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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP AURO KEY HONDA ELEMENTOS PARA UM ESTUDO DO CONCEITO DE CAUSAÇÃO NA FILOSOFIA DE CHARLES S. PEIRCE Mestrado em Filosofia São Paulo 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

AURO KEY HONDA

ELEMENTOS PARA UM ESTUDO DO CONCEITO DE CAUSAÇÃO NA

FILOSOFIA DE CHARLES S. PEIRCE

Mestrado em Filosofia

São Paulo

2010

II

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

AURO KEY HONDA

ELEMENTOS PARA UM ESTUDO DO CONCEITO DE CAUSAÇÃO NA

FILOSOFIA DE CHARLES S. PEIRCE

Mestrado em Filosofia

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do Título de Mestre em

Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr. Ivo

Assad Ibri.

São Paulo

2010

III

Banca Examinadora:

IV

AGRADECIMENTOS

Muitas vezes basta ser:

colo que acolhe,

braço que envolve,

palavra que conforta,

silêncio que respeita,

alegria que contagia,

lágrima que corre,

olhar que sacia,

amor que promove.

Cora Coralina

AGRADECER é reconhecer que várias pessoas influenciaram meu modo de ser: de

pensar, sentir e agir. Este trabalho não seria possível sem a existência das mesmas.

Sou grato ao meu orientador, professor Dr. Ivo Assad Ibri, não só pelo

imenso arcabouço intelectual de que dispõe e compartilha gentilmente

com seus alunos nas suas aulas e obras, mas por sua firme e

entusiasmada forma de orientação, que possibilitou transformar

potência em ato.

Agradeço também aos professores Dr. Edélcio Gonçalves de Souza e

Dr. José Renato Salatiel pelas reflexões que em muito contribuíram

para corrigir e melhorar este presente trabalho.

Aos meus colegas da Filosofia da PUC, pelas palavras de estímulo e

conforto que possibilitaram meu aprendizado e crescimento em um

ambiente acolhedor e rico de idéias e sentimentos.

Aos meus amigos e parceiros que a vida me deu de presente, pelos

colos, braços, palavras, olhares, silêncios, lágrimas e alegrias.

À minha família, pelo Amor que promove.

V

RESUMO

Esta dissertação se propõe a efetuar uma versão para o português do

ensaio ―Causation and Force‖, incluído nas conferências de Peirce

proferidas em Cambridge em 1898, bem como oferecer elementos

teóricos para sua leitura e compreensão. Para tanto, apresentamos

diferentes formas sobre como a questão da causalidade tem sido

considerada historicamente, em particular a visão crítica do próprio

autor acerca de um mundo determinado. Discutimos as principais

questões levantadas por Peirce sobre a desconstrução do

determinismo e sua defesa do acaso como princípio ontológico

atuante na constituição da realidade.

PALAVRAS CHAVE: causação, causalidade, determinismo, acaso.

VI

ABSTRACT

This Master‘s thesis aims at translating into Portuguese Peirce‘s essay

Causation and Force, which is part of the Conferences given by him

in Cambridge in 1898, as well as to offer some theoretical elements

for its reading and understanding. With this in mind, we present

different manners on how the issue of causality has been considered

historically, particularly Peirce‘s critical view concerning a one

determined world. Herein we also discuss the main questions raised

by Peirce regarding the deconstruction of determinism and his defense

of chance as an ontological principle operating in the constitution of

the reality.

KEY-WORDS: causation, causality, determinism, chance.

VII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 02

CAPÍTULO 1 ─ Causação: Visão Histórica ............................................................................. 06

1.1 Sobre os Conceitos Históricos da Causação ............................................. 06

1.1.1 Causação na Grécia Antiga.................................................................... 09

1.1.2 Pensamento Medieval ............................................................................ 16

1.1.3 Revolução Científica ............................................................................. 18

1.1.4 Causação na Filosofia Moderna ............................................................ 20

1.1.4.1 Descartes ........................................................................................ 20

1.1.4.2 Espinosa ......................................................................................... 21

1.1.4.3 Leibniz ........................................................................................... 23

1.1.4.4 David Hume ................................................................................... 26

1.1.4.5 Kant ............................................................................................... 29

1.1.4.6 Stuart Mill ...................................................................................... 33

1.2 Abordagens Contemporâneas ................................................................... 37

1.2.1 Condições Necessárias e Suficientes ..................................................... 38

1.2.2 Abordagem Contrafactual ..................................................................... 41

1.2.3 Abordagem Probabilística ..................................................................... 43

1.2.4 Abordagem Singularista ........................................................................ 45

1.2.5 Abordagem Instrumental: causa como meio para atingir um

fim .......................................................................................................... 47

CAPÍTULO 2 ─ A Visão Crítica de PEIRCE acerca do Mundo Determinado ...................... 50

2.1 Desconstrução do Princípio da Determinação ......................................... 50

2.1.1 O Conceito de Causação ........................................................................ 50

2.1.2 As Razões Comumente Levantadas em Defesa do

Determinismo ........................................................................................ 54

2.1.3 O Determinismo e as Três Leis de Newton ........................................... 59

2.2 A Defesa do Acaso .................................................................................. 62

2.3 Acaso Matemático e Absoluto .................................................................. 68

VIII

CAPÍTULO 3 ─ A Causa Final em PEIRCE .............................................................................. 73

3.1 A Concepção de Causa Final em Peirce ................................................. 73

3.2 Causa Final e Evolução ............................................................................ 80

CAPÍTULO 4 ─ Comentando o Texto “Causação e Força” ................................................... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 95

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 98

ANEXOS................................................................................................................. 104

─ Anexo 1: Causação e Força ............................................................................ 105

─ Anexo 2: Causation and Force ....................................................................... 134

INTRODUÇÃO

2

Introdução

No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, encontramos a seguinte

definição para o termo ―Causalidade‖:

CAUSALIDADE (gr. in. Causality; fr. Causalité; al. Causalität; it. Causalità). Em seu significado mais geral, a conexão entre duas coisas, em virtude da qual a segunda é univocamente previsível a partir da primeira. Historicamente, essa noção assumiu duas formas fundamentais: 1º. A forma de conexão racional, pela qual a causa é a razão do seu efeito e este, por isso é dedutível dela. Nessa concepção, a ação da causa é frequentemente descrita como a de uma força que gera ou produz indefectivelmente o efeito. 2º. A forma de uma conexão empírica ou temporal, pela qual o efeito não é dedutível da causa, mas é previsível com base nela pela constância e uniformidade da relação de sucessão. Essa concepção elimina a idéia de força da relação causal. A ambas essas formas são comuns as noções de previsibilidade unívoca, infalível, do efeito a partir da causa e, portanto, também a de necessidade da relação causal.

Pode-se entender que a primeira concepção de causa traz a noção de um

princípio através do qual uma coisa é, ou torna-se, no que é. Neste sentido,

Aristóteles1 chega a afirmar que conhecimento e ciência consistem basicamente em

dar-se conta das causas e nada mais. Segundo ele, perguntar por uma Causa é

perguntar o porquê das coisas. Trata-se, pois, de um princípio de inteligibilidade, de

identificar a razão pela qual uma coisa é o que é e não poderia ser diferente do que

é. Para Descartes, causa é o que dá razão ao efeito, demonstra ou justifica sua

existência e suas determinações. Leibniz2 afirma que ―Nada acontece sem que haja

uma causa ou pelo menos uma razão determinante, isto é, algo que possa servir

para dar a razão a priori de porque algo existe ao invés de não existir e de porque

1 Física, I, 1 184 a 10.

2 Essais de Théodicée sur La bonté de Dieu, La liberte de l´homme et l‘origine du mal, $ 44, apud

ABBAGNANO (1992).

3

existe deste modo e não de outro‖. Causa é, nesta noção, identificada como uma

manifestação da racionalidade do mundo.

Já a segunda noção de Causa, reduz substancialmente o conceito apenas à

previsibilidade, sem a questão da dedutibilidade entre causa e seu efeito. Trata-se

simplesmente de uma sucessão ou conexão cronológica constante. Não há dedução

a priori, mas regularidade (e consequentemente previsibilidade) constatada pela

observação da experiência. A conexão entre causa e efeito ocorre pela repetição e

uniformidade de acontecimentos similares.

Ambas as noções históricas acerca da causalidade pressupõem uma

concepção determinista da Natureza, qual seja, a de um mundo regido por relações

estritas de causalidade e que funciona como uma espécie de máquina.

Contrário a esta noção, o ensaio ―Causation and Force‖ de Charles Sanders

Peirce reflete uma posição dissonante do seu autor. Insatisfeito com a posição

determinista e dualista de mundo, neste trabalho, Peirce questiona os princípios

comumente aceitos sobre os princípios da causalidade, notadamente as

conseqüências dos princípios da mecânica clássica de Newton. Analisando estes

princípios, Peirce contesta e derruba um a um os alicerces sobre as quais estaria, na

visão do autor, sustentada a questão da causalidade.

Esta dissertação, além da tradução do ensaio ―Causation and Force‖, tem

por objetivo apresentar alguns elementos que auxiliem o leitor a compreender a

visão de Peirce sobre o conceito de causalidade. Para tanto, o trabalho está

estruturado em quatro capítulos centrais, além da introdução, considerações finais e

anexos.

─ No primeiro capítulo “Causação: visão histórica”, em consonância

com o pensamento de Peirce, procuramos mostrar que as concepções

sobre Causa variam ao longo dos diferentes estágios da cultura

científica não constituindo, consequentemente, um consenso.

4

─ O segundo capítulo “A visão crítica de Peirce acerca do mundo

determinado” discorre sobre as limitações desta visão de mundo,

insuficiente para explicar o processo evolutivo do universo, bem como

sua diversidade e complexidade. Peirce irá defender a hipótese da

realidade de um acaso ontológico que o mundo estritamente

determinado não comportaria.

─ O capítulo três, “Causa Final em Peirce”, esboça a concepção

evolucionista de Peirce acerca do mundo, onde necessidade e acaso

atuam simultaneamente na constituição da realidade.

─ O quarto capítulo busca elucidar a leitura do ensaio ―Causation e

Force‖, apresentando questões que procuram contribuir para a sua

interpretação.

Temos consciência que a leitura deste texto não encerra todas as nuanças

associadas ao tema da causalidade em Peirce, nem elucida em definitivo quaisquer

dos pontos discutíveis da filosofia peirciana. Esperamos com esta dissertação,

apenas, contribuir para ressaltar a importância e originalidade do autor em sua

abordagem crítica às visões deterministas de mundo.

CAPÍTULO 1

6

Capítulo 1

CAUSAÇÃO1: VISÃO HISTÓRICA

1.1 Sobre os Conceitos Históricos da Causação

A filosofia de Peirce fundamenta-se nas categorias formuladas pelo autor,

ou seja, em conceitos elementares e universais que reúnem em formas lógicas toda a

experiência e diversidade do mundo. Neste sentido, Peirce, ao contrário de outros

filósofos2, aponta que a noção de causalidade não pode ser vista de modo restrito,

como algo necessário e invariável. Para o autor, esta concepção estreita não se

conforma a uma moldura evolucionista de mundo, nem explica a questão do acaso,

das coisas acausais.

Peirce foi, em sua época, um dos únicos e, sem dúvida, um dos maiores

críticos da noção de causalidade biunívoca, ou seja, da noção de uma causalidade

determinista, na qual a relação causa efeito ocorre de forma necessária e imutável.

1 Em CP, Peirce utiliza o termo causation em 120 citações e o termo causality apenas 25 vezes. E, a meu

ver, o termo causality é utilizado pelo autor, quando o mesmo quer reforçar o aspecto de lei, ou seja, o

principio da causalidade comumente aceito pela comunidade em geral como, por exemplo, em: ―But, it

will be said, you forget the laws which are known to us a priori, the axioms of geometry, the principles

of logic, the maxims of causality, and the like. Those are absolutely certain, without exception and

exact. To this I reply that it seems to me there is the most positive historic proof that innate truths are

particularly uncertain and mixed up with error, and therefore a fortiori not without exception. This

historical proof is, of course, not infallible; but it is very strong. Therefore, I ask how do you know that a

priori truth is certain, exceptionless, and exact? You cannot know it by reasoning. For that would be

subject to uncertainty and inexactitude. Then, it must amount to this that you know it a priori; that is,

you take a priori judgments at their own valuation, without criticism or credentials. That is barring the

gate of inquiry‖ (CP 1.144).

De forma análoga, no ―Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia‖ de André Lalande, encontramos o

termo Causação (causation) como ―ação de causar‖; e Causalidade (causality) como ―qualidade de causa;

relação atual entre causa e efeito‖. Assim sendo, preferimos adotar o termo ―causação‖ ao invés de

causalidade não só em respeito ao termo original ―Causation e Force‖, mas também para desassociá-lo

do princípio da causa e efeito como algo necessário e invariável. 2 Por exemplo, os filósofos de tradição nominalista.

7

Dentre vários argumentos que o autor utiliza para defender sua visão – das quais

detalharemos neste trabalho – Peirce aponta que a própria concepção de causa varia

em função dos diferentes momentos históricos da cultura científica.

Aqueles que fazem da causalidade um dos elementos originais no universo ou uma das categorias fundamentais do pensamento - grupo ao qual você logo descobrirá ao qual não pertenço - têm que explicar um fato muito estranho, qual seja, que as concepções humanas sobre uma Causa são, em diferentes estágios da cultura científica, inteiramente diferentes e inconsistentes. O grande princípio da causação, que dizem, é absolutamente impossível de descrer, foi uma proposição em um período da história e algo inteiramente disparatado em outro, e segue sendo uma terceira para o físico moderno. A única coisa que permaneceu sobre a questão, para usar a expressão do meu amigo Carus, uma ktéma ex aei,

3 semper eadem,

4 foi seu nome. (CP 6.66)

Desta forma, a contribuição de Peirce para a teoria da causalidade pode ser

considerada original na medida em que ele rejeita o determinismo e concebe que

existem, na natureza, fatos não causados e espontâneos, ou seja, que o acaso é

ontológico e opera na realidade.

Ao analisar a obra de Peirce, podemos encontrar uma correspondência entre

a teoria da causalidade e a sua fenomenologia, ou seja, com as suas categorias da

experiência. Segundo IBRI (1992), Peirce, ao inventariar as classes de experiência

do cotidiano, distingue tipos de três categorias: primeiridade, segundidade e

terceiridade.

A primeiridade está associada com nossa capacidade de simplesmente ―ver‖

a experiência do cotidiano, sem a noção de alteridade ou determinação. Primeiro é

aquilo que é livre e não determinado. É o que é sem referência ou relação com outra

coisa. Trata-se de mera potencialidade, de indeterminação e vagueza. Dentre os

elementos constitutivos de uma idéia, refere-se à sua qualidade intrínseca de

sentimento, que não pode ser explicado nem nominado. É um estado de consciência,

presente em todo momento de tempo, enquanto dure.

3 NT, posse eterna, para sempre.

4 NT, sempre a mesma.

8

Já a segundidade traz a noção de alteridade, da noção de ―um outro‖ que

opõe e resiste. Trata-se de algo que permanece, a despeito da nossa vontade. Ela

está associada a nossa capacidade de ―atentar para‖ a experiência de natureza

específica, ou seja, o fato duro. É uma experiência bruta, que reage contra nós aqui

e agora. A segundidade é factual, força bruta e irracional, independente de qualquer

regularidade. Dentre os elementos constituintes da idéia, é aquilo que afeta outra

idéia. Gera no outro uma oposição, tem caráter de negação, de não-ego.

A terceiridade está associada à faculdade de ―generalizar‖ nossa

experiência. Trata-se da categoria do pensamento, em conformidade com um geral.

Neste sentido, a realidade é um processo de representações sucessivas do objeto e,

portanto, sujeito a erros. Cabe notar que, para que a realidade possa ser

representada, ela necessita ser ordenada, ou seja, ter um padrão capaz de ser

reconhecido e interpretado. É a instância da generalização a partir da factualidade

da segundidade. É a tendência de uma idéia trazer outras idéias consigo, de

estabelecer idéias mais gerais através da associação com outras idéias.

Estas três categorias estão respectivamente associadas às experiências de

qualidade, reação e pensamento. A Primeiridade é a pura presentidade dos

fenômenos, ―tal como é‖; Segundidade é luta e resistência que opõe; Terceiridade é

mediação, relações reais entre as outras categorias. Para Peirce estas três categorias

são onidifusas e estão presentes em tudo o que sejamos capazes de pensar.

Entretanto, estas categorias não são apenas fenomenológicas, mas também

ontológicas. Assim, quando falamos de causalidade, não estamos apenas buscando

associações entre esta noção e os aspectos da Fenomenologia de Peirce, mas

procuramos encontrar o lugar que a questão da causalidade ocupa em sua

Metafísica. É na Cosmologia5 de Peirce que encontraremos o fundamento

ontológico das categorias.

5 Para melhor compreensão da Cosmologia de Peirce, ver IBRI (1992), capítulo 5.

9

Como veremos mais adiante nesta tese, as três categorias de Peirce podem

ser correlacionadas, na Metafísica, com a questão da causalidade, a saber:

▪ Primeiridade: corresponde a relações acausais, espontâneas, fruto do

acaso, do não determinado;

▪ Segundidade: corresponde à causa eficiente de Aristóteles, força bruta e

irracional, dual, associada à relação causa e efeito;

▪ Terceiridade: corresponde à causa final, mediada.

Antes, porém, de adentrarmos na teoria da causalidade de Peirce,

apresentaremos, sem evidentemente a pretensão de esgotar o assunto, diferentes

formas sobre como a questão da causalidade tem sido considerada historicamente e,

como afirma Peirce, evidenciaremos que não existe um consenso sobre tal conceito.

1.1.1 Causação na Grécia Antiga

Os filósofos jônicos adotavam o conceito de causa como sendo a concepção

sobre ―do que as coisas são feitas‖. Trata-se, neste caso, de uma causa material. O

interesse da escola jônica era reconhecer, dentre as aparências múltiplas e mutáveis,

a unidade que faz da Natureza um mundo: a substância única que constitui o ser e

que regula seu devir. A substância é o principio do ser e do devir. Ela é matéria,

mas também força. Ela é principio, não apenas para explicar ―do que as coisas são

feitas‖, mas, sobretudo, para tornar o mundo inteligível e reconduzir a aparência à

unidade. A Natureza (physis), portanto, tem caráter ativo e dinâmico. Ela não é

substância imóvel, mas é principio de ação e inteligibilidade de tudo o que é

múltiplo e em devir. Cabe notar que, nesta concepção, o homem é somente uma

parte ou um elemento da natureza e, portanto, os mesmos princípios que explicam a

constituição da natureza, explicam a constituição do homem.

10

Segundo HULSWIT (2002), foi Empédocles o primeiro que explicitou a

noção de causa eficiente ao propor uma teoria onde os elementos terra, água, fogo e

ar eram unidos ou separados pelo Amor e Ódio.

Para Empédocles, os quatro elementos são originários e qualitativamente

imutáveis e são capazes de unirem-se e separarem-se espacial e mecanicamente. As

forças cósmicas do Amor ou da Amizade (philía) e do Ódio ou Discórdia (neîkos)

são, respectivamente, responsáveis pela união e separação dos elementos. O

Cosmos nasce, conseqüentemente, deste jogo de forças entre Amor e Ódio. Cabe

ressaltar que, para que o Cosmos exista, não pode haver predomínio de nenhuma

das duas forças, uma vez que se o Amor prevalece absolutamente, os elementos se

reúnem e formam o Esfero (Uno) e, se o Ódio prevalece, os elementos ficam

completamente separados e não há Mundo.

No Timeu de Platão, a noção de causa como algo que provoca uma

transformação é reforçada:

...tudo o que é sensível e pode ser apreendido pela opinião com a ajuda da sensação, está sujeito ao devir e ao nascimento. Afirmamos, ainda, que tudo o que devém só nasce por efeito de alguma causa (Timeu, 28a).

Cabe contextualizar que, ao falar de causa, Platão refere-se ao mundo

sensível (visível, tocável e dotado de corpo), sujeita ao devir e imagem ou cópia do

mundo das idéias. Ou seja, é justamente a característica do devir que implica a

necessidade de uma causa. Através da mediação entre os dois mundos, o Demiurgo

é a causa eficiente deste universo. É seu pai e autor que produz o universo,

contemplando o modelo e transferindo para a cópia as virtudes desse modelo. Desta

forma, o Demiurgo de Platão contempla e produz. Possui, portanto, uma

inteligência (nous) que vê e uma atividade prática e artesanal que cria.

Já na República, Livro VI, Platão, na figura de Sócrates, apresenta a noção

de causa associada à idéia do bem. Segundo o mesmo, toda alma procura o bem e

por sua causa faz tudo. Através de uma analogia com o sol, que permite que

11

vejamos os objetos de modo claro, Platão ressalta a importância do bem para o

saber e a verdade.

Fica sabendo que o que transmite a verdade aos objetos cognoscíveis e dá ao sujeito que conhece esse poder (de exercer a faculdade do saber), é a idéia do bem. Entende que ela é a causa do saber e da verdade, na medida em que esta é conhecida, mas sendo ambos assim belos, o saber e a verdade, terás razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que eles. E, tal como se pode pensar corretamente que neste mundo a luz e a vista são semelhantes ao Sol, mas já não é certo tomá-las pelo Sol, da mesma maneira, no outro, é correto considerar a ciência e a verdade, ambas elas, semelhantes ao bem, não está certo tomá-las, a uma ou a outra, pelo bem, mas sim formar um conceito ainda mais elevado do que seja o bem. (República, 509a)

O Sol, no mundo visível, está associado à idéia do Bem no mundo

inteligível, assim como, a Luz está associada à Verdade e a faculdade da visão está

associada à faculdade da razão. O Sol é o ―filho do bem‖, gerado à sua semelhança.

Portanto, o Sol proporciona às coisas visíveis não só a capacidade de serem vistas,

mas também a sua origem, crescimento e sustentação. Da mesma forma, podemos

dizer sobre a idéia do Bem:

...para os objetos do conhecimento, dirás que não só a possibilidade de serem conhecidos lhes é propiciada pelo bem, como também é por ele que o Ser e a essência lhes são adicionados, apesar de o bem não ser uma essência, mas estar acima e para além da essência, pela sua dignidade e poder. (Ibidem)

O Bem é, na visão de Platão, principio do conhecimento e verdade, causa

de movimento, telos final e fundamento da essência.

Para Aristóteles, causa é um princípio ou pré-requisito (aitiai), seja do

movimento, da natureza ou mesmo da existência do Ser. Como principio, ele pode

ser entendido em quatro sentidos distintos e complementares entre si: material,

formal, causa eficiente e causa final.

A causa material tem o sentido ―aquilo a partir do qual‖6 se origina algo

que permanece. Assim, o bronze é a causa material da estátua e a semente a causa

material de uma árvore. Matéria (hylé) é tudo aquilo que se deixa determinar. Sua 6 Esta descrição de causa, bem como as outras sobre causa eficiente e causa final, foram extraídas de

Física. Livro II, 194b a 195 a

12

origem, em grego, está relacionada com as florestas de onde é retirada a madeira

para a construção de embarcações. A matéria, neste sentido, é pura disponibilidade

e, por si mesma, indeterminada e caótica. É a matéria que possibilita a desordem, os

acidentes e o acaso. A causa formal está associada à forma e ao modelo. Ou seja, a

definição da essência. A forma (morfé ou eidos) é o que determina a matéria. É o

que permite definir o que o ser é, sua natureza. A forma é um conceito, uma idéia. A

forma confere unidade e inteligibilidade à matéria. Ela é a mesma para todos os

indivíduos de uma mesma espécie, mas em outro sentido, é também diferente para

cada ser, uma vez que cada ser tem uma forma específica. Sócrates é, antes de tudo,

homem. Mas, em outro sentido, só Sócrates é Sócrates.

As duas outras causas estão relacionadas com o movimento do ser. A causa

eficiente, ou motor (kínoun), é o principio de onde parte o movimento de um ser. É

―aquilo de onde surge‖ o começo original da mudança ou do repouso. Neste

sentido, o pai é a causa do filho. A causa final define a orientação, a ordem que rege

o movimento em direção a um fim. É ―aquilo para o qual‖ fazemos algo. A saúde é

causa do porque caminhamos. Neste sentido, o ser, desde sua origem, já traz em si

seu termo (telos, em grego, ―fim‖), a existência é um processo de realização deste

fim. Em síntese, a matéria está ligada à existência do ser, a forma à sua natureza, a

causa eficiente ao que age no passado e a causa final ao que age em relação ao

tempo futuro.

A noção de causa eficiente envolve uma forma (eidos) sendo transmitida da

causa eficiente para seu efeito. Ela está sempre associada a algo que produz algo,

seja uma nova substância (madeira em cinzas) ou uma simples mudança de estado

físico (gelo em água). Para Aristóteles, vários agentes podem ser causas eficientes,

seja uma substância (escultor que produz sua obra ou o pai que gera o filho), ou

evento (trabalho pesado gera cansaço e uma invasão pode provocar uma guerra).

Alguns comentaristas, inclusive Peirce, apontam o aspecto materialista da Filosofia

de Aristóteles reduzindo a causa apenas à substância. Neste caso, os eventos são no

fundo gerados por uma coisa ou substância.

13

Uma questão levantada sobre a noção de causa eficiente em Aristóteles diz

respeito ao conceito de necessidade. Se por um lado, Aristóteles defendeu a idéia de

que dado certo efeito, necessariamente algo o causou, ele não inferiu que dadas

certas condições específicas, o efeito seria necessariamente o mesmo. Um filho

necessariamente é fruto de um pai, mas reproduzidas as mesmas condições nas

quais um filho foi gerado, não implica o nascimento de outro filho igual. Entretanto,

como a causa eficiente envolve a noção de transmissão de uma forma, de uma

maneira, ela define e limita o efeito. De um homem, nasce outro homem, não um

cachorro.

Cabe ressaltar que o termo usual usado para a causação, como algo que

produz outro algo distinto de si e precede ao efeito, refere-se apenas ao que

Aristóteles chamou de causa eficiente. É a causa eficiente, a fonte primaria (e

limitadora) da mudança.

PEIRCE (CP 6.66; Causation and Force) comenta o equivoco do que ele

chama de ―estreitamento do conceito moderno de causa‖, ou seja, àquela designada

apenas pela causa eficiente, causa que, por si só, produz um efeito. Em primeiro

lugar, Peirce aponta que a concepção de causa originalmente concebida por

Aristóteles poderia ser dividida em dois aspectos: Ser (causa material e formal) e

Transformar (causa eficiente e final). Neste último sentido, a causa eficiente

correspondia a uma coisa (substância), e não a um evento, que produzia um efeito.

Assim sendo, sua mera existência seria suficiente, mesmo sem que o efeito

necessariamente ocorresse. Em segundo lugar, mesmo quando o efeito se seguia, ele

era forçado, mas não invariável. Desta forma, a causa eficiente como a idéia de uma

causa que é um evento que é necessariamente seguido por outro, é uma idéia

dominante hoje, mas não corresponde a sua concepção original. Aristóteles associou

a causa eficiente não como algo que acontece sempre e necessariamente, mas como

algo que ocorre na maioria das vezes, ou seja, dado um efeito, deve haver certos

fatores que produziram tal efeito, mas isto não implica que, dadas certas condições,

o efeito necessariamente ocorrerá. Uma chuva pode ser provocada por uma

14

mudança de temperatura, mas a mudança de temperatura não implica

necessariamente que vai chover.

Outro erro apontado por Peirce é a tentativa de reduzir as quatro causas de

Aristóteles a apenas uma, dizendo tratar-se apenas de meras distinções verbais. Na

visão de Peirce, os quatro tipos distintos de causas de Aristóteles parecem marcar

diferentes tipos de fatos inferidos retrodutivamente, isto é, da experiência para a

hipótese. A idéia peirceana, radicalmente realista, é que a Natureza silogiza a partir

de uma premissa principal maior, onde as causas são diferentes premissas menores

do desenvolvimento silogístico. Como na lógica aristotélica, premissas distintas,

levam a efeitos distintos.

O próprio Aristóteles, como eu não preciso lembrá-lo, reconhece quatro tipos distintos de causas, que determinam um fato: a matéria à qual ele deve sua existência, a forma à qual ele deve sua natureza, a causa eficiente que age sobre ele desde o tempo passado, e a causa final que age sobre ele em direção ao tempo futuro. Ah, mas como dizem comumente, essas são meramente distinções verbais. Isto, para minha preocupação, é uma daquelas explicações superficiais que aceitamos sem refletir até que outros as examinem melhor, e servem, como o memorando do banqueiro elegante, pour donner le

change7 o incauto. Elas parecem a mim marcar diferentes tipos de fatos inferidos

retrodutivamente -- fatos que, supunha-se, forneciam ao processo universal da Natureza as ocasiões pelas quais diferentes características do fato eram atribuídas. A concepção é que a Natureza silogiza a partir de uma premissa principal maior, e as causas são as diferentes premissas menores do desenvolvimento silogístico da Natureza. Geralmente se sustenta que a palavra "causa" foi simplesmente estreitada àquela das quatro causas aristotélicas que foi designada a partir da circunstância de que ela, por si só, produz um efeito

8. (CP 6.66)

Na linha do tempo, após Aristóteles, a contribuição de maior impacto à

questão da causalidade foi dada pelos estóicos. Estes definitivamente associaram o

conceito de causalidade com regularidade e necessidade. De acordo com HULSWIT

(2002), as principais teses desta escola são:

1. O mundo é regido pelo destino. Dotado de Razão, o mundo estóico é um

sistema de partes que interagem entre si para o benefício do todo;

7 ―só para enganar‖.

8 Como faremos a tradução de todo ensaio ―Causation and Force‖, optamos por não incluir o texto original

nas notas do rodapé. Ele encontra-se completo no anexo 2.

15

2. Nada acontece sem uma causa. Para que o mundo estóico seja ordenado

pelo destino, nada pode ser obra do acaso, sempre deve haver uma causa

antecedente;

3. Causação envolve regularidade, sem exceção;

4. Causação envolve necessidade, ou seja, o mesmo efeito sempre ocorrerá

nas mesmas circunstâncias e não de outra forma. O acaso e a

possibilidade são aspectos apenas da nossa ignorância sobre a relação

causal;

5. Há uma fundamental distinção entre causas internas e externas. De

acordo com Crisipo, somos resultado de duas causas que agem sobre

nós: uma causa externa, auxiliar e aproximada e uma causa interna,

principal e perfeita. De acordo com o mesmo, quando um corpo rola

sobre um plano inclinado, ele desce em decorrência de uma força

externa que o impele para baixo, bem como um percurso específico em

decorrência da sua forma;

6. Da mesma forma, cada ser humano age em resposta a uma causa externa

(destino) e uma interna (natureza da pessoa em si).

Os Estóicos substituem as quatro causas de Aristóteles por dois princípios:

o principio ativo (poioún) e o principio passivo (páschon). Ambos são materiais e

inseparáveis um do outro. O princípio passivo é a matéria, substância privada de

qualidade, e o princípio ativo é a Razão (Deus) que, agindo sobre a matéria inerte,

produz os seres singulares. É o principio ativo que produz as determinações sobre o

principio passivo. Segundo o estoicismo, a razão e causa de tudo é Deus.

Para os estóicos, existe um destino (eimarmenê), uma lei necessária que

rege tudo. Há uma concatenação necessária entre todos os seres e entre passado e

futuro. Todo fato se segue a outro e está por ele determinado. Desta forma, o

conceito fundamental da causalidade é a presença de uma ordem imutável, racional,

16

perfeita e necessária que governa as coisas. Esta ordem é a Natureza e o próprio

Deus. Para o estoicismo, herdeiro das reflexões sobre a Natureza na Grécia Arcaica

e clássica, Deus, Natureza e Logos se confundem. Ser virtuoso é cumprir a

determinação da natureza e cumpri-la é seguir a ordem divina.

A Grécia arcaica das fratrias conotou nômos (lei) como repartição. É a divina Moira que distribui não só o quinhão a cada um, desde o nascimento, mas as esferas da vivência de deuses e homens, das quais nada foge. Essa é a lei. O que se deve cumprir com determinação indelével – o quinhão, a parte que lhe cabe – está aderido ao modo de constituição de cada ser. Assim, Ser e Agir cumprem-se na destinação... Em ultima instância, tudo se forma e se conforma por meio de rígida norma que garante a ordenação do Todo, ordem mantida pelas Moírai e por todas as divindades guardiãs dos limites, elas mesmas cumprindo suas atribuições „destinais‟ em função de seu próprio ser. (GAZOLLA: 1999, pg. 26 e 27)

Desta forma, para os estóicos, é a Natureza quem determina o que somos e

a virtude é agir como somos, seguindo-a.

1.1.2 Pensamento Medieval

A questão da causalidade em Tomás de Aquino, um dos mais significativos

representantes deste período, pode ser compreendida a partir da análise, contida na

Suma Teológica, da sua conhecida cinco vias para provar a existência de Deus.

A primeira via, ou do movimento, parte do princípio de que tudo o que se

move é movido por outro e, numa regressão ao infinito, é necessário admitir um

primium movens que não é movido por nada: Deus. Cabe ressaltar que movimento

aqui é entendido como levar uma coisa de potência a ato. E uma coisa não pode

conduzir algo de potência a ato, a não ser que já esteja em ato. O fogo não pode

aquecer algo, a não ser que já esteja quente.

A segunda via, ou da causa, parte do princípio de que nenhuma coisa pode

ser causa de si mesma. Deve existir um causa primeira e não causada, que produz e

não é produzida: Deus. Nesta prova de Aquino, associada à noção de causa

eficiente, existe uma distinção entre a primeira causa eficiente, primária, e as

17

demais, secundárias. A causa primária, de natureza transcendental, é de ordem

ontológica, sem a qual nada existe. Diferentemente do conceito de Aristóteles, na

qual a causa eficiente é responsável pela mudança ou transformação através da

transmissão da forma, a causa eficiente primária de Aquino produz matéria e forma

através de um ato criativo. A causa primária, Deus, ―é‖ em si e todas as demais

coisas são via participação.

A terceira via, ou da contingência, parte do principio de que todas as coisas

são contingentes, ou seja, podem vir a não ser. Portanto, em dado momento, nada

existiria. Se isto for verdade, nada existiria ainda, por que o que não existe não pode

começar a existir de algo que também não existe. Deve haver algo que não seja

contingente, algo da natureza do necessário: Deus.

A quarta via, dos graus de perfeição, está relacionada à constatação

empírica de que somos ―mais ou menos algo‖, ou seja, o ser é participado e

expresso diversamente. Quanto mais um ente tiver do ser, mais uno verdadeiro e

bom ele é. Ora, só podemos graduar e comparar em relação a um Absoluto, que

possui o ser de modo absoluto, que dá sem receber, que permite a participação sem

ser partícipe, que é fonte de tudo que existe: Deus.

A quinta via, ou do finalismo, parte da constatação de que os corpos físicos

operam para um fim e, assim o fazem, porque dirigidos por um ser inteligente e

ordenador supremo: Deus. Aquino constata que mesmo as coisas que carecem de

conhecimento agem sempre, ou quase sempre, do mesmo modo, para obter a

perfeição. Agem, portanto, em função de um fim. Aquilo que não tem inteligência

só tende a um fim se for dirigida, como a flecha lançada pelo arqueiro, por um ente

dotado de inteligência.

Cabe ressaltar que, como Aristóteles, Aquino faz uma distinção entre causa

final interna e externa. Todas as coisas naturais agem de acordo com sua própria

causa interna, em direção a auto-realização, e uma causa final externa, Deus, para a

qual tudo se dirige. Para Aquino, a causa final precede e subordina a causa

eficiente, na medida em que esta ultima é apenas meio para um fim.

18

Para Aquino, a causa final acarreta dois tipos distintos de necessidade: uma

associada à questão da relação causa-efeito e outra denominada necessidade

condicional. A relação causa-efeito age de uma forma distinta nas coisas ditas

naturais e nas voluntárias. Para ele, as coisas naturais tendem a um fim de acordo

com a sua forma. Neste caso, a necessidade é absoluta, uma vez que é

completamente determinada pela sua forma. Ao contrário, nas coisas voluntárias

vemos uma necessidade relativa, uma vez que o fim ou causa final não determina

necessariamente o modo como o fim será atingido. Neste caso, se determina ―o

que‖, mas não o ―como‖. Observe-se, também que a necessidade condicional não é

absoluta, mas do tipo relacional (se e somente se), na qual o efeito depende da

existência da causa. A vida só é possível, se e somente se, houver ar. Neste caso,

porém, o efeito não é dedutível através da causa.

1.1.3 Revolução Científica

O ano de 1543, na qual foi publicado o De revolutionibus de Nicolau

Copérnico, até o ano de 1687, na qual foi publicado o Philosophiae naturalis

principia mathematica de Isaac Newton, demarcam um período conhecido por

―revolução científica‖. Este período é caracterizado pela mudança nas idéias sobre a

imagem do universo, sobre a ciência e, conseqüentemente, sobre a distinção entre o

saber científico e a fé religiosa.

Copérnico, ao propor sua tese heliocêntrica, muda a imagem do mundo e do

homem, reafirmando o papel da Ciência no saber. O conhecimento não é mais fruto

do discurso metafísico predominante no período Medieval, mas investigação sobre

o mundo da natureza. O discurso se qualifica como tal com base em demonstrações

sensatas e demonstrações necessárias. É através da experiência, e não do dogma da

Fé, que se obtêm as ―proposições verdadeiras‖ sobre o mundo.

O traço mais marcante deste período é o predomínio do método científico,

metodologicamente regulado e publicamente controlável. É este método que

19

garante a autonomia da Ciência em relação à Fé. Não se trata mais de vontade

divina ou cosmologia contida na Bíblia sagrada, mas descrição do mundo com base

no método.

O método também desloca o foco da ciência do ―saber das essências‖,

segundo a tradição aristotélica, para o saber dos acontecimentos de modo objetivo.

Não estamos mais falando do ―o que‖ são as coisas, mas ―como‖ elas são.

Esse novo tipo de douto gerado pela revolução científica, precisamente, não é mais o mago ou o astrólogo possuidor de um saber privado ou de iniciados, nem o professor universitário comentador e intérprete dos textos passados, e sim o cientista autor de nova forma de saber, público, controlável e progressivo, isto é, de uma forma de saber que, para ser validado, necessita de contínuo controle da práxis, da experiência. A revolução científica cria o cientista experimental moderno, cuja experiência é o experimento, tornado sempre mais rigoroso por novos instrumentos de medida, cada vez mais precisos. (REALE & ANTISERI: 2003, v.3, pg. 147)

Um dos maiores expoentes deste período foi Galileu Galilei. Através da

observação via telescópio, dentre outras coisas, Galileu descobriu os satélites de

Júpiter, descobriu os anéis de saturno e reconheceu as manchas solares. Esta última

observação, aliás, constituiu, como o próprio Galileu comentou, o funeral da ciência

aristotélica, uma vez que desmentia a perfeição do Sol e do mundo criado por Deus.

Uma das mais importantes contribuições de Galileu foi a sistematização do

método científico. Segundo o mesmo, três seriam os principais princípios deste

método: a necessidade da observação dos fenômenos tais como ocorrem, sem a

influência de preconceitos, seja de natureza religiosa ou filosófica; o uso da

experimentação para legitimação da verdade; e o estabelecimento de que o correto

conhecimento da natureza exige uma regularidade matemática.

Estes princípios acarretariam na concepção de um mundo distinto da

concepção do finalismo aristotélico e escolástico, onde a natureza cumpre um

desígnio, e o substitui por um mundo constituído de fenômenos mecânicos. É o

inicio do predomínio de mundo explicado apenas pela causa eficiente.

20

1.1.4 Causação na Filosofia Moderna

De acordo com MORFINO (2009), uma das questões centrais da filosofia

Moderna é o embate entre necessidade e contingência. Ou o mundo é visto como

algo que segue as leis da natureza, onde não há liberdade, ou a causalidade não pode

ser vista com a única lei da qual derivam os fenômenos do mundo. Neste caso,

como afirma KANT (2001) nas antinomias da Crítica da Razão Pura, deve-se

admitir uma causalidade mediante liberdade. Evidentemente, vários são os autores

que discorrem e defendem cada um dos lados da moeda. Esta síntese abordará

alguns dos representantes mais significativos das duas correntes, sem pretender

esgotar a lista.

1.1.4.1 Descartes

A visão de mundo daquele que é considerado ―fundador da filosofia

moderna‖ é a de um mundo mecanicista. Descartes, ao contrário do pensamento

medieval, propõe um mundo corpóreo composto por partículas em movimento.

Matéria é apenas extensão e o mundo obedece a princípios mecânicos. Só há uma

substância material, que recebe seu poder de movimento através de um agente

externo e, devido ao movimento, adquire suas formas e figuras. Assim, todas as

formas e propriedades que percebemos no mundo são decorrentes do movimento da

matéria. Para Descartes, ao contrário de Aristóteles, não há necessidade de recorrer

a noções como qualidades e formas substanciais.

Conseqüentemente, como Descartes defende um mundo natural formado de

matéria e movimento, as leis da natureza também são leis do movimento da matéria,

constituindo um mundo mecânico. Em Descartes, não há, por exemplo, argumentos

para a aceitação da transmissão da forma da causa ao efeito (como pensava

Aristóteles). Não há causa formal nem final, apenas causa eficiente. O modo de

pensar do autor acerca do processo mecânico de causa fica claro até mesmo quando

Descartes comenta sobre as causas das paixões:

21

Pelo que foi dito, compreende-se que a última e mais próxima causa das paixões da alma é tão somente a agitação com que os espíritos movem a pequena glândula que existe no meio do cérebro. Mas isso não basta para poder distingui-las uma das outras: é necessário procurar suas origens e examinar suas primeiras causas. Ora, ainda que às vezes elas possam ser causadas pela ação da alma, que se decide a conceber estes ou aqueles objetos, e também pelo simples temperamento do corpo, ou pelas impressões que se encontram fortuitivamente no cérebro, como acontece quando nos sentimos tristes ou alegres sem poder mencionar algum motivo disso, no entanto, pelo que foi dito vê-se que todas as mesmas paixões podem também ser excitadas por objetos que movem os sentidos, e que esses objetos são suas causas mais comuns e principais. Segue-se daí que, para encontrá-las todas, basta considerar todos os efeitos desses objetos. (DESCARTES: 2005, pg. 67)

Esta visão mecanicista, entretanto, não elimina Deus. Ao contrário, Ele é a

causa primeira do movimento. Descartes afirma explicitamente que nós não somos

causa de nós mesmos, mas somos causados por Deus. É Ele a causa geral do

movimento de todas as coisas, a causa eficiente de tudo. Ele criou a matéria, seu

movimento e o resto e as mantém constantes em quantidade. Descartes também

considera que as causas particulares, que explicam, por exemplo, como um objeto

parado começa a se movimentar, são devidas à Deus. Ele faz isso de acordo com as

leis da natureza (leis do movimento). Causa secundária para Descartes, portanto, é

um tipo de lei regido, em última instância, por Deus.

1.1.4.2 Espinosa

A visão racionalista de mundo de Espinosa foi influenciada por Descartes.

Contrariamente, porém, Espinosa não faz uma distinção entre mente e matéria. Sua

visão é a de uma substância única, absoluta que existe em si e por si mesma, que

pode ser concebida em si e por si mesma e sem a qual nada existe ou pode ser

concebido. A substância é potência absoluta de produção de si e de todas as outras

coisas. Nesta substância, ser, existir e agir coincidem. O universo inteiro é

constituído por esta substância: Deus.

Para o autor, a substância é percebida através de seus atributos. A

substância, Deus, sendo absoluta possui infinitos atributos, apesar de nós somente

conseguirmos distinguir dois deles: mente e extensão. Desta forma, enquanto em

22

Descartes mente e matéria são duas substâncias distintas, em Espinosa, eles são

atributos, formas de expressão, de uma mesma substância.

Há, para Espinosa, duas maneiras distintas de existir: a existência em si e

por si (da substância e seus atributos) e a existência em outro e por outro (dos

efeitos da substância). A esta segunda existência dá-se o nome de modos da

substância. Corpo e alma são modos, ou efeitos, da substância. O que explica a

passagem da substância absoluta e infinita para seus modos finitos é o fato da

essência da substância ser uma potência. Como potência, a substância é um ser

único, que se expressa de diversas formas, infinitamente diferenciada e contínua,

capaz de produzir em si uma infinidade de coisas naturais finitas (seus modos).

Uma grande diferença entre Descartes e Espinosa diz respeito a esta questão

de modo (ou efeito). Enquanto que, para Descartes, Deus é a causa eficiente e

transitiva de tudo, para Espinosa, Deus é causa imanente das coisas, ou seja, não é

uma causa que se separa do seu efeito após produzi-lo, mas é uma causa que se

exprime nos efeitos e eles O exprimem. Há uma unidade, não uma separação.

Além disso, para Espinosa, a manifestação destes atributos ocorre segundo

uma ordem necessária que rege todos os seres do universo. Desta forma, tudo o que

existe possui uma causa imanente necessária e determinada para ser o que é.

(Para Espinosa) tudo o que existe possui causa determinada e necessária para existir e ser tal como é: é da essência dos atributos causar necessariamente as essências e potências de todos os modos; é da essência dos modos infinitos encadear as séries causais das idéias e de corpos que dão existência aos modos finitos. Não há contingência no universo. Tudo o que existe, existe pela essência e potência necessárias dos atributos e modos de Deus. (CHAUI: 1995, pg. 48)

Importante notar que a noção de causalidade em Espinosa é distinta do

conceito mecanicista de causa eficiente. Para o autor, a causalidade é decorrente de

uma dedução lógica matemática. Assim como deduzimos, da definição do triângulo,

que a soma dos seus ângulos internos é 180 graus, os efeitos (modos da substância)

da substância são produzidos de acordo com uma ordem dedutiva, que não obedece

a nenhuma finalidade. Não há, em Espinosa, causa final. As essências dos modos

23

finitos são expressões certas e determinadas da potência de Deus, condicionadas por

um nexo de causas necessárias, sem objetivo específico.

Esta ontologia do necessário, entretanto, não elimina a liberdade.

Necessidade e liberdade não são idéias opostas, mas concordantes e

complementares. Liberdade é a manifestação espontânea e necessária da própria

potência interna da essência da substância (Deus) e da potência interna da essência

dos modos finitos (homens). Ser livre é seguir a essência, de modo que ser, existir e

agir coincidam. Como afirma Espinosa na Ética: ―Diz-se livre o que existe

exclusivamente pela necessidade da sua natureza e por si só é determinado a agir;

e dir-se-á necessário, ou mais propriamente, coagido, o que é determinado por

outra coisa a existir e a operar de certa e determinada maneira (ratione)9‖. Não há

escolha voluntária ou contingente, mas um agir em sintonia consigo mesmo. A

servidão ocorre quando, enfraquecidos, nos submetemos a forças externas

incompatíveis com nossa essência. Uma analogia atual da concepção de liberdade

de Espinosa seria o vício. Fumar ou consumir bebida alcoólica não é livre arbítrio,

pelo contrário, trata-se de uma dependência química ou psicológica que afeta

negativamente a essência da nossa potência. Ser livre é manter mente e corpo sãos,

não por que esta seja uma finalidade do ser humano, mas porque é da sua própria

natureza viver bem.

1.1.4.3 Leibniz

Como vimos, na visão racionalista de Descartes e Espinosa, não há espaço

para o conceito de ―fim‖ ou ―causa final‖ nem para a substância entendida como

―forma substancial‖. Leibniz resgata estes conceitos, fazendo uma mediação entre a

visão antiga e a revolução científica de Bacon e Descartes. Para tanto, ele propõe

uma distinção entre filosofia e ciência. Enquanto a filosofia indaga sobre os

princípios universais por meio das formas substanciais e perspectiva finalista

9 Ética, 1989, pg. 12.

24

global, a ciência encarrega-se do fenômeno específico, em seu aspecto material e

mecanicista.

Esta distinção entre o âmbito filosófico e científico não ocorre de maneira

simples, como uma mera separação, mas envolve uma revisão nos próprios

fundamentos que sustentavam o mecanicismo. Para Leibniz, o mundo corpóreo não

pode ser apenas extensão e movimento. Isto, não explicaria, por exemplo, a

resistência dos corpos (inércia) ao movimento e a necessidade de uma força para

colocá-la em movimento. Leibniz aponta que Descartes erra ao afirmar que a

quantidade de movimento é constante. Para ele, o que, de fato, é constante é uma

energia cinética, ou uma ―força viva‖ (como ele chamava). Trata-se de uma

mudança significativa na física mecânica: do movimento (mv= massa x velocidade)

para força ou energia (mv²= massa x velocidade ao quadrado). Esta constatação

física implica a afirmação de que os elementos constitutivos da realidade estão além

do tempo, espaço e movimento, mas apresentam um conceito de força, de domínio

metafísico.

Para Leibniz extensão, que é multiplicidade, supõe unidade e movimento

supõe ação (força). Há, portanto, nos corpos unidade e atividade. Leibniz concebe

substância como uma enteléquia ou mônada. A mônada é a realidade fundamental,

a substância individual, simples, sem extensão e principio da atividade. Cada

mônada é una e inteligível, capaz de ação. A mônada é uma substância simples

enquanto tem em si a sua própria determinação e perfeição essencial, ou seja,

autonomia e finalidade. São duas as atividades fundamentais de uma mônada: 1)

percepção ou representação e 2) apetição ou tendência a sucessivas percepções

(volição em direção a causa final). Cabe ressaltar que percepção não significa

consciência e entendimento. Leibniz faz uma distinção entre o simples perceber e

perceber consciente, chamado por ele de apercepção. Todas mônadas percebem,

mas nem todas apercebem. Isto depende do seu grau de perfeição.

Mas o que as mônadas percebem e representam? Para Leibniz, cada

substância expressa exatamente todas as outras, em decorrência das relações que ela

25

tem com as demais, ou seja, ―cada mônada representa todo o universo10

‖. Cada

mônada contém tudo, em graus distintos de percepções e sob diversos ângulos.

Apesar de tudo conter tudo, cada mônada é única, diversa de todas as outras. Não

existem, no universo, duas coisas iguais.

Toda substância é como um mundo completo ou como um espelho de Deus ou do universo inteiro que cada uma expressa à sua maneira, mais ou menos como uma mesma cidade é representada de maneira variada dependendo das diferentes posições das quais é vista. Assim o universo é, de certa forma, multiplicado por tantas quantas representações inteiramente diferentes do seu trabalho [de Deus]. Pode-se mesmo dizer que cada substância carrega de certa forma o caráter da sabedoria e onipotência infinitas de Deus e o imita tanto quanto pode. Por expressar, ainda que confusamente, tudo o que acontece no universo, seja passado, presente ou futuro, tem alguma semelhança com uma percepção ou conhecimento infinitos. E uma vez que todas as outras substâncias por sua vez expressam essa substância e acomodam-se a ela, pode-se dizer que ela estende seu poder sobre todas as outras, numa imitação da onipotência do criador. (Discursos sobre metafísica 9; AG 42 apud PERKINS, 2009, pg. 107)

Para Leibniz, a melhor forma de compreender a mônada é através da

metáfora com a mente humana. Trata-se de uma coisa unitária e indivisível com

vida interna e capaz de conectar-se com todas as outras. Em cada mônada, assim

como na mente, deve haver potencialmente todo o mundo. Cada mônada é o

espelho do universo e inteligível. Cada mônada é um microcosmo, que contém em

si todas as leis do universo.

A concepção de substância como uma mônada acarreta uma mudança

importante na questão da causalidade. Resgatando o conceito de causa final de

Aristóteles, Leibniz, sem abandonar a causa eficiente, defende que tudo que existe

possui uma causa final, que define seu propósito e existência. Podemos

mecanicamente explicar que vemos porque temos olhos, mas devemos também

considerar que os olhos foram feitos para ver. A primeira explicação é científica, a

segunda metafísica.

Leibniz distingue as verdades da razão e as verdades de fato. Um cão latir é

uma verdade da razão, mas o fato do cão estar sentado ao lado de seu dono pode ser

uma verdade de fato. As verdades da razão são aquelas cujo oposto é impossível (se

10

Monodologia 62 apud PERKINS, 2009, pg. 132.

26

o cão miasse ao invés de latir, não seria cão) e estão baseadas na afirmação de que

todo predicado de uma substância provém da natureza da própria substância e tem

nela sua explicação. Ou seja, se eu for capaz de ter uma noção perfeita da natureza

de uma substância, sou capaz de deduzir todos os predicados deste sujeito e prever

sua ação. Esta afirmação está fundamentada nos principio da identidade e da não

contradição que afirmam que, se um predicado fosse alheio à sua substância, ela

seria uma coisa e outra coisa ao mesmo tempo, o que fere os dois princípios. As

verdades de fato se referem aos acontecimentos contingentes e baseiam-se no

principio da razão suficiente que afirma que toda coisa que acontece de fato ―tem

uma razão que é suficiente para determinar porque aconteceu assim e não de outra

forma‖. Tudo tem uma explicação, mesmo que a desconheçamos (deve haver uma

razão para o cão estar sentado ao lado de seu dono, mesmo que não saibamos o

porquê).

Para Leibniz, a razão suficiente última do Universo e, portanto, explicação

de tudo, é Deus. Ele é o arquiteto que projeta e cria o mundo, não pela via da causa

eficiente necessária como em Descartes, mas através de uma escolha moral. Dentre

todos os mundos possíveis, Deus escolheu o mais perfeito, o melhor dos mundos

possíveis. Percebe-se que, na visão de Leibniz, a causalidade está ligada com uma

espécie de pré-destinação interior, espontânea. Cada mônada age de forma

espontânea, em decorrência de seu próprio princípio ativo causal (fica claro uma

inspiração nas formas substanciais de Aristóteles). Não há interação do tipo ―causa

e efeito‖ entre as substâncias, desta forma, nenhuma substância exerce influência

sobre a outra. Esta aparente interação ocorre através de uma harmonia pré-

estabelecida por Deus. É Ele quem programa o mundo de forma sincrônica. Como

um grande relojoeiro que regula todos os relógios para tocarem ao mesmo tempo.

Mas não é um relógio que funciona apenas de acordo com seus mecanismos, mas

sim devido a uma razão suficiente, uma causa que não só é poderosa como sábia.

27

1.1.4.4 David Hume

A discussão sobre causalidade sofre uma espécie de ruptura com a visão de

Hume. Para o autor, o conceito de causalidade usualmente é derivado de alguma

relação entre os objetos, a saber: 1) contigüidade no tempo e espaço entre causa e

efeito; 2) prioridade temporal, ou sucessão, da causa em relação ao seu efeito; 3)

conexão necessária entre causa e efeito. Para Hume, entretanto, não há como

justificar, do ponto de vista estritamente racional, estas conexões. Trata-se de uma

ilusão, de algo que passamos a acreditar por força da experiência repetida.

Segundo o autor, duas são as razões pelas quais acreditamos na

causalidade: 1) a de que tudo que começa a existir deve ter uma causa para sua

existência; 2) a de que tudo deve ter uma causa, pois, se alguma coisa carecesse de

causa, ela seria produzida por si mesma. Para o autor, estas questões constituem

premissas impossíveis de demonstração racional. Diferentemente de um ―quadrado

redondo‖ que não tem como ser pensado, Hume argumenta que é possível imaginar,

através do princípio da separabilidade, causa e começo como idéias distintas e

separáveis, ou seja, a idéia de uma causa de existência como algo distinto de um

começo da existência. Conseqüentemente, a máxima de que ―tudo que começa tem

uma causa‖ não é intuitiva nem demonstrativa.

Isto não significa que Hume negue a máxima de que ―tudo deve ter uma

causa‖ como verdadeira, apenas enfatiza que não se trata de algo intuitivamente ou

demonstrativamente certa. Desta forma, em Hume, a causalidade tem uma

conotação filosófica ou psicológica, não lógica.

Para o autor, todas as percepções do espírito humano se resumem a dois

tipos: impressões e idéias ou pensamentos. As impressões são todas as sensações

que penetram com força na nossa consciência, decorrentes da experiência em si. As

idéias e pensamentos são imagens enfraquecidas, decorrentes das impressões. Não

existe idéia que não tenha um precedente na impressão. Hume nega a idéia abstrata

e restringe-se apenas às idéias particulares tomadas como sinais de outras idéias

particulares e semelhantes a elas. Segundo o autor, esta relação entre idéias

28

semelhantes é decorrente do nosso hábito em juntá-las. Hume reconhece três únicos

princípios de reunião das idéias: semelhança, contigüidade no tempo e espaço e

causalidade. Assim, a foto de uma pessoa nos remete à mesma por semelhança, uma

escola à rua onde está localizada (por contigüidade no espaço), uma gravidez nos

faz pensar no nascimento da criança (por contigüidade no tempo) e um acidente de

automóvel imediatamente nos remete aos estragos do veículo, em decorrência da

relação causa efeito.

Para Hume, a relação causa-efeito é apenas um hábito das idéias. Ela não

pode ser conhecida a priori, mas apenas por experiência. Neste sentido, ela não

carrega em si a questão da necessidade objetiva, ou seja, causa e efeito são dois

fatos distintos e independentes. Como a experiência sempre se refere ao passado,

ela nada pode afirmar acerca do futuro. Mesmo uma experiência que se repete

várias vezes (por exemplo, o nascimento do Sol) não pode ser vista como algo

determinado em si.

Para o autor, é o homem que julga ser necessária a causalidade. Trata-se,

pois, de uma questão subjetiva associada ao princípio da natureza humana de formar

hábitos. Necessitamos do hábito para viver e nos adaptarmos ao cotidiano futuro;

sem ele não conseguiríamos agir. O hábito é um guia prático, é um manual de

sobrevivência, mas não se trata de um principio racional e necessário.

...não apenas nossa razão nos falha na descoberta da conexão última entre causas e efeitos, mas, mesmo após a experiência ter-nos informado de sua conjunção constante, é impossível nos convencermos, pela razão, de que deveríamos estender essa experiência para além dos casos particulares que pudemos observar. Nós supomos, mas nunca conseguimos provar, que deve haver uma semelhança entre os objetos de que tivemos experiência e os que estão além do alcance de nossas descobertas... A razão jamais pode nos mostrar a conexão entre dois objetos, mesmo com a ajuda da experiência e da observação de sua conjunção constante em todos os casos passados. Portanto, quando a mente passa da idéia ou impressão de um objeto à idéia de outro objeto, ou seja, à crença neste, ela não está sendo determinada pela razão, mas por certos princípios que associam as idéias desses objetos, produzindo sua união na imaginação. Se as idéias não fossem mais unidas na fantasia que os objetos parecem ser no entendimento, nunca poderíamos realizar uma inferência das causas aos efeitos, nem depositar nossa crença em qualquer questão de fato. A inferência, portanto, depende unicamente da união de idéias. (HUME: 2009, pg. 120 e 121)

29

A causalidade não está nas coisas, mas na nossa mente, por força do hábito,

das associações de semelhança, contigüidade e causa e efeito. Conseqüentemente,

não existe relação de causalidade a priori, ou seja, dado um A que causa B, não é

impossível supor que dado A, B não ocorra.

A relação causa e efeito ocorre por inferência. No raciocínio causal, a

mente vai além dos objetos presentes na percepção e infere a existência de uma

relação causa e efeito pela presença de uma impressão, ou idéia de memória, que

serve como espécie de fundação que remove a dúvida. Acreditamos que se

colocarmos nossa mão em uma panela quente, o calor poderá queimar a nossa mão

e, conseqüentemente, sentiremos dor. Desta forma, evitamos o gesto e cuidamos

para que nossos filhos também sigam nosso conselho. Mesmo quem nunca tocou

em uma panela quente, imagina a sensação de dor, de tanto que seus pais e avós o

alertaram. Tal impressão serve de fundação básica para a inferência. Existem, pois,

três estágios numa inferência de causa e efeito: 1) existência de uma impressão

original; 2) existência de uma transição a uma idéia de causa e efeito conectada (por

contigüidade, sucessão e conjunção constante); 3) existência de uma qualidade

especial agregada à idéia inferida, isto é, uma crença (forma de hábito).

Por trás deste raciocínio, existe a inferência de que objetos semelhantes em

aparência são atendidos com efeitos semelhantes. Hume considera tal inferência

―justa‖, mas não necessária e demonstrável. Apenas provável.

Em síntese, Hume argumenta que a causalidade não constitui uma relação

logicamente necessária que não pode ser conhecida a priori, ao contrário, ela

depende da força do hábito formada por certa regularidade naquilo que observamos.

1.1.4.5 Kant

A visão de Hume acerca de uma causalidade que não pode ser explicada

pela via da razão, mas apenas pela força do hábito, provoca um forte impacto em

Kant. A fim de salvaguardar a epistemologia das conseqüências desta visão, Kant

30

propõe uma mudança de perspectiva, que ele chamou de ―revolução copernicana‖,

deslocando o foco do ―estudo dos objetos‖ para o ―estudo da Razão‖, ou seja, de

como esta compreende os objetos. Inspirado nos avanços da geometria e física

como ―caminhos seguros para a ciência‖, Kant afirma que ambas só se

desenvolveram quando perceberam que elas eram fruto da criação humana.

Aquele que primeiro demonstrou o triangulo isósceles (fosse ele Tales ou com quer que chamasse) teve uma iluminação; descobriu que não tinha que seguir passo a passo o que via na figura, nem o simples conceito que dela possuía, para conhecer, de certa maneira, as suas propriedades; que antes deveria produzi-la, ou construí-la, mediante o que pensava e o que representava a priori por conceitos e que para conhecer, com certeza, uma coisa a priori nada devia atribuir-lhe, senão o que fosse conseqüência necessária do que nele tinha posto, de acordo com o conceito. (CRP B XII)

Kant acrescenta:

Quando Galileu fez rolar no plano inclinado as esferas, com uma aceleração que ele próprio escolhera, quando Torricelli fez suportar pelo ar um peso, que antecipadamente sabia idêntico ao peso conhecido de uma coluna de água, ou quando mais recentemente, Stahl transformou metais em cal e esta, por sua vez, em metal, tirando-lhes e restituindo-lhes algo, foi uma iluminação para todos os físicos. Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta; de outro modo, as observações feitas ao acaso, realizadas sem plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão procura e de que necessita. (CRP B XIII)

De forma análoga, Kant propõe que se faça algo semelhante na metafísica,

ou seja, tanto a intuição (conhecimento sensível) quanto o intelecto (conhecimento

inteligível) é que regulam os objetos. São estes que, na verdade, são percebidos de

acordo com a natureza da faculdade intuitiva e são pensados de acordo com a

natureza do intelecto. Ou seja, ―das coisas, nós só conhecemos a priori daquilo que

nós mesmos nelas colocamos‖ (CRP B XVIII).

A visão nominalista de Kant (e também de Hume) traz uma mudança

radical na forma de pensar causalidade. Para ele, causalidade é um conceito a priori

e não, como até então pensado, conseqüência da nossa observação. A causalidade

não está no mundo, mas em nós. A idéia é que o sujeito constitui o mundo por

31

faculdades que lhe são transcendentais: a sensibilidade (intuições) e o entendimento

(conceitos).

Em sua Estética Transcendental, Kant investiga o conhecimento dos

sentidos e conclui que nossas intuições puras (que prescindem do empírico) são

apenas duas: tempo e espaço. Sem estas noções não seriamos capazes de perceber o

mundo tal qual nos é dado. Da mesma forma, mesmo sem saber o que veremos

amanhã, sabemos que as coisas estarão situadas no tempo e espaço.

Em sua Analítica Transcendental, Kant investiga o entendimento, ou seja,

como as coisas são pensadas, e chega a uma conclusão análoga de que existem

categorias, ou conceitos puros, que constituem estruturas transcendentais do

intelecto e correspondem à função lógica nos juízos (CRP, 95 e 96). Desta forma,

Kant enumera doze categorias, ou modos de pensar (leges mentis).

Para Kant, pensar é julgar, ou seja, estabelecer uma conexão entre um

conceito que funciona como sujeito (A) e outro conceito que funciona como

predicado (B). Quando o conceito que funciona como predicado (B) está contido no

conceito que funciona como sujeito (A), o juízo é dito analítico. Ao contrário,

quando o conceito que funciona como predicado (B) não está contido no sujeito (A),

portanto tratando-se de uma ampliação do conceito, dizemos que o juízo é sintético.

O juízo analítico ocorre por decomposição, de acordo com o principio da

identidade. O juízo sintético se dá por extensão, por adição. O primeiro sempre

prescinde da experiência, já o segundo pode ser a posteriori ou a priori. A questão

para Kant era justamente investigar como se dava o juízo sintético a priori, ou seja,

em que se apóia o intelecto quando pensa encontrar um predicado B fora do

conceito A, sem o auxílio da experiência?

A resposta de Kant é clara: no próprio sujeito, ou seja, no seu modo de

pensar, ou seja, julgar. Para o autor, formar conceitos é unificar, sob uma

representação comum, um múltiplo. Trata-se de uma atividade unificadora chamada

síntese. Aos diversos modos como o intelecto unifica e sintetiza (ou julga) dá-se o

nome de categoria ou ―conceitos puros‖. Para Kant, deve haver tantas formas do

32

pensamento puro (categorias), quanto são as diferentes formas do juízo. Desta

forma, são doze as categorias de Kant, cada qual relacionada com um tipo de juízo.

A tábua das categorias, extraída da CRP B 106, sintetiza as categorias:

1. Da Quantidade

a. Unidade

b. Pluralidade

c. Totalidade

2. Da Qualidade

a. Realidade

b. Negação

c. Limitação

3. Da Relação

a. Inerência e subsistência (substantia et accidens)

b. Causalidade e dependência (causa e efeito)

c. Comunidade (ação recíproca entre o agente e o paciente)

4. Da Modalidade

a. Possibilidade ─ Impossibilidade

b. Existência ─ Não-Existência

c. Necessidade ─ Contingência

Fica claro que, para Kant, a causalidade é uma condição a priori do

pensamento, decorrente do juízo hipotético que estabelece uma relação de princípio

e conseqüência. Deste modo, como a categoria de Kant é dada como universalmente

válida com respeito à experiência possível, podemos dizer que só podemos pensar

se considerarmos que cada mudança tem uma causa específica.

Em relação à questão do conceito de causa, Kant é explícito:

Tomo, por exemplo, o conceito de causa, que significa uma espécie particular de síntese, visto que a algo A se sucede, segundo uma regra, algo bem diferente B. Não se vê claramente a priori porque é que os fenômenos deverão conter semelhante coisa (pois não se podem dar como prova experiências, porque a validade objetiva desse conceito tem de ser demonstrada a priori); daí que haja motivo para duvidar a priori se tal conceito não será porventura vazio e sem correspondência com qualquer objeto entre os fenômenos. (...) Se pensássemos em nos livrar da dificuldade desta indagação, alegando que a experiência apresenta continuamente exemplos de tal regularidade de fenômenos, que são motivo bastante para abstrair daí o conceito de causa e, simultaneamente, comprovar a validade objetiva deste conceito, não se atenderia a que,

33

deste modo, não poderia estabelecer-se o conceito de causa, porque este, ou se funda inteiramente a priori no entendimento, ou tem de ser totalmente excluído como simples quimera. Porque este conceito exige absolutamente que algo A seja de tal espécie, que algo B seja a sua conseqüência necessária e segundo uma regra absolutamente universal. É certo que os fenômenos nos proporcionam casos em que é possível estabelecer uma regra, segundo a qual algo acontece habitualmente, mas nunca que a conseqüência seja necessária: por conseguinte, a síntese da causa e do efeito possui uma dignidade que não pode ter expressão empírica, isto é, que não só o efeito se acrescenta à causa, mas também é posto por ela e dela derivado. A estrita universalidade da regra não é também propriedade de quaisquer regras empíricas, que, por indução, só alcançam universalidade comparativa, isto é, utilidade alargada. (CRP B 123 e B 124)

Kant, portanto, adota a opção contrária de Hume. Enquanto este atribui a

causalidade associada à força do hábito decorrente da falácia indutiva, Kant a

atribui à condição necessária do entendimento da experiência. Em síntese, para

Kant, o principio da causalidade é um conceito a priori, fundamentado na estrutura

da razão.

1.1.4.6 Stuart Mill

De acordo com Peirce, Stuart Mill conceitua causa como um ―agregado de

todas as circunstâncias sob as quais um evento ocorre‖ (CP 6.67). Causa é, neste

sentido, um somatório de condições que, se presentes, provocam uma conseqüência.

Nas palavras do próprio Mill:

A causa, então, filosoficamente falando, é a soma total das condições, positivas e negativas juntas; todas as contingências de qualquer natureza, que percebidas, invariavelmente segue-se a conseqüência. As condições negativas, no entanto, de qualquer fenômeno, uma enumeração especial que geralmente seria muito prolixa, podem ser que todas resumidas sob uma condição, ou seja, a ausência do obstáculo ou causas contrafactuais. A conveniência deste modo de expressão baseia-se principalmente sobre o fato de que os efeitos de qualquer causa em oposição à outra causa, talvez na maioria dos casos, com exatidão científica rigorosa, pode ser

considerada como uma mera extensão dos seus próprios e separados efeitos11

. (MILL: 1868, p. 370).

11

The cause, then, philosophically speaking, is the sum total of the conditions, positive and negative taken

together; the whole of the contingencies of every description, which being realized, the consequent

invariably follows. The negative conditions, however, of any phenomenon, a special enumeration of

which would generally be very prolix, may be all summed up under one head, namely, the absence of

preventing or counteracting causes. The convenience of this mode of expression is mainly grounded on

34

Para Mill, a questão da causação reside na análise cuidadosa da relação

invariável e necessária entre antecedente e conseqüente. Para tanto, o autor sugere

dois métodos fundamentais para distinguir entre as circunstâncias que meramente

antecedem ou sucedem um fenômeno, das que efetivamente estão conectadas por

uma ―lei invariável‖: o método da concordância e o método da diferença. Para

ilustrar estes métodos, Mill utiliza a notação de letras maiúsculas para causas e

letras minúsculas para efeitos.

Pelo método da concordância, “se duas ou mais instâncias de um fenômeno

sob investigação têm somente uma circunstância em comum, a circunstância na

qual sozinha, todas as outras concordam, é a causa (ou efeito) do dado fenômeno”

(MILL, 1868, pg. 428). Simbolicamente:

A B C D ocorrem junto com a b c d e

A E F G ocorrem junto com a e f g

A é a causa de a

Pelo método da diferença: “se uma instância na qual um fenômeno sob

investigação ocorre, e uma instância na qual ele não ocorre, tem todas as

circunstâncias em comum exceto uma, e a circunstância na qual as instâncias

diferem ocorre apenas na primeira, tal circunstância é o efeito, ou a causa, ou uma

necessária parte da causa, do fenômeno‖ (MILL: 1868, pg. 429). Simbolicamente:

A B C D ocorrem junto com a b c d

B C D ocorrem junto com b c d

A é causa, ou parte da causa, de a

the fact, that the effects of any cause in counteracting another cause may in most cases be, with strict

scientific exactness, regarded as a mere extension of its own proper and separate effects.

35

Destes dois métodos, ambos de eliminação, Mill deriva mais três métodos

(vias), a saber:

Método da junção entre concordância e diferença: “se duas ou mais

instâncias na qual o fenômeno ocorre tem somente uma circunstância em comum,

enquanto duas ou mais instâncias na qual o fenômeno não ocorre não têm nada em

comum, exceto a ausência da circunstância, a circunstância na qual sozinha as

instâncias diferem, é o feito, ou a causa, ou uma necessária parte da causa, do

fenômeno” (MILL, 1868, pg. 435). Para o autor, este método é um aprimoramento

do método da concordância. Simbolicamente:

A B C ocorrem juntos com a b c

A D E ocorrem juntos com a d e

e B C ocorrem junto com b c

A é a causa, ou efeito, ou parte da causa de a

Método dos resíduos: “reduzindo-se de um fenômeno as partes previamente

conhecidas como sendo efeitos de certos antecedentes, os resíduos do fenômeno são

os efeitos dos antecedentes remanescentes” (MILL, 1868, pg.437). Simbolicamente:

A B C ocorrem junto com a b c

B é conhecido como a causa de b

C é conhecido como a causa de c

A é a causa de a

Método das variações concomitantes: “quando um fenômeno varia de uma

maneira específica sempre que outro fenômeno varia de outra maneira específica,

as variações são a causa ou o efeito dos fenômenos, ou são conectadas entre si

através de algum fato de causação” (MILL,1868, pg. 441). Simbolicamente:

36

A B C ocorrem junto com a b c

Variação em A (com B C invariáveis) resulta em variação em a (com

b c invariáveis)

A e a estão conectados numa relação de causação

Segue-se, portanto, para Mill, que a real causa de uma ocorrência é um

conjunto de condições de certo tipo que, quando cumpridos, é invariavelmente

seguido por um tipo de ocorrência descrito como efeito. A causa é algo necessário e

não circunstancial. Envolve, portanto, condições necessárias e suficientes. A causa

de uma combustão envolve a existência de oxigênio, material inflamável e calor.

Nenhuma delas, sozinha, é causa suficiente, mas, em conjunto, constituem causas

necessárias e suficientes. Cabe ressaltar que Mill especifica que para que um

conjunto de condições seja considerado causa, não deve apenas seguir o principio

da invariabilidade, mas também da incondicionalidade. O fato do dia

invariavelmente se seguir à noite, não significa que a primeira seja causa da

segunda. Desta forma, Mill reintroduz a idéia de relação necessária entre causa e

efeito.

De acordo com PEIRCE (CP 6.67), a conceituação de causa por Stuart Mill

como um “agregado de todas as circunstâncias sob as quais um evento ocorre”

está fundamentada em um erro conceitual sobre o que seja ―fato‖. Para Peirce, Mill,

uma vez que seu método tem como base comparações por concordância e diferença,

assume nominalisticamente que ―fato‖ seja a história objetiva do universo em um

dado período curto de tempo, em seu objetivo estado de existência. Peirce,

entretanto, considera fato como sendo um elemento abstraído da existência. Quanto

mais um fato seja representado em uma única proposição, mais ele se torna

realidade. Se uma proposição é verdadeira, aquilo que ela representa é um fato. Há,

usando as noções de Peirce, um elemento de terceiridade no fato que Mill

desconsidera em seu método.

Como comenta PEIRCE (CP 6.67):

37

Se, uma proposição é verdadeira, aquilo que ela representa é um fato. Se, de acordo com uma lei verdadeira da natureza como premissa maior, silogisticamente segue, a partir da verdade de uma proposição, que outra é verdadeira, então a parte abstraída da realidade que a proposição anterior representa é a causa do elemento da realidade correspondente representado pela última proposição. Assim, o fato de que um corpo está se movendo sobre uma superfície áspera é a causa de chegar a parar. É absurdo dizer que sua cor é alguma parte da causa ou do efeito. A cor é uma parte da realidade; mas não pertence a aquelas partes da realidade que constituem os dois fatos em

questão12

.

O que pode ser considerado causa para Peirce, ao contrário de Mill, é da

natureza de um geral e não um agregado de circunstâncias particulares.

Detalharemos mais esta questão, nos capítulos seguintes quando tratarmos da visão

de causalidade em Peirce.

1.2 Abordagens Contemporâneas

A pesquisa bibliográfica efetuada no capitulo anterior, mostra o quão difícil

é encontrar um consenso sobre o que seja causação. Fica claro que a compreensão

atual de causa como ‖palavra sempre correlativa a efeito‖13

não dá conta deste

conceito definido por Hume como o ―cimento do Universo‖14

. Se a causalidade

cumpre a função de tentar ligar eventos e, desta forma, manter uma espécie de

associação entre corpos e eventos, sentimo-nos apenas como um casal de

apaixonados que não compreende bem a razão de sua mútua atração.

Talvez, pelo fato desta discussão ―filosófica‖ em busca do que seja

causalidade não convergir em torno de um único conceito, as abordagens

contemporâneas buscaram uma âncora mais ―segura‖ na Matemática e na Lógica.

12

If a proposition is true, that which it represents is a fact. If, according to a true law of nature as major

premiss, it syllogistically follows from the truth of one proposition that another is true, then that

abstracted part of the reality which the former proposition represents is the cause of the corresponding

element of reality represented by the latter proposition. Thus, the fact that a body is moving over a rough

surface is the cause of its coming to rest. It is absurd to say that its color is any part of the cause or of the

effect. The color is a part of the reality; but it does not belong to those parts of the reality which

constitute the two facts in question. 13

Lalande, 1999, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. 14

Hume, 2009, pg 699

38

Dentre as principais abordagens contemporâneas, SOSA & TOOLEY (1993)

destacam as seguintes teorias:

1.2.1 Condições Necessárias e Suficientes

Influenciada por David Hume e John Stuart Mill, esta visão compreende a

causação como uma questão de regularidade entre tipos de eventos. Ou seja:

C é a causa de E se e somente se C e E são reais e C é ceteris paribus

necessário para E

Apesar de comumente aceita, este tipo de definição apresenta problemas de

distinção entre o que é necessário e o que, de fato, é causa de algo. Mesmo que a

regularidade ou necessidade implicasse causação, ela por si só não seria suficiente

para acarretar o efeito. Respirar (C) é uma causa necessária para viver (E), mas

sozinha ela não garante nossa sobrevivência. O que é necessário pode não ser

suficiente e, portanto, não é causa.

Da mesma forma, o fato de viver (E) não ocorrer não implica que apenas a

ausência da respiração (C) foi determinante para isto. C é apenas uma das causas

relevantes, não a única. Além do que, a inversão da declaração não implica numa

inconsistência lógica.

Suponhamos que eu tenha um filho de nome Pedro (E). A minha existência

(C) seria uma condição necessária para a existência de Pedro, em outras palavras,

Pedro não existiria se eu não existisse. Mas o inverso não implica numa

inconsistência lógica, ou seja, Pedro (E) pode não existir mesmo eu existindo (C).

Em termos lógicos: E pode não existir, mesmo na presença de C. Não há,

conseqüentemente, o caráter de necessidade nesta definição.

39

Uma abordagem alternativa à questão de causalidade foi dada pela

substituição do termo ―necessário‖ pelo termo ―suficiente‖. De acordo com esta

tese:

A causa (C) de um evento (E) é um conjunto de condições, dentre

todas as condições obtidas, tal que cada uma delas é necessária e, em

sua totalidade, suficiente para a ocorrência de E.

ou

C é causa de E se e somente se C e E ocorreram e C foi, sob certas

circunstâncias, suficiente para E.

Entretanto, o termo suficiente não resiste a um cuidado lógico. O fato de um

carro ser vermelho é evidentemente uma condição suficiente para que ele não seja

azul. Mas não podemos dizer que o carro é azul por não ser vermelho. A questão da

suficiência traz também consigo a questão do determinismo, uma vez que a tese não

dá margem para uma abordagem de causação de ordem probabilística. Em outras

palavras, ser suficiente implica também ser necessário.

Uma concepção mais abrangente para a questão da causalidade se

fundamenta na idéia de necessidade e suficiência. Neste caso, teríamos as seguintes

definições para a causalidade:

A causa (C) de um evento (E) é um conjunto de condições, dentre

todas as condições obtidas, tal que cada uma delas é necessária e, em

sua totalidade, suficiente para a ocorrência de E.

ou

C é causa de E se e somente se C e E ocorreram e C foi, sob certas

circunstâncias, necessária e suficiente para E.

40

Evidentemente a primeira definição é idêntica a anterior, uma vez que,

como já dito, a tese da suficiência engloba a tese da necessidade. Além do que, a

abrangência desta definição traz consigo os mesmos problemas já levantados em

relação às questões de necessidade e suficiência.

Adicionalmente, esta concepção de causação em termos de necessidade e

suficiência apresenta também um problema de direcionalidade uma vez que não

distingue causa do seu efeito. Pois, se C e E são eventos e C é necessário e

suficiente para E e, portanto, causa de C, então logicamente E é necessário e

suficiente para C e, portanto, também causa de C. Esta análise levou alguns autores,

dentre eles Bertrand Russell, a afirmar que não há causa, mas apenas relações ou

equações.

Neste sentido, SOSA (1993) apresenta um curioso exemplo: a posição do

topo da mesa em relação ao solo é, ceteris paribus, necessário e suficiente para

determinar a altura dos pés da mesa. Evidentemente, o inverso também é válido: a

altura dos pés da mesa é necessária e suficiente para determinar a posição do topo

da mesa.

Cabe ressaltar que no campo do real, como por exemplo, no caso da

fotossíntese, nem sempre esta inversão faz sentido, uma vez que falta, na definição

anterior de causalidade, a condição temporal.

Uma versão mais sofisticada desta concepção de causalidade e suficiência é

atribuída a John MACKIE apud SOSA (1993). Segundo o mesmo:

Se C é uma causa de E (sob certas condições) então C é uma INUS

condição de E, isto é uma Insuficiente, mas Necessária parte da

condição que é em si Não Necessária, mas exclusivamente Suficiente

para E (naquela ocasião)

Ou seja:

C em si é insuficiente (Insufficient) para E, uma vez que outros

requisitos são necessários, mas C é uma parte não redundante (Non-

redundant) para E, uma vez que sem C, E não ocorreria. C, porém,

não é necessário (Unnecessary) para E, pois E pode ocorrer sob outras

41

circunstâncias sem C, mas C é suficiente (Sufficiente) para E ocorrer,

sob dadas condições.

Assim, a exposição à radiação é uma INUS condição para um câncer de

pele. Da mesma forma, um curto circuito é uma INUS para o incêndio de uma casa.

Ou seja, um curto circuito, em si, é insuficiente para provocar o incêndio de uma

casa. Outros fatores, como oxigênio e presença de produtos inflamáveis são

necessários para que ocorra o incêndio. Mas, o curto circuito é uma parte não

redundante do incêndio, sem ela o incêndio não ocorreria. Mas apesar do curto

circuito ser suficiente para a ocorrência do incêndio, ele não é necessário, uma vez

que outros eventos poderiam ter ocasionado o incêndio.

Apesar de sofisticada, do ponto de vista prático, esta definição pouco ajuda

na resolução de um problema real. Imagine um médico que tentasse convencer um

paciente a deixar de fumar alegando que este ato pode (ou não) ser causa de um

câncer. Insuficiente, mas não redundante. Não necessário, mas suficiente. Algo

parecido com uma famosa canção popular que diz: ―eu bebo sim, estou vivendo.

Tem gente que não bebe e está morrendo!‖

1.2.2 Abordagem Contrafactual

Esta abordagem está vinculada a segunda definição de causa de Hume, na

qual ele atribui causalidade à regularidade entre sucessão de objetos. Trata-se de

uma relação de contigüidade e sucessão, essencial, segundo o mesmo, para a

concepção de causa e seu efeito.

Nesta abordagem, se o primeiro objeto (causa) não tivesse existido, o

segundo (efeito) nunca teria existido. Ou seja, podemos dizer que causa é uma

condição necessária para seu efeito uma vez que o efeito não teria ocorrido sem a

ocorrência da causa.

42

C é uma condição necessária para E se, sobre certas circunstâncias, na

ausência de C, E não ocorreria.

A compreensão desta abordagem, defendida por David Lewis, exige

diferenciarmos duas formas distintas de afirmações condicionais: indicativas e

subjuntivas. Na condicional indicativa temos a seguinte proposição:

Se p, então q

Exemplificando: Se Sócrates for homem, então ele morre.

Na condicional subjuntiva temos a proposição:

Se fosse o caso de p, então seria o caso de q

Exemplificando, Se o homem tivesse asas, ele voaria.

Percebe-se que a condicional subjuntiva depende de sabermos que a

primeira afirmação é falsa. Caso contrário, não temos com chegar a qualquer

conclusão.

A abordagem contrafactual pertence à categoria da condicional subjuntiva,

uma vez que parte do principio de que uma condição contrária ao fato, no caso sua

ausência, faz toda a diferença. Em outras palavras, a teoria contrafactual parte do

principio que a presença (ou ausência) de determinado evento implica na ocorrência

(ou não) do efeito. Desta forma, C é causa de E se e somente se há uma cadeia de

eventos dependentes contra factuais relacionando C e E.

Esta abordagem está presente nas nossas falas cotidianas quando afirmamos

que ―se João não tivesse bebido tanto, ele não teria batido seu carro‖ ou ―se Maria

não tivesse se dedicado tanto aos estudos, ela não teria passado no concurso

público‖.

43

Fica evidente, pois, que o problema desta abordagem está em sua baixa

determinação, ou seja, esta abordagem significa apenas dizer que C é causa de E,

uma vez que se C não tivesse ocorrido, E não ocorreria. Mas isto não implica

causalidade. Por exemplo, se eu não tivesse acordado hoje, eu não escreveria estas

páginas hoje. Evidentemente, não há uma relação de causalidade entre acordar e

escrever esta dissertação. Outros autores, como HORWICH apud HULSWIT (2002),

apontam o problema da super determinação. Segundo seu exemplo, se um homem é

atingido simultaneamente em sua cabeça por duas balas, não haveria o efeito da

contrafactualidade, uma vez que este homem teria morrido mesmo com a ausência

de uma das balas. Assim, nenhuma das duas balas, por si, seria, nesta abordagem,

causa da morte do homem.

Outro exemplo bem interessante é apresentado por PAPINEAU (2009).

Imagine que um homem que estava de viagem ao deserto tivesse dois inimigos

interessados na sua morte. O primeiro poderia envenenar a água do seu cantil,

enquanto o segundo, na seqüência, poderia fazer um furo no mesmo cantil

imaginando que, sem água, ele acabaria por morrer de sede. De fato, este homem

duplamente odiado acabaria por morrer de sede em decorrência do furo no cantil. E

este furo seria a causa (C) da sua morte (E). Ocorre que, na ausência do furo (C),

este homem também morreria. Assim, a presença (ou ausência) do furo não

modificaria o resultado, no caso a morte. Ou seja, neste caso, a abordagem

contrafactual não explicaria a morte do homem.

1.2.3 Abordagem Probabilística

A idéia básica da abordagem probabilística é propor uma alternativa à visão

de causalidade como necessidade e suficiência Não há, conseqüentemente, nesta

abordagem, uma visão determinista. Em sintonia com a Física quântica, nesta

abordagem probabilística, causa é um evento C que produz um evento E se sua

44

ocorrência favorecer a ocorrência de E (em comparação com sua não ocorrência).

Ou seja:

Um evento C pode ser chamado de uma causa probabilística de um

evento E se, dada a ocorrência de C, a probabilidade da ocorrência de

E é maior que a probabilidade de E ocorrer, se C não tivesse ocorrido.

p(E/C) > p(E/-C)

A idéia básica, em questão, é a de que uma causa (C) deve de algum modo

tornar o efeito (E) mais provável de ocorrer. Trata-se da noção de relevância

estatística positiva na qual um evento do tipo C é positivamente relevante para um

evento do tipo E se e somente se a probabilidade condicional de um evento do tipo

E relativo a um evento do tipo C é maior do que a probabilidade não condicional do

evento E. Em outras palavras, a condição suficiente para C ser causa de E é que C e

E sejam reais e eventos individuais tais que a chance objetiva da ocorrência de E

seja maior se C ocorrer do que se C não ocorrer.

Assim, quando dizemos que beber (C) causa um acidente de trânsito (E),

queremos dizer que a probabilidade de ocasionarmos um acidente de trânsito é

maior quando dirigimos embriagados do que quando estamos sóbrios.

Esta abordagem requer alguns cuidados. Como exemplo, SOSA (1993)

apresenta um exemplo hipotético que contradiz o conceito de causa como maior

probabilidade de ocorrência.

Suponha-se que um indivíduo possa contrair apenas dois tipos de doenças:

A e B. A probabilidade deste indivíduo vir a falecer caso contraia a doença A é de

0,1 e de 0,8 se contrair a doença B. Suponha-se também que a doença A imunize a

doença B e vice-versa. Por hipótese, defina-se também que, ou o indivíduo possua a

doença A, ou a doença B. Neste caso hipotético, se um indivíduo contrair a doença

A e vier a falecer, não podemos dizer que a doença provocou a sua morte, uma vez

45

que a probabilidade neste caso era de apenas 0,1 contra 0,8 (pois se ele não tivesse a

doença A, necessariamente teria a doença B). Evidentemente, trata-se de um mero

caso hipotético.

Outra grande limitação desta abordagem refere-se ao tratamento dado aos

casos particulares. Quando dizemos que fumar aumenta a probabilidade de câncer

de pulmão, estamos falando de modo geral. Mas ao dizer sobre o diagnóstico de um

determinado individuo, só podemos falar em termos de causação singular (0 ou 1),

ou seja, fumar é (ou não) causa específica do câncer deste determinado indivíduo.

Sem cálculos matemáticos precisos, podemos afirmar que se alguém não estudar

(A), sua possibilidade de sucesso profissional é menor do que se este indivíduo

estudar (B). Mas se pegarmos o caso particular de Pelé, poderíamos afirmar que ele

faria mais ou menos sucesso se estivesse estudado?

1.2.4 Abordagem Singularista

Enquanto que as abordagens anteriores tratam da causação como uma

relação entre universais e, portanto, pressupõe uma regularidade de

correspondência, na abordagem singularista a relação ocorre meramente entre

eventos concretos individuais. Esta abordagem questiona que a relação causa efeito

se dê através de uma lei universal e que cada fato é uma evidência da mesma. Não

podemos afirmar sobre o todo, apenas sobre o singular.

Em defesa desta tese, ANSCOMBE (1993) aponta três reivindicações comuns

sobre a questão da causalidade: 1) que a relação causal é um exemplo de

generalizações sem exceção; 2) que causalidade pode ser identificada com

necessidade; 3) que relações causais pressupõem algum tipo de lei. A autora,

entretanto, afirma existirem vários exemplos concretos de seqüências causais que

não envolvem regularidade. Por exemplo, várias pessoas podem ficar em contato

com um indivíduo contaminado por uma doença contagiosa. Alguns também

ficarão doentes devido ao contato, outros não. Não há uma regularidade neste

46

evento, apesar dos diagnósticos médicos apontarem o contágio como causa da

doença. Causação, portanto, não deve ser identificado com lei e necessidade.

DUCASSE (1993) foi ainda mais radical em sua defesa sobre a tese

singularista:

Considerando duas mudanças C e K (que podem ou ser do mesmo ou de objetos diferentes), a mudança C é dita ser suficiente, isto é, ter causado a mudança K, se:

A mudança C ocorreu durante um tempo e através de um espaço, terminando no instante I e na superfície S;

A mudança K ocorreu durante um tempo e através de um espaço, começando no instante I e na superfície S;

Nenhuma mudança, exceto C, ocorreu durante o tempo e através do espaço de C, e nenhuma mudança, exceto K, ocorreu durante o tempo e através do espaço de K.

Aproximadamente, mas mais breve e em termos mais intuitivos, nós podemos dizer que a causa de uma particular mudança K é uma particular mudança C se esta ocorrer sozinha no momento e ambiente imediatamente anterior. (DUCASSE, 1993, pg. 127)

Nota-se, nesta definição, a necessidade do estabelecimento do binômio

tempo-espaço para questão da causalidade, ou seja, da identificação do ambiente

onde aconteceram os eventos seqüenciais.

Apesar da tentativa de rigor em decorrência da limitação de escopo, a

abordagem singularista também apresenta problemas. Em decorrência da sua

inerente ausência de generalização, não temos como afirmar que exista uma relação

evidente entre causa (C) e efeito (K). Suponha que imediatamente após a chegada

de uma pessoa em uma sala de estar, outra pessoa venha a falecer de ataque

cardíaco. Evidentemente, os dois eventos, apesar de obedecerem às premissas de

Ducasse, não podem ser considerados em termos de causa efeito, mas apenas como

acaso. Além do que, a não ocorrência de K não implica, nesta definição, na não

ocorrência de C. Sobre isto, nada podemos dizer.

47

1.2.5 Abordagem Instrumental: causa como meio para atingir um fim

Esta abordagem está relacionada à causa formal aristotélica, ou seja, a

questão do agente que, sob sua vontade, produz ou previne um efeito. Nesta

abordagem, temos a seguinte definição para causação:

Causa é um evento ou estado que nós podemos prevenir ou produzir

de acordo com nossa vontade, ou de outra forma manipular, com a

finalidade de produzir ou prevenir outro evento como efeito.

Desta forma, podemos utilizar uma borracha para apagar o risco de um

lápis. Nota-se que esta abordagem resolve o problema da direcionalidade. Podemos

dizer que a borracha é causa da ausência do risco, mas o inverso não é válido. Esta

abordagem, como meio para um fim, envolve uma questão de temporalidade e

irreversibilidade na relação causa-efeito. Ela implica também a combinação de

outras conditiones sine quibus non, uma vez que a causa, por si, não pode produzir

o efeito. A necessidade da presença de outras condições pode levantar a questão da

arbitrariedade na distinção entre causa e condição. COLLINGWOOD apud HULSWIT

(2002), um dos principais defensores desta abordagem, sugere como critério de

causalidade, a capacidade do agente de produzir ou prevenir o efeito:

...para qualquer pessoa específica, a causa de uma dada coisa é uma das condições na qual ela é capaz de produzir ou prevenir. Por exemplo, do ponto de vista do motorista, a causa de um acidente de carro pode ser o excesso de velocidade, enquanto que do ponto de vista do gestor do trânsito, pode ser um defeito na sinalização. Neste sentido da palavra “causa”, somente as pessoas que têm influência sobre certos eventos podem formar opiniões sobre suas causas. Para um mero espectador, não há causas. (HULSWIT, 2002, pg. 57)

Esta abordagem de natureza instrumental, como o próprio nome diz, é

reducionista. Além de limitada quanto à questão da consciência do agente, também

não leva em consideração a existência do acaso como elemento da causalidade, uma

vez que correlaciona o agente da causa à causa final.

48

Da analise das cinco abordagens contemporâneas acima descritas, pode-se

constatar que a causalidade tratada do ponto de vista da Lógica formal, como uma

―conjunção constante‖ necessária e/ou suficiente, ou como uma ―diferença‖

contrafactual não resolve em definitivo a questão da causalidade. Mesmo deixando

de lado os problemas metafísicos, as abordagens reducionistas, singularistas ou

instrumentais, além de serem válidas em um escopo muito limitado, apresentam

problemas mesmo em seu restrito campo de atuação.

É dentro desta perspectiva que o estudo da abordagem de Peirce a respeito

da causalidade ainda pode ajudar a elucidar muitas questões. Sua abordagem

original, onde acaso, causa e efeito e evolução fazem parte de uma visão ontológica

de mundo, abre uma possibilidade de compreensão sobre o tema muito além do que

filosofia moderna e as abordagens contemporâneas puderam chegar.

CAPÍTULO 2

50

Capítulo 2

A VISÃO CRÍTICA DE PEIRCE

ACERCA DO MUNDO DETERMINADO

2.1 Desconstrução do Princípio da Determinação

2.1.1 O Conceito de Causação

Para Peirce, o conceito de causação acabou erroneamente, no decorrer do

tempo, reduzido apenas à causa eficiente aristotélica, ou seja, da causação vista

como um evento que, por si só, necessariamente produz um efeito. Esta restrição,

porém, não resiste a uma análise mais profunda da questão. Para o mesmo, a causa

eficiente aristotélica é, antes de tudo uma coisa, portanto, da ordem da existência

(CP 6.66). Além do que, seu efeito nem sempre ocorria. E se ocorresse, não seria

necessário, ou seja, invariável.

Peirce considera a causa eficiente como uma compulsão, algo que age no

sentido de provocar uma mudança de uma situação para outra. Compulsão é uma

força da ordem do ―aqui e agora‖ que age numa direção, mas sem compromisso

com seu fim.

Causa eficiente é uma compulsão determinada por uma condição particular das coisas, e é uma compulsão que age para que uma situação comece a mudar perfeitamente em uma determinada direção, e o caráter geral do resultado alcançado não tem, de forma

alguma, compromisso com a causa eficiente1 (CP 1.212; 1902)

1 Efficient causation is a compulsion determined by the particular condition of things, and is a compulsion

acting to make the situation begin to change in a perfectly determinate way; and what the general

character of the result may be in no way concerns the efficient causation.

51

A causa eficiente é uma força cega, sem um fim específico. Peirce faz uma

analogia com uma tentativa de acertar um pássaro com um tiro de rifle. Mirar no

pássaro e estimar seu vôo futuro para acertar o alvo pertence ao campo da causa

final, uma vez que é uma atividade direcionada a um fim. Uma vez, porém, que o

tiro é disparado, a trajetória da bala obedece cegamente às causas eficientes da lei

da física, sem compromisso com a causa final. Imaginemos que, ao ouvir o disparo

do rifle, o pássaro se assuste e mude radicalmente a direção do seu vôo original. Isto

em nada afetará a trajetória da bala, Neste sentido, a causa eficiente é cega. Ela

apenas segue a lei e não tem compromisso necessário com o seu efeito. Afirmar,

portanto, que o pássaro morreu (efeito) em decorrência do disparo da bala (causa

eficiente) não acarreta numa verdade lógica.

Peirce também recusava a concepção de Stuart Mill que considerava causa

como um ―agregado de todas as circunstâncias sob as quais um evento ocorre‖

(CP 6.67). Segundo o mesmo, esta afirmação estava sustentada em um conceito

equivocado, quer seja de que um fato é a própria história objetiva do universo em

um curto período de tempo, em seu objetivo estado de existência. Para Peirce, fato é

algo abstraído da existência e é tanto da realidade quanto pode ser representado

numa proposição. Há uma terceiridade no fato. Se uma proposição for verdadeira,

aquilo que ela representa é um fato. Se a afirmação: ―está chovendo lá fora‖ for

verdadeira (por correspondência entre discurso e existência), então temos um fato.

Pois bem, Mill parece ter ─ impensadamente ou nominalisticamente ─ presumido que um fato é a própria história objetiva do universo por um curto espaço de tempo, em seu estado objetivo de existência em si. Mas isso não é o que um fato é. Um fato é um elemento abstraído disso. Um fato é tanto da realidade quanto está representado numa proposição simples. Se uma proposição é verdadeira, isso que ela representa é um fato. Se, de acordo com uma lei verdadeira da natureza como premissa maior, se seguir, silogisticamente da verdade de uma proposição que outra é verdadeira, então essa parte abstraída da realidade que a proposição anterior representa é a causa do elemento da realidade correspondente da realidade representada pela última proposição. Assim, o fato de que um corpo está se movendo sobre uma superfície áspera é a causa de ele vir a parar. É absurdo dizer que sua cor tem algum papel de causa ou de efeito. A cor é uma parte da realidade; mas não pertence àquelas partes da realidade que constituem os dois fatos em questão (CP 6.67; 1898)

52

Desta forma, deve haver uma estrutura silogística correta para caracterizar

uma causação. Analisando o próprio exemplo de Peirce, sabemos da Física que

todos os corpos em movimento numa superfície áspera sofrem uma força de atrito

que a fará parar. Esta afirmação, portanto, apresenta uma estrutura silogística

correta. Há um elemento de verdade que a concepção de Stuart Mill não leva em

consideração. O fato de eu estar vivo é a causa de eu morrer (porque todos os

homens são mortais). Já o fato de eu ser descendente de japonês, não é parte da

causa da minha morte, uma vez que, se eu não fosse filho de japonês, também

morreria.

HOOKWAY (1992) argumenta que a estrutura silogística de causação pode

levar à conexão da causação com a categoria da terceiridade e da inteligibilidade.

Neste sentido, a relação entre causa e efeito é mediada por uma lei. Por outro lado,

Peirce é taxativo ao afirmar que o caráter de segundidade na causação: ―A idéia de

segundo é predominante nas idéias de causação e forças estáticas. Pois causa e

efeito são dois; e forças estáticas sempre ocorrem entre pares. Restrição é

Segundidade”.2 (CP 1.325)

Para Peirce, a idéia de uma coisa causando outra é algo bruto, fruto de uma

ação diádica ininteligível. Não há razão para que a noção de causação envolva a

compreensão de como ou porque motivo um efeito ocorra. Neste sentido, o

pensamento de Peirce poderia permitir que um evento pudesse causar um efeito de

um tipo particular e, em outra ocasião, um evento similar não apresente o mesmo

efeito. E não haveria diferença significativa entre os eventos que explicasse por que

um dado efeito ocorreu em um dos eventos e não em outro.

HOOKWAY (1992) aponta dois caminhos possíveis para tentar elucidar o

argumento de Peirce. O primeiro sugere que a lei tem caráter estatístico, ou seja,

uma causa pode produzir um provável efeito particular sem ser necessário. A

segunda, compatível com a teoria evolucionária de Peirce, é a existência de desvios

2 The idea of second is predominant in the ideas of causation and of statical force. For cause and effect are

two; and statical forces always occur between pairs. Constraint is a Secondness.

53

decorrentes do acaso que agem sobre a regularidade da experiência. Mesmo para as

leis mais determinísticas, não há razões empíricas para acreditar que a realidade se

comporte exatamente desta forma, mas há razões metafísicas para supor que não.

O Partido do D3, da qual eu próprio sou um membro, assegura que as uniformidades

nunca são absolutamente exatas, de modo que a variedade do universo sempre está aumentando. Ao mesmo tempo, nós notamos que mesmo estes afastamentos da lei estão sujeitos a uma determinada lei da probabilidade e que no estado atual do universo são muito pequenos para serem detectados pelas nossas observações. Adotamos esta hipótese como a única possível fuga para fazer com que as leis da natureza apresentem elementos arbitrários. Nós desejamos fazer as próprias leis sujeitas à lei. Para tal propósito, a lei das leis deve ser capaz de se desenvolver por si. Agora, a única lei concebível que é verdade é uma lei evolucionária. Estamos, portanto, supondo que toda

lei é o resultado de uma evolução, e supor isto, implica que ela seja imperfeita.4 (CP

6.91)

Uma lei, para Peirce, não implica regularidade e constância perfeitas; há um

―would-be‖ envolvido com ela, algo da natureza da possibilidade (―can be‖)

atuando junto à necessidade intrínseca à lei (―would be‖)5. Como comenta IBRI

(1992, pg. 50):

Como as leis não se encontram no fim do processo evolucionário, há um elemento fortuito que impede a total subsunção dos eventos à determinação causal. Abrindo-se as portas para esta hipótese explicativa, evidencia-se também um dos pontos centrais da Filosofia peirciana – seu Evolucionismo. Sob a ótica das categorias, afirmar que as leis derivam de um estado caótico licita inferir que a terceiridade real resulta evolucionariamente da segundidade que caracteriza a existência, regida nos seus primórdios, pela primeiridade que subsume o acaso.

3 Escala gradual, em ordem alfa, atribuída por Peirce sobre cinco tipos de mentes, onde A significa aqueles

que admitem a menor arbitrariedade e E a maior. Neste caso, D significa uma mente com alto grau de

arbitrariedade. ―we designate the five classes of minds who entertain the five opinions by the first five

letters of the alphabet, the A's being the persons who admit the least arbitrariness and the E's being those

who admit the most‖. (CP 6.90) 4 The party of the D's, of which I am myself a member, holds that uniformities are never absolutely exact,

so that the variety of the universe is forever increasing. At the same time we hold that even these

departures from law are subject to a certain law of probability, and that in the present state of the

universe they are far too small to be detected by our observations. We adopt this hypothesis as the only

possible escape from making the laws of nature monstrous arbitrary elements. We wish to make the laws

themselves subject to law. For that purpose that law of laws must be a law capable of developing itself.

Now the only conceivable law of which that is true is an evolutionary law. We therefore suppose that all

law is the result of evolution, and to suppose this is to suppose it to be imperfect. 5 Há para Peirce dois tipos de indeterminação: um da ordem do possível (can be) e outro da ordem do

geral (would be).

54

2.1.2 As Razões Comumente Levantadas em Defesa do Determinismo

COSCULLUELA (1992) aponta que, para Peirce, existem basicamente três

razões comumente levantadas para se defender o determinismo, ou seja, que todo

fato é precisamente determinado pela lei:

1. A primeira das razões é a de que o determinismo é uma verdade auto-

evidente;

2. A segunda de que ele é um pressuposto do conhecimento científico;

3. A terceira razão é a de que o determinismo é provado, ou pelo menos

fortemente demonstrado pela própria observação da natureza.

Para PEIRCE (CP 6.36; 1892), estas razões são falaciosas e insustentáveis.

Cabe ressaltar que, embora conteste o determinismo, Peirce não renega a existência

das leis, nem certa regularidade no Cosmos. Pelo contrário, em sua cosmologia, o

indeterminado e o determinado co-existem.

Segundo o autor, a questão da auto-evidência não tem nem sustentação

histórica, verificando-se que vários filósofos a contestam. Peirce ressalta que

inclusive Aristóteles, em sua Física, afirma que um evento pode ocorrer de três

modos distintos: (1) pela ação de forças externas, ou pela ação das causas eficientes,

(2) em virtude de uma natureza interna, ou influência de uma causa final, e (3) de

modo irregular sem causa definida, apenas pelo acaso absoluto6.

Para Peirce, esta ―verdade auto-evidente‖ do determinismo é fruto de uma

concepção materialista e necessitarista inaugurada por Demócrito e reforçada pelo

6 Na verdade, Aristóteles não fala em acaso absoluto, mas em acaso acidental. Os gregos não concebiam

algo como o acaso absoluto de Peirce, ou seja, eventos não causados e espontâneos. Para maior

detalhamento ver ―As fontes gregas do Tiquismo‖, Cognito-Estudos, vol 6N2.

55

estoicismo. O autor aponta, porém, que a conseqüência em aceitarmos esta

concepção determinista consiste na supressão da liberdade da nossa vontade.

Quanto ao fato do determinismo constituir um pressuposto da razão

científica, Peirce contra argumenta com base em três motivos: 1) que o fato de uma

proposição ser postulada não implica necessariamente que ela seja verdadeira, nem

mesmo provável; 2) que a idéia de que a ciência seja impossível sem o

determinismo é falsa; 3) que o pensamento científico engloba três tipos de

raciocínio: abdução, indução e dedução e que os dois primeiros prescindem do

determinismo.

Para Peirce, um fenômeno só pode ser compreendido através da abdução. É

através deste raciocínio que se inicia o processo cientifico. A indução, por sua vez,

tem caráter corretivo.

É necessário indagar como a abdução pode ser justificada, abdução aqui entendida como qualquer modo ou grau de aceitação de uma proposição tida como verdadeira, uma vez que um fato ou alguns fatos tenham sido constatados e cuja ocorrência poderia necessariamente ou provavelmente acontecer no caso da proposição ser verdadeira. A

abdução, você irá notar, observa um fato e então professa dizer sobre a idéia7. (CP

5.603)

Enquanto que a abdução está associada à fase da descoberta, a indução tem

caráter corretivo.

A verdadeira validade da indução é que se trata de um método de alcançar conclusões que, se persistido por um tempo suficiente, irá asseguradamente corrigir qualquer erro a respeito da experiência futura no qual ela pode temporariamente nos conduzir. Isto não será devido em virtude de qualquer necessidade dedutiva (uma vez que ela nunca usa todos os fatos da experiência, mesmo do passado), mas porque é manifestamente adequada, com a ajuda da abdução e da dedução de sugestões retrodutivas, descobrindo qualquer regularidade que possa haver entre as experiências, enquanto a absoluta irregularidade não é superada na regularidade por qualquer outra relação da parte para o todo, e é assim facilmente descoberta pela indução em existir onde ela

7 It will be requisite to inquire how an abduction can be justified, here understanding by abduction any

mode or degree of acceptance of a proposition as a truth, because a fact or facts have been The abduction

so defined amounts, you will remark, to observing a fact and then professing to say what idea ascertained

whose occurrence would necessarily or probably result in case that proposition were true. The abduction

so defined amounts, you will remark, to observing a fact and then professing to say what idea.

56

exista, e a quantidade de desvios pode ser matematicamente determinável pela

observação onde é imperfeita8. (CP 2.769)

CREASE (2006) e JOHNSON (2008), de modo independente, elegeram dez

belos experimentos da ciência. Dentre eles, houve duas coincidências: o estudo de

Galileu sobre o movimento dos corpos e a decomposição da luz do sol por Newton

decifrando o que é cor. Ambas as experiências exemplificam, de modo claro, a

importância da abdução e da indução na descoberta científica. Vamos nos ater ao

primeiro experimento.

A partir da observação do movimento da descida de bolas sobre um plano

inclinado, Galileu mediu o tempo necessário para atravessar um quarto do percurso,

metade do percurso, três quartos e assim por diante. Ele repetiu o experimento

diversas vezes com várias inclinações diferentes. As medidas de tempos foram

feitas com uma espécie de ampulheta com líquido, ao invés de areia, chamada

clepsidra. Apesar de alguns estudiosos questionarem a autenticidade do

experimento, foram encontrados cadernos de anotações onde mostram que, por

volta de 1604, Galileu descobriu a lei da aceleração.

Em suas anotações, Galileu percebeu que depois de um intervalo de tempo

igual, a bola ao descer o plano inclinado e aumentando a sua velocidade, percorre

intervalos de distância cada vez maiores, conforme tabela a seguir:

8 The true guarantee of the validity of induction is that it is a method of reaching conclusions which, if it

be persisted in long enough, will assuredly correct any error concerning future experience into which it

may temporarily lead us. This it will do not by virtue of any deductive necessity (since it never uses all

the facts of experience, even of the past), but because it is manifestly adequate, with the aid of

retroduction and of deductions from retroductive suggestions, to discovering any regularity there may be

among experiences, while utter irregularity is not surpassed in regularity by any other relation of parts

to whole, and is thus readily discovered by induction to exist where it does exist, and the amount of

departure therefrom to be mathematically determinable from observation where it is imperfect.

Tempo (tique)

1 2 3 4 5 6 7 8

Distância Acumulada (ponto)

33 130 298 526 824 1192 1620 2104

57

A princípio, nenhum padrão salta aos olhos. A cada tique a bola percorre uma distância maior, mas seguindo qual regra? Galileu começou a brincar com os números. Talvez a velocidade aumentasse de acordo com alguma progressão aritmética. Será que números ímpares alternados: 1, 5, 9, 13, 17, 21...? No segundo tique, a bola teria velocidade 5 vezes maior que no primeiro, percorrendo 5 X 33 ou 165 pontos. Alto demais, mas talvez dentro da margem experimental. A distância percorrida no terceiro tique seria nove vezes maior: 33 X 9 = 287 pontos. Na mosca! E no quarto tique, 13 x 33 = 429.

Baixo demais... Drake9 via nas páginas manuscritas os pontos em que Galileu riscava os

números para tentar novamente. No primeiro tique, a bola tinha percorrido 33 pontos, depois 130. E se dividíssemos os números? 130 / 33 = 3,9. A distância tinha aumentado quase quatro vezes. Com o terceiro tique, o aumento foi de 298 / 33, pouco mais de nove vezes a distância inicial. Depois 15,9, 25,0, 36,1, 49,1, 63,8. Ele arredondou os números e tomou nota, usando uma tinta diferente, em uma coluna: 4, 9, 16, 25, 36, 49, 64. Ele havia descoberto o segredo: considerando uma pequena margem de erro, a distância percorrida aumentava com o quadrado do tempo. Com uma prancha mais comprida, seria possível prever com segurança que, no próximo tique, o fator seria 81 e depois 100, 121, 144, 169... (JOHNSON: 2008, pg.25).

Fica clara, a partir dessa narrativa, a importância do processo abdutivo para

a descoberta da hipótese, ou seja, do padrão que existe. Apenas ela pode explicar a

―brincadeira com os números‖ de Galileu. Da mesma forma, caso o experimento

com uma prancha maior não validasse os números seguintes, a hipótese teria que ser

refeita. Este é o papel da indução: uma espécie de retorno corretivo para validação

ou não da hipótese.

Quanto à terceira questão, da prova via observação da Natureza, Peirce

alega que tal fato apenas comprova que existe um elemento de uniformidade na

natureza, mas que não necessariamente tal regularidade é exata e universal. Além

do mais, Peirce afirma que quanto mais precisa for nossa observação acerca da

natureza, mais encontraremos fatos que não estão sujeitos à determinação da lei.

Essas observações que geralmente são invocadas em favor da causalidade mecânica simplesmente provam que há um elemento da regularidade na natureza, mas não se tem qualquer condição de saber se essa regularidade é exata e universal ou não. Em relação a esta exatidão, toda observação opõe-se diretamente a ela; e o máximo que se pode dizer é que uma boa dose desta observação pode ser explicada de outra forma. Tente verificar qualquer lei da natureza, e verá que quanto mais precisas suas observações,

9 Stillman Drake, um dos principais especialistas na ciência de Galileu.

58

com mais certeza, elas apresentarão desvios irregulares da lei. Estamos acostumados a atribuí-los, e não digo erradamente, a erros de observação; ainda que geralmente nós não damos conta de tais erros de qualquer forma previamente provável. Rastreie suas causas suficientemente ao longo do tempo e você será forçado a admitir estarem elas

sempre relacionadas à determinação arbitrária ou ao acaso10

(CP 6.46; 1892).

IBRI (1992) inclusive comenta que, para Peirce, a irregularidade e a

assimetria estão mais presentes nos fenômenos da Natureza que a própria

regularidade. É, prossegue Ibri, uma música nunca ouvida porque sempre ouvida,

utilizando para o caso a metáfora pitagórica da música das esferas. Não nos damos

conta da irregularidade do mundo porque ela está sempre presente, saturando nossa

experiência. Não existem dois abacateiros exatamente iguais, cada um é único, em

sua forma, textura e cor. A regularidade não está na categoria da existência, mas,

segundo o realismo de Peirce, é expressão da lei que gera uniformidades. Assim

sendo, as três razões apontadas por Peirce como comumente defensoras do

determinismo: da verdade auto-evidente, do pressuposto do conhecimento científico

e da observação da natureza, não se sustentam quando confrontadas com a própria

realidade dos fenômenos.

2.1.3 O Determinismo e as Três Leis de Newton

Uma das críticas mais contundentes de Peirce acerca do fenômeno da

causação (CP 6.68) refere-se ao fato que o mesmo está sustentado em três

proposições que, na verdade, estão em desacordo com os princípios da física

mecânica. São elas:

10

Those observations which are generally adduced in favor of mechanical causation simply prove that

there is an element of regularity in nature, and have no bearing whatever upon the question of whether

such regularity is exact and universal or not. Nay, in regard to this exactitude, all observation is directly

opposed to it; and the most that can be said is that a good deal of this observation can be explained away.

Try to verify any law of nature, and you will find that the more precise your observations, the more

certain they will be to show irregular departures from the law. We are accustomed to ascribe these, and I

do not say wrongly, to errors of observation; yet we cannot usually account for such errors in any

antecedently probable way. Trace their causes back far enough and you will be forced to admit they are

always due to arbitrary determination, or chance.

59

1. O estado das coisas em qualquer instante é completa e exatamente

determinado pelo estado das coisas em algum outro instante;

2. A causa, ou estado determinante das coisas, precede o efeito ou estado

determinado das coisas no tempo;

3. Nenhum fato determina um fato que o precede no tempo no mesmo

sentido que determina um fato que o segue no tempo.

Newton propôs explicar a realidade através da matéria e suas massas, das

posições relativas das mesmas no espaço em diferentes instantes do tempo e das leis

imutáveis do movimento da matéria (corpo). São três as leis do movimento de

Newton:

1. Princípio da Inércia (1ª Lei de Newton):

─ Todo corpo continua em seu estado de repouso, ou de movimento

uniforme sobre uma linha reta, a menos que uma força atue sobre

ele;

2. Princípio Fundamental da Dinâmica (2ª Lei de Newton):

─ A força resultante que age em um ponto material é igual ao produto

da massa desse corpo pela sua aceleração:

FR = ma

3. Princípio da Ação e Reação (3ª Lei de Newton):

─ Quando um corpo A exerce uma força FAB no corpo B, este exerce

imediatamente uma força FBA em A de mesmo módulo, mesma

direção e sentido contrário, ou seja:

Fab = - Fba

60

Se observarmos a primeira. e a segunda. leis de Newton, constatamos que

o que muda (ou não) o movimento de um corpo é a presença (ou ausência) de uma

força resultante. Se a força resultante for nula, a velocidade do corpo permanece

inalterada, seja em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme. Se a força

resultante não for nula, ela modifica o movimento do corpo de modo proporcional a

sua intensidade, em outras palavras, quanto maior a força, maior será a mudança do

movimento. Podemos dizer que a força é sempre diretamente proporcional à

aceleração que ela provoca.

Segundo Peirce, as leis de Newton contrariam a primeira proposição da

causação que afirma que o estado das coisas em qualquer instante é completa e

exatamente determinado pelo estado das coisas em algum outro instante, ou seja,

que as posições dos corpos em qualquer instante sejam determinadas por suas

posições em qualquer outro instante único. O que é determinado, segundo Newton,

não é uma posição, mas uma aceleração11

. Como aceleração é uma taxa de variação

da velocidade (e conseqüentemente de posições) em função do tempo, é evidente

que a posição futura não depende apenas da posição anterior. Há uma terceiridade

essencial (aceleração) que a primeira proposição da causação deixa de reconhecer.

PEIRCE (CP 6.68) apresenta uma tabela para demonstrar tal afirmação.

Usando intervalos de tempo iguais (de 1 segundo), temos a seguinte

demonstração matemática:

Dados (em segundos)

Posições Velocidades Aceleração

0 A (B-A) / (1-0) (C-B) – (B-A) / (1,5 – 0,5)

1 B (C-B) / (2-1)

2 C

11

Convém ressaltar que, no caso da aceleração a ser constante (como no caso dos movimentos celestes e

gravitacionais), a primeira proposição é verdadeira, uma vez que a posição s em qualquer estado seguinte

t é determinada apenas pela posição inicial s0 e a velocidade instantânea inicial v0, ou seja: s = s0 + v0t

+ ½ a t²

61

Fica claro, portanto, que a posição B não é determinada apenas pela posição

A. Existe uma terceiridade (posição C) que faz parte do cálculo da velocidade e,

conseqüentemente, da aceleração do objeto. B é determinado por A (posição

anterior), mas também por C (posição posterior).

A segunda proposição, de que a causa precede o efeito, também contraria a

segunda lei da mecânica. Como o que é determinado pela força é a aceleração, uma

não ocorre anteriormente à outra, mas são simultâneas, ou seja, não há um intervalo

de tempo entre a causa e o efeito.

Quanto à terceira proposição (nenhum fato determina um fato que o precede

no tempo), Peirce argumenta que a proposição também é falsa, uma vez que ela

contraria a lei da conservação da energia.

Segundo a mesma, em qualquer sistema isolado, o somatório das energias

ao inicío de qualquer processo é igual ao somatório das energias ao fim do processo.

Assim sendo, em um sistema sob ação exclusiva de forças conservativas, a energia

mecânica se conserva ao longo do tempo. Sendo a energia mecânica definida como

a soma das energias potencial (função da posição) e cinética (função da velocidade)

do sistema, então, se apenas forças conservativas atuam sobre este corpo quando ele

estiver em movimento, a soma da energia cinética do corpo com sua energia

potencial permanece constante em qualquer ponto da trajetória. Portanto, se a

energia potencial de um corpo aumentar (ou diminuir), sua energia cinética

diminuirá (ou aumentará), de modo que sua energia mecânica se conserve.

Assim sendo, se um objeto suspenso no ar é solto, a velocidade com a qual

ele chega ao solo é determinada pela altura na qual ele se encontrava. Em outras

palavras, a altura determina a velocidade. Mas nada impede de pensarmos que a

velocidade com que o objeto alcança o solo é quem determina a altura em que o

62

objeto estava. A lei da conservação da energia12

, a rigor, não define um vetor no

tempo. Tanto o passado determina o futuro, como o futuro determina o passado.

Ocorre, como alerta Peirce, que a maioria das ações que vemos no cotidiano

de nossos dias parece violar a lei da conservação da energia. Na presença de forças

não conservativas, como a força de atrito cinética e a força de arrasto, parte da

energia mecânica (potencial mais cinética) é transformada em energia térmica,

associada com o movimento aleatório de átomos e moléculas. Como sabemos, neste

caso não há reversibilidade: a energia térmica não pode ser revertida em energia

mecânica.

Desta forma, através da análise das leis mecânicas da Física, Peirce

demonstra que a causalidade não tem carater determinista e invariável. Conforme já

mencionado, porém, Peirce não elimina completamente o determinismo da

realidade. Para o autor, as leis da natureza são realidades gerais, em sintonia com o

realismo escolástico. Apesar de negar o fato de que o universo seja estritamente

regido e determinado por leis, Peirce admite que há um elemento de regularidade

no cosmos. Sua tese, entretanto, é a de que esta regularidade é constantemente

violada em certo grau. Há um desvio, uma erraticidade intrínseca do mundo.

2.2 A Defesa do Acaso

Como ressalta IBRI (1992), o que sustenta a hipótese metafísica do acaso

para Peirce são os fenômenos da diversidade e variedade da natureza. O acaso é um

princípio ontológico associado à irregularidade e assimetria encontradas na

Natureza. O Acaso é o modo de ser do incondicionado na existência, impactando,

assim, em liberdade. Faz parte da primeira categoria, de ser primeiro, sem vínculos

com qualquer necessidade lógica.

12

Em um sistema isolado onde apenas forças conservativas causam variações de energia, a energia cinética

e a energia potencial podem variar, mas a sua soma, a energia mecânica do sistema, não pode variar.

63

O acaso confere liberdade para o ato de cada particular. Como princípio

geral, ele está destituído da necessidade lógica que caracteriza a força de uma lei. O

acaso atua de modo que a segundidade do fato não seja estritamente regida pela

terceiridade da lei; a existência possui, assim, um elemento de espontaneidade,

conferida pela primeiridade do acaso.

Sobre a primeira categoria:

...é licito considerar indissolúvel o par acaso e qualidade. O acaso como uma propriedade de uma distribuição requer a potencialidade de alguma coisa a ser distribuída, no caso, a qualidade no fato, ou seja, o que é primeiro no segundo. As Qualidades são gerais, vagas e potenciais. Uma qualidade é mera potencialidade abstrata, uma potencialidade do mundo (primeiridade). Ela não é nada que seja, em seu ser, dependente da mente, quer na forma de sentidos ou do pensamento. Nem é dependente, em seu ser, do fato de que alguma coisa material a possua. Mas sua ocorrência é individual. Assim, o acaso pode ser considerado como o modo de ser da distribuição das qualidades nos individuais. (IBRI: 1992, pg. 41)

O quadro abaixo, baseado em IBRI (1992),13

apresenta um esquema

esclarecedor enquanto síntese da primeira categoria:

Principio Mundo (Fenomenologia)

Fenomenológico Ontológico Interno Externo

Liberdade Acaso Unidade de Quali-consciência Incondicionalidade

Atemporalidade

Diversidade Variedade Assimetria

Irregularidade

A interioridade, em Peirce, só é conhecida pelo seu modo potencial, na

medida em que se realiza no mundo exterior. A Qualidade (potência) torna-se ato

sob a regência do acaso. Não há intencionalidade, mas liberdade.

Peirce, desta forma, substitui a teoria do determinismo pelo acaso

ontológico. Cabe notar que, em sua teoria do tiquismo14

, Peirce não nega a

13

Tabela sintetizada a partir da leitura de IBRI (1992).

64

regularidade do mundo mecânico; apenas não a considera estrita. A total ausência

de regularidade significaria caos. Assim, o que o autor contesta é uma regularidade

absoluta advinda de um determinismo restrito. Na concepção peirciana de realidade,

existe espaço tanto para as leis quanto para o acaso, ou seja, há uma combinação

entre necessidade e possibilidade.

Conforme comenta SALATIEL (2008), o que Peirce questiona é uma

doutrina que generaliza a causalidade mecânica e afirma que: ―dado A, segue-se

necessariamente B‖ (CP 6.592; 1893). Para tanto (conforme já comentado no item

2.1.2), Peirce começa sua crítica pelo viés epistemológico, mostrando que o

determinismo não pode ser um postulado científico. Em seguida, o autor apresenta

sua argumentação ontológica contra o determinismo e a favor do acaso.

Segundo o autor “(...) a essência da posição necessitarista é a de que certas quantidades contínuas têm valores exatos” (CP 6.44). Quer dizer, a condição é a de que os valores das variáveis (posição e aceleração, por exemplo) possam ser aferidos com precisão, de outro modo haveria uma quebra na causalidade. Mas é justamente esta precisão infinitesimal que não é possível de ser verificada empiricamente, ou mesmo matematicamente. Esta é, para Peirce, uma suposição ridícula (CP 6.44) (SALATIEL: 2008, pg. 80).

Para Peirce, esta imprecisão não é decorrente de erros de observação, apesar

de também acontecerem. A imprecisão é ontológica. Quanto mais precisas as

observações de qualquer lei da natureza, mais afastamentos irregulares da lei

ocorrerão (CP 6.36). Estes comportamentos irregulares devem ser atribuídos a um

princípio de acaso operando no universo e não por circunstâncias subjetivas como

erros de observação ou desconhecimento de causas. Este acaso é observado

externamente na diversidade e complexidade do Universo e está vinculado ao modo

de ser da Primeiridade, portanto, da ordem da originalidade, espontaneidade,

liberdade, variedade, indeterminação e irregularidade.

14 Doutrina do acaso ontológico. Do grego tychê, acaso.

65

Importante notar que a tese de Peirce não significa dizer que as coisas

ocorram por acaso, mas sim que o acaso é o principio original da organização.

Destas passagens (CP 6.58 e CP 6.59) chamamos atenção para a tese mais ousada e o ponto crucial da ontologia tiquista perciana: a hipótese de que o acaso é fonte de organização, de complexidade, em um universo em evolução. Em outras palavras, Peirce não pretende explicar que as coisas ocorrem “por acaso”, mas, ao contrário, que o acaso é que explica a origem da organização em sistemas, o fenômeno universal da diversidade do cosmos. “Eu faço uso do acaso principalmente para dar lugar ao princípio da generalização, tendência de formar hábitos, que afirmo ter produzido regularidades.” (CP 6.63) (SALATIEL: 2008, pg. 83).

Em ―The Doctrine of Necessity Examined‖ (CP 6.35-65; 1892) e

posteriormente em ―Reply to Necessitarians‖ (CP 6.588-618; 1893), Peirce

apresenta cinco argumentos na qual defende o acaso ontológico e substitui a teoria

do determinismo pela hipótese do tiquismo.

1. Argumento da evolução ou do crescimento:

Para Peirce, a análise de qualquer ciência que lida com o curso do

tempo, seja mineral, vegetal ou animal, mostra que o universo evolui e aumenta sua

complexidade. Segundo o autor, o determinismo não pode explicar os fenômenos

não conservativos como ―nascimento, crescimento e vida‖. Deve haver um

princípio de espontaneidade, que produza desvios da lei, sem o qual a evolução e a

vida não seriam possíveis. Este princípio de espontaneidade é o acaso.

2. Argumento da variedade:

A diversidade e variedade não podem ser explicadas pelo determinismo,

uma vez que ela expressa diferenças e não semelhanças. Um homem não é igual a

outro. Até mesmo o notebook no qual digito este texto, apesar de um produto fabril,

não é igual a outro. Apesar do conceito de homem ser o mesmo, o que nos permite

66

classificarmos como seres semelhantes (da ordem da terceiridade), cada um de nós é

singular (da ordem da primeiridade).

Admitindo a pura espontaneidade ou a vida como uma característica do universo, agindo sempre e em toda parte embora restritas dentro de limites estreitos por lei, produzindo infinitesimais desvios da lei continuamente e grandes desvios raramente, Eu credito a ela toda a variedade e a diversidade do universo, no sentido único em que realmente o sui generis e o novo podem ser contabilizados. O senso comum tem de admitir a inesgotável variedade do mundo, tem de admitir que a lei mecânica não dá conta disso, pelo menos, que a variedade pode originar apenas a partir de espontaneidade e ainda negar, sem qualquer prova ou razão, a existência dessa espontaneidade, ou então devolvê-lo de volta para o início do tempo e supô-lo morto

desde então15

.(CP 6.59)

O acaso, portanto, seria responsável pela variedade e diversidade que

existe no mundo. O surgimento do novo ocorre pelo acaso. Fica evidente neste

argumento a influência da teoria de Darwin sobre a origem das espécies. Peirce

também ressalta que a hipótese da espontaneidade explica a irregularidade de modo

geral e não específico.

Cabe lembrar, como ressalta IBRI (1992), acaso como ―princípio

responsável‖ não significa ―causa‖, associado à idéia de lei, mas sim como modo de

ser correlacionado com a irregularidade e assimetria tal qual como existente no

mundo.

3. Argumento da origem da lei:

O terceiro argumento está associado à forma como a mente estabelece

associações e como percebemos a uniformidade da natureza. Segundo Peirce, não

15

By thus admitting pure spontaneity or life as a character of the universe, acting always and everywhere

though restrained within narrow bounds by law, producing infinitesimal departures from law continually,

and great ones with infinite infrequency, I account for all the variety and diversity of the universe, in the

only sense in which the really sui generis and new can be said to be accounted for. The ordinary view has

to admit the inexhaustible multitudinous variety of the world, has to admit that its mechanical law cannot

account for this in the least, that variety can spring only from spontaneity, and yet denies without any

evidence or reason the existence of this spontaneity, or else shoves it back to the beginning of time and

supposes it dead ever since.

67

temos como explicar uma lei se a mesma for fundamentalmente original e absoluta.

Para o autor, a mente toma consciência do outro por associação. Só tenho

consciência do ―Eu‖, se conheço o ―não-Eu‖. Da mesma forma, a lei só gera lei e,

portanto, não podemos explicar a lei a não ser por outra lei, o que seria tautológico.

A lei deve se originar da não-lei. Desta forma teríamos uma explicação plausível:

do indeterminado (não-lei) para o determinado (lei). Cabe ressaltar que a não-lei,

pelo seu caráter de indeterminação, não requer explicação. Ela sim é o principio

original.

Há um processo evolucionário da ―não-lei‖ para a ―lei‖, do acaso para a

lei. E, como o processo evolucionário ainda não atingiu seu estado final, existe um

elemento do imponderável que impossibilita a total submissão à lei.

Peirce propõe que esta evolução, do acaso à lei, deva obedecer a um

principio único, da natureza de uma lei. O autor vai encontrar este principio na

―grande lei da mente‖, cuja tendência é de generalização, associação e aquisição de

hábitos.

Mas, se as leis da natureza são resultados da evolução, esta evolução deve proceder de acordo com algum princípio; e este princípio será, em si mesmo, da natureza de uma lei. Porém, ela deve ser uma lei que pode evoluir ou se desenvolver por si mesma... Evidentemente ela deve ser uma tendência à generalização – uma tendência generalizadora... Contudo, a tendência generalizadora é a grande lei da mente, a lei da associação, a lei da aquisição de hábitos... Assim, sou levado à hipótese de que as leis do universo têm sido formadas sob uma tendência universal

de todas as coisas à generalização e à aquisição de hábitos16

(CP 7.515).

Peirce também comenta que as leis, apesar de aparentarem ser

radicalmente diferentes entre si, apresentam fortes analogias. Peirce apresenta como

exemplo a semelhança entre a lei das forças elétricas e a gravitação (CP 6.613).

Para o autor, isto não seria possível se uma lei fosse fundamentalmente original e

absoluta.

16

Tradução IBRI (1992).

68

4. Argumento da consciência e sentimentos:

Segundo Peirce, se o mundo fosse universalmente regulado por leis,

num caso extremo de determinismo, ter-se-ia que admitir, em decorrência, um

materialismo em que a mente seria mero caso especial da matéria. Da mesma forma,

um pensamento seria decorrente das ações ou estados anteriores e, desta forma, o

estado futuro do mesmo poderia ser determinado. Neste caso, seria plausível prever

o comentário que você leitor faria acerca desta tese. Assim sendo, seja em

decorrência de um causalismo externo, no primeiro caso, ou um causalismo interno,

no segundo caso, o livre arbítrio seria uma ilusão. Desta forma, descartando o

dualismo cartesiano ou o nominalismo kantiano, Peirce propõe um idealismo

objetivo, onde o acaso, responsável pela irregularidade e diversidade do mundo,

seria o lado exterior do continuum da categoria de primeiridade.

5. Argumento empírico:

Neste argumento, não desenvolvido por Peirce, o autor afirma que as

conseqüências da hipótese acaso-espontaneidade podem ser provadas

matematicamente com precisão em detalhes consideráveis. Muitas críticas e

interpretações foram feitas pelos comentadores a respeito deste argumento

inconclusivo.

2.3. Acaso Matemático e Absoluto

De acordo com SALATIEL (2008), existem dois sentidos distintos para o

acaso em Peirce: matemático e absoluto. Estes dois tipos de acasos têm um forte

impacto na questão da causalidade em Peirce. Enquanto o acaso matemático está

mais ligado ao componente final da causa, da ordem do geral, o acaso absoluto é

pura liberdade, da ordem da primeiridade.

Na obra de Peirce, de 1870 a 1880, o acaso tem um sentido mais fraco,

matemático ou probabilístico. Trata-se de um acaso relativo, usual ou quase-acaso.

69

Neste caso, o acaso, entretanto, não ocorre de uma forma randômica e aleatória, mas

está sempre sujeita a uma lei estatística. Trata-se de um ―acaso objetivo‖, uma

mistura de liberdade e restrição com inevitáveis resultados teleológicos.

Por exemplo, se jogarmos dois dados e somarmos seus números, nós

teremos a seguinte tabela probabilística:

Soma dos números Possibilidades

(numero do primeiro dado, numero do segundo dado)

Probabilidade

2 (1,1) 1 / 36

3 (1,2) e (2,1) 2 / 36

4 (1,3), (2,2) e (3,1) 3 / 36

5 (1,4), (2,3), (3,2) e (4,1) 4 / 36

6 (1,5), (2,4), (3,3), (4,2) e (5,1) 5 / 36

7 (1,6), (2,5), (3,4), (4,3), (5,2) e (6,1) 6 / 36

8 (2,6), (3,5), (4,4), (5,3) e (6,2) 5 / 36

9 (3,6), (4,5), (5,4) e (6,3) 4 / 36

10 (4,6), (5,5) e (6,4) 3 / 36

11 (5,6) e (6,5) 2 / 36

12 (6,6) 1 / 36

Se colocarmos os resultados em um histograma, teremos:

70

0

1

2

3

4

5

6

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Quanto mais dados acrescentarmos a este jogo, mais o histograma se

amplia, mas continua se parecendo com uma curva normal, embora discreta.

Assim, se um jogador for conservador, ele deve apostar os resultados entre

5 e 7. Se for agressivo, pode apostar no resultado 2 ou 12. Evidentemente que não

podemos antecipar qualquer resultado, mas se lançarmos estes dois dados muitas

vezes e somarmos seus números, é mais provável que encontremos com mais

freqüência o resultado 7 do que 2 ou 12. O acaso objetivo, portanto, obedece a uma

lei estatística e não é totalmente aleatório. Existe um ―would be‖, uma tendência de

comportamento, ou seja, uma propriedade semelhante ao hábito humano. Este

―would be‖ permite nos dizer que a Natureza apresenta hábitos e, sendo este o caso,

poder-se-ia dizer que eles se dirigem a algum tipo de propósito. Não se trata, porém,

de afirmar algo sobre casos particulares. Em termos de segundidade, não temos

como prever o número resultante para cada caso particular. Mas, a longo prazo,

71

numa seqüência infinita de experimentos, é possível descrever uma teoria estatística

para o caso geral da espécie.

Desta forma, para Peirce, este tipo de acaso objetivo está ligado ao conceito

de probabilidade e Lei dos Grandes Números. Este conceito de probabilidade de

Peirce, coerentemente com o caráter realista de seu pensamento, tem concepção

empírica ou frequentista, na qual probabilidade é definida como freqüência relativa

de eventos empíricos no longo prazo.

A partir de 1890, Peirce associa o acaso a um acaso absoluto onde não há

lei alguma, mas, pelo contrário, liberdade. Influenciado por Darwin17

, o acaso

absoluto não tem nenhuma explicação racional e está associada à diversidade e

variedade das coisas e a ―eventos que a lei não previne‖ (CP 6.612). Não se trata de

um problema epistemológico de ignorância sobre a causa dos eventos, nem de algo

acidental, como em Aristóteles. É uma ruptura, uma violação das leis da

causalidade, de modo a eliminar o caráter dedutivo e determinista do mundo. No

acaso absoluto não há quaisquer tendências nos fenômenos. No nosso exemplo dos

dados, se ao invés de 2 dados, tivéssemos apenas 1 dado, não haveria curva normal,

uma vez que os números teriam a mesma chance de ocorrência. A propósito, a

existência de dois dados exatamente iguais já incorre em algum tipo de

uniformidade, inexplicável quando se pressupõe a ausência total de leis. Em vez de

qualquer tendência, ter-se-iam, à luz de um acaso absoluto, apenas diversidade e

variedade.

17

Darwin afirma que variações ocorrem sem utilidade ou sem direções intencionais e que, futuramente,

serão selecionadas simplesmente por stress nas condições da luta pela existência. Não há design

inteligente.

CAPÍTULO 3

73

Capítulo 3

A CAUSA FINAL EM PEIRCE

3.1 A Concepção da Causa Final em Peirce

Por que fazemos o que fazemos? Por que estaria eu agora sentado em frente

ao microcomputador? Neste caso, em sentido estrito, para terminar de escrever esta

tese. Evidentemente outras respostas poderiam ser dadas: para aumentar meu

conhecimento, para entender a humanidade, por simples satisfação pessoal, etc.

Todas as respostas conduzem à busca de um fim, de uma finalidade. Aristóteles

estende este conceito de ―causa final‖ à Natureza e afirma que as características e os

estágios de crescimento da semente têm por motivo tornar-se uma árvore. A

potência da semente tenciona-a a tornar-se árvore. Há, neste processo, ―telos‖. Por

teleologia entendemos esta doutrina proposta por Aristóteles de que há uma causa

final na Natureza.

A síntese realizada acerca das abordagens contemporâneas sobre

causalidade (item 1.2) indica que a ciência e a filosofia contemporânea demonstram

uma espécie de aversão ao conceito da teleologia e causalidade final. Consideram

que se trata apenas de um tipo particular de processo mecânico e reduzem a

causalidade apenas à questão da causa eficiente. Esta aversão, entretanto, está

sedimentada em leituras equivocadas sobre a causação final. A concepção de causa

final em Peirce nos auxilia a mitigar esta aversão. De acordo com o autor, o

conceito de causa final não é incompatível com a contemporaneidade. Pelo

contrário, está implícita em algumas teorias, notadamente na teoria da evolução de

Darwin.

74

SHORT (2007) comenta que existem muitos equívocos e mal entendidos em

relação à questão da teleologia, a maioria decorrente da profunda resistência à

teologia ou a qualquer coisa que desestabilize o ―reino do materialismo e

explicação causal‖.

Para SHORT (2007) um dos erros reside na confusão entre desejo e

propósito. Como esclarece o autor, desejo é um estado psicológico particular da

ordem da existência. Já o propósito é sempre geral, não particular. Não é ainda. E

só o que existe, ou seja, da ordem da segundidade, é particular. No máximo,

consiste em um tipo de resultado desejado. O propósito é, em sentido amplo, a

conseqüência do desejo. Na verdade, a questão é mais complexa. Os propósitos

podem não ser alcançados e os desejos podem se reprimidos. A correlação não é

precisa nem necessária. Mesmo quando aparentemente o propósito seja bem

específico, como por exemplo, ―ser igual ao seu pai‖, trata-se de uma associação.

De um fim associado que é da ordem do geral. O fim procurado é uma inspiração,

uma idéia a ser perseguida. Trata-se do ideal influenciando o real. SHORT (2007)

comenta que Abraham Lincoln teria indagado em uma reunião sindical se ―o

possível faz o certo‖ ou se ―o que é certo faz o possível‖. A resposta do presidente

teria sido contundente: ―Nós precisamos ter a Fé de que o certo faz o possível‖.

Trata-se de uma opção clara pelo ideal influenciando o real.

Uma segunda questão abordada por SHORT (2007) refere-se à oposição

histórica entre teleologia e explicação mecanicista, como se a existência de uma

invalidaria a outra, de modo que jamais poderíamos reduzir uma à outra. Isto está

presente no senso comum quando, ao afirmarmos que fazemos as coisas de forma

automática ou mecânica, queremos dizer que não estamos pensando na finalidade

ou propósito da ação. Conforme alerta o autor, a distinção não deveria ocorrer em

termos tão triviais. O próprio conceito de explicação mecanicista tem evoluído,

desde uma concepção de transmissão de ―movimento através do contato físico‖

passando pela teoria do campo eletromagnético, pela teoria da indeterminação, até a

teoria da relatividade onde matéria é energia e vice-versa. O correto seria afirmar

75

que a explicação de um efeito particular ―E‖ é mecanicista, se e somente se, leis

gerais (deterministas ou probabilísticas) correlacionam ―E‖ a particulares (forças,

corpos, eventos, campos etc.) que existem ou obtém nada mais que um efeito

particular ―E‖. Leis mecanicistas, portanto, relacionam sempre particulares de um

tipo a particulares de outro tipo. Particulares estão situados no tempo e espaço, ao

contrário da causa final.

Outra questão importante em relação à causa final diz respeito à causação

reversa. Sendo a causa final, da ordem do geral, não é possível falar sobre

reversibilidade, no sentido de que A causa B, mecanicamente, e B causa A por

finalidade. Causa final é generalidade, não é particular. O que é particular é o efeito.

De acordo com SHORT (2007), estes equívocos acerca da causalidade final

são cometidos por aqueles que desconhecem a Filosofia Grega. Para o mesmo, não

é a explicação mecânica que sucede a teleologia, mas o contrário. É a teleologia que

explica as lacunas existentes pela Teoria Mecanicista. Só ela explica a ordem no

mundo. Desta forma, a teleologia, no sentido clássico de Platão e Aristóteles, está

associada à existência de uma ordem sobre o caos. Ordem criada pela subordinação

da compulsão mecânica aleatória à razão. Causa, no sentido original de ―aitia‖

significava o que ―está a cargo‖ ou ―ser responsável por‖. Assim, causa pode

representar um fator objetivo responsável pelo que acontece, tal como um tipo de

resultado possível.

A concepção de Peirce sobre causa final tem consonância com a visão

grega, notadamente Aristóteles. Ele afirma que a identificação entre causa final e

―objetivos conscientes‖ não é adequada. O conceito de causa final não envolve um

fato concreto futuro, como se o mesmo determinasse eventos no presente. O que

não existe não pode pré-determinar o que existe!

É, como dizia, um erro generalizado pensar que uma “causa final” é, necessariamente, uma finalidade. Um propósito é meramente essa forma de causa final que é mais familiar para nossa experiência. O significado da frase “causa final” deve ser determinado pela sua utilização na declaração de Aristóteles que toda causalidade se divide em dois grandes ramos: o eficiente ou compulsivo; e o ideal, ou final. Se quisermos conservar a

76

verdade da afirmação, devemos compreender por causalidade final aquele modo de trazer fatos de acordo com a qual uma descrição geral do resultado é feita acontecer, independentemente de qualquer compulsão surgida nesta ou dessa forma particular; embora os meios podem ser adaptados para o fim. O resultado geral pode ser alcançado de uma maneira em determinado momento e de outra maneira em outro momento. A causalidade final não determina qual forma especial é alcançada, mas apenas que o

resultado deve ter certo caráter geral1. (CP 1.211; 1902)

Peirce utiliza o conceito de experiência direcionada a um objetivo apenas

como um ponto de partida para a sua análise. Para ele, um objetivo não é uma coisa

nem um evento, mas apenas um desejo operativo. Portanto, não é concreto, mas tem

natureza geral. O que desejamos é uma espécie (idéia) de, não um algo específico.

Mesmo que desejemos um bolo que já tenhamos experimentado, de uma receita ―da

nossa avó‖, trata-se de uma idéia de bolo e não de algo real.

Desta forma, uma causa final tem caráter de terceiridade, da ordem do geral

e universal, portanto não pode ser um evento, uma vez que um evento é sempre

individual e específico.

Além disso, um objetivo a ser alcançado não pode ser compreendido como

factível de um retrocesso do futuro ao presente, como se houvesse um

encadeamento necessário exato e preciso do futuro ao passado. A mesma limonada

pode ser obtida colocando-se os ingredientes em qualquer seqüência. Como se diz, a

ordem dos fatores não altera o produto. A causa final é, portanto, uma tendência

para produzir determinado tipo de efeito, não um processo mecânico e determinado.

1 It is, as I was saying, a widespread error to think that a ‗final cause‘ is necessarily a purpose. A purpose

is merely that form of final cause which is most familiar to our experience. The signification of the

phrase ‗final cause‘ must be determined by its use in the statement of Aristotle that all causation divides

into two grand branches, the efficient, or forceful; and the ideal, or final. If we are to conserve the truth

of that statement, we must understand by final causation that mode of bringing facts about according to

which a general description of result is made to come about, quite irrespective of any compulsion for it to

come about in this or that particular way; although the means may be adapted to the end. The general

result may be brought about at one time in one way, and at another time in another way. Final causation

does not determine in what particular way it is to be brought about, but only that the result shall have a

certain general character.

77

Cabe ressaltar que o conceito de Peirce sobre causa final, como uma

tendência em direção a um estado final, está de acordo com a visão de causa de

Aristóteles, ou seja, como uma espécie de condição sem a qual uma coisa não pode

ser o que é. Assim sendo, o conceito de causa final segundo a ótica de Peirce é

muito mais abrangente do que a noção moderna, restrita ao termo de causa eficiente

de Aristóteles. De acordo com Peirce, qualquer explicação sobre um processo

teleológico requer uma referência a causa final.

Neste sentido, causa final não é uma coisa existente, mas uma tendência

para se produzir um determinado tipo de efeito. Ela não é uma coisa concreta, um

evento ou um fato, mas uma mera possibilidade, um estado final ideal para qual um

processo tende.

De acordo com Peirce, a causa final é um tipo geral que controla a causa

eficiente. Ela determina que tipos de significados sejam adequados para o alcance

do fim geral. Mais que isso, a causa final especifica se a causa eficiente avança na

realização da causa final.

Quando se fala de uma "idéia", ou "noção" ou "concepção da mente", nós usualmente pensamos – ou tentamos pensar – em uma idéia abstraída de toda eficiência. Mas um Tribunal sem um xerife, ou de meios da criação de um, não seria absolutamente um Tribunal; e nunca ocorreu para você, meu leitor, que uma idéia sem eficiência é algo igualmente absurda e impensável? Imagine essa idéia se você puder! Você fez isso? Bem, de onde você tirou essa idéia? Se ela foi comunicada “viva voz” a você por outra pessoa, ela deve ter tido eficácia suficiente para fazerem as partículas de ar vibrar. Se você leu num jornal, ela foi produzida por uma prensa tipográfica monstruosa em movimento. Se você pensou fora de si mesmo, ela fez algo acontecer no seu cérebro. E novamente, como você sabe que você teve a idéia quando essa discussão começou algumas linhas acima, a menos que ela tinha eficiência para fazer alguns registros no seu cérebro? O Tribunal não pode ser imaginado sem um xerife. Causalidade final não pode ser imaginada sem causalidade eficiente; mas de forma alguma o mínimo nesta conta são seus modos de ação. O xerife ainda teria seu punho, mesmo se não houvesse nenhum Tribunal; mas uma causa eficiente, separada de uma causa final sob a forma de uma lei, não possui eficiência: ele pode exercer-se, e algo que poderia seguir post hoc, mas não propter hoc; porque propter implica potencial regularidade. Agora, sem lei não

78

há nenhuma regularidade; e sem a influência de idéias, não há nenhuma

potencialidade2. (CP 1.213; 1902)

A causa final funciona como uma espécie de critério selecionador da

escolha dos meios apropriados (causa eficiente) para que a idéia (causa final) seja

alcançada. Se você deseja elaborar uma dissertação, estudar deve ser um meio

apropriado, já passar a tarde jogando futebol não parece adequado. Evidentemente

que não há um determinismo associado à questão: estudar não garante que a

dissertação seja escrita, nem o futebol necessariamente impede a mesma. Porém,

podemos presumir que existe algo geral que governa o processo como um todo e, de

certa forma, norteia nossos esforços. Este geral é o que denominamos ―causa final‖.

Causas finais são tipos gerais que tendem a se realizar por determinação de processos de causalidade mecânica. Causas finais não são acontecimentos futuros, mas possibilidades gerais (físicas), que podem ser realizadas no futuro. Os sintomas das causas finais são (a) que o Estado final de um processo pode ser alcançado de maneiras

diferentes, e (b) que o processo é irreversível3. (HULSWIT: 2002, pg. 80)

Enquanto que a causa eficiente representa uma relação diádica entre dois

eventos ou fatos concretos e individuais, a causa final mantém uma triádica entre a

2 When we speak of an "idea," or "notion," or "conception of the mind," we are most usually thinking -- or

trying to think -- of an idea abstracted from all efficiency. But a court without a sheriff, or the means of

creating one, would not be a court at all; and did it ever occur to you, my reader, that an idea without

efficiency is something equally absurd and unthinkable? Imagine such an idea if you can! Have you done

so? Well, where did you get this idea? If it was communicated to you viva voce from another person, it

must have had efficiency enough to get the particles of air vibrating. If you read it in a newspaper, it had

set a monstrous printing press in motion. If you thought it out yourself, it had caused something to

happen in your brain. And again, how do you know that you did have the idea when this discussion

began a few lines above, unless it had efficiency to make some record on the brain? The court cannot be

imagined without a sheriff. Final causality cannot be imagined without efficient causality; but no whit

the less on that account are their modes of action polar contraries. The sheriff would still have his fist,

even if there were no court; but an efficient cause, detached from a final cause in the form of a law,

would not even possess efficiency: it might exert itself, and something might follow post hoc, but not

propter hoc; for propter implies potential regularity. Now without law there is no regularity; and without

the influence of ideas there is no potentiality. 3 Final causes are general types that tend to realize themselves by determining processes of mechanical

causation. Final causes are not future events, but general (physical) possibilities, which may be realized

in the future. The symptoms of final causes are (a) that the end state of a process may be reached in

different ways, and (b) that the process is irreversible.

79

causa final geral, a causa eficiente concreta e seu efeito também concreto. Na

verdade, a causa final funciona como mediadora entre a causa eficiente e seu efeito

concreto.

A produção de um efeito (B) por uma causa eficiente individual (A) é

mediada por uma causa final (C‘). A causa eficiente funciona como um meio para

se alcançar determinado fim.

Esquematicamente:

C´ (causa final)

A (causa) B (efeito / meio) C (efeito / fim realizado)

No momento da causação eficiente, (C) ainda não existe. Portanto, a

causação de (B) não pode ter sido influenciada por (C), mas sim por (C‘),

mediadora entre (A) e (B). Nota-se que não necessariamente (C‘) coincide com (C).

Voltando ao exemplo da elaboração da tese, o fato de estudar não significa

necessariamente ter êxito. Da mesma forma, não podemos dizer que a tese pronta

(C) é causa do estudo, uma vez que não há causação retroativa.

Desta forma a causa final e a causa eficiente se complementam um ao

outro. Não há causa final sem causa eficiente. Estudar sem escrever a dissertação

não é suficiente para alcançar a finalidade, da mesma forma que escrever qualquer

80

coisa não tem sentido. A causa final sem causa eficiente é inútil, e a causa eficiente

sem causa final é mero caos.

Causalidade final sem causalidade eficiente é impotente; simples grito que uma pessoa violenta, ou qualquer homem, pode fazer; mas eles não virão sem causalidade eficiente. Causalidade eficiente sem causalidade final, no entanto, é pior do que ser impotente, de longe; é mero caos; e caos não é outra coisa que caos, sem causalidade final; é nada

4.

(CP 1.220; 1902)

Na realidade, podemos dizer que a causa eficiente e a causa final não são

dois tipos distintos de causas, mas que cada uma delas age em situações diferentes.

Para cada causação, há um componente final e um componente eficiente. Enquanto

sendo causada por um evento prévio, cada evento é parte de um processo que, por

sua vez, é governado por uma causa final.

Sintetizando, para Peirce, o processo teleológico implica uma relação

triádica entre uma causalidade eficiente da ordem do particular, uma causação final

da ordem do geral e um efeito da ordem do particular. Não há um sem o outro, elas

não são complementares, nem excludentes.

3.2 Causa Final e Evolução

A causalidade final, para Peirce, está associada a um princípio de

organização, a um processo finalista dotado de alguma permanência. Se não há

necessariamente uma finalidade última, há um fim dinâmico, um ―telos‖

evolucionário. Ela implica uma espécie de seleção entre conjuntos de condições

possíveis de realização.

4 Final causation without efficient causation is helpless; mere calling for parts is what a Hotspur, or any

man, may do; but they will not come without efficient causation. Efficient causation without final

causation, however, is worse than helpless, by far; it is mere chaos; and chaos is not even so much as

chaos, without final causation; it is blank nothing.

81

Como comenta ANTÔNIO (2006), Peirce distingue três modelos de

evolução, de acordo com a forma de articulação dos conceitos de acaso e

necessidade, a saber: ticasma, anancasma e agapasma.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a evolução ticástica tem nas variações aleatórias o único agente positivo da mudança; a evolução anancástica assenta-se em relação de causalidades estritas; e a evolução agapástica tem um modus operandi similar ao da lei mental de aquisição de hábitos, na medida em que acolhe o acaso como elemento para a mudança, como na evolução ticástica, mas, ao mesmo tempo, fixa estas mudanças com força assemelhada àquela da evolução anancástica. (ANTÔNIO: 2006; 81)

A evolução ticástica pode ser compreendida através da teoria de Darwin

sobre a origem das espécies. Em primeiro lugar, ocorre uma mutação genética por

puro acaso. Não há necessidade nem finalidade. Esta mutação decorrente do acaso,

entretanto, faz com que a espécie seja mais (ou menos) apta a sobreviver no

ambiente. É um tipo de filtro, de seleção que favorece ou não uma espécie. Nota-se

que Darwin não fala de indivíduos (segundidade), mas de espécie (terceiridade). De

acordo com a concepção de Peirce, é como se houvesse um fator orientador que

reforçasse a aquisição de certos hábitos em detrimento de outros. Cabe ressaltar que

a mutação não ocorre por causa de uma finalidade especifica. Ela apenas favorece

ou não a espécie na sua luta pela sobrevivência. Ou seja, na concepção da evolução

ticástica prevalece apenas a noção de acaso como princípio evolucionário.

Já a evolução anancástica pressupõe um modelo de crescimento segundo

relações de causalidade estrita. Neste caso, o crescimento ocorre pelo choque entre

forças. A força pode ser de natureza externa, como resultado de uma intervenção

exógena, ou de natureza interna, fruto de um princípio interno de evolução

predeterminada. Em qualquer dos casos, entretanto, deve haver um Deus ex-

machina que provê o telos da evolução. Entenda-se neste caso, telos como destino,

como uma máquina que caminha misteriosa e inexoravelmente para um objetivo

(CP 6.305). Não há propósito claro, mas um fim objetivo.

De acordo com VENTIMIGLIA (2001), o anacasma apresenta a lógica mais

simples de evolução, uma vez que pressupõe apenas a ausência de espontaneidade,

82

enquanto que o ticasma, já comentado, requer uma combinação entre acaso e fator

orientador e o agapasma, comentado a seguir, requer uma estranha combinação

entre acaso e causa final.

Para Peirce, tanto a concepção do ticasma, quanto do anancasma, são

insatisfatórias quanto ao tratamento dispensado ao telos da evolução. Enquanto no

primeiro caso não há propriamente um telos, apenas um fator direcionador, no

segundo caso, o telos é imutável, algo como uma força bruta e cega que faz com

que a evolução ocorra de forma dedutiva, pré-definida, sem liberdade. Os fins, se

existirem, são frutos do ―design inteligente‖.

Assim sendo, Peirce elege o agapismo5 como o modelo mais adequado de

evolução. Nesta concepção ocorre uma incorporação dos outros dois casos. O

agapasma é, portanto, síntese do acaso e da necessidade, sem ser sua agregação

pura. Trata-se de uma evolução, na qual o resultado não é redutível à soma das

partes. Analogamente, podemos dizer que o ticasma está para a primeiridade, assim

como o anancasma para a segundidade e o agapasma para a terceiridade. Nesta

evolução, o telos não é nem ausente nem imutável, mas evolutivo. O próprio telos

evolui e se aperfeiçoa ao adquirir e harmonizar novos hábitos.

Há, como bem sintetiza ANTÔNIO (2006; 69), um movimento agápico, uma

realização do auto-aperfeiçoamento contínuo, cuja dinâmica se expressa na lei do

amor, como enunciada por Peirce: ―O movimento do amor é circular, lançando as

suas criações rumo à independência e atraindo-as de volta para a harmonia, num

único e mesmo impulso‖ (CP 6.288).

SALATIEL (2008) prefere falar em acaso como fonte de organização em

direção à evolução, definida como complexidade, diversidade e vida.

5 Para maiores esclarecimentos, ver tese de mestrado de ANTÔNIO (2006) e VENTIMIGLIA (2001).

83

O universo que começa com um “nada germinal”, dá lugar a um continuum de qualidades (Primeiridade), em que reações acidentais (Segundidade) definem algo que existe; o que existe, singularmente, adquire permanência no tempo e espaço, formando um segundo contínuo, de necessidade, de regularidade e lei (Terceiridade). Primeiridade, no entanto, também evolui, e o acaso absoluto age impedindo a exatitude na gramaticalidade do cosmos, abrindo novas bifurcações; não se trata, porém, de um movimento circular, mas assintótico e hiperbólico, dado pela ação do acaso matemático, pela tendência à aquisição de hábitos e ágape, buscando um ideal de razoabilidade, perfectibilidade. É neste processo, então, que há ganhos de complexidade. (SALATIEL: 2008; pg. 131)

Circular ou hiperbólico, o que se destaca na concepção de evolução de

Peirce é seu caráter nem caótico, nem dedutivo.

CAPÍTULO 4

85

Capítulo 4

COMENTANDO O TEXTO “CAUSAÇÃO E FORÇA”

O ensaio ―Causation and Force‖ (CP 6.66-87; CP 7.518-523) faz parte da

série de conferências realizadas por Charles Sanders Peirce na Universidade de

Cambridge em 1898 intituladas ―Reasoning and the Logic of Things‖. Como o

próprio título sugere, a intenção do autor era apresentar nestas conferências seu

material sobre o estudo da ―lógica dos eventos‖. Para tanto, o autor havia esboçado

uma serie de artigos que, na verdade, acabaram não sendo apresentados em 1898.

Parte deste estudo inacabado sobre a ―lógica dos eventos‖ foi colocada em locais

separados, de modo um tanto desorganizado, nos Collected Papers of Charles

Sanders Peirce, o que dificultou sua compreensão. O próprio ensaio ―Causation

and Force‖ encontra-se separado no CP, em dois blocos distintos: CP 6.66-85 e CP

7.518-523, estando esta última parte originalmente localizada entre CP 6.81 e CP

6.82.

A primeira leitura (―Philosophy and the Conduct of Life‖) foi publicada,

junto com outros temas correlatos, em 1931 nos CP sobre o título de ―Vitally

Important Topics‖ (CP 1.616-77). Outras partes dos esboços e leituras das

conferências aparecem em CP 6.1-5, CP 6.185-213, CP 6.214-221, CP 6.222-237 e

CP 7.468-517.

São oito as conferências realizadas em Cambridge entre fevereiro e março

de 1898: ―Philosophy and the Conduct of Life‖, ―Types of Reasoning‖, ―The Logic

of Relatives‖, ―The First Rule of Logic‖, ―Training in Reasoning‖, ―Causation and

Force‖, ―Habit‖ e ―The Logic of Continuity‖. De acordo com Ketner e Putnam, na

introdução do livro de mesmo nome da conferência e que apresenta todos os ensaios

86

da mesma, a série de conferências deveria se chamar ―The consequences of

Mathematics‖, uma vez que aborda como aplicar as idéias precisas da Matemática

na Filosofia. Esta é, aliás, uma grande qualidade deste autor. Para Peirce, a

Matemática é uma Ciência observacional, experimental, que trabalha com

hipóteses, explorando as conseqüências da mesma, sem desconsiderar sua possível

aplicação ao mundo ―real‖. É com este espírito exploratório que devemos ler estes

ensaios.

Em ―Causation and Force‖, ensaio seminal desta dissertação, Peirce

questiona as verdades tidas como auto-evidentes sobre o grandioso princípio da

causação e, para tanto, vale-se da noção de causa utilizada na mecânica clássica.

Para o autor, a proposição da causalidade de que ―o estado de coisas em

qualquer instante é completa e exatamente determinado pelo estado de coisas em

algum outro instante‖ contradiz os princípios da mecânica. Assim, se conhecermos

a posição e as massas de todos os corpos no Universo, de acordo com a teoria

gravitacional de Newton, nós somos capazes de conhecer a aceleração de todos os

corpos, mas não somos capazes de predizer o estado futuro do sistema, a menos que

conheçamos também a velocidade dos corpos. Mas, de acordo com a demonstração

de Peirce, a velocidade é uma relação entre a distância entre suas posições em dois

tempos próximos e a diferença entre estes tempos. Assim sendo, para Peirce, o

futuro não pode ser determinado apenas por um estado anterior, mas por dois

estados anteriores próximos entre si. O que é determinado não é a posição futura,

mas a aceleração, e esta depende de um segundo e um terceiro instante. Há uma

terceiridade, uma mediação entre dois estados próximos que definem um terceiro

estado.

Cabe ressaltar que nos casos em que a aceleração é constante, como por

exemplo, no caso da constante gravitacional g, a equação do movimento assume a

forma de uma equação de segundo grau, ou seja:

r – r0 = v0t + ½ a t² onde

r = posição final no instante t, r0 = posição inicial, v0 = velocidade inicial e

87

a = aceleração.

Neste caso, podemos afirmar que dada uma posição inicial de um corpo e a

sua velocidade instantânea inicial v0 é possível determinar a sua posição final em

qualquer instante do tempo. A proposição, portanto, se tornaria verdadeira neste

caso específico.

A segunda proposição da causalidade, a de que ―a causa, ou o estado

determinante das coisas, precede o efeito ou estado determinado de coisas no

tempo‖ também é questionada por Peirce. Sabemos da segunda lei de Newton que a

força resultante sobre um corpo é igual ao produto da massa do corpo pela sua

aceleração. Assim, a aceleração (efeito) é simultânea à força (causa), não havendo

um antecedente e um conseqüente.

A terceira proposição de causalidade de que ―nenhum fato determina um

fato que o precede no tempo no mesmo sentido em que determina um fato que o

segue no tempo‖ também está em contradição com a segunda lei de Newton.

Esta era, segundo REYNOLDS (2002) uma das principais insatisfações de

Peirce sobre a questão da causalidade:

Uma das mais comuns reclamações feitas por Peirce é que as leis da mecânica não fazem distinção entre “ir para frente” e “ir para trás” no fluxo de tempo – isto é, elas são invariantes em relação à reversão do tempo. Na fundação da mecânica ou dinâmica encontram-se as três leis do movimento. Se mudarmos o sinal do tempo t, como aparece

na segunda lei da mecânica [F = m d²s/dt²)]1 pelo seu negativo –t (que é, de fato, reverter

o “fluxo do tempo”), nós podemos ainda reter soluções consistentes com a lei2.

(REYNOLDS, 2002, pg. 28)

1 A explicação de Peirce refere-se ao fato de que o tempo t aparece na equação da segunda lei de Newton

como uma expressão ao quadrado e t² = (-t)². Na verdade, a explicação é um pouco mais complexa. Na

fórmula, a variável t aparece como uma derivada segunda da posição s. Portanto, para encontramos a

posição futura, nós necessitamos integrar a equação duas vezes. Como cada integração muda o sinal da

solução, teremos a anulação dos mesmos. Desta forma, o correto seria dizer que d²s/dt² = d²s/d(-t)². 2 One of the more common complaints we find Peirce making is that the laws of mechanics make no

distinction between the ―forward‖ and the ―backward‖ flow of time – that is, they are time-reversal

invariant. At the foundation of mechanics or dynamics are Newton´s three laws of motion. If we change

the sign for time, t, as it appears in the second law of motion [F= m(d²s/dt²)] with its negative, - t (wich is

in effect to reverse the ―flow of time‖), we may still retain solutions consistent with the law.

88

Desta forma, para Peirce, as leis da mecânica apontam para uma

reversibilidade no tempo. O autor também fundamenta o caráter reversível do

tempo com base na lei da conservação da energia. Neste caso, ao soltarmos um

objeto a uma determinada distância do solo e calcularmos a sua velocidade final

quando este alcançar o solo, nós podemos dizer que a velocidade alcançada depende

da posição inicial, da mesma forma que podemos calcular a posição inicial

conhecendo a velocidade final3. Há uma reversibilidade intrínseca na equação.

Convém ressaltar que, ao contrapor as proposições da causalidade com as

leis da mecânica, pode parecer que Peirce adota uma concepção segundo a qual a

Natureza é de fato regida por leis definidas e imutáveis, capazes de explicar todos

os acontecimentos e que, se nossa percepção não é capaz de compreender a lei, o

problema é tipicamente uma limitação humana. Este seria o caso da reversibilidade

do tempo.

A posição de Peirce, entretanto, é justamente o contrário. Ao explorar as

consequências pragmáticas das leis da mecânica, principalmente quanto à questão

da reversibilidade, Peirce pretende apontar a inadequação da concepção

mecanicista. Para o autor, o mundo exibe uma maior quantidade de fenômenos

irreversíveis (combustão, nascimento e morte, corrosão etc.) do que reversíveis,

sendo de fato um componente real da Natureza e não uma limitação epistemológica.

Interessante perceber como Peirce antecipa algumas questões levantadas

sobre as leis da dinâmica de Newton que só seriam resolvidos na mecânica

quântica4:

A reversibilidade da trajetória dinâmica foi, por sua vez, implicitamente

afirmada por todos os fundadores da dinâmica como Galileu e Huyghens, entre

outros: cada vez que queriam acentuar a relação de equivalência entre causa e

3 Energia potencial gravitacional é igual a Energia cinética, ou seja, mgH = ½ m v², onde H = distância e v

= velocidade final 4 Ver, por exemplo, Prigogine (1984)

89

efeito, sobre a qual pensavam fundamentar sua descrição matemática do

movimento, evocavam uma operação imaginária, ilustrada o melhor possível por

uma bola perfeitamente elástica saltando no solo; eles imaginavam a inversão

instantânea da velocidade do móbil estudado e descreviam o seu retorno à posição

inicial com restauração simultânea do que produzira o movimento acelerado entre o

movimento inicial e o da inversão. A bola, por exemplo, volta a atingir a altitude

inicial...

Esta ultima propriedade da reversibilidade5 da dinâmica leva a uma dificuldade cujo

caráter fundamental não se imporá senão com a mecânica quântica. Toda intervenção, manipulação e medida, é, por essência, irreversível. Assim, a ciência ativa se encontra, por definição, estranha ao mundo reversível que ela descreve, qualquer que seja, por outra via, o grau de plausibilidade intrínseca de tal descrição. Mas, igualmente deste último ponto de vista, a reversibilidade pode ser tomada como símbolo de estranheza do mundo descrito pela dinâmica. Todos conhecem a impressão de absurdo que provocam os filmes projetados ao contrário, o espetáculo de um fósforo reconstituído por sua chama, tinteiros quebrados que se reconstituem voltando a ficar em cima da mesa depois que a tinta aí se concentrou, ramos que rejuvenescem e voltam a ser brotos. O mundo dinâmico define tais evoluções como possíveis, pela mesma razão que os seus inversos, nossos conhecidos. (PRIGOGINE & STENGERS, 1984, pg. 46 e 47)

Outra questão intrigante ocorre quando Peirce examina a Causação

Psíquica. Neste caso, o autor aponta que as três proposições da causalidade, em

clara contradição com as leis da mecânica, são confirmadas no universo dos

fenômenos mentais. Para Peirce, não há como explicar a existência no mesmo

mundo de duas espécies tão diferentes de ―Causação‖. Há, segundo o autor, um

desejo em filosofia de unificar os fenômenos da mente e da matéria, adotando o

Monismo como hipótese provisória.

Para explicar esta aparente contradição entre a ―Causação Física‖ e a

―Causação Psíquica‖, Peirce vale-se da noção do acaso, de algo não fundado na lei e

que, presente tanto nos fenômenos materiais quanto mentais, é responsável pela

irreversibilidade do sistema, bem como é condição de possibilidade para a

diversidade.

5 Segundo Prigogine, os três atributos da dinâmica são a legalidade, o determinismo e a reversibilidade.

90

Para sustentar a hipótese do acaso, Peirce recorre à questão das forças não

conservativas. Inicialmente ele recorda dois aspectos fundamentais das forças

conservativas, a saber:

a. Reversibilidade no tempo, já discutido anteriormente;

b. Lei da conservação da Energia Mecânica: em um sistema isolado onde

apenas forças conservativas causam variações de energia, a energia

cinética (1/2 m v²) e a energia potencial6 podem variar, mas a sua soma,

a energia mecânica do sistema não pode variar.

Na presença apenas de forças conservativas, a variação da energia cinética,

decorrente do movimento, se transforma integralmente em energia potencial,

decorrente da posição.

Ocorre que a maioria dos fenômenos que experimentamos no mundo não

apresenta tais características. Quando arrastamos uma cadeira através do piso da

nossa cozinha, a força de atrito exercida sobre o piso realiza um trabalho negativo

sobre a cadeira, reduzindo sua velocidade e transferindo a energia cinética para

outra forma de energia, no caso energia térmica. Neste caso não há reversibilidade,

uma vez que sabemos que a energia térmica não pode ser transferida novamente

para a energia cinética, movendo a cadeira.

Peirce percebeu que este tipo de transformação de energia envolve forças

não conservativas e apresentam comportamentos estatísticos, com distribuições

fortuitas. Como exemplo, ele usa o equilíbrio da temperatura do ar na atmosfera.

Para consolidar sua teoria sobre o acaso, Peirce é bastante cuidadoso na

descrição dos elementos essenciais do método. Em primeiro lugar, ele define o que

é distribuição fortuita. De acordo com o autor, numa série infinita de objetos

classificados como ―coloridos‖ ou ―brancos‖, uma distribuição é dita fortuita se o

6 Em física, variação da energia potencial é igual ao trabalho realizado, sendo este definido pela força que

atua no sistema multiplicado pelo deslocamento do sistema U = F dx.

91

fato de um objeto ser colorido ou não é independente de sua relação aos outros

objetos na série, ou seja, independe do objeto ter qualquer caráter definível em

termos de relação sucessiva, cor ou brancura.

Agora em nossa coleção de coisas coloridas denumerais e de coisas brancas denumerais, permitamos que F signifique uma relação gerativa específica, de tal forma que quando os objetos são numerados, de acordo com essa relação, o objeto numerado n + 1 é o F do objeto numerado n. Então, eu digo que uma distribuição fortuita de cor e brancura na coleção consiste no seguinte, que qualquer objeto da coleção, sendo colorido ou não, independe dele ser um F de uma coisa colorida, e também o é independente de ser um F de uma coisa colorida e de ser um F de um F de uma coisa branca; em suma, o fato de um objeto ser colorido ou não, independe dele ter ou não qualquer caráter definível em termos de F, cor, e brancura. Isto define satisfatoriamente a distribuição fortuita quando as coisas coloridas e coisas brancas são, ambas, denumerais. (CP 6.75)

Uma vez definido o que é uma distribuição fortuita, Peirce afirma que uma

distribuição fortuita surge a partir de outra distribuição fortuita. Em suma,

explicações acerca do acaso sempre envolvem premissas sobre o acaso7 e

explicações acerca da presença da regularidade sempre envolvem premissas sobre

regularidades. ―Lei pode apenas emergir de outra Lei; enquanto distribuição

fortuita somente pode emergir de outra distribuição fortuita. Lei gera lei; e acaso

gera acaso‖.8 É com se houvesse dois mundos distintos, um formado por

fenômenos regulares e outro por fortuitos. Para escapar deste dualismo, Peirce

propõe uma solução original: o primeiro germe da lei surge do acaso!

Ou, se quisermos escapar desta dualidade, instados a fazê-lo pelo princípio da retrodução, segundo a qual devemos começar insistindo na hipótese da unidade, tanto quanto possível, a única maneira de assim fazer é supor que o primeiro germe da lei era uma entidade, que por sua vez surgiu por acaso, que é como um Primeiro. Pois é da natureza do Acaso ser Primeiro e o que é Primeiro é Acaso; e distribuição fortuita, ou seja, total irregularidade. Isto é a única coisa que é legítimo explicar, pela ausência de

qualquer razão em contrário9. (CP 7.521)

7 Trata-se do acaso matemático e não do acaso absoluto. Para maiores detalhes, ver Salatiel (2008).

8 Law can only spring from another Law; while fortuitious distribution can only spring from another

fortuitous distribution. Law begets law; and chance begets chance. (CP 7.521). 9 Or if we are to escape this duality at all, urged to do so by the principle of retroduction, according to

which we ought to begin by pressing the hypothesis of unity as far as we can, the only possible way of

doing so is to suppose that the first germ of law was an entity, which itself arose by chance, that is as a

First. For it is of the nature of Chance to be First and that which is First is Chance; and fortuitous

92

Peirce continua sua reflexão:

Estas coisas, tendo-se tornado claras para nós, deixe-nos agora, lembrando que todo objetivo desta discussão visa encontrar alguma pista na qual as ações físicas e psíquicas possam ser unificadas, examinar, um pouco, alguns outros recursos das duas classes de fenômenos governadas, respectivamente, pelas forças conservativas e pelo princípio da causalidade e ver quão brilhantes ou quão obscuras, uma luz é derramada

sobre eles pelo que fizemos até agora10

. (CP 7.522)

Uma vez elucidada a questão da unificação das ações físicas e psíquicas

pela hipótese do acaso ontológico, Peirce elabora, no final do ensaio, uma

metafísica sobre tempo e espaço. Ele investiga as consequências necessárias da

afirmação de que ―espaço é uma forma de intuição na qual é apresentada a lei de

reação mútua daqueles objetos cujo modo de existência consiste em reagir

mutuamente‖. Como conseqüência desta afirmação, espaço deve ser contínuo e sem

singularidades. Além do que, por ser a reação essencialmente hic et nunc, segue-se

que os objetos reagentes são independentes um dos outros. Uma vez que reação é

dualidade, segue que as condições das prescrições de espaço são também duais.

Peirce aponta cinco corolários decorrentes desta ultima afirmação, assim como mais

outros decorrentes do fato que o espaço apresenta uma lei de reações recíprocas.

Importante observar que, ao contrário de Kant, para o qual a intuição de

espaço é a priori, a metafísica de Peirce é resultado da exploração das

conseqüências de suas hipóteses, que devem ser confirmadas ou refutadas pela

experiência.

Em relação ao tempo, Peirce o define como ―a forma sob a qual a lógica se

apresenta à intuição objetiva‖. Ele atribui a permanência dos efeitos do acaso à

distribution, that is, utter irregularity, is the only thing which it is legitimate to explain by the absence of

any reason to the contrary. 10

These things having become clear to us, let us now, remembering that the whole aim of this discussion is

to find some clue by which physical and psychical action may be unified, examine, a little, certain other

features of the two classes of phenomena governed respectively by conservative forces and by the

principle of causality, and see how bright or how darkling a light is shed upon them by what we have

thus far made out.

93

independência dos instantes do tempo. Neste ponto, Peirce se propõe resolver um

enigma:

O que pode ser menos independente do que as partes do continuum par excellence, por meio das lentes através das quais vislumbramos qualquer outro continuum? E embora possa ser dito que a continuidade consiste em unir as coisas que são diferentes e permanecem diferentes, de tal modo que elas são em certa medida dependentes umas das outras e, no entanto, em certa medida independentes, a verdade é que isto só é válido para as partes finitas do continuum, não para os elementos últimos nem mesmo para as partes infinitesimais. (CP 6.86)

A solução proposta por Peirce para este enigma é que o tempo apresenta um

ponto de descontinuidade no presente.

Esta concepção metafísica de tempo e espaço e sua vinculação com o

sinequismo, como bem observa IBRI11

, remetem às categorias de Peirce. Tempo e

Espaço, sendo contínuos, estão associados à terceira categoria, cujo teor lógico é o

da necessidade. Já a possibilidade está associada à primeiridade. O possível, assim

como o continuo, é de caráter do geral. Há, portanto, uma identidade entre estes

dois conceitos.

A existência, por sua vez, modo de ser da segunda categoria, é o locus do

particular. Assim sendo, a continuidade da lei e do acaso desemboca no descontínuo

da existência.

De outra forma: a experiência mediata da terceiridade se dá no fluxo

contínuo do tempo. É a continuidade espaço-temporal que possibilita o pensamento

mediativo. Já a experiência do hic et nunc da existência está associado a uma forma

de ruptura no tempo real, de descontinuidade no presente.

11

Ver IBRI (1992), cap. 4, Idealismo Objetivo e o Continuum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

95

Considerações Finais

A filosofia de Peirce constitui um sólido sistema teórico no qual princípios

de determinação e indeterminação atuam simultaneamente na constituição da

realidade. Para Peirce, necessidade e contingência fazem parte de um grande

edifício fundamentado em suas três categorias: primeiridade, segundidade e

terceiridade.

Peirce associa a causa eficiente a uma força cega, sem qualquer finalidade.

A força é cega, fruto de uma ação sem propósito. Não haveria razão por trás da

mera causa eficiente. Por ser força bruta, a causa eficiente está associada à categoria

da segundidade. Causa e efeito constituem uma dualidade e restrição recíproca é da

ordem da segunda categoria.

Já a causa final tem um telos, um propósito de ordem geral. Causa final é

generalidade, enquanto o mero efeito é da ordem do particular. Ela funciona como

critério selecionador do meio (causa eficiente) para que o fim (causa final) seja

alcançado. A causa final tem caráter de terceiridade e, como tal, do geral e do

universal.

Para Peirce, causa final e causa eficiente se complementam um ao outro.

Causa final sem causa eficiente é inútil, causa eficiente sem causa final é mera força

bruta sem propósito. Assim, o processo teleológico implica sempre em uma relação

entre o geral e o particular.

Isto não significa, entretanto, uma visão de mundo fundada numa lógica

estritamente causal, necessitarista, onde uma causa conduz necessariamente a um

96

efeito único e invariável. Vários são os motivos, como identificados no presente

trabalho. Dentre eles, destacamos a questão da singularidade, variedade e

diversidade do mundo que vemos. Se o ato de pensar está associado à regularidade

do mundo que observamos, ou seja, à sua característica de universal, de

permanência e constância no tempo, é o acaso ontológico que explica a

indeterminação, a multiplicidade, a transitoriedade e a evolução da vida.

O acaso também está associado ao sentimento de que não somos um relógio

que funciona de modo sincrônico e perfeito, mas seres falíveis. Somos seres

contingentes, com potencialidade para criar e aprender. Este espírito de

indeterminação e, pode-se dizer, de liberdade, sugere segundo IBRI (2009: 273)

haver um fundo poético na obra de Peirce1, próprio da qualidade de sentimento sob

a categoria da primeiridade.

Em suma, poder-se-ia afirmar que a visão sistêmica de Peirce permite um

olhar não dogmático de mundo, onde necessidade e contingência atuam em

conjunto na sua constituição.

1 IBRI (2009: 273): ―Moreover, Peirce´s system is obviously logical in its form, but also keeps the spirit of

the original silent feeling of poetry that seems to have fascinet him. Also, I claim there is a Schellingian

heritage in Peirce´s philosophy that is partially responsible for that poetic starting point‖.

BIBLIOGRAFIA

98

Bibliografia

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PIERCE, Charles Sanders (1931-1958). Collected Papers of Charles S. Pierce. (CP) Charles

Hartshorne, Paul Heiss e Arthur Burks. Cambridge: Harvard University Press.

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ANEXOS

1. Causação e Força

2. Causation and Force

105

Anexo 1

Causação e Força

§1. Causação Física

66. Aqueles que fazem da causalidade um dos elementos originais no universo ou

uma das categorias fundamentais do pensamento ─ grupo ao qual você logo

descobrirá ao qual não pertenço ─ têm que explicar um fato muito estranho,

qual seja, que as concepções humanas sobre uma Causa são, em diferentes

estágios da cultura científica, inteiramente diferentes e inconsistentes. O

grande princípio da causação, que dizem, é absolutamente impossível de

descrer, foi uma proposição em um período da história e algo inteiramente

disparatado em outro, e segue sendo uma terceira para o físico moderno. A

única coisa que permaneceu sobre a questão, para usar a expressão do meu

amigo Carus, uma ktéma ex aei,1 semper eadem,

2 foi seu nome.

Como Aristóteles observa, o que os filósofos jônios estavam tentando

descobrir como sendo os princípios das coisas era do que elas eram feitas. O

próprio Aristóteles, algo de que eu não preciso lembrá-lo, reconhece quatro

tipos distintos de causas, que estão envolvidas na determinação de um fato: a

matéria à qual ela deve sua existência, a forma à qual ela deve sua natureza, a

causa eficiente que age sobre ela a partir do tempo passado, e a causa final

que age sobre ela a partir do tempo futuro. Ah, mas como dizem comumente,

estas são distinções meramente verbais. Isto é, no meu modo de apreende as

coisas, é uma daquelas explicações superficiais que aceitamos sem refletir até

que outros as examinem melhor, e servem, como o memorando do banqueiro

1 N.T., posse eterna, para sempre.

2 N.T., sempre a mesma.

106

refinado, pour donner le change3 o incauto. Elas me parecem demarcar

diferentes tipos de fatos inferidos retrodutivamente ─ fatos que, supunha-se,

forneciam ao processo universal da Natureza as ocasiões a partir das quais

diferentes características do fato ocorriam. A concepção é que a Natureza

silogiza a partir de uma grande premissa maior, e as causas são as diferentes

premissas menores do desenvolvimento silogístico da Natureza. Geralmente se

sustenta que a palavra ―causa‖ foi simplesmente reduzida a uma das quatro

causas aristotélicas, que foi designada a partir da circunstância de que ela

apenas produz um efeito.

Mas esta noção, de que nossa concepção de causa é aquela da causa eficiente

aristotélica, dificilmente resistirá à análise. A causa eficiente era, em primeiro

lugar, geralmente uma coisa, não um evento; depois, algo que não precisa

fazer nada; sua mera existência poderia ser suficiente. Nem o efeito sempre se

seguia necessariamente. É verdade que, quando ocorria, dizia-se que fora

compelido. Mas não era necessário em nosso sentido moderno. Ou seja, não

era invariável. Mesmo na literatura antiga, ocasionalmente nos deparamos

com a idéia de que uma causa é um evento de tal tipo que é necessariamente

seguido por outro evento, que é o efeito. Esta é a idéia predominante

atualmente. Mas é apenas nos dois últimos séculos que se tornou a concepção

dominante. Isto não é o que ocorre com os pensadores mais precisos da época

de Descartes.

67. Aqueles cuja admiração por John Stuart Mill não conhecem limites,

consideram uma de suas mais admiráveis idéias que ele enxerga a causa como

um agregado de todas as circunstâncias sob as quais um evento ocorre. Quer

isso seja admirável ou não, isso já era certamente uma declaração bastante

comum antes mesmo que John Mill a tivesse escrito. Mas a verdade é que a

declaração está fundada sobre um conceito errôneo. Desde que a concepção de

3 N.T., para enganar o incauto.

107

causa tenha qualquer validade ─ isto é, como eu demonstrarei ─ num território

limitado, a causa e seus efeitos são dois fatos.

Pois bem, Mill parece ter ─ impensadamente ou nominalisticamente ─

presumido que um fato é a própria história objetiva do universo por um curto

espaço de tempo, em seu estado objetivo de existência em si. Mas isso não é o

que um fato é. Um fato é um elemento abstraído disso. Um fato é tanto da

realidade quanto está representado numa proposição simples. Se uma

proposição é verdadeira, isso que ela representa é um fato. Se, de acordo com

uma lei verdadeira da natureza como premissa maior, se seguir,

silogisticamente da verdade de uma proposição que outra é verdadeira, então

essa parte abstraída da realidade que a proposição anterior representa é a causa

do elemento correspondente da realidade representada pela última proposição.

Assim, o fato de que um corpo está se movendo sobre uma superfície áspera é

a causa dele vir a parar. É absurdo dizer que sua cor tem algum papel da causa

ou do efeito. A cor é uma parte da realidade; mas não pertence àquelas partes

da realidade que constituem os dois fatos em questão.

68. Mas o grandioso princípio de causação que é geralmente sustentado como

sendo a mais estabelecida de todas as verdades e, literalmente, além da

qualquer dúvida (tanto que se um cientista tentar limitar sua verdade,

considera-se legítimo duvidar de sua sinceridade e caráter moral em geral)

envolve três proposições para as quais peço sua especial atenção.

A primeira é que o estado das coisas em qualquer instante é completa e

exatamente determinado pelo estado das coisas em algum outro instante.

A segunda é que a causa, ou estado determinante de coisas, precede o efeito ou

estado determinado de coisas no tempo.

108

O terceiro é que nenhum fato determina um fato que o precede no tempo, no

mesmo sentido em que determina um fato que o segue no tempo.

Estas proposições são em geral tidas como verdades autoevidentes; mas

insiste-se ainda mais que, quer sejam ou não, elas são indubitavelmente

provadas pela ciência moderna.

Na verdade, entretanto, todas as três estão em clara contradição com os

princípios da mecânica. De acordo com a filosofia mecânica dominante, nada

é real no universo físico, exceto partículas de matéria com suas massas, suas

posições relativas no espaço em diferentes instantes do tempo, e as leis

imutáveis das relações daqueles três elementos de espaço, tempo e matéria.

Assim, em qualquer instante, tudo que é real são as massas e suas posições,

junto com as leis de seu movimento. Mas, de acordo com a segunda lei de

movimento de Newton, as posições das massas em qualquer instante não são

determinadas por suas posições em qualquer outro instante único, mesmo com

o auxílio das leis. Pelo contrário, aquilo que é determinado é uma aceleração.

Pois bem, uma aceleração é a relação da posição em um instante, não para

com a posição em outro instante, mas para com as posições num segundo e

num terceiro instante.

Sejam a, b, c as posições de uma partícula em três instantes muito próximos

uns dos outros, e em iguais intervalos de tempo, digamos, por conveniência,

de um segundo.

Então podemos fazer uma tabela assim:

109

Tempo Posição Velocidade Aceleração

S a (b-a)/(1s-0s) [(c-b)/(2s-1s)-(b-a)/(1s-0s)]/1.1/2s-0.1/2s) =

(c-2b+a)/(1.1/2s-0.1/2s)

1s b (c-b)/(2s-1s)

2s c

Ou se os intervalos não forem iguais:

Tempo Posição Velocidade Aceleração

t0 a (b-a)/(t1-t0) [(c-b)/(t2-t1)-(b-a)/(t1-t0)]/(1/2(t2+t1)-1/2(t1+t0)) =

[c(t1-t0)-b(t2-t0)+a(t2-t1)]/(t2-t1)(t1-t0).1/2(t2-2t1+t0)

1 b (c-b)/(t2-t1)

2 c

69. Pode se perceber que há uma terceiridade essencial, que o princípio de

causalidade deixa de reconhecer, de tal forma que sua primeira proposição é

falsa.

A segunda proposição, que a causa precede o efeito no tempo, é igualmente

falsa. O efeito é a aceleração. A causa que produz este efeito sob a lei da força

está, de acordo com a doutrina da conservação de energia, nas posições

relativas das partículas. Pois bem, a aceleração que a posição exige não vem

depois da constatação dessa posição. Ela é, ao contrário, absolutamente

simultânea a ela. Assim, a segunda proposição do princípio da causação é

falsa.

A terceira é igualmente falsa. Esta proposição é a de que nenhum evento

determina um evento prévio no mesmo sentido em que determina um evento

subseqüente. Mas de acordo com a lei de conservação de energia, a posição da

110

partícula relativa ao centro de força, expressa por b, determina qual será a

aceleração no momento em que a partícula estiver naquela posição. Isto

equivale a dizer que, tomando-se o número b, cujo valor expressa a posição da

partícula, podemos calcular a partir deste número apenas, pela aplicação de

uma regra fornecida pela lei da força, um número que posso denotar por Fb,

que é o valor numérico da aceleração (c-2b+a)/((1 1/2s-0 1/2s)2) para que

tenhamos a equação (c-2b+a)/((1 1/2s-0 1/2s)2) = Fb. Pois bem, se

conhecemos as posições, a e b, da partícula nos dois tempos iniciais, esta

equação de fato nos permite calcular a posição c, da partícula no último

tempo. Mas, uma vez que a e c entram nesta equação da mesma forma, e uma

vez que a diferença de tempo no denominador é ao quadrado, de tal forma que

se forem intercambiadas não faz diferença (porque o quadrado do negativo de

um número é o [quadrado do] próprio número), segue-se que essa mesma

regra, pela qual nós poderíamos calcular o valor de c, quer seja, a posição no

último dos três tempos, a partir de a e b, aquelas nos dois tempos iniciais, pode

em geral ser aplicada, e precisamente da mesma forma, para calcular a

posição, a, da partícula no tempo mais inicial, a partir de c e b, suas posições

nas duas datas finais. Assim, vemos que, de acordo com a lei de energia, as

posições nos dois instantes finais determinam a posição no instante mais

inicial, precisamente da mesma forma, e de nenhuma outra, que as posições

nos dois instantes iniciais determinam a posição no instante final. Em resumo,

no que tange aos fenômenos regidos pela lei de conservação de energia, o

futuro determina o passado precisamente da mesma forma que o passado

determina o futuro; e para esses casos, pelo menos, é um mero modo humano

e subjetivo de olhar as coisas que nos faz preferir um daqueles modos de

afirmação ao outro. Assim, todas as três proposições envolvidas no princípio

da causação estão em clara contradição com a ciência da mecânica.

111

§2. Causação Psíquica

70. Mas, quando do mundo da força física passamos para o mundo psíquico, tudo

muda inteiramente de figura. Aqui não encontramos nenhum traço evidente de

qualquer estado mental dependendo, de formas opostas, de dois estados

mentais prévios. Cada estado mental, agindo sob uma associação dominante,

produz outro estado mental. Ou, se diferentes estados mentais contribuem para

produzir outro, eles simplesmente agem conjuntamente, e não em caminhos

opostos, como as duas posições iniciais de uma partícula de matéria fazem, ao

determinar uma terceira posição. Eu desço de manhã para o térreo; e a visão

do jornal me faz pensar no Maine, o café da manhã é trazido, e a visão de algo

que eu gosto me coloca num estado de apetite alegre; e assim é o dia todo.

Além disso, o efeito não é simultâneo à causa. Eu não penso na explosão do

Maine simultaneamente com ver o jornal, mas após vê-lo, apesar de o

intervalo ser senão de um trigésimo de segundo. Ademais, as relações do

presente com o passado e com o futuro, ao invés de serem as mesmas, como

são no domínio da Lei de Energia, são completamente diferentes. Eu me

lembro do passado, mas não tenho absolutamente nenhum acesso a tal

conhecimento do futuro. Por outro lado eu tenho um considerável poder sobre

o futuro, mas ninguém exceto a plebe parisiense4 imagina que possa mudar o

passado em grande ou pouca monta. Assim, todas as três proposições da lei de

causação são aqui inteiramente confirmadas.

§3. Forças não Conservativas

71. Mesmo supondo não serem as leis físicas e as psíquicas precisamente como

parecem ser, ainda assim, mesmo que o abismo entre os dois mundos não

fosse de uma natureza tão absoluta, ainda com relação às características gerais,

não podemos estar errados.

4 N.T., referência à tomada da Bastilha pelo povo.

112

Mas, mais do que isso, podemos afirmar que, não apenas o mundo psíquico

dentro de nós que é governado pela lei de causação, mas mesmo os fenômenos

de interesse psíquico independente de nós, mesmo aqueles de matéria

inanimada, na medida em que atraem a atenção diária, ora são, ou parecem

estar, sob o mesmo governo.

De modo a colocar este fato altamente significativo em evidência, será

necessário que eu explique duas características de fenômenos que são

determinados por forças que obedecem à lei de conservação de energia. Peço

desculpas por ter que ser mais uma vez obrigado a empregar um tipo de

álgebra bem simples.

A primeira das duas características de que falo é a seguinte: que se qualquer

força que obedece à lei de conservação de energia ou, como geralmente

dizemos, qualquer força conservativa (quer seja, qualquer força cujo valor

dependa exclusivamente da situação do corpo que recebe a ação relativamente

aos corpos que agem sobre ele), se qualquer tipo dessa força, diga-se, pode

produzir qualquer dado movimento, então essa mesma força pode igualmente

produzir o movimento reverso. Isto significa que, se em qualquer instante,

todas as partículas atingissem superfícies planas plásticas fixas e tivessem que

atingí-las em cheio, de tal forma que ricocheteassem nas direções das quais

vieram e com velocidade imutável, cada qual se moveria de volta através,

precisamente, do mesmo caminho que fizera para frente, e com as mesmas

velocidades, não importa por quanto tempo o movimento já viesse

acontecendo. Isto realmente se segue a partir do que já mostrei, quer seja, que

a força conservativa determina o passado da mesma forma que determina o

futuro. Uma demonstração extremamente elementar seria fácil de dar, mas eu

a omito para economizar tempo.

A outra característica da força conservativa é, como seu nome faz deduzir, que

a Energia é conservada, ou seja, que a força viva ou o quadrado da velocidade

113

de uma partícula é simplesmente uma função da posição relativa às partículas

que interagem, a função exata dependendo da natureza da força mais uma

quantidade constante ao longo de todo o movimento, que tem um valor

dependendo dos acidentes do caso específico. Você está tão familiarizado com

isto que eu não perderei tempo comprovando-o. Mas mencionarei que: o que

se pode inferir imediatamente, a partir deste fato, é que uma segunda diferença

multiplicada pela soma das duas primeiras diferenças adjacentes é igual à

diferença dos quadrados daquelas diferenças, o que é óbvio.

Pois uma vez que {D}2 = {D}[2] - {D}[1] obviamente

({D}[1]+{D}[2]){D}[2]2 = ({D}[2])2 - ({D}[1])2.

72. Agora empregando essas duas características, e especialmente a anterior,

como critérios, nós imediatamente reconhecemos que quase todos os

fenômenos relacionados aos corpos aqui na Terra, que em geral chamam à

nossa atenção não são conservativos, quer seja, são inexplicáveis por meio da

Lei de Conservação de Energia. Pois são ações que não podem ser revertidas.

Na linguagem da Física, são irreversíveis. Tal, por exemplo, é o caso do

nascimento, do crescimento e da vida. Tal é todo movimento resistido pela

fricção ou pela viscosidade de fluidos, como o é todo movimento terrestre.

Assim é a condução do calor, a combustão, a capilaridade, a difusão de

fluidos. Assim é o raio do trovão, a produção de cores principais por um

prisma, o fluxo de rios, as formações de bancos de areia em sua foz, o desgaste

de seus canais; em suma, substancialmente tudo que a experiência comum

revela, exceto o movimento das estrelas. E mesmo aquilo que não vimos ser

revertido, mesmo que creiamos passível de reversão. Quase que as únicas

ações familiares que aparecem aos sentidos reversíveis são o movimento de

um projétil, o curvar de um arco ou de outra mola, um pêndulo que balança

livremente, um telefone, um microfone, uma bateria galvânica, e um dínamo.

114

E todos, exceto dois destes, não são familiares ao homem em seu

desenvolvimento inicial. Não é de admirar que a doutrina da conservação de

energia tenha sido uma descoberta tardia.

73. É certamente algo altamente desejável em filosofia unificar os fenômenos da

mente e da matéria. A lógica da retrodução leva-nos a adotar o Monismo como

uma hipótese provisória da filosofia, quer a achemos provável ou não; e não

devemos abandoná-la até que a posição tenha sido questionada e sejamos

forçados a abandoná-la. Em vista disto, torna-se extremamente interessante

questionar como o Físico explica essas ações que parecem violar a lei de

energia. Pois bem, tais casos, como os Físicos têm estudado profundamente,

são todos eles explicadas pela ação do acaso.

Por exemplo, se uma camada horizontal de ar se move para o norte, passando

por sobre outra camada em repouso, a razão pela qual a corrente para o norte

será retardada é que as moléculas estão voando em todas as direções e,

consequentemente, o acaso carregará muitíssimas delas de uma camada para a

outra. E essas moléculas do acaso, assim carregadas de qualquer camada para

a outra, serão tão numerosas que, em média, elas terão tanto movimento ao

norte quanto a média de todas as moléculas na camada da qual saíram. Assim,

após algum tempo, o movimento médio das moléculas ao norte em cada

camada, se aproxima daquele movimento da outra camada. E dizer que o

movimento médio das moléculas ao norte da camada mais acima torna-se

menor, é o mesmo que dizer que o movimento ao norte daquela camada como

um todo se torna menor. Pois, o movimento da camada como um todo não é

nada mais que o movimento médio de suas moléculas.

115

§4. Distribuições Fortuitas

74. Bem, para que possamos aplicar este método de algum modo, explicar desde

quase-forças não-conservativas até fenômenos psíquicos, é necessário fazer

uma análise e descrição exatas de seus elementos essenciais, omitindo todas as

circunstâncias que não contribuam para o efeito.

Com este fim em mente, o primeiro requisito é uma definição de Acaso, não

quanto às causas que o produzem, mas quanto ao próprio fenômeno. Com

certeza, eu não preciso gastar fôlego refutando aquela mais frágil das

tentativas de análise que faz o acaso consistir em nossa ignorância. Pois isso já

foi suficientemente feito na Lógica do Acaso de John Venn, um lógico,

alguém cujas opiniões podem ser insustentáveis, mas cujo pensamento está

apto a penetrar sob a forma na matéria que ele discute ─ e após examinar uma

centena ou dois tratados lógicos, começa-se a considerar isto uma alta

distinção.

É a operação do acaso que produz o retardo da camada superior de ar que

considerámos acima; mas certamente que não é a nossa ignorância que tem

esse efeito. O acaso, então, como um fenômeno objetivo, é uma propriedade

de uma distribuição. Isto equivale a dizer que há uma grande coleção que

consiste, digamos assim, de coisas coloridas e de coisas brancas. O Acaso é

um modo específico de distribuição da cor entre todas as coisas. Mas para que

esta frase tenha qualquer significado, ela deve se referir a algum arranjo

definido de todas as coisas.

75. Comecemos por supor que uma quantidade de coisas coloridas é denumeral, e

que a quantidade de coisas brancas seja igualmente denumeral. A quantidade

denumeral, como expliquei numa conferência anterior, é a de todos os

números inteiros. Toda coleção denumeral pode ser numerada. Isto é, o

número 1 pode ser afixado a um de seus objetos, 2 a outro, e assim por diante,

116

de tal forma que cada objeto da coleção receba um número. Quando isso é

feito, eu chamo a relação de um objeto, que receba qualquer número exceto 1,

com o objeto que recebe o próximo número mais baixo, de uma relação

gerativa (―generating relation‖) da coleção. Não é de forma alguma

indispensável introduzir qualquer menção dos números ao definir uma relação

gerativa. Eu apenas faço isso para poder usar ideias com as quais você está

familiarizado, e assim poupar tempo e evitar problemas. Agora devo definir o

importante conceito de independência, que incessantemente se repete na

doutrina do acaso. Um caráter, digamos azulidade é considerado independente

de um caráter, digamos maciez, numa dada coleção, se e somente se a

proporção da quantidade desses objetos (PQ) da coleção que são tanto azuis

quanto macios com a quantidade desses objetos (P~Q) da coleção que são

azuis, mas não macios, igualar a proporção da quantidade de objetos (~PQ)

que não são azuis, mas são macios, com a quantidade de objetos (~P~Q) que

não são azuis e não macios. Mr. Jevons faz uma tempestade em copo d‘água

ao provar que, se P é independente de Q, então Q é de P. Isto assim é porque,

na proporção

(PQ):(P~Q) = (~PQ):(~P~Q),

podemos transpor os meios, dando

(PQ):(~PQ) = (P~Q):(~P~Q)

------------------

| (PQ) | (~PQ) |

------------------

| (P~Q) | (~P~Q) |

------------------

117

Agora em nossa coleção de coisas coloridas denumerais e de coisas brancas

denumerais, permitamos que F signifique uma relação gerativa específica, de

tal forma que quando os objetos são numerados, de acordo com essa relação, o

objeto numerado n + 1 é o F do objeto numerado n. Então eu digo que, uma

distribuição fortuita de cor e brancura na coleção consiste no seguinte, que

qualquer objeto da coleção, sendo colorido ou não, independe dele ser um F

de uma coisa colorida, e também o é independente de ser um F de uma coisa

colorida e de ser um F de um F de uma coisa branca; em suma, o fato de um

objeto ser colorido ou não, independe dele ter ou não qualquer caráter

definível em termos de F, cor, e brancura. Isto define satisfatoriamente a

distribuição fortuita quando as coisas coloridas e coisas brancas são, ambas,

denumerais.

76. Quando, qualquer uma ou ambas as subcoleções de coisas coloridas e coisas

brancas são enumeráveis, ou seja, finitas em número, tal independência, como

a definição o requer, torna-se impossível. Entretanto, se ambas são grandes

coleções enumeráveis, pode haver uma aproximação do cumprimento da

definição, e assim chamamos flexivelmente a distribuição de fortuita. Se, por

exemplo, há 500.000 coisas coloridas e 500.000 coisas brancas, então, de

todos os possíveis modos de sequências de 20 objetos sucessivos quanto a

serem coloridos ou brancos, haverá apenas aproximadamente um de cada

exemplo. Portanto não podemos dizer que o fato de um objeto ser colorido ou

não independe da sequência de cor e branqueza entre os vinte objetos que o

precedem, pois um dos quatro termos da proporção que define independência

será provavelmente zero. Por outro lado, haverá cerca de mil ocorrências de

cada modo possível de sequência de 10 objetos quanto a serem coloridos ou

brancos e se, de 1 objeto a 10 objetos, a proporcionalidade exigida for quase

cumprida, não haverá prejuízo ao chamar a distribuição de fortuita.

77. Ao comparar duas coleções infinitas, temos que distinguir entre uma ser

inclusiva, de mais ou de menos do que a outra, e uma ser mais ou menos

118

numerosa do que a outra. Eu chamo uma coleção de inclusiva de mais coisas

do que uma outra, se ela incluir todos os objetos da última e outros mais; mas

dizer que uma coleção, digamos de tolos, é mais numerosa do que outra,

digamos de sábios, significa que, para cada sábio, um tolo diferente poderia

ser designado, e designado a nenhum outro sábio, ao passo que seria

impossível designar para cada tolo um sábio diferente somente para ele. Duas

coleções não podem, nenhuma delas, ser inclusiva de tudo que a outra inclui,

como, por exemplo, os budistas e os japoneses; mas elas não podem, cada

uma, ser inclusiva de TUDO que a outra inclui a menos que sejam

identicamente uma e a mesma. Por outro lado, entre quaisquer duas coleções,

uma deve ser pelo menos tão numerosa quanto a outra, e qualquer uma pode

ser assim. Isto é, elas podem ser iguais. De coleções iguais, uma pode ser

inclusiva de mais do que a outra; mas a menos numerosa das duas coleções

não pode ser a mais inclusiva. Todas estas proposições, exceto uma, são

prontamente provadas; e essa é provada no Monista.

78. Se, das duas subcoleções, as coisas coloridas e as coisas brancas, uma é

denumeral enquanto a outra é mais do que denumeral, nós ainda podemos

falar, e às vezes realmente falamos, de uma distribuição fortuita. É verdade

que, para uma coleção mais do que denumeral, não pode haver nenhuma

relação gerativa. Mas ainda assim, a menos que a coleção total seja um

continuum de mais de uma dimensão, com ou sem singularidades tópicas,

todos os objetos dela podem ser colocados numa sequência, em qualquer caso,

por meio de uma quantidade relativamente insignificante de rupturas e

junções.

Deve ser entendido que a fortuidade se refere ao modo específico no qual os

objetos são colocados em sequência. Deve-se entender ainda que, por um

modo definido, a sequência toda é dividida numa coleção denumeral de

subcoleções, e a fortuidade é relativa àquele modo de dividir, e, além disso,

esse modo de dissecção deve ser capaz de um modo específico de variação, de

119

tal forma que as subcoleções possam ser feitas todas ao mesmo tempo

inclusivas de cada vez menos, sem limite, e a fortuidade seja ainda mais

relativa àquele modo de encolhimento. Se, então, não importa quão pequenas

essas subcoleções são tidas, o caráter de uma subcoleção que contém uma

coisa azul ou não independe daquela subcoleção conter qualquer caráter

definível em termos de gerar uma relação da coleção denumeral, de conter

uma coisa azul e de não conter uma coisa colorida, então a distribuição é

fortuita. Por exemplo, podemos dizer que certos pontos marcados são

fortuitamente distribuidos sobre uma linha infinitamente longa, significando

que, se aquela linha é cortada numa série denumeral de distâncias, não importa

quão pequenas, as distâncias que contêm pontos marcados serão distribuidas

fortuitamente ao longo de toda a série de distâncias.

Poderíamos falar de um número finito de pontos fortuitamente distribuidos

sobre a circunferência de um círculo, significando uma distribuição fortuita

aproximada. Quando dizemos que um número finito (de) pontos são

distribuidos de forma randômica na circunferência, isto é bem outra questão.

Nós temos, então, em mente, uma distribuição fortuita, é verdade, mas é uma

distribuição fortuita dos casos denumerais nos quais um homem pode, no

curso de todo o tempo, jogar pontos na circunferência.

Eu não digo que nenhum sentido poderia ser acrescentado ao termo

distribuição fortuita no caso tanto das coisas azuis quanto das coisas brancas

serem mais do que denumerais. Pelo contrário, a dificuldade é que vários

sentidos poderiam ser acrescentados à expressão, e, não tendo qualquer

experiência nessa linha de pensamento, não estou preparado para dizer qual

seria mais apropriado. Eu, portanto, deixo o caso de lado.

79. Nós já deteminamos precisamente o que o Acaso, como um fenômeno

objetivo, é. Em trabalhos sobre probabilidades (dos quais eu particularmente

recomendo o de Laurent como breve e claro e, ainda assim, ao mesmo tempo,

120

científico), propriedades muito belas e valiosas da distribuição fortuita serão

cuidadosamente esboçadas, especialmente aquela que se refere à curva de

probabilidade.

Na distribuição fortuita, as coisas coloridas e as coisas brancas estão

misturadas, com uma irregularidade que é perfeita. É o auge da irregularidade.

Distanciamentos disso, ou regularidades, podem tender a qualquer uma de

duas direções. Por um lado, podem misturar as coisas coloridas e as coisas

brancas mais perfeitas e uniformemente, como quando as coisas coloridas e as

coisas brancas se alternam, ou podem separá-las, como quando todas as coisas

coloridas vêm em uma série e todas as coisas brancas em outra. Mesmo a

alternação pode ser chamada de separação, pois coloca todas as coisas

coloridas nos lugares ímpares e todas as coisas brancas nos lugares pares, e

estas constituem duas séries diferentes. Ainda assim, tomando a palavra

regularidade para isso, podemos também restringir a palavra separação para

nos permitir expressar a menos fundamental, mas ainda não de todo

desimportante, distinção entre deixar as duas séries misturadas e separá-las.

80. Observemos por um momento as formas em que os três estados das coisas -

separação, combinação uniforme, e irregularidade fortuita de mistura - são de

fato causados na natureza; e, então, à luz desses exemplos, poderemos ver

como poderiam concebivelmente ser causados.

A separação é realizada por qualquer força conservativa inevitavelmente. Por

exemplo, um raio de luz branca atinge um prisma. As diferentes cores têm

diferentes refrangibilidades e a luz é decomposta. A ação é conservativa

porque é reversível. Pois, se a luz dispersada fosse refletida de volta sobre seu

curso, ela seria recomposta. Mas isto não acontece, exceto no laboratório,

ainda assim imperfeitamente, quando é devido à inventividade do

experimentador. A força conservativa, deixada livre, não pode produzir tal

resultado porque depende do ajuste exato propositado de cada feixe de luz.

121

Pois bem, uma das primeiras coisas que a filosofia mecânica descobriu foi que

não há causas finais em ação mecânica pura. Da mesma forma, se um grande

número de meteoros partissem do mesmo ponto quase que infinitamente

distante, e se movessem na mesma direção, de modo a levá-los para dentro do

poderoso campo de atração solar, mas tivessem eles que se mover em

velocidades variáveis, a atração do sol separaria seus movimentos, de tal

forma que, quando partissem de novo, todos eles seriam organizados na ordem

de suas velocidades; aquele meteoro com velocidade zero retornando

exatamente como viera, o meteoro com velocidade infinita prosseguindo numa

linha reta irreprimido, e todo o resto em caminhos mais ou menos

determinados.

81. Basta de separação. Consideremos agora como um estado de distribuição

fortuita é causado. Por exemplo, como é que as jogadas de dados ocorrem da

forma totalmente irregular em que ocorrem? É porque quando viramos a caixa

do dado, há leves diferenças no movimento, e também quando colocamos o

dado na caixa, há pequenas diferenças no movimento; e nenhuma regularidade

conecta as diferenças de um tipo com as do outro tipo. Mesmo assim, estas

circunstâncias não dariam por si mesmas o caráter de distribuição fortuita às

jogadas se não houvesse uma distribuição fortuita, seja nas diferenças de nosso

movimento ao colocar o dado na caixa, ou distribuição fortuita nas variações

de movimento ao jogá-lo para fora. Vemos, então, que neste caso a

distribuição fortuita surge a partir de outra distribuição fortuita em uma ou

mais das condições da produção do fenômeno. Tudo isto já foi

cuidadosamente estudado por vários escritores sobre a teoria dos erros.

Suponha que coloquemos numa jarra um pouco de nitrogênio quente e depois

um pouco de oxigênio frio. No início, as moléculas de nitrogênio estarão se

movendo com várias vires vivae (forças ativas) distribuidas de acordo com

uma modificação da curva de probabilidade e, portanto, fortuitamente,

enquanto as moléculas de oxigênio terão igualmente vires vivae distribuídas de

122

acordo com a mesma lei geral, mas na média a movimentação das mesmas

será muito mais lenta. No primeiro estado de coisas, portanto, a distribuição de

vires vivae entre todas as moléculas consideradas como uma coleção não será

fortuita. Mas haverá contínuos encontros de moléculas, que, nesses encontros,

serão governadas por forças conservativas, geralmente atrações. Em

consequência dos diferentes modos desses encontros sendo distribuidos

fortuitamente, que é por si mesmo devido à distribuição fortuita das moléculas

no espaço, e da distribuição fortuita das direções e velocidades de seus

movimentos, contínuos intercâmbios de vis viva (força viva) ocorrerão, de tal

forma que, à medida que o tempo passa, haverá uma aproximação cada vez

maior da distribuição fortuita de vis viva entre todas as moléculas. Aí vemos

uma distribuição fortuita em processo de ser causada. Isso que acontece, se dá

inteiramente sob a governo de forças conservativas; mas o caráter de

distribuição fortuita em direção à qual há uma tendência é inteiramente devido

às várias distribuições fortuitas existentes nas diferentes condições iniciais do

movimento, com o qual forças conservativas nunca têm nada a ver. Isto é o

mais notável porque a distribuição peculiar que caracterizou a distribuição

inicial de vires vivae gradualmente se desfaz. É verdade, traços dela sempre

permanecem; mas eles se tornam cada vez mais fracos e se aproximam sem

limite do completo desaparecimento. As distribuições fortuitas, entretanto, que

igualmente não têm nada exceto condições iniciais para sustentá-las, não

apenas agüentam firme, mas, onde quer que as forças conservativas atuem,

imediatamente marcam seu caráter nos efeitos. Conseqüentemente, é isso que

nós nos vemos forçados a chamar de ―ação do acaso‖....

518. A distribuição uniforme apresenta uma visão superficial, diversos aspectos. Há

tão somente tal número de suicídios a cada ano; entre as crianças nascidas a

cada ano, apenas umas tantas se tornam gigantes e apenas outras tantas se

tornam anãs. Uma companhia de seguros aposta sua sobrevivência na

expectativa de que tantas perdas venham a ocorrer a cada ano. A relação entre

123

temperatura, pressão, e volume sobre os quais todo o cosmos dos negócios

repousa, na medida mesma em que ela depende do funcionamento regular das

máquinas a vapor, é outro caso de uma uniformidade que é simplesmente um

corolário necessário de uma distribuição fortuita. Mas em muitos casos de

distribuição uniforme, na medida em que podemos compreendê-la, a

distribuição fortuita não desempenha nenhum papel. Assim, os dois tipos de

eletricidade tendem a se unir em uma dada proporção fixa. Isto se dá

simplesmente porque um tipo atrai o que o outro repele e estas duas forças

variam com a distância precisamente do mesmo modo. Ambas são forças

conservativas; e a distribuição uniforme das duas eletricidades se deve à

própria relação peculiarmente ajustada entre as duas forças conservativas. Em

combinações químicas temos um exemplo bem marcante da distribuição

uniforme. Nós não sabemos através de que tipo de forças os compostos

químicos são mantidos unidos. Mesmo longe da circunstância de que alguns

dos corpos mais prontamente formados, tais como o acetileno, são

endotérmicos, há outras considerações que mostram que essas forças não são

de todo conservativas. Mas as uniões de átomos e suas atomicidades são

garantia suficiente para se asseverar que as forças devem ser excessivamente

complicadas e especialmente relacionadas umas às outras. Teria muito mais a

dizer tanto sobre forças químicas quanto sobre as condições da distribuição

uniforme em geral, mas nos limites de uma palestra acho melhor me limitar a

dois casos que são mais claros.

519. Já disse que uma uniformidade, ou lei regular, pode ser mera consequência de

uma distribuição fortuita. Mas se examinarem qualquer caso assim

criticamente, vocês descobrirão que, ao fim e ao cabo, isto apenas resultará

assim por causa de alguma regularidade nas condições. Tomem, por exemplo,

a lei de Boyle, de que se a densidade de um gás é dobrada, sua pressão será

exatamente dobrada. Isto assim é porque se há duas vezes tantas células no

espaço, duas vezes essa quantidade em um dado tempo haverá de bater de

124

encontro à parede do receptáculo. Mas isto resulta não de uma distribuição

fortuita apenas, mas de uma distribuição fortuita juntamente com a

circunstância de que o movimento das moléculas é quase que totalmente

retilíneo. Eu não vou fazer uma pausa para provar isto, algo que vocês

encontrarão exposto tanto no pequeno tratado de Watson quanto no mais

interessante volume de Oscar Emil Meyer. Basta dizer que isso é uma

condição essencial. Pois bem, isto é algo que, sendo verdadeiro para todas as

moléculas, é uma regularidade. A simplicidade da lei se deve à simplicidade

desta regularidade. Vocês descobrirão, se analisarem o problema, que este

deverá ser sempre o caso quando uma regularidade resulta de uma distribuição

fortuita que alguma uniformidade dos objetos de um conjunto deve entrar no

jogo, e mais ainda, que qualquer simplicidade que a lei resultante possa exibir,

isso deve ser devido à simplicidade dessa uniformidade.

520. Por outro lado, com respeito à distribuição fortuita, embora vocês possam,

indubitavelmente, supor que ela surja simplesmente da ausência de qualquer

razão suficiente ao contrário, — não que eu aceite o princípio da razão

suficiente como uma lei geral, de jeito nenhum, mas neste caso particular, isso

se deve meramente à suposição de que a distribuição fortuita é um puro

Primeiro, sem qualquer outra causa ou razão seja ela qual for, — ao passo que

vocês devem, claro, supor, que ela deva ter sido um resultado necessário, esta

necessidade certamente implica que alguma lei de uniformidade esteja em

operação, mas face a tudo isso ficará bastante evidente que a uniformidade não

produziu per se a partir de sua própria natureza a irregularidade, mas que esta

irregularidade se deve a alguma outra irregularidade, a alguma outra

distribuição fortuita, nas condições iniciais.

521. Assim é que essa uniformidade, ou lei necessária, só pode surgir a partir de

outra lei; ao passo que a distribuição fortuita só pode surgir de outra

distribuição fortuita. A lei gera a lei e o acaso gera o acaso; e estes elementos

nos fenômenos da natureza devem, por sua própria natureza, ser de tipos

125

primordial e radicalmente distintos. Ou, se devemos escapar a esta dualidade

de algum modo, levados a fazer isso pelo princípio da retrodução, de acordo

com o qual nós devemos começar por propor uma hipótese da unidade, na

medida em que podemos fazer isso, o único jeito possível de fazê-lo é ao

supor que o primeiro gérmen da lei era uma entidade, que surgiu por acaso,

quer seja, como um Primeiro. Pois é da natureza do Acaso ser Primeiro e

aquilo que é Primeiro é o Acaso; e a distribuição fortuita, isto é, a total

irregularidade, é a única coisa que é legítima para explicar pela ausência de

qualquer razão em contrário.

522. Estas coisas tendo se tornado claras para nós, examinemos em seguida ─,

lembrando que o objetivo desta discussão é descobrir alguma dica pela qual a

ação física e psíquica pode ser unificada, mesmo que superficialmente ─,

certas características (outras) das duas classes de fenômenos governados

respectivamente pelas forças conservativas e pelo princípio da causalidade, e

ver quão brilhante ou quão obscuramente alguma luz pode ser lançada sobre

elas através do que até agora elaboramos.

523. Olhando primeiramente para as forças conservativas, nós observamos que elas

nada governam a não ser as relações espaciais das partículas. Elas são a lei das

reações mútuas das partículas no espaço. E o primeiro fato que exige nossa

atenção é que, as outras coisas sendo iguais, as partículas reagem umas sobre

as outras tanto mais fortemente quanto mais perto elas estão umas das outras.

Como é que devemos explicar este fato? Nós chegaremos à dica certa se nos

perguntarmos o que aconteceria no caso disto tudo repentinamente se reverter

e as partículas pudessem agir cada vez mais diretamente sobre aquelas

partículas que estivessem mais distantes delas.

126

§5. Espaço

82. A raça humana não desenvolveria, com certeza, uma nova forma de intuição,

supondo que pudesse sobreviver mesmo ao choque, na qual as coisas que

agora parecem perto pareceriam longe? Pois qual é a verdade real da

proximidade? Quem é meu vizinho? Não é aquele com o qual eu reajo

intimamente? Em resumo, a explicação sugerida é que espaço é aquela forma

de intuição na qual é apresentada a lei da reação mútua daqueles objetos cujo

modo de existência consiste em reagir mutuamente. Vejamos quanto esta

hipótese explicará. Quais são suas necessárias conseqüências? Eu devo

abreviar o raciocínio a um mero esboço.

Em primeiro lugar, espaço, como uma apresentação de lei, deve ser contínuo e

sem singularidades. Em segundo lugar, uma vez que a reação é essencialmente

hic et nunc (―aqui e agora‖), ou anti-geral, segue que os objetos reagentes

devem ser inteiramente independentes uns dos outros em suas determinações

puramente espaciais. Isto é, um objeto que está em um lugar específico de

forma alguma exige que outro objeto esteja em qualquer lugar específico. A

partir disto, de novo, necessariamente se segue que cada objeto ocupa um

ponto único de espaço, de tal forma que a matéria deve consistir de atomículos

boscovichianos, qualquer que possa ser sua quantidade. Pelo mesmo princípio,

adicionalmente se segue que qualquer lei entre as reações deve envolver

algum outro continuum, que não só e meramente Espaço. Porque o Tempo

deve ser esse outro continuum eu espero tornar claro quando viermos a falar

de Tempo.

Em terceiro lugar, uma vez que Espaço tem o modo de ser de uma lei, não

aquela de uma existência reagente, segue que ela não pode ser a lei de que, na

ausência de reação, uma partícula deva aderir a seu lugar; pois isso seria

atribuir a ela uma atração por aquele lugar. Daí se segue que, contanto que

uma partícula não receba ação de outra, aquilo que ela retém é uma relação

127

entre espaço e tempo. Muito bem, não é logicamente exato dizer que a lei de

movimento prescreve que uma partícula, contanto que não receba ação de

forças, continua a se mover numa linha reta, descrevendo intervalos iguais em

tempos iguais. Pelo contrário, a afirmação verdadeira é que linhas retas são

aquela família de linhas que as partículas, contanto que não recebam ação,

descrevem, e que espaços iguais são os espaços que tal partícula descreve em

tempos iguais. Há algumas conseqüências adicionais deste princípio cuja

afirmação será conveniente adiar por algum tempo.

Em quarto lugar, uma vez que o Espaço apresenta uma lei cujas prescrições

não são nada senão condições de reações, e uma vez que reação é Dualidade,

segue que as condições das prescrições de espaço são necessariamente Duais.

Conseqüentemente, seguem-se imediatamente cinco corolários.

O primeiro é que todas as forças são entre pares de partículas. O segundo é

que, quando dois lugares do caminho de uma partícula isolada são

determinados, a lei determina todos os outros lugares; de tal forma que duas

linhas retas diferentes não podem ter dois pontos diferentes em comum. O

terceiro corolário é que, quando os lugares de um corpo isolado em dois

instantes são dados, a lei prescreve seus lugares em todos os outros instantes.

Isto é, o primeiro coeficiente diferencial, ou a mera diferença entre os lugares

em dois instantes, determina seus lugares em todos os outros instantes. Isto é,

a velocidade permanece constante. A partir desses corolários, novamente,

junto com o princípio geral do qual são derivados, se segue que quando um

corpo recebe a ação de outro corpo, aquilo que é diretamente afetado é a

velocidade uniforme em uma linha reta, e isso de tal forma que, na medida em

que a ação do corpo ativo permanece a mesma, duas velocidades ou, o que dá

no mesmo, três posições com suas datas, determinam todas as velocidades que

a partícula terá. Isto explica, portanto, porque a força deve produzir aceleração

ao invés de qualquer outro coeficiente diferencial do espaço relativamente ao

tempo. Consequentemente, se segue ainda que uma força em cada momento

128

de tempo age para conceder ao corpo um novo movimento retilíneo; daí se

segue que forças serão necessariamente compostas de acordo com um

paralelograma de forças. Na geometria não-euclidiana, isto é tão pouco

modificado que os paralelogramas devem ser desenhados infinitamente

pequenos. E segue-se ainda que a linha da força é a linha reta através das duas

partículas. Existe ainda outra aparente consequência; mas não estou satisfeito

com o raciocínio, uma vez que ele repousa sobre um princípio que sou incapaz

abstratamente de definir. Eu o afirmarei, entretanto, pelo que vale. A saber,

uma vez que a força age para conceder uma aceleração e uma vez que a lei

apresentada no espaço é perfeitamente geral e abrangente, segue-se que a

aceleração concedida pode ser diferente em tipo, e não meramente em valor,

da aceleração que a partícula já possui. Esse é o ponto que eu considero

duvidoso. Se ele for admitido, certamente se segue que o espaço deve ter pelo

menos três dimensões. Além disso, novamente se segue, como um quarto

corolário de o espaço ser uma lei de condições reativas, que, exceto pela

qualidade das próprias partículas, é a pura determinação espacial que

prescreve qual será a reação de uma partícula específica sobre outra; isto é, a

força entre duas partículas depende só de suas qualidades e seus lugares no

instante. Além disso, como um quinto corolário, se segue que a lei mecânica

apenas prescreve como um par de partículas agirá. Ela não prescreve

geralmente qualquer relação entre as ações de pares diferentes de partículas,

nem mesmo da ação de uma partícula sobre partículas do mesmo tipo

colocadas diferentemente. Consequentemente, não apenas podem diferentes

tipos de pares de partículas agir diferentemente, mas a lei da variação da ação

com as posições relativas fica dependendo das qualidades das partículas, e isto

tão completamente que não há nada que impeça uma partícula de exercer

forças diferentes em diferentes lados dela.

Em quinto lugar, a partir do fato de que o espaço apresenta uma lei de reações

recíprocas, vários corolários se seguem, especialmente estes dois. Primeiro,

129

quando uma partícula, A, age sobre outra, B, esta última, B, agirá igualmente

sobre A; e, além disso, essa ação não pode conceder a ambas a mesma

aceleração, porque a lei é tal que afeta seus lugares relativos. Isto se dá com a

ajuda do terceiro princípio já enunciado, como veremos. Conseqüentemente,

ela só pode conceder acelerações opostas para A e B. Segundo, essas duas

acelerações devem ser iguais, de tal forma que as massas de todos os

atomículos sejam iguais. A partir disto, novamente, se segue que as massas

são imutáveis; e, também que, se dois corpos, ou agregados de atomículos,

reagem um sobre o outro numa certa razão um para o outro, naquela mesma

razão eles também reagirão sobre qualquer terceiro corpo.

Um sexto princípio, sobre a necessidade do qual alguma dúvida pode ser

levantada, é que a lei apresentada pelo espaço sendo perfeitamente geral, todo

movimento deve admitir receber os mesmos tipos de mudanças que todo

outro. A partir disto, se isto for admitido, certamente se segue, apesar de a

demonstração ser longa demais para ser aqui apresentada, que o espaço tem 1,

2 ou 4 dimensões. Conseqüentemente, uma vez que a dimensionalidade 1 e 2

já foram excluídas, o número de dimensões deve ser exatamente 4.

Agora mencionarei os corolários que prometi dar sobre o terceiro princípio.

Uma vez que o espaço somente tem o caráter de ser uma lei, seus lugares não

podem ter identidades distintas em si mesmos, pois identidade distinta

somente pertence a coisas existentes. Conseqüentemente, lugar é apenas

relativo. Mas uma vez que, ao mesmo tempo, movimentos diferentes devem

ser comparáveis em quantidade, e esta comparação não pode ser efetuada

pelas próprias partículas moventes e reagentes, segue-se que outro objeto deve

ser colocado no espaço com o qual todo movimento tem referência. E uma vez

que esse objeto compara de forma geral, e assim participa da natureza da lei,

ele deve, diferentemente dos corpos moventes e reagentes, ser contínuo. É um

equivalente corrigido daquilo que foi chamado o corpo alfa. É o firmamento,

ou o absoluto de Cayley. Uma vez que isto existe para determinar todo

130

movimento, segue que é um locus (lugar) que toda linha reta corta, e devido ao

espaço ser uma lei somente de duidade), e por outras razões, toda linha reta

deve cortá-lo em dois pontos. É, portanto, um locus quadrático real, separando

o espaço em duas partes, e o espaço da existência deve ser infinito e limitado

em cada direção.

83. Acabo, assim, de mostrar, mesmo que brevemente, um lado da minha teoria da

espaço. Isto é, sem tocar na questão da derivação do espaço e suas

propriedades, ou quão precisamente ele pode ter que cumprir suas condições

ideais, eu dei uma hipótese a partir da qual aquelas propriedades ideais podem

ser deduzidas. Muitas das propriedades assim deduzidas são conhecidas como

verdadeiras, pelo menos aproximadamente. Outras, fico feliz em dizer, são

extremamente duvidosas. Eu digo que fico feliz porque isto dá a elas o caráter

de previsão e torna a hipótese capaz de confirmação ou refutação experiencial.

Uma das propriedades duvidosas, a última mencionada, eu tive sucesso, acho,

em prová-la verdadeira através de cálculos dos movimentos adequados das

estrelas. Outra, aquela sobre átomos atraindo diferentemente em diferentes

direções, fui bem sucedido em torná-la altamente provável, a partir de fatos

químicos. Ainda outras têm alguma evidência a seu favor. A conseqüência que

mais se opõe à observação é a duvidosa sobre as 4 dimensões.

84. Esforçando-nos para generalizar os resultados que foram obtidos, podemos

dizer que a continuidade do espaço assim age para fazer com que um objeto

seja afetado por modos de existência, não a sua própria, não participando

deles, mas sendo oposto a eles. Por exemplo, uma partícula isolada está em

qualquer instante em um ponto; aquele é seu estado vigente. Mas é tão afetado

pelo estado que não é vigente, mas que pertence a ele por uma data que difere

da vigente de uma certa forma, que, numa data que difere da vigente da outra

forma, ela toma um estado diferindo na forma oposta ao seu estado vigente.

Então, novamente, quando uma força age sobre um corpo, o efeito disso é que

a média dos estados do corpo não vigentes, mas indefinidamente se

131

aproximando do vigente, difere do seu estado vigente. Então, na ação e reação

dos corpos, cada corpo é afetado pelo movimento do outro corpo, não

participando dele, mas sendo oposto a ele. Mas se você notar cuidadosamente

a natureza desta fórmula generalizada, você verá que ela não é senão uma

reafirmação imperfeita, um tanto particularizada, do princípio de que o espaço

apresenta a lei das reações recíprocas de (coisas) existentes. Várias outras

fórmulas assim imperfeitas poderiam ser mencionadas.

85. Consideremos agora ações não conservativas. Elas são todas distinguidas por

aproximação assintótica a um estado definido de repouso relativo. Uma força

conservativa nunca pode causar qualquer estado de repouso exceto por um

instante. Ela só pode produzir, eu acredito, três mudanças permanentes. A

saber, ela pode permanentemente mudar a direção do movimento de um corpo,

e isto ela faz porque o corpo se afasta, para fora do raio de ação da força, ou

ela pode fazer com que um corpo gire em volta de outro numa espiral para

dentro, cada vez mais rapidamente. E terceiro, um planeta como Júpiter pode

desviar o movimento de um pequeno corpo, e então se afastar e deixar o

pequeno corpo realizando permanentemente, ou quase permanentemente, uma

órbita em volta do sol. No curso do tempo, entretanto, Júpiter aparecerá

novamente de tal forma que o jogará para fora. Este é um caso muito curioso.

O Acaso é um fator importante nisso. Mas todas as quase-forças não

conservativas produzem estados de repouso relativo. Tal, por exemplo, é o

efeito da viscosidade. Esses estados de repouso relativo são estados de

distribuição uniforme que, numa inspeção mais exata, tornam-se realmente

estados de distribuição fortuita. Eles traem sua real natureza pela curva da

probabilidade, ou alguma modificação dela, tendo uma participação no

fenômeno. Tal, por exemplo, é o caso da condução de calor.

132

§6. Tempo

86. Quando perguntamos por que o acaso produz efeitos permanentes, a resposta

natural que escapa de nossos lábios é que isso assim é por causa da

independência dos diferentes instantes do tempo. Uma mudança tendo sido

realizada, não há nenhum motivo específico para que ela deva ser desfeita. Se

uma pessoa ganhou um rei no carteado ela não está nem um pouco propensa a

perdê-lo do que estava logo no início do jogo. Mas mal acabamos de deixar

escapar a observação sobre a independência dos instantes do tempo e ficamos

chocados com ela. O que pode ser menos independente do que as partes do

continuum par excellence, por meio das lentes através das quais vislumbramos

qualquer outro continuum? E embora possa ser dito que a continuidade

consiste em um unir as coisas que são diferentes e permanecem diferentes, de

tal modo que elas são em certa medida dependentes umas das outras e, no

entanto, em certa medida independentes, a verdade é que isto só é válido para

as partes finitas do continuum, não para os elementos últimos nem mesmo

para as partes infinitesimais. Ainda assim, é indubitavelmente verdade que a

permanência dos efeitos do acaso se deve à independência dos instantes do

tempo. Como é que haveremos de resolver este enigma? A solução do mesmo

reside nisto, que o tempo tem um ponto de descontinuidade no presente. Esta

descontinuidade aparece de uma forma em ações conservativas onde o

verdadeiro instante difere de todos os outros instantes de modo absoluto, ao

passo que aqueles outros apenas diferem em grau; e a mesma descontinuidade

aparece de outra forma em toda ação não-conservativa, onde o passado é

quebrado em relação ao futuro como é o caso em nossa consciência. Assim,

embora os outros instantes do tempo não sejam independentes uns dos outros,

a independência aparece realmente no próprio instante. Não se trata de uma

independência total, completa, mas trata-se de uma independência absoluta em

todo caso. Talvez toda a distribuição fortuita se origine de uma distribuição

fortuita de eventos no tempo; e isto talvez não tenha nenhuma outra explicação

133

senão a da Lei da Razão Suficiente, quer seja, trata-se de um Primeiro

absoluto. É uma verdade que vale a pena ruminar, a de que todo

desenvolvimento intelectual do homem reside sobre a circunstância de que

todas as nossas ações estão sujeitas a erro. Errare est humanum é de todos os

lugares-comuns o mais familiar. Coisas inanimadas não erram de modo

algum; e os animais mais baixos [na escala da evolução] pouco erram. O

instinto é tudo menos não-errante; mas a razão em todas as questões de

importância vital é um guia traiçoeiro. Esta tendência ao erro, quando você a

coloca sob o microscópio da reflexão, é vista como consistindo de variações

fortuitas de nossa ações no tempo. Mas não deveríamos deixar de ver que em

tal variação fortuita nosso intelecto é nutrido e cresce. Pois sem tal variação

fortuita, a aquisição de hábitos seria impossível; e o intelecto consiste na

plasticidade do hábito.

87. O que é o tempo? Devemos dizer que ele é a forma sob a qual a lei da

dependência lógica se apresenta à intuição? Mas o que é a dependência lógica

se objetivamente considerada? Ela nada mais é do que a necessidade que, ao

invés de ser bruta, é governada pela lei. Nossa hipótese, portanto, resume-se

nisto, que o tempo é a forma sob a qual a lógica se apresenta à intuição

objetiva; e o significado da descontinuidade no próprio instante é que aqui

novas premissas, não logicamente derivadas por Primeiros, são introduzidas.

Anexo 2

Causation and Force

§1. Physical Causation

66. Those who make causality one of the original uralt elements in the universe or

one of the fundamental categories of thought — of whom you will find that I

am not one — have one very awkward fact to explain away. It is that men's

conceptions of a Cause are in different stages of scientific culture entirely

different and inconsistent. The great principle of causation which, we are told,

it is absolutely impossible not to believe, has been one proposition at one

period of history and an entirely disparate one [at] another and is still a third

one for the modern physicist. The only thing about it which has stood, to use

my friend Carus's word, a {ktéma ex aei}, semper eadem, is the name of it. As

Aristotle remarks, what the Ionian philosophers were trying to find out as the

principles of things was what they were made of. Aristotle himself, as I need

not remind you, recognizes four distinct kinds of cause, which go to

determining a fact: the matter to which it owes its existence, the form to which

it owes its nature, the efficient cause which acts upon it from past time, and the

final cause which acts upon it from future time. Oh, but it is commonly said,

these are merely verbal distinctions. This to my apprehension is one of those

superficial explanations, which pass current till men examine them, and serve,

like the elegant bankers' memorandum, pour donner le change to the unwary.

They seem to me to mark different types of retroductively †4

inferred facts —

facts, which it was supposed, furnished the universal process of Nature the

occasions from which different features of the fact were brought about. The

conception is that Nature syllogizes from one grand major premiss, and the

causes are the different minor premisses of nature's syllogistic development. It

is generally held that the word "cause" has simply been narrowed to that one

135

of the four Aristotelian causes which was named from the circumstance that it

alone produces an effect. But this notion that our conception of cause is that of

the Aristotelian efficient cause will hardly bear examination. The efficient

cause was, in the first place, generally a thing, not an event; then, something

which need not do anything; its mere existence might be sufficient. Neither

did the effect always necessarily follow. True when it did follow it was said to

be compelled. But it was not necessary in our modern sense. That is, it was not

invariable. Even in ancient literature we occasionally meet with the idea that a

cause is an event of such a kind as to be necessarily followed by another event

which is the effect. This is the current idea, now. But it is only in the last two

centuries that it has become the dominant conception. It is not so with the

most accurate thinkers of the time of Descartes.

67. Those whose admiration for John Stuart Mill knows no bounds consider it one

of his most admirable aperçues that he regards the cause as the aggregate of

all the circumstances under which an event occurs. Whether it be admirable or

not, it was certainly a commonplace remark before John Mill ever set pen to

paper. But the truth is that the remark is founded upon a misconception. So far

as the conception of cause has any validity — that is to say, as I shall show

you — in a limited domain, the cause and its effect are two facts. Now, Mill

seems to have thoughtlessly or nominalistically assumed that a fact is the very

objective history of the universe for a short time, in its objective state of

existence in itself. But that is not what a fact is. A fact is an abstracted

element of that. A fact is so much of the reality as is represented in a single

proposition. If a proposition is true, that which it represents is a fact. If,

according to a true law of nature as major premiss, it syllogistically follows

from the truth of one proposition that another is true, then that abstracted part

of the reality which the former proposition represents is the cause of the

corresponding element of reality represented by the latter proposition. Thus,

the fact that a body is moving over a rough surface is the cause of its coming

136

to rest. It is absurd to say that its color is any part of the cause or of the effect.

The color is a part of the reality; but it does not belong to those parts of the

reality which constitute the two facts in question.

68. But the grand principle of causation which is generally held to be the most

certain of all truths and literally beyond the possibility of doubt (so much so

that if a scientific man seeks to limit its truth it is thought pertinent to attack

his sincerity and moral character generally) involves three propositions to

which I beg your particular attention. The first is, that the state of things at any

one instant is completely and exactly determined by the state of things at one

other instant. The second is that the cause, or determining state of things,

precedes the effect or determined state of things in time. The third is that no

fact determines a fact preceding it in time in the same sense in which it

determines a fact following it in time. These propositions are generally held to

be self-evident truths; but it is further urged that whether they be so or not,

they are indubitably proved by modern science. In truth, however, all three of

them are in flat contradiction to the principles of mechanics. According to the

dominant mechanical philosophy, nothing is real in the physical universe

except particles of matter with their masses, their relative positions in space at

different instants of time, and the immutable laws of the relations of those

three elements of space, time, and matter. Accordingly, at any one instant all

that is real is the masses and their positions, together with the laws of their

motion. But according to Newton's second law of motion the positions of the

masses at any one instant are not determined by their positions at any other

single instant, even with the aid of the laws. On the contrary, that which is

determined is an acceleration. Now an acceleration is the relation of the

position at one instant not to the position at another instant, but to the positions

at a second and a third instant. Let a, b, c be the positions of a particle at three

instants very near to one another, and at equal intervals of time, say, for

convenience, one second.

137

Then we may make a table thus:

Or if the intervals are not equal:

†1

69. It will be perceived that there is an essential thirdness, which the principle of

causality fails to recognize, so that its first proposition is false. The second

proposition, that the cause precedes the effect in time, is equally false. The

effect is the acceleration. The cause which produces this effect under the law

of force is, according to the doctrine of the conservation of energy, the relative

positions of the particles. Now the acceleration which the position requires

does not come later than the assumption of that position. It is, on the contrary,

absolutely simultaneous with it. Thus, the second proposition of the principle

of causation is false. The third is equally so. This proposition is that no event

determines a previous event in the same sense in which it determines a

subsequent one. But, according to the law of the conservation of energy, the

138

position of the particle relative to the center of force, expressed by b,

determines what the acceleration shall be at the moment the particle is in that

position. That is to say, taking the number b, whose value expresses the

position of the particle, we can calculate from this number alone, by the

application of a rule supplied by the law of the force, a number which I may

denote by Fb, which is the numerical value of the acceleration (c-2b+a)/((1

1/2s-0 1/2s)2) So that we have the equation (c-2b+a)/((1 1/2s-0 1/2s)2) = Fb.

Now, if we know the positions, a and b, of the particle at the two earlier dates,

this equation does enable us to calculate the position, c, of the particle at the

last date. But since a and c enter into this equation in the same way, and since

the difference of dates in the denominator is squared, so that if they are

interchanged it makes no difference (because the square of the negative of a

number is the [square of the] number itself), it follows that the very same rule,

by which we could calculate the value of c, that is, the position at the latest of

the three dates, from a and b, those at the two earlier dates, may usually be

applied, and in precisely the same form, to calculating the position, a, of the

particle at the earliest date, from c and b, its positions at the two later dates.

Thus, we see that, according to the law of energy, the positions at the two later

instants determine the position at the earliest instant, in precisely the same

way, and no other, in which the positions at the two earlier instants determine

the position at the latest instant. In short, so far as phenomena governed by the

law of the conservation of energy are concerned, the future determines the past

in precisely the same way in which the past determines the future; and for

those cases, at least, it is a mere human and subjective fashion of looking at

things which makes us prefer one of those modes of statement to the other.

Thus, all three of the propositions involved in the principle of causation are in

flat contradiction to the science of mechanics.

139

§2. Psychical Causation

70. But when from the world of physical force we turn to the psychical world all

is entirely different. Here we find no evident trace of any state of mind

depending in opposite ways upon two previous states of mind. Every state of

mind, acting under an overruling association, produces another state of mind.

Or if different states of mind contribute to producing another, they simply act

concurrently, and not in opposite ways, as the two earlier positions of a

particle of matter do, in determining a third position. I come down in the

morning; and the sight of the newspaper makes me think of the Maine, the

breakfast is brought in, and the sight of something I like puts me into a state of

cheerful appetite; and so it goes all day long. Moreover, the effect is not

simultaneous with the cause. I do not think of the explosion of the Maine

simultaneously with seeing the newspaper, but after seeing it, though the

interval be but a thirtieth of a second. Furthermore, the relations of the present

to the past and to the future, instead of being the same, as in the domain of the

Law of Energy, are utterly unlike. I remember the past, but I have absolutely

no slightest approach to such knowledge of the future. On the other hand I

have considerable power over the future, but nobody except the Parisian mob

imagines that he can change the past by much or by little. Thus all three

propositions of the law of causation are here fully borne out.

§3. Non-Conservative Forces

71. Even supposing the physical and the psychical laws not to be precisely as they

seem to be, yet, though the gulph between the two worlds would not be of so

absolute a nature, still in regard to the general features we cannot be mistaken.

140

But further than that, we can assert that not only is the psychical world within

us governed by the law of causation, but even phenomena of psychical interest

without us, even those of inanimate matter so far as they attract everyday

notice, either are, or have the semblance of being, under the same governance.

In order to bring this highly significant fact into evidence, it will be necessary

for me to explain two characteristics of phenomena that are determined by

forces obeying the law of the conservation of energy. I am sorry that I shall

once more be obliged to employ some very simple algebra. The first of the

two characteristics I speak of is this, that if any force obeying the law of the

conservation of energy or, as we usually say, any conservative force (that is,

any force whose value depends exclusively on the situation of the body acted

on relatively to the bodies that act on it), if any such force, I say, can produce

any given motion, then the very same force can equally produce the reverse

motion. That is to say, if at any one instant all the particles were to strike fixed

plastic plane surfaces, and were to strike them square, so as to rebound in the

directions from which they came and with unchanged velocities, each would

move backward through precisely the same path that it had moved forward,

and with the same velocities, no matter for how long a time the motion might

have been going on. This really follows from what I have shown, that

conservative force determines the past in the same way that it determines the

future. An extremely elementary demonstration would be easy; but I omit it to

save time. The other characteristic of conservative force is, as its name

implies, that the Energy is conserved, that is, that the living force or square of

the velocity of a particle is simply a function of the position relative to the

interacting particles, the exact function depending on the nature of the force

plus a quantity constant throughout the motion, which has a value depending

on the accidents of the particular case. You are so familiar with this that I will

not waste time in proving it. But I will mention that it readily follows from the

fact, that a second difference multiplied by the sum of the two adjacent first

141

differences is equal to the difference of the squares of those differences, which

is obvious.

For since Δ2 = Δ2 - Δ1 obviously (Δ1+Δ2)Δ22 = (Δ2)

2 - (Δ1)2.

72. Now employing these two characteristics, and especially the former, as

criteria, we at once recognize that almost all the phenomena of bodies here on

earth which attract our familiar notice are non-conservative, that is, are

inexplicable by means of the Law of the Conservation of Energy. For they are

actions which cannot be reversed. In the language of physics they are

irreversible. Such, for instance, is birth, growth, life. Such is all motion

resisted by friction or by the viscosity of fluids, as all terrestrial motion is.

Such is the conduction of heat, combustion, capillarity, diffusion of fluids.

Such is the thunder bolt, the production of high colors by a prism, the flow of

rivers, the formations of bars at their mouths, the wearing of their channels; in

short, substantially everything that ordinary experience reveals, except the

motions of the stars. And even those we do not see to be reversed, though we

may well believe them reversible. About the only familiar actions which

appear to sense reversible are the motion of a projectile, the bending of a bow

or other spring, a freely swinging pendulum, a telephone, a microphone, a

galvanic battery, and a dynamo. And all but two of these are unfamiliar to man

in his early development. No wonder the doctrine of the conservation of

energy was a late discovery.

73. It is certainly a desideratum in philosophy to unify the phenomena of mind

and matter. The logic of retroduction directs us to adopt Monism as a

provisional hypothesis of philosophy, whether we think it likely or not; and

not to abandon it till the position is stormed and we are forced out of it. In

view of this, it becomes exceedingly interesting to inquire how the physicist

explains those actions which seem to violate the law of energy. Now such of

142

them as physicists have deeply studied are all explained by the action of

chance.

For example, if one horizontal layer of air moves northerly, passing over

another layer at rest, the reason why the northerly current will be retarded is

that the molecules are flying about in all directions and hence chance will

carry a good many of them from one layer to the other. And these chance

molecules, so carried from either layer to the other, will be so numerous that it

is practically certain that, on the average, they will have as much northerly

motion as the average of all the molecules in the layer from which they have

emerged. Thus, after a while, the average northerly motion of the molecules in

each layer approximates toward that of the other layer. And to say that the

average northerly motion of the molecules of the upper layer becomes less is

the same as to say that the northerly motion of that layer as a whole becomes

less. For the motion of the layer as a whole is nothing but the average motion

of its molecules.

§4. Fortuitous Distributions

74. Now in order that we may make any application of this method, of explaining

non-conservative quasi-forces, to psychical phenomena it is necessary to make

an exact analysis and description of its essential elements, omitting all

circumstances that do not contribute to the effect. To this end, the first

requisite is a definition of Chance, not as to the causes that produce it, but as

to the phenomenon itself. Surely, I need not waste breath in refuting that

feeblest of attempts at analysis which makes chance to consist in our

ignorance. For that has already been sufficiently done in the Logic of Chance

of John Venn, a logician, some of whose opinions may be untenable, but

whose thought is apt to penetrate beneath the form to the matter he discusses

— and after examining a hundred or two logical treatises one begins to think

143

that a high distinction. It is the operation of chance which produces the

retardation of the upper layer of air we were just considering; but surely it is

no ignorance of ours that has that effect. Chance, then, as an objective

phenomenon, is a property of a distribution. That is to say, there is a large

collection consisting, say, of colored things and of white things. Chance is a

particular manner of distribution of color among all the things. But in order

that this phrase should have any meaning, it must refer to some definite

arrangement of all the things.

75. Let us begin by supposing that the multitude of colored things is denumeral,†1

and that of the white things is likewise denumeral. The denumeral multitude

as I explained in a former lecture is that of all the whole numbers. Every

denumeral collection may be numbered. That is, the number 1 may be affixed

to one of its objects, 2 to another, and so on in such a way that every object of

the collection receives a number. When that is done I call the relation of an

object, receiving any number but 1, to the object receiving the next lower

number, a generating relation of the collection. It is by no means

indispensable to introduce any mention of the numbers in defining a

generating relation. I only do so for the sake of using ideas with which you are

familiar and thus save time and trouble. Now I must define the important

conception of independence, which incessantly recurs in the doctrine of

chances.†2

A character, say blueness, is said to be independent of a character,

say smoothness, in a given collection if and only if the ratio of the multitude of

those objects (PQ) of the collection that are both blue and smooth to the

multitude of those objects (PQ ) of the collection that are blue but not smooth

equals the ratio of the multitude of objects (P Q) that are not blue but are

smooth to the multitude of objects (P Q ) that are not blue and not smooth. Mr.

Jevons †1

makes a fuss about proving that if P is independent of Q, so is Q of

P. It is because in the proportion

144

[PQ] : [PQ ] = [P Q] : [P Q ]

We can transpose the means, giving

[PQ] : [ P Q] = [PQ ] : [P Q ]

Now in our collection of denumeral colored things and denumeral white

things, let F signify a particular generating relation, so that when the objects

are numbered, according to that relation, the object numbered n + 1 is F of the

object numbered n. Then, I say that a fortuitous distribution of color and

whiteness in the collection consists in this, that any object of the collection

being colored or not is independent of its being an F of a colored thing, and is

also independent of its being an F of an F of a colored thing, and is also

independent of its being at once an F of a colored thing and an F of an F of a

white thing; and in short that an object's being colored or not is independent of

its having or not having any character definable in terms of F, color, and

whiteness. That satisfactorily defines a fortuitous distribution when the

colored things and white things are both denumeral.

76. When either or both the two subcollections of colored things and white things

are enumerable, that is, finite in number, such independence, as the definition

requires, becomes impossible. Nevertheless, if both are large enumerable

collections, there may be an approximation to the fulfillment of the definition,

and then we loosely call the distribution fortuitous. If, for example, there are

500,000 colored things and 500,000 white things, then of all possible modes of

sequences of 20 successive objects as to their being colored or white there will

be only about one of each example. Therefore we cannot say that an object's

being colored or not is independent of the sequence of color and whiteness

among the twenty objects that precede it, for one of the four terms of the

proportion that defines independence will probably be zero. On the other hand

there will be about a thousand occurrences of each possible mode of sequence

145

of 10 objects as to being colored or white and if, from 1 object up to 10

objects, the required proportionality is nearly fulfilled, there will be no harm in

calling the distribution fortuitous.

77. In comparing two infinite collections we have to distinguish between one

being inclusive of more or less than the other and one being more or less

multitudinous than the other. I call a collection inclusive of more than another

if it includes all the objects of the latter and others besides; but to say that one

collection, say the simpletons, is more multitudinous than another, say the

sages, means that to every sage a distinct simpleton might be assigned, and

assigned to no other sage, while it would be impossible to assign to every

simpleton a distinct sage for him alone. Two collections may neither of them

be inclusive of all the other includes, as for example the Buddhists and the

Japanese; but they cannot each be inclusive of ALL the other includes unless

they are identically the same. On the other hand, of any two collections

whatsoever, one must be at least as multitudinous as the other, and each may

be so. That is, they may be equal. Of equal collections one may be inclusive of

more than the other; but the less multitudinous of two collections cannot be

the more inclusive. All these propositions except one are easily proved; and

that one is proved in the Monist.

78. If of the two subcollections, the colored things and the white things, one is

denumeral while the other is more than denumeral, we may still speak, and

sometimes do speak, of a fortuitous distribution. It is true that for a collection

more than denumeral there can be no generating relation. But still, unless the

total collection is a continuum of more than one dimension, with or without

topical singularities, all the objects of it may be placed in a sequence, at any

rate by means of a relatively insignificant multitude of ruptures and junctions.

It must be understood that the fortuitousness refers to the particular way in

which the objects are placed in sequence. It must furthermore be understood

that by a definite mode the whole sequence is broken up into a denumeral

146

collection of subcollections, and the fortuitousness is relative to that mode of

breaking up, and moreover this mode of dissection must be capable of a

particular mode of variation such that the subcollections may be made all at

once inclusive of less and less without limit, and the fortuitousness is still

further relative to that mode of shrinking. If, then, no matter how small these

subcollections are taken, the character of a subcollection containing a blue

thing or not containing a blue thing is independent of that subcollection having

any character definable in terms of the generating relation of the denumeral

collection, of containing a blue thing and of not containing a colored thing,

then the distribution is fortuitous. For example, we may say that certain

marked points are fortuitously distributed upon an infinitely long line,

meaning that if that line is cut up into a denumeral series of lengths, no matter

how small, the lengths containing marked points will be fortuitously

distributed along the whole series of lengths.

We might speak of a finite number of points being fortuitously distributed

upon the circumference of a circle, meaning an approximate fortuitous

distribution. When we say that a finite number [of] points are distributed at

random on the circumference, that is quite another matter. We then have in

mind a fortuitous distribution, it is true, but it is a fortuitous distribution of the

denumeral cases in which a man might, in the course of all time, throw points

down upon the circumference.

I do not say that no sense could be attached to the term fortuitous distribution

in case both the blue things and the white things were more than denumeral.

On the contrary, the difficulty is that several senses might be attached to the

phrase, and, having no experience in that line of thought, I am not prepared to

say which one would be more appropriate. I therefore pass that case by.

79. We have now determined precisely what Chance, as an objective

phenomenon, consists in. In works on probabilities (of which I particularly

147

recommend that of Laurent as being brief and clear and yet at the same time

scientific) very beautiful and valuable properties of the fortuitous distribution

will be found traced out, especially that which relates to the probability curve.

In the fortuitous distribution the colored things and the white things are mixed

up together with an irregularity which is perfect. It is the very highest pitch of

irregularity. Departures from this, or regularities, may tend in either of two

directions. On the one hand they may mix the colored things and white things

more perfectly and uniformly, as when colored things and white things

alternate, or they may sift them out, as when all the colored things come in one

series and all the white things in another. Even the alternation might be called

a sifting, for it puts all the colored things into the odd places and all the white

things into the even places, and these constitute two distinct series. Still,

having the word regularity for that, we may as well restrict the word sifting so

as to enable us to express the less fundamental, but still not altogether

unimportant, distinction between leaving the two series mingled and

separating them.

80. Let us glance for a moment at the ways in which the three states of things —

siftedness, uniform combination, and fortuitous irregularity of mixture — are

in fact brought about in nature; and then in the light of these examples we

shall be able to see how they could conceivably be brought about.

Sifting is performed by any conservative force quite inevitably. For example, a

ray of white light strikes upon a prism. The different colors have different

refrangibilities and the light is decomposed. The action is conservative

because it is reversible. For if the dispersed light were reflected back upon its

course it would be recompounded. But this does not happen except in the

laboratory and that only imperfectly, when it is due to the elaborate

contrivance of the experimenter. Conservative force, left to itself, can produce

no such result, because it depends on the purposeful exact adjustment of each

pencil of light. Now one of the first things that the mechanical philosophy

148

discovered was that there are no final causes in pure mechanical action. In the

same way, were a great number of meteors to start from the same almost

infinitely distant point, all moving in the same direction so as to bring them

within the sun's strong attraction, but were they to move with various

velocities, the sun's attraction would separate their motions so that when they

departed again they would all be arranged in the order of their velocities; the

one with no velocity returning just as it came, the one with infinite velocity

proceeding in a right line unchecked, and all the rest in more or less bent

paths.

81. So much for the sifting. Let us next consider how a state of fortuitous

distribution is brought about. How, for example, is it that the throws of a dice

occur in the utterly irregular way in which they do? It is because when we turn

over the dice box, there are slight differences in the motion, and also when we

put the dice into the box there are small differences in the motion; and no

regularity connects the differences of one kind with those of the other. Still,

these circumstances would not in themselves give the character of fortuitous

distribution to the throws were there not a fortuitous distribution either in the

differences of our motion in putting the dice into the box or else fortuitous

distribution in the variations of motion in throwing them out.†1

We see, then,

that in this case the fortuitous distribution arises from another fortuitous

distribution in one or more of the conditions of the production of the

phenomenon. All this has been carefully studied by various writers on the

theory of errors. Suppose we put into a jar some hot nitrogen and then some

cold oxygen. At first, the molecules of nitrogen will be moving with various

149

vires vivae distributed according to a modification of the probability curve and

therefore fortuitously, while the molecules of oxygen will likewise have vires

vivae distributed according to the same general law, but on the average their

motion will be much slower. In the first state of things, therefore, the

distribution of vires vivae among all the molecules considered as one

collection will not be fortuitous. But there will be continual encounters of

molecules, which, in these encounters, will be governed by conservative

forces, generally attractions. In consequence of the different modes of these

encounters being distributed fortuitously, which is itself due to the fortuitous

distribution of the molecules in space, and the fortuitous distribution of the

directions and velocities of their motions, continual interchanges of vis viva

will take place, so that as time goes on there will be a closer and closer

approximation to one fortuitous distribution of vis viva among all the

molecules. There we see a fortuitous distribution in process of being brought

about. That which happens, happens entirely under the governance of

conservative forces; but the character of fortuitous distribution toward which

there is a tendency is entirely due to the various fortuitous distributions

existing in the different initial conditions of the motion, with which

conservative forces never have anything to do. This is the more remarkable

because the peculiar distribution which characterized the initial distribution of

vires vivae gradually dies out. True, traces of it always remain; but they

become fainter and fainter and approach without limit toward complete

disappearance. The fortuitous distributions, however, which equally have

nothing but initial conditions to sustain them, not only hold their ground, but,

wherever the conservative forces act, at once mark their character in the

effects. Hence, it is that we find ourselves forced to speak of the "action of

chance.". . . .†1

150

5181. Uniform distribution presents to a superficial view diverse characters. There

are just so many suicides every year; of children born every year just so many

develope into giants and just as many into dwarfs. An insurance company

stakes almost its existence upon the expectation that just so many losses will

occur each year. The relation between temperature, pressure, and volume

upon which the whole cosmos of business reposes, insofar as it depends on

the regular working of steam-engines, is another case of a uniformity which

is simply a necessary corollary of a fortuitous distribution. But in many cases

of uniform distribution, so far as we can see, fortuitous distribution plays no

part. Thus, the two kinds of electricity tend to unite in a certain fixed

proportion. This is simply because one kind attracts what the other repels and

these two forces vary with the distance in precisely the same way. Both are

conservative forces; and the uniform distribution of the two electricities is

due to the very peculiarly adjusted relation between the two conservative

forces. In chemical combinations we have a very marked example of uniform

distribution. We do not know by what sort of forces chemical compounds are

held together. Even apart from the circumstance that some of the most readily

formed bodies, such as acetylene, are endothermic, there are other

considerations which show that those forces are not altogether conservative.

But the bonds of atoms and their atomicities are sufficient warrant for the

assertion that the forces must be exceedingly complicated and specially

related to one another. I might say much more both about chemical forces

and about the conditions of uniform distribution in general; but in the limits

of one lecture I think it best to confine myself to the two clearer cases.

519. I have said that a uniformity, or regular law, may be a mere consequence of a

fortuitous distribution. But if you examine any such case critically, you will

find that after all, this only results because of some regularity in the

1 Em consonância com a leitura original do ensaio, foram adicionados os conteúdos de Chance and Law

(CP 7.518 – 523).

151

conditions. Take, for example, Boyle's law that if the density of a gas is

doubled its pressure will be exactly doubled. This is because if there are

twice as many molecules in the space, twice as many in a given time will

pound upon the wall of the receptacle. But this results not from fortuitous

distribution alone, but from fortuitous distribution conjoined with the

circumstance that the paths of the molecules are all very nearly rectilinear. I

will not stop to prove this, which you will find set forth both in Watson's little

treatise and in the more generally interesting volume of Oscar Emil Meyer.

Suffice it to say that it is an essential condition. Now this is something which,

being true of all the molecules, is a regularity. The simplicity of the law is

due to the simplicity of this regularity. You will find, if you analyze the

problem, that it must always be the case when a regularity results from a

fortuitous distribution that some uniformity of the objects of the collection

must come into play, and further that any simplicity the resulting law may

exhibit must be due to the simplicity of that uniformity.

520. On the other hand, in regard to fortuitous distribution, while you may

undoubtedly suppose that it arises simply from the absence of any sufficient

reason to the contrary, — not that I accept the principle of sufficient reason

as a general one by any means, but in this case, it amounts merely to

supposing the fortuitous distribution is a pure First, without any cause or

reason whatsoever, — while this you may of course suppose, yet if you

suppose it to have been in any case a necessary result, this necessity certainly

implies that some law of uniformity is at work, but for all that it will be quite

evident that the uniformity has not per se of its own nature produced the

irregularity, but that this irregularity is due to some other irregularity, some

other fortuitous distribution, in the initial conditions.

521. Thus it is that uniformity, or necessary law, can only spring from another

law; while fortuitous distribution can only spring from another fortuitous

distribution. Law begets law; and chance begets chance; and these elements

152

in the phenomena of nature must of their very nature be primordial and

radically distinct stocks. Or if we are to escape this duality at all, urged to do

so by the principle of retroduction, according to which we ought to begin by

pressing the hypothesis of unity as far as we can, the only possible way of

doing so is to suppose that the first germ of law was an entity, which itself

arose by chance, that is as a First. For it is of the nature of Chance to be First

and that which is First is Chance; and fortuitous distribution, that is, utter

irregularity, is the only thing which it is legitimate to explain by the absence

of any reason to the contrary.

522. These things having become clear to us, let us now, remembering that the

whole aim of this discussion is to find some clue by which physical and

psychical action may be unified, examine, a little, certain other features of the

two classes of phenomena governed respectively by conservative forces and

by the principle of causality, and see how bright or how darkling a light is

shed upon them by what we have thus far made out.

523. Looking first at conservative forces, we remark that they govern nothing but

the space relations of particles. They are the law of the mutual reactions of

particles in space. And the first fact that demands our attention is that, other

things being equal, particles react upon one another more strongly the nearer

they are to one another. How shall we explain this fact? We shall get the right

hint if we ask ourselves what would happen in case all this were suddenly

reversed and particles were to act most and most directly on those particles

which were most distant from them.

§5. Space

82. Would not the human race, supposing that it could survive the shock at all, be

pretty sure to develop a new form of intuition in which the things that now

153

appear near would appear far? For what is the real truth of nearness? Who is

my neighbor? Is it not he with whom I intimately react? In short, the

suggested explanation is that space is that form of intuition in which is

presented the law of the mutual reaction of those objects whose mode of

existence consists in mutually reacting. Let us see how much this hypothesis

will explain. What are its necessary consequences? I must abridge the

reasoning to a mere sketch. In the first place space, as a presentation of law,

must be continuous and without singularities. In the second place, since

reaction is essentially hic et nunc, or anti-general, it follows that the reacting

objects must be entirely independent of one another in their purely spatial

determinations. That is, one object being in one particular place in no way

requires another object to be in any particular place. From this again it

necessarily follows that each object occupies a single point of space, so that

matter must consist of Boscovichian atomicules, whatever their multitude

may be. On the same principle it furthermore follows that any law among the

reactions must involve some other continuum than merely Space alone. Why

Time should be that other continuum I shall hope to make clear when we

come to consider Time. In the third place, since Space has the mode of being

of a law, not that of a reacting existent, it follows that it cannot be the law

that, in the absence of reaction, a particle shall adhere to its place; for that

would be attributing to it an attraction for that place. Whence it follows that

in so far as a particle is not acted upon by another, that which it retains is a

relation between space and time. Now it is not logically accurate to say that

the law of motion prescribes that a particle, so far as it is not acted upon by

forces, continues to move in a straight line, describing equal intervals in

equal times. On the contrary the true statement is that straight lines are that

family of lines which particles, so far as they are unacted upon, describe, and

that equal spaces are such spaces as such a particle describes in equal times.

There are some further consequences of this principle the statement of which

it will be convenient to postpone for a few minutes.

154

In the fourth place, since Space presents a law whose prescriptions are

nothing but conditions of reactions, and since reaction is Duality, it follows

that the conditions of the prescriptions of space are necessarily Dual. Hence

immediately follow five corollaries. The first is that all forces are between

pairs of particles. The second is that, when two places of the path of an

isolated particle are determined, the law determines all the other places; so

that two different straight lines cannot have two different points in common.

The third corollary is that when the places of an isolated body at two instants

are given, the law prescribes its places at all other instants. That is, the first

differential coefficient, or mere difference between the places at two instants,

determines its places at all other instants. That is, the velocity remains

constant. From these corollaries again, together with the general principle

from which they are derived, it follows that when a body is acted upon by

another body that which is directly affected is the uniform velocity in a

straight line, and that in such a way that, in so far as the action of the active

body remains the same, two velocities or, what comes to the same thing,

three positions with their dates, determine all the velocities the particle will

take. This explains, therefore, why the force should produce acceleration

rather than any other differential coefficient of the space relatively to the

time. Hence, it further follows that a force at each moment of time acts to

impart to the body a new rectilinear motion; whence it follows that forces

will necessarily be compounded according to a parallelogram of forces. In the

non-Euclidean geometry this is only so far modified that the parallelograms

must be drawn infinitely small. And it further follows that the line of the

force is the straight line through the two particles. There is still another

apparent consequence; but I am not satisfied with the reasoning, since it rests

upon a principle I am unable abstractly to define. I will, however, state it for

what it is worth. Namely, since the force acts to impart an acceleration and

since the law presented in space is perfectly general and comprehensive, it

follows that the acceleration imparted may be different in kind and not

155

merely in amount from the acceleration the particle already possesses. That is

the point I consider doubtful. If it be admitted, it certainly follows that space

must have at least three dimensions. Moreover, it again follows as a fourth

corollary from space being a law of reactive conditions that, except for the

quality of the particles themselves, it is the pure spatial determination which

prescribes what the reaction of one particular particle upon another shall be;

that is, the force between two particles depends only upon their qualities and

their places at the instant. Moreover, as a fifth corollary, it follows that the

mechanical law only prescribes how a pair of particles will act. It does not

generally prescribe any relation between the actions of different pairs of

particles, nor even of the action of a particle upon particles of the same kind

placed differently. Hence, not only may different kinds of pairs of particles

act differently, but the law of the variation of the action with the relative

positions is left to depend upon the qualities of the particles, and this so

completely that there is nothing to prevent a particle exercising different

forces on different sides of it.

In the fifth place, from the fact that space presents a law of reciprocal

reactions, several corollaries follow, particularly these two. First, when one

particle, A, acts on another, B, this latter, B, will likewise act on A; and

moreover this action cannot impart to both the same acceleration, because the

law is such as to affect their relative places. This follows by the aid of the

third principle already enunciated, as we shall see. Hence, it can only impart

opposite accelerations to A and B. Secondly, those two accelerations must be

equal, so that the masses of all atomicules are equal. From this, again, it

follows that the masses are unchangeable; and further that if two bodies, or

aggregates of atomicules, react upon one another in a certain ratio to one

another, in that same ratio they will also react upon any third body.

A sixth principle, concerning the necessity of which some doubt may be

entertained, is that, the law presented by space being perfectly general, every

156

motion must admit of receiving the same kind of changes as every other.

From this, if it be admitted, it certainly follows, though the demonstration is

far too long to give, that space has either 1, 2 or 4 dimensions. Hence, since 1

and 2 dimensionality have been already excluded, the number of dimensions

ought to be just 4.

I will now mention the postponed corollaries from the third principle. Since

space has only the being of a law, its places cannot have distinct identities in

themselves, for distinct identity belongs only to existent things. Hence place

is only relative. But since, at the same time, different motions must be

comparable in quantity, and this comparison cannot be effected by the

moving and reacting particles themselves, it follows that another object must

be placed in space to which all motion is referred. And since this object

compares generally and thus partakes of the nature of law, it must unlike the

moving and reacting bodies be continuous. It is a corrected equivalent of that

which has been called the body alpha. It is the firmament, or Cayley's

absolute. Since this is to determine every motion, it follows that it is a locus

which every straight line cuts, and because space is a law of twoness only,

and for other reasons, every straight line must cut it in two points. It is

therefore a real quadratic locus, severing space into two parts, and the space

of existence must be infinite and limited in every direction.

83. I have thus briefly stated one side of my theory of space. That is, without

touching upon the question of the derivation of space and its properties, or

how accurately it may be supposed to fulfill its ideal conditions, I have given

a hypothesis from which those ideal properties may be deduced. Many of the

properties so deduced are known to be true, at least approximately. Others, I

am happy to say, are extremely doubtful. I say I am happy because this gives

them the character of predictions and renders the hypothesis capable of

experiential confirmation or refutation. One of the doubtful properties, the

last mentioned, I have succeeded I think in proving to be true by calculations

157

from the proper motions of the stars. Another, that about atoms attracting

differently in different directions, I have succeeded in making highly

probable, from chemical facts. Still others have some evidence in their favor.

The consequence most opposed to observation is the doubtful one of 4

dimensions.

84. Endeavoring to generalize the results that have been obtained, we may say

that the continuity of space so acts as to cause an object to be affected by

modes of existence not its own, not as participating in them but as being

opposite to them. For instance, an isolated particle is at any instant at one

point; that is its actual state. But it is so affected by the state which is not

actual, but belongs to it by a date differing from the actual [in] one way, that,

at a date differing from the actual the other way, it takes a state differing in

the opposite way from its actual state. So again, when a force acts upon a

body the effect of it is that the mean of the states of the body not actual, but

indefinitely approximating to the actual, differs from its actual state. So in the

action and reaction of bodies, each body is affected by the other body's

motion, not as participating in it but as being opposite to it. But if you

carefully note the nature of this generalized formula you will see that it is but

an imperfect, somewhat particularized restatement of the principle that space

presents the law of the reciprocal reactions of existents. Various other such

imperfect formulæ might be mentioned.

85. Let us now consider non-conservative actions. These are all distinguished by

asymptotic approach to a definite state of relative rest. Conservative force can

never bring about any state of rest except for an instant. It can only produce, I

believe, three permanent changes. Namely, it can permanently change the

direction [of] motion of a body, and this it does because the body moves

away out of the range of the force, or it can cause one body to rotate round

another in an inward spiral, more and more rapidly. And third, a planet like

Jupiter may turn the motion of a small body and then move away and leave

158

the small body performing permanently, or quasi-permanently, an orbit round

the sun. In course of time, however, Jupiter will come round again in such a

way as to throw it out. This is a very curious case. Chance is an important

factor of it. But all the non-conservative quasiforces produce states of relative

rest. Such, for example, is the effect of viscosity. These states of relative rest

are states of uniform distribution which upon minuter inspection turn out to

be really states of fortuitous distribution. They betray their real nature by the

probability curve, or some modification of it, playing a part in the

phenomenon. Such, for example, is the case in the conduction of heat.

§6. Time

86. When we ask why chance produces permanent effects, the natural answer

which escapes from our lips is that it is because of the independence of

different instants of time. A change having been made, there is no particular

reason why it should ever be unmade. If a man has won a napoleon at a

gaming table he is no more likely to lose it than he was to lose a napoleon at

the outset. But we have no sooner let slip the remark about the independence

of the instants of time than we are shocked by it. What can be less

independent than the parts of the continuum par excellence, through the

spectacles of which we envisage every other continuum? And although it

may be said that continuity consists in a binding together of things that are

different and remain different, so that they are in a measure dependent on one

another and yet in a measure independent, yet this is only true of finite parts

of the continuum, not of the ultimate elements nor even of the infinitesimal

parts. Yet it undoubtedly is true that the permanence of chance effects is due

to the independence of the instants of time. How are we to resolve this

puzzle? The solution of it lies in this, that time has a point of discontinuity at

the present. This discontinuity appears in one form in conservative actions

159

where the actual instant differs from all other instants absolutely, while those

others only differ in degree; and the same discontinuity appears in another

form in all non-conservative action, where the past is broken off from the

future as it is in our consciousness. Thus, although the other instants of time

are not independent of one another, independence does appear at the actual

instant. It is not an utter, complete independence, but it is absolute

independence in certain respects. Perhaps all fortuitous distribution originates

from a fortuitous distribution of events in time; and this alone has no other

explanation than the Law of Sufficient Reason, that is, is an absolute First. It

is a truth well worthy of rumination that all the intellectual development of

man rests upon the circumstance that all our action is subject to error. Errare

est humanum is of all commonplaces the most familiar. Inanimate things do

not err at all; and the lower animals very little. Instinct is all but unerring; but

reason in all vitally important matters is a treacherous guide. This tendency to

error, when you put it under the microscope of reflection, is seen to consist of

fortuitous variations of our actions in time. But it is apt to escape our

attention that on such fortuitous variation our intellect is nourished and

grows. For without such fortuitous variation, habit-taking would be

impossible; and intellect consists in a plasticity of habit.

87. What is time? Shall we say that it is the form under which the law of logical

dependence presents itself to intuition? But what is logical dependence

objectively considered? It is nothing but a necessitation which, instead of

being brute, is governed by law. Our hypothesis therefore amounts to this,

that time is the form under which logic presents itself to objective intuition;

and the signification of the discontinuity at the actual instant is that here new

premisses, not logically derived by Firsts, are introduced.