DE PROTEÇÃO PERMANENTE A nova lei permite a compensação da área de

Reserva Legal em área de proteção permanente, como também a compensação em outras áreas, sem desobrigar os proprietários da sua demarcação e destinação.25

O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal do imóvel é admitido desde que esse benefício não implique a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo; a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama e o proprietário ou o possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR.

POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA AS QUESTÕES REFERENTES À INEXISTÊNCIA DE RESERVA

LEGAL NO LIMITE FIXADO PELO NOVO CÓDIGO FLORESTAL

O proprietário ou possuidor de imóvel rural que

detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no artigo 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente: I recompor a Reserva Legal; II permitir regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal; III compensar a Reserva Legal.

A recomposição, nessa hipótese, deverá atender os critérios estipulados pelo órgão competente do Sisnama e ser concluída em até 20 (vinte) anos, abrangendo, a cada 2 (dois) anos, no mínimo 1/10 (um décimo) da área total necessária à sua complementação.

DA ANISTIA NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL O artigo 59 do Novo Código Florestal não

contempla a anistia universal e incondicionada, de maneira a extinguir ou apagar os efeitos dos atos ilícitos praticados anteriormente a 22 de julho de 2008.

O artigo 59 do Lei 12.651/2012 deixa claro que a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continuam necessárias.

Prevê o mencionado artigo legal que a recuperação se realize por meio de procedimento

                                                                                                               24Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento 0044216-32.2012.8.26.0000, relator Desembargador Ruy Alberto Leme Cavalheiro. Disponível no site www.tjsp.jus.br. 25 Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo, processo n. 0002074-75.2000.8.26.0374, relator Desembargador João Negrini Filho. Disponível no site www.tjsp.jus.br

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administrativo no âmbito de Programa de Regularização Ambiental – PRA, após a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR e a assinatura do Termo de Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial).

Por ocasião do cumprimento integral das obrigações previstas no PRA ou no TC, as multas (e só elas) serão consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de áreas rurais consolidadas conforme definido no PRA.

Apenas a partir daí serão suspensas as sanções aplicadas ou aplicáveis . Vale dizer, a regra geral é que os autos de infração lavrados continuam plenamente válidos, intangíveis e blindados, como ato jurídico perfeito que são – apenas a sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa, no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC. 26

DO PRAZO PARA O PROPRIETÁRIO OU

POSSUIDOR DE IMÓVEL RURAL MANTER ÁREA COM COBERTURA DE VEGETAÇÃO NATIVA A TÍTULO DE RESERVA LEGAL

O início da recomposição deverá ocorrer em até

dois anos contados a partir da data da publicação da Lei n. 12.727/2012 ( 25 de maio de 2012).

O primeiro passo do proprietário em situação irregular é aderir ao PRA, Programa de Regularização Ambiental. Essa adesão é condicionada ao cadastramento do imóvel no CAR. Depois da adesão nesse programa, o proprietário ou possuidor deverá assinar o termo de compromisso. A partir da assinatura do termo de compromisso, serão suspensas as sanções relativas à supressão irregular de vegetação em áreas de Reserva Legal.

Dessa forma, o prazo final para a conclusão da recomposição será aquele fixado nas normas de PRA de cada Estado ou do Distrito Federal, a quem caberá o detalhamento do programa em razão das peculiaridades territoriais, climáticas, históricas, culturais, econômicas e sociais de cada região.

DO CÔMPUTO DA ÁREAS DE APPS NAS

ÁREAS DE RESERVA LEGAL. PROPRIEDADES COM INÚMERAS HIDROGRAFIAS.

Na análise dessa matéria, é preciso destacar que

caso duas normas em matéria ambiental estejam em conflito prevalecerá a que for mais benéfica em relação à natureza, ou seja, a mais restritiva a fim de evitar possíveis degradações ambientais. Trata-se da manifestação do princípio da precaução, segundo o qual o

                                                                                                               26 Brasil. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1240.122-Pr, relator Ministro Herman Benjamin. Disponível no site www.stj.jus.br

mais importante é impedir que o dano ambiental aconteça.27

No presente caso, contudo, não há conflito de normas, já que o artigo 15 do Novo Código Florestal permite, expressamente, o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que esse benefício não implique a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo, a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do SISNAMA e o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do Cadastro Ambiental Rural-CAR.

DA SOMA DAS ÁREAS DE RESERVAS E

MATA CILIAR NÃO CONTÍGUAS. CÁLCULO DO PERCENTUAL DE RESERVA LEGAL DO IMÓVEL

O artigo 15 da Lei 12.651/2012 não exige a

contiguidade das áreas de reserva com a mata ciliar, muito embora a escolha da localização da área de reserva legal no imóvel rural deva levar em consideração o critério de formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal ou com Área de Preservação Permanente (artigo 15 c/c artigo 14, III da Lei 12.651/2012).

DA RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA DE

RESERVA LEGAL COM ATÉ 50% DE EXÓTICAS OU FRUTÍFERAS INTERCALADAS ÀS NATIVAS: COLHEITA E LICENCIAMENTO.

A recomposição da área de Reserva Legal poderá

ser realizada mediante o plantio intercalado de espécies nativas de ocorrência regional com 50% de exóticas ou frutíferas, com direito à exploração econômica (artigo 66, parágrafos 3o e 4o da Lei 12.651/2012).

Dessa forma, em tese, poderemos recompor a área de Reserva Legal com açaí, pupunha, banana, eucalipto, seringueira, etc, desde que o plantio seja intercalado com espécies nativas de ocorrência regional.

Todavia, a lei não disciplina como poderá ser feita a exploração econômica, na medida em que a colheita da espécie exótica, ou da frutífera, no sistema intercalado, apresenta-se extremamente complicado.

A exploração econômica requer o uso de máquinas (tratores, colheitadeiras, etc.), que precisarão circular sem causar danos às árvores nativas, o que não é simples de ser concretizado.

De toda forma, a lei não fixa os termos da exploração econômica, indicando uma regularização futura.

                                                                                                               27 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.240.122-Pr, relator Ministro Herman Benjamin. Disponível no site www.stj.jus.br

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DAS VEREDAS. ÁREAS ÚMIDAS. APP. Nas áreas chamadas veredas, a APP tem início

após o término da área brejosa, em uma faixa de 50m. A questão que se coloca é se podemos utilizar a área da margem da calha até o fim da área úmida, incluindo a APP, no cômputo da reserva legal.

Muito bem. Nas veredas, considera-se área de

preservação permanente a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura de 50 metros a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado (artigo 4o , XI).

A vereda é um segmento de paisagem presente no bioma Cerrado. É constituída por solos hidromórficos, que fazem parte do sistema de recarga e descarga hídrica do bioma, abrigando, muitas vezes, altas taxas de endemismo, com ocorrência de palmáceas de espécies diversas, considerado ambiente de extrema importância ecológica e muita fragilidade.

A preservação das veredas não dispensa a preservação das áreas das faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a calha do leito regular nas larguras mínimas previstas do artigo 4o , I, a,b,c,d,e.

DA OBRIGAÇÃO DE RECUPERAR A ÁREA

ANTROPIZADA ATÉ O LIMITE ESTABELECIDO EM LEI. LARGURA DE CADA RECURSO HÍDRICO

Para os imóveis rurais com área de até um módulo

fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo dos cursos dágua naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em cinco metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso dágua, se possuir área superior a um módulo fiscal até dois módulos fiscais, a faixa de recomposição será de 8 metros, se a área for superior a dois módulos até quatro, a recomposição será de 15 metros, para imóveis com área superior a quatro módulos fiscais, será obrigatória a recomposição das faixas marginais integralmente.

DO PRAZO PARA O PROPRIETÁRIO

EFETUAR A RECUPERAÇÃO DA ÁREA DE APP O período será aquele previsto no Programa de

Regularização Ambiental ao qual o proprietário ou possuidor tiver aderido.

RECUPERAÇÃO ESPONTÂNEA DAS APPS

(INTERVENÇÃO EM APP PARA FINS DE RECUPERAÇÃO) OU CONTROLE DE EROSÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA.

Nesse tópico, devemos ressaltar, inicialmente, que

a interpretação da legislação ambiental deve sempre ser feita à luz do caso concreto. A princípio, o proprietário

não precisa de permissão para recuperar a APP ou controlar erosão, já que a recuperação ambiental de Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, bem como a recuperação de áreas degradadas atende à finalidade da Lei 12.651/2012. Se não devemos prestigiar o exercício abusivo de direitos e garantias individuais ou coletivos, que se caracteriza pela não observância do princípio da proporcionalidade pelo particular, também a ordem jurídica brasileira não permite a imposição de obrigação, sanção ou restrição em medida superior à estritamente necessária ao atendimento do interesse público.

ÁREAS AMBIENTAIS COM OCUPAÇÃO

ANTRÓPICA ATÉ 2008. ISENÇÃO DE AUTUAÇÃO OU RECOMPOSIÇÃO. JUSTIFICAÇÃO. PROVAS PERMITIDAS.

Tanto a área com ocupação antrópica, quanto a

área consolidada é aquela que vinha sendo ocupada ou cultivada há anos pelo proprietário do imóvel. A ocupação da área deve ser anterior a 22 de junho de 2002 e não pode ter sido interrompida em nenhum período. Também não pode ser ampliada. Os usos admitidos são as edificações, as benfeitorias e as atividades agrossilvipastoris (agricultura, pecuária ou plantio de florestas de produção).

Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais deverão provar essas situações consolidadas por documentos tais como descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade, contratos e documentos bancários relativos à produção, e por todos os outros meios de prova em direito admitidos, compreendendo todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos (Código de Processo Civil, artigo 332), neles incluindo a prova testemunhal.

POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DE

ÁREA COM VEGETAÇÃO EM FASE INICIAL EM USO ALTERNATIVO DO SOLO. EXCEDENTE DE VEGETAÇÃO. COMPENSAÇÃO.

O mesmo proprietário possuindo duas

propriedades denominadas A e B, na mesma bacia hidrográfica, sendo que propriedade A possui excedente de vegetação natural para disponibilizar como compensação da área B. A área B possui vegetação nativa inferior a porcentagem necessária, sendo que parte da vegetação está em fase de crescimento inicial. Pergunta-se: é possível converter a área com vegetação em fase inicial em uso alternativo do solo e utilizar o excedente da vegetação da área A, a título de compensação?

A princípio sim, porque a Lei 12.651/2012 permite o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do Imóvel, bem como permite que ela seja instituída em regime de condomínio ou coletiva entre propriedades rurais.

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Todavia, a supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, dependerá de cadastramento do imóvel no CAR, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama.

De certa forma, a Lei 12.651/2012 deixou os proprietários que utilizaram as suas APPs e Reservas Legais para uso alternativo do solo em uma situação mais vantajosa do que aqueles que não as utilizaram, já que aqueles poderão escolher parte da área da APP e parte da área de reserva ou só as áreas de APPs para o cômputo da área de Reserva Legal.

DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE

OBJETIVA Aqueles que degradaram o meio ambiente e os

corresponsáveis, mesmo sem culpa, devem reverter os prejuízos causados com a adoção de medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental.

A medida mais comuns para essa reparação é a reconstituição natural, com a cessação das atividades lesivas ao meio ambiente, bem como a recuperação da área atingida de forma natural ou com auxílio externo (atividade humana), fazendo o meio ambiente atingido retornar ao seu status quo ante. A responsabilidade objetiva é fundada no simples risco ou no simples fato de haver uma atividade danosa ao meio ambiente, independente da culpa do agente causador do dano.28

RESERVA LEGAL: NECESSIDADE DE

CERCAS Toda a interpretação da legislação ambiental

pressupões uma valorização objetiva.29 Não existe previsão legal específica para a

colocação de uma cerca que isole a área de Reserva Legal ou de APP, mas a providência se apresenta como meio idôneo para o fim de preservação ambiental, impedindo a atividade danosa ao meio ambiente. 30

Para responder a essa pergunta, devemos verificar qual a atividade exercida no imóvel rural em questão. A interpretação da legislação apresentará alterações se a atividade for agricultura, silvicultura ou criação de animais (gado, búfalos, caprinos, etc.)

A agricultura e a silvicultura não causam danos ambientais que justifiquem a utilização de cercas na APP ou nas áreas de Reserva Legal, já que as matas nativas podem conviver harmoniosamente com outras espécies frutíferas, exóticas, grãos e etc., tanto assim que o próprio Código Florestal previu a recomposição da Reserva Legal

                                                                                                               28 CALMON, Eliana. Direito Socioambiental: Dano ambiental. V. 2. Paraná: Juruá, 2010 página 339.  29 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, teoria da justiça, fonte e modelos do direito. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003, p 280.Estudos Gerais, Série Universitária. 30 Brasil. Tribunal de Justiça do Paraná. Processo 688086-8, relator José Marcos de Moura, 5a Câmara Cível, Comarca de Cambará, DJ 29/08/2011. Disponível no site www. tjpr.jus.br.

com plantio intercalado de frutíferas ou exóticas com nativas de ocorrência regional.

Nessa hipótese, não há dano ambiental provável que justifique a obrigação de cercar as áreas de APP ou Reserva Legal.

Por outro lado, se a atividade exercida for a criação de animais, duas situações distintas podem ocorrer: Se a área de Reserva Legal estiver em fase de regeneração, justifica-se a existência de cerca para impedir que os animais entrem na Reserva Legal e quebrem as árvores em regeneração. Todavia, a partir de uma determinada idade, as árvores nativas tornam-se resistentes e não mais se justifica a existência de cerca, já que nenhum dano ambiental poderá ser causado por esses animais.

Nas APPs, por outro lado, a existência de cercas são necessárias, se a atividade exercida for a criação de animais. Nessa hipótese, aplica-se o princípio da precaução, segundo o qual o mais importante é impedir que o dano ambiental aconteça.31

CONCLUSÃO

O Novo Código Florestal é uma legislação

avançada e retrata o permanente estado de tensão entre o imperativo de desenvolvimento nacional e a necessidade da preservação do meio ambiente, reafirmando o compromisso do Brasil com o princípio do desenvolvimento sustentável.

O Poder Legislativo, nesse contexto, cria a legislação de proteção ao meio ambiente mediante barganhas e negociações, formando um conjunto de leis estilo “colcha de retalhos”, capaz de atender a interesses antagônicos.32

Nesse cenário, a interpretação da legislação deve ser desenvolvida no sentido de harmonizar e conciliar esses conflitos, bem como contextualizá-los, com amparo nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Nesse trabalho foram alinhavadas as principais dúvidas traçadas pelos pecuaristas e profissionais da área ambiental, as quais procuramos responder com base na jurisprudência dominante na atualidade.

                                                                                                               31 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.240.122-Pr, relator Ministro Herman Benjamin. Disponível no site www.stj.jus.br.

 32 HABERMAS, Jurgen. A nova intransparência: a crise do bem estar social e o esgotamento das energias utópicas. São Paulo: Centro Brasiliense de Análise e Planejamento, 1987 (Novos Estudos, n.18).  

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