porto, 11-12 julho, 2014 aprender a ler em português...
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Aprender a ler em português: Decifrando o código ortográfico no acesso lexical
Ana Paula Soares
Grupo de Investigação em Psicolinguística
Laboratório de Cognição Humana
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal
Directora do Lab de Cognição Humana Coordenadora do Grupo de
Investigação em Psicolinguística
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus Gualtar, 4710-057 BRAGA E-mail: [email protected] Telf.: +351 253 604 236/Fax: +351 253 60422
Porto, 11-12 Julho, 2014
Onde estamos?
O GIP nasceu em 2008 na Escola de Psicologia da Universidade do Minho.
Laboratório Cognição Humana Grupo Investigação Psicolinguística
Sedeado no Lab de Cognição Humana.
Onde estamos?
Objectivos:
estrutura para a formação dos alunos do Mestrado Integrado em Psicologia (1º e 2º ciclos) e do Programa de Doutoramento em Psicologia Básica.
plataforma para a promoção da investigação em Psicolinguística de índole essencialmente experimental.
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Ler implica a realização de movimentos-oculares. Assim a investigação pode ser feita com Eye-Tracking.
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Eye-Tracking
ERP (Event-Related Potentials)
• os potenciais evocados são uma medida das mudanças eléctricas iniciadas num organismo quando se lhes apresenta um estímulo.
Neuropsicologia da linguagem
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Desde há muito que o estudo da forma como reconhecemos uma palavra entre as milhares de palavras que temos armazenadas na nossa cabeça tem suscitado o interesse dos investigadores…
Reconhecimento de palavras
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O que é difícil na procura de palavras?
Número de palavras existentes… • Inglês: ≈600.000 • Francês: ≈100.000 • Alemão: ≈185.000 • Português: ≈243.000 (Porto Editora, 2008)
Número de palavras existentes no léxico mental
• 5-6 anos: ≈2.500 - 5.000 palavras
• Adultos: ≈45.000 - 15.0000 (em média um adulto normal tem cerca de 75.000 palavras armazenadas na sua memória!)
Similitude entre as palavras
• <inverno> vs. <inferno>
Reconhecimento de palavras
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Aprender a ler
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Aprender a falar e a compreender aquilo o que os outros nos dizem é um processo natural (basicamente, nascemos para fazer isso...)
Aprender a ler não é um processo natural!
o nosso cérebro não nasceu apto para a leitura…
conseguir ler exige a restruturação de circuitos cerebrais
• i.e., para ler [e escrever] temos de modificar regiões do cérebro desenvolvidos ao longo de milhões de anos de evolução para servir a linguagem oral e o reconhecimento de faces e objectos para que eles possam funcionar ao serviço da literacia, criando um novo “nicho cerebral” para novos usos culturais (Deahene, 2007, 2009).
A leitura e a escrita são um fenómeno cultural relativamente recente… conquistado apenas à 5.400 anos atrás…
Os genes não incorporaram a leitura na sua estrutura (não houve tempo nem pressão evolutiva para tal) e “obrigam” assim o cérebro a reciclar-se (Dehaene, 2009).
Se a leitura [e a escrita] fosse uma habilidade “natural”, todos conseguíamos fazê-lo sem dificuldade (como a fala), mas… • há cerca 40 milhões de adultos analfabetos
funcionais nos EUA. • muitas crianças relevam também dificuldades
em fazê-lo (dislexias, 4-8% população escolar; Snowling, 2008).
• 5.4% em Portugal; Vale et al., 2011).
Modelo de reciclagem neuronal!!
Aprender a ler
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Área visual de palavras
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Localizada nas mesmas coordenadas do sulco occipital-temporal lateral esquerdo de diferentes indivíduos (Dehaene et al.,
2002).
Área cerebral activada na leitura em todas as línguas (Bolger et al., 2005;
Nakamura et al., 2005).
Lesões nesta área provocam alexia pura (“cegueira para palavras”, Déjerine, 1892; Cohen al., 2003; Gaillard et al., 2006).
Activa-se independentemente do tipo de letra ou da sua localização no espaço visual (Dehaene et al., 2001; Cohen et al.,
2002) mesmo perante a apresentação subliminar de palavras (Dehaene et al., 2001, 2004).
(Dehaene, 2009)
*
vermelho
vermelho
/ /
azul / /
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Efeito Stroop
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Consiste do ponto de vista neuro-cognitivo em “reciclar” áreas de reconhecimento de faces e objectos para a detecção de letras e sequências de letras que constituem palavras num dado sistema ortográfico (Dehaene, 2007, 2009)
e…
Aprender a ler
(Dehanene, 2009)
...ligar essa área com áreas pré-existentes que possibilitam o processamento dos sons da fala e dos seus significados antes da emergência da literacia (Dehaene et
al., 2001, 2004).
i.e., aprender a ler consiste em criar uma ponte entre a visão (a representação visual das palavras escritas na área visual das palavras) e a linguagem verbal (que correspondente aos sons e ao significado das palavras)
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Estudos com crianças tão pequenas quanto 2 meses de vida mostram que existem áreas que se activam de forma selectiva para fala e não para música (gyrus temporal superior, sulcus temporal superior e áreas frontais inferiores) aproximando-se ao observado em adultos (Dehaene et al., 2002, Science; 2006,
PNAS; 2009; Brain & Language).
Aprender a ler
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Como a leitura modifica o cérebro?
Aprender a ler
Estudo conduzido pelo Centro
Internacional de Neurociências
em colaboração com
investigadores portugueses
publicado na Science em 2010
(Dehaene et al., 2010) mostra que
aprender a ler e a escrever
melhora a função cerebral:
• reorganiza o córtex visual criando uma área especifica na zona occipito-temporal esquerda que responde a estímulos letras e sequências de letras de um dado sistema ortográfico;
• aumenta a resposta precoce do córtex occipital a outros estímulos visuais;
• aumenta a resposta das áreas linguísticas dedicadas à fala perante estímulos escritos.
• , ou seja, a leitura e a escrita melhoram o processamento da linguagem oral.
• En segundo lugar, la lectura «permite que la práctica totalidad de la red del hemisferio izquierdo dedicada al lenguaje oral se active al observar frases escritas. Por consiguiente la lectura, un avance cultural tardío, se acerca a la eficiencia del canal de comunicación más evolucionado de la especie humana: el habla.»
• Por último aducen que su investigación ha demostrado que la «capacidad para leer perfecciona el procesamiento del lenguaje oral mediante la mejora de una región fonológica, el planum temporal, y mediante la disponibilidad descendente de un código ortográfico».
Aprender a ler
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Aumenta de forma massiva a activação da área visual de palavras mesmo em ex-iliterados adultos (Dehaene et al.,
2010, Science).
(Catani et al., 2009)
(Dehaene et al., 2010)
Aprender a ler
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Tem um impacto globalmente positivo no sistema visual de reconhecimento de faces e objectos (Dehaene et al., 2010, Science).
• Reposta a todo o tipo de estímulos visuais aumenta no córtex occipital.
• A resposta do córtex visual primário aumenta inclusivamente de forma selectiva para formas horizontais [mas verticais].
(Dehaene et al., 2010)
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Modifica também o processamento da linguagem oral: a activação do planum temporal quase que duplica! (Dehaene et al.,
2010, Science).
Aprender a ler
(Dehaene et al., 2010)
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Escrita em espelho
Aprender a ler
Todas as crianças mostram escrita em espelho numa idade específica quando se tornam capazes de escrever seu nome.
Isso costuma ser mais significativo quando aprendem a ler, mas vai-se perdendo à medida que o seu nível de proficiência leitora aumenta.
Escrita em espelho
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Uma marca da reciclagem neuronal?
(Cornell, 1985)
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Escrita em espelho
Uma marca da reciclagem neuronal?
Desenvolvemos um mecanismos de simetria que nos ajuda a reconhecer faces e objectos desprezando a sua orientação.
Esta generalização da simetrização tem de ser desaprendida quando aprendemos a ler.
, i.e. quando os estímulos são letras e palavras.
Os neurónios temporais-inferiores “criam” espontaneamente imagens em espelho.
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Escrita em espelho
Uma marca da reciclagem neuronal?
(Pegado et al, 2014, Journal Experimental Psychology)
• O custo de decidir que duas imagens em espelho correspondem à mesma imagens aumenta com a literacia.
• iletrados mostram uma melhor desempenho em tarefas de julgamento de simetria.
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No nosso lab temos desenvolvidos alguns estudos que visam perceber como é que as crianças desenvolvem o seu conhecimento/competência ortográfica….
Reconhecer palavras escritas
Essencial para a passagem de reconhecimento serial para um reconhecimento mais global (i.e., paralelo) da palavra com implicações claras na leitura e na escrita.
Illustration of the phonological decoding and self-teaching mechanisms in the context of the
Connectionist Dual processing Model [CDP] (Perry, Zorzi & Ziegler, 2010).
(Ziegler et al., 2014)
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Porque é que isto pode ser importante?
Aprender a ler
“Academic success, as defined by high school graduation, can be
predicted with reasonable accuracy by knowing someone’s reading skill
at the end of third grade. A person who is not at least a modestly skilled
reader by that time is unlikely to graduate from high school.”
(“Preventing Reading Difficulties in Young Children”, Snow, Burns, & Griffin, 1998)
De acordo com o National Research Council (Preventing Reading Difficulties in Young Children, Snow, Burns, & Griffin, 1998)
Assimetria Cs/Vs em adultos
Estudos de reconstrução de palavras (Cutler at al. 2000, Memory and Cognition)
mude
para uma palavra /kebra/
/zebra/
/cobra/
• /kebra/ mudado mais vezes
para /cobra/ do que para /zebra/.
• Encontrado em inglês, espanhol e holandês: ≈70% > 30%.
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Mais importante manter as Cs do que as Vs.
Assimetria Cs/Vs em adultos
Estudos neurofisiológicos:
ERPs (Carreiras et al., 2008, 2009)
• activação de diferentes componentes de onda (N250 e N400) para palavras que sofreram alterações nas Cs vs. Vs.
PET (Sharp et al., 2005)
• mais activação para palavras que sofreram alterações nas Cs vs. Vs no gyrus inferior-frontal esquerdo.
fMRI (Carreiras & Price, 2008)
• mais activação no córtex frontal medial direito para transformações em Cs vs. Vs.
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Estudos clínicos
Afásicos com comprometimentos selectivos na produção de Cs ou Vs (Caramazza et al. 2000, Nature)
Dissociação dupla
• Caso AS: mais erros em Vs do que em Cs (27% vs. 9%).
• Caso IFA: mais erros em Cs do que em Vs (5% vs. 28%).
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Assimetria Cs/Vs em adultos
É uma palavra portuguesa?
500 ms
######
50 ms
gicala
“SIM” “palavra”
Não responda para “não-palavras”
Soares et al., 2014, PLoS ONE 9(2)
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PIRATA até responder ou
2500 ms
pureto-PIRATA • Preservação de
consoantes
gicala-PIRATA • Preservação de
vogais
Estudo 2º ano Pri
min
g n
et eff
ect
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** p < .001
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Estudo 4º ano P
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Ideias principais:
Vantagem das Cs sobre as Vs em leitores proficientes adultos:
• alargando os resultados observados noutras línguas (inglês, espanhol, holandês, francês) ao português europeu.
Vantagem das Cs sobre as Vs apenas nas crianças de 4º ano:
• mostrando que o viés consonantal emerge apenas num estádio intermédio de proficiência leitora e não em estádios mais iniciais da leitura.
Vantagem das Cs sobre as Vs tanto em palavras CV como VC nos adultos, mas restringida a palavras CV nas crianças de 4º ano. Nas palavras CV há também um efeito de inibição das Vs.
• a vantagem das consonantes é gradual (modulada pela estrutura da palavra) e a partilha das vogais dificulta o reconhecimento das palavras.
Laboratório Cognição Humana Grupo Investigação Psicolinguística
Soares et al., 2014, PLoS ONE 9(2)
Em preparação
Estudos que visam avaliar até que ponto a vantagem das Cs sobre as Vs é um efeito estrictamente ortográfico e/ou envolve também a fonologia.
<kobra> também facilita o reconhecimento de <COBRA> ?
Avaliar até que ponto outros fenómenos observados em adultos (ex. transposição de letras) é também observado em crianças e como esse fenómeno pode ser modulado pela proficiência leitora das crianças e pelo tipo de letras envolvidas na transposição (Cs vs. Vs).
<cholocate> facilita o reconhecimento de <CHOCOLATE>?
<anamil> facilita o reconhecimento de <ANIMAL>?
Laboratório Cognição Humana Grupo Investigação Psicolinguística
Muito obrigada pela vossa atenção!!
Questões?
Grupo de Investigação em Psicolinguística
Laboratório de Cognição Humana Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga,
Portugal
E-mail: [email protected] Telf.: +351 253 604 236/ Fax: +351 253 60422.
Porto, 11-12 Julho, 2014