pontifÍcia universidade catÓlica de goiÁs pÓs … e biologicas... · doenças transmitidas por...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PÓS-GRADUAÇÃO EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA
Relação entre as doenças transmitidas por alimentos e as boas práticas de fabricação
Alice Juliana de Moura1
Péricles Macedo Fernandes2
1 Engenheira de Alimentos. Aluna da Pós-Graduação em Vigilância Sanitária pela Universidade Católica de
Goiás PUC-GO/IFAR. 2
Farmacêutico Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Especialista em Homeopatia pelo
Instituto Hahnemanniano do Brasil. Fiscal Federal Agropecuário na área de Inspeção Vegetal do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Professor do IFAR/PUC-GO. E-mail: peri-
Resumo
As doenças transmitidas por alimentos (DTAs) constituem um grande problema de saúde pública, sendo respon-
sáveis por elevados custos econômicos e sociais. As Boas Práticas de Fabricação (BPFs) são normas e procedi-
mentos utilizadas para atender a um padrão de identidade e qualidade estabelecido para alimentos e garantir
adequados procedimentos nos serviços de alimentação. O objetivo deste trabalho é apresentar, por meio de uma
revisão de literatura, que a efetiva utilização e implantação das BPFs pelas indústrias e estabelecimentos produ-
tores ou manipuladores de alimentos podem garantir a qualidade sanitária dos alimentos. Verificou-se que o uso
das BPFs pode sim reduzir ou eliminar as possibilidades desses alimentos transmitirem doenças ao consumidor.
Palavras-chave: Alimentos. Doenças transmitidas por alimentos. Boas práticas de fabricação. Saúde Pública.
Relationship between foodborne illness and good manufacturing practices Abstract
The foodborne illness (foodborne) are a major public health problem, accounting for high economic and social
costs. The Good Manufacturing Practices (GMPs) are standards and procedures used to achieve the legal stan-
dard of identity and quality of food and ensure suitable producers in food services. The objective of this paper is
to present, through a literature review, the effective use and implementation of GMPs by industries and manufac-
turing establishments or food handlers can ensure sanitary quality of foods. It has been found that the use of
GMPs can reduce or eliminate the possibility of such foods transmit diseases to the consumer.
Keywords: Food. Foodborne illness. Good manufacturing practices. Public Health.
1 INTRODUÇÃO
As doenças transmitidas por alimentos (DTAs) são conhecidas desde épocas muito re-
motas. No ano 2000 AC., Moisés determinou algumas leis sobre os alimentos que se podia
comer e os que se deveria rejeitar, bem como os métodos de preparação e a importância da
limpeza das mãos antes de ingerir os alimentos (BRASIL, 2005).
As DTAs são ocorrências clínicas consequentes à ingestão de alimentos que possam es-
tar contaminados com microrganismos patogênicos (infecciosos, toxinogênicos ou infestan-
tes), substâncias químicas, objetos lesivos ou que contenham em sua constituição estruturas
naturalmente tóxicas, ou seja, são doenças consequentes à ingestão de perigos biológicos,
químicos ou físicos presentes nos alimentos (SILVA JUNIOR, 2007). DTA é um termo gené-
rico, aplicado a uma síndrome, geralmente, constituída de anorexia, náuseas, vômitos e/ou
diarreia (BRASIL, 2005).
A ocorrência de doenças transmitidas por alimentos tem sido foco de discussões nos úl-
timos anos, devido à preocupação mundial com estratégias que permitam seu controle e, con-
sequentemente, garantam a colocação de produtos seguros no mercado consumidor (SHINO-
HARA et al., 2008).
As Boas Práticas de Fabricação (BPFs) são normas e procedimentos para alcançar um
determinado padrão de identidade e qualidade de alimentos e de serviços de alimentação (O-
PAS/INPPAZ, 2005a). Essas medidas devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos a fim
de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos alimentícios com os regula-
mentos técnicos. A legislação sanitária federal regulamenta essas medidas em caráter geral,
aplicável a todo o tipo de indústria de alimentos e específico, voltadas às indústrias que pro-
cessam determinadas categorias de alimentos (ANVISA, 2012).
Sabe-se que a efetiva utilização e implantação das BPFs pelas indústrias e estabeleci-
mentos produtores ou manipuladores de alimentos garante a qualidade sanitária dos alimentos
bem como reduz ou elimina as possibilidades desses alimentos transmitirem doenças ao con-
sumidor. Os esforços para aumentar a capacidade de enfrentamento dos sistemas de inocuida-
de de alimentos no que tange as doenças transmitidas por alimentos é um desafio comum,
com responsabilidades concorrentes entre os órgãos de controle e fiscalização e da população
em geral ou do setor regulado (OPAS/OMS, 2009).
A proteção e promoção da saúde humana e do desenvolvimento econômico, particular-
mente aquelas relacionadas à segurança dos alimentos, é um desafio permanente para o Sis-
tema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), assim como para entidades internacionais
como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial
da Saúde (OMS) (OPAS/OMS, 2009).
O propósito do presente trabalho é mostrar a importância das BPFs em promover e es-
timular a produção adequada de alimentos dentro de condições ambientais favoráveis para a
produção de alimentos. Além disso, visa também recomendar práticas de higiene referentes à
manipulação de alimentos para consumo humano, com o objetivo de garantir produtos segu-
ros, inócuos e saudáveis.
2 METODOLOGIA
Para a construção deste trabalho de revisão bibliográfica, foram selecionados livros, ar-
tigos e leis tendo como descritor de busca: alimentos. A revisão foi realizada com artigos pu-
blicados a partir do ano 2002 ao ano de 2012, pesquisados na base de dados da Bireme, por
meio dos serviços da Medline, Scielo e Lilacs. Também foram acessadas as bibliotecas virtu-
ais das Universidades Federais de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,
além da Universidade de Campinas.
3 DISCUSSÃO
3.1 Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs) - Definições
Doenças transmitidas por alimentos são resultantes da veiculação de enfermidades ao
homem por alimentos ou bebidas que contenham perigos com potencial para se manifestar no
consumidor (OPAS/INPPAZ, 2005a). A maioria são infecções causadas por bactérias e suas
toxinas, vírus e parasitas. Outras doenças são envenenamentos causados por toxinas naturais
ou por produtos químicos prejudiciais que contaminaram o alimento, como por exemplo, os
agrotóxicos (ANVISA, 2012).
Os microrganismos podem causar doenças por meio de três mecanismos, conhecidos
como agressividade, toxicidade e hipersensibilidade. De acordo com Silva Junior (2007), as
DTAs são fundamentalmente causadas devido aos mecanismos de agressividade e toxicidade.
O autor menciona também a intoxicação química como causa de DTA.
A toxicidade é caracterizada pela produção de toxina no alimento. A toxinose é o qua-
dro clínico consequente da ingestão de toxinas bacterianas pré-formadas nos alimentos, decor-
rente da multiplicação de bactérias toxinogênicas nos alimentos, como o Staphylococcus au-
reus, Clostridium botulinum e Bacillus cereus emético (SILVA JUNIOR, 2007).
A multiplicação microbiana no intestino caracteriza a agressividade. De acordo com
Silva Junior (2007), a infecção é o quadro clínico que decorre da ingestão de microrganismos
patogênicos que se multiplicam no trato gastrointestinal, produzindo toxinas ou agressão ao
epitélio, como a Salmonella sp., Shigella sp. e Escherichia coli.
A intoxicação química é causada pela ação de substâncias químicas no organismo. A in-
toxicação é o quadro clínico decorrente da ingestão de substâncias químicas nos alimentos,
como agrotóxicos, pesticidas, raticidas, metais pesados, micotoxinas (toxinas de fungos), to-
xinas de algas, aminas biogênicas, aminas vasopressoras alergênicas (produzidas por micror-
ganismos psicotróficos) (SILVA JUNIOR, 2007).
Um surto de DTA é definido pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention,
nos EUA) como um incidente em que duas ou mais pessoas apresentam uma enfermidade
semelhante após a ingestão de um mesmo alimento, e as análises epidemiológicas apontam o
alimento como origem da doença (OPAS/INPPAZ, 2005b).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010), dados disponíveis de surtos apontam
como agentes etiológicos mais frequentes os de origem bacteriana e dentre eles, Salmonella
sp., Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Shigella sp., Bacillus cereus e Clostridium per-
fringens.
A tabela 1 abaixo apresenta alguns dos agentes mais frequentes associados com DTAs e
seu respectivo mecanismo fisiopatológico.
Tabela 1. Principais mecanismos fisiopatológicos e agentes etiológicos mais comuns de DTAs
Toxina pré-
formada
Toxina produzida
in vivo
Invasão teci-
dual
Produção de
toxina e/ou inva-
são tecidual
Ação química Ação mecâ-
nica
Staphylococcus
aureus (toxina
termoestável)
Escherichia coli
enterotoxigênica
Brucella spp Vibrio parahae-
molyticus
Metais pesados Giardia intes-
tinal
Bacillus cereus
Cepa emética
(toxina termoes-
tável)
Bacillus cereus
Cepa diarreica
Salmonella spp Yersinia entero-
colítica
Organofosforados
Organoclorados
Piretroides
Clostridium botu-
linum (Botulismo
alimentar)
Clostridium botu-
linum (Botulismo
intestinal e por
ferimentos)
Escherichia
coli invasiva
Shigella spp
Clostridium per-
fringens
Plesiomonas
shigelloides
Vibrio cholerae
O1
Entamoeba
histolytica
Vibrio cholerae
Não O1
Aeromonas
hydrophila
Escherichia coli
O157:H7
Campylobacter
jejuni
Rotavírus
Fonte: Ministério da Saúde, 2010
3.1.1 Classificação dos perigos
Conforme a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/INPPAZ, 2005b), os perigos
são classificados de acordo com sua natureza em perigos biológicos, perigos químicos e peri-
gos físicos.
Perigos biológicos: são exemplos de perigos biológicos as bactérias, vírus e parasitas patogê-
nicos, determinadas toxinas naturais, toxinas microbianas e determinados metabólitos tóxicos
de origem microbiana.
Perigos químicos: dentre os perigos químicos pode-se elencar os pesticidas, herbicidas, con-
taminantes tóxicos inorgânicos, antibióticos, promotores de crescimento, aditivos alimentares
tóxicos, lubrificantes e tintas, desinfetantes, micotoxinas, ficotoxinas, metil e tilmercúrio, e
histamina.
Perigos físicos: fragmentos de vidro, metal e madeira ou outros objetos que possam causar
injúria física ao consumidor são classificados como perigos físicos.
O perigo biológico, dentre os três tipos de perigos, representa mais riscos à inocuidade
dos alimentos. Normalmente, organismos como bactérias, vírus e parasitas estão associados a
manipuladores e produtos crus contaminados em um estabelecimento. Muitos desses micror-
ganismos estão naturalmente presentes no ambiente onde os alimentos são produzidos. Vários
são desativados pelo cozimento e outros podem ser controlados por práticas adequadas de
manipulação e armazenamento, incluindo boas práticas de higiene, temperatura e tempo (O-
PAS/INPPAZ, 2005b).
Segundo a OPAS/INPPAZ (2005b), os contaminantes químicos em alimentos podem
ocorrer naturalmente ou serem adicionados durante o processamento. Compostos químicos
prejudiciais, em altos níveis, têm sido associados a casos agudos de DTA e podem ser respon-
sáveis por doenças crônicas. A contaminação química pode acontecer em qualquer etapa da
produção ou do processamento dos alimentos.
Sabe-se que objetos estranhos no alimento podem causar doenças ou lesões no consu-
midor. Estes perigos físicos são os resultados de contaminação e/ou práticas deficientes em
vários pontos da cadeia produtiva, que vai desde a colheita até o consumidor final, inclusive
dentro de um estabelecimento onde se manipula alimentos (OPAS/INPPAZ, 2005b).
De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), no processo de transmissão das
DTAs, os alimentos são considerados veículos dos agentes infecciosos e tóxicos. A contami-
nação pode ocorrer durante todas as etapas da cadeia alimentar. Entre as principais formas de
contaminação, destacam-se a manipulação e a conservação inadequadas dos alimentos. Os
manipuladores representam, consequentemente, um importante elo na cadeia epidemiológica
das DTAs. Na Figura 1 observa-se a ocorrência da contaminação dos alimentos na cadeia de
produção dos alimentos.
Figura 1. Contaminação dos alimentos na cadeia alimentar
Fonte: Ministério da Saúde, 2005
3.2 Aspectos epidemiológicos
De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), determinar a origem das doen-
ças alimentares é uma tarefa complexa. Ela pode estar relacionada a diversos fatores ligados à
cadeia epidemiológica de enfermidades transmissíveis, que envolvam a tríade agente - meio
ambiente - hospedeiros suscetíveis.
Vários são os fatores que contribuem para a ocorrência dessas doenças. Segundo o Mi-
nistério da Saúde (BRASIL, 2005), os comumente associados são: o aumento crescente das
populações, a existência de grupos populacionais vulneráveis ou mais expostos, a necessidade
de produção de alimentos em grande escala, a utilização de novas modalidades de produção,
os hábitos culturais e a exposição das populações a alimentos do tipo fast-food. Ainda, o au-
mento do uso de aditivos e a mudança de hábitos alimentares, sem deixar de considerar as
mudanças ambientais, além do deficiente controle dos órgãos públicos e privados para fiscali-
zar e manter a qualidade dos alimentos ofertados às populações (BRASIL, 2005).
Mesmo em países desenvolvidos, as doenças transmitidas por alimentos são um pro-
blema de saúde pública e preocupam as autoridades. No Brasil, as DTAs são muito comuns,
mas só nos casos mais graves a pessoa afetada procura o serviço médico ou a vigilância sani-
tária para comunicar o fato (ANVISA/IDEC, 2007).
Segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Ministério da Saúde,
ocorreram mais de 3.400.000 internações por DTA no Brasil, de 1999 a 2004, com uma média
de cerca de 570 mil casos por ano (BRASIL, 2005). Além disso, de acordo com o Sistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM), de 1999 a 2002, ocorreram 25.281 óbitos por DTA,
com uma média de 6.320 óbitos/ano.
Nesse contexto, na tabela 2 é descrita a caracterização das principais doenças transmiti-
das por alimentos, envolvendo o seu agente etiológico, o período de incubação, os sinais e
sintomas mais comuns, os principais alimentos envolvidos e os principais fatores que contri-
buem para a ocorrência desses surtos.
Tabela 2. Caracterização das principais DTAs
Agente etioló-
gico
Período de
incubação
Sinais e sintomas Principais ali-
mentos envolvi-
dos
Principais fatores que
contribuem para a ocor-
rência de surtos
Bacillus cereus
(tipo emético)
30 min a 5 hrs Náuseas, vômitos, ocasio-
nalmente diarreia, dores
abdominais
Arroz cozido ou
frito, produtos
ricos em amido,
molhos, pudins,
sopas
Manutenção de alimentos
prontos em tempo / tem-
peratura inadequados
Bacillus cereus
(tipo diarréico)
8 a 16 hrs Diarreia aquosa, dores
abdominais, náuseas, vô-
mitos raramente
Carnes, leite,
vegetais cozidos,
produtos de cere-
ais
Manutenção de alimentos
prontos em tempo / tem-
peratura inadequados,
reaquecimento insuficien-
te
Staphylococcus
aureus
1 a 8 hrs Náuseas, vômitos, dores
abdominais, prostração
Produtos cárneos,
frango, produtos
de confeitaria,
doces e salgados
Contaminação do alimen-
to por manipuladores,
equipamentos, utensílios;
manutenção de alimentos
prontos em tempo / tem-
peratura inadequados
Clostridium
perfringens
8 a 22 hrs Dores abdominais inten-
sas, diarreia, gases
Carnes cozidas ou
assadas, molhos,
sopas
Descongelamento em
temperatura inadequada,
resfriamento lento, rea-
quecimento insuficiente
Salmonella spp 6 a 72 hrs Dores abdominais, diarrei-
a, calafrios, febre, náuseas,
vômitos, mal-estar, dores
musculares, cefaleia
Carne bovina e de
aves, produtos à
base de ovos crus
(sem cocção)
Matéria-prima contami-
nada na origem, contami-
nação cruzada de ingredi-
entes crus de origem ani-
mal, manutenção de ali-
mentos prontos em tem-
po/temperatura inadequa-
dos
Clostridium
botulinum
2 hrs a 8 dias Vertigem, visão dupla ou
borrada, boca seca, difi-
culdade para deglutir,
falar, respirar; fraqueza
muscular, constipação,
dilatação das pupilas,
paralisia respiratória, sin-
tomas gastrintestinais
podem preceder os neuro-
lógicos. Frequentemente
evolui para óbito
Conservas (prin-
cipalmente as
caseiras) de vege-
tais, peixes, car-
nes
Elaboração inadequada de
alimentos em conservas
Campylobacter
jejuni
2 a 7 dias Dores abdominais, diarreia
(frequentemente com mu-
co e sangue), cefaleia,
mialgia, febre, anorexia,
náuseas, vômitos, sequela
da síndrome de Guillan-
Barré
Leite cru, fígado
de boi, mariscos
crus, água
Ingestão de leite cru e
carnes de aves ou semi-
crua; pasteurização ou
cozimento inadequado;
contaminação cruzada;
manuseio de produtos
crus
Escherichia
coli patogênica
5 a 48 hrs Dores abdominais, diarrei-
a, vômitos, náuseas, cefa-
leia, mialgia
Diversos alimen-
tos, água
Contaminação por mani-
puladores, refrigeração
insuficiente, cocção ina-
dequada, limpeza e desin-
fecção deficiente de equi-
pamentos
Fonte: Prefeitura de São Paulo/Secretaria de Saúde, 2013
De acordo com o Boletim Eletrônico Epidemiológico do Ministério da Saúde (2005),
quando se agrega grande número de casos, vê-se que as DTAs são extremamente custosas.
Estima-se que o custo das DTAs nos Estados Unidos é de 5 a 6 bilhões de dólares em gastos
diretos e perda de produtividade. Infecções somente pela bactéria Salmonella spp. implicaram
perda de 1 bilhão de dólares em custos diretos e indiretos. No Brasil, os custos com os casos
internados por DTAs de 1999 a 2004, pelo SIH, chegaram a 280 milhões de reais, com média
de 46 milhões de reais por ano (BRASIL, 2005).
Apesar da comprovada relação de várias doenças com a ingestão de alimentos contami-
nados, do elevado número de internações hospitalares e da persistência de altos índices de
mortalidade infantil por diarreia, em algumas estados e municípios do país, pouco se conhece
da real magnitude do problema, pois os casos e surtos de DTAs não são notificados (BRASIL,
2005).
O perfil epidemiológico das doenças transmitidas por alimentos no Brasil ainda é pouco
conhecido. De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010) somente alguns estados
e/ou municípios dispõem de estatísticas e dados sobre os agentes etiológicos mais comuns,
alimentos mais frequentemente implicados, população de maior risco e fatores contribuintes.
3.3 Boas Práticas de Fabricação (BPFs) - Principais Aspectos
De acordo com a Anvisa (2012), as Boas Práticas de Fabricação (BPFs) abrangem um
conjunto de medidas que devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos e serviços de ali-
mentação a fim de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos alimentícios
com os regulamentos técnicos.
Segundo o Codex Alimentarius (2005), os princípios gerais de higiene alimentar, que
incluem as BPFs, são aplicados a toda cadeia alimentar, desde a produção primária até o con-
sumidor final, estabelecendo as condições higiênicas necessárias para produzir alimentos inó-
cuos e saudáveis. Os princípios recomendam práticas de higiene referentes à manipulação
(incluindo produção e colheita, preparo, processamento, embalagem, armazenagem, transpor-
te, distribuição e venda) de alimentos para o consumo humano, com o objetivo de garantir
produtos seguros (CODEX ALIMENTARIUS, 2005).
A principal meta das BPFs é a máxima redução dos riscos e o aumento da qualidade e
da segurança dos alimentos (SOUZA, 2006).
3.3.1 Legislação de BPF
No tocante às indústrias de alimentos, a legislação sanitária federal regulamenta as
BPFs em caráter geral, aplicável a todo tipo de indústria, e específico, voltadas às indústrias
que processam determinadas categorias de alimentos. Ademais, a Agência Nacional de Vigi-
lância Sanitária (ANVISA) publicou em 2004 o Regulamento Técnico de Boas Práticas para
Serviços de Alimentação, aprovado pela Resolução - RDC n° 216. Esse regulamento abrange
os procedimentos que devem ser adotados nos serviços de alimentação, a fim de garantir as
condições higiênico-sanitárias do alimento preparado (BRASIL, 2004).
De acordo com a Anvisa (2012), no caso das indústrias, a Portaria MS n° 1.428, de no-
vembro de 1993 foi a precursora na regulamentação desse tema. Essa portaria dispõe, entre
outras matérias, sobre as diretrizes gerais para o estabelecimento das BPFs e prestação de ser-
viços na área de alimentos (BRASIL, 1993).
Em 1997, foi publicada a Portaria SVS/MS n° 326, de 30 de julho, que foi baseada no
"Código Internacional Recomendado de Práticas: Princípios Gerais de Higiene dos Alimen-
tos" do Codex Alimentarius e harmonizada no MERCOSUL. Essa portaria estabelece os re-
quisitos gerais sobre as condições higiênico-sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para
estabelecimentos produtores/industrializadores de alimentos (BRASIL, 1997; ANVISA,
2012).
Segundo a Anvisa (2012), a Resolução - RDC n° 275, de 21 de outubro de 2002, foi de-
senvolvida com o propósito de atualizar a legislação geral, introduzindo o controle contínuo
das BPFs e os Procedimentos Operacionais Padronizados (POP), além de promover a harmo-
nização das ações de inspeção sanitária por meio de instrumento genérico de verificação das
BPF. Portanto, essa resolução é um ato normativo complementar à Portaria SVS/MS nº
326/97 (BRASIL, 2002).
Na tabela 3, apresenta-se a legislação aplicada às indústrias que processam determina-
das categorias de alimentos.
Tabela 3: Legislação aplicada às indústrias que processam determinadas categorias de alimen-
tos.
Indústria Legislação
Água Mineral Natural e Água Natural Resolução RDC nº 173, de 13 de setembro de 2006
Amendoins Processados e Derivados Resolução RDC nº 172, de 04 de julho de 2003
Frutas e ou Hortaliças em Conserva Resolução RDC nº 352, de 23 de dezembro de 2002
Gelados Comestíveis Resolução RDC nº 267, de 25 de setembro de 2003
Palmito em Conserva Resolução RDC nº 81, de 14 de abril de 2003 e
Resolução RDC nº 18, de 19 de novembro de 1999
Sal destinado ao Consumo Humano Resolução RDC nº 28, de 28 de março de 2000
Fonte: Anvisa, 2012
3.4 Utilização das BPFs na prevenção de DTAs
As técnicas inadequadas de processamento/preparo dos alimentos são responsáveis pela
maioria dos casos de doenças de origem alimentar. Para evitar ou reduzir os riscos dessas do-
enças, medidas preventivas e de controle de higiene, incluindo as BPFs, devem ser adotadas
na cadeia produtiva, nas unidades de fabricação, comercialização e nos domicílios, visando a
melhoria das condições sanitárias dos alimentos (BRASIL, 2006).
Os alimentos podem ser contaminados devido a projetos inadequados de instalações e
equipamentos, higienização inadequada, uso de material de higienização e sanitização não
indicado para a finalidade, falta de controles no processamento, ou ainda ausência de controle
de qualidade na recepção e durante o armazenamento das matérias-primas (BADARÓ; AZE-
REDO; ALMEIDA, 2007).
As BPFs têm uma abordagem ampla e cobrem muitos aspectos operacionais do estabe-
lecimento e do pessoal. Os POPs são procedimentos usados pelas empresas processadoras de
alimentos para atingir a meta global de manter as BPFs na produção de alimentos (O-
PAS/INEPPAZ, 2005a).
Segundo a OPAS/INEPPAZ (2005a), as BPFs incluem:
a) Instalações. O estabelecimento deve estar localizado, construído e mantido de acordo com
os princípios do projeto sanitário. Deve haver um fluxo linear de produtos e controle de tráfe-
go para minimizar a contaminação cruzada de produtos crus com cozidos e de áreas sujas com
áreas limpas.
b) Controle do fornecedor. Cada estabelecimento deve garantir que seus fornecedores im-
plantem programas de BPF e de inocuidade alimentar eficazes.
c) Especificações. Deve haver especificações, por escrito, de todos ingredientes, produtos e
materiais para embalagem.
d) Equipamento de produção. Todo equipamento deve ser construído e instalado de acordo
com os princípios de projeto sanitário. Deve-se estabelecer e documentar calendários de ma-
nutenção e calibração preventivos.
e) Limpeza e sanitização. Todos os procedimentos de limpeza e sanitização de equipamentos
e instalações devem ser documentados e obedecidos. Deve haver um programa padrão de sa-
nitização.
f) Higiene pessoal. Todos os funcionários ou quaisquer outras pessoas que entrarem em uma
planta de processamento de alimentos devem cumprir os requisitos referentes à higiene pesso-
al, às BPF, aos procedimentos de limpeza e sanitização, à segurança pessoal. As empresas
devem manter registros das atividades de treinamento dos funcionários e colaboradores.
g) Controle de produtos químicos. Deve haver procedimentos documentados para garantir a
separação e uso adequado de produtos químicos não alimentícios na planta, incluindo produ-
tos de limpeza, fumigantes e pesticidas ou iscas utilizadas dentro ou ao redor da planta.
h) Recepção, armazenamento e envio. Todas as matérias-primas e os produtos crus devem
ser armazenados em condições sanitárias e ambientais apropriadas, como temperatura e umi-
dade, para garantir sua inocuidade e adequação.
i) Capacidade de rastreamento e recolhimento. Todas as matérias-primas e produtos crus
devem ser codificados por lote e identificados para um sistema de recolhimento. Assim, ras-
treamentos e recolhimentos, rápidos e completos de produtos podem ser realizados quando
necessário.
j) Controle de pragas. Deve-se estabelecer programas eficientes de controle de pragas.
4 CONCLUSÃO
Por meio deste trabalho de revisão bibliográfica, observou-se que com o crescimento do
consumo de alimentos extradomiciliar, as populações ficaram mais expostas a uma série de
perigos representados pelas chances de contaminação, associadas às práticas inadequadas de
manipulação e processamento desses alimentos.
A segurança alimentar é um desafio atual e visa à oferta de alimentos livres de agentes
que podem pôr em risco a saúde do consumidor. Em razão da complexidade dos fatores, a
questão deve ser analisada ao longo de toda a cadeia alimentar. Assim, a fiscalização da qua-
lidade dos alimentos deve ser feita não só no produto final, mas em todas as etapas da produ-
ção, desde o abate ou a colheita, passando pelo transporte, armazenamento e processamento,
até a distribuição final ao consumidor.
A correta manipulação dos alimentos, com adoção das medidas preventivas e de contro-
le aliada às boas práticas de higiene, promove a melhoria do estado de saúde e nutricional da
população, contribuindo para o aumento da produtividade e bem-estar das pessoas.
Por tudo isso, verificou-se que o uso das BPFs pode sim reduzir ou eliminar as possibi-
lidades desses alimentos transmitirem doenças ao consumidor. A detecção e rápida correção
das falhas no processamento dos alimentos, bem como a adoção de medidas preventivas, são
as principais estratégias para o controle de qualidade desses produtos. O uso adequado das
BPFs bem como o controle higiênico-sanitário são, portanto, desafios constantes para prote-
ger os consumidores e garantir a qualidade de produtos e serviços.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Gerência Geral de Alimentos. Boas Prá-
ticas: Legislação de Boas Práticas de Fabricação. Disponível em: <www.anvisa.gov.br>. A-
cesso em: 04 out. 2012
ANVISA/IDEC. Agência Nacional de Vigilância Sanitária / Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor. Vigilância Sanitária - Alimentos, Medicamentos, Produtos e Serviços de
Interesse à Saúde - Guia Didático. Brasília: 2007. Disponível em: <www.anvisa.gov.br>.
Acesso em: 18 dez. 2012.
BADARÓ, Andréa Cátia Leal; AZEREDO, Raquel Monteiro Cordeiro De; ALMEIDA, Mar-
tha Elisa Ferreira De. Vigilância Sanitária de Alimentos: Uma Revisão. Nutrir Gerais: Re-
vista Digital de Nutrição, Ipatinga, v. 1, n. 1, ago./dez. 2007. Disponível em:
<www.unilestemg.br>. Acesso em: 15 dez. 2012.
BRASIL. Portaria MS n° 1.428, de 26 de novembro de 1993. Aprova, na forma dos textos
anexos, o "Regulamento Técnico para Inspeção Sanitária de Alimentos", as "Diretrizes para o
Estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de Prestação de Serviços na Área de Alimen-
tos" e o "Regulamento Técnico para o Estabelecimento de Padrão de Identidade e Qualidade
(PIQs) para Serviços e Produtos na Área de Alimentos". Determina que os estabelecimentos
relacionados à área de alimentos adotem, sob responsabilidade técnica, as suas próprias Boas
Práticas de Produção e/ou Prestação de Serviços, seus Programas de Qualidade,e atendam aos
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