politização da questão ambiental no mst: a agroecologia...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Mônica Aparecida Grossi Rodrigues Politização da Questão Ambiental no MST: a agroecologia como estratégia produtiva e política. RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Mônica Aparecida Grossi Rodrigues

Politização da Questão Ambiental no MST:

a agroecologia como estratégia produtiva e política.

RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Mônica Aparecida Grossi Rodrigues

Politização da Questão Ambiental no MST:

a agroecologia como estratégia produtiva e política.

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Serviço Social.

Orientador: Marildo Menegat

RIO DE JANEIRO

2014

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Mônica Aparecida Grossi Rodrigues

Politização da Questão Ambiental no MST: a agroecologia como estratégia produtiva e política.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola

de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Serviço Social.

Aprovada em 29 de maio de 2014.

___________________________________________________ Marildo Menegat (orientador) ___________________________________________________ Cristina Simões Bezerra(UFJF) ___________________________________________________ Vicente dos Santos Pinto(UFJF) ___________________________________________________ Carlos Frederico Bernardo Loureiro(UFRJ) ____________________________________________________ Luis Eduardo Acosta Acosta (UFRJ)

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À memória de Eugênio Zacaron,

meu velho e indivisível, avohai. Ao Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra – MST, pelos ensinamentos e encontros na luta.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao sujeito coletivo MST, que vem me

proporcionando tantas oportunidades e contínuos desafios, de estudar,

aprender, ensinar, construir, enfim, de desenvolver potencialidades, através da

experiência unitária de ser uma professora-militante. Esta tese é parte deste

processo.

A Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora,

minha primeira e contínua casa de formação, que tanto contribui para o meu

processo de formação profissional, política e humana. Agradeço aos

companheiros de trabalho (professores, funcionários e estudantes), e

especialmente, a duas mestras e companheiras, que contribuíram para minha

formação profissional: Sílvia Peralva e Badinha.

Ao meu orientador, Marildo Menegat, pela acolhida e companheirismo,

essenciais para que eu pudesse concluir meu doutoramento na Escola de

Serviço Social da UFRJ, após processo (legal e legítimo) de transferência de

outro programa de doutorado. E pela confiança e solidariedade, sem as quais eu

não teria conseguido concluir esta tese.

Agradeço a Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, onde também cursei meu mestrado e que considero como minha

segunda casa de formação.

Aos professores titulares da banca, Cristina Simões Bezerra, Carlos

Frederico Bernardo Loureiro, Luis Eduardo Acosta, Vicente dos Santos Pinto.

Aos três primeiros agradeço, especialmente, por também terem contribuído na

qualificação desta tese.

Aos professores Leonardo Carneiro e Yolanda Guerra, pelo

companheirismo e disponibilidade em aceitar a suplência da banca.

Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal

Fluminense - UFF, onde cursei meus primeiros anos de doutorado, pelas duras e

valiosas lições que os enfrentamentos nos impõem e pelas amizades definitivas,

com Léo, Bia, Beth e Walter. Também neste Programa, tive a oportunidade de

participar do Laboratório de Estudos sobre Movimentos Sociais e

Territorialidades – LEMTO, coordenado pelo professor Carlos Walter Porto-

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Gonçalves, a quem agradeço por ter me recebido, pela convivência e por tantos

ensinamentos.

A toda família Zacaron e Grossi, especialmente, a minha mãe Marlene,

pelo exemplo, confiança e amor incondicional. Aos meus irmãos, irmãs,

cunhadas e sobrinhos pelo carinho e respeito.

Aos meus filhos, Rafael e Davi, e ao meu marido Paulo, pelo amor que

não se mede.

Ao meu tio Domingos, por ter permitido que eu fizesse a “ocupação” de

sua casa em Niterói para estudar, e pelo afeto de sempre.

As companheiras de trabalho, de lutas e de vida, Verônica e Cristina.

Como disse o mestre Dominguinhos: “A amizade sincera é um santo remédio é

um abrigo seguro”.

Agradeço a Cláudia Mônica, Sandra, Rachel, Selma e Heloísa (Lolô) pela

amizade, carinho e acolhimento em suas casas e famílias.

A Lúcia Alves, mestre e amiga de longos anos de Yoga, e as

companheiras de práticas e energias.

A Rafaela, pelo auxílio logístico para a tese, e pela atenção e cuidado.

Aos amigos e amigas de minha pequena cidade de origem, Levy

Gasparian – RJ.

A todos que confiaram, duvidaram e me desafiaram neste processo.

Por fim, não tenho como agradecer a nenhum órgão de fomento e nem

mesmo à UFJF, pois não obtive nenhum tipo de apoio financeiro ou material

para cursar este doutorado. Pude contar apenas com o afastamento do trabalho

para capacitação.

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O prazer, a sabedoria de ver,chegavam a justificar minha existência. Uma curiosidade

inextinguível pelas formas me assaltava e me assalta sempre. Ver coisas, ver pessoas na sua

diversidade, ver, rever, ver, rever. O olho armado me dava a continua me dar força para

vida.

Murilo Mendes

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RESUMO

RODRIGUES, Mônica Aparecida Grossi. Politização da Questão Ambiental no MST: a agroecologia como estratégia produtiva e política. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Neste estudo, defendemos a tese de que a questão ambiental tem uma forte dimensão política, sobretudo no que se refere ao enfrentamento ao modelo contemporâneo de desenvolvimento do capital, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se constitui como um sujeito coletivo qualificado para contribuir para o seu necessário processo de politização na sociedade. Nosso objetivo principal foi analisar o processo de politização da questão ambiental no MST ao longo de seus 30 anos, no que se refere à luta pela terra de uma forma mais ampla, particularizando a construção da agroecologia como estratégia produtiva e política. Também buscamos compreender como o metabolismo social do Capital incide na relação entre a questão ambiental e a produção da agricultura capitalista e, como o MST, através de seu processo de luta, vem construindo a agroecologia, trazendo contribuições e desafios políticos para a defesa de sua proposta de reforma agrária popular. Consideramos a tradição marxista, como uma importante chave teórica e metodológica, para compreendermos a afirmação do capitalismo e a relação entre sociedade-natureza construída sob este imperativo, destacando os conceitos marxianos de metabolismo social e de falha metabólica. Este estudo foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, análise documental e de observação participante em diversas atividades realizadas pelo MST, dentre as quais destacamos nossa participação em dois seminários do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (2006); dois Congressos Nacionais do MST (V em 2007 e VI em 2014) e no processo de educação e formação de quadros da parceria ENFF/ MST e UFJF/FSS. Os documentos analisados são, principalmente, do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, que orientam suas linhas políticas e sustentam suas ações para construção da agroecologia, incluindo os processos produtivos e de formação de quadros. Na complexidade da sociedade civil brasileira e nos processos de resistência ao avanço do capital, é que nos propomos a analisar o MST como um sujeito coletivo, destacando suas potencialidades e desafios no processo de politização da questão ambiental na sociedade. A análise que realizamos em torno das concepções e os direcionamentos políticos, através das experiências e da formação de quadros em agroecologia, nos permitem afirmar que há, no MST, não só um discurso, mas também iniciativas produtivas e formativas concretas que constituem uma prática contra-hegemônica ao agronegócio. Concluímos que a agroecologia torna-se essencial para a construção e defesa de uma reforma agrária de novo tipo (popular), feita pelo MST em articulação com outros setores das classes trabalhadoras do campo e da cidade, que contemple a afirmação de outra matriz produtiva e política. A superação do atual modelo produtivo capitalista na agricultura está articulada, visceralmente, com a luta anticapitalista.

PALAVRAS-CHAVE: Questão Ambiental; tradição marxista; lutas sociais; MST; Agroecologia.

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ABSTRACT

RODRIGUES, Mônica Aparecida Grossi. Politicization of Environmental Issue in MST: agroecology as productive and political strategy. Thesis (Doctorate in Social Work) - Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

In this study, we defend the thesis that the environmental issue has a strong political dimension, mainly with regard to confronting the contemporary model of capitalist development, and the Movement of Landless Rural Workers (MST) is constituted as a qualified collective subject to contribute to its necessary process of politicization in the society. Our main aim was to analyze the process of politicization of environmental issues in MST throughout its 30 years, in relation to the struggle for land in a broader way, particularizing the construction of agroecology as productive and political strategy.We also seek to understand how the social metabolism of the Capital focuses on the relationship between environmental issues and the production of capitalist agriculture and, how MST, through its process of struggle, has been building agroecology, bringing contributions and political challenges to the defense of its proposalof popular agrarian reform. We consider the Marxist tradition as an important theoretical and methodological key to understand the statement of capitalism and the relationship between society and nature constructed under this imperative, highlighting the Marxist concepts of social metabolism and metabolic failure.This study was conducted from bibliographic research, document analysis and participant observation in various activities of the MST, among which we highlight our participation in two seminars of Sector Production, Cooperation and Environment (2006); two National Congress of MST (V in 2007 and VI in 2014) and in the process of education and training of partnership board sat ENFF / MST and UFJF / FSS. The analyzed documents are, mainly, of Production, Cooperation and Environment MST sector, which guide their political lines and support their actions to construction of agroecology, including production processes and partnership boards.In the complexity of Brazilian civil society and in its processes of resistance to the capital advancement, that we intend to analyze MST as a collective subject, highlighting their strengths and challenges in the process of politicization of environmental issues in the society. The analysis we have conducted around the conceptions and political paths, through experiences in the settlements and staff training in agroecology, allow us to assert that there is, in MST, not only speech, but also concrete productive and formative initiatives that constitute a counter-hegemonic practice to agribusiness.We conclude that the agroecology is essential for the construction and defense of a new type of agrarian reform (popular), taken by MST in conjunction with other sectors of the working classes of the country and the city, that includes the statement of another production and political array. We believe that overcoming the current production model in capitalist agriculture is articulated, viscerally, with the anti-capitalist struggle. KEY WORDS: Environmental Issue; Marxist tradition; social struggles; MST; Agroecology.

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RÉSUMÉ

RODRIGUES, Mônica Aparecida Grossi.Politisation de la question environnementale au MST:l’agroécologie comme une stratégie productive et politique.Thèse (Doctorat en Services Sociaux) – Université Féderale de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Dans cette étude, nous soutenons la thèse que la question environnementale a

une forte dimesion politique, surtout en ce qui concerne l'affrontement du modèle contemporain de développement du capital, et le Mouvement des Travailleurs Ruraux Sans Terre (MST) se constitue comme um sujet collectif qualifié pour contribuer au processus nécessaire de politisation dans la société. Notre objéctif principal a été d’analyser le processus de politisation de la question environnementale dans le MST au cours des ses 30 années, surtout en ce qui concerne la lutte pour la terre d’une manière plus vaste, en précisant la construction de l’agroécologie como stratégie productive et politique. Nous cherchons aussi à comprendre comment le métabolisme social du Capital influe sur la relation entre la question environnementale et la production de l’agriculture capitaliste et, comment le MST,par son precessus de lutte, produit l’agroécologie, en apportant des contributions et des défis politiques pour la défense de sa proposition de réforme agraire populaire.Nous considérons la tradition marxiste, comme une importante clé théorique et méthodologique, pour comprendre l’affirmation du capitalisme et la relation entre société-nature construite sous cet aspect, en soulignant les concepts marxistes de métabolisme social et de défaillance métabolique.Cette étude a été réalisé à partir de recherches bibliographiques, analyse documentaire et d’observation participant à plusieurs activités réalisées par le MST, parmi lesquelles nous mettons en évidence notre participation à deux séminaires du Secteur de Production, Coopération et Environnement (2006); deux Congrès Nationaux du MST (V-2007 et VI-2014) et dans le processus d’éducation et formation de cadres d’association ENFET/ MST et UFJF/ FSS.Les documents analysés sont, principalement, du secteur de Production,Coopération et Environnement du MST,qui guident ses lignes directrices politiques et soutiennent ses actions pour la construction de l’agroécologie, y compris les processus productifs et de formation de cadres. Dans la complexité de la société civile brésilienne et dans les processus de résistence à l’avancement du capital,nous proposons d’analyser le MST comme um sujet coléctif, en soulignant potentialités et ses défis dans le processus de politisation de la question environnementale dans la société.L’analyse quen ous avons réalisé autor des conceptions et des orientations politiques, à travers des expériences et par la formation des cadres en agroécologie,nous permettent d’affirmer qu’il y a, au MST, pas seulement un discours, mais aussi des initiatives productives et formatives concrètes qui constituent une pratique contre-

hégémonique au secteur agroalimentaire. Nous concluons que la agroécologie devient essentiel à la construction et à la défense d’une réforme agraire populaire, faite par le MST en articulation avec d’autres secteurs des classes laborieuses de la zone agraire et de la ville, qui contemple l’afirmation d’une autre matrice productive et politique.La dépassement du modèle productif capitaliste actuel dans l’agriculture est articulé,viscéralement,à la lutte anticapitaliste. MOTS-CLÉS: Question environnementale; tradition marxiste; lutes sociales; MST; Agroécologie.

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LISTA DE SIGLAS

ABA – Associação Brasileira de Agroecologia.

ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social.

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.

ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária.

ANA – Articulação Nacional de Agroecologia.

ANCA – Associação Nacional de Cooperativas Agrícolas.

ANMTR – Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais.

AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos de Tecnologia Alternativa.

CBA – Congresso Brasileiro de Agroecologia.

CEAGRO – Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em

Agroecologia.

CIMAs – Centros Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade.

CLOC – Coordenadoria Latino Americana de Organizações Camponesas.

CPAs – Cooperativas de Produção Agrícola.

CPT – Comissão Pastoral da Terra.

CONCRAB – Confederação Nacional de Cooperativas de Reforma Agrária do

Brasil.

COPAV – Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória.

COPERAL – Cooperativa Regional dos Assentados.

COOPROSERP – Cooperativa de Produção e Serviços de Pitanga Ltda.

DRPBio – Diagnostico Rápido Participativo da Biodiversidade.

DS – Diálogo de Saberes.

EJGS – Escola José Gomes da Silva.

ELAA – Escola Latino Americana de Agroecologia.

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural.

EMS – Escola Milton Santos.

ENA – Encontro Nacional de Agroecologia.

ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes.

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ESS/UFRJ – Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de

Janeiro.

FAO – Fundo para Alimentação da Organização das Nações Unidas.

FSS/UFJF – Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de

Fora.

GEA – Grupo de Educação Ambiental.

IEJC – Instituto de Educação Josué de Castro.

IFPR – Instituto Federal do Paraná.

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

ITERRA – Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária.

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

MASTER – Movimento dos Agricultores Sem terra.

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores.

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados.

MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

OGM`s – Organismos Geneticamente Modificados.

OMC – Organização Mundial do Comércio.

ONG`s – Organizações não Governamentais.

PAA – Programa de Aquisição de Alimentos.

PJN – Pastoral da Juventude Rural.

PNAPO – Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.

PROCERA – Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária.

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.

SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural.

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso.

TDU – Taxa Decrescente de Utilização.

UCA’s – Unidades Camponesas Agroecológicas.

ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil.

UNICAMP – Universidade de Campinas.

UPA’s – Unidades de Produção Agroecológicas.

VAP – Variedade de Alta Produção

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................15

CAPÍTULO 1 - CAPITALISMO, QUESTÃO AMBIENTAL E POLÍTICA:

CONTRIBUIÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA................................................ 27

1.1 Capitalismo e Questão Ambiental.............................................................31

1.1.1 Metabolismo Social e a Dupla exploração: a relação sociedade e natureza

no modo de produção capitalista...............................................................31

1.1.2 A relação campo-cidade e as transformações na agricultura capitalista: a

afirmação da falha metabólica...................................................................41

1.1.3 Acumulação e mercadorização da natureza: eixos fundantes da questão

ambiental...................................................................................................59

1.2 Questão Ambiental e Política....................................................................71

1.2.1 Política em Gramsci: considerações teórico-conceituais..........................71

1.2.2 Politizando a Questão Ambiental..............................................................86

CAPÍTULO 2 - A QUESTÃO AMBIENTAL NO ESPAÇO AGRÁRIO

BRASILEIRO: FALHA METABÓLICA O EMBATE ENTRE OS SUJEITOS E A

LUTA PELA AGROECOLOGIA........................................................................111

2.1 O Desenvolvimento do Capitalismo no espaço agrário brasileiro e as

transformações na agricultura: a afirmação e ampliação da falha

metabólica...............................................................................................111

2.1.1 Questão ambiental na agricultura capitalista brasileira: da apropriação e

uso da terra pelo capital ao processo inicial de industrialização.............111

2.1.2 A revolução verde e as transformações na agricultura capitalista

brasileira: ampliação da falha metabólica...............................................133

2.2 Questão Ambiental e a construção da agroecologia: trajetória histórica no

Brasil e questões teórico-conceituais......................................................159

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CAPÍTULO 3 - POLITIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL NO MST:

AGROECOLOGIA COMO ESTRATÉGIA PRODUTIVA E POLÍTICA..............177

3.1 Questão Ambiental, crise do capital e crise civilizatória: desafios políticos

ao MST na construção de outro metabolismo social ..............................178

3.2 Questão ambiental no MST: potencialidades e desafios para sua

politização na construção da agroecologia.............................................199

3.2.1 A constituição do MST e sua aproximação com a questão ambiental:da

gênese aos anos 2000............................................................................199

3.2.2 A construção da agroecologia como estratégia produtiva e política.......215

3.3 A reforma agrária popular e a afirmação da agroecologia como estratégia

produtiva e política nos assentamentos e na formação de

quadros....................................................................................................226

3.3.1 A construção da agroecologia como estratégia produtiva no

MST.........................................................................................................235

3.3.2 A agroecologia como estratégia política: a dimensão educativa e formativa

no MST,,,,................................................................................................246

CONSIDERAÇÕE FINAIS..................................................................................259

BIBLIOGRAFIA..................................................................................................264

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho representa a produção final de nosso processo de

doutoramento, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

sob a orientação do Professor Doutor Marildo Menegat. Representa, portanto, o

produto de diferentes momentos de formação e de debate construídos em

torno da temática da questão ambiental e de sua politização pelo Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ao longo de seus 30 anos de

existência, sobretudo no que se refere à luta pela terra de uma forma mais

ampla e a adoção da agroecologia de forma mais particular.

É importante destacaremos, em nossa trajetória acadêmica e

profissional, alguns elementos e experiências que nos conduziram à

problemática da politização da questão ambiental no Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nossa aproximação com este sujeito

coletivo vem se dando através da participação nos processos de educação e

formação de quadros, desenvolvidos na parceria estabelecida entre a UFJF e a

Escola Nacional Florestan Fernandes/ MST (ENFF/ MST), desde 2000. A

reflexão que apresentamos também se apoia num diálogo que estamos

desenvolvendo com o curso de geografia da UFJF, através de participações

em projeto de extensão, seminários e na disciplina de geografia agrária, que

resultou na criação de um grupo interdisciplinar de pesquisa e extensão em

agroecologia, com financiamento do CNPq e da UFJF.

Nosso ingresso na carreira docente ocorreu em 1992, na Faculdade de

Serviço Social da Universidade de Juiz de Fora (FSS/UFJF), onde concluímos

a graduação em 1988. Após inserção no mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro em

1989, defendemos, em 1993, a dissertação, na área de formação profissional

em Serviço Social, com a temática relacionada ao ensino e a pesquisa nos

cursos de graduação em Serviço Social vinculados às universidades públicas

da Região Leste(Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) da Associação

Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS), atual Associação Brasileira de

Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Esta explicitação de nosso

estudo de mestrado, concluído há mais de 20 anos, é importante para

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demarcarmos que, com o doutorado, assumimos um desafio de estudo

temático inteiramente diferente do mestrado, e que ainda possui pouca

inserção no Serviço Social. E neste sentido, também resgataremos alguns

elementos e experiências em nossa atividade profissional e acadêmica, que

nos impulsionaram na escolha inicial da temática ambiental relacionada aos

sujeitos coletivos da sociedade civil.

Dentre as diversas atividades de ensino, pesquisa, extensão e de

administração e coordenação (chefia de departamento, coordenação de cursos

de especialização, coordenação de estágio, comissão executiva da Revista

Libertas) que desenvolvemos a mais de 20 anos, algumas experiências foram

muito importantes para estimular nosso interesse pela área ambiental

relacionada aos sujeitos coletivos.

A primeira foi nossa inserção no “Núcleo de Pesquisa e Prática

Acadêmica, denominado Sujeitos Coletivos e Cidadania”, da FSS/UFJF, o qual

agregava atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Um esforço

de investigação integrada foi realizado pelo referido Núcleo, através do

estabelecimento de parceria com a Escola de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (ESS/ UFRJ), que resultou no desenvolvimento do

Projeto “O Processo de Democratização em Juiz de Fora: uma investigação

dos seus sujeitos coletivos”, realizada nos anos de 2000 a 2002. Este se

estruturou a partir da articulação de quatro sub-projetos, tendo como eixo

articulador o processo de democratização da sociedade brasileira

desencadeado nos anos de 1980, considerando as inflexões trazidas ao

processo sócio-político. Participamos, então, do sub-projeto Movimentos

Sociais e ONG's de Juiz de Fora - Perfil Sócio-Político.Em decorrência deste

estudo, pudemos estudar 202 organizações da sociedade civil num universo de

355,sendo que apenas uma era voltada para a questão do meio ambiente em

Juiz de Fora. Com a conclusão deste projeto mais amplo, elaboramos um

projeto de pesquisa para estudar especificamente as ONG's Ecologistas em

Juiz de Fora, com o objetivo de identificar o perfil sócio-político e as ações

ambientais destas organizações. O relatório final desta pesquisa condensou a

análise de cinco ONG's Ecologistas, de criação recente, que atuavam em

trabalhos de preservação e educação ambiental, utilizando como estratégia de

ação a pressão institucional e a participação em conferências e no Conselho

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Municipal do Meio Ambiente, estabelecendo parceiras com empresas,

universidades e outras organizações. Em nossa análise, estas organizações

locais possuíam um potencial muito pequeno de politização da questão

ambiental, o que também pudemos constatar em estudos mais teóricos, que

realizamos sobre o movimento ambientalista de modo mais amplo em nível

nacional.

Foi também em 2000 que nos aproximamos da temática ambiental,

inicialmente através da participação no Ciclo de Estudos sobre Educação

Ambiental em Perspectiva, promovido por um grupo de docentes

(pesquisadores e militantes do movimento ambientalista local), de diversas

áreas da UFJF e de professores externos. A partir deste evento, foi criado o

Grupo de Educação Ambiental (GEA), no ano de 2001, integrado por

professores das áreas de Geografia, Pedagogia, Biologia, Química, Turismo,

Ciências Sociais e Serviço Social. Nossa participação neste Grupo foi marcada

desde o início, pela preocupação em discutir a questão ambiental, tendo clara a

articulação com a questão social presente na sociedade capitalista e sua

relação com os sujeitos coletivos. Uma iniciativa relevante que desenvolvemos

como grupo interdisciplinar foi a criação de um curso de Especialização em

Educação Ambiental que se iniciou em 2002, nos estimulando a estudar a

temática “Meio Ambiente e Sujeitos Coletivos” a fim de ministrar aulas e

orientar monografias nesta área temática.

Também em 2002 nos inserimos na parceria entre a UFJF e a ENFF/

MST, que teve início no ano de 1999, participando do curso Realidade

Brasileira a partir dos Grandes Pensadores Brasileiros, em nível de extensão,

realizado nos anos de 2001-2003, como docente da disciplina Metodologia de

Pesquisa para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso. Esta

experiência foi a mais desafiadora que assumimos, não só pela quantidade e

heterogeneidade dos movimentos sociais do campo, presentes (MST, ANMTR,

MAB, Pastorais Sociais, PJR, MTD, MTST, MPA), mas também pelo perfil dos

alunos (diferenciadas faixas etárias, funções ,tempo de militância, sendo alguns

dirigentes nacionais e estaduais). Este foi um trabalho extenso e intenso junto

aos militantes dos movimentos sociais, que nos proporcionaram uma

aproximação com temáticas que ainda não havíamos estudado. Ao conhecer

mais de perto e "por dentro", os movimentos sociais, particularmente o MST,

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que era majoritário, identificamos vários elementos e potencialidades para a

politização da questão ambiental e a relevância da reforma agrária e dos

sujeitos coletivos que a reivindicam, como elemento estratégico para o estudo

da questão ambiental. Ao longo de 12 anos, continuamos a participar desta

parceria em todas as suas iniciativas, e atualmente estamos concluindo a

formação da quarta turma, do Curso de Especialização em Estudos Latino

Americanos.

Desde a inauguração da Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF,

em 2005, participamos de diversas atividades, seminários, etc., realizados, mas

dois eventos, ambos em 2006, foram decisivos para a delimitação dos estudos

que pretendíamos desenvolver no doutorado, que iniciamos em 2007. Foram

dois seminários internos do setor de produção, cooperação e meio ambiente do

MST, que debateram a questão da cooperação na agricultura familiar e a

construção do modelo produtivo e da matriz tecnológica da agroecologia no

movimento. Neste evento, tivemos a oportunidade de conhecer professores e

intelectuais de referência no debate e na construção da agroecologia, como

Eduardo Sevilla Gusmán (Espanha), Pinheiro Machado (Brasil), e Peter Rosset

(EUA), e também concepções e experiências de agroecologia no MST que

estavam sendo construídas.

As informações que destacamos acima fundamentaram nossa definição

do objeto de estudo que apresentamos nesta tese, que se refere ao processo e

à potencialidade de politização da questão ambiental no MST, através da

análise de sua trajetória histórica de luta pela reforma agrária e da adoção da

agroecologia como estratégia produtiva e política.

A partir da delimitação deste objeto, defendemos a tese de que a

questão ambiental tem uma forte dimensão política nos dias atuais, sobretudo

no que se refere à dimensão de enfrentamento ao modelo contemporâneo de

desenvolvimento do capital e o MST se constitui como um sujeito coletivo

qualificado para contribuir para o seu necessário processo de politização na

sociedade, a partir da construção de sua trajetória histórica de luta pela reforma

agrária e, particularmente, através da adoção da agroecologia como estratégia

produtiva e política.

Nosso objetivo principal foi analisar o processo de politização da questão

ambiental no MST, particularizando a construção da agroecologia como

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estratégia produtiva e política. Também buscamos compreender, mais

especificamente, como o metabolismo social do Capital incide na relação entre

a questão ambiental e a produção da agricultura capitalista e, como o MST,

através de seu processo de luta, vem construindo a agroecologia trazendo

contribuições e desafios políticos para a defesa de sua proposição em torno de

uma reforma agrária popular.

Neste sentido, construímos o presente trabalho na expectativa de poder

demonstrar que a questão ambiental se constitui também como um dos eixos

articuladores de alianças que defendam o trabalho e a natureza, justamente as

duas grandes forças produtoras de riqueza que são esgotadas para sustentar o

capital.

Nosso referencial teórico-metodológico se embasa na teoria social

marxiana, onde a apreensão da realidade tem como norte a ineliminável

relação entre totalidade e particularidade. Consideramos a tradição marxista,

como uma importante chave teórica e metodológica, para compreendermos a

afirmação do capitalismo e a relação entre sociedade-natureza construída sob

este imperativo, para a necessária e urgente construção de alternativas a este

modo de produção e dominação da sociedade atual. Destacamos nesta tese,

especialmente, a relevância dos conceitos marxianos de metabolismo social e

de falha metabólica, resgatados pelo pensamento marxista, para analisar a

questão ambiental num quadro histórico onde a hegemonia do

sociometabolismo do capital é determinante na produção de consequências

negativas, que afetam radicalmente a reprodução da vida humana e da

biosfera.

Dentre as dificuldades que enfrentamos para concretizar nossa proposta

de estudo, destacamos a limitação de bibliografia sobre este tema, que ainda é

recente, e a falta de dados sistematizados e atualizados sobre a agroecologia

nas suas dimensões, produtiva e política, dentre outras. Não encontramos

dados disponíveis, principalmente quantitativos, que nos possibilitassem

dimensionar quantos acampamentos e assentamentos do MST, estão

desenvolvendo a agroecologia e/ ou seus processos de transição e de que

forma estas experiências vem ocorrendo. O que encontramos foram alguns

documentos que relatam ou sistematizam diversas experiências produtivas em

agroecologia em assentamentos do MST em várias regiões do Brasil. Também

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não obtivemos informações mais amplas sobre o processo de formação em

agroecologia desenvolvido pelo MST como um todo, implicando em nossa

definição por trabalhar com a experiência desenvolvida pelo movimento no

estado do Paraná, por ser uma das mais significativas (e também uma das

maiores referências para o MST e para outros movimentos), possuindo

informações em documentos e bibliografia que estão mais organizados e

acessíveis.Consideramos que foram de vital importância, os artigos,

comunicações em congressos científicos, dissertações e teses, que nos foram

encaminhados por dirigentes do MST, principalmente do Paraná. Estas

produções têm duas características marcantes: Foram elaboradas por

militantes, educandos, dirigentes, professores militantes, enfim, por

pesquisadores que estão diretamente relacionados ao MST; e discutem

questões relativas à construção da agroecologia no MST, tais como,

experiências produtivas e sua relação com a educação e formação,

sistematização e análise de experiências de formação em torno do “Diálogo de

Saberes” (DS), limites, potencialidades e desafios políticos da agroecologia no

MST, dentre outros. Todo este material nos possibilitou discutir a dimensão

política da agroecologia através, principalmente, dos processos de educação,

formação técnica, política e humana em agroecologia, que vêm sendo

desenvolvidos pelo MST, com o protagonismo das experiências do Paraná.

Também consideramos importante justificar por que não pudemos

concretizar nossa perspectiva inicial de estudo, que contemplava a realização

de entrevistas com dirigentes e militantes, considerados pelo MST como

referências na construção da agroecologia no movimento. Iniciamos um

mapeamento, estabelecemos muitos contatos e conversas informais, e

chegamos a realizar algumas entrevistas abertas de caráter exploratório ( com

três dirigentes nacionais, envolvidos com os Setores Nacionais de Educação,

Formação, Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST) mas não

pudemos dar continuidade em razão de diversas questões, especialmente, pela

falta de condições objetivas de tempo e recursos necessários.Desta forma,

mesmo que os conteúdos e informações destas entrevistas tenham sido muito

esclarecedores, optamos pelo tratamento, complementação e utilização

conseqüente deste material, em produções posteriores a esta tese.

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No entanto, pudemos contar com a interlocução com diversos

companheiros, pessoalmente e por meio eletrônico, para esclarecimento de

dúvidas, principalmente sobre documentos, eventos realizados, histórico de

luta do MST por reforma agrária e pela construção da agroecologia. Através

destes contatos, conseguimos ter maior acesso a documentos e outros

materiais (alguns ainda inéditos como artigos e relatórios), que foram de

grande importância para nosso estudo. Neste sentido, foi fundamental a

contribuição de vários companheiros do MST, dentre os quais destacamos:

José Maria Tardin; Nilciney Toná; Dominique Guhur; Édson Cadore; Ademar

Bogo; Álvaro de La Torre; Adelar Pizetta; Neuri Rosseto e João Pedro Stédile.

Com estas ponderações, definimos contemplar neste estudo a

realização de pesquisa bibliográfica, análise documental e observação

participante em diversos momentos e atividades realizadas pelo MST, dentre

as quais destacamos nossa participação nos dois seminários do setor de

produção aos quais nos referimos anteriormente, nos V e VI Congressos

Nacionais do MST (2007 e 2014) e no processo de educação e formação de

quadros da parceria ENFF/ MST e UFJF/FSS. Este processo de observação

participante foi possibilitado e potencializado através da parceria que

mantivemos ao longo de vários anos junto ao MST, permitindo o

estabelecimento de relações de respeito e de confiança, essenciais para a

concretização desta pesquisa.

Os documentos analisados são, principalmente, do setor de Produção,

Cooperação e Meio Ambiente do MST, que orientam suas linhas políticas e

sustentam suas ações para construção da agroecologia, incluindo os

processos produtivos e de formação de quadros. Além disso, utilizamos

também outros documentos e materiais produzidos pelo movimento, tais cartas

dos Congressos Nacionais do MST e das Jornadas de Agroecologia, artigos de

militantes e dirigentes sobre experiências de formação e produção em

agroecologia, entrevistas de dirigentes, documentos de sistematização de

experiências em agroecologia, publicações da Revista Sem Terra, dentre

outros, que expressam articulações estabelecidas entre diversos sujeitos

coletivos, em torno da agroecologia. A especificidade de cada documento será

tratada no decorrer do próprio trabalho.

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Ao longo desta pesquisa, partimos da consideração de que o conceito

de ambiente se constitui pela existência de elementos naturais e humanos que

estão inter-relacionados e condicionados economicamente, reproduzindo

relações sociais desiguais a partir de seu caráter classista, espacial e

socialmente localizadas. Neste sentido, a questão ambiental passa a ser uma

das pautas políticas mais importantes do final do século XX e início do século

XXI. Até meados do século XX, os elementos da natureza eram considerados

prioritariamente como matéria-prima e/ ou fontes de energia. A partir do final do

século XX, a água, a atmosfera e toda a biosfera passaram a ser

mercadorizadas. O capitalismo justifica este processo com base nas

possibilidades futuras do desenvolvimento tecnológico, que atuariam na

preservação destes recursos. Por outro lado, a destruição provocada pelo

capital também vem se constituindo na sua tentativa de “consertar” a natureza,

que se manifesta no mercado das reparações. O capitalismo é o principal

responsável pela degradação ambiental em nível planetário, colocando em

risco a própria condição de sobrevivência humana. Contudo, os efeitos mais

nefastos deste modo de produção e dominação social da natureza recaem, em

primeiro plano, sobre as classes subalternas, o que demonstra o caráter de

classe da questão ambiental e determina a relevância das lutas políticas

anticapitalistas. A crítica radical à lógica predadora e destrutiva do

sociometabolismo do capital abrange toda a organização social, que vem

sendo regida por processos de aceleração da produção de riquezas materiais,

voltadas para o consumo de bens definidos pelo seu valor de troca que

determina, por fim, a mercantilização da própria vida.

Diante deste contexto, brevemente assinalado, podemos ponderar a

importância de discutir o papel dos sujeitos políticos coletivos no seu

enfrentamento, a qual reafirma a necessidade de realizar uma síntese deste

quadro atual, onde a defesa dos bens ambientais seja também e, no mesmo

movimento, a defesa do trabalho, pois que se constituem nas duas fontes de

geração de riquezas, amplamente ameaçadas pelo capital. Assim sendo,

consideramos que a chamada crise ambiental, que se apresenta através de

problemas como a pilhagem, degradação e destruição ambiental é a expressão

visível do que consideramos como questão ambiental, a qual é intrínseca a

uma sociedade de classes, estruturalmente desigual, envolvendo sujeitos

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antagônicos, que condicionam e restringem as possibilidades de apropriação,

domínio e uso dos bens ambientais. Desta forma, afirmamos e defendemos, ao

longo deste trabalho, que o antagonismo destes sujeitos nesta questão

constitui o seu caráter eminentemente político.

A relevância da consideração da questão ambiental como uma questão

a ser politizada pelas lutas sociais, no espaço da sociedade civil, está no fato

de questionar a lógica insustentável do sociometabolismo do capital, que

historicamente vem operando a separação entre o homem (sociedade) e a

natureza. E ainda, em estabelecer um debate público sobre os riscos e

conseqüências concretas aos quais estão submetidas às classes subalternas,

diante de um quadro de destruição e crise do patrimônio natural e, ao mesmo

tempo, de privatização dos recursos naturais, num contexto de desemprego

estrutural e de aprofundamento da desigualdade e da pobreza.

Diversas perspectivas que se afirmam como críticas têm se baseado em

quadros teórico-metodológicos bastante diferenciados e até divergentes quanto

à análise da relação entre sociedade e natureza, principalmente no contexto

atual permeado pelo pensamento fragmentado da chamada pós-modernidade.

Estes enfoques sobre a relação sociedade e natureza vem sendo realizados

por ambientalistas, ecologistas moderados e radicais, neomalthusianos, etc.

Estas posturas heterogêneas resguardam suas diferenças, mas convergem

num ponto: a recusa da abordagem marxista, alegando dentre outras questões

seu caráter produtivista, com sua conseqüente perspectiva de dominação da

natureza considerada apenas como meio de produção e exploração

econômica, negando-lhe um valor intrínseco.

Entretanto, mesmo considerando o atraso teórico e político representado

por certo distanciamento e/ou recusa do pensamento marxista contemporâneo,

em relação à análise do meio ambiente, que em muito contribuiu para a

formação de uma lacuna desse pensamento no debate e para a conseqüente

afirmação do pensamento ambientalista de vários matizes, as três últimas

décadas demonstram a retomada desta temática através da produção

marxiana e marxista e buscamos reafirmar a pertinência, a importância e a

centralidade das análises referenciadas nesta tradição para a crítica da

questão ambiental contemporânea.

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Considerando esta análise teórico-conceitual, organizamos como forma

de exposição nossas proposições em três capítulos. O primeiro capítulo foi

dividido em dois pontos fundamentais. O ponto inicial trata da relação entre

capitalismo e questão ambiental, onde demarcamos nossa compreensão sobre

as determinações desta questão a partir das contribuições da tradição

marxista, expressas pelos conceitos de metabolismo social e falha metabólica,

elaborados por Marx e pelo conceito de metabolismo social do capital

desenvolvido por Mészáros. Inicialmente, discutimos a relação sociedade e

natureza estabelecida no modo de produção capitalista, buscando demonstrar

através do conceito de metabolismo social, como este sistema opera uma

dupla exploração, da natureza e do trabalho.

Destacamos ainda, a contribuição da tradição marxista na questão da

relação campo-cidade, que se estabelece a partir da acumulação primitiva do

capital e das transformações operadas no desenvolvimento da agricultura

capitalista, expressa pelo conceito de falha metabólica. Os processos de

acumulação do capital, a expropriação e mercadorização da natureza são

analisados como os eixos fundantes da questão ambiental. Nossa reflexão se

centra no processo de desenvolvimento do capitalismo, discutindo sua relação

com o surgimento dos problemas ambientais, que se elevam à condição de

“crise ambiental”, a qual se apresenta como uma das expressões do que

consideramos como questão ambiental. A discussão destes processos vai

fundamentar nossa análise sobre a falha metabólica, que se aprofunda e se

estende, com o avanço do domínio do capital sobre o trabalhador e a natureza.

Para alcançarmos os objetivos propostos neste trabalho, destacamos

também, na tradição marxista, a relação entre questão ambiental e política,

onde defendemos a pertinência da perspectiva de política trazida pelo

pensador italiano Antônio Gramsci, para analisar a questão ambiental no

sentido de politizá-la, tratando-a junto às lutas sociais e aos sujeitos coletivos

que atuam no âmbito da sociedade civil, espaço em que as classes se

organizam para defender seus interesses. Destacamos as potencialidades e os

desafios dos sujeitos coletivos das classes subalternas, no processo de

politização da questão ambiental na sociedade civil, tendo como referência a

contribuição de Gramsci na apreensão do conceito de política. Buscamos

analisar a questão ambiental destacando seu necessário processo de

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politização na sociedade civil, como um espaço de tensão entre as

perspectivas conservadora e crítica no campo ambiental presentes nas lutas

sociais e os desafios políticos que se impõem aos sujeitos coletivos das

classes subalternas, na construção de outra relação metabólica entre

sociedade e natureza.

No segundo capítulo, abordamos a questão ambiental no espaço agrário

brasileiro, analisando como o desenvolvimento do capitalismo incidiu sobre o

desenvolvimento da agricultura, a partir da forma de ocupação, controle e o uso

inicial da terra, como elemento fundamental da natureza e de um

desenvolvimento da agricultura baseada no modelo agrário-exportador.

Posteriormente, analisamos o processo de desenvolvimento da revolução

verde, no contexto da modernização conservadora da agricultura

brasileira,instituída pela ditadura militar após o golpe de 1964, que operou

transformações profundas na forma de utilização da terra e da força de

trabalho, ampliando o processo de exploração do solo e do trabalhador, e

ampliando, portanto, a falha metabólica. Ao final do capítulo analisamos a

construção da agroecologia e sua relação com a questão ambiental, como

resultante das criticas e reações de diversos setores da sociedade aos efeitos

perversos da revolução verde, e à necessidade de alteração do padrão

produtivo da agricultura.

É no interior da complexidade da esfera da sociedade civil brasileira que,

ao longo dos anos, vimos surgir um processo de resistência a este avanço do

desenvolvimento capitalista no campo, principalmente no que se refere ao uso

e a posse da terra. Neste sentido nos propomos a analisar o MST como um

sujeito coletivo capaz de realizar esta mediação entre a esfera da economia,

onde se compõem as relações produtivas propriamente ditas, e a dimensão da

política no sentido gramsciano mais amplo, ou seja, como espaço de uma

construção pluralista de hegemonia e de formação de consensos no interior e a

partir de interesses de classes, colocando-se como um sujeito qualificado para

a politização da questão ambiental na sociedade.

Assim, no último capítulo, analisamos o protagonismo do MST, que

através de seu processo de luta pela reforma agrária e por outro modelo

agrário e agrícola, vem construindo a agroecologia como uma estratégia

produtiva e política. Buscamos, neste momento, destacar as potencialidades e

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os desafios deste sujeito coletivo, no processo de politização da questão

ambiental na sociedade, através da agroecologia como estratégia produtiva e

política, tendo como referência a contribuição de Gramsci na apreensão do

conceito de política.

Consideramos a importância deste estudo para o dimensionamento da

questão ambiental na sociedade brasileira e dos desafios que se impõem aos

sujeitos coletivos como o MST, que estão produzindo concepções e práticas

direcionadas à contestação da ordem do capital e à construção de outra forma

de sociedade, elementos vitais neste contexto de crise civilizatória em que

vivemos. Esperamos contribuir para a análise crítica e politizada da questão

ambiental na sociedade e, particularmente no espaço agrário, reafirmando a

importância da reforma agrária e da agroecologia para o processo de

fortalecimento do MST e de outros sujeitos coletivos, que estão em luta

buscando construir outro modelo agrário e agrícola, essenciais na alteração da

desigualdade social e ambiental presente na realidade brasileira.

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CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO, QUESTÃO AMBIENTAL E POLÍTICA:

CONTRIBUIÇÕES DA TRADIÇÃO MARXISTA.

Consideramos imprescindível, para iniciarmos nossos estudos,

compreendermos a concepção materialista de história e de natureza de Marx,

que se torna o fundamento para a compreensão do chamado metabolismo

entre sociedade e natureza, que se afirma no conceito de metabolismo social.

Acreditamos que o momento atual impõe, à tradição marxista, a necessidade

de retomada e fortalecimento do tema ambiental pela perspectiva crítica, como

um dos elementos estratégicos para a construção do socialismo, que, como

nos mostra Foster (2005), já estava presente na produção marxiana.

A defesa da perspectiva marxiana e marxista1 para a análise da questão

ambiental tem sido objeto de debate entre autores do pensamento crítico,

dentre os quais destacamos Foster (1999; 2005), Foster e Clark (2006; 2010),

Foladori (1997; 2001-a; 2001-b; 2001-c), Lowy (2005; 2008; 2010;), Chesnais e

Serfati (2003), Chesnais (2009), Meszaros (2006; 2007-a; 2007-b) e outros.

Dentre estes, o estudo de Foster (2005) representa uma referência para

a retomada do pensamento de Marx e sua relação com a questão ambiental.

Sua defesa é de que o legado marxiano nos oferece as bases revolucionárias

para a análise da relação sociedade e natureza, uma vez que relaciona a

transformação social com a transformação da relação humana com a natureza.

A conclusão que o autor chega é que “[...] a visão de mundo de Marx era

profundamente – e na verdade - sistematicamente ecológica (em todos os

sentidos positivos nos quais se usa o termo hoje) e que esta perspectiva

ecológica era derivada do seu materialismo (p.9)”.

O autor acima citado destaca a obra de Schimidt (1962), intitulada “O

conceito de natureza em Marx”, considerada um marco na produção marxista,

influenciando intelectuais ao longo do tempo. No entanto, questiona a

1 Entendemos por perspectiva marxiana aquela explicitada nas obras do próprio Marx, com ou

sem a co-autoria com Engels. Por outro lado, falamos em tradição marxista para explicitar o conjunto, absolutamente heterogêneo, de elaborações de diversos autores que se fizeram presentes ao longo da história e que tiveram em Marx sua fonte principal de referência.

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apreensão parcial do pensamento de Marx feita por Schimidt, sobre a relação

entre sociedade e natureza, restrita ao conceito de metabolismo social2.

Segundo Foster (2005), Schimidt (1962) alega que o materialismo e a

dialética são incompatíveis. Afirma a importância do conceito de metabolismo

social de Marx, destacando apenas o trabalho abstrato, ou seja, destituído de

suas relações metabólicas com a terra. Assim, quase não faz referência ao

conceito de falha metabólica no ciclo de nutrientes do solo ou à crítica da

agricultura capitalista de Marx-Liebig, mesmo sendo este o contexto material

em que este conceito foi desenvolvido. O autor afirma que Schimidt não

percebeu o conceito de metabolismo da forma real como Marx o aplicou, ou

seja, aos reais problemas terrenos da agricultura capitalista.

Duarte (1995, p.53) recupera o debate ocorrido entre Alfred Schmidt e

Wolfdietrich Schmied - Kowarzik, e nos mostra que a discussão dos autores

tem como ponto de partida um trecho dos Grundrisse

A natureza se torna, então, puro objeto para o homem, pura coisa de utilidade; deixa de ser conhecida como potência em si; e o próprio conhecimento teórico de suas leis autônomas aparece apenas enquanto ardil para subordiná-la – seja como objeto de consumo ou como meio de produção – às necessidades humanas (Marx apud Duarte, 1993, p. 53).

Schmidt (1962) interpreta esta citação dizendo que Marx considera que

só podemos conhecer o mundo na medida em que se torna objeto humano.

Este autor afirma que o conhecimento da natureza só é possível a partir do

momento em que dominamos a totalidade dos procedimentos industriais e

científico-experimentais que permitiram fabricá-la.

2No Brasil, esta obra dá suporte à produção de Duarte (1995) que, embora analise a

contribuição do conceito de natureza de Marx, sob a influência da leitura de Schimidt, traz importantes reflexões para iluminar a compreensão da questão ambiental contemporânea, tendo em conta suas consequências superestruturais. O livro de Rodrigo Duarte, “Marx e a natureza em O Capital”, publicado em 1986 e reeditado em 1995, representou um esforço intelectual téorico-político no sentido de correlacionar “a concepção marxiana de natureza, sobretudo a do Marx maduro (daí a restrição do título à obra O Capital), com a questão ambiental e com seus desdobramentos ideológicos (1995, p.10)”. Segundo este autor, o reconhecimento da relevância do conceito de natureza em Marx “[...] levou Alfred Schimidt, discípulo e herdeiro da Escola de Frankfurt, a trabalhar esse tema em sua tese de doutoramento, sob a orientação de Adorno e Horkheimer. O resultado deste trabalho [...] tornou-se imediatamente o grande clássico sobre o assunto, restando à posteridade muitíssimo pouco a acrescentar” (p.9).

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O destaque à “ecologia de Marx”, feito por Foster (2005) baseia-se no

argumento de que o entendimento das origens da ecologia está condicionado à

compreensão das novas visões de natureza que se afirma no período que vai

do século XVII ao século XIX, com o desenvolvimento do materialismo e da

ciência. A fim de entender o surgimento da ecologia materialista, no âmbito de

uma luta dialética relacionado à definição do mundo, este autor identifica a

antiga filosofia materialista de Epicuro como a base comum para o

materialismo de Marx e Darwin. Tendo como ênfase a relação entre o

desenvolvimento do materialismo e da ciência e a afirmação de concepções

ecológicas, Foster (2005) direciona suas reflexões em torno de Darwin e Marx,

considerados os maiores materialistas do século XIX. Mas é através de Marx

que se dá a busca pelo entendimento e desenvolvimento de uma visão

ecológica revolucionária. A relação entre transformação da sociedade e

transformação da relação da sociedade com a natureza em Marx reside

[...] no modo como ele desenvolveu e transformou uma existente tradição epicurista no que tange ao materialismo e à liberdade, que foi parte integrante da ascensão de muito do pensamento científico e ecológico moderno. (FOSTER, 2005, p.13-14).

O autor afirma, ainda, a importância dos estudos que Marx faz de

Darwin, que o levam a afirmar que a teoria da seleção natural darwiniana

forneceu a base na história natural para a sua visão. E, ainda, dos estudos da

ciência física e natural, com influência determinante de Liebig e sua produção

sobre a química do solo, na explicação do desenvolvimento da agricultura

capitalista. A relevância da produção de Darwin é destacada por Foster (2005)

através dos estudos de John Durant, o qual defende que

Darwin elaborou as suas ideias sobre a natureza e a natureza humana dentro de uma visão mais ampla de um mundo continuamente ativo na geração de novas formas de vida e mente. Isto era materialismo, e Darwin sabia; mas era um naturalismo que humanizava a natureza tanto quanto naturalizava o homem (DURANT in FOSTER, 2005, p.54).

Em vista do exposto, consideramos que uma apresentação mais detida

da obra de Foster (2005) se torna necessária para fundamentar nosso

direcionamento de análise da questão ambiental a partir do legado marxiano.

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Vários questionamentos utilizados por ambientalistas, pautados pela restrição

ou mesmo rejeição da produção de Marx para análise da questão ambiental,

encontram respostas aprofundadas nesta obra. Este autor defende a

concepção materialista de história de Marx, respondendo às críticas feitas à

sua visão produtivista e de subjugação da natureza ao homem, consideradas

antiecológicas.

Quanto à crítica da perspectiva produtivista de Marx, somos

concordantes com Lowy (2008) ao considerá-la equivocada, pois

[...] ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, à ideia de que a produção de mais e mais mercadorias é o objetivo fundamental da economia e da sociedade. Logo, ele justamente fornece as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notadamente do produtivismo capitalista (p.82).

De acordo com Foster (2005, p.198), Marx e Engels, tomando cuidado

para não cair na armadilha dos socialistas utópicos, ao propor planos para uma

sociedade futura que fossem demasiado além do movimento existente,

enfatizaram

[...] a necessidade do movimento de tratar a alienação da natureza na tentativa de criar uma sociedade sustentável. Neste sentido, a análise deles (Marx e Engels) partiu não só da concepção materialista de história, mas também da concepção materialista de natureza, mais profunda. Que, portanto, formou o palco para a perspectiva ecológica madura de Marx – a sua teoria da interação metabólica da sociedade com a natureza.

Foladori (1997, p. 161) defende que “a explicação marxiana do funcionamento

do sistema capitalista fornece elementos inigualáveis para explicar os entraves

sociais às possibilidades de regular ou planificar o uso dos recursos naturais

Buscamos demonstrar através dos conceitos marxianos de metabolismo

social e de falha metabólica, resgatados e defendidos por Foster (2005), a

ambigüidade de tais perspectivas, que, ao final, confirmam uma apropriação,

no mínimo injusta, do legado de Marx.

Como nos ensina Marx, a questão ambiental, visualizada na “crise

ecológica”, é, portanto, a expressão da relação sociedade/ natureza que vem

destruindo as duas fontes de produção de riquezas: o trabalho e a natureza. A

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dupla exploração, da força de trabalho e da natureza, no modo de produção e

dominação capitalista, será discutida a partir da relação sociedade e natureza

desenvolvida pelo metabolismo social do capital, tendo como base as

produções de Marx, Mészáros e Foster.

Assim, sendo a questão ambiental uma questão vital para a

humanidade, esta se coloca como vital, em primeiro lugar, para as classes

trabalhadoras, aquelas que Gramsci também chama de classes subalternas. A

importância de discutir o papel dos sujeitos políticos coletivos no seu

enfrentamento reafirma a necessidade de realizar uma síntese deste quadro

atual, onde a defesa dos bens ambientais seja também e, no mesmo

movimento, a defesa do trabalho, pois que se constituem nas duas fontes de

geração de riquezas, amplamente ameaçadas pelo capital.

Consideramos, então, que a análise sobre a questão ambiental, tendo

como referência os conceitos gramscianos de pequena e grande política, se

torna fundamental para compreensão e dimensionamento da sociedade civil,

como um espaço de tensão entre as perspectivas conservadora e crítica no

campo ambiental, que se expressam nas lutas sociais.

1.1 Capitalismo e questão ambiental

1.1.1 Metabolismo social e a dupla exploração: a relação sociedade e

natureza no modo de produção capitalista.

Iniciamos nossa análise sobre a relação sociedade e natureza em Marx,

a partir de uma de suas considerações, que avaliamos como essencial para

nosso estudo. Esta se refere ao fato de que toda atividade humana organizada

em sociedade depende da natureza, uma vez que, para a satisfação de suas

necessidades, o homem está sujeito à natureza. É neste ato de produção, que

tem o trabalho como elemento mediador da relação entre o homem e a

natureza, que se desenvolve o que Marx chama de metabolismo social.

Médici (1983) analisa a pertinência do pensamento marxiano para a

questão ambiental, através de motivos gerais, relacionados à herança

epistemológica de Marx na análise do modo de produção capitalista, e

específicos, a partir de determinados pontos da obra de Marx, tais como a

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análise da relação homem/ natureza, principalmente no capitalismo; a questão

do crescimento populacional; o esgotamento dos recursos naturais; a

degradação do meio ambiente; as relações entre as condições de vida da

classe trabalhadora e o meio ambiente; a relação entre necessidades,

socialismo e meio ambiente. Em relação ao motivo geral, o autor defende que a

questão ambiental é fruto do modo de produção especificamente capitalista, e

que a análise das leis de movimento e tendência do capitalismo orienta de

forma direta a compreensão desta questão.

Da mesma forma, os pontos específicos merecem aprofundamento a

partir da produção marxiana. Dentre estes, consideramos que o ponto de

partida se refere à especificidade da análise marxiana sobre a relação

sociedade e natureza, ressaltando a diferenciação de outros modos de

produção em relação ao capitalismo, onde “[...] as forças naturais são

apropriadas, dimensionadas e planejadas pelo homem em função das

necessidades de acumulação do capital.” (MÉDICI, 1983, p.8).

Foster (2005) afirma que o conceito de metabolismo social se coloca

como ponto de partida do método do materialismo histórico. Para Marx, este

conceito, expresso pela relação sociedade e natureza, abrange aspectos

fundantes da existência humana como ser natural e social, pois este

metabolismo é regulado tanto por leis naturais, que regem as trocas de energia

e materiais, entre os seres humanos e a natureza, como pelas regras sociais,

que comandam a divisão do trabalho, a produção e a distribuição.

Na relação homem e natureza, o conceito de metabolismo social é

central na análise marxiana, destacando o processo de trabalho como

elemento que irá mediar essa relação. Em O Capital, Marx, ao analisar o

processo de trabalho e o processo de valorização, nos mostra que

[...] o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. (MARX, 1983, p.149).

Para Marx, este processo se materializa através do trabalho, onde o

homem movimenta suas forças naturais (física e mental) para a transformação

dos recursos da natureza, com o objetivo de apropriar-se da matéria natural

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numa forma útil para a sua vida. Ao atuar sobre a natureza externa a ele e, ao

modificá-la, produz, no mesmo movimento, uma transformação da sua própria

natureza.

Marx tem como pressuposto que o trabalho se constitui numa atividade

exclusivamente humana, na qual o homem projeta idealmente, em sua

imaginação, aquilo que deseja transformar. O processo de trabalho possui,

assim, três elementos simples: a atividade orientada a um fim, seus objetos e

seus meios. Para Marx, a terra (incluindo-se também a água), como fonte

primária de viventes e meios já existentes à sobrevivência humana, está dada

sem a contribuição do homem, constituindo-se como objeto geral e meio de

trabalho. Com isso, demonstra o necessário intercâmbio metabólico entre o

homem e a terra, pois “do mesmo modo como a terra é sua despensa original,

é ela seu arsenal original de meios de trabalho” (1983, p. 150).

O processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza; condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais. (MARX, 1983:153).

Na perspectiva marxiana, o trabalho tem sempre um caráter coletivo e é

o elemento constitutivo da humanidade como tal. Neste sentido,

[...] o trabalho não transforma apenas a matéria natural, pela ação de seus sujeitos, numa interação que pode ser caracterizada como metabolismo entre sociedade e natureza. O trabalho implica mais que a relação sociedade/ natureza: implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando seus sujeitos e a sua organização. [...] foi através do trabalho que, de grupos primatas, surgiram os primeiros grupos humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social. (NETTO, 2006, p. 34, grifos do autor).

Desta forma, a partir do pensamento marxiano, o conceito de

metabolismo social é compreendido como o processo através do qual a

humanidade transforma a natureza externa e também a sua natureza interna.

O processo de trabalho, a ação e o efeito sobre a ação humana se manifestam

na forma como se estabelecem as relações sociais.

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Foster (2005) nos mostra que Marx, ao construir este conceito, se

apoiou nas descobertas das ciências naturais (biologia e química) no início do

século XIX, de onde se origina o termo metabolismo, no intento de situar o

comportamento humano como elemento participante do mundo natural. O

conceito de metabolismo

(...) incorpora o complexo processo bioquímico de troca metabólica, por meio do qual um organismo (ou uma determinada célula) extrai matérias e energias de seu meio ambiente e transforma-as, mediante varias reações metabólicas, nos ingredientes do seu crescimento. Tal concepção permitiu aos cientistas registrar os processos regulatórios e relacionais específicos que presidem as trocas internas e entre os sistemas – como organismos digerindo matéria orgânica ( FOSTER E CLARK, 2010, p. 22).

Segundo Foster (2005, p.222-23), Marx, na maior parte de suas obras,

utilizava o conceito de metabolismo social para expressar a real interação

metabólica entre natureza e sociedade através do trabalho humano. Mas um

sentido mais amplo para o conceito de metabolismo social também foi

empregado por Marx, especialmente nos Grundrisse,

[...] para descrever o conjunto complexo dinâmico, interdependente, das necessidades e relações geradas e constantemente reproduzidas de forma alienada no capitalismo, e a questão da liberdade humana suscitada por ele – tudo podendo ser visto como ligado ao modo como o metabolismo humano com a natureza era expresso através da organização concreta do trabalho humano. O conceito de metabolismo assumia assim tanto um significado ecológico quanto um significado social mais amplo.

No entanto, este conceito, na análise madura de Marx,

[...] permitiu-lhe expressar esta relação fundamental de forma mais científica e sólida, retratando a troca complexa, dinâmica, entre os seres humanos e a natureza decorrente do trabalho humano. O conceito de metabolismo, com as noções subordinadas de trocas materiais e ação regulatória, permitiu que ele expressasse a relação humana com a natureza como uma capacidade que abrangia tanto as “condições impostas pela natureza” quanto a capacidade dos seres humanos de afetar este processo. (FOSTER, 2005, p.223).

Assim, Foster e Clark (2010, p.21) destacam que a concepção de

metabolismo social, possui uma dupla face, uma vez que “(...) capta tanto o

caráter social do trabalho, associado à sua reprodução sociometabólica quanto

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seu caráter ecológico, demandando uma relação dialética contínua com a

natureza”.

Já nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx apontava para

o fato de que a humanidade e a natureza estão inter-relacionadas e a forma

historicamente específica das relações de produção constitui o centro dessa

inter-relação.

A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza na medida em que ela mesma, não é corpo humano. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o qual tem que permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interligada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está ligada consigo mesma, pois o homem é parte da natureza. (MARX, 1984-a, p.155).

Desta forma, a unidade do ser humano com a natureza é parte da

natureza física e química. Mas, segundo Foster (2005), Marx se empenhou em

analisar não a unidade, mas justamente a separação operada no processo

histórico de desenvolvimento da sociedade capitalista, que aliena o homem das

condições naturais necessárias para a sua reprodução. Sendo assim, a chave

analítica proposta por Marx, através do materialismo histórico, reside no

entendimento desta separação/alienação, que gera uma falha do metabolismo

com a natureza, engendrada pelo modo de produção capitalista que aparta o

homem (trabalhador) de seus meios de vida (natureza externa). Foladori

(2001-b), nesta mesma linha de análise, destaca que, no capitalismo o

trabalhador assalariado é exemplar nesta falha do metabolismo3 com a

natureza, pois está separado do processo de produção como elemento criativo,

da terra como recurso natural de produção e da própria possibilidade de se

reproduzir, se não for através da venda da sua força de trabalho. É esse o

trabalhador livre criado pelo capitalismo, sendo que essa liberdade se traduz

em alienação e isolamento.

Ao discutir a evolução da propriedade nos Grundrisse, Marx nos mostra

que

As condições originárias da produção [...] não podem elas mesmas estar originariamente produzidas – ser resultados da produção. Não a unidade dos homens vivos e ativos com as condições naturais,

3 O conceito de falha metabólica será abordado no item seguinte.

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inorgânicas de seu metabolismo com a natureza e, por conseguinte, a sua apropriação da natureza – precisa de explicação ou é resultado de um processo histórico, mas a separação entre estas condições inorgânicas da existência humana e esta existência ativa, uma separação tal como é primeira posta completamente na relação entre trabalho assalariado e capital. [...] Em outras palavras: as condições originárias da produção aparecem como pressupostos naturais, como condições naturais de existência do produtor, exatamente tal como seu corpo vivo, originariamente não posto por ele mesmo por mais que o reproduza e desenvolva, aparece como pressuposto de si mesmo; a sua própria existência (corporal) é um pressuposto natural que ele não pôs( MARX, 1984-e, p.339)

Para Marx, a natureza é o “celeiro primitivo” do homem, e se coloca

como condição primária para a produção em qualquer forma de sociedade.

Portanto, a natureza constitui a base material, que oferece suporte à

sociedade, que tanto a conforma como é por ela conformada. No entanto, cabe

destacar que a interação humana com a natureza não foi a mesma em

qualquer época e lugar. A forma histórica de relação da sociedade com a

natureza é determinante tanto do conteúdo da conformação estrutural de uma

sociedade, quanto na forma de domínio da natureza às necessidades humanas

produzidas socialmente.

Foladori (1999) argumenta que o processo de estabelecimento de

relações da sociedade humana com seu ambiente não se dá na forma de

bloco, como para as demais espécies, pois que se constitui socialmente de

maneira desigual por grupos e classes.

[...] os seres humanos acumulam a informação extra-corporal em instrumentos, utensílios, espaços construídos etc. Mas esta acumulação não é da sociedade como um todo, mas de cada classe social que transmite às gerações seguintes aquilo que logrou. É uma diferença no acesso aos recursos naturais virgens ou aqueles transformados pelas gerações passadas. (...) Existem ambientes diferentes para cada classe social, constituídos, em primeiro lugar, pelas restrições impostas pelas outras classes sociais da mesma espécie humana; só a partir destes condicionantes é que se estabelecem os relacionamentos com os outros seres vivos e o material abiótico (FOLADORI, 1999, p. 12).

Podemos concluir que, se a natureza é a base primária da sociedade, a

sua configuração também está relacionada aos princípios estruturais do

capitalismo, defendidos pelas classes dominantes.

As contradições de classe, próprias do modo de produção capitalista,

trazem novas determinações para a relação sociedade e natureza. O processo

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e os elementos constitutivos do capital, e o desenvolvimento das relações

sociais propriamente capitalistas, tornam-se centrais para o entendimento da

desigualdade entre classes sociais, expressa nos seus aspectos econômicos,

políticos e culturais e, particularmente, na desigualdade das classes no acesso,

domínio e uso dos recursos naturais, e também na distribuição desigual, dos

riscos e efeitos negativos de sua utilização, fator constitutivo do que

entendemos por questão ambiental.

É o modo de produção capitalista que cria a forma mais desenvolvida e

complexa de organização histórica da produção material da vida humana. Sua

caracterização tem como elemento central a produção de bens sob a forma de

mercadorias, com objetivo de acumulação de valor. O trabalhador aparece no

mercado como vendedor de mercadorias, pois sendo um trabalhador “livre”,

resta ao mesmo vender a sua força de trabalho em troca de um salário. Os

principais sujeitos deste processo, o capitalista e o trabalhador assalariado,

encarnam o capital e o trabalho.

De acordo com a lógica do capital, a produção tem como objetivo final a

valorização do valor, através da exploração do trabalho e da extração de mais-

valia. Marx (1983) chama de subsunção formal do trabalho ao capital, o fato de

o processo de trabalho ser desenvolvido não como meio para a sua realização,

mas para se constituir em meio de exploração do trabalho alheio, onde o

trabalhador produz para o capitalista, que entra neste processo como dirigente.

Segundo Netto e Braz (2007), o comando efetivo, ou a subsunção real do

trabalho ao capital, é alcançado com as grandes mudanças nos processos

produtivos proporcionadas pela Revolução Industrial, onde ocorre a produção

propriamente capitalista mediada pela utilização de máquinas, característica da

grande indústria. A subordinação (tanto formal como real) se dá pelo controle

do processo de trabalho pelo capital, alterando-se a divisão do trabalho, que se

aprofunda e atinge a divisão entre os que concebem ( e/ ou administram) os

processos produtivos e os que executam. As funções dos capitalistas são

alteradas, uma vez que eles repassam as tarefas de supervisão, controle e

gestão para outros profissionais assalariados, alcançando-se a separação

entre a propriedade dos meios de produção e a função de administrá-los. Esta

subordinação real, com a perda de controle do processo de trabalho por parte

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do trabalhador, são as condições indispensáveis para que o capitalista

potencialize a extração de mais-valia.

E Marx (1983, p. 160) nos mostra que o ponto central deste processo de

extração de mais-valia reside no fato de

[...]o valor de uso específico dessa mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem.[...]Na realidade, o vendedor da força de trabalho, como o de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor-de-troca e aliena seu valor-de-uso. Ele não pode obter um sem desfazer-se do outro. [...] O possuidor do dinheiro pagou o valor de um dia da força de trabalho; pertence-lhe, portanto, o uso dela durante o dia, o trabalho de uma jornada. A circunstância de que a manutenção diária da força de trabalho só custa meia jornada de trabalho, apesar de a força de trabalho poder operar, trabalhar um dia inteiro, e por isso, o valor que sua utilização cria durante um dia é o dobro do seu próprio valor de um dia, é grande sorte para o comprador, mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor.

A especificidade histórica do processo de trabalho, na sociedade capitalista, é

que o tipo de trabalho requerido, se apresenta como gasto físico da força de

trabalho, em trabalho humano abstrato, o qual forma o valor das mercadorias.

Este trabalho humano abstrato submete o trabalho concreto, destinado à

produção de valores de uso, ao processo de ampliação de mais-valia, fazendo

com que a transformação da natureza pelo trabalho, obedeça às necessidades

de acumulação de capital. Sendo assim, no processo de valorização das

mercadorias, onde se expressam a forma mercadoria e seu fetiche, as relações

de circulação subvertem as relações sociais, através de um processo de

mistificação e reificação, transformando as relações entre os homens em

relações entre coisas.

Ele (o produto do trabalho) não é mais a mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil. Sumiram todas as suas qualidades materiais. Também não é mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (MARX, 1983, p.160).

Através do processo de valorização, Marx nos mostra que a

sociabilidade instituída pelo capital se funda no trabalho alienado dos sujeitos,

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o trabalho assalariado. E estes sujeitos ficam reduzidos ao trabalho, sem o qual

perdem a sua humanidade, e como seres naturais, podem perder até sua

existência física.

No contexto contemporâneo, Antunes (2000, p.205), ao falar sobre a

condição da classe trabalhadora no mundo globalizado, nos mostra que

[...] o seu trabalho é desprovido de sentido, em conformidade com o caráter destrutivo do capital, pelo qual relações metabólicas sobre o controle do capital não só degradam a natureza, levando o mundo à beira da catástrofe ambiental, como também precarizam a força humana que trabalha, desempregando ou subempregando-a, além de intensificar os níveis de exploração.

A separação social dos produtores das condições naturais, operada pelo

capitalismo, proporcionou um maior controle das forças produtivas combinadas

da natureza e do trabalho, reduzindo os possíveis constrangimentos naturais à

acumulação do capital. No entanto, mesmo considerando a inexistência de

uma relação independente entre sociedade e natureza, há uma busca

incessante e a conquista de uma relativa autonomização da sociedade

capitalista em relação à natureza. Os avanços técnicos e organizacionais,

obtidos com a indústria, proporcionaram a superação de uma série de

limitações físicas, que o corpo humano, como elemento natural, apresentava

em relação à produtividade do trabalho. Deste modo, a exploração do trabalho

operário é ampliada, sem depender diretamente dos ritmos da natureza.

As consequências negativas deste modo de produção se expressam no

âmbito social e ambiental, uma vez que a produção de mercadorias voltadas

para o seu valor de troca deve ser ilimitada em função do lucro. Esta produção

ilimitada de mercadorias, ao longo do desenvolvimento capitalista, vem

demandando a ampliação do volume de matérias-primas empregadas, gerando

resíduos numa proporção e num ritmo sem precedentes na história humana.

Como “sujeito automático” (MARX, 1983), o capital comanda as relações

de produção a partir de sua lógica peculiar, podendo funcionar de modo

paralelo, mas não totalmente autônomo em relação à natureza, com a qual

mantém relações metabólicas que não podem ser esquecidas, nem

subestimadas.

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A extinção da propriedade privada e o desenvolvimento de uma

sociedade de produtores livremente associados são, para Marx, as condições

indispensáveis, mas não suficientes, para a sustentabilidade no relacionamento

com a natureza. Foster (1999) ressalta que Marx já vislumbrava a necessidade

imperativa de proteção do globo terrestre para as futuras gerações.

Do ponto de vista de uma forma econômica mais alta de sociedade, a propriedade privada do globo por indivíduos isolados parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um homem por outro. Nem mesmo uma sociedade inteira, uma nação ou mesmo todas as sociedades simultaneamente existentes juntas são proprietárias do globo. Elas são apenas posseiras, suas usufrutuárias e, como boni patres familis [bons pais de família] devem legá-la, em melhores condições, às futuras gerações. (MARX apud FOSTER, 1999, p.166)

Para Marx, o progresso econômico de uma sociedade superior ao

capitalismo, não pode pôr em risco as condições naturais e globais,

imprescindíveis à vida humana na terra. E a eliminação da propriedade privada

e da exploração do trabalho e da natureza são condições indispensáveis.

Marx elaborou sua Crítica ao Programa de Gotha se contrapondo,

primeiramente, à consideração contida neste de que só o trabalho cria riqueza,

afirmando que

O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material!), nem mais nem menos que o trabalho, que não é mais que a manifestação de uma força natural, da força de trabalho do homem. (Marx, 1980, p.209)

As duas principais lições que retiramos destas reflexões nos levam a

concluir que a afirmação da propriedade privada, a existência do trabalhador

assalariado que é explorado, assim como a natureza, no processo de trabalho,

marcado pela alienação, representam as condições indispensáveis para a

reprodução ampliada do capitalismo. Sendo assim, se constituem em questões

fundamentais contra as quais se dirigem as necessárias transformações para a

superação do capitalismo e a consequente construção de uma sociedade

superior a esta.

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1.1.2 O antagonismo campo/cidade e as transformações na agricultura

capitalista: a afirmação da falha metabólica

O antagonismo que se estabelece entre campo e cidade e as

transformações operadas na agricultura com o desenvolvimento do capitalismo,

como elementos centrais para afirmação da falha metabólica na relação da

sociedade com a natureza, serão analisados tendo em conta suas relações

com o período da acumulação primitiva do capital e a passagem do capitalismo

comercial para a fase da grande indústria, onde ocorre a subordinação da

agricultura à indústria, ampliando-se, portanto o domínio do capital sobre o

trabalho e a natureza. Assim, torna-se central compreendermos o significado

dos cercamentos, a questão da propriedade privada da terra e as

transformações na agricultura. Estes são os fatores que dão base para a

explicitação do conceito de falha metabólica. Mas cabe ressaltar que foi a

análise de Marx, sobre o desenvolvimento da agricultura capitalista, apoiada

em Liebig4 que trouxe materialidade a este conceito, conforme discutiremos a

diante.

A criação e o desenvolvimento histórico do capitalismo vêm se dando a

partir do processo de acumulação de capital, caracterizado por Foster e Clark

(2006) como “[...] um processo autopropulsor, já que o excedente acumulado

em uma fase converte-se em um fundo de investimento para a seguinte.”

(p.227).Na pré-história do capitalismo, encontra-se o processo inicial de

acumulação de capital, denominado acumulação primitiva, que propiciou as

condições necessárias ao desenvolvimento propriamente capitalista. A análise

marxiana nos mostra que a instituição e expansão do modo de produção

capitalista, por sua vez, criaram novas formas específicas de acumulação.

Foster e Clark (2006) afirmam que Marx, ao analisar a situação típica da

Grã-Bretanha, identificou três aspectos centrais da acumulação primitiva: 1- A

expropriação de terras camponesas através dos cercamentos e a extinção de

usos e direitos coletivos sobre as terras, que se traduz na perda do acesso

direto ou controle dos meios materiais de produção dos camponeses; 2- A

4 Liebig foi um químico especializado em agricultura e considerado fundador da química do

solo, que avaliou o desenvolvimento da agricultura capitalista como um sistema de roubo dos nutrientes do solo, sem restituição.

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criação de uma massa pauperizada de trabalhadores sem terra que se

deslocam para as cidades, buscando trabalho assalariado, constituindo um

futuro proletariado industrial para o capitalismo; 3- A grande concentração e

centralização de riquezas, proporcionada pelo controle das terras expropriadas

e dos meios de produção monopolizados nas mãos de poucos e o excedente

disponível transferido para os centros industriais. Os camponeses

expropriados, que se tornaram proletários, e aqueles contingentes de

desocupados, concorreram, desde então, para a manutenção de baixos

salários, proporcionando maior rentabilidade da produção.

As conseqüências da eliminação de terras camponesas de uso comum e

da consagração da propriedade privada no capitalismo são analisadas por

Foladori (2001-b) através da crítica à defesa da propriedade privada pela

economia neoclássica, que se baseia no argumento de que sua existência

seria a condição para que os recursos naturais fossem resguardados através

de sua administração correta pelos proprietários. O autor nos mostra que a

existência da propriedade privada da terra garantiu aos seus proprietários a

“liberdade” para a sua utilização de acordo com sua lógica de exploração

privada dos recursos naturais, levando à depredação, à contaminação e ao

esgotamento da natureza.

As profundas conseqüências ecológicas deste processo de acumulação

primitiva são ampliadas com o desenvolvimento do capitalismo. Neste sentido,

no capitalismo, a alienação da terra (e da natureza) e o domínio do homem

sobre o homem resultam no fato de que tanto a terra quanto o homem passam

a ser reduzidos “ao nível de um objeto venal”. (MARX apud FOSTER; CLARK,

2006, p.227).

Pelo exposto, consideramos que as raízes da questão ambiental se

localizam no período histórico da acumulação primitiva do capital que, através

da expropriação das terras de uso comum e da conseqüente expulsão dos

produtores camponeses, operou primeiramente, a separação entre o homem e

a natureza. Isso demonstra que a pilhagem dos recursos naturais é uma

tendência intrínseca ao capital, que vem sendo reafirmada no seu curso e

agravada no atual processo de acumulação capitalista, hegemonizado pela

financeirização, em função da ampliação da escala e do ritmo cada vez mais

acelerado de produção, demandando novos espaços sociais e físicos.

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Assim, segundo Foster e Clark (2010) o conceito de falha metabólica se

refere às mudanças que foram introduzidas com o advento do capitalismo, que

se inicia com os cercamentos dos campos e com o processo de concentração

e privatização da terra, recriando, sob a forma moderna, a divisão entre campo

e cidade, deslocando a população rural e ampliando a urbana. A utilização de

práticas de agricultura intensiva visando ao aumento da produção e o

transporte de alimentos e fibras (junto com nutrientes do solo) para mercados

urbanos distantes, fez com que os nutrientes do solo, que a ele deveriam

retornar, se tornassem lixo nas cidades, rompendo com as condições naturais

essenciais para a reprodução do solo.

Foster(2005) defende que Marx utilizou o conceito de falha metabólica,

para apreender a alienação material dos seres humanos na sociedade

capitalista e em relação às condições naturais indispensáveis à sua existência.

Assim, as relações sociais de produção impostas pelo capitalismo são

decisivas para o processo de ruptura do complexo metabolismo entre

sociedade e natureza.

Marx destaca, em O Capital, a degradação do solo resultante da

industrialização da agricultura. Para Foster e Clark (2010), Marx construiu sua

análise do metabolismo com a crítica da economia política, demonstrando

como a agricultura capitalista, em união com a indústria, produziu uma falha

metabólica, a qual era resultante de práticas insustentáveis de todo um sistema

em seu conjunto.

De acordo com Foster(2005), esta análise se deve aos estudos do

químico Liebig, que analisou o desenvolvimento da agricultura como um

sistema de roubo dos nutrientes dos solo. Este quadro era ocasionado pela

exportação de comida e fibras às cidades que, ao não serem devolvidos a

terra, como na agricultura tradicional e, que transportadas para longas

distâncias, acabavam gerando a produção de resíduos contaminadores nas

cidades. A influência de Liebig contribuiu para que Marx desenvolvesse uma

crítica da degradação do ambiente, como conseqüência das relações de

produção capitalista e da separação antagonista entre campo e cidade. A

separação entre agricultura e indústria se torna, assim, uma das expressões

exemplares da falha metabólica, e a união entre ambas se constituiu num

processo de exploração e empobrecimento do solo e do trabalhador, afetando

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o metabolismo social. A utilização da natureza para a produção industrial revela

um duplo impacto, que se refere à exploração de matérias-primas e à poluição

causada pelos resíduos gerados neste processo produtivo, que são devolvidos

à natureza como poluentes.

Foster (2005) também destaca que o conceito de falha metabólica foi

elaborado numa conjuntura em que se ampliavam as críticas elaboradas pelos

químicos agrários. Assim, as observações de Marx e Liebig, se localizam no

contexto do que alguns historiadores chamam de “segunda revolução agrícola”,

ocorrida entre 1830-1880, caracterizando-se pelo crescimento de uma indústria

de fertilizantes e pelo desenvolvimento da química de solos.

O autor esclarece ainda que, mesmo que historiadores como Wood

(2000) considerem a existência de uma única revolução agrícola, ocorrida na

Grã-Bretanha nos séculos XVII e XVIII, constituindo-se como a base para a

afirmação do capitalismo industrial, alguns outros historiadores reconhecem a

ocorrência de três revoluções agrícolas.

A primeira foi um processo que percorre alguns séculos e que se

relaciona diretamente aos enclousures (cercamentos) e ao fortalecimento e

centralidade crescente do mercado. Foi um período em que se dá a busca pela

ampliação da fertilidade do solo, através do que ficou conhecido como

melhoramento. As técnicas foram inovadas com a inclusão de melhorias na

adubação com esterco, rotação de lavouras, drenagem e manejo de rebanhos.

A segunda revolução se deu num tempo mais curto. A este respeito, Foster

(2005) explica que o historiador Thompson, considera um período um pouco

mais extenso, de 1815-1880, tendo como referencia a crise agrícola que

sucedeu imediatamente as guerras napoleônicas e também no contexto das

elaborações de Malthus e Ricardo sobre o arrendamento diferencial. A

característica principal é sua relação com a ascensão do capitalismo industrial

onde se destaca a aplicação da química à agricultura. A terceira revolução

agrícola ocorre com a ascensão do capitalismo monopolista a partir de 1880,

mas se destaca no século XX, contemplando a substituição da tração animal

pela tração mecânica na agricultura, a concentração de animais em grandes

estábulos, aliada à alteração genética das plantas (produzindo monoculturas

mais estreitas) e o uso mais intensivo de produtos químicos como fertilizantes e

pesticidas.

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Ao discutir as origens agrárias do capitalismo, Wood (2000, p.13)

contesta a idéia presente na cultura ocidental que associa o capitalismo às

cidades, a partir do suposto de que o capitalismo teria nascido e se

desenvolvido nas cidades, e que, portanto, haveria uma ligação natural entre

ambos. Assim, nos esclarece que

[...] o capitalismo, com todo o seu impulso específico de acumular e de buscar o lucro máximo, nasceu não na cidade, mas no campo, num lugar muito específico, e tardiamente na história humana. Ele requer não uma simples extensão ou expansão do escambo e da troca, mas uma transformação completa nas práticas e relações humanas mais fundamentais, uma ruptura nos antigos padrões de interação com a natureza na produção das necessidades vitais básicas. Se a tendência de identificar capitalismo com cidades se apresenta associada à de obscurecer a sua especificidade, uma das melhores maneiras de entender essa especificidade é examinar as origens agrárias do capitalismo.

A constituição do que Wood (2000) chama de “capitalismo agrário” se

centra em dois elementos essenciais: a propriedade privada e a renda da terra.

Retoma, então, que a forma de provimento das necessidades materiais

humanas foi, ao longo de milênios, obtida através do trabalho na terra e que a

divisão entre produtores e apropriadores tem apresentado formas diferenciadas

de acordo com o tempo e lugar, mas com uma característica geral: os

produtores diretos têm sido camponeses que permaneceram na posse dos

meios de produção, especificamente a terra. Desta forma, o trabalho excedente

apropriado pela camada exploradora era feito pela coerção direta,

desempenhada pelos senhores rurais e/ ou Estado, através do uso da força

superior, acesso privilegiado aos poderes militares, judiciais e políticos.

Para a autora citada, a diferença entre as sociedades precedentes e a

sociedade capitalista reside não no fato de a produção ser urbana ou rural, mas

nas relações de propriedade entre produtores e apropriadores, tanto na

agricultura com na indústria. Com o capitalismo, a apropriação do excedente

não é obtida pela coerção direta, mas pela expropriação dos produtores

diretos, que tem seu trabalho excedente apropriado por meios econômicos. Na

sociedade capitalista, estes produtores diretos são expropriados e, ao mesmo

tempo, livres para vender sua força de trabalho, passando a gerar mais-valia

que é apropriada sem a necessidade do uso da coerção direta.

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Wood (2000) nos mostra que esta relação entre produtores e

apropriadores sempre foi mediada pelo mercado, mas que, no capitalismo,

passa a ser o principal determinante e regulador da reprodução social, que por

sua vez, implicou em sua introdução na produção de alimentos. Neste sentido,

a agricultura inglesa no século XVI, por suas condições peculiares, passa a

influenciar toda a economia inglesa e afirma o setor agrário como o mais

produtivo da história, onde o melhoramento e a produtividade do solo, visando

ao lucro, passam a ser uma preocupação tanto dos proprietários como dos

arrendatários. Mas os arrendatários também lidavam com o aluguel de terras, o

que demandava a busca pelo melhoramento dos solos, o que certamente

elevaria e garantiria a lucratividade, pois a perda de produtividade era uma

ameaça à perda das terras.

A acumulação primitiva, que tem como elemento central, a perda das

terras camponesas através dos cercamentos e a conseqüente expulsão dos

camponeses para os chamados burgos, proporcionou tanto o aumento da mão

de obra livre como da produtividade dos campos. Os cercamentos ou

“enclousures” são considerados por Wood (2000) como a mais conhecida

redefinição de direitos de propriedade e vão ocorrer em função desta busca do

uso mais produtivo e lucrativo da terra, segundo a ideologia da classe agrária

dominante, eliminando os antigos costumes e práticas de cultivo, para além da

privatização das terras comunais.

O enclousure é freqüentemente visto simplesmente como a privatização e o cercamento das terras comunais, ou dos “campos abertos” caracteristicamente presentes em algumas regiões do campo inglês. Mas “enclousure” significou mais precisamente, a extinção (com ou sem cercamento de terras) dos direitos de uso baseados nos costumes dos quais muitas pessoas dependiam para tirar o sustento. (WOOD, 2000, p. 15)

Os processos de melhoramentos do solo e os cercamentos foram

condições essenciais para a liberação tanto de terras produtivas e altamente

lucrativas quanto de força de trabalho livre e a baixo custo, tornando a

agricultura inglesa estratégica no estabelecimento das bases monetárias para a

afirmação do capitalismo. O desenvolvimento da agricultura inglesa,

considerada a mais produtiva da Europa, exerceu um papel irradiador para

outras regiões, principalmente para as colônias através de suas metrópoles,

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difundindo e reforçando valores e práticas capitalistas advindas da Inglaterra.

Assim, uma nova divisão do trabalho se define a partir da hegemonia inglesa,

reforçando o processo de exploração não só das colônias por suas metrópoles,

mas impondo a exploração generalizada de todos pela Inglaterra (Wood, 2000).

A relação campo e cidade, que se impõe como resultado deste processo

histórico torna-se elemento fundamental para a compreensão das

transformações operadas na agricultura capitalista, a partir de sua fusão e

subordinação à indústria. Marx e Engels, segundo Foster (1999), não se

detiveram à análise dos limites ecológicos em relação à questão da utilização

do solo e estudaram também a sustentabilidade em relação a florestas, rios,

qualidade do ar e particularmente a geração, redução e destino dos resíduos

industriais. Suas observações os levam a concluir que, no capitalismo, o

crescimento da agricultura em grande escala e do comércio de longa distância

favorecia (e ainda favorece) o aprofundamento e a extensão desta falha

metabólica, apresentando também sua outra face, que é a contaminação das

cidades.

Quaini (1979) nos mostra que as grandes cidades são geradoras de uma

imensa “contradição ecológico-territorial”, uma vez que causa uma ruptura com

a espontaneidade natural das sociedades anteriores ao capitalismo como

sistema de metabolismo social. Para o autor citado

A ruptura do vínculo sociedade-natureza é, portanto, vista como conseqüência direta da contradição entre o crescente despovoamento do campo e a crescente concentração urbana, dois processos territoriais que representam as duas faces de uma mesma moeda: a acumulação capitalista e que, como tais, tem sua gênese histórica na acumulação primitiva. Para compreender a história da ruptura do vínculo sociedade-natureza – vínculo que nas sociedades pré-capitalistas era em grande parte confiado à “espontaneidade natural” – devemos, portanto, fazer referência à história da expropriação do produtor independente, à sua expulsão da terra, de seu “laboratório natural”. (p. 133-4)

Moreira (2009, p. 56) destaca as contribuições desta obra de Quaini,

“Marxismo e Geografia”, na análise dos efeitos da acumulação primitiva na

passagem das “sociedades naturais” (comunitário-naturais) às “sociedades

históricas” (individual-privadas) para a compreensão da formação e do

ordenamento ecológico-territorial capitalista, que se caracteriza por uma

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[...] nova configuração ao arranjo do espaço, primeiro na forma de vários bolsões territoriais de produção e intercâmbio de mais-valia absoluta, até que num segundo momento tudo interage na abrangência integrativa da mais-valia relativa. Aí se juntam como eixos de arrumação do espaço, a proletarização e a aglomeração do campesinato nas cidades, a transformação da terra em mercadoria e a arrancada industrial com seu consumo generalizado da natureza e a desintegração das relações entre o campo e a cidade, vindo a formar a estrutura ecológico-territorial que conhecemos.

O antagonismo extremo entre cidade e campo, característica essencial

da organização social capitalista, foi considerado por Marx e Engels como a

causa central da degradação ecológica no capitalismo. Foster (2005, p.193)

nos mostra que para Marx

[...]a divisão entre cidade e campo era “a divisão mais importante do trabalho material e mental”: uma forma de “sujeição que torna um homem um animal restrito à cidade, o outro um animal restrito ao campo”, e que serve para excluir a população rural de todo intercurso mundial e, conseqüentemente, de toda cultura.

Em “A Ideologia Alemã”, Marx trata da teoria da produção do homem, da

reprodução da espécie e da produção da sociedade. Nesta obra, como

abordada no item 1.1, a existência de indivíduos vivos é naturalmente, o

primeiro pressuposto de toda história humana. E é a necessidade de produção

de seus meios de vida, que faz com que os homens produzam indiretamente, a

sua própria vida material. Assim, para Marx (1984d, p.187)

O modo como produzem seus meios de vida depende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser reproduzidos. O que os indivíduos são, depende das condições materiais da sua produção. A produção pressupõe o intercâmbio dos indivíduos entre si, e a forma deste intercâmbio é condicionada pela produção.

Tanto em “A ideologia alemã” como em “O manifesto”, Marx trata da

questão campo e cidade, destacando a relação que se ergue de oposição e

subordinação dos interesses entre ambos.

A divisão do trabalho dentro de uma nação acarreta inicialmente a separação entre o trabalho comercial e industrial e o trabalho agrícola e com isto a separação entre cidade e campo e a oposição dos interesses entre ambos (1984d, p. 188).

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A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação às do campo, e com isso arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados subordinaram os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente. (1984f, p.369)

As profundas mudanças ocorridas com o processo de desenvolvimento

do capitalismo, como nos mostra Marx (O Capital, 1984, Livro I, Tomo II) ao

discutir a relação entre maquinaria e grande indústria, tornam-se elementos

essenciais para compreendermos a relação entre campo e cidade, tendo em

conta a junção que ocorre entre a agricultura e a grande indústria. Cabe

destacarmos que esta discussão se integra à seção IV, que se centra na

análise da produção da mais-valia relativa, onde o ponto de partida de Marx é

que a utilização da maquinaria como capital não tem como finalidade e, por

isso, não atua no sentido de aliviar a labuta diária do trabalhador, servindo ao

contrário, como meio de produção de mais-valia.

O revolucionamento do modo de produção toma, na manufatura, como ponto de partida a força de trabalho; na grande indústria, o meio de trabalho. É preciso, portanto, examinar primeiro mediante o que o meio de trabalho é metamorfoseado de ferramenta em máquina ou em que a máquina difere do instrumento manual. Aqui só se trata de grandes traços característicos, genéricos, pois linhas fronteiriças abstratamente rigorosas separam tão pouco as épocas da sociedade quanto as da história da Terra.( MARX, 1984, p.7).

Interessa-nos, sobretudo, destacar as mudanças ocorridas com a grande

indústria, onde, segundo Marx, o ponto de partida é a revolução do meio de

trabalho, e o sistema articulado de máquinas da fábrica representa a sua

configuração mais desenvolvida. Os efeitos imediatos da produção mecanizada

sobre o trabalhador se expressam com a apropriação de força de trabalho

suplementares pelo capital, o trabalho feminino e infantil.

À medida que a máquina torna a força muscular dispensável, ela torna o meio de utilizar trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho de mulheres e de crianças foi a primeira palavra-de-ordem da aplicação da maquinaria! Com isso, esse poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores transformou-se rapidamente num meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família dos

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trabalhadores, sem distinção de sexo nem idade, sob o comando imediato do Capital. [...] A maquinaria, ao lançar todos os membros da família do trabalhador no mercado de trabalho, reparte o valor da força de trabalho do homem por toda sua família. Ela desvaloriza, portanto, sua força de trabalho. (MARX, 1984, p.23).

Veremos, com Marx (1984), os efeitos na degradação física de mulheres

e crianças, onde ele destaca “a monstruosa mortalidade de filhos de

trabalhadores em seus primeiros anos de vida” (p. 25) e ainda “o infanticídio

disfarçado e o tratamento de crianças com opiatos” (p.26). Em nota, o autor

nos revela que o consumo de ópio entre trabalhadores e trabalhadoras adultos

se expande dos distritos fabris ingleses para os distritos agrícolas. Também

afirma que à degradação moral decorrente desta exploração, analisada por

Engels em “A situação da classe trabalhadora da Inglaterra”, deve-se

acrescentar o registro de que

[...] a devastação intelectual, artificialmente produzida pela transformação de pessoas imaturas em meras máquinas de produção de mais-valia - que deve ser bem distinguida daquela ignorância natural que deixa o espírito ocioso sem estragar sua capacidade de desenvolvimento, sua própria fecundidade natural – obrigou, finalmente, até mesmo o parlamento inglês a fazer do ensino primário a condição legal para o uso “produtivo” de crianças com menos de 14 anos em todas as indústrias sujeitas às leis fabris. (MARX, 1984, p.26).

Os dois outros efeitos imediatos assinalados se referem ao

prolongamento da jornada de trabalho e à intensificação do trabalho. Com uma

frase, Marx sintetiza como a ampliação dos ganhos capitalistas com a

maquinaria impulsiona o maior prolongamento possível da jornada de trabalho

para além de qualquer limite natural: “a grandeza do ganho estimula a

voracidade por mais ganho” (Idem, ibidem, p.31). Na questão da intensificação

do trabalho, é importante destacar sua relação com a redução da jornada de

trabalho, que é alcançada através da reação da sociedade, impondo “[...] ao

trabalhador uma condensação do trabalho a um grau que só é atingível, dentro

da jornada de trabalho mais curta” (Idem, ibidem, p.33). Com isto, todo

aperfeiçoamento da maquinaria deve se transformar num meio de exaurir ainda

mais a força de trabalho.

Esta seqüência de questões nos mostra como a criação da maquinaria e

da grande indústria proporcionou a ampliação da capacidade de exploração

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física e a degradação moral das famílias, principalmente com a entrada de

mulheres e crianças tanto nas fábricas como nas indústrias agrícolas,

resultando na degradação da própria natureza humana, da sua capacidade de

trabalho e mesmo da integridade de seu metabolismo natural, expresso nos

efeitos em sua saúde. Todos estes elementos, presentes na forma de

desenvolvimento do metabolismo social do capital neste período histórico,

afirmam como a degradação da natureza, incluindo a natureza humana, como

força natural de trabalho, se dá em conexão com a degradação do

metabolismo social. Cabe destacar que o aumento da produtividade do

trabalho, através da exploração prolongada e intensa, requer o aumento do

consumo de natureza, ampliando a destruição ambiental. Assim, o domínio da

natureza se realiza e se aprofunda com o emprego da maquinaria através da

grande indústria, ultrapassando as formas científicas anteriores.

A revolução que se estabelece pela grande indústria na agricultura,

amplia ainda mais a ruptura causada no metabolismo social, afirmando

conseqüências nefastas neste que passa a ser um ramo de atividade

absolutamente subordinado à lógica do capitalismo industrial. Estas

conseqüências vão se expressar na exaustão das forças da natureza e do

trabalho, a partir da submissão efetiva do campo à cidade. Neste sentido,

retomar de Marx o conceito de metabolismo social e o processo de ruptura da

unidade entre sociedade e natureza, expresso pelo conceito de falha

metabólica, torna-se central para o entendimento da separação campo e

cidade operada pela produção capitalista. As conseqüências ambientais desta

separação entre “[...] as fontes de produção de alimentos e a matéria-prima de

seu consumo.” (FOLADORI, 2001b, p.111), são observadas na alteração

radical das trocas de materiais e energia.

[...] grandes propriedades reduzem a população agrícola a um mínimo em constante queda e a põem frente a frente com uma população industrial em crescimento ininterrupto, amontoada nas grandes cidades. Criam-se assim condições que ocasionam um rompimento irreparável na coerência do intercâmbio social determinado pelas leis naturais da vida. Como resultado, a vitalidade do solo é desperdiçada, e esta prodigalidade é levada pelo comércio muito além das fronteiras de um dado Estado (Liebig). (MARX apud FOSTER, 1999, p.167-8).

A influência dos estudos de Liebig sobre Marx o leva a reforçar este

conceito de falha metabólica, identificando os resultados produzidos pelo

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capitalismo com a indústria e a agricultura em grande escala. Marx afirma que

o maior mérito de Liebig reside na demonstração do lado nefasto da agricultura

moderna, sob a ótica das ciências naturais. Foster (2005), por sua vez, nos

esclarece que Marx se fundamenta e se convence do caráter insustentável da

agricultura capitalista, quando escreve por volta da década de 1860, sua

principal obra, O Capital, devido a dois acontecimentos históricos que

mobilizaram esta época.

Marx analisa, a partir destas reflexões, a síntese entre agricultura e

indústria, tendo em conta as razões econômicas da degradação ambiental, que

envolve necessariamente a degradação e a ampliação da exploração do

próprio trabalhador.

Tanto na agricultura quanto na manufatura, a transformação capitalista do processo de produção aparece, ao mesmo tempo, como martirológio dos produtores, o meio de trabalho como um meio de subjugação, exploração e pauperização do trabalhador, a combinação social dos processos de trabalho como opressão organizada de sua vitalidade, liberdade e autonomia, individuais. A dispersão de trabalhadores rurais em áreas cada vez maiores quebra, ao mesmo tempo, sua capacidade de resistência, enquanto que a concentração aumenta a dos trabalhadores urbanos. Assim como na indústria citadina, na agricultura moderna o aumento da força produtiva e a maior mobilização do trabalho são conseguidos mediante a devastação e o empestamento da própria força de trabalho. E cada progresso na agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade. Quanto mais um país, como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, se inicia com a grande indústria como fundamento de seu desenvolvimento, tanto mais rápido este processo de destruição. Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador. (MARX, 1984-b, p.102)

A citação acima é exemplar na demonstração da unidade dos processos

que determinam a ruptura do vínculo entre sociedade e natureza. Esta ruptura

é afirmada como decorrência direta da contradição entre o despovoamento

crescente do campo e o aumento da concentração urbana, que se revelam nos

regimes capitalistas desde sua raiz na acumulação primitiva.

Também destacamos, no pensamento marxiano, a referência ao

princípio de restituição do metabolismo social. Marx observa que a destruição

das condições deste metabolismo, desenvolvido espontaneamente, impõe, ao

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mesmo tempo, a necessidade de restaurá-lo sistematicamente, como lei

reguladora da produção social a partir de um modo adequado ao pleno

desenvolvimento humano. Com o conceito de “falha metabólica”, utilizado para

explicar a perda da fertilidade da terra e a contaminação das cidades, Marx

identificou o antagonismo entre homens e a terra gerando uma falha irreparável

na interação metabólica entre os seres humanos e a terra, como conseqüência

das relações de produção e da divisão antagonista entre campo e cidade.

Compreendemos com Foster (2005) que Marx, quando fala de falha

irreparável, não afirma que ela seja insuperável, mas que sua reparação não

encontra condições imediatas de se realizar. Isto impõe a necessidade de

alterações qualitativas na relação entre sociedade e natureza, pois, sob o

imperativo do capital, as mesmas não podem ser reparadas imediatamente, a

partir das condições materiais disponíveis. Assim, a busca de superação desta

falha requer o acirramento de contradições com o modo de reprodução do

capitalismo.

Foster (2005) nos mostra que a propriedade privada da natureza é

central nas preocupações de Marx em relação à sustentabilidade das futuras

gerações, expressa na sua teoria da renda da terra. Esta teoria mostra a falha

metabólica com a natureza operada pelo capitalismo, que muda radicalmente

as relações com a terra, pois, nos modelos pré-capitalistas, a produção era

agrícola e, no modo de produção capitalista, a produção passa a ser

subordinada à criação da indústria. Sendo assim, a moderna propriedade da

terra criada pelo capitalista passa a gerar uma renda regulada (mediada) pelo

lucro industrial, se distinguindo radicalmente das rendas anteriores reguladas

pelo próprio trabalho agrícola.

Foladori (2001b), seguindo a tradição marxista, aborda a separação

entre campo e cidade como pré-requisito da moderna renda capitalista do solo

e aponta os dois elementos centrais que caracterizam a produção capitalista na

agricultura, a presença da grande propriedade e o êxodo rural.

As fases do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, segundo

Foladori (2001b), dividem-se em dois momentos. Num primeiro momento, o

avanço da produção capitalista ocorre de forma extensiva, com a introdução de

relações capitalistas no interior de formas mercantis simples de produção,

através da colonização de novas áreas. Numa segunda fase, que não suprime

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a primeira, mas que a ela se sobrepõe e se torna prevalente, ocorre a

introdução da mecanização na agricultura, proporcionando um

desenvolvimento do capitalismo intensivo, implicando numa maior inversão de

volume de capital sobre uma mesma extensão do solo. Deste processo,

decorrem duas consequências para a população: deslocamentos da força de

trabalho e em virtude da concorrência imposta pela agricultura mecanizada

capitalista são operados rápidos processos de eliminação da produção

mercantil simples. Como resultado final da junção destas duas conseqüências,

tem-se o êxodo rural acelerado e a aglomeração urbana.

Segundo Bottomore (2001), Marx, em seus estudos sobre o

desenvolvimento do capitalismo, sobretudo na agricultura, elaborou a teoria da

renda fundiária capitalista no terceiro livro de O Capital e em teorias da mais-

valia. Seu ponto de partida é embasado na consideração de que a renda é a

forma econômica das relações de classe com a terra. Sendo assim, em que

pese o fato de que a renda possa ser afetada por diferenciações relativas à

qualidade do solo e sua disponibilidade, ela não se constitui como uma

propriedade da terra, mas como propriedade das relações sociais.

Ao discutir o método da economia política, Marx nos esclarece algumas

questões sobre a relação entre agricultura e propriedade fundiária. Em primeiro

lugar, nos mostra que a propriedade fundiária é determinada pela agricultura, e

utilizada de modo comum, como propriedade comum. E destaca que

Onde predomina a agricultura praticada por povos estabelecidos como na sociedade antiga e feudal, a indústria com sua organização e as formas de propriedade que lhe correspondem mantém também maiores ou menores traços característicos da propriedade fundiária; a sociedade ou bem depende inteiramente da agricultura, como entre os antigos romanos, ou imita como na idade média, a organização do campo nas relações da cidade. [...] Na sociedade burguesa acontece o contrário. A agricultura transforma-se mais e mais em simples ramo da indústria e é dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda fundiária. Em todas as formas em que domina a propriedade fundiária, a relação com a natureza é preponderante. Naquelas em que reina o capital, o que prevalece é o elemento social produzido historicamente. Não se compreende a renda fundiária sem o capital, entretanto compreende-se o capital sem a renda fundiária. O capital é a potência econômica da sociedade burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade fundiária. (O Capital, volume I, tomo II, 1984, grifo nosso)

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Tendo feito estas ponderações sobre cada um, Marx adverte sobre a

necessidade de entendimento de suas relações recíprocas. Como já

destacamos anteriormente, a conclusão dos estudos de Marx, sobre “A Gênese

da Renda Fundiária”, contida no livro 3 de O Capital, aponta a dupla ruína

causada pelo desenvolvimento da agricultura capitalista, tanto ao trabalhador, o

qual é exaurido de seu poder natural (sua força de trabalho), quanto ao solo,

que tem sua fertilidade desperdiçada e comprometida.

Foladori (2001b) nos mostra que os efeitos sempre nocivos da renda

capitalista sobre o meio ambiente se expressam através da separação entre

propriedade e produção, gerando degradação do solo, mas também através da

corrida pela apropriação de terras virgens. Segundo este autor, a valorização

da natureza no capitalismo é dada pela produção futura de produtos mercantis

que poderão ser extraídos. O valor monetário de uma terra é obtido por sua

renda capitalizada e a renda pela diferença entre preço da venda do produto e

seus custos, incluindo o lucro. Mas, uma porção de terra, mesmo que não

cultivada, também tem seu preço, este dado pelos solos vizinhos, similares em

relação à fertilidade/ localização e destino econômico, e ainda pelas melhorias

incorporadas. Disto resulta a especulação da terra, causa de

insustentabilidade, com grande visibilidade nas cidades, pois as novas áreas,

que eram agrícolas, são convertidas em solo urbano. Assim, os especuladores

imobiliários adquirem terras a preços mais baixos, em função de suas rendas

agrícolas, e as vendem mais caro de acordo com suas rendas urbanas,

refletindo uma mudança na orientação econômica do solo.O segundo efeito

sobre o meio ambiente se manifesta na apropriação de terras virgens que

passam a ter preço de mercado. Ao se apropriar das condições naturais

virgens, o capitalista também se apropria do produto da fertilidade natural

histórica, ou seja, se apropria da natureza gratuitamente.

Portanto, o desenvolvimento das relações capitalistas na agricultura é

paradoxal, segundo Foladori (2001b), no caso das inversões de capital que

ampliam os rendimentos econômicos ao mesmo tempo em que diminuem a

fertilidade natural do solo. Neste caso, a valorização da natureza é dada

exclusivamente pelo valor de troca que se possa dela retirar. A ampliação de

ganhos dos capitalistas, fruto da crescente inversão de capital no solo, mesmo

com a diminuição de seu rendimento físico, tem seu limite no esgotamento total

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do solo, gerando uma crise ambiental. Marx explicou esta contradição

chamando atenção para a sua determinação econômica, uma vez que o lucro

retirado da renda do solo não retorna ao mesmo, mas é apropriado pelo

proprietário da terra, descrito por Foladori (2001b) como a contradição entre a

bonança econômica privada e a crise ambiental.

A lógica do desenvolvimento do capitalismo e sua relação com a terra é

analisada por Foster (2005, p. 243) como causadora de grandes contradições.

[...] A extrema polarização decorrente entre, num extremo, uma riqueza que não tem limites e, no outro, uma existência alienada, explorada, degradada que constitui a negação de tudo que é mais humano cria uma contradição que atravessa o sistema capitalista como uma linha de falha. [...] Em tudo isso, porém, Marx insiste continuamente em que a alienação da terra é o sinequa non do sistema capitalista.

Assim, Foster (2005) reforça que a abolição do antagonismo entre

cidade e campo se torna, para Marx, uma necessidade tanto da própria

produção industrial, como da produção agrícola e de saúde pública, tendo em

conta que as péssimas condições da água, do ar e da terra só podem ser

transformadas através de uma síntese mais elevada entre cidade e campo, que

eliminaria o fato comprovado de que, enquanto as massas se definham nas

cidades, seus excrementos cumprem a função de produzir lixo e doenças e não

adubo para a terra.

Foster e Clark (2006, p. 239) identificam as principais condições

ecológicas do capitalismo associadas ao imperialismo ecológico que “[...] está

gerando um conjunto de contradições ecológicas em escala planetária que põe

em risco a biosfera em sua totalidade”. A retomada da luta dos primeiros

socialistas, incluindo Marx, aponta para “a organização racional do

metabolismo com a natureza por meio de produtores associados livremente. A

maldição fundamental a ser exorcizada é o próprio capitalismo”.

O intento de Marx, ao elucidar as formas de falha do metabolismo com a

natureza e as suas especificidades no capitalismo era fundamentar a

necessidade de construção de outra organização societária. Esta sociedade

restabeleceria a relação de unidade entre o homem e a natureza externa

através do trabalho criativo, não subordinado e alienado, exercido por

produtores livremente associados.

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A relação em torno da disputa pelo acesso, distribuição e apropriação

dos bens ambientais, e o funcionamento da economia, impõe a consideração

sobre a auto-regulação do metabolismo social, onde a natureza seja regida por

suas próprias leis e processos naturais, e a sociedade, por suas regras

estabelecidas em torno da divisão do trabalho e a distribuição dos bens

socialmente produzidos.

Assim, o processo de construção de uma verdadeira sustentabilidade

co-evolutiva requer que a interação entre processos naturais e sociais, ao

longo do tempo, permita ao homem superar as falhas metabólicas, resultantes

de determinados modos de produção. A transformação da relação entre o

homem e a natureza, conforme nos ensina Marx, coloca-se como

conseqüência da superação destas falhas metabólicas. A abolição das

relações de produção, causadoras do antagonismo campo e cidade, impõem o

fortalecimento das lutas sociais, que vem sendo travadas no campo, em torno

de outro modelo agrário e ecológico.

As lições do capitalismo agrário são destacadas por Wood(2000) através

das seguintes questões: 1- O capitalismo não é resultante natural e inevitável

da natureza humana ou de práticas sociais antigas como o comércio, mas é

produto de suas próprias leis históricas que exigiram uma transformação nas

trocas do homem com a natureza para o provimento de seus meios de vida e

reprodução; 2- o capitalismo é, desde o seu início, uma força contraditória,

pois, como no caso da Inglaterra, as condições para a prosperidade material

foram alcançadas através de extensa expropriação e intensa exploração. A

busca por melhoramentos dos solos é regida pela busca de ampliação de

lucros.

A ética do “melhoramento”, da produtividade visando o lucro, é também, naturalmente, a ética do uso irresponsável da terra, da doença da vaca louca e da destruição ambiental. O capitalismo nasceu no âmago da vida humana, na interação com a natureza da qual depende a própria vida. A transformação desta interação pelo capitalismo agrário revela os impulsos inerentemente destrutivos de um sistema no qual os aspectos fundamentais da existência estão sujeitas às exigências do lucro. Em outras palavras, revelam a essência secreta do capitalismo. (p.27-8).

A autora destaca ainda uma lição de caráter mais geral acerca da

experiência da Inglaterra

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[...] Uma vez que os imperativos do mercado ditam os termos da reprodução social, todos os atores econômicos – tanto apropriadores quanto produtores, mesmo que tenham a posse, ou mesmo a propriedade dos meios de produção – estão sujeitos às exigências da competição, da produtividade crescente, da acumulação de capital e da intensa exploração do trabalho. [...] A história do capitalismo agrário e tudo que segue mostra com clareza que, onde quer que os imperativos do mercado regulem a economia e governem a reprodução social, não há como escapar da exploração. (p.28-9).

A exploração como traço marcante da sociedade capitalista se amplia de

modo voraz, no contexto da terceira revolução agrícola, em que se afirma o

agronegócio, tratado por Magdoff, Lanyon e Liebhardt, citados por Foster

(2005, p.346), como resultado da criação da indústria de fertilizantes, exterior à

economia agrícola, que buscava substituir os nutrientes perdidos do solo.

Uma ruptura subseqüente ocorreu com a terceira revolução agrícola

que, na sua fase inicial, estava associada à remoção dos grandes animais das

propriedades agrícolas, o desenvolvimento de confinamentos centralizados e a

substituição da tração animal por tratores. Não era mais necessário cultivar

leguminosas, que fixavam nitrogênio no solo naturalmente, para alimentar

ruminantes. Daí a dependência do nitrogênio fertilizante, produto deste novo

ramo da indústria, ter crescido com toda sorte de efeitos ambientais negativos,

inclusive a contaminação da água de superfície, a “morte” de lagos, etc. Tais

acontecimentos e outros processos intimamente correlatos são agora vistos

como associados ao padrão distorcido de desenvolvimento que caracterizou o

capitalismo (e outros sistemas sociais, como o da União Soviética que replicou

este padrão de desenvolvimento), tomando a forma de uma falha cada vez

mais extensa entre cidade e campo – entre o que é hoje uma humanidade

mecanizada oposta a uma natureza mecanizada. A fase atual do capitalismo

monopolista, cujas mudanças na agricultura avançam no aprofundamento dos

processos de artificialização, exploração, degradação e alienação do solo e do

trabalhador, impõe os impactos desta lógica no desenvolvimento da agricultura

brasileira e manifestam sua interconexão com a questão ambiental e as lutas

dos movimentos sociais no campo. É também a partir da terceira revolução

agrícola que se desenvolverá, após a segunda guerra mundial, a chamada

“Revolução Verde”, proporcionando transformações ainda mais profundas na

agricultura, ampliando, portanto, a falha metabólica.

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Destacamos a relevância destes estudos e seu aprofundamento para a

análise da questão ambiental no espaço agrário brasileiro, que será tratada no

capítulo II, especificando como o desenvolvimento da agricultura capitalista se

tornou um modelo hegemônico e ampliou, ainda mais, a falha metabólica,

fazendo com que se afirmassem sujeitos coletivos antagônicos ao mesmo.

Pelo exposto, estamos convencidos de que a produção marxiana nos

fornece bases necessárias para a compreensão das relações entre sociedade

e natureza que se erguem sob o capitalismo, ao evidenciar que a degradação

do ambiente se explica através de questões econômicas e políticas

relacionadas ao duplo processo de exploração do trabalho e da natureza.

Assim, o conceito de falha metabólica é utilizado para apreender o processo de

alienação de ambos, através da síntese entre a agricultura e a indústria. A

superação do metabolismo social do capital e a construção de um novo

metabolismo social passam, necessariamente, pela abolição deste modo

industrial de produção e pela livre associação dos produtores, onde o controle

das trocas materiais com a natureza no processo produtivo e a extinção da

propriedade privada são condições centrais. Esta será uma das

problematizações que pretendemos realizar nos próximos itens deste capítulo

1.1.3 Acumulação, expropriação e mercadorização da natureza: eixos

fundantes da questão ambiental.

O desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial, segundo Marx

(apud FOSTER; CLARK, 2006), deveria ser compreendido através dos

aspectos globais implicados tanto na acumulação primitiva quanto na falha

metabólica. O concomitante genocídio dos povos indígenas e a apropriação de

riqueza da América foram centrais para a constituição de grandes fortunas,

pois proporcionaram a pilhagem dos recursos naturais da periferia e a

exploração de seus recursos ecológicos. A criação de monoculturas como as

de café e de cana de açúcar para exportação, destinada à Europa com trabalho

escravo ou semi-escravo, fruto do desenvolvimento da economia mundial

capitalista, operava o roubo da periferia em favor dos países centrais.

Galeano (1983) analisa todo este processo, especificando a situação da

América Latina como a região das veias abertas.

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Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, rica em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. (GALEANO, 1983, p.14).

Para Harvey (2004), expropriação vem se constituindo como elemento

fundante no modo de produção e dominação capitalista, atuando em dois

sentidos: como forma de desapossamento não só dos meios de vida e de

produção, mas também da cultura e saberes para a realização de valor e como

forma de resgate da terra e, portanto, da natureza, que antes estava na mão

dos camponeses. O autor afirma que a expropriação de terras camponesas,

ocorrida na Inglaterra no período de acumulação primitiva, através da violência

em si, não se restringiu apenas a este período, mas prossegue na atualidade,

muitas vezes revestida de outros mecanismos de dominação. Neste período do

capitalismo neoliberal, principalmente os camponeses e os bens ambientais

continuam a sofrer com as ofensivas cada vez mais ampliadas do capital. Esta

relação é denominada pelo autor citado, como acumulação por espoliação ou

por desapossamento.

Consideramos que a espoliação sempre se constituiu num recurso do

capital. No entanto, conforme discutiremos mais adiante, as implicações atuais

estão relacionadas ao processo de manipulação da natureza e sua apropriação

privada, que se transforma num campo de acumulação do capital. O processo

de incorporação da natureza, na esfera da acumulação de capital se inicia com

a expropriação, que possibilita a apropriação, transformando a natureza em

propriedade privada constituída. Mas este ciclo só se completa com a

mercadorização, resultado de um processo final de interação entre a natureza

e o processo de trabalho, o qual pressupõe o trabalho assalariado, que

transforma a natureza numa outra matéria, ou seja, numa mercadoria, que

além de possuir valor de uso, possua, antes, valor de troca. Como nos mostra

Marx, o capitalista não produz mercadoria por amor à mesma.

Mas cabe ainda destacar que a valorização da própria mercadoria-

natureza no processo final de valorização do capital, só se fez presente no

capitalismo. Por isso, temos hoje a criação de mercados especializados em

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direitos de propriedade que se estendem desde o ar, as sementes, até a

biosfera como um todo, que vêm sendo incorporados na esfera da valorização

do capital, tornando-se direito de propriedade privada e deixando de ser bens

livres e coletivos. Este quadro é exemplar em relação ao fetichismo da

mercadoria, aplicada à natureza, que é considerada como uma coisa que,

servindo à reprodução do capital, torna-se altamente nociva ao intercâmbio

homem-natureza, ou seja, ao metabolismo social. Com isso, a natureza é

capitalizada, ou seja, é utilizada de acordo com o processo produtivo capitalista

voltado para a produção de valor e se transforma em valor de troca.

Chesnais (2010) defende que a natureza é considerada como uma

externalidade para o capital. Assim, tecnologias de produção limpa ou menos

poluentes e a utilização de recursos energéticos não poluentes só são

desenvolvidas na medida em que sejam funcionais ao capital, garantindo,

portanto, a reprodução do sistema capitalista.

A questão da tecnologia no capitalismo nos mostra que a relação

humana estabelecida com a natureza possui, contraditoriamente, aspectos

positivos relacionados ao conhecimento e, portanto, ao domínio das forças da

natureza, que representam o desenvolvimento das forças produtivas e uma

grande negatividade, na medida em que a ciência e a tecnologia são

estimuladas e desenvolvidas visando à elevação da produtividade do trabalho e

da taxa de exploração. Neste sentido, somos concordantes com Porto-

Gonçalves (2006) sob o comando do capital, a ciência assume um caráter

eminentemente antiecológico em consonância com a forma com que trata a

natureza, ou seja, como recurso, como objeto útil para a produção de valor.

A ciência, elemento fundamental para o conhecimento e mediação da

relação sociedade-natureza, como produtora de uma tecnologia, direcionada

pelo modo de produção capitalista, embasado na propriedade privada e na

realização do valor, se encontra separada de seus produtores diretos, os quais

se desvinculam das funções de comando e gestão do processo de trabalho e

dos bens a serem produzidos.

Encontramos em Médici (1983) elementos de reflexão sobre o sentido

histórico do processo que levou a relação homem e natureza ao quadro atual

de degradação ambiental. O processo de expropriação das terras e dos meios

de produção da maioria da população, como forma de acúmulo de capital, e o

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surgimento do trabalho assalariado foram condições necessárias e

determinantes no processo de desenvolvimento do capitalismo.

O desenvolvimento do capitalismo para uma fase industrial mais

avançada ampliou o domínio humano sobre a natureza, aprofundando as

relações homem/natureza mediadas pelo trabalho. Com a exploração do

trabalho através da mais valia absoluta, configura-se um quadro de intensa

pauperização dos trabalhadores ao lado da riqueza acumulada. Isto resulta na

presença das lutas sociais de classe, sugerindo o início do que mais tarde será

denominado de “questão social”, ou seja,

[...] expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia [...]. (IAMAMOTO e CARVALHO, 1983, p. 77)

Segundo Netto (1992), questão social pode ser tratada como “o conjunto

dos problemas sociais, econômicos e políticos que o surgimento da classe

operária trouxe para o contexto de enfrentamento das relações capitalistas de

produção”. Segundo este mesmo autor, neste período, os trabalhadores

passam a se organizar internacionalmente, criando em 1864, a Primeira

Internacional, dando início à criação de sindicatos e partidos políticos

socialistas e operários. Neste contexto, o Estado e as classes dominantes

elaboram a solução conservadora para a “resolução” da chamada “questão

social”, que se dá nos marcos da sociedade capitalista.

De acordo com Netto (1992), o desenvolvimento do capitalismo em sua

fase monopolista representou o fim dos empresários da “livre iniciativa” e suas

características estruturais se centram em alguns elementos, onde destacamos:

a produção e distribuição de mercadorias centralizadas por trustes e cartéis; a

tendência à fusão do capital bancário com capital industrial e exportação de

mercadorias e capitais. Estas características marcaram o desenvolvimento do

capitalismo no período anterior a I Guerra Mundial até a II Guerra. Esta nova

fase do capitalismo, que perpassa todo o século XX e adentra o século XXI,

também caracterizada como imperialismo tem como elementos distintivos os

padrões de acumulação flexível. E este processo de acumulação sob o

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imperialismo ocorre em nível mundial, tendo como sustentáculo a forma

empresarial monopolista.

Este autor também nos mostra que, com o surgimento do capitalismo

monopolista, até o final da I Grande Guerra, novas áreas agrícolas são

incorporadas ao mercado mundial, assim como se amplia a industrialização,

abrangendo Alemanha, Estados Unidos e o Oriente, através do Japão. Este é

um período de renovação tecnológica que, juntamente com a ampliação da

industrialização, influencia o aparecimento de formas de disciplinamento da

classe operária, onde se destaca o Taylorismo5·.

Após a II Guerra Mundial, os anos que vão de 1945-1960 são

considerados os “anos dourados do capitalismo monopolista”, conhecidos pela

criação do Welfare State. A produção fordista6 é universalizada junto com a

gerência taylorista. Foram estes mesmos anos dourados do capitalismo que,

de acordo com Hobsbawn (1994), apresentaram, em sua contra-face, uma

monumental destruição ambiental, onde a natureza passa a ser apropriada e

mercadorizada de modo inédito, sendo utilizada num ritmo e numa velocidade

jamais vistos na história humana. Este autor assevera

[...] uma taxa de crescimento econômico como a da segunda metade do Breve Século XX, se mantida indefinidamente (supondo-se isso possível), deve ter conseqüências irreversíveis e catastróficas para o meio ambiente natural deste planeta, incluindo a raça humana que faz parte dele ( p. 574).

5 Taylorismo ou Administração científica é o modelo de administração desenvolvido

pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), considerado o pai da administração científica e um dos primeiros sistematizadores da disciplina científica da Administração de empresas. O Taylorismo caracteriza-se pela ênfase nas tarefas, objetivando o aumento da eficiência ao nível operacional. É considerado uma das vertentes na perspectiva administrativa clássica. Suas ideias começaram a ser divulgadas no século XX.

6Fordismo, termo criado por Henry Ford, em 1914 refere-se aos sistemas de produção em

massa (linha de produção) e gestão idealizados em 1913 pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863-1947), autor do livro "Minha filosofia e indústria", fundador da Ford Motor Company, em Highland Park, Detroit. Trata-se de uma forma de racionalização da produção capitalista baseada em inovações técnicas e organizacionais que se articulam tendo em vista, de um lado a produção em massa e, do outro, o consumo em massa. Ou seja, esse "conjunto de mudanças nos processos de trabalho (semi-automatização, linhas de montagem)" é intimamente vinculado as novas formas de consumo social. Esse modelo revolucionou a indústria automobilística a partir de janeiro de 1914, quando Ford introduziu a primeira linha de montagem automatizada. Ele seguiu à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e desenvolveu outras técnicas avançadas para a época. Suas fábricas eram totalmente verticalizadas. Ele possuía desde a fábrica de vidros, a plantação de seringueiras, até a siderúrgica.

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Pontuando, especificamente, as alterações operadas pelo capitalismo

com o desenvolvimento da agricultura em grande escala, cabe apontar também

que foi no pós II Guerra Mundial, a partir da segunda metade do século XX,

que se desenvolveu a chamada “Revolução Verde” 7. As máquinas adaptadas

das sobras de armas da segunda guerra (como tanques, por exemplo) para

incrementar a agricultura de grande escala e, outros insumos, como os

chamados “defensivos” agrícolas são, por conseguinte, uma adaptação do

capitalismo aos “restos de guerra”. Isto expressa a extensão desta

destrutividade da indústria de guerra para a agricultura, tornando-se exemplar

como expressão da “destruição criativa” do capital defendida por Hayek, (apud

Foster, 2005) Decerto, a criatividade do capital vem se revelando inesgotável,

quando se trata de ampliar seus ganhos, pois, a partir de uma tecnologia

altamente destrutiva, se criam outras por sucessão, como no caso do pacote

tecnológico da revolução verde para a agricultura capitalista.

Médici (1983) argumenta que a etapa monopolista representa um marco

na “história da degradação ambiental” por ter desenvolvido, através da

chamada “segunda revolução industrial”,

[...] um conjunto de inovações tecnológicas consolidadas em novos processos de produção industrial, em novos produtos, e em novas fontes de produção e transmissão de energia [...]. O esgotamento dos recursos naturais, a degradação do meio ambiente e a deterioração da qualidade de vida das populações sob um determinado padrão de industrialização só ocorreram em função do pleno desenvolvimento do capitalismo, em especial em sua etapa monopolista (MÉDICI, 1983, p.6).

O desenvolvimento do capitalismo industrial acelera a tendência de

produção ilimitada de mercadorias, demandando a concomitante ampliação do

volume de recursos naturais necessários a esta produção. Com a elevação do

preço das mercadorias e da taxa de lucro e de acumulação, e com vistas a

evitar o subconsumo, verifica-se um processo de “criação de necessidades”

encaminhado pelo capitalismo, o que nos leva a refletir sobre a atualidade da

relação entre valor de uso e valor de troca. O capitalismo se afirma e se auto-

7No Brasil, a partir de meados da década de 1960, inicia-se a implantação da “revolução verde”

, que impõe profundas alterações na produção da agricultura. A manifestação da questão ambiental no desenvolvimento da agricultura brasileira será discutida no próximo capítulo.

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realiza através da subordinação das necessidades humanas às necessidades

de reprodução do valor de troca.

Foster (2005) nos mostra que Marx, nos Grundrisse, revela a diferença

entre os objetivos da produção de riquezas presentes nas práticas produtivas

do mundo antigo e do mundo moderno. Enquanto na antiguidade o objetivo da

produção é o atendimento das necessidades do ser humano e a riqueza

produzida se subordina a essa condição, no mundo moderno a produção de

riquezas se subordina aos objetivos da produção e a humanidade é

condicionada a produzir nesta nova lógica.

Foladori (2001c) destaca que a degradação ambiental, presente em

sociedades anteriores ao capitalismo, não se constituíam como ameaças

planetárias, uma vez que a produção era pautada na satisfação das

necessidades, onde a produção de mercadorias era definida pelo seu valor de

uso. Com a economia mercantil, sob o comando do capital, esta ordem é

subvertida, pois o processo produtivo passa a ser operado com vistas à

produção de excedente para a obtenção de lucro, portanto, o trabalho passa a

ser realizado com o objetivo de obtenção de valor.

Mészáros (2006) evidencia que a relação entre valor de uso e valor de

troca e a conseqüente subordinação do primeiro ao segundo foram

determinantes para que a produção de riqueza se transformasse no objetivo da

produção, sob a hegemonia do capital. A dinâmica do capitalismo

contemporâneo tem neste recurso a chave do seu desenvolvimento, uma vez

que a expansão do valor de troca subordina ao capital todas as necessidades

das pessoas e as diversas atividades de produção, tanto materiais quanto

culturais. Esta ruptura entre utilização humana e a produção, substituída pela

relação mercadoria, foi vital para a expansão do capital, para a qual não

poderia haver limites. E é essa determinação própria do sistema produtivo do

capital que se expressa no fato de que os seus produtos mercantilizados

mudam de mãos, ou seja, não são valores de uso para os seus proprietários,

mas são valores de uso para os seus não proprietários. Isto reflete o que Marx

discute em O Capital (livro 1), no processo de valorização das mercadorias, as

quais devem ter um valor antes que sejam realizadas como valores de uso.

Foladori (2001b) apresenta a contribuição de Burkett (1999) sobre o

duplo conceito de riqueza que, tendo por referência a produção de Marx em O

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Capital, ressalta a diferenciação entre riqueza material (valor de uso) e riqueza

social (valor de troca), afirmando que o processo do metabolismo social é o

que gera a riqueza material, ou seja, aquela natureza adaptada às

necessidades humanas. Mas este metabolismo, sob relações sociais de

produção e outras formas de organização de consciência, opera a

transformação da riqueza material em riqueza social, estabelecida através de

critérios históricos construídos por cada sociedade.

Sendo assim, há uma determinação material que é subordinada a uma

determinação social. Ocorre que, na sociedade capitalista, essa transformação

da riqueza material se incorpora numa riqueza social que é o dinheiro. De

modo que, para Marx, essa riqueza se apresenta como um conjunto de

mercadorias. E a mercadoria é a expressão deste duplo caráter da riqueza, ou

seja, é riqueza material, pois atende as necessidades e ainda pode ser trocada

por outros objetos.

Para Marx, a riqueza material, útil às necessidades humanas, é

expressa pelo valor de uso, que é um conceito inerente à natureza humana. A

valorização da natureza é dada pela relação da sociedade com seu ambiente.

Do ponto de vista das necessidades humanas (valor de uso), a natureza tem

valor genericamente. Mas é no modo de produção capitalista, através de suas

relações sociais, que o valor dessa natureza, dada pelo seu uso, se submete à

valorização atribuída pela sociedade humana.

A ordem produtiva dinâmica do capital, que submete profundamente as

necessidades humanas às necessidades de expansão do capital, é, para

Mészáros (2007, n. p.), auto-contraditória, pois impede o controle racional

completo, trazendo, no longo prazo, conseqüências perigosas e potencialmente

nefastas, que transformam “[...] um grande poder positivo de desenvolvimento

econômico, antes totalmente inimaginável, numa devastadora negatividade, na

ausência total da necessária contenção reprodutiva”.

O sistema capitalista necessita, então, de uma teorização falsa que

justifique uma produção ficticiamente ilimitada como a única alternativa, mesmo

que não se possa garantir que “[...] ‘a mudança de mãos, requeridas e

sustentáveis das mercadorias fornecidas, se verificará no mercado ‘idealizado’

[...]” (MÉSZÁROS, 2007, n. p.), contida na conhecida e famosa mão invisível do

mercado formulada por Adam Smith, e que

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[...] as condições materiais objetivas para produzir a projetada oferta ilimitada [...] de mercadorias possa ser assegurada para sempre, [desconsiderando] o impacto destrutivo do modo de reprodução metabólica social do capital sobre a natureza. (MÉSZÁROS, 2007, n. p.)

A solução projetada, segundo o autor citado, que deixa intacta o sistema

de produção capitalista é fazer com que a distribuição seja mais equitativa,

como se pudesse omitir, que o aspecto determinante da distribuição reside na

intocável distribuição exclusiva dos meios de produção, nas mãos da classe

capitalista. Apreender a relação entre o desenvolvimento das forças produtivas

e relações sociais de produção torna-se central para que a questão ambiental

seja dimensionada como resultante deste processo contraditório, cada vez

mais marcante no capitalismo contemporâneo, que consegue ampliar as

potencialidades humanas e sua diferenciação em relação à natureza e,

contraditoriamente, promover a atual degradação ambiental e desigualdades

humanas.

Os traços predadores e os processos destruidores com tempo de

gestação longo são colocados por Chesnais e Serfati (2003) como indicadores

decisivos e necessários à retomada e apropriação de uma crítica radical do

capitalismo e da dominação burguesa. Os autores defendem que a pertinência

da tradição marxiana, para essa análise, deve ser apreendida não apenas

através da obra de Marx, mas fundamentalmente através de seu método de

análise do capital e da constituição e desenvolvimento do modo de produção e

dominação capitalista. Este recurso possibilita a apreensão não só destes

traços predatórios, mas de todas as tendências à transformação das forças

inicialmente e potencialmente produtivas em forças destrutivas, já inscritas nos

fundamentos do capitalismo desde sua instituição e que avançam num tempo

de gestação e de maturação muito longo.

Os autores retomam as observações de Marx em “A Ideologia Alemã”,

onde este identifica dois mecanismos destrutivos

[...] no desenvolvimento das forças produtivas, chega-se a um estágio em que nascem forças produtivas e meios de circulação, que só podem tornar-se nefastas no quadro das relações existentes e não são mais forças produtivas, mas forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro) (MARX, apud Chesnais e Serfati, 2003, p.12)

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É preciso pontuar que concordamos com a análise que Chesnais e

Serfati (2003) fazem sobre as observações de Marx em A Ideologia Alemã

sobre as forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro), que se situa no âmbito

de suas preocupações com o destino dos proletários, de suas famílias e das

camadas não proletarizadas mais exploradas. Isto reafirma que o processo

inicial de constituição do capitalismo, através da expropriação das condições

de existência dos produtores, que mais tarde vão formar o proletariado, já se

constituía numa ameaça concreta, desde a acumulação primitiva, às condições

físicas de reprodução social, tendo como referência central o caráter destrutivo

do capitalismo no campo do meio ambiente natural e da biosfera.

Para Mészáros (2006), a subordinação das necessidades humanas à

reprodução do valor de troca, o controle do sociometabolismo do capital sobre

o indivíduo e a necessidade vital de acumulação e sua lógica destrutiva se

expressam no capitalismo contemporâneo, dentre outras estratégias, através

da redução do tempo de uso das mercadorias, também denominado como taxa

decrescente de utilização (TDU). Portanto, através da TDU, o capital viabiliza a

realização de uma obsolescência planejada das mercadorias, que se torna uma

estratégia, especificamente capitalista, que comanda a técnica de fabricar

produtos pouco duráveis, vital para a acumulação do capital que ganha com o

decréscimo no tempo de uso.

De acordo com o autor citado, esse crescimento da produção sem

limites, possibilitado com a redução do tempo de utilização dos produtos, força

uma contradição fundamental, pois o aumento acelerado de consumo de

recursos naturais neste processo de produção ocasiona uma verdadeira

destruição ambiental, gerando o desperdício de uma de suas fontes de

acumulação. Esta contradição corresponde à lógica capitalista que determina e

subordina as necessidades humanas às suas necessidades de auto-

reprodução.

Mészaros (2006) analisa esta tendência do capitalismo atual nos

mostrando que tanto o consumo como a destruição são equivalentes

funcionais. A produção destrutiva do capital que amplia a violência social

também leva a aceleração do consumo e do desperdício de recursos naturais

devido à TDU, ao mesmo tempo em que eleva os efeitos perversos da poluição

ambiental, aquecimento global, mudanças climáticas, etc.

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O Estado, sob o comando do capital, se apresenta como um sujeito

fundamental na aplicação da TDU e o complexo industrial-militar torna-se o

núcleo estratégico deste tipo de produção e consumo. A partir da metade do

século XX, a indústria civil passa a utilizar a TDU, que tem repercussões

negativas na produção e no consumo capitalista, abrangendo bens e serviços,

instalações e maquinarias e, a força de trabalho.

Segundo Lowy (2005), a interpretação de Marx, feita por alguns

marxistas, de que a tarefa do socialismo seria destruir as relações de produção

capitalistas, a propriedade privada, as classes sociais, etc. e permitir o livre

desenvolvimento das forças produtivas, deve ser criticada e superada. Esta

interpretação tem como problema central o pressuposto da neutralidade das

forças produtivas, que devem ser desenvolvidas ainda mais. Em contraponto, o

autor ressalta que as forças produtivas, sob o comando e a intencionalidade do

capital, portanto, a serem herdadas do capitalismo, são destruidoras da força

de trabalho e da natureza.

A própria estrutura do processo produtivo, da tecnologia e da reflexão científica a serviço dessa tecnologia e desse aparelho produtivo é inteiramente impregnada pela lógica do capitalismo e ela toda conduz a um tipo de força produtiva que é destruidor do meio ambiente. (p.83).

Neste sentido, o autor propõe como alternativa radical a transformação

da própria estrutura das forças produtivas, a estrutura do aparelho produtivo,

pois sem isso ela não pode ser apropriada e posta a serviço das classes

trabalhadoras. Como exemplo, destaca a urgência da superação do sistema

produtivo capitalista atual, que tem seu funcionamento ligado a três tipos de

energias altamente destruidoras da natureza - o carvão, o petróleo e a energia

nuclear - que precisam ser substituídas por energias renováveis, das quais a

energia solar é a principal, tanto pela sua abundância como pelo seu acesso.

Foster (2005) pondera que a utilização de recursos energéticos alternativos e

não-poluentes (energia solar, eólica, etc.) não se refere a uma questão de

limite técnico do capital, mas ao fato de que o desenvolvimento destes recursos

está condicionado ao lucro e este objetivo central submete os interesses e

necessidades da humanidade e do planeta.

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Mészáros (2006) defende que as forças produtivas desenvolvidas pelo

capital não podem ser simplesmente herdadas por uma nova forma histórica de

sociedade, pois que devem ser radicalmente reestruturadas e reorientadas.

Seu argumento se centra no fato de que as forças produtivas forjadas pelo

capital se transformaram numa pesada herança, que restringem uma nova

forma social ao legado do passado. Mas somos concordantes com Chesnais e

Serfati (2003) que defendem que a lógica do capital encarnou-se em

determinados ramos tecnológicos, que devem ser eliminados, como por

exemplo, a biotecnologia para a produção de sementes transgênicas. Assim,

consideramos que o caráter social de toda tecnologia corresponde ao nível das

necessidades e do desenvolvimento da sociedade, que são hegemonizadas

pelas classes dominantes, podendo ser progressiva ou regressiva.

Mas cabe ponderarmos que não significa que a humanidade tenha que

dispensar todas as forças produtivas, pois isto, nenhuma sociedade pode fazer.

Neste sentido, Lowy (2005) nos lembra que, quando Marx fala em “quebrar as

forças produtivas”, não nega a necessidade de conservação e expansão de

forças produtivas “positivas”.

A fase atual do capitalismo apresenta claramente esta contradição entre

as forças produtivas e as relações sociais de produção, pois a ampliação do

desenvolvimento das forças produtivas, incentivado pelo acréscimo

tecnológico, entra em contradição com as relações capitalistas que ofereceram

as condições de seu próprio avanço, e agora se tornam entraves à ampliação

do desenvolvimento das forças produtivas. Assim sendo, com a crise gerada

por este processo, as relações sociais capitalistas têm que se transformar e a

saída encontrada é a queima, a destruição de parte destas forças, que se

justifica, pela lógica do capital, como “destruição produtiva”. A materialização

desta saída vem ocorrendo historicamente em todas as crises do capital, com a

queima das forças produtivas através de guerras (que beneficia-impulsiona a

indústria bélica), da dilapidação social da força de trabalho, da destruição de

mercadorias, da degradação da natureza, etc., obedecendo à estratégia de

realização do valor. No entanto, a crise atual possui características particulares,

que se mostra, expressivamente, mais grave e ameaçadora, conforme

discutiremos no último capítulo.

Somos concordantes com Silva (2010, p.32) ao evidenciar que

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[...] a localização ontológica das determinações da questão ambiental se situa na separação da sociedade em classes sociais e, as conseqüentes distinções na forma de se apropriar do meio ambiente, nos leva a identificar a radical impossibilidade de superação da destrutividade planetária pela via do progresso técnico.

Bihr (1999) analisa que a “lógica mortífera” do produtivismo capitalista,

submete todo o processo de produção, envolvendo cada um de seus três

elementos. Assim, no processo de produção capitalista, a natureza, a ser

transformada pelas forças do trabalho e, meios de trabalho, para atender a um

sistema de necessidades, torna este ato mediador em seu próprio fim.

Assim, concluímos com Silva (2010) ao afirmar que o entendimento das

determinações mais gerais da questão ambiental, se encontra no processo e

na dinâmica do desenvolvimento do capitalismo e, como produto da forma

histórica de apropriação da natureza pelo capital, que é transformada em

objeto mercantilizável a partir da mediação da ciência e da tecnologia, com a

intencionalidade de ampliação das potencialidades do trabalho para a extração

de mais-valia.

Trataremos a seguir da relação entre política e questão ambiental, tendo

como referência a contribuição do italiano Antônio Gramsci, destacando o

conceito de política e suas elaborações sobre a relação entre Estado e

Sociedade civil, que serão analisados como elementos de uma perspectiva

essencial, para a necessária politização da questão ambiental.

1.2 Política e questão ambiental

1.2.1 Política em Gramsci: considerações teórico-conceituais

Podemos afirmar que uma acepção positiva da Ciência Política, no

interior do marxismo, se constrói particularmente a partir da produção do

italiano Antônio Gramsci. Empenhado em realizar uma crítica fundamentada ao

economicismo, à experiência da Segunda Internacional e ao “marxismo

soviético”, este autor se preocupa em afirmar que as “relações de força” são

um momento constitutivo do ser social.

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A obra de Gramsci tem como fio condutor, assim, uma reflexão sobre a

ação e as instituições políticas. Para ele, todas as esferas do ser social

convergem para a relação com a política, da qual o primeiro elemento é que

existem efetivamente governantes e governados. Esta figura abstrata contém

potencialmente todas as determinações mais concretas da totalidade e, para

este autor, é necessário demarcar o caráter de historicidade deste elemento: a

relação entre governantes e governados tem uma gênese na sociedade de

classes e uma possibilidade de superação no que ele denomina como

“sociedade regulada”8 .

Gramsci afirma que a natureza humana é o conjunto das relações

sociais historicamente determinadas e, neste conjunto, a ciência política deve

ser concebida em seu conteúdo concreto como um organismo em

desenvolvimento. Assim, o primeiro elemento da política não é um fato natural

e eterno, mas um fenômeno histórico sobre o qual Gramsci se preocupa em

problematizar: pretende-se criar condições nas quais a necessidade desta

divisão desapareça? Crê-se que ela é um fato histórico, correspondente a

certas condições?

A fim de buscar resposta a essas questões, Gramsci constrói uma

perspectiva original de política destacando duas acepções principais. Em

primeiro lugar, política teria uma concepção ampla, onde a mesma pode ser

considerada como sinônimo de liberdade, de universalidade, referindo-se a

todas as formas de práxis que superam a simples recepção passiva ou a

manipulação dos dados imediatos da realidade, e se dirige para a totalidade

das relações objetivas e subjetivas. Neste sentido, todas as esferas do ser

social são atravessadas pela política, todas elas contêm a política como um

elemento real ou potencial ineliminável. Política é sinônimo de “catarse”, de

superação, de salto qualitativo, de passagem do momento meramente

econômico ao momento ético-político, permitindo a elaboração superior da

estrutura em superestrutura na consciência dos homens.

8 Na “sociedade regulada”, será superada a divisão da sociedade em classes antagônicas, a

partir da construção de uma complexa e bem articulada sociedade civil, em que o indivíduo particular se governe por si sem que este seu autogoverno entre em conflito com a sociedade política. Constrói-se, assim, a possibilidade de que tal sociedade civil seja capaz de absorver o Estado-coerção, cujas funções serão transferidas para as relações conscientes e consensuais da sociedade civil.

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Para Martins (2007) com o conceito de “catarse”, Gramsci conseguiu

sintetizar sua concepção de mundo num conceito comprometido ético-politica e

ideologicamente com as classes subalternas.

[...] a libertação dos subalternos na acepção gramsciana exige uma reforma moral e intelectual que seja capaz de efetivamente promover nas classes subalternas uma “catarse” (...). Isso porque elas só conseguirão constituírem-se como um bloco social no momento em que unificarem os grupos subordinados na luta contra hegemônica, o que só é possível abandonando as suas posições corporativas e adquirindo cada vez mais consciência de classe, bem como desenvolvendo ações guiadas por essa consciência renovada e elevada. É neste momento de elevação de consciência e de luta ético-política contra a hegemonia vigente que as classes subalternas superam a sua condição de “classe em si” para tornarem-se “classe para si” (Marx), educadas como conjunto, que lutam em favor de si orientadas por uma visão de mundo que elas mesmas e seus intelectuais orgânicos forjaram. (Martins, entrevista IHU on-line, 2007)

Coutinho (2003) ressalta que, neste sentido mais amplo, a política pode

ser apresentada como o momento da passagem do determinismo econômico à

liberdade política, momento em que as diferentes classes sociais, graças à

elaboração de uma vontade coletiva, não são mais um simples fenômeno

econômico, mas se tornam um sujeito consciente da história. Para o

pensamento gramsciano, uma classe que não é capaz de efetuar esta

“catarse”, não pode se tornar uma classe nacional, ou seja, não pode

representar os interesses universais de um bloco histórico e não pode

conseqüentemente, lutar pela conquista da hegemonia na sociedade. No

interior do pensamento social gramsciano, orientado desde sempre por uma

perspectiva de construção de uma contra-hegemonia da classe trabalhadora,

este desafio se torna ainda mais marcante.

Mas Gramsci se preocupa também em delinear uma perspectiva de

política que Coutinho (2003) chamaria de restrita, porque dimensionada no

conjunto das relações mais cotidianas da sociedade. Neste âmbito, Gramsci

ainda se envolve com uma importante diferenciação: entre a “grande política”

(alta política) e a “pequena política”. A “grande política” toma em questão as

estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las, direcionando-se

para “as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição,

pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas

econômico-sociais” (CC, VOL. 3, p.21), e se contrapõe à “pequena política”,

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considerada por ele como as lutas e os enfrentamentos políticos do dia-a-dia,

parlamentares, de corredor, de intrigas, que “envolve questões parciais e

cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em

decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma

mesma classe política.” (CC v.3, p.21). Esta “pequena política”, ao não colocar

em discussão as grandes questões seria, então, o terreno de uma práxis

manipulatória, passiva, que sofre o determinismo em vez de enfrentá-lo.

Neste domínio, o pensamento gramsciano se voltaria para a política com

uma percepção dialética e materialista de uma característica ontológica

essencial do ser social. Estaria, assim, envolvido com o conjunto de práticas e

objetivações diretamente ligadas às relações de poder entre governantes e

governados. Neste sentido, a política é algo historicamente transitório e estaria

demarcando o espaço mais concreto onde as classes sociais, economicamente

constituídas, superam qualitativamente seus traços meramente corporativos e

se envolvem com a construção de um projeto societário mais amplo. Por isso,

afirma COUTINHO (1995) a política seria a esfera da “representação de

interesses”.

Podemos afirmar que Gramsci, com suas reflexões e proposições,

trouxe uma rica contribuição à análise da realidade contemporânea, no sentido

de conceber a política para além dos espaços institucionalizados, como

partidos e parlamento. Sua produção tem a singularidade de pensar como fazer

política e como esta se instala na sociedade civil. Exemplo disto é sua

percepção da escola, das instituições como campos de força, como agências

da sociedade civil, ou seja, como lugares da política, espaços onde se instalam

disputas por valores. Por isso, advertia sobre a insuficiência da conquista do

poder político, do topo do poder do Estado, para a necessária mudança social.

Era preciso, antes, que determinada classe social, que se pretenda dirigente e

dominante, já tenha, no interior das disputas na sociedade civil, conquistado e

consolidado várias mudanças, através da disputa de valores e da formação de

consenso para a construção da hegemonia, onde se destaca o papel dos

intelectuais como produtores deste consenso.

Semeraro (2003), refletindo sobre o processo de autoconstrução de

sujeitos dirigentes, destaca que Gramsci subverte a concepção corrente de

política-potência, afirmada a partir do uso da violência, e mostra que as classes

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subalternas, podem se utilizar de outro tipo de armas para conquistar a

hegemonia.

[...] o distanciamento crítico da realidade, a formação de sua autonomia pela ação política, a representação de si pela criação de uma cultura própria, a participação ativa na construção de um projeto popular de democracia articulado com forças nacionais e internacionais”. (p. 262)

Como podemos perceber, Gramsci relaciona a política com a totalidade

social e, segundo Coutinho (2003), se preocupa em não inverter a prioridade

ontológica da estrutura em face da superestrutura. Para este autor,

Gramsci recusa, assim, de modo enfático a redução da economia às relações técnicas de produção (...) e não se limita a simples esfera da produção de objetos materiais, de coisas, mas é o modo pelo qual os homens estabelecem seu “metabolismo” com a natureza e produzem e reproduzem não só objetos materiais, mas, sobretudo suas próprias relações sociais globais (p. 76)

Gramsci reconhece, assim, que existe o que podemos chamar de

“momento predominante”, mas que a estrutura e as superestruturas formam um

bloco histórico, onde o conjunto complexo e contraditório das superestruturas

compõe uma totalidade com o conjunto das relações sociais de produção. A

ação política ocorre sempre no âmbito das determinações postas pela

estrutura, que limitam as margens de realização da liberdade. A economia

determina a política delimitando o âmbito das alternativas que se colocam à

ação dos sujeitos.

Com o conceito de “bloco histórico”, o revolucionário italiano procurou

deixar claro que não entende que a superestrutura tenha completa autonomia

em relação à estrutura, mas que há entre elas uma relação dialética. Isto é,

Gramsci não criou uma teoria que concebe a história como determinada pelos

aspectos subjetivos, intersubjetivos, culturais etc., mas como resultante da

inter-atuação das forças materiais e ideológicas.

Segundo Liguori (2003) a relação existente entre a base material e a

superestrutura jurídico-política e ideológica, não é a de um simples reflexo do

elemento econômico sobre o social, moral, político, religioso, psicológico,

cultural, estético e ético, mas a de uma síntese com múltiplas determinações.

Gramsci evidencia esta relação entre estrutura e superestrutura ao fazer suas

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reflexões sobre a análise das situações, a fim de dimensionar as relações de

força.

É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que deve ser posto com exatidão e resolvido para que se possa chegar a uma justa análise das forças que atuam na história de um determinado período e determinar a relação entre elas. É necessário mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se põe tarefas para cuja solução ainda não existam as condições necessárias e suficientes, ou que pelo menos não estejam em vias de aparecer e se desenvolver; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desenvolvido todas as formas de vida implícitas em suas relações ( CC, v.3,p.18)

E logo, adverte

O estudo de como se deve analisar as “situações”, isto é, sobre como se deve estabelecer os diversos níveis de relação de força, pode servir para uma exposição elementar de ciência e arte política, entendida como um conjunto de regras práticas de pesquisa e de observação particulares úteis para despertar o interesse pela realidade efetiva e suscitar intuições políticas mais rigorosas e vigorosas. (CC, v.3, p.19)

Nas sociedades capitalistas contemporâneas, é possível reconhecer, a

partir do pensamento gramsciano, um processo de “socialização da política”. A

diminuição do tempo de trabalho socialmente necessário implica um “recuo das

barreiras naturais”, ou seja, uma ampliação do âmbito da liberdade humana

(Marx). A socialização da produção, ao reduzir a jornada de trabalho e agrupar

grandes aglomerados humanos, está na base dos processos de socialização

da participação política, da criação de um grande número de sujeitos políticos

coletivos que constituem a base material da “sociedade civil”. Disto decorre,

então, um “recuo das barreiras econômicas”, ou seja, a ampliação da

autonomia e da influência da política sobre a totalidade da vida social. Quanto

mais se amplia a socialização da política, mais se desenvolve a sociedade civil.

Os processos sociais serão cada vez mais determinados pela teleologia e cada

vez menos será coercitiva a causalidade automática da economia.

O modo pelo qual economia e política se relacionam não é dado, assim,

de uma vez para sempre, mas depende das características concretas da

formação social em questão, sendo historicamente mutável. Naquelas que

Gramsci chamou de “sociedades ocidentais”, caracterizadas pela presença de

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uma sociedade civil desenvolvida, capaz de realizar a mediação entre o mundo

da economia e as instituições do Estado em sentido restrito, a política passa a

compor uma dimensão indispensável da práxis social e a conter os espaços de

crítica e de redimensionamento das diferentes sociedades. Define-se, então,

aquilo que, no pensamento gramsciano, ficou caracterizado como Estado

ampliado, ou seja, como a composição dialética e, ao mesmo tempo unitária,

entre sociedade política e sociedade civil, entre espaços e estratégias

coercitivas e consensuais, onde as últimas devem ter primazia sobre as

primeiras.

Nesta compreensão, a luta pela hegemonia se torna o elemento central

nestas sociedades, pois, tendo sua base no mundo produtivo, a ele não se

limita, uma vez que a direção intelectual e moral, parte de grupos sociais, com

um papel determinado na vida econômica, para hegemonizar outros grupos

que desempenham papéis igualmente determinados.

Analisando a complexidade das sociedades ocidentais, tendo em conta

a natureza das crises revolucionárias, Coutinho (2007, p. 153) nos mostra que

Gramsci, para defini-las, refere-se a noção de “crise orgânica”, que sendo

qualitativamente diferentes das “crises ocasionais” ou “conjunturais”,

[...] não comporta a possibilidade de uma solução rápida por parte das classes dominantes e significa uma progressiva desagregação do velho “bloco histórico”. Se a crise orgânica, em seu aspecto econômico, apresenta-se como manifestação de contradições estruturais do modo de produção, ela aparece – no aspecto superestrutural, político-ideológico – como crise de hegemonia.

Em “Passado, presente”, (CC, v3, p. 184) ao abordar a crise moderna,

Gramsci a analisa como uma crise de “autoridade” demonstrando que

[...] se a classe dominante perde o consenso, ou seja, não é mais “dirigente”, mas unicamente “dominante”, detentora da pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados.

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Coutinho (2007) analisa que a crise de hegemonia é a expressão política

da crise orgânica, envolvendo alto grau de participação organizada, por um

período relativamente longo de maturação, comportando luta por espaços e

posições num movimento de avanços e recuos.

[...] na “guerra de posição” que atravessa uma crise de hegemonia, preparando-a ou dando-lhe progressivamente solução, não há lugar para a espera messiânica do “grande dia”, para a passividade espontaneísta que conta com o desencadeamento de uma explosão de tipo catastrófico como condição para o assalto ao poder. O critério central para a resolução da crise é a iniciativa dos sujeitos políticos coletivos, a capacidade de fazer política, de envolver grandes massas na solução de seus próprios problemas, de lutar cotidianamente pela conquista de espaços e posições, sem perder de vista o objetivo final, ou seja, o de promover transformações de estrutura que ponham fim à formação econômico-social capitalista. (2007, p.155).

As categorias Estado e sociedade civil são discutidas por Liguori (2003)

tendo em vista a centralidade do conceito de Estado ampliado (ou Estado

integral) contido nos Cadernos do Cárcere. E o faz no sentido de compreender

a importância, e mesmo o destaque, do Estado no século XX, a partir da

disputa teórica contra a separação orgânica entre sociedade civil e Estado.

Este autor defende que, para Gramsci, entre Estado e sociedade civil, há uma

relação dialética de unidade e distinção, indicando uma referência e uma

influência recíprocas, pois Estado strictu sensu e sociedade civil são momentos

distintos que não se identificam e estão em relação dialética formando em

conjunto, o Estado Ampliado (p. 183). E ainda ressalta que esta distinção é de

natureza “metodológica”, não orgânica (p. 45). E, longe de afirmar o papel

exclusivo/primordial do Estado como sujeito da história, nos mostra que os

sujeitos principais, as classes fundamentais, conquistam a hegemonia através

da sua capacidade de “tornar-se Estado”. Reafirmando sua fidelidade ao

pensamento gramsciano, nos alerta que

[...] não é possível pensar num “protagonismo” dos intelectuais ou da sociedade civil se tal protagonismo é afirmado sem que se leve em conta essas coordenadas essenciais. Isto em Gramsci - porque, obviamente, cada qual é livre para pensar hoje de modo diverso. (LIGUORI, 2003, p. 184).

Neste sentido, Coutinho (2010) esclarece que esta relação dialética de

unidade e distinção se refere, em primeiro lugar, “a função que exercem na

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organização da vida social, na articulação e reprodução das relações de

poder”. Na sociedade civil, as classes constroem e aderem voluntariamente

aos mais diversos organismos em busca do exercício da hegemonia através da

direção político-intelectual e do consenso, e na sociedade política há sempre a

busca do exercício da dominação através da coerção, tendo ambas, uma

materialidade social própria, caracterizada por seus portadores materiais, ou

seja, a sociedade política tem como seus representantes a burocracia militar e

executiva, e a sociedade civil, os “aparelhos privados de hegemonia” que

possuem uma autonomia relativa em relação ao Estado em sentido restrito.

O “Estado integral” de que nos fala Gramsci representa, assim, um

equilíbrio hegemônico entre poder coercitivo e mecanismos morais, intelectuais

e culturais de mobilização, de consentimento e apoio. A questão que se coloca

nestes enfrentamentos é minimizar o uso do poder coercitivo, produzindo e

disseminando sistemas de legitimação morais e intelectuais para mobilizar

apoios através dos mais diferentes espaços de luta política.

Se todo Estado tende a criar e manter um certo tipo de civilização e de cidadão(e portanto, de conivência e de relações individuais), tende a fazer desaparecer certos costumes e atitudes e a difundir outros, o direito será o instrumento para esta finalidade(ao lado da escola e de outras instituições e atividades) e deve ser elaborado para ficar conforme a tal finalidade, ser maximamente eficaz e produtor de resultados positivos.(...) Na realidade, o Estado deve ser concebido como “educador” na medida em que tende precisamente a criar um novo tipo ou nível de civilização. Dado que se opera essencialmente sobre as forças econômicas, que se reorganiza e se desenvolve o aparelho de produção econômica, que se inova a estrutura, não se deve concluir que os fatos de superestrutura devam ser abandonados a si mesmos, a seu desenvolvimento espontâneo, a uma germinação casual e esporádica. O Estado, também neste campo é um instrumento de racionalização, de aceleração e de taylorização; atua segundo um plano, pressiona, incita, solicita e “pune”, já que, criadas as condições nas quais um determinado modo de vida é “possível”, a “ação ou omissão criminosa” devem receber uma sanção punitiva, de alcance moral, e não apenas um juízo de periculosidade genérica. O direito é o aspecto repressivo e negativo de toda a atividade positiva de educação cívica desenvolvida pelo Estado. (CC, vol. 3, p.28)

Este equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil ou hegemonia

de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercida através de

organizações ditas privadas, se constitui dentro do que Gramsci chama de

equilíbrios instáveis, como sinaliza Liguori (2007, p.39).

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“Equilíbrios Instáveis” é uma expressão que explica bem o sentido da luta e o espaço da política. O Estado é o terreno, o meio e o processo em que esta luta necessariamente se desenvolve, mas os atores principais de tal luta são o que Gramsci chama de “classes fundamentais”. [...] o processo pelo qual estas classes “se fazem Estado” é um momento iniludível da luta pela hegemonia [...].

Em relação à concepção de Estado, Gramsci parte da concepção de

Marx e Engels, no sentido de que a classe dominante economicamente

também detém a dominação política. Mas ele acrescenta, na sua teoria de

Estado, a relação força e consenso. E para entender estes elementos, dois

pares conceituais são fundamentais: a relação entre Estado e sociedade

política (onde se exercita a força pela coerção para a manutenção da ordem

estabelecida) e entre Estado e sociedade civil.

Coutinho (2007) pondera que Gramsci trabalha numa época histórica e

num âmbito geográfico, no qual já se generalizou essa maior complexidade do

fenômeno estatal através de uma intensa socialização da política, como

consequência da conquista do sufrágio universal, da criação de grandes

partidos políticos de massa e da ação efetiva de sindicatos operários. Sendo

assim, foi criada uma rede de organizações com papel efetivo na vida pública,

que segundo Gramsci posiciona-se entre a “sociedade política”, representada

pelos aparelhos executivos (civis e militares) do Estado e a “sociedade

econômica” relacionada ao mundo das relações sociais de produção. É esta

esfera do ser social que Gramsci conceitua como sociedade civil,

representando a originalidade de sua elaboração em relação ao conceito de

Estado de Marx. E neste sentido, Coutinho (2007) chama atenção para o fato

de que Marx não pôde conhecê-la, pois seu pleno desenvolvimento foi

posterior ao seu tempo histórico. Por isso, para Marx, sociedade civil

corresponde às relações sociais de produção, ao mundo econômico, e para

Gramsci refere-se ao conjunto de organizações (escolas, igrejas, partidos,

meios de comunicação, etc.) que elaboram e disseminam as ideologias, e que

não se constitui como zona neutra situada para além do Estado e do mercado,

mas como parte do Estado, como espaço de enfrentamento da luta de classes,

onde se busca a conservação ou a conquista da hegemonia.

Segundo Coutinho (2007), ao enriquecer o conceito de sociedade civil,

Gramsci se manteve fiel ao princípio básico do materialismo dialético.

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O conceito de “sociedade civil” é o meio privilegiado através do qual Gramsci enriquece, com novas determinações, a teoria marxista de Estado. E se é verdade, como vimos, que esse enriquecimento motiva uma concretização dialética na questão do modo pelo qual a base econômica determina as superestruturas (ou seja, essa determinação é mais complexa e mediatizada onde a sociedade civil é mais forte) isso não anula de modo algum (...) a aceitação gramsciana do principio básico do materialismo histórico:o de que a produção e a reprodução da vida material, implicando a produção e reprodução das relações sociais globais, é o fator ontologicamente primário na explicação da historia.(COUTINHO, 2007, p. 122-123)

Liguori (2007, p. 53) ao destacar as contribuições de Gramsci para a

efetivação de uma nova teoria marxista do Estado, nos mostra que, “[...] é no

terreno das relações de força, da luta política efetiva, que em última análise, se

define a hegemonia da pequena e da grande política”. E, sem deixar de se

referir às disputas no âmbito econômico, nos adverte, para o necessário e

indispensável papel que desempenha a batalha de idéias na definição das

relações de força.

Só uma análise histórico-concreta das relações de força presentes em cada momento pode definir, da perspectiva das classes subalternas, às quais Gramsci jamais deixou de se referir, a função e as potencialidades positivas e negativas tanto da sociedade civil quanto do Estado. (LIGUORI, 2007, p. 54)

Por isso, considera fundamental repropor o verdadeiro sentido do

conceito gramsciano de sociedade civil, que o peculiariza, justamente, por sua

capacidade de superar dialeticamente os conceitos de seus “autores” (Marx,

Engels e Lênin) e construir uma noção original de sociedade civil, que se

coloca como o eixo central de uma nova teoria marxista do Estado. Desta

forma, defende que o debate ideológico-político atual, não pode prescindir da

correta definição do estatuto teórico da sociedade civil e do Estado.

Na perspectiva teórica elaborada por Gramsci, é importante

demarcarmos que, no contexto das sociedades ocidentais, onde sociedade civil

e a sociedade política, como esferas societárias de poder, se apresentam em

interconexão, a estratégia de luta e de superação das relações materiais de

uma dada realidade social, no caso, a sociedade capitalista, deve estar

diretamente vinculada ao que ele chamou de “guerra de posição”, ou seja, uma

luta prolongada no tempo, travada num espaço social amplo e heterogêneo,

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que inclui, necessariamente, mais de uma frente simultânea, com avanços e

retrocessos parciais e contínuos. Neste sentido, a guerra de posição “envolve a

luta pela ocupação de todos os espaços sociais - institucionalizados ou não –

para disputar a hegemonia com a classe dominante economicamente e

dirigente ética e politicamente” (SEMERARO, 2007, p. ).

Sem abandonar a perspectiva e a possibilidade de uma revolução,

Gramsci acredita que esta passa a ser, a partir do contexto de maior

complexificação das sociedades contemporâneas, um processo de laboriosa

gestação e não de um acontecimento único e irreversível, pois se volta a

questionar e a buscar romper com cada uma das inúmeras relações que, no

contexto da sociedade capitalista, por exemplo, se apresentam marcadas pela

opressão e pela desigualdade.

Tal atitude visa a fazer de cada um desses espaços uma trincheira das

classes subalternas na luta contra-hegemônica, com o objetivo de alterar a

correlação de forças e, assim, estrategicamente, ir construindo outra ordem

sócio-econômica e ético-política. Gramsci nos alerta sobre a necessidade de

análise na história da política, de acontecimentos marcantes como o ocorrido

em 1917, que demarcaram “uma reviravolta decisiva na história da arte e da

ciência da política”, e lança como desafio “estudar com profundidade quais são

os elementos da sociedade civil que correspondem aos sistemas de defesa na

guerra de posição” (CC vol.3, p. 73). Neste sentido, a inquietação, a grande

questão colocada é saber qual é o nível de resistência da sociedade civil antes

ou depois do assalto ao poder, onde este tem lugar, etc.(CC vol. 3, p.74).

Para Gramsci, é necessário empreender iniciativas que contestem e

superem as estruturas e superestruturas que consolidam o status quo próprio

das sociedades - de classe - capitalistas. Somente dessa forma é que se

consegue promover uma verdadeira “reforma moral e intelectual”, já que o

poder não se encontra mais centralizado em uma instituição como, por

exemplo, o Estado e seus aparelhos coercitivos, mas disperso em vários

ambientes e processos sociais. Justamente por isso, nos chama atenção para

o seu caráter econômico, uma vez que

[...] uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente, o programa

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de reforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral. (CC, v. 3, p.19)

Esta “reforma moral e intelectual”, se apresenta, na sua concreticidade,

como um reforma econômica, o que supõe a transformação da estrutura de

classes capitalista para a construção de uma contra-hegemonia, que requer

para além do convencimento e da construção de alianças, o estabelecimento

de conflitos próprios dos embates coercitivos que, mesmo não sendo os únicos

determinantes nas relações de poder, ainda desempenham papel relevante na

determinação dos rumos da história.

A construção da hegemonia decorre da capacidade que uma classe

(seja dominante ou subalterna) tenha de elaborar e dar materialidade a sua

visão de mundo, no contexto de antagonismo das classes. Por isso, a tarefa

política e concreta da hegemonia, consiste em organizar e unificar as classes

sociais em luta para a conquista e o exercício do poder político. Para a

construção e conquista de uma nova hegemonia sob a direção “moral e

intelectual” das classes subalternas, Gramsci nos lança como desafio a

articulação e o desenvolvimento das estratégias da “guerra de movimento” e da

“guerra de posição”.

Com a experiência histórica e a análise crítica de seu tempo, Gramsci

mostrou que estas estratégias correspondem a diferentes momentos da luta

pela conquista e afirmação de uma nova ordem política e social e ao

necessário conhecimento das diferentes realidades nacionais e dos distintos

momentos da luta de classes, implicando na análise das situações concretas e

das relações de força. Neste sentido, para Gramsci a predominância da guerra

de posição não anula a guerra de movimento, nem no campo militar, nem no

campo político. Mas na complexidade das sociedades ocidentais, onde se

desenvolveu uma sociedade civil forte, diversificada e permeada pela intensa

disputa e luta política entre classes antagônicas, o desenvolvimento da “guerra

de posição” torna-se elemento central para que ocorra o enfraquecimento do

poder de organizar, dirigir e educar e, conseqüentemente de formar consensos,

da classe que está no poder.

Podemos então afirmar, que a guerra de posição se dá pela busca de

hegemonia política, pela conquista das associações e organizações da

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sociedade civil, que serão as indispensáveis “fortalezas” e “casamatas” que

possibilitarão a conquista do poder político a partir de uma direção estratégica.

[...] a chave da “guerra de posição”, da estratégia adequada aos países “ocidentais” ou que se “ocidentalizam”, reside precisamente na luta pela conquista da hegemonia, da direção política ou do consenso. (COUTINHO, 2007, p.150)

A indicação desta chave, na complexidade das sociedades ocidentais, é

para Coutinho (2007) uma questão central na estratégia de transição ao

socialismo pensada por Gramsci: o grupo social que quer conquistar o poder

deve ser dirigente antes de se tornar classe dominante. E chegando ao poder,

para mantê-lo, deve continuar a ser dirigente.

A centralidade da estratégia da guerra de posição não significa,

portanto, que a guerra de movimentos, expressa por momentos de ruptura

mais efetivos, deixe de existir, mas que a mesma deve ser resguardada para

um momento em que esteja concluída, com bons frutos, a “luta de trincheiras”.

Neste sentido, cabe ressaltar que se a “guerra de movimento”, ou a tomada do

poder centralizado no Estado, foi a estratégia principal, defendida no período

de Marx, a “guerra de posição” passa a se constituir numa estratégia de ação,

não exclusiva, mas determinante, para a superação do capitalismo a partir do

século XX.

Com seu “pessimismo da inteligência”, Coutinho (2007) pondera, que as

experiências históricas fundadas no conceito gramsciano de disputa da

hegemonia, ou “guerra de posição”, notadamente as do chamado

eurocomunismo, resultaram na acomodação das forças revolucionárias à

hegemonia do capital. Também problematiza que o avanço da pequena sobre

a grande política é um fenômeno mundial. Entretanto, sinaliza que mesmo que

a predominância da pequena política seja uma tendência mundial, começam a

surgir na América Latina, formas que tentam romper com este modelo da

pequena política, recolocando na ordem do dia e na agenda política, questões

estruturais. E, ainda adverte: na guerra de posição, o êxito das ações

desenvolvidas por sujeitos políticos coletivos depende de sua capacidade de

fazer política.

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A construção da revolução, a partir de uma contra-hegemonia das

classes subalternas, sempre orientou o horizonte político de Gramsci, mesmo

tendo consciência das dificuldades objetivas. Sua elaboração sobre o que é a

política, como ela se desenvolve na relação entre Estado e sociedade civil, vem

contribuindo para a superação de vários determinismos e para redimensionar o

papel e significado dos sujeitos. Compreender o Estado, as estratégias que são

utilizadas (cooptação, desmobilização, criminalização), como se constroem

lutas no interior do próprio Estado e que sociedade civil se apresenta hoje,

principalmente, tendo em vista a dita supremacia do mercado, são lições vitais

para analisar quais são os processos que precisam ser construídos, para se

pensar na organização e na intencionalidade da luta que está sendo travada.

Gramsci desafia as classes subalternas a conhecer não apenas as suas

necessidades, seus processos, mas também as estratégias, espaços de

organização de seus antagonistas (classes dominantes), para definir o tipo de

enfrentamento a ser feito na sociedade civil. Portanto, é fundamental que as

classes subalternas desenvolvam sua capacidade de fazer política, pois é

precisamente nesta dimensão da sociedade civil que atuam os movimentos

sociais, numa perspectiva de ampliação da dimensão clássica de Gramsci.

Sendo o desenvolvimento da guerra de posição, um processo de luta

de laboriosa construção, os sujeitos devem ter consciência, antes de decidir a

forma, que a escolha das estratégias se pauta pela definição de uma

intencionalidade. Por isso, Gramsci lega às classes subalternas a necessidade

de investimento na batalha de idéias, desenvolvendo para além da propaganda

e da agitação, o processo de formação política, de formação da consciência, da

cultura, não como uma etapa a ser feita antes ou depois da revolução, mas

como parte constitutiva deste processo revolucionário.

Coutinho (2000) ao falar sobre a atualidade do pensamento de Gramsci

nos mostra que

[...] ao nos ensinar a compreender melhor o capitalismo do século XX, ele nos indicou também a necessidade de lutar contra essa formação econômico-social e nos sugeriu importantes meios para fazê-lo. O que significa, portanto, que é bastante clara a tarefa que o autor dos Cadernos nos legou: a de reinventar um socialismo adequado ao século XXI (p.175-176).

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Para Liguori (2007, p.72), Gramsci “redefiniu o sentido da política,

enriquecendo-a precisamente com o fato de que ela se confunde com a ação

na sociedade, na fábrica, na cultura, em toda parte em que se jogue a partida

do poder”.

As reflexões realizadas neste tópico se constituem como essenciais para

analisarmos as relações de poder, que se apresentam no campo ambiental,

através da disputa entre sujeitos antagônicos, em torno de concepções e

práticas, e particularmente na construção/imposição de determinados

consensos, que reforçam perspectivas políticas e projetos não só diferentes,

mas inconciliáveis.

1.2.2 Politizando a Questão Ambiental

O processo histórico de desenvolvimento do capitalismo internacional e,

conseqüentemente, das sociedades humanas vem se constituindo num campo

de contradições. No mundo globalizado, emergem e se consolidam sujeitos

políticos que denunciam e constroem estratégias de resistência à voracidade

do capital e do mercado, que atuam no sentido da depreciação das sociedades

nacionais, da vida humana e do conjunto de recursos naturais. Sendo assim, a

humanidade e, particularmente, o conhecimento científico se depara com

sérios desafios para os quais as respostas encontradas podem se constituir em

importantes perspectivas para a construção de alternativas. Essa exigência

histórica aponta para a necessidade de construção de um projeto societário,

capaz de desenvolver um intenso processo de humanização da vida.

Santos (1994), ao analisar o momento histórico contemporâneo, nos fala

de uma “redescoberta” da natureza, problematizando todo um processo de

discussão em torno da questão ambiental e da previsão de catástrofes, que

torna a conscientização ambiental uma espécie de idéia-chave no mundo

globalizado. E mostra que, em razão de uma determinada organização do

espaço, da sociedade e dos recursos naturais, se impõe uma visão de natureza

abstrata e artificializada através de um modelo técnico único. Para ele, a

aceleração contemporânea comporta momentos culminantes da história, e

mostra-se como resultado da banalização das invenções, programadas

prematuramente para serem superadas e substituídas indefinidamente.

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A chamada obsolescência programada, ancorada na TDU das

mercadorias de que nos fala Mészaros (2006), se aplica à natureza

mercadorizada e, inclusive, à mercadoria força de trabalho. Todo este processo

eleva a idéia de produtividade e competitividade inerente ao sistema do capital,

impondo uma aceleração no consumo de recursos naturais, que é

absolutamente incompatível com a preservação ambiental, revelando acirradas

disputas em relação ao acesso e domínio dos recursos naturais e das novas

tecnologias, correspondendo à busca pela hegemonia de determinadas visões

de mundo e, particularmente, de meio ambiente.

A predominância da visão da questão ambiental na dimensão técnico-

natural é, para Santos (1994), a prevalência da descrição em detrimento da

análise de seu significado e este mesmo autor destaca, por exemplo, a atuação

da mídia hegemônica, através do manuseio das técnicas mais sofisticadas, que

através do sensacionalismo e do medo, conseguem mutilar a percepção.

Quando o meio ambiente, como Natureza-espetáculo, substitui a Natureza Histórica, lugar de trabalho de todos os homens, e quando a natureza “cibernética” ou “sintética” substitui a natureza analítica do passado, o processo de ocultação do significado da História atinge o seu auge. É também desse modo que se estabelece uma dolorosa confusão entre sistemas técnicos, natureza, sociedade, cultura e moral (SANTOS, 1994, p. 24).

Ao discutir a ordem imperial, Porto-Gonçalves (2004b) destaca que a

revolução tecnológica em curso revela os principais setores que afirmam as

novas tecnologias. O militar, o financeiro e os dos meios de comunicação de

massas, apontam seus protagonistas e nos colocam diante de territorialidades

em tensão. Ressalta que a hegemonia política é dos gestores financeiros e que

o campo ambiental revela a forte tendência para a conformação de uma ordem

imperial, que traz um conjunto de contradições presentes entre territorialidades

distintas.

Santos (1994) mostra que a mídia hegemônica se constitui como um

agente privilegiado na disseminação de ideologias dominantes, que impõe dois

elementos decisivos no processo de despolitização da questão ambiental: o

medo e o imobilismo. Sua atuação vem se consolidando, no sentido de

esvaziar e controlar a insatisfação pública, desmobilizando possíveis reações

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de grandes parcelas da sociedade prejudicadas pelos efeitos da degradação

ambiental.

Brugger (2002), ao abordar os novos meios de comunicação, conclui

que eles constituem uma antítese da educação ambiental, ao destacar a

natureza da mídia que influencia a construção de determinadas concepções de

meio ambiente que incidem nas relações dos homens entre si, na formação de

novos valores e na alteração de nossas relações com o entorno, no sentido

amplo, provocando rupturas ao priorizar as questões globais, omitindo

problemas locais de grande gravidade, ocasionando perda da visão de

totalidade. Neste sentido, a televisão se apresenta como um elemento chave

para a manipulação de informações e para a formação de determinados

consensos em relação à questão ambiental.

Por meio de conteúdos latentes, diversos valores hegemônicos em nossa sociedade são produzidos e reproduzidos: ênfase na ciência e na tecnologia como maneira de superar quaisquer problemas; glorificação da produtividade; estímulo ao consumo de mercadorias supérfluas, etc.[...]. Para analisar a influência da mídia, deve-se levar em conta, portanto, não apenas os conteúdos ideológicos manifestos, mas também o conteúdo oculto ou latente dos mesmos e suas implicações na já mencionada perspectiva de um meio ambiente construído historicamente (BRUGGER, 2002, p.162).

Ponderamos que estas exposições em torno de valores éticos

considerados ecologicamente corretos apontam para algo mais profundo, pois

toda intervenção na ética comporta uma intencionalidade política. Em outras

palavras, afirmamos que toda intervenção que se apresenta restrita à ética,

tenta encobrir a sua utilização pela da política. Somos concordantes com

Brugger (2002) ao nos alertar que esta crítica aos meios de comunicação, que

é pouco conhecida pela maioria das pessoas, não deve reforçar o imobilismo

presente em nossa sociedade, e sim apontar na direção oposta, fortalecendo

algumas batalhas contra-hegemônicas que já estão em curso.

Porto-Gonçalves (2004a, p. 30), ao falar dos limites da sociedade com a

natureza, nos indica o desafio de "lutar contra os resultados (efeitos) da

intervenção que o próprio sistema técnico provoca". E resgata o pensamento

de Milton Santos (1996) que nos adverte para o fato de que não há sistema

técnico dissociado de um sistema de ações, de normas, de um sistema de

valores. Com esta ponderação, nos chama atenção para a não reificação das

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técnicas, sustentando a ideia de que é uma contradição pensar a técnica como

algo descolado da intencionalidade da sociedade que a inventa e que todo

conhecimento é construído contraditoriamente, sempre com amplo sentido

político.

A partir dessas reflexões, Porto-Gonçalves (2004a) nos incita a pensar

sobre o papel das técnicas na superação do desafio ambiental contemporâneo,

retomando o pensamento de Santos (1996) de que há uma intencionalidade

impregnada nas técnicas, mas numa outra direção: “é que estando a sociedade

constituída por relações contraditórias, a intencionalidade traduz-se em

técnicas que comportam não só as suas contradições, mas diferentes

potencialidades contraditoriamente possíveis" (PORTO-GOLÇALVES, 2004a,

p. 38).

Ao discutir a “des-ordem” ambiental planetária, Porto-Gonçalves (2006)

problematiza a dominação da natureza e sua estreita relação com a técnica

como relação social e de poder, balizando sua análise, com a seguinte

advertência:

[...] não confundir uma análise crítica da ideologia científico-tecnológica com a recusa à ciência e à técnica. Não existe sociedade sem conhecimento racional, sociedade que não ajuste os meios aos fins mediante a técnica. (p. 105).

Este autor também nos mostra que a técnica pode ter usos diferentes

daquele para o qual foi inventado, o que impõe a necessidade de investigar o

uso a que ela está sendo emprestado, uma vez que “não há técnica boa ou má,

mas sim técnica realizando determinados fins que não são eles mesmos

definidos por ela” (idem, ibidem, p.106). Ao considerar as revoluções

tecnológicas como parte das relações sociais e de poder, ressalta seu caráter

histórico e, por isso, defende a necessária desnaturalização da técnica, no

sentido de libertá-la de uma visão neutra. Neste sentido, levanta a necessidade

de se questionar quem a põe em curso, uma vez que nenhuma técnica

caminha por si mesma.

As respostas tecnicistas oferecidas por um padrão de ciência, através da

linguagem científica e técnica de diversos profissionais que atuam na área

ambiental, expressam uma imagem de neutralidade destes saberes,

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representando um importante recurso de despolitização da questão ambiental.

As soluções aparentemente ingênuas e reducionistas defendidas por setores

do ambientalismo são incompatíveis com a gravidade dos riscos ambientais,

reforçando e legitimando os interesses e as necessidades das classes

dominantes. Estes riscos nos colocam a necessidade de analisar a

incorporação da questão ambiental como um eixo estratégico de luta e

resistência que aproxime e possibilite convergências e alianças entre

ambientalistas, indígenas, camponeses etc, enfim, que permita a participação e

o envolvimento na busca de limites da relação humana com o planeta, numa

perspectiva ética e política (PORTO-GONÇALVES, 2004a).

Consideramos estas contribuições como decisivas à análise crítica à

questão da tecnologia, sob o comando do capital. Retomando a lição marxiana,

que discutimos anteriormente, vemos que esta, em síntese, se refere ao fato

de, no modo de produção capitalista, a técnica envolver tanto a dominação da

natureza, quanto a dominação do próprio ser humano através do processo de

trabalho. Portanto, neste processo, a natureza e a força de trabalho (e seus

instrumentos ou técnicas) estão submetidas a determinadas relações sociais,

construídas sob o imperativo do capital. Mészaros (2006) ao analisar o modo

de reprodução metabólica do capital na natureza, nos chama à reflexão sobre a

ameaça de um desastre ecológico que vivemos em nossa sociedade, que

potencializa as desigualdades herdadas, que se tornam cada vez mais

explosivas na atualidade.

Desde os anos 1970 apresentam-se duas formas de se conceber a

questão ambiental. A primeira concepção defende a prevalência da

problemática das quantidades de matéria e energia, ressaltando a necessidade

de economizar os recursos naturais diante da sua incontestável finitude. A

segunda, ultrapassando a questão das quantidades, coloca em evidência não

apenas a escassez futura de meios, mas a natureza dos fins que norteia a

própria vida social (ACSELRAD, 2004).

Numa perspectiva crítica, a sociedade e o meio ambiente são

compreendidos, de maneira indissociável, como fruto do modelo de

organização econômica, social e política capitalista. Os objetos que constituem

o “ambiente” são culturais e históricos. "Todos os objetos do ambiente, todas

as práticas sociais desenvolvidas nos territórios e todos os usos e sentidos

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atribuídos ao meio, interagem e conectam-se materialmente e socialmente seja

através das águas, do solo ou da atmosfera" (ACSELRAD, 2004, p.7).

As sociedades se reproduzem por processos sócio-ecológicos e este

processo de reprodução comporta o confronto de diferentes projetos de uso e

significação dos recursos naturais, caracterizando a questão ambiental como

intrinsecamente conflitiva.

Estudar esses conflitos é, por sua vez, para os envolvidos na busca dos processos mais democráticos de ordenamento do território, a ocasião de dar visibilidade [...] aos distintos atores sociais que resistem aos processos de monopolização dos recursos ambientes nas mãos dos grandes interesses econômicos (ACSELRAD, 2004, p. 10).

Este conflito tem sua origem e sua constituição nas contradições de

classes que são visualizadas primordialmente nas relações de trabalho,

entendendo que o que media a relação entre sociedade e natureza é o próprio

trabalho. A análise crítica da relação sociedade e natureza, prevalecente no

modo de produção capitalista implica na perspectiva de construção das

condições de sua superação.

É no âmbito da sociedade civil, na década de 1960, que a questão

ambiental torna-se visível e reconhecida como tal, através de um processo de

discussão e crítica da degradação ambiental, operada pelo desenvolvimento de

modelos de crescimento econômico, em escala mundial. Nesta década, se

diferenciando do ecologismo tradicional, organizado em torno da defesa da

proteção da natureza, surgirá segundo Diegues (1996),o novo ecologismo, a

partir da articulação do movimento de ativistas, críticos da destruição ambiental

promovida pela sociedade tecnológico-industrial.

Se até o início dos anos 1960 a questão ambiental se apresentava a

partir de perspectivas conservacionistas relacionadas à preocupação com a

gestão de recursos naturais imprescindíveis à economia, no final da década, o

que se destaca é a mobilização da sociedade civil, que se apresenta nos

países das democracias industrializadas, demonstrando a necessidade de

proteção da humanidade, tendo em conta o desenvolvimento de suas próprias

atividades.

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A publicação de “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, nos EUA, em

1962, exerce grande repercussão e influência mundial, ao chamar a atenção da

opinião pública para a vulnerabilidade da natureza em relação à intervenção

humana no planeta, demonstrando como o uso do pesticida DDT entranhava-

se no organismo de animais e dos seres humanos, podendo causar câncer e

problemas genéticos. O título desta obra se refere ao fato constatado neste

estudo, de que várias espécies de pássaros expostos ao pesticida morriam ou

tinham seu processo reprodutivo prejudicado, e sua extinção, traria a terrível

primavera silenciosa, ou seja, uma estação sem pássaros. Vários estudos

realizados a partir da década de 1970 já demonstravam claramente os graves

problemas a serem enfrentados em decorrência da forma de apropriação e

utilização dos recursos naturais pelo capitalismo. Estas questões serão

retomadas no próximo capítulo, através da análise do agronegócio e da falha

metabólica na produção da agricultura hegemônica no Brasil.

Dentre as conferências e documentos elaborados, que se relacionam à

problemática ambiental, destacamos: o relatório apresentado pelo Clube de

Roma, em 1968, intitulado “Limites do Crescimento”, documento base para a

conferência de Tbilisi em Estolcomo, em 1972, e o relatório “Nosso Futuro

Comum”, também conhecido como “Relatório Brundtland”, de 1987, referência

para os debates realizados na Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio em 1992.

O Clube de Roma se constituiu num grupo de cientistas, industriais e

políticos, cuja preocupação central se pautou nos limites do crescimento

econômico e sua relação com o uso dos recursos naturais. Apresentando-se

como um grupo apolítico, este encomenda a técnicos ligados ao MIT –

Massachusetts Instituto of Tecnology, um estudo científico que se materializa

no relatório “Limites do crescimento”, também conhecido como relatório

Meadows. Este estudo, coordenado por Dennis Meadows, teve como ponto de

partida a consideração de que é impossível a continuidade de um crescimento

infinito num sistema econômico dependente de recursos naturais finitos. Este

grupo defende o estabelecimento de um freio no crescimento da economia

mundial para evitar um futuro catastrófico em relação ao ambiente e à própria

economia, propondo que o equilíbrio do sistema mundial deve ocorrer através

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do controle de cinco variáveis: a população, a produção de alimentos, a

produção industrial, a poluição e os recursos naturais não-renováveis.

As principais proposições derivadas deste raciocínio apontam para a

necessidade de controle, e mesmo estagnação, do crescimento populacional

global e do capital industrial, se materializando na chamada tese do

crescimento zero de inspiração malthusiana.

É interessante observar a relação entre a postura apolítica deste grupo,

que demanda de técnicos altamente qualificados um estudo científico objetivo e

neutro e a explicitação de suas ligações com poderosos grupos da indústria

mundial, constando, segundo Porto-Gonçalves (2006), no próprio documento, o

financiamento recebido de indústrias como a Fiat, a Olivetti e a Volkswagen.

A 1ª Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, em

1972, demarca a preocupação internacional com a relação entre

desenvolvimento e esgotamento-escassez de recursos naturais. A grande

questão que se levanta é como reduzir a poluição industrial e conciliar

crescimento com qualidade de vida e preservação ambiental, recolocando no

debate entre sujeitos, a relação entre desenvolvimento e ambientalismo. Sob a

influência deste relatório, uma das grandes questões pautadas pela ONU,

apresentada nesta conferência, se refere à defesa de que sendo os recursos

naturais essenciais ao desenvolvimento econômico, a extensão deste tipo de

desenvolvimento aos países menos desenvolvidos, tenderia a colocar em risco

a existência dos recursos naturais. Esta defesa se expressa na já referida

proposta de “crescimento zero”, sustentando a idéia de que a preservação dos

recursos naturais só poderia ser obtida com o uso de alta tecnologia, sob a

proteção dos países desenvolvidos. No entanto, é preciso demarcar que esta

proposta deixa intocado o padrão de consumo dos países ricos, pois não

questiona suas responsabilidades, no processo crescente de poluição e

degradação ambiental, e ainda culpabiliza as populações pobres, por

exercerem pressão sobre os recursos naturais. Nesta lógica, se chega à

conclusão de que seria impossível garantir a extensão do estilo de vida das

populações dos países centrais para toda a população mundial, tendo em

conta a finitude dos recursos naturais, o que comprometeria as próprias

condições de todo globo terrestre.

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Segundo Lima (1997), várias reações ocorreram a esta tese, onde se

destacam as posições de Solow, ganhador do Premio Nobel de Economia, em

1973, e Mahbubul Haq, do prêmio de 1976, que, em geral, criticam a proposta

de desaceleração do crescimento em razão da necessidade de preservação

ambiental, que atingiria fortemente os países menos desenvolvidos. Meszaros

(2006) avalia que esta proposta, se colocada em prática, representaria a

condenação dos países pobres à perpetuação da mais brutal desigualdade

substantiva.

Consideramos que o discurso malthusiano sobre o empobrecimento e a

fome relacionado ao destino da classe trabalhadora se esta continuasse a

crescer velozmente, que comparece na tese do crescimento zero, não

questiona a origem e causa da pauperização e sua funcionalidade ao

desenvolvimento do capitalismo. Nesta tese, o crescimento populacional e a

pobreza passam a ser causa e não produto da desigualdade social, derivada

da forma como o capitalismo vem se desenvolvendo, em nível mundial.

Em discordância com as teses neomalthusianas, apresentam-se nesta

conferência, as proposições dos desenvolvimentistas que argumentam em

favor do crescimento econômico, como base para a ampliação das condições

de vida das populações, legitimando a noção de progresso viabilizada pelo

desenvolvimento industrial e ainda defendem que os países-membros devem

ter autonomia para definir como vão se desenvolver. Este embate resulta na

hegemonia dos desenvolvimentistas, afirmando a necessária continuidade do

crescimento econômico e do progresso industrial, que através do

desenvolvimento da ciência e da tecnologia poderiam resolver os problemas

ambientais. Neste sentido, esta proposta considerava que o desenvolvimento

era condição indispensável para alcançar a igualdade social e diminuir a

pobreza em todo o mundo, sendo condenável qualquer proposta de limite ao

crescimento. Sobre este posicionamento, Porto-Gonçalves (2006) nos dirá que

a receita encontrada para combater o desenvolvimento era mais

desenvolvimento.

Destacamos também, que nesta conferência foi criado o Programa das

Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que se responsabilizaria pela

continuidade das discussões internacionais, através do incremento de um

processo de mobilização e sensibilização dos países-membros, em torno da

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definição de prioridades em relação ao meio ambiente, chamando a atenção da

comunidade internacional sobre a relação de interdependência entre as

questões sociais e ambientais que se dá em todo o globo terrestre.

A polarização que se estabelece entre o Norte e Sul, a materialização

das ameaças da produção nuclear com o desastre de Chernobyl em 1986 e as

mudanças climáticas constituem a realidade, que mobiliza várias tendências do

movimento ambientalista. A preocupação com a questão do desenvolvimento e

sua relação estreita com os recursos naturais, se torna central no Relatório

“Nosso Futuro Comum”, elaborado, em 1987, pela ONU, afirmando a

necessidade de sustentabilidade, traduzida no termo (ou na proposta de)

desenvolvimento sustentável. Neste contexto, a ONU convoca, em 1989, a

Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e o desenvolvimento

(CNUMAD), a ser realizada em 1992, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

Também conhecida como Eco-92 ou Rio-92, esta conferência

contemplou discussões feitas na Conferência de Estocolmo e, a partir dos

resultados do Relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1987, também conhecido

como “Relatório Brundtland”, pauta como central a questão do desenvolvimento

e sua relação com o meio ambiente. Seu objetivo principal se direcionava ao

alcance do “desenvolvimento sustentável” com a proposição de estratégias

ambientais de longo prazo, que deveriam ser efetivadas através da cooperação

entre países do Norte e do Sul. A idéia de preservação dos recursos naturais

para as gerações presentes e futuras, que traduz o conceito de

desenvolvimento sustentável, e os esforços para superar a degradação

ambiental, são postos como responsabilidade de toda a humanidade. Neste

relatório, há uma retomada dos argumentos em torno da finitude do planeta, já

presentes em Estolcomo, em 1972, e a pobreza, a degradação ambiental e o

crescimento populacional são considerados como indissociáveis, e seu

enfrentamento, deveria ser feito por todos indistintamente.

Segundo Silva (2010), a relação entre pobreza e meio ambiente se

manteve como visão hegemônica até meados dos anos de 1990, através da

tese do “círculo vicioso”, que considera os pobres como sujeitos e vítimas do

processo de degradação ambiental. E a ruptura deste círculo vicioso só poderia

ocorrer com o desenvolvimento econômico. A contraposição a esta tese foi

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feita por setores radicais do ambientalismo, que afirmaram serem os ricos os

responsáveis pelo maior consumo e degradação ambiental.

Estamos convencidos de que a indistinção de classe, que responsabiliza

a todos pelas soluções para o grave quadro ambiental, que se apresentava já

naquele momento, tem um efeito ideológico de encobrir as questões de poder

que envolvem a relação sociedade e natureza retirando, justamente das

classes dominantes, a responsabilidade pela sustentação da sociedade

capitalista.

A influência de perspectivas teóricas e os diversos posicionamentos

contidos nestes documentos expressam um processo de disputas, que se

estende desde a década de 1960 até 1990, em torno da relação entre

crescimento econômico e preservação ambiental. Discutir as disputas

presentes entre os sujeitos coletivos da sociedade civil e seu caráter classista,

tanto no que se refere às determinações sobre a crise ambiental, quanto às

soluções apontadas, se constitui num dos elementos centrais para a politização

da questão ambiental no âmbito da relação Estado e sociedade civil. A

identificação e analise das concepções de questão ambiental, expressa nos

documentos oficiais, revela uma estratégia política, pois expressam uma

perspectiva das classes dominantes, ao mesmo tempo em que tentam encobrir

este caráter conflitivo e classista, numa visão universal, comum a todos.

De acordo com o estudo de Silva (2010), dentre as alternativas adotadas

pelo Estado e pelas classes sociais, para o enfrentamento da questão

ambiental, se destaca a gestão ambiental, baseada no discurso da

sustentabilidade, como ferramenta privilegiada do capital e do próprio Estado,

no sentido de promover à consolidação de uma cultura ambientalista, cujo

cerne é a defesa da preservação da natureza, desde que se mantenham

intocados os pressupostos de acumulação de capitais.

Ao analisar a concepção de desenvolvimento sustentável como

mecanismo de enfrentamento da questão ambiental, Silva (2010) nos brinda

com um “exame crítico desde a sua colocação pelas agencias internacionais, a

sua conversão em programa de ação e, por fim, a sua instituição como prática

de classe.” (p. 41).

Segundo Silva (2010, p.41),

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O desenvolvimento sustentável comparece na agenda pública como expressão das iniciativas voltadas à instituição de mecanismos de controle da relação entre sociedade e natureza, e encontra-se amplamente disseminado na plataforma política das organizações governamentais e não-governamentais, entidades de classe, partidos políticos, fundações empresariais, entre outros.

Gramsci nos ensina que estes espaços de organização presentes na

sociedade civil, que são os aparelhos privados de hegemonia, reproduzem a

ideologia das classes dominantes, mas, no entanto, outros sujeitos coletivos se

contrapõem a esta posição e constroem estratégias de organização e

preparação para este enfrentamento. Consideramos que a apreensão das

lições históricas de luta, para alimentar o embate em torno da questão

ambiental, como uma questão vital e estratégica para as classes subalternas,

amplia as possibilidades de disputa destes espaços.

Estas considerações sobre os debates oficiais internacionais e os

diversos posicionamentos dos sujeitos coletivos da sociedade civil nos

mostram que o ideário da sustentabilidade, tão fortemente presente nesta

esfera, se constrói num processo de ocultação das reais causas e

conseqüências da questão ambiental no capitalismo, onde a questão de classe

e o acesso aos bens ambientais são subsumidos. A busca de legitimação do

desenvolvimento sustentável a partir de uma abrangência ampla contemplando

a sustentabilidade nos âmbitos social, econômico, político e ecológico, torna-se

impraticável na sociedade capitalista, pois expressa contradições entre si, na

medida em que a sustentabilidade social se contrapõe à sustentabilidade

econômica, para citar apenas dois destes âmbitos.

Segundo Silva (2010, p. 34) sustentabilidade ambiental é incompatível

com a sustentabilidade social, uma vez que este “ideário” do desenvolvimento

sustentável não encontra respaldo na história para se expressar como meio de

sustentabilidade social. E isso é reafirmado pela estreita relação entre ambas,

ou seja, “a sustentabilidade ambiental se faz a partir de uma insustentabilidade

social à medida que afeta de forma diferenciada as classes sociais”. (p.41).

Podemos concluir com Silva (2010) que o desenvolvimento sustentável

se configura como uma alternativa à “questão ambiental”, compatível com a

necessidade de manutenção do capitalismo, sendo incapaz de superá-la. A

autora reforça esta conclusão demonstrando que, para o pensamento

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ambiental hegemônico, a afirmação do desenvolvimento sustentável, a partir de

soluções técnicas, se relaciona à instituição de dispositivos de controle e uso

racional dos recursos naturais, como os processos de certificação (ISOS), que

se materializam através do uso de novas tecnologias e, sobretudo, permitem a

continuidade de reprodução ampliada do capital, conferindo-lhes legitimidade

para a concorrência com outras empresas.

As estratégias de enfrentamento da questão ambiental por parte do eco-

capitalismo demonstram a capacidade e a habilidade deste sistema de se

beneficiar inclusive dos resultados de sua produção destrutiva, que se

expressam no mercado da reciclagem e da reparação, e na incorporação ao

sistema, de vários setores do movimento ambientalistas que, ao serem ao

menos parcialmente atendidos, tendem a se transformar em relevantes canais

de legitimação social.

A visibilidade internacional que o movimento ambientalista adquire nos

anos 1960 se soma à afirmação das ONGs relacionadas ao campo ambiental,

nos anos 1980,demonstrando a atuação dos sujeitos coletivos que, mesmo

compartilhando de idéias em comum, passam a atuar de maneira distinta e às

vezes complementar, no que se refere a sua forma de manifestação,

participação e representatividade de posições na sociedade civil. Desta forma,

a presença destes sujeitos coletivos expressa diferenças que se fazem mais

marcantes pela particularidade de posicionamento das ONGs, que adquirem

maior visibilidade pela sua própria atuação mais prática e centralizada.

Porto-Gonçalves (2006, p.126) discute a diferenciação entre o

posicionamento das ONGs na Eco-92 e em Johannesburgo, na Rio +10,

realizada em 2002. Enquanto em 1992 havia uma clara diferença entre as

ONGs que exprimiram sua diversidade no Aterro do Flamengo, e os

organismos oficiais e governos, que se concentraram no Riocentro, em 2002, o

que se destacou foi o posicionamento das ONGs, que se distanciaram dos

movimentos sociais e fortaleceram sua aproximação a governos e empresas,

dos quais dependiam captar recursos financeiros para o desenvolvimento de

suas ações. O resultado desta postura já deixa claro que, cada vez mais, o

poder de quem financia determina o âmbito de ação destes sujeitos.

Esta postura destes sujeitos coletivos que atuam na sociedade civil em

“defesa” do meio ambiente, segundo Porto-Gonçalves (2006), revela as

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ligações perigosas que se estabelecem na construção do neoliberalismo

ambiental, principalmente no que se refere ao controle dos recursos genéticos,

da energia e da água, que se mostram claramente na adoção de estratégias

de estabelecimento de patentes, revelando o contraditório papel das ONGs

nestas ligações.

Novas expressões e práticas políticas vêm sendo recentemente introduzidas no léxico político, como as parcerias onde se estabelecem alianças produtivas que constituem negociação de interesses sob relações de poder absolutamente desiguais. (...) desde a segunda metade da década de 1990 há um deslocamento da atuação de algumas grandes ONGs não só com relação ao mercado, como também em relação à ação das corporações multinacionais e do próprio Banco Mundial, quando muitas passam a pôr em prática uma visão acerca destas instituições muito diferente daquela que a maior parte das organizações populares vinha mantendo até então. (2006, p.390-391)

Ao discutir a “des-ordem” política mundial e os novos espaços de poder,

Porto-Gonçalves (2006) critica a postura de determinadas ONGs

argumentando que elas fragilizam a sociedade civil. E, problematizando a

questão da ação em escalas, evidencia que a escala nacional está sendo

esvaziada e, por conseqüência, a sociedade civil. Estas reflexões nos levam a

questionar: a idéia de desenvolvimento sustentável, sob a responsabilidade de

todos, é um falso consenso?

O modelo de desenvolvimento sustentável, apontando a associação

entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, comportou

o envolvimento pouco crítico de diversos sujeitos coletivos, contribuindo para

reforçar o padrão vigente de sociedade, ecológica e socialmente insustentável.

Neste sentido, cabe observar que a apropriação de um discurso genérico e

impreciso sobre sustentabilidade, por sujeitos coletivos na sociedade civil,

como se fosse produto de um consenso, trouxe sérias implicações políticas

relacionadas á reflexão e posicionamento crítico, em torno desta categoria

construída dentro do sistema capitalista. Este suposto consenso em relação à

crise ambiental vai revelar a existência de perspectivas e, conseqüentemente,

propostas divergentes em relação à superação desta crise, que já demonstram

por si, perspectivas antagônicas de sociedade.

Uma análise crítica sobre a questão ambiental vem sendo obstaculizada

por um pensamento conservador, hegemônico e reformista, que expressa uma

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visão reducionista tanto em nível de discurso como na pratica, e que é

respaldado por organismos governamentais e não governamentais e

instituições privadas, nacionais e internacionais.

Esta abordagem do pensamento conservador e hegemônico presente no

campo ambiental têm suas bases na prevalência de concepções

historicamente construídas. As características fundamentais desta visão do

meio ambiente, segundo Lima (2002), se expressam através da compreensão

naturalista e conservacionista da crise ambiental, sustentada numa concepção

reducionista, fragmentada e unilateral da questão ambiental; da tendência a

sobrevalorizar as respostas tecnológicas; da ênfase individualista e

comportamental diante dos problemas ambientais; de uma abordagem

despolitizada da questão ambiental, através da separação entre as dimensões

sociais e ambientais e da responsabilização dos impactos ambientais a um

homem genérico, reforçando uma visão "etérea" descolada dos processos

sócio-políticos e culturais

Este autor ainda problematiza que, a consideração da questão ambiental

como um problema natural, em seu sentido restrito, a ser resolvida por

soluções técnicas, se apresenta descolada das próprias características

conflitivas da sociedade capitalista, e tem sido utilizada como recurso

ideológico estratégico das classes dominantes para reduzir ou eliminar suas

dimensões social, cultural e ética, e principalmente, sua dimensão política. Este

pensamento conservador e hegemônico tem se constituído num poderoso

recurso para impedir o desvelamento tanto das causas quanto dos agentes

responsáveis pela degradação e injustiça ambiental, obstaculizando a

participação da sociedade civil na luta pelos direitos ambientais, ou no limite,

ao próprio acesso aos bens ambientais. A materialização desta postura na

sociedade capitalista se expressa através da superexploração dos recursos

naturais e de conflitos entre interesses privados e públicos pelo acesso e

apropriação dos recursos naturais. Consideramos que esta postura se

fortalece, através da banalização da participação, onde a atuação é reduzida

ao âmbito da pequena política.

Somos então concordantes com Guimarães (2004, p. 20) ao afirmar que:

"há uma abordagem que homogeneíza e superficializa o discurso ambiental -

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com a perda do caráter crítico - e esta postura serve e está a serviço de - uma

sociedade e do seu projeto que busca ser hegemônico".

Numa perspectiva crítica, a politização da questão ambiental se

relaciona necessariamente à compreensão e tratamento do caráter coletivo dos

bens ambientais, como indispensáveis a vida e á sua reprodução, onde a

questão do acesso a estes bens se constitui num direito público e universal.

Neste sentido, cabe problematizar que a questão ambiental demonstra uma

disputa entre modelos de organização social e de exploração dos recursos

naturais, onde a perspectiva atualmente hegemônica se apresenta, através de

um recurso ideológico, como a melhor compreensão e ação sobre a realidade.

O processo de politização da questão ambiental requer uma constante

luta dos sujeitos coletivos das classes subalternas, através da participação

organizada e consciente, no âmbito da sociedade civil, em torno da

democratização do acesso aos bens ambientais, considerados como bens

públicos e direito de cidadania. Esta postura torna-se hoje decisiva, na defesa

dos direitos conquistados e, no processo de ampliação e aprofundamento da

conquista de novos direitos.

Porto-Gonçalves (2004a) defende que o caráter crítico demarca a

opressão do homem e da natureza, desnudando as relações de poder nas

sociedades em um processo de politização das ações humanas. Sendo assim,

o debate político e politizado sobre a relação sociedade e natureza nos traz a

necessidade de pensar quais seriam os limites que a própria humanidade vem

construindo neste processo de resistência ao capitalismo. E, ainda, as

potencialidades para a sua superação e construção de uma nova organização

societária, que contemple neste processo, uma crítica ampla e radical do ponto

de vista filosófico e cultural, ressignificando o conceito de natureza e de

participação da sociedade.

Nossa perspectiva pretende ultrapassar a mera crítica aos males do

capitalismo, pois consideramos que a análise das contradições intrínsecas do

capital, marcantes na contemporaneidade, abre, paradoxalmente,

possibilidades às lutas políticas para sua superação. Estamos convencidos de

que o capitalismo é resultado de uma construção sócio-histórica e, portanto,

pode ser superado. E a mediação da política torna-se elemento indispensável,

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para a constituição de condições necessárias à conquista de uma nova ordem

societária, tendo a sociedade civil como espaço privilegiado de luta.

Assim, entendemos que para politizar a questão ambiental é

fundamental trazer para o debate e embate, os sujeitos que vivem esta

questão, tendo em conta o sentido de política de Gramsci, ou seja, como

educação, organização e de construção de um projeto de classe. Por isso, o

trabalho de educação e formação, desenvolvido pelos sujeitos coletivos das

classes subalternas, é de extrema relevância. ( abordaremos esta questão no

capítulo seguinte)

Nossa reflexão se direciona à critica das diversas tendências do

pensamento ambientalista, inclusive ao eco capitalismo, que tem como uma de

suas expressões hegemônicas, a economia verde. A tradição marxista, para a

compreensão da questão ambiental, coloca-se, neste sentido, como uma

perspectiva privilegiada de análise crítica, para a construção de alternativas.

As reflexões feitas por Layargues(2004) reafirmam a necessidade de

defesa da questão ambiental como uma questão política, que comporta

diversas e antagônicas visões e soluções propostas. Somos concordantes com

o autor ao considerar que a questão ambiental, muito mais do que uma

questão técnica e/ ou ética é, antes, uma questão política, envolvendo disputas

entre sujeitos coletivos em torno do acesso, uso e domínio dos recursos

naturais e da responsabilização dos danos e riscos ambientais, caracterizada

pela disputa pelo direito de poluir e pelo dever de restaurar o dano.

Para Porto-Gonçalves (2006, p.48)

Dizer que a problemática ambiental é, sobretudo, uma questão de ordem ética, filosófica e política é se desviar de um caminho fácil que nos tem sido oferecido: o de que devemos nos debruçar sobre soluções práticas, técnicas, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, erosão. Este caminho nos torna prisioneiros de um caminho herdado que é ele mesmo, parte do problema a ser analisado.

Estas considerações nos incitam à reflexão sobre a urgência de análises

direcionadas à compreensão e construção das condições necessárias ao seu

enfrentamento e superação. Layargues (2004) partindo da relação sociedade e

natureza, sob a hegemonia do capital, argumenta que se a sociedade é o lugar

do conflito, e não da harmonia, nela estão presentes os verdadeiros

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“desequilíbrios”, e não na natureza, como o senso comum, disseminado pelas

classes dominantes, nos leva a crer. Cabe ponderar que a tentativa de

despolitização da questão ambiental, se apresenta como estratégia da

pequena política, como a parte visível, mas não declarada da grande política. E

se as classes subalternas vêm limitando seu combate ao âmbito da pequena

política, as classes dominantes desempenham a grande política, como nos

mostra Gramsci,

[...] é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política. (...) Ao contrário, é coisa de diletantes pôr as questões de modo tal que cada elemento de pequena política deva necessariamente tornar-se questão da grande política, de reorganização radical do Estado. (CC, p.22, vol. 3)

A partir de Gramsci, consideramos que o capital, através de seus

portadores, vem incitando (e/ou realizando) o exercício da pequena política, ao

baixar o nível das lutas, trazendo por consenso e/ ou por coerção (medo das

catástrofes, de não ser ecologicamente correto, etc.), amplos setores,

organizações, etc., para o seu campo e nível de luta. Assim, estes portadores

do capital, reforçando o jogo da pequena política, estão na realidade, fazendo a

grande política, de despolitização em primeiro lugar.

Como nos ensina Gramsci, para estabelecer a hegemonia, as classes

tentam construir, no interior da sociedade civil, o consenso. E, neste sentido, se

as classes dominantes têm logrado mais êxito, isto impõe às classes

subalternas a organização e o direcionamento de sua luta, para alguns

desafios, dentre os quais: que consensos devem ser destruídos/ desvelados?

Como construir consensos a partir das classes subalternas e que grandes

questões são impulsionadoras e articuladoras de consensos, pelas quais se

torna politicamente importante lutar?

O consenso atualmente prevalente sobre a questão ambiental se

assenta no fato de que a mesma afeta a todos, indistintamente, que a

responsabilidade pela sua manutenção, é de um homem genérico, a-histórico e

a-político, e do progresso. E ainda, que a busca de soluções cabe à sociedade

como um todo. Estas idéias são reforçadas e agravadas por dados e previsões

catastróficos veiculados, aliados a propostas paliativas, individuais,

comportamentais e indistintas em relação às classes sociais, exercendo, em

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algumas situações, uma coerção sobre as pessoas, que se traduz em pânico e

despolitização. Isto é exemplar através do engajamento individual ou coletivo,

em lutas ambientais pontuais e da “adesão” a comportamentos ecologicamente

corretos que se expressam na participação prioritária no âmbito da pequena

política. O poder desta questão, a partir desta perspectiva, é colocar todos num

mesmo patamar, ou como é considerado pelo senso comum, todos “estamos

no mesmo barco”. Isso é funcional ao capital, pois ao não distinguir, equaliza

todos em função dos graves riscos da crise ambiental, operando um processo

de despolitização da questão ambiental, dissolvendo a questão de classe.

Assim, cabe reafirmar que múltiplas identidades são funcionais ao capital, mas

a única identidade que ameaça a estrutura capitalista é a de classe.

Diante da afirmação de um discurso genérico sobre sustentabilidade,

que se coloca como consensual Loureiro (in Silva, 2010, p.6) nos adverte:

Para romper com esse discurso que aparece como consensual (sem sê-lo de fato), mas que se coloca como recurso de dominação ideológica das classes sob a hegemonia do capital, é preciso ter claro que soluções genéricas, que buscam aglutinar toda sociedade em torno da salvação do planeta, vêm encobrir estratégias de manutenção de sua lógica destrutiva e de seu projeto político.

Porto-Gonçalves (2004, 2006) propõe, como um dos grandes desafios

ambientais contemporâneos, romper este consenso que esconde a gravidade

da questão com soluções paliativas.

[...] escapar das armadilhas destas noções fáceis que nos são oferecidas pelos meios de comunicação de massa, tais como ‘qualidade de vida’ ou ‘desenvolvimento sustentável’ que, pela sua superficialidade, preparam hoje, com toda a certeza, a frustração de amanhã.

Para Silva (2010, p.43),

[...] na esteira de um discurso que apregoa a adoção de práticas “ecologicamente corretas”, ocultam-se os reais determinantes da questão ambiental: o sociometabolismo do capital e a impossibilidade de superação da produção destrutiva pelas vias do progresso técnico.

Consideramos que a disseminação desta postura “ecologicamente

correta” expressa uma defesa ideológica (não comportando ingenuidade ou

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incompetência), que vem sendo feita pelo capital, contribuindo para reafirmar

um quadro que perpetua a exploração da força de trabalho e da natureza. A

partir das contradições que constituem a produção destrutiva do capital, a

construção de uma unidade das lutas sociais e ambientais torna-se elemento

indispensável, para uma conseqüente ação política anticapitalista, que, tendo

como ponto central a superação da sociedade de classes, nortearão as

necessárias transformações societárias.

Como visto, uma série de recursos vêm sendo utilizados para a

construção de consensos: cooptação, engodo, desinformação, sutileza,

utilização de termos que expressam idéias ao mesmo tempo universais e

vagas, reforçando um sentimento de pânico, em relação às catástrofes

ambientais e à adesão a ações paliativas, etc. Consideramos que a utilização

destes recursos pode demonstrar que, na verdade, o consenso em torno do

desenvolvimento sustentável se apresenta, segundo Layargues, como uma

“cortina de fumaça”.

A construção de consensos é fundamental, mas insuficiente para que as

classes subalternas cheguem ao poder. É preciso enfrentar o desafio de, para

além da constituição de consensos, construir um projeto de sociedade contra-

hegemônico. A teoria de Estado ampliado de Gramsci nos fornece a base para

que possamos analisar a questão ambiental e suas diversas e/ ou antagônicas

concepções presentes nos aparelhos privados de hegemonia na sociedade

civil, que expressam disputas pela prevalência de um determinado projeto

societário. A disputa de projetos que se dá na sociedade civil em torno da

direção da sociedade política tem sua concretude (materialidade) nestes

aparelhos privados de hegemonia. Sendo a visão burguesa a hegemônica,

expressa pela naturalização da questão ambiental, a tendência é que a mesma

seja reproduzida pelos aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil.

Por isso, se observa a sua reprodução através de ONGs, movimentos sociais,

etc., que fortalecem este projeto. Esta hegemonia do projeto burguês não se

coloca como unanimidade, nem como homogeneidade, o que denota, portanto,

a existência simultânea (coexistência) de projetos diferentes, divergentes e,

principalmente, antagônicos que se direcionam para a construção de outra

relação sociedade e natureza, que se apresentam como contra-hegemônicos.

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Através do processo de construção desta contra-hegemonia, torna-se

relevante considerar a necessidade de fortalecimento dos sujeitos coletivos que

lutam e constroem estratégias, para a superação dos desafios ambientais e da

visão naturalizada da questão ambiental, defendida pelo eco-capitalismo, a fim

de disputar posições na sociedade civil.

Para Semeraro (2007), a atual configuração da sociedade civil se

apresenta como

[...] uma esfera cada vez mais complexa e contraditória de lutas ideológicas, de guerra de posição e de intensa disputa pela hegemonia entre diferentes grupos sociopolíticos. Hoje, de fato, a velocidade vertiginosa da globalização vem demonstrando que, nessa esfera, não apenas se multiplicam as iniciativas, são traçados os rumos da economia, da política e da cultura, mas que, com uma facilidade nunca vista antes, amalgamam-se discursos, embaralham-se signos, ocultam-se desigualdades e despolitizam-se as relações socioeconômicas. (p. 262, Grifos nossos)

Duriguetto (2007) nos leva a refletir sobre as diferentes perspectivas de

democracia e de sociedade civil, que se explicitam e se escondem por trás de

estratégias compatíveis com as “regras do jogo”, que se destacam na defesa

de um consenso de direitos, do direito à diferença e da chamada esfera

pública. Consideramos que, em relação à área ambiental, isto se torna

exemplar, pois diferentes perspectivas sobre a questão ambiental aparecem e

se ocultam através de termos como desenvolvimento sustentável, uso racional

dos recursos naturais, solidariedade com as futuras gerações, bem comum.

A autora citada nos instiga a refletir sobre a relação entre as

transformações pelo alto e a conformação da sociedade civil e da democracia,

onde as classes dominantes sempre se posicionam em busca da restauração

do poder que está sendo ameaçado, incidindo sobre ideologias e práticas que

se posicionam contrariamente. Estes enfrentamentos ídeo-políticos ocorrem a

partir de uma história de golpes, de repressão, criminalização e cooptação,

onde a figura do Estado ganha destaque central. A perspectiva que se torna

hegemônica, ao final do século XX, é problematizada pela autora, através da

análise de sua materialização em experiências de sociedade civil como

apêndice e extensão do Estado, disposta a assumir, dentro da ordem

capitalista, aquilo que não é do interesse do Estado nem do mercado.

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Consideramos que esta perspectiva hegemônica de sociedade civil se

manifesta claramente no campo ambiental, impondo o desafio de intensificação

das lutas políticas na grande e na pequena política. As diferentes perspectivas

que se apresentam na sociedade civil, expressam que a neutralidade e o

distanciamento da política, defendidos pelo neoliberalismo, devem ser

contrapostos, apontando para a defesa da sociedade civil como campo de

diferenças, divergências e disputas.

Com base nestas reflexões, afirmamos que a compreensão da

pluralidade de sujeitos e de posições presentes na sociedade civil, em relação

à questão ambiental, torna-se essencial para o seu processo de politização,

onde os conceitos gramscianos de “pequena e grande política” são centrais

para (des) construção de determinadas concepções.

Neste sentido, Semeraro (2007, p.10) nos mostra que

Gramsci ajuda muito a “desconstruir” esta concepção de pós-modernidade de marca neoliberal que está levando à despolitização, ao relativismo, à apatia, à evasão, à indiferença, à valorização do fragmento, do imediato, ao autismo e ao intimismo, com grave perda da visão do todo, das relações sociais, da grande política, da possibilidade da revolução, da entrega à militância e aos ideais da solidariedade humana. Dentro desse horizonte, a vida humana e social se amesquinha, dando lugar ao predomínio da pequena política.

Neste sentido, Gramsci fala da necessidade de organização e superação

do senso comum, que é o conjunto de reflexões que se acumula de forma

fragmentada, empírica, e que, por isso, é insuficiente. Neste sentido, nos

mostra que superar o senso comum e chegar ao bom senso é tarefa política

revolucionária da classe trabalhadora, que só será possível através do

conhecimento da realidade e da luta política.

Semeraro (2007, p. 12) nos alerta que

A educação é um elemento necessário, mas não suficiente, na disputa pelo poder. O processo de superação das relações de poder dominantes e a construção de outras relações societárias também exigem uma educação que eleve a consciência das classes subalternas para que elas possam se reconhecer como classe e,

depois, lutar pelos seus próprios interesses.

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Nesta direção, a presença de intelectuais orgânicos torna-se

imprescindível, pois são eles que vão ajudar nesta superação educando,

organizando, dando clareza, coerência e unidade. Para Gramsci, o intelectual

pode ser individual ou coletivo e afirma que o intelectual coletivo privilegiado é

o partido político, que representa uma passagem do momento egoísta,

individual, ao momento ético-politico. Por isso, o partido não é uma

institucionalidade, mas uma função. É a construção de uma vontade coletiva,

que se traduz em consciência, que deve agregar o conjunto da classe

trabalhadora em torno da necessidade de se fazer a revolução.

Para Semeraro (2007, p. 18), esse processo de luta em favor da

transformação social, que cobra ações contra-hegemônicas, é também

educativo, pois exige o aprendizado de uma nova forma de ver, de entender a

realidade e de agir nela.

Gramsci não entende a educação senão como um espaço da disputa política definidora dos rumos históricos: se ela é elemento de cimentação da ideologia dominante, deve ser também utilizada pelos subalternos como um instrumento estratégico que pode auxiliar na

tarefa de superação do capitalismo.

Assim, o processo de politização da questão ambiental deve ter em

conta o caráter educativo da luta política, empreendida pelas classes

subalternas, considerando que, segundo Semeraro (2007), Gramsci nos traz a

reflexão de que a educação é sempre política e que o princípio educativo é o

trabalho.

A preparação cultural, educacional que fortaleça as classes subalternas

para a disputa de posições hegemônicas torna-se elemento essencial para a

legitimação popular, pois corresponde à necessária construção coletiva que

ocorre neste processo de formação da consciência desenvolvido na luta

política. Aprofundaremos no terceiro capítulo deste trabalho a análise da

agroecologia como estratégia política, destacando o processo de educação e

formação em agroecologia no MST.

Loureiro (2003) traz contribuições vitais à construção da práxis

ambiental, quando põe em relevo a relação entre questão ambiental e lutas

sociais, chamando atenção para a necessidade de ambientalização das lutas

sociais, que se traduz na incorporação da questão ambiental como uma

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questão política estratégica, nas lutas sociais empreendidas pelas classes

subalternas e, ao mesmo tempo, propõe a aproximação entre os movimentos

ambientalistas e outros movimentos populares, no sentido de potencializar e

efetivar aprendizados políticos, no desenvolvimento das lutas. Estes aspectos

correspondem aos estudos que realizamos, relacionado às reflexões de

Gramsci, sobre o caráter educativo das lutas sociais.

A luta contra-hegemônica, entendida pelo pensamento gramsciano, não

se limita ao espaço físico e estrutural, mas também a todo tipo de organização

cultural para a formação de intelectuais orgânicos. Essa nova cultura não é

apenas composta por descobertas originais, mas, sobretudo, discute

criticamente verdades já descobertas, transformando-as em meio para a ação.

Esse desafio contra-hegemônico, quando assumido pela sociedade civil com o

protagonismo dos movimentos sociais, deve buscar realizar uma ampliação na

esfera pública em todos os setores que integram a sociedade.

Em síntese, buscamos fortalecer a posição que afirma a questão

ambiental no capitalismo, como uma questão política, que envolve o Estado e

os sujeitos coletivos da sociedade civil em torno do acesso, uso e domínio dos

bens ambientais. É uma questão conflitiva baseada na questão de classe e que

tem, como elemento fundamental, a questão do trabalho envolvendo a disputa

dos sujeitos em torno da sua conceituação (dimensão técnico-natural,

dimensão histórico-social), do seu acesso, controle e uso.

Reafirmamos que há uma tentativa de despolitização desta questão por

parte do Estado e das classes dominantes, através de um discurso neutro,

comum a todos, que propõe soluções técnicas, comportamentais e paliativas,

diante da gravidade deste quadro que se mostra altamente explosivo e

ameaçador da vida humana e da própria biosfera. Entendemos que este

discurso se mostra como estratégia da grande política, utilizada pelas classes

dominantes, onde se destaca o papel da mídia hegemônica na sua

reafirmação.

Diante do exposto, defendemos que os embates e as lutas levadas a

cabo pelas classes subalternas se mostram como estratégicos para o

necessário processo de politização da questão ambiental na sociedade. Porto-

Gonçalves (2004) nos alerta que a construção de um projeto contra-

hegemônico pensado no contexto desta sociedade, deve necessariamente

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contemplar a questão ambiental, até pelos riscos que o capitalismo nas últimas

décadas trouxe para a humanidade e para o planeta.

O campo ambiental se faz presente, na luta da sociedade civil, através

dos sujeitos coletivos, numa perspectiva de embate político permeado por

tensões e disputas entre projetos societários diferentes, ou seja, o que visa à

manutenção da hegemonia do capital e o que tem como perspectiva a defesa

do protagonismo das classes trabalhadoras na construção de uma nova

relação entre sociedade e natureza. Neste sentido, Rauber (2007) nos alerta

para a necessária constituição de um sujeito popular, fruto da articulação das

lutas de diferentes sujeitos coletivos.

Os estudos realizados a partir da tradição marxista nos levam a

considerar que a gênese da questão ambiental se relaciona à instituição da

ordem burguesa e a disputa em torno de outro modelo agrário e agrícola tem

sido um elemento central nas lutas dos sujeitos coletivos, expressando o

movimento produzido pelas classes sociais e pelo Estado relacionado ao

acesso e controle dos bens ambientais, dos quais a terra e toda sua fertilidade

ganha centralidade nesta fase atual do capitalismo.

A partir destas considerações, discutiremos no capítulo seguinte, a

manifestação da questão ambiental no espaço agrário brasileiro, tendo em

conta a relação entre questão agrária e questão ambiental, expressa pela

tensão entre modelos antagônicos de agricultura. Esta tensão se revela através

da existência de sujeitos coletivos da sociedade civil, que disputam o acesso e

o controle da terra. É neste movimento de enfrentamentos que

compreendemos o MST, como um sujeito coletivo que se forja neste processo

de luta e resistência contra o modelo agrário e agrícola, constitutivo e

determinante das questões agrária e ambiental. E é neste enfrentamento que

este sujeito vem construindo a agroecologia, assumida como matriz produtiva e

política.

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CAPÍTULO 2 – A QUESTÃO AMBIENTAL NO ESPAÇO AGRÁRIO

BRASILEIRO: FALHA METABÓLICA, O EMBATE ENTRE SUJEITOS E A

LUTA PELA AGROECOLOGIA

2.1 O Desenvolvimento do Capitalismo no Espaço Agrário Brasileiro e

as Transformações na Agricultura: afirmação e ampliação da falha

metabólica

2.1.1 Questão Ambiental no Desenvolvimento da Agricultura Brasileira:

da apropriação e uso da terra pelo capital ao processo inicial de

industrialização.

Pretendemos discutir, inicialmente, como a forma de apropriação da terra,

como um dos elementos fundamentais da natureza, impactou o território

brasileiro, destacando que, através da concentração da terra como propriedade

privada e do desenvolvimento da agricultura capitalista, constitui-se,

juntamente com a formação de uma questão agrária, elementos fundantes,

posteriormente, de uma questão ambiental no Brasil. Considera-se, portanto,

que a ocupação e o uso da terra são a base (ou o ponto de partida) para nosso

entendimento sobre as manifestações da questão ambiental no espaço agrário,

enfatizando a produção dos modelos de agricultura.

Reforçamos a defesa de Nascimento (2008) de que a questão ambiental

está na origem da formação do espaço agrário brasileiro, de modo que não há

como falar da questão agrária sem considerar os danos ambientais produzidos

pelo modelo de agricultura de exportação, definido em razão de um caráter

progressista (ou moderno) que via a natureza como possibilidade de aumento

de ganhos, como mero objeto de negócio. O desmatamento, a degradação e a

exaustão dos solos, bem como o afastamento dos produtores de seus meios

de vida, são provenientes da forma como a natureza foi considerada desde o

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início de nosso processo de colonização, como um vazio ecológico e social,

como algo inculto.

A partir das considerações acima, ressaltamos que, para fundamentar o

conceito de falha metabólica, é preciso considerar a violenta separação dos

povos originários de seus meios de vida e a tentativa frustrada de sua

escravização. E ainda cabe destacar a relação entre a produção de uma

agricultura, monocultora, itinerante e de fronteira aberta, feita pela mão-de-obra

escrava, sob o comando dos latifundiários capitalistas que recebiam as

sesmarias. Com a abolição da escravatura, moveu-se também um processo

violento de expulsão de uma massa de escravos libertos que vão se amontoar

nas cidades em busca de sua sobrevivência.

Consideramos que o elemento básico para analisarmos a falha

metabólica, operada no processo de formação da sociedade brasileira,

particularmente do espaço agrário, e de seu projeto de desenvolvimento desde

o período colonial se relaciona com a apropriação e o uso da terra, considerada

o primeiro elemento fundamental da natureza para a vida humana.

A opção inicial pelo modelo agroexportador, a partir da produção da

agricultura monocultora de fronteira aberta e itinerante, sustentada pelo

trabalho (escravo e, posteriormente, pelo trabalhador livre imigrante,

trabalhador rural) em larga escala para exportação já demonstra a afirmação

da falha metabólica na relação da sociedade brasileira com o ambiente. Além

dos danos ambientais causados por este tipo de agricultura extensiva e

itinerante, que empobrece e exaure o solo, o fato de a produção ser

direcionada para exportação traz um elemento fundante na constituição da

falha metabólica, como discutimos no primeiro capítulo, ou seja, toda a

produção é destinada para longas distâncias, levando junto com os produtos,

parte da fertilidade da terra que a ela não retorna, e que se transformará em

lixo no seu local de consumo, provavelmente (ou invariavelmente) nas cidades,

gerando poluição e doenças.

Stédile (2011) afirma que, numa perspectiva ampla,

[...] a questão agrária é uma área do conhecimento científico que procura entender de forma genérica, como cada sociedade organiza o uso, a posse e a propriedade da terra ao longo da história. Também estuda como as sociedades se organizaram ao longo do tempo e de que forma produzem os bens originários da natureza em especial os

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alimentos e a produção agrícola, para atender as suas necessidades (STÉDILE, 2011, p. 12).

Assim, este autor destaca a relevância de demarcar, na evolução da

questão agrária no Brasil, o momento e as condições que proporcionaram a

afirmação da propriedade privada da terra, seu desenvolvimento como um

problema agrário e a reação da sociedade brasileira, por meio de suas

diferentes classes e forças sociais.

Também contemplaremos, nesta análise, a manifestação da questão

ambiental na agricultura brasileira, tendo como ponto de partida que o processo

de apropriação privada da terra, que demarca as condições de acesso, uso e

domínio dos recursos naturais, afirma a falha metabólica que se estabelece na

relação entre a sociedade e a natureza. E destacamos que a ampliação desta

falha se manifesta nas implicações ecológicas e sociais, trazidas pelo

desenvolvimento da agricultura, especialmente a partir das alterações

proporcionadas pela terceira revolução agrícola que, como vimos no capítulo

anterior, se expressam através da chamada revolução verde.

Nascimento (2008) nos traz algumas reflexões com as quais

concordamos, quando afirma que, mesmo que o meio ambiente e a agricultura

só tenham se tornado uma questão a partir das transformações trazidas com a

revolução verde, através do processo de modernização conservadora, a raiz ou

a origem dos problemas ambientais na agricultura brasileira se localiza na

forma de uso e apropriação privada da terra através da agricultura

desenvolvida desde o período colonial. Este autor analisa que há pelo menos

duas interpretações tradicionais no debate agrário brasileiro, sobre os seus

impactos ambientais sobre o território.

A primeira considera que a estrutura agrária brasileira foi resultado da

sua condição de colônia e que a prática da destruição dos recursos e espaços

naturais permanece quase a mesma. A segunda considera que a adoção da

revolução verde, denominação dada ao modelo euro-americano de

modernização agrícola, foi o fator exemplar responsável por desencadear os

problemas ambientais no espaço agrário brasileiro, tais como a erosão dos

solos, a desertificação, o desmatamento, entre outros. E afirma sua perspectiva

a partir da defesa de uma interpretação alternativa. Para Nascimento (2008b,

p.11)

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[...] não se tratou simplesmente da permanência do oligarca rural tosco do período colonial, nem tampouco se tratou apenas do impacto da difusão, anos mais tarde, do “pacote” tecnológico da chamada Revolução Verde, fato que veio dar sentido à modernização conservadora. Na verdade, o ethos progressista estava dado pelas relações de propriedade e absorveria rapidamente cada pacote tecnológico que surgisse, reproduzindo reiteradamente a regra da degradação-itinerância[...].Para o caso brasileiro, a regra citada acima se materializa na ausência de limites ambientais nas diferentes frentes de expansão da fronteira e ocupação do território via o processo de apropriação privada. Ocupam-se terras devolutas como “vazios” territoriais ou vazios ecológicos e sociais, instituindo o espaço rural enquanto regulação predatória do acesso a terra e condição de manutenção das relações de propriedade tais como são.

Este autor sustenta que, mesmo que a Lei de Terras tenha sido o ponto

de origem, a continuidade das formas predatórias de exploração dos espaços e

recursos naturais no Brasil estabeleceu um pacto essencial na exploração

agrícola/agrária do país, a monocultura em fronteira aberta. Esta condição de

fronteira aberta (ou móvel) permitia uma adaptação maior a esse sistema e

invalidava as conseqüências da ampliação dos custos da degradação

ambiental sobre a exploração agrícola. Desta forma, as tecnologias e os

pacotes tecnológicos se ajustariam bem à realidade rural do Brasil.

Nascimento (2008b) propõe uma nova interpretação da questão agrária,

a fim de retomá-la como uma formulação que não prescinda da problemática

ambiental. Nesse sentido, defende que assinalar o papel que desempenhou o

fator ambiental na instituição do espaço rural brasileiro justifica-se, primeiro,

pelo caminho escolhido, o da concentração fundiária, que incentivou a

modernização agronômica à custa da degradação socioambiental. E, segundo,

pela intensificação do padrão de modernização agrícola, com o agravamento

da degradação dos solos e poluição dos rios, com o advento da Revolução

Verde no Brasil, a partir da segunda metade dos anos de 1960.

Este autor analisa como a ausência de limites ambientais foi se tornando

a regra principal da aliança entre a concentração fundiária e o progresso

técnico aplicado à agricultura no Brasil. A perspectiva histórica da análise

abrange o período de 1850 a 1930, quando foi definida a natureza

socioeconômica específica do capitalismo agrário brasileiro e, pós-1930,

quando se criaram as bases de desenvolvimento do mercado interno.

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Moraes (2002, p.13) analisa a formação do Brasil a partir de nossa

herança colonial, afirmando que a idéia de conquista territorial se constituiu

num forte traço de nossa identidade.

A apropriação de novos lugares, com suas populações, riquezas e recursos naturais, era o móvel básico da colonização. [...] uma ótica dilapidadora comanda o processo de instalação do colonizador, a qual se expressa num padrão extensivo (do ponto de vista do espaço) e intensivo (do ponto de vista dos recursos naturais) de uso do solo.

Para Caio Prado Junior (1988, p. 14), o caráter mais profundo de nossa

colonização se relaciona com a forma como se distribuiu as terras, uma vez

que a superfície dos solos e seus recursos naturais constituíram a única

riqueza da colônia. “[...] aqui uma só riqueza: os recursos naturais; daí uma só

forma de exploração: agricultura ou pecuária, subordinadas ambas à posse

fundiária”.

Para Stédile (2005), entender o processo de ocupação do território

brasileiro e o uso da terra requer considerar a história pregressa à sua invasão,

em que a sociabilidade das populações nativas, sob o chamado modo de

produção comunista primitivo, se pautava na vida nômade, onde a idéia de

propriedade privada não era conhecida, pois o solo era de posse coletiva e

temporária, utilizado para o provimento das necessidades de subsistência dos

grupos.

Sobre este período, o autor relata:

Desde os primórdios da nossa sociedade e o ano de 1500 d. C., a História registra que as populações que habitavam nosso território viviam em agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, a maioria nômade, dedicando-se basicamente à caça, à pesca e à extração de frutas, dominando parcialmente a agricultura. [...] organizavam-se em agrupamentos sociais de 100 a 500 famílias, unidos por algum laço de parentesco, de unidade idiomática, étnica e cultural. Não havia entre eles qualquer sentido ou conceito de propriedade dos bens da natureza [...] todos os bens da natureza eram de posse e de uso coletivo e eram utilizados com a única finalidade de atender às necessidades de sobrevivência social do grupo (STÉDILE, 2005, p. 21, grifos nossos).

A citação e o trecho grifado destacam uma questão que se coloca como

essencial para nossas reflexões sobre a manifestação da questão ambiental no

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espaço agrário. Para que possamos compreender as mudanças operadas na

agricultura brasileira, torna-se relevante apreender os mecanismos de

apropriação do território brasileiro, que de posse e uso coletivo para o

provimento de necessidades básicas, torna-se propriedade privada, orientado

para a obtenção de lucros, destacando as implicações sociais e ambientais

relacionadas a este processo.

É importante demarcarmos também que a gênese das cidades

brasileiras tem relação direta com o brutal processo de expropriação das terras

e culturas indígenas.

Trata-se de vilas e cidades esquadrinhadas, à época, pelo colonizador europeu sobre o terreno da tribo indígena, agora – e para sempre – desmantelada. Esta é a gênese da cidade brasileira, o seu princípio, o marco zero. Beneficiando-se da base riquíssima de conhecimentos sobre o território acumulado pelos índios ao longo de alguns milhares de anos, o colonizador estampou a cidade e estruturou o seu modelo civilizatório (MENEGAT, 2003, p. 151).

Para Menegat (2003, p.51), a criação das cidades brasileiras no período

colonial demonstra que a constituição do espaço rural através da apropriação

privada da terra com as capitanias hereditárias, foi comandada pelo “sujeito

político concreto (o conjunto de famílias, de fidalgos e de congregações

religiosas)” através do estabelecimento do projeto de produção com o uso da

força de trabalho escravizada, que deveria produzir excedentes econômicos

para atender às demandas de acumulação do centro.

O nascente capitalismo comercial, que se afirma na Europa, encontra na

expansão marítima do século XV, a possibilidade de elevar a acumulação de

capital, pois a descoberta de novos territórios tinha como objetivo a sua

exploração para o fortalecimento das metrópoles. A invasão do território

brasileiro pelos europeus, a forma de organização da produção e a apropriação

dos bens da natureza foram orientadas pelas leis do capitalismo comercial, já

dominante na Europa. Assim, a mercadorização de tudo que fosse possível,

visando ao lucro, foi a prática orientadora das atividades de produção e

extração (Stédile 2005, 2011)9.

9Sobre este processo mais amplo de mercadorização dos bens naturais em nosso continente,

se direciona a análise de Galeano em “As veias abertas da América Latina”, referenciada no capítulo anterior.

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Retomando o processo inicial de exploração do Brasil, fica claro que os

portugueses buscavam encontrar ouro e outros recursos naturais que lhes

garantissem o acúmulo de riquezas e, conseqüentemente de poder, mas,

segundo Stédile (2011, p. 11), “logo perceberam que a grande vantagem

comparativa de nosso território era a fertilidade das terras e o seu potencial

para cultivos tropicais de produtos que até então os comerciantes buscavam na

distante Ásia ou na África”. A necessidade do uso produtivo e lucrativo da terra,

somada às suas condições naturais favoráveis, se materializa no cultivo de

gêneros raros na Europa, atendendo à dinâmica de produção da colônia e

visando ao atendimento dos interesses da metrópole.

A ocupação de terras no Brasil, no período colonial, ocorre com uma

dupla finalidade: defender o território de possíveis invasões por outros povos e

utilizar as terras visando proporcionar lucro à metrópole. A forma adotada, a

distribuição de terras através das capitanias hereditárias aos nobres

donatários, corresponde aos interesses da coroa portuguesa que, em troca de

favores e de tributos, concede a alguns, a posse da terra para exploração, com

o direito de legá-la a seus herdeiros (Stédile, 2011).

Ressaltamos, a partir da análise de Stédile (2011), a mudança

fundamental ocorrida com a posse e utilização da terra, que de uso coletivo

passa a ser propriedade de Portugal, que delega sua posse a quem se

dispusesse a explorá-la, instituindo, na colônia brasileira, o monopólio da terra

e o latifúndio.

Stédile (2011) analisa que, de 1530 a 1888, a formação social brasileira

foi dominada pelo regime escravista colonial, baseado no modelo

agroexportador, que perdura até os anos 1930, quando a crise do mesmo

possibilita a mecanização nos campos. Para este mesmo autor, o modelo

agroexportador baseado no cultivo de produtos agrícolas e na extração de

minerais, destinado ao abastecimento do mercado europeu, no Brasil, se

expressa através do modelo adotado para a organização da produção agrícola,

que ficou conhecido como “plantation” ou como “plantagem”. De acordo com

Gorender (2005), o desenvolvimento da agricultura no período colonial se dava

a partir do que ele chamou de escravismo colonial, baseado na forma

plantagem de organização da produção escravista, que possuía como traços

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característicos: especialização na produção de gêneros comerciais destinados

ao mercado mundial; trabalho por equipes sob o comando unificado;

conjugação estreita e indispensável, no mesmo estabelecimento, do cultivo

agrícola e de um beneficiamento complexo do produto; divisão do trabalho

quantitativa e qualitativa.

No entanto, Porto-Gonçalves (2008-b, p.1) nos chama a atenção para a

concentração da propriedade da terra como um dos pilares da concentração de

poder, não só no Brasil como em toda a América Latina. Argumenta que, desde

o início da invasão dos territórios dos povos originários pelos europeus, o

domínio e controle da terra e de suas riquezas minerais se configuraram como

o principal objetivo dos invasores. E assim, se conformou no Brasil e em toda

América Latina o que o autor chamou de duas geografias antagônicas.

(1) uma geografia marcada por assimétricas relações sociais e de poder étnico-racializadas, (1.1) seja por meio do cativeiro dos homens (escravidão) e (1.2) à violência contra as mulheres (haja vista o fato de a maioria dos colonos que vieram para o Brasil não ter vindo para cá com suas esposas e, assim, violar as mulheres indígenas e as negras eram práticas comuns), (1.3) seja por meio do cativeiro da terra (latifúndio) que destina os nossos melhores recursos, tanto técnicos (dos engenhos dos séculos XVI e XVII, aliás, as mais modernas manufaturas que então o mundo conhecia, aos atuais tratores-computadores com seus plantios diretos de monoculturas transgênicas), (1.4) como naturais (os melhores solos, nossas energias e águas, nossas matas queimadas para fazer ferro-gusa limpo para o primeiro mundo e a contaminação e a devastação a isso associado que fica para nós) para a exportação e;

(2) uma geografia da liberdade que se conformou por meio de quilombos, nos refúgios dos indígenas e no apossamento de terras pelos camponeses (“homens livres”), onde a diversidade dos cultivos e o aproveitamento do potencial que a natureza com sua produtividade primária (fotossíntese) oferecem, conformou modos de vida e de produção marcados por uma riquíssima culinária e uma medicina criativa e eficaz cujos conhecimentos são, hoje, objeto de intensa luta por apropriação (etnobiopirataria) e que é responsável por grande parte do nosso alimento de cada dia.

Nesta direção, podemos afirmar que, no Brasil, desde o período colonial,

ao mesmo tempo em que se fortalece uma agricultura monocultora para

exportação, também se forma uma agricultura camponesa, feita com a mão de

obra familiar, para o provimento das necessidades de alimentação que não

eram possíveis de serem atendidas com a produção de monoculturas. E foi

esta agricultura familiar a responsável pelo abastecimento do mercado interno

de alimentos, desde este período.

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Tanto as grandes propriedades, quanto as cidades que começam a

surgir demandavam alimentos, para além do que era produzido pelas

monoculturas. Desta forma,

[...] começa ao redor das grandes fazendas de monoculturas, a produção camponesa, a produção dos pequenos agricultores, a agricultura feita com a mão-de-obra da própria família, a agricultura camponesa. [...] Era feita em terra alheia, pagando renda, pois os grandes proprietários não permitiam que estes pequenos agricultores se tornassem proprietários das terras que cultivavam. Os famosos carros de boi levavam os produtos da roça até as cidades e às sedes das fazendas (GORGEN, 2004, p.18)

Este autor destaca as questões que diferenciam a agricultura familiar da

agricultura latifundiária: a prática de vários cultivos (policultura) e a criação de

animais; a utilização de tecnologias simples, que eram favoráveis e

respeitavam a natureza, tais como a rotação de culturas e o descanso da terra

por algum tempo para recuperar a sua fertilidade e o uso de ervas, chás e

xaropes caseiros para tratar problemas de saúde.

A utilização prioritária da terra para a agricultura de grande escala

através das capitanias hereditárias e, posteriormente através das sesmarias, é

analisada por Caio Prado Junior (1988), tendo em conta, inclusive, as grandes

dificuldades impostas ao desenvolvimento da agricultura familiar. Este autor

destaca que o insucesso produtivo e econômico de muitas capitanias

hereditárias fez com que a coroa, a partir da instituição do governo geral, em

1549, começasse a resgatar a maioria que havia sido doada. A coroa e os

donatários passam a instituir o sistema de sesmarias, cujos beneficiários

possuíam a obrigação de aproveitá-la por um determinado tempo, investindo

recursos próprios. Assim, se define o caráter da propriedade fundiária na

colônia, uma vez que a terra passa às mãos daqueles que possuíam recursos

para aumentar a produtividade da colônia através das lavouras, condição

requerida para o aumento de seus rendimentos.

Outra consideração relevante trazida por este autor se refere ao modo

de estruturação da economia agrária colonial, a qual se constituiu com base na

grande exploração rural, onde a pequena propriedade não encontrou condições

favoráveis para se desenvolver.

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[...] No Brasil – colônia salta logo aos olhos a impossibilidade de se adaptarem os nossos produtos ao regime de pequenos lavradores sem recurso de monta. A instalação, por exemplo, de um engenho de açúcar – a principal riqueza da colônia - mesmo dos mais modestos exigia mais de trezentos mil cruzeiros em moeda atual. Para o seu funcionamento requeriam-se ainda de cento e cinqüenta a duzentos trabalhadores. (PRADO JUNIOR, 1988, p.18)

Outro obstáculo apontado era o escoamento da produção, pois o

mercado de exportação se destinava a mercadorias que a pequena produção

não poderia produzir como o açúcar, e o mercado interno era muito limitado

tanto pelas condições da população colonial (negros escravos e semi-escravos,

índios, mestiços) quanto pela dificuldade das comunicações, que causavam o

isolamento das populações umas das outras. Mas cabe destacar aquele que se

tornou o maior obstáculo para os pequenos proprietários de terras: “a

vizinhança dos grandes e poderosos latifundiários, que lhes move uma guerra

sem tréguas” (PRADO JUNIOR, 1988, p.20). As lutas destas classes enchem a

história colonial com violentos conflitos e terminam quase sempre pela

espoliação dos pequenos pelos grandes. Como a economia urbana durante

todo o primeiro século e meio era praticamente inexistente, o autor afirma que

[...] é no campo que se concentra a vida da colônia, e é a economia agrícola a sua base material. Assim, é esta base material, que constitui a sociedade agrária que detém o poder na sociedade colonial [...]. Assim como a grande exploração absorve a terra, o senhor rural monopoliza a riqueza, e com ela seus atributos naturais: o prestígio e o domínio (IDEM, IBDEM, p.23)

Gorender (1994, p.22) defende que a formação do capitalismo no Brasil,

e especificamente no campo brasileiro, se deu a partir do modo de produção

escravista-colonial, dominado pelo setor mercantil. E contesta a idéia de que o

capitalismo teria se constituído com a abolição, e os ex-escravos teriam se

transformado em trabalhadores livres típicos do capitalismo. Para o autor

citado, o Brasil teve um modo de produção plantacionista latifundiário, baseado

em formas camponesas dependentes, com um desenvolvimento capitalista

incipiente.

[...] já no fim do escravismo brasileiro, apoiado na acumulação originária de capital, processada no próprio modo de produção escravista colonial, porque nele houve acumulação de capital, surgiu

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um setor industrial fabril, tipicamente capitalista. Mas no campo, após a abolição, continuou a dominar a plantagem exportadora [...].

Como discutimos no capítulo anterior, na criação e no desenvolvimento

histórico do capitalismo a partir do processo de acumulação de capital, é

importante resgatarmos o seu caráter autopropulsor, uma vez que o excedente

acumulado em determinada fase transforma-se numa base de investimento

para a seguinte. Gorender (1994) caracteriza o período colonial como essencial

para a acumulação de capital que mais tarde se aplica a agricultura,

proporcionando condições para o processo de constituição do capitalismo no

Brasil.

Para Pádua (2002, p. 190), a incorporação do território brasileiro, no

século XVI, na “economia-mundo moderna”, se dá através do desenvolvimento

da agricultura, tendo em conta que a exploração da biomassa vegetal se

fundamenta pela própria abundância ecológica do Brasil, que se apresenta aos

olhos do explorador europeu, como horizontes praticamente sem limites.

[...] O choque entre estes contextos de abundância ecológica e a motivação de ganho imediato, típica de uma colônia de exploração, deu origem a um modelo predatório de agricultura que dominou todo o período colonial, permaneceu dominante nas décadas da monarquia independente e ainda hoje, apesar das mudanças tecnológicas e da diversificação produtiva ocorridas no século XX, continua exercendo forte influência sobre as mentalidades e as práticas no campo brasileiro.

Pádua (2002) demonstra que este modelo de agricultura fundado na

grande propriedade, na monocultura de exportação e no trabalho escravo

fundamenta-se, do ponto de vista ambiental, em três princípios básicos: 1- a

idéia de que os recursos naturais seriam inesgotáveis; 2- o uso de tecnologias

descuidadas e extensivas, como fruto de uma postura destrutiva e parasitária

em relação a estes recursos e 3- pouca atenção à biodiversidade e

especificidade do ambiente tropical. Deste modo, destaca que a idéia de

fronteira aberta ao avanço contínuo da produção traz uma série de problemas

ambientais, pois os solos, já esgotados, poderiam ser substituídos com o

avanço sobre florestas e campos intactos. Para o autor, esta forte característica

de um nomadismo predatório marca profundamente a agricultura brasileira e se

apresenta na forma de uma agricultura itinerante.

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Nascimento (2008, p103) defende que

[...] a itinerância foi fator motor da institucionalização do espaço rural enquanto criação de vazio social e ecológico e corolário de sua ocupação econômica. [...] A itinerância, enquanto uma das forças indutoras da degradação ambiental estava alicerçada no padrão de ocupação do território, que se fazia sentir na contínua incorporação de novas terras ao cultivo e à posse.

Nascimento (2008) nos mostra que o traço marcante de uma agricultura

itinerante, avançando sobre as fronteiras, consideradas como algo infinito,

impõe um processo de degradação ambiental, assim como o processo de

expropriação de terras indígenas e camponesas estabelece profundas

alterações na relação sociedade e natureza. Somos concordantes com a

análise deste autor sobre o processo de desenvolvimento do capitalismo no

espaço agrário brasileiro, destacando o modo de ocupação e uso da terra

através desta agricultura itinerante, que passa a se constituir numa

característica específica deste processo. Contudo, veremos que a instituição da

propriedade privada da terra no Brasil, com a Lei de Terras de 1850, se

constitui num dos elementos determinantes deste processo.

Pádua (2002) analisa este processo de ocupação do território brasileiro,

através da relação entre itinerância e degradação ambiental, destacando que

esta dinâmica era estimulada pela própria facilidade de obtenção de novas

terras, pela elite, através da simples ocupação ou pelo recebimento de

sesmarias. Também problematiza, do ponto de vista ambiental, a relação entre

a introdução de cultivos exóticos, como a cana de açúcar e o café, na produção

comercial da agricultura brasileira deste período, e a manutenção da fertilidade

do solo. Soma-se a isto, o investimento na criação de animais não existentes

nos ecossistemas nativos como bois, cavalos e porcos. A separação da

produção da lavoura e a criação de animais não contemplavam a possibilidade

de consórcio e manejo, essenciais ao processo de restituição da fertilidade dos

solos.

Outra questão destacada pelo autor refere-se ao fato de que a prática da

coivara (roça e queimada) utilizada pelos índios, em pequena escala, foi

ampliada para espaços muito extensos e com reduzido intervalo de tempo. Isto

evidencia a incompatibilidade, entre as necessidades ambientais, regidas por

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processos naturais e ciclos de prazo mais alargados, e a busca de ampliação

de lucros, regida por critérios estabelecidos socialmente, e baseada no curto

prazo, que constituem os fundamentos (ou expressões) da falha metabólica no

espaço agrário brasileiro, conforme discutimos no capítulo anterior.

Porto-Gonçalves (2008-a, p. 3) analisa a adoção da agricultura

monocultora no Brasil, como uma das principais inovações do mundo moderno,

que embora seja apresentada como uma escolha técnica, não se desvincula de

seu caráter político. O significado político da opção pelo latifúndio de

monocultura, em detrimento da agricultura de pequena e média escala

baseada em cultivos diversificados, se mostra revelador dos interesses das

classes dominantes a serem defendidos, implicando em prejuízos sociais e

ambientais que marcam profundamente a história de nossa agricultura.

Até o século XVI, as práticas agrícolas sempre se caracterizaram pela diversidade de cultivos e pela associação da agricultura com a criação de animais e com o extrativismo (de madeira, de lenha, de frutos selvagens).As primeiras grandes monoculturas foram implantadas no arquipélago dos Açores, na África, e depois na América. Até então não se conhecia em qualquer lugar do mundo um grupo social, uma comunidade ou um povo que se caracterizasse por tais práticas. Assim, desde o início, a prática dos monocultivos esteve associada a produzir não para si mesmo, mas para um mercado mundial que começa a se constituir por meio dessas práticas. A introdução dos monocultivos é, assim, uma das principais heranças do colonialismo. Há uma violência intrínseca a essas práticas haja vista que ninguém livremente se disporia a produzir para terceiros. Por isso, a monocultura, a escravidão e o racismo são fenômenos que, juntos, vão conformar uma estrutura de poder marcada pela violência contra os povos e contra a natureza.

Este modelo de produção baseado na monocultura articulava, ao mesmo

tempo, o arcaico sistema escravocrata e o que havia de mais moderno em

termos das técnicas de transformação de matérias-primas, como por exemplo,

o sistema dos engenhos de açúcar.

A promulgação da Lei nº 601, de 1850 representa grande modificação na

questão agrária brasileira. A “Lei de Terras”, como ficou conhecida, implantou,

pela primeira vez, a propriedade privada no país, permitindo a todo aquele que

possuísse recurso financeiro, o acesso à recém-criada mercadoria da terra.

Consolidou-se o acesso a terra àqueles que por ela pudessem pagar e não

àqueles que necessitavam da mesma para provir sua subsistência. Com a Lei

de Terras, houve a conversão de terras públicas em empreendimentos rurais

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privados, facilitando também a “grilagem” de terras públicas, uma vez que a

organização do registro das terras possuídas ficou a cargo dos vigários de

cada freguesia do Império, que não tinham condições de contestar as

declarações de posse.

Gorgen (2004, p.17) resume como funcionou esta lei na prática e suas

conseqüências para os negros:

Quem já tinha terra doada pela coroa podia legalizar e ficar dono e quem não tinha, daí para diante, só poderia ter se comprasse. O acesso legal a terra só foi garantido a quem já a tinha: o latifundiário. Os negros recém-libertos não tiveram como comprar terra para trabalhar. Sem acesso a terra, os negros viram a escravidão mudar de forma, mas a sina da miséria e da exclusão perpetua-se no tempo. Mudou a forma de submeter o trabalho, mas firmou-se a forma de agricultura – a do latifúndio – e bloqueou-se a expansão da agricultura camponesa.

Para Nascimento (2008b, p.105), a Lei de Terras, enquanto instrumento

jurídico de apropriação privada se constitui como o ponto de origem dos

problemas agrário-ecológicos em nosso país, problematizando que

Se, por um lado, a Lei serviu de parâmetro para a regularização da propriedade da terra, de outro, não dificultou o apossamento irregular; se ela orientou as ações de diferentes esferas de governo na questão fundiária, de outro, não amainou os conflitos; se ela ampliou o acesso a terra, de outro, não o democratizou; se ela consolidou a moderna propriedade territorial, de outro, não resolveu os contrastes sociais nem preveniu os impactos ambientais; e, finalmente, se ela contribuiu para instituir o espaço rural brasileiro, de outro, não estabeleceu os limites ecológicos à expansão da sua fronteira interna.

Assim, para este autor, ficou implícito que a concretização da nova regra

de apropriação territorial condicionou as mudanças econômicas das áreas

rurais à falta de limites ecológicos e humanos na sua exploração. Como

discutimos no capítulo anterior, a ausência de limites para a exploração, seja

da natureza ou do trabalho, é algo constitutivo da própria lógica do capital que

se aplica à agricultura, assim como a outros ramos de atividades, subordinados

à sua produção destrutiva.

A instituição da Lei de Terras (1850) se dá no contexto de avanço do

movimento abolicionista, que conta com o apoio de intelectuais, e pelo

movimento de resistência dos escravos marcado pelas fugas e pela criação de

espaços livres, como os quilombos. Mas é importante destacar também, a

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pressão pela abolição que vinha da Inglaterra industrial. Stédile destaca, “o

próprio desenvolvimento do capitalismo industrial na Europa, que priorizava o

trabalho assalariado fabril, como principal fonte de acumulação de riquezas.

Com o fim legal da escravidão em 1888, o modelo atingiu sua crise terminal.

Esta foi, segundo Stédile (2011), uma lei preventiva, pois, diante da pressão

internacional e de sujeitos pela abolição da escravatura, restava então

resguardar a posse da terra que se torna mercadoria e passa a ter preço,

podendo ser adquirida mediante pagamento. Assim, há uma verdadeira

interdição na possibilidade de acesso a terra pelos ex-escravos.”

Segundo Nascimento (2008, p.107),

O que em países europeus foi substituição de direito de propriedade regulado comunitariamente para ser regulado individualmente – especialmente no caso inglês, com o parlamento comandando o processo de cercamentos–, no Brasil, foi concretização dos interesses particulares no acesso a terra via apossamento, que prevaleceu no que concerne ao acesso irrestrito às terras públicas contíguas (devolutas). Foi claramente um processo de coerção do Estado favoravelmente ao grande latifúndio e às políticas dirigidas de colonização. A instituição do espaço rural no Brasil se deu regularizando o acesso à propriedade plena (exclusiva e excludentemente). Mais que um ato formal, a Lei de Terras foi uma condição sine qua non para intensificar a ocupação do território. Reitere-se, não se trata apenas de desconsiderar os limites ambientais, mas de justificar a expansão econômica pela consciência da ausência desses limites: de que, só assim, seria possível progredir economicamente.

Como discutimos no capítulo anterior, Marx (1983) analisa as

conseqüências ecológicas resultantes da instituição da propriedade privada da

terra e deste processo de desenvolvimento da agricultura sob o comando do

capital, concluindo que a terra é tornada objeto de negócio. A Lei de Terras

vem chancelar a defesa da propriedade privada da terra no Brasil, dando a

seus proprietários o livre direito de cultivá-la da forma que considerassem mais

adequadas a seus objetivos (leia-se: busca de ampliação da produtividade e de

ganhos), mesmo que isto custasse a degradação tanto da natureza como dos

trabalhadores, impondo a ambos, a exploração até a exaustão. Mas a defesa

da propriedade privada também se faz no sentido de que o proprietário, da

mesma forma que pode decidir como produzir, também pode decidir por não

produzir, transformando a terra em objeto de reserva de valor.

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Romeiro (1994, p.122) reafirma a questão de que a defesa da

propriedade privada da terra, como um direito absoluto, sempre esteve

presente na constituição do campo brasileiro.

[...] tal qual um objeto pessoal, a terra pode ser utilizada ou não, conservada ou destruída; como uma jóia, pode ser entesourada ou utilizada como garantia para o acesso a novas fontes de ampliação do capital. A utilização da terra como reserva de valor sempre foi historicamente uma das características mais marcantes do campo brasileiro. O capital investido na compra da terra será valorizado independentemente da utilização produtiva desta. Acrescente-se a isto, o fato de que toda política de crédito sempre foi baseada na área de terra nua.

A lei de terras de 1850 consagra legalmente a propriedade privada da

terra, fator que proporcionou maior liberdade para sua utilização de acordo com

a lógica de exploração privada dos recursos naturais para a ampliação da

produtividade da terra e, portanto, de lucro. O desenvolvimento da agricultura

monocultora, extensiva e itinerante, agora sob o comando de seus proprietários

privados, que buscavam retorno dos investimentos feitos, amplia a ganância

por lucros, e conseqüentemente, amplia a degradação ambiental que já estava

presente nas capitanias hereditárias, levando à depredação e ao esgotamento

do solo.

Até então existia no campo brasileiro, como relata Stédile (2011), apenas

trabalhadores escravizados, africanos ou de comunidades nativas, indígenas.

As populações de imigrantes no Sul e a porção de escravos libertos que

adentram no interior do país são os primeiros constituintes do tardio

campesinato brasileiro. Outra saída encontrada pelos ex-escravos foi a

migração para o interior do Brasil, através da ocupação individual ou coletiva,

de terras públicas. Este processo de interiorização dá origem aos chamados

sertanejos, os quais vão contribuir para a formação do campesinato no

Brasil.(Stédile, 2005).

Também é importante considerar, neste momento em que a terra se

transforma em propriedade privada no Brasil, a relação campo e cidade,

destacando sua estreita vinculação com a expulsão do campo de uma massa

de sem-propriedade que, com a Lei de terras, a Abolição da Escravatura e a

Proclamação da República, sem opção de escolha, iniciam sua saga nas

cidades em busca de garantir sua sobrevivência.

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A abolição impulsiona a vinda de imigrantes para o Brasil, aos quais se

acenava com a possibilidade de garantia de terras férteis e baratas, atraindo

para o Brasil, segundo Stédile (2005) um contingente de mais de 1.600.000

camponeses pobres da Europa para substituir os cerca de 2.000.000

trabalhadores que haviam sido escravizados.

Stédile (2011) destaca a questão do acesso a terra, através de um

processo de colonização no caso do Sul do Brasil, e do não acesso, como em

São Paulo, sob a criação do regime de colonato10 ou de assalariamento,

arrendamento, e também a forma e o tipo de cultivo (monocultura para

exportação, agricultura de subsistência).

O destino de parte destes imigrantes foi a colonização do Sul do Brasil,

onde cada família adquiria uma colônia (que corresponde a 25 hectares) para o

cultivo, que deveria ser paga, geralmente em longas parcelas. Este

compromisso de pagamento obrigava os camponeses a trabalharem por muito

tempo até se tornarem donos de seu pedaço de terra, mas, por outro lado,

permitiu o acesso de grande contingente de famílias a terra. A instituição deste

sistema foi decisiva para a fixação dos imigrantes no Sul do Brasil,

constituindo-se numa das vertentes de formação do campesinato brasileiro,

conforme nos mostra também Maestri (in STÉDILE, 2005-a). Nos estados de

São Paulo e Rio de Janeiro, com destaque para a região do Vale do Paraíba,

os imigrantes vão se vincular ao sistema de colonato, nas plantações de café.

É importante destacar que as questões acima abordadas nos dão

elementos importantes para entendermos o processo de formação do

campesinato. O lugar ocupado, o tipo e a forma de cultivo, a partir de que

condições naturais (como a fertilidade do solo), e as condições de vida e

trabalho, são questões interessantes para pensar a partir de sua condição

social subalternizada, como se estabelecem as relações destes trabalhadores

com a terra e com a natureza de modo geral. Suas culturas anteriores (no caso

dos imigrantes) e no caso dos sertanejos, num bioma bem específico,

10

Segundo Stédile (2005 Questão Agrária n.2), o colonato é um sistema típico do Brasil, não se tendo notícia deste, em nenhuma parte do mundo. Caracteriza-se por relações sociais estabelecidas entre fazendeiros e trabalhadores, denominados colonos, na produção do café, em que estes últimos recebiam a lavoura de café pronta, formada anteriormente pelo trabalho escravo, assumindo o compromisso por seu cultivo e colheita. Em troca, recebiam casa para morar, uma pequena área para cultivar produtos para subsistência e criar animais, e ao final da colheita, o pagamento era feito com o próprio produto, o café, que poderia ser comercializado individualmente ou junto com o dono da lavoura.

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contribuíram para ampliar as habilidades no cultivo, adquiridas sob constante

trabalho de manejo e observação, expressando as agriculturas que foram se

formando na agricultura familiar camponesa, de modo individual ou organizado

coletivamente.

A busca de trabalho nas cidades também se torna uma saída, para

aqueles trabalhadores não mais necessários ao trabalho agrícola, e a nascente

indústria vai absorver um grande contingente de pessoas, que passam a morar

em áreas ainda não incorporadas ao mercado urbano de terras, muitas

ambientalmente sensíveis, como encostas e topos de morro, dando origem,

posteriormente, à constituição das favelas urbanas (Stédile, 2011).

A ruptura com a monarquia e a Proclamação da República, em 1889, se

relaciona diretamente com o processo de crise do modelo agroexportador, que,

por sua vez, gera uma crise política e institucional no Brasil. Mesmo

considerando-se a existência de vários movimentos e lutas como a

Cabanagem, no Pará (1835-1840), a Sabinada, na Bahia (1837-1838), a

Balaiada, no Maranhão (1838-1841) e a Revolução Praieira, em Pernambuco

(1848), que certamente influenciaram e se posicionaram contra o poder de

Portugal e este modelo agroexportador, a instituição da República, foi

claramente um processo político de revolução passiva, onde as classes

dominantes protagonizaram mudanças compatíveis com seus interesses, mas

conservando o seu poder, deixando ao largo as necessidades do povo, que

não participou e nem teve suas condições de vida alteradas significativamente.

Com a constituição da República, realizaram-se importantes lutas no

campo, consideradas messiânicas, mas com ampla participação popular

envolvendo milhares de camponeses, como Canudos (1893-1897) e

Contestado (1912-1916) (MORISSAWA, 2001). No meio urbano, além do

movimento operário, que começa a se formar, destacam-se o movimento

Tenentista, que protagoniza a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, e

constitui a Coluna Prestes (1924 a 1926), e o movimento cultural expresso pela

Semana de Arte Moderna, em 1922. Este conjunto de intervenções e

posicionamentos, somado ao quadro político que envolvia a “política do café

com leite”, e à superprodução do café, tornam-se decisivos para a instituição

da chamada “Revolução de 1930”.

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A Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, impulsionou o

processo de industrialização dependente, adotando a política de substituição

de importações e priorizando o mercado interno. O crescimento econômico

amplia o consumo e a produção de alimentos. E a ampliação da quantidade e

variedade de produtos agrícolas para abastecer toda sociedade brasileira,

passa a ser uma necessidade da produção agrícola, que é assumida pelos

pequenos agricultores. Gorgen (2004, p.22) destaca que a agricultura familiar

camponesa passou a desempenhar três papeis fundamentais, neste novo

modelo de desenvolvimento:

Produzir os alimentos básicos para o mercado interno, para alimentar a crescente população urbana; liberar mão-de-obra para a indústria através de geração de um excedente populacional no campo; ocupar mais e mais os vazios geográficos incorporando terras públicas à produção agrícola nacional.

A modernização da agricultura a partir de 1930, ainda é incipiente,

considerando que, neste período, não se forma uma junção mais unitária com a

indústria, a qual só ocorre no após o golpe de 1964. Também é importante

destacar que este processo de modernização da agricultura (ainda lento a

partir de 1930 até o início da década de 1960), representa a escolha ou

imposição deste processo pela chamada via prussiana, conforme Mendonça e

Mota (2005, p.306, 307). Esta via se expressa no desenvolvimento do

capitalismo “[...] a partir de forte atuação do Estado, sem a ruptura

revolucionária representada pela presença de um forte movimento popular”. O

desenvolvimento inicial do regime republicano foi marcado por um rearranjo

entre segmentos dominantes agrários, oponentes a qualquer mudança política

que alterasse a estrutura fundiária vigente.

Se, num primeiro momento, havia a proposta de uma via farmer para o país (cujo exemplo sempre lembrado eram os Estados Unidos) - defendida pelos liberais que acreditavam que o desenvolvimento deveria partir da generalização da agricultura familiar -, num segundo momento, os setores dominantes fariam abortar qualquer iniciativa de reformulação da estrutura fundiária, consolidando, justamente em nome da ruptura realizada, uma continuidade com o passado, apesar de toda a gama de mudanças presentes no bojo da alteração do regime político (2005, p. 307).

A classe agrária dominante, apartada do governo Vargas, não perde sua

influência e seus privilégios, pois a estrutura agrária brasileira não é alterada,

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mantendo-se o latifúndio monocultor e afastando-se a possibilidade de

realização da reforma agrária. A influência da classe dos grandes proprietários,

na política agrícola brasileira se dá em detrimento da produção da agricultura

familiar, principalmente no que se refere ao acesso aos recursos

governamentais.

O modelo de industrialização dependente implantado no Brasil, a partir de

1930, expressou a prioridade do investimento nas fábricas, sustentado por uma

nova aliança de classes entre a nascente burguesia industrial, a antiga

oligarquia agrária e os capitalistas industriais de capital internacional,

proveniente dos Estados Unidos e da Europa. A implantação de suas fábricas

no Brasil se baseou em dois elementos fundamentais, que se expressam na

possibilidade de exploração de uma mão de obra farta e barata, e de recursos

naturais abundantes. A vinda de empresas transnacionais para o Brasil se

pauta na busca de novos mercados, uma vez que a aquisição de mão de obra

barata disponível aumenta a possibilidade de ganhos com a extração de mais-

valia e com a re-exportação de suas mercadorias para a metrópole.

Para Stédile (2013, p.23), o desenvolvimento da indústria no Brasil foi

resultado de investimentos de três formas básicas de capital, a saber:

[...] a transformação do capital da oligarquia rural, originário das exportações agrícolas, que foram investidos agora em fábricas; [...] o Estado brasileiro utilizou grande parte dos recursos públicos para realizar investimentos na indústria de base, como siderúrgicas, transportes, e também para se associar a outros capitalistas privados na indústria de bens de consumo; os capitalistas estrangeiros que trouxeram suas indústrias, e investiram sozinhos ou associados com os outros capitalistas acima descritos.

Toda a expansão industrial no Brasil é direcionada por processos de

adequação e subordinação aos interesses do capitalismo internacional, tendo

como uma de suas manifestações a aquisição de máquinas e tecnologias já

obsoletas nos países centrais. Nesse novo modelo de produção capitalista

dominado pela indústria, a agricultura passou a se subordinar a esse pólo

hegemônico de acumulação do capital, produzindo os insumos para a

agricultura, gerando um mercado interno de alimentos sustentado pela classe

operária fabril que se formava e pelo desenvolvimento da urbanização

acelerada em curso no Brasil. Tem-se então, um processo de beneficiamento

feito pela indústria a partir das matérias-primas produzidas pelos camponeses,

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que resulta nas agroindústrias, dando sentido à idéia dominante no pós-1930

de industrialização como sinônimo de progresso.

Visando à conquista do mercado interno, se afirmou uma burguesia

agrária que modernizou sua produção, fazendo com que os demais

proprietários de terra, incluindo os pequenos camponeses, buscassem se

incorporar à lógica do mercado e se integrar à indústria. Dado o nível de

competitividade instaurado pelos grandes latifundiários, tem-se como resultante

deste processo, a expropriação dos camponeses de suas propriedades

(STÈDILE, 2011).

Retomamos com Brandenburg (2005), a idéia que norteia este tópico,

reafirmando que, embora várias mudanças tenham ocorrido no processo de

produção da agricultura brasileira desde o período colonial, e principalmente a

partir de 1930, com o processo de subordinação da agricultura à indústria, sob

forte dependência do capitalismo central, a estrutura fundiária e a ocupação

das terras no Brasil mantiveram-se com base na persistência de grandes

propriedades e de minifúndios. Da mesma forma, as condições sociais no

campo não se alteraram, inclusive com as grandes mudanças operadas com a

Revolução de 1930, especialmente na legislação trabalhista, que se restringiu

aos trabalhadores urbanos. Este autor destaca também que a constituição de

1934, em relação ao uso da terra, passou a garantir o seu usufruto por parte do

proprietário, ficando as riquezas do subsolo sob propriedade do Estado.

O padrão de agricultura em larga escala e com base nas monoculturas,

para o atendimento dos interesses do capital externo, encontra limites na

década de 1950, com a grave crise de superprodução na cafeicultura. Na

década de 1950, ganham visibilidade no espaço público, questões que não

eram novas, mas que se atualizaram a partir de diferentes tipos de tensão.

Destacam-se as lutas pela permanência na terra, que passam a ser tratadas

com base na noção de direito sobre a posse da terra trabalhada que se elevam

à demanda por reforma agrária. Neste sentido, também se coloca a clara

condenação à concentração da propriedade da terra e à improdutividade,

dando lugar para uma crítica mais ampla do latifúndio que, para além da sua

caracterização relacionada à grande extensão de terra, foi visto como símbolo

da exploração, opressão e violência (MEDEIROS In CARTER, 2010).

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A manutenção da estrutura fundiária concentrada, a subordinação social

e a impossibilidade concreta de acesso à terra de enormes parcelas de

trabalhadores, mobilizam diversos sujeitos coletivos do campo, como a

ULTAB11, Ligas Camponesas12 e MASTER13, que se organizam para lutar pela

distribuição de terras.

Motta e Mendonça (2005) destacam também que, nos anos 1950,

algumas entidades da classe dominante agroindustrial, mais dinâmicas do país,

especialmente de São Paulo, responsável pela maior parte de divisas geradas

pelas exportações, já demandavam a mecanização intensiva da agricultura e a

utilização de insumos agrícolas industrializados, o que demonstra o

estabelecimento de interesses comuns entre grandes proprietários e

empresários da agroindústria. No entanto, a modernização da agricultura

brasileira só se concretizaria após a implantação do regime militar em 1964,

que vai resgatar tais demandas transformando-as em políticas públicas,

conforme trabalharemos posteriormente neste capítulo.

O caminho escolhido e imposto à força pela ditadura militar foi a

modernização sem reformas, onde a burguesia industrial se uniu à oligarquia

rural para desenvolver o capitalismo no Brasil, dependente dos países centrais.

Assim, conservando o poder do latifúndio, combinado com o impulso

11

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) coloca-se como um importante mediador, envolvendo-se com a organização dos trabalhadores rurais através da criação de associações e de uma entidade nacional, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), em 1954. A luta central desta entidade era a constituição da aliança política entre operários e trabalhadores rurais, através da coordenação das associações camponesas. 12

As Ligas Camponesas tiveram origem no início dos anos de 1950, em Pernambuco, a partir dos conflitos estabelecidos entre donos de engenho e foreiros. O conflito mais conhecido foi no engenho da Galiléia, em Vitória de Santo Antão, onde os donos impuseram o aumento do foro e tentaram expulsar os foreiros da terra, gerando a organização e luta, a qual foi apoiada por Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro (PCB) que passa a representar os interesses dos foreiros, dando origem à Liga Camponesa da Galiléia. Nos anos seguintes, várias Ligas Camponesas foram criadas em município de Pernambuco e em outros estados do Nordeste. Vários congressos foram realizados pelas Ligas, onde criaram o histórico lema: “Reforma agrária na lei ou na marra”. Sua luta é elevada em torno de uma reforma agrária radical, tendo nas ocupações e resistência na terra suas principais estratégias. Esta posição das ligas se diferenciava da proposta de reforma agrária do PCB e da Igreja Católica, que defendiam que sua realização deveria ser em etapas, com indenização em dinheiro e títulos para seus proprietários. (MORISAWA, 2001) 13

“O MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra) surgiu no final da década de 1950, no Rio Grande do Sul, a partir da resistência de 300 famílias de posseiros no município de Encruzilhada o Sul. Nos anos seguintes, disseminou-se por todo o estado gaúcho. Para o movimento, eram considerados agricultores sem terra o assalariado rural, o parceiro, o peão e também os pequenos proprietários e seus filhos. Em 1962, o MASTER iniciou os acampamentos, uma forma particular de organizar suas ações [...] Diferentemente dos foreiros de Pernambuco, que resistiam para não serem expulsos da terra, a luta dos integrantes do MASTER era para entrar na terra.” (MORISAWA, 2001, P. 94)

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modernizante dado à indústria tem-se a clara associação entre o arcaico e o

moderno, que se materializa na modernização conservadora da agricultura,

como mais um exemplo de revolução passiva na história da sociedade

brasileira. Os amplos desdobramentos desta definição serão discutidos a

seguir.

2.1.2 A Revolução Verde e a Modernização Conservadora da Agricultura

Brasileira: a ampliação da falha metabólica

No período histórico do início do século XX, principalmente no contexto

das duas grandes guerras mundiais, temos a ascensão da terceira revolução

agrícola, cujas características principais foram a introdução da mecanização na

agricultura de grande escala, substituindo a tração animal, a criação de animais

de maneira concentrada em grandes estábulos e a introdução da química

através da alteração genética de plantas e o uso intensivo de fertilizantes e

pesticidas sintéticos.

A realização das duas guerras mundiais foi determinante para a difusão

deste padrão capitalista de agricultura, tendo seu sustentáculo na chamada

“revolução verde” que passa a ser adotada em vários países do mundo,

especialmente, nos de clima tropical. A estruturação da revolução verde tem

relação direta com o pós-guerra, onde o problema da fome era exponencial e

sua solução foi buscada do revolucionamento técnico da agricultura, uma vez

que se considerava que o problema da fome, para ser solucionado, deveria

ultrapassar as restrições técnicas da agricultura. Assim,o discurso dominante

sustentava que somente uma agricultura moderna de alta produtividade

poderia viabilizar a ampliação da produção de alimentos para acabar com a

fome no mundo.

Como referenciamos no primeiro capítulo, a revolução verde como

estratégia capitalista para a agricultura foi estruturada como forma de

aproveitamento dos restos de guerra, pois as indústrias bélicas, símbolo da

produção destrutiva, e as indústrias químicas, haveriam de se utilizar de sua

destruição criativa, em relação às sobras de produtos que poderiam ser

empregados em outro ramo de atividade lucrativo, como de fato ocorreu na

agricultura. Assim, houve o aproveitamento de produtos, como tanques de

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guerra e gases mortais, que se transformaram em máquinas e venenos

(agrotóxicos) a serem utilizados na sustentação da agricultura capitalista

monocultora de grande escala, através do pacote tecnológico da revolução

verde, que fariam uma verdadeira operação de guerra no campo para cumprir o

objetivo nobre e declarado de acabar com a fome. E obviamente, trariam

ganhos extraordinários aos seus investidores capitalistas, tanto do ramo

industrial como do ramo agrícola14.

O capitalismo, ao reunir e subordinar a produção agrícola à produção

industrial com a tecnologia da revolução verde impõe sobre a natureza sua

lógica destrutiva, através da dupla degradação, do solo e do trabalhador,

ampliando seus efeitos para toda a sociedade. Este progresso técnico da

revolução verde reforçou a submissão do campo à cidade, elevou as

desigualdades sociais, afetando diretamente os pequenos produtores,

degradando os meios de vida e sua cultura, e operou um processo sem

precedentes de destruição ambiental, ampliando, portanto, a falha metabólica

na relação sociedade e natureza.

A implantação da revolução verde no Brasil se dá no contexto do

processo de desenvolvimento da modernização conservadora da agricultura,

com o golpe de 1964, que institui a ditadura militar. Com o golpe, a proposta de

desenvolvimento assumida para o Brasil em relação à agricultura com a

14

O químico Fritz Haber, financiado pela BASF, a partir de 1909, foi autor da descoberta da síntese da amônia e ganhador do prêmio Nobel de 1920, sendo, também responsável pelo uso de gases tóxicos na primeira guerra mundial. O primeiro ataque com arma química foi utilizado na primeira guerra mundial inicialmente pela Alemanha, e em seguida, pelos países aliados. A descoberta deste químico da BASF é responsável ainda hoje pela produção de 130 milhões de toneladas de amônia, usada pela indústria de fertilizantes. Os inseticidas orgânicos só começaram a ser utilizados em larga escala na década de 1940, durante a segunda guerra mundial, impulsionando as pesquisas de novos inseticidas, o que resultou no desenvolvimento de vários agrotóxicos, que são usados ainda hoje. O marco na química foi a descoberta da atividade inseticida DDT (famoso na revolução verde), usado pela primeira vez em 1943 na segunda guerra mundial, para combater piolhos que infestavam as tropas estadunidenses na Europa, e que transmitiam a doença do tifo exantemático. Os organofosforados foram desenvolvidos nas décadas de 1930/ 40, como armas químicas. O herbicida glifosato e os inseticidas malation, paration e dissulfoton são exemplos de organofosforados. As seis maiores empresas do ramo – Bayer, Syngenta, Basf, Monsanto, Dow e Dupont – controlam quase 90% do mercado mundial. A produção de organossintéticos no Brasil começou em 1946, com a empresa Eletroquímica Fluminense, que fabricava o BHC, também conhecido como gamexane ou pó de gafanhoto. Teve seu uso proibido em 1983. Em 1948, a Rhodia passou a produzir o inseticida parathion, e em 1950, uma fábrica de armas químicas do exército brasileiro começou a fabricar no Rio de Janeiro o DDT (TUBINO, 2014).

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adoção da revolução verde15, implicou na instituição de várias mudanças,

através de mecanismos e instrumentos, dentre os quais destacamos:

Atração de indústrias, principalmente norte-americanas e européias,

para o país através de fortes incentivos, para dar suporte ao

desenvolvimento da revolução verde, tais como: FORD, Bayer, Basf,

Monsanto e Cargil;

Criação de diversos mecanismos públicos e privados para dar

sustentação a este modelo tecnológico, científico e educacional, para

formar os agentes técnico-científicos que dariam suporte para o modelo

de agricultura adotado;

Implantação pelo Estado de grandes cooperativas de produção e

comercialização para viabilizar as monoculturas;

Estabelecimento de crédito rural atrelado à adoção do pacote

tecnológico.

O acesso ao crédito rural, condicionado ao cultivo de produtos da

monocultura, à compra de máquinas e adubos químicos e venenos, foi

estratégico por parte do Estado, fazendo com que os agricultores não tivessem

outra opção para financiar a sua produção. Mas também é importante destacar

que esta concessão teve como critério básico a capacidade de pagamento

destes financiamentos, o que colocou em vantagem aqueles produtores que

possuíam melhores condições, contribuindo para comprometer a capacidade

de reprodução social dos pequenos agricultores e estabelecendo, em muitos

casos, a necessidade de venda de suas propriedades, ou mesmo de abandono

da condição de lavradores, se transformando em proletários rurais. Esta

política de crédito foi maciçamente voltada para financiar indústrias e grandes

produtores, em detrimento dos médios e pequenos produtores. Com a

obtenção de créditos, grandes e médios produtores compram terras dos

pequenos que são empurrados para as cidades, mas também alguns médios e

15

A explosão dos agrotóxicos no Brasil só ocorreu a partir da década de 1970, quando os militares lançaram o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), que funcionou até 1979. A produção e a instalação de fábricas recebiam incentivos fiscais, financiamentos, benefícios tarifários para a importação de maquinário e equipamentos. O resultado deste processo atualmente se revela a partir da constatação de que o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com mais de um bilhão de litros, e um faturamento que no ano de 2013 alcançou cerca de US$9bilhões para a indústria (TUBINO, 2014).

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136

grandes produtores vão à falência e são absorvidos por produtores de maior

porte, ampliando o nível da concentração fundiária.

Ponderamos que esta ação coercitiva do Estado sobre os produtores,

especialmente os pequenos, foi associada a estratégias de convencimento

para a adesão ao pacote tecnológico, com a possibilidade de aumento da

produtividade e de ganhos que seriam proporcionados por estas modernas

técnicas de agricultura, superiores às técnicas tradicionais, consideradas

atrasadas e obsoletas. Esta crença no progresso que seria alcançado aliado ao

acesso ao crédito foi determinante neste processo.

Outro aspecto ligado às razões da modernização se refere à imposição

de uma ideologia modernizadora, direcionando a ação das pessoas que

trabalham na agricultura, pois a mesma tende a desprezar aquilo que não é

considerado como moderno, substituindo as técnicas consideradas obsoletas

ou tradicionais. Assim,

[...] no Brasil, o burro da roça é sinônimo de atraso e ignorância. Muitos pequenos agricultores brasileiros [...] compraram tratores que permanecem ociosos em boa parte do tempo e com os quais vão às cidades fazer compras ou levar a família a passeio! (GRAZIANO NETO, 1882, p.43)

Ao discutir a modernização técnica da agricultura e sua relação direta

com a indústria, com a subvenção do Estado, Delgado (2010, p.87-88) nos

apresenta dados quantitativos expressivos sobre a concessão de crédito rural e

sobre o uso de implementos industriais, como adubos químicos e tratores

agrícolas, que demonstram como este processo aprofundou a heterogeneidade

existente na agricultura brasileira, tanto no padrão tecnológico quanto nas

relações de trabalho predominantes, que se diferenciam fortemente nas

regiões do Brasil.

Outro ponto destacado por Alentejano (2005, p.480) se refere ao papel

do Estado brasileiro como indutor deste padrão de modernização, financiando

a compra de máquinas e insumos pelos agricultores, através da criação do

Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR – em 1965, e da concessão de

fundos para indústrias de insumos químicos para a agricultura de meados ao

final da década de 1950. Outra grande demonstração da força de sua

intervenção foi a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –

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EMBRAPA - em 1972 e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e

Extensão Rural - EMBRATER -, em 1974, responsáveis pelo desenvolvimento

da pesquisa e disseminação deste padrão técnico-científico e político. A

assistência técnica foi utilizada como instrumento de convencimento da

superioridade da revolução verde em relação à agricultura camponesa e como

meio privilegiado de difusão do pacote tecnológico.

No processo de modernização conservadora da agricultura brasileira, a

característica mais marcante é que as mudanças operadas no padrão do

desenvolvimento tecnológico produtivo da agricultura não alteraram o padrão

da estrutura agrária vigente, conservando e agravando o nível de desigualdade

na distribuição da posse e uso da terra. Ao analisar o processo de

desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, com a modernização

dolorosa de nossa agricultura, e o papel do Estado, Graziano Silva (1982, p.40)

destaca a manutenção do padrão de concentração das terras, que se

materializa na persistência do latifúndio.

[...] o resultado das políticas que visam ao desenvolvimento do capitalismo no campo tem servido na maioria das vezes para a manutenção de um sistema latifundiário no qual a terra assume o principal papel como geradora de renda, deixando ao capital um papel secundário. O que se pode ver no campo brasileiro é uma “modernização conservadora” que privilegia apenas algumas culturas e regiões, assim como alguns tipos específicos de unidades produtivas (médias e grandes propriedades). Nunca uma transformação dinâmica, auto-sustentada; pelo contrário, uma modernização induzida através de pesados custos sociais e que só vinga pelo amparo do Estado.

Um elemento fundamental deste processo de modernização da

agricultura brasileira, destacado por Delgado (2010, p. 88), se refere à

realização de um

[...] pacto agrário tecnicamente modernizante e socialmente conservador, que, em simultâneo à integração técnica da indústria com a agricultura, trouxe ainda para o seu abrigo as oligarquias rurais ligadas à grande propriedade territorial. Essas são regionalmente identificadas com seguimentos produtivos organizados a partir de 1930(era do governo de Getúlio Vargas) nos institutos federais de fomento e defesa setoriais. No período da “modernização conservadora” serão reassimiladas em programas e projetos especiais, os quais garantem ao latifúndio a obtenção de numerosas linhas de apoio e proteção na nova estrutura de defesa fiscal e financeira do setor rural. A valorização extraordinária dos patrimônios

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territoriais, muito além do crescimento real da economia, é um sinal conservador deste processo de modernização.

A partir deste pacto, as oligarquias agrárias e os militares definem e

executam estrategicamente dois vetores de política demográficos, que

comportam a expulsão em massa dos trabalhadores rurais para as cidades e a

colonização de regiões do centro-oeste e da amazônica. Sob a justificativa de

que era preciso levar “gente sem terra para terras sem gente”, a ocupação de

regiões da distante região amazônica teve o objetivo concreto de neutralizar

resistências, em relação às definições afetas à política agrária e agrícola. Esta

dupla função de contenção da demanda por terra e de alteração dos

movimentos migratórios foram conjugadas com a adoção de novas tecnologias,

altamente poupadoras de mão de obra.

Delgado (2010) destaca, na modernização conservadora do regime

militar (1964-1982), o papel da agricultura na economia brasileira, que passa a

incorporar um elemento novo em relação ao período anterior, que se refere ao

aprofundamento das relações técnicas da agricultura com a indústria e de

ambos com o setor externo, com a subvenção da política agrícola e comercial

do período. Segundo este autor, o processo de modernização técnica e de

junção com a indústria

[...] é caracterizado, por um lado, pela mudança na base técnica de meios de produção utilizados pela indústria, materializadas na presença crescente de insumos industriais (fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas e combustíveis líquidos); e máquinas industriais (tratores, colhedeiras, equipamentos de irrigação e outros implementos). Por outro, ocorre uma integração de grau variável entre a produção primária de alimentos e matérias-primas e vários ramos industriais, como oleaginosos, moinhos, indústrias de cana e papelão, fumo, têxtil e bebidas. Estes blocos irão constituir mais adiante a chamada estratégia do agronegócio, que vem crescentemente dominando a política agrícola no Estado. (p.86)

Este período histórico (1965-1982) é considerado a “idade de ouro” do

desenvolvimento de uma agricultura capitalista em integração com a economia

industrial e urbana e com o setor externo, através da intervenção financeira

marcante do setor público. No entanto, Delgado (2010) é incisivo na análise

sobre a importância de não perdermos de vista a sua matriz agrária, pois a

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“modernização conservadora” do campo se constitui com a derrota, naquele

momento histórico, do movimento pela reforma agrária.

Os processos de mecanização e de introdução de elementos químicos

na produção agropecuária, assim como a especialização da produção

agroindustrial, em grande escala, para o mercado global passam a se constituir

as formas principais de ocupação e uso do solo nesta matriz modernizante. E

este processo de expansão da agricultura de larga escala se subordina ao

desenvolvimento industrial de insumos, equipamentos e processamento da

produção através de um amplo processo de apropriação das bases rurais da

agricultura pelo ramo industrial. Como nos mostrou Marx, o movimento do

capital em sua busca incessante de valorização se confronta com barreiras da

natureza, vistas como obstáculos a serem superados. Desta forma, o capital

industrial elabora mecanismos voltados para o controle dos processos naturais

para prosseguir seu processo de valorização e reprodução de suas relações

sociais. A complexa alteração industrial da agricultura é analisada por

GOODMAN; SORJ; WILKINSON, (1990), através dos conceitos de

apropriacionismo e substitucionismo.

A transformação industrial da agricultura ocorreu historicamente através de uma série de apropriações parciais, descontínuas do trabalho rural e dos processos biológicos de produção (máquinas, fertilizantes, sementes híbridas, produtos químicos, biotecnologia), e do desenvolvimento paralelo de substitutos industriais para os produtos rurais (GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990, p. 2)

Com o conceito de apropriacionismo, os autores destacam os

mecanismos utilizados pela indústria para minimizar a relevância da natureza

na produção, ultrapassando os elementos restritivos e simplificar os sistemas

agrícolas visando elevar ao máximo a produção. Ou seja, o objetivo era sujeitar

a natureza ao controle industrial. A substituição do trabalho manual de preparo

do solo pela mecanização foi uma característica marcante. O mecanismo de

substitucionismo mostra como os produtos agrícolas vão sendo substituídos

por produtos sintéticos da indústria, tais como: laticínios, com destaque para a

produção da margarina considerada o primeiro produto genuinamente

industrial, enlatados, adoçantes artificiais, corantes e vitaminas. E também

proporciona avanços na refrigeração e congelamento, no processamento de

carnes, dentre outros.

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Assim, a agricultura passa a se subordinar a dois setores industriais, um

que atua no início do processo produtivo e outro que se concentra na

transformação dos produtos.

[...] os capitais apropriacionistas estão associados principalmente com o processo de produção rural e com a transformação primária das safras, enquanto os capitais substitucionistas estão envolvidos nas etapas posteriores da fabricação de alimentos (GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990, p.5).

As contribuições dos autores citados nos ajudam a compreender como

ocorreram grandes alterações na agricultura do Brasil. Visando eliminar tanto

as limitações da natureza quanto do trabalho humano, foi aplicado o pacote

tecnológico da revolução verde, que se caracteriza de modo geral pelas

seguintes mudanças: uso de mecanização, com conseqüente redução da mão

de obra utilizada tanto na preparação do solo, quanto no plantio e colheita;

utilização de sementes híbridas com vistas à ampliação da produção e da

produtividade, principalmente das monoculturas para exportação; utilização de

adubos, fertilizantes químicos e agrotóxicos. Estas medidas mostram

claramente como se deu este processo substitucionista, no que se refere à

força de trabalho e a natureza, onde se evidencia o crescente domínio

industrial e a brutal subordinação dos trabalhadores da terra, que tinham

formas completamente diferentes de lidar com a produção agrícola, e que têm

seus braços substituídos por máquinas. Desta forma, é importante destacar

que esta nova forma de produção da agricultura industrial era algo novo que

fugia completamente ao controle dos agricultores.

Graziano Neto (1982, p.26), ao relacionar a questão agrária e ambiental

através da crítica da moderna agricultura, nos mostra que, além das

modificações ocorridas na sua base técnica de produção,

[...] vai-se modificando também a organização da produção, que diz respeito às relações sociais (e não técnicas) de produção. A composição e a utilização do trabalho modificam-se, intensificando-se o uso do “bóia-fria” ou trabalhador volante; a forma de pagamento da mão-de-obra é cada vez mais assalariada; os pequenos produtores sejam proprietários, parceiros ou posseiros, vão sendo expropriados dando lugar em certas regiões à organização da produção em moldes empresariais.

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Também ocorre a redução da utilização de mão-de-obra nas lavouras

mecanizadas, provocando desemprego e êxodo rural. Assim, os trabalhadores

desempregados e os pequenos agricultores expulsos de suas terras, se

dirigem para as periferias das médias e grandes cidades onde vão ampliar o

contingente de mão-de-obra barata para as indústrias. Este autor também nos

chama a atenção para o fato de que, sendo a agricultura um setor da

economia, composto por diferentes classes sociais, abarca certamente

interesses não só diversos como conflitantes.

Graziano Neto (1982) problematiza, ainda, que o núcleo da questão

relacionada ao uso dos recursos naturais se situa nas relações sociais

estabelecidas pelo modo de produção capitalista, e na agricultura é,

justamente, a tentativa do capital de dominar a natureza, instalando um

“sistema de fábrica”, que tem ocasionado os problemas ecológicos da moderna

agricultura, tendo como resultante final, a própria destruição da natureza.

O processo de substituição de elementos naturais por insumos

industriais provocou um distanciamento entre este novo modelo de agricultura

e os ecossistemas naturais, alterando ciclos ecológicos, interferindo, portanto,

na relação de co-produção entre agricultura e natureza, onde a produção passa

a depender fortemente de produtos industriais e de energia não renovável dos

combustíveis fósseis. Com a introdução da mecanização na agricultura

industrial, alterou-se a matriz energética de produção, pois se constituiu uma

grande dependência de combustíveis fosseis necessários para movimentar os

tratores e outras máquinas pesadas utilizadas no processo produtivo.

A crença no progresso tecnológico e na contínua inovação para a

superação dos limites naturais, que se estabeleceram como barreiras foram a

base fundante do desenvolvimento da agricultura industrial. No entanto, em

que pese todo investimento industrial para controlar estes fatores naturais, a

produção da agricultura não pode se desligar dos ciclos e reações da natureza.

E desde então, e até hoje, são estes limites que desmentem esta crença no

progresso infindável da tecnologia, uma vez que a agricultura capitalista

passou a se constituir não só como grande causadora dos problemas

ambientais, mas também como o setor mais afetado negativamente por esta

perspectiva de desenvolvimento.

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A criação de condições artificiais visando ao aumento da produtividade

para atingir o objetivo de acabar com a fome revela a falácia da revolução

verde, adotada pelo Brasil a partir de 1964, como elemento central de seu

processo de modernização conservadora. A revolução verde assumida pela

ditadura militar encontrou forte apoio de setores agrários conservadores e de

empresas, com interesses amplamente voltados para investimentos nos ramos

agroquímico e de motomecanização. Como resultado deste processo, a

concentração de terras agravou-se, juntamente com os problemas ecológicos,

sociais e econômicos.

Altieri (2012)16 analisa que a revolução verde gera uma primeira onda de

problemas ambientais, que se apresentam na forma de doenças ambientais, e

destaca que o uso de agrotóxicos trouxe custos diretos para os produtores e

indiretos para o meio ambiente e para a saúde pública. Em síntese, o autor nos

mostra que

[...] a primeira fase dos problemas ambientais está profundamente enraizada no sistema socioeconômico hegemônico, que promove a monocultura, o uso de tecnologias dependentes de elevados aportes de insumos e a adoção de práticas agrícolas que provocam a degradação dos recursos naturais. Esta degradação não é apenas de problemas ecológicos, mas também social política e econômica. É por isto que o problema da produção agrícola não pode ser considerado apenas uma questão técnica. Embora a questão da produtividade seja uma parte do problema, é fundamental dar atenção também às questões sociais, culturais e econômicas que explicam tal crise. (p.35)

Desta primeira fase, podemos extrair duas conseqüências prejudiciais à

natureza e aos trabalhadores, como claras expressões da ampliação da falha

metabólica. O uso dado aos recursos naturais gerou devastação de extensas

áreas de floresta, desgaste, empobrecimento e erosão do solo, contaminação

de recursos hídricos e assoreamento de rios. Como resultado deste uso, tem-

se a diminuição da produção e a ampliação dos custos dos cultivos,

contrariando a alardeada propaganda de ampliação da produção de alimentos

para a eliminação da fome, que continuou a persistir no Brasil. Em relação aos 16

Miguel Altieri é agrônomo, professor de agroecologia da Universidade da Califórnia, Berkeley,

EUA, e também um dos mais expressivos elaboradores das bases científicas da agroecologia, com reconhecida influencia mundial. Suas publicações são conhecidas no Brasil desde o final da década de 1980 e se tornaram referência para profissionais, instituições de ensino,pesquisa e extensão rural, ONGs e Movimentos Sociais. Suas elaborações sobre a agroecologia serão abordadas no tópico seguinte deste capítulo.

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trabalhadores rurais, aumentou o desemprego gerado pela mecanização e

também não houve melhoria para a vida dos pequenos produtores, que

aumentaram sua dependência dos bancos para continuarem produzindo ou

foram inviabilizados tendo que vender ou entregar suas terras como forma de

pagamento de dívidas.

Segundo Graziano Neto (1982), os problemas ecológicos da moderna

agricultura brasileira, já identificados a partir da década de 1970, estão

relacionados à: destruição do solo, com a mecanização intensiva, degeneração

do solo, erosão, desertificação, esterilização, uso de adubos químicos e

agrotóxicos, provocando a contaminação e esterilização do solo. Também

destaca as conseqüências deste modelo que se manifestam através de várias

questões como: descontrole de pragas e doenças; perda da qualidade

biológica dos alimentos; contaminação dos alimentos e do homem; aumento da

dependência energética; poluição em geral e a morte da natureza.

Como síntese destas questões, tanto do ponto de vista técnico quanto

ecológico, a análise deste autor afirma que

[...] a moderna agricultura é um fracasso agronômico, pois destrói os solos, causa desequilíbrios e instabilidades ameaçadoras, arrasa a natureza, polui o ambiente, utiliza enormes quantidades de energia, para continuar quase com as mesmas produtividades por área e, ainda, para produzir alimentos cada vez mais contaminados e de baixa qualidade biológica, pondo em risco a saúde humana. (p.135)

Motta e Mendonça (in MOTTA, 2005) ao analisarem a penetração do

capitalismo no campo brasileiro, sobretudo a partir da década de 1970, quando

se fortalece a fusão entre agricultura e indústria, dando origem aos Complexos

Agroindustriais – CAIs – representantes do moderno padrão de agricultura,

destacam a afirmação de dois padrões de produção rural, o capitalista e o da

agricultura familiar. E por esta visão hegemônica do capitalismo, a realização

da reforma agrária é considerada totalmente desnecessária para o tipo de

desenvolvimento imposto e “naturalizado” pela modernização da agricultura.

Estas autoras problematizam que

[...] o vetor que separa os autores que defendem abertamente a desnecessariedade e o “anacronismo” da reforma agrária no Brasil como instrumento de desenvolvimento capitalista – sendo ela alçada apenas à categoria de “política compensatória” – e aqueles que

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continuam a defendê-la como uma exigência imperativa, senão da economia, ao menos – e, sobretudo – da democracia e da justiça social no país. (p. 309).

Mendonça (2006), ao analisar a relação entre questão agrária e reforma

agrária, enfatizando a reflexão política, traz elementos fundamentais às nossas

preocupações sobre a politização da questão ambiental no espaço agrário,

através de sua análise sobre a formação e conformação das classes

dominantes agrárias, como um dos mais importantes frutos da modernização

da agricultura brasileira. As redes que se constituem entre as frações do capital

– agrário, industrial e financeiro, se complexificam e impõem aos trabalhadores

rurais, sob a hegemonia do agronegócio no Brasil, a expulsão, o êxodo rural, a

miséria e, por certo, grandes conflitos. E esta situação de conflito no campo

demonstra, assim, o questionamento à legitimidade da dominação sobre os

trabalhadores. Consideramos como indispensável, a análise desta autora sobre

as estratégias discursivas e práticas mobilizadas pelas classes dominantes no

campo, para a dominação ideológica, que se direcionam para a desqualificação

tanto da questão agrária quanto da reforma agrária, que contraditoriamente,

também encontram ressonância no meio acadêmico de esquerda e no próprio

Estado.

O resultado de todo este processo, no final dos anos de 1970, se

apresenta através de elementos contraditórios, uma vez que a modernização

intensa da agricultura, alcançada com o estímulo e apoio do Estado brasileiro,

representaram, ao mesmo tempo, um extraordinário avanço tecnológico e do

processo de urbanização, e uma elevação exponencial da desigualdade e da

queda nas condições de vida no campo.

É justamente este contexto que cria as condições para o surgimento do

agronegócio, que desenvolve a atividade agrícola, absolutamente articulada e

dependente da produção industrial, e também passa a dominar a pesquisa

científica, financiando estudos ligados aos interesses das empresas

transnacionais. Outra questão que merece ser destacada refere-se à ampliação

do volume de terras utilizadas pelo agronegócio, que passa a ter um padrão de

uso muito mais elevado tanto em extensão quanto em intensidade, ampliando a

questão da desigualdade da estrutura fundiária no Brasil.

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De acordo com Alentejano (2011, p.1-2) o último Censo Agropecuário

(2006) comprovou que

[...] o índice de Gini permaneceu praticamente estagnado nas últimas duas décadas, saindo de 0,857 em 1985 para 0,856 em 1995/1996 e 0,854 em 2006. Em alguns estados da federação, entretanto, verificou-se significativos aumentos, como em Tocantins (9,1%), Mato Grosso do Sul (4,1%) e São Paulo (6,1%). O movimento de concentração foi puxado pelas grandes culturas de exportação, pela expansão do agronegócio e pelo avanço da fronteira agropecuária em direção à Amazônia - impulsionada pela criação de bovinos e pela soja. No caso de São Paulo, o crescimento deveu-se à cultura de cana-de-açúcar (estimulada pelo maior uso de álcool com o carro flex e pelos bons preços do açúcar).

Com relação à persistência da desigualdade da estrutura fundiária do

Brasil, Alentejano (2011, p.2) nos mostra que

[...] os pequenos estabelecimentos – com menos de 10 ha – são 47% do total, mas a área ocupada pelos mesmos é de apenas 2,7% do total, ao passo que no pólo oposto, os estabelecimentos com mais de 1000 ha são apenas 0,9% do total, mas ocupam 43% da área. O contraste se torna ainda mais nítido quando observamos que os estabelecimentos com menos de 100 ha são cerca de 90% do total, ocupando uma área de cerca de 20%, ao passo que os com mais de 100 ha são menos de 10% do total e ocupam cerca de 80% da área. E este quadro permanece praticamente inalterado nos últimos 50 anos.

A questão agrária está pautada hoje, com um nível de concentração de

terras muito superior aos anos de 1960, de modo que não se fala mais em

latifúndio improdutivo, mas em imensas extensões de terra cultivadas ou

paradas, na espera. Ao mesmo tempo, os pequenos agricultores ficam com as

piores áreas, onde o solo apresenta degradação, desmatamento, poluição,

contaminação, ou se localiza em áreas de difícil acesso e/ou que não valem a

pena investir em mecanização. Pelo exposto, fica claro que a questão agrária

também se coloca como uma questão ambiental, pois para além da

degradação da terra, se coloca a questão do acesso aos recursos naturais,

principalmente a terra e a água.

Sobre a modernização da agricultura brasileira, Alentejano (In: MOTTA,

2005) destaca que a relação entre o agrário e o ambiental deste modelo

agrícola produz uma profunda inversão do princípio tradicional que regia a

agricultura referente à sua adaptação à diversidade ambiental e sua vinculação

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a regimes alimentares diversificados. Este modelo ganha sua máxima

expressão na atualidade com a dominação feita pelo agronegócio, que

sustenta um processo de padronização da agricultura, o qual

[...] se impõe à diversidade ambiental, artificializando os ambientes e adequando-os ao padrão mecânico-químico da agricultura moderna, ao mesmo tempo em que impõe a todos os povos um padrão alimentar que atende aos interesses das grandes corporações agroindustriais. (ALENTEJANO, 2005, p. 478)

Como discutimos anteriormente, consideramos que este padrão

moderno coroa um processo em curso desde os tempos coloniais, ao privilegiar

o cultivo de monoculturas em grandes extensões de terra para exportação. No

entanto, é com este padrão moderno da revolução verde imposto pelo

agronegócio, que alterações mais profundas são operadas por meio da união e

subordinação da agricultura à indústria, com a introdução de insumos químicos,

maquinas e sementes geneticamente modificadas, o que reforça inclusive a

manutenção da monocultura para exportação.

As questões que foram destacadas sobre o processo de modernização

da agricultura brasileira, expressam também, e fortemente, o processo de

dominação ideológica que se impõe sobre o produtor, o qual é convencido a

aderir a este padrão de agricultura considerado superior às formas tradicionais,

contribuindo para um processo de expropriação, tanto econômica quanto do

saber, tornando os camponeses dependentes de técnicas e processos

produtivos que não dominam. E este caráter de dominação reforça a análise

feita por diversos autores, que consideram que este processo de modernização

que conservou o poder das classes dominantes, sendo, portanto uma

modernização conservadora, mostrou-se como “perversa e dolorosa”, nas

palavras de Graziano Silva (1982), para as classes subalternas.

Alentejano (In: MOTTA, 2005, p.479) conclui que, para além das

polêmicas e divergências sobre esta modernização,

[...] é inegável que a modernização produziu a ampliação da concentração da propriedade, da exploração da terra e da distribuição regressiva da renda, ou seja, ampliou a desigualdade no campo brasileiro ao permitir que os grandes proprietários se apropriassem de mais terras e mais riqueza em detrimento dos trabalhadores rurais, dentre os quais avançou a proletarização e pauperização.

.

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A partir dos anos 1990, a revolução verde entra numa outra fase. Do

ponto de vista ambiental, realizou-se uma série de modificações na produção

agrícola, visando superar os problemas gerados pela fase inicial, dentre eles:

plantio direto com uso intensivo de novos herbicidas; rotação de culturas;

construção de micro-bacias hidrográficas para contenção de erosão e

conservação de solos, passagem da monocultura para bicultura (combinação

de dois tipos de cultivos). E, na base técnica, foram introduzidas mudanças que

proporcionassem o aumento da produtividade, não só para superar as

dificuldades iniciais, mas, principalmente, para dar resposta econômica aos

produtores, através do uso de máquinas e equipamentos mais avançados,

agregando a informatização (GORGEN, 2004).

A contradição mais explicita deste processo é que a necessidade de

ampliação de investimentos para a modernização, comandada pelas indústrias

de insumos e máquinas gerou o aumento dos ganhos destas empresas e da

dependência e endividamento dos agricultores. Outra conseqüência é que, com

a integração da produção com agroindústrias e com as empresas de

exportação, os custos de produção passam a ser regidos por um mercado

internacional e colocam a agricultura na concorrência mundial de alimentos.

A necessidade de ampliação do uso de herbicidas, para o combate às

chamadas ervas daninhas e doenças nos cultivos que se tornam cada vez mais

resistentes, se transforma num fator de crise desta fase da revolução verde,

pois estes problemas não encontram soluções dentro da tecnologia até então

desenvolvida (GORGEN, 2004).

Desta forma, se estrutura uma nova fase (chamada de terceira fase) da

revolução verde com recursos das ciências biológicas, mecânica, do

geoprocessamento e da informática, que aprofundam as tendências destrutivas

deste processo, onde a criação das plantas transgênicas se torna sua máxima

expressão. Esta é a chamada fase da agricultura científica, de precisão ou

biotecnológica, que amplia o domínio das indústrias multinacionais, onde os

agricultores são excluídos, conformando-se uma agricultura sem agricultores.

O desenvolvimento da agricultura brasileira sofre grandes

transformações a partir da década de 1990, onde grandes corporações

internacionais, associadas ao capital financeiro, dominam todo processo de

produção e industrialização de alimentos e avançam sobre a apropriação de

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terras, água e sementes. Mas o pacote tecnológico de produção da agricultura

dominante inclui ainda a produção e comercialização de agrotóxicos e

máquinas, que foram vitais para o desenvolvimento do modelo de produção do

agronegócio. O domínio de grandes propriedades monocultoras, com uso

intensivo de maquinas e consumo de agrotóxicos em larga escala são

responsáveis pela expulsão de trabalhadores rurais e pela devastação

ambiental.

No que diz respeito à devastação ambiental,

[...] dois aspectos podem ser considerados centrais: o desmatamento promovido pela expansão da fronteira agrícola e o uso cada vez mais intenso de agrotóxicos na agricultura brasileira. Em relação ao desmatamento resultante da expansão da fronteira agrícola, dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás, indicam que o ritmo atual de desmatamento do Cerrado poderá elevar de 39% para 47% o percentual devastado do bioma até 2050. A pesquisa demonstra ainda que a destruição do Cerrado coloca em risco a disponibilidade de recursos hídricos para o Pantanal e a Amazônia, pois estes biomas estão interligados (ALENTEJANO, 2011, p. 17).

Neste conjunto de forças que se articulam em torno do agronegócio, os

latifundiários se associam aos bancos nacionais e estrangeiros, para a

especulação em busca de ampliação de seus lucros com a elevação dos

preços da terra. Com esta junção, o setor agrícola dominante é favorecido pela

liberalização financeira promovida pelo neoliberalismo, que tanto proporcionou

o processo de especulação como o aporte de créditos para este setor.

Também se une a este bloco, o setor industrial, com ênfase na produção de

insumos (maquinas, fertilizantes, sementes, etc.) e de subprodutos da

agropecuária, os grandes grupos ligados à construção civil e a mídia, a qual se

coloca como estratégica para a dominação ideológica. Neste contexto, é

importante destacar o papel do Estado, que ao contrário do que apregoa o

neoliberalismo, não se coloca como Estado mínimo, pois se apresenta

concretamente como um Estado interventor forte, na sustentação do modelo de

agricultura desenvolvido pelo agronegócio.

Por fim, vale dizer que estas transformações têm sido impulsionadas com base em recursos públicos: dos estabelecimentos que receberam financiamento, 85% tiveram como uma das fontes algum programa governamental – com 57,6% dos recursos. Além disso,

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este financiamento é profundamente desigual: em 2006, os estabelecimentos com 1.000 ou mais hectares (0,9% do total) captaram 43,6% dos recursos e os com até 100 hectares (88,5% dos que obtiveram financiamento) captaram 30,42% dos recursos. Segundo Sauer (2010) o agronegócio recebeu R$ 65 bilhões para custeio e investimentos para a safra 2008/2009, o que é 500% superior aos R$ 13 bilhões concedidos à agricultura familiar. Ainda segundo o autor, entre 2007 e 2009 o Tesouro Nacional gastou R$ 2,3 bilhões de reais com a securitização da dívida agrícola e a Receita Federal estima em R$ 8,85 bilhões a renúncia fiscal relacionada à isenção de impostos concedidos ao setor agropecuário. Isto significa dizer que o dinheiro extraído pelo governo do povo brasileiro através dos impostos está financiando nossa insegurança alimentar. (ALENTEJANO, 2011, p. 15)

Analisar a atuação do agronegócio na agricultura requer entender como

este desenvolvimento vem se processando, ancorado ao mesmo tempo nas

modernas técnicas da biotecnologia e no histórico e arcaico modelo monocultor

voltado à exportação, ampliando a situação de insegurança alimentar. As

mudanças tecnológicas já em curso enfatizam a biotecnologia e a

nanotecnologia, trazendo impactos destas inovações tecnológicas na

agricultura capitalista que expressam a ampliação da falha metabólica, ao

degradar, simultaneamente, a natureza e o trabalho.

Na linha dos estudos que realizamos no capítulo I, acerca da dupla

exploração feita pelo capital sobre o trabalho e a natureza, encontramos em

Silva e Martins (2006) a especificidade de sua manifestação na atualidade,

através da produção da agricultura brasileira do agronegócio. Tomando como

ponto de referencia a reprodução do agronegócio sucroalcooleiro no interior de

São Paulo, os autores realizam uma análise concreta das repercussões sociais

e ambientais deste modelo, cujo objetivo se direciona para a superação

[...] de uma interpretação abstrata do fenômeno do agronegócio resgatando as relações significativas que dão sentido concreto (como unidade do diverso) às dimensões de exploração do trabalho social e dos recursos naturais no âmbito do processo de produção de valor. [...] estas dimensões – a social e a ambiental – são indissociáveis do ponto de vista das análises dos processos de acumulação (p.92).

Sobre a internacionalização da agricultura no setor sucroalcooleiro,

Alentejano nos informa outros dados importantes:

No setor sucroalcooleiro, em especial, este controle das grandes empresas transnacionais tem se expandido velozmente. Segundo Mendonça (2010), a participação de empresas estrangeiras na

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indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010. Este processo acontece junto com um forte processo de concentração no setor. Estimativas de mercado mostram que, na safra 2009/10, os sete maiores grupos de comercialização do mercado já representaram 61,4% das vendas. No ciclo atual (2010/11), a fatia nas mãos dos sete grandes será de 67% (2011, p. 20).

De acordo com o autor acima citado, a área destinada à produção de

três alimentos básicos na dieta da população brasileira (arroz, feijão e

mandioca) reduziu-se em mais de 2,5 milhões de há entre 1990 e 2006. Em

contrapartida, a área destinada ao cultivo de produtos voltados prioritariamente

para exportação ou transformação industrial, aumentou. Considerando-se

apenas três destes produtos – cana-de-açúcar, soja e milho – a área plantada

foi ampliada de 27.930.804 ha para 44.021.847 ha, um crescimento de 57,6%.

Vale destacar que entre 1990 e 2008, a soja ultrapassou o milho em termos de

área plantada, assumindo a condição de maior lavoura do país.

Um dos grandes pontos de apoio para a disseminação e legitimação da

ideologia do agronegócio na atualidade, segundo os autores citados, se deve à

aplicabilidade da ciência na agricultura, através de tecnologias sofisticadas,

como a biotecnologia e a nanotecnologia pelas grandes empresas nacionais e

internacionais, dinamizando o setor industrial, responsável pela produção de

equipamentos, máquinas e insumos utilizados pelas empresas agrícolas17.

Também é destacado que o desenvolvimento de pesquisas em várias áreas do

conhecimento vem sendo realizado por universidades públicas brasileiras e por

empresas do Estado, como a EMBRAPA.

Atendo-nos ao objetivo de nosso estudo, é importante considerarmos

que esta ampliação do nível de modernização da agricultura revela, em sua

contra-face, o aumento do desemprego e sérios impactos ambientais no campo

e na cidade, como expressões da ampliação da falha metabólica.

Do ponto de vista político, Silva e Martins (2006) analisam o destaque

dado ao agronegócio em relação ao desenvolvimento econômico do Brasil,

tendo em conta a geração de saldo positivo do comércio exterior como fruto da

ampliação das exportações de produtos agrícolas nos últimos anos, que tem

possibilitado o pagamento de juros da dívida externa e elevado as taxas do

17

A relação entre a questão ambiental na agricultura brasileira, a adoção de novas tecnologias

e os desafios colocados aos trabalhadores da terra, e particularmente ao MST, serão discutidos no próximo capítulo.

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superávit primário. Por outro lado, as grandes alterações na base técnica de

produção da agricultura capitalista brasileira e nas formas de utilização do

trabalho social são resultantes do avanço do capital industrial sobre este setor,

sendo que a questão das barreiras impostas pela natureza continua a ser

objeto de preocupação e intervenção do capital.

Silva e Martins (2006) destacam que a produção da agricultura

capitalista, na atual fase da revolução verde no Brasil vem assumindo os riscos

ecológicos, próprios deste modelo tecnológico, aliados ao descontrole do

receituário agronômico na maioria das propriedades agrícolas, provocando, em

escala crescente, danos ecossistêmicos que podem ser irreversíveis em muitos

casos. E exemplificam que o uso intensivo de fertilizantes químicos tem sido

relacionado a processos de eutrofização18 de lagos e rios, de acidificação19 dos

solos e de contaminação de aqüíferos.

Com relação à degradação da força de trabalho, Silva e Martins (2006) a

relacionam com três questões fundamentais, que são a segmentação do

trabalho, a imobilização da força de trabalho migrante, que se sujeitam a

condições extremamente precárias de trabalho, principalmente, em relação a

alojamento e alimentação, e a superexploração da força de trabalho, que leva à

morte durante o trabalho do corte da cana.

Os efeitos desse metabolismo social do capital sobre o espaço agrário, e

particularmente, sobre a agricultura, que é a atividade humana de maior

impacto sobre a natureza, nos mostram a sua negatividade, tanto para a

natureza, quanto para o trabalho humano, e ainda para a sociedade como um

todo, que se expressa no conceito de falha metabólica. As consequências

18

Em ecologia, chama-se eutrofização ou eutroficação ao fenômeno causado pelo excesso de nutrientes (compostos químicos ricos em fósforo ou nitrogênio) numa massa de água, provocando um aumento excessivo de algas. Estas, por sua vez, fomentam o desenvolvimento dos consumidores primários e eventualmente de outros elementos da teia alimentar nesse ecossistema. Este aumento da biomassa pode levar a uma diminuição do oxigênio dissolvido, provocando a morte e conseqüente decomposição de muitos organismos, diminuindo a qualidade da água e eventualmente a alteração profunda do ecossistema.

19A acidificação do solo é um processo químico em que o solo tem um aumento do processo

hidrogênico (pH).Este processo pode formar impactos maiores ou menores na natureza dependendo da concentração, da pressão e da temperatura, da repartição do solo, no sentido de formação dos produtos e reagentes do solo da região. Para a acidificação ocorrer no solo, ela pode ser causada a partir da emissão de águas residuais, com a chuva ácida, a emissão de gases ácidos, da água contaminada, entre outros.

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advindas do atual modo de produção da agricultura capitalista são expressões

da ampliação desta falha metabólica na relação sociedade-natureza, que

ameaçam as bases materiais de sustentação da vida em todas as suas formas.

Todos estes elementos nos levam a confirmar a ampliação desta falha

metabólica (MARX, 1983), operada pelo metabolismo social do Capital

(MÉSZÁROS, 2006, 2007), onde a produção da agricultura capitalista só se

sustenta através da exploração, degradação e contaminação das duas fontes

de produção de riquezas que são a natureza e o trabalho.

A partir desta mesma perspectiva, Silva e Martins (2006), tendo em

conta a análise da atuação do agronegócio na agricultura canavieira paulista,

concluem:

A reinvenção moderna de exploração do trabalho no agronegócio e a pilhagem ambiental por este promovida compõem um quadro mais amplo de degradação dos modos de vida. Ou seja, levando ao limite crítico as experiências sociais a partir do trabalho e gerando níveis progressivos de exaustão dos recursos naturais, este modelo de agricultura revela a degradação de suas próprias condições de existência. Revela seus próprios limites através da destruição dos trabalhadores e da Natureza (p.106).

Shiva (1992) ao discutir a revolução verde, analisa as alterações na

agricultura capitalista e as conseqüências sociais e ambientais advindas destas

mudanças, especialmente para os produtores, trazendo reflexões

indispensáveis para a análise das implicações ambientais resultantes deste

processo. Tendo como ponto de partida ou fundamento, a relação entre o

desenvolvimento de tecnologia e a conservação da biodiversidade, sua crítica à

revolução verde se centra na idéia de oposição entre diversidade e

produtividade, que cria as condições para o convencimento dos benefícios do

paradigma dominante de produção, baseado na uniformidade e em

monoculturas. Destaca que nos planos das classes dominantes, principalmente

dos países centrais do capitalismo, a conservação da biodiversidade vem

sendo defendida como prerrogativa dos países do Norte, destinando aos

países subdesenvolvidos a definição de que são responsáveis pela destruição

de seu patrimônio ambiental.

Construiu-se, assim, um interessante arcabouço de valores que determina análises e opiniões, pois se os países do terceiro mundo, que obtêm seus meios de vida diretamente da natureza, nada fazem além de consumir, e se os grupos sociais são os únicos “produtores”,

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deduz-se, naturalmente, que o Terceiro Mundo é responsável pela destruição de sua própria riqueza biológica e apenas o Norte tem capacidade de conservá-la. Essa divisão ideologicamente elaborada entre consumo, produção e conservação dissimula a economia política dos processos que levam à destruição da diversidade biológica. (SHIVA, 1992, p.3).

Uma das questões centrais levantadas pela autora, nesta relação entre

biodiversidade e produtividade se refere à introdução de alterações,

relacionadas às sementes, trazidas pela Revolução Verde. Defende-se que,

para ampliar a produtividade, seria necessária a produção industrial de

sementes especiais que realizariam um verdadeiro milagre, denominadas como

variedades de alta produtividade – VAP. Destaca que, de maneira geral, os

sistemas de cultivo requerem uma interação entre solo, água e recursos

genéticos vegetais, mas ao comparar os sistemas tradicionais e os da

Revolução Verde nos explica que, os primeiros resguardam uma relação

simbiótica entre solo, água, animais domésticos e plantas, e aqueles, sob

domínio deste novo paradigma, substituem essa interação, em nível de

estabelecimento agrícola, pela integração de insumos tais como sementes

melhoradas e produtos químicos.

Shiva (1992) nos chama a atenção para o fato de que nos cultivos

tradicionais, as culturas têm sido desenvolvidas não só para produzir alimento

para pessoas, mas também forragem para os animais e adubo orgânico para o

solo. E uma das grandes alterações feitas pela Revolução Verde foi justamente

a separação da produção agrícola da produção animal, trazendo como

conseqüência, o contraste entre a elevada produção de grãos e a redução na

produção de palha, o que representou a diminuição da biomassa disponível

para alimentação de animais domésticos e para a fertilização dos solos, e a

redução da produtividade dos ecossistemas em razão da sobreutilização dos

recursos.

Altieri (2012), nesta mesma direção, nos traz uma análise precisa sobre

a relação entre a agricultura industrial da revolução verde e a questão da

biodiversidade, através da consideração de que este modelo dominante de

agricultura produziu uma “colheita fatal”. Assim, ele sustenta que existem

velhas e novas dimensões da tragédia ecológica da agricultura moderna.

A crítica inicial do autor se direciona para a “velha” prática da

monocultura, também adotada como “carro-chefe” desde o início da revolução

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verde e que ainda permanece, em que pese todo o custo social, ambiental e

mesmo para o capital, uma vez que sua manutenção tem exigido muito

investimento em novas tecnologias, para conter ou neutralizar seus efeitos

indesejados e imprevistos, para a continuidade do processo de acumulação do

capital na agricultura.

A agricultura é uma atividade humana que implica a simplificação da natureza, sendo a monocultura a expressão máxima deste processo. O resultado final é a produção de um ecossistema artificial que exige constante intervenção humana. Na maioria dos casos, esta intervenção se dá na forma de insumos agroquímicos que, embora elevem a produtividade, acarretam vários custos ambientais e sociais indesejáveis (ALTIERI, 2012, p.23)

O processo de simplificação dos ambientes promovido pela agricultura

industrial é exemplificado por Altieri (2012, p.24), com base em Jackson (2002)

a partir de dados que demonstram a baixíssima utilização da grande

diversidade de culturas disponíveis: das 7000 espécies já utilizadas na

agricultura, na atualidade, somente 120 são importantes para a alimentação

humana. E estimativas mostram que 90% do consumo de calorias no mundo

são provenientes de apenas 30 culturas. O resultado deste processo é a

homogeneização genética que gera extrema vulnerabilidade ecológica, fator

que vem sendo alertado historicamente por pesquisadores no mundo inteiro em

estudos sobre monoculturas como a de uva, na França, de banana, na Costa

Rica, e de milho, nos EUA.

A instabilidade dos agroecossistemas gerada por este modelo baseado

na monocultura se expressa na forma de surto de pragas e doenças, que

demandam grande quantidade de agrotóxicos que se mostram cada vez menos

eficazes e seletivos, os quais são lançados na biosfera ocasionando custos

ambientais e humanos. Os dados trazidos por Altieri (2012, p.26) são

eloqüentes, em relação a esta homogeneização dos sistemas agrícolas: “Em

todo o mundo, 91% dos 1,5 bilhão de hectares de terras cultiváveis estão

principalmente sob monoculturas de trigo, arroz, milho, algodão e soja”.

È importante destacar que um dos impactos negativos desta

homogeneização de culturas, através desta simplificação dos

agroecossistemas, que se processou na primeira fase da revolução verde,

interferiu diretamente na diversidade da dieta alimentar, e conseqüentemente

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trouxe problemas nutricionais, que expressam uma situação de insegurança

alimentar.

Em relação às novas dimensões da tragédia ecológica da revolução

verde, Altieri (2014) chama atenção para a segunda onda de problemas

ambientais que com o emprego da biotecnologia cria os chamados OGMs –

Organismos Geneticamente Modificados, destacando que são os mesmos

grupos que promoveram a primeira onda da agricultura de base agroquímica

(Monsanto, Dupont, Syngenta, etc.,) que agora propõem a biorevolução,

prometendo que, com alterações genéticas, é possível criar agrotóxicos mais

eficazes e a redução da utilização de produtos químicos, tornando a agricultura

mais sustentável. No entanto, vários riscos ambientais são constatados com a

liberação dos transgênicos, como a ampliação da vulnerabilidade ambiental e a

contaminação de cultivos.

Altieri (2014) problematiza que, na maioria dos países, as normas de

biossegurança para monitorar as liberações das OGMs são inexistentes ou

inadequadas para prever seus riscos ecológicos. No Brasil, os lucros gerados

pela soja transgênica justificaram a ampliação ou a construção de infra-

estrutura como rodovias, ferrovias e hidrovias para trazer insumos e escoar a

produção, atraindo investimentos privados nos setores de exploração

madeireira, mineração, pecuária e outras práticas com conseqüências

ambientais ainda não avaliadas por estudos de impacto ambiental. (p. 45)20.

No Brasil, a área cultivada por soja atinge mais de 20% do total de terras

cultivadas. Desde 1995, a área plantada com soja ampliou 2,3 milhões de

hectares, com aumento médio de 320 mil hectares por ano (Altieri, 2014, p.46).

As duas maiores conseqüências do cultivo da soja transgênica são o

desmatamento e a degradação do solo.

Na Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, vários países

assinaram o tratado de biossegurança que obriga a adoção do princípio da

precaução no contexto do comercio de OGMs. Este princípio é a base do

Protocolo de Cartagena sobre biossegurança e implica na inversão do ônus da

20

Para maior aprofundamento sobre este debate, vale citar o estudo de Cristófoli (2009) acerca do uso da soja Roudoup no Rio Grande do Sul.

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156

prova,ou seja, não cabe aos críticos da tecnologia comprovar seus riscos, mas

aos proponentes da mesma de comprovar sua segurança.

Ao defender a necessária relação entre ciência, precaução e bom senso,

o Grupo de Ciência Independente (ISP) formado por cientistas de diversas

disciplinas subscrevem o princípio da precaução em sua declaração de 2003,

afirmando que, “[...] quando há uma suspeita razoável de prejuízo grave ou

irreversível, não se deve utilizar da falta de consenso científico para postergar

ações preventivas” (ISP, s/p). A conclusão a que chega este grupo é

inequívoca:

[...] os cultivos transgênicos não são necessários nem desejados, não cumprem as promessas feitas e, ao contrário, estão trazendo problemas crescentes ao campo. [...] são inaceitáveis porque não são seguros. Têm sido introduzidos sem as necessárias salvaguardas e avaliações de segurança, através de um sistema de regulamentação profundamente defeituoso, baseado no princípio da “equivalência substancial”, cujo propósito é dar rápida aprovação aos produtos, em vez de realizar uma avaliação séria de sua segurança. (ISP, 2004, p. 105)

Estes elementos fundamentam a critica à agricultura capitalista, sob o

domínio do agronegócio, responsável pela desigual e insustentável condição

social e ambiental do espaço agrário, que se expressa: no controle e acesso a

terra com a manutenção do latifúndio, através da mecanização e quimificação

das lavouras; no trabalho precário e escravo; na violência e expulsão de

famílias do campo; associando à monocultura, o aumento do uso de

agrotóxicos e a introdução de cultivos transgênicos. O modelo de agricultura

capitalista do agronegócio se afirma, então, como o principal responsável pela

crise alimentar mundial, pois, ao tratar a terra, as sementes e os alimentos

produzidos como mercadorias vem comprometendo a segurança alimentar,

que além de não ter sido alcançada com a revolução verde, foi ainda agravada.

Podemos dizer, que uma das maiores contradições da revolução verde foi a

criação de uma anti-comida, produzida pelo agronegócio que operou a

transformação da agricultura num ramo de negócios, onde a produção de

alimentos se torna uma mera mercadoria a ser negociada para obtenção de

lucros.

Sobre o trabalho escravo no contexto do agronegócio, podemos

observar os seguintes dados

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Em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no

campo brasileiro, 3.060, ou 51%, foram encontrados no monocultivo

da cana de açúcar. Em 2008, dos 5.266 resgatados, 2.553, ou 48%

dos trabalhadores mantidos escravos no país estavam em plantações

de cana. (MENDONÇA, 2010 apud ALENTEJANO, 2011, p. 16).

A mercadorização dos alimentos é analisada pelo sociólogo Jean Ziegler

(apud ZONTA, 2013) como um negócio altamente lucrativo. Para ele, o

problema da fome está relacionado à questão da especulação financeira, ao

dumping (concorrência desleal de mercado) agrícola e à destinação das terras

à produção de bicombustíveis. E afirma que é a primeira vez na história da

humanidade, que o problema da fome está relacionado não à escassez de

alimentos, mas ao excesso. O aumento da fome não se relaciona a problemas

de ordem natural, de baixa produtividade e nem mesmo em razão de guerras,

pois está diretamente vinculado à forma de sociedade erguida sob o imperativo

do capital, que nega a alimentação a um imenso número de pessoas. Este

quadro de dominação mundial exercido por grandes grupos econômicos é

apresentado:

Hoje temos dez transnacionais que potencializam a fome no mundo. Esse grupo econômico controla 85% de todos os alimentos negociados no planeta. Fixam preços, controlam a distribuição e assim decidem todos os dias quem poderá comer quem vai passar fome e quem vai morrer sem alimentação (ZIEGLER apud ZONTA, 2013, p. 13).

Os números fornecidos, baseados no relatório da FAO de 2012, são

estarrecedores e reveladores: a cada 5 segundos, uma criança com menos de

10 anos morre de fome; 57 mil pessoas morrem diariamente em razão da fome;

mais de 1 bilhão de pessoas no mundo são subalimentadas ; a agricultura atual

poderia alimentar diariamente 12 bilhões de pessoas; a especulação financeira

fez o preço mundial do milho subir 63% e do trigo dobrar em 2 anos; o dumping

fez com que produtos europeus entrem na África por um terço do valor destes

produtos produzidos no país; as famílias camponesas africanas trabalham em

média 10 horas por dia e não conseguem prover a alimentação para a

subsistência, muito menos competir no mercado.

A dívida externa dos povos do Sul é elencada como um dos

mecanismos mortíferos da fome, uma vez que impedem que os países pobres

possam investir em sua agricultura de subsistência e no abastecimento do

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mercado interno. O exemplo da África é considerado uma catástrofe, por

Ziegler. O resultado da falta de condições para produzir por parte dos

camponeses africanos tem sido a expulsão de suas terras, pelas forças

armadas nacionais, porque o governo vende a terra para grupos estrangeiros

que produzem para o mercado internacional, não para o abastecimento do

mercado interno.

E a produção de biocombustíveis é também considerada como um

mecanismo nefasto para o agravamento da fome e para o meio ambiente, onde

a situação do Brasil, que é um dos dois maiores produtores mundiais, é

exemplar, pois tem destinado extensas áreas para o plantio de matéria prima

de combustível em detrimento da redução de áreas para produzir alimento.

Como resultado deste processo, está havendo a expansão da fronteira agrícola

para a Amazônia, e no interior do estado de São Paulo, ocorre o avanço da

cana e o gado passa a destruir áreas de floresta.

A importância e atualidade da obra de Josué de Castro, “Geografia da

Fome”, escrita na década de 1940, também é ressaltada por Ziegler, uma vez

que este médico nordestino foi pioneiro na análise crítica do problema da fome,

como um problema relativo à ação política das classes dominantes,

desnudando qualquer argumento ancorado na dita neutralidade técnica.

Mas as questões discutidas acima, nos levam a indagar: que tipo de

alimentos vem sendo produzidos em excesso? A anti-comida ou ração humana

do agronegócio, altamente envenenada? É preciso refletir não só sobre a

capacidade quantitativa, mas essencialmente sobre a potencialidade qualitativa

que a agricultura diversificada familiar agroecológica pode produzir.

Sevilla Gusmán (2006) aponta os impactos do modo industrial de uso

dos recursos naturais sobre a produção camponesa: perda da auto-suficiência

alimentar; submetimento do procedimento, manejo campesino dos recursos

naturais à lógica do mercado com ruptura de sua matriz sócio-cultural que

mantém ainda em muitas partes do mundo, lógicas de trocas, que tem provado

empiricamente, formas de sustentabilidade ecológica; erosão sócio-cultural dos

sistemas ambientais com a perda do conhecimento local, campesino e

indígena; ruptura das tecnologias sistêmicas sobre o controle de pragas;

expulsão dos camponeses de numerosos ecossistemas frágeis, mantidos

historicamente; apropriação transnacional de múltiplos territórios indígenas,

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cujos direitos históricos, precisam ser defendidos; ruptura da estratégia

campesina de multiuso do território que tem desenvolvido historicamente.

Para Shiva (1992, p. 16), o imperativo do crescimento gerou o imperativo

das monoculturas, mas só a diversidade, como padrão de produção, e não

meramente de conservação, pode romper com a separação dos sistemas

biológicos em “primitivos” e “avançados”. E conclui:

Assim como Gandhi desafiou os falsos conceitos de obsolescência e produtividade na produção de têxteis através da busca da roca de fiar, há grupos em todo o Terceiro Mundo que estão desafiando os falsos conceitos de obsolescência na produção agrícola, conceitos que levam, necessariamente, à insustentabilidade. Esses grupos estão procurando a diversidade das sementes usadas há séculos pelos agricultores, visando transformá-la na base de uma agricultura futurista, independente, com ampla capacidade de regeneração e sustentável (Shiva, 1992, p. 16).

As mudanças operadas no padrão do desenvolvimento tecnológico produtivo

da agricultura, não alteraram o padrão da estrutura agrária vigente,

conservando e agravando o nível de desigualdade na distribuição da posse e

uso da terra. As conseqüências sociais e ambientais deste modelo perverso de

agricultura, reconhecidas em nível mundial, sustentam e justificam a idéia de

construir uma agricultura alternativa a este modelo através da agroecologia.

2.2 Questão Ambiental e a Construção da Agroecologia: trajetória histórica no Brasil e questões teórico-conceituais.

Retomando nossas reflexões realizadas no primeiro capítulo,

consideramos o mesmo ponto de partida de Guhur e Toná (2012), para a

análise das condições que deram origem ao surgimento da agrocoecologia,

relacionadas à questão ambiental, que envolve a fragilidade das condições de

reprodução de determinadas classes, povos, onde se destacam os

camponeses dos países periféricos do capitalismo (CHESNAIS E SERFATI,

2003). A ameaça sobre a existência dos camponeses na terra e suas

condições de reprodução social que, na atualidade, estão relacionadas com o

modelo dominante de agricultura capitalista, segue sendo uma marca histórica.

A expropriação camponesa ocorrida no processo de acumulação

primitiva do capital tem sido reatualizada por processos e mecanismos da atual

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fase de acumulação do capital, denominada por Harvey (2004) como

acumulação por desapossamento.

As reflexões de Harvey (2004) sobre o regime de acumulação flexível,

materializado na espoliação da força de trabalho e da natureza, nos fazem

reafirmar a importância das lutas políticas que desafiam, particularmente, os

produtores, tendo em conta os novos mecanismos de acumulação criados

nesta fase do capital:

Os direitos de propriedade intelectual e a biopirataria operada pelas grandes

corporações em negociação com a Organização Mundial do Comércio- OMC;

A mercantilização das formas culturais e históricas construídas pela

humanidade, especialmente, pelas comunidades locais;

O processo de destruição ambiental e a mercadorização dos recursos naturais

como a água, o ar e todas riquezas e fertilidade do subsolo;

A privatização dos bens públicos.

Este autor nos mostra que estas práticas denominadas como predatórias e

fraudulentas são utilizadas pelo capitalismo para tentar resolver seu problema

de sobreacumulação, ressaltando que o termo central é excedente de capital. E

este regime de acumulação por espoliação consegue liberar um conjunto de

ativos, como a força de trabalho, a baixo custo, logrando alcançar um uso

lucrativo. As implicações na divisão internacional do trabalho se expressam no

seu reordenamento operado a partir de 1970, se intensificando através de

mudanças tecnológicas e da liberdade do capital de se deslocar por todo

espaço geográfico, gerando um clima de instabilidade para o centro e a

periferia do capital. Neste sentido, nos chama a atenção para o agravamento

da situação de subalternidade econômica dos países da periferia, que sofrem

os efeitos deste processo de forma mais desumana no desenvolvimento

geográfico desigual.

O resultado deste movimento se materializa no que Foster e Clark

(2006) consideram como imperialismo ecológico, envolvendo e acirrando a

exploração da periferia pelo centro. Chama-nos atenção que os efeitos mais

destrutivos e perversos recaem sobre as duas fontes originais de riqueza

expressas pelas forças do trabalho e da natureza. Os produtores e as

populações tradicionais são destituídos de seus direitos históricos e de toda

sua construção cultural e de conhecimentos gestados numa intrínseca relação

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com a natureza. Estes direitos são usurpados pelos grandes grupos financeiros

e de pesquisa cientifica, como os grupos da indústria farmacêutica. Por outro

lado, a destruição e mercadorização da natureza apontam para obstáculos à

continuidade do processo de acumulação do capital.

Chesnais e Serfati (2003) destacam que o processo de expropriação do

campesinato que foi central no regime de acumulação primitiva, avança na

contemporaneidade, e que a situação atual dos maiores exportadores de

matérias primas não minerais, dentre os quais se destaca o Brasil, representa

[...] um processo em que as destruições ambientais e ecológicas cada vez mais irreversíveis estão acompanhadas por agressões constantes desferidas contra as condições de vida dos produtores e de suas famílias, de forma que é impossível dissociar a questão social da questão ecológica, (p. 52)

Os autores observam ainda que a agressão do capital contra a produção

direta vem alimentando a luta de classes no campo, que se inicia nos países

capitalistas mais antigos e tem sua continuidade nos países do sul no século

XX.

Esse processo de expropriação é histórico e contínuo na situação atual

do capitalismo, e ele segue por mecanismos muito mais extensos de

mercadorização de patenteamento de vários elementos da vida, que vem

sustentado o atual agronegócio. Portanto, é importante reafirmar que é o

capitalismo que comanda todas essas relações sociais, onde a tecnologia da

revolução verde se constituiu numa forma capitalista de transformação da

agricultura num ramo da indústria, a partir do controle e expropriação dos

trabalhadores e de degradação da natureza, explicitando a falha metabólica

que vem sendo ampliada nesta relação entre a sociedade e a natureza.

Consideramos que todas as revoluções tecnológicas se instituem como

parte das relações sociais, possuindo caráter histórico e, por isso, é necessário

a desnaturalização da técnica, libertando-a de uma visão neutra. E, não sendo

neutra, a intenção do capital, através da tecnologia da revolução verde foi

implantar o capitalismo no campo, exercendo o seu processo de dominação

sobre a natureza e o trabalho, gerando conseqüências para a luta de classes,

principalmente, para os produtores diretos.

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Todo esse processo gerou criticas e lutas direcionadas à busca de

soluções em torno da construção de outro modelo de agricultura, contraposto

ao modelo da revolução verde, como as dos movimentos ambientalistas, de

intelectuais, do movimento de agricultura alternativa e das organizações da

categoria dos agrônomos.

Moreira (2000) traz as contribuições dos ambientalistas em suas criticas

a revolução verde, que são de caráter técnico, sociopolítico e econômico, e

aponta as disputas no espaço rural em torno da produção da agricultura,

problematizando a questão da agricultura familiar no Brasil.

As críticas ambientalistas centralizam-se na crítica à produção industrial.

No espaço rural, esta produção industrial adquiriu a forma dos pacotes

tecnológicos da Revolução Verde e, no Brasil, assumiu, marcadamente nos

anos 60 e 70, a prioridade do subsídio de créditos agrícolas para estimular a

grande produção agrícola, as esferas agroindustriais e as empresas de

maquinários e de insumos industriais para uso agrícola.

A crítica ambientalista no Brasil feita ao modelo da Revolução Verde e à

modernização tecnológica socialmente conservadora possui três vetores:

técnico, social e econômico. O primeiro se situa na crítica ao modelo

tecnológico da moderna agricultura capitalista, causadora de imensos

problemas ambientais como a poluição e envenenamento dos recursos

naturais e dos alimentos, a perda da biodiversidade, a destruição dos solos e o

assoreamento de nossos rios, trazendo para o debate questionamentos

relacionados ao princípio de prudência ambiental. Este princípio se torna um

norte para a emersão de diversos movimentos de agricultura alternativos ao

modelo hegemônico, onde se incluem o movimento de agricultura orgânica e

agroecológica, centrados na crítica aos impactos ambientais provocados pela

utilização de técnicas modernas de engenharia genética e de matrizes

transgênicas em atividades agropecuárias e alimentares.

A crítica social da Revolução Verde se relaciona à própria natureza do

capitalismo e sua influência na realidade brasileira e na tradição das políticas

públicas e governamentais que orientaram nossas elites dominantes, tanto na

área econômica, quanto no próprio campo político de definição de prioridades.

Estas são direcionadas ao processo de expropriação dos produtores gerando,

esvaziamento do campo e o êxodo rural urbano e seus resultantes processos

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de pauperização, desemprego, favelização dos trabalhadores rurais,

sobreexploração da força de trabalho rural, incluindo o trabalho feminino,

infantil e de idosos.

Esta crítica abrange o caráter concentrador, excludente e socialmente

injusto da modernização da agricultura da revolução verde no Brasil, que se

expressam na crescente concentração fundiária, na distribuição da propriedade

dos recursos produtivos de origem industrial, na exclusão de massas tanto do

padrão de consumo e da qualidade de vida que se restringem às classes

dominantes, como das condições de acesso a terra, trabalho, moradia,

educação, alimentação e saúde. São questões que se relacionam, portanto,

aos elementos sociais e políticos que dizem respeito às noções de equidade e

justiça social.

O terceiro vetor de crítica se refere ao aspecto econômico, uma vez que

se amplia o custo do pacote tecnológico da revolução verde e se reduz a

capacidade dos subsídios de crédito, em razão dos impactos da crise do

petróleo da década de 1970. A elevação dos custos deste modelo, dependente

da matriz energética do petróleo, aliado a fatores de degradação do solo e das

águas e questões climáticas gera uma crise financeira.

Em síntese, estas críticas se direcionaram a Revolução Verde, quanto

aos problemas trazidos por suas praticas produtivas altamente nocivas à

natureza e particularmente aos ecossistemas, aos elevados custos deste

modelo, dependente da matriz energética do petróleo, e para questionamentos

referentes ao caráter concentrador de riquezas e de benefícios sociais

advindos deste processo. Como resultante destas reflexões, propõem-se a

construção de um modelo produtivo alternativo a este padrão tecnológico, e

também de formas sociais produtivas de organização contrapostas a este

caráter concentrador de riquezas.

Estes modelos produtivos alternativos seriam baseados no trabalho

familiar, no conhecimento acumulado por estes agricultores na diversificação

de cultivos, na baixa demanda de recursos financeiros garantindo uma

vantagem comparativa em relação à agricultura empresarial, exigente e

dependente do oneroso pacote tecnológico da revolução verde. Desta forma, a

revalorização destas práticas, consideradas pelo modelo dominante como

atrasadas, contribuiriam para o rompimento com a monocultura, a redução de

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custos e a ampliação de trabalho no campo. Neste processo se afirma um

movimento de construção de uma agricultura concebida como "alternativa" ao

modelo de agricultura capitalista dominante, resgatando práticas produtivas

tradicionais, censuradas e desqualificadas pelo modelo da revolução verde.

Luzzi (2007) analisa a construção do debate agroecológico no Brasil, a

partir da inserção da agroecologia na agenda de diversos sujeitos coletivos

como a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – ASPTA;

movimentos sociais rurais e instituições do Estado, concluindo que este debate

cresceu, consideravelmente, nas duas ultimas décadas. Sua incorporação

inicial, no fim da década de 1970, restrita a alguns intelectuais e profissionais

das ciências agrárias, foi ampliada e incorporada a partir da década de 1990,

por diversos sujeitos coletivos, como organizações de base, movimentos

sociais rurais, instituições de assessoria e instituições de ensino, pesquisa e

extensão rural.

Como sinalizamos no primeiro capítulo, a publicação de “Primavera

Silenciosa” de Rachel Carson, nos EUA, em 1962, repercutiu mundialmente, se

afirmando como uma das primeiras produções a contestar o padrão capitalista

de agricultura dominante através de pesquisas que demonstraram

consistentemente seus malefícios ambientais e sociais, principalmente, os

perigos para a saúde humana e animal, causados pelo uso de agrotóxicos.

No Brasil, a influência desta obra de Carson se expressa na produção de

Lutzsenberg, um dos mais reconhecidos ativistas ambientais do Brasil, que

realiza forte denúncia sobre o uso de agrotóxicos em nosso país. E também na

obra de Adilson Paschoal, que se qualifica como PhD nos Estados Unidos, e

traz a discussão sobre o resultado de suas pesquisas sobre as conseqüências

dos agrotóxicos nos ecossistemas,para a Escola Superior de Agronomia Luiz

de Queirós – ESALQ, em São Paulo(LUZZI, 2007).

Conforme Luzzi (2007) e Guhur e Toná (2012), além de Lutzemberg e

Paschoal, os outros pioneiros na critica a revolução verde no Brasil foram, Ana

Primavesi, pesquisadora especializada em estudos do solo; Luis Carlos

Pinheiro Machado, que desenvolveu e difundiu o método ecológico de

produção animal à base de pasto, e Sebastião Pinheiro, também estudioso dos

efeitos dos agrotóxicos e do desenvolvimento de tecnologias ecológicas para a

agricultura. Conforme tivemos oportunidade de observar através de nossa

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participação em diversas atividades do MST, estes autores ainda são muito

referenciados em eventos e nos atuais processos de educação e formação em

agroecologia, desenvolvidos pela Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)

em parceria com universidades públicas brasileiras. Em síntese podemos dizer

que, estes autores trouxeram suas contribuições tendo como ponto central, a

crítica aos agrotóxicos e a partir de proposições para a construção de um

modelo de agricultura contraposto ao modelo da revolução verde.

Outra contribuição importante no questionamento do modelo da

revolução verde e para a construção da outro modelo de agricultura veio da

classe agronômica, que realiza um amplo debate nos anos de 1980 através

dos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa, os EBAAs, trazendo para

dentro desses eventos, os sujeitos principais deste processo, que são

agricultores ligados a movimentos de pequenos produtores, indígenas e os

movimentos camponeses de luta pela terra e por reforma agrária. É importante

resgatar esse contexto porque, é justamente, a entrada dos camponeses

organizados através de movimentos sociais, que faz com que a construção da

agroecologia se torne uma questão eminentemente política, ampliando a

discussão sobre questões sociais e de classe no processo de produção. Este

debate, pautado no EBAA de 1987 traz a contraposição entre a produção do

latifúndio (à época já representada pelo seu braço político – a União

Democrática Ruralista) e do pequeno agricultor.

A partir da década de 2000, começam a ser realizados os Encontros

Nacionais de Agroecologia - ENAs, sendo o primeiro organizado pelas ONGs

da rede PTA, e na sua plenária final foi criada a Articulação Nacional de

Agroecologia (ANA), que passa a promover os ENAs. Os Congressos

Brasileiros de Agroecologia - CBAs são organizados por instituições de ensino

pesquisa e extensão rural (públicas e privadas) e visam à apresentação e

debate de trabalhos científicos sobre agroecologia. No 2º CBA foi criada a

Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), responsável pela organização

dos CBAs, e que passa a editar a partir de 2006, a Revista Brasileira de

Agroecologia, de periodicidade semestral e em versão eletrônica21.

21

Sobre a constituição da ANA e ABA, ver LUZZI (2007).

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É importante pontuarmos que foi somente entre o fim dos anos de 1990

e início dos anos 2000 que a agroecologia passa a ser incorporada ao debate

dos movimentos sociais rurais, principalmente pela influencia da Via

Campesina, tendo como um dos marcos a campanha de 2003, “Sementes:

patrimônio dos povos a serviço da humanidade”, que retomaremos no próximo

capítulo.

A Via Campesina defende que a proteção dos meios de vida, o

emprego, a segurança alimentar, o meio ambiente e a saúde das pessoas

depende da produção de alimentos saudáveis que deve permanecer nas mãos

dos pequenos produtores ao invés de estar sobre o controle das empresas

transnacionais do grande negocio e das redes de supermercado. Mudar o

modelo agrícola industrial, baseado nas grandes propriedades, no livre

comércio voltado para a exportação torna-se vital para alterar a pobreza, os

baixos salários a migração rural urbana a fome e a degradação ambiental. A

adoção do conceito de soberania alimentar torna-se estratégico para os

movimentos sociais do campo, pois enfatiza o acesso dos agricultores não só a

terra, mas também as sementes e a água, visando à construção da autonomia,

dos mercados locais e circuitos locais de produção-consumo, a soberania

energética e tecnológica e as redes de agricultor a agricultor. Consideramos

estas informações relevantes para compreendermos as influências destes

questionamentos, estudos e eventos, para a construção da agroecologia nos

movimentos sociais rurais e, particularmente, no MST, que abordaremos no

capítulo seguinte.

Em toda esta trajetória de busca de afirmação de uma agricultura

alternativa àquela da revolução verde, o termo agroecologia começa a ser

utilizado no Brasil a partir da publicação, em 1989, do livro de Miguel Altieri,

intitulado: “Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa”, que

exerce grande influência em organizações não governamentais, principalmente

a AS- PTA (Luzzi, 2007). Na segunda edição, de 2002, ocorre uma ampliação

nesta obra, que altera seu subtítulo para: as bases científicas da agricultura

sustentável, trazendo de acordo com Petersen (in: ALTIERI, 2012, p.7-8), a

idéia presente na sociedade, que afirmava a agroecologia a partir de três

acepções:

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1 - como uma teoria crítica que elabora um questionamento radical à agricultura industrial, fornecendo simultaneamente as bases conceituais e metodológicas para o desenvolvimento de agrossistemas sustentáveis; 2- como uma prática social adotada explícita ou implicitamente em coerência com a teoria agroecológica; 3-como um movimento social que mobiliza atores envolvidos prática e teoricamente no desenvolvimento da agroecologia, assim como crescentes contingentes da sociedade engajados em defesa da justiça social, da saúde ambiental, da soberania e segurança alimentar e nutricional, da economia solidária e ecológica, da equidade de gêneros e de relações mais equilibradas entre o mundo rural e as cidades.

Para Petersen (apud ALTIERI, 2012) a agroecologia abarca estas três

formas de compreensão, constituindo seu enfoque analítico, a sua capacidade

operativa e sua incidência política, um todo indivisível.

Assim, o momento da terceira edição, em 2012, se localiza num contexto

distinto daquele do final da década de 1980, em que se procurava afirmar a

agroecologia como uma alternativa científica ao modelo vigente, e do contexto

de 2002 em que o movimento agroecológico começa a ter maior visibilidade e

consistência no Brasil.

Na atualidade, várias organizações da sociedade civil (ONGs,

movimentos sindicais, de luta pela terra e por reforma agrária, etc.) articulam-

se através da ANA para promover a agroecologia e afirmá-la como modelo

alternativo ao agronegócio. Também atuam neste sentido, um grande número

de profissionais de diversas áreas, em atividades de ensino, pesquisa e

extensão rural, reunidos em torno da ABA – Agroecologia, que vêm

contribuindo para o avanço da agroecologia nas instituições científico-

acadêmicas.

No âmbito do Estado brasileiro, a agroecologia vem sendo referência em

projetos e programas de diferenciados órgãos em nível municipal, estadual e

federal. Na área da educação formal são realizados vários cursos de

agroecologia, de nível médio, graduação e pós-graduação. Nas universidades

públicas brasileiras, foram formados vários núcleos de pesquisa e extensão em

agroecologia, apoiados por editais do ministério do desenvolvimento agrário.

Também é importante destacar, no campo da pesquisa agrícola, a iniciativa da

Empresa Brasileira de Pesquisa agropecuária (EMBRAPA), que lança, em

2005, o “Marco Referencial em Agroecologia”, e na extensão rural, foi criada

em 2003, através da pressão das organizações ligadas a ANA, a Política

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Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER. Recentemente,

em 2012, foi constituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção

Orgânica – PNAPO.

A partir de todo este quadro traçado, que demonstra certamente um

avanço no campo agroecológico no Brasil, é importante ponderarmos com um

olhar crítico, de que estas são conquistas, principalmente no campo das

instituições e políticas públicas, obtidas com base em muita pressão e luta de

diversos sujeitos individuais e coletivos e que seus resultados ainda são

incipientes, principalmente, tendo em conta a indiscutível hegemonia do

agronegócio em nosso país. É este último que vem obtendo os maiores

investimentos e mesmo o reconhecimento do Estado e da sociedade,

resultando numa hegemonia não só econômica como também política e

ideológica.

Por outro lado, também é importante dizer que o agronegócio, mesmo

com toda a sustentação (principalmente financeira) oferecida pelo Estado e

todo apoio da mídia, partidos políticos, etc., não consegue esconder seus

efeitos perversos sobre a natureza, o trabalhador e a saúde humana, pois

enfrenta a oposição de diversos setores e sujeitos coletivos, destacadamente,

os movimentos sociais da Via Campesina, e particularmente, o MST.

Na contracorrente do agronegócio, vem sendo debatido e fortalecido

pelos movimentos sociais do campo, o conceito de agricultura familiar

camponesa, que se caracteriza pela defesa da pequena propriedade, como

uma alternativa de reorganização da produção agrícola, priorizando a produção

de alimentos diversificados e saudáveis para o mercado interno, praticada com

técnicas adequadas ao meio ambiente, expressando a responsabilidade com

as futuras gerações.

No processo de construção de outra relação metabólica entre a

sociedade e a natureza, a contribuição da agricultura familiar camponesa é de

grande importância, pois além de contemplar um modo de produzir, também

expressa um modo de viver que se dá em estreita relação com a natureza, a

partir da relação central com a terra, marcada pelo respeito aos ciclos do

tempo. Conseqüentemente, a cultura camponesa possui uma mística especial,

retratada fortemente através da música e da poesia. Também destacamos que

a família ocupa um lugar central na agricultura familiar camponesa,

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organizando seu modo de vida e de produção, de acordo com os objetivos que

ela própria se coloca, direcionando não só as decisões na organização da

produção, mas também suas relações com o mercado.

Porto-Gonçalves (2006) evidencia que os agricultores familiares

camponeses e os povos tradicionais são detentores de conhecimentos com os

quais organizam suas “agri-culturas”, o que os torna mantenedores e criadores

da agrobiodiversidade como um verdadeiro patrimônio da humanidade. Isto nos

faz reafirmar que estes sujeitos são indispensáveis e estratégicos para a

reconstrução ecológica da agricultura através da agroecologia.

Várias organizações e movimentos sociais do campo nacionais e

internacionais defendem a Soberania Alimentar como solução para a crise

alimentar e ambiental, como Via Campesina, MST, Marcha Mundial das

Mulheres, Associação Nacional de Agroecologia (ANA), movimentos

quilombolas e indígenas, dentre outros.

A Soberania Alimentar consiste no direito dos povos de produzirem

alimentos diversificados, saudáveis, de acordo com as diferentes culturas, a

partir de sementes varietais ou crioulas. Isto implica na luta contra os

agrotóxicos e as sementes modificadas e transgênicas. Os dados do ultimo

senso do IBGE (2006) demonstram que, em todos os produtos agrícolas, a

pequena propriedade tem índices de produção superiores aos das grandes

propriedades, onde destacamos:

As pequenas propriedades empregam 13 milhões de trabalhadores

familiares e mais de 1 milhão de assalariados;

Na produção de leite, os pequenos respondem com 71,5% do total e as

grandes propriedades com 1,9%;

Na de suínos, os trabalhadores rurais respondem por 87,1% e os

latifúndios com apenas 1,7%;

Na produção de café, a pequena propriedade corresponde a 70% da

produção.

Sendo a adoção da soberania alimentar, uma das condições para a

produção de alimentos para o mundo todo, a reforma agrária torna-se o

principal mecanismo de acesso dos pequenos produtores a terra, como

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teremos a oportunidade de desenvolver no capítulo seguinte deste trabalho.

Também é necessário garantir aos camponeses o acesso à água, às sementes

locais e ao crédito rural. A agroecologia tem um papel fundamental na

soberania alimentar. No entanto, o maior desafio do modelo agroecológico não

é do ponto de vista técnico, mas político, pois é um modelo que se confronta

com as grandes agroindústrias.

Discutiremos a seguir, algumas questões conceituais que consideramos

importantes, para a compreensão da agroecologia e de sua influencia no MST.

De acordo com Guhur e Toná (2012) as principais correntes da agroecologia

são a norte-americana, sendo Miguel Altierie Stephen Gliessman, os nomes

mais expressivos, e a chamada escola européia, tendo como principais

expoentes Eduardo Sevilla Gusmán e Manuel Gonzáles de Molina, integrantes

do Instituto de Sociología y Estudios Campesinos – ISEC, da Universidade de

Córdoba, na Espanha.

Na linha da corrente norte-americana, consideramos importante trazer

algumas reflexões desenvolvidas por Rosset (1998), relacionando a questão

agrária e ambiental com a crise da agricultura capitalista. Este autor parte da

seguinte indagação: a agricultura sustentável será capaz de tirar a agricultura

industrializada moderna do estado de crise em que se encontra? Para

responder a esta questão, ele destaca a necessária análise das dimensões

econômicas, sociais e ecológicas desta crise, ressaltando a abordagem de um

modelo alternativo. A opção oferecida por este modelo se diferencia em dois

campos: a substituição de insumos, considerada como um fim em si mesmo, e

a transformação agroecológica dos sistemas de produção. Sua argumentação

central em relação a este primeiro campo, diz respeito à diminuição do

potencial da agricultura sustentável, restrito à simples substituição de insumos

direcionados, principalmente para o aspecto ecológico, oferecendo poucas

possibilidades de resolução de problemas como a redução de receitas e o

endividamento dos agricultores. A predominância deste primeiro campo é

restritiva do potencial da agricultura sustentável, pois essa estratégia, de

enfoque predominantemente técnica não questiona nem a estrutura dos

monocultivos, nem a dependência de insumos externos característicos dos

sistemas agrícolas dominantes.

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A análise das conseqüências das dimensões econômicas e sociais, da

crise da agricultura convencional moderna engloba a questão da considerável

redução do número de agricultores. Os custos, cada vez mais altos, da

tecnologia moderna vêm gerando o endividamento destes, e mesmo,

inviabilizando a sua existência.

Qualquer modelo alternativo que ofereça possibilidades de tirar a agricultura da crise em que se encontra, deve considerar as questões ecológicas, sociais e econômicas. Sendo assim, qualquer exercício que se concentre em apenas reduzir os impactos ambientais, por exemplo, sem envolver a difícil realidade social dos agricultores ou as forças econômicas que perpetuam a crise, está condenado ao fracasso. Está é, precisamente, nossa preocupação quando defendemos a agricultura sustentável (ROSSET, 1998, p. 6).

Rosset (1998) defende a adoção da agroecologia, por considerá-la

capaz de ultrapassar os aspectos ecológicos, enfocados na crise da agricultura

moderna, e atingir também os aspectos econômicos, sociais e culturais. O

objetivo desta estratégia é se posicionar contra a estrutura de monocultivo,

bem como a dependência de insumos externos a partir da criação de

agroecossistemas integrais.

Segundo Rosset (1998) esta é a única aproximação com possibilidades

de abranger os aspectos sócio-econômicos da crise, a partir da redução da

dependência de insumos caros e externos, e a devastação ecológica causada

pela agricultura convencional moderna que pode ser contida, e em alguns

casos, revertidas a partir da agroecologia. Esta abre grandes possibilidades

para uma agricultura mais produtiva, diversificada, equilibrada com o meio

ambiente e capaz de preservar os laços comunitários das populações rurais.

Para Altieri (2012), a definição de agroecologia surge através das bases

científicas necessárias para o desenvolvimento de uma agricultura ecológica,

emergindo como uma disciplina que

[...] disponibiliza os princípios ecológicos básicos sobre como estudar, projetar e manejar agroecossistemas que sejam produtivos e ao mesmo tempo conservem os recursos naturais, assim como sejam culturalmente adaptados e social e economicamente viáveis. [...] extrapola a visão unidimensional dos agroecossistemas para abarcar um entendimento dos níveis ecológicos e sociais de coevolução, estrutura e funcionamento. Os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras combustíveis e

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outros produtos para consumo e utilização humana, abrangendo todos os elementos ambientais e humanos. Os agroecossistemas são ecossistemas artificiais. (ALTIERI, 2012, p.105).

A agroecologia abrange a necessidade de se pensar os

agroecossistemas também através da sustentabilidade ambiental e social, uma

vez que a atividade agrária, em seu sentido amplo (funcionamento dos ciclos

minerais, transformações de energia, processos biológicos e relações sócio-

econômicas), deve ser enfocada por diversas disciplinas para a geração de

conhecimentos agroecológicos (ALTIERI, 2012).

Para o autor citado, o objetivo final da agroecologia é ampliar a

sustentabilidade econômica e ecológica dos agroecossistemas a partir de um

sistema de manejo que se baseie em recursos locais e numa estrutura

operacional adequada às condições ambientais e socioeconômicas existentes.

Os componentes de manejo são utilizados para garantir a conservação e o

aprimoramento dos recursos locais (germoplasma, solo, fauna, diversidade

vegetal, etc.), centrando-se no desenvolvimento de metodologias que valorizem

a participação dos agricultores, o conhecimento tradicional e adequação da

atividade agrícola às necessidades locais e às condições socioeconômicas e

biofísicas.

Outro elemento que sobressai no pensamento de Altieri (2012) se refere

a sua consideração sobre o pequeno agricultor familiar camponês como sendo

a base social da agroecologia, uma vez que seus conhecimentos e práticas

concretas são considerados como um verdadeiro patrimônio ecológico

planetário. Seu argumento em torno da produção de pequena escala se

embasa em cinco questões: 1- Sua centralidade para a segurança alimentar

mundial; 2- A policultura praticada é mais produtiva e conserva melhor os

recursos naturais; 3- São mais diversificadas; 4- Representam um santuário de

agrobiodiversidade livre de transgênicos; 5- Resfriam o clima. Embora ele

apresente dados importantes sobre estas cinco questões, consideramos que

esta defesa da pequena produção não pode ser feita (ou tomada) como um

valor em si, pois o direcionamento deste tipo de agricultura precisa ter uma

intencionalidade política construída de maneira organizada e coletiva, como

salvaguarda de sua captura pelo capitalismo, através, por exemplo, da

agricultura orgânica como nicho de mercado.

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Na perspectiva de agroecologia elaborada por Altieri (2012),

consideramos que a produção desse autor trouxe grande contribuição para o

acervo de fundamentos teóricos e de conhecimentos técnicos especializados

no campo da agronomia a partir de sua relação com a ecologia. No entanto,

seu esforço se direciona para (ou não ultrapassa) a transformação no âmbito

dos agroecossistemas, mesmo considerando a necessária contribuição de

diferentes disciplinas tanto das ciências naturais como das ciências sociais.

Encontramos, nas elaborações de Sevilla Gusmán (2001, 2005, 2006)22 ,

uma ampliação desta perspectiva, a partir do direcionamento destes

conhecimentos para fundamentar possibilidades de desenvolvimento rural,

potencializando os processos sociais que envolvem a necessária participação

organizada dos agricultores, com seus conhecimentos e práticas. Abrigando

os estudos agronômicos relacionados a parte técnica da produção, a

agroecologia para este autor, também tem uma dimensão política, uma vez

que questiona a destruição das culturas camponesas operada pela ideologia da

revolução verde, desmistificando também a superioridade do mundo urbano

sobre o rural. Isto remete à compreensão dos camponeses sobre os processos

de exploração aos quais estão submetidos para que eles possam desenvolver,

junto com os técnicos, processos de transição da agricultura convencional para

a agroecologia.

Ponderamos que a dimensão política da agroecologia ultrapassa a

crítica à agricultura convencional abarcando a necessária análise das relações

sociais, presentes no sistema capitalista, que reproduz essa agricultura,

rompendo com a lógica desta atividade, para além da produção de mercadorias

padronizadas que se baseia no aumento da produtividade e do lucro, a partir

da aplicação de conhecimentos científicos fragmentados. Neste sentido, a

discussão conceitual da agroecologia não pode desconsiderar que os

problemas apresentados na agricultura são expressões da sociedade

22

Eduardo Sevilla Guzmán é graduado em agronomia, com Doutorado em Sociologia. Além de

ser uma referência acadêmica ele também desenvolve trabalhos de campo e assessoria junto a movimentos sociais de luta pela terra e ao movimento sindical rural na Região de Andaluzia na Espanha. Coordena o curso de pós-graduação (mestrado e doutorado) em “Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável” na Universidade de Córdoba, na Espanha, que tem realizado uma parceria com a via campesina, recebendo quadros encaminhados pelos movimentos sociais, especialmente pelo MST. Ele também tem participado de eventos no Brasil na ENFF.

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capitalista e de seu padrão dominante de desenvolvimento, e que suas

diferenciadas leituras são afetadas pela crise contemporânea dos paradigmas

da ciência.

A integralidade do enfoque da agroecologia, necessariamente, deve

contemplar a articulação de suas dimensões técnica e social, apontando para a

compreensão da matriz comunitária em que se insere o agricultor - “a matriz

sociocultural que proporciona uma práxis intelectual e política à sua identidade

local e à sua rede de relações sociais” (Sevilla Gusmán, 2005, p.2).

A restrição da agroecologia, à sua dimensão técnica tem se

direcionado para a compreensão do funcionamento e da dinâmica dos

sistemas agrários, visando a resolução de vários problemas não equacionados

pelas ciências agrárias convencionais. Esta perspectiva de agroecologia,

amplamente difundida e trabalhada no mundo da pesquisa e do ensino como

um saber essencialmente acadêmico, é ainda mais restrita em relação à

necessidade de manutenção de compromissos socioambientais.

A agroecologia, no seu sentido amplo, possui uma dimensão integral,

na qual as variáveis sociais têm papel relevante, pois apontam para a

necessidade de análise das conseqüências do funcionamento da política e da

economia para os agricultores, para além do nível da produção, abrangendo os

processos de circulação, alterando os mecanismos de exploração social.

A agroecologia tem como objetivo, para além da identificação e difusão

de técnicas alternativas para a agricultura, pautar a questão da

sustentabilidade da agricultura e do meio rural e suas implicações para a

sociedade. Assim, este debate coloca em questão a relação sociedade-

natureza, no sentido de criar uma nova conscientização social, estando aí

implicada a criação de novas formas políticas e ideológicas. A agroecologia ao

ultrapassar o enfoque das necessárias mudanças no padrão técnico amplia-se

para as indispensáveis transformações políticas na sociedade. Desta forma, as

experiências realizadas vêm se constituindo em importantes demonstrações de

proposições práticas e políticas no sentido do alcance de transformações mais

amplas na agricultura e na sociedade.

Sevilla Gusmán (2006) nos ensina que a agroecologia tem como eixo

estruturante as seguintes premissas: o homem é parte constitutiva e se

relaciona histórica e socialmente com a natureza, junto com outras espécies

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animais, vegetais e os recursos naturais; o contexto sócio-cultural e humano

tem presença marcante na agroecologia; a dimensão técnica e ambiental se

consolida a partir do diálogo, da experimentação, da confrontação-

complementação entre o saber/ cultura campesina e o saber técnico-científico;

a dimensão política implica na defesa da biodiversidade, do ponto de vista

critico que se confronte com o capitalismo, força hegemônica no modelo de

agricultura convencional.

Assinala, ainda, que a agroecologia pretenda o manejo dos recursos

naturais, e tenha, na agricultura, seu objeto fundamental. Ela o faz explicando

as formas de degradação dos recursos naturais e gerando sistemas de

contenção, reposição e regeneração. Supõe o diálogo, com diversas áreas do

conhecimento que possibilitem o entendimento e a análise dos fenômenos

sociais, econômicos, culturais e políticos que geram as diversas formas de

degradação. Sendo assim, a agroecologia se coloca como um campo fértil de

estudos, pois o seu enfoque requer combinar as descobertas e contribuições

de diferentes disciplinas e o saber acumulado historicamente na práxis

camponesa. Sua implementação, como um campo de conhecimentos,

necessariamente interdisciplinar, enfrenta o duplo desafio de se firmar como

alternativa ao modelo de agricultura convencional, e de se contrapor ao

conhecimento científico, também convencional.

A agroecologia requer que os processos de transição, na propriedade agrária, da agricultura convencional para a agricultura ecológica, se desenvolvam neste contexto sociocultural e político e suponham propostas coletivas que transformem as relações de dependência dos agricultores em relação ao funcionamento atual da política e da economia. Ela se propõe, para além do nível da produção, introduzir-se nos processos de circulação, transformando os mecanismos de exploração social. Sendo assim, a agroecologia é concebida como desenvolvimento sustentável. A utilização de experiências produtivas em agricultura ecológica, na elaboração de propostas para ações sociais coletivas que demonstrem a lógica predatória do modelo produtivo agroindustrial hegemônico, permitindo sua substituição por outro que aponte para uma agricultura socialmente mais justa, economicamente viável e ecologicamente apropriada”. (Sevilla Gusmán, 2005, p.3).

A transição agroecológica se relaciona com a produção, circulação e

consumo dos alimentos, se direcionando para a busca da segurança e

soberania alimentar. Assim, os sujeitos coletivos que vão operar esta transição

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têm importância fundamental. Schimit (2009) analisa a contribuição dos

camponeses e populações tradicionais que construíram um saber em estreita

relação com a natureza, uma vez que a mesma é condição para sua

reprodução econômica e social, considerando-os como capazes de gerir e

preservar os recursos naturais. E por isto, devem ser considerados

interlocutores, a partir de seu saber popular, com o saber construído pela

ciência, de modo que seja possível se chegar a construção de novos

conhecimentos, a partir de formas participativas, sobre o manejo e gestão dos

recursos naturais. Neste sentido, o aperfeiçoamento de metodologias

participativas tem grande relevância na estratégia agroecológica.

A agroecologia para os agricultores é um modo de vida. Qualquer

processo de apropriação, ou adoção de tecnologias, perpassa pelo vínculo

entre agricultores e a terra trabalhada. O agricultor representa o núcleo central

no traçado e na tomada de decisões, expressando um forte compromisso ético

com a resolução dos problemas sócio-ambientais.

A natureza volta a adquirir centralidade no debate do devir histórico e, com isso, traz para o centro da cena uma série de sujeitos sociais que acreditávamos estarem fadados à extinção e que emergem dos campos, dos cerrados, das florestas, dos mangues e dos povos que teceram suas matrizes de racionalidade com esses ambientes. Aliás, essas populações são hoje detentoras de um acervo de conhecimento diversificado, um dos mais ricos patrimônios da humanidade, e habitam os maiores acervos de biodiversidade, posto que são áreas que ficaram a salvo das monoculturas e sua pobre diversidade genética típicas da agricultura capitalista. Assim, a questão agrária se urbaniza e faz sentido uma internacional camponesa, como a Via Campesina, da qual o MST é um dos principais protagonistas. Há assim, uma linha que aproxima a Monsanto ao MacDonald como, contraditoriamente, os agricultores franceses ao MST, aos camponeses e indígenas hondurenhos, aos zapatistas, aos cocaleros, aos mapuche, aos indigenatos equatorianos, mexicanos, aos piqueteros, aos sem teto [...] (Porto-Gonçalves, 2002b, p. 58).

Estas questões apontam a necessidade de discutirmos os desafios

políticos que se abrem aos movimentos sociais do campo, particularmente ao

MST, e as possibilidades de convergências com outros sujeitos coletivos, como

os movimentos ambientalistas, e especialmente com aqueles que se articulam

em torno da defesa da produção de uma agricultura que se contraponha ao

modelo capitalista do agronegócio.

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CAPÍTULO 3-POLITIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL NO MST:

AGROECOLOGIA COMO ESTRATÉGIA PRODUTIVA E POLÍTICA.

Ao iniciarmos este terceiro capítulo, consideramos importante discutir o

significado da questão ambiental no contexto atual de crise do capital e os

desafios políticos que se impõem ao MST no processo de politização da

questão agrária e ambiental, através da construção da agroecologia, para a

construção de outra relação metabólica entre sociedade e natureza.

Pretendemos trazer algumas reflexões sobre a relação entre a questão

ambiental e as lutas sociais travadas pelo MST, neste contexto atual de crise

do capital, que impõe a necessidade de construção de outro metabolismo

social, onde a análise das contribuições e desafios a este sujeito se coloca não

só como relevante, mas como indispensável neste momento histórico.

Destacamos a importância de resgatarmos neste debate a tradição

marxista, como uma importante chave teórica e metodológica, para

compreendermos a afirmação do capitalismo e a relação entre sociedade-

natureza construída sob este imperativo, para a necessária e urgente

construção de alternativas a este modo de produção e dominação da

sociedade atual. Partimos de Marx (1983) e da necessária atualização de sua

análise para a contemporaneidade do capitalismo, imerso numa crise não mais

cíclica, mas estrutural e terminal, conforme nos mostram Mészáros (2006,

2007, 2008) e Foster (2005, 2013), dentre outros. Ver se está repetido na

introdução

Teceremos algumas reflexões buscando destacar: a dimensão

internacionalista das lutas sociais e da luta do MST, sua forma de

compreensão e construção da política e do exercício do poder; suas

concepções e práticas relacionadas à natureza, que expressam o legado do

MST para a construção de alternativas que se direcionem para outro

metabolismo social.

Consideramos indispensável atentarmos para a existência, resistência e

posicionamento político de sujeitos coletivos das classes subalternas, que

historicamente vêm expressando outra relação com a natureza, tendo,

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portanto, várias lições a nos legar para a construção de uma nova

sociabilidade.

3.1- Questão ambiental, crise do capital e crise civilizatória: desafios

políticos ao MST na construção de outro metabolismo social

Dentre os fenômenos característicos do momento histórico

contemporâneo, um aspecto que se coloca como relevante se refere à

chamada crise civilizatória, cujo reflexo sobre o meio ambiente se mostra

claramente com o processo de degradação ambiental, o esgotamento dos

recursos naturais e seus efeitos para a humanidade em geral, e

particularmente, para as classes subalternas. Essa crise nos indica a

necessidade de questionar, criticamente, a racionalidade e os paradigmas

teóricos que deram impulso e legitimidade ao crescimento econômico, num

processo de negação da natureza e da vida humana, nesta etapa atual em

que, segundo Mészaros (2006, 2007), o capital perdeu seu caráter civilizatório.

Discutiremos a crise atual do capital, dentro de uma visão mais ampla

sobre a crise civilizatória vivida pela humanidade e, particularmente, pelas

classes subalternas.

Ao analisar o contexto atual, Dias (2009) se reporta à idéia de crise,

caracterizada por Gramsci como uma crise de autoridade, para afirmar que

este autor nos mostra que se trata de um processo mais global que envolve a

questão da hegemonia e da luta entre conservação e revolução. Na leitura de

Dias (2009), a crise atual vem confirmar mais uma vez, a assertiva de Marx de

que o capitalismo é a contradição em processo e que a sociabilidade capitalista

será menos ou mais afetada em função da maior ou menor presença dos seus

antagonistas históricos expressos pelas forças do trabalho, o que equivale ao

conjunto das classes subalternas. Ressalta assim, seu caráter histórico em

franca oposição á sua naturalização.

Segundo este autor, a idéia de que política e economia são esferas

separadas e autônomas do processo social como um todo, onde a economia

seria a manifestação a-histórica e universal das forças naturais, e a política, o

reino das contingências, do movimento de indivíduos que se entrechocam sem,

necessariamente possuir um significado concreto, trata-se, de um mecanismo

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decisivo para impedir que os subalternos, tenham a clara percepção de que o

que está em jogo é, na realidade, uma luta declarada entre as classes

sociais.Harvey (2011, p. 187) também reforça esta idéia, afirmando que

[...] a desigualdade de classe é central para a reprodução do capitalismo. Portanto, a resposta do poder político existente é ou negar que classes existem ou dizer que a categoria é tão confusa e complicada que se torna analiticamente inútil.

Sobre a crise mais recente do capital, Harvey (2011, p.13) traz dados que são

elucidativos.

No fim de 2008, todos os segmentos da economia dos EUA estavam com problemas profundos. A confiança do consumidor despencou, a construção de habitação cessou, a demanda efetiva implodiu, as vendas no varejo caíram, o desemprego aumentou e lojas e fábricas fecharam. No início de 2009, o modelo de industrialização baseado em exportações, que gerou um crescimento tão espetacular no Leste e Sudeste da Ásia, contraía-se a uma taxa alarmante (muitos países como Taiwan, China, Coréia do Sul e Japão viram suas exportações caírem em 20% ou mais em apenas dois meses). O desemprego começou a aumentar a uma taxa alarmante. Cerca de 20 milhões de pessoas perderam subitamente seus empregos na China, e relatos perturbadores de agitação social vieram à tona. Nos Estados Unidos, o número de desempregados aumentou em mais de 5 milhões em poucos meses (de novo, fortemente concentrado em comunidades afro-americanas e hispânicas). Na Espanha, a taxa de desemprego saltou para mais de 17%%. [...] a crise atua foi, sem dúvida, a mãe de todas as crises.

Na avaliação de Harvey (2011) esta crise também deve ser considerada

como o auge de um padrão de crises financeiras, que se tornaram mais

freqüentes e mais profundas ao longo dos anos, desde a última grande crise do

capitalismo nos anos 1970 e início dos anos 1980. A partir destes elementos,

reafirma a centralidade da luta de classes enquanto caminho e possibilidade

para a saída da crise. Este autor afirma que: “goste-se ou não, a luta de

classes torna-se central para a política de igualitarismo radical”. (p.189).

A crise do capital e seus efeitos sobre as classes subalternas são

discutidos também por Hobsbawm (2009), tendo em conta os fatores e os

mecanismos que vem se desenvolvendo nos últimos quarenta anos. A

globalização, proporcionada pela revolução nos transportes e nas

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comunicações e associada com a hegemonia de políticas de Estado

neoliberais, se tornaram condições viabilizadoras da afirmação do mercado

global irrestrito para o capital em busca de lucros. Destaca que, no setor

financeiro, isto se manifestou de forma exemplar correspondendo ao colapso

ocorrido em todo sistema. O autor nos alerta que apesar de o capitalismo, por

sua própria natureza, operar por meio de uma sucessão de expansões

geradoras de crises, a crise atual é a expressão de uma crise maior e

potencialmente ameaçadora para o sistema.

Ao ser questionado sobre o quadro atual de sucessivos abalos sociais e

ambientais, tais como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a

crise energética e as crises humanitárias produzidas pelas guerras, Hobsbawm

(2009) analisa como estas questões se relacionam à perspectiva do paradigma

civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno.

Vivemos meio século de crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença – imposta não apenas pelos capitalistas – em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a formula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.

Nesta mesma direção, Chesnais (2009) defende que há uma origem

comum entre a crise econômica e a crise ecológica que se expressa através de

impactos sociais em todo mundo, relacionada à própria natureza do capital e,

ao seu modo de produção, que só se reproduz através da destruição ambiental

do planeta. Mas o autor chama atenção para a sua visibilidade com a

liberalização e a desregulamentação do capital e, conseqüentemente, sua

completa mundialização e exacerbada financeirização, que se constituem nos

processos que explicam, por um lado, os riscos originais da crise e, por outro

lado, a aceleração da emissão mundial de CO2.

Este mesmo autor destaca ainda uma questão política que se refere à

queda do crescimento, onde retoma que o processo de valorização do capital,

implica em dois procedimentos: 1- uma relação intrinsecamente antagônica

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com o trabalho, geradora de um processo de polarização social, pobreza, etc. e

2 - as implicações ecológicas advindas da venda infinita de mercadorias até

sua saturação. Neste sentido, destaca que a liberalização e a mundialização,

ampliaram os mecanismos de contenção do primeiro procedimento e, tem

contribuído enormemente para o agravamento do segundo. Sua critica se

direciona a posição conservadora dos teóricos do decrescimento, que se

colocam politicamente num terreno de súplica ao capital, no sentido de que

seja mais razoável e, mesmo sendo sensíveis à pobreza, não a coloca no

centro da luta de classes.

Para Chesnais (2009), a proteção da natureza contra a mercantilização

capitalista é inseparável do homem enquanto parte da natureza. Desta forma,

defende que a questão ecológica assumida como pauta política deverá

combater não só a sua alienação mercantil, mas também a alienação no

trabalho, numa perspectiva que se coloque para além de campanhas de defesa

do emprego. Para o autor, esta materialização só será possível a partir do

momento em que o indivíduo criado pelo capitalismo, possa se transformar

num produtor associado que tenha condições de administrar seu intercambio

com a natureza de acordo com uma racionalidade coletiva.

Menegat (2006) destaca que desde meados dos anos 1970, o

capitalismo entrou numa nova fase, tendo como elemento impulsionador deste

processo de mudanças a chamada terceira revolução técnico-científica,

iniciada após a II guerra mundial e, que se consolida, começando a se

generalizar nas décadas de 1970-1980. As transformações no processo de

produção, como fruto da intensa concorrência dos produtores privados e as

inovações tecnológicas processadas, principalmente, com base na

microeletrônica, o uso de matérias-primas sintéticas e a agregação da energia

nuclear à produção comercial, realizam profundas mudanças, incidindo

fortemente sobre o mundo do trabalho. A ultrapassagem da organização

produtiva fordista alcançada com estas novas tecnologias e, as novas formas

organizacionais tornam a produção flexível, com rápidos ciclos de maturação e

obsolescência abrangendo produtos, meios de produção e linhas produtivas,

que podem ser substituídos com maior rapidez. Outra implicação apontada se

refere a um rearranjo sócio-político, que se expressa no desmonte do Estado

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de bem-estar social, ainda em andamento, que potencializa a destrutividade

inerente ao capitalismo.

Mészáros (2007) considera que o capital entrou numa crise estrutural

desde os anos de 1970, quando passou a aplicar a TDU à força de trabalho

destacando que o uso ou não uso da força de trabalho, se coloca como a

contradição mais explosiva do capital, pois esta força de trabalho disponível,

além de ser fator de produção, se apresenta como o elemento vital para a

reprodução do capital e a extração de mais-valia, e também como consumidor

de massa. Desta forma, este uso da TDU se expressa como desemprego

estrutural aprofundando a pobreza e a miséria. A extensão da aplicação da

TDU na atualidade, abrangendo também bens e serviços, maquinarias e

instalações de fábricas vêm agravando diversos problemas sociais e

ambientais, fazendo recair seus efeitos na saúde humana e na economia.

Consideramos que a análise do capital, realizada por Mészáros (2006,

2007), representa uma importante contribuição, para o redimensionamento da

questão ambiental contemporânea. A relação que este autor estabelece entre a

crise sistêmica do capital, que considera estrutural a partir dos anos de 1970 e,

a chamada crise ambiental, aponta para a questão dos “limites absolutos do

sistema do capital”. A utilização da taxa de uso decrescente, na produção

destrutiva do capital, e sua relação com os problemas sociais e ambientais, são

apresentadas como reflexões indispensáveis para a compreensão da crise

estrutural do capital e da questão ambiental, numa perspectiva marxista.

Este mesmo autor (2008, p. 133) problematiza que “[...] a viabilidade

histórica do capital está seriamente afetada, no sentido negativo do termo, não

somente pelos limites absolutos do sistema, mas também pela sua completa

incapacidade em admitir a existência de qualquer limite”. Para este autor, o

dimensionamento e a evidência destes limites absolutos se devem às

seguintes questões: a) o horizonte de tempo do capital é de curto prazo sempre

direcionado pelo objetivo de lucro imediato; b) este horizonte de tempo se

relaciona com a postura do capital que só age depois de causar dano,

adotando de maneira limitada, métodos corretivos; c) como resultado destas

duas determinações apresentadas, qualquer tipo de planejamento que amplie

estes horizontes temporais se apresenta como inconciliável com o capital; d) no

sistema do capital, a relação entre causa e efeito está estruturalmente viciada;

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e) a eternização de uma ordem historicamente específica e única, como se

estivesse acima da história.

Com estas questões, Mészàros afirma que o capitalismo não suporta as

limitações de seu modo de reprodução sócio-metabólica. A ação destrutiva da

humanidade encontrou-se com limites estruturais absolutos do próprio sistema

a ponto de “obstruir o futuro da humanidade”. Portanto, não há saída senão

“erradicar o sistema do capital de seu controle há muito resguardado do

processo sociometabólico” (MÉSZÀROS, 2007, p.26). O substrato objetivo da

existência humana é a lei absolutamente fundamental da relação da

humanidade com a natureza. “Esse tem de ser o fundamento último de todo o

sistema de leis humanas”. E para ele, esta é a relação que o capital trata de

violar, ignorando as conseqüências cruéis e devastadoras da “base natural da

existência humana”.

A humanidade jamais precisou tanto e tão fielmente ouvir e observar as leis do que nessa conjuntura crucial da história. Mas as leis em questão devem ser radicalmente refeitas; trazendo a uma harmonia plenamente sustentável as determinações absolutas e relativas das nossas condições de existência de acordo com o inevitável desafio e fardo de nosso tempo histórico (MÉSZÀROS, 2007, p. 29).

A partir destas questões, o autor defende que este quadro destrutivo nos

impõe o desafio de uma reavaliação radical da questão do crescimento, que se

coadune com a busca de superação da desigualdade substantiva.

As transformações tecnológicas operadas até o século XX,

principalmente os avanços nos campos da informática e da biotecnologia,

proporcionaram o que Harvey (2004) denomina de “compressão tempo-

espaço”, resultando num reordenamento do processo de trabalho em amplos

setores. O autor analisa a atual divisão territorial do trabalho, que chama de

novo imperialismo, a qual expressa o poder político e econômico da

financeirização, da tecnologia e das corporações multinacionais. As riquezas

naturais, neste novo imperialismo, são tomadas como recursos que podem ser

patenteados, não importando a sua localização. Assim, esta técnica de registro

de patente, proporciona a propriedade intelectual de porções da natureza, que

se afirma como direito de propriedade individual, encobrindo contradições e

antagonismos de classe na sociedade.

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Mészáros (2007, p. 372) nos mostra que a relação sociedade-natureza

construída pelo capital, abrange contradições ambientais relacionadas tanto

com a aceleração do consumo e a escassez de recursos naturais/ energia,

quanto com os resultados de poluição e sua relação com as mudanças

climáticas, os quais estão profundamente articulados, uma vez que se

relacionam com a produção e com o consumo capitalista. E criticando a

posição dos capitalistas, que manifestam suas “preocupações” com os

“problemas ambientais”, colocando em primeiro plano a questão do

aquecimento global, nos impõe a reflexão sobre a complexidade dos problemas

relacionados à questão ambiental.

[...] tais questões abrangem todos os aspectos vitais das condições de reprodução metabólica – desde a alocação perdulária de recursos (renováveis e não-renováveis) ao veneno que se acumula em todos os campos em detrimento das muitas gerações futuras; e isso não apenas sob a forma do irresponsável legado atômico para o futuro (tanto armamentos como usinas de energia), mas também no que diz respeito à poluição química de todo o tipo, inclusive a da agricultura. Além do mais, com referência à produção agrícola, a condenação literal à fome de incontáveis milhões de pessoas pelo mundo afora é acompanhada das absurdas “políticas agrícolas comuns” protecionistas, criadas para assegurar o lucrativo desperdício institucionalizado, sem levar em conta as conseqüências imediatas e futuras.

Chesnais e Serfati (2003) analisam o meio ambiente a partir das

condições físicas da reprodução social ressaltando a necessidade “[...] de uma

crítica renovada do capitalismo que vincularia de forma indissociável, a

exploração dos dominados pelos possuidores de riqueza e a destruição da

natureza e da biosfera.” (p.40). Para estes autores, a crise ecológica planetária

é analisada como uma crise para a humanidade, ou seja, uma crise

civilizatória. No entanto, os autores argumentam que esta crise ecológica, e a

divisão desigual de seus efeitos, não se constituem num fator central de crise

para o capitalismo. Ela se constitui como uma crise criada pelo capitalismo e,

ao mesmo tempo, demonstra o intento e a capacidade do capital em

externalizar as conseqüências destas contradições que são intrínsecas ao seu

próprio desenvolvimento, pois são resultantes das relações de produção e de

propriedade que o fundam. Neste sentido, os autores destacam que é no

centro dos mecanismos de criação e apropriação da mais-valia que se

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encontram as contradições que reafirmam a assertiva de Marx de que “a

verdadeira barreira da produção capitalista seja o próprio capital” (p42). Desta

forma, defendem que a crise ecológica contemporânea se constitui numa

ameaça permanente para a humanidade, mas no imediato, atinge de modo

específico certas classes, povos e países subordinados ao capital. A posição

do Altvater (2010) é diferente, pois considera que um choque virulento vindo de

fora pode afetar o capitalismo, como o conhecemos, e isto vem se

concretizando pela crise do petróleo do qual a organização social é totalmente

dependente.

Conforme discutimos anteriormente, o capital, no plano econômico, vem

transformando a gestão dos recursos naturais “raros” e a reparação das

degradações em campos de acumulação, ou seja, em mercados, argumento

também defendido por Chesnais e Serfati (2003), que ressaltam ainda o plano

político. É através deste plano que o capital tem sido capaz de transferir as

conseqüências desta crise para países e classes a ele subordinadas.

Consideramos que este é um recurso econômico que tende a se esgotar, tendo

em vista o ritmo e a velocidade de utilização e de mercadorização da natureza.

E no plano político, o jogo pode mudar através das lutas, conforme sinalizam

Altvater (2010) e Harvey (2011). Chesnais e Serfati (2003), por sua vez,

defendem que há uma incompatibilidade entre a possibilidade de um

desenvolvimento humano com sustentabilidade diante das indústrias

dominantes e de uma parte das tecnologias, tendo em vista o fato de que a

acumulação “[...] encarnou-se em indústrias, em ramos e em trajetórias

tecnológicas determinadas” (p. 58).

É a partir deste ponto de vista que nos dispomos a discutir os desafios

políticos que se impõem sobre as classes subalternas, e particularmente sobre

o MST, nesta fase atual do capitalismo em que se explicitam uma série de

contradições que se estabelecem sob o comando do metabolismo social do

capital. A situação atual dos agricultores indica claramente os resultados da

expropriação histórica dos camponeses, que alcança uma fase inédita e

superior de expropriação, cujo objetivo é a criação de condições tecnológicas e

institucionais que permitam eliminar algo que parecia imutável, qual seja, o

controle dos agricultores sobre suas reservas de sementes. E neste aspecto,

se afirma o poder do capital sobre um recurso natural fundante, expresso na lei

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internacional de proteção de patentes sobre o vivente, feita pela Organização

Mundial do Comércio (OMC) e da técnica de criação dos organismos

geneticamente modificados, os já conhecidos transgênicos. Estes últimos

ganham sua forma mais grave com a criação pela Monsanto da semente

“terminator”, a qual corresponde fielmente ao seu nome de batismo, uma vez

que este grão é produzido para germinar uma única vez. Esta, sendo estéril,

encerra o seu ciclo em si mesmo, não possibilitando que os grãos gerados a

partir de sua germinação possam ser plantados e se reproduzir. As

consequências de extensão deste processo, sob a hegemonia do capital

financeiro, atingem diretamente e de modo infinitamente mais grave os países

pobres e os camponeses.

A questão da produção de sementes se torna emblemática, pois este

confronto que se ergue com o agronegócio, em torno das sementes

transgênicas, onde a tecnologia Terminator é sua máxima expressão, torna-se

urgente e necessário de ser ampliado. Para Carvalho (2003, p.11), as

sementes “varietais” representam algo que escapa ao controle das grandes

corporações multinacionais que mantêm o oligopólio da biotecnologia das

sementes. Assim, estes poderosos grupos tentam de modo ideológico, político

e econômico destruir ou manter sob seu controle restrito e direto o estoque de

“germoplasma” dos povos indígenas, dos camponeses e dos agricultores

familiares. Também destaca a campanha internacional da Via Campesina

“Sementes patrimônio do povo a serviço da humanidade”, nos mostrando que

[...] ao defender os direitos dos agricultores familiares, dos camponeses e dos povos indígenas de produzirem, guardarem e trocarem as sementes “varietais”, e ao criticar todas as formas e meios de patenteamento da vida, ergue, ao mesmo tempo, uma barreira política e ideológica pluralista para deter essa ofensiva neoliberal, que tenta monopolizar e transformar todas as formas de vida em negócio (CARVALHO, 2003, p. 11).

A defesa do direito dos agricultores de guardarem e trocarem sementes

se torna vital para a sobrevivência dos camponeses, se apresentando como

uma saída coletiva e como a única forma de garantir o controle sobre este

recurso natural, para a produção de alimentos saudáveis e diversificados. A

padronização com conseqüente redução das variedades de sementes, sob o

poder dos grupos transnacionais se torna o centro deste combate, pois

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representam o patenteamento de um ser vivo, por empresas privadas, com

poder de controle e alteração radical da alimentação humana.

Shiva (1992) aborda a necessidade de conjugar a conservação dos

meios de vida com os recursos existentes, como um grande desafio à

desmistificação das noções de progresso e obsolescência, que sustentam o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia hegemônicas.

Desperdício e obsolescência são construções sociais e têm componentes tanto políticos quanto ecológicos. Politicamente, a noção de obsolescência serve para destruir o controle das pessoas sobre suas vidas e sobre seus meios de vida [...] também destrói a capacidade regenerativa da natureza ao colocar a uniformidade manufaturada em lugar da diversidade natural. A obsolescência tecnológica acaba se transformando na obsolescência da biodiversidade [...] A erosão ecológica e a destruição das vidas estão ligadas. (SHIVA, 1992, p.11-12).

É importante frisar que o pacote tecnológico utilizado na agricultura

capitalista é sustentado pelo setor industrial, estando fora do controle dos

agricultores. Assim, o objetivo deste pacote de controlar os fatores naturais e

eliminar os fatores restritivos, tanto da natureza como do trabalho humano, foi

adotado em larga escala e em diversos e diferenciados ecossistemas. As

práticas agrícolas dos agricultores, consideradas atrasadas e de baixa

produtividade, foram substituídas pelas modernas técnicas de alto rendimento,

fornecidas pela indústria e apoiadas fortemente com recursos pelo Estado. A

dependência de recursos externos e a ruptura com práticas agrícolas milenares

utilizadas não só para reduzir os riscos a terra, como para restituir sua

fertilidade, são apontados por Shiva (1992) como responsáveis pela

desestabilização dos sistemas produtivos.

As conseqüências deste pacote, no que se refere à homogeneização de

culturas e à simplificação dos sistemas produtivos naturais também são

destacadas por Shiva (1992). Assim, em comparação com as sementes

híbridas da Revolução Verde, as sementes tradicionais dos agricultores são

consideradas obsoletas. Mas a autora também nos mostra que as sementes

transformadas em mercadorias, são tecnologicamente incompletas e

dissociadas em dois níveis: 1 - Não se reproduzem, rompendo com o princípio

de que são recursos generativos, transformando-se em recursos não

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renováveis; 2 - Não produzem por si mesmas, demandando o auxílio de

insumos. Sobre este segundo nível, vale destacar que

À medida que as empresas químicas e de sementes realizam fusões, a dependência de insumos deve aumentar ao invés de diminuir. E, ecologicamente falando, um produto químico é sempre um insumo externo no ciclo ecológico da reprodução da semente, tenha ele sido adicionado externa ou internamente. (IDEM, IBIDEM, p.13)

Cabe destacarmos que as tendências acima apontadas pela autora no

início da década de 1990 foram confirmadas, e se mostram, na atualidade da

crise do capitalismo, como exemplares no processo de aprofundamento da

falha metabólica.

Chesnais e Serfati (2003) destacam que a agressão do capital contra a

produção direta vem alimentando a luta de classes no campo, que se inicia nos

países capitalistas mais antigos e tem sua continuidade nos países do sul no

século XX.Este quadro impõe a necessidade e a urgência da luta política, uma

vez que

[...] a menos que haja uma resistência social e política de grande força, o capitalismo terá conseguido avançar o término de seu processo de expropriação dos produtores e de dominação do vivente. Terá passado da expropriação dos camponeses à expropriação do direito geral dos seres humanos de reproduzir e em breve de se reproduzir, sem empregar técnicas patenteadas, sem pagar um pesado tributo ao industrial e, por detrás desse, a seus acionistas e às bolsas de valores. (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 54)

Neste sentido, a Via Campesina, enquanto instância de organização

mundial e de luta dos camponeses vem afirmar, em documento de conclusão

de sua V Conferência Internacional, realizada no período de 19 a 22 de outubro

de 2008, em Maputo, na África, a defesa intransigente da soberania alimentar,

da reforma agrária, da agricultura camponesa sustentável, com produção

agroecológica, do direito à semente e à água, dentre outros. Além disso,

destaca como inimigo principal não só dos camponeses, mas de toda a

humanidade, as empresas transnacionais, consideradas “[...] o motor e as

principais beneficiárias do sistema de opressão das maiorias, as responsáveis

pela crise alimentar e climática e paradoxalmente as que mais lucram com

elas” (n.p.). Afirma também que

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[...] continuarão a lutar contra culturas e árvores transgênicas, contra a tecnologia Terminator e estão alertas frente a outras novas tecnologias de grande impacto social e ambiental, como a nanotecnologia e a construção de vida artificial ou biologia sintética. (RIBEIRO, 2008, n. p.)

O momento atual expressa o protagonismo dos movimentos sociais

camponeses, que, a exemplo do MST no Brasil, vem se levantando contra as

destruições ecológicas, que se colocam também como agressões às suas

condições de existência como produtores.

Leher (2007) destaca a importância dos movimentos camponeses e

indígenas para a identificação da estreita correspondência entre as áreas

territoriais com recursos naturais estratégicos e a distribuição de bases ou

zonas militares estadudinenses na América Latina como uma das evidências

de que o controle dos recursos naturais é indispensável para assegurar o atual

padrão de acumulação do capital. Entretanto, essa dimensão geopolítica

passou praticamente despercebida dos analistas e ativistas ambientais e, não

menos grave, do pensamento crítico acadêmico e militante.

A reprimarização da economia nos países capitalistas dependentes da

América Latina é retomada por Leher (2007) para analisar a situação do atual

padrão de acumulação capitalista, onde esta questão volta a ter centralidade

na luta política, e impõe sérios desafios aos movimentos camponeses e

indígenas, que seguem sendo alvo de um combate vital com o capital. Para o

autor, a questão ambiental adquire novos ângulos a partir da análise dos

protagonistas das lutas sociais que vem atordoando a ordem neoliberal latino-

americana, e que, por isto, estão no olho do furacão do padrão de acumulação

capitalista em curso. Estas reflexões reafirmam, para nós, que o agro teve e

volta a ter um papel fundamental no desenvolvimento do capitalismo, e

destacam à cena política, sujeitos coletivos como o MST e a Via Campesina,

que vem protagonizando o embate com o agronegócio.

Harvey (2004) analisa os processos atuais de expropriação no novo

imperialismo, que vem atuando em dois sentidos: como forma de

desapossamento não só dos meios de vida e de produção, mas também da

cultura e saberes para a realização de valor e como forma de resgate da terra

e, portanto, da natureza, que antes estava na mão dos camponeses. Para este

autor, a expropriação de terras camponesas ocorrida na Inglaterra no período

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da acumulação primitiva, através da violência em si, não se restringiu apenas a

este período, mas prossegue na atualidade, muitas vezes revestida de outros

mecanismos de dominação. Neste período do capitalismo neoliberal, esta

relação denominada pelo autor citado, como “acumulação por despossessão”

recai principalmente sobre os camponeses, os indígenas e os bens ambientais

que continuam a sofrer com as ofensivas cada vez mais ampliadas do capital.

Altvater (2010) também fala deste processo, traduzindo como “acumulação por

desapropriação”.

Consideramos importante ainda pontuar a discussão trazida por Diegues

(2001) sobre “o mito moderno da natureza intocada” e por Porto-Gonçalves

(2002) sobre “latifúndios genéticos”, para problematizarmos que uma das

estratégias do capital tem sido a criação de “espaços reservados” para a

“preservação” de suas condições de reprodução.

De acordo com Diegues (2011), o preservacionismo se materializa

através da constituição de espaços naturais reservados, como unidades de

conservação e reservas biológicas, que estão sendo utilizados não só para o

turismo ecológico, para aqueles que possam pagar por isso, mas

principalmente para servir como laboratórios de pesquisa científica e reserva

de recursos naturais, muito valiosos para as indústrias química e farmacêutica.

São riquíssimas fontes de biodiversidade que, segundo Porto-Gonçalves

(2002), se constituem como verdadeiros “latifúndios genéticos”, que expulsam

as populações moradoras e detentoras de um saber específico sobre a

biodiversidade, construído com e não contra a natureza. Para Porto-Gonçalves,

(2002. p.11)

Tentar criar unidades de conservação ambiental a pretexto de proteger a biodiversidade, expulsando povos e suas culturas que co-evoluíram com os ecossistemas é desconhecer [...] sua contribuição para toda humanidade e o planeta. Assim, insistimos, dá-se sobrevida a um paradigma que já demonstrou seus limites, criando unidades de conservação onde natureza e culturas se excluem. Na verdade, introduzem na vida dessas populações [...] uma dicotomia homem e natureza que jamais fez parte de suas vidas [...]. não existe expressão mais apropriada do que essa – latifúndio genético- pois se trata de constituir grandes áreas demarcadas a pretexto de pesquisa científica ignorando todo saber construídos por essas populações que habitam esses ecossistemas.

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Reforçamos a posição defendida por Porto-Gonçalves (2002, 2005)

sobre a magnitude do desafio ambiental contemporâneo e do protagonismo de

sujeitos coletivos, considerados por muitos como fadados ao desaparecimento,

como os camponeses e indígenas, que emergem dos mais improváveis

lugares, afirmando que a natureza volta a ter centralidade na luta política e

impõe sérios desafios a estes sujeitos na construção de lutas conjuntas contra

estes processos de expropriação e mercadorização da natureza e do

conhecimento. Estas questões nos instigam a discutir os desafios ao MST, seu

processo de desenvolvimento, de resistência, sua forma de conceber e

construir a política e o poder, destacando seus desafios e contribuições à

constituição de outro metabolismo social. Neste contexto de crise do capital,

destacamos a indispensável retomada da perspectiva internacionalista das

classes trabalhadoras, expressa na articulação concreta de diversos sujeitos

coletivos, em torno da solidariedade e das lutas conjuntas contra o capital, que

afirma seu domínio em nível internacional. A solidariedade internacional

através de apoio material sempre foi uma inequívoca demonstração da

capacidade dos trabalhadores e povos de exercerem seu papel de classe.

No entanto, vários desafios se impõem aos trabalhadores organizados

através de sujeitos coletivos como o MST, que se referem à necessidade de

construção da consciência, identidade e prática de classe, no sentido do

diálogo e da articulação das lutas locais com as lutas globais, que acumulem

experiências e resultados concretos de construção conjunta de instrumentos de

alcance internacional. Neste sentido, a criação de organizações, como a Via

Campesina, é parte deste movimento internacionalista da classe trabalhadora

que vem sendo fortalecido neste novo milênio, como fruto de um processo de

amadurecimento, aproximação, solidariedade, e particularmente de

aprendizados coletivos através de lutas conjuntas.

Esta construção coletiva implica, necessariamente, na defesa de valores

muito caros à organização do MST, tais como a necessidade de ampliar o nível

de educação e formação, tanto da base como dos quadros da militância, o

intercâmbio de experiências e a realização de ações solidárias, que têm sido

fundamentais para o fortalecimento das lutas em conjunto diante dos

enfrentamentos que se colocam em nível internacional.

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Neste combate, a defesa dos bens ambientais se torna estratégica para

o fortalecimento das lutas em torno da soberania alimentar através da

agroecologia, onde a luta pelo controle das sementes vem se constituindo num

campo de articulação, especialmente para os sujeitos coletivos como o MST,

que possui o desafio concreto de construção de outro modelo produtivo, que

impõe um confronto aberto com o agronegócio, responsável pela violência,

exploração e expulsão de camponeses em todo o mundo.

Chamamos atenção para a relação entre a luta do MST com a histórica

questão agrária que, em nosso entendimento, não pode se desvincular da

questão ambiental, em razão da indissolúvel relação com o acesso, domínio e

uso da terra, que é um bem ambiental essencial à vida humana, que se torna

propriedade privada e mercadoria sob o domínio do capital. Neste sentido, os

desafios enfrentados pelo MST no desenvolvimento de seus assentamentos,

evidenciam sua forma de ocupação e produção na terra que se relaciona com a

defesa da reforma agrária a partir de outra concepção e forma de convívio com

a natureza, que se expressa pela agroecologia. A correlação que fazemos

entre questão ambiental e o MST se referem aos desafios concretos assumidos

desde o início, de desenvolver a produção material de sua existencia humana

se contrapondo à lógica de acumulação capitalista dominante.

A propriedade privada da terra para a produção agrícola foi abolida de

seus assentamentos, que se ampliaram com o resgate de terras para a

produção coletiva. Altvater (2010) reafirma o conceito de Fernandes sobre os

movimentos sócio-territoriais, como o MST, que com os assentamentos vem

resgatar as terras perdidas para a agricultura capitalista. A conquista e defesa

destes territórios implicaram na necessidade de organização da produção

coletiva da agricultura através de cooperativas de produção e comercialização

de produtos, mas também de construção de moradias e escolas a partir de sua

própria pedagogia.A autonomia é afirmada como um dos princípios

fundamentais do MST. A organização social, produtiva e política dos

assentamentos com base na participação coletiva, nos mostra o desafio

assumido na construção de outra forma de exercício do poder voltado para a

gestão mais democrática dos territórios dos assentamentos.

Consideramos que a salvaguarda do meio ambiente que garanta vida

digna para todos os seres humanos, passa, em primeiro lugar, pela

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compreensão de que há uma unidade e ao mesmo tempo uma dependência

entre o homem e a natureza. Nesta direção, o uso equitativo (coletivo) dos

recursos naturais, considerando a conservação da diversidade ecológica, a

partir da compreensão da natureza da qual os seres humanos fazem parte, são

elementos essenciais para a sobrevivência do planeta e da humanidade. A

busca pela soberania sobre os recursos naturais com a autogestão das

comunidades sobre o uso destes bens coletivos, com base nos seus

conhecimentos tradicionais sobre a capacidade dos ecossistemas, mesmo que

restrita à dimensão local se contrapõe ao domínio atual feito pelas empresas

transnacionais, expresso pelos processos de privatização e mercadorização da

natureza que mencionamos anteriormente. Consideramos que esta concepção

ampla de natureza que não se dissocia da cultura é algo muito caro ao

pensamento marxiano, que nos mostra que o homem é parte da natureza e

que o trabalho materializa a manifestação das forças naturais do homem.

Outra questão que destacamos na organização sócio-política deste

sujeito é o significado que é dado aos processos de educação e formação

política de seus quadros, onde a ENFF se sobressai com a formação de

quadros, especialmente os jovens, em agricultura, cooperativismo, análise

social e política, e na organização de reuniões, articulações e eventos

internacionais.

Cabe problematizar que a questão ambiental demonstra uma disputa

entre modelos de organização social e de exploração dos recursos naturais,

onde a perspectivado capitalismo verde atualmente hegemônica se apresenta,

através de um recurso ideológico, como a melhor compreensão e ação sobre a

realidade. Neste sentido, o preparo para a disputa no campo cultural, como nos

ensina Gramsci (2001) se impõe como grande desafio para as classes

dominadas, e particularmente ao MST. A formação de quadros do MST se

coloca como um exemplo histórico de luta que precisa ser compreendido e

dimensionado, como um dos elementos da construção do internacionalismo

das lutas sociais, onde a disputa de posições na sociedade civil se faz

necessária. Esta dimensão internacionalista das lutas sociais se encontra na

ação do MST, que afirma seu caráter anti-sistêmico em oposição e resistência

ao neoliberalismo, a partir da clareza de que o capitalismo é uma realidade

mundial que precisa ser combatida e superada.

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Houtart (2011, 2012, 2013) vem trazendo contribuições à necessária

construção de lutas unitárias dos setores dominados que reúnam elementos

em torno da luta anticapitalista, contemplando a edificação de outra sociedade,

através de questões relacionadas ao bem comum da humanidade. Para este

autor, a vida coletiva é constituída de quatro elementos de base, que são parte

de toda vida em sociedade, desde as mais antigas até as mais

contemporâneas: a relação com a natureza; a produção da base material da

vida; a organização social e política coletiva; e a leitura do real como auto-

envolvimento dos sujeitos na sua construção da cultura. Estas reflexões

encontram correspondência com a construção do socialismo do século XXI,

onde as alternativas passam:

Pelo reconhecimento do esgotamento da dimensão civilizatória do

capitalismo tendo em conta, principalmente o custo de sua manutenção

sobre o planeta que vem eliminando suas próprias condições de

reprodução, ameaçando de morte a sobrevivência humana;

Pela necessária (re) construção das bases materiais da vida física,

cultural e espiritual de todas as pessoas no planeta, implicando numa

revolução na concepção de economia;

Pela luta em torno da democracia para além da sua dimensão

participativa que ainda se funda numa relação desigual entre homens e

mulheres;

Pela retomada dos vínculos com a terra e a natureza, onde seja

resgatado o sentido de pertença à natureza e o sentido de coletividade.

Consideramos que estas referências se aproximam e se somam a

outras contribuições da tradição marxista, onde se destacam as produções de

Marx (1983) e Mészáros (2006), conforme nos mostram Foster e Clark (2010),

que encontram nestes autores uma síntese na afirmação de uma teoria de

transição para um sistema sustentável de reprodução sociometabólica, onde a

luta pela igualdade substantiva está intimamente relacionada com a luta pela

sustentabilidade ecológica. Nesta construção, a igualdade substantiva se

coloca como essencial para a ruptura do isolamento social e da alienação

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constitutivos das relações sociais capitalistas, e a sustentabilidade ecológica

requer a ultrapassagem da alienação em relação à natureza.

Para Foster e Clark (2010), nesta visão dialética e universal

proporcionada por Meszaros (2006), a luta por um sistema de metabolismo

social e ecologicamente viável, é indissociável de um processo revolucionário

de amplo alcance, requerendo ainda para sua constituição, o controle social,

considerado como elemento essencial para consolidar as transformações

necessárias à constituição de uma ordem metabólica socialista.

Estes autores, ao discutirem a luta pelo socialismo neste século XXI, a

partir de Marx e Mészaros(2006), destacam que o “triangulo elementar do

socialismo” se constitui de: 1- propriedade social; 2- produção social

organizada pelos trabalhadores e 3- satisfação das necessidades comunais, e

está diretamente relacionado com o que pode ser denominado “triangulo

elementar da ecologia” que abrangeria: “1-uso social da natureza e não

propriedade privada sobre a natureza; 2-regulação racional do metabolismo

entre seres humanos e natureza pelos produtores associados; e 3- a satisfação

das necessidades comunais – não apenas da presente, mas também das

futuras gerações. Assim, para os autores estes triângulos se encontram e se

fundem num só.

É importante ressaltarmos o destaque que os autores dão à reflexão

sobre os elementos necessários para a construção do socialismo, onde a

contribuição de Meszaros (2006) é incisiva na defesa de que o alcance de uma

relação mais ecológica é parte indispensável e até mesmo definidora, mesmo

que seja apenas uma parte, da construção de uma nova ordem social

qualitativamente nova voltada ao atendimento das genuínas necessidades

humanas. Assim, a falha no metabolismo ecológico exige que a falha no

sociomentabolismo seja superada.

Neste mesmo direcionamento, Altvater (2010) argumenta que o limite

das energias fósseis que movimenta a máquina do capital é um bloqueio real e

objetivo à continuidade do capitalismo, da forma como ele se estrutura hoje.

Portanto, o limite da natureza se ergue como uma barreira para o capital, pois

mesmo com todo investimento na busca incessante de novas tecnologias, a

partir de outras fontes energéticas, ainda não conseguiu deixar de necessitar

visceralmente do petróleo.

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Com estes questionamentos, chegamos a um entendimento (que ainda

é preliminar) de que o término das energias fósseis não é apenas um limite

exterior, mas é parte constitutiva do modo de funcionamento do capitalismo

atual, e para este limite, o capital ainda não encontrou solução de substitutivos

energéticos alternativos. O que estamos querendo argumentar é que este limite

externo do término do petróleo (que é um elemento da natureza) ativa, como

fala Mészaros (2006, 2007), os limites à continuidade da própria lógica

produtivista do capitalismo. Sendo assim, o esgotamento energético faz parte

de uma questão mais ampla, que é o esgotamento da própria forma civilizatória

capitalista.

Vivemos um momento sem precedentes na história da humanidade, com a emergência conjugada de três crises: a crise energética, a crise alimentar e a crise climática. Estamos no limiar de esgotar a era dos combustíveis fósseis (baseados no carvão mineral e no petróleo) que representou o sustentáculo energético do modelo de sociedade capitalista-consumista existente nos últimos 200 anos. [...] O modelo produtivo agroecológico, diversificado e poupador de insumos, se coloca claramente em oposição a esse modelo dominante, controlado pelo agronegócio e que se utiliza fortemente de energias fósseis. A agroecologia se baseia no aprendizado com a natureza, de forma a debater as relações presentes na tecnologia utilizada, a fim de potencializar os efeitos naturais de fertilidade, complexidade e produtividade ecossistêmica. (MST 2009-2010, p.12-13)

Pensamos que a maior contribuição da discussão trazida por Altvater

(2010) é a objetivação, a materialização da inviabilidade do capitalismo (a partir

desta real congruência trinitária) de se manter como modo civilizatório. E em

razão disto, fica patente a urgência de construção de outro modo de sociedade

que se liberte desta incongruência, de por um lado, se mover para a busca da

produção ilimitada e do lucro, e por outro, não conseguir manter este ritmo sem

comprometer a condição humana de sobrevivência. Como viveremos sem o

petróleo que move todo o deslocamento de pessoas e mercadorias e que faz

andar os veículos de transporte e as máquinas utilizadas na produção, é uma

questão para a qual não se tem respostas claras. Dentre as possibilidades

almejadas estão a descobertas de novas tecnologias que permitam acessar

privadamente novas formas de energia, ou converter a energia nuclear já

existente, por exemplo, eliminando ou mesmo minimizando custos e riscos.

Dentro do sonho delirante do capital, tudo pode ser convertido em meio de

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lucro. Mas quaisquer que sejam as possibilidades, elas ainda não estão

construídas.

Mas pensando em algo muito mais elementar para a espécie humana,

do que o próprio petróleo, que é a necessidade de alimentação, podemos

ponderar que a agricultura foi construída com os dois elementos essenciais

para produzir qualquer coisa que a humanidade necessita, em qualquer tempo

histórico, que é natureza e trabalho. E esta atividade pode e deve (até por uma

questão de sobrevivência humana) se desvencilhar desta dependência do

petróleo, desta racionalidade européia do industrialismo, e da forma social

construída pelo capital.

Altvater (2010) nos traz reflexões importantes também sobre a crise do

capitalismo chamando atenção para o fato de que a economia de mercado

atravessa uma crise financeira, mas também expressa outras crises

constitutivas da própria natureza do capital, a partir do uso que faz dos

recursos naturais, e principalmente da utilização das energias fósseis que

geram graves problemas de abastecimento, mudanças climáticas e ampliam a

situação estrutural de fome e miséria. Para ele, estas diversas crises que não

ganham a mesma notoriedade e preocupação que a crise financeira pode

custar muito mais que o socorro aos bancos, uma vez que a insustentabilidade

do capitalismo aponta para o seu fim, tal como o conhecemos. Ao analisar o

capitalismo contemporâneo, este autor ressalta, assim, as contradições

advindas do metabolismo social com a natureza.

O que nos inquietou, a partir da análise de Altvater (2010) sobre a lógica

de acumulação do capital, de seus elementos constitutivos como a extração de

mais-valia absoluta e relativa, desenvolvimento tecnológico contínuo, e outros,

e suas inerentes contradições, como a superprodução e a geração de crises

sucessivas, é a afirmação de que o capitalismo não encontra limite interno,

mas o limite externo está posto concretamente na fase atual. A sustentação

desta conclusão vem da própria compreensão do funcionamento do capitalismo

a partir das categorias valor, mercadoria e dinheiro, e sua base anti-social e

destrutiva, seguindo a tradição marxiana. Mas o destaque de sua análise é que

a trindade de formas capitalistas (baseadas no lucro e na concorrência),

racionalidade européia (que assume feições materiais na indústria moderna) e

fontes fósseis de energia (o petróleo, que é o combustível da indústria) atingem

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seu limite, pois a aceleração dos processos econômicos e sociais gera “becos

sem saída na destruição da natureza” e também tem como conseqüência “o

imenso aumento da desigualdade no mundo” (ALTVATER, 2010, p.123).

Ao discutir o crescimento lubrificado com petróleo também levanta um

aspecto ideológico essencial do capitalismo, uma vez o crescimento ilimitado

se transforma em fetiche, pois o crescimento econômico traz consigo crises

financeiras e destruição da natureza, mas é utilizado como base para um

“discurso de dominação, que, no entanto, também convence os dominados”

(ALTVATER, 2010, p.157).

Mesmo que a natureza seja uma fronteira externa, Altvater (2010, p.

335-336) também reconhece a relação essencial que esta estabelece com o

funcionamento do capitalismo.

Contudo, essas fronteiras estão, conforme já ressaltamos várias vezes, interiorizadas na relação capitalista com a natureza e, por conseguinte, tão inerentes ao capitalismo como as contradições sociais resultantes do vínculo de trabalho assalariado. As reservas de petróleo, em vias de desaparecimento, poderão desestabilizar o mecanismo de reprodução do capitalismo.

Seguindo o pensamento de Marx (1983), concordamos que, para o

capital, a natureza é um limite externo e, por isso, considerado um obstáculo a

ser superado ou uma barreira a ser franqueada. No entanto, nossos

questionamentos (que não representam uma posição fechada, ao contrário,

colocam nossas dúvidas) vêm das reflexões de Mészaros (2007) que nos

alerta, com Marx, que a natureza é a base material que sustenta toda a vida e

que possui suas próprias leis, suas particularidades, não se constituindo uma

extensão da sociedade e nem o contrário. Por isso nos mostra, que o capital

tenta relativizar algo absoluto, que é a própria natureza com suas leis

características, não totalmente conhecidas e dominadas pela natureza humana

e, absolutiza algo que é relativo, ou seja, o sistema de produção e dominação

capitalista, que como qualquer construção histórica humana, é transitória. E

esta relação, construída e sustentada pelo capital, segundo Mészáros,

[...] é muito pior do que jogar roleta russa. Pois carregam consigo a certeza absoluta da autodestruição humana no caso de o corrente processo de reprodução sociometabólica do capital não ser levado a um fim definitivo no futuro próximo, enquanto ainda houver tempo para tal (2007, p. 28).

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Diante deste contexto de crise estrutural do capital e de suas

manifestações contemporâneas, entendemos que várias frentes de luta e

enfrentamento se constroem por parte dos movimentos sociais. Na direção dos

objetivos deste trabalho, entendemos que a construção de uma alternativa

agroecológica é uma destas frentes e, como teremos a oportunidade de

analisar nos itens seguintes deste capítulo, vem sendo potencializada e

fortalecida pelas ações do MST.

3.2. Questão ambiental no MST: potencialidades e desafios para sua

politização na construção da agroecologia

3.2.1A constituição do MST e sua aproximação com a questão ambiental:

da gênese aos anos 2000.

Para fundamentarmos a contribuição do MST no campo ambiental,

mesmo considerando que este não é um sujeito que se vincula classicamente

ao ambientalismo, encontramos em Martinez Alier (2014) um suporte para esta

análise a partir da corrente23 que ele denomina “ecologismo popular”,

“ecologismo dos pobres” ou “justiça ambiental”24.

O eixo principal desta terceira corrente não é uma reverência sagrada à natureza, mas, antes, um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para sua subsistência; não em razão de uma preocupação relacionada com os direitos das demais espécies e das

23

MARTÍNEZ ALIER (2014) identifica também outras duas correntes, sendo que a primeira

seria de um “culto ao silvestre” ou “à vida selvagem”, preocupada “com a preservação da natureza silvestre sem se pronunciar sobre a indústria ou a urbanização, mantendo-se indiferente ou em oposição ao crescimento econômico, muito preocupado com o crescimento populacional e respaldado cientificamente pela biologia conservacionista.” A segunda seria o “credo da ecoeficiência, preocupado com o manejo sustentável ou ‘uso pudente’ dos recursos naturais e com controle da contaminação, não se restringindo aos contextos industriais, mas também incluindo em suas preocupações a agricultura, a pesca e a silvicultura. Esta corrente se apóia na crença de que as novas tecnologias e a internalização das externalidades constituem instrumentos decisivos da modernização ecológica. Esta vertente está respaldada pela ecologia industrial e pela economia ambiental” (p. 38-39) 24

Somos concordantes com as observações de LOUREIRO; BARBOSA &ZBOROWSKI (2009), sobre a existência de diferenças na origem dos termos “ecologismo dos pobres” e “justiça ambiental”. “Enquanto o primeiro surge no ambiente rural terceiro-mundista e é considerado atualmente mais difuso e estendido em nível mundial, o segundo está relacionado principalmente à realidade urbana estadunidense, estando ligado inicialmente a casos locais de

racismo ambiental.” (p. 83)

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futuras gerações de humanos, mas, sim, pelos humanos pobres de hoje. Essa corrente não compartilha os mesmos fundamentos éticos (nem estéticos) do culto ao silvestre. Sua ética nasce de uma demanda por justiça social contemporânea entre humanos. [...] Esta terceira corrente assinala que muitas vezes os grupos indígenas e camponeses têm co-evolucionado sustentavelmente com a natureza e têm assegurado a conservação da biodiversidade. (p. 34)

Problematizando a entrada da questão ambiental no processo de

constituição e territorialização do MST, é fundamental resgatar historicamente

os desafios ambientais que este sujeito enfrenta para concretizar seu objetivo

principal que é a luta pelo acesso e controle de um recurso natural fundante

para a vida humana, que é a terra. Na leitura do movimento, construída

historicamente, a terra é um bem ambiental, apropriado e explorado de modo

injusto e violento, pelas transnacionais do monocultivo, que vem realizando

uma verdadeira destruição ambiental, envenenando e esterilizando o solo.

Martinez Alier(2014) nos ajuda a analisar a aproximação do MST com a

questão ambiental, pois suas elaborações explicam que os movimentos

camponeses também são movimentos relacionados ao meio ambiente, uma

vez que considera os questionamentos em torno da distribuição dos bens

ambientais que, no caso do MST, é, em primeiro lugar, a crítica à distribuição

desigual da terra, que faz com que a luta pela reforma agrária seja ao mesmo

tempo uma luta social e ambiental. Consideramos que a maior contribuição de

Martinez Alier (2014) para analisarmos um movimento tão original como o

MST, se refere à crítica que faz à caracterização dos movimentos sociais, que

se dividem em clássicos e novos movimentos sociais.

Este autor nos mostra a ascensão de um movimento político chamado

neonarodnismo ecológico ou ecoagrarismo, onde situa a Via Campesina, que

se relaciona fortemente com a agroecologia e com a economia ecológica, “que

insistem em afirmar que o aumento da produtividade agrícola, tal como

geralmente é contabilizado, não levam em consideração os impactos

ambientais. A luta política explica mais que a adaptação funcionalista”

(MARTINEZ ALIER, 2014, p.112).

Antes de realizarmos esta análise específica sobre o MST, é preciso

considerar alguns elementos mais gerais sobre o estudo dos movimentos

sociais, a partir da contribuição da geografia crítica, destacando a relevância

dos conflitos. Tal estudo, acreditamos, abre possibilidades teóricas e políticas

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fundamentais, pois as relações sociais são também relações de poder. Os

movimentos sociais lutam, no interior de sua dinâmica política, pela conquista

de mais espaços. Assim, o lugar e o espaço, nas suas diversas escalas,

manifestos nas suas lutas sociais, resguardam relações de conflito e embate

entre seus protagonistas. A incorporação do conflito, como dimensão instituinte

da vida social, favorece a possibilidade de surgimento e reafirmação de novos

protagonistas na vida política. A aproximação entre o estudo de conflitos e

movimentos sociais é um campo aberto e fecundo, principalmente para a busca

de alternativas criativas para que a América Latina possa superar seu quadro

tão histórico quanto atual, de desigualdades sociais (PORTO-GONÇALVES,

2004).

Os movimentos sociais têm a potencialidade de colocar em questão,

através da sua própria existência, tanto as contradições presentes no espaço-

tempo, quanto àqueles conflitos envolvidos nessa realidade. O contexto da

segunda metade dos anos 1980 nos mostra que, o próprio cenário político,

incerto e inquietador, abre muitas possibilidades de mudanças, que os

movimentos sociais vêm buscando construir através da própria conflitividade

social (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Porto-Gonçalves (2006-b) ao abordar a reinvenção do território, a partir

de perspectivas emancipatórias para a América Latina e Caribe, ressalta os

seus protagonistas na constituição desse sistema-mundo moderno-colonial,

tanto porque permitiram que a Europa se afirmasse como centro do mundo,

quanto pela sua capacidade de rebeldia e resistência. A estratégia do

pensamento conservador de desqualificação, cooptação e/ou criminalização

dos movimentos sociais que contestam a ordem estabelecida, tomada como a

única possível, é reveladora do potencial crítico desses movimentos sociais

que contestam e reivindicam uma nova ordem, a qual pressupõe novas

relações socialmente instituídas, entre lugares.

Nesta direção, podemos afirmar que o MST tem como um dos seus

objetivos principais a conquista da terra para quem nela trabalha. E este

objetivo é buscado, primeiramente, através da ocupação da terra, que parte de

um movimento de resistência e defesa dos interesses dos trabalhadores, que é

a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e

reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas

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voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a conquista de

políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania. Os trabalhos de

base acontecem por meio da construção do espaço de socialização da política.

Sendo assim, a ocupação é uma forma de luta popular de resistência do

campesinato para sua recriação e criação. A ocupação desenvolve-se,

portanto, nos processos de espacialização e territorialização, quando são

criadas e recriadas as experiências de resistência dos sem-terra

(FERNANDES, 2001).

Porto Gonçalves (2006-b, p. 171-172) destaca duas dimensões

territoriais da ação política do MST: "a mobilização e recrutamento de

populações sub-urbanizadas que constituem um universo sócio geográfico de

enorme importância não só no Brasil, como no mundo todo. O MST é o

primeiro movimento social que tenta inverter o fluxo migratório que vinha se

fazendo em direção às grandes aglomerações". E a segunda dimensão, junto

com a Via Campesina "diz respeito à urbanização da questão agrária por meio

da politização do debate técnico". Neste sentido, o debate sobre os

desequilíbrios ecológicos causados pela monocultura (especialmente de

eucaliptos) e a luta pelo controle das sementes, resguarda um lugar ainda mais

destacado, que vem ensejando inclusive o estabelecimento de conflitos, com

imenso potencial de politização da questão ambiental no Brasil e na América

Latina. Martinez Alier (2014, p.320) também destaca esta primeira dimensão

territorial analisando que “o MST tem auspiciado migrações de retorno da

população dos bairros urbanos periféricos rumo aos novos assentamentos

rurais”.

Foi a luta incessante pela autonomia política que muito contribuiu para a

espacialização e a territorialização do MST pelo Brasil. As lutas por frações do

território - os assentamentos – representam, portanto, um processo de

territorialização na conquista da terra, de trabalho contra a terra de negócios e

de exploração.A perspectiva de territorialização está relacionada com sua

forma de organização sócio-política. Quando contemplam objetivos mais

amplos, inserem-se no processo de luta, promovem espaços de socialização

da política para a formação de novas lideranças e experiências, contribuem

para o desenvolvimento da forma de organização, espacialização e

territorialização (FERNANDES, 2000; 2001).

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O acampamento é lugar de mobilização constante. Além do espaço de

luta e resistência, se constitui também como espaço interativo e comunicativo.

Entre o tempo de acampamento e a conquista do assentamento (que configura

a territorialização), desenvolve-se a espacialização. Os movimentos sócio-

territoriais realizam a ocupação por meio do desenvolvimento dos processos de

espacialização e territorialização da luta pela terra. Ao espacializarem o

movimento, territorializam a luta e o movimento. Esses processos são

interativos, de modo que a espacialização cria territorialização e é reproduzida

por esta. A ocupação é, portanto, um processo sócio espacial, é uma ação

coletiva, é um investimento sócio-político dos trabalhadores na constituição da

consciência da resistência no processo de exclusão (FERNANDES, 2000;

2001).

A partir destas observações gerais, podemos iniciar nossas análises

mais específicas com uma retomada de sua formação histórica e dos desafios

que, desde sua origem, vem colocando o MST em debate direto com a questão

ambiental e com a agroecologia. Criado em 1984, o movimento tem sua

trajetória marcada por três objetivos centrais: o acesso a terra, a reforma

agrária e a transformação da sociedade, que foram buscados inicialmente

através da estratégia das ocupações de terras por famílias inteiras,

caracterizando um movimento de resistência e defesa dos interesses dos

trabalhadores, em torno das seguintes questões

[...] a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a conquista de políticas públicas destinadas aos direitos básicos de cidadania (FERNANDES, 2001, p. 53)

Uma importante condição para o avanço da luta pela terra é a

organicidade dos movimentos sociais. Esta é representada pela interação entre

as distintas atividades do MST e pela expressão do acúmulo de forças, na

espacialização e territorialização. No MST, esta organicidade é representada

na manifestação do poder político e de pressão que os sem terra possuem no

desenvolvimento da luta, tanto para conquistar a terra, quanto para as lutas

que se desdobram neste processo.

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A expansão do Movimento, em seus primeiros anos de existência, foi

demandando sua organização interna e se deu de forma histórica, a fim de

tornar sólida a base em que se desenvolveria. Assim, foi construindo a sua

própria forma de se organizar, a partir de sua luta cotidiana e de experiências

vividas pelos sem terra. Devido à dinâmica do MST, foram sendo criados

setores, frentes, comissões, coletivos, dentre outros, a fim de suprir demandas

postas. A organização do Movimento vai desde princípios organizativos, que

compreendem valores, trabalho, informação, até a organização estrutural em

setores, direção e coordenações. O MST tem como princípios fundamentais:

direção coletiva, divisão de tarefas, planejamento, crítica e autocrítica, estudo e

vinculação permanente com as massas, que visam nortear toda e qualquer

ação do Movimento (MST, 2005). Além destes princípios, foram estabelecidas

também formas prioritárias de organização, através de um método de trabalho

que prioriza o trabalho de base, as lutas de massa, a prática de valores, a

educação, a formação política e ideológica, a democracia participativa e a

autonomia financeira.

As instâncias organizativas do Movimento se materializam nos

Congressos Nacionais, instância máxima do Movimento, que reúne

massivamente seus militantes para fixar as linhas políticas de atuação,

mobilizar-se em prol da reforma agrária e também para propiciar espaços de

organicidade, alianças e confraternização da classe trabalhadora. Além disso,

se constroem também nos Encontros Nacionais, onde são definidas as

plataformas das lutas de acordo com a conjuntura e necessidade do

movimento. À Coordenação Nacional, cabe encaminhar as resoluções

aprovadas no Congresso e no Encontro Nacional; tomar decisões políticas de

caráter nacional, que afetam o Movimento e também implementar questões

orgânicas nos estados e regionais. A Direção Nacional, por sua vez, tem como

função garantir as linhas políticas, a unidade do Movimento e as definições

tiradas nos Congressos e Encontros; além de planejar e propor estratégias e

táticas à Coordenação Nacional; desenvolver estudos e soluções às suas

necessidades políticas e práticas; garantir a atuação dos setores e coletivos

nacionais, elaborar métodos de trabalho, organizações e lutas e promover a

formação política.

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As Coordenações Regionais promovem reuniões em todas as regiões do

país, com pauta definida pela Direção Nacional, tendo em vista a unidade

nacional das discussões e encaminhamentos. Nas instâncias estaduais, sua

estrutura organizativa é similar a nacional, isto é, tem as instâncias do Encontro

Nacional, Coordenação Estadual, Direção Estadual, Setores e Coletivos.

É importante ainda destacar que o Movimento se organiza nos Núcleos,

enquanto instâncias de base, onde todos os membros participam. Cada Núcleo

tem um coordenador e uma coordenadora e realizam estudos mensais. O

Núcleo é um espaço de discussão sobre as preocupações que afetam as

famílias, as instâncias e atividades estaduais e nacionais, a fim de fazer os

encaminhamentos (MST, 2005).

Em razão dos limites e das opções teórico-metodológicas para o

desenvolvimento deste trabalho, nosso foco neste momento de análise será

nos setores de Produção, Cooperação e Meio Ambiente; Formação e

Educação, os quais têm objetivos delimitados e ações fundamentais no que se

refere à politização da questão ambiental.

Sobre o primeiro, é importante demarcar que o mesmo foi resultado,

como teremos a oportunidade de desenvolver melhor na continuidade deste

capítulo, dos processos de maior e melhor compreensão dos limites do modelo

de produção imposto pelo capital e da necessidade de organização de uma

proposta alternativa, onde o tema central deste trabalho, a agroecologia,

passou a ter um papel decisivo. Podemos dizer que a organização da produção

agrícola, para o MST, se fundamenta em princípios que ultrapassam a questão

produtiva e demarcam um posicionamento político:

Não separar nas lutas pela terra e pela reforma agrária a dimensão econômica da dimensão política; a luta não termina com a conquista da terra, ela continua na organização simultânea da cooperação agrícola e das ocupações; investir sempre na formação dos sem terra e dos assentados para a sua qualificação profissional, tendo em vista as transformações da estrutura produtiva (MORISSAWA, 2001, p. 206).

Nesta perspectiva, tornou-se necessário pensar o meio ambiente, de

forma articulada ao processo de produção e de cooperação agrícola:

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‘O assentamento é o renascimento da vida humana e da natureza' e por esta razão o MST tem estimulado a prática agroecológica, desenvolvendo uma nova forma de produzir que não prejudique o ser humano nem a natureza. Desde o ano de 1998 que a CONCRAB tem implementado diversas atividades relacionadas com o meio ambiente, com a promoção de uma ampla discussão nos assentamentos sobre como preservar os recursos naturais, o estímulo a campanhas de plantio de árvores e reflorestamento, a realização de estudos para sistematizar experiências de preservação do meio ambiente para servir de intercâmbio entre os assentados e difusão na sociedade, seminários de integração com outras entidades a fim de aproximar as teses ambientalistas com as da reforma agrária. [...] O MST inovou na produção das primeiras sementes orgânicas de hortaliças no país [...] produzidas pela primeira vez sem a utilização de nenhum tipo de agrotóxico ou insumo químico [...] O MST tem atuado na defesa da natureza não apenas implementando a agroecologia, mas também realizando mobilizações nos âmbitos nacional e internacional, contra o uso de métodos agrícolas que coloquem em risco a vida do planeta (MST, 2003, p. 10).

No que se refere ao setor de Formação, podemos perceber que, desde

sua origem, o MST tem se defrontado com a necessidade de garantir um amplo

processo de formação política para o seu quadro de militantes, desde a base

acampada e assentada até seus dirigentes nacionais. No início, as parcerias

para este processo de formação ocorriam com o movimento sindical e

entidades de educação popular e, posteriormente, o movimento visualiza

outros sujeitos, como as universidades públicas, como também importantes e

estratégicas para garantir a formação política e ideológica de seus membros.

Quanto a este setor, é importante demarcarmos que a concepção formativa é

visualizada, pelo MST, como processo permanente e sistemático, que visa

capacitar os militantes para o desenvolvimento de atividades concretas de

acordo com os objetivos do movimento, para que possam intervir na realidade

em que vivem, tendo como fim a transformação da mesma. Tem como

direcionamento fortalecer a unidade política e ideológica do Movimento, na

formação da consciência político-organizativa e na superação de desafios

postos pela realidade, tendo como referência a prática social do sem terra.

Com isto, no projeto de formação política e ideológica do movimento,

preconiza-se como necessário o acesso ao conhecimento científico, para que

seja efetivada a compreensão, orientação, crítica e reorientação da prática. A

sua abrangência inclui diferenciados momentos e formas distintas,

extrapolando os cursos de formação.

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[...] a formação também se coloca como um desafio, mesmo sendo um elemento importante, esbarra na dificuldade econômica para a mobilização dos participantes. Por isso, faz-se necessário pensar a educação como um processo permanente, com vinculação com as lutas e mobilizações (ZANOTTO, 2005, p. 53).

O Setor de Educação trabalha a educação na perspectiva da

transformação da sociedade, assumindo, para tanto, várias bandeiras dentre as

quais destacamos: direito à educação básica e construção de uma escola que

contemple uma pedagogia, uma metodologia e práticas educativas adequadas

à realidade do meio rural e dos assentamentos; as escolas dos assentamentos

devem ser públicas e de qualidade, visando também o desenvolvimento

cultural, não se restringindo à atuação em sala de aula. Além disto, direciona

seus esforços para a capacitação dos professores; o respeito à prática dos

educandos; a combinação metodológica entre os processos de ensino, de

capacitação e de trabalho; a gestão democrática e auto organização dos

estudantes. Além das escolas nos assentamentos, o MST inova com as

escolas itinerantes, que são aquelas localizadas nos acampamentos,

vinculadas à luta pela terra, com a característica de se deslocarem conforme a

necessidade do movimento.

Acreditamos que, no decorrer deste capítulo, poderemos explicitar

melhor a importância destes três setores para a politização da questão

ambiental e a construção da agroecologia como estratégia do movimento.

Diferentes periodizações sobre o MST foram elaboradas ao longo dos

seus trinta anos de existência. Adotaremos aqui os referenciais de Fernandes

(2000, 2001), por entendermos que estes nos ajudam a compreender com mais

elementos as possibilidades e os desafios para a incorporação da temática da

questão ambiental e da agroecologia de forma mais particular.

Foi no decorrer do período compreendido entre 1984 e 1989 que o MST

iniciou seu processo de territorialização pelo Brasil, intensificando o processo

de formação do campesinato. Desta forma, o impacto político causado pelas

ocupações de terra transformou os sem-terra nos principais interlocutores no

enfrentamento com o Estado, na luta pela terra, na construção de uma

proposta inovadora de reforma agrária e, posteriormente, na crítica ao modelo

agrícola convencional e na defesa da segurança alimentar (FERNANDES,

2001).

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Neste período, o Governo Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma

Agrária, o qual cumpriu apenas 6% de suas metas. Com a formação da

Assembléia Nacional Constituinte, constitui-se a bancada ruralista, a qual

passa a atuar em 3 frentes: bancada ruralista no Parlamento, braço armado e a

mídia. A Constituição de 1988, por sua vez, expressa uma conquista dos

movimentos sociais, no que se refere à inclusão do artigo 184, que define que

toda propriedade deve cumprir a “função social da terra”. Este é um período de

fortalecimento da estrutura interna do MST e de sua autonomia, onde se dá a

escolha e defesa de seus símbolos, como a bandeira e o hino do movimento.

Através da análise dos congressos nacionais do MST, destacamos suas

linhas políticas, procurando identificar como a proposta de reforma agrária veio

sendo construída e modificada, e sua relação com o fortalecimento da defesa

do meio ambiente no interior do movimento. Observa-se, através dos

documentos consultados e dos lemas adotados, algumas mudanças nas linhas

políticas de atuação e a adoção de estratégias que demonstram o seu

processo de amadurecimento, fortalecimento, resistência e ofensiva.

O período que cobre os dois primeiros congressos do MST, 1985, sob o

lema: ”Ocupar é a única solução” e 1990, ”Ocupar, resistir, produzir”,

corresponde ao desafio assumido pelo movimento de se organizar

internamente e continuar seu processo de territorialização, através da defesa

da estratégia de ocupação, como ferramenta legítima dos trabalhadores na luta

pela reforma agrária. Herdada de práticas anteriores de luta pela terra, esta

estratégia traz um elemento político novo, que se refere ao fato de serem feitas

por toda a família camponesa, que se transforma num campo de força.

Cabe destacar que, já no I Congresso Nacional do MST (1985),

"percebe-se uma inclinação favorável aos temas de preservação ambiental",

sendo deliberado que “o governo federal deveria garantir que a produção a ser

realizada nos assentamentos respeitasse esta preservação. Além disto, outro

evento importante foi o I Encontro Nacional de Agricultores Assentados,

também em 1985, quando foi solicitado pelos assentados que o "governo

fornecesse sementes para a adubação verde; que os técnicos fossem

escolhidos pelos assentados; que a assistência técnica estimulasse formas

alternativas de produção, menos dependentes do capital" (COSTA NETO e

CANAVESI, 2003, p. 208).

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O governo Collor, iniciado em 1990, caracteriza-se por sua clara postura

anti-reforma agrária, uma vez que se coloca como aliado dos ruralistas. Como

resultado desta ofensiva contra a reforma agrária, percebemos o aumento da

repressão, de despejos violentos, de assassinatos e de prisões de sem-terra. O

início da década de 1990 é marcado também pelo desaparecimento de

unidades de produção familiar camponesa. Isto implica na busca de trabalho

assalariado fora da propriedade, resultando em migrações de trabalhadores

rurais para pequenas cidades e para a periferia das metrópoles. Este é um

período de descenso para as lutas populares e sindicais, tendo como exceção

a ação dos estudantes no processo de impeachment do presidente Collor.

Destaca-se, neste período, a realização do II Congresso Nacional, em

1990, cujo lema “Ocupar, Resistir, Produzir” refletia os debates sobre os

desafios políticos enfrentados pelo Movimento, que fizeram com que o mesmo

voltasse seus cuidados para sua organização interna, o fortalecimento dos

setores e a organização interna dos assentamentos e acampamentos.

Além disto, era preciso buscar autonomia política e financeira e elaborar

uma proposta política e organizativa para o setor de produção, investindo na

produção coletiva dos assentamentos, que possuíam enormes problemas e

desafios ambientais, tendo como principais a degradação/ contaminação do

solo e a insuficiência, esgotamento ou mesmo ausência de recursos hídricos.

Também nas suas iniciativas de territorialização, através dos assentamentos,

vários problemas ambientais foram geradores de embates com o pensamento

ambientalista preservacionista, como o de correlacionar o assentamento à

degradação ambiental.

Nos anos 1990, a ênfase do MST foi na cooperação através do

surgimento de cooperativas regionais. Esse é um momento de consolidação,

territorialização dos primeiros assentamentos e do surgimento das

Cooperativas de Produção Agrícola - CPAs. É importante dizer que mesmo

com o esforço envidado pelo MST para a organização da produção da

agricultura através da cooperação, não foi possível deixar de reproduzir o

modelo de agricultura capitalista, considerando inclusive o atrelamento do

repasse de crédito individual à adoção do pacote tecnológico hegemônico.

No entanto, permanece a reprodução do modelo de agricultura

convencional com o repasse de crédito individual através do Programa

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Especial de Crédito para a Reforma Agrária - PROCERA, que começa a se

esgotar. A criação da Confederação de Cooperativas de Reforma Agrária do

Brasil - CONCRAB, expressa a preocupação com o desenvolvimento

econômico e social nos assentamentos e com o modelo de cooperação,

criticado tanto interna como externamente por seu produtivismo. Sua atenção

central se deteve na construção de outras estratégias produtivas nos

assentamentos, através da adoção das primeiras experiências de produção

alternativa.

A importância dada pelo MST à organização em cooperativas se

relaciona à forma como pauta a questão do trabalho coletivo. Pela sua

capacidade de desenvolver e fortalecer os sentimentos de solidariedade e

cooperação possibilita pautar a necessidade de novas relações sociais, não

mais baseadas no individualismo e na competição, mas fundadas na

colaboração e na clara compreensão do que distingue o bem comum do bem

individual, o espaço público do privado. Estes elementos podem ser facilmente

relacionados com temáticas que se referem à questão ecológica, como, por

exemplo, a necessidade de se preservar os alimentos naturais e a importância

na inovação de leis que regulam as patentes sobre o material vivo e os

organismos. Nessa convergência, se conjugam biodiversidade, segurança

alimentar e equilíbrio natural.

O movimento se preocupa também em investir na produção coletiva dos

assentamentos. É um período de grandes transformações na agricultura,

principalmente a partir da década de 1990, com o desenvolvimento do

neoliberalismo que traz como conseqüência, o atrelamento desta ao capital

internacional, representado pelas empresas transnacionais, que conseguem

impor as sementes transgênicas. É um período de alta complexificação da

agricultura que entra definitivamente em uma nova fase.

A eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, vem fortalecer o

desenvolvimento deste projeto neoliberal, que estabelece um processo de

sucateamento da estrutura do Estado, ocorrendo a privatização de várias

empresas estatais e a desnacionalização da economia. A política agrícola se

volta, com muito mais intensidade, para o mercado internacional, constituindo,

também, o período de imposição dos transgênicos e a ênfase na monocultura

de soja para exportação.

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Na segunda metade da década de 1990, segundo Fernandes (2001), em

alguns estados, o MST começou uma experiência que denominou de

acampamento permanente ou acampamento aberto. Entre o tempo de

acampamento e a conquista do assentamento, ampliava-se o processo de

territorialização e desenvolvia-se a espacialização, contando com o

protagonismo da formação e da educação como setores fundamentais para

estas ações.

Neste segundo momento de sua história, podemos identificar uma

perspectiva, dentro do MST, de buscar novas articulações e novos processos

de alianças com o conjunto da classe trabalhadora. Neste sentido, também

participou de grandes debates, discutindo o modelo de desenvolvimento

econômico, buscando alianças internacionais para apoiar suas causas,

estimulando a articulação entre movimentos sociais que lutam por terra em

diversos países. Dessa forma, tornou-se uma das principais forças

impulsionadoras da Via Campesina, criada em 1992 (MEDEIROS In MOTTA,

2005).A perspectiva internacionalista passa a marcar mais fortemente a

identidade do Movimento, através do estabelecimento de relações baseadas

em necessidades, como a de conhecer outras realidades e organizações

camponesas, a criação de laços em comum com os trabalhadores e o

estabelecimento de relações de parceria política com agências de cooperação.

Por essa trajetória, o MST passa a ser uma importante referência na região,

defendendo a necessidade de comunicação, solidariedade, formação e o

fortalecimento da articulação com a Coordenadoria Latino americana de

Organizações Camponesas (CLOC), criada em 1994, e mundialmente, com a

Via Campesina.

Ao adotar o lema "Reforma Agrária: uma Luta de Todos", no III

Congresso (1995) o MST buscou desenvolver a estratégia de aproximação

campo e cidade trazendo para toda a sociedade o debate em torno da

importância e necessidade da reforma agrária. O MST "propôs um novo tipo de

reforma agrária, com o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao Brasil,

preservando e recuperando os recursos naturais com base na produção

familiar" (COSTA NETO e CANAVESI, 2003, p. 208). Neste contexto, a

estratégia de ocupações teve que ser afirmada e defendida, como instrumento

legítimo para a conquista dos objetivos postos pelo movimento.

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Os massacres de trabalhadores rurais sem-terra em Corumbiara,

Rondônia, em 1995, e em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996, onde

foram assassinados 21 sem-terra, são demonstrativos da resposta dada pelo

Estado à luta pela terra que se materializava através de algo intolerável para as

classes dominantes e, particularmente, para os grandes proprietários de terra,

as ocupações. É também importante atentar para o fato de que o MST passa a

ser reconhecido ou a se colocar como um sujeito coletivo político legítimo na

luta pela terra. Neste sentido, é inegável o impacto político causado pelas

ocupações de terra e pela conquista de assentamentos em todo Brasil.

Além disso, dentro da perspectiva de avançar na luta articulada com

outros espaços de organização das classes trabalhadoras e de receber apoio

na sociedade diante do contexto adverso para as lutas sociais no campo, o

MST realiza o chamamento à articulação campo-cidade, buscando, no espaço

urbano, a referência para o apoio à reforma agrária. Tal decisão representou

um esforço no processo de urbanização do tema da reforma agrária e da luta

pela terra, através da disputa também na cidade.

Neste sentido, ocorre a retomada de um recurso estratégico para o MST,

que são as marchas, as quais atraem a atenção de todo o país. A marcha de

1997, cujo lema foi “Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária”,

programou sua chegada para o dia 17 de abril, quando completava um ano, do

massacre de Eldorado de Carajás e a de 1999 foi construída com outros

movimentos sociais brasileiros e, com a denominação de Marcha Popular pelo

Brasil, colocava em pauta a construção de outro projeto, mais amplo, para a

sociedade brasileira. A estratégia política consistia, desde então, em fortalecer

as organizações a que pertencem e capacitá-los para organizar o povo,

especialmente, em momentos de reascenso do movimento de massas. O MST,

com isso, passa a estreitar laços com os movimentos sociais urbanos na

perspectiva de construção de um projeto popular para o Brasil, onde a reforma

agrária – apesar de ser sua bandeira principal – passa a servir como base para

massificar a luta com vistas ao socialismo. Em várias publicações do

Movimento, é possível identificar a necessidade de superar a dicotomia entre

campo/ cidade.

Assim, a partir da segunda metade dos anos 1990, o MST, já numa fase

mais complexa de sua constituição, se auto-define como “[...] um movimento de

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massas de caráter sindical, popular e político” e apresenta seus objetivos e um

programa de reforma agrária diferenciado ao incluir a questão ambiental,

através do “desenvolvimento de um modelo agrícola baseado em tecnologias

adequadas à realidade, preservando e recuperando os recursos naturais”, com

base na produção familiar e cooperativada, voltada para a segurança alimentar.

(MORISSAWA, 2001, p. 153).

A resolução de que o meio ambiente deveria ser um tema transversal na

organização deste Movimento, vem fortalecer a busca de novas referências

para os assentamentos. Começam a buscar soluções de como desenvolver os

assentamentos, numa perspectiva ampla, com preocupação com as questões

sociais, econômicas e ambientais tendo como centralidade a necessidade de

acumular forças. Nesta direção, houve o fortalecimento da organicidade do

setor de produção, cooperação e meio ambiente.

Em 1999, a Via Campesina elabora um documento sobre a

biodiversidade como patrimônio dos povos e em relação à questão da

segurança alimentar, contando com a forte participação do MST. Neste

período, são lançados os princípios e valores relacionados ao meio ambiente.

Este momento, que representou forte embate do governo contra a reforma

agrária, contribuiu para que o MST aperfeiçoasse o debate sobre a assistência

técnica com a construção e desenvolvimento de alguns projetos de produção

nos assentamentos, através da adoção das primeiras experiências de

produção alternativa. Estas se direcionavam para a materialização de

experiências produtivas opostas ao modelo do agronegócio, onde podemos

citar que um caso exemplar foi a criação da BioNatur, em 1998, que trataremos

posteriormente.

Com o crescimento, o fortalecimento e o redirecionamento das ações do

Movimento, foi se tornando evidente a urgência de investimento em espaços

próprios de formação, que tivessem como objetivo garantir a organicidade e a

articulação do MST com outros parceiros nos âmbitos nacional, latino

americano e internacional, e que tivessem, como ponto de partida, a prática

social dos Sem Terra, com suas contradições, desafios e possibilidades.

Primeiramente, este espaço foi articulado no Centro de Capacitação e

Pesquisa na cidade de Caçador, em Santa Catarina e, a partir de 1999, na

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Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF, que, como fruto de uma

campanha internacional de solidariedade foi inaugurada em 2005.

Diante desta ampliação da noção e das estratégias de formação política

para seus militantes, o MST percebe, nesta segunda metade da década de

1990, a necessidade de se articular, política e institucionalmente, com outros

parceiros da sociedade brasileira, dentre os quais ganham destaque as

universidades públicas. Estas parcerias não se fazem, entretanto, numa

perspectiva meramente conjuntural, mas partem da certeza de que é

necessário, também, “ocupar o latifúndio do saber”, ou seja, os espaços de

produção e de socialização de conhecimentos, dos quais as universidades são

os exemplos mais evidentes. Esta articulação com as universidades se faz,

portanto, a partir de uma necessidade de acesso à teoria, ao conhecimento

científico, que pode, segundo análise do MST, garantir um movimento dinâmico

entre prática – teoria – prática, sedimentado nos princípios e nas iniciativas da

organização, devendo resultar, portanto, em “firmeza ideológica” (MST, 2001).

As lutas localizadas formam a consciência com limitações, com tendências ao corporativismo, permanecendo na esfera das disputas econômicas. A relação das lutas sociais com as lutas mais amplas, com mudanças de reivindicações de econômicas para políticas elevam a consciência social para consciência política. Neste sentido é que os militantes e dirigentes vão se formando e constituindo-se em verdadeiros lutadores do povo. Deve-se combinar o processo de lutas com o estudo teórico, para que haja um desenvolvimento da consciência verdadeira. (MST, 2001, p. 116-117).

Assim, a partir de experiências de parcerias firmadas com universidades

pelo setor de educação, o MST, através do Setor de Formação e da ENFF dá

início, em 1999, através de uma parceria pioneira com a UNICAMP, a uma

série de articulações com estas instituições de ensino superior para a oferta de

cursos de formação voltados, especificamente, para os militantes de

movimentos sociais rurais. Tal iniciativa era condizente com um momento de

abertura do Movimento à sociedade e de reafirmação da questão agrária na

agenda política nacional. Como teremos a oportunidade de discutir,

posteriormente, no que se refere à formação para as ações em agroecologia,

estas parcerias serão fundamentais.

Em 1999, o MST se declarou contra os cultivos transgênicos e, marcou

esta posição no Primeiro Fórum Social Mundial, em 2001, em Porto Alegre

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quando, juntamente com lideranças da Via Campesina e com José Bové da

Confederátion Paysanneda da França, destruíram simbolicamente alguns

campos experimentais da Monsanto. Na visão de Martinez Alier (2014, p. 320)

mesmo que a medida de proibição aos cultivos transgênicos tenha fracassado

em nível federal, este enfrentamento “serviu para direcionar o MST rumo a uma

orientação ecologista”.

3.2.2 A construção da agroecologia como estratégia produtiva e política

Até o final do segundo mandato do governo Fernando Henrique

Cardoso, ocorreu o acirramento da ofensiva neoliberal, constituindo, no campo,

o período de maior avanço do agronegócio e uma forte imposição dos

transgênicos no Brasil e na América Latina.

Neste contexto, a resistência camponesa não é algo abstrato, é uma luta

contra-hegemônica, uma reação às conseqüências historicamente construídas

pela dominação do capital que, na conjuntura atual, se expressa pelo

neoliberalismo. Consideramos que os movimentos provenientes dessa

resistência realizam essa luta numa concepção gramsciana, que inclui a cultura

como processo social global, transformando-a em ferramenta para o processo

de transformação social. Essa luta se dá a partir da via teórica e prática. O

caráter retórico-crítico dos postulados neoliberais apresenta uma grande

dicotomia entre teoria e prática, o caráter prático encontra sua força a partir da

emergência da classe trabalhadora. Desta, emergem movimentos sociais

urbanos e rurais redefinindo a relação entre Estado e sociedade civil. Neste

momento, tendo como referência esta temática, a direção nacional e a base do

MST fortalecem suas preocupações com a questão ambiental.

O MST vem desenvolvendo, desde então, um trabalho de fortalecimento

de assentamentos rurais, tendo em vista garantir a sobrevivência econômica

dos assentados e também legitimá-los socialmente. Estimula, assim, formas de

produção cooperada, estabelece regras de conduta para os assentados, dando

grande ênfase à educação política e à formação tecnológica. Esse investimento

educacional vem propiciando a política de liberalização de quadros, pois

assentados que aderiam à proposta do Movimento passaram a contribuir para

que algumas lideranças se deslocassem para outras localidades, buscando

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organizar novas ocupações, divulgando seus ideais e expandindo o Movimento

(MEDEIROS, in MOTTA, 2005).

O desenvolvimento da educação e da formação no MST demonstra uma

forte resistência ao modelo hegemônico baseado no capitalismo, pautando a

luta pelo acesso à educação pública, gratuita e de qualidade em todos os

níveis para a população do campo, além das ocupações de terra e marchas

para pressionar a reforma agrária no país. Consideramos que este

investimento na educação e na formação dos sem terra vem trazendo

resultados significativos no direcionamento estratégico do MST, tanto em

termos do seu discurso como na sua opção política.

Entre as lutas mais amplas ou mais restritas levadas adiante pelo MST,

interessa-nos, particularmente, conhecer o processo de politização do que

anteriormente definimos como “questão ambiental”, o qual acontece a partir de

ações coletivas e mudanças políticas e institucionais, tendo como norte uma

perspectiva que vise transformações societárias. Esse enfrentamento deve

desvelar, entre outras dimensões, as desigualdades de poder sobre os

recursos naturais e os conflitos, as tensões e os embates entre as classes

sociais que se constituem pela participação desigual na estrutura produtiva e

na desigualdade na distribuição e apropriação dos bens socialmente

produzidos a partir das relações entre sociedade e natureza. Pretendemos

analisar as potencialidades e desafios do MST, na busca de articulação em

torno da questão ambiental como um eixo estratégico da luta contra o capital.

A partir dos anos 2000, tendo como referência todo o acúmulo dos seus

quinze primeiros anos de existência, o MST defende que, a realização da

reforma agrária se constitui num dos elementos fundamentais para a

superação da insustentável realidade ambiental, pois proporciona condições

para a mudança do modelo produtivo da agricultura, articulando a melhoria das

condições de vida com a preservação ambiental. Por isso, a reforma agrária,

para além da distribuição da terra, deve se centrar no seu uso, o que

necessariamente incorpora a dimensão ambiental, que deve ser vista não

como um entrave, mas como condição e possibilidade para o desenvolvimento

dos assentamentos.

Nesta direção, várias ações foram construídas. O IV Congresso,

realizado em 2000, tinha como lema "Reforma Agrária: por um Brasil sem

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Latifúndio" e reafirmou a necessidade de eliminação do latifúndio e da violência

no campo, uma vez que o período anterior é marcado pelos dois grandes

massacres de trabalhadores rurais que mencionamos anteriormente. Dentre as

decisões políticas deste congresso, destacamos a explicitação do combate ao

“modelo das elites, que representa os produtos transgênicos, as importações

de alimentos, os monopólios e as multinacionais” e se propôs a “desenvolver

linhas políticas e ações concretas para a construção de um novo modelo

tecnológico, sustentável do ponto de vista ambiental, com garantia de

produtividade, viabilidade econômica e bem estar social” (MORISSAWA, 2001,

p. 166). E, ainda, destacamos a importância de resgatar o debate em torno de

questões como meio ambiente, biodiversidade, água doce, defesa da bacia de

São Francisco e da Amazônia, como pertinentes a toda sociedade e como

parte da reforma agrária. A construção da unidade no campo, o

desenvolvimento de novas formas de luta e o fortalecimento da aliança campo-

cidade são adotados como estratégicos, para a construção de um projeto

político popular.

Consideramos relevante destacar que, a partir do IV Congresso (2000),

a agroecologia passa a ser assumida como um processo de construção de

outro modelo produtivo e político, em clara oposição ao modelo das classes

dominantes que impõem os transgênicos, sob o comando das empresas

transnacionais do agronegócio.

Tendo como referencia a questão de classe no capitalismo e a clareza

das determinações presentes no processo de luta, um dos maiores desafios

políticos ao MST, como poderemos analisar, é a materialização de

possibilidades concretas para o embate com o agronegócio. A partir da

demanda especifica de conquista da reforma agrária e a estruturação produtiva

e social de seus assentamentos, através da agroecologia, o MST, como um

movimento de massas vem direcionando sua luta para a conquista de

transformações societárias, que contemplem formas de desenvolvimento

ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. Por seu posicionamento, o

MST se coloca o desafio de trabalhar na disputa de concepções políticas no

pensamento crítico, que se direcionem para a formação de consensos e para a

construção de uma nova cultura política.

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Para o movimento, a resolução de que o meio ambiente deveria ser um

tema transversal na sua organização vem fortalecer a busca de novas

referências para os assentamentos, no sentido de como desenvolvê-los, numa

perspectiva ampla, com preocupação com as questões sociais, econômicas e

ambientais tendo como centralidade o acúmulo de forças.

Em outubro de 2001, o MST, aliado a 86 organizações camponesas que

pertencem a Via Campesina, na Índia, resolveram manifestar sua oposição à

propriedade intelectual sobre qualquer forma de vida, ou seja, a propriedade

privada sobre a vida; reforçar que a biodiversidade deveria ser base para

garantir a soberania alimentar, considerando-a como um direito dos povos de

definir sua própria política agrícola e alimentar; declarar a necessidade de uma

moratória indefinida para todos os cultivos comerciais de plantas transgênicas,

até que a ciência tenha segurança sobre os efeitos de cada planta para o meio

ambiente, a saúde do agricultor e do consumidor. Reiteravam também que as

decisões relacionadas com o uso, manejo, pesquisa e liberação de organismos

geneticamente modificados devem estar sobre controle e consulta permanente

da sociedade de cada país; bem como as empresas públicas e a sociedade

deveriam manter um permanente controle e avaliação dos riscos para a

biodiversidade e os aspectos sócio-econômicos da disseminação desses

organismos; e ainda que, em qualquer situação, se coloque em primeiro lugar,

a vida humana e a proteção das comunidades rurais e dos agricultores (MST,

2001).

Em 2001, foi criada a Jornada de Agroecologia que, a partir de 2002,

passou a se realizar todos os anos através de encontros estaduais, como

resultado de uma articulação latino americana, congregando vários

movimentos sociais do campo, movimentos ambientalistas, ONGs, estudantes

de agronomia, etc., atuantes no Paraná, que iniciaram, nos anos 1980, a luta

conjunta pela terra, pela reforma agrária e pelo desenvolvimento da

agroecologia. Os objetivos centrais desta união se relacionam à luta contra os

transgênicos e o uso de agrotóxicos e em defesa das sementes crioulas, o que

se expressa no lema adotado: Jornada de Agroecologia – Terra Livre de

Transgênicos e Sem Agrotóxicos. A metodologia desta jornada inclui a

realização de conferências, oficinas para troca de experiências, atividades

culturais e feiras em praças públicas para exposição e venda de produtos

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agroecológicos e atos políticos, onde divulga e encaminha a Carta da Jornada

de Agroecologia contendo suas posições e reivindicações norteadoras das

ações a serem desenvolvidas. Explicita-se como sendo uma articulação que

parte desde as ações concretas e efetivas das famílias camponesas e suas

múltiplas formas de associação e cooperação no interior dos seus

agroecossistemas, comunidades e assentamentos e se projeta em sistemas

em redes de alcance estadual, pluriestadual, nacional e internacional (TARDIN,

2009 b).

A Jornada de Agroecologia se apresenta, assim, com caráter popular,

massiva em seu alcance social, portanto, como dinâmica social do

campesinato, ao mesmo tempo em que busca atrair ao diálogo e ação

conjunta, outros segmentos da sociedade, notadamente aos estudantes,

técnicos, pesquisadores e docentes, partidos políticos progressistas e seus

membros detentores de mandatos populares, e o movimento ambientalista.

Para um dos coordenadores do MST na jornada, José Maria Tardin

(2009b, p. 10)

[...] essa coalizão de organizações projeta a agroecologia muito além da problemática exclusivamente técnica de produção, colocando-a no patamar da luta política apontando para a sociedade brasileira e para as autoridades que há necessidade de uma mudança de rumo no sistema de produção da agricultura do país.

Os Encontros de Agroecologia expressam a articulação de segmentos

da sociedade como movimentos sociais, ONGs visando ao enfrentamento com

o agronegócio dos transgênicos. O I Encontro, também realizado em 2002,

contou com a participação de 4000 pessoas e construiu um potencial

fundamental de publicização e politização para a conquista de ações concretas,

dentre as quais podemos destacar a lei contra os transgênicos no estado do

Paraná. Também ocorreu a ocupação, por 80 famílias, de um laboratório de

pesquisa sobre transgênicos da Monsanto, em Ponta Grossa. O objetivo era

criar ali, um centro de estudos de agroecologia.

O Encontro de Agroecologia realizado em 2006 teve como ato político

principal, a ocupação de um laboratório da multinacional Syngenta, que

ocupava uma área de 100 hectares localizada a 30 km do Parque Nacional do

Iguaçu, o que era proibido por lei, uma vez que é determinado que nenhuma

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atividade ou ocupação pode ser realizada num raio de 10km do entorno de

parques ecológicos.

Podemos dizer que este coletivo demarca a questão de classe e a luta

de classes presente na sociedade brasileira, ao se colocar em contraposição

ao capitalismo, representado pelo agronegócio. Com clareza política deste

embate, a articulação de diversos sujeitos coletivos não visa ao esverdeamento

do capitalismo25, mas se propõe a desenvolver a agroecologia para a

reconstrução ecológica da agricultura como uma das frentes de luta contra o

capital, visando transformações societárias qualitativas.

Em mais de uma década de existência da jornada de agroecologia,

destacam-se como as maiores conquistas da agricultura familiar camponesa,

fruto deste embate com o agronegócio, o fechamento da unidade de produção

de transgênicos da empresa transnacional Monsanto em Ponta Grossa- PR, a

absolvição judicial de militantes coordenadores da jornada, que haviam sido

criminalizados e a transferência do centro de produção de transgênicos da

transnacional Syngenta, em Santa Tereza do Oeste para o governo do Estado

do Paraná, que criou o Centro de Pesquisa em Agroecologia, com o nome de

Valmir Mota de Oliveira, militante do MST conhecido como Keno, assassinado

por milícia contratada pela empresa.

Somos concordantes com a avaliação de Tardin (2009b), pois mesmo

considerando as conquistas políticas alcançadas pelas jornadas de

agroecologia, é preciso ter em conta que há uma série de arranjos, expressos

por medidas provisórias do governo federal favoráveis ao agronegócio e por

decisões judiciais, que as inviabilizam ou mesmo as anulam. A prioridade de

recursos do Estado, destinados ao financiamento da agricultura do agronegócio

se impõe sobre os incentivos dados às famílias camponesas organizadas que

trabalham com a agroecologia, se constituindo num entrave ao seu

desenvolvimento.

A partir de 2003, a questão ambiental ganha um novo impulso no interior

das linhas de ação do MST, tendo como referência central a campanha da Via

25O capitalismo verde, economia verde ou ecocapitalismo trata-se de um discurso em defesa do capitalismo sustentável em termos ambientais. O capitalismo se apropriou da causa ambiental e do conceito de sustentabilidade, para ampliar lucros através da exploração e mercantilização dos recursos naturais, e camuflar os efeitos sociais e ambientais nefastos de seu sistema.

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Campesina intitulada: "Sementes - patrimônio dos povos a serviço da

humanidade", que desempenhou forte influência na mística da Via Campesina

e do MST. Neste ano é criada também a rede BioNatur, inicialmente como uma

rede nacional de sementes, depois ampliada para rede de agroecologia26.

Essa discussão sobre as sementes vem se somar aos princípios do

documento “Nossos compromissos com a terra e com a vida”, datado de 2000

e aprovado no IV Congresso Nacional, que afirma, em seu início, que “os seres

humanos são preciosos, pois sua inteligência, trabalho e organização podem

proteger e preservar todas as formas de vida”. Nesta mesma direção, seus dez

pontos destacam a necessidade de preservação da terra e da natureza em

geral, da produção de alimentos para a eliminação da fome a partir do

policultivo e contra a monocultura, do embelezamento dos assentamentos e

comunidades com o plantio de flores, ervas medicinais, hortaliças e árvores, o

tratamento adequado do lixo e o combate a agressão ao ambiente natural, a

pratica da solidariedade e indignação contra injustiças, a necessidade de

preservação da terra para as futuras gerações e a negação de sua

possibilidade de venda após a conquista.

Assim, defendemos que este resgate da questão das sementes e seu

significado para os camponeses e para a sociedade em geral trouxeram

elementos vitais para o fortalecimento da identidade camponesa, que possui

nas sementes tanto aspectos objetivos quanto subjetivos, pois sua seleção e

armazenamento e as trocas entre os produtores significam sua sobrevivência

(que, no interior do modelo do agronegócio, passa a ser ameaçada pelas

sementes hibridas e transgênicas até a Terminator), mas significam também a

capacidade geradora da vida, da continuidade dos cultivos tradicionais, e

também o prazer de cultivar.

A criação do Coletivo Nacional de Frente de Meio Ambiente, em 2005,

foi outro elemento importante do processo de desenvolvimento do MST,

coordenado pelo setor de produção, cooperação e meio ambiente em tentativa

de articulação com os setores de educação e formação, tendo como norte uma

crítica ambiental mais elaborada, estabelecendo princípios e temáticas

estratégicas. Este coletivo vem implementando, entre outras iniciativas: o

26

Abordaremos a BioNatur posteriormente, junto com algumas considerações sobre outras

experiências agroecológicas no MST.

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Projeto de Manejo da Agrobiodiversidade com Enfoque Agroecológico; o

Diagnóstico Rápido Participativo da Biodiversidade (DRPBio); a Rede de

Pesquisa Tecnológica da Reforma Agrária; a instalação dos Centros

Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade (CIMAs); e a construção do

Programa Ambiental do MST.

Destacamos que um grande esforço do MST vem sendo feito a partir da

criação dos Centros Irradiadores de Manejo Agroecológico (CIMAs), norteados

por quatro questões fundamentais: adoção de uma proposta estruturante para

os assentamentos a partir da agrobiodiversidade; construção e utilização de

metodologias participativas, estabelecimento de relações institucionais com a

EMBRAPA e ONGs nacionais e internacionais; sistematização das

experiências de agroecologia, avaliando os avanços e limites. O MST começa

a dialogar com atores externos para a elaboração desta metodologia

participativa, que apóie e ajude na construção da abordagem e experiência de

agroecologia.

A fim de acompanhar e avaliar as experiências agroecológicas, foi

criado, em 2006, uma rede de pesquisa que vem sendo construída

conjuntamente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e os centros de

formação vinculados à CONCRAB e à Associação Nacional de Cooperação

Agrícola - ANCA. Os aspectos centrais da metodologia desta rede de pesquisa

são os seguintes: envolvimento das organizações e associações

cooperativistas; identificação das principais culturas cultivadas e seus

problemas; adoção de soluções ecológicas relacionadas à produção, custos,

penosidade do trabalho e impactos à saúde e ao ambiente; descentralização e

participação, onde o agricultor é considerado o principal pesquisador/sujeito do

processo; controle social pelos agricultores; validação social e validação

científica do conhecimento; relação interinstitucional (Universidades, ONGs,

etc.). As linhas de pesquisa se relacionam à cultura de diversos cultivos, a

produção de biofertilizantes e sistemas específicos de cultivo, como o sistema

de aléias.

Em junho de 2006, o MST elaborou um documento sobre a plataforma

política para uma agricultura sustentável, que expressa uma síntese de

diversas contribuições, com destaque para elaborações da Via Campesina e o

manifesto das Américas em defesa da natureza e da diversidade biológica e

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223

cultural. Esta plataforma se fundamenta na crítica ao sistema econômico

dominante, com destaque aos custos relativos à exploração da natureza e das

pessoas. Chama a atenção para a ameaça à integridade e a diversidade de

formas de vida que dão sustentação à biodiversidade. Aponta para mudanças

societárias, orientadas por padrões de desenvolvimento, socialmente justos e

ecologicamente sustentáveis (MARTINS, 2006).

Esta plataforma política é constituída de seis pontos fundamentais:

soberania alimentar; biodiversidade, através do reconhecimento da diversidade

humana; recursos genéticos, como direitos dos camponeses e comunidades

rurais, destacando que as sementes são consideradas o quarto recurso que

gera a riqueza da natureza, depois da terra, da água e do ar; reforma agrária e

mudanças sociais no campo através da democratização da terra, dos meios de

produção e o uso da terra, elementos fundamentais para o cumprimento de sua

função social defendendo o padrão produtivo baseado na agroecologia;

gênero, ressaltando a tradição das mulheres no recolhimento, escolha e

propagação de variedades de sementes para uso alimentício e medicinal,

considerando-as como protetoras primárias dos recursos genéticos e da

biodiversidade do mundo; direitos humanos, como direitos universais, que têm

que ser mantidos, respeitados e implementados pelo Estado Brasileiro.

O V Congresso Nacional, ocorrido em 2007, inovou, mais uma vez, o

debate e as linhas políticas do movimento ao apresentar o lema "Reforma

Agrária: por Justiça Social e Soberania Popular", representando um momento

particular na tomada de deliberações em torno da defesa de uma proposta de

reforma agrária de novo tipo, onde o discurso ambiental passa a se destacar

como parte da reforma agrária e como luta para toda a sociedade, tendo em

vista a relação predadora que o capital estabelece com o planeta, constituindo-

se como uma questão de sobrevivência para a humanidade, exigindo e

desafiando a participação de toda sociedade.

Este Congresso Nacional expressou fortemente a defesa de que a

proposta de reforma agrária deve alterar e democratizar a propriedade da terra

como primeiro passo. Além disso, apontava para a importância de se priorizar a

organização da produção de alimentos saudáveis que garantissem a soberania

alimentar e que mudasse a matriz energética. Então,

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[...] a Reforma Agrária agora, é mais do que reestruturar a propriedade da terra, é necessário reestruturar toda produção e vida social no campo. [...] é a disputa entre dois modelos de sociedade: de um lado, o modelo do agronegócio e, de outro, a reforma agrária popular (MST, 2007, p. 91).

Neste momento, o MST reafirmou como linha política estratégica, a

construção e o fortalecimento de alianças, onde a questão ambiental torna-se

decisiva para o estabelecimento de diálogo com as diversas formas de

organização popular, e referência para o trabalho de base, a formação política

e a consolidação de um projeto popular para o Brasil. Na proposta de reforma

agrária apresentada neste Congresso, a questão ambiental ganha contornos

mais definidos, tendo em vista a explicitação da adoção da agroecologia como

nova matriz tecnológica. Em nossa visão, para além da necessária mudança do

modelo produtivo, a agroecologia também passa a se constituir como uma

estratégia política. Assim, podemos dizer que o IV e o V congressos

representam uma fase decisiva em relação à construção de um modelo de

agricultura contra-hegemônico, expresso pela proposta de reforma agrária que

denota um claro processo de disputa em torno de outro modo produtivo.

Para este sujeito coletivo, a efetividade de sua proposta requer a

superação de uma diversidade de desafios, entre os quais destacamos: elevar

o nível de consciência social, política e cultural de sua base social, e dos

camponeses em geral; transformar os assentamentos desenvolvendo a

agroecologia como estratégia de produção agrícola garantindo a soberania

alimentar, respeitando o meio ambiente e a produção de alimentos sadios,

combinada com áreas reflorestadas, com defesa da água e da biodiversidade

(MST, 2007).

As críticas ao modelo de agricultura capitalista a partir de seu caráter

destrutivo no campo socioambiental e a defesa de outro modelo produtivo vêm

se constituindo num ponto de encontro e convergência de lutas. Nesta direção,

há a intencionalidade de problematizar o papel estratégico do MST na

politização da agroecologia na sociedade em confronto com o modelo de

agricultura capitalista, de forma a contribuir para a construção de um projeto

contra-hegemônico. Sobre estas ações construídas em torno da agroecologia,

voltaremos a tratar posteriormente.

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225

A necessidade de politização da agroecologia na sociedade, a partir de

sua afirmação como novo enfoque para a ocupação e o uso da terra pela

agricultura familiar camponesa, como forma de garantia de segurança e

soberania alimentar, deve estar no centro das estratégias dos movimentos

sociais do campo. Neste duro combate estabelecido no espaço agrário, é vital

não apenas denunciar os efeitos sociais e ambientais perversos da agricultura

produzida pelo agronegócio, mas também dar visibilidade às experiências em

agroecologia e seus benefícios para o conjunto da sociedade.

A necessidade de superação de desafios em torno da questão

ambiental, como um eixo de luta do MST, pode ser confirmada na fala de um

de seus dirigentes:

A humanidade corre perigo de existência, e é isso que queremos discutir com a nossa base. Enquanto estamos olhando para a nossa terrinha, para a conquista do assentamento, estão sendo destruídos recursos naturais em todo mundo. Para o MST, isto é uma questão de fundo, estratégica, não uma questão tática. É a defesa do planeta e de outra forma de produção para a preservação da espécie humana. Vincular esta questão de fundo com a construção de assentamentos que possibilitem esta preservação é uma tarefa que temos que construir inclusive com o nosso povo. (MAURO citado por GLASS, 2007).

Neste sentido, afirmamos que a luta histórica do campesinato é decisiva

para o desvelamento da ocultação ideológica das potencialidades da

agricultura camponesa com base agroecológica, operada pelas classes

dominantes através do agronegócio e dos grandes proprietários dos meios de

comunicação, opositores poderosos, tanto da reforma agrária, quanto da

alteração do atual padrão agrário-agrícola. Aí se colocam as interfaces entre a

questão agrária e a questão ambiental, pois a luta pela mudança no modelo

agrário e agrícola hegemônico, relacionada ao direito à terra a partir de sua

função social, está aliada à construção de uma perspectiva de sua utilização

também do ponto de vista da sua função ambiental, ambas amparadas em

dispositivos constitucionais.

São iniciativas do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente,

coordenado pela Frente Nacional de Formação Técnica Formal, os cursos de

Agroecologia de nível médio, superior e pós-graduação. Estes têm sido

realizados em parceria com Universidades de várias regiões do Brasil,

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objetivando a formação de técnicos para a implementação da Agroecologia nos

assentamentos e acampamentos. Dentre diversas iniciativas, destaca-se a

Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA),em 2005,em parceria com a

Via Campesina, que apresentaremos mais a frente.

Tendo como referencia a questão de classe no capitalismo e a clareza

das determinações presentes no processo de luta, o desafio que se coloca aos

movimentos sociais é a materialização de possibilidades concretas para o

embate com o agronegócio. Neste sentido, defendemos que a construção da

agroecologia como estratégia produtiva e política, assumida pelo MST, se

constitui como meio de fortalecimento de seu processo de luta. Portanto, a

agroecologia demanda um preparo técnico-produtivo e político, onde a

educação e formação de quadros, e a articulação de alianças entre

organizações da classe trabalhadora, jogam um papel decisivo no

enfrentamento ao agronegócio, na disputa de posições na sociedade civil.

Analisaremos a seguir o protagonismo da luta do MST pela reforma agrária e

pela construção de outra sociedade, seu legado expresso na luta por outro

modelo agrário e agrícola, através da proposta de reforma agrária popular,

onde destacaremos o significado da agroecologia. Buscamos destacar também

como a luta pela construção e fortalecimento da agroecologia, como uma

estratégia produtiva e política, assumida pelo MST, pode qualificar sua

proposta de reforma agrária popular, contribuindo para politizar a questão

ambiental na sociedade brasileira.

3.3 A reforma agrária popular e a afirmação da agroecologia como

estratégia produtiva e política nos assentamentos e na formação de

quadros

A proposta de reforma agrária popular elaborada pelo MST (2013),

debatida e aprovada em seu VI Congresso Nacional, realizado em 2014, se

direciona para a construção de uma nova sociedade baseada em relações

igualitárias e solidárias, que seja ecologicamente sustentável. O lema adotado

pelo VI Congresso do MST (2014), “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular!”,

expressa o momento político que o movimento está vivendo e apresenta os

principais desafios para o próximo período. Esta escolha é justificada a partir

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da necessidade de um lema que possa representar, para a militância e para

toda sociedade brasileira, “uma resposta contundente às dificuldades políticas

e organizativas imposta pela conjuntura (Estado, governo e agronegócio)do

último período.” Ao mesmo tempo, o movimento sinaliza a estratégia escolhida

para superar as dificuldades atuais e apontar caminhos na perspectiva de

acúmulo de forças para a construção de sua proposta de Reforma Agrária

Popular e para o projeto popular para o Brasil. Assim, o MST reafirma a defesa

dos objetivos políticos de lutar pela terra, pela reforma agrária e pela

transformação social, que o acompanham desde a sua criação.

O termo “lutar” é adotado como expressão histórica do movimento e da

herança recebida das lutas da classe trabalhadora brasileira e de todo o

mundo, de sua organização política e da luta econômica, considerando que as

conquistas são resultado de lutas coletivas e da resistência, a partir da tática de

lutar e negociar, garantindo conquistas econômicas e políticas para os que

realizaram as lutas. Nesta mesma direção, o termo “construir” representa o

processo de organizar, formar e mobilizar a classe trabalhadora vinculando a

luta política contra o capitalismo e por um projeto popular. Os elementos-chave

e as tarefas táticas para construir esta possibilidade estratégica se referem

primeiramente ao combate ao latifúndio, à monocultura agroexportadora, ao

modelo do agronegócio e ao Estado burguês. Mas também destaca a

necessidade vital de concretização das experiências agroecológicas para a

produção de alimentos saudáveis e diversificados, a recuperação do meio

ambiente; a elevação do nível de escolarização de crianças, jovens e adultos; a

ampliação da formação de quadros e militância e a construção de acúmulo de

forças para o fortalecimento de seu projeto estratégico.

Nas análises do movimento e tendo como norte a crítica da realidade

agrária atual, dominada pelo projeto do capital, representado pelo agronegócio,

cabe dar continuidade à luta pela terra e contra o latifúndio, mesmo

considerando que a conquista de assentamentos é insuficiente para alterar a

correlação de forças predominante no atual modelo de agricultura. A

construção e projeção da “reforma agrária popular” do movimento reafirma a

ultrapassagem de uma reforma agrária distributivista, nos limites do poder

burguês. Os elementos fortalecedores do caráter popular da reforma agrária de

novo tipo do MST só serão concretizados a partir da construção coletiva do

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conjunto da classe trabalhadora do campo e da cidade, a partir do

fortalecimento e ampliação deste arco de alianças, indispensável para a luta

anticapitalista, neste momento histórico de crise civilizatória onde, sob o

domínio do capital, todos os bens da natureza e da cultura popular são

transformados em mercadoria.

O movimento reconhece a necessidade de uma série de mudanças na

sociedade atual, principalmente no que se refere à estrutura de organização da

produção, apontando para a superação da exploração do trabalho e da

natureza. Dentre os objetivos estabelecidos, destacamos: eliminar a pobreza

no campo; combater a desigualdade social, a exploração dos camponeses e a

degradação da natureza; garantir a soberania alimentar de toda população

brasileira; preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural de cada região

do Brasil, responsável por nossos diferentes biomas e garantir melhores

condições de vida através de trabalho, renda, educação, moradia e lazer.

Também fica explícita, nos objetivos, a defesa da participação igualitária das

mulheres e de melhores oportunidades e condições para a permanência no

campo, principalmente da juventude.

As mudanças necessárias são apresentadas através de medidas

consideradas fundamentais e complementares reunidas em torno de

compromissos, sendo alguns mais diretamente relacionados à questão

ambiental, onde destacamos a defesa não apenas da terra que precisa ser

democratizada, mas também da água como bens dos povos e que deve estar a

serviço de toda a humanidade; a organização da produção agrícola voltada

para o cultivo de alimentos saudáveis e diversificada, como garantia do

princípio da soberania alimentar através da agroecologia, gerando uma nova

base alimentar. O novo modelo tecnológico assumido claramente afirma, como

uma das medidas necessárias, a massificação da agroecologia através da

formação, da prática e da troca de experiências, da produção, distribuição e

controle das sementes e da criação de um organismo público de certificação

dos alimentos agroecológicos. Também se coloca a necessidade de ruptura

com a propriedade intelectual de patentes de variedades, sementes, recursos

naturais ou sistemas de produção; a criação de máquinas e equipamentos

agrícolas adaptados à produção camponesa e a realização de um programa

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nacional de reflorestamento tanto nos assentamentos quanto em áreas

degradadas pelo agronegócio.

A reforma agrária popular do MST afirma ainda a necessidade de uma

nova ação do Estado e agrega demandas que ultrapassam a luta pelo acesso a

terra e pela eliminação do latifúndio, como o acesso à saúde e à educação. O

MST defende que a reforma agrária proposta tem como base a democratização

da terra, mas a produção agroecológica busca produzir alimentos saudáveis

para toda a população brasileira, o que, de certo, não é possível para o modelo

do agronegócio. Consideramos que a adoção da agroecologia fortalece e

ressignifica a proposta de reforma agrária do MST, aproximando sujeitos

coletivos do campo e da cidade, ao defender a produção de alimentos

saudáveis combatendo o uso de agrotóxicos.

As dificuldades de operacionalização desta proposta de reforma agrária

se relacionam com as mudanças no campo brasileiro, o que implica na disputa

por políticas públicas amplas e democráticas, a começar pela política agrária e

agrícola, reafirmando a necessidade de fortalecimento de uma perspectiva

revolucionária. A crítica ao modelo agrário e agrícola dominante requer a

sustentação da agroecologia como uma estratégia que vem qualificar a

proposta de reforma agrária, em contraposição ao modelo do agronegócio que

vem minando as duas fontes de produção de riquezas que são a natureza e o

trabalho, gerando violência, superexploração do trabalho e devastação

ambiental.

A preocupação do movimento com a efetivação da luta pela reforma

agrária popular agroecológica se direciona para o necessário preparo não só,

mas fortemente técnico, para levar adiante as experiências concretas de

agroecologia, mas também ao preparo político (em torno de concepções mais

amplas que a agroecologia requer) para este enfrentamento, que deve se

inscrever num patamar superior e para além da produção agrícola, na

perspectiva de inserir a agroecologia como dos elementos fundamentais para a

construção de uma nova relação da sociedade com a natureza, fator

imprescindível para se construir outro modelo de desenvolvimento para o

Brasil.

Consideramos que o VI Congresso não deu o devido peso aos debates

sobre a agroecologia, como uma nova concepção produtiva e política. E uma

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atividade paralela, sobre a Política Nacional de Agroecologia, realizada por

representantes do governo federal no VI Congresso, no momento em que se

discutia na mesa programada “os desafios da classe trabalhadora”, e que

inclusive gerou concorrência e esvaziamento nesta discussão, evidencia a

necessária análise crítica das relações entre o movimento e o governo, que

obtém adesão, mesmo que crítica, do setor de produção, arregimentado e

seduzido pela agroecologia institucionalizada nos marcos deste governo. A

questão é como será a inserção e participação do MST no Programa Terra

Forte, do Plano Nacional de Agroecologia, que é uma conquista do MST que

arranca esta política do governo, e sua postura crítica, sua autonomia para

avançar numa concepção mais ampla de agroecologia para além da produção

de alimentos saudáveis, conquista indispensável, urgente, porém insuficiente.

A fala da dirigente do MST do Ceará, Antônia Ivoneide Melo e Silva

(Neném) no VI Congresso, destacou esta linha crítica de que falamos a partir

de sua consideração de que: “os assentamentos são conquistas coletivas

contra os interesses dos latifundiários, feitas na marra”. Acrescentamos: e do

moderno agronegócio, que também quer estas terras. “A questão da soberania

alimentar ultrapassa a produção de alimentos saudáveis. É o poder de decidir

sobre a produção e seus resultados”.

A conquista dos assentamentos é o primeiro passo, mas é preciso controlar a água e as sementes. Ele impõe o desafio de usar a força de trabalho dos assentados, com tecnologias construídas e apropriadas pelos camponeses. A agroecologia deve ser um elemento de defesa dos assentamentos, que são territórios muito disputados pelo agronegócio, empresas e pelo próprio Estado. É importante ponderarmos que a agroecologia é mais que experiência. As experiências se somam. Mas ela é uma decisão política por outro estilo de vida, outras relações e outras sociabilidades.

Esta dirigente do MST também destacou que a mudança neste estilo de

vida, que se expressa na produção agroecológica, é a chave para a conquista

da soberania alimentar. O assentamento é um lugar de produzir e viver, e deve

contribuir efetivamente para a construção da Reforma Agrária Popular, o que

leva à reflexão sobre qual é o papel social do MST neste processo. Nesta

direção, fez a critica à idéia de fim do MST e enfatizou alguns elementos que

podem, de fato, enfraquecê-lo ou enfraquecer a luta por terra e pela reforma

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agrária: a estratégia do governo de não fazer assentamentos, o que desanima

os acampamentos; as políticas sociais meramente compensatórias e a idéia de

privatização dos assentamentos, que seria a concretização da propriedade

privada individual da terra e não o direito de uso e herança, como defende o

MST. Esta defesa de uso e não da propriedade privada da terra feita pelo MST

é fator fortalecedor da coesão e contribui para construção de outro tipo de

relação com a terra e os bens da natureza, na linha de sua defesa de reforma

agrária. Outra questão debatida sobre os assentamentos é que eles

representam aprendizados coletivos das possibilidades de vida e fortalece a

cultura da coletividade, que são elementos que sustentam a constituição de

uma nova sociabilidade, fundamental para a construção de outra sociedade.

De acordo com a avaliação do MST (2013, p. 6), a implantação da

reforma agrária popular está condicionada ao avanço das seguintes questões:

capacidade de pressão sobre os governos obtendo conquistas (fator importante

na luta de classes e na formação da consciência política da militância, porém

insuficiente); correlação de forças no enfrentamento ao agronegócio;

fortalecimento interno da organização do movimento; construção nos

assentamentos e em outros espaços conquistados, do novo modelo de

agricultura; construção e fortalecimento de alianças com a classe trabalhadora

do campo e da cidade; construção de consensos em torno da compreensão e

defesa de outro modelo de agricultura e democratização do Estado.

Ao abordar os desafios do desenvolvimento da agroecologia nos

assentamentos do MST, Martins (2013) afirma que as experiências

agroecológicas são produtoras de conhecimentos e de relações sociais que

ampliam a visão de mundo para o estabelecimento de uma nova relação com a

natureza, no sentido de desvelar as relações sociais de dominação expressas

pelo agronegócio. Por isto, a agroecologia ganha sentido mais amplo através

de sua relação com um projeto estratégico de classe, que faça a crítica ao

modelo do capital apresentando um projeto alternativo de produção para o

Brasil.

Stédile (2014) esclarece que a nova concepção de reforma agrária

defendida pelo MST ultrapassa a perspectiva de distribuição de terras,

definindo os novos rumos do movimento e da luta pela terra, onde a questão

ambiental, a partir da adoção de outro modelo produtivo baseado na

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agroecologia, passa a ser uma bandeira fundamental do movimento. Neste

novo contexto, a economia mundial é comandada pelo capital financeiro

internacionalizado, e no campo, esse modelo forjou o agronegócio, que exclui e

expulsa os camponeses e a mão de obra do campo. Nesta concepção do

movimento, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso

é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização.

Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo. Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo. E incluir a democratização da educação como uma necessidade do desenvolvimento social. Não se pode admitir que ainda tenhamos 18 milhões de trabalhadores adultos analfabetos, e a maioria está no campo. (STEDILE, 2014, p.2)

As mudanças necessárias ao processo de organização do MST, para o

enfrentamento com o agronegócio, passam necessariamente pela questão do

fortalecimento e da ampliação das alianças entre sujeitos coletivos do campo e

da cidade para a construção de um novo modelo agrícola e para a efetivação

da reforma agrária popular.

O agronegócio é um modelo de produção agrícola do capital, que exclui a população. Constitui uma nova classe dominante, mais forte e mais complexa. Daqui em diante, as mudanças no campo, para a construção de um novo modelo agrícola que produza alimentos sadios, que não agrida a natureza, que distribua renda e represente desenvolvimento para nosso povo, depende de uma aliança de toda classe trabalhadora. Por isso, nossas táticas devem incluir a aliança com a classe trabalhadora na cidade, com os jovens e todos os movimentos sociais urbanos. (STEDILE, 2014, p.4)

Nesta mesma linha, outro dirigente do MST, também afirma a urgência

do movimento de estabelecer novas pautas diante da sociedade, atualizando

os conceitos sobre a necessidade da reforma agrária, no atual contexto

político da agricultura brasileira. Para tanto, destaca a necessária autocrítica e

reflexão do movimento para enfrentar os dilemas deste atual período, marcado

pelo abandono da reforma agrária, reforçado pelo atual governo (MAURO,

2014).

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Ao fazer um balanço destes 30 anos do MST, Mauro (2014) levanta

algumas questões e aprendizados obtidos: clareza na continuidade do rumo a

ser seguido da luta pela terra e pela transformação social, que só pode ser

alcançado através da luta social como condição histórica da classe

trabalhadora para a elevação do nível de consciência e formação; construção

de uma organização interna para além das demandas da reforma agrária, que

enfatiza a educação, tanto na alfabetização de jovens e adultos, como também

através das parcerias com as universidades públicas, para a ampliação do

acesso ao ensino superior; o fortalecimento da política de formação e de

comunicação através da Escola Nacional Florestan Fernandes; e

principalmente a concretização produção nos assentamentos e a criação de

agroindústrias, conquistas alcançadas através da organicidade do MST.

Outros pontos levantados foram a unidade interna do movimento, que

mesmo com contradições, foi construída em torno de um projeto e de ações,

que propiciaram a realização de suas lutas; a necessária articulação

internacional a partir da compreensão de que as mudanças no Brasil são parte

de mudanças estruturais necessárias em todo mundo, o que vem

demandando a ampliação da atuação do movimento em escala planetária.

E, por fim, destaca um ponto que consideramos essencial para nossas

reflexões em torno da capacidade de politização do MST, que diz respeito ao

longo processo de construção deste movimento que alia as questões

imediatas da luta econômica com as amplas questões da luta política.

Para Mauro (2014) a nova leitura do movimento para a reforma agrária

no contexto atual, tendo em conta a hegemonia do agronegócio e de um

modelo agrícola fortemente dominado por grandes oligopólios, precisa

contemplar um amplo debate na sociedade brasileira em torno das seguintes

questões: “que uso a humanidade, particularmente os brasileiros, quer dar à

terra, à água, à biodiversidade, aos recursos naturais em geral?. Que tipo de

comida queremos consumir? E que paradigmas tecnológicos de produção

usaremos no próximo período?”

Estas questões correspondem a nossa preocupação mais ampla

direcionada à necessidade de construção de outra relação entre sociedade e

natureza, onde o acesso, uso e controle dos bens ambientais, que se

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materializam na produção de alimentos, encontram relação direta com a

defesa da reforma agrária baseada na matriz agroecológica. Neste sentido, a

disputa de consensos em torno da opinião pública sobre estas questões se

coloca como central, uma vez que o uso atual destes recursos e a produção

da agricultura, sob a hegemonia do capital, reforçam a idéia de que a reforma

agrária se tornou desnecessária.

A defesa do MST em torno desta discussão passa pela construção de

consensos em torno da idéia de que outro uso aos recursos naturais, com

outro tipo de alimentação, produzindo de forma mais sustentável, com menos

impacto ao meio ambiente, e, principalmente, colocando os trabalhadores no

centro, diminuindo a penosidade do trabalho agrícola e, ao mesmo tempo,

garantindo produtividade, reforça a necessidade e atualidade da reforma

agrária.

No nosso modo de ver, esse é um debate necessário, pois não se trata de fazer uma reforma agrária que apenas distribua a terra, para disputar mercado com o agronegócio na base do produtivismo burro. Trata-se de mudar o modelo agrícola, os paradigmas tecnológicos de produção e, claro, de um reordenamento fundiário. Não é só distribuição de terra, mas é também assentar um novo modelo agrícola (MAURO, 2014).

Leblon (2014) analisa também a relevância do MST, ressaltando como

sua atuação se faz necessária na intervenção da relação entre reforma agrária

e questão ambiental. Concluímos, com o autor, que a chave do novo horizonte

agrário certamente passa pelo tema ambiental, e que este é um grande desafio

produtivo e político do MST.

As imbricações entre a questão agrária e a urgência climática padecem, ademais, de uma quase uniforme negligência no debate programático da frente progressista que apóia o governo. [...] são agendas gêmeas indecifráveis de fato, enquanto mantidas dissociadas ou apenas vinculadas de forma ornamental nas prioridades de Estado. Uma, remanescente do século 19; a outra, contemporânea da exacerbação capitalista em nossos dias. Juntas, ao lado de outras, aguardam o desassombro de um protagonista político, capaz de arrastar tempos históricos distintos, dando-lhes a coerência impensável fora de uma agenda transformadora. Não é pouco, como se vê, o que desafia o MST a se reinventar. Mas é isso que o faz necessário. E, indispensável, se for capaz de sacudir e romper as trancas que isolam o mundo rural - e a natureza - do debate sobre o novo ciclo de desenvolvimento do país (LEBLON, 2014).

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Consideramos importante ponderar que uma das grandes questões que se

coloca em relação ao tipo de desenvolvimento é que o mesmo atualmente

caminha para a dupla degradação, da natureza e da força de trabalho, haja vista

que, além de todo processo de destruição ambiental em curso, o próprio tipo de

desenvolvimento tecnológico se torna cada vez mais poupador de mão de obra.

Por isto, reafirmamos que a politização da questão ambiental está na ordem

do dia e a adoção da agroecologia é um grande acerto do MST que precisa

disputar a opinião pública e construir consensos em torno destas questões

produtivas e políticas para disputar o apoio da sociedade civil, e modificar (na

luta) a postura do Estado e do governo brasileiro.

Na visão do movimento, a reforma agrária ganha uma perspectiva mais

ampla ao contemplar as relações entre o ser humano e a natureza,

envolvendo diferentes processos que representam a reapropriação social da

natureza, em contraposição a apropriação privada da natureza realizada

pelos capitalistas.

Implica em um novo modelo de produção e desenvolvimento tecnológico que se fundamente numa relação de co-produção homem e natureza, na diversificação produtiva capaz de revigorar e promover a biodiversidade e em uma nova compreensão política do convívio e do aproveitamento social da natureza. Os camponeses, trabalhadores/as do campo e povos tradicionais (indígenas, extrativistas, quilombolas) têm sido protagonistas de práticas de um modo de fazer agricultura que representa um contraponto à agricultura capitalista e se constituem na resistência e nas lutas de enfrentamento direto ao capital. (MST, 2013, p.46-47)

3.3.1 A agroecologia como estratégia produtiva: as experiências em

assentamentos do MST.

O desenvolvimento de experiências de agroecologia nos assentamentos

do MST demonstra a definição do movimento de mudança do padrão produtivo

de agricultura. De acordo com Martins, do setor de produção, cooperação e

meio ambiente do movimento, (In MST, 2009-2010, p. 36-37) os motivos para a

ruptura com o modelo produtivista que prevalecia nos assentamentos se deve

a diversos fatores: contaminação por agrotóxicos, alto custo de produção do

modelo convencional que gerou endividamento de inúmeras famílias;

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degradação de recursos naturais a começar pelo solo, e também da água,

fauna e flora e pela compreensão da cadeia de submissão imposta aos

assentados pelo modelo capitalista de agricultura.

Para Tardin et al (2009a,p.5-6), desde a criação do MST até os anos

2000, a adoção da tecnologia para a produção agropecuária convencional foi

priorizada porque havia um julgamento de que esta era a forma mais

“moderna” para desenvolver os assentamentos.Acreditava-se que a

“modernização tecnológica” levaria ao alcance de elevados níveis de

produtividade e capitalização das famílias assentadas. Nas palavras do autor,

essa primeira intencionalidade se mostrou equivocada.

[...] instaurou-se um padrão insustentável de produção que provocou a contaminação das pessoas e degradação das bases ecológicas da natureza. Também gerou o fracasso econômico de muitas famílias assentadas, reproduzindo num ciclo sem fim seu endividamento nos bancos e nas empresas de agroquímicos e maquinaria e no comércio. A tentativa de reproduzir em menor escala o modelo do agronegócio inviabilizou a conquista de melhorias na qualidade de vida, objetivo imediato que se pretendia alcançar para todas as famílias assentadas. A agricultura do agronegócio como padrão de produção nos assentamentos levou à reprodução da exploração e acumulação do capital sobre a natureza e as pessoas – homens, mulheres, jovens e crianças assentadas, fazendo-os prisioneiros do ciclo vicioso da subordinação ao capital financeiro, industrial e comercial: “Sem Terra Ontem, Assentado Hoje, Sem Terra Amanhã”, realizou-se assim como a triste sina de muitas famílias.

Esta visão é reforçada pela fala de uma militante do MST:

Hoje em dia os assentamentos estão com graves problemas de entrada do sistema de agronegócio. Desde plantação de monoculturas, intenso uso de agrotóxico, insumos, empresas de integração para produção de frango, de suínos, de fumo, estão tomando conta de nossos assentamentos. A gente conquista terra e dá terra de graça para eles de novo (apud Tardin et al, 2009a, p.6).

No entanto, Tardin et al (2009a) também argumentam que a

intencionalidade voltada para produção agroecológica já existia no movimento

desde os anos 1980, uma vez que as famílias que formavam a base do

movimento vinham de uma experiência de agricultura tradicional, onde se

insistia em práticas naturais e com baixo uso de insumos químicos. Estas

primeiras experiências são hoje fundamentais para que o movimento recoloque

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a agroecologia como estratégia política e produtiva de resistência e de

enfrentamento ao agronegócio.

Na visão da coordenação nacional do MST, o principal veículo utilizado

pelo Estado no estímulo à adoção do pacote tecnológico da revolução verde

entre os agricultores foi a extensão rural pública, onde se destacou o papel dos

técnicos no convencimento de que as tecnologias modernas eram superiores

às tradicionais e o recurso material estratégico foi o crédito agrícola subsidiado

(MST,2009-2010).

No entanto, o MST considera que estas famílias trazem um importante

legado para a construção e fortalecimento da agricultura camponesa.

Ao conquistarem a terra assim persistiram e resistiram no interior dos assentamentos com suas práticas e conhecimentos agriculturais de mínimo impacto negativo na natureza e na saúde humana. São hoje importantes e destacadas referências para apoiarem a mudança radical e revolucionária que a realidade impõe ao conjunto das famílias assentadas e acampadas e ao fortalecimento da resistência e da organicidade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST, 2009-2010, p. 35).

Ao longo dos anos 1990 e 2000, as formas de adoção da agroecologia

nos assentamentos foram variadas: eliminação do uso de agrotóxicos em

algumas culturas ou em todas ao mesmo tempo e, de modo mais efetivo,

houve também a ruptura com todos os procedimentos da agricultura

convencional. Neste sentido, os resultados mais gerais obtidos com a

agroecologia se referem, em primeiro plano, a produção de alimentos

saudáveis para o consumo das próprias famílias, mas também foi possível

organizar o escoamento da produção em feiras locais, redes de

comercialização de produtos agroecológicos, e houve a possibilidade de

inserção em canais institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos

(PAA) e em compras da agricultura familiar para merenda escolar.

Na avaliação do MST, a implantação da agroecologia nos

assentamentos de reforma agrária significa a possibilidade de cumprimento da

função social e ambiental da terra. “Onde antes, com o latifúndio, reproduzia-se

a exploração do ser humano e a degradação da natureza, agora produzimos

alimentos e recuperamos a natureza” (MST, 2009-2010, p.37).

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As distintas motivações e os diferentes métodos utilizados nas

experiências, que vem se ampliando, são indicativos de possibilidades de

estabelecimento de uma nova relação com a natureza e com os próprios seres

humanos. A produção de alimentos e meios de trabalho passa a ter forte

referência na capacidade dos agroecossistemas e recursos locais, no sentido

de utilização das forças da natureza como aliadas da produção e não como

forças a serem controladas e combatidas como na produção convencional.

O desenvolvimento das forças realmente produtivas, na produção

agroecológica, contribui para a formação da consciência social e ambiental,

onde as forças da natureza e do trabalho são utilizadas na direção da ruptura

da alienação e exploração que constitui o processo de produção do

agronegócio. Assim, estas experiências de agroecologia contribuem

concretamente para a construção de um projeto de sociedade anticapitalista,

pois, para além da crítica ao modelo produtivista do capital, elas já demonstram

possibilidades concretas e força humanizadora.

Para o MST, assegurar um modelo agrícola baseado na produção de

alimentos saudáveis e na preservação ambiental está diretamente relacionado

com o fortalecimento da agricultura familiar e com a realização da reforma

agrária, como forma de reafirmar o conceito de soberania alimentar e de se

confrontar com o modelo do agronegócio. Este modelo hegemônico de

agricultura, que “transforma os alimentos em mercadorias para a obtenção da

ampliação da taxa de lucros, enquanto relega a um bilhão de pessoas a passar

fome no mundo”, torna-se a expressão máxima da destrutividade do capital em

relação aos seres humanos e a natureza. A coordenação nacional do MST

afirma a agroecologia como “estratégica para mudar o modelo tecnológico e

produtivo da agricultura brasileira”, se tornando também numa “ferramenta

principal para derrotar o modelo de agronegócio” (MST, 2009-2010, p.10).

Também se torna explícita a preocupação com fatores necessários para

a implantação e sustentação da agroecologia como a adoção de tecnologias

que aumentem a produtividade e diminuam a penosidade e o tempo do

trabalho aliado à conquista de outras atividades produtivas, por meio de formas

cooperadas de trabalho; o aumento da eficiência na captação e uso da energia

solar e outras energias alternativas ao modelo fóssil que sustenta a atual

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agricultura e maior apoio ao meio rural para a manutenção do equilíbrio

ambiental.

É importante pontuar, como discutimos no capítulo anterior, que o

desenvolvimento da agroecologia envolve ações coletivas tanto na produção

como na circulação e consumo de alimentos. Neste sentido, as experiências

realizadas pelo MST destacam processos de cooperação para a transição

agroecológica como a da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória

(COPAVI) e da Cooperativa de Produção e serviços de Pitanga Ltda.

(COOPROSERP), ambas no Paraná, analisadas em monografias de alunos da

ELAA (ELAA, 2009). Também foi destacada pelo movimento, a experiência de

Cooperação Agrícola e Agroecologia no assentamento Santa Maria no Paraná.

No âmbito da circulação e consumo da produção agroecológica vêm sendo

desenvolvidas iniciativas de comercialização através de feiras agroecológicas

(conforme relatado nas experiências do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,

Espírito Santo) e de participação em programas institucionais, como PAA e

compra da agricultura familiar para merenda escolar (MST, 2007).

As iniciativas produtivas agroecológicas vêm buscando priorizar os

circuitos curtos e médios para a circulação (escoamento da produção) e

comercialização dos produtos, com a organização de feiras locais e regionais e

outras formas de distribuição local. Com a distribuição em circuitos curtos e

médios, a agroecologia tem também outros objetivos, como garantir a

qualidade dos alimentos, já que viagens longas danificam os produtos, e ainda

proporcionar um retorno de renda mais rápida para os trabalhadores (MST,

2009-2010; MST, 2007).

As experiências também mostram o desenvolvimento de várias

iniciativas agroecológicas em diferentes biomas brasileiros, como o sistema de

agrofloresta em Minas Gerais e na Amazônia, de mandala no semiárido

nordestino, de rizipsicultura (combinação de cultivo de arroz e criação de peixe)

no Rio Grande do Sul, e de técnicas inovadoras de produção de colméias; de

tratamento de esgoto residencial em assentamentos; de produção de alimentos

e bioenergia e biocombustíveis, experiência fitoterápica, resgatando o uso da

erva medicinal NIM, em Pernambuco, uso da homeopatia em

agroecossistemas em Minas Gerais (MST, 2007; ELAA, 2009; MST, 2009-

2010).

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O MST possui a clareza dos desafios da agroecologia em seus

assentamentos, localizados em quase todos os estados e em todos os biomas

no Brasil. Por isto, as referências das diversas experiências já implantadas em

todos os biomas brasileiros possuem grande relevância. Consideramos que a

grandiosidade do desafio assumido pelo MST nestas experiências também

vem se constituindo em potencialidades para o processo de ampliação da

agroecologia em seus assentamentos.

A reforma agrária e a pequena agricultura brasileira distribuem-se por todo o território nacional, implicando, numa dispersão geográfica pelos diversos biomas, com características de enorme diversidade de flora e fauna, e inserção em microambientes endafo-climáticos extremamente distintos, o que implica uma extraordinária variabilidade quanto ao processo produtivo aí desenvolvido, e, portanto, a necessidade de desenvolvimento de tecnologias adequadas às variadas situações encontradas (CRISTÓFFOLI e FILHO, 2006: 6).

O momento atual expressa o esforço de transição de muitos

assentamentos para a agroecologia, demandando clareza nas análises e ações

a serem desenvolvidas. Neste sentido, consideramos relevantes as

contribuições de Cristóffoli e Filho (2006) em termos do planejamento de

pesquisa em agroecologia. Esta, deve priorizar questões como:

descentralização (onde cada unidade local pertencente a cada tipo de bioma

específico esteja relacionada com as comunidades locais); participação

horizontal entre pesquisador-agricultor a partir de amplo processo pedagógico;

exercício de controle social pelos movimentos populares e comunidades a

partir da formação de lideranças que incorporem esses processos de pesquisa

nos espaços comunitários); preservação e equilíbrio ambiental como norte para

a criação de tecnologias apropriadas; validação social e científica de

tecnologias tradicionais e articulação entre pesquisa, assistência técnica e

organizações associativas de acordo com as diferentes realidades de vida e

produção dos sujeitos envolvidos (povos tradicionais, camponeses, etc.).

Com base na sistematização de experiências feita pelo MST, buscamos

refletir sobre as dificuldades e contribuições que estas vêm trazendo para a

construção do modelo produtivo da agroecologia e para a politização deste

processo, destacando seus principais resultados, desafios e potencialidades.

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Consideramos importante, inicialmente, ressaltar a concepção que norteia a

sistematização de experiências agroecológicas do MST.

[...] é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram entre si e porque o fizeram desse modo. Assim aprendermos e tiramos lições de nossa própria prática (MST, 2007, p. 20).

A sistematização publicada pelo MST em 2007 congrega seis

experiências consideradas significativas:

1 - Cooperação agrícola e Agroecologia: a experiência coletiva do

Assentamento Santa Maria Paranacity - PR, 2006;

2 - MST: Construindo o Núcleo de Agroecologia do Estado do Espírito Santo,

São Mateus - ES, dezembro de 2005;

3 - Territorização do MST na regional de Ribeirão Preto – SP, 2006;

4 - Experiência Agroecológica do MST no Estado do Rio de Janeiro: a

experiência da Comunidade Terra Livre. Resende RJ, janeiro de 2006;

5 - BioNatur e a produção de sementes agroecológicas: uma realidade a partir

de um processo de construção popular. Candiota - RS, 2006 e

6 - Vivência e implantação de agrofloresta no Acampamento Santo Dias.

Guapé – MG, 2006.

Conforme sinalizamos anteriormente, uma das experiências mais

significativas, considerada como precursora para a construção da agroecologia

no MST foi a produção de sementes de hortaliças no Rio Grande do Sul, na

região que hoje pertence aos municípios de Hulha Negra e Candiota, que

começa a partir do pacote tecnológico da revolução verde, em 1991 e

consegue realizar um processo de transição para a agroecologia, com a

criação da BioNatur em 1997, constituindo-se atualmente como uma Rede de

Agroecologia de abrangência nacional.

A produção inicial de sementes nos assentamentos era viabilizada pela

Cooperativa Regional dos Assentados (COPERAL), criada em 1991, que

intermediava os contratos de cooperação entre os agricultores assentados com

as empresas convencionais já atuantes na região. A produção seguia a

orientação da assistência técnica baseada na agricultura convencional através

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dos pacotes tecnológicos agroquímicos e, em 1994, 70% das sementes de

hortaliças produzidas e comercializadas pelas empresas privadas vinham dos

assentamentos desta região do Rio Grande do Sul. Os contratos dos

assentamentos com as empresas vigoraram de 1993 a 1996, sendo que, em

1995, a COPERAL construiu uma Unidade de Beneficiamento de Sementes –

UBS, e assumiu a terceirização da produção de sementes através de um

contrato direto com uma empresa o que a levou a registrar-se no Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), constituindo-se legalmente

como uma nova empresa de sementes. A partir de vários questionamentos e

debates sobre a produção convencional de sementes e de capacitação e

assistência técnica em agroecologia, foi construída a possibilidade de criação

da BioNatur como uma empresa de sementes agroecológicas.

A experiência, que inicialmente era local e microrregional, ampliou sua

abrangência e significação com a criação da Rede BioNatur de sementes

agroecológicas, em 2003, construída como um dos instrumentos do MST para

o enfrentamento com o agronegócio, que demonstra, na prática, outra forma de

produção. Correia (2007) destaca que a BioNatur se transformou na maior

empresa de sementes agroecológicas da América Latina, comercializando 117

variedades de hortaliças, com uma safra média anual de 20 toneladas,

produzidas por 300 famílias de vários municípios do país. O objetivo desta rede

é mostrar a sustentabilidade da reforma agrária com a adoção da agroecologia

através da produção de sementes, como forma de conquista da auto-

suficiência das famílias, da promoção da soberania alimentar e do mercado

solidário.

Consideramos importante destacar esta experiência não só por seu

pioneirismo, mas pelo significado atualmente alcançado de ser uma rede de

multiplicação da experiência de produção de sementes, que é elemento de

base para o desenvolvimento da autonomia dos produtores e para a

massificação da agroecologia nos assentamentos de reforma agrária.

Além desta referência à BioNatur, é importante ampliarmos nossas

reflexões acerca das outras cinco experiências sistematizadas e publicada pelo

MST, destacando algumas observações mais gerais sobre as mesmas.

Ressaltamos que estas experiências avaliadas como bem sucedidas no MST,

não representam modelos a serem seguidos, pois temos clareza que ainda são

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exceções no conjunto de assentamentos, que estão presentes nos 23 estados

em que o movimento está organizado. No entanto, estamos convencidos de

que são demonstrações concretas de que é possível construir a agroecologia

nas áreas de reforma agrária (acampamentos e assentamentos).

As principais dificuldades relacionadas ao desenvolvimento destas

experiências se relacionam a questões políticas, produtivas e econômicas. Do

ponto de vista político, uma primeira dificuldade é destacada numa experiência

que vem sendo realizada em área de acampamento, que lida com a freqüente

insegurança de permanência na área cultivada. Outras dificuldades políticas

mais amplas se relacionam diretamente ao enfrentamento do modelo

dominante de agricultura do agronegócio, onde predomina a monocultura, o

extrativismo não sustentável, cultivos transgênicos, em regiões do entorno dos

assentamentos. Além disto, são ressaltadas questões relacionadas à legislação

de sementes no Brasil que privilegia as grandes corporações; a existência de

políticas públicas majoritariamente voltadas para o agronegócio e uso intensivo

de agroquímicos; formação técnica das escolas e universidades ainda é

conduzida, majoritariamente, para aplicação de pacotes tecnológicos da

revolução verde.

As maiores dificuldades produtivas estão associadas ao trabalho da

agroecologia, como um todo, pois a exploração irracional da agropecuária

extensiva e de monoculturas do agronegócio é responsável pela degradação

da vegetação, dos solos e dos recursos hídricos, destruindo as riquezas

naturais, que precisam ser reconstruídas nas áreas de reforma agrária.

Também existe insuficiência de capacitação e compreensão tanto de

assentados como de técnicos, dirigentes e órgãos públicos sobre as

estratégias produtivas e tipo de cultivos mais pertinentes às diferentes regiões

e biomas.

As dificuldades econômicas se relacionam primeiramente à falta de

recursos financeiros e de crédito para iniciar e expandir cultivos; e também a

escassez de recursos para custeio de viagens para capacitação, participação

de eventos e intercâmbios para conhecer outras experiências produtivas em

agroecologia.

Na sistematização destas experiências, podemos perceber o esforço do

MST de realização prática da agroecologia buscando referências e parcerias

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com outros sujeitos coletivos como ONGs e movimentos sociais (CPT, MPA,

PTA, Certificadora Chão Vivo) e com instituições públicas como a EMBRAPA,

EMATER, Ministério do Meio Ambiente e universidades públicas, através de

cursos, assessoria, projetos de extensão e pesquisa para a capacitação e

qualificação dos trabalhos. Observamos que, entre os elementos comuns

destas experiências, estão a forte presença do MST nestes locais, permitindo

que as famílias participem de forma bastante ativa do Movimento,

principalmente através de encontros, mobilizações e outros espaços, que são

fortes componentes formativos deste processo. Em várias experiências a

articulação de algum projeto inicial de capacitação, de extensão, pesquisa, etc.

foi importante ponto de partida para o fortalecimento das experiências, para o

desenvolvimento de habilidades e para o estabelecimento de parcerias para os

projetos ligados à agroecologia que vem apoiando os processos de transição.

Também identificamos como resultado destas experiências a presença

de centros de formação do MST em assentamentos, como em São Mateus

(ES) e na região de Ribeirão Preto (SP),onde foram criados cursos de

capacitação formais e informais com ênfase na agroecologia e atividades

conjuntas de formação, produção agroecológica e fortalecimento da cultura

camponesa. Estes centros de formação recebem e oferecem cursos,

seminários e oficinas voltados para o aprendizado prático de manejo

agroecológico e aproveitamento do espaço, trabalham na criação de hortas

para subsistência, doação, troca solidária e comercialização de produtos

agroecológicos.

Chamou-nos atenção, nestas experiências, a existência de

assentamentos coletivos, como as “Comunas da Terra”, com a organização da

produção e do trabalho coletivo e cooperado, sem divisão de lotes individuais;

moradia em agrovilas, proporcionando facilidades no provimento de infra-

estrutura coletiva (rede elétrica, rede de água, estradas), implantação de

agroindústrias, recuperação de áreas degradadas com reflorestamento, plantio

em áreas de nascentes para recuperação, melhor aproveitamento e uso do

solo e da água, redução e substituição de agrotóxicos e insumos químicos,

adoção do sistema de produção de leite em Pastoreio Racional Voisin -

PRV(integrando a produção animal e vegetal). E ainda a produção de

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sementes crioulas, a criação de banco de sementes, a realização de mutirões e

trocas de dia de trabalho entre as famílias e a criação de viveiros de mudas.

O resultado do mapeamento da biodiversidade nestas experiências

demonstra que, em áreas degradadas e onde havia apenas pastagem,

atualmente possuem diferentes variedades de legumes, verduras e frutas;

criação de pequenos animais e o restabelecimento da biodiversidade, com

retorno de pássaros e animais silvestres. A preservação das bases dos

recursos naturais está interligada à manutenção da capacidade produtiva e,

conseqüentemente, à preservação dos solos, por meio de práticas adequadas,

que cuidam das fontes de água, assim como das matas ciliares das regiões.

Os resultados obtidos podem ser avaliados como avanços dentro deste

longo processo de modificação da matriz tecnológica de produção nas áreas de

assentamento e acampamento, com o aumento da confiança das famílias em

testar, avaliar, interiorizar e mudar as formas de produzir. Em nossa análise,

estas experiências revelam o esforço realizado na (re) criação de laços de vida

coletiva e de novas sociabilidades, que vão muito além de experiências

produtivas, pois agregam elementos educativos, formativos e políticos neste

processo de construção concreta da agroecologia.

A partir das experiências que se realizam em diferentes realidades,

podemos perceber que a luta pela Reforma Agrária vem sendo qualificada com

a agroecologia através da ampliação da consciência ambiental, social, política,

econômica e cultural, gerando processos que contribuem para transformações

sociais nos assentamentos e em seu entorno. O dinamismo do MST e da Via

Campesina, através de parcerias, principalmente com as universidades

públicas, vem proporcionando também a ampliação da formação de quadros

dirigentes a partir da perspectiva da agroecologia não só como técnica, mas

também como um processo político decisivo na transformação da realidade do

campo.

As principais potencialidades destas experiências se referem à

capacidade do MST promover a visibilidade da reforma agrária e da

agroecologia nos estados; a possibilidade de organizar a cadeia produtiva e a

comercialização de produtos regionais; ampliação da comercialização direta

pelos agricultores, principalmente em assentamentos que tem proximidade com

centros urbanos e com o mercado local; qualificação de processos coletivos de

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organização e cooperação para a produção e comercialização dos produtos;

produção de alimentos, mudas e animais sadios e maior utilização de insumos

locais para a produção agrícola. A ampliação da organicidade como um

instrumento de motivação e desenvolvimento da consciência dos assentados,

com ênfase na cooperação pode proporcionar a construção de uma nova visão

de agricultura, como um sistema integrado em várias atividades interligadas,

mantendo um equilíbrio ambiental fundamental para a preservação do meio

ambiente e para a produção de alimentos saudáveis nos assentamentos.

3.3.2 A agroecologia como estratégia política: a dimensão

educativa e formativa no MST

É importante, neste processo de compreensão da agroecologia como

estratégia de luta e resistência do MST, problematizarmos, especificamente, as

práticas formativas e educativas desenvolvidas pelo movimento. O trabalho de

Guhur et al. (2012) analisa as práticas educativas de formação profissional em

Agroecologia desenvolvidas pela Via Campesina e o MST do estado do Paraná

(MST/PR), destacando os fundamentos e os elementos constitutivos do método

pedagógico para a educação em agroecologia relacionados: a dimensão

educativa trabalho, a organização e gestão da coletividade, a capacitação, as

estratégias para a formação do técnico pesquisador e o Diálogo de Saberes.

Partindo do pressuposto de que estes elementos são comuns à articulação das

escolas do Paraná, destaca algumas particularidades das práticas de formação

em agroecologia da Escola Milton Santos e da Escola Latino Americana de

Agroecologia, apontando aprendizados e desafios desse processo. É

importante ressaltar que este trabalho se constitui num exercício de síntese

coletiva que agrega diversas fontes, incluindo pesquisas dos próprios autores,

que também são dirigentes do MST e educadores destas escolas e centros de

formação em agroecologia (TONÁ, 2007; GUHUR, 2010; LIMA, 2011, TARDIN,

2006), documentos produzidos pelas escolas e centros (Projetos Político-

Pedagógicos, relatos de reuniões, etc.) e pelo MST (Projeto político-

pedagógico da ENFF, cartilhas, cadernos, relatórios).

Desta forma, consideramos que a originalidade e a legitimidade das

questões levantadas por estes autores (que, de fato, expressam o pensamento

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de sujeitos coletivos como a Via Campesina e o MST) são de grande

importância para a nossa compreensão dos processos de formação em

agroecologia no MST, como um dos principais elementos fortalecedores da

agroecologia, tanto como estratégia produtiva como política. Tivemos acesso

aos trabalhos individuais destes autores, monografias de alunos de diversos

cursos de educação e formação em agroecologia, que também se constituíram

para nós em importantes referências.

As iniciativas de práticas educativas em Agroecologia no Paraná tiveram

início em 2002, sendo criados, em 2003, Cursos Técnicos em Agroecologia, a

partir de lutas travadas por sujeitos sociais e coletivos, no contexto de um

movimento nacional “Por uma Educação do Campo” e do processo de

construção de um “Projeto Popular para o Campo”, compreendidos como

processos articulados e mediados por determinações produzidas no interior

das relações sociais na sociedade capitalista contemporânea, tendo em conta

o caráter singular do desenvolvimento capitalista no campo e os embates na

esfera das políticas educacionais brasileiras. Na visão dos autores,

É parte do esforço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, por criar as condições materiais de implementação da agroecologia nos assentamentos e acampamentos, e também no esforço de conquistar espaços para a luta da Reforma Agrária e por uma transformação social mais ampla (GUHUR et al, 2012,p2).

A criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -

PRONERA, em 1998,é considerada uma grande conquista dos movimentos

sociais, com o protagonismo do MST, fortalecida pelas parcerias, com as

universidades públicas brasileiras, que se iniciam nos anos de 1990.

De acordo com os autores citados, são quatro as Escolas/Centros de

formação da Via Campesina e do MST/PR, que se constituem como escolas de

educação popular, não estando diretamente integradas à rede pública de

ensino: O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em

Agroecologia (CEAGRO)27;A Escola José Gomes da Silva (EJGS)28; A Escola

27

O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia – CEAGRO foi

criado em 1998como primeiro Centro de formação constituído pelos assentados de Reforma Agrária no Paraná, localizando-se no assentamento Jarau, no município de Cantagalo, região centro-sul do Estado. Em Rio Bonito do Iguaçu, no assentamento Ireno Alves, foi criada uma segunda unidade (denominada de unidade Vila Velha), que oferece cursos Técnicos em Agroecologia desde 2003. A partir de 2009, passa a oferecer também o Curso Tecnologia em Gestão de Cooperativas (graduação), em parceria com a Universidade de Mondragón,

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Milton Santos (EMS)29 e a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA)30.

Nesses lugares, as modalidades dos Cursos em Agroecologia oferecidos são:

Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia (modalidade das

primeiras turmas, quando ainda não existia o reconhecimento formal e

institucional, da formação em agroecologia), Técnico em Agroecologia/ Ensino

Médio Integrado, Técnico em Agroecologia/Educação de Jovens e Adultos,

Técnico em Agroecologia (ênfase em Sistemas Agroflorestais), Técnico em

Agroecologia (Habilitação para a Produção de Leite) e Tecnólogo em

Agroecologia (nível de graduação). Estes cursos contabilizavam, até 2012, a

formação de mais de 380 educandos, com a previsão de mais três turmas até

2014.

As parcerias para a realização destes cursos no Paraná se deram com o

Instituto Federal do Paraná (IFPR), responsável pela emissão da certificação, e

Espanha; e em 2012, foi criado o Curso Técnico em Meio Ambiente, com ênfase em Saúde Ambiental, através uma parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Osvaldo Cruz. 28

A Escola José Gomes da Silva– EJGS foi fundada em 2000, localizando-se na sede do ITEPA - Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), no assentamento Antônio Companheiro Tavares, município de São Miguel do Iguaçu, região oeste do Paraná. Neste lugar foi criado o primeiro curso de Agroecologia do Paraná, promovido pela Via Campesina numa experiência que não foi institucionalizada, sendo, portanto, considerada pelos movimentos sociais, como de caráter popular, e que se caracterizou como um laboratório metodológico dos atuais cursos formais, que foram desenvolvidos em todo Estado. Além desta iniciativa, também foi criado um Curso Técnico em Saúde Comunitária de ensino médio. 29

A Escola Milton Santos – EMS foi criada em 2002, na cidade de Maringá-PR. Caracteriza-se com um centro de educação em agroecologia e desenvolvimento sustentável dos movimentos sociais populares do campo, passando a oferecer desde 2003, o Curso Técnico em Agroecologia, em diferentes modalidades, de acordo com a demanda existente. O ensino se dá em cursos pós-médio, integrado ao ensino médio; e integrado ao ensino médio/Educação de Jovens e Adultos (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA). A partir de 2013, a escola também proporciona o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo em parceria com a Universidade Estadual de Maringá-UEM para atender, prioritariamente, às regiões Norte, Norte Pioneiro, Noroeste e Centro-oeste do Estado do Paraná, contemplando também educandos de outras regiões. 30

A Escola Latino Americana de Agroecologia – ELAA foi criada em 2005, e formalizada durante o V Fórum Social Mundial, pela Via Campesina, com apoio dos governos do Estado do Paraná, Bolivariano da Venezuela, Federal do Brasil e Universidade Federal do Paraná. A ELAA está sediada no Assentamento Contestado, no município da Lapa, desenvolvendo curso de Tecnologia em Agroecologia, em parceria com o Instituto Federal do Paraná, sendo a primeira escola de Agroecologia de nível superior do país. Vem recebendo educandos de vários Estados do Brasil e de outros países (Haiti, Republica Dominicana, Colômbia, Paraguai, Equador). Atualmente a Via Campesina Brasil, em parceria com o Instituto Federal do Paraná - IFPR institucionalizou a ELAA como Unidade de Educação Profissional, assegurando recursos orçamentários para efetivação das obras físicas, contratação de pessoal, manutenção geral e desenvolvimento das ações relacionadas ao curso de Tecnologia em Agroecologia e aqueles que passarão a ser ofertados oportunamente (Técnico de nível médio em Agroecologia e Licenciaturas).

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com recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA), vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA).

Estes espaços formativos em agroecologia estão articulados às

estratégias e aos princípios comuns defendidos pelo MST e pela Via

Campesina, não se constituindo em redes, mas em articulações, baseadas em

trocas de experiências, encaminhamentos conjuntos e em constante debate,

que resguardando as particularidades, dinâmica e autonomia de cada

experiência, se direcionam para a construção de uma perspectiva mais unitária.

Em contraposição ao modelo de produção da agricultura produtivista

capitalista, que se expressa fortemente no combate aos agrotóxicos e aos

organismos geneticamente modificados, a adoção da agroecologia vem

orientando os processos de educação e formação do MST, uma vez que a

concepção assumida pelos movimentos da Via campesina abrange,

conjuntamente, o cuidado e a defesa da vida, a produção de alimentos e a

ampliação da consciência política e organizacional, considerado como

[...] inseparável da luta pela soberania alimentar e energética, defesa e recuperação de territórios, reformas agrária e urbana, aliança entre os povos do campo e da cidade e cooperação[...] consciente e livre, tomada como o meio fundamental para a superação da divisão social do trabalho e conseqüentemente da alienação dos sujeitos trabalhadores ( GUHUR et al, 2012,p. 8).

A fundamentação teórico-metodológica dos centros/escolas de formação

se baseia nos princípios filosóficos e pedagógicos da educação e da pedagogia

construídos pelo MST a partir de três principais fontes: a Pedagogia Socialista,

a Educação Popular e o materialismo histórico dialético. O MST vem

construindo, a partir de sua luta, processos pedagógicos orientados pelo

projeto de Educação do Campo, que se manifesta “na ação prática da relação

entre ciência, cultura e trabalho como principio educativo, dimensões básicas

da educação omnilateral” 31 (FRIGOTTO, 2012, p.271).

31

Omnilateral é um termo que vem do latim e cuja tradução literal significa “todos os lados ou

dimensões”. Educação omnilateral significa, assim, a concepção de educação ou de formação humana que busca levar em conta todas as dimensões que constituem a especificidade do ser humano e as condições objetivas e subjetivas reais para seu pleno desenvolvimento históricos. Essas dimensões envolvem a sua vida corpórea material e seu desenvolvimento intelectual, cultural, afetivo, estético e lúdico. Em síntese, educação omnilateral abrange a educação e a emancipação de todos os sentidos humanos (FRIGOTTO, 2012, p. 265).

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O conceito de Educação do Campo que sustenta o projeto pedagógico

do MST vem sendo construído pelos trabalhadores do campo e pelo próprio

movimento, com o objetivo de influenciar a política de educação a partir dos

interesses sociais das pessoas do campo. Para Caldart (2012, p.257),

Objetivo e sujeitos a remetem à questão do trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que tem implicações no projeto do país e de sociedade e nas concepções de política pública, de educação e de formação humana.

A partir de uma perspectiva ampliada de educação e de formação

humana, o método pedagógico de formação em agroecologia não se restringe

à dimensão técnica, uma vez que o perfil do educando que se pretende formar

é concebido

[...] como militante-técnico-educador em agroecologia, que envolve: capacidade crítica de compreender e intervir ativamente na realidade concreta das comunidades camponesas, utilizando tecnologias adequadas aos seus interesses e necessidades; de contribuir para fortalecer os processos de transformação da sociedade, orientando e promovendo a reconstrução ecológica da agricultura e o desenvolvimento de formas sociais de cooperação; comprometimento e qualificação para estabelecer mudanças na relação com as famílias camponesas, superando a “insistência técnica” em direção à convivência dialógica (ELAA, 2005). (GUHUR, 2012, p.6).

A base da proposta pedagógica dos Centros/Escolas de Formação da

Via Campesina e do MST/PR se referencia no Projeto Político Pedagógico da

ENFF e nas práticas educativas consolidadas na primeira experiência de

educação profissional do MST, o Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC),

que foi criado em 1995, em Veranópolis (RS), ligado ao Instituto Técnico de

Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária - ITERRA. Contemplando a

especificidade da formação em agroecologia, destacamos inicialmente, três

eixos metodológicos, que de antemão, diferenciam qualitativamente a

estruturação desta proposta pedagógica: Regime de alternância; Organização

dos tempos educativos e Organização de coletivos.

O regime de alternância contempla o Tempo-Escola (período que varia

de 40 a 75 dias consecutivo), com atividades de formação programadas e

desenvolvidas de modo intensivo na escola/centro e o Tempo-Comunidade

(período que pode variar de 60 a 90 dias) em que os estudantes voltam para

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suas comunidades de origem, onde já desenvolvem a militância relacionada ao

movimento social de que fazem parte. Nestes locais, os educandos/militantes

desenvolvem atividades requeridas pelo curso (como estudo dirigido,

pesquisas, oficinas, estágios, sistematização de experiências agroecológicas,

etc.), articuladas a trabalhos relacionados ao curso, delegados pelas suas

organizações ou movimentos sociais. Desta forma, estes dois tempos

pedagógicos, que se alternam, possuem especificidades, mas estão

diretamente relacionados.

Os tempos educativos desenvolvidos durante o Tempo-Escola

organizam as atividades dos educandos e educadores, contemplando vários

tempos(Tempo Aula, Tempo Autogestão, Tempo Leitura, Tempo Oficina,

Tempo Trabalho, Tempo Cultura,etc.), pois além das aulas, abrangem outras

atividades, que constituem as várias dimensões da formação humana,

proporcionando aos educandos aprendizados relacionados ao processo de

organização e auto-organização, conciliando a organização do tempo pessoal e

do tempo coletivo em relação às tarefas necessárias (como estudos individuais

e em grupos, trabalhos de produção agroecológica na área do assentamento,

onde se localizam as escolas/centros,trabalho de limpeza e organização do

refeitório, alojamento,dentre outros). Desta forma, as diversas dimensões

pedagógicas assumidas envolvem o estudo, o trabalho, a organicidade (que

seria a organização da gestão, envolvendo a auto-gestão e a co-gestão) e a

convivência coletiva. A organização dos educandos em coletivos e espaços

também é parte da estratégia pedagógica que é essencial para a realização de

tarefas e espaços coletivos e para o alcance destes aprendizados também

coletivos.

Neste processo educativo, outros eixos metodológicos dão especial

significado à formação em agroecologia: o trabalho como elemento

pedagógico; a formação integrada ao processo de produção; a relação escola e

comunidade como elemento estratégico; e a qualificação aliada à escolarização

e à formação política. Guhur et al (2012) nos ajudam a compreender a

articulação destes eixos metodológicos através de cinco questões

fundamentais: a dimensão educativa do trabalho; organização e gestão da

coletividade; capacitação;estratégias para a formação do Técnico Pesquisador;

o diálogo de saberes.

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Em relação à dimensão educativa do trabalho, a concepção do MST é

de que

[...] a educação dos sujeitos se concretiza ao ser mediada pelo trabalho e em seu Projeto Educativo estabelece uma relação entre trabalho, cooperação e educação. [...] Pelo trabalho, produzimo-nos como sujeitos sociais e culturais, as formas como produzimos a vida material nos produzem, o como trabalhamos, nos forma ou deforma. O trabalho, para ser educativo, exige reflexão sobre o que se faz, como se faz, por que se faz assim ou por que se organiza o trabalho deste e não de outro modo (ITERRA, 2004) (GUHUR et al., 2012,p.8-9).

Como exemplo prático, tem-se a organização em diversos espaços e

coletivos: em equipes (esporte e lazer, saúde, memória, etc.); nos núcleos de

base32 que realizam o trabalho socialmente útil e necessário à coletividade,

como já mencionamos (preparo de refeições, lavagem de louças, limpeza dos

espaços coletivos, etc.); e nos setores de trabalho nos âmbitos administrativo,

serviços gerais, pedagógico, político organizativo e produtivo (que integra a

produção agropecuária e agroflorestal agroecológicas).

A organização e gestão da coletividade na formação relacionam

processos, que envolvem os educandos dos cursos e o coletivo de

trabalhadores voluntários, interligando a autogestão e a co-gestão no conjunto

de atividades da escola. O trabalho coletivo torna-se indispensável para

atender desde as necessidades mais simples e imediatas às mais complexas.

E especificamente, em relação à agroecologia, as ações sociais coletivas

articuladas à luta política requerem o exercício e o aperfeiçoamento destas

relações. O processo de capacitação envolve o desenvolvimento de

experiências práticas (de caráter produtivo ou organizacional), tanto no Tempo-

Escola como no Tempo-Comunidade.

Para delimitar o campo de conhecimentos da agroecologia, os cursos

definem linhas de pesquisa e intervenção unindo a formação à materialidade

dos assentamentos. A experiência de formação da Escola Milton Santos

instituiu a produção de auto-sustento; bovinocultura de leite; culturas regionais

32

Os núcleos de base (NB), que se constituem [...] “são os coletivos de base na estrutura organizativa do MST e outros movimentos da Via Campesina, e os cursos mantém essa mesma forma de organização. Cada NB é composto por 7 a 10 pessoas, que devem escolher dois coordenadores (preferencialmente, um homem e uma mulher), um relator e um responsável pela disciplina” (p.9)

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(cana-de-açúcar e café) como focos para o Curso Técnico em Agroecologia.

Estes focos foram adequados para os territórios em que se inserem as

Escola/Centros, o que também pudemos observar que vem acorrendo como

diretriz de outras experiências em assentamentos do MST, que desenvolvem

processos de formação. Devido à abrangência do processo formativo nestes

centros/escolas, a capacitação em agroecologia ocorre em diversos espaços

(organizativos, pedagógicos, etc.), mas é o Setor de Produção, Cooperação e

Meio Ambiente que dá materialidade a este aprendizado prático, a partir da

vinculação com o seu plano de manejo, suas estratégias e demandas de

produção e comercialização, ponderando suas condições materiais e seus

desafios. As práticas instituídas nestes espaços visam a se constituir em

referências (e não em modelos a serem copiados) para outras experiências nos

assentamentos. Consideramos importante pontuar que uma das dificuldades

encontradas nestes centros/escolas é a formação de um coletivo de

educadores permanente para os cursos técnicos pela rotatividade dos

mesmos, que são voluntários, agravado ainda pelo desconhecimento de muitos

professores da realidade dos assentamentos.

Dentre as estratégias utilizadas para a formação do técnico

pesquisador, a partir da indissociável relação entre o ensino e a pratica

agroecológica, os Centros e Escolas do Paraná agregam a inserção nas

Unidades de Produção Agroecológicas (UPAs) ou nas Unidades Camponesas

Agroecológica (UCAs), como são chamadas na ELAA, o Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) e o Diálogo de Saberes.

Os educandos são inseridos nestes espaços produtivos e grupos com

a responsabilidade de desenvolver atividades práticas e/ou econômicas que

podem envolver a experimentação e a pesquisa, durante o tempo-escola. As

dificuldades encontradas para a viabilização deste processo se relacionam à

falta de condições materiais ou ao conflito entre pesquisa e produção, que

podem ocorrer entre as UPAs (sob responsabilidade dos educandos) e os

Setores de Trabalho (sob a responsabilidade de trabalhadores permanentes)

(TONÁ, 2007; GUHUR et al,2012).

Concordando com as conclusões de Guhur et al (2012) reforçamos que

a capacitação em agroecologia oferecida/construída nestes espaços

formativos, efetivamente, se direcionam para a ruptura com o ensino

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fragmentado instituído pelo capital, pois o desafio que vem sendo enfrentado

coletivamente é unir o pensar e o fazer, ou tornar a concepção/direção e

execução, como unidades indivisíveis. Neste sentido, consideramos que, por

certo, a construção e a sustentação da agroecologia como nova matriz

tecnológica, envolve a produção e a luta política e demanda o aperfeiçoamento

dos conhecimentos científicos e humanos, que ultrapassam a capacitação

técnica requerendo rigor na análise e na ação sobre a natureza e a sociedade.

A realização do TCC é exigida em todas as escolas de agroecologia do

Paraná, mesmo em cursos de nível médio e técnico e a escolha do tema

concilia questões de interesses dos educandos e necessidades apontadas por

suas organizações, constituindo-se num importante exercício de síntese.

Considerando que a agroecologia requer a interlocução de diferentes

sujeitos, com saberes também diferenciados (saber técnico-científico de várias

áreas do conhecimento e o saber tradicional), uma das estratégias que está

sendo construída pelo MST é o diálogo de saberes.

O Diálogo de Saberes (DS), no encontro de culturas, é um método de

trabalho de base em agroecologia, que se propõe mediar relações dialógicas e

horizontais entre técnicos e camponeses, e destes entre si. O DS pode ser

definido tanto como um método de trabalho de base quanto como uma

modalidade de pesquisa-ação que envolve a comunicação rural e a educação

popular, no âmbito de movimentos sociais autônomos (o MST e a Via

Campesina), centrada num processo de mudanças e inovações ao nível da

produção e reprodução da existência e resistência camponesa, vinculada a um

projeto de campo (e de sociedade) mais amplo (GUHUR, 2010). O objetivo do

DS é “[...] a busca de um sistema de compreensão e planejamento dos

agroecossistemas familiares ou coletivos” (TARDIN, 2006, p. 1), de modo a

alcançar o desencadeamento da experimentação em agroecologia, bem como

avanços na ação político-militante. São exemplos destas ações, a

experimentação local e a constituição de redes camponesas de agroecologia, e

a busca por avanços na participação política no seu movimento social de

origem. O DS inspira-se, de um lado, na experiência histórica das comunidades

camponesas e nos métodos de trabalho de base desenvolvidos pelos

Movimentos Sociais Populares na América Latina – em especial o Programa

Campesino a Campesino, em diversos países da América Central – e, de outro

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lado, fundamenta-se na produção científica em três campos: a Pedagogia

Freiriana, a Agroecologia e o Materialismo Histórico-Dialético. A necessidade

de um diálogo de saberes se inscreve numa concepção de Agroecologia que

reconhece os povos do campo e da floresta como seus sujeitos privilegiados,

portadores de um saber legítimo, construído por meio de processos de

tentativa e erro, seleção e aprendizagem cultural, e que lhes permitiu captar o

potencial dos agroecossistemas onde convivem há gerações (GUHUR, TONÁ,

2011); (GUHUR et al, 2012,p.12).

Podemos identificar nesta definição e neste processo de construção a

participação de autores/militantes/educadores do MST como Guhur, Tardin e

Toná, todos atuantes nos processos de formação em agroecologia no Paraná,

que são também referência para o MST e outros movimentos sociais. Nas

experiências formativas, o DS articula atividades de campo no Tempo Escola e

no Tempo Comunidade, considerando os agroecossistemas camponeses a

partir de várias dimensões – produção, consumo, relações sociais, participação

política, recursos naturais –, e como parte de totalidades maiores como a

economia local/regional, o modo de produção capitalista na agricultura, o bioma

regional, o movimento social a que pertencem as famílias.

Tardin (2006, p.5) esclarece que o DS

[...] é uma experiência inovadora que vem sendo desenvolvida nos espaços formativos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, e da Via Campesina, em especial, nos cursos formais/escolares de Agroecologia, no estado do Paraná: Trata-se de um método de atuação técnico-política na organização da população base dos Movimentos Sociais Populares do Campo (em especial o MST), na perspectiva de promoção da agroecologia e de formação política.

O diálogo de saberes demonstra coerência com uma requisição

fundamental da agroecologia, como apontamos no capítulo anterior, que é a

necessidade de interlocução entre pesquisadores, técnicos e os camponeses,

entre o saber técnico científico e o saber tradicional acumulado pelos

camponeses no manejo dos agroecossistemas. É importante destacar que os

camponeses, neste diálogo, se constituem como sujeitos, que para além de

terem conhecimentos sobre os agroecossistemas a serem considerados,

também são capazes de criar suas condições de existência, a partir não só de

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conhecimentos empíricos como também de valores, que de fato contribuem

para construções necessárias à criação de uma sociedade mais elevada.

A avaliação de Tardin (2006) pontua a importância de se colocar frente a

frente o conhecimento científico e o conhecimento popular/tradicional, que

camponeses e camponesas constroem, e que o processo de validação, que se

refere à correspondência com o real, vem demonstrando resultados positivos,

principalmente em relação ao fato de que mesmo que os camponeses tenham

dificuldade para explicarem suas percepções, o senso comum, neste caso,

demonstra ter um “núcleo” de bom senso”. Este movimento de diálogo e

confrontação de saberes resgata uma capacidade fundamental dos

camponeses, anteriormente desvalorizada, de produção de interpretações

sobre a relação da agricultura com a natureza.

Consideramos que a pedagogia adotada, os trabalhos no tempo

comunidade, o diálogo de saberes e a síntese final elaborada nos TCC são

elementos que contribuem para a politização da questão ambiental, através da

agroecologia, para a base dos movimentos sociais envolvidos nos processos

de educação. Os experimentos de agroecologia desafiam educadores,

educandos e os camponeses da base na realização efetiva da agroecologia

como ação coletiva.

Assim como nos cursos do Paraná, estas práticas educativas também

ocorrem nos programas de residência agrária, que desenvolvem seus projetos

político-pedagógicos com base nos princípios educativos do MST. Assim, os

espaços das universidades, onde se realizam estes cursos também são

politizados. Os professores das universidades envolvidos não só nas aulas,

mas principalmente nos TCC (orientação e bancas) são verdadeiramente

desafiados neste processo educativo, que certamente politiza a educação

como um todo, mas também evidenciam a manifestação da questão ambiental

no espaço agrário, na medida em que passam a conhecer realidades concretas

dos assentamentos, que enfrentam sérias dificuldades para fazer processos de

transição do modelo da revolução verde para o modelo produtivo e político da

agroecologia.

Muitos TCCs, projetos e experiências vêm sendo divulgados em

encontros, seminários e em algumas publicações, que são importantes meios

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para socializar os esforços, as dificuldades e as potencialidades presentes na

formação e nos assentamentos no processo de desenvolvimento da

agroecologia.

O discurso do MST materializado em ações coletivas, que se constituem

tanto em ações mais amplas de enfrentamento às empresas transnacionais,

como os atos políticos realizados nas jornadas de agroecologia, e também as

campanhas contra os agrotóxicos e em defesa das sementes, quanto as ações

de formação e as práticas produtivas realizadas nos assentamentos são

elementos concretos do processo de politização da questão ambiental e da

agroecologia no MST.

A análise que realizamos em torno das concepções e os

direcionamentos políticos do MST, através das experiências nos

assentamentos e da formação de quadros em agroecologia, nos permitem

afirmar que há, no MST, não só um discurso, mas também iniciativas

produtivas e formativas concretas que constituem uma prática contra-

hegemônica ao agronegócio. A multiplicidade de práticas de agroecologia

desenvolvidas pelo MST e por outros movimentos sociais do Brasil e de outros

países da América Latina, que vem participando de seus processos de

educação e formação, expressam a construção de uma tecnologia produtiva e

de uma estratégia política que se confronta com o modelo de agricultura

capitalista do agronegócio, unindo conhecimentos técnico-científicos contra-

hegemônicos e tecnologias sociais historicamente radicadas e fundamentadas

nas tradições dos camponeses, indígenas e quilombolas.

O desafio enfrentado na qualificação dos educandos, afirmando a

dimensão educativa do trabalho, a partir da perspectiva de Marx e de outros

autores da tradição marxista é de grande proporção, assim como também é a

necessidade de superar as desigualdades presentes na realidade social a partir

de processos educativos, que conduzam práticas voltadas para transformações

qualitativas indispensáveis, para superar as falhas metabólicas causadas pela

agricultura capitalista e construir outro metabolismo social, oposto ao do

capital.

Reafirmamos que o desenvolvimento da agroecologia torna-se essencial

para a construção e defesa de uma reforma agrária de novo tipo (popular), feita

pelo MST em articulação com outros setores das classes trabalhadoras do

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campo e da cidade, que contemple a afirmação de outra matriz produtiva e

política, em contraposição ao agronegócio e sua agricultura capitalista

hegemônica. No entanto, persiste o desafio de fortalecer sua organização

produtiva, educativa, formativa e política não só para o combate aos

transgênicos e agrotóxicos, mas também para a materialização da

agroecologia. Podemos afirmar que a superação do atual modelo produtivo

capitalista na agricultura está articulada, visceralmente, com a luta

anticapitalista.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões que realizamos, a partir da tradição marxista, reafirmam a

necessidade de luta para a construção de uma sociabilidade alternativa à do

capitalismo, a qual só será possível através do estabelecimento de outra

relação sociedade-natureza, onde esta última não poderá ser apropriada como

propriedade privada, pois se constituirá como bem coletivo e como um valor

fundante para a humanidade. Em concordância com Foster (2013),

consideramos que a defesa de outra ordem social metabólica contra a

destrutividade fatal do capital, constitui-se num imenso desafio ao conjunto das

classes subalternas, onde a luta pela igualdade substantiva e pela

sustentabilidade ecológica ocupa lugar central para a perspectiva de revolução

a ser construida. O que Mészáros denomina como sociometabolismo do capital

não se reduz apenas às suas dimensões econômicas, pois que se constitui

num modo de dominação social e numa forma de organização da produção

material. Assim, não há como separar o econômico e o político, ambos centrais

para o exercício da dominação capitalista.

Os estudos que realizamos confirmam que a atual “crise ambiental”

encontra suas causas relacionadas à própria estrutura e modo de

funcionamento do capital, que vem se processando através do esgotamento

duplo, da força de trabalho e da natureza. E o processo de expropriação

camponesa segue sendo um recurso tão antigo e “primitivo”, como atualíssimo,

nesta fase do capitalismo. Soma-se a isto todo o processo de apropriação

privada e de mercadorização da natureza, responsável pela degradação e

destruição ambiental (HARVEY, 2004, 2012).

A produção da agricultura capitalista brasileira, absolutamente

subordinada aos interesses do grande capital internacional, reproduz e

aprofunda a exploração sobre a terra e o trabalhador. Cabe ressaltar a

importância de demarcar o papel do Estado nesta relação, uma vez que o

mesmo foi o grande difusor e financiador do atual padrão agrícola, fruto da

revolução verde, que se impôs como modelo capitalista hegemônico no Brasil a

partir do final dos anos de 1960, assim como é, nos dias de hoje, o grande

aliado do avanço do agronegócio. O Estado Brasileiro ao favorecer o

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agronegócio vem inviabilizando as possibilidades concretas para a afirmação

da agricultura camponesa de base agroecológica para a estrutura brasileira.

No Brasil, desde os anos 1930, o desenvolvimento do capitalismo vem

criando bases para a relação de subordinação da agricultura aos interesses da

indústria que estava sendo impulsionada. Era preciso produzir alimentos

baratos para alimentar a crescente mão de obra das indústrias, e neste sentido,

a agricultura familiar teve papel decisivo. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento

industrial capitalista preparou condições necessárias ao processo de

desenvolvimento das forças produtivas na agricultura com a utilização de

produtos de diversos tipos de indústrias como de máquinas e de insumos

químicos. O resultado foi a implantação da revolução verde na agricultura, que

tem no agronegócio a sua atual face destrutiva. Neste novo contexto, o centro

de acumulação do capital se fortalece na dinâmica da esfera financeira e das

corporações transnacionais, trazendo graves conseqüências a partir do modelo

do agronegócio.

A resolução da fome assumida pela revolução verde além de não ter

sido cumprida, se agravou, com a ampliação da degradação ambiental e do

desemprego, e ainda com a criação de novas técnicas altamente destrutivas

para a natureza e para os trabalhadores rurais, como as sementes

transgênicas, controladas através de patentes pelas empresas transnacionais

do agronegócio, que expressam a inviabilização completa da produção

camponesa gerando insegurança alimentar para toda sociedade.

A ausência do debate, principalmente, por parte dos mais variados

movimentos ambientalistas, assim como na comunidade científica, sobre a

propriedade privada da natureza, considerada como recurso natural para o

capital, e bem ambiental coletivo, para as classes subalternas, demonstra a

marca da questão de classe presente na sociedade capitalista, a qual é

encoberta e despolitizada pela ideologia dominante, através de um discurso

genérico e ao mesmo tempo individualizado e comportamental.

Neste sentido, problematizar a questão ambiental se transforma em uma

questão transversal aos movimentos sociais, não só ambientalistas, mas

também aos sindicatos, partidos políticos e outros, apontando para a

necessidade de convergências de lutas que tenham também como

interlocução, a politização das questões relacionadas ao meio ambiente,

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viabilizando a construção coletiva de uma perspectiva classista para o seu

enfrentamento no capitalismo, através de ações conjuntas.

Com relação a este ponto, as reflexões feitas nos mostram a atualidade

do pensamento gramsciano em relação à necessidade histórica, posta às

classes subalternas, de fortalecimento de seu processo de auto-organização e

educação, no espaço de luta de classes da sociedade civil, para a conquista da

hegemonia. Nesta direção, a politização da questão ambiental no interior do

MST e de outros vários movimentos sociais ligados, por exemplo, à Via

Campesina, coloca questões amplas e diversificadas, que abordam elementos

que ultrapassam a constituição restrita da esfera produtiva. Neste sentido,

fazem parte da perspectiva de politização desta questão tanto à necessidade

de se construir possibilidades concretas de superação das soluções técnicas e

comportamentais (proposições) funcionais ao capital, tais como a apropriação

privada das sementes, quanto a demanda pela criação e aprofundamento de

políticas públicas, numa perspectiva de garantia de direitos sociais para a

construção da cidadania.

A análise das contradições intrínsecas do capital, marcantes na

contemporaneidade, abre, paradoxalmente, possibilidades às lutas para sua

superação pela mediação da política, através da constituição de condições

necessárias à conquista de uma nova ordem societária, tendo a sociedade civil

como espaço privilegiado de luta. O protagonismo das lutas sociais, tendo

como um de seus eixos estratégicos a reapropriação coletiva dos recursos

naturais vem sendo assumido, justamente, por suas maiores vítimas, as

classes subalternas, que serão as únicas capazes de lutar pela superação do

capitalismo e pela conseqüente construção histórica de outra sociedade.

Sendo assim, os estudos realizados nos conduzem para a

compreensão da questão ambiental como uma questão política e do MST

como um sujeito coletivo capacitado e qualificado para este enfrentamento,

tendo a agroecologia como estratégia produtiva e política. A importância da luta

do MST se dá a partir da construção concreta de outra forma de sociabilidade,

baseada na visão da natureza como um bem coletivo, em valores de

solidariedade e no convívio a partir do compartilhamento de responsabilidades.

A natureza como mercadoria e campo de acumulação do capital impõe o

desafio de construir novos parâmetros de existência coletiva dos seres

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humanos no planeta. Os fundamentos desta nova sociabilidade não podem

prescindir das necessárias mudanças na relação da sociedade com a natureza,

destacando a terra como elemento central de suporte material e simbólico da

vida social. Neste sentido, se ergue um duro combate à privatização e

mercadorização dos bens ambientais que são indispensáveis à vida humana

na terra, onde as experiências de lutas, como as do MST, têm muito a

contribuir.

A superação do atual modelo agrário e agrícola, altamente predador dos

recursos naturais, implica, para além da sua crítica, a possibilidade de

construção de alternativas que contribuam para transformações societárias.

Sendo assim, a sociedade civil tem um papel fundamental na politização da

questão ambiental no espaço agrário, tendo a reforma agrária com base na

agroecologia, como um dos elementos centrais para a construção de propostas

coletivas que se confrontem com o modelo de agricultura hegemônico.

As comprovações científicas sobre a relação agronegócio, agrotóxico,

agrocâncer são elementos que dão legitimidade e, portanto, fortalece a reação

de sujeitos coletivos como o MST que, para além da realização da necessária

crítica, elaboram estratégias políticas (como as Jornadas de Agroecologia e

campanhas, como a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida)

para este enfrentamento.

Como tivemos a oportunidade de analisar ao longo deste trabalho, a

politização da questão ambiental vem sendo ampliada pelo MST com a

agroecologia, demonstrando a preocupação e a materialidade de práticas

coletivas direcionadas para a recuperação e preservação da natureza como

extensão da própria vida humana e, para isso, a luta pelo acesso a terra e

demais recursos naturais são elementos vitais para as classes subalternas. A

consideração da questão agrária como uma importante manifestação da

questão social expressa a expropriação tanto da riqueza natural quanto da

riqueza socialmente produzida e, por isto, sua defesa visa alterar as relações

de desigualdade que garantem a reprodução do capitalismo. Desta forma, a

luta do MST em torno da defesa coletiva dos bens ambientais através da

agroecologia se coloca na contra-corrente e desafia diferentes sujeitos

coletivos a criarem processos de politização e de formação de consciência de

classe para fortalecer a emancipação política e humana em relação à

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manifestação do metabolismo social do capital na agricultura trazendo

elementos ao debate da maioria contra o reino da minoria.Parece-nos que as

experiências analisadas no terceiro capítulo, sobretudo, no que se refere ao

processo de formação política e ideológica realizado pelo MST em conjunto

com outros movimentos sociais que compõem a Via Campesina, constitui este

momento de fortalecimento e de materialização dos princípios da emancipação

política e humana proposta pelo movimento em sua dinâmica de construção.

Neste sentido, a agroecologia pode se constituir numa estratégia

altamente relevante por aliar a crítica (fundamentada em evidências empíricas

e comprovações científicas) ao atual modelo capitalista de agricultura

hegemonizado pelo agronegócio, com a demonstração de experiências

concretas em seus acampamentos e assentamentos, fundamentadas num

processo de educação e formação de quadros, que implica no desafio da

construção de possibilidades de diálogo entre o saber popular dos

trabalhadores rurais com o saber científico da academia.

A alteração da estrutura agrária e agrícola, através da reforma agrária

popular do MST se apresenta como defesa de uma agricultura que produza

alimentos saudáveis e acessíveis à toda sociedade. A disputa de consensos e

posições em torno da agroecologia como estratégia produtiva e política, no

âmbito da sociedade civil brasileira, torna-se um desafio que vem mobilizando

e aproximando diversos sujeitos coletivos. São muitos os conflitos que

envolvem o processo de mercadorização da natureza, tendo como caso

exemplar a questão das sementes, expressando embates entre sujeitos

coletivos. Destacamos que estes embates representam a ampliação do

processo de politização da questão ambiental no espaço agrário,

potencializando a relação entre as questões agrária, ambiental e urbana e

desafiando, na mesma medida, os sujeitos coletivos do campo e da cidade.

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