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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Luís Rodrigues Kerbauy A previdência na área rural: benefício e custeio MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Previdenciário, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Oswaldo de Souza Santos Filho. SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Luís Rodrigues Kerbauy

A previdência na área rural: benefício e custeio

MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Previdenciário, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Oswaldo de Souza Santos Filho.

SÃO PAULO 2008

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Banca Examinadora ___________________________________

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___________________________________

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Dedico este trabalho à minha esposa Tatiana pela colaboração, carinho e compreensão; Aos meus pais e irmãos pelo apoio; À Mel pela companhia madrugadas adentro; Aos meus amigos e colegas de trabalho pela paciência em ouvir minhas idéias: Vanessa, Daniella, Marta, Ana Carolina, Renato e Rafael. Ao meu orientador, o Professor Doutor Oswaldo de Souza Santos Filho. E, por fim, ao Mestre Wagner Balera, fonte inesgotável de saber; luz na busca de soluções.

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RESUMO

Palavras-chave: trabalhador, rural, proteção, previdência, igualdade, custeio.

Este trabalho procura descrever as principais características da

previdência rural relevando os pontos que a diferenciam do tratamento conferido ao

trabalhador urbano, além de expor o financiamento aplicável a esse setor.

Inicia-se o estudo traçando o histórico da deficiente proteção social

conferida ao trabalhador rural, para explicar as disposições atualmente encontradas nas

leis referentes ao plano de benefícios e custeio da previdência social.

O trabalho trilha pelo caminho da isonomia como meio na obtenção da

justiça e aponta a necessidade de atuação conjunta do programa de benefícios e custeio

como forma de inclusão social do trabalhador rural e busca da ordem social.

Adota-se visão ampliativa na interpretação das normas que conferem

tratamento previdenciário à população campesina, respondendo questões controvertidas

acerca de seus direitos, em atenção ao princípio constitucional da equivalência dos

benefícios devidos às populações urbana e rural. Constata, ainda, a forma diferenciada

do custeio do setor agrário, em virtude da natureza diferenciada das atividades realizadas

nesta área.

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ABSTRACT Key Words: worker, rural, protection, social security, equality, financing This essay is an attempt to describe the main characteristics of rural social

security, stating the differences in treatment given to urban and rural workers. In

addition, it depicts the rural social security financing.

First and foremost, in order to explain the law on rural social security, a

thorough narrative illustrates the ineffective social protection given to rural workers

throughout the history.

The study states that equality is the way to achieve justice. It points out

that an effective social inclusion program concerned with the achievement of social

order requires a mutual action between benefits and social security financial plan.

An extensive interpretation of rural workers social security rules attempts

to solve controversial questions of rural workers rights by focusing on the equivalence

principle among urban and rural population benefits. A distinguished financial plan for

rural social security is also reckoned as a result of the unique nature of this sector’s

activities.

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S U M Á R I O

I. HISTÓRICO

1. Proteção do Trabalhador Rural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10 1.1. Considerações sobre o Regime Atual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 2. Do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural. . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

II. PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL

1. Noções Gerais dos Princípios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 2. Princípio da Isonomia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2.1. Isonomia Formal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.2. Isonomia Proporcional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.3 Igualdade Perante a Lei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3. Princípios da Seguridade Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 3.1. A Questão Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 3.1.1. Linhas Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.1.2. A Questão Social Agrária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49 3.2.Universalidade da Cobertura e do Atendimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.3. Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços às Populações

Urbanas e Rurais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

3.4. Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços . . . . 61 4. A Justa Medida das Prestações Devidas aos Trabalhadores Rurais. . . . . . . . . . . . . . .68

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III. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DEVIDOS AO TRABALHADOR RURAL

1. Benefícios Previdenciários Devidos ao Segurado Especial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

1.1. Intróito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76

1.2. Definição de Segurado Especial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

1.2.1. Breves Definições dos Sujeitos Previstos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .78

1.2.2. Utilização de Empregados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .80

1.2.3. Regime de Economia Familiar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88

1.2.3.1. Entidade Familiar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .90

1.3. Benefícios Devidos ao Segurado Especial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92

2. Aposentadoria por Idade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

2.1. Contingência Protegida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

2.2. Requisitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .103

2.3. Aposentadoria por Idade devida aos Trabalhadores Rurais . . . . . . . . . . . . . 108

2.3.1. Do Prazo Estabelecido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

2.3.1.1. Conseqüências do Término do Prazo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

2.3.2. Sentido da Expressão “imediatamente anterior”. . . . . . . . . . . . . . . . .118

3. Da Prova para Comprovação do Tempo Rural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .124

3.1. Da Prova. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .124

3.1.1. Conceito e Finalidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

3.1.2. Classificação das Provas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .126

3.1.3. Ônus da Prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

3.1.4. A Prova no Processo Administrativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .129

3.2. Contagem do Tempo Independentemente de Contribuições. . . . . . . . . . . . . 131

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3.3. Meios de Prova para Comprovação do Tempo Rural . . . . . . . . . . . . . . . . . .134

IV. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS NO SETOR RURAL

1. Financiamento da Seguridade Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 2. Princípios da Seguridade Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 2.1. Eqüidade na Forma de Participação do Custeio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148 2.1.1. Notas Introdutórias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148 2.1.2. A Eqüidade do Custeio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150 2.2. Diversidade da Base de Financiamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 2.3. Regra da Contrapartida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .155 3. A Estrutura da Norma e a Obrigação Tributária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .157 3.1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .157 3.2. Estrutura da Regra Matriz de Incidência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 3.3. Breves Linhas sobre a Obrigação Tributária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .162 4. Empregador Rural Pessoa Jurídica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .164 4.1. Agroindústria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .164 4.1.1. Conceito de Agroindústria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 4.1.2. Conceito de Receita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 4.1.3. Contribuição para o SENAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .178 4.1.4. Regime da Lei 8.870/94: Inconstitucionalidade e Conseqüências

Jurídicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179

4.1.4.1. Efeitos da Ação Direta de Inconstitucionalidade. . . . . . . . . . 184 4.2. Produtor Rural Pessoa Jurídica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .187

4.3. Cooperativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .190

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4.3.1. Noções Preliminares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .190

4.3.2. Contribuições da Empresa e as Cooperativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . .194

4.3.3. Contribuições Sociais e as Cooperativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

4.3.3.1. Lei Complementar 84/96. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .197

4.3.3.2. Lei 9.876/99. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .200

4.3.4. Cessão de mão-de-obra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .206

4.3.5. Contribuições Devidas pelas Cooperativas de Produção Rural . . . . .209

5. Produtor Rural Pessoa Física e Segurado Especial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214

6. Consórcio Simplificado de Produtores Rurais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .227

7. Exportação da Produção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .229

V. CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236

VI. BIBLIOGRAFIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240

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I. HISTÓRICO

1. Proteção do Trabalhador Rural

A regulamentação do trabalho rural deu-se como parte do processo

histórico brasileiro, verificando-se o destaque da cultura agrária desde a colonização do

País, que a partir de 1530 passou a ser tomado pelo cultivo da cana-de-açúcar.

Conforme leciona CÁSSIO MESQUITA BARROS, nos primórdios da

Independência, em 13 de setembro de 1830, foi sancionada por D. Pedro I aquela que os

historiadores apontam como a primeira lei, ainda na vigência da Constituição do

Império, versando sobre o trabalho agrário1.

Apesar de não haver nenhuma referência expressa ao trabalhador rural,

regulamentou-se o contrato escrito sobre prestação de serviços celebrado por brasileiro

ou estrangeiro, dentro e fora do território imperial, interpretando os estudiosos da época

que o diploma legal reportava-se à vida agrária nacional. Entre outras medidas,

estabeleceu-se o regime aplicável ao trabalhador faltoso que estaria sujeito pelo emprego

da força a indenizar o locatário, podendo, ainda, ser submetido à pena de prisão2.

Sobreveio, então, a lei 108 de outubro de 1837, abarcando os contratos de

locação de serviços em que o locador fosse estrangeiro, ainda que a celebração da

avença ocorresse no exterior, desde que a sua execução se desse no Brasil.

1 BARROS JUNIOR, Cássio Mesquita. Previdência Social Urbana e Rural, São Paulo: Editora Saraiva, 1981, p. 98. 2 RUSSOMANO, Mozart Victor, Comentários ao Estatuto do Trabalhador Rural. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1969, p. 4.

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O primeiro diploma legal que expressamente se referiu à locação de

serviços rurais foi o Decreto 2.827, de 15 de março de 1879, fechando-se o ciclo da

legislação imperial sobre o trabalho agrícola. O referido Decreto abordava, ainda,

demais trabalhos relacionados à agricultura, inclusive as parecerias rurais3, surgindo em

atenção ao que dispunha o Código Comercial, de 1850, a partir do seu artigo 226, sobre

a locação mercantil.

Sublinhe-se, entretanto, que a economia da época ainda era escravagista,

não havendo como se falar em proteção ao trabalhador rural, o que não retira a

importância do Decreto 2.827 como a primeira lei regulamentadora do trabalho agrícola

na seara do direito positivo brasileiro.

A proclamação da República, em 1888, significou a ruptura com o então

arcaico modelo imperial. O descompasso verificado na política e forma de organização

do estado teve seus reflexos no direito. Assim, o governo republicano incontinente

revogou a legislação imperial através do Decreto 213 de 1890 sem ao menos cuidar de

substituí-la por leis novas, o que somente seria providenciado no início do século XX.

Destarte, logo no começo da primeira década daquele século, foram

editadas as Leis 1.150 e 1.607, ambas versando sobre a proteção salarial do trabalhador

rural, regulamentadas pelo Decreto no 6.437/07. Estabeleceu-se nesse momento o

privilégio dos créditos das dívidas resultantes de salários dos camponeses, vinculados,

entretanto, somente à primeira colheita, passando posteriormente a serem classificados

como quirografários.

3 Art. 43. Considera-se parceria agricola o contrato pelo qual uma pessoa entrega á outra algum predio rustico, para ser cultivado, com a condição de partirem os estipulantes entre si os fructos pelo modo que accôrdarem. Paragrapho unico. A regra da partilha é a meiação, salvo convenção diversa.

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Todavia, as garantias conferidas ao trabalhador rural eram parcas. Pesava-

lhe “o encargo de fecundar o desenvolvimento urbano, sem que, em regra, ao menos

recebessem contraprestação, uma vez que a retribuição do trabalho agrícola jamais

correspondeu, em valor, ao que se atribuía às atividades urbanas, até porque exercido

que era, freqüentemente, sob a forma de servidão4”.

Verifica-se, ademais, que os esforços do legislador não se deram no

sentido de estabelecer direitos dos trabalhadores individualmente, apontando, contudo,

para a organização do sindicalismo rural, que não obstante o empenho legislativo acabou

surgindo de forma temerária e não vingando naquela época5.

Conforme aponta MOZART VICTOR RUSSOMANO, o maior defeito

das reiteradas tentativas do legislador foi o de “caminhar muito à frente da realidade,

dispondo, em sua lei, como se estivesse diante de um meio social pronto a considerar

receptíveis todas as grandes e profundas renovações jurídicas que, na época, mal

despontavam no horizonte do Direito Comparado6”.

O descompasso entre a legislação do trabalhador rural e a realidade

nacional prosseguiu até quase metade do século XX, no fim da II Grande Guerra,

quando o legislador editou o Decreto 7.038, de novembro de 1944, dispondo sobre a

sindicalização rural.

Quase 80 anos após a Proclamação da República, o Brasil experimentou

outra ruptura política por força do golpe militar de 1964, terminando por ruir a frágil

construção sindical que fora edificada em terreno arenoso e não através de

4 COIMBRA, J. R. Feijó. O Trabalhador Rural e a Previdência Social. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1968, p. 12. 5 O Decreto n. 23.611 de 1933, p. ex., instituiu os chamados “consórcios profissionais-cooperativos”. 6 Ob. cit, p. 6.

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reivindicações populares e pelo clamor dos defensores dos direitos sociais,

circunstâncias únicas a lhe garantir alicerce sólido.

Não obstante as críticas tecidas à legislação pertinente, editada até a

segunda metade do século XX, cabe destacar a competência do Código Civil de 1916,

que subordinou à sua aplicação o instituto da locação de serviços rurais. O avanço

notável se deu pelo ingresso da regulamentação rural dentro de um sistema de normas e

princípios de grande importância e repercussão.

Especial atenção merece ser dada ao artigo 1.222, que estipula a duração

dos contratos sem prazo determinado, nos seguintes termos:

Art. 1.222. No contrato de locação de serviços agrícolas, não

havendo prazo estipulado, presume-se o de um ano agrário, que

termina com a colheita ou safra da principal cultura pelo locatário

explorada.

Interessante notar que preceitos estabelecidos na legislação promulgada

dez anos antes foram explicitados no referido diploma legal, concedendo benesses ao

trabalhador rural no tocante à preferência do crédito relativo ao seu salário:

Art. 759. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de

excutir a coisa hipotecada, ou empenhada, e preferir, no

pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a

prioridade na inscrição.

Parágrafo único. Excetua-se desta regra a dívida proveniente de

salários do trabalhador agrícola, que será paga, precipuamente a

quaisquer outros créditos, pelo produto da colheita para a qual

houver concorrido com o seu trabalho.(Redação do Decreto

Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)

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Com a possibilidade de os Estados-membros legislarem acerca da

atividade rural, surgiram alguns diplomas locais, merecendo destaque à atuação do Rio

Grande do Sul que, dado seu histórico nas atividades pastoris, chegou a propor a idéia de

elaboração de um Código Rural, em 1912.

Entretanto, com a Reforma Constitucional de 1936, o legislador atribuiu

competência exclusiva da União para legislar sobre Direito do Trabalho retirando dos

entes federativos a importância na regulamentação da matéria. Gerou-se, assim, a

iniciativa de propostas de um Código Rural, sendo um projeto apresentado à Câmara dos

Deputados, em 1937, por Borges de Medeiros e outro em 1942, por Pereira da Silva, sob

inspiração de Getúlio Vargas. Outras tentativas nesse sentido seguiram com o

anteprojeto de Código Rural em 1951, elaborado por Sílvio da Cunha Echenique.

Cumpre salientar os avanços no tocante à proteção de acidentes do

trabalho, sendo a Lei 3.724 a inaugural sobre infortunísticas, datada de janeiro de 1919.

Em seu artigo 3o estabelece o primeiro passo no sentido de proteger o camponês

acidentado, ainda que limitasse a guarida somente àqueles que prestassem serviços “nos

estabelecimentos industriais nos trabalhos agrícolas em que se empreguem motores

inanimados”.

Em 1943, entrou em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho, que não

obstante tenha representado conquista significativa para os trabalhadores com a

consagração de direitos fundamentais como direito ao salário-mínimo (art. 76); direito a

férias anuais remuneradas (art. 129, parágrafo único); direito ao aviso prévio (art. 505);

direito à aplicação das normas genéricas sobre remuneração (art. 505); excluiu

expressamente os trabalhadores rurais do seu âmbito, nos termos do seu artigo 7o:

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Art. 7o Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo

quando fôr em cada caso, expressamente determinado em

contrário, não se aplicam: (Redação dada pelo Decreto-lei nº

8.079, 11.10.1945)

...

b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que,

exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária,

não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de

execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas

operações, se classifiquem como industriais ou comerciais;

Contudo, ao longo do seu texto guardaram-se alguns preceitos a serem

aplicados a esta espécie de trabalhador, como no caso da proteção sindical, a eles

estendida por força do artigo 505.

O histórico legislativo demonstrava, portanto, a necessidade de se

proporcionar adequada proteção ao trabalhador rural, abrindo a Constituição Federal de

1946 novos rumos para a regulamentação do trabalho rural. Por conseguinte, inaugurou-

se no ordenamento positivo brasileiro referência expressa ao direito do camponês à

estabilidade no emprego e ao recebimento de indenizações de antiguidade, nos casos de

dispensa sem justa causa (art. 157, XII).

Com o surgimento de leis esparsas ao lado da Consolidação das Leis do

Trabalho na tentativa de satisfação do clamor pela proteção do trabalhador rural, em

1954, por iniciativa do então presidente Getúlio Vargas, foi enviado ao Congresso um

projeto de lei referente ao estatuto desta categoria, provocando uma série de estudos

acerca do tema.

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O resultado culminou na criação do Estatuto do Trabalhador Rural, Lei no

4.214, de 2 de março de 1963, que teve como grande fonte de inspiração o projeto de

Fernando Ferrari do Rio Grande do Sul.

Em que pese sua revogação total em 1973 pela Lei 5.889, representou

avanço significativo na salvaguarda dos direitos dos rurícolas, instituindo conceitos que

futuramente permearam a legislação pátria pertinente ao tema.

Dentre diversos conceitos, em seu artigo 2o trazia definição de trabalhador

rural como sendo:

Art. 2o - Trabalhador rural para os efeitos desta lei é toda pessoa

física que presta serviços a empregador rural, em propriedade

rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in

natura, ou parte in natura e parte em dinheiro.

Segundo o ministério de MOZART VICTOR RUSSOMANO7, várias

críticas foram tecidas pela doutrina ao artigo em comento.

Com efeito, se confrontado com a Consolidação das Leis do Trabalho,

verifica-se que, para este diploma, “considera[va]-se empregado toda pessoa física que

prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e

mediante salário”.

Em contrapartida o Estatuto não apresentou o conceito de empregado.

Ao conceituar-se o trabalhador rural como aquele que presta serviços ao

empregador mediante salário, deve-se questionar se ele estaria sob o manto da proteção

do Estatuto, ainda que fosse um trabalhador autônomo ou um trabalhador eventual.

7 Ob. cit. p.15.

16

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Prossegue então o autor aduzindo que o Estatuto não se prestava somente

a trabalhadores, mas sim a empregados que preenchessem os requisitos essenciais do

contrato de trabalho. Sustenta sua argumentação com base na conceituação de

empregador, prevista no artigo 3o do mesmo diploma legal, como sendo a pessoa física

ou jurídica que explora empresa agrícola. Sendo assim, a figura do empregador

pressupõe organização mínima o que implicaria em exercer poder diretivo sobre o

empregado.

Corroborando essa assertiva, verifica-se que os contratos de parceria, por

exemplo, eram regidos pelas normas sobre arrendamentos rurais, na forma do art. 96,

VII, do Estatuto da Terra, de 1964.

Assim, “o ‘trabalhador’ do ETR8 é realmente o ‘empregado’ da CLT, com

as diferenças próprias à natureza especial do trabalho considerado. Aliás, o Art. 2º. do

ETR fala em ‘serviços a empregador rural’ e sómente o empregado pode prestar

serviços a ‘empregador’, pois qualquer outra pessoa prestará serviços à empresa, mas

não ao empregador. Por outro lado, bastará percorrer o ETR para ver que nêle o têrmo

‘trabalhador’ é usado como perfeito sinônimo de ‘empregado’, às vezes em artigos

sucessivos (Cf. artigos 34, 38, 42, 43, 44, 66, 69, 71, 72, 74 a 76 e notadamente 78 sôbre

penalidade de índole disciplinar... ao trabalhador rural)”9.

A omissão do Estatuto no tocante ao trabalho não eventual, o que poderia

servir de argumentação para excluir a natureza empregatícia da relação, pode ser suprida

pela análise sistemática do diploma. Deveras, o artigo 6o analisado a contrario sensu

8 ETR corresponde a Estatuto do Trabalhador Rural. 9 CESARINO JUNIOR, A. F. Direito Social Brasileiro. São Paulo: Edição Saraiva, 1970, p. 117.

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determinava que o contrato do trabalhador rural provisório, avulso ou volante inferior a

um ano não era permanente e, portanto, não seria abarcado pelo diploma.

Quanto à remuneração, o Estatuto seguia pari passo a Consolidação das

Leis do Trabalho, determinando que o trabalhador rural deveria receber salário.

Sintetiza então RUSSOMANO10 que:

a) O trabalhador rural é, sempre, uma pessoa natural ou física, pois é

inadmissível que as pessoas jurídicas sejam consideradas trabalhadores,

pelo caráter intuitu personae da relação de emprego.

b) O trabalhador rural presta serviços de natureza permanente,

equiparando-se ao trabalhador rural, para os fins do Estatuto, os obreiros

provisórios, avulsos ou volantes, isto é, os trabalhadores eventuais, desde

que a prestação do serviço se prolongue por mais de um ano, incluídas as

prorrogações, na forma do artigo 6o.

c) O trabalhador rural é um dependente hierárquico do empregador. O

trabalhador autônomo não é favorecido pelo Estatuto.

d) O trabalhador rural presta serviços remunerados, ficando excluído,

portanto, dos benefícios do Estatuto os que executam trabalhos gratuitos.

e) O salário auferido pelo trabalhador rural pode ser pago totalmente em

dinheiro ou parte em dinheiro e parta in natura. A circunstância, porém,

de não ser pago o salário não impede que o trabalhador rural possa

invocar sua condição jurídica e pleitear o pagamento da remuneração

10 Ob. cit. p. 21.

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devida por força da lei ou do contrato, bem como todas as demais

decorrências da aplicação do Estatuto.

f) Há a considerar, finalmente, a natureza do serviço executado pelo

trabalhador rural. Não basta que a tarefa por ele desempenhada se vincule

à exploração da terra, para que seja ele considerado um trabalhador rural.

É igualmente indispensável que o trabalho desenvolvido pelo camponês

tenha por cenário a propriedade rural ou o prédio rústico.

Depreende-se da última colocação que se mostrava relevante não apenas a

natureza do serviço realizado, mas também a natureza econômica da atividade

desenvolvida pela empresa, idéia que foi adotada em diplomas que se seguiram e que

permanece vinculada aos conceitos atuais.

Dentro da reconstrução histórica da proteção do trabalhador rural, mostra-

se pertinente para o presente estudo entendermos a conceituação de empregador rural,

conforme estabelecia o Estatuto.

Dispunha seu artigo 3o que:

Art. 3º Considera-se empregador rural, para os efeitos desta

lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que

explore atividades agrícolas, pastoris ou na indústria rural,

em caráter, temporário ou permanente, diretamente ou

através de prepostos.

§ 1º Considera-se indústria rural, para os efeitos desta lei, a

atividade industrial exercida em qualquer estabelecimento

rural não compreendido na Consolidação das Leis do

Trabalho.

§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada

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uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a

direção, controle ou administração de outra, (vetado), serão

solidariamente responsáveis nas obrigações decorrentes da

relação de emprego.

Inicialmente, cabe salientar que o artigo em comento supriu a falha

cometida pela Consolidação das Leis do Trabalho, que ao definir empregador em seu

artigo 2o, referiu-se apenas à figura da empresa.

Diferentemente, o Estatuto dispõe que não é necessário que o empregador

rural seja proprietário de empresa rural, bastando que ele se encontre à frente de

exploração agrícola, correndo os riscos da atividade e gozando de seus frutos.

Outra qualidade do dispositivo foi o fato de não ser feita exigência quanto

ao caráter permanente da realização da atividade, excetuando-se apenas a de natureza

eventual.

A crítica feita ao dispositivo diz respeito à redação do seu § 1o, que

definia indústria rural como a atividade industrial exercida em qualquer estabelecimento

rural não compreendido na Consolidação das Leis do Trabalho.

De fato, a redação imprecisa e a conceituação feita a partir de uma

exclusão tornavam de difícil caracterização aqueles estabelecimentos que poderiam ser

enquadrados como de atividade rural.

A conclusão a que se chega da redação mal formulada é a de que cuidou o

legislador de explicitar que a natureza da empresa não se daria pela sua localização

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territorial, mas sim pela circunstância de desenvolver suas atividades em propriedade

rural.11

O § 2o, por sua vez, cuidou de estender a responsabilidade de uma

empresa ao grupo econômico a que pertence.

1.1. Considerações sobre o Regime Atual

O Estatuto do Trabalhador Rural foi expressamente revogado pela Lei

5.889/73, que igualmente dispôs acerca das definições de trabalhador e empregador

rurais, bem como dos moldes do contrato de trabalho rural, estabelecendo, também,

aplicação subsidiária da Consolidação das Leis do Trabalho nas matérias em que não

houver conflito.

O artigo 2o da Lei 5.889/73 define empregador rural como “toda pessoa

física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não

eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”.

Conforme se denota, o legislador retomou o conceito fundamental contido

no artigo 3o da CLT, abandonando a inovação conceitual constante do artigo 2o do

Estatuto do Trabalhador Rural, que não previa a natureza não eventual dos serviços

prestados.

Assim, “não se caracteriza como empregado aquele trabalhador que

somente presta serviços eventuais, sem vincular-se numa relação continuativa de

trabalho. É o caso, por exemplo, do biscateiro, que vive prestando serviços a um e a

outro, aqui e acolá, como abelha sem colméia. A continuatividade da relação fática de 11 RUSSOMANO, Mozart Victor, ob. cit., p. 26

21

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trabalho é indispensável para sua configuração como contrato de trabalho, nomen juris

da relação empregatícia12”.

Pelo conceito estampado no artigo 3o da Lei em comento, temos como

empregador rural “a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade

agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de

prepostos e com auxílio de empregados”. O § 1o deste artigo configurava norma

inclusiva, determinando a aplicação dos preceitos contidos no caput à exploração

industrial em estabelecimento agrário não compreendido na Consolidação das Leis do

Trabalho.

O artigo trouxe poucas alterações em relação à antiga previsão feita pelo

Estatuto do Trabalhador Rural. É de notar-se, porém, a imposição da utilização de

empregados para a delineação da figura do empregador agrícola. Nesse particular o

tratamento conferido difere daquele previsto na CLT, que define empregador como

sendo empresa, linha ademais, que foi severamente criticada pela doutrina13.

A locução “com auxílio de empregados” quer significar que “sendo o

empregador sujeito da relação de emprego, empregador somente poderá ser uma pessoa

quando fizer parte na referida relação como recebedor dos serviços – isto é, quando tiver

empregados14”.

Não obstante, o artigo 4o da lei em debate faz a seguinte extensão do

conceito de empregador:

12 SAMPAIO, Aluysio, Contrato de Trabalho rural. Direitos e Obrigações do Trabalhador Rural em Face da CLT e da Lei No. 5889 de 1973. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 13. 13 CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 27. 14 SAMPAIO, Aluysio, ob. cit., p. 21.

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Art. 4o - Equipara-se ao empregador rural, a pessoa física ou

jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta

de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante

utilização do trabalho de outrem.

A aparente contradição que poderia surgir no tocante às especificações da

utilização do trabalho de outrem, com a determinação de que a atividade seja explorada

diretamente ou com auxílio de prepostos, contida no artigo anterior, foi explicada pela

doutrina. Assim, “confrontando-se tais textos e ajustando-os, é de concluir-se que a

pessoa que se utiliza do trabalho de outro, mas por conta de terceiros, é o empregador,

sendo que o preposto referido no art. 3o é apenas empregado que dirige a prestação de

serviços no estabelecimento. Isto quer dizer que a pessoa física ou jurídica equiparável

ao empregador, na forma do art. 4o, é um terceiro, enquanto o preposto referido no art. 3o

por estar subordinado, é empregado do empregador rural15”.

O artigo 7o da CLT, que dispunha sobre os direitos aplicáveis ao

trabalhador urbano e rural, foi revogado desde a edição do Estatuto do Trabalhador

Rural, que passou a regulamentar a matéria a partir de 1964 e posteriormente pela Lei

5.889/73, que vige até os dias de hoje.

Sublinhe-se, todavia, que a Constituição Federal de 1988 apesar de não

impedir especificamente distinções entre as duas espécies de trabalhadores, urbanos e

rurais, prevê que os direitos elencados em seu artigo 7o a todos serão estendidos.

Ademais, pela aplicação do princípio da isonomia mostrar-se-ia inaceitável conferir

tratamento discriminatório entre essas duas espécies de trabalhadores.

15 SAMPAIO, Aluysio, ob. cit., p. 22.

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Assim, atualmente aplicam-se a Constituição e, subsidiariamente, a CLT e

os institutos da Lei 5.889/73 no tratamento protetivo conferido ao trabalhador rural16.

2. Do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988 a proteção

previdenciária disponibilizada aos trabalhadores rurais mostrou-se desigual em relação à

da população urbana.

Não obstante a disparidade do amparo entre os dois tipos de

trabalhadores, urbanos e rurais, o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador

Rural, ou simplesmente FUNRURAL, sinalizou o progresso na tímida proteção que

passou a ser conferida aos rurícolas até que o desenvolvimento da legislação culminasse

no princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais, disposto no art. 194, II, da Constituição Federal de 1988.

Sua regulamentação deu-se nos termos dos artigos 158 e seguintes do

Estatuto do Trabalhador Rural, que teve sua redação original reformulada pelo Decreto-

Lei 276, de fevereiro de 1967.

Criou-se, então, um fundo de assistência e previdência destinado ao

custeio da prestação de assistência médica social ao trabalhador rural e seus

dependentes.

A manutenção do plano era constituída de uma única receita: da

contribuição de 1% devida pelo produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais,

merecendo críticas da doutrina nesse particular17. 16 CARRION, Valentin, ob. cit., p. 55.

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No tocante ao financiamento, nota-se que, ao contrário dos trabalhadores

urbanos, os rurais não foram obrigados a contribuir para a previdência, situação imposta

pela vida campesina.

Entretanto, o modo de gestão do FUNRURAL representava inequívoco

exemplo de clientelismo político, pois cada estado da federação contava com um

escritório encarregado de inscrever os trabalhadores rurais no sistema, para recebimento

de benefícios.

Todavia, o reconhecimento legal como trabalhador rural não era

automático, dependendo de declaração do empregador e da concordância do responsável

pelo FUNRURAL, que por sua vez era indicado pelo deputado mais votado de cada

município. Freqüentemente, o poder de veto que investia o responsável servia para

efetivar a troca da concessão de benefícios por voto ou apoio político ao deputado que

lhe havia designado como diretor do escritório18.

Aponta, ainda, RUSSOMANO que na órbita do INPS as contribuições

eram tríplices; ou seja: pagas pelo empregador, pelo empregado e pelo Estado.

Não obstante, deve levar-se em consideração que a maior cobertura

conferida aos benefícios destinados à população urbana justificava a necessidade de

maior arrecadação. Ademais, as bases eram igualmente distintas. Com efeito, no caso do

INPS a contribuição incidia sobre a folha de pagamento, ao passo que no FUNRURAL a

base-de-cálculo era o valor comercial dos produtos rurais.

17 RUSSOMANO, ob. cit. p. 676. 18 DEMO, Luis Luchi Roberto, O Regime Jurídico do Trabalhador Rural no Âmbito da Seguridade Social: o segurado especial e o “soldado da borracha”. Revista de Previdência Social 318, São Paulo: Ltr, 2007, p. 406.

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É de se ressaltar a atecnia na configuração do critério material, que para

ser extraído do contexto da norma exige que o interprete se debruce com maior atenção

ao texto legal. É pela dicção das alíneas a e b do inciso I, que igualmente prevêem os

sujeitos passivos, que se depreende a conduta a ser verificada no plano fenomênico, a

dar ensejo à relação jurídica de custeio.

Com efeito, o inciso I, deixa margens à dúvida se a conduta descrita no

tipo seria apenas a de produzir, tendo em vista que a exação incidiria sobre o valor

comercial dos produtos e não do valor obtido pela efetiva comercialização. Esse

descompasso é resolvido pela dicção da alínea a, que ao prever a sub-rogação do

adquirente da produção, para esse fim, das obrigações do produtor, impõe a venda da

produção. Todavia, a conduta somente se encontrará integralmente delineada na alínea

b, ao prever-se a possibilidade de comercialização de produtos rurais industrializados.

Desta forma, é somente do cruzamento do inciso I e suas alíneas que se mostra possível

extrair o critério material como sendo a comercialização de produção rural,

industrializada ou não.

...

I – da contribuição de um por cento (1%) devida pelo produtor

sôbre o valor comercial dos produtos rurais e recolhida:

a) pelo adquirente ou consignatário, que fica sub-rogado, para

êsse fim, em tôdas as obrigações do produtor;

b) diretamente pelo produtor, quando ele próprio industrializar o

produto;

Note-se que a figura prevista na alínea b reveste-se singelamente dos

conceitos que anos mais tarde seriam utilizados na definição da agroindústria, nos

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moldes previstos na legislação atual. Não obstante, o legislador não deixa claro se o

critério material é a comercialização da produção ou o valor que representaria a

produção rural. A resposta será encontrada somente no § 2o, que trata da receita obtida

com a venda dos produtos industrializados:

§ 2º. A contribuição de que trata o item I dêste artigo incidirá

somente sôbre uma transferência da mercadoria e recairá sôbre o

valor dos produtos em natureza, já beneficiados, em estado de

entrega ao mercado consumidor ou de transformação industrial.

Interessante notar que o § 2o guarda a noção da não cumulatividade ao

estabelecer que a contribuição incidirá somente sobre uma transferência da mercadoria.

Outro dado curioso é a forma indireta de fiscalização utilizada como meio

de compelir o sujeito passivo a recolher a contribuição. Previa a redação original do

dispositivo o impedimento de empresa pública ou privada, rodoviária, ferroviária,

marítima ou aérea em transportar qualquer produto agropecuário sem que fosse

comprovado, mediante apresentação de guia de recolhimento, o cumprimento da

obrigação com o Fundo.

Desde seu surgimento com o Estatuto do Trabalhador Rural, o

FUNRURAL foi sendo alvo de paulatinas alterações, destacando-se a Lei

Complementar 11/71, que além de alterar as contribuições previstas anteriormente,

instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL).

A cobertura previdenciária do trabalhador rural surgiu de forma tímida e

recatada se comparada à proteção conferida à população urbana.

Dispunha o artigo 160 do Estatuto os sujeitos protegidos, figurando como

beneficiários:

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I. Como segurados:

a) os trabalhadores rurais;

b) os pequenos produtores rurais, na qualidade de cultivadores ou

criadores, diretos e pessoais, definidos em Regulamento;

II. Como dependentes19 dos segurados:

a) a esposa e o marido inválidos;

b) os filhos de ambos os sexos e de qualquer condição menores de

dezesseis anos ou inválidos.

A lei equiparava à esposa a companheira do segurado, não exigindo,

portanto, o casamento como pressuposto para a concessão do benefício devido aos

dependentes.

Os proprietários em geral, arrendatários e demais empregados rurais não

elencados no artigo 160 supracitado, poderiam facultativamente contribuir para o

Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI)20, com a alíquota de 8% a

incidir sobre o mínimo de três e o máximo de cinco vezes o valor do salário-mínimo,

hipótese em que gozariam dos mesmos benefícios ao segurado rural e seus dependentes,

na forma da lei.

19 A redação indicada foi inseria com base no Decreto 276 de 1967, que reduziu o rol de dependentes previsto no art. 162. 20 Dispunha o art. 159: Art.159. Fica o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI – encarregado, durante o prazo de cinco anos, da arrecadação do Fundo a que se refere o artigo anterior. diretamente, ou mediante Convênio com entidades públicas ou particulares, bem assim incumbido de prestação dos benefícios estabelecidos nesta lei ao trabalhador rural e seus dependentes, indenizando-se das despesas que forem realizadas com essa finalidade.

Parágrafo único – A escrituração do Fundo referido no artigo anterior será inteiramente distinta na contabilidade do LAPI e sua receita será depositada no Banco do Brasil S. A, sob o título "Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural", à ordem do IAPI.

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Para RUSSOMANO, não obstante a omissão legislativa, a qualidade de

dependente pressupõe a vinculação econômica desta categoria ao segurado. E, por isso,

segundo seu magistério, a qualificação de dependente ficaria sempre condicionada a essa

comprovação21.

Sublinhe-se que o rol de prestações correspondentes às contingências

selecionadas pelo legislador vinha previsto no 164 do Estatuto, que, após alterações da

sua redação original passou a prever somente um único serviço: a assistência médica.

Nesse sentido dispunha o Estatuto:

Art.164. O IAPI prestará aos segurados rurais ou dependente

rurais, entre outros, os seguintes serviços:

a) assistência á maternidade;

b) auxílio doença;

c) aposentadoria por invalidez ou velhice;

d) pensão aos beneficiários em caso de morte;

e) assistência médica;

f)auxílio funeral;

g) VETADO.

§ 1º - – Os benefícios correspondentes aos itens "b" e "c" são

privativos do segurado rural.

As características e requisitos de cada benefício, como v. g. o período de

carência, vinham previstos no decreto regulamentador, que, exemplificativamente, em

seu art. 14, II, estipulava que o cálculo dos benefícios seria feito em função de um “valor

21 Ob. cit. P. 693.

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base de benefício”, fixado para cada região do país, sobre o qual incidiriam os

coeficientes estabelecidos.

A previsão do equilíbrio financeiro e atuarial do plano vinha previsto de

forma indireta no mesmo dispositivo, que impunha que para o cômputo do “valor de

benefício” seria levado em conta o total anual da arrecadação do fundo, bem como o

número de pessoas ocupadas na atividade rural.

Em 1971, com o advento da Lei Complementar no 71, foi criado o

Programa de Assistência ao Trabalhador Rural PRORURAL, que tinha por objeto a

prestação de benefícios ao trabalhador rural e seus dependentes. Caberia, ademais, ao

FUNRURAL, diretamente subordinado ao então Ministério do Trabalho e Previdência

Social e com natureza autárquica, a execução do programa (artigo 1o).

Os recursos destinados ao custeio do FUNRURAL passaram a provir da

contribuição devida pelo produtor rural, incidente sobre o valor comercial dos produtos

rurais, a serem recolhidos da mesma forma prevista no Estatuto. Destaca-se, pois, a

majoração da alíquota de um para dois por cento, bem como para a criação de fonte

específica para o custeio dos benefícios acidentários, a serem atendidos por contribuição

adicional de 0,5%, incidente sobre a mesma base, conforme estabelecido pela Lei

6.195/74.

A doutrina aponta que o critério material da hipótese de incidência

consistia na comercialização da produção, que compreendia verdadeiro negócio jurídico

mercantil. Sendo assim, “na vigência da CF/67 (e Emenda 1/69) apresentavam a

natureza de um autêntico imposto (art. 16 do CTN), identificado com o antigo ICM (art.

23, II) e com o IPI (art. 20, V), em razão de suas materialidades concernirem à

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comercialização (venda) e industrialização, e sua base-de-cálculo considerar o valor

comercial dos produtos, como observado por Geraldo Ataliba22”.

Por seu turno, a proteção previdenciária criada pelo PRORURAL

continuava mitigada e diferenciada em relação à prevista aos demais segurados, nos

termos da Consolidação das Leis da Previdência Social.

Nesse sentido dispunha o art. 2o da Lei Complementar em comento:

Art.2º - O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural

consistirá na prestação dos seguintes benefícios:

I - aposentadoria por velhice;

II - aposentadoria por invalidez;

III - pensão;

IV - auxílio-funeral,

V - serviços de saúde;

VI - serviço social.

Frise-se que o valor dos benefícios era igualmente reduzido,

correspondendo a então denominada aposentadoria por velhice a uma prestação mensal

no valor equivalente a cinqüenta por cento do salário-mínimo e a pensão por morte

devida na fração de trinta por cento, incidente sobre a mesma base.

O tratamento desigual no tocante à proteção previdenciária manteve-se até

o advento da Constituição Federal de 1988, que finalmente elegeu a uniformidade e

22 MELO, José Eduardo Soares de, Contribuições Sociais no Sistema Tributário, 3ª. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 240.

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equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, princípio que foi

disciplinado pelas Leis 8.212 e 8.213, ambas de 199123.

23 A contribuição para o FUNRURAL, criada pela LC nº 11/71 (art. 15, I, "a" e "b"), foi encampada pela Constituição Federal de 1988, consoante o art. 34 do ADCT, e mantida até a entrada em vigor da Lei nº 7.787/99, que em seu artigo 3º, § 1º, dispôs: § 1º A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o salário-família, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRORURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social. O mesmo dispositivo “também suprimiu nesta mesma data a Contribuição para o INCRA, seja para as empresas urbanas, seja para as empresas rurais”, pelo fato de estas contribuições terem sido vinculadas ao PRORURAL, conforme disposto no artigo 3º do Decreto-Lei n. 1.146/70 (GONÇALVES, Fernando Dantas Casillo, Empresas Rurais – Inexigibilidade da Contribuição para o Incra. In Tributação no Agronegócio, coord. Eduardo de Carvalho Borges. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 119/121).

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II. PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL

1. Noções Gerais dos Princípios

A constituição permite ao legislador positivar valores, proporcionando

conhecimento dogmático dos princípios24, que se diferenciam da norma tanto pelo seu

grau mais elevado de abstração quanto pela maior carga qualitativa que carregam, quer

no tocante à estrutura lógica, quer pela intencionalidade normativa25.

Desta forma, temos que a Constituição não se configura como um

conglomerado caótico e desestruturado de dispositivos que guardam entre si o mesmo

grau de importância. Ao contrário, eles se mostram estruturados num conjunto, que,

ainda que apresentem o mesmo nível hierárquico, é possível identificar que certas

normas ascendem para uma posição que lhes permite pairar sobre uma área mais

ampla26.

Não se busca defender a idéia de que haveria distinção a ser feita entre

normas e princípios, pois estes se encontram positivados e serão tidos como dispositivos

legais tanto quanto aquelas. Há, entretanto, normas-princípios e normas-disposição, que

têm eficácia jurídica restrita às situações específicas às quais se dirigem. Os princípios,

por sua vez, têm maior teor de abstração e maior destaque dentro do sistema.27

Aduz ainda CELSO RIBEIRO BASTOS que os princípios podem exercer

ações imediatas na medida em que tiverem condições de serem auto-executáveis, como 24 BALERA, Wagner, Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 81. 25 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, 1º. vol. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 338. 26 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra, ob. cit., p. 341. 27 BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 141.

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poderão impor ações em um plano integrativo e construtivo, ficando, neste caso, à mercê

da legislação integradora que lhes dê eficácia.

De fato, conforme o ministério de SAMPAIO DÓRIA, princípios são

normas gerais que têm o atributo de sintetizar outras leis, ou poderem se desdobrar em

corolários mais ou menos numerosos, representando os fundamentos ou vigas mestras

dos edifícios sociais e políticos28.

Como não poderia deixar de ser, a seguridade social rege-se de acordo

com objetivos constitucionalmente traçados, levando-se em conta o contexto em que se

insere: como instrumental para a realização da Ordem Social.

Esses princípios foram relacionados pelo legislador no artigo 194 da

Constituição Federal e devem ser interpretados em consonância com o princípio da

isonomia, previsto genericamente no art. 5o da Lei Maior, mormente pelo fato de que,

em muitos dos casos, dele são corolários.

Representam, ademais, o ponto de partida que o intérprete há de ter, pois

espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Deveras,

prestam-se como critério de interpretação e integração do texto constitucional, pois

representam a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica, indicando o ponto

de partida e os caminhos a serem percorridos29.

A redação do artigo 194 da Lei Maior aponta os objetivos perquiridos pela

seguridade social. “É de ver que muitas vezes a Constituição se refere a ‘princípio’,

quando na verdade está significando uma verdadeira finalidade30” e a recíproca é

28 Princípios Constitucionaes, São Paulo: Editora Ltda., 1926, p. 17. 29 BARROSO, Luiz Roberto… Ob. Cit., p. 141. 30 BARROSO, Luiz Roberto…Ob. cit., p. 149.

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verdadeira. As diretrizes elencadas no artigo em comento representam verdadeiro manto

protetor do sistema e se sobrepõem à atuação do legislador infraconstitucional que

deverá balizar-se segundo as diretrizes que ali lhe foram impostas. É nesta seara, pois,

que não obstante apontarem as finalidades da seguridade social, atuam, igualmente,

como princípios formadores do sistema.

Frise-se que não se pretende neste capítulo esgotar o tema, nem tampouco

abordar a totalidade dos princípios da seguridade social, mas tão somente destacar

aqueles que tenham pertinência com o estudo e se mostrem relevantes para o seu

desenvolvimento.

2. Princípio da Isonomia

Conforme inicialmente asseverado, ainda que o princípio da isonomia não

esteja expressamente previsto dentre os objetivos da seguridade social, traçados no

parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal, representa verdadeira linha

mestra e ideal a ser seguido pelo ordenamento jurídico pátrio, revelando-se por diversas

facetas ao longo do texto constitucional, ainda que previsto genericamente em seu artigo

5o, caput.

Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, a igualdade constitui signo

fundamental da democracia, pois repudia privilégios que a liberdade integral propicia,

contrariando, portanto, o sentido em que se assentava a democracia liberal burguesa31.

As constituições têm reconhecido no seu sentido jurídico-formal a

igualdade perante a lei, conforme disposto no artigo 5o da Carta Magna, que dispõe 31 SILVA, José Antonio da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pp. 214/215.

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serem “todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Frise-se que,

ainda que de forma programática, a Constituição faz referência à redução das

desigualdades sociais e regionais, e veementemente repulsa qualquer forma de

discriminação (art. 3o, III e IV), elegendo essas diretrizes como fundamentos da

República Federativa do Brasil.

O termo igualdade comporta dois significados: um descritivo e outro

prescritivo. Conforme a denotação que o próprio termo sugere, no primeiro caso

igualdade será utilizada para descrever o objeto de estudo, v. g., quando se atesta que

duas pessoas têm a mesma altura32.

Em seu sentido prescritivo a igualdade presta-se a determinar o tratamento

de duas ou mais pessoas perante uma norma. Note-se que ainda neste caso haverá uma

conotação descritiva, na medida em que deverá ser estabelecido critério para selecionar

o público alvo da aplicação da lei33.

Materialmente todos são desiguais, pois não existem dois rostos que não

sejam inconfundíveis, as inteligências ou as disposições para o trabalho diferem etc,

mostrando-se natural que haja desigualdades em vários aspectos, naturais ou

circunstanciais. E justamente por conta das diferenças que se todos fossem nivelados,

cometer-se-ia a maior das desigualdades34.

Dada, pois, as variantes pessoais e condições diversas presentes desde o

nascimento, a Constituição de 1891 já previa que:

Art 72

...

32 Stanford Encyclopedia of Philosophy, Equality, sítio http://plato.stanford.edu/entries/equality/, visitado em 25 de junho de 2007. 33 Stanford... ob. cit. 34 DÓRIA, A. de Sampaio, Princípios Constitucionaes, São Paulo: Editora Ltda., 1926, p. 121.

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§ 2º - Todos são iguais perante a lei.

A República não admite privilégios de nascimento, desconhece

foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e

todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos

nobiliárquicos e de conselho.

Como se denota, o contexto da época demandava explicitar que os então

nobres do período imperial não mais possuiriam regalias atreladas a esta condição.

Verifica-se, pois, que as proposições sobre o tema se colocam sob diversos aspectos: a)

qual o tipo de igualdade deve ser oferecida; b) para quem será proporcionada; c) e

quando deverá ser verificada35.

Sublinhe-se que igualdade implica numa relação tripartite, pois consiste

em apreciar dois ou vários sujeitos em relação a uma ou mais qualidades. Por

conseguinte, é intrínseco ao conceito de igualdade o tertium comparationis, que deverá

ser estabelecido em cada caso. Tomemos como exemplo duas bolas de futebol. Para

compará-las, deveremos adotar uma característica comum aos dois objetos e confrontá-

los. A seleção desta característica dependerá do enfoque que pretende ser relevado pelo

observador, que nesse exemplo poderia ser, v. g., o peso da bola. Assim, tomando os

dois objetos de estudo e comparando-os em relação ao seu peso, ter-se-á condições de

atestar se são iguais ou não.

No mundo do direito, o tertium comparationis deve ter pertinência

jurídica. Assim, três são as etapas apontadas pela doutrina a fim de ser apurada a quebra

ou não de isonomia, quando da seleção do termo de discriminação:

“a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de

desigualação;

35 Stanford... ob. cit.

37

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b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre

o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade

estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os

interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte

juridicizados36”.

O fator de discriminação não poderá, ainda, ser erigido em traço tão

específico de sorte a particularizar o sujeito escolhido, devendo obrigatoriamente residir

na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada37.

A aplicação do princípio da isonomia implica, ainda, na idéia de justiça

social de sorte que não deverá ser visto como um princípio único, mas como um

complexo de princípios, que sobrepostos nos apontam um senso humanitário.

Com efeito, a isonomia tida no seu sentido prescritivo guarda estreita

relação com moralidade e justiça de forma mediata e com distribuição de justiça de

forma imediata. A forma indireta ou mediata decorre da mera aplicação do princípio em

comento, que em decorrência de proporcionar tratamento igualitário entre os sujeitos,

proporcionará moralidade e justiça. De forma direta ou imediata, verifica-se que a

aplicação isonômica deverá buscar a justa medida do direito a ser atribuído aos sujeitos

em questão, ou, por outras palavras, como será feita a distribuição da justiça entre eles38.

Através da sua conexão com justiça, a igualdade tem diferentes

justitianda, ou seja, diversos objetos aos quais o termo justo ou isonômico pode ser

aplicado. Tais objetos são principalmente ações, pessoas, instituições sociais e

circunstâncias, que se posicionam conforme conexão interna e certa ordem.

36 MELLO, Celso Antônio Bandeira, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 21. 37 MELLO, Celso Antônio Bandeira, ob. cit., p. 23. 38 Stanford... ob. cit.

38

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Assim, os predicados “justo” ou “injusto” somente são aplicáveis quando

ações voluntárias, e que sugerem responsabilidade, estão em questão, implicando em

reconhecer que Justiça estará precipuamente relacionada às ações do homem, que deverá

arcar com os resultados provenientes de seus atos ou omissões. Embora possa ser

imputada responsabilidade tanto pelas ações do sujeito quanto pelas circunstâncias em

que ele se encontra, existe uma diferença moral entre as duas justitianda: a injustiça

pode ocorrer pela aplicação de um tratamento não-equânime, ou poderá ser

conseqüência de uma falha em corrigir determinada circunstância que acabe por impor

tratamento desigual às partes39.

Sublinhe-se que os indivíduos delegam ao grupo proporcionar justiça

através do controle das circunstâncias tendo em vista a dificuldade de isoladamente

alterar-se o meio, devendo, para tanto, ser estabelecido um critério de justiça moral a ser

seguido de comum acordo pela comunidade.

2.1. Isonomia Formal

Verifica-se o que poderia ser chamado de isonomia formal quando

pessoas em situações idênticas deverão ser tratadas da mesma forma, tal qual formulado

por Aristóteles em referência a Platão. A questão que se coloca, entretanto, é quais

parâmetros são normativamente relevantes e quais não o são, motivo pelo qual alguns

doutrinadores apontam a isonomia formal como mero fruto da racionalidade. Não

obstante o enfoque possa ser dado sob o aspecto moral de justiça, o postulado da

isonomia formal exige mais do que simplesmente a consistência com preferências

39 Stanford... ob. cit.

39

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subjetivas, impondo possível justificação vis-à-vis dos sujeitos com o tratamento em

questão40.

O conceito de isonomia formal desenvolveu-se e, atualmente, coloca-se

perante a lei, no sentido em que a norma trata a todos igualmente (art. 5o, caput, da CF)

e difere-se da isonomia material, consubstanciada segundo a adoção de certos valores,

conforme se verifica nas previsões do artigo 7o, XXX e XXXI, da Constituição Federal,

a assegurar aos trabalhadores diferenças salariais, critérios de admissão por motivo de

sexo etc41.

2.2. Isonomia Proporcional

Conforme lecionou Aristóteles, existem dois tipos de isonomia: a

numérica e a proporcional42. Uma distribuição é numericamente isonômica quando trata

todas as pessoas indistintamente e, destarte, lhes concede a mesma fração do objeto a ser

repartido, o que nem sempre proporcionará justiça.

Por seu turno, a distribuição será proporcional quando for concedido a

cada parte relativamente ao seu direito. Quando fatores clamam por um tratamento

desigual, porquê os sujeitos são diferentes sob aspectos relevantes, a distribuição

proporcional a esses fatores mostrar-se-á justa43.

No plano formal, justiça e igualdade estão ligadas através desses

conceitos de justiça formal e proporcional. A justiça não poderá ser explicada sem essas

40 Stanford… ob. cit. 41 SILVA, José Afonso da… ob. cit., p. 218. 42 ARISTÓTELES. A Política. Tradução Nestor Sivleira Chaves. São Paulo, Ícone, 2007, pp. 212, 213. 43 Two or more persons (P1, P2) and two or more allocations of goods to persons (G) and X and Y as the quantity in which individuals have the relevant normative quality E. This can be represented as an equation with fractions or as a ratio. If P1 has E in the amount of X and if P2 has E in the amount Y, then P1 is due G in the amount of X′ and P2 is due G in the amount of Y′, so that the ratio X/Y = X′/Y′ is valid. In stanford, ob. cit.

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facetas do princípio da isonomia e, ao mesmo tempo, o princípio da isonomia recebe seu

significado como corolário da justiça.

2.3. Igualdade Perante a Lei

Conforme leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA, o direito alienígena

aponta a diferenciação dentre o princípio da igualdade no sentido de sua aplicação

perante a lei e da igualdade na lei44.

No primeiro caso, será avaliado o tratamento na aplicação do sentido geral

da norma ao caso concreto, caracterizando a isonomia em seu âmbito meramente formal,

pois se exige que a aplicação seja feita indistintamente.

Por outro lado, a verificação do princípio em comento na lei exige que o

conteúdo normativo seja disposto de forma isonômica.

Assim, no primeiro aspecto, o princípio da isonomia possui como

destinatário os aplicadores do direito que no enquadramento do fato concreto à norma

deverão pautar-se pela isonomia. No segundo, por seu turno, o princípio deve incidir de

forma que a lei em sentido abstrato tenha seu conteúdo regido pela isonomia, a fim de

conferir tratamento adequado àqueles que se encontrem em posições iguais ou

diferentes. Tem como destinatário, portanto, o legislador.

No Brasil, aponta-se essa dupla finalidade do princípio, que teria, pois,

como destinatários, tanto o legislador como os aplicadores da lei.

A concepção de que o princípio da igualdade se dirige ao legislador

engrandece a importância da igualdade jurisdicional, pois caso conduzisse apenas a 44 Ob. cit., p. 218.

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conduta do operador do direito, bastaria que houvesse respeito ao princípio da legalidade

para que a isonomia encontrasse sua satisfação. O legislador, portanto, vê-se igualmente

abarcado pelas diretrizes da isonomia, de sorte que, caso não atue de conformidade com

este princípio, proferirá lei eivada do vício de inconstitucionalidade.

A igualdade no que diz respeito à atuação do juiz decorre, por

conseguinte, da igualdade perante a lei. Não obstante, deverá ser garantida interpretação

que não crie distinção, imposição que se coaduna com as finalidades da seguridade

social.

3. Princípios da Seguridade Social

Conforme aduzido, o artigo 194 da Constituição Federal elenca os

objetivos almejados pelo Poder Público na organização da Seguridade Social.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado

de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência

e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei,

organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

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VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração,

mediante gestão quadripartite, com participação dos

trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo

nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 20, de 1998)

Analisaremos sucintamente os princípios relacionados direta ou

indiretamente ao presente estudo, destacando-se, para tanto, aqueles previstos nas

alíneas I, II e III do referido artigo. Em momento oportuno, quando for abordado o

financiamento da seguridade social, serão tecidos comentários acerca dos princípios da

eqüidade na forma de participação no custeio e da diversidade da base de

financiamento.

Contudo, antes de adentrarmos propriamente no tema concertes aos

objetivos da seguridade social, faz-se mister situarmos seu campo de atuação conforme

interpretação decorrente do artigo 193 da Constituição Federal, conceituando

brevemente o que entendemos por questão social e sua contextualização na seara do

trabalhador rural.

3.1. A Questão Social

3.1.1. Linhas Gerais

Conforme pontua a doutrina, o problema do trabalho constitui sem

sombra de dúvidas um dos aspectos mais graves da questão social, pois a questão

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operária, no que tem de essencial, permanece insolúvel e assim continuará enquanto não

se operar uma reorganização social45.

Como o próprio nome indica, a questão social tem por objeto a sociedade,

relacionando-se à organização, à ordem e à coexistência social. Abrange, pois, todos os

fenômenos sociais, todos os problemas criados pela vida em sociedade, desde a

liberdade ou deveres dos cidadãos perante o Estado, até os problemas específicos

relativos à propriedade, à família, à educação, à profissão e às feridas sociais46.

Assim, considerada em seu sentido amplo a questão social pode ser

definida como o conjunto dos pontos que têm por objeto as causas e os remédios da

desordem social. Não obstante, em sentido estrito, a definição do termo, conforme

adrede mencionado, refere-se à questão entre capital e trabalho, presente no

antagonismo entre a classe possuidora e a classe dos que apenas possuem sua

capacidade de trabalho47.

Nestes termos, a questão social é restrita ao conjunto de quesitos que têm

por objeto as causas e os remédios das desordens sociais, afetas à ordem do trabalho,

clamando, pois, por uma organização social correspondente às condições modernas da

produção.

Frise-se que, ao contrário do que sugere a relação de oposição entre

detentores dos meios de produção e do trabalho, a questão social não é apenas de ordem

material, relativa à situação econômica dos trabalhadores. É também de qualidade moral,

que depende da ordem da justiça e de questão espiritual, relacionadas à consciência que

45 CERQUEIRA, João Gama Cerqueira, Sistema de Direito do Trabalho, vol I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1961, p. 325/326. 46 CERQUEIRA, João Gama Cerqueira, ob. cit., p.327. 47 CERQUEIRA, João Gama Cerqueira, ob. cit., p.329.

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possui o trabalhador de sua classificação social e, conseqüentemente, o anseio pela sua

ascensão em todos os planos da sociedade em que vive48.

De fato, sendo a questão social fruto da relação do trabalho, sua ordem

espiritual torna-se verificável na medida em que o labor constitui verdadeiro valor

moral, adquirindo, igualmente, significado que vai além da simples expressão

monetária49.

A dicotomia acima descrita fomentou a luta de classes que teve como

resultado as conquistas sociais encampadas pelo Estado do Bem-Estar Social, surgindo

em substituição ao liberalismo do século XIX, que prestigiava em demasia a liberdade

em detrimento da igualdade, ocasionando injustiças.

JOHN RAWLS, nesse particular, estabeleceu, dentro de uma visão

política da justiça, dois princípios pelos quais ela deve ser regida: o primeiro se dá pela

liberdade do indivíduo que toma parte de uma prática estabelecida de acordo com certas

regras previamente estabelecidas. Deverá experimentar o máximo de liberdade, desde

que os demais venham igualmente dela a usufruir, verificando-se, pois, a distinção entre

a liberdade desmedida que imperava no estado liberal. Pelo segundo princípio, postula-

se que desigualdades são arbitrárias. Conclui, então, o Autor, que esses princípios

expressam a justiça como um complexo composto por três idéias: liberdade, igualdade e

recompensa por serviços que contribuem para o bem comum50, 51.

48 CERQUEIRA, João Gama, ob. cit., p.335. 49 BALERA, Wagner, O Direito do Trabalho e a Questão Social, em Temas Atuais de Direito, coord. Milton Paulo de Carvalho, São Paulo: Editora Ltr, 1998, p. 187. 50 Justice as Fairness, 1958, sítio http://www.hist-analytic.org/Rawlsfair.htm, visitado em 23.10.07. 51 It might be argued at this point that justice requires only an equal liberty. If, however, a greater liberty were possible for all without loss or conflict, then it would be irrational to settle on a lesser liberty. There is no reason for circumscribing rights unless their exercise would be incompatible, or would render the practice defining them less effective. Therefore no serious distortion of the concept of justice is likely to follow from including within it the concept of the greatest equal liberty.

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Após o implemento das conquistas sociais, o estado liberal cedeu lugar ao

Welfare State que, por seu turno, ficou sobrecarregado com todas as atribuições que lhe

foram incumbidas no campo social. De tal forma, modernamente, a questão social

passou a ser vista no seu sentido mais amplo, caracterizado pela impossibilidade de

provimento integral à população e ineficácia no cumprimento da erradicação das chagas

sociais.

Nesse contexto, a constituição prescreve no artigo 193 que a Ordem

Social terá como base o primado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça

sociais.

O que o legislador fez foi reconhecer a existência de uma questão social a

ser dirimida com base no valor social do trabalho e que será resolvida com a plenitude

do bem-estar e da justiça sociais. O trabalho, fenômeno que distingue os homens dos

outros seres, representa, pois, verdadeira chave interpretativa, ou, nas felizes palavras de

WAGNER BALERA, o fio condutor da Ordem Social52.

Com efeito, o problema da propriedade e do uso dos bens materiais liga-

se estreitamente ao do trabalho e sua remuneração, que constituem um dos títulos

originários de aquisição. Nesta seara, verifica-se que, como um dos fatores

indispensáveis da produção, deve-se proporcionar íntima colaboração entre capital e

trabalho.

É, pois, conforme cediço, através do trabalho que será solucionada a

questão social, implementando-se os preceitos atualmente dispostos no artigo 193 da

The second principle defines what sorts of inequalities are permissible; it specifies how the presumptionc laid down by the first principle may be put aside. Now by inequalities it is best to understand not any differences in the benefits and burdens attached to them either directly or indirectly, such as prestige and wealth, or liability to taxation and compulsory services. 52 Em O Direito do Trabalho e a Questão Social, op. cit.

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Constituição Federal53. Assim, enquanto valor social, constitucionalmente elegido a essa

condição e situado como primazia da ordem social, o trabalho se revela como condição

para realização da Justiça Social54.

Sublinhe-se, todavia, que a chamada justiça social não é espécie inédita de

justiça, confundindo-se na realidade o próprio gênero desse valor.

De fato, temos por justiça geral uma virtude que se sobrepõe a todas as

outras, pois tem a finalidade de orientar as ações para o bem comum da sociedade da

qual todos fazem parte. Por outras palavras, temos que a justiça geral tem como objeto

próprio o bem comum, referindo-se, pois, aos deveres dos indivíduos para com a

sociedade na colaboração desse ideal, de sorte a assumir seus encargos legais, desde que

a lei se inspire nesses objetivos.

É, portanto, sob este prisma que justiça geral coincide com o que se

denomina de justiça social.

O bem comum por sua vez, configura o direito natural de exigir a sua

realização e, em seguida, por parte dos cidadãos, o dever natural de favorecê-la, mesmo

com detrimento do seu bem particular. É, pois, o bem da coletividade, o que difere da

soma dos bens particulares55.

Ressalte-se que a solidariedade é a tônica desse ideal, pois o homem

mostra-se incapaz de se desenvolver integralmente por meio de seus próprios recursos.

Conta, assim, com o auxílio da família e da sociedade, única forma de lhe ser

proporcionada perfeição56.

53 CERQUEIRA, João Gama Cerqueira, ob. cit., pp. 369/370. 54 BALERA, Wagner, ob. cit., p. 10. 55 CERQUEIRA, João Gama Cerqueira, ob. cit., pp. 379/381. 56 CERQUEIRA, João Gama Cerqueira, ob. cit., p. 385.

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“O sentido de Justiça, todavia, ficaria extremamente vago, impalpável e

mesmo diáfano se o constituinte não lhe tivesse imposto a conviência com algo que

possui um nível de percepção bem direto para todos: o trabalho57”, elegido como valor

social pelo constituinte.

É ademais, por meio do trabalho que se observa o padrão de

desenvolvimento, ideário básico na redução das desigualdades sociais. O que se buscou,

portanto, através do primado do trabalho, é o preenchimento dos preceitos estabelecidos

com o fundamento da República Federativa do Brasil: a) a dignidade da pessoa humana;

b) a garantia do desenvolvimento nacional, c) a erradicação da pobreza.

Para tanto, configuram-se como direitos sociais, a educação, a saúde, o

trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade

e à infância, a assistência aos desamparados, conforme previsto no artigo 6o da

Constituição Federal.

Destarte, é com a implementação do rol meramente exemplificativo dos

direitos sociais previstos na Constituição Federal no referido artigo e em seu artigo 7o,

que se atingirão os fundamentos e objetivos da República Fedarativa do Brasil acima

mencionados, culminando-se na justiça e o bem-estar sociais, com a resolução da

questão social.

Resta, portanto, delineado o cenário da atuação da seguridade social que,

“quando proporcionar equivalente quantidade de saúde, de previdência e de assistência a

todos quantos necessitem de proteção, poder-se-á dizer”, nesse momento histórico, que

houve a concretização do bem-estar e justiça sociais58.

57 BALERA, Wagner, ob. cit., p. 15 – grifos no original. 58 BALERA, Wagner, ob. cit., p. 35.

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Conclui-se, pois, que o artigo 193 da Constituição Federal, que inaugura o

título VIII, “Da Ordem Social”, no qual a seguridade social se insere, representa

verdadeira chave interpretativa para todo o sistema protetivo59, desenhado nos artigos

seguintes da Constituição.

3.1.2. A Questão Social Agrária

As condições afetas ao trabalhador rural igualmente inspiram a procura do

bem-estar e justiça sociais, com a resolução da questão social, contexto em que, assim

como os demais, esse trabalhador se coloca. Os problemas sociais vivenciados pelo

homem do campo demandam análise dos motivos que qualificam a questão social como

o que denominaremos de questão social agrária, que, além de figurar no contexto

dicotômico promovido pelo capital e trabalho e no âmbito dos desafetos causados pelas

chagas sociais, caracteriza-se pelas dificuldades específicas experimentadas pelo

trabalho agrícola.

Conforme descrito por CAIO PRADO JUNIOR60, mais da metade da

população do país na década de 60 dependia da utilização da terra para o seu sustento,

hostilizados por força da grande concentração da propriedade fundiária que

caracterizava a economia agrária da época. Desta forma, a utilização da terra dava-se de

maneira acentuada em benefício de uma minoria reduzida.

A questão social nos moldes descritos no tópico anterior mostra-se

qualificada no setor agrário pela estrutura de distribuição da propriedade fundiária,

fazendo com que uma considerável parcela da população rural encontre-se

59 Ver BALERA, Wagner, Sistemas... checar página. 60 A Questão Agrária, São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 15.

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insuficientemente aquinhoada e carecida de recursos para manutenção de adequado nível

de vida.

Assevera o citado Autor não haver dúvidas que os minguados salários e as

precárias condições observadas pelo trabalho urbano apresentados nos maiores centros

do País, em boa parte decorrem do baixo custo que a mão-de-obra do campo oferece,

ocasionado concorrência no mercado de trabalho pelo êxodo rural, verificado

precipuamente na década de 50 com a implantação da indústria de base.

A questão social é, pois, caracterizada pelo efeito que o tipo de estrutura

agrária do País, marcada pela proeminente concentração de terra, causa na população

rural, levada à miséria.

Neste contexto, as proposições de reforma agrária, destinadas a favorecer

a exploração no campo, de longa data são conjecturadas. Critica-se, todavia, a falta de

atenção às dificuldades da população rural aventada por aqueles que se acham em

condições de tirar proveito dessa desproporção na exploração da terra; ou que, ao

contrário, são por ela reduzidos a padrões de vida com níveis insatisfatórios.

Prossegue o citado Autor, aduzindo que os problemas agrários são, a

exemplo das considerações tecidas no tópico anterior, decorrentes de problemas sociais

e econômicos que se resumem, antes de tudo, em problemas humanos. E por este motivo

os homens, e a posição própria que ocupam nas atividades agropecuárias, devem ser

considerados prioritariamente nos tópicos a serem analisados. Sublinhe-se que os dados

apontados na época pelo autor indicavam de um lado uma pequena minoria de grandes

proprietários que não atingia 10% da população brasileira e de outro a maior parte da

população que vegetava mediante condições de vida precária.

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A questão social agrária se coloca, pois, na medida em que para a classe

formada pelos grandes latifundiários a atividade agrícola representa um negócio como

outro qualquer; para o trabalhador e para o pequeno produtor rural, no entanto, tal

atividade configura-se como única fonte de subsistência acessível.

Aponta, ainda, o Autor, que “analisar e corrigir a deplorável situação de

miséria material e moral da população trabalhadora do campo brasileiro – e nisso

consiste preliminarmente, sem dúvida alguma, a nossa questão agrária –, é disso que nos

devemos ocupar em primeiro e principal plano61”.

Cumpre aqui enfatizar que o papel representado pela seguridade social,

como instrumental para a conquista da ordem social, não foi bem representado no

tocante à população urbana até o advento da Constituição Federal de 1988, pois somente

nesse momento histórico cuidou-se de estender a proteção social conferida aos

trabalhadores urbanos para os trabalhadores do campo.

Ao contrário do tratamento proporcionado ao trabalhador rural até o

advento da atual constituição, deveria o sistema de proteção ter se amoldado aos

interesses e necessidades das diferentes classes e categorias sociais em jogo, mormente

em atenção ao princípio da isonomia, conforme anteriormente analisado.

Sublinhe-se que o trabalho, eleito à condição de valor social e figurando

como base da ordem prescrita no artigo 193 da Constituição Federal, deverá igualmente

ser tido como excelência na resolução das questões sociais vivenciadas pelo trabalhador

rural.

Não obstante, o trabalho deverá reverter em benefício do trabalhador,

sublinhando-se que o avanço tecnológico empregado nos setores de produção acaba no

61 PRADO JUNIOR, Caio, ob. cit., p. 22.

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mais das vezes por agravar a dicotomia presente na realidade campesina, de sorte que o

desenvolvimento agrícola e as condições de vida do rural não se acham diretamente

relacionadas. O que determina e fixa a remuneração do trabalho é o equilíbrio do

mercado de mão-de-obra; ou, por outras palavras, a relação da oferta e procura que nele

se verifica.

A grande exploração de tipo comercial tende a se expandir e absorver o

máximo de terras aproveitáveis, eliminando lavradores independentes, bem como as

culturas de subsistência, de sorte que o desenvolvimento agrícola, por si só, não

proporciona elevação compensadora dos níveis de vida. Da mesma forma, a obtenção de

maior produtividade e maior renda do capital não é acompanhada pela elevação dos

padrões de vida da população rural.

Esse cenário demanda que o trabalho reverta condições ao trabalhador

rural e para tanto deverá atrelar-se à função social da propriedade62. Nesse sentido

dispõe o artigo 170 da Constituição Federal que fundamenta a ordem econômica na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos,

existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, dentre outros, o

princípio da função social da propriedade63.

62 A lei 8.629/93 possibilita que a propriedade rural que não cumprir com sua função seja passível de desapropriação (art. 2º), definindo a função social segundo os seguintes critérios: I. aproveitamento racional adequado; II. Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis à preservação do meio ambiente; III. observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV. Exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores. Em seus artigos 6º e ss. aponta os critérios de avaliação de propriedade produtiva e de aproveitamento racional e adequado. 63 Nesse sentido: O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. - O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos

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“Aliás, se nem no Direito Romano se admitia a idéia de um uso anti-social

do domínio, hoje tal noção é inconcebível, principalmente em um país como o nosso,

cujas várias Constituições de há muito proclamam que o uso da propriedade será

condicionado ao bem-estar social64”.

O trabalho e a função social da propriedade encontram-se há muito

mitigados no âmbito que a grande exploração agromercantil representa na economia

rural, cujas relações de produção e trabalho são determinadas pelas figuras dos grandes

proprietários de um lado e os trabalhadores que fornecem a mão-de-obra de outro.

Sublinhe-se que a livre iniciativa não pode ser usada como fundamento

para justificar essas disparidades, pois sua conexão com o trabalho “quer significar,

sobretudo, o prestígio pela ordem jurídica aos que empreendem esforços e mobilizam

recursos para a geração e expansão de novos postos de trabalho65” e não um salvo

conduto para promoção da exclusão social.

Foi, ademais, a insuficiência de mão-de-obra que gerou sérios problemas

na exploração das atividades rurais. De fato, desde o emprego dos imigrantes em

substituição ao trabalho escravo verificou-se a retenção de trabalhadores por dívidas

naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto – enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade - reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico- -social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade (ADI 2.213/DF, STF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 23.04.04). 64 RODRIGUES, Silvio, Direito Civil. Direito das Coisas, vol 5, 22ª edição. São Paulo: Editra Saraiva, 1995, p. 75. 65 BALERA, Wagner, O Direito do Trabalho e a Questão Social, op. cit., p. 186.

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contraídas junto ao empregador, originando-se forma de escravidão disfarçada, com a

generalização do tráfico de trabalhadores66.

Atualmente, os indicadores sociais apontam os reflexos de uma política

agrária pouco eficaz, que distanciou o primado do trabalho e a função social da

propriedade dos ideais da ordem social, privilegiando a liberdade (o que implica em

arbitrariedade) em detrimento da isonomia e solidariedade em proveito de alguns

poucos.

Como conseqüência, verifica-se defasagem sócio-cultural da população

rural em relação à urbana. Em média, a produção das crianças de 10 a 17 anos que

trabalham, representa 15,5% do rendimento familiar, podendo, todavia chegar a até

41,2%, como na área rural da Região Metropolitana de Recife. Ademais, na área urbana,

a média de anos de estudo das mulheres é de 8,2 e dos homens 7,3, enquanto na área

rural os índices são respectivamente de 3,9 e 3,4.

Ainda em relação ao ensino, do pouco mais de 53 milhões de brasileiros

que estudavam nos diversos níveis e modalidades, apenas 17,8% residem em área rural.

Tem-se, ainda, que o índice de analfabetismo entre a população acima de cinco anos de

idade é de 30,73% na zona Rural, contra 12,29% na zona Urbana67.

Ademais, a POF68 2002-2003 revelou que a média do rendimento familiar

mensal no Brasil é de R$ 1.789,66 e que nas áreas rurais essa média fica em R$ 873,94,

representando somente 45% do percebido nas áreas urbanas do país.

Os índices relativos à distribuição das terras e da produção igualmente

demonstram o reflexo da falta de política empregada ao longo dos anos, fomentando o

66 PRADO JUNIOR, Caio Prado, ob. cit., p. 59. 67 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2002. 68 Pesquisa de Orçamentos Familiares. Fonte: IBGE.

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êxodo rural, o que acaba por agravar a questão social. Somente entre 1999 e 2001, 5,3

milhões de pessoas abandonaram o campo, de acordo com dados do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE). O Instituto também aponta o fechamento de 941 mil

estabelecimentos rurais entre 1985 e 1996, sendo 96% deles com área inferior a 100

hectares69.

Em decorrência, a concentração fundiária aumentou no País. O Brasil

dispõe de um padrão de concentração de terras inigualável no mundo. Apenas 1% do

total de propriedades rurais possui 45% da área agrícola. São latifundios com mais de

mil hectares. Esse processo de falência e abandono da pequena propriedade só

contribuiu para o aumento da miséria e da exclusão social nos grandes centros urbanos70.

Como se não bastassem essas disparidades, ao contrario do que seria de

esperar, a maior fração da transferência de recursos públicos é destinada às produções

patronais, em detrimento do pequeno produtor rural. Enquanto a agricultura patronal

produz 61% do PIB agrícola, também consome 73% do crédito rural público, ao passo

que a pequena agricultura tem acesso a apenas 25% do crédito disponível para produzir

quase 40% da renda agrícola do País71.

3.2. Universalidade da Cobertura e do Atendimento

Nos dizeres de WAGNER BALERA72, constitui a universalidade da

cobertura e do atendimento o objetivo primordial do modelo protetivo.

69 ROSSETTO, Miguel, Reforma Agrária, site do ministério das relações exteriores, visitado em 20.10.07. 70 Idem, ibidem. 71 Idem, ibidem. 72 Noções... ob. cit., p. 82

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Com efeito, dado o caráter social dos riscos em que se inspira e ao fato de

que as situações de necessidade afetam ou podem afetar a todos, parece lógico concluir

que o sistema deve possuir um âmbito de proteção universal73.

Corresponde, pois, à garantia que se oferece a todos os cidadãos de que

em qualquer circunstância poderão dispor dos meios necessários para assegurar de modo

adequado sua subsistência e de sua família74.

O referido princípio possui dupla finalidade: de um lado, refere-se à gama

de benefícios ou ações a serem tomadas no âmbito da seguridade social. De outro,

enfoca qual o grupo protegido75.

De tal sorte, o termo cobertura refere-se às contingências sociais que

deverão ser relevadas para garantir a proteção social, enquanto o atendimento reporta-se

ao sujeito protegido.

Desta forma, impõe-se ao legislador como objetivo a ser atingido, que

todas as contingências bem como que todos os sujeitos sejam alvo de proteção.

É conseqüência lógica do próprio conceito de seguridade social, que

postula a liberação de todo indivíduo das preocupações geradas pelas vicissitudes da

vida, garantir-se a eliminação total dos danos derivados dos desequilíbrios entre

necessidade de renda, independentemente da natureza das contingências que os

determinem76.

73 CARACUEL, Manuel R. Alarcón e ORTEGA, Santiago González, Compendio de Seguridad Social, Madri: Editorial Tecnos, 1991, p. 57. 74 VENTURI, Augusto, Los Fundamentos Cientificos de la Seguridad Social. Trad. Gregorio Tudela Cambronero. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1994, p. 293. 75 BALERA, Wagner, Noções… ob. cit., p. 83. 76 VENTURI, Augusto, ob. cit. p. 290.

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A relevância deste princípio deve ser analisada no contexto em que se

insere a seguridade social: como meio de se atingir a ordem social, que terá como

finalidade o bem-estar e a justiça sociais. De tal sorte, quanto maior for a proteção

proporcionada pela seguridade social, maior a proximidade desses fins.

Frise-se que a Constituição Federal elegeu como um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1o, I) e estabeleceu

como objetivos, dentre outros, a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3o, II) e a

erradicação da pobreza (art. 3o, IV).

Nesse cenário apresenta-se, pois, a universalidade da cobertura e do

atendimento da seguridade social, compelindo a expansão do sistema protetivo na busca

da Ordem Social.

Ademais, o princípio guarda relação com a isonomia na medida em que

tende a identificar-se com o conjunto da população, reconhecendo igual direito à

proteção a todo aquele que resida no País, sem limitações ou discriminações de classe77.

3.3. Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços às Populações Urbanas

e Rurais

De acordo com o que estabelece o artigo 194, parágrafo único, II, da

Constituição Federal, o sistema de seguridade social deverá promover a uniformidade e

equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, pondo fim à falha

cunhada pelo legislador desde meados do século passado, quando se criou a proteção

77 VENTURI, Augusto, ob. cit., p. 287.

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previdenciária apenas para trabalhadores urbanos, mesmo que à época o Brasil fosse um

país eminentemente rural78.

Conforme asseverado no capítulo referente ao histórico da proteção do

trabalhador rural, somente em 1964 com o Estatuto do Trabalhador Rural, deu-se a

criação de um sistema organizado destinado à população do campo, e, conforme cediço,

em padrões muito inferiores aos concedidos para o trabalhador urbano.

A instituição do PRORURAL, através da Lei Complementar 11/71,

publicada em 26.05.71, não representou grande avanço no tocante a redução das

desigualdades, estabelecendo-se um rol de contingências restrito e prevendo-se

benefícios no valor de 30% ou 50% do salário-mínimo.

O motivo da inserção do princípio em comento deu-se em atenção ao

processo histórico tradicionalmente calcado na discriminação e carência na guarida

destinada à população rural. Tamanha foi a disparidade ao longo dos últimos 50 anos no

tocante ao amparo conferido aos trabalhadores urbanos e agrícolas, que o constituinte

viu-se compelido a conferir-lhes isonomia no tratamento, dedicando-lhes expressamente

essa meta como objetivo da seguridade social.

Aliás, “a discriminação a que se achava sujeita a população rural apenas

agravava a questão social79”.

Sublinhe-se que a aplicação da uniformidade e equivalência dos

benefícios e serviços a estas duas espécies de segurados pode ser tida como corolário

dos demais princípios dispostos na Constituição. Com efeito, a previsão da seletividade 78 KERBAUY, Luís Rodrigues, Prestações Devidas ao Trabalhador Rural, In Temas Atuais de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário Rural, org.: Wladimir Novaes Martinez, São Paulo: Editora LTr, 2006, p. 90. 79 BALERA, Wagner, Noções Preliminares... p. 84.

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e distributividade na prestação dos benefícios e serviços constitui comando destinado ao

legislador, que deverá eleger os benefícios necessários para acobertar os riscos sociais

em prol da comunidade. A distributividade, por seu turno, relaciona-se com a prestação

propriamente dita, indicando o acesso dos beneficiários à proteção dos riscos

previamente estabelecidos.

Logicamente, a distribuição das prestações deve ser feita de forma

equânime, em atenção ao princípio da isonomia, previsto genericamente no artigo 5o,

caput, da Lei Maior, devendo suas escolhas contemplar de modo mais abrangente

aqueles que possuam maior necessidade.

Ademais, não se pode perder de vista que o constituinte estabeleceu a

universalidade da cobertura e do atendimento, visando ao maior grau de proteção, quer

no tocante às situações que deverão ser protegidas, quer quanto aos titulares eleitos para

usufruírem tal proteção.

A imposição de um sistema previdenciário que visa ao progresso,

prevendo-se um grau máximo de proteção por força do artigo 194, parágrafo único, I, da

Constituição Federal, bem como que selecione os riscos cobertos e os distribua de forma

isonômica, repele, por si só, qualquer diferenciação que pudesse ser feita entre o sistema

de proteção dos trabalhadores rurais e urbanos80.

Frise-se que a Constituição sempre condenou a discriminação de qualquer

natureza e exaltou os ideais de igualdade como valor indissociável do Estado

80 KERBAUY, Luís Rodrigues, Prestações Devidas ao Trabalhador Rural, em Temas Atuais de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário Rural, São Paulo: Editora LTr, 2006, p. 91.

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Democrático de Direito, do primado pelo trabalho e da dignidade da pessoa humana,

vedando, ademais, tratamento desigual das pessoas e suas atividades profissionais81.

Deve ser ressaltado que o princípio comporta dois aspectos diversos: a

uniformidade e a equivalência82.

O primeiro implica na homogeneidade na seleção dos eventos ou

contingências que serão acobertados pela seguridade social, devendo a norma dispor a

mesma cobertura para ambas populações. Sublinhe-se que os riscos mínimos a serem

relevados pelo legislador infraconstitucional foram selecionados pela Lei Maior em seu

artigo 201, que possui como sujeitos protegidos todas as espécies de trabalhadores,

sendo vedado o critério diferenciado para concessão de aposentadorias, salvo nos casos

de atividades exercidas em condições especiais e quando se tratar de segurado portador

de deficiência (§ 1o, do artigo em comento).

Note-se, pois, que o constituinte, ao excepcionar os critérios para

concessão das aposentadorias, valeu-se de discrímen que privilegia a isonomia, não se

referindo à natureza do trabalhador como tertium comparationis valido. Dessa forma, é

possível a concessão de aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição,

independentemente da natureza dos trabalhos prestados, devendo a administração

considerar apenas os requisitos legalmente traçados, quais sejam, a carência e o tempo

de contribuição, no primeiro caso, e a carência e idade no segundo.

Por outro lado, utilizou-se o legislador da expressão “equivalência” para

exprimir o aspecto quantitativo e qualitativo das prestações a serem asseguradas, de

81 BOCCHI JÚNIOR, Hilário, A Igualdade (Uniformidade e Equivalência) dos Trabalhadores Urbanos e Rurais no Acesso aos Benefícios Previdenciários. São Paulo: LTr, 2006, p. 71. 82 Ob. cit., p. 71.

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sorte a imprimir o mesmo valor dos benefícios e a mesma extensão dos serviços que

serão prestados.

Cumpre por fim explicitar que o legislador já desenhava a aplicação

prática deste princípio quando, na redação original do § 2o do artigo 202, era garantido,

para efeito de aposentadoria, a contagem recíproca do tempo de contribuição na

administração pública e nas atividades privadas, rural e urbana, prevendo-se a

compensação financeira dos sistemas83.

O mesmo dispositivo encontra-se atualmente alocado no § 9o do artigo

201, conforme redação dada pela Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de

1998, e a correspondência infraconstitucional encontra-se prevista no artigo 94 da Lei

8.213/91.

O dispositivo representa o cerne da isonomia no tocante à equivalência

das prestações devidas aos trabalhadores urbanos e rurais, conferindo a ambos os

mesmos reflexos do tempo de serviço prestado para fins de qualquer tipo de

aposentadoria, inclusive a do servidor público.

3.4. Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços

A diretriz imposta pela sistemática constitucional da necessidade de

expansão do sistema a fim de proporcionar a maior cobertura possível não pode ser

tomada como implantação ilimitada de medidas.

De fato, o ideal utópico da universalidade encontra-se balizado pelos

entraves vivenciados pelo Estado do Bem-Estar Social. Nesta esteira, o objetivo da 83 Ob. cit., p. 72.

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seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços serve como freio à

atuação estatal na configuração do sistema de proteção.

Após prever a universalidade da cobertura e do atendimento o constituinte

cuidou de, no tocante ao âmbito de atuação a que se refere cada uma dessas expressões,

impor suas respectivas balizas. Conforme asseverado, o princípio estampado no inciso I

do artigo 194 da Constituição Federal comporta duas facetas: uma concernente às

contingências, referida pelo termo “cobertura”; outra relacionada aos sujeitos

protegidos, definida pela expressão “atendimento”. A primeira terá sua abrangência

delineada pela seletividade e a segunda, por seu turno, pela distributividade.

Poranto, pelo ideal da seletividade caberá ao legislador eleger os riscos a

serem cobertos pelo sistema de proteção e em atenção à distributividade traçar o

diagrama que conterá o grupo protegido. Como corolário da isonomia, o objetivo em

debate deverá ser atendido de forma a proporcionar tratamento equânime aos segurados

e beneficiários do sistema de seguridade social, de sorte que os critérios relevados na

distribuição dos benefícios deverão levar em conta a promoção de justiça, conforme

relação estabelecida no tópico destinado ao princípio da isonomia.

Outro ponto de merecido destaque na analise da forma como serão feitas a

seleção dos riscos e a distribuição das proteções é o que analisa o contexto no qual

surgiu a seguridade social. Sua finalidade direta é proporcionar sustento àqueles que por

motivo de escassez de recursos não disponham do mínimo para satisfazer suas

necessidades básicas e viver com dignidade. Assim, a solidariedade é tida pela doutrina

como mola propulsora do sistema, que tomada por esse espírito, faz com que o grupo

social, reconhecendo o dever de proteger seus membros em situações de insegurança,

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não se acomode diante da inexistência dos meios mínimos necessários à existência

digna84.

Ressalte-se, todavia, que não se trata apenas de proporcionar proteção ao

próximo por mero altruísmo. Com efeito, a sociedade é composta por indivíduos e caso

algum ou alguns deles não tenham condição de promover sua própria subsistência,

colocarão em risco toda a coletividade. A ordem social, portanto, é interesse do grupo e

que por uma questão de auto-sustentação se vê compelida a proteger seus integrantes,

pois deles é formada85.

Logicamente, o amparo social deve ter como alvo as classes menos

favorecidas. Ainda que a seguridade social não possa substituir a organização e controle

dos sistemas econômicos nem suprir elementos fundamentais da produção, atua para

reduzir desigualdades e promover distribuição de renda, mormente no tocante ao

pagamento das contribuições a cargo dos diversos atores sociais, exação que possui,

além de sua finalidade direta de custear o sistema, caráter socializante86.

Todavia, conforme cediço, a proteção não pode ser absoluta. “É preciso

planejar, estabelecer prioridades, levando em consideração as contingências causadoras

de necessidades que mais se apresentem, bem como o universo de sujeitos necessitados

de proteção87”.

84 SANTOS, Marisa Ferreira dos, O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social. São Paulo: Editora LTr®, 2004, pp. 178/179. 85 ASSIS, Armando de Oliveira. Em Busca de uma Concepção Moderna de “Risco Social”, In Revista de Direito Social n. 14, São Paulo: Editora Notadez, p. 24. 86 Nesse sentido, ver Marco Aurélio Grecco. 87 SANTOS, Marisa Ferreira dos, ob. cit., p. 180.

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A seguridade social, com instrumental apto a proporcionar a justiça e o

bem-estar sociais, objetivos da Orem Social (artigo 193), deverá, então, dispor de seu

cabedal protetivo de forma a implementar esses resultados.

O artigo 193 da Constituição Federal inaugura o Título VIII como

disposição geral, tratando acerca da Ordem Social e abrangendo, portanto, o capítulo da

seguridade social. Desta forma, pregar que a seleção das contingências e a distribuição

da proteção deverão ser feitas em atenção aos resultados almejados pelo constituinte no

artigo em comento não é suficiente. De fato, toda a seguridade social se presta a esse fim

e, portanto, todos os objetivos elencados no artigo 194 deverão pautar-se por essa

máxima: a busca da Ordem Social em perseguição ao bem-estar e a justiça sociais.

Atrelar a Ordem Social ao princípio em comento não encerra, pois,

qualquer novidade. Por conseguinte, o constituinte almejava mais do que simplesmente

repetir conceitos adrede estabelecidos. Com efeito, foi conferida ao legislador ordinário

a possibilidade de restringir a cobertura e o atendimento das prestações a cargo da

seguridade social. Mais do que isso, a Constituição lhe impõe que esse contexto seja

efetivamente realizado.

O sistema visa à expansão. É o que se depreende da interpretação

conjunta do disposto no art. 1o, III, da Constituição Federal, que precreve como

fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, com os

três primeiros incisos do artigo 3o do mesmo diploma legal, que estabelecem: I. a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária; II. a garantia do desenvolvimento

nacional; III. a erradicação da pobreza.

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Interpretar esses conceitos à luz da persecução da Ordem Social e da

imposição da universalidade de cobertura e do atendimento (máxima prevista para a

seguridade social), implica em reconhecer o avanço permanente do sistema de proteção.

Não caberia, portanto, nestes termos, que o legislador infraconstitucional limitasse a

amplitude da seguridade social, a não ser que houvesse previsão constitucional expressa

nesse sentido.

É nesse contexto que se insere o princípio em estudo. A constituição

permitiu, portanto, que a seguridade social seja delimitada de sorte a emoldurar-se aos

contornos da realidade social dentro das possibilidades orçamentárias, ainda que, como

preceito maior, deva buscar a maior amplitude possível.

Repita-se, pois, que a tônica que rege a seletividade e a distribuitividade

das prestações não é a busca do bem-estar e da justiça sociais, objetivos da Ordem

Social, que são comuns a toda a seguridade social. O norte a seguir será o alcance da

justiça mediante aplicação do princípio da isonomia. Logicamente que os conceitos

dispostos no artigo 193 da Constituição deverão ser verificados na seleção e distribuição

dos benefícios. Contudo, não mais do que se mostrarão presentes nos demais princípios

da seguridade social.

Essa afirmativa reputa-se cristalina ao verificar-se que os fins da Ordem

Social somente serão plenamente atingidos quando houver a universalidade da cobertura

e do atendimento e não com a seleção dos riscos e limitação dos sujeitos protegidos.

Repita-se, portanto, que o atendimento do princípio em comento em

desconformidade com a isonomia irá igualmente desatender aos preceitos do artigo 193

da Constituição, não porque estes serão implementados pela seleção das contingências e

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dos sujeitos protegidos, mas sim por via reflexa, em desatendimento ao princípio da

isonomia, o que de forma mediata implica em negar a justiça 88.

Frise-se que alguns parâmetros foram previamente traçados pela

Constituição e que deverão ser observados pelo legislador infraconstitucional ao

deliberar sobre a matéria.

Especificamente no caso da previdência social, denota-se que os riscos a

serem atendidos foram minimamente delineados na forma do artigo 201 da Carta

Magna, que assim dispõe:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de

regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória,

observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e

atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade

avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de

1998)

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego

involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20,

de 1998)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos

segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 20, de 1998)

88 Vide conceituação do Princípio da Isonomia no item 2.

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V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge

ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para

a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de

previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas

sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade

física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência,

nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou

o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior

ao salário mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

20, de 1998)

...

Já no caput do artigo 201 pode ser notado um critério de distribuição das

prestações no que toca a previdência social: somente àqueles que contribuírem na forma

da lei farão jus à cobertura dos riscos.

Outro parâmetro a ser considerado na seleção e distribuição da proteção é

o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, levando-se em conta o piso dos benefícios

que substituam a renda no valor do salário-mínimo.

Conforme apontado pela doutrina, o critério adotado para a redução das

necessidades no campo da previdência foi a perda ou redução da renda do segurado.

Para tanto, o constituinte estabeleceu os riscos que implicam em situações de

necessidade e que deverão ser atendidos pelo sistema de proteção.

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A previsão do artigo 201 comporta o rol mínimo de contingências

mínimas a serem observadas, não ficando o legislador impedido, todavia, de criar novas

formas de proteção, desde que o equilíbrio do sistema seja mantido. O que não poderá

ocorrer é a regulamentação do campo de proteção a ser feita pelo legislador

infraconstitucional de forma menos abrangente do que o elenco estabelecido no referido

artigo.

4. A Justa Medida das Prestações Devidas aos Trabalhadores Rurais

Há quem sustente o caráter assistencial dos benefícios concedidos à

população rural, sobretudo daqueles previstos no 39, I, da Lei 8.213/91, atribuídos ao

segurado especial no valor de um salário mínimo. Existem ainda, os que criticam a

postura adotada pelo legislador, tendo em vista o alto custo de implantação dos

benefícios em tela.

Deve-se, todavia, deliberar sobre qual a justa medida do tratamento social

a ser conferido a esta modalidade de segurado. A resposta encontra guarida no

cruzamento de três princípios: o da isonomia, previsto genericamente no caput do artigo

5o da Carta Magna; o da uniformidade e equivalência dos trabalhadores urbanos e rurais,

previsto no artigo 194, III; e o da solidariedade.

O resultado nos leva inexoravelmente à conclusão de que a inserção social

desta espécie de trabalhador, com vistas ao desenvolvimento e a resolução da questão

social, (artigo 193), será proporcionada pela diferenciação entre os trabalhadores

urbanos e rurais, a fim de equacionar igualitariamente a situação de risco que se

encontrem.

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Os dois primeiros princípios foram tratados respectivamente nos tópicos 2

e 3.3 do capítulo II do presente estudo. A solidariedade, por seu turno, é ínsita ao

conceito de previdência social.

Prevista genericamente como objetivo fundamental da República

Federativa do Brasil, no artigo 3o, I, que preza a construção de uma sociedade livre, justa

e solidária, encontra, ainda, supedâneo em outros dispositivos esparsos ao longo do

texto constitucional, como no artigo 40, caput, que institui o regime de previdência dos

servidores públicos de forma solidária.

Conforme definição de CALDAS AULETE, dizem por solidárias

“pessoas que se responsabilizam umas pelas outras, que tomam a responsabilidade dos

seus atos umas pelas outras”. Por seu turno, solidariedade seria “responsabilidade ou

dependência mútua que se estabelece entre duas ou mais pessoas; (...) Laço fraternal,

sentimento de duas ou mais pessoas ligadas, unidas pelos mesmos interêsses e que por

isso se ajudam e apóiam umas às outras89”.

“De fato, são tão grandes as fraquezas humanas e tão árduas e penosas as

dificuldades e antagonismos que se lhes antepõe, que de pouco valerão a liberdade e a

igualdade jurídica, se elas não forem regadas por um espírito de solidariedade com o

próximo90”.

Em linhas gerais, essa é o emblema da previdência social. Pautada pelo

risco social e calcada nos alicerces do direito securitário, retrata o interesse comum

89 Dicionário da Língua Portuguesa, V Volume. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1958, p. 4740. 90 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, 1º. Vol. São Paulo: Editora Saraiva, 1988, p. 445.

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quando o indivíduo que se encontre em situação de risco é amparado pela comunidade,

pois como parte integrante do todo, quando ameaçado coloca em risco toda a sociedade.

Destarte, a solidariedade implica no reconhecimento de interdependência

dos indivíduos, com indispensável necessidade de compartilhar, em atenção à

cooperação entre os semelhantes e a ajuda que os homens prestam. Assim, realizá-la é

por em prática um dever coletivo, resultante de uma lei natural91.

Conforme asseverado nos tópicos anteriores, o trabalhador rural ficou à

míngua de recursos, não obstante ter sustentado o fardo de promover o desenvolvimento

do brasil desde o império, gerando condições ao processo de industrialização, sendo que,

atualmente, a agricultura ainda representa fonte expressiva de riquezas para o país.

O motor da previdência social é a situação de necessidade social, que

geralmente não se apresenta diretamente mencionada na lei, pois, em última análise,

encontra-se selecionada por intermédio das contingências sociais, eventos por definição

geradores daquele tipo de situação92.

Verifica-se, pois, que o constituinte reconhece que dentre as contingências

previstas no artigo 201 da Carta Magna, há uma qualificação no que diz respeito aos

benefícios devidos aos trabalhadores rurais, quando estabelece redução etária dentre os

requisitos exigidos para a aposentadoria por idade.

Confere, ademais, ao legislador, a concessão diferenciada de benefícios ao

segurado especial, que igualmente estará adstrito a regime contributivo distinto dos

demais trabalhadores (artigo 195, § 8o, da Carta Magna). 91 VIVOT, Julio J. Martínez. Elementos del Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1987, p. 468. 92 PULINO, Daniel, A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: Editora LTr, 2001, p. 73.

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O trilho em que caminha o presente estudo, portanto, é a justa medida do

tratamento a ser conferido para os trabalhadores rurais, a fim de que gozem,

proporcionalmente, do mesmo tratamento conferido aos trabalhadores urbanos. Por

outras palavras, deve-se encontrar a razão entre a necessidade social experimentada pelo

rurícola e pelo trabalhador urbano, a fim de equacionar corretamente o sistema de

proteção social. Essa é a extensão que deve ser dada ao objetivo da uniformidade e

equivalência dos benefícios e serviços devidos às populações urbanas e rurais,

anteriormente mencionado.

Conforme cediço, o sistema de seguridade social, o qual tem como parte

integrante a previdência social, atua na resolução da questão social, na busca da justiça e

do bem-estar sociais. Para a contextualização do trabalhador rural, contudo, faz-se

mister a análise da distribuição de rendas e terras no Brasil, de forma a qualificar a

questão no que denominamos de questão social agrária.

Ressalta-se que o sistema de proteção social e a resolução da questão

social estão atrelados à forma de custeio, que será, igualmente regida pela

solidariedade93, e terá como referência o risco. De toda sorte, é a solidariedade que

impõe as contribuições devidas pelos empregadores, previstas no inciso primeiro do

artigo 195 da Constituição Federal, pois a eles não será destinada nenhuma prestação.

De forma mitigada em relação a este ator social, a contribuição a cargo

dos trabalhadores é igualmente pautada pela solidariedade. Note-se, à guisa de

esclarecimentos, que o trabalhador pode passar vida contribuindo sem nunca vir a

receber qualquer tipo de contraprestação.

93 Exemplificativamente, dispõe o artigo 195, caput, da Constituição Federal que a seguridade social será financiada por toda sociedade.

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Ademais, o legislador pode atribuir às contribuições sociais previstas no

inciso I do caput do artigo 195 alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão da

atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da

condição estrutural do mercado de trabalho (artigo 195, § 9o, da Constituição Federal).

A previdência social quer no que diz respeito às prestações, quer quanto

ao seu custeio, representa forma de distribuição de riquezas, sendo esse o sentido a ser

dado a este dispositivo94.

Por conseguinte, a parcela da previdência social na integração social do

trabalhador rural será conjuntamente exercida pela forma diferenciada de financiamento

e pela promoção da proteção social propriamente dita. Esta ação conjunta fomenta a

distribuição de rendas e mantém o poder aquisitivo mínimo daqueles que se

encontrariam em estado de miserabilidade, caso não fossem amparados, fomentando o

desenvolvimento econômico.

Ressalte-se que “... o desenvolvimento econômico implica o

desenvolvimento social, na mesma medida em que este afeta aquele. O progresso da

economia desassociado da promoção da elevação dos direitos sociais é tão inconcebível

quanto a proposição inversa95”.

Note-se, pois, que se o risco é a medida da prestação fornecida pelo

estado, a qualificação da contingência experimentada pelo trabalhador rural, conforme

94 Nesse sentido: “La relación jurídica de seguridad social tienen su principio fundamental en la solidaridad. Mas el auténtico alcance de ésta viene dado a través de los resortes financieros, en cuyo momento de estudio habrá que insistir, y conectarla con la redistribución de la renta” (PASTOR, Jose Manuel Almansa. Derecho de la Seguridad Social, Volumen I, 2ª. Edición. Madrid: Editorial Tecnos, 1977, p. 162). 95 KERBAUY, Luís Rodrigues, O Desenvolvimento e a Questão Social, In Revista de Direito Social n. 23. Porto Alegre: Editora Nota Dez, 2006, p. 118.

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dados levantados nos tópicos anteriores, implica em proporcioná-lo, igualmente, maior

proteção social. Aí reside a leitura que deve ser feita da equivalência das prestações.

É, pois, a contingência social diferenciada, reconhecida pelo constituinte

conforme debatido, que justifica o custo mais elevado que eventualmente possa ser

experimentado no que diz respeito à manutenção dos benefícios concedidos à população

rural. Não se pode perder de vista que o trabalhador rural por longo período sofreu a

falta de tratamento previdenciário adequado, fator responsável pela diminuição de sua

condição econômico-sócio-cultural.

Note-se que não é exclusiva dos trabalhadores rurais a responsabilidade

pela diminuição da relação entre arrecadação e despesas referentes à previdência social.

O mesmo se verifica, por exemplo, no caso dos benefícios por incapacidade, que

possuem igualmente um elevado custo social e em correspondência um elevado custo

financeiro. O cálculo favorável do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez e

suas carências reduzidas implicam numa constituição deficiente de reservas em relação

ao que será despendido para pagamento do benefício. A diferença entre arrecadação e

despesas será arcada por toda a sociedade, em atenção ao princípio da solidariedade.

Na mesma esteira, a viúva tem direito a perceber pensão por morte sem

nunca ter contribuído para a previdência social ou, caso contrário, cumular este

benefício com aposentadoria, a exemplo, mutatis mutandis, do que ocorre com o

segurado especial, em que uma única contribuição é aproveitada por todo o grupo

familiar.

Este cenário impôs tratamento legal diferenciado ao trabalhador rural que,

nos termo da lei, goza de quatro prerrogativas básicas que serão oportunamente

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abordadas: a) regime jurídico de custeio diferenciado, com base-de-cálculo e alíquotas

distintas dos demais segurados em razão das peculiaridades das atividades rurícolas; b)

concessão dos benefícios previstos no artigo 39, I, da Lei 8.213/91, estendidos a todo o

grupo familiar, no caso do segurado especial; c) concessão da aposentadoria por idade

independentemente de contribuições, conforme regra de transição prevista no artigo 143

da Lei 8.213/91; d) cômputo do tempo trabalhado nas atividades campesinas

anteriormente à vigência da referida lei, exceto para fins de carência (artigo 55, § 2º.).

Estas medidas coadunam-se com o tratamento deficiente conferido ao

trabalhador rural anteriormente à Constituição Federal de 1988, bem como com as

diferenças sociais apontadas ao longo do presente trabalho. Ressalta-se, ainda, que o

trabalhador rural não possui renda o ano todo, pois sua produção é sazonal. Ademais,

apresenta vulnerabilidade em decorrência das influências climáticas e do fato de que,

mormente no caso do segurado especial, a renda não provém de outra fonte que não da

produção agrícola96.

Conclui-se, pois, que as medidas protetivas apontadas devem ser, dentro

do contexto que se insere a previdência social e em atenção às regras de hermenêutica,

analisadas ampliativamente, sem prejuízo de outras providências que possam ser

tomadas na inclusão social do trabalhador rural.

Logicamente, a interpretação ampliativa não busca estender o risco adrede

fixado pelo legislador sob pena de interferência no equilíbrio atuarial do sistema, que

estatisticamente é composto equacionando-se as probabilidades de determinada

contingência se concretizar.

96 BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência Rural Inclusão Social. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 155.

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Não obstante, “ante a impossibilidade de prever todos os casos

particulares, o legislador prefere pairar nas alturas, fixando preceitos genéricos e

abstratos. Ao passar do nível das abstrações para o das realidades surgem as

dificuldades; por isso a necessidade da interpretação97”.

Conforme debatido, a equivalência dos benefícios entre as populações

rural e urbana deve ocorrer de forma isonômica o que significa distribuí-los de forma a

compensar eventual defasagem apresentada na zona rural.

Exemplificativamente, a não concessão de aposentadoria por tempo de

contribuição por tempo de serviço ao trabalhador rural com base nas suas contribuições

como segurado obrigatório representa distorção na aplicação do referido princípio.

Adotando-se uma interpretação ampliativa dos dispositivos que disciplinam a matéria

mostra-se possível, através da nova do artigo 29 da Lei 8.213/91, que prevê a concessão

de aposentadoria por tempo de contribuição ao segurado especial com base no salário-

de-benefício, concedê-lo esse benefício, ainda que não contribua como facultativo.

97 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 83.

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III. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DEVIDOS AO TRABALHADOR RURAL

1. Benefícios Previdenciários Devidos ao Segurado Especial

1.1. Intróito

Conforme aduzido, o artigo 194, II, da Constituição Federal, estabelece

que o sistema de seguridade social deverá promover a uniformidade e equivalência dos

benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, pondo fim à falha legislativa que

mitigava a proteção previdenciária prestada aos trabalhadores rurais.

Destarte, através do PRORURAL o trabalhador rural passou a ter alguma

proteção social embora em padrões inferiores à população urbana98, quadro que foi

revertido com a promulgação da Constituição Federal de 1988, impondo a uniformidade

e equivalência entre os dois tipos de trabalhadores.

Assim, em atenção ao princípio da isonomia, bem como da seletividade e

distributividade, conferiu-se ao segurado especial a concessão de aposentadoria por

idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de

um salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de 98 O Pró-Rural foi instituído pela Lei Complementar no. 11, publicada em 26.05.71, que previa, em seu art. 1º., a atuação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, a fim de viabilizar a execução do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Este programa consistia na prestação dos seguintes benefícios: I - aposentadoria por velhice; II - aposentadoria por invalidez; III - pensão; IV - auxílio-funeral, V - serviço de saúde; VI - serviço social. Cumpre esclarecer que o valor dos benefícios era sensivelmente inferior ao concedido à população urbana. Com efeito, A aposentadoria por velhice correspondia a uma prestação mensal equivalente a 50% do salário-mínimo de maior valor no País e a pensão por morte numa prestação mensal equivalente a 30% da mesma base-de-cálculo.

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forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício,

igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido99.

Esse privilégio será devido ao segurado especial e, portanto, que exerça a

atividade em regime de economia familiar, bem como para a segurada especial, que fará

jus, ainda, à concessão do salário-maternidade, também no valor de um salário mínimo,

desde que comprove o exercício de atividade rural, mesmo que de forma descontínua,

nos doze meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.

A questão inicial a ser colocada, antes de definir o regime previdenciário

e a forma de aquisição dos benefícios a que tem direito, é acerca da definição do

segurado especial.

1.2. Definição de Segurado Especial

Essa espécie de trabalhador possui status constitucional, através da

previsão da hipótese tributária referente às contribuições por ele devidas, conforme

disposto no artigo 195, § 8o. Ainda que referente ao tema de custeio da previdência a ser

oportunamente abordado, alguns conceitos podem ser extraídos deste dispositivo a fim

de conceituar essa figura, que igualmente será sujeito de direitos na relação jurídica de

prestações previdenciárias.

Dispõe, então, o artigo 195, § 8o:

§ 8o O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o

pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que

exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem

99 KERBAUY Luís Rodrigues, ob. cit., p. 92.

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empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social

mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da

comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos

termos da lei (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20,

de 1998)100.

1.2.1. Breves Definições dos Sujeitos Previstos

Antes de entrarmos propriamente na caracterização do segurado especial,

faz-se mister colacionar as definições das figuras a que se refere o artigo em comento.

Produtor rural, conforme disposto no artigo 240 da Instrução Normativa

RPS 3/05, será o trabalhador que desenvolva, em área urbana ou rural, a atividade

agropecuária, pesqueira ou silvicultural, bem como a extração de produtos primários,

vegetais ou animais, em caráter permanente ou temporário.

Note-se, portanto, que a exemplo do que determinava o Estatuto do

Trabalhador Rural de 1963, optou-se corretamente por definir essa espécie de

trabalhador não pela localidade, mas sim pela natureza de suas atividades.

100 Em sua redação original: § 8º -O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei – grifa-se. A figura do garimpeiro foi, portanto, expressamente excluída pela Emenda Constitucional n. 20, deixando, desde então, de figurar como segurado especial. Sublinhe-se que o legislador infraconstitucional já havia considerado o garimpeiro como equiparado a autônomo, através da Lei 8.398, de 7 de janeiro de 1992, em flagrante inconstitucionalidade.

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Parceiro, por seu turno, é definido como aquele que tenha contrato de

parceria com o proprietário do imóvel ou embarcação e nele desenvolva atividade

agropecuária ou pesqueira, partilhando os lucros conforme o ajustado em contrato101.

Meeiro é espécie que tem por gênero o parceiro. Configura-se naquele que

tem contrato com o proprietário do imóvel ou de embarcação e nele desenvolve

atividade agropecuária ou pesqueira, dividindo os rendimentos auferidos em partes

iguais.

Arrendatário rural é aquele que utiliza o imóvel ou embarcação, mediante

retribuição acertada ou pagamento de aluguel ao arrendante, com o objetivo de nele

desenvolver atividade agropecuária ou pesqueira.

Por fim, pescador artesanal, na dicção do artigo 9o, § 14, do Decreto

3.048/99, é definido como aquele que, individualmente ou em regime de economia

familiar, faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida, desde que:

I - não utilize embarcação;

II - utilize embarcação de até seis toneladas de arqueação bruta102,

ainda que com auxílio de parceiro;

101 Nos termos do artigo 96, § 1º, da Lei 4.504/64: Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos: (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).I - caso fortuito e de força maior do empreendimento rural; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).II - dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).III - variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).102 A arqueação bruta é um valor adimensional da capacidade total do navio nas superestruturas e sob o convés, exceto alguns espaços como: duplos-fundos e outros tanques usados para lastro; passadiço, tombadilho e castelo de proa abertos; espaços de ar; casa do leme e praças do aparelho de governo e do aparelho de suspender, etc. Pelas regras norte-americanas, a maior parte dos espaços ocupados pelas escotilhas de carga é

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III - na condição, exclusivamente, de parceiro outorgado, utilize

embarcação de até dez toneladas de arqueação bruta.

1.2.2. Utilização de Empregados

Há quem doutrinariamente aponte que o texto constitucional apresentou

extrema falta de técnica ao caracterizar esta espécie de segurado como aquele que exerça

sua atividade sem empregados permanentes. Sustenta-se que juridicamente tal figura

não existe, podendo haver, isto sim, trabalhadores permanentes ou não permanentes103.

Faz-se mister, portanto, estabelecermos a distinção entre relação de

trabalho e relação de emprego.

A primeira expressão tem caráter genérico e mais abrangente, referindo-se

a toda modalidade de trabalho humano atualmente admissível.

Trabalho é tido pela doutrina como emprego da energia humana. Todavia,

para que haja sua proteção pelo direito, mostra-se imperioso que seja remunerado. Note-

se que, ainda que proceder a uma classificação dos trabalhadores seja tarefa difícil,

isento da arqueação bruta; excetua-se o que exceder de 0, 5% da arqueação bruta, que é então incluído nesta. A isenção do espaço de luz e ar acima das praças de máquinas e caldeiras é opcional; o armador pode incluir todo ou parte desse espaço como integrando o espaço das máquinas propulsoras, que é deduzido no cálculo da arqueação líquida. Na arqueação bruta são baseados o preço da construção, as subvenções que o governo pode dar ao armador, e as taxas de docagem. Para o pagamento do soldo dos oficiais dos navios mercantes norte-americanos, os navios são classificados de acordo com a potência indicada da máquina. A arqueação bruta multiplicada por 1, 6 é igual ao expoente de carga, aproximadamente para menos. (conforme Glossário Naval, www.navsoft.com.br) 103 JORGE, Tarsis Nametala Sarlo, O Custeio da Seguridade Social, 2ª. edição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris Editora, 2007, p. 167.

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podem ser agrupados em duas vastas categorias: a) os que não são empregados; b) os

que o são104.

Encontram-se excluídos do conceito de empregados nos termos do artigo

3o da CLT, os trabalhadores autônomos e os trabalhadores eventuais, além dos avulsos,

individuais ou sindicais.

Mostra-se pertinente para o estudo traçarmos breves comentários acerca

da figura do trabalhador eventual, para confrontá-lo com a expressão “sem empregados

permanentes” contida no texto constitucional.

Eventual significa casual, fortuito, que depende de acontecimento incerto.

Entretanto, eventualidade não é sinônimo de temporariedade, da mesma forma que um

trabalho com tempo reduzido não será necessariamente eventual105.

A doutrina aponta duas correntes que se prestam a caracterizar a

eventualidade. Uma delas, encabeçada na Itália, prevê a descontinuidade do trabalho

prestado, ao passo que no Brasil, adotando o modelo mexicano, segue-se o critério da

natureza do trabalho em função da atividade da empresa106.

Neste diapasão, o trabalho efetivo requer que o serviço desempenhado

constitua necessidade permanente da empresa, de forma que, exemplificativamente, um

eletricista chamado a fazer um reparo na rede elétrica de um prédio que comporta uma

grande firma de arquitetura será eventual, não importando o lapso temporal necessário

para o término de suas funções.

Trabalho eventual seria, portanto, caracterizado pelos seguintes requisitos:

104 CATHARINO, José Martins, Compêndio de Direito do Trabalho, 1º. vol. São Paulo: Editora Saraiva, 1981, pp. 152/154. 105 CATHARINO, ob. cit., p. 157. 106 CATHARINO, ob. cit., p. 158.

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a) descontinuidade da prestação do trabalho, caracterizada como

não permanência em uma organização com ânimo definitivo;

b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com

plurialidade variável de tomadores de serviços;

c) curta duração do trabalho prestado;

d) natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo,

determinado e episódico no tocante a regular dinâmica do

empreendimento tomador dos serviços, em conseqüência, a

natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder,

também, ao padrão dos fins normais do empreendimento.

O empregado, por seu turno, conforme as lições da CATHARINO, “...é a

pessoa humana que se obriga a trabalhar, por remuneração, para outra pessoa, e a esta

ficar subordinada107”.

Sublinhe-se que optou a CLT por utilizar-se do conceito negativo por

meio da expressão “não eventualidade” a fim de caracterizar a natureza do trabalho

prestado pelo empregado. De tal forma, nos termos da linha adotada para definição do

trabalhador eventual, será “não eventual” aquele que exercer atividades “que tenham por

objeto necessidade normal da empresa, que se repete periódica e sistematicamente (ex.:

vendedora de ingressos em teatro, uma hora por dia; músicos de um clube, dois dias por

semana...)108”.

Neste diapasão, segundo alguns arestos, o safrista109 vem sendo

considerado como trabalhador rural, nos seguintes termos110:

107 Ob. cit. P. 161. 108 CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 31ª. edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 35. 109 A figura do safrista foi prevista na Lei 5.889/73, que em seu artigo 14, determina: Art. 14. Expirado normalmente o contrato, a empresa pagará ao safrista, a título de indenização do tempo de serviço, importância correspondente a 1/12 (um doze avos) do salário mensal, por mês de serviço ou fração superior a 14 (quatorze) dias.

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TRABALHADOR RURAL. Eventualidade não significa tempo.

Como pressuposto da desfiguração de uma relação de emprego, a

eventualidade decorre tão-somente da natureza do trabalho

executado. Se imanente nas atividades meio ou fim do

empreendimento, essencial ao se desenvolvimento e necessário à

consecução do objetivo econômico perseguido pelo produtor

rural, aí o serviço nada terá de eventual. Nas propriedades rurais,

a colheita dos produtos agrícolas jamais poderá ser considerada

como uma atividade eventual, isso porque, ao final da safra,

constitui uma atividade permanente, apesar de temporária e com

previsibilidade de termo em função da maior ou menor utilização

da mão-de-obra pelo proprietário rural (TRT 3ª. Região, 5ª.

Turma, RO 9774/94, Rel. Juiz Itamar José Coelho).

Por conseguinte, há quem sustente que a utilização de safristas desnatura a

caracterização do segurado especial, que não poderá ter sob seu comando empregados,

safristas ou não. Defendem esses doutrinadores que o termo utilizado pela Constituição,

portanto, refere-se não a ausência de “empregados permanentes”, mas sim de

trabalhadores permanentes e, portanto, de quaisquer empregados, posicionamento com o

qual não compactuamos.

Faz-se mister, neste particular, analisarmos o contrato de trabalho quanto

à sua natureza, que segundo posição universalmente aceita é a de se caracterizar por

trato sucessivo, não-instantâneo, podendo, contudo, nos termos do artigo 443 da CLT,

dar-se por tempo determinado ou indeterminado.

Parágrafo único. Considera-se contrato de safra o que tenha sua duração dependente de variações estacionais da atividade agrária. 110 O termo final do contrato por safra, apesar de denominação por prazo determinado, está vinculado a fato futuro – término da colheita –, pois depende de variações estacionais. Por isso, ao safrista são devidas todas as verbas inerentes ao término do contrato, inclusive aviso prévio, FGTS, multa constitucional de 40% (quarenta por cento) sobre o FGTS e 13º proporcional (enunciado 3) (TST, RR 56.220/92.0, Francisco Fausto, Ac. 3ª T. 4.052/96.

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Com efeito, estabelece o § 2o do mesmo artigo que o trabalho por prazo

determinado será válido somente em se tratando: a) de serviço cuja natureza ou

transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de

caráter transitório; c) de contrato de experiência.

Portanto, a devida medida da expressão “sem empregados permanentes”

utilizada no texto constitucional, comporta o sentido de “ausência de contratos de

trabalho por tempo indeterminado”. Deveras, no âmbito do trabalho rural mostra-se

comum a prática de contratação de trabalhadores em períodos específicos do ano para

efetuarem os afazeres da produção rural, que sazonalmente demanda maior força de

trabalho. É o que se verifica nas épocas de plantio e colheita, contando os produtores

rurais com a figura do “safrista”, adrede mencionado.

Por se relacionarem com a atividade fim do produtor rural serão

considerados empregados ainda que exerçam suas atividades por curto espaço de tempo,

durante o período da colheita. Poderão, todavia, ser contratados na forma do § 2o do

artigo 443 da CLT, de acordo com o permissivo previsto na alínea a do mesmo artigo,

tendo em vista que a natureza do serviço exige a predeterminação de prazo, ou, quando

muito, que sua durabilidade seja de restrita extensão, condicionada a evento futuro e

certo. Deveras, finda a colheita, os serviços do safrista serão descartados, pois perderão

sua finalidade.

Destarte, ainda que o contrato de trabalho por curto espaço de tempo seja

restrito às hipóteses legalmente previstas, demonstrando a preocupação do legislador em

evitar o pacto laboral por prazo certo, que no mais das vezes tem o objetivo de fraudar

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os direitos trabalhistas111, essa situação perfeitamente se amolda ao caso do trabalhador

rural.

Destarte, pelo emprego do termo “sem empregados permanentes” admitiu

o constituinte que além do trabalho das pessoas da família, possa haver em certas

eventualidades colaboração de terceiros112, não obstante pela formalidade que rege a

CLT fossem considerados empregados, como no caso do safrista. Admite-se, ainda, a

Lei Maior, a participação da figura do trabalhador avulso, que conforme adrede aduzido

não se enquadra no conceito de empregado.

Por conseguinte, a figura ordinária de empregado, que se encontra

atrelado por contrato de trabalho com prazo indeterminado e, portanto, que se perpetue

no tempo, desnaturaria a figura do segurado especial, hipótese em que estaria equiparado

a empregador, residindo aí o fulcro da distinção entre o segurado especial e o produtor

rural pessoa física.

Entretanto, a inexorável exclusão da possibilidade de contratação de

qualquer tipo de empregado, ainda que em caráter excepcional e por curto período de

tempo, não se amolda à expressão constitucionalmente prevista, indo de encontro com a

natureza da proteção pretendida pelo constituinte.

Suponha-se, exemplificativamente, que um dos membros da família

viesse a adoecer ou acidentar-se, mostrando-se incapaz para o exercício de suas

atividades de sorte a fazer jus ao benefício de auxílio-doença no valor de um salário-

mínimo. Caso fosse contratado trabalhador para lhe substituir no período da colheita,

111 ALMEIDA, Amador Paes de. CLT Comentada, 3ª. edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 178. 112 MARTINS, Ives Gandra e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, 8ª. vol. São Paulo: Editora Saraiva, p. 108.

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recebendo como remuneração o mesmo valor pago pelo benefício em questão, levando-

se em conta a caracterização do vínculo empregatício pela atividade correlata ao

objetivo do produtor, encontrar-se-ia a família desassociada do conceito de segurado

especial, em desatenção às determinações constitucionais.

Esse não foi, todavia, o tratamento conferido pelo legislador

infraconstitucional, nem tampouco pelo Regulamento da Previdência, o Decreto

3.048/99.

De fato, dispõe o artigo 11, VII, da Lei 8.213/91 que se considera:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as

seguintes pessoas físicas:

...

VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o

arrendatário rurais, o garimpeiro113, o pescador artesanal e o

assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou

em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio

eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou

companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles

equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o

grupo familiar respectivo (grifa-se).

A definição do segurado especial torna-se mais incerta ao constatarmos o

termo auxílio, utilizado na locução constante do artigo em debate.

Auxílio sugere ausência de vínculo de qualquer natureza bem como

inexistência de remuneração. Caso haja, portanto, a contratação de trabalhadores de

113 Conforme adrede mencionado o garimpeiro restou expressamente excluído do conceito de segurado especial pela Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998. A mesma Emenda alterou a idade mínima do trabalho infantil para dezesseis anos, de sorte que, nesses aspectos, o artigo citado encontra-se revogado.

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qualquer natureza, restaria desnaturada a figura do auxílio, que ademais se encontra

atrelada à idéia de subsistência, constante da definição de “regime de economia

familiar”, previsto no § 1o do artigo 11 da Lei 8.213, a ser oportunamente analisado.

Foi nesse sentido que o decreto 3.048/99, em seu artigo 9º, estabeleceu

que:

§ 6º Entende-se como auxílio eventual de terceiros o que é

exercido ocasionalmente, em condições de mútua colaboração,

não existindo subordinação nem remuneração – grifa-se.

Não obstante, os preceitos traçados pela Constituição deverão ser

seguidos pelo legislador infraconstitucional nos termos do significado da expressão

“empregados permanentes”, consoante § 8o do artigo 195 da Lei Maior.

Conforme asseverado, não vedou o constituinte a possibilidade de

remuneração àqueles que prestem serviços ao segurado especial. Mais do que isso

previu a possibilidade de utilização de qualquer espécie de trabalhadores, desde que não

exerçam atividades permanentemente114.

Desta forma, exacerbou sua atribuição o decreto ao vedar a possibilidade

de remuneração daqueles que trabalharem para o segurado especial, reputando-se

inconstitucional o mencionado § 6o por afrontar o artigo 195, § 8o, da Carta Magna.

114 No mesmo sentido, FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM leciona que “... a legislação, de modo indevido, limita o enquadramento do segurado especial somente àqueles sem empregados, enquanto a Constituição permite que estes venham a ter empregados, desde que não permanentes, como os contratados por safra, por exemplo”. Em Curso de Direito Previdenciário, 9ª edição. Niterói: 2007, p. 157.

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1.2.3. Regime de Economia Familiar

Afeto à figura do segurado especial encontra-se o conceito de “regime de

economia familiar” a que faz referência o artigo 195, § 8o, da Constituição Federal.

Dando sentido a expressão em comento, WAGNER BALERA explicita

que por regime de economia familiar vale dizer “sem qualquer estrutura formal de

empresa115”.

Nessa trilha, dispõe o § 1o do artigo 11 da Lei 8.213/91 ao definir que:

Art 11

...

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade

em que o trabalho dos membros da família é indispensável à

própria subsistência e é exercido em condições de mútua

dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.

Subsistência significa “conjunto do que é necessário para sustentar a

vida116” e, neste contexto, agricultura de subsistência é aquela realizada para garantir a

sobrevivência do grupo. Contudo, o vocábulo não deve ser empregado no seu sentido

mais estrito, devendo ser analisado em conjunto com as demais disposições legais

pertinentes ao tema.

De acordo com o artigo 201 da Constituição Federal, a previdência social

encerra os conceitos de contributividade e filiação obrigatória, de sorte que, em linhas

gerais, aquele que auferir renda proveniente do seu trabalho estará sujeito às

contribuições previstas para o custeio do sistema.

115 A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 72. 116 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3ª. edição. Curitiba: Editora Positivo, 2004, p. 1887.

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Deve ser salientado, ademais, que a participação no custeio da seguridade

social a cargo do segurado especial, prevista no artigo 25 da Lei 8.212/91, abarca toda

entidade familiar, que irá contribuir com base na receita bruta proveniente da

comercialização da produção, proporcionado proteção previdenciária à integralidade do

grupo, nos termos do artigo 39, I, da Lei 8.213/91.

Tendo em vista que os benefícios independentemente de contribuição

ficam a cargo da assistência social, entende-se ser essencial que haja produção agrícola

para fins de comercialização, não adquirindo qualidade de segurado especial aquele que

produza apenas para subsistência117. Nesse sentido já decidiu a jurisprudência pátria,

determinando que “... o plantio em pequena área, no âmbito residencial, para consumo

próprio, não tem o condão de caracterizar-se como exercício da agricultura nos termos

do art. 11, VII e § 1o, da Lei no 8.213/91, nem da à autora o direito à percepção dos

benefícios previdenciários decorrentes da qualidade de segurado especial. Se assim

fosse, qualquer pessoa, mesmo na área urbana, que tivesse uma horta de fundo de

quintal, também seria segurada especial118”.

Desta forma, regime de economia familiar será aquele em que todos os

entes familiares envolvidos têm sua subsistência provida pela receita proveniente da

comercialização da produção rural, ou, por outras palavras, “significa que todos

trabalham em benefício do grupo familiar e o resultado da produção é utilizado de forma

117 VELLOSO, Andrei Pitten, ROCHA, Daniel Machado da, BALTAZAR JUNIOR, José Paulo, Comentários à Lei do Custeio da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 78. 118 AC n. 97.04.29554-5/RS, TRF 4ª Região, Relator Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon, 6a. Turma, v. u. DJ 26.01.00.

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conjunta, para subsistência da família, sem partilha, ou quotas de participação

individual119”.

Por esse motivo, entende-se que caso um dos membros da família possua

outra fonte de sustento além das atividades rurais desenvolvidas pelo grupo, será

excluído da proteção especial conferida a esta espécie de segurado.

Nesse sentido aponta o art. 9o, § 8o, do Decreto 3.048/99:

§ 8o Não se considera segurado especial: (Redação dada pelo

Decreto nº 3.668, de 22/11/2000)

I - o membro do grupo familiar que possui outra fonte de

rendimento, qualquer que seja a sua natureza, ressalvados o

disposto no § 10, a pensão por morte deixada por segurado

especial e os auxílio-acidente, auxílio-reclusão e pensão por

morte, cujo valor seja inferior ou igual ao menor benefício de

prestação continuada; (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de

9/06/2003)

1.2.3.1. Entidade Familiar

Breve questão deve ser pontuada acerca do que consiste o grupo familiar e

quais entes poderiam ser integrados ao conceito de família para fins de proteção

conferida ao segurado especial.

A Constituição estendeu a proteção social ao cônjuge que como não

poderia deixar de ser, encontra-se abarcado pela expressão “regime de economia

119 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e LAZZARI, João Batista, Manual de Direito Previdenciário, 7ª edição. São Paulo: Editora LTr®, 2006, pp. 196/197.

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familiar120”. O legislador infraconstitucional, contudo, cuidou de ampliar a proteção para

abranger os filhos maiores de 14 anos desde que contribuam com esforços para suas

subsistências.

A permissão do artigo 11, VII, da Lei 8.213/91 foi bem-vinda. Com

efeito, adequou-se à figura do artigo 195, § 8o, da Constituição Federal aos demais

preceitos constitucionais correlatos à matéria. A medida visa, pois, à erradicação da

pobreza em atenção ao valor social do trabalho, bem como à busca do bem-estar e

justiça sociais, fins da Ordem Social.

Coaduna-se, ademais, com a definição de entidade familiar expressa pela

Constituição, que a entende como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus

descendentes. Ademais, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, cabendo ao

Estado assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram

(artigos 226 e seguintes).

Frise-se, entretanto, que a idade de quatorze anos estabelecida no artigo

em debate restou revogada pela Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de

1998, que alterou a redação do artigo 7o, XXXIII, para vedar qualquer trabalho a

menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

Conforme se denota, os contornos previstos constitucionalmente foram

preenchidos legalmente para delimitar-se o conceito de regime de economia familiar.

Não caberia, portanto, trazer elementos externos a esses parâmetros que viessem a fixar

o conceito em desatenção à natureza das atividades deste grupo. Nesse sentido foi

editada a súmula no 30, publicada em 30.12.06, da Turma Nacional de Uniformização 120 MARTINS, Ives Gandra, ob. cit., p. 107.

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dos Juizados Especiais Federais, determinando que “tratando-se de demanda

previdenciária, o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não afasta, por si só, a

qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que comprovada, nos

autos, a sua exploração em regime de economia familiar”.

No mesmo diapasão, o decreto excedeu seus limites ao determinar

limitações ao tamanho da embarcação utilizada pelo pescador artesanal, pois incluiu

critério estranho à natureza de suas atividades, impondo que acima de determinado peso

de arqueação bruta este trabalhador encontra-se excluído do regime do segurado

especial121.

1.3. Benefícios Devidos ao Segurado Especial

Definida a figura do segurado especial conforme diagramado pelo artigo

195, § 8o, da Constituição Federal, passaremos a abordar os benefícios previdenciários

selecionados pelo legislador com a finalidade de compor o sistema de proteção social.

A abordagem inicia-se pelo disposto no artigo 39 da Lei 8.213/91, que

assim prevê:

Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do

art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-

doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um)

salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade

rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente

121 O decreto prevê, conforme disposto no tópico 1.2.1. deste capítulo, o limite da embarcação em: 6 toneladas, ainda que com auxílio de parceiro, ou de 10 toneladas na condição de parceiro outorgado. Sublinhe-se, ademais, que a Lei 7.562/86 somente exige o registro de propriedade no Tribunal Marítimo nos casos de embarcações com arqueação bruta superior a cem toneladas.

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anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses

correspondentes à carência do benefício requerido; ou

II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios

e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam

facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada

no Plano de Custeio da Seguridade Social.

Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a

concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário

mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda

que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente

anteriores ao do início do benefício. (Incluído pela Lei nº 8.861,

de 1994)

Inicialmente cabe salientar que a aposentadoria por idade será abordada

destacadamente, tendo em vista suas peculiaridades conforme artigo 143 da Lei

8.213/91, que previu disposições específicas para o segurado especial e para o

trabalhador rural em geral.

Conforme se depreende da redação literal do artigo em comento em

primeira leitura, o legislador teria optado por restringir o rol de benefícios

previdenciários concedidos ao segurado especial que não contribua facultativamente,

que não faria jus, por exemplo, à aposentadoria por tempo de contribuição.

Não obstante, o artigo é controvertido e caso prevalecesse esse

entendimento haveria violação ao princípio da equivalência das prestações concedidas

aos segurados urbanos e rurais, impondo-se, pois, que seja analisado em atenção aos

demais dispositivos pertinentes ao tema, previstos na Lei 8.213/91.

Antes de adentrarmos nos moldes em que serão concedidos os benefícios

estipulados, deve ser frisado que a restrição do rol de cobertura deu-se por conta do

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permissivo constitucional que expressamente consagra forma distinta de contribuição

para o segurado especial, situação em que “farão jus aos benefícios dispostos nos termos

da lei” (artigo 195, § 8o, da Constituição Federal – grifa-se).

Desta forma, a inteligência do artigo 39 da Lei 8.213/91 deverá ser feita

sob a luz do referido dispositivo, que permite concessão de benefícios de forma peculiar

em razão diferenciação da contribuição, conjuntamente com a equivalência que deve

existir entre os benefícios previstos para a população urbana e rural.

Conferiu, então, o legislador, em prol da seletividade e distribuitividade,

benesse ao segurado especial, que terá direito ao elenco de benefícios previstos no inciso

primeiro do artigo em comento, independentemente de contribuição, desde que

comprove o exercício de atividade agrícola, correspondente ao número de meses

referente à carência do benefício.

Essa disposição deve ser entendida conjuntamente com o que dispõe o

artigo 26, III, da Lei de Benefícios:

Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes

prestações:

I - pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-

acidente; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

...

III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos

segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei;

Assim, conforme se denota, será necessária a comprovação da atividade

pelo período correspondente ao tempo de carência somente em caso de não serem

vertidas contribuições pelo segurado especial, que tem sua forma de participação no

custeio prevista no artigo 25 da Lei 8.212/91, a ser oportunamente estudado.

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Outro ponto de merecido destaque refere-se ao período mínimo de

atividade a ser verificado pela segurada especial no caso de salário-maternidade, que

corresponderá a doze meses e não ao período de carência previsto aos contribuintes

individuais, de dez contribuições mensais, conforme redação do artigo 25, III, da Lei

8.213/91.

Sublinhe-se que o regime instituído pelo artigo em debate não dispensa o

segurado especial de verter as contribuições sociais que lhe cabem, conforme poderia

indicar uma análise mais apressada do dispositivo. Deveras, conforme aduzido, a

previdência social foi moldada com base no caráter contributivo, prevendo-se o

segurado especial como segurado obrigatório (artigo 12, VII, da Lei 8.213/91) e maneira

própria na participação do custeio, prescrita pelo artigo 25 da Lei 8.212/91. Realizando,

portanto, a conduta prevista na hipótese da norma de incidência tributária, incorrerá

inexoravelmente no dever de verter contribuições ao sistema.

A facilitação que lhe foi conferida pelo artigo 39 da Lei 8.213/91 deve ser

analisada neste diapasão. Pretendeu o legislador ampliar o âmbito da proteção social ao

segurado especial que pela natureza de suas atividades nem sempre obterá receita da

comercialização de sua produção.

De fato, com base no permissivo constitucional, a base da contribuição

prevista para os segurados especiais corresponde à renda bruta proveniente da

comercialização da produção, garantindo-lhes tratamento diferenciado no tocante à

forma de custeio. “É que, sendo a atividade destes instável durante o ano (em função dos

períodos de safra, no caso dos agricultores, temporadas de pesca, para os pescadores,

criação e engorda do gado, no caso dos pecuaristas, etc.), não se pode exigir dos

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mesmos, em boa parte dos casos, contribuições mensais, em valores fixos

estipulados122”.

Faz-se mister, entretanto, conciliar a redação do artigo em questão com o

que dispõe a forma de cálculo dos benefícios, que terão por base o salário-de-

contribuição, de acordo com o previsto no artigo 29 da Lei de Benefícios, que em seu §

6o dispõe:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste: (Redação dada pela Lei

nº 9.876, de 26.11.99)

§ 6o No caso de segurado especial, o salário-de-benefício, que não

será inferior ao salário mínimo, consiste: (Incluído pela Lei nº

9.876, de 26.11.99)

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do

art. 18, em um treze avos da média aritmética simples dos

maiores valores sobre os quais incidiu a sua contribuição anual,

correspondentes a oitenta por cento de todo o período

contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Incluído

pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do

inciso I do art. 18, em um treze avos da média aritmética simples

dos maiores valores sobre os quais incidiu a sua contribuição

anual, correspondentes a oitenta por cento de todo o período

contributivo. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

§ 7o O fator previdenciário será calculado considerando-se a

idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do

segurado ao se aposentar, segundo a fórmula constante do Anexo

desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

122 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, ob. cit., p. 195.

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Indiscutível que até a vigência da Lei 9.876/91 o tratamento conferido ao

segurado especial dava-se na forma do artigo 39, I, da Lei 8.213/91, posição está

solidificada nos tribunais pátrios que reiteradamente firmaram o entendimento de que:

“a contribuição sobre percentual retirado da receita bruta da

comercialização da produção rural, considerada como obrigatória,

não garante ao segurado especial a ‘aposentadoria por tempo de

serviço’, pois, tal benefício, conforme se depreende do exame dos

arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei no 8.213/91, tem sua

concessão condicionada ao recolhimento facultativo de

contribuições, estas disciplinadas no art. 23 do Dec. 2.173/97, e

substancialmente diversas daquelas efetuadas sobre a produção

rural123”.

Há, todavia, quem sustente que, por força de previsão legal no sentido de

que os benefícios previdenciários concedidos ao segurado terem por base o salário-de-

benefício, teria havido revogação tácita do artigo 39124.

O fulcro da questão reside no fato de ter o legislador previsto o cálculo do

salário-de-benefício com base na comercialização da produção inclusive para as

aposentadorias especial e por tempo de contribuição, bem como para os demais

benefícios previstos no artigo 39, I.

Contudo, conforme dispõe o artigo 2o da Lei de Introdução ao Código

Civil, a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com

ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

123 REsp 441582, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, v.u., DJ 14.10.02. No mesmo sentido: REsp 388988, 5ª Turma do STJ, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonsea, v. u., DJ 29.04.02; REsp 388988, 6ª. Turma do STJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJ 25.03.02. 124 ROCHA, Daniel Machado da e BALTAZAR JUNIOR, José Paulo, Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000, p. 152.

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Desta forma, somente poderá ser sustentada a revogação tácita do artigo

39 pelo artigo 29, § 6o, ambos da Lei 8.213/91, se não for possível interpretá-los

conjuntamente, hipótese em que, pela convivência harmônica entre os dois dispositivos,

não poderia ser adotada leitura que restrinja o direito do segurado especial, com a perda

do direito prescrito no artigo 39125.

A primeira consideração a ser feita na tentativa de conciliar os diversos

dispositivos refere-se ao reconhecimento de que o segurado especial raramente verta

contribuições ao sistema tendo em vista que a comercialização de sua produção dá-se

sazonalmente. Desta forma, a concessão dos benefícios previstos no artigo 39 no valor

de um salário-mínimo caracteriza verdadeira garantia, responsável por proporcionar os

objetivos previstos para a seguridade social, em especial da equivalência de prestações

entre as populações urbana e rural.

Não obstante, o benefício no valor de um salário-mínimo viria a

prejudicar o segurado especial capaz de comercializar regularmente sua produção e que

fizesse jus a valor superior ao legalmente previsto caso tivesse seu benéfico calculado

com base no salário-de-benefício, na forma prevista para os demais segurados. Ainda

que de difícil verificação prática, esse é o sentido que deve ser dado ao artigo 29, § 6o,

da Lei 8.213/91, a fim de conciliá-lo com as demais disposições pertinentes ao tema.

Destarte, a menção expressa de cálculo da renda mensal dos benefícios do

segurado especial com base no salário-de-benefício obtido através da média anual das

receitas auferidas pela comercialização da produção, destina-se a lhe garantir benefício 125 Nesse sentido, Miguel Maria de Serpa Lopes assevera que “a revogação é tácita ou indireta quando não vem estabelecida pela lei, mas resulta de circunstâncias inequívocas, direta ou indiretamente previstas na lei”. Prossegue o Autor aduzindo “trata[r]-se de uma questão interpretativa em que, conforme as circunstâncias, torna-se preciso procurar todos os recursos e métodos de exegese, dos quais não pode ser excluído o da intenção do legislador”. Comentário Teórico e prático da Lei de Introdução ao Código Civil, vol I. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho Editora, 1943, pp. 59/60.

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superior ao valor mínimo, caso as importâncias vertidas para o sistema assim o

permitam.

As conseqüências decorrentes do teor do artigo 29, § 6o, da Lei 8.213/91

vão além.

Com efeito, a previsão contida no artigo 29, § 6o, I, implica em reconhecer

que o segurado especial, ao contrário do entendimento firmado pela jurisprudência ao

interpretar o artigo 39 isoladamente, a partir da vigência da Lei 9.876/99 passou a ter

direito à aposentadoria por tempo de contribuição com base nas contribuições previstas

no artigo 25, caput, da Lei 8.212/91, ainda que não se inscreva como facultativo.

A súmula 272 do STJ não representa, venia concessa, a melhor

interpretação acerca do tema. Dispõe o seu enunciado que:

O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à

contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada,

somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher

contribuições facultativas.

De fato, o entendimento exarado pela E. Corte, não ventilou a questão

com base na interpretação sistemática, à luz da redação dada ao artigo 29, § 6o 126, que

expressamente prevê o cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição e especial,

independentemente do recolhimento de “contribuições facultativas”, utilizando-se a

expressão do E. STJ.

126 Os acórdãos que serviram de precedentes foram proferidos com base em ações ajuizadas antes da vigência da Lei 9.876/99 e, portanto, não teriam como abordar a matéria. São eles: REsp 202766 6ª. Turma do STJ, Rel. Ministro Vicente Leal, v. u., DJ 06.05.99; REsp 203045; 5ª. Turma do STJ, Rel. Ministro Edson Vidigal, v. u., DJ 01.06.99; REsp 217826 6ª Turma do STJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, v. u., DJ 2.08.99; REsp 232756, 5ª. Turma do STJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, v. u., DJ 02.12.99; REsp 232828 6ª Turma do STJ, Rel. Ministro Fontes de Alencar, v. u., DJ 15.02.00; REsp 233538 6ª. Turma do STJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, v. u., DJ 23.11.99.

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Com previsão de cálculo das referidas aposentadorias terem por base o

salário-de-benefício composto pela contribuição prevista no artigo 25, caput, da Lei

8.212/91, reconheceu-se o direito de o segurado especial perceber outros benefícios

além do rol contido no artigo 39, pois inconcebível a idéia de cálculo de benefício

inexistente, tendo em vista que o acessório pressupõe a existência do principal.

Nesta hipótese, entretanto, não terá o segurado especial direito às demais

garantias conferidas pelo artigo 39, como a possibilidade de obtenção do benefício

independentemente de não verter contribuições desde que comprovado o exercício da

atividade pelo período correspondente à carência do benefício.

Em síntese, o segurado especial fará jus a todos aqueles benefícios

contidos no artigo 18 da Lei 8.213/91, com forma de cálculo prevista nos moldes do

artigo 29, § 6o, do mesmo diploma legal, ou seja, com base no salário-de-benefício

calculado segundo a média anual das receitas provenientes da comercialização de sua

produção.

Entretanto, somente os benefícios dispostos no artigo 39, I ser-lhe-ão

concedidos independentemente de contribuição, desde que comprovado o exercício da

atividade por período equivalente a da carência do benefício em questão127.

Poderá, ainda, contribuir como segurado facultativo caso almeje: a) fazer

jus aos outros benefícios além daqueles previstos no artigo 39, em caso de não haver

recolhimento de suas contribuições; e b) incrementar o valor dos benefícios que lhes são

devidos, caso tenha vertido as contribuições previstas no artigo 25, caput, da Lei

8.212/91;

127 O não recohimento de contribuições poderá tanto se dar pela sazonalidade da produção rural, como pela incidência da norma de insenção prevista no artigo 149, § 2o, I, da Constituição Federal, que determina que não incidirão contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação.

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Por fim, frise-se que a diferença entre o segurado especial e o produtor

rural pessoa física é que este, previsto como segurado individual nos termos do artigo

11, VI, a, da Lei 8.213/91, conta com a participação de empregados no desempenho de

suas atividades e deverá contribuir obrigatoriamente na forma prevista no artigo 20 da

Lei 8.212/91, não fazendo jus ao regime estabelecido no artigo 39, I, nem tampouco à

forma de cálculo prevista no artigo 29, § 6o, adrede explicitada.

2. Aposentadoria por Idade

2.1. Contingência Protegida

A relação de proteção se dirige a conceder prestações aos sujeitos quando

estes se encontrem em situação de necessidade atual. Em conseqüência, cabe definir a

relação de proteção como relação jurídica instrumental da seguridade social, em virtude

de que um sujeito satisfaz as prestações determinadas legalmente a outro (beneficiário),

a fim de socorrer alguém na situação de necessidade atual que se encontre128.

Conforme anteriormente debatido, a previdência social, por suas próprias

limitações, terá seu campo de atuação desenhado pelo legislador, que irá selecionar as

contingências sociais merecedoras da proteção do Estado e distribuí-las a determinados

sujeitos protegidos. O elenco das prestações encontra-se constitucionalmente previsto,

conforme o rol previsto no artigo 201 da Constituição Federal, que entre outros eventos,

estabelece o atendimento à idade avançada.

Esta contingência está ligada por sua natureza ao processo de

envelhecimento e a conseqüente indisponibilidade crescente para o exercício em

128 PASTOR, José Manuel Almansa, Derecho de la Seguridade Social, vol. I, 2ª edição, Madrid: Editorial Tenos, 1977, p. 476.

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condições adequadas da atividade profissional e, ainda que possa ser caracterizada com

uma eventualidade, possui várias formas de manifestação129 .

Neste diapasão, ILÍDIO DAS NEVES aponta duas espécies de velhice: a)

velhice cronológica; b) velhice funcional.

A primeira espécie, segundo o Autor, decorre do que chamamos de

velhice natural ou cronológica. Configura a modalidade incertus an, certus quando, pois

possui um caráter certo, ao conhecer-se a data da eventualidade que depende unicamente

do decurso do prazo, mas incerto, porque se ignora se efetivamente ocorrerá, podendo

sobrevir outra (a morte) que impeça sua verificação.

A segunda espécie, por seu turno, representa forma de envelhecimento

precoce decorrente do desgaste físico, aproximando este conceito da invalidez, em

decorrência de profissões penosas ou desgastantes, que eventualmente poderão estar

previstas em lei, admitindo-se, nestes casos, a antecipação da idade relevada para a

aposentadoria.

Ainda no que diz respeito à velhice funcional, aponta o referido autor que

ela poderá decorrer da existência de um determinado grau de desajustamento

tecnológico dos trabalhadores, que dificulta ou inviabiliza a sua inserção no mercado de

trabalho, colocando-os em situação de indisponibilidade funcional130.

Em sua vertente econômica o problema traduz-se em uma pesada carga

que paira sobre a população ativa, com maior essência em setores como o agrário, em

que o envelhecimento demográfico acusa maior progressão131.

129 NEVES, Ilídio das, Direito da Segurança Social, Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 479. 130 NEVES, Ilídio da, ob. cit., p. 482. 131 PASTOR, Jose Manuel Almansa, ob. cit., p. 330.

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Desta forma, cabe ao legislador atuar em atenção aos tipos de causas

qualificadoras da contingência em debate, traçando os contornos da proteção social de

acordo com as diferentes necessidades e circunstâncias, de sorte a não conferir

tratamento idêntico a todos os trabalhadores que poderão encontrar-se em situações

distintas. Deveras, dentre os escopos da proteção social temos a verificação do princípio

da isonomia, que no âmbito da previdência social manifesta-se por diversas faces, como

através do princípio da seletividade e distributividade, impondo que a seleção do grupo

protegido e que a distribuição do rol protetivo se dê de forma equânime.

É, pois, o maior desgaste experimentado pelo trabalhador rural que

justifica o tratamento diferenciado que lhe é conferido em particular no que diz respeito

à aposentadoria por idade, com redução de cinco anos no critério material, conforme a

seguir explicitado.

2.2. Requisitos

A aposentadoria por idade possui status constitucional, estabelecendo-se o

momento em que o segurado fará jus ao benefício. Sendo o risco consubstanciado na

idade avançada, restou estipulado como critério material as idades de 65 anos para o

homem e 60 anos para a mulher, requisito essencial para que façam jus ao benefício.

Previu-se, ainda, “redução em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos

os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes

incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal”, conforme disposto no

artigo 201, § 7o, II, da Constituição Federal.

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A disciplina da matéria deu-se pela Lei 8.213/91 que em seus artigos 48 e

seguintes repete os requisitos da idade constitucionalmente estabelecidos e fixa os

demais critérios relativos ao benefício.

Não configura objeto do presente estudo esgotar o tema referente ao

benefício em questão, mas tão somente explicitar e abordar as diferenças e

peculiaridades referentes ao trabalhador rural e ao segurado especial.

Todavia, com o intuito de colher informações que servirão de apoio para a

análise do tema propriamente dito, teceremos breves linhas acerca das demais

características do beneficio em debate.

A sua carência, entendida como o número mínimo de contribuições

mensais indispensáveis para que se faça jus ao benefício, encontra-se disposta no artigo

25, II da Lei 8.213/91, fixada em quinze anos para aqueles que ingressaram no sistema

após sua vigência, seguindo-se tabela progressiva consoante o artigo 142 da mesma lei

para os demais.

O critério temporal restou fixado no artigo 49 do mesmo diploma legal

sendo o benefício devido: a) para o segurado empregado a partir do dia do desligamento

do emprego, quando requerida até noventa dias desta data, ou da data do requerimento

quando não houver desligamento ou o requerimento for feito depois daquele prazo; b)

para os demais segurados, da data do requerimento.

O benefício terá como base-de-cálculo o salário-de-benefício, a ser

calculado nos termos do artigo 29 da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99,

correspondendo à média dos 80% maiores salários-de-contribuição considerados desde a

competência julho de 1994, para os segurados que se filiaram ao regime antes da

vigência da referida lei, ou 80% de todo o período contributivo para os demais. Em

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ambos os casos haverá a incidência do Fator Previdenciário somente se seu cálculo

resultar valor superior a um inteiro.

O artigo 7o da Lei 9.876/99 trata como opção do segurado a não aplicação

do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria por idade.

Não se trata, todavia, de faculdade. Com efeito, não lhe caberá escolher

quanto à aplicação do índice caso o cálculo se apresente favorável, devendo lhe ser

concedido, independentemente de sua vontade, o benefício com melhor valor a que

tenha direito. Desta forma, conforme adrede aduzido o fator previdenciário será aplicado

somente quando exceder um inteiro, independentemente da manifestação do

beneficiário.

Sublinhe-se que o direito à aposentadoria é indisponível e a finalidade a

que se presta lhe confere status de norma cogente. Quanto à sua natureza jurídica temos

que o fator previdenciário é um dos aspectos do critério quantitativo, atuando na

composição da base-de-cálculo, por integrar o salário-de-benefício. Em última análise,

representa forma de distribuição dos valores contribuídos pelo tempo em que o

beneficiário irá receber a prestação, atribuindo, de forma virtual, feições do sistema de

capitalização ao sistema de repartição atualmente adotado no Brasil. Por conseguinte, o

fato de o índice superar um inteiro, atuarialmente quer significar que o segurado

contribuiu por mais tempo do que seria necessário para custear o benefício a que tem

direito.

Dado o fato de as normas previdenciárias caracterizarem-se, via de regra,

como normas cogentes, bem como à natureza sinalagmática das contribuições sociais, o

benefício de melhor valor deverá ser imposto ao segurado, que jamais poderá optar por

outro de montante inferior.

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O legislador mostrou-se omisso no tocante ao cálculo do fator

previdenciário para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais, no que concerne

à redução da idade constitucionalmente prevista.

Conforme asseverado, previu-se redução de cinco anos de idade para que

o trabalhador rural faça jus à aposentadoria por idade, de sorte que deverá contar com 60

ou 55 anos de idade caso homem ou mulher, respectivamente.

O comando é constitucional, dando-se vazão à equivalência entre os

benefícios das populações urbanas e rurais, de sorte que, pela penosidade do trabalho

exercido no campo e pela menor falta de condições, estipulou-se a referida diminuição.

Frise-se, todavia, que o risco acobertado é o mesmo: a idade avançada e,

em decorrência, o desgaste para o exercício das atividades regulares. Desta forma,

entendeu-se que para equiparar o trabalhador rural ao urbano haveria a necessidade de

redução da idade, pois para aquele a ação do tempo é mais notável.

Entretanto, a redução do critério material não poderia representar

decréscimo no valor do benefício.

Desta forma, no cálculo do fator previdenciário, deveriam ser acrescidos

cinco anos para o homem e dez anos para a mulher, a fim de igualar as situações com os

trabalhadores urbanos, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia com concessão de

benefícios diferenciados em razão da mesma contingência social.

É ademais o que se verificou nos outros casos em que houve redução da

idade para a concessão da aposentadoria, conforme previsto no artigo 29, § 9o, da Lei

8.213/91, que dispõe:

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§ 9o Para efeito da aplicação do fator previdenciário, ao tempo de

contribuição do segurado serão adicionados: (Incluído pela Lei nº

9.876, de 26.11.99)

I - cinco anos, quando se tratar de mulher; (Incluído pela Lei nº

9.876, de 26.11.99)

II - cinco anos, quando se tratar de professor que comprove

exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de

magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio;

(Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

III - dez anos, quando se tratar de professora que comprove

exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de

magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

(Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

Nota-se que o inciso primeiro prevê a adição de cinco anos quando se

tratar de mulher, sem distinção entre trabalhadoras urbana ou rural, devendo, em última

análise, ser aplicado para ambos os casos, o que em nada contribui para a solução da

disparidade criada pela omissão do legislador. Deveras, neste caso elas seriam

equiparadas ao trabalhador do campo do sexo masculino e ambos encontrar-se-iam

prejudicados em relação aos demais beneficiários, mostrando-se claro que não foi essa a

mens legis.

Por fim, como último componente da regra matriz de incidência, a

alíquota foi prevista no artigo 50 da Lei 8.213/91 e equivalerá a setenta por cento da

referida base-de-cálculo, acrescida de um por cento para cada ano de contribuição,

limitada em cem por cento.

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2.3. Aposentadoria por Idade devida aos Trabalhadores Rurais

Utilizaremos a expressão “trabalhador rural” em seu sentido lato para

abranger todas as figuras contidas no artigo 143 da Lei 8.213/91 entendidas como: a) o

empregado que presta serviços de natureza rural à empresa, em caráter não eventual,

subordinado e mediante remuneração; b) o trabalhador avulso que preste serviço de

natureza rural a diversas empresas, sem vínculo empregatício; c) o segurado especial.

Reza, pois, o artigo 143, com redação dada pela Lei 9.063/95:

Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado

obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da

alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,

pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário

mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de

vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade

rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior

ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à

carência do referido benefício.

Antes de analisarmos as implicações deste artigo, faz-se mister confrontá-

lo com sua redação original que estabelecia, quando da edição da Lei 8.213/91, que:

Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado

obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, na forma da

alínea a do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta lei, ou

os seus dependentes, podem requerer, conforme o caso:

I - auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-reclusão

ou pensão por morte, no valor de 1 (um) salário mínimo, durante

1 (um) ano, contado a partir da data da vigência desta lei, desde

que seja comprovado o exercício de atividade rural com relação

aos meses imediatamente anteriores ao requerimento do

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benefício, mesmo que de forma descontínua, durante período

igual ao da carência do benefício; e

II - aposentadoria por idade, no valor de 1 (um) salário mínimo,

durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data da vigência

desta lei, desde que seja comprovado o exercício de atividade

rural nos últimos 5 (cinco) anos anteriores à data do

requerimento, mesmo de forma descontínua, não se aplicando,

nesse período , para o segurado especial, o disposto no inciso I do

art. 39.

Conforme se denota, sua redação primitiva era mais abrangente. Não

apenas concedia um rol mais extensivo de benefícios, semelhante àquele disposto no

artigo 39, como explicitava que no tocante à aposentadoria por idade havia necessidade

de comprovação de atividade rural por apenas cinco anos, referente ao prazo da carência

previsto anteriormente à vigência da Lei 8.213/91.

A primeira constatação a ser feita é que o artigo em comento configura

regra de transição e, portanto, a ser aplicado por determinado período de tempo.

Com efeito, em atenção ao comando constitucional da equivalência dos

benefícios entre as diferentes populações, concedeu-se a possibilidade de os

trabalhadores rurais fazerem jus à aposentadoria por idade, mediante a comprovação do

exercício da atividade rural.

Conforme anteriormente explicitado, os indicadores sociais apontam

grave defasagem econômico-sócio-cultural da população rurícola em relação à urbana, o

que justifica a medida. Ademais, o trabalhador rural, conforme cediço, não contava com

a mesma proteção previdenciária conferida aos demais segurados, mostrando-se legítima

a concessão de prazo para que se adaptem ao novo regime, de contribuição obrigatória.

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Por se tratar de regra de transição, a referência ao segurado especial foi

meramente uma repetição do que já dispunha o artigo 39 da mesma lei. Desta forma,

esta espécie de segurado, findo o prazo, continuará fazendo jus ao benefício, nos moldes

explicitados no tópico anterior.

Nesse sentido, a doutrina aponta que:

“O art. 39 parece conflitar com o art. 143, II, do PBPS, pois ali se

assegura o direito à aposentadoria por idade, em igual valor,

durante quinze anos (sic). Todavia, in fine do comando determina

a não-aplicação do art. 39, I (em virtude da não exigência,

conforme o art. 26, III). A única interpretação sustentável,

portanto, é admitir-se durante os próximos 15 anos, como texto

legal vigente, o art. 143; findo esse lapso de tempo (carência)

prevalece a regra geral, isto é, a do art. 39132”.

Foi esse, ademais, o entendimento exarado no parecer do Ministério da

Previdência Social, determinando que133:

1. O segurado especial, após a expiração do prazo previsto no art.

143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá comprovar o

exercício de atividade rural nos moldes do art. 39 da referida lei.

2. Para o segurado especial coberto pela Previdência Social

somente após 24 de julho de 1991, a concessão de aposentadoria

por idade no valor de 1 (um) salário mínimo depende da

comprovação de atividade rural, ainda que de forma descontínua,

no período imediatamente anterior ao do requerimento do

benefício, pelo período de 180 (cento e oitenta) meses.

132 MARTINEZ, Wladimir Novaes, Comentários à Lei Básica da Previdência Social, 6a edição, São Paulo: 2003, p. 264. 133 Parecer MPS/CJ n. 39 proferido por Ricardo Cassiano de Souza Rosa e aprovado por Nelson Machado. DOU 03.04.06.

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3. Para o segurado especial coberto pela Previdência Social Rural

até 24 de julho de 1991, aplica-se o período de carência previsto

no art. 142 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

1. Cuida-se de expediente encaminhado pelo Diretor do Regime

Geral de Previdência Social em que solicita, com o objetivo de

pacificar a matéria no âmbito do Ministério da Previdência Social

e entes a ele vinculados, a elaboração de peça jurídica a respeito

da situação do segurado especial, no tocante à comprovação da

atividade rural para fins de obtenção da aposentadoria por idade,

após a expiração do prazo de 15 (quinze) anos previstos no art.

143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

...

7. Na redação originária do art. 143 da Lei nº 8.213/91, para o

segurado especial obter o benefício de aposentadoria por idade,

no valor de um salário mínimo, bastava comprovar o exercício de

atividade rural nos últimos cinco anos anteriores à data do

requerimento, não se aplicando, no prazo de quinze anos a partir

da vigência da lei, a regra definitiva prevista no inciso I do art.

39. A Lei nº 9.063, de 14 de junho de 1995, ao modificar o art.

143 da Lei nº 8.213/91, igualou os requisitos - regra transitória e

regra definitiva - da aposentadoria por idade do segurado

especial.

8. A aposentadoria por idade do segurado especial no valor de 1

(um) salário mínimo, após a expiração do prazo relativo ao

benefício transitório - 24 de julho de 2006 -, continuará sendo

devida nos termos do inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213/91, ou

seja, o segurado especial dever comprovar, para obter

aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário mínimo, o

exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no

período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,

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igual ao número de meses correspondentes à carência do

benefício.

...

10. Observa-se, portanto, que a regra de transição, prevista no art.

143 da Lei nº 8.213/91, foi igualada, especificamente quanto aos

segurados especiais, à regra definitiva a partir da alteração

promovida pela Lei nº 9.063, de 14 de junho de 1995. Após a

expiração do prazo de quinze anos, o benefício de aposentadoria

por idade no valor de 1 (um) salário mínimo, para os segurados

especiais, será concedido nos mesmos moldes atuais, mudando

apenas sua fundamentação legal, que passará a ser o inciso I do

art. 39 da Lei nº 8.213/91.

...

12. Assim, em conformidade com o proposto na Nota/MPS/CJ/Nº

370/2005, esta Consultoria Jurídica adota o seguinte

entendimento:

a) o segurado especial, após a expiração do prazo previsto no art.

143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá comprovar o

exercício de atividade rural nos moldes do art. 39 da referida lei;

b) para o segurado especial coberto pela Previdência Social

somente após 24 de julho de 1991, a concessão de aposentadoria

por idade no valor de 1 (um) salário mínimo depende da

comprovação de atividade rural, ainda que de forma descontínua,

no período imediatamente anterior ao do requerimento do

benefício, pelo período de 180 (cento e oitenta) meses;

c) para o segurado especial coberto pela Previdência Social Rural

até 24 de julho de 1991, aplica-se o período de carência previsto

no art. 142 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

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2.3.1. Do Prazo Estabelecido

De acordo com o que consta da redação do artigo 143, o trabalhador rural

poderá requerer aposentadoria por idade apenas pela comprovação do exercício da

atividade durante quinze anos, contados a partir da data de vigência da lei.

O prazo estabelecido refere-se tanto à constituição do direito quanto ao

seu exercício, caracterizando-se, nesta seara, como de direito material. Com efeito,

estipulou-se período de tempo no qual o segurado deverá implementar os requisitos de

idade e tempo de exercício de atividade, correlatos à aposentadoria por idade.

Entretanto, estabelece-se, ainda, que o exercício do direito a ser constituído, deverá ser

verificado dentro do mesmo período, através do requerimento do benefício.

Verifica-se, pois, tratar-se de prazo de natureza sui generis, não se

amoldado ao conceito de decadência nem tampouco ao de prescrição.

A decadência pode ser definida como “o perecimento do direito, em razão

do seu não exercício em um prazo predeterminado”. O seu fundamento é, pois, não ter o

titular utilizado de um poder de ação, dentro dos limites temporais estabelecidos134.

A decadência pressupõe, portanto, a existência de um direito previamente

constituído. Deveras, não há como iniciar prazo para o exercício de direito que ainda não

existe, de forma que o termo a quo para sua contagem deverá ser sempre posterior ao

implemento de todas as condições legalmente exigidas pelo titular.

Denota-se, pois, que o artigo 143 determina prazo comum para o período

aquisitivo do direito à aposentadoria por idade com condições especiais e para seu

exercício, quando menciona que neste ínterim deverá ser feito o requerimento. Há,

134 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 409/410.

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portanto, em descompasso com a natureza da decadência pela fixação de prazo para o

exercício de um direito que ainda não se incorporou ao patrimônio do titular.

Por seu turno, a prescrição tem sua definição extraída do artigo 189 do

Código Civil que assim dispõe:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual

se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205

e 206.

Conforme se denota, “para resguardar seus direitos, o titular deve praticar

atos conservatórios, como: protesto, retenção (CC, art. 1.219), arresto, seqüestro, caução

fidejussória ou real, interpelações judiciais para constituir o dever de mora. E quando

sofrer ameaça ou violação do direito, o direito subjetivo será protegido por ação judicial.

Nasce, então, para o titular, a pretensão que se extinguirá nos prazos prescricionais

arrolados nos arts. 205 e 206135”.

A prescrição difere da decadência, pois enquanto na primeira o direito

preexiste à ação e só aparece com a sua violação, na segunda a ação e o direito têm

origem comum136.

Dessarte, o prazo estabelecido no artigo 143 tampouco se enquadra ao

conceito de prescrição, pois não se relaciona à violação de direitos e ao direito de ação

daí decorrente.

Conclui-se, pois, tratar-se de prazo de natureza sui generis137 e de direito

material, pois relacionado à aquisição de aposentadoria por idade.

135 DINIZ, Maria Helena, Novo Código Civil Comentado, 5ª. edição, org. Ricardo Fiúza. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 163. 136 RODRIGUES, Silvio, Direito Civil Parte Geral, vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 324. 137 A peculiaridade do prazo deu-se em virtude da necessidade do requerimento para constituição do direito, o que deve ser tido com cautelas, conforme será analisado no tópico posterior.

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A contagem dos quinze anos, portanto, dar-se-á na forma prevista para o

direito material, incluindo-se o dia inicial138, qual seja, o dia da vigência da Lei 8.213/91

que, nos termos do seu artigo 155 equivale à data de sua publicação, em 25 de julho de

1991. Desta forma, o dies ad quem teria sua fixação em 24 de julho de 2006.

Sublinhe-se, entretanto, que a Medida Provisória 312, de 19 de julho de

2006, convertida na Lei 11.368 de 9 de novembro de 2006, prorrogou o referido prazo

por mais dois anos, nos seguintes termos:

Art. 1o Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no

art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado

por mais dois anos.

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Desta forma, exclusivamente para o trabalhador rural empregado, o prazo

previsto no artigo 143, que restou estendido por dois anos por conta da referida Medida

Provisória, terá seu término somente em 24 de julho de 2008.

A medida é de flagrante inconstitucionalidade, devendo ser, em atenção à

isonomia, estendida a todos os trabalhadores rurais, conforme, ademais, consta do caput

do artigo 143 da Lei 8.213/91.

138 Ao contrário da sistemática própria prevista para os prazos processuais, conforme determina o artigo 184 do Código de Processo Civil, que dispõe:

Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

§ 1o Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

I - for determinado o fechamento do fórum;

II - o expediente forense for encerrado antes da hora normal.

§ 2o Os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação (art. 240 e parágrafo único). (Redação dada pela Lei nº 8.079, de 13.9.1990)

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2.3.1.1. Conseqüências do Término do Prazo

Conforme debatido, o artigo 143 possibilita o requerimento de

aposentadoria por idade, pelo período de quinze anos, contados da entrada em vigor da

Lei 8.213/91, bastando comprovar-se o exercício de atividade rural e, portanto,

independentemente do pagamento de contribuições.

Para analisarmos as conseqüências do transcurso do referido prazo faz-se

mister compreender se o legislador condicionou o direito à aposentadoria ao seu

requerimento, conforme consta da letra da lei, ou, por outras palavras, se este ato

constitui requisito a ser implementado para que o direito ao benefício incorpore-se ao

patrimônio do segurado.

A temática não é nova tendo sido enfrentada há décadas pelos tribunais

pátrios, culminando na edição da súmula 359 do STF, que originalmente, em 1963,

exigia a efetivação do requerimento do benefício para determinação da lei a ser aplicada

a determinado caso.

Dispunha, pois, a referida súmula:

Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade

regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o

servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a

apresentação do requerimento quando a inatividade for

involuntária – grifa-se.

Todavia, nos termos da decisão do ERE 72.509139, o STF reviu a referida

súmula, suprimindo sua parte final, que incluía o requerimento como requisito para se

determinar a lei vigente ao caso, passando a vigorar a seguinte redação:

139 Ministro Luiz Gallotti, DJ 14.02.73, TRJ, 64/408, 410.

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Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade

regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o

servidor civil, reuniu os requisitos necessários.

Ainda que a Súmula 359 tenha sido fomentada com base em

aposentadorias de funcionários públicos, ela evidencia os moldes de aplicação do direito

adquirido no que se refere à concessão de benefícios previdenciários, cristalizando a

assertiva de que o requerimento não configura requisito a ser implementado para que o

direito integre o patrimônio do segurado.

Nos termos do art. 3o, § 1o, da Lei de Introdução ao Código Civil,

consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer,

bem como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixo, ou condição

preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem. Sinteticamente, portanto, para o

legislador, direito adquirido é aquele que pode ser exercido por seu titular.

Nos dizeres de R. Limongi França, “é a conseqüência de uma lei, por via

direta ou por intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo passado a integrar o

patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova o

mesmo objeto140”.

Por seu turno, a expectativa de direito, “... é a faculdade jurídica abstrata

ou em vias de concretizar-se, cuja perfeição está na dependência de um requisito legal

ou de um fato aquisitivo específico141”.

O requerimento constitui mera manifestação da vontade do segurado de

gozar do benefício, provocando a administração para que aprecie seu pedido apreciando

140 FRANÇA, Limongi R. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 3ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 208. 141 R. Limongi França, op. cit., pp. 217/218.

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se os requisitos legais foram implementados, situação em que a concessão do benefício

configura ato vinculado.

No presente caso, as condições a serem verificadas são a idade e a

comprovação do exercício de atividade rural por período equivalente ao da carência do

benefício. Ambos deverão ser observados dentro do prazo estabelecido, pouco

importando a data em que se dê o requerimento que, conforme asseverado, não

configura exigência para que o direito se incorpore ao patrimônio do segurado.

Desta forma, quando do decurso dos quinze anos previstos no artigo 143

caberá ser analisado se o segurado havia preenchido os requisitos legalmente previstos,

hipótese em que, ainda que não tenha feito o requerimento, fará jus à aposentadoria por

idade, por ter esse direito se incorporado ao seu patrimônio restando albergado pelo

direito adquirido, mesmo que se trate de regra de transição.

Todavia, em outra situação encontra-se o segurado que não comprovar o

exercício da atividade rural por tempo equivalente à carência da aposentadoria por idade

até o prazo previsto. Neste caso não fará jus à prerrogativa prevista no artigo 143,

devendo contar com o efetivo recolhimento pelos prazos previstos no artigo 142 da Lei

8.213/91.

2.3.2. Sentido da Expressão “imediatamente anterior”

Inicialmente cumpre salientar que o artigo 143 deve ser analisado

conjuntamente com o artigo 48, § 2o, da Lei 8.213/91, que estabelece, de forma genérica

para os casos de aposentadoria por idade, a necessidade de comprovação do exercício de

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atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, de

sorte que as considerações são pertinentes aos dois dispositivos142.

Atenção especial deve ser dada à expressão “imediatamente anterior”,

contida no artigo em comento, em referência ao exercício da atividade rural a ser

comprovada, pois dela surgem diversas implicações do regime da aposentadoria por

idade, nos moldes previstos no artigo em debate.

A interpretação do comando poderia ser feita, sem a devida cautela, como

exigência do preenchimento concomitante dos requisitos previstos, quais sejam, a

comprovação da atividade e a idade legalmente prevista.

Entretanto, não é essa a melhor interpretação do sentido do referido

termo. Com efeito, o legislador cuidou de explicitar que a comprovação do trabalho

rural pode dar-se de forma descontínua. A não exigência de recolhimento das

contribuições e a possibilidade da execução de forma ininterrupta traçam os limites do

termo em análise.

Carência, conforme dispõe o artigo 24 da Lei 8.213/91, refere-se ao

efetivo pagamento de contribuições. O mesmo pode ser dito em relação à qualidade de

segurado, que igualmente pressupõe o recolhimento de contribuições. É, ademais, o que

decorre da interpretação conjunta do artigo 15, caput, que prescreve as situações em que 142 Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)

§ 2o Para os efeitos do disposto no parágrafo anterior, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) – grifa-se

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o segurado “mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições”,

com o parágrafo único do artigo 24 que dispõe:

Art. 24

...

Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as

contribuições anteriores a essa data só serão computadas para

efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova

filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do

número de contribuições exigidas para o cumprimento da

carência definida para o benefício a ser requerido.

O vínculo jurídico estabelecido entre o segurado e a previdência social

decorre do exercício da atividade remunerada e, mediante o pagamento das

contribuições impostas pela realização do trabalho, fará jus aos benefícios, desde que

mantenha a qualidade de segurado. Assim, a perda desta condição importa na

caducidade dos direitos que lhe são inerentes143.

Entretanto, o legislador cuidou de desvincular o direito à aposentadoria

por idade ao pagamento de contribuições, conforme disposto no artigo 143, bastando,

para tanto, apenas a comprovação das atividades de natureza rural.

Anteriormente a 1991 os trabalhadores rurícolas encontravam-se inseridos

no regime assistencial do FUNRUAL, que não lhes exigia o recolhimento de

contribuições, situação que se alterou com o novo plano de previdência inaugurado

posteriormente à Constituição de 1988 e regulamentado pelas Leis 8.212/91 e 8.213/91.

143 HORVATH JÚNIOR, Miguel, Direito Previdenciário, 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 96.

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Foi este cenário que compeliu a criação da regra de transição em debate,

conferido a esta espécie de trabalhador a benesse de aposentar-se por idade,

independentemente de contribuições.

Entretanto, interpretar literalmente o artigo em comento para extrair da

expressão “imediatamente anterior” a necessidade de comprovação concomitante dos

requisitos da idade e da comprovação da atividade em prazo equivalente ao da carência,

não apenas contraria a lógica deste instituto, como também afronta os princípios da

seguridade social, previstos no artigo 194 da Constituição Federal.

Conforme exaustivamente sustentado ao longo deste trabalho,

historicamente os trabalhadores rurais foram colocados à margem do sistema de

proteção social, fato que levou o constituinte a garantir-lhes equivalência com os

trabalhadores urbanos.

No tocante à aposentadoria por idade, o STJ já decidiu reiteradamente

que, para efeitos da regra de transição prevista no artigo 142, não há necessidade de que

os requisitos sejam implementados concomitantemente144. 144 Nesse sentido: Previdenciário. Aposentadoria por idade. Carência. Regra de transição prevista no art. 142 da Lei nº 8.213/91. Aplicação aos segurados inscritos antes da edição da norma. Perda da qualidade. Irrelevância. Requisitos preenchidos anteriormente. Precedentes da Terceira Seção. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp n. 69056, Sexta Turma do STJ, Relator Ministro Nilson Naves, DJ. 13.11.06, v.u.)

Ainda nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. ARTIGOS 25, 48 E 142 DA LEI 8.213/91. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ARTIGO 102, § 1º DA LEI 8.213/91. IMPLEMENTAÇÃO SIMULTÂNEA. PRESCINDIBILIDADE. VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. IDADE MÍNIMA E RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS. PRECEDENTES. NÃO APLICABILIDADE. AGRAVO INTERNO PROVIDO.

1 - A Terceira Seção deste Superior Tribunal, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, uniformizou seu entendimento no sentido de ser desnecessário o implemento simultâneo das condições para a aposentadoria por idade, visto que não exigida esta característica no art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91. Assim, não há óbice à concessão do benefício previdenciário, mesmo que, quando do implemento da idade, já se tenha perdido a qualidade de segurado.

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Na mesma seara, a Lei 10.666/03 estabeleceu que:

Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada

para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e

especial.

§ 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade

de segurado não será considerada para a concessão desse

benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo

de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência

na data do requerimento do benefício.

§ 2o A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos

termos do § 1o, observará, para os fins de cálculo do valor do

benefício, o disposto no art. 3o, caput e § 2o, da Lei no 9.876, de

26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de

contribuição recolhidos no período a partir da competência julho

de 1994, o disposto no art. 35 da Lei no 8.213, de 24 de julho de

1991.

Conforme se denota, a exigência de implementação concomitante dos

requisitos previstos no artigo 143 para que o trabalhador rural faça jus ao benefício da

aposentadoria por idade ferem a sistemática legal pertinente ao tema.

Sublinhe-se, por fim, que a interpretação literal do dispositivo em debate

encerra gravame excessivo àquele trabalhador que por qualquer motivo tenha deixado de

2 - A concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade de trabalhador urbano reclama duas condições: a implementação da idade exigida na lei e o recolhimento das contribuições previdenciárias durante o período de carência.

3- In casu, o ex-segurado possuía ao tempo de seu falecimento 29 anos, não restando demonstrando, assim, o preenchimento do requisito de idade mínima exigido pelo art. 45, da Lei n° 8.213/91, qual seja: a implementação da idade de 65 anos para a concessão da aposentadoria por idade urbana.

4 - Agravo interno desprovido (AgRg no Ag 802467, 5a. Turma do STJ, Relatora Ministra Jane Silva, DJ 23.08.07, v.u.).

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exercer suas atividades regulares momentos antes de completar a idade exigida, fato que,

à luz do princípio da proporcionalidade, não justificaria privá-lo da proteção social,

colocando-o à margem da sociedade145.

145 Nesse sentido: AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE – RURÍCOLA - EXERCÍCIO DA ATIVIDADE COMO DIARISTA/ MENSALISTA E COMO SEGURAD ESPECIAL - CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS - DOCUMENTO NOVO - CONFIGURAÇÃO - REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO - PRESENÇA. TERMO INICIAL. VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO DE OFÍCIO.

I - Em sede de ação rescisória versando pedido de benefício previdenciário formulado por trabalhador rural, é abrandado o rigor posto para a rescisão de acórdão ao fundamento da localização de documento novo art. 485, VII, CPC, em face das condições de trabalho do rurícola, assim como do meio social em que inserido. Precedentes do STJ e desta Corte.

II - O pleito originário de concessão de aposentadoria por idade veio amparado na tese do exercício de trabalho rural como diarista ou mensalista, sem anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), segundo os expressos termos da inicial da ação originária, tendo o aresto rescindendo assentado a ausência de elementos indiciários suficientes do trabalho rural.

...

XIII. De outra parte, não é juridicamente legítima a exigência posta no artigo 48, § 2º, e artigo 143 da Lei 8.213/91, no que tange à comprovação do exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento, posto que a sua aplicação literal causaria tratamento injusto a segurados que por algum motivo deixaram de trabalhar, após o labor por períodos superiores aos exigidos no artigo 142 da referida lei.

XIV. Em conseqüência, é de se entender que, comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, uma vez que deve o rurícola apenas comprovar os requisitos idade e tempo de atividade, para os fins da legislação previdenciária já mencionada.

XV. O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem conotação peculiar, que se satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições previdenciárias.

XVI. Em reforço a tal orientação, tem-se o disposto no artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, segundo o qual "Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício".

XVII. O dispositivo legal em questão, que trouxe para o direito positivo a jurisprudência firmada de há muito pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria, é de ser aplicado analogicamente aos trabalhadores rurais com prestação de trabalho em período anterior à novel Constituição Federal e às Leis nºs 8.212 e 8.213, pois a ideologia, tanto da Carta Magna, quanto dos diplomas legais que se lhe seguiram, é voltada, inequivocamente, ao amparo desse mesmo trabalhador rural. Precedente desta 3ª Seção.

XVIII. Na espécie, de se considerar ser viável admitir-se o exercício do trabalho rural como diarista pela autora no período de 06 de setembro de 1959 em atenção à certidão de óbito de filho da autora até 22 de novembro de 1996 data da expedição de título de domínio sobre imóvel rural em nome da autora e seu então

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3. Da Prova para Comprovação do Tempo Rural

3.1. Da Prova

3.1.1 Conceito e Finalidade

Toda pretensão jurídica tem por fundamento um ponto de fato. São,

portanto, das relações ocorridas no plano fenomênico que extraímos as conseqüências

jurídicas, que servirão de base para a formulação das intenções deduzidas pelo autor e

pelo réu, ou, inicialmente na fase administrativa, pelo beneficiário e a administração.

Desta forma, o julgador deve convencer-se das afirmações que lhe são

dirigidas, para ao final pronunciar sua decisão. Para tanto, são conferidos às partes todos

os meio legais e os moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos em que se

funda o pleito ou a defesa.

companheiro, Sr. Hilário Juliani, observada a notícia da separação do casal, informada pela própria autora em seu depoimento pessoal no processo de origem.

XIX. Considerando que, segundo o que dispõe o artigo 142 da Lei nº 8.213/91, na redação da Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, a carência para a espécie é de 108 (cento e oito) contribuições mensais, observado o ano de ajuizamento da ação originária 1999, conclui-se pelo cumprimento do pressuposto ora sob análise, sendo de rigor, portanto, a concessão do benefício.

XX. Quanto à data de início, de se observar que a demonstração do preenchimento dos requisitos legais à aposentação somente se deu no âmbito desta ação; incide na espécie, pois, a regra do artigo 219, caput, CPC, sendo o benefício devido a partir da data da citação realizada neste processo, ocorrida em 12 de dezembro de 2005.

XXI. O valor do benefício corresponde a um salário mínimo, nos termos do artigo 143 da Lei nº 8.213/91, na redação da Lei nº 9.063/95.

XXII. A correção monetária incide a partir do vencimento de cada parcela, na forma das Súmulas nº 08 deste Tribunal, e 148, do Superior Tribunal de Justiça, observados os critérios da Lei nº 8.213/91 e legislação superveniente.

... (AR n. 4617, 3ª. Seção do TRF da 3ª. Região, Relatora Juíza Marisa Santos, DJU 19.12.07, v.u.) – grifa-se.

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Na definição de Moacyr Amaral dos Santos, “provar é convencer o

espírito da verdade respeitante a alguma coisa146”. Mais especificamente, em relação ao

processo, Chiovenda assevera com precisão que “provar significa formar a convicção do

juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes no processo”, acrescentando que

diferentemente da prova lógica e científica, a investigação dos fatos da causa tem um

termo: o trânsito em julgado. A partir deste momento o direito não cogita mais da

correspondência dos fatos apurados pelo juiz à realidade das coisas147.

A prova tem, portanto, um objeto. Processualmente, serão objeto de prova

os pontos controvertidos; aqueles afirmados pelo autor e expressamente contestados pelo

réu na contestação (art. 302 do CPC). Assim, são excluídos os fatos notórios, aqueles

afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, os admitidos como

incontroversos, ou aqueles cujo favor milita presunção legal de existência e veracidade

(art. 334 do CPC). Insere-se, nesse rol, o preceito contido no art. 319 do CPC, que

determina que se reputarão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, se o réu não

contestar a ação.

A prova tem, ainda, uma finalidade, qual seja, a formação de uma

convicção e, por decorrência lógica, um destinatário, ou mais especificamente, o juiz,

que irá prolatar a sentença148.

146 SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil Vol 2. São Paulo: Editora Saraiva. 1995, p. 327. 147 CHIOVENDA Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Volume III. São Paulo: Edição Saraiva, 1969, p. 91. 148 Moacyr Amaral dos Santos. Ob. cit., p. 327.

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Frise-se, que o juiz é o destinatário principal ou direto, mas as partes

igualmente devem se convencer dos fatos apresentados no processo a fim de ter como

justa a decisão que lhes foi imposta pelo Estado.

3.1.2. Classificação das Provas

Doutrinariamente, as provas são classificadas a partir de três critérios: seu

objeto, seu sujeito e sua forma.

Conforme anteriormente aduzido, o objeto da prova é o fato que serve de

embasamento à pretensão jurídica, podendo ser direto, quando se refere ao próprio fato

probando, ou indireto, quando sua veracidade é verificada através da comprovação de

uma diversidade de circunstâncias a ele relacionadas e após exercício de raciocínio.

O sujeito da prova é a pessoa ou coisa que afirma ou atesta o fato a ser

comprovado, podendo ser intitulada, respectivamente, de pessoal ou real149.

Quanto à sua forma, e este é o critério mais significativo para este estudo,

a prova pode ser testemunhal, documental ou material.

“Documental é a afirmação escrita ou gravada: as escrituras públicas ou

particulares, cartas missivas, plantas, projetos, desenhos, fotografias etc150”.

Difere-se, portanto da testemunhal, que, grosso modo, é uma afirmação

pessoal oral, e da material, que está relacionado ao próprio objeto, como o corpo de

delito, exames periciais, ou instrumentos de um crime151.

149 Idem, ibidem. 150 Idem, ibidem. 151 Idem, ibidem.

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Temos, então, que “qualquer representação material que sirva para

reconstituir e preservar através do tempo a representação de um pensamento, ordem,

imagem, situação, idéia, declaração de vontade etc., pode ser denominado

documento152”.

Assim, em sentido amplo, documento é toda representação material que se

destina a reproduzir determinada manifestação do pensamento153.

De fato, ainda que se ligue à idéia de papel escrito, documento é todo

objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de símbolos, ou sinais gráficos,

mecânicos, eletromagnéticos etc. É documento, portanto, uma pedra sobre a qual

estejam impressos caracteres, símbolos ou letras; é documento a fita magnética para

reprodução por meio do aparelho próprio, o filme fotográfico etc154.

Via de regra, a prova documental é preexistente à lide e, destarte, deve

acompanhar a inicial (art. 283), ou a contestação (art. 297), caso indispensável à

propositura da ação ou à defesa (art. 396). Fora desses casos, é possível que a parte junte

documentos novos aos autos (art. 397), inclusive para que o autor possa contrapor as

preliminares opostas pelo réu (art. 327).

3.1.3. Ônus da Prova

Por fim, breves considerações devem ser tecidas em relação ao ônus da

prova. 152 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 5ª. Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2001, p. 844. 153 Giuseppe Chiovenda. Ob cit., p. 127.

154 GRECO, Vicente Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, Vol. 2, 12ª. Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 1997, p. 208.

127

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O artigo 333 do Código de Processo Civil determina que caberá ao autor

provar o fato constitutivo do seu direito, e ao réu a existência de fato impeditivo,

modificativo ou extintivo do direito daquele. Como se vê, o réu possui, igualmente ao

autor, uma pretensão, deduzida quando apresentada sua defesa. Nesse momento o réu

passa a buscar a declaração de inexistência do direito do autor, que, portanto, não mais

poderá desistir da ação sem o consentimento daquele (art. 267, § 4o, do CPC).

A palavra de origem latina significa fardo, peso155, 156 e não implica em

uma obrigação imposta às partes. O seu não atendimento, portanto, não importará em

nulidade ou em qualquer tipo de pena, mas sim um desfavorecimento, quando, ao tempo

do julgamento, a prova que lhe incumbia não foi produzida.

Daí extrai-se que não há momento para a fixação do ônus da prova. Com

efeito, as provas são produzidas para o processo e são, como anteriormente aludido,

destinadas ao juiz, que as apreciará livremente. Visam, portanto, à busca da verdade real

e, desta forma, ligam-se a um direito público, pois é de interesse de toda a sociedade que

o litígio a ser resolvido seja dirimido de forma satisfatória, pondo-se fim à instabilidade.

É por isso que se sustenta que o ônus da prova é regra de julgamento. No

momento de proferir a sentença o juiz analisará o conjunto probatório constituído pelo

juízo ou pelas partes. Somente se constatar que algum ponto não foi devidamente

comprovado é que deverá indagar a quem incumbia a comprovação daquele fato.

155 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Ob. cit., p. 821. 156 Igualmente, no direito anglo-saxão, a expressão utilizada é burden of proof, ou fardo da prova.

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3.1.4. A Prova no Processo Administrativo

A regulamentação da instrução do processo administrativo foi tratada nos

artigos 29 e seguintes da Lei 9.784/99, prevendo-se procedimento próprio, com o

objetivo de averiguar e comprovar os dados necessários para que seja formulada a

decisão.

O direito de oferecer e produzir provas nasce como corolário do devido

processo legal, tendo em vista que somente pelo conjunto probatório é que se mostra

possível a formação dos fundamentos materiais da decisão157.

A lei do processo administrativo, como não poderia deixar de ser,

encampou a declaração da Constituição Federal de que são inadmissíveis no processo

provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5o, LVI)158, assim entendidas aquelas cujos

meios de apuração contrariem os direitos e garantias individuais.

Ademais, o artigo 29 da referida lei estabelece que “as atividades de

instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão

realizam-se de ofício ou mediante impulso do órgão responsável pelo processo, sem

prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias”.

Desta forma, comete-se à administração o dever de providenciar de ofício

a apresentação dos documentos em seu poder, contendo fatos e dados que o interessado

declare estarem neles registrados159.

Em linhas gerais, os princípios que regem a administração pública

previstos no artigo 37 da Constituição Federal bem como aqueles expressamente

constantes da Lei 9.784/99 caracterizam a forma em que processo deverá transcorrer, 157 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 89. 158 Artigo 30. São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos. 159 BOTALLO, Eduardo Domingos, ob. cit., p. 92.

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com o que se inclui a produção de provas. Nesta seara, de acordo com o que dispõe o

artigo 2o da lei em comento, a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos

princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,

moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e

eficiência.

Notadamente em atenção ao interesse público, que sempre se mostra

presente nas questões decididas no âmbito do processo administrativo, podemos afirmar

que, diferentemente da regra prevista para o processo judicial, aqui vigora o princípio da

verdade real.

Por este motivo, valorizando-se o interesse geral e objeto de proteção do

processo administrativo, poderá a administração contar com a manifestação de terceiros.

Assim, quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral,

o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta

pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver

prejuízo para a parte interessada (artigo 31).

Esta medida amplia a extensão finalística do processo administrativo,

podendo a audiência ser dispensada caso o administrador já possua todos os elementos

necessários para decidir sem precisar de opiniões alheias à sua e as emitidas pela parte

interessada160.

Ainda que no tocante à distribuição do onus probandi a Lei 9.874/99

mostre grande aproximação ao processo civil, acolhendo o princípio el incumbit

160 FRANGETTO, Flavia Witkowski, A Instrução Processual Administrativa Adaptada à Participação Pública, In Comentários à lei do Processo Administrativo, Coord.: Lúcia Valle Figueiredo, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, pp. 154/155.

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probatio qui decit, cabendo ao interessado comprovar os fatos que tenha alegado161, a

busca da verdade real e os demais princípios que regem o processo administrativo

exigem que a administração colabore na instrução processual.

3.2. Contagem do Tempo Independentemente de Contribuições

Inserido na subseção III da Lei 8.213/91, que dispõe sobre a

aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se o artigo 55 que trata das formas de

comprovação do tempo de serviço. Especificamente no tocante aos trabalhadores rurais,

dispõe seu § 2o que:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma

estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do

correspondente às atividades de qualquer das categorias de

segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à

perda da qualidade de segurado:

...

§ 2 O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à

data de início de vigência desta Lei, será computado

independentemente do recolhimento das contribuições a ele

correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme

dispuser o Regulamento.

Inicialmente cumpre salientar que a dicção contida no caput do

dispositivo ainda guarda pertinência, pois não obstante a Emenda Constitucional n. 20,

de 15 de dezembro de 1998 ter feito menção à locução “tempo de contribuição”, em seu

artigo 4o estipula que este será mensurado como o tempo de contribuição, até edição de

lei que defina seus critérios. 161 BOTALLO, Eduardo Domingos, ob. cit., pp. 92/93.

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Trata este artigo, portanto, dos meios que podem ser utilizados para a

comprovação do tempo de contribuição para quaisquer das categorias de segurados,

previstos no artigo 11 da Lei 8.213/91.

Dedicou o legislador especial atenção aos trabalhadores rurais,

dispensando-os da comprovação do recolhimento de contribuições para o

reconhecimento do tempo de serviço exercido anteriormente à vigência da Lei 8.213/91

e, portanto, para fins de concessão de benefício previdenciário, exceto para fins de

carência.

Inicialmente deve ser frisado que o dispositivo em debate não abarca os

trabalhadores empregados que, por força do artigo 33, § 5o, da Lei 8.212/91, encontram-

se dispensados de comprovar o recolhimento das contribuições que lhes são cabidas,

mostrando-se despiciendo tratá-los novamente nesta seção.

De acordo com o princípio da automaticidade das prestações, a proteção

previdenciária dos riscos sociais deve dar-se independentemente da existência de prévias

contribuições quando se tratar de segurado empregado. Com efeito, sua filiação dá-se

pela simples realização de atividade remunerada e seria um descompasso exigir-lhe a

comprovação do efetivo recolhimento, quando a lei incumbe esta tarefa ao empregador,

nos termos do artigo 30, a, da Lei 8.212/91.

O § 2o do artigo 55 confere benesse aos trabalhadores rurais, em

decorrência da discriminação que sofreram ao longo do processo histórico de conquistas

no âmbito do direito social.

De fato, no regime da Lei Complementar 11/71 e do FUNRURAL, não se

exigia contribuições dessa categoria de trabalhadores, de sorte que, após a determinação

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de uniformidade e equivalência entre as prestações devidas aos segurados urbanos e

rurais, conforme prescrito no artigo 194, II, da Constituição Federal, não seria possível

inibir a utilização do tempo de serviço rural para fins de qualquer tipo de aposentadoria.

Todavia, a Lei é expressa ao vincular a utilização apenas para contagem

de tempo, não sendo possível empregá-la para efeito de carência. Essa determinação está

em consonância com o conceito deste instituto, que pode ser definido, de acordo com o

disposto no artigo 24 da Lei 8.213/91, como “o número mínimo de contribuições

mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a

partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”. Como se vê, a

carência pressupõe a existência efetiva de contribuições. A sistemática mostra-se

condizente com o mecanismo do seguro que para manutenção do equilíbrio atuarial

pressupõe constituição prévia de reservas para o pagamento de indenizações.

Assim, a jurisprudência pátria firmou o entendimento de que é possível a

utilização do tempo de atividade exercido na zona rural para fins de requerimento de

benefício de natureza urbana, ainda que não tenha havido contribuições, tendo em vista

o tratamento que era conferido aos trabalhadores rurícolas antes do advento da Lei

8.213/91162.

162 Nesse sentido:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA URBANA. ATIVIDADE RURAL EXERCIDA ANTES DA LEI Nº 8.213/91. CONTRIBUIÇÃO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA SEÇÃO.

1. A legislação previdenciária permite a contagem do tempo de serviço efetivamente prestado em atividade rural, antes da Lei nº 8.213/91, sem o recolhimento das respectivas contribuições, para fins de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço, exceto para efeito de carência.

2. A Terceira Seção firmou o entendimento de não ser "exigível o recolhimento das contribuições previdenciárias, relativas ao tempo de serviço prestado pelo segurado como trabalhador rural, ocorrido anteriormente à vigência da Lei nº 8.213/91, para fins de aposentadoria urbana pelo Regime Geral de

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Esse regramento não poderá ser, todavia, estendido aos serviços

realizados após o advento da Lei 8.213/91, não obstante a dicção do artigo 143, que

permite a concessão de aposentadoria por idade independentemente do pagamento de

contribuições sociais por período equivalente a quinze anos contados da data de vigência

da referida Lei.

De fato, conforme será oportunamente analisado, o trabalhador passou a

ser segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social e, como tal, não poderá

computar o tempo de serviço, salvo se houver efetivamente contribuído para o sistema,

devendo a garantia que lhe é concedida no artigo 143 ser interpretada restritivamente

para esse fim, sendo possibilitada a utilização do tempo sem contribuição apenas para os

restritos propósitos dispostos neste comando normativo.

3.3. Meios de Prova para Comprovação do Tempo Rural

Os meios de prova disponíveis para a comprovação do exercício de

atividade rural foram elencados no artigo 106 da Lei 8.213/91, que dispõe:

Art. 106 Para comprovação do exercício de atividade rural será

obrigatória, a partir 16 de abril de 1994, a apresentação da

Carteira de Identificação e Contribuição–CIC referida no § 3º do

art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada

pela Lei nº. 9.063, de 1995)

Previdência Social - RGPS". (EREsp nº 576.741/RS, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 6/6/2005)

3. Para que o segurado faça jus à aposentadoria por tempo de serviço somando-se o período de atividade agrícola sem contribuição com o trabalho urbano, impõe-se que a carência tenha sido cumprida durante o tempo de serviço como trabalhador urbano.

4. Embargos acolhidos (ERESP n. 600694, Terceira Seção do STJ, Relator Paulo Galloti, DJ 21.05.07, v.u.)

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Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural

referente a período anterior a 16 de abril de 1994, observado o

disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente

através de: (Redação dada pela Lei nº. 9.063, de 1995)

I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e

Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994)

II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

(Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994)

III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que

homologada pelo INSS; (Redação dada pela Lei nº. 9.063, de

1995)

IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores

em regime de economia familiar; (Redação dada pela Lei nº.

9.063, de 1995)

V - bloco de notas do produtor rural. (Redação dada pela Lei nº.

9.063, de 1995)

Trata a norma dos meios de prova a serem utilizados especificamente pelo

trabalhador rural na comprovação do tempo de contribuição para fins de benefícios

previdenciários, não obstante o tratamento geral da matéria ter sido feito no artigo 55 do

mesmo diploma legal.

A redação trazida pela Lei 9.063/95 obriga o segurado, na comprovação

do exercício de atividade rural, apresentar a Carteira de Identificação e Contribuição,

mencionada no § 3o do artigo 12 da Lei 8.212/91, que assim dispõe:

§ 3º O INSS instituirá Carteira de Identificação e Contribuição,

sujeita a renovação anual, nos termos do Regulamento desta Lei,

que será exigida: (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 15.4.94)

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I - da pessoa física, referida no inciso V alínea "a" deste artigo,

para fins de sua inscrição como segurado e habilitação aos

benefícios de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991;

(Incluído pela Lei nº 8.870, de 15.4.94)

II - do segurado especial, referido no inciso VII deste artigo, para

sua inscrição, comprovação da qualidade de segurado e do

exercício de atividade rural e habilitação aos benefícios de que

trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº

8.870, de 15.4.94)

Para a compreensão da amplitude do dispositivo em debate, faz-se mister

diferenciarmos filiação de inscrição.

“Filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para

o Regime Geral da Previdência Social – RGPS, decorrendo deste vínculo direitos e

obrigações entre segurado e a entidade gestora da Previdência Social163”.

No caso do segurado obrigatório decorre automaticamente do exercício de

atividade remunerada abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social.

Inscrição é o ato administrativo que materializa a filiação, feito

automaticamente para o empregado e promovida pelo beneficiário nos demais casos. É

através da inscrição que se cadastra a identificação pessoal do segurado perante o INSS,

pelo fornecimento de dados pessoais e outras informações de utilidade.

Conforme se denota, o ato da inscrição não possui o condão de alterar a

natureza do vínculo jurídico criado entre segurado e INSS, servindo apenas de meio para

operacionalização das obrigações e direitos decorrentes deste liame, que nasce com o

trabalho.

163 HORVATH Júnior, Miguel, Direito Previdenciário, 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 85.

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É, pois, a natureza do trabalho que servirá de supedâneo para a definição

das características da relação formada entre beneficiário de um lado e INSS de outro.

Ainda que o não fornecimento represente conduta a ser reprimida, não

pode sua falta alterar a natureza do trabalho exercido pelo segurado e por conseqüência

modificar suas obrigações e direitos perante o sistema de Seguridade Social.

Portanto, vincular o reconhecimento do trabalho rural à formalização da

inscrição vai de encontro aos preceitos da previdência social, que fundada na teoria do

risco social, independe de resposta às indagações subjetivas sobre a causa do evento.

Deverá o segurado estar vinculado ao sistema o que, via de regra, decorre da realização

de atividade remunerada.

Em última análise o documento exigido trata da inscrição dos

trabalhadores rurais e ao relacionar este ato à contagem de tempo de serviço, a lei

impõe-lhes situação pior do que as dos demais segurados.

Ainda que a previsão do artigo 106 não exija a comprovação do tempo

exercido anteriormente a Lei 8.213/91, o que inibiria a benesse concedida pelo

legislador no artigo 55, § 2o, anteriormente debatido, restringe a produção de provas no

tocante ao trabalho rural, em afronta ao artigo 5o, LVI, da Constituição Federal.

A exigência viola ainda a busca da verdade real, de sorte que, caso o

exercício da atividade seja comprovado por outros meios, não pode a administração

furtar-se em conceder o benefício a que fizer jus o segurado.

Reforçando essa linha de raciocínio verificamos que a recíproca é

verdadeira. Destarte, a Carteira de Identificação e Contribuição não pode ser tida como

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prova irrefutável à qualificação do trabalhador rural, de sorte que, caso a Autarquia

comprove a não veracidade de seu conteúdo poderá negar esta condição ao segurado.

Nesta esteira, denota-se que o rol constante do artigo em debate é

meramente enunciativo, podendo a atividade rural ser comprovada por quaisquer outros

meios de prova admitidos em direito, cabendo ao julgador, judicial ou administrativo,

proceder a sua adequada valoração.

Assim, diversas formas de comprovação são acatadas pela doutrina e

jurisprudência. “Certidões de registro civil, eleitoral ou militar e escrituras de

propriedade rural valem como início razoável de prova material, para comprovação do

tempo de serviço rural. Também são admitidos documentos que comprovem o exercício

da atividade rural, como notas fiscais de compra de instrumentos ou insumos agrícolas,

bem assim declaração de ex-empregador, desde que contemporâneos àquele exercício e

complementados por prova testemunhal idônea164”.

Nesse sentido, firmou-se a jurisprudência pátria:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE.

TRABALHADORA RURAL. ART. 106 DA LEI N.º 8.213/91.

ROL DE DOCUMENTOS EXEMPLIFICATIVO. CERTIDÃO

DE ÓBITO DO CÔNJUGE LAVRADOR. CERTIDÃO DE

CADASTRO DE IMÓVEL RURAL DE EX-PATRÃO. INÍCIO

DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR IDÔNEA

PROVA TESTEMUNHAL. AMPLIAÇÃO DA EFICÁCIA

PROBATÓRIA. COMPROVAÇÃO DO TRABALHO

RURÍCOLA POR TODO O PERÍODO DE CARÊNCIA.

164 DEMO, Roberto Luiz Luchi, ob. cit, p. 411.

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PRECEDENTES. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR

SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é

meramente exemplificativo, e não taxativo, podendo ser aceitos

como início de prova material, para fins de concessão de

aposentadoria rural por idade, documentos como a Certidão de

óbito do cônjuge lavrador da requerente do benefício e o

Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR de seu ex-patrão,

desde que tais documentos sejam corroborados por robusta prova

testemunhal (Agravo Regimental no Recurso Especial n. 944487,

5ª. Turma do STJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 17.12.07,

v.u.)

Inibindo-se a exigência de prévia inscrição para a comprovação da

atividade rural e admitindo-se o rol como aberto, poder-se-ia indagar que seu conteúdo

tornar-se-ia vazio. Entretanto, essas duas premissas justamente nos levam a conclusão da

correta leitura que deve ser feita deste comando legal.

Deveras, utilizados os meios de prova elencados nos incisos do artigo 106

para os períodos anteriores a 16 de abril de 1994, ou através da Carteira de Identificação

e Contribuição, para períodos posteriores a esta data, estará o INSS compelido a aceitar

o exercício da atividade a ser comprovada. Não haverá, pois, necessidade de abertura de

instrução, mitigando-se o processo cognitivo por parte do julgador.

Não há, ainda, necessidade de apresentar-se prova material ano a ano,

bastando que indiquem a regularidade da atividade, tendo em vista que a condição de

lavrador traz ínsita a idéia de continuidade da atividade rural, bem como pelo fato de que

a escassez documental é inerente à informalidade do trabalho campesino.

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Tem-se, ainda, que os documentos apresentados em nome de terceiros,

sobretudo quando dos pais do cônjuge, consubstanciam início de prova material, tendo

em vista que a unidade produtiva tem como regra a emissão de documentação em nome

do pater familiae, que representa o grupo familiar.

Nesse sentido dá-se a redação da súmula n. 73 do TRF da 4ª. Região, que

dispõe:

“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício

de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos

de terceiros, membros do grupo parental”.

Não se mostra necessário, ainda, que os contratos de arrendamento,

parceria ou comodato rural contenham firmas reconhecidas em cartório ou transcrição

em registro público, tendo em vista que no meio rural as avenças são em sua maioria

firmadas verbalmente e o instrumento escrito vem apenas para consolidá-las.

Por fim, cumpre ressaltar que, nos moldes do artigo 55, § 3o, da Lei

8.213/91, exige-se que haja início de prova material para a comprovação do tempo de

serviço.

Por início de prova material entende-se a necessidade de documento

contemporâneo ao exercício da atividade e que indique sua realização, ainda que não se

referira à integralidade do período a ser comprovado, circunstância que poderá ser

verificada através de testemunhas.

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O documento, conforme anteriormente asseverado, poderá ser qualquer

meio que registre uma informação165.

O artigo é de constitucionalidade duvidosa, pois fere o livre

convencimento do juiz, além do artigo 5o, LVI, da Constituição Federal, que reza que

“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, sem ser feita,

portanto, qualquer distinção. Como garantia e direito fundamental os preceitos do artigo

5o, via de regra, devem ser interpretados ampliativamente, de sorte que não caberia ao

legislador infraconstitucional restringir os meios probatórios no direito previdenciário.

A jurisprudência dominante166, todavia, pendeu para a constitucionalidade

do dispositivo, não obstante o posicionamento contrário manifestado, em vão, no voto

proferido pelo Ministro Vicente Cernicchiaro:

RESP - PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA - TEMPO

DE SERVIÇO – PROVA TESTEMUNHAL - A Constituição da

República admite qualquer espécie de prova. Há uma restrição

lógica: obtida por meio ilícito (art. 5º, LVI). Note-se: integra o rol

dos Direitos e Garantias Fundamentais. Evidente a

inconstitucionalidade da Lei nº 8.213/91 (art. 55, § 1º) que veda,

para a comprovação de tempo de serviço, a prova exclusivamente

testemunhal. A restrição afeta a busca do Direito Justo. O STJ

entende em sentido contrário. Por política judiciária, ressalvando

o entendimento pessoal, venho subscrevendo a tese majoritária

(RESP 205190, Sexta Turma do STJ, Relator Ministro Vicente

Cernicchiaro, DJ 14.06.99, v.u.).

165 Já se admitiu a possibilidade de fotografia como início de prova material, desde que seja possível aferir sua data e constatar ser contemporânea ao período a ser comprovado (AC n. 93.01.08884/MG, TRF 1ª. Região, Relator Juiz Osmar Tognolo, 2ª. T. DJU 26.05.94). 166 Súmula 149 do STJ: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.

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Sublinhe-se que além da ressalva contida no dispositivo para admitir

prova exclusivamente testemunhal nos casos de força maior ou caso fortuito, a

jurisprudência possibilita a comprovação de exercício de atividade de bóia-fria sem

início de prova material, tendo em vista sua precária condição social e em atenção ao

artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil167.

167 PREVIDENCIÁRIO. RURÍCOLA (BÓIA-FRIA). APOSENTADORIA POR VELHICE. PROVA PURAMENTE TESTEMUNHAL. INTERPRETAÇÃO DE LEI DE ACORDO COM O ART. 5º. DA LICC, QUE TEM FORO SUPRALEGAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO PELA ALINEA A DO AUTORIZATIVO CONSTITUCIONAL. I - O JUIZ – E EM SUAS ÁGUAS O TRIBUNAL A QUO – JULGOU PROCEDENTE PEDIDO DA AUTORA, NÃO OBSTANTE AUSÊNCIA DE PROVA OU PRINCÍPIO DE PROVA MATERIAL (LEI N. 8.213/91, ART. 55, PAR. 3.). II - A PREVIDÊNCIA, APÓS SUCUMBIR EM AMBAS AS INSTÂNCIAS, RECORREU DE ESPECIAL (ALÍNEA A DO ART. 105, III, DA CF). III - O DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL QUE NÃO ADMITE "PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL" DEVE SER INTERPRETADO CUM GRANO SALIS (LICC, ART. 5.). AO JUIZ, EM SUA MAGNA ATIVIDADE DE JULGAR, CABERA VALORAR A PROVA, INDEPENDENTEMENTE DE TARIFAÇÃO OU DIRETIVAS INFRACONSTITUCIONAIS. ADEMAIS, O DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (ART., 202, I) PARA O "BÓIA-FRIA" SE TORNARIA PRATICAMENTE INFACTIVEL, POIS DIFICILMENTE ALGUÉM TERIA COMO FAZER A EXIGIDA PROVA MATERIAL. IV - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO PELA ALÍNEA A DO AUTORIZATIVO CONSTITUCIONAL (RESP 46879, Sexta Turma do STJ, Relator Ministro Adhemar Maciel, DJ 26.06.94, v.u.)

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IV. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS NO SETOR RURAL

1. Financiamento da Seguridade Social

Um acontecimento atual e gravoso que afete um dos integrantes de um

grupo social e não possa ser suportado individualmente impele seja feita cotização dos

prejuízos, transferindo-se o custo das medidas de remoção do infortúnio mediante

repartição entre os componentes do grupo.

Aí reside idéia geral de previdência que consiste na cotização periódica

para que as somas acumuladas estejam disponíveis para acudir a qualquer integrante da

sociedade168, pois, sendo o grupo formado pelo conjunto de indivíduos, o todo se

encontrará ameaçado quando um de seus elementos formadores incorrer em situação de

risco.

Conforme dispõe o artigo 194, parágrafo único, da Constituição Federal, a

Seguridade Social será custeada com alicerce na diretriz da diversidade das bases de

financiamento e, nos termos do artigo 195, com a participação de toda sociedade, na

forma direta e indireta, mediante o orçamento da União e dos entes federativos que a

compõem. As diversas contribuições previstas para esta finalidade encontram suas

materialidades descritas neste mesmo artigo.

Como se vê, duas são as formas de financiamento engendradas pelo

legislador constitucional: a) a direta e b) a indireta.

O financiamento é feito por todos os integrantes da sociedade em

decorrência do fato de que a seguridade social tem vocação para universalidade da 168 VIDAL, Pedro Neto, Custeio da Seguridade Social.

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proteção e por pautar-se no princípio da solidariedade. A participação do Estado é

facilmente explicável tendo em vista seu papel na promoção do bem comum ou do bem-

estar social.

Assim, os recursos deverão ser empregados sob a égide do legislador, por

força do texto constitucional. Caberá a ele definir diretrizes, objetivos e metas, através

da instituição do Plano Plurianual. Este, por sua vez, deverá ser concatenado com o

orçamento anual, que segue as prioridades estabelecidas pela lei de diretrizes

orçamentárias.

Como se vê, o Plano Plurianual surge como um desdobramento da lei de

diretrizes orçamentárias, revisando, anualmente, as balizes para as receitas e despesas do

Estado.

É o que decorre do artigo 165, § 5o, que estabelece que os setores da

seguridade social serão admitidos com orçamento próprio, e do artigo 195, § 2o, que

determina que a proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma

integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social,

tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias,

assegurada a cada área a gestão de seus recursos169.

A forma direta consiste nas contribuições dos diversos atores sociais

elencados no texto constitucional, nos incisos do artigo 195, a saber:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na

forma da lei, incidentes sobre:

169 BALERA, Wagner, Sistema de Seguridade Social. 3ª Ed. São Paulo: LTr, 2003.

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a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou

creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste

serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social,

não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão

concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o

art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a

lei a ele equiparar.

Nota-se que as contribuições previstas nos dois primeiros incisos têm

como ponto comum o trabalho. Com efeito, prestando-se a seguridade social, em

especial a previdência social, a amparar o trabalhador que incorrendo em qualquer das

contingências constitucionalmente previstas encontre-se impossibilitado de perceber

suas remunerações, é o trabalho que servirá como eixo em torno do qual gravitarão os

sujeitos e o critério material das contribuições sociais.

Desta forma, o empregador e as empresas ou entidades a ela equiparadas

são os primeiros chamados para proverem recursos ao sistema. Note-se que a relação de

labor colabora de forma mediata para a participação destes entes no custeio da

seguridade, que se dá precipuamente em atenção à solidariedade.

Não obstante, a eleição do critério material guarda estreita relação com o

trabalho ou com a produção dele proveniente. É o que se verifica no disposto nas alíneas

do inciso primeiro do artigo em comento.

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O inciso II do mesmo artigo estabelece as contribuições a cargo dos

trabalhadores e dos demais segurados da previdência social, quais sejam os facultativos.

Esses são chamados a contribuir por serem aqueles que usufruirão diretamente dos

benefícios previdenciários.

Conforme assevera HAMILTON DIAS DE SOUZA, o emprego do termo

“contribuição dos trabalhadores” mostra-se adequado, pois toda a comunidade de

trabalhadores tem especial interesse na seguridade social. “Portanto, são sujeitos

passivos da contribuição não só o empregado, mas também os que prestam serviços sem

vínculo empregatício, como autônomos, avulsos, administradores de empresa etc170”.

Assim, como expressão do princípio da universalidade, estampado no

artigo 194, parágrafo único, I, do Texto Constitucional, a seguridade social deverá

albergar o maior número possível de pessoas, sendo que, no tocante à previdência social,

denota-se o caráter contributivo que lhe é imposto nos termos do artigo 201 da Carta

Magna.

Sendo o trabalhador o maior destinatário do sistema de proteção social,

será obviamente chamado a custear os benefícios a que fará jus quando da concretização

dos riscos cobertos. Ademais, em observância ao pacto entre gerações171, presente

sobretudo nos regimes de repartição, são os trabalhadores da ativa que sustentam os

170 SOUZA, Hamilton Dias de. Contribuições para a Seguridade Social: Caderno de Pesquisas Tributárias n. 17. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1992. 171 Em um plano de repartição simples, modelo adotado no Brasil, a quotização do financiamento é feita pela correspondência entre folha de salários e despesas, devendo o balanço fechar nulo. Não há, pois, acúmulo de capitais com o fito de custear benefícios a serem futuramente percebidos. Assim, são os trabalhadores em atividade, e as riquezas por eles fomentadas, que financiam os benefícios que se encontram em manutenção, no que se denominou de pacto entre gerações, pois o processo se repete: o trabalhador custeia os benefícios pagos no momento do seu período de atividade e quando se aposentar terá seu benefício pago por aqueles que se encontrarem na ativa, e assim sucessivamente.

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benefícios em manutenção pagos pela previdência social, em atenção ao princípio da

solidariedade.

Portanto, no tocante às contribuições é imperioso qualificar uma

finalidade a partir da qual será possível identificar quem se encontra em situação

diferenciada pelo fato de pertencer ou participar de certo grupo. Destarte, enquanto que

no caso dos impostos o contribuinte paga porque pode (capacidade contributiva), nas

taxas, v. g., ele paga porque recebe um beneficio ou serviço.

A busca da igualdade, a instituição de uma seguridade social ampla, a re-

introdução do princípio da capacidade contributiva172 no campo tributário são todos

indicadores do prestígio conferido aos valores sociais pela Constituição Federal de 1988.

Correspondem ao chamado estado social173.

Servimo-nos, então, deste gancho para entrarmos incontinente no próximo

tópico, que tratará, em breves linhas, dos princípios da seguridade social aplicáveis ao

custeio da seguridade social.

2. Princípios da Seguridade Social

A importância dos princípios e as linhas gerais daqueles que se

relacionam com as prestações devidas aos trabalhadores rurais foram abordadas na parte

inicial desse trabalho. 172 O dispositivo constitucional que prevê a capacidade contributiva deve informar os impostos, pois são um tipo de tributo que busca escolher eventos que independam de qualquer atividade do Estado e que possam servir de parâmetro para gerar receitas ao Poder Público para custear as despesas necessárias ao exercício de sua função.

Nos demais tipos de exação, a capacidade contributiva não surgirá sempre. No caso específico das contribuições sociais o vetor diretamente responsável pela aplicação isonômica de alíquotas é o risco. 173 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”), São Paulo: Dialética, 2000.

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Dentre os objetivos previstos para a seguridade social no artigo 194 da

Constituição Federal, aqueles que se relacionam diretamente com seu custeio

encontram-se elencados nos incisos V e VI, da seguinte forma:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado

de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência

e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei,

organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

...

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

...

Passaremos a analisá-los, visando ao enfoque do tema tratado no presente

estudo.

2.1. Eqüidade na Forma de Participação no Custeio

2.1.1. Notas Introdutórias

A República Federativa do Brasil constitui um estado democrático de

direito e fruto de ação de movimento liberais, confirmado por movimentos socializantes

a demandar política de tributação que exprima o ideal de justiça.

Na visão liberal-individualista, a justiça tributária equivale simplesmente

às limitações ao poder de tributar através de preceitos constitucionalmente consagrados

como o princípio da legalidade e a segurança jurídica.

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Essas limitações formais não se mostram suficientes para animar o

modelo através do ideal de justiça, que deverá, ainda, repartir eqüitativamente as cargas

tributárias (capacidade contributiva); exercendo função transformadora da realidade

social174.

Este papel mostra-se ainda mais presente no tocante às contribuições

sociais, que além de custearem a seguridade social promovem distribuição de renda, em

típica função modificadora da realidade.

Especificamente no campo, a justiça fiscal destaca-se pela tríade:

liberdade econômica, capacidade contributiva e proteção ao meio ambiente175.

A liberdade econômica impacta na ordem jurídico-tributária de sorte a não

assumir efeito confiscatório, para que a carga fiscal não seja de tal monta a ponto de

absorver todo o esforço daquele que se dedicou à produção176.

Neste aspecto, maior relevo deve ser dado à pequena propriedade rural

familiar que obedece aos moldes pré-capitalistas. Como exemplo pode ser citada a

garantia constitucional de impenhorabilidade da propriedade para pagamento de débitos

decorrentes da atividade produtiva.

Tem-se, ainda, que o tratamento a ser aplicado às pequenas empresas,

conforme expresso no artigo 170, IX, da Constituição Federal, estende-se às pequenas

propriedades rurais.

174 COIMBRA, Marcelo Aguiar, Fundamentos Constitucionais da Justiça Fiscal no Campo: em defesa da tríade liberdade econômica, capacidade contributiva e preservação do meio ambiente. In Tributação no Agronegócio, coord.: Eduardo de Carvalho Borges. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 162. 175 COIMBRA, Marcelo de Aguiar, ob. cit, p. 164. 176 COIMBRA, Marcelo de Aguiar, ob. cit, p. 167.

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Em suma, não deve haver tributação econômica rural que não represente

manifestação de riqueza, de sorte a não se onerar o pequeno produtor rural, sendo,

ademais, o que se verifica no artigo 153, § 4o, II, da Carta Magna, em relação ao imposto

sobre propriedade territorial rural.

No que se refere às contribuições sociais, temos a cotização reduzida para

o segurado especial que, diferentemente dos demais produtores rurais, conta com uma

única contribuição incidente sobre a comercialização de sua produção, da qual

aproveitarão todos os integrantes do grupo familiar da proteção social, nos termos do

artigo 39, I, da Lei 8.213/91.

2.1.2. A Eqüidade do Custeio

Conforme asseverado no item 2 do segundo capítulo, ainda que o

princípio da isonomia não se manifeste expressamente dentre os objetivos traçados no

artigo 194 da Magna Carta, permeia o texto constitucional em diferentes facetas,

podendo-se afirmar que os enunciados ora em debate dele são corolários.

Assim, a eqüidade na forma de participação do custeio, prevista no artigo

194, parágrafo único, V, da Carta Magna, como decorrência da isonomia, exige que a lei

tanto ao ser editada quanto ao ser aplicada não discrimine aqueles que se encontrem em

situação jurídica equivalente e, a contrario sensu, trate diferentemente os que se achem

em situação jurídica diversa, na medida das suas desigualdades.

No tocante aos tributos, a eqüidade se expressa através de dois aspectos,

dentre os quais o primeiro é a capacidade contributiva. Deveras, conforme previsão do

artigo 145, § 1o, da Constituição Federal, os impostos serão graduados segundo a

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capacidade econômica do contribuinte, o que significa dizer que a lei tratará de modo

equânime os fatos econômicos de mesma envergadura.

O destinatário imediato, portanto, é o legislador, que deverá buscar, ao

adotar as hipóteses de incidência e base-de-cálculo de um determinado tributo, critérios

que equilibrem situações economicamente distintas. Frise-se que esse critério é objetivo,

pois não procura discriminar a condição econômica de cada contribuinte analisado

individualmente, mas sim às suas manifestações objetivas de riquezas, como possuir

uma casa ou um automóvel, ser proprietário de jóias etc177.

Como expressão do princípio tributário da capacidade contributiva, no

que se refere à seguridade social, temos que o legislador deverá encontrar a justa

proporção entre as quotas que cada um dos atores sociais irá contribuir178.

É o que se verifica, verbi gratia, com a progressividade das alíquotas

aplicáveis às contribuições dos empregados, diretamente proporcional à renda (artigo 20

da Lei 8.212/91), ou, igualmente, com o adicional de dois virgula cinco por cento para

as contribuições devidas pelas instituições previstas no artigo § 1o do artigo 22 da Lei

8.212/91, ainda que de constitucionalidade duvidosa.

Desta forma, não obstante a localização topográfica da capacidade

contributiva no § 1o do artigo 145 da Constituição Federal indicar sua direta referência

aos impostos, aponta forma de aplicação do princípio da isonomia que caso possa ser

enquadrada ao regime das contribuições sociais deverá ser utilizada.

177 CARRAZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 17ª. Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 77. 178 BALERA, Wagner, Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 89.

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O segundo aspecto que compõe a eqüidade na forma de participação do

custeio é a necessária correlação que deverá existir entre risco e contribuição

previdenciária.

É o que ocorre, exemplificativamente, com o financiamento do seguro-

desemprego, que nos termos do artigo 239, § 4o, da Constituição Federal, receberá uma

contribuição adicional da empresa cuja rotatividade da força de trabalho superar o índice

médio da rotatividade do setor.

Na mesma esteira, a aplicação da eqüidade no financiamento dos

benefícios por incapacidade pode ser extraída do artigo 195, § 9o, da Carta Magna,

quando determina alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica exercida

pela empresa.

Note-se que não obstante o emprego do verbo poder, trata-se de uma

imposição, não estando o legislador facultado, mas sim sujeito à criação de bases de

cálculo e alíquotas diferenciadas, a fim de conferir plenitude ao princípio da isonomia. O

comando constitucional configura, pois, um poder-dever e não encerra mera diretriz

programática devendo ser observado tanto no momento de produção normativa, quanto

no de sua aplicação.

Neste diapasão dá-se a contribuição do SAT que, levando em conta os

cadastros do CNAE, prevê incidência de alíquotas específicas conforme os variados

níveis de risco (grave, médio e leve) proporcionados pela média das empresas ocupantes

de um determinado setor.

Entretanto, a atuação do legislador foi tímida e não proporcionou a devida

eqüidade para o financiamento dos benefícios em questão. De fato, classificada em um

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determinado setor e, portanto, com a alíquota previamente fixada, a empresa é inibida a

tomar medidas que diminuam o risco, melhorando as condições no ambiente de trabalho,

pois independentemente de reduzir as contingências ocorridas em suas dependências,

contribuiria com o mesmo valor. Essa situação levou à criação do FAP179, que, em linhas

gerais, procura dimensionar o tributo ao risco gerado pela empresa.

A contribuição social vertida para o custeio da seguridade social deverá,

pois, ser estabelecida diretamente proporcional ao número de acidentes do trabalho

ocorridos na dependência da empresa. Assim, a eqüidade, sempre relacionada ao grau de

risco proporcionado, atinge uma dupla finalidade: a) preventiva; estimulando-se a

adoção de medidas que reduzam os acidentes e aumente a segurança no ambiente de

trabalho e b) repressiva; onerando os responsáveis por um maior número de acidentes.

2.2. Diversidade da Base de Financiamento

A possibilidade de surgimento de novos contingentes sociais e

modificações dos sujeitos protegidos somados à necessidade de constante adequação do

sistema de seguridade social a novas realidades impõem que o financiamento da

seguridade social seja diversificado, apto a amparar os gastos e manter o equilíbrio

financeiro do sistema.

O constituinte elegeu diversas hipóteses de incidência com o fito de

garantir recursos necessários para a solvência das obrigações contraídas pelo sistema de

proteção social.

179 Fator Acidentário Previdenciário, criado pela Lei 10.666/03, com regulamentação feita pelo Decreto n. 6.042/07.

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Não obstante, prevendo a possibilidade de necessidade de expansão e

adequação do sistema, estabeleceu-se diversificação das bases de financiamento,

podendo o legislador infraconstitucional criar outras que não as previstas no artigo 195

da Constituição Federal, desde que obedeça ao comando previsto no § 4o do mesmo

artigo. Deverá, portanto, criar contribuições com bases distintas daquelas já prevista

constitucionalmente e somente mediante lei complementar.

Frise-se que o constituinte engendrou os princípios fundamentais alocados

no título I do Texto Constitucional de forma a indicar o progresso social. Tal assertiva

pode ser extraída da interpretação conjunta dos incisos III e IV do artigo 1o, II, III e IV

do artigo 3o e do artigo 193, todos da Constituição Federal.

Deveras, de um Estado fundamentado na dignidade da pessoa humana e

nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como que tenha por objetivos a

garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização,

com redução das desigualdades sociais e regionais, espera-se o caminhar para frente.

Na mesma esteira, no artigo 193 da Constituição Federal o constituinte

reconhece a existência de uma questão social que será resolvida por intermédio da

seguridade social, na persecução do bem-estar e da justiça sociais.

O progresso representa, portanto, o trilho a ser percorrido no contexto

social, impondo-se a constante expansão do sistema de proteção em atenção, ademais,

ao princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, previsto no artigo 194,

parágrafo único, I, da Carta Magna.

Desta forma, a fim de dar vazão à demanda imposta pelo progresso

exigido e em obediência à regra da contrapartida estampada no artigo 195, § 5o, da

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Constituição Federal, é que foram previstos o objetivo da diversidade da base de

financiamento e a possibilidade de criação de novas receitas, conforme prescreve o § 4o

do mesmo dispositivo.

2.3. Regra da Contrapartida

A previdência social segue as linhas gerais de um modelo de seguro,

conforme tradição iniciada por Bismarck na segunda metade do século XIX. Desta

forma, mediante a paga de um prêmio, o segurado encontrar-se-á coberto de

determinados riscos, recebendo indenização da seguradora, caso estes se concretizem.

É o mutualismo que garante a lisura do contrato de seguro e o risco será

seu objeto. Desta forma, cada integrante do grupo irá quotizar uma parte da indenização

que eventualmente será paga, conforme a probabilidade de concretização da

contingência coberta.

Um planejamento atuarial é, pois, imperioso para o funcionamento do

esquema, que conta com o auxílio estatístico para formação de lastro na proporção em

que as indenizações deverão ser pagas.

Nota-se, portanto, que a constituição de reservas deve dar-se

anteriormente ao pagamento da indenização, mecânica que encontra supedâneo no

instituto da carência. Logicamente, o equilíbrio do plano estabelecido conforme

previsões atuariais é essencial para seu funcionamento.

No que toca a previdência social, o constituinte previu especificamente a

necessidade do equilíbrio financeiro e atuarial, conforme redação dada ao caput do

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artigo 201. Entretanto, foi além no tocante ao financiamento da seguridade social, todo

integrado pela previdência, ao especificar, no artigo 195, § 5o, que:

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá

ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de

custeio total.

O dispositivo vinha previsto praticamente com a mesma redação na

constituição de 1969 em seu artigo 165, não obstante se referir à prestação de serviço da

assistência ou de benefício compreendidos na previdência.

“O plano de Custeio de uma entidade securitária seria o conjunto de

normas quatificadoras das receitas que deverão ser investidas pela entidade, a fim de

gerar os recursos necessários e suficientes à cobertura dos compromissos por ela

assumidos em relação a toda a massa amparada180”.

Desta forma, o estabelecimento da “regra da contrapartida” pelo

dispositivo em comento, garante que as despesas não superaram as receitas, mantendo-

se o equilíbrio do sistema. Constitui verdadeira diretriz para a elaboração do orçamento

da seguridade social, impondo limites ao Poder Legislativo que se encontra impedido de

criar prestações que não possuam a correspondente fonte de custeio181.

Note-se que esta regra é uma via de mão-dupla. Assim, analisando-se o

artigo a contrario sensu conclui-se que igualmente não será possível criar fonte de

custeio para serviços ou benefícios inexistentes.

180 NOGUEIRA, Rio. A Crise Moral e Financeira da Previdência Social. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 34. 181 BALERA, Wagner, Noções Preliminares... ob. cit., pp. 122, 123.

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3. A Estrutura da Norma e a Obrigação Tributária

3.1. Introdução

A norma jurídica ao incidir em um fato cria direitos e obrigações para os

sujeitos de direito em uma relação intersubjetiva. Sua verificação de validade, não se dá,

todavia, com verificação da realização do fato previsto, pois descreve uma situação de

dever-ser, que dentre seus diversos usos, um deles é o relacional R, cujos valores são o

obrigatório (O), o proibido (V) e o permitido (P)182.

Por óbvio, todo relacional deôntico no direito é estabelecido entre sujeitos

diferentes, pois não faria sentido a criação de relações jurídicas entre um único sujeito.

Note-se que norma é estabelecida através de uma composição híbrida,

pois formada de uma proposição declarativa, o descritor, e outra prescritiva, através da

qual impõem-se condutas em relação recíproca. Assim, se A é, então B deve-ser.

Sublinhe-se que, conforme asseverado, o functor, que constitui a variável relacional

dever-ser, dar-se-á somente em três modalidades: obrigatório, proibido e permitido183.

A proposição normativa, composta, pois, de uma hipótese ou descritor e

de uma conseqüência ou prescritor, é valida independentemente da confirmação do seu

desenho pela verificação do fato natural184. A norma será valida ou invalida caso

encontre-se em conformidade com o sistema jurídico a que pertence.

182 VILANOVA, Lourival, Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Editora Noeses, 2005, pp. 73, 74. 183 VILANOVA, Lourival, ob. cit., pp. 80, 81. 184 “Como se vê, no interior desta fórmula, destacamos a hipótese e a tese (ou o pressuposto e a conseqüência). A estrutura interna desse primeiro membro da proposição jurídica articula-se em forma lógica de implicação: a hipótese implica a tese ou o antecedente (em sentido formal) implica o conseqüente. A hipótese é o descritor de possível situação fática do mundo natural (natural ou social, juridicizada, inclusive), cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese. Não cabe, como dissemos, interpretar a hipótese como proposição prescritiva (‘se alguém morre, deve ser a sucessão de seus bens...’: nada se prescreve na hipótese). É descritiva

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3.2. Estrutura da Regra Matriz de Incidência

Para fins de didática e de interpretação é possível decompor a estrutura

normativa, tanto no que diz respeito à sua hipótese quanto ao seu conseqüente. Como

partes integrantes do primeiro termo, verificam-se três critérios distintos, sendo eles: o

critério material; o critério espacial; e o critério territorial185. O conseqüente, por sua

vez, poderá ser subdividido em: critério pessoal e critério quantitativo.

O critério material, conforme assevera PAULO DE BARROS

CARVALHO, pode ser chamado de núcleo “pois é o dado central que o legislador passa

a condicionar, quando faz menção aos demais critérios”. Indica, ainda, que não pode ser

considerado como a descrição objetiva do fato juridicamente relevante ao direito, haja

vista que, para tanto, faz-se mister a circunstância de espaço e tempo, com o que se

estaria definindo a própria hipótese186.

Assim, para a constatação do critério material mostra-se imperioso

extrair-se não o próprio fato, mas um evento que atrelado às condições de tempo e

espaço configure o fato hipoteticamente descrito.

“Dessa abstração emerge sempre o encontro de expressões genéricas

designativas de comportamentos de pessoas, sejam aqueles que encerrem um fazer, um

dar ou, simplesmente, um ser (estado). Teremos, por exemplo, ‘vender mercadorias’,

‘industrializar produtos’, ‘ser proprietário de bem imóvel’, ‘auferir rendas’, ‘construir

estradas’, ‘pavimentar ruas’ etc”. Será, portanto, formado por um verbo e um

e sem valor veritativo. Quer dizer, verificado o fato jurídico, no suporte fático, ou não verificado, a hipótese não adquire valor-de-verdade” (VILANOVA, Lourival, ob. cit., p. 91). 185 SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO considera a autonomia de um critério pessoal na hipótese, sob a fundamentação de que o fato jurígeno está sempre ligado a uma pessoa (Contribuições para a Seguridade Social. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2007, p. 22). 186 Teoria da Norma Tributária, São Paulo: Edições Lael, 1974, p. 113.

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complemento. Em suma, o critério material da hipótese da norma tributária será “o

comportamento de uma pessoa (de dar, fazer, ou ser), que deflui de um processo de

abstração da própria fórmula hipotética187”.

O segundo critério a ser relevado na decomposição da hipótese da norma

é o critério espacial. Conforme o próprio nome indica, ele aponta as circunstâncias de

lugar onde a verificação do fato previsto no critério material será relevante para o

direito.

Destarte, o fato somente será qualificado “como hábil a determinar o

nascimento de uma obrigação, quando este fato se dê (se realize, ocorra) no âmbito

territorial de validade da lei, isto é, na área espacial a que se estende a competência do

legislador tributário. Isto é conseqüência do princípio da territorialidade da lei,

perfeitamente aplicável ao direito tributário188”.189

O critério temporal constitui o terceiro aspecto relevante para que a

ocorrência do fato no mundo fenomênico desencadeie a relação jurídica. Diz respeito ao

momento em que se encontra verificado o fato gerador e, portanto, nascida a obrigação.

“Define-se o aspecto temporal da h. i. como a propriedade que esta tem de

designar (explícita ou implicitamente) o momento em que se deve reputar consumado

(acontecido, realizado) um fato imponíviel190”.

187 CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit, p. 114/115. 188 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 104. 189 Conforme exemplifica PAULO DE BARROS CARVALHO, o pagamento de tributo de produtos industrializados terá tratamento diferenciado caso ocorra em São Paulo ou nos limites da Zona Franca de Manaus, tendo em vista que pelo pressuposto da isenção, neste caso não nascerá para a Fazenda Federal o direito de exigir o pagamento do tributo. In ob. cit, p. 120. 190 ATALIBA, Geralto, ob. cit., p. 94.

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Sempre haverá um critério temporal, pois não seria possível considerar

um fato juridicamente imaginando-se que ele ocorresse somente no espaço e não no

tempo191. Assim, o critério material encontrar-se-á implícita ou explicitamente disposto

na norma, sendo que caso o legislador se omita quando da sua descrição presume-se que

será o momento da ocorrência do fato gerador192.

O conseqüente da norma, conforme adrede mencionado pode ser

decomposto pelos critérios pessoal e quantitativo. Possui conteúdo prescritivo,

indicando a obrigação ou a conduta a ser seguida pelos sujeitos de direito, caso a

descrição indicada na hipótese seja verificada.

O critério pessoal aponta os sujeitos da relação jurídica de dar, fazer ou

não fazer, estabelecendo aquele que terá uma pretensão a ser satisfeita pelo outro.

Subdivide-se, pois, em a) sujeito ativo e b) sujeito passivo.

Atualmente, com a edição da Lei 11.457/07 que criou a chamada Super

Receita, o sujeito ativo da relação de custeio da previdência social será a Receita Federal

do Brasil, órgão da administração direta, subordinada ao Ministério de Estado da

Fazenda (artigo 1o).

Conforme dispõe o artigo segundo da Lei:

Art. 2o Além das competências atribuídas pela legislação vigente

à Secretaria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita

Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar as

atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação,

cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas

alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de

191 CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit., p. 123. 192 ATALIBA, Geraldo, ob. cit., p. 95.

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24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de

substituição. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007).

§ 1o O produto da arrecadação das contribuições especificadas no

caput deste artigo e acréscimos legais incidentes serão

destinados, em caráter exclusivo, ao pagamento de benefícios do

Regime Geral de Previdência Social e creditados diretamente ao

Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art.

68 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

De tal sorte, não há existe necessidade de referência expressa na

endonorma do custeio previdenciário do sujeito ativo deste vínculo obrigacional, que já

se encontra determinado nos termos do referido artigo 2o.

O sujeito passivo, em contraposição, será aquele que, por força da lei,

encontra-se compelido a cumprir uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, em favor do

sujeito ativo. Na relação jurídica tributária “é a pessoa, física ou jurídica, privada ou

pública, de quem será exigido o cumprimento de prestação pecuniária, caracterizada

como de natureza fiscal193”.

Normalmente, o sujeito passivo será o responsável pela realização da

conduta descrita na hipótese normativa, situação em que estaremos diante do

contribuinte (artigo 121, I, do CTN). Entretanto, por questões de facilitação na cobrança

e fiscalização, o CTN prevê possibilidade de terceira pessoa, diversa daquela que

realizou o fato descrito na norma, figurar como sujeito passivo da relação tributária.

Sublinhe-se, entretanto, que “não haveria, em termos propriamente jurídicos, a divisão

dos sujeitos em direitos e indiretos, posto que repousa em consideração de ordem

193 CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit., p. 155.

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econômica. Interessa, do ponto de vista jurídico-tributário, apenas quem integra o liame

obrigacional194”.

O critério quantitativo nos permite estabelecer noções de grandeza a

obrigação imposta, valorando o objeto da prestação. Virá, portanto, a confirmar a

descrição contida no critério material previsto na hipótese, pois, a expressão exata

daquilo que é devido a ele se relaciona195. Por outras palavras, é através do critério

quantitativo que será aferido o quantum debeatur.

A quantificação do tributo devido dependera do cruzamento de dois

aspectos distintos: da base-de-cálculo, que representa a mensuração da materialidade do

fato, e a alíquota, que exprime a fração a ser aplicada à base-de-cálculo para que se

obtenha a quantia a ser exigida pelo sujeito ativo da obrigação196.

3.3. Breves Linhas sobre a Obrigação Tributária

O desenho da regra matriz com a decomposição dos seus diversos

critérios nos aponta a “descrição arquitetônica da norma em posição estática”. Com a

ocorrência do fato descrito na norma, dá-se início a o dinamismo presente na relação

jurídica.

194 CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit., p. 156. 195 “Com efeito, sempre que o legislador pretenda medir a intensidade daquele ‘comportamento’, limitado no tempo e no espaço, constitui uma grandeza que se reveste de significação para o Direito Tributário, posto também sua função diáfora de confirmar o verdadeiro critério material da hipótese endonormativa – a base-de-cálculo” (CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit., p. 156). 196 CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit., p. 162 e 164.

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A guisa de esclarecimentos, o que “incide ou deixa de incidir é o

‘mandamento’ da norma, criando deveres tributários. A hipótese de incidência apenas

ocorre...197”.

O Código Tributário nacional dispõe o tributo como uma prestação

pecuniária, reverenciado sua natureza obrigacional (artigo 3o).

A relação obrigacional foi exaustivamente definida pela doutrina civilista,

podendo ser configurada como “um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica

adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra”. “O elemento decisivo do

conceito é a prestação. Para constituir uma relação obrigacional, uma das partes tem de

se comprometer a dare, facere ou praestare, (...). Necessário, finalmente, que a

prestação satisfaça ao interesse do titular do direito de crédito, porque o vínculo se

estabelece estritamente para esse fim198”.

Segundo o ministério de PAULO DE BARROS CARVALHO,

injustamente limitou-se a teoria dualista à figura obrigacional utilizada no direito civil.

Por essa teoria, vislumbra-se a existência e duas relações distintas e que se integram para

a formação do liame obrigacional: uma relação pessoal de dívida e outra patrimonial de

garantia. A implementação do vínculo dá-se com satisfação da primeira relação. Não

obstante, caso o sujeito passivo não cumpra espontaneamente sua obrigação, ocorrerá a

atuação do elemento coativo, sujeitando o patrimônio do devedor para adimplir a

prestação199.

197 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, ob. cit. P. 26. 198 GOMES, Orlando. Obrigações, 12ª. Edição, revisada por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, pp. 9 e 10. 199 CARVALHO, Paulo de Barros, ob. cit., p. 147.

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Como espécie da relação jurídico tributária, no que diz respeito à

Seguridade Social, “a relação jurídico contributiva ou de quotização consiste na

obrigação de pagamento periódico de uma valor pecuniário, calculado de uma certa

maneira, estabelecida na lei, para o financiamento dos regimes e do sistema de

segurança social200”.

4. Empregador Rural Pessoa Jurídica

4.1. Agroindústria

O regime referente às contribuições sociais devidas pelas agroindústrias

vem atualmente previsto no artigo 22-A, com redação dada pela Lei 10.256/01.

Conforme disposto no mencionado artigo, as contribuições

especificamente criadas para a figura das agroindústrias dão-se em substituição àquelas

devida pelas empresas previstas nos incisos I e II do artigo 22.

O caminho percorrido pelo legislador até ser cunhado o artigo 22-A foi

tortuoso, iniciando-se com a edição da Lei 8.870/94, que padecia de vício de

inconstitucionalidade por falta de permissão do texto constitucional para incidência de

contribuição sobre a estimativa da receita proveniente da comercialização da produção,

conforme abordaremos com minúcias no tópico seguinte.

Foi, ademais, somente após a alteração do artigo 195 pela Emenda

Constitucional n. 20/98, que acrescentou expressamente às hipóteses anteriormente

200 NEVES, Ilídio das. Ob. cit., p. 327.

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previstas a receita e o faturamento, que pode, sem maiores embates201, ser instituída a

contribuição das agroindústrias pela Lei 10.256/01, que inseriu o art. 22-A à Lei

8.212/91, nos seguintes termos:

Art. 22-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida,

para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa

jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de

produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros,

incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da

comercialização da produção, em substituição às previstas nos

incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: (Incluído pela Lei nº

10.256, de 9.7.2001)

Conforme dispõe o artigo em comento, as contribuições devidas pelas

agroindústrias serão diferenciadas das devidas pelas empresas, previstas no artigo 22, I e

II, da Lei 8.212/91, tendo em vista sua peculiar natureza ante a realização de atividades

de produção e industrialização numa mesma pessoa.

Ademais, historicamente a contribuição da área rural tem incidido sobre a

produção, pois a aplicação de cobrança similar a da área urbana, cujo recolhimento é

mensal e sobre a folha de salários, incluindo-se o 13o salário, certamente provocaria

inviabilidade econômica no seguimento rural, com exclusão de diversos trabalhadores

do sistema previdenciário e deixando inúmeras empresas em situação de

inadimplência202.

201 “O termo’faturamento’, dado o princípio da universalidade do custeio, deve ser entendido como receita bruta. O acréscimo, pela EC n. 20/98, da expressão ‘receita’ apenas tornou explícito o que já era implícito” (PIERDONÁ, Zélia Luiza, p. 78), evitando ações questionando a constitucionalidade de contribuições cujas bases fossem a receita. 202 IBRAHIM, Zambitte Fábio, ob. cit., pp. 227/228.

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Deveras, a produção rural está condicionada aos eventos da natureza e se

dá de forma sazonal, conforme o sabor climático de cada estação do ano, fazendo com

que o produtor arque com os gastos do período de investimento que, no caso da pecuária

de corte pode variar de dois a quatro anos203. O regime instituído pela lei 8.212/91

estabelece que o montante despendido com as contribuições sociais será diretamente

proporcional à receita obtida com a produção, garantindo-se que o produtor não arcará

com despesas excessivas nos períodos de baixa atividade.

Assim, diferentemente da regra geral aplicável às empresas, por força da

Lei 10.256/01 foram criadas alíquotas diversas a incidirem sobre o valor da receita bruta

proveniente da comercialização da produção.

Sublinhe-se que a restrição deu-se somente no tocante às seguintes

contribuições devidas pelas empresas:

I. sobre o pagamento de remunerações pagas a qualquer título aos

segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem

serviços;

II. para o financiamento dos benefícios previstos nos artigos 57 e

58 e daqueles concedidos por incapacidade laborativa.

De fato, por força do artigo 15 as agroindústrias são empresas sujeitando-

se às demais contribuições estabelecidas nos incisos III e IV do artigo 22, bem como, no

que couber, às obrigações acessórias, previstas no artigo 30 da Lei 8.212/91.

203 http://www.agricultura.mg.gov.br/noticia.asp?id=334, site visitado em 20.02.08.

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4.1.1. Conceito de Agroindústria

Conforme a própria denominação indica, as agroindústrias devem exercer

cumulativamente atividades agrícolas e industriais. A produção industrializada deverá

ser sua, mesmo que não o seja exclusivamente204. Dessa forma, as empresas que

exercem apenas atividades de industrialização de produtos rurais não se encontram

abarcadas por este diploma legal. Na mesma esteira, estão excluídas deste tratamento as

que exerçam atividade exclusivamente rural, sem realização de qualquer etapa de

industrialização.

O conceito de industrialização é, contudo, alheio ao direito:

Indústria é toda atividade humana que, através do trabalho,

transforma matérias-primas em outros produtos, que em seguida

podem ser, ou não, comercializados e que possuem, normalmente,

maior valor agregado. De acordo com a tecnologia empregada na

produção e a quantidade de capital necessária, a atividade

industrial pode ser artesanal, manufatureira ou fabril. Ao conjunto

de indústrias, deu-se o nome de setor secundário, em oposição à

agricultura (setor primário) e ao comércio e serviços (setor

terciário), de acordo com a posição que cada atividade

normalmente está na cadeia de produção e consumo205.

O processo de industrialização, portanto, é a transformação dos produtos

naturais produzidos pelo setor primário em produtos de consumo ou, por outras palavras,

é a transformação da matéria prima em produto manufaturado.

204 VELLOSO, Andrei Pitten, ROCHA, Machado da, BALTAZAR JUNIO, José Paulo, Comentários à Lei do Custeio da Seguridade Social. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2005, p. 135. 205 Fonte: www.wikipedia.org.br, sítio visitado em 15.10.07.

167

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Por vezes, entretanto, a linha que separa a produção in natura do processo

de industrialização é tênue. Por esse motivo o legislador apontou, exemplificativamente,

alguns processos a serem excluídos deste conceito quando da conceituação do segurado

especial e do produtor rural pessoa física, que servem de base para a configuração da

atividade desenvolvida pelas agroindústrias.

Nesse sentido dispõe o § 3o do artigo 25 da Lei 8.212/91:

§ 3º Integram a produção, para os efeitos deste artigo, os produtos

de origem animal ou vegetal, em estado natural ou submetidos a

processos de beneficiamento ou industrialização rudimentar,

assim compreendidos, entre outros, os processos de lavagem,

limpeza, descaroçamento, pilagem, descascamento, lenhamento,

pasteurização, resfriamento, secagem, fermentação, embalagem,

cristalização, fundição, carvoejamento, cozimento, destilação,

moagem, torrefação, bem como os subprodutos e os resíduos

obtidos através desses processos. (Incluído pela Lei nº 8.540, de

22.12.1992)

Na mesma seara, Instrução Normativa 03/05-SRP, em seu artigo 240, IV,

considera:

IV - industrialização rudimentar, o processo de transformação do

produto rural, realizado pelo produtor rural pessoa física ou

pessoa jurídica, alterando-lhe as características originais, tais

como a pasteurização, o resfriamento, a fermentação, a

embalagem, o carvoejamento, o cozimento, a destilação, a

moagem, a torrefação, a cristalização, a fundição, dentre outros

similares; (Nova redação dada pela IN SRP Nº 4, DE 28/07/2005)

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Verifica-se, pois, que processos de industrialização rudimentar

encontram-se excluídos para fins de caracterização do produtor rural como

agroindústria.

4.1.2. Conceito de Receita

Para desenharmos os contornos da contribuição devida pela agroindústria,

cumpre, ainda que em breves linhas, abordar o conceito de receita, pois sua

quantificação servirá de base para a aplicação das alíquotas previstas no artigo em

debate, a fim de especificar-se o quantum debeatur da obrigação tributária.

No texto constitucional, especificamente no artigo 195, que trata do

financiamento da seguridade social, o termo receita convive com outros signos

presuntivos de renda, como lucro ou faturamento. Ainda que na sua redação original o

artigo em debate não contasse com todas essas expressões, for por força da Emenda

Constitucional n. 20, de dezembro de 1998, que o legislador, procurando evitar

interpretações restritivas quanto às materialidades previstas, ampliou o rol para constar

todos os vocábulos mencionados.

No caso específico da receita, “não temos dúvida de que valorizou o

constituinte a perspectivas dos negócios jurídicos que evidencia a capacidade econômica

revelada pelo ingresso financeiro apurado de forma isolada e instantânea em cada

evento206”.

206 MINATEL, José Antonio. O Conceito de Receita, para Efeito da Incidência do PIS e da COFINS. In Contribuições Para Seguridade Social, coord. Sacha Calmon Navarro Coêlho. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 531.

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Conforme definição restrita utilizada pelo direito comercial, difere-se do

faturamento, que consiste na emissão de faturas, conforme disposto no artigo 219 do

Código Comercial:

Art. 219 Nas vendas em grosso ou por atacado entre

comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador

por duplicado, no ato da engrada das mercadorias, a fatura ou

conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas,

uma para ficar na mão do vendedor e outra da do comprador.

Desta forma, ainda que possuísse conceituação restrita, relacionando-se ao

ingresso de insumos decorrentes da compra e vendas de mercadorias, na legislação

tributária generalizou-se “o entendimento de que o termo ‘faturamento’ corresponde ao

somatório dos valores das vendas de mercadorias e prestações de serviços a vista ou a

prazo”207. De tal sorte, “faturar”, perdeu seu sentido estrito de emitir faturas, para

representar o vulto das receitas decorrentes da atividade econômica geral da empresa208.

O ingresso do termo receita ao texto do artigo 195, através da Emenda

Constitucional n. 20, veio, pois, a clarificar as materialidades das contribuições sociais

devidas pelos empregadores, impedindo que fosse feita interpretação restritiva do

conceito de faturamento, para abranger somente o valor obtido pela comercialização ou

prestação de serviços.

Assim, a receita seria constituída, além das chamadas operacionais as não-

operacionais, vinculando-se, pois, ao resultado da empresa. Difere-se, todavia, do lucro,

207 MARTINS, Ives Gandra. Lei n. 9.718/98. Inconstitucionalidade Material. In Revista Dialética de Direito Tributário n. 102, p. 128. 208 TÔRRES, Heleno Taveira. Contribuições sobre Faturamento e Receita (PIS e COFINS): não-cumulatividade e outros temas. In Cadernos de Direito Tributário n. 89. São Paulo: Malheiros Editores, s/d, p. 104.

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pois é aferível isoladamente, pela natureza de cada ingresso, ao passo que este refere-se

ao resultado positivo que acresce ao patrimônio, só podendo ser extraído ao término de

um determinado período, pelo necessidade de confronto entre receitas e custos209.

O artigo 22A, referente às contribuições das agroindústrias, faz, todavia,

referência expressa ao conceito de “receita bruta proveniente da comercialização da

produção”, aproximando-se, pois, do conceito de faturamento adrede mencionado.

Com efeito, comercialização refere-se à compra e venda da produção.

Receita bruta, por seu turno, constitui o total recebido pela empresa e difere-se de receita

líquida, que consiste naquela deduzida dos respectivos sacrifícios financeiros para sua

obtenção210.

Seria incongruente, no caso das agroindústrias, fixar a penas a receita

bruta como critério para a incidência de contribuições, tendo o próprio legislador

vinculado o conceito “à produção rural”. Desta forma, constitui o conceito de receita

bruta para fins do artigo 22A o total do resultado obtido pela venda da produção rural

industrializada.

Assim, e segundo as finalidades didáticas da decomposição da regra

matriz de incidência211, de forma analítica, podemos desenhar os aspectos na norma que

impõe a incidência de contribuições às atividades desenvolvidas pelas agroindústrias,

nos seguintes termos:

209 MINATEL, José Antonio, ob. cit., p. 535. 210 TÔRRES, Heleno Taveira, ob. cit, p. 106. 211 Vide tópico 3 deste capítulo.

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Hipótese Critério Material Critério Espacial Critério Temporal

Comercialização da produção rural própria, ou própria e de terceiros, industrializada.

Território Nacional.

Mensal. Último dia de cada mês, devendo a contribuição ser paga até o dia dez do mês seguinte ao de sua competência.

Conseqüente

Critério Quantitativo Critério Pessoal

a) base-de-cálculo: receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, industrializada. a) sujeito ativo: Receita Federal do Brasil.

b) alíquotas: 2,5%, destinados à Seguridade Social; 0,1%, em substituição ao SAT, e 0,25% destinados ao SENAR.

b) sujeito passivo: agroindústria, definida como pessoas jurídicas que tenham como finalidade exclusiva a atividade de produção rural própria, ou própria e de terceiros, bem com sua industrialização.

Poderia, entretanto, ser questionado se o critério material abrange a

realização exclusiva de atividades tipicamente urbanas, como, por exemplo, a

comercialização de produtos industrializados.

Note-se que o dispositivo em debate refere-se genericamente à receita

bruta proveniente da comercialização da produção, podendo ser sustentado que,

implicitamente, abrangeria o rendimento auferido em eventuais atividades urbanas

exercidas pela empresa, desde que fosse igualmente promovida a industrialização de

produção própria.

Nesse sentido dispõe o decreto 3.048/99, em seu artigo 201-B, estendendo

a forma de contribuição das agroindústrias para demais atividades autônomas, nos

seguintes termos:

Art. 201-B. Aplica-se o disposto no artigo anterior, ainda que a

agroindústria explore, também, outra atividade econômica

autônoma, no mesmo ou em estabelecimento distinto, hipótese

em que a contribuição incidirá sobre o valor da receita bruta dela

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decorrente. (Artigo acrescentado pelo Decreto nº 4.032, de

26/11/2001)

Inicialmente cumpre salientar que o critério material, responsável pela

descrição da conduta juridicamente relevante e, quando verificado dentro das limitações

de tempo e de espaço, apto ao nascimento da obrigação tributária, será confirmado no

critério quantitativo, pois é do fato descrito que se extrairá o conteúdo econômico a ser

tributado.

Ademais, ainda que a regra comporte exceções, na sujeição tributária

direta aquele que realiza a conduta prevista no antecedente do tipo figurará, igualmente,

como sujeito passivo da relação tributária.

Desta forma, a interpretação da conduta responsável por desencadear a

obrigação prevista na norma implica, no presente caso, em definir quem será o sujeito

passivo da obrigação, bem como qual será a base-de-cálculo do tributo.

As contribuições são tributos212 e, como todos os tributos, obedecem aos

princípios que os regem, sobretudo o da legalidade, previsto tanto no artigo 5o como nos

artigos 150, I e 195, caput e § 6o, da Carta Magna.

Tem-se, pois, que o tipo tributário, como tipo fechado, obedece ao

princípio da estrita legalidade, de sorte que todos os aspectos definidores da norma que

ensejará a obrigação tributária devem estar definidos em lei.

212 BALERA, Wagner, Contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, in Revista de Direito Tributário n. 49, p. 110 e segs.

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No presente caso, os elementos necessários para a caracterização do fato

juridicamente relevante, bem como para a verificação do sujeito passivo, encontram-se

esgotados pelo artigo 22-A da Lei 8.212/91.

Sublinhe-se, que o debate não se mostra meramente teórico, pois, a

configuração da conduta prevista no tipo, bem como quem será o sujeito passivo, é que

definirá se a forma da contribuição dar-se-á nos termos do artigo 22-A e, portanto, com

alíquota de 2,5% sobre o montante da produção, ou na forma do artigo 22, I e II, com

alíquota de 20%, incidente sobre a folha de salários.

Contrariamente ao decreto, há decisão judicial entendendo que exercendo

a empresa atividades urbanas e rurais deverá contribuir sobre a folha de salário dos

empregados e não sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção

rural, por não se enquadrar como produtora rural213.

Deveras, o sujeito passivo da obrigação foi definido pelo legislador como

sendo a pessoa jurídica que exerça atividade de industrialização de produção própria ou

própria e de terceiros.

Desta forma, caso a pessoa jurídica, ainda que parcialmente, dedique-se a

atividades tipicamente urbanas, não mais se subsume ao tipo tributário legalmente

previsto, deixando, portanto, de sofrer incidências na forma excepcional criada

especificamente para as agroindústrias. Conseqüentemente, passará a ser enquadrada no

regime previsto para as demais empresas214.

213 TRF4, AC 2001.04.01.085388-5, Dirceu de Almeida Soares, 2ª. Turma, 26.03.02. 214 De lege ferenda, poder-se-ia, a exemplo do que ocorre para determinação da alíquota SAT conforme o CNAE, determinar a aplicação do regime contributivo referente à atividade da empresa. Ainda que, conforme exposto nesse trabalho, a sistemática legal leve à conclusão de que a figura da agroindústria encontra-se esgotada no caput do artigo 22-A, de sorte que caso verifique-se a execução de

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Contudo, o legislador cuidou de criar exceção no que diz respeito à

prestação de serviços, conforme previsão do § 2o, do artigo em debate que preleciona:

§ 2o O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à

prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições

previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22

desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)

Conforme asseverado, a contribuição prevista no caput do artigo 22-A

substitui tão somente as contribuições a cargo da empresa previstas nos incisos I e II do

artigo 22, no que diz respeito à produção rural e sua industrialização.

Desta forma, “esse dispositivo não leva apenas à exclusão das receitas da

prestação de serviços a terceiros da incidência da contribuição, mas a sujeição de tais

operações às contribuições do art. 22215”. Assim, conforme previsão do comando legal

em comento, ao prestarem serviços a terceiros as agroindústrias estarão sujeitas à

tributação aplicável às empresas, especialmente, as previstas nos incisos I e II do artigo

22 incidentes sobre a folha de salários.

Frise-se que o mencionado § 2o, não encerra mera repetição do comando

previsto anteriormente no caput. Com efeito, representa exceção legal que permite a

possibilidade de que as agroindústrias exerçam atividades estranhas àquelas dispostas no

caput, sem, conduto, perderem sua natureza. É, pois, pela previsão expressa do comando

que o regime aplicável às agroindústrias será mantido no que diz respeito à incidência de

atividade distinta do conteúdo do dispositivo a pessoa jurídica encontra-se vinculada às contribuições na forma do artigo 22 da Lei 8.212/91, um julgamento maniqueísta neste caso poderia trazer injustiças, mormente se levado em conta o espírito da criação das contribuições das agroindústrias ao caráter sazonal de sua produção. Assim, em atenção ao artigo 5o da LICC, caberá ao julgador, caso provocado, interpretar o caso concreto e adotar a medida socialmente mais justa. 215 VELLOSO, Andrei Pitten, ob. cit., p. 137.

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contribuições sobre a receita proveniente da comercialização da produção, com a

exclusão das demais previstas no artigo 22.

Esta exceção vem apenas confirmar a idéia sustentada de que, caso a

pessoa jurídica exerça atividade tipicamente urbana estará excluída do conceito de

agroindústria. Deveras, tem-se como princípio basilar de hermenêutica, que “as

expressões de Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação

real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis”.216

Esta regra interpretativa encontrar-se-ia violada caso entendêssemos que,

na linha do artigo 201-B do Decreto 3.048/99, as agroindústrias estão autorizadas a

realizar, além das atividades de industrialização de produção própria ou própria e de

terceiros, outras típicas de empresas urbanas, exceto no tocante a prestação de serviços.

Sublinhe-se, ademais, que nova base-de-cálculo foi criada para a exceção

prevista no § 2o, prevendo-se, no parágrafo seguinte, que:

§ 3o Na hipótese do § 2o, a receita bruta correspondente aos

serviços prestados a terceiros será excluída da base-de-cálculo da

contribuição de que trata o caput. (incluído pela Lei nº 10.256, de

9.7.2001)

De fato, não bastaria ao legislador criar figura distinta daquela prevista no

caput, sem explicitar qual a forma de incidência do tributo, em atenção à existência de

outra fonte econômica além da prevista anteriormente decorrente dos serviços prestados.

Com efeito, o caput do art. 22-A prevê na hipótese de incidência a receita

bruta proveniente da comercialização da produção, de sorte que os valores auferidos

216 MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1991, pp. 250/251.

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pela prestação de serviços a terceiros estariam logicamente excluídos da base-de-cálculo

o que de fato veio a ser confirmado pelo § 3o, adrede transcrito.

Ainda no que diz respeito ao critério material, cumpre salientar que o

legislador excetuou do regime das agroindústrias a figura das cooperativas, que serão

oportunamente tratadas no presente estudo, bem como das agroindústrias de piscicultura,

carnicicultura, suinocultura e avicultura, conforme previsão do § 4o do artigo em debate.

Ainda em atenção aos fins do comando legal, o legislador cuidou de

excetuar determinadas atividades rurais praticadas por pessoas jurídicas que, na

realidade, exercem atividades típicas de empresas urbanas.

É o que ocorre com o reflorestamento praticado pelas empresas

produtoras de papel, cuja atividade principal não possui natureza rural, de sorte que o

plantio de novas árvores representa tão somente reposição de matéria prima a ser

utilizada em sua atividade principal, sem o intuito de exercer atividades relacionadas a

produção rural.

Desta forma, previu o legislador que “não se aplica o regime substitutivo

de que trata este artigo à pessoa jurídica que, relativamente à atividade rural, se dedique

apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para

industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a

natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica217”.

Na mesma seara, a utilização de subprodutos decorrentes da produção da

celulose, caso representem quantidade pouco expressiva na produtividade da empresa,

217 Artigo 22-A, § 6o, da Lei 8.212/91.

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igualmente serão desconsiderados para fins de caracterizá-la como agroindústria,

conforme previsão do § 7o do mesmo dispositivo legal:

§ 7o Aplica-se o disposto no § 6o ainda que a pessoa jurídica

comercialize resíduos vegetais ou sobras ou partes da produção,

desde que a receita bruta decorrente dessa comercialização

represente menos de um por cento de sua receita bruta

proveniente da comercialização da produção. (Incluído pela Lei

nº 10.684, de 30.5.2003)

4.1.3. Contribuição para o SENAR

Além das alíquotas de 2,5% e 0,1% estabelecidas em substituição as

contribuições do artigo 22, I e II, da Lei 8.212/91, devem as agroindústrias contribuir

para o SENAR na forma do § 5o do artigo 22-A, com a alíquota de 0,25% sobre a

mesma base-de-cálculo, restando, todavia, desincumbidas da contribuição prevista na

legislação especifica.

O SENAR, criado pela Lei 8.315/91, será dirigido por um colegiado

formado por representantes de diversos ministérios e outras organizações, contando,

inclusive com um representante das agroindústrias.

Tem como objetivo organizar, administrar e executar em todo o território

nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador

rural, em centros instalados e mantidos pela instituição ou sob forma de cooperação,

dirigida aos trabalhadores rurais (artigo 1o).

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A renda do SENAR é diversificada e conta, via de regra, com

contribuição mensal de 2,5% sobre o montante da remuneração paga a todos os

empregados pelas pessoas jurídicas que exerçam atividades (artigo 3o, I):

a) agroindustriais;

b) agropecuárias;

c) extrativistas vegetais e animais;

d) cooperativistas rurais;

e) sindicais patronais rurais;

Conforme aduzido, o § 5o do art. 22-A da Lei 8.212/91 expressamente

desobrigou as agroindústrias da referida contribuição, determinando, todavia, que suas

participações dar-se-ão com o adicional de 0,25% da receita bruta decorrente da

comercialização da produção, repetindo, pois, a base-de-cálculo prevista no caput do

mesmo artigo.

§ 5o O disposto no inciso I do art. 3o da Lei no 8.315, de 23 de

dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este

artigo, que contribuirá com o adicional de zero vírgula vinte e

cinco por cento da receita bruta proveniente da comercialização

da produção, destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem

Rural (SENAR). (Incluído pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)

4.1.4. Regime da Lei 8.870/94: Inconstitucionalidade e Conseqüências Jurídicas.

A contribuição das agroindústrias teve seu regime jurídico inicialmente

definido pela Lei 8.870/94, que em seu artigo 25, estabelecia contornos semelhantes a

atual redação do artigo 22-A da Lei 8.212/91, prevendo como base-de-cálculo a receita

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bruta estimada proveniente da comercialização da produção e alíquotas de 2,5% e 0,1%,

sendo a segunda em substituição ao SAT, conforme abaixo transcrito, em sua redação

original:

Art. 25. A contribuição prevista no art. 22 da Lei nº 8.212, de 24

de julho de 1991, devida à seguridade social pelo empregador,

pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, passa a ser a

seguinte (alterado pela Lei 10.256/01).

I - dois e meio por cento da receita bruta proveniente da

comercialização de sua produção;

II - um décimo por cento da receita bruta proveniente da

comercialização de sua produção, para o financiamento da

complementação das prestações por acidente de trabalho.

§ 1º O disposto no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de

dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este

artigo, que contribuirá com o adicional de um décimo por cento

da receita bruta, proveniente da venda de mercadorias de

produção própria, destinado ao Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural (Senar) (alterado pela Lei 10.256/01).

§ 2º O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se

dediquem à produção agroindustrial, quanto à folha de salários de

sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista

neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção

agrícola própria, considerado seu preço de mercado (Revogado

pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001) – grifa-se.

§ 3º Para os efeitos deste artigo, será observado o disposto nos §§

3º e 4º do art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, com a

redação dada pela Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992.

§ 4º O adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-

rogados nas obrigações do empregador pelo recolhimento das

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contribuições devidas nos termos deste artigo, salvo no caso do §

2º e de comercialização da produção no exterior ou, diretamente,

no varejo, ao consumidor. (Revogado pela Lei nº 9.528, de

10.12.97)

§ 5o O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à

prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições

previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22 da

Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº

10.256, de 9.7.2001)

Até então, as agroindústrias, não obstante sua natureza híbrida

caracterizada pela realização simultânea de atividades industriais e rurais, enquadravam-

se no regime previsto para as empresas pela Lei 8.212/91.

Todavia, o novo regime inaugurado pela Lei 8.870/94 confrontava com a

Constituição Federal, que à época da edição desse dispositivo contava com sua redação

original, prevendo, portanto, apenas os seguintes critérios materiais:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a

sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante

recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições

sociais:

I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o

faturamento e o lucro;

II - dos trabalhadores;

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A falta de autorização constitucional culminou com a declaração da

inconstitucionalidade da lei através de controle difuso (em abstrato), com o ajuizamento

da Adin 1.103-1218 pela Confederação Nacional das Indústrias.

De acordo com o aresto do julgado, concluiu o STF que:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

CONTRIBUIÇÃO DEVIDA À SEGURIDADE SOCIAL POR

EMPREGADOR, PESSOA JURÍDICA, QUE SE DEDICA À

PRODUÇÃO AGRO-INDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI

Nº 8.870, DE 15.04.94, QUE ALTEROU O ART. 22 DA LEI Nº

8.212, DE 24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO

QUANTO À PARTE AGRÍCOLA DA EMPRESA, TENDO

POR BASE-DE-CÁLCULO O VALOR ESTIMADO DA

PRODUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO O SEU

PREÇO DE MERCADO. DUPLA

INCONSTITUCIONALIDADE (CF, art. 195, I E SEU § 4º)

PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA.

...

2. Mérito. O art. 195, I, da Constituição prevê a cobrança de

contribuição social dos empregadores, incidentes sobre a folha de

salários, o faturamento e o lucro; desta forma, quando o § 2º do

art. 25 da Lei nº 8.870/94 cria contribuição social sobre o valor

estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço

de mercado, é ele inconstitucional porque usa uma base-de-

cálculo não prevista na Lei Maior.

3. O § 4º do art. 195 da Constituição prevê que a lei

complementar pode instituir outras fontes de receita para a

seguridade social; desta forma, quando a Lei nº 8.870/94 serve-se

de outras fontes, criando contribuição nova, além das

218 Plenário: 11.03.96

182

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expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei

ordinária, insuscetível de veicular tal matéria.

4. Ação direta julgada procedente, por maioria, para declarar a

inconstitucionalidade do § 2º da Lei nº 8.870/94.

Conforme se denota, havia vício formal na criação de contribuição a ser

paga pelas agroindústrias, pela desobediência ao § 4o do artigo 195 da Carta Magna que

exige que novas contribuições sociais com bases-de-cálculo distintas das previstas

constitucionalmente sejam criadas através de lei complementar.

Deveras, os princípios da eqüidade na forma de participação do custeio e

da diversidade da base de financiamento sugerem que novas contribuições sociais

possam ser criadas para custear o sistema, de forma a adequar determinado setor da

economia no panorama da seguridade social. Não obstante, para que seja criada base

diversa daquelas previstas no artigo 195 da CF, deverá o legislador fazê-lo por Lei

Complementar.

A decisão, todavia, não foi unânime. Com efeito, para o Ministro Néri da

Silveira, “o conceito de receita bruta se ajusta perfeitamente ao conceito de faturamento,

que para efeitos fiscais é entendido como produto de todas as rendas”.

Como amparo à sua tese, o Ministro utilizou-se de voto proferido pelo

Ministro Moreira Alves em situação análoga, aduzindo que “considera-se faturamento a

receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e serviços de

qualquer natureza”. Sustentou, ainda, a necessidade de tratamento igualitário na

tributação da produção agrícola das agroindústrias com aquele conferido aos demais

produtores rurais, sob pena de infringência à isonomia, o que teria sido conferido pelo §

2o do artigo em comento.

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Entretanto, acertadamente prevaleceu o voto do Ministro Marco Aurélio,

que asseverou que o § 2o do artigo 25 da Lei em comento capciosamente reporta-se ao

caput, desviando a atenção para a base-de-cálculo a ser adotada na contribuição devida

pelas agroindústrias, que corresponderia, não à receita bruta proveniente da

comercialização, mas sim ao “valor estimado da produção”. Esta base, segundo o

Ministro, não estaria dentre aquelas previstas constitucionalmente, maculando este

dispositivo por vício formal, em desatenção ao art. 195, § 4o, da Constituição Federal.

De fato, a contribuição do produtor rural pessoa jurídica, prevista no

caput do artigo em comento, tem como critério material “auferir receita bruta

proveniente da comercialização da produção”, conceito que pode ser enquadrado no de

faturamento, disposto na redação original do artigo 195 da Constituição Federal.

Entretanto, o § 2o do dispositivo cria nova base-de-cálculo quando estabelece como

critério material a estimativa da produção, segundo o preço de mercado, que poderá

nunca corresponder à receita efetivamente auferida pelo produtor.

4.1.4.1. Efeitos da Ação Direta de Inconstitucionalidade

A ação direita de inconstitucionalidade (Adin) tem como mote a retirada

do ordenamento jurídico de lei ou ato normativo incompatível com a ordem

constitucional, constituindo, pois, finalidade de legislador negativo ao Supremo Tribunal

Federal219.

A natureza declaratória da ação e o fato de que o ato normativo atacado

confrontava com a ordem constitucional desde seu nascimento impõe, via de regra,

219 MORAES, Direito Constitucional, 20ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 701.

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efeito ex tunc à Adin. Assim, a declaração de inconstitucionalidade tem efeito retroativo,

atingindo o ato desde o seu nascimento e anulando todos os efeitos jurídicos por ele

produzidos220.

Em caráter de exceção, a Lei 9.868/99, em seu artigo 27, autoriza, tendo

em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, que o Supremo

Tribunal Federal por maioria de dois terços de seus membros restrinja os efeitos da

declaração ou decida que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de

outro momento que venha a ser fixado.

No caso sob análise, verificou-se que para determinadas empresas a base-

de-cálculo prevista no artigo declarado inconstitucional era mais favorável do que o

recolhimento com base nas remunerações pagas ou creditadas (art. 22), gerando

arrecadação a menor e dando ensejo a diversas autuações por parte do INSS, que

procurou responsabilizar as empresas pelo recolhimento da diferença.

Esses contribuintes foram duplamente prejudicados: inicialmente, por

confiarem na constitucionalidade da Lei 8.870/94, viram-se sujeitos a autuações do

INSS. Todavia, o problema maior deu-se quanto à impossibilidade de repassar seus

custos ao adquirente, tendo, portanto que absorver o prejuízo.

Nota-se, portanto, o interesse social e razões de segurança jurídica que

autorizariam o Supremo Tribunal Federal a conceder efeitos ex nunc à declaração de

inconstitucionalidade do artigo em debate, o que, entretanto, não se verificou no

presente caso.

220 NERY, Nelson Junior, ob. cit., p. 1609.

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Na tentativa de corrigir o descompasso, houve decisões inibindo efeito

retroativo à decisão do STF, em atenção ao princípio da segurança jurídica, previsto no

artigo 1o da Constituição Federal221.

O clamor pela alteração dos efeitos da decisão do plenário do STF na

Adin 1.103-1 restou positivado, com concessão de remissão dos débitos relativos aos

recolhimentos efetivados com base na Lei 8.870/94, nos termos da Lei 10.736/03, que

em seu artigo 1o determinou:

Art. 1o Ficam extintos os créditos previdenciários, constituídos ou

não, inscritos ou não em dívidas ativas, ajuizados ou não, com

exigibilidade suspensa ou não, contra as pessoas jurídicas que se

dediquem à produção agroindustrial em decorrência da diferença

entre a contribuição instituída pelo § 2o do art. 25 da Lei no 8.870,

de 15 de abril de 1994, declarada inconstitucional pelo Supremo

Tribunal Federal, e a contribuição a que se refere o art. 22 da Lei

no 8.212, de 24 de julho de 1991, em razão dos fatos geradores

ocorridos entre a data de publicação daquela Lei e a da declaração

de sua inconstitucionalidade.

§ 1o (VETADO)

§ 2o A extinção, total ou parcial, de processos de execução,

embargos à execução fiscal ou anulatórias de ato declaratório de

dívida, em decorrência da aplicação do disposto neste artigo, não

implicará a qualquer das partes condenação em honorários, custas

e quaisquer outros ônus de sucumbência, e acarretará a

desistência de eventual recurso que tenha por razão a divergência

de valor ou quanto a exigibilidade daquela diferença.

§ 3o Será revisto, a pedido da pessoa jurídica interessada, o

parcelamento de débito em vigor, inclusive os objeto de Refis,

221 TRF4, AC 2002.04.01.043991-0/SC, Vilson Darós, 2ª. Turma, Maioria, 03.12.02.

186

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cujo acordo celebrado contenha crédito resultante daquela

diferença, para dele ser excluído o valor do saldo remanescente

extinto por esta Lei.

4.2. Produtor Rural Pessoa Jurídica

Com regime semelhante àquele previsto às agroindústrias temos o

produtor rural pessoa jurídica, cujo regramento está contido no artigo 25 da Lei

8.870/91, da seguinte forma:

Art. 25. A contribuição devida à seguridade social pelo

empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, em

substituição à prevista nos incisos I e II do art. 22 da Lei no 8.212,

de 24 de julho de 1991, passa a ser a seguinte: (Redação dada

pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)

I - dois e meio por cento da receita bruta proveniente da

comercialização de sua produção;

II - um décimo por cento da receita bruta proveniente da

comercialização de sua produção, para o financiamento da

complementação das prestações por acidente de trabalho.

§ 1o O disposto no inciso I do art. 3o da Lei no 8.315, de 23 de

dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este

artigo, que contribuirá com o adicional de zero vírgula vinte e

cinco por cento da receita bruta proveniente da venda de

mercadorias de produção própria, destinado ao Serviço Nacional

de Aprendizagem Rural (SENAR). (Redação dada pela Lei nº

10.256, de 9.7.2001)

§ 3º Para os efeitos deste artigo, será observado o disposto nos §§

3º e 4º do art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, com a

redação dada pela Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992.

187

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§ 4o Revogado pela lei 9.528/07

§ 5o O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à

prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições

previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22 da

Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 10.256,

de 9.7.2001)

Difere-se, todavia, das agroindústrias por dedicarem-se, exclusivamente, à

produção rural, sem a realização de procedimentos de industrialização.

Frise-se que, conforme exaustivamente debatido no tópico dedicado às

agroindústrias, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade apenas do

§ 2o do artigo 25 da Lei 8.870/91, de sorte que as determinações referentes aos

produtores rurais pessoa jurídica que não se dedicam a processo de industrialização

continuaram sendo regidas pelo referido dispositivo.

De acordo com o que dispõe o § 3o do comando legal em debate serão

aplicados os preceitos dos § § 3o e 4o do artigo 25 da Lei 8.212/91, que tratam da

caracterização do critério material das exações devidas pelo produtor rural pessoa física.

Estes dispositivos são responsáveis pela exclusão do conceito de

industrialização os procedimentos de industrialização rudimentar tais como “os

processos de lavagem, limpeza, descaroçamento, pilagem, descascamento, lenhamento,

pasteurização, resfriamento, secagem, fermentação, embalagem, cristalização, fundição,

carvoejamento, cozimento, destilação, moagem, torrefação, bem como os subprodutos e

os resíduos obtidos através desses processos”.

O rol não e taxativo comportando regulamentação por decreto para

abranger outras atividades além das descritas na Lei 8.212/91.

188

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Levando o legislador em conta que o fato a ser constatado para que nasça

a obrigação de contribuir para a previdência social é a produção rural voltada para

comercialização, cuidou de expressamente excluir a incidência do dispositivo para os

casos em que a produção não vise a fins comerciais. Nesse sentido:

§ 4º Não integra a base-de-cálculo dessa contribuição a produção rural

destinada ao plantio ou reflorestamento, nem sobre o produto animal

destinado a reprodução ou criação pecuária ou granjeira e a utilização

como cobaias para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo

próprio produtor e quem a utilize diretamente com essas finalidades, e no

caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade que, registrada no

Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, se

dedique ao comércio de sementes e mudas no País. (Incluído pela Lei nº

8.540, de 22.12.1992)

O dispositivo é meramente explicativo, tendo em vista que os contornos

do tipo foram integralmente desenhados, restando explicitado que a base-de-cálculo será

a receita proveniente da comercialização da produção. Assim, toda forma de produção

rural que não vise ao comércio restou excluída do tipo legal.

As contribuições devidas ao SENAR obedecem ao mesmo regramento

previsto para as agroindústrias, conforme comentários tecidos no tópico a elas dedicado.

Em linhas gerais, os produtores rurais foram desobrigados da contribuição de 2,5%

incidentes sobre a folha-de-pagamento devidas a este órgão, de acordo com a previsão

do artigo 3o, I, da Lei 8.315/91, passando a contribuir na forma do § 1o da Lei 8.870/94,

com 0,25% da receita obtida com a comercialização da produção.

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Tecidas essas considerações, podemos esquematizar a norma de

incidência tributária referente às contribuições do produtor rural pessoal jurídica da

seguinte forma:

Hipótese Critério Material Critério Espacial Critério Temporal

Comercialização da produção rural. Território Nacional

Mensal. Último dia de cada mês, devendo a contribuição ser paga até o dia 10 do mês seguinte ao de sua competência.

Conseqüente

Critério Quantitativo Critério Pessoal

a) base-de-cálculo: o total da receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. a) sujeito ativo: Receita Federal do Brasil

b) alíquotas: 2,5%, destinados à Seguridade Social; 0,1%, em substituição ao SAT, e 0,25% destinados ao SENAR

b) Sujeito passivo: pessoas jurídicas que tenham como finalidade exclusiva a atividade de produção rural.

4.3. Cooperativas

4.3.1. Noções Preliminares

O cooperativismo moderno nasceu em 1844 com os Pioneiros de

Rochdale, na Inglaterra, sendo, porém, precedidos de outros movimentos, como os

chamados Socialistas Utópicos, representados por Robert Owen, Fourrier e Saint-Simon.

O seu surgimento nos moldes atuais deu-se pela necessidade de o homem unir-se para

solucionar alguns dos seus problemas comuns222.

As cooperativas podem ser definidas como sociedades de pessoas, de

cunho econômico, sem fins lucrativos, criadas para prestar serviços aos sócios de acordo

com princípios jurídicos próprios e mantendo seus traços distintos intactos. Assim,

quando se fala em cooperação, tem-se em mente a união de pessoas com desejos 222 BECHO, Renato Lopes, Tributação das Cooperativas, 2ª. Edição. São Paulo: Dialética, 1999, p. 75.

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semelhantes, buscando aliviar uma tarefa ou a consecução de uma meta mais

facilmente223.

No direito pátrio, atualmente as sociedades cooperativas têm suas

estruturas estabelecidas pela Lei 5.764/71, que em seu artigo 3o dispõe:

Art. 3º. Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas

que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços

para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum

sem objetivo de lucro.

O artigo retro-citado evidencia a natureza civil das cooperativas que são

instituídas por contrato, conforme explicitado no artigo 4o da mesma Lei. Ademais, são

formadas por pessoas em caráter de mútua assistência e não por capitais ou interesses

mercantis, o que evidencia sua natureza civil.

A reciprocidade das obrigações estabelecidas pelos membros da

cooperativa implica no exercício de atividade econômica que reverta os insumos aos

seus membros. A solidariedade é, pois, a tônica que reveste a sociedade cooperativa.

Essa forma de associação constitui, portanto, uma espécie de trabalho organizado,

através do qual seus membros ajudam-se no enfrentamento dos obstáculos inerentes ao

mercado de trabalho e da livre concorrência.

O cooperativismo, como reunião de esforços e recursos do grupo que quer

a melhoria de sua condição social, se opõe ao individualismo, estigma cruel que o estilo

de vida competitivo de certo modelo econômico quer impor aos trabalhadores224.

223 BECHO, Renato Lopes, ob. cit., pp. 80, 81. 224 BALERA, Wagner. Contribuições Previdenciárias Incidentes sobre Atividades das Cooperativas. In Problemas Atuais do Direito Cooperativo, Coordenador Renato Lopes Becho São Paulo: Dialética, 2002, p.294

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Decorre da lei que as cooperativas têm como objetivo o desenvolvimento

de uma atividade econômica. Assim, os associados/cooperados se obrigam a contribuir

com bens e serviços para atingir esse objetivo.

É essencial a existência de proveito comum, devendo as atividades da

cooperativa atingir o interesse global dos sócios225.

As cooperativas constituem, portanto, forma de proteção ao trabalho

apontado pelo constituinte no sumário dos direitos sociais, conforme rol do artigo 6o. É,

ademais, por meio do primado do trabalho que será construída a ordem social, conforme

prescreve o artigo 193 da CF. O trabalho constitui “algo real, concreto, dotado de

existência ativa, é colocado como valor por meio do qual a Justiça será encarnada na

vida social226”.

Nesse contexto, as cooperativas desempenham uma função social: a

melhoria da condição de vida é a razão de ser dessa forma união cooperativa de trabalho.

Destarte, esse modelo de associação foi garantido como um direito fundamental, não

dependendo de autorização, conforme dispõe o art. 5o, XVIII, da Constituição Federal.

Além da previsão genérica constante do mencionado artigo, diversas são

as disposições encontradas ao longo do texto constitucional, dentre as quais, de maior

relevo para o presente estudo, podem ser destacadas:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

...

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,

especialmente sobre: 225 FERREIRA LIMA, Reginaldo. Direito Cooperativo Tributário. Comentários à Lei das Sociedades Cooperativas (Lei n.5.764/71). Max Limonad. São Paulo, 1997.p. 78. 226 BALEREA, Wagner, Noções Preliminares de Direito Previdenciário, ob. cit., p. 15.

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...

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado

pelas sociedades cooperativas.

Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma

da lei, com a participação efetiva do setor de produção,

envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos

setores de comercialização, de armazenamento e de transportes,

levando em conta, especialmente:

...

VI - o cooperativismo;

Devida à sua finalidade altruística foi que normativamente compeliu-se a

inibir o lucro como objetivo dos serviços prestados pela cooperativa. Sublinhe-se que

esta disponibiliza um serviço aos seus associados, devendo, ainda, prestar-lhes

assistência, conforme dispõe o artigo 4o, caput e VIII, da Lei 5.764/71.

Como se vê, o laço obrigacional formado entre a cooperativa e seus

associados configura negócio jurídico bilateral, através do qual aquela prestará serviços

aos cooperados, que serão, portanto, tomadores do serviço.

Há várias espécies de cooperativas: de crédito, de consumo, entre outras.

Todavia, para o presente estudo, merecem destaque as cooperativas de trabalho, que

podem ser conceituadas como “organizações formadas por pessoas físicas, trabalhadores

autônomos ou eventuais, de uma ou mais classes de profissão, reunidos para o exercício

profissional em comum, com a finalidade de melhorar a condição econômica e as

condições gerais de trabalho de seus associados, em regime de autogestão democrática e

de livre adesão, os quais, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário,

193

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propõem-se a contratar a execução de obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos ou

particulares, coletivamente por todos ou por grupos de alguns227”.

As cooperativas de trabalho podem, ainda, ser subdividas em quatro

grupos: a) as de produção ou de serviço, cuja característica principal é a posse pelos

associados dos meios de produção; b) as de mão-de-obra, que se encarregam de

disponibilizar mão-de-obra para empresas; c) as organizações comunitárias de

produção, que se caracterizam pela organização das pessoas em comunidades ou vilas,

verificadas geralmente no setor agrário, como os Kibutz, em Israel e d) cooperativas de

trabalho mistas, que são aquelas que apresentam mais de um objeto de atividade (artigo

10, § 2o, da Lei 5.764/71228.

4.3.2. Contribuições da Empresa e as Cooperativas

As contribuições a cargo da empresa vêm elencadas no artigo 22 da Lei

8.212/91 e quanto aos que lhe prestem serviços, via de regra, possuem base-de-cálculo

equivalente às remunerações pagas, devidas ou creditadas e alíquota de 20%.

O mesmo se dá com autônomos que prestem serviços a empresas,

conforme dispõe o inciso III, da Lei de Custeio:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à

Seguridade social, além do disposto no art. 23, é de:

...

227 MAUD, Marcelo José Ladeira, As Cooperativas de Trabalho e sua Relação com o Direito do Trabalho. In Problemas Atuais do Direito Cooperativo, Coordenador Renato Lopes Becho São Paulo: Dialética, 2002, p. 179. 228 MAUD, Marcelo José Ladeira, ob. cit., pp. 180/181.

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III. Vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou

creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados

contribuintes individuais que lhe prestem serviços;

Embora o cooperado seja considerado pela legislação pertinente como

contribuinte individual, o legislador entendeu por bem conferir regime diferenciado para

as empresas que com eles contrate, nos seguintes termos:

IV. quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura

de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são

prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de

trabalho.

Houve, portanto, redução da alíquota para 15%, o que se justificaria para

estimular que as empresas contratassem por intermédio de cooperativas, em atenção à

valorização do trabalho que este tipo de associação promove. A medida possui

fundamento constitucional, consoante artigos 170 e, mais especificamente, 174, ambos

insertos no título VII, que disciplina a Ordem Econômica e Financeira, dispondo:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social,

observados os seguintes princípios:

...

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

...

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade

econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de

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fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante

para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do

desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e

compatibilizará os planos nacionais e regionais de

desenvolvimento.

§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas

de associativismo.

...

Sublinhe-se que a base-de-cálculo, ainda que fixada em lei, demandava

regulamentação. O comando normativo que estabelece a contribuição quando da

contração de serviços prestados por cooperados, igualmente difere da regra geral,

constando, não a remuneração paga ou creditada a qualquer título, conforme disposição

vigente para as empresas que contratem contribuintes individuais, mais sim, “o valor

bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços”.

A possibilidade de regulamentação da base pelo decreto decorre do fato

de que o legislador especificou tratar-se do valor relativo à “prestação de serviço”,

conforme se verifica da leitura do artigo em debate.

Desta forma, outras despesas, como com materiais e demais custos com a

realização do trabalho que viessem a integrar a nota ou fatura de prestação do serviço

sofreriam incidência da contribuição onerando empresas que contratassem por

intermédio de cooperativas.

A repulsa de interpretações no sentido de que outras despesas que não as

referentes ao serviço prestado pudessem integrar a base-de-cálculo deu-se em virtude de

Instruções Normativas, que previram a possibilidade de dedução da base da contribuição

196

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das despesas com materiais, desde que haja previsão contratual e os valores venham

discriminados na nota ou fatura.

Nesse sentido dispõe o art. 289 da IN MPS/SRP n. 3:

Art. 289. Na prestação de serviços de cooperados por intermédio

de cooperativa de trabalho, havendo previsão contratual de

fornecimento de material ou a utilização de equipamento próprio

ou de terceiros, exceto os equipamentos manuais, esses valores

serão deduzidos da base-de-cálculo da contribuição, desde que

discriminados na nota fiscal, na fatura ou no recibo de prestação

de serviços e comprovado o custo de aquisição dos materiais e de

locação de equipamentos de terceiros, se for o caso, observado o

disposto no § 2º do art. 149 e no art. 152.

Portanto, o regime legal estabelece que as empresas que utilizem

contribuintes individuais por intermédio de cooperativas contribuirão com a alíquota de

quinze por cento, incidente sobre o valor bruto da nota ou fatura de prestação de

serviços, descontando-se despesas com o fornecimento de material, desde que

obedecidas às formalidades previstas no artigo supracitado.

4.3.3. Contribuições Sociais e as Cooperativas

4.3.3.1. Lei Complementar 84/96

Com o advento da Lei Complementar 84 de 18 de janeiro de 1986,

instituiu-se contribuição social para a manutenção da seguridade social a cargo das

cooperativas de trabalho, no valor de quinze por cento do total das importâncias pagas,

distribuídas ou creditadas a seus cooperados, a título de remuneração ou retribuição

pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas por intermédio delas.

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A hipótese de incidência, portanto, constituía-se no crédito ou pagamento

de valores percebidos pelas cooperativas de trabalho, em ralação aos serviços que os

cooperados prestassem para as pessoas jurídicas, por intermédio das cooperativas.

Questionou-se quanto à validade da referida Lei no tocante ao adequado

tratamento tributário do ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas,

previsto no art. 146, III, c, da Constituição Federal. Entretanto, em que pese a

inadequação lógica da contribuição a cargo da figura em comento, formalmente a Lei

Complementar não padecia de qualquer vício.

Com efeito, cuidou o constituinte de estabelecer os tipos tributários sobre

as quais recairiam as fontes de financiamento da seguridade social, conforme previsão

dos incisos do caput do artigo 195, não abarcando, na sua redação original, as

cooperativas como sujeitos da relação de custeio.

Contudo, conferiu-se competência legislativa para a criação de outras

fontes destinadas à manutenção e expansão do sistema, desde que instituídas mediante

lei complementar, conforme dispõe o artigo 195, § 4o, da Constituição Federal.

Foi, portanto, com fulcro neste permissivo que o legislador

infraconstitucional criou as contribuições a cargo das cooperativas através de lei

complementar.

Relevou-se, ainda, a inconstitucionalidade da referida Lei por ofensa aos

princípios da liberdade de associação e da livre concorrência. As Cortes Superiores,

entretanto, afastaram tais argumentos declarando a constitucionalidade da norma que

vigeu até 26 de novembro de 1999, quando foi expressamente revogada.

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Com o advento da Emenda Constitucional n. 20 de dezembro de 1998, o

constituinte alterou a redação do art. 195 da Carta Magna para fazer constar como

hipótese de incidência de contribuições previdenciárias os rendimentos do trabalho

pagos ou creditados, a qualquer título, pela empresa ou entidade a ela equiparada à

pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

Note-se, pois, que a novel dicção do artigo em comento restou

incompatível com a contribuição devida pelas cooperativas, instituída por lei

complementar, sob a fundamentação do permissivo constitucional previsto no art. 195, §

4o.

De fato, estendeu-se o tipo tributário constitucionalmente previsto, para

abranger não somente as empresas, mas também entidades a elas equiparadas na forma

da lei. As contribuições passaram, ainda, a incidir sobre rendimentos creditados aos

trabalhadores, ainda que estes não possuam vínculos empregatícios.

O convívio da lei complementar com a nova redação do artigo 195 passou

a ser incompatível, haja vista que as hipóteses previstas constitucionalmente não mais

ficaram restritas às relações de emprego, podendo as contribuições relativas às

cooperativas ser regulamentadas por lei ordinária.

A incompatibilidade mostra-se evidente, pois, instituída através de lei

complementar, deveria obedecer ao disposto no art. 154, I, da CF e, portanto, ter base-

de-cálculo diversa dos discriminados constitucionalmente229.

A doutrina aponta ainda que “o defeito de fabricação da Lei

Complementar n. 84 consistiu em fazer recair a contribuição sobre o intermediário, 229 ROSE, Marco Túlio, Cooperativas Urbanas e Contribuições Previdenciárias. In Problemas Atuais do Direito Cooperativo, Coordenador Renato Lopes Becho São Paulo: Dialética, 2002, p. 202.

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daquele ente que buscava no mercado outras oportunidades de atividade para o

trabalhador congregado em cooperativa230”.

O inadequado tratamento tributário conferido pela LC 84/96 consistiu em

responsabilizar alguém que não faz parte do quadro dos encarregados pelo

financiamento da seguridade social.

Ademais, “a união dos trabalhadores em cooperativa não modifica o risco

social que justifica a cobrança de contribuição social devida pela empresa231”.

4.3.3.2. Lei 9.876/99

Em novembro de 1999 a LC 84/96 foi finalmente revogada pela Lei

9.876/99, que instituiu um novo regime de contribuições relativas aos cooperados e às

empresas que contratem com cooperativas.

Com a revogação da Lei Complementar 84/96 foi retirada do

ordenamento a contribuição de quinze por cento sobre os valores creditados pela

cooperativa em favor dos cooperados, conforme dispunha seu artigo 1o, I.

Entretanto, a Lei 9.876/99 acrescentou os parágrafos únicos aos artigos 15

e 14 das Leis 8.212/91 e 8.213/91, respectivamente, equiparando as cooperativas às

empresas, nos seguintes termos232:

Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei,

o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta

230 BALERA, Wagner. Problemas Atuais do Direito Cooperativo, op. cit., p. 297 231 BALERA, Wagner. ob. cit., p. 297. 232 A alteração foi possível em virtude da aprovação da Emenda Constitucional n. 20/98, que alterou o artigo 195 da Constituição Federal para constar, em seu inciso I para instituir contribuições “I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei” – grifa-se.

200

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serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de

qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a

repartição consular de carreira estrangeiras.

No mesmo sentido reza a Instrução Normativa MPS/SRP n. 3 de 14 de

julho de 2005 que:

Art. 288. As cooperativas de trabalho e de produção são

equiparadas às empresas em geral, ficando sujeitas ao

cumprimento das obrigações acessórias previstas no art. 60 e às

obrigações principais previstas nos arts. 86 e 92, todos desta IN

(...)

Verifica-se, pois, que as cooperativas contribuem na forma prevista para

as empresas, conforme dispõe o artigo 22 da Lei 8.212/91, pagando contribuições

sociais de vinte por cento sobre a remuneração de contribuintes individuais que lhe

prestem serviços, ou da remuneração paga a trabalhadores que eventualmente venha a

contratar.

Passaram, ainda, não obstante a revogação da contribuição devida pela

cooperativa nos termos do art. 1o, I, da LC 84/96, a ser responsáveis pelas obrigações

prestadas pela empresa, mormente no tocante a retenção das contribuições incidentes

sobre os valores creditados aos seus cooperados.

Sublinhe-se que os cooperados são considerados contribuintes individuais,

conforme dispõe o artigo 12, V, g, da Lei 8.212/91 e o inciso IV do art. 9o, § 15, do

Regulamento da Previdência Social. Assim, deverão contribuir com vinte por cento do

salário-de-contribuição, nos termos do artigo 21 da referida Lei.

201

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As cooperativas seguiram o mesmo tratamento aplicável às empresas,

figurando como substitutos tributários, com o dever de reter a contribuição devida pelos

seus cooperados, quando lhes repassar a remuneração que lhes cabe pelo serviço

prestado.

É o que se depreende pela interpretação sistemática dos artigos 15,

parágrafo único, e 30, ambos da Lei 8.212/91. Com efeito, reza este último artigo que:

Art. 30

....

I. a empresa é obrigada a:

a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e

trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva

remuneração;

b) recolher o produto arrecadado na forma da alínea anterior,

a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22, assim como

as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações

pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados

empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes

individuais a seu serviço, até o dia dois do mês seguinte ao da

competência; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) –

grifa-se.

A fim de explicitar o tratamento que já vinha sendo conferido desde 1999,

através da Lei 10.666/03 o legislador fez constar expressamente a necessidade de

retenção das contribuições devidas pelos cooperados, a ser feita pelas cooperativas, nos

seguintes termos:

Art. 4o Fica a empresa obrigada a arrecadar a contribuição do

segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da

202

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respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado

juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia dois do mês

seguinte ao da competência.

§ 1o As cooperativas de trabalho arrecadarão a contribuição

social dos seus associados como contribuinte individual e

recolherão o valor arrecadado até o dia quinze do mês

seguinte ao de competência a que se referir – grifa-se.

Todavia, é de ressaltar-se que a retenção não será no percentual integral

da contribuição devida pelos segurados individuais, de vinte por cento, conforme

poderia se interpretar de uma primeira leitura dos artigos em debate.

De fato, § 4o do artigo 30 prevê seja feita dedução da contribuição a ser

paga pelo contribuinte individual no valor de 45% da contribuição devida pela empresa,

limitada a 9% por cento do seu salário-de-contribuição; na seguinte redação:

§ 4o Na hipótese de o contribuinte individual prestar serviço a

uma ou mais empresas, poderá deduzir, da sua contribuição

mensal, quarenta e cinco por cento da contribuição da empresa,

efetivamente recolhida ou declarada, incidente sobre a

remuneração que esta lhe tenha pago ou creditado, limitada a

dedução a nove por cento do respectivo salário-de-contribuição.

O legislador ordinário cuidou de explicitamente estender essa prerrogativa

ao cooperado, quando da edição da Lei 9.876/99, acrescentando o § 5o ao artigo 30, que

dispõe:

§ 5o Aplica-se o disposto no § 4o ao cooperado que prestar serviço

à empresa por intermédio de cooperativa de trabalho.

Assim, destacou-se que inclusive nos casos dos cooperados deve ser feita

a dedução de parte de sua contribuição, não obstante já haver disposição equiparando

203

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cooperativas às empresas. A repetição do comando no tocante à regra específica da

permissão concedida pelo artigo 30, § 4o foi bem vinda. Inibiu-se, dessa forma,

interpretação restritiva que poderia ser feita do artigo 15, parágrafo único, tolhendo do

cooperado a possibilidade de reduzir o valor de sua contribuição da forma que ocorreria

com os demais contribuintes em situação semelhante, que prestassem serviços à

empresa.

O comando visa, pois, à aplicação do princípio da isonomia, de sorte que

contribuintes que se sujeitam ao mesmo grau de risco e se encontram em situações

iguais possuam o mesmo tratamento tributário.

Foi, ademais, o princípio da isonomia que inspirou o legislador a prever a

dedução prevista no § 4o do artigo em comento, equiparando os contribuintes individuais

que prestem serviços a empresas aos segurados empregados. Desta forma, através da

aplicação deste dispositivo a alíquota contida no artigo 21, de vinte por cento, passa a

ser de onze por cento.

Note-se que a dedução foi limitada a nove por cento do salário-de-

contribuição que serviu de base para apuração do valor da contribuição do segurado

individual. A medida contribui para a coerência dos valores das contribuições das várias

categorias de segurados, impedindo que o segurado individual que preste serviço a

empresas contribua com alíquota inferior à do empregado.

Lembre-se que a contribuição da empresa, que servirá de base para

aplicação da alíquota referente à dedução (45%), não está sujeita aos limites do salário-

de-contribuição. De tal sorte, caso não fosse prevista a limitação, nas hipóteses em que o

serviço prestado superasse o teto previsto no art. 28, § 5o, da Lei 8.212/91, haveria

204

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redução da contribuição para aquém de onze por cento, passando, acima de determinado

valor, a constituir crédito em favor do contribuinte, situação incompatível com a

sistemática do custeio da previdência social.

Com a limitação prevista na parte final do dispositivo, a dedução está,

portanto, engessada no percentual de nove por cento do salário-de-contribuição. Esta

fração decorre, ademais, do resultado da incidência do percentual da dedução de

quarenta e cinco por cento ao da contribuição da empresa, no montante de vinte por

cento.

Conforme anteriormente asseverado, o § 5o do artigo 30 com redação

dada pela Lei 9.876/99 estendeu a dedução ao cooperado, que, em última análise, é

configurado como segurado individual. Destarte, incongruente seria tratá-lo de maneira

diversa, simplesmente por estar vinculado a uma cooperativa.

Dessa forma, conclui-se que, na mesma esteira do tratamento conferido às

empresas, deverá a cooperativa reter o percentual de onze por cento dos valores

creditados ao cooperado, que poderá deduzir da sua contribuição o percentual de nove

por cento233.

Nesse sentido explicitou o Regulamento da Previdência Social, que em

seu artigo 216, § 31, determina:

Art. 216

...

233 Não obstante esse seja o tratamento prático dado a questão conforme dispõe o Decreto 3.048/99, na dicção da lei poderia o cooperado que prestar serviços a empresa deduzir 45% de 15% incidentes sobre o valor bruto da nota de prestação de serviços, podendo, por vezes, resultar em desconto inferior a 9% de sua contribuição, o que afrontaria o princípio da igualdade.

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§ 31º. A cooperativa de trabalho é obrigada a descontar onze por

cento do valor da cota distribuída ao cooperado por serviços por

ele prestados, por seu intermédio, a empresas e 20% em relação

aos serviços prestados a pessoas físicas e recolher o produto dessa

arrecadação no dia quinze do mês seguinte ao da competência a

que se referir, prorrogando-se o vencimento para ao dia útil

subseqüente quando não houver expediente bancário no dia

quinze.

4.3.4. Cessão de mão-de-obra

Não obstante a equiparação da cooperativa às empresas para as

finalidades das leis 8.212/91 e 8.213/91, a situação vem sendo tratada de forma

dissonante por ordens de serviços expedidas pelo INSS, que enquadra os cooperados que

prestam serviços como cessão-de-mão de obra.

Nesse sentido dispõe os itens 2 e 2.1 da Ordem de Serviço n. 203/99:

2. Entende-se por CESSÃO DE MÃO-DE-OBRA, a colocação à

disposição do contratante, em suas dependências ou nas de

terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos

relacionados ou não com a atividade-fim da empresa contratante,

quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.

2.1. Ocorre a colocação nas dependências de terceiros quando a

empresa cedente, inclusive a empresa de trabalho temporário e a

cooperativa de trabalho, aloca pessoal em dependências

determinadas pela empresa contratante – grifa-se.

O conceito de cessão-de-mão de obra na dicção apresentada pela Ordem

de Serviço em seu item 2, nada mais é do que simples reprodução do artigo 31, § 3o, da

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Lei 8.212/91. Ainda que desnecessária a repetição do comando legal pela OS, não

houve, por óbvio, confronto entre os dois conceitos.

Entretanto, o item 2.1 ultrapassa os limites de atuação do Poder Executivo

alterando a sistemática criada pelo legislador ordinário em afronta ao princípio da

legalidade e ao princípio da tripartição dos poderes.

Deveras, conforme exaustivamente asseverado, as cooperativas foram

equiparadas, para os fins da lei de custeio, às empresas, sujeitando-se às mesmas

obrigações acessórias destas, mormente daquelas previstas no artigo 30 da Lei 8.212/91.

Enquadrando os serviços prestados pelos cooperados como cessão de

mão-de-obra, nos termos da Ordem de Serviço em debate, altera-se a responsabilidade

passiva tributária, no tocante às contribuições incidentes sobre a remuneração creditada

aos cooperados.

Com efeito, reza o art. 31 de Lei 8.213/91:

Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante

cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho

temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota

fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância

retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da

respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da

mão-de-obra, observado o disposto no § 5o do art. 33.

Como se vê, caberia, não mais a cooperativa, com fulcro no artigo 30, I, b,

efetuar a retenção da contribuição incidente sobre as remunerações creditadas em favor

dos cooperados, mas sim a empresa contratante.

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A base-de-cálculo é igualmente diferenciada. Com efeito, na primeira

hipótese, prevê o artigo 30 que a incidência será sobre as remunerações pagas, devidas

ou creditadas, ao passo que na cessão de mão-de-obra a incidência será sobre o valor

bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.

Ressalte-se, ainda, que no caso da cessão de mão-de-obra, o legislador

previu compensação a ser feita com a retenção prevista no artigo 31 com as

contribuições destinadas à Seguridade Social incidentes sobre a folha dos segurados a

seu serviço.

Nesse sentido, dispõe o art. 31 § 1o:

§ 1º O valor retido de que trata o caput, que deverá ser destacado

na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, será compensado

pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente da mão-de-

obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à

Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos

segurados a seu serviço.

Este dispositivo restaria praticamente inaplicável às cooperativas que não

possuem relação de emprego com seus cooperados, conforme reza o artigo 442,

parágrafo único, da CLT. Desta forma, com uma folha de pagamento reduzida, adstrita

somente aos eventuais funcionários contratados pela cooperativa, não haveria,

eventualmente, saldo suficiente para efetuar a compensação nos moldes previstos,

indicando que a figura da cessão de mão-de-obra não se aplica ao presente caso.

A colocação de um empregado ou segurado à disposição do contratante

tomador, significa que este definirá todas as condições de execução diretamente com os

empregados do cedente, e não com o próprio contratante cedente, com o qual somente

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definirá questões genéricas. Ademais, o serviço deverá ser prestado de forma contínua,

ficando o pessoal utilizado à disposição exclusiva do tomador, que gerencia a realização

do serviço.

Nesse sentido deu-se a exemplificação das atividades caracterizadas como

de cessão de mão-de-obra, pelos artigos 31, § 4o, da Lei 8.221/91 e 219, § 2o, do Decreto

3.048/99, verificando-se como atributo comum o trabalho manual ou mecânico234.

Destarte, conclui-se que os serviços prestados pelos cooperados, por

intermédio das cooperativas, não se caracterizam como cessão de mão-de-obra, quer

pelo fato de ausência de subordinação à empresa contratante, quer pela inaplicabilidade

da compensação prevista no artigo 31, § 1o.

A classificação dos serviços prestados como cessão de mão-de-obra

feriria, conforme anteriormente aduzido, a sistemática imposta pelo artigo 30 da Lei de

Custeio, bem como pela equiparação das cooperativas às empresas.

4.3.5. Contribuições Devidas pelas Cooperativas de Produção Rural

Conforme asseverado pela Organização das Cooperativas Brasileira do

Estado do Rio de Janeiro, as cooperativas do setor agropecuário são compostas de

produtores rurais ou agropecuários e de pesca, cujos meios de produção pertençam ao

cooperado. É um dos ramos com maior número de cooperativas e cooperados no Brasil.

O leque de atividades econômicas abrangidas por este setor é enorme e

sua participação no PIB em quase todos os países é significativa. Essas cooperativas

geralmente cuidam de toda a cadeia produtiva, desde o preparo da terra até a

234 Nesse sentido: DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. p. 209.

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industrialização e comercialização dos produtos. Por esse motivo, há um Comitê

específico na ACI235, onde o Brasil tem liderança expressiva236.

De fato, a alta representatividade do setor agropecuário em relação aos

demais ramos de atividade exercidos por cooperativas pode ser avaliada conforme o

quadro abaixo237:

Ramo de Atividade Cooperativas Associados Empregados Agropecuário 1.544 879.649 139.608 Consumo 141 2.468.293 8.984 Crédito 1.148 2.851.426 37.266 Educacional 337 62.152 2.913 Especial 12 385 13 Habitacional 381 98.599 1.258 Infra-estrutura 147 627.523 5.867 Mineral 40 17.402 77 Produção 208 11.553 1.427 Saúde 919 245.820 41.464 Trabalho 1.826 335.286 6.682 Transporte 945 88.386 5.363 Turismo e Lazer 24 1.094 39

Totais 7.672 7.687.568 250.961

Tendo em vista a similitude das atividades realizadas pelas cooperativas

de produção rural aos demais produtores rurais, a Lei 10.256/01 lhes conferiu o mesmo

tratamento, conforme disposto no artigo 25A da Lei 8.870/94:

Art. 25A. As contribuições de que tratam os incisos I e II do art.

22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, serão devidas pelos

cooperados, na forma do art. 25 desta Lei, se pessoa jurídica, e do 235 ICA is an independent, non-governmental association which unites, represents and serves co-operatives worldwide. Founded in 1895, ICA has 225 member organisations from 87 countries active in all sectors of the economy. Together these co-operatives represent more than 800 million individuals worldwide (sítio http://www.ica.coop/al-ica/, visitado em 03.02.08) 236 sítio http://www.ocbrj.coop.br/cooperativismo_ramos.htm, visitado em 03.02.08. 237 Fonte: Unidades Estaduais e OCB; Base dez/07; Elaboração: GEMERC/OCB, sítio www.ocb.coop.br, visitado em 03.02.08.

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art. 25 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, se pessoa física,

quando a cooperativa de produção rural contratar pessoal,

exclusivamente, para colheita de produção de seus cooperados.

(Incluído pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)

§ 1o Os encargos decorrentes da contratação de que trata o caput

serão apurados separadamente dos relativos aos empregados

regulares da cooperativa, discriminadamente por cooperados, na

forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)

§ 2o A cooperativa de que trata o caput é diretamente responsável

pelo recolhimento da contribuição previdenciária de que trata o

art. 20 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei

nº 10.256, de 9.7.2001)

§ 3o Não se aplica o disposto no § 9o do art. 25 da Lei no 8.212, de

24 de julho de 1991, à contratação realizada na forma deste

artigo. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)

Em consonância com o disposto no caput, duas serão as possíveis

modalidades de contribuição caso a cooperativa conte com auxílio de pessoal para a

colheita de sua produção: a) caso seja formada por pessoas jurídicas238, deverá contribuir

da mesma forma que o produtor rural pessoa jurídica, nos termos do artigo 25 da Lei

8.870/91; b) caso constituída exclusivamente por pessoas físicas, deverá contribuir na

forma prevista para o produtor rural pessoa física, prevista no artigo 25 da lei 8.212/91.

Sublinhe-se que conforme anteriormente debatido, ainda que não sejam

devidas contribuições das cooperativas no tocante aos atos cooperados, por força do 238 Nos termos do artigo 6o, I, da Lei 5.764/71, as cooperativas serão formadas por no mínimo 20 pessoas físicas, podendo, excepcionalmente, ser integradas por pessoas jurídicas, desde que desenvolvam as mesmas atividades econômicas. Assim, para efeitos da caracterização do artigo 25A da Lei 8.870/94, será considerada cooperativa de produtores rurais, a sociedade organizada por produtores rurais pessoas físicas ou por produtores rurais pessoas físicas e pessoas jurídicas, com o objetivo de comercializar, ou de industrializar, ou de industrializar e comercializar a produção rural dos cooperados (artigo 240, XXI, da IN MPS/SRP n. 3/05)

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parágrafo único do artigo 15 da Lei 8.212/91 são consideradas empresas e, como tais,

incumbidas dos recolhimentos das contribuições previstas no artigo 22, I e II, da mesma

lei.

Conferindo-lhes tratamento isonômico em relação aos demais produtores

rurais, em substituição às contribuições devidas pelas empresas sobre a folha-de-

pagamento, deverão contribuir nos termos acima especificados.

Entretanto, causando espécie, o legislador estipulou que quem será

responsável pelo pagamento da contribuição não será a pessoa contratante, no caso a

cooperativa, mas sim seus cooperados, como substitutos tributários. A cooperativa, por

seu turno, será responsável pelo recolhimento das contribuições devidas pelas pessoas

contratadas previstas no artigo 20 da Lei 8.212/91, de acordo com o disposto no § 2o do

artigo em debate.

A substituição da cooperativa pelos cooperados no recolhimento das

contribuições previstas no caput, não se mostra acertada. O regime contributivo previsto

dá-se em lugar daquele previsto originalmente a encargo das próprias cooperativas,

conforme previsão dos artigos 15 e 22, I e II, ambos da Lei 8.212/91. Ademais, mostra-

se mais fácil a arrecadação e a fiscalização por parte da Receita Federal do Brasil no

caso de a responsabilidade recair sobre a cooperativa, que foi a pessoa contratante.

Frise-se que para que seja possível a substituição das contribuições

previstas no artigo 22, I e II, faz-se, mister, que seja feita a individualização do montante

produzido por cada contratado, a fim de se aferir com precisão a base-de-cálculo da

contribuição, conforme previsto no § 2o do artigo em debate. Entretanto, tendo em vista

212

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dificuldade criada pelo legislador em responsabilizar os cooperados pelo pagamento da

contribuição, a referida individualização deverá ser feita em relação a cada um deles.

Resumidamente, caso uma cooperativa de produção rural formada por

pessoas físicas e pessoas jurídicas contrate funcionários para a realização de sua

colheita, seus cooperados ficaram encarregados pelas seguintes contribuições, todas com

base na receita bruta proveniente da comercialização da produção: a) dois e meio por

cento para a previdência social; b) um décimo por cento para financiamento das

prestações por acidente do trabalho; c) vinte e cinco décimos por cento para

financiamento do SENAR.

Na mesma esteira, caso a cooperativa seja exclusivamente formada por

pessoas físicas e venha a contratar pessoas encarregadas pela sua colheita, contribuirão

seus cooperados, sempre sobre a receita proveniente da comercialização da produção

com: a) dois por cento para a previdência social; b) um décimo por cento para

financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho; c) dois

décimos por cento para o financiamento do SENAR.

Sublinhe-se, que o regime do artigo 25A da Lei 8.870/94, pelo seu caráter

específico, rejeita para as cooperativas de produção rural o pagamento de contribuição

adicional de doze, nove ou seis pontos percentuais, a cargo da cooperativa de produção,

incidente sobre a remuneração paga, devida ou creditada ao cooperado filiado, na

hipótese de exercício de atividade que autorize a concessão de aposentadoria especial

após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente, conforme

previsão do artigo 1o, § 2o, da Lei 10.666/03.

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Cumpre por fim salientar que a Lei 10.736/03 considerou extintos, os

créditos previdenciários, porventura existentes, oriundos da aplicação dos incisos I e II,

do art. 22, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, devidos por cooperativas de

produção rural e relativos, exclusivamente, a trabalhadores cuja contratação, embora

anterior à vigência da Lei nº 10.256, de 9 de julho de 2001, haja ocorrido na forma do

art. 25A, caput, da Lei nº 8.870, de 15 de abril de 1994.

5. Produtor Rural Pessoa Física e Segurado Especial

As contribuições devidas pelo produtor rural pessoa física e pelo segurado

especial foram ambas tratadas no artigo 25 e seguintes da lei 8.212/91, não obstante o

regime conferido a estas duas espécie não seja o mesmo.

Com efeito, o produtor rural pessoal física é equiparado à empresa, por

força do artigo 15 da Lei 8.121/91, que em seu artigo 15, assim dispõe:

Art. 15. Considera-se:

I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco

de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou

não, bem como os órgãos e entidades da administração pública

direta, indireta e fundacional;

...

Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta

Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe

presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou

entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática

e a repartição consular de carreira estrangeiras (Redação dada

pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) – grifa-se.

214

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Há importante distinção a ser feita, portanto, no tocante à natureza das

duas figuras e a forma com que contribuem para a seguridade social.

Ainda que a base-de-cálculo e as alíquotas sejam as mesmas para essas

duas espécies de segurados, o produtor rural pessoa física contribui na forma prevista no

caput e incisos do artigo em debate, em substituição às contribuições devidas pelas

empresas no artigo 22, I e II da Lei 8.212/91. Em contrapartida, o segurado especial

contribui como segurado obrigatório da previdência social, nos termos do artigo 12, VII,

do mesmo diploma legal239.

Sublinhe-se, ademais, que o produtor rural pessoa física é considerado

contribuinte obrigatório da seguridade social, devendo financiar a previdência como

contribuinte individual, nos termos do artigo 12, V, a, da Lei 8.212/91.

Os conceitos das figuras abrangidas pelo artigo ora em debate foram

exaustivamente abordados no ponto 1.2 deste trabalho. Entretanto, cumpre enfatizar que

o tratamento tributário conferido ao segurado especial possui embasamento

constitucional. De fato, o artigo 195, § 8o, prevê a contribuição destinada ao custeio dos

benefícios concedidos aos segurados especiais, cujas alíquotas vêm estipuladas nos

artigos 25 e seguintes da Lei de Custeio.

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o

pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que

exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem

empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social

239 Nesse sentido, Fábio Zambitte Ibrahim, assevera que “aparentemente, o segurado especial e o PRPF contribuem da mesma forma, mas esta conclusão é equivocada. Em verdade, a contribuição do segurado especial é sobre sua produção e a do PRFP é sobre seu salário-de-contribuição, já que é contribuinte individual. A coincidência de cálculo existe entre a contribuição do segurado especial, na condição de segurado, e a contribuição do PRPF, na condição de equiparado à empresa”. Ob. cit, p. 229.

215

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mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da

comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos

termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20,

de 1998)

Conforme asseverado no tópico 1.2, o legislador exacerbou seus limites

na redação dada ao art. 12, VII da Lei 8.212/91 ao restringir o segurado especial aquele

que conte somente com auxílio eventual de terceiros, inibindo a remuneração pelos

serviços prestados, nos seguintes termos:

“o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o

pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam essas atividades

individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que

com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos

cônjuges ou companheiros e filhos maiores de quatorze anos ou a

eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o

grupo familiar respectivo.” (Redação dada pela Lei nº 8.398, de

7.1.92) – grifa-se.

Não obstante, a base da contribuição desta espécie de segurado foi traçada

constitucionalmente, vinculando o legislador infraconstitucional, que se viu incumbido

apenas de determinar as alíquotas desta exação.

Sublinhe-se, por fim, que conforme tecido a minúcias no tópico

pertinente, a diferença básica entre essas duas espécies de segurados reside no fato de

que o produtor rural pessoa física contará com a utilização de empregados e o segurado

especial não.

Assim, conforme dispõe o artigo 25 da Lei 8.212/91 as contribuições

cargo dessas duas espécies de segurados foram definidas da seguinte forma:

216

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Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em

substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art.

22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea

a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à

Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de

9.7.2001)

I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua

produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)

II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua

produção para financiamento das prestações por acidente do

trabalho. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)

Há quem sustente a inconstitucionalidade do referido preceito legal tendo

em vista que o permissivo constitucional que lhe daria fundamento seria restrito aos

segurados especiais, não sendo possível atribuir o mesmo tratamento aos empregadores

rurais pessoa física.

Argumentam os defensores desta tese que “a Constituição, ao atribuir a

competência para a tributação de uma base específica, exclui essa base da incidência das

demais exações, salvo quando contiver previsão expressa em sentido contrário. Por tal

razão, ao prever que os segurados especiais poderiam contribuir para a seguridade social

mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da sua

produção, a Constituição excluiu essa base econômica da incidência das demais

contribuições de seguridade240”.

Não obstante o § 8o do artigo 195 tratar exclusivamente do segurado

especial e servir de fundamento para a criação de alíquotas diferenciadas para sua

240 VELLOSO, Andrei Pitten, Comentários à Lei de Custeio da Seguridade Social, ob. cit., p. 182.

217

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contribuição a serem aplicadas em determinada base-de-cálculo, verifica-se que as

demais hipóteses previstas no mesmo dispositivo possibilitam a extensão do tratamento

ao produtor rural pessoa física. De tal sorte, o constituinte restringiu a atuação do

legislador infraconstitucional que ao tratar das contribuições sociais devidas por esta

espécie de segurado viu-se engessado aos preceitos do comando constitucional.

Com efeito, pretendeu-se explicitar o regime aplicável aos segurados

especiais, conferindo-lhes status constitucional. Não obstante, não se inviabilizou

enquadramento diferenciado a ser promovido aos demais produtores rurais, que,

ademais, encontram fundamento de validade das contribuições que lhe cabem, no artigo

195, I, b, da CF, que, sobretudo, poderão ter alíquotas ou bases-de-cálculo diferenciadas

em razão da atividade econômica (artigo 195, § 9o, da CF).

Nota-se, pois, que a escolha da base-de-cálculo para as contribuições do

segurados especiais deu-se em nível constitucional, deixando ao talante do legislador

infraconstitucional a eleição da base a ser utilizada para os demais produtores rurais,

dentro daquelas previstas no artigo 195 da Constituição Federal, ou a ser feita por lei

complementar.

Não existe, portanto, qualquer conflito entre o § 8o do artigo 195 com a

contribuição social instituída pelo artigo 25 da Lei 8.212/91, a cargo do produtor rural

pessoa física em substituição àquelas previstas no artigo 22, I e II, da Lei 8.121/91.

Assim, conforme asseverado, denota-se da redação do dispositivo em

comento que o comando é dirigido tanto ao empregador rural pessoa física, quanto ao

segurado especial, não obstante a contribuição do primeiro dar-se em substituição da

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devida pelas empresas e a do segurado especial por força de sua condição de segurado

obrigatório.

Vê-se, portanto, que a substituição das contribuições previstas no artigo

22, I e II, dá-se em moldes semelhantes ao tratamento conferido à agroindústria, de

acordo com o artigo 22-A da Lei 8.212/91. A base-de-cálculo correspondente à renda

auferida pela comercialização da produção e, igualmente no que ocorre com as

agroindústrias, justifica-se pela natureza das atividades desenvolvidas no setor rural, que

se caracteriza como sazonal precipuamente por estar associada a eventos da natureza.

A essência distinta das duas espécies de segurados tratados no artigo 25

obrigou o legislador a lhes conferir tratamento diferenciado no tocante às contribuições

por eles devidas, não obstante a aparente similitude constante do caput e incisos do

dispositivo.

Assim, como contribuinte individual nos termos do artigo 12, V, a, da Lei

8.212/91, o produtor rural pessoa física, além das contribuições devidas em virtude de

ter sido equiparado a empresa, deverá contribuir na forma do artigo 21 da mesma Lei241.

Estará, portanto, assim como os demais contribuintes individuais, adstrito ao pagamento

de contribuições no valor de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição,

que corresponderá à remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício

de sua atividade por conta própria, durante o mês, observando-se o limite máximo

previsto no § 5o do artigo 28 (artigo 28, III).

241 § 2º A pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 contribui, também, obrigatoriamente, na forma do art. 21 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 8.540, de 22.12.1992)

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Por seu turno, a contribuição prevista no caput do artigo 25 foi suficiente

para satisfazer a determinação constitucional do artigo 195, § 8o, bem como do artigo

12, VII, da Lei 8.212/91.

Sustentou-se neste trabalho, que além benefícios contidos no artigo 39, I,

no valor de um salário-mínimo, a contribuição prevista no caput confere direitos à

aposentadoria por tempo de contribuição, conforme cálculo previsto no artigo 29, § 6o,

da Lei 8.213/91, sublinhando-se que uma única contribuição é aproveitada por todo

grupo familiar.

Desta forma, para que faça jus a benefícios em valores superiores ou a

outros além do rol constante no artigo 39, I, da Lei 8.213/91, no caso de não recolher

obrigatoriamente por falta de obtenção de receita, poderá contribuir como facultativo242

na fração de vinte por cento do salário-de-contribuição243.

Ressalta-se à evidência que, ainda que o sistema previdenciário seja

eminentemente contributivo conforme previsão expressa do artigo 201 da Constituição

Federal, os trabalhadores rurais não precisarão comprovar o recolhimento das

contribuições referentes às funções realizadas anteriormente à data de vigência da lei

8.213/91, para a utilização desse período como tempo de serviço, nos termos do artigo

55, § 2o, da Lei 8.213/91.

242 § 1º O segurado especial de que trata este artigo, além da contribuição obrigatória referida no caput, poderá contribuir, facultativamente, na forma do art. 21 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 8.540, de 22.12.1992) 243 Sustentamos que por força da nova redação dada ao artigo 29 da Lei 8.213/91, estará o INSS obrigado em realizar o cálculo dos benefícios devidos ao segurado especial, ainda que apenas com base nas contribuições vertidas como segurado obrigatório, fazendo, neste caso, jus à aposentadoria por tempo de contribuição. Não obstante, dado o pequeno valor auferido na comercialização da produção desta espécie de segurado, caso não contribua como facultativo, para fins práticos, dificilmente alcançará benefício superior ao salário-mínimo.

220

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Entretanto, o próprio legislador cuidou de explicitar que neste caso o

tempo de serviço não poderá ser computado para efeito de carência, exigindo-se,

portanto, quinze anos de real contribuição para a concessão da aposentadoria por tempo

de contribuição, nos termo do art. 142 da referida lei.

Sublinhe-se que tanto o produtor rural pessoa física quanto o segurado

especial podem optar pela forma de contribuição prevista nos § 2o do artigo 21,

facultando-lhes, caso desistam do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,

a aplicação da alíquota de onze por cento sobre o valor correspondente ao limite mínimo

mensal do salário-de-contribuição (Incluído pela Lei Complementar nº 123, de 2006).

Nesta hipótese, caso pretendam contar o tempo de contribuição

correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição ou da

contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o artigo 94 da Lei no 8.213,

de 24 de julho de 1991, deverão complementar a contribuição mensal mediante o

recolhimento de mais nove por cento, acrescido dos juros moratórios de que trata o

disposto no artigo 34 desta Lei.

Frise-se, por fim, que a exemplo do tratamento conferido às

agroindústrias, a contribuição do SENAR a cargo do segurado especial e do produtor

rural pessoa física, em substituição ao que prevê o artigo 3o, I, da Lei 8.315/91, será de

0,2 % incidentes na receita bruta proveniente da comercialização da produção, conforme

disposto no artigo 6o da Lei 9.528/97.

Tecidas essas considerações, podemos dispor a regra matriz de incidência

tributária para estas espécies de segurados da seguinte forma:

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Segurado Especial

Hipótese Critério Material Critério Espacial Critério Temporal

Comercialização da produção rural. Território Nacional Mensal.

Conseqüente

Critério Quantitativo Critério Pessoal

a) base-de-cálculo: o total da receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. a) sujeito ativo: Receita Federal do Brasil

b) alíquotas: 2%, destinados à Seguridade Social; 0,1%, em substituição ao SAT, e 0,2% destinados ao SENAR

b) Sujeito passivo: segurado especial

Produtor Rural Pessoa Física na Qualidade de Empregador

Hipótese Critério Material Critério Espacial Critério Temporal

Comercialização da produção rural. Território Nacional

Mensal, devendo o próprio segurado efetuar o recolhimento até o dia dez do mês subseqüente ao da comercialização da produção.

Conseqüente

Critério Quantitativo Critério Pessoal

a) base-de-cálculo: o total da receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. a) sujeito ativo: Receita Federal do Brasil

b) alíquotas: 2%, destinados à Seguridade Social; 0,1%, em substituição ao SAT, e 0,2% destinados ao SENAR

b) Sujeito passivo: produtor rural pessoa física.

Produtor Rural Pessoa Física na qualidade de contribuinte individual

Hipótese Critério Material Critério Espacial Critério Temporal

auferir remuneração no exercício de atividade por conta própria. Território Nacional

mensal, devendo o recolhimento ser feito até o dia quinze do mês seguinte ao da competência.

Conseqüente

Critério Quantitativo Critério Pessoal a) base-de-cálculo: salário-de-contribuição, que corresponde à remuneração auferida pelo exercício de atividade própria, observado o limite previsto no artigo 28, § 5o, da Lei 8.212/91.

a) sujeito ativo: Receita Federal do Brasil

b) alíquota: 20%. b) Sujeito passivo: produtor rural pessoa física. Artigo 12, V, a, da Lei 8.212/91.

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Cumpre por fim salientar que, conforme previsão contida no artigo 30, IV,

da Lei 8.212/91, ficam sub-rogadas nas obrigações do produtor rural pessoa física e do

segurado especial as empresas adquirentes, consumidoras ou consignatárias dos

produtos por eles comercializados, independentemente de as operações de venda ou

consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário

pessoa física, exceto no caso do inciso X do mesmo artigo, que prevê:

X - a pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12

e o segurado especial são obrigados a recolher a contribuição de

que trata o art. 25 desta Lei no prazo estabelecido no inciso III

deste artigo, caso comercializem a sua produção: (Redação dada

pela Lei 9.528, de 10.12.97)

a) no exterior; (Incluída pela Lei 9.528, de 10.12.97)

b) diretamente, no varejo, ao consumidor pessoa física; (Incluída

pela Lei 9.528, de 10.12.97)

c) à pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12;

(Incluída pela Lei 9.528, de 10.12.97)

d) ao segurado especial; (Incluída pela Lei 9.528, de 10.12.97)

O artigo 30, IV, da Lei 8.212/91 é de difícil compreensão. De fato,

entende-se por sub-rogação a transferência de direitos quando, “embora efetuado o

pagamento por outra pessoa que não o devedor, a obrigação só se extinga em relação ao

credor satisfeito, sobrevindo em relação ao terceiro, interessado ou não, que pagou a

dívida244”.

A substituição do pólo ativo da relação jurídica pode dar-se de pleno

direito (artigo 346 do Código Civil) ou por convenção das partes (artigo 347).

244 RODRIGUES, Silvio. Ob. cit., p. 189.

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No primeiro caso, a sub-rogação é imposta pela lei e pressupõe a

existência de um interesse ou dever jurídico no pagamento da dívida por outra pessoa

que não o devedor originário. É o que ocorre, exemplificativamente, no caso do fiador,

que tem direito de pedir o reembolso da dívida do principal pagador, com todos os seus

acessórios.

Note-se, pois, que o instituto caracteriza-se por transferir ao novo credor

todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra

o devedor principal e os fiadores (artigo 349 do Código Civil).

A previsão de sub-rogação no presente caso, portanto, encontra-se

desassociada de supedâneo que lhe dê sentido. Não há, deveras, interesse ou obrigação

jurídicos que anime o adquirente a promover a satisfação da obrigação previdenciária de

responsabilidade do produtor rural, de forma a se sub-rogar nas suas obrigações.

O que aparentemente pretendeu o legislador foi definir substituto legal

tributário e, portanto, diverso daquele que realiza a conduta prevista na hipótese

normativa, bem como lhe garantir o direito de reembolso. Entretanto, conforme se

denota, o artigo é merecedor de críticas.

Com a estipulação de substituto legal tributário verifica-se a interligação

da hipótese prevista para a obrigação tributária do produtor rural pessoal física e do

segurado especial, adrede desenhada, e uma segunda, desta dependente, que visa a

alterar o sujeito da relação245, o que deveria ser feito explicitamente.

245 “O Fato gerador da norma secundária não é, assim, suplementar ou sucedâneo (chamado de Ersatztatbestand pelos alemães), nem de substituição, mas pressupõe, antes de tudo a ocorrência do fato gerador da norma básica ou matriz” (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 11ª. edição. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Editora Forsente, 1999, p. 724).

224

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Com efeito, a constatação de quem seria o sujeito passivo dá-se por via

reflexa, cabendo ser extraída por exclusão, tendo em vista que o dispositivo não elegeu

expressamente o adquirente como responsável pela obrigação, mas tão somente previu

que se opera a sub-rogação em seu favor, das obrigações do produtor rural. A sub-

rogação implica na transferência do credor originário, o que somente seria possível se o

adquirente pagasse a dívida por conta do produtor rural. Daí decorreria a substituição.

Note-se que a possibilidade de tratar-se de retenção pode ser de plano

descartada, pois neste caso não se estaria diante de sub-rogação, já que a diminuição

patrimonial em razão do pagamento do tributo seria experimentada pelo produtor rural,

extinguindo-se a obrigação tributária sem que houvesse transferência do credor.

Vigendo no direito tributário o princípio da estrita legalidade, a

vinculação do sujeito passivo da relação tributária a ser feita conforme a capacidade de

inteligência do operador é de duvidosa constitucionalidade, cabendo à lei fazê-lo

expressamente. Deveras, no caso em tela estará o intérprete incumbido de excluir todas

as possíveis hipóteses de pagamento por sub-rogação para, no caso de somente restar a

possibilidade de substituição tributária, concluir que é este o mote do artigo 30, IV.

Outra questão a ser enfrentada é a transferência ao novo credor de todos

os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, conforme disposto no artigo 349,

adrede mencionado, arraigados ao instituto da sub-rogação. Não se pode perder de vista

tratar-se de crédito tributário cujo sujeito ativo é a Receita Federal do Brasil, que possui

forma e prerrogativas próprias na cobrança da dívida, inerentes a natureza tributária das

contribuições sociais.

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O que aparentemente pretendeu o legislador com total impropriedade foi

instituir o direito de reembolso usualmente relacionado nos casos de substituição

tributária, que, todavia, difere do pagamento por sub-rogação. De fato, “quando a lei

outorga ao substituto o direito de reembolso ou retenção na fonte contra o substituído,

esta relação jurídica entre substituto e substituído não é de natureza tributária. A

prestação que o substituído deve ao substituto é prestação jurídica, porém não jurídico-

tributária246”.

A impossibilidade de atribuir ao direito de reembolso natureza tributária

bem como de investir o adquirente das prerrogativas e formas de cobrança vinculadas à

administração desnaturam o instituto da sub-rogação no presente caso.

Note-se, portanto, que tamanha foi a falta de técnica e o embaraço criado

pelo legislador, que não restaria forma de aplicação prática do referido dispositivo.

Sem muito sucesso, na tentativa de prestar esclarecimentos quanto à

forma de arrecadação das contribuições em comento, a IN MPS/SRP n. 3/05 dispôs em

seu artigo 259, IV, que:

Art. 259. As contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta

oriunda da comercialização da produção são devidas pelo

produtor rural, sendo a responsabilidade pelo recolhimento:

...

IV - da empresa adquirente, inclusive se agroindustrial,

consumidora, consignatária ou da cooperativa, na condição de

sub-rogada nas obrigações do produtor rural, pessoa física, e do

segurado especial;

246 BECKER, Alfredo Augusto. Ob cit., pp. 507/508.

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Nota-se, entretanto, que incorreu o administrador no mesmo erro do

legislador ao impropriamente utilizar-se do instituto da sub-rogação, inaplicável ao caso,

conforme asseverado. Não obstante, aponta no caput, ainda que de forma não expressa,

o dever de retenção por parte do adquirente, ao atestar que as contribuições são devidas

pelo produtor rural, alterando-se apenas a responsabilidade pelo recolhimento.

Inclinando-se pela forma de arrecadação prevista na referida Instrução

Normativa, a jurisprudência pátria manifestou o entendimento de o adquirente ter o

dever de retenção e repasse das contribuições247, discriminando o valor na nota de

compra e venda. Não obstante, diante da falta de técnica tanto do legislador quanto do

administrador, não confere o direito de reembolso, inerente ao instituto da sub-rogação,

que, todavia, conflita com a sistemática da retenção, pois neste caso o adquirente não

sofre redução patrimonial, que constitui o objeto do reembolso.

6. Consórcio Simplificado de Produtores Rurais

Conforme aponta a doutrina, o consórcio simplificado de produtores

rurais é a união de produtores rurais pessoas físicas que, mediante documento registrado

em cartório de títulos e documentos, outorga a um deles poderes para contratar, gerir e

247 Nesse sentido: A contribuição previdenciária do art. 25 da Lei nº 8.212/91 sobre a comercialização de produtos rurais, devida pelo produtor rural pessoa física, é, por sub-rogação legal (art. 30, III e IV, da Lei nº 8.212/91) "destacada" na nota de compra do produtor rural, ficando com a empresa adquirente a responsabilidade pelo seu recolhimento ao INSS. Nessa sistemática, embora sub-rogado o recolhimento, esse valor não integra o patrimônio da empresa adquirente pelo destaque na nota fiscal, o que lhe retira a legitimidade para pleitear a devolução da contribuição (REsp nº 641.593/RS, DJ 29/11/2004), pois nem mesmo se pode pleitear devolução do que não pagou (contribuinte é o produtor rural, não o adquirente da produção) – Apelação em Mandado de Segurança n. 200038000370343, 7ª. Turma do TRF da 1ª. Região, Rel. Des. Luciano Tolentino Amaral, DJ 01.04.05, v.u.

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demitir trabalhador para a exclusiva prestação de serviço aos integrantes desse

consórcio248.

Verifica-se, pois, que o consórcio simplificado de produtores rurais

caracteriza-se pela reunião de diversos produtores rurais pessoais físicas que delegam a

um deles, de confiança dos demais, a tarefa de negociação da venda da produção de

todos, com o fito de obtenção de melhores condições na comercialização.

A experiência originou-se na França para disponibilizar mão-de-obra de

trabalho urbano a tempo parcial, sendo posteriormente estendida ao meio rural249.

A figura tem previsão nos artigos 22-B e 25-A, ambos da Lei 8.212/91,

sendo o primeiro artigo responsável por determinar a substituição das contribuições de

que tratam o artigo 22, I e II, da Lei 8.212, em relação ao trabalhador rural contratado

pelo consórcio de produtores rurais, aplicando-se, neste caso, o artigo 25 da mesma Lei.

Este artigo possui função meramente elucidativa, pois a equiparação dos

consórcios simplificados de produtores rurais aos empregadores rurais pessoas físicas,

estabelecido no artigo 22-A, já possui o condão de sujeitar à contribuição do artigo 25,

em substituição ao tratamento conferido pelas empresas previsto no artigo 22, I e II250.

Sublinhe-se que no consórcio simplificado de produtores não se verifica a

direção, controle ou administração de um proprietário sobre o outro, mantendo-se todos

independentes e com autonomia251.

248 IBRAHIM, Fábio Zambitte, ob. cit., p. 229. 249 OLIMPIA, Vera e ROLIM Leonardo, Ações do Governo Federal para Reduzir a Informalidade no Mercado de Trabalho, site: www.ipea.gov.br/pub/bcmt/mt_014g.pdf, visitado em 01.03.08.250 VELLOSO, Andrei Pitte, ob. cit., p. 139. 251 CORDEIRO, Marcel, Consórcio Simplificado Rural, In Temas Atuais de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário Rural, Coord.: Wladimir Novaes Martinez. São Paulo: Editora LTr, 2006, p. 97.

228

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Não obstante, por questão de segurança e facilitação na fiscalização e

arrecadação das contribuições, tanto o decreto 3.048/99 quanto o § 3o do artigo 22-A da

Lei 8.212/91 estabelecem que os produtores rurais integrantes do consórcio serão

responsáveis solidários em relação às obrigações previdenciárias. A medida impede que

o consórcio seja criado para fins fraudulentos, como forma de esquiva de atuações

fiscais.

Os requisitos legais para a formalização do consórcio estão elencados no

artigo 25-A da Lei retro-citada, devendo:

1. ser formado pela união de produtores rurais pessoas físicas;

2. outorgar a um deles, mediante documento registrado em cartório de

títulos e documentos, poderes para “contratar, gerir e demitir

trabalhadores para prestação de serviços, exclusivamente, aos seus

integrantes”;

3. o referido documento deverá conter a identificação de cada produtor,

seu endereço pessoa e o da sua propriedade rural, bem como o respectivo

registro no INCRS ou informações relativas a pareceria, arrendamento ou

equivalente e a matrícula no INSS de cada um dos produtores rurais.

4. o consórcio devera ser matriculado no INSS em nome do empregador a

quem tenham sido outorgados poderes.

7. Exportação da Produção

Com a finalidade de promoção do comércio com outros países, através da

Emenda Constitucional n. 33, de 11 de dezembro de 2001, determinou-se expressamente

que não incidirão contribuições sociais sobre receitas provenientes de exportação.

229

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A iniciativa visa a tornar o Brasil mais competitivo, oferecendo produtos

com preços atrativos e, assim, com melhores condições de disputa com outros países.

Busca-se, pois, a ampliação de divisas decorrentes do comércio externo e, por via

reflexa, a promoção do trabalho relacionado à produção para exportação.

Desta forma, reza o artigo 149 da Constituição Federal que:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições

sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das

categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua

atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,

III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º,

relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

...

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio

econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

...

O dispositivo cria, pois, regra de imunidade que, conforme cediço, atinge

o núcleo normativo, desvinculando a incidência da norma daquele determinado fato que

restou excluído.

De fato, conforme ministério de ALFREDO AUGUSTO BECKER, com a

previsão de isenção, a regra jurídica tributária nunca incidirá, “porque faltou, ou

excedeu, um dos elementos da composição de sua hipótese de incidência, sem o qual ou

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com o qual ela não se realiza”. Assim, “a regra jurídica de isenção incide para que a

tributação não possa incidir”, consistindo aquela na formulação negativa desta252.

Com as mesmas características apontadas, a imunidade possui, ainda,

status constitucional. “É o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede

a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de

determinada pessoa, ou categoria de pessoas. É possível dizer-se que a imunidade é uma

forma qualificada de não incidência. Realmente, se há imunidade, a lei tributária não

incide, porque é impedida de fazê-lo pela norma superior, vale dizer, pela norma da

constituição253”.

Conforme se verifica, portanto, todas as espécies de produtores rurais

anteriormente analisados encontram-se desincumbidos do pagamento de contribuição

previdenciária em relação à receita proveniente da comercialização de produção para o

exterior.

Desta forma, a partir da edição da Emenda Constitucional n. 33, restou

sem efeitos a alínea a do inciso X do artigo 30 da Lei 8.212/91, quando estabelece o

prazo para o recolhimento das contribuições sociais devidas pelo produtor rural pessoa

física e pelo segurado especial incidentes sobre a comercialização da produção para o

exterior.

Sublinhe-se que ainda que não sejam recolhidas contribuições por parte

do segurado especial no caso de exportação de sua produção, este fará jus aos benefícios

elencados no artigo 39, no valor de um salário mínimo, desde que comprovada a

252 Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Edição Saraiva, 1972, p. 277. 253 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 22ª. edição, 2001, p. 188.

231

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atividade rural pelo período correspondente ao da carência do benefício, podendo, ainda,

contribuir como facultativo.

Na mesma esteira, o produtor rural pessoa física encontra-se dispensado

das contribuições previstas em substituição as devidas pelas empresas previstas no artigo

22, I e II, da Lei 8.212/91, mas deverá contribuir como segurado individual. De fato, a

imunidade abarca somente as receitas decorrentes de exportação e, portanto, refere-se às

contribuições previstas no artigo 25, caput, da Lei 8.212/91 e não à devida como

segurado obrigatório, com base no salário-de-contribuição.

Todavia, questiona-se da aplicação da imunidade no tocante à exportação

por intermédio de empresas de comércio. Nesse diapasão, a Instrução Normativa

MPS/SRP n. 3/05, dispõe em seu artigo 245 que:

Art. 245. Não incidem as contribuições sociais de que trata este

Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos,

cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001,

por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da

Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33,

de 11 de dezembro de 2001.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a

produção é comercializada diretamente com adquirente

domiciliado no exterior.

§ 2º A receita decorrente de comercialização com empresa

constituída e em funcionamento no País é considerada receita

proveniente do comércio interno e não de exportação,

independentemente da destinação que esta dará ao produto.

O dispositivo visa a inibir a isenção de contribuição social quando a

exportação da produção rural der-se por meio de empresa comercial exportadora

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(trading company). Contudo, a instrução normativa foi além das suas balizas, compondo

norma de isenção fora dos ditames previstos constitucionalmente254.

Com efeito, a intermediação da exportação feita por empresa de trading

não desnatura a intenção do produtor rural nem tampouco o espírito de estimulo ao

trabalho interno e melhor competitividade do produto brasileiro no mercado exterior. A

empresa que concentra em seu poder a produção para fins de exportação, ainda que

inicialmente realize a operação no mercado interno, destinará o produto inexoravelmente

para outro pais. Prática recorrente, viabiliza a comercialização agrícola para o exterior

por produtores que por esponte própria não teriam condições de fazê-lo255.

254 Tramita no STF Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas Trading – ABEC, n. 3572, Relator Ministro Marco Aurélio. 255 Nesse sentido: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DA DECISÃO QUE DEFERIU LIMINAR PARA DETERMINAR A NÃO SUJEIÇÃO DAS IMPETRANTES AOS EFEITOS DA RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO ARTIGO 245, PARÁGRAFOS 1º E 2º DA IN MPS/SRP Nº 3 - ARTIGO 149, PARÁGRAFO 2º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO IMUNES DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE PRETENDE DESABRIGAR DA IMUNIDADE O RESULTADO DA EXPORTAÇÃO INTERMEDIADA POR "TRADING COMPANIES" - AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. 1. Em sede de mandado de segurança, a competência do Juízo é estabelecida pela sede da autoridade coatora. 2. O art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal assim que as contribuições sociais "não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação". 3. O objetivo do constituinte é desonerar das contribuições as receitas oriundas de operações de exportação; a Carta Magna não distinguiu entre as exportações diretas (operação entre o produtor local e o adquirente alienígena, - sediado no estrangeiro) e as exportações indiretas (operações "triangulares", envolvendo o produtor local, uma empresa exportadora intermediária e o adquirente alienígena situado noutro país). 4. Dispõe o art. 110 do Código Tributário Nacional que "a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias." 5. Não parece adequada a distinção feita na Instrução Normativa nº 03/2005, em seu art. 245, § 2º, de modo a desabrigar da imunidade o resultado da exportação intermediada por "trading companies", uma vez que norma infralegal não pode ir além do texto legal, menos ainda do texto constitucional. 6. Na verdade tudo indica que o § 2º do art. 149 da Constituição Federal intenta imunizar a receita adquirida quando houver específica operação de exportação; isso é o que mais importa, e não quem seja o contratante que está na "outra ponta" do negócio.

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Nesse sentido, o Decreto-lei 1.248/72 estabelece que se consideram

destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente

remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para embarque de exportação por

conta e ordem da empresa comercial exportadora; ou depósito em entreposto, por conta

e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de

exportação.

Na mesma esteira, o artigo 6o, III, da Lei 10.833/03 dispõe que a

COFINS, exação que possui natureza de contribuição social, não incidirá sobre as

receitas decorrentes de vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de

exportação, indicando o tratamento a ser seguido no caso das contribuições incidentes

sobre a receita da comercialização da produção rural, quando remetida por via indireta

para o comércio alienígena.

O poder executivo excedeu, portanto, seus limites, ao impor balizas à

imunidade prevista constitucionalmente, em desatenção a legislação pertinente e a mens

legis, ferindo a sistemática de não incidência de contribuições previdenciárias sobre

receitas provenientes da comercialização produção rural para fins de exportação.

O vício mais grave que macula a referida Instrução Normativa seja talvez

o formal.

O vício formal decorre do fato de que, “tendo em vista que a desoneração

tributária, no caso, decorre do próprio texto constitucional, a sua natureza é de

imunidade, como limitação ao poder de tributar; razão pela qual os requisitos para sua

7. Preliminar de incompetência absoluta do Juízo a quo rejeitada e, no mérito, agravo de instrumento improvido (AI n. 257656, 1ª. Turma do TRF da 3ª. Região, Rel. Des. Johonsom di Salvo, DJ 20.06.06, v.u.).

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concessão dependem de lei complementar na forma do art. 146, II da Constituição

Federal256”.

Nesse sentido dispõe o artigo mencionado:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

Desta forma, ainda que se pretendesse restringir o conteúdo da norma de

não-incidência prevista no artigo 149 da Constituição Federal, em atenção ao princípio

da estrita legalidade que rege os tributos e às matérias elencadas no artigo 146, deveria o

legislador fazê-lo através de lei complementar. A IN afronta, pois, ao princípio de

tripartição dos poderes, invadindo a competência do Poder Legislativo, no que diz

respeito ao artigo em debate.

256 MARTINS, Ives Gandra da Silva e RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Imunidade Tributária das Entidades de Assitência Social e Filantrópicas. In Grandes Questões do Direito Tributário, 7º volume. Coord. Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2003, p. 243.

235

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V. CONCLUSÃO

Versa o presente estudo sobre as prestações devidas aos trabalhadores

rurais e a forma de custeio aplicável ao setor agrário.

Conforme representado ao longo estudo, o trabalhador rural se encarregou

do ônus de sustentar o progresso nacional, levando-se em conta que desde a colonização

até a década de 50 o Brasil era um país eminentemente produtor de matéria prima e a

agricultura sempre contribuiu de forma determinante para seu acumulo de riquezas.

Não obstante, essa categoria de trabalhador ficou à míngua de proteção

social, o que culminou em defasagem sócio-econômica-cultural, conforme revelado

pelos índices oficiais relativos à qualidade de vida, escolaridade e renda,

disponibilizados por órgãos oficiais.

Desta forma, a conquista da ordem social, contexto em que se insere a

seguridade social, deve ser vista de forma diferenciada para essa espécie de trabalhador,

à luz do princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais, que, como corolário da isonomia, deve conferir tratamento

adequando a fim de equiparar essas duas espécies de trabalhadores, conforme suas

diferentes necessidades.

Sublinhe-se que a questão social, reconhecida pelo constituinte no artigo

193, traz espectro diferenciado no tocante ao trabalhador rural, no que se denominou de

questão social agrária, mormente pela forma desigual de distribuição de terras e pelo

maior investimento estatal para os proprietários de grandes latifúndios, em desatenção à

função social da propriedade.

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Conclui-se, desta forma, que a inserção social dessa categoria de

trabalhador, dentro do relevo da previdência social, deve ser promovida conjuntamente

pela proteção social que lhe é conferida e pela forma de custeio aplicada ao setor

agrário, tendo em vista sua participação na distribuição de renda, de sorte a conferir às

contribuições sociais, além da finalidade específica do custeio da seguridade social, um

fim em si mesmo.

Esse contexto impele que os comandos legais destinados à proteção do

trabalhador rural, sobretudo no que toca o segurado especial, devem ser analisados sob

ótica ampliativa, ainda que em conformidade com as demais regras de hermenêutica e

em atenção aos dispositivos que regem a matéria.

Nesta seara, concluiu-se pela conceituação do segurado especial nos

termos previsto constitucionalmente, em detrimento da expressão legal constante no

artigo 11, VII, da Lei 8.213/91, permitindo que essa categoria de trabalhador faça

utilização de “auxílio de terceiros”, excluindo-se, desta forma, qualquer tipo de

remuneração nos serviços que eventualmente lhe sejam prestados.

Assim, a devida medida da expressão “sem empregados permanentes”,

utilizada no texto constitucional (artigo 195, § 8o), comporta o sentido de “ausência de

contratos de trabalho por tempo indeterminado”. Deveras, no âmbito do trabalho rural

mostra-se comum a prática de contratação de trabalhadores em períodos específicos do

ano para efetuarem os afazeres da produção rural, que sazonalmente demanda maior

força de trabalho. É o que se verifica nas épocas de plantio e colheita, contando os

produtores rurais com a figura do “safrista”.

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Conclui-se, ainda, que com o advento da Lei 9.876/99, que alterou o

artigo 29 da Lei 8.213/91 para instituir o cálculo dos benefícios previstos ao segurado

especial com base no salário-de-benefício, passou essa espécie de segurado a fazer jus às

aposentadorias, independentemente de contribuir como facultativo, única interpretação

possível à luz dos demais dispositivos constates da referida lei.

Em síntese, o segurado especial fará jus a todos aqueles benefícios

contidos no artigo 18 da Lei 8.213/91, com forma de cálculo prevista nos moldes do

artigo 29, § 6o, do mesmo diploma legal, ou seja, com base no salário-de-benefício

calculado segundo a média anual das receitas provenientes da comercialização de sua

produção. Terá, ainda, direito aos benefícios do artigo 39 da Lei 8.213/91 no valor de

um salário-mínimo, no caso de, ainda que realize suas atividades, não verter

contribuições, quer pela falta da comercialização da produção, quer pela sua destinação

ao comércio externo, hipótese em que se opera a imunidade de contribuições sociais.

No tocante à aposentadoria por idade, verifica-se que o disposto na regra

de transição prevista no artigo 142 da Lei 8.213/91 não prejudica o direito do segurado

especial a previsão do artigo 39, I da mesma lei, que lhe confere determinados

benefícios no valor de um salário-mínimo, independentemente de contribuição.

Verifica-se, ademais, que uma interpretação literal do artigo, exigindo-se

implementação concomitante da comprovação do tempo de trabalho rural e de idade, é

contrária a finalidade social, bem como que o requerimento, por não integrar requisito

do benefício, poderá ser feito após o prazo legalmente previsto.

Por fim, é traçado o regime referente às contribuições devidas pelos

produtores rurais pessoa jurídica, física e pelo segurado especial, verificando-se a

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necessidade de diferenciação na sua participação do custeio em razão da produção dar-se

de forma sazonal e em atenção ao disposto no artigo 195, § 9o, da Constituição Federal,

que prevê alíquotas e base-de-cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica.

Desta forma, denota-se que a contribuição do produtor rural pessoal física

não é eivada de vício de inconstitucionalidade, pois não possui como fundamento

constitucional o § 8o do artigo em comento, exclusivo dos segurados especiais, mas sim,

o § 9o do mesmo artigo.

Verifica-se, ademais, que a forma de participação das agroindústrias

decorre da sua natureza híbrida, sendo-lhe imposto a industrialização de produção

própria e própria e de terceiros, de sorte que, caso venha a exercer atividade de natureza

urbana, não mais se encontra catalogada nos moldes do tipo tributário, passando, desta

forma, a contribuir na forma do artigo 22, conforme tratamento atribuído as demais

empresas.

Por fim, denota-se a inconstitucionalidade do artigo 245, § § 1o e 2o, da

Instrução Normativa MPS/SRP n. 3/05 ao regulamentar o artigo 149, § 2o, I, da

Constituição Federal, impondo incidência de contribuições sociais nas exportações por

via indireta, através de empresas exportadoras. Com efeito, além de a referida Instrução

ser contrária aos motivos que justificam a imunidade prevista, encontra-se emanada por

vício formal, tendo em vista que, nos termos do artigo 146 da Carta Magna, a

regulamentação da matéria é exclusiva de lei complementar.

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