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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO BRASIL (1996/2009): avanços e retrocessos na luta pelo direito à educação na era da cidadania Hérica Angela Borba Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Educação

POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO

NO BRASIL (1996/2009): avanços e retrocessos na luta pelo direito à

educação na era da cidadania

Hérica Angela Borba

Belo Horizonte

2011

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Hérica Angela Borba

POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO

NO BRASIL (1996/2009): avanços e retrocessos na luta pelo direito à

educação na era da cidadania

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre

em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Hermas Gonçalves Arana

Belo Horizonte

2011

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Hérica Angela Borba

POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO BRASIL

(1996/2009): avanços e retrocessos na luta pelo direito à educação na era da cidadania

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre

em Educação.

___________________________________________________________________________

Professor Doutor Hermas Gonçalves Arana (Orientador) – PUC Minas

___________________________________________________________________________

Professora Doutora Maria do Carmo Xavier – PUC Minas

___________________________________________________________________________

Professora Doutora Márcia Soares de Alvarenga – UERJ

Belo Horizonte, 22 de fevereiro de 2011.

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Dedico este trabalho aos jovens brasileiros das classes populares que,

apesar dos percalços e reveses decorrentes das desigualdades sociais,

lutam por uma vida digna e por seus sonhos e projetos de um futuro melhor.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Hermas Gonçalves Arana, pela orientação serena, pelo estímulo e também pela

paciência. Nesses dois anos de convivência aprendi muito. Além da gratidão, o senhor tem a

minha admiração.

Aos professores do Mestrado em Educação, em especial, à Profª. Drª. Maria do Carmo

Xavier, pela elaboração do parecer de qualificação do projeto de pesquisa, cujas contribuições

se expressam neste texto, e pela participação na banca examinadora; à Profª. Drª. Rita Amélia

Teixeira Vilela, pelo acolhimento no grupo de pesquisa “Teoria Crítica e pesquisa empírica

em educação” e pelas aulas tão esclarecedoras que ampliaram horizontes, indicando novas

perspectivas para a compreensão do universo educacional; e à Profª. Drª. Magali de Castro,

pela orientação no estágio de docência no ensino superior e pelo carinho e disposição em

ajudar a todos.

À Profª. Drª. Márcia Soares de Alvarenga, pelas valiosas críticas e considerações apresentadas

na banca examinadora.

Aos funcionários da secretaria do PPGE/PUC Minas, em especial, à Valéria Ermelindo, pela

solicitude e presteza no atendimento.

Aos estimados colegas de turma do Mestrado, pelos momentos de trocas de ideias e

experiências.

À CAPES, pelo apoio, por meio da bolsa PROSUP, que muito contribuiu para a realização

deste trabalho.

Aos meus familiares e amigos que, próximos ou distantes, acompanharam e acompanham

minha travessia desejando sempre o meu desenvolvimento e a minha felicidade.

Singularmente agradeço ao Ronaldo Brant, o mais próximo de todos os amigos e o mais

querido de todos os amores, pela bondade e pelo carinho presentes em cada gesto, palavra e

silêncio.

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“Digo: o real não está na saída nem na chegada:

ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.”

João Guimarães Rosa

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa consistiu em proceder a análises e reflexões sobre as políticas

públicas do MEC para o ensino médio regular, no período de 1996 a 2009, considerando o

discurso enunciado em suas propostas e o objetivo dessa etapa da educação básica: a

formação geral do aluno, cujas finalidades precípuas formais devem se concentrar na

preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania. A busca pela compreensão do

direito à educação, enquanto direito social, portanto fundante da cidadania, num contexto de

desigualdades de toda ordem, como é o caso da nação brasileira, foi o pano de fundo da

pesquisa. O objeto eleito para esta pesquisa perpassa um conjunto extenso de temáticas e

conceitos, de modo que foram escolhidas categorias, desse conjunto, consideradas

fundamentais no seu delineamento. Assim, trabalhou-se com os conceitos de cidadania,

visando à compreensão do atual quadro de acesso ao direito social à educação no Brasil; e de

política pública, buscando o esclarecimento sobre correlação entre as orientações

internacionais e o encaminhamento dado pelo Governo Federal aos processos do campo

educacional do país; e com as temáticas do direito à educação e do ensino médio no Brasil,

objetivando contextualizá-las historicamente já que estão imbricadas em um contexto sócio-

histórico bem demarcado. Tratou-se de uma investigação de natureza qualitativa acerca da

identidade e da função social do ensino médio conferidas pelo MEC e expressas nos

documentos oficiais, tais como as DNCEM, os PCNEM, resoluções, pareceres e portarias.

Classifica-se, do ponto de vista do procedimento adotado para a coleta de dados, como uma

pesquisa documental. Verificou-se que os programas e projetos do MEC, em consonância

com tal conjunto de documentos, que alinhado com conceitos e princípios da agenda

neoliberal, tiveram como o propósito a reformulação da identidade do ensino médio para a

formação de um novo perfil de egressos: novos sujeitos para uma nova sociabilidade. A

função social atribuída ao ensino médio tem sido a preparação do contingente de

trabalhadores para o processo produtivo.

Palavras-chave: Direito à educação. Política educacional. Ensino médio.

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ABSTRACT

The purpose of this research to undertake analysis and reflections about the public policy of

MEC for regular high school between period 1996 to 2009, considering the speech set out in

its proposals and the goal of this stage of basic education: general education of the student

whose essential needs should focus on formal preparation in work and in citizenship. The

research is to understand the right to education as a social right, thus founding from

citizenship in a context of inequality of all kinds, such as the Brazilian nation, is the backdrop

for the research. The chosen object for this project goes through an extensive set of themes

and concepts, so categories were chosen considered fundamental in its design. So, have we

worked with the concepts of citizenship, seeking to understand the present situation of access

to the social right to education in Brazil, and public policy, seeking clarification on the

correlation between the guidelines and the international direction given by the Federal

Government to the processes of country's educational area, and with the themes of the right to

education and secondary education in Brazil, in order to contextualize them historically as

they are embedded in a socio-historical context well demarcated. This was a qualitative

research on cultural identity and the social function of school and conferred by the MEC

expressed in official documents, such as the DNCEM, the PCNEM, resolutions and orders.

Ranks of the point of view of the procedure adopted for collecting data, such as a

documentary research. It has been found that the programs and projects of MEC, in line with

that set of documents, concepts and principles in line with the neoliberal agenda, have had the

intention to recast the identity of the school to form a new profile of graduates: new subject to

a new sociability. The social role, assigned to the school, has been the preparation of the

workforce for the manufacturing process.

Key words: Right to education. Education policy. High school.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICO 1 Matrículas no ensino médio - Brasil - 1996 a 2009 .................................... 86

GRÁFICO 2 Taxas de frequência líquida e bruta para a faixa etária de 15 a 17 anos - Brasil -

1996 a 2009 ......................................................................................................................... 89

GRÁFICO 3 Taxa de analfabetismo funcional das pessoas de 15 anos ou mais de idade -

2007 e 2008 ...................................................................................................................... 107

GRÁFICO 4 SAEB: Médias de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática - 3º ano do

ensino médio - 1995 a 2007 ............................................................................................... 132

MAPA 1 Escolas públicas do ensino médio por município - 2008 …............................... 87

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Matrículas no ensino médio regular - Brasil - 2009 .................................... 85

TABELA 2 Taxa de frequência no ensino médio, segundo categorias - Faixa etária de 15 a

17 anos - Brasil - 1996 a 2009 ............................................................................................ 88

TABELA 3 Vinculação constitucional de recursos para a educação no Brasil .............. 92

TABELA 4 Elaboração dos Planos Estaduais de Educação - 2010 .............................. 101

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LISTA DE ABREVIATURAS

abr. – abril

ago. – agosto

ampl. – ampliada

art. – artigo

arts. – artigos

coord. – coordenador

dez. – dezembro

ed. – edição

fev. – fevereiro

inc. – inciso

jan. – janeiro

jun. – junho

jul. – julho

mar. – março

n. – número

nov. – novembro

org. – organizador

orgs. – organizadores

out. – outubro

p. – página, páginas

rev. – revista

set. – setembro

trad. – tradução

v. – volume, volumes

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LISTA DE SIGLAS

ANDE – Associação Nacional de Educação

ANDES – Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior

ANPed –Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação

BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAQi – Custo Aluno Qualidade Inicial

CEB – Câmara de Educação Básica

CF – Constituição da República Federativa do Brasil

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação

CONSED – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação

DCNEM – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

DF – Distrito Federal

DRU – Desvinculação das Receitas da União

EC – Emenda Constitucional

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

EUA – Estados Unidos da América

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FPM – Fundo de Participação dos Municípios

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério

GDs – Grupos de Diálogo

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

FIES – Financiamento ao Estudante do Ensino Superior

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IEL – Instituto Euvaldo Lodi

IES – Instituição de Ensino Superior

IFET – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MDE – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

MEC – Ministério da Educação

OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio

ONU – Organização das Nações Unidas

PAP – Planos de Ação Pedagógica

PAR – Plano de Ações Articuladas

PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PDDE – Programa Dinheiro Direto nas Escolas

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

PEE – Planos Estaduais de Educação

PIB – Produto Interno Bruto

PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

PISA – Programme for International Student Assessment

PNE – Plano Nacional de Educação

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPA – Plano Plurianual

PROINFÂNCIA – Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a

Rede Escolar Pública de Educação Infantil

PROINFO – Programa Nacional de Tecnologia Educacional

PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens

PROMED – Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio

PROUNI – Programa Universidade para Todos

TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação

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REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEB – Secretaria de Educação Básica

SEMTEC – Secretaria de Educação Média e Tecnológica

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

UAB – Universidade Aberta do Brasil

UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 16

2 A CIDADANIA............................................................................................................... 23

2.1 A polis: quando tudo começa...................................................................................... 23

2.2 A cidadania moderna: um ciclo evolutivo.................................................................. 25

2.3 A cidadania no Brasil: cada caso é um caso.............................................................. 33

2.4 A educação enquanto direito de cidadania................................................................ 37

2.4.1 O direito na dinâmica social...................................................................................... 37

2.4.2 A afirmação universal e positiva do direito à educação........................................... 39

2.4.3 Encontros e compromissos internacionais................................................................ 40

3 O DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL E O ENSINO MÉDIO:

TRAJETÓRIAS TORTUOSAS......................................................................................

50

3.1 O ensino médio no Brasil-Colônia (1500-1822)......................................................... 50

3.1.1 Período jesuítico......................................................................................................... 50

3.1.2 Período pombalino..................................................................................................... 53

3.2 O ensino médio no Brasil-Império (1822-1889)......................................................... 55

3.3 O ensino médio no Brasil-República (1889-1988)..................................................... 57

3.3.1 Primeira República (1889-1930)............................................................................... 57

3.3.2 República entre os anos de 1930 e 1988.................................................................... 62

4 O ENSINO MÉDIO NO BRASIL, NO PERÍODO DE 1996/2009: AVANÇOS E

RETROCESSOS...............................................................................................................

78

4.1 O ensino médio pós-LDBEN: contornos legais.......................................................... 78

4.2 O atendimento e a expansão da oferta....................................................................... 84

4.3 O financiamento do ensino médio.............................................................................. 91

4.4 Políticas para o ensino médio...................................................................................... 104

4.4.1 O Estado em ação....................................................................................................... 104

4.4.1.1 As políticas educacionais no contexto do projeto neoliberal.............................. 108

4.4.2 Diretrizes Curriculares Nacionais............................................................................. 114

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4.4.3 Programas e projetos.................................................................................................. 124

4.5 A qualidade do ensino médio...................................................................................... 131

5 A IDENTIDADE DO ENSINO MÉDIO....................................................................... 137

5.1 Ensino médio, pra que te quero?................................................................................ 137

5.2 Impasses........................................................................................................................ 145

5.3 Limites e possibilidades de transformação................................................................ 152

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 158

REFERÊNCIAS................................................................................................................. 165

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16

1 INTRODUÇÃO

Partindo da análise sobre as políticas públicas nacionais voltadas especificamente para

o ensino médio regular, no período de 1996, ano da promulgação da última Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDBEN) a 2009, a presente pesquisa procura compreender

tanto a identidade quanto a função social atribuídas ao ensino médio, considerando a atuação

do Ministério da Educação (MEC) na definição dos pressupostos para essa etapa da educação

básica, tal como consubstanciados por meio de políticas públicas. Historicamente o ensino

médio público, destinado às classes populares, não foi objeto de prioridade nas ações do

Estado, desenvolvendo uma trajetória marcada por irregularidades, contradições,

inconsistências e, sobretudo, indefinições. No ensino médio a gratuidade, a obrigatoriedade e

o financiamento, elementos básicos para a oferta da educação pública, encontram-se ainda em

situação de impasse. Destaca-se, em sua trajetória, a omissão no ordenamento jurídico, a

despeito das inovações, sobretudo na Constituição Federal (CF) de 1988, de dispositivos que

pudessem, minimamente, reduzir os problemas decorrentes desse impasse para os jovens.

Afinal, o ensino médio corresponde à principal política pública voltada para a formação da

categoria social que eles constituem. A mais importante inovação para a educação na CF de

1988, o direito público subjetivo, foi limitada ao ensino fundamental.

Novos rumos são dados com a promulgação da última lei de diretrizes e bases da

educação, quando o ensino médio é integrado à educação básica, com a regulamentação, após

mais de oito anos, da norma estabelecida no texto constitucional, que afirma ser “dever do

Estado” a “progressiva universalização do ensino médio gratuito” (art. 208), conforme

redação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 14/1996. A expressão “educação básica”

remete ao direito fundamental do sujeito de acesso a um determinado nível de ensino para sua

formação integral. Contudo, a integração por si só não conferiu ao ensino médio garantia e

proteção pelo Estado. O ensino médio “obrigatório e gratuito” ficou na dependência da

capacidade de financiamento do Estado. Um avanço aconteceu com a publicação da Lei nº

12.061/2009, que alterou o art. 4º da LDB para “assegurar o acesso de todos os interessados

no ensino médio público”. Tornou-se dever do Estado a “universalização do ensino médio

gratuito”, a partir de 1º de janeiro de 2010. Reconheceu-se, ao menos no plano formal, a

necessidade priorizar o nível médio de ensino na educação pública. Agora, avanço mesmo, no

sentido de ampliação do direito à educação, foi dado com a aprovação da EC nº 59, em 11 de

novembro de 2009, que, dentre outras providências, deu nova redação aos incisos I e VII do

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17

art. 208 da CF, estabelecendo a obrigatoriedade de oferta do ensino médio. Os Estados

deverão realizar políticas para a incorporação progressiva do ensino médio até 2016, quando,

enfim, o ensino médio será considerado direito público subjetivo.

O Governo Federal, em 1998, empreendeu uma reforma no ensino médio, principal

evento de abrangência nacional no âmbito dessa etapa da educação básica. Assim, foram

estabelecidas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Em sua

gênese a concepção neoliberal, além de outros elementos, foi determinante em relação à

definição dos conceitos e princípios que acabaram se impondo. Conforme o art. 1º da

Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998, as DCNEM “se constituem num conjunto de

definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na

organização pedagógica e curricular de cada unidade escolar integrante dos diversos sistemas

de ensino, em atendimento ao que manda a lei”. (BRASIL, 1998).

O Parecer CNE/CEB nº 15, de 1º de junho de 1998, ressalta que “a formação básica a

ser buscada no ensino médio se realizará mais pela constituição de competências, habilidades

e disposições de condutas do que pela quantidade de informação” (BRASIL, 1998), e que a

organização do currículo deve considerar a necessidade de enfrentamento os seguintes

desafios: “aprender a aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da

experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do mundo, a

fazer a ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a

lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta” (BRASIL, 1998). Para dar conta da

incumbência, a escola deve incorporar as concepções e práticas prescritas pelas DCNEM. Das

diretrizes se desdobram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM), e destes, as

Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), documentos que passam a ordenar as

políticas públicas, no plano geral, e o processo educativo nas escolas.

Com efeito, o MEC elaborou e implementou políticas públicas que puderam

consolidar os objetivos da reforma do ensino médio, cujo propósito foi a formação de um

novo perfil de egressos para a sociabilidade forjada pela nova ordem ideológica e econômica

mundial. Na pesquisa, verificou-se um conjunto de ações, propostas e/ou conduzidas pelo

MEC, formado pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pelo Programa de Melhoria

e Expansão do Ensino Médio (PROMED), pelo Projeto Alvorada e pelo Programa Ensino

Médio Inovador. Salienta-se o papel emblemático do ENEM no contexto da reforma do

ensino médio.

O pano de fundo desta pesquisa foi a temática do direito à educação, enquanto direito

social, portanto fundante da cidadania. Recuou-se no tempo para encontrar os elementos que

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18

vieram a configurar o modelo de ensino médio contemporâneo. Recorreu-se à história do

ensino médio, com suas principais reformas, e ao ordenamento jurídico para a matéria da

educação, constante nas constituições federais, buscando compreender a forma como essa

etapa da educação se desenvolveu num contexto de desigualdades de toda ordem, como é o

caso do Brasil.

Trabalhou-se também com os conceitos de cidadania, visando entender o atual quadro

de acesso aos direitos no Brasil, e de política pública, visando esclarecer sobre a correlação

entre as orientações de organismos internacionais, mormente do Banco Mundial (BM) e suas

agências, e o encaminhamento dado pelo Governo Federal aos processos do campo

educacional do país, em especial, as ações para o ensino médio.

A escolha do tema de pesquisa foi-se definindo pouco a pouco na minha vivência no

campo profissional. Decerto, durante a graduação, as experiências vividas nos estágios

provocaram as tantas inquietações que mobilizaram minha busca por melhor entendimento

das políticas públicas no âmbito do direito à educação. Realizei estágios em escolas públicas

estaduais e, no primeiro momento, o aspecto do funcionamento da gestão escolar foi o que

mais chamou a atenção. E pôde ser bem compreendido nos estágios de gestão escolar, quando

acompanhei o trabalho realizado pela equipe de direção de uma escola da região

metropolitana de Belo Horizonte, e de inspeção, quando auxiliei uma inspetora no trabalho

em escolas estaduais na região leste de Belo Horizonte. Este último estágio foi muito

marcante porque as situações do cotidiano escolar observadas apontavam para o descompasso

entre as políticas e a demandas do contexto onde são aplicadas. Ora, em uma escola de ensino

fundamental, localizada numa vila do aglomerado da Serra, no período matutino,

relativamente bem estruturada, muitas crianças não conseguiam ficar dentro da sala de aula

porque padeciam de doenças dentárias e, óbvio, a dor impedia qualquer tentativa de

concentração nas atividades. Numa outra escola, que estava sob intervenção e, por esse

motivo, com a caixa escolar bloqueada, não dispunha de recursos para se manter em

condições básicas, tanto que elaborou um plano de ação para arrecadar doações de roupas e

calçados com o intuito de realizar um bazar e, então, conseguir algum recurso financeiro para

comprar material de papelaria e limpeza, e de alimentos para oferecer merenda para os jovens

do ensino médio, etapa que funcionava no período noturno. De acordo com os funcionários

da escola, tratava-se de uma oferta urgente, uma vez que muitos jovens reclamavam sentir

fome. O recurso para a compra de merenda até então deveria ser destinado somente ao ensino

fundamental. Mediante tais situações, além de perplexa e indignada, fiquei questionando a

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19

lógica das políticas públicas educacionais. Tudo me parecia tão desconexo... A resposta não

demorou.

Tão logo concluí a licenciatura em pedagogia, fui nomeada para o cargo de analista

educacional, na Secretaria de Estado de Educação, que assumi com muito entusiasmo e

grandes expectativas. Inicialmente desenvolvi atividades correlatas à execução do programa

estadual do livro didático e a orientação das superintendências e escolas quanto à organização

curricular do ensino médio. A percepção do cenário do ensino médio, com as altas taxas de

evasão, a defasagem série-idade, a aprendizagem abaixo do esperado, mediante os programas

e projetos propostos, que não tinham chance de superar esses problemas porque agiam

superficialmente, possibilitou o entendimento dos processos de construção das políticas

educacionais e da legislação estadual. Decorrido um tempo, passei a trabalhar noutro setor. Os

programas e projetos eram outros, a sistemática de atuação, a mesma. Trabalhando com ações

de ensino médio e de educação profissional, tais como o Programa de Educação Profissional e

os cursos de Formação Inicial para o Trabalho, o curso Normal em Nível Médio, perguntava-

me o tempo todo qual o efeito de tudo aquilo na vida dos milhares de jovens matriculados nas

escolas estaduais. A maioria das ações era desenvolvida segundo os interesses do Estado e

visava o cumprimento de metas e a publicação de relatórios com estatísticas e mais

estatísticas. Então entendi a lógica de determinadas políticas educacionais.

Indignação era o mínimo diante do contraste, senão paradoxo, entre o que se

anunciava no discurso oficial e o que se priorizava na prática. Explico: enquanto se propagava

nas mídias que em Minas Gerais os jovens dispunham de cursos de informática no ensino

médio regular, muitas escolas mal contavam com computadores ligados à internet para a

realização do trabalho administrativo, e mesmo assim eram obrigadas (na forma da lei, uma

vez que as determinações estavam amparadas por resoluções e portarias...) a organizar seus

currículos de modo a oferecer os referidos cursos. Esse é apenas um exemplo de uma

situação, ainda que descabida, recorrente no cotidiano de escolas públicas de ensino médio.

Tive de lidar com um elenco de situações similares, algum tempo depois, quando assumi a

coordenação pedagógica de uma escola pública estadual. A escola, localizada na periferia da

capital, atendia o público do ensino médio no período noturno. Público composto, em sua

maior parte, por jovens trabalhadores, jovens sonhares, jovens batalhadores, que mediante a

agrura típica da vida nos meios populares, bem delineada pelas estatísticas sobre padrões de

desigualdade, violência, pobreza etc. conservam uma postura perseverante tendo em vista a

dignidade, a articulação coletiva em torno dos direitos e a elaboração de alternativas

inovadoras para a participação no espaço público.

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O trabalho nessa escola permitiu constatar o que as pesquisas sobre a educação pública

há tempos registram: insuficiência de materiais básicos; espaços inadequados; despreparo e

desestímulo de gestores e docentes, por vários motivos; déficit de docentes habilitados em

determinadas disciplinas curriculares; rigidez da organização curricular etc. Contudo,

proporcionou também a constatação, por um lado, da convicção e persistência de muitos

profissionais, que buscam fazer o melhor possível em contextos tão adversos, estimulam os

jovens e vibram com suas lutas e conquistas. E, por outro lado, da latência de projetos de

protagonismo juvenil, tanto individuais quanto coletivos, para os quais a contribuição da

escola é ínfima, considerando o potencial do ensino médio.

Os jovens conseguiam entrar na escola, sim, havia e há vagas, mas o que levavam e

levam ao concluir o ensino médio, além do diploma? De que forma o ensino médio colabora

para a realização de seus projetos? Como as políticas públicas para o ensino médio são

pensadas? O que expressam como objetivos e o que pretendem de fato? As decisões não são

neutras, quais as verdadeiras intencionalidades dos programas e projetos propostos ou

impostos?

Dos questionamentos emergentes desse contexto surgiu o desejo de pesquisar. E assim

o tema desta pesquisa foi escolhido. Esforcei-me para compreender e explicar um objeto

inserto em uma temática ampla que muito mobilizou e mobiliza o meu fazer e o meu pensar: o

direito à educação. O objeto escolhido foi o ensino médio: sua identidade e função social.

São vários os pontos de intersecção e conexões que o esse objeto estabelece no campo social,

enquanto universo maior, e no campo educacional, enquanto área específica. Assim, a

definição da metodologia se tornou um dilema mediante a vontade de apreender tudo sobre o

objeto. E um objeto que permeava a minha vida! Em função do distanciamento entre o

sujeito-pesquisador e o objeto de pesquisa exigido pelo trabalho de natureza científica, foram

feitas algumas renúncias no âmbito metodológico quando, por fim, optou-se pela análise de

fontes documentais.

Em síntese, trata-se de uma investigação de natureza qualitativa acerca da identidade e

da função social do ensino médio conferidas pelo MEC e expressas nos documentos oficiais,

tais como as DCNEM, os PCNEM, resoluções, pareceres e portarias. Classifica-se como uma

pesquisa documental, considerando-a do ponto de vista do procedimento técnico adotado para

a coleta de dados.

O objetivo geral foi proceder a um estudo analítico-reflexivo sobre as políticas

públicas do MEC para o ensino médio, no período de 1996 a 2009, considerando o discurso

enunciado em suas propostas e o objetivo dessa etapa da educação básica: a formação geral do

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aluno, cujas finalidades precípuas formais devem se concentrar na preparação para o trabalho

e para o exercício da cidadania. A intenção foi compreender a atuação do MEC na construção

da identidade do ensino médio. Neste sentido, foram estabelecidos como objetivos

específicos:

Contextualizar a regulamentação da garantia do direito social à educação no Brasil,

partindo da premissa de que este é um elemento fundante da cidadania.

Retomar brevemente a história do ensino médio no Brasil, elaborando inclusive uma

retrospectiva das principais reformas educacionais, na busca por elementos que

auxiliem na compreensão da forma como se forjou sua identidade.

Verificar como as políticas públicas educacionais para o ensino médio foram

configuradas, do ponto de vista da legislação.

Analisar no discurso oficial, por meio das principais ações do MEC no período de

1996 a 2009, a identidade e a função social conferidas ao ensino médio, considerando,

sobretudo as finalidades formais precípuas deste nível de ensino: a formação para “o

exercício da cidadania” e a “preparação básica para o trabalho”.

Quanto à organização da pesquisa, o texto está estruturado em quatro partes,

excetuando-se a introdução e as considerações finais. A primeira delas, correspondente ao

capítulo dois, trata da correlação entre o direito à educação e a cidadania, numa perspectiva

histórica e filosófico-política. Retrocedemos no tempo para conhecer a origem e os princípios

da cidadania, assim como as bases do pensamento moderno que sustentam o modelo

contemporâneo de cidadania no Brasil. Partindo-se do pressuposto de que a educação é um

direito social fundante da cidadania, são apresentados mecanismos aos quais a sociedade

recorreu para garanti-la e protegê-la.

A segunda parte (capítulo três) expõe marcos da história do ensino médio e do direito

à educação no Brasil, num encadeamento único desses dois caminhos paralelos. Em todos os

momentos em que se deparou com as questões da gratuidade, da obrigatoriedade e do

financiamento, bem como da dualidade do ensino, sentiu-se a necessidade da compreensão do

contexto histórico, com suas variadas dimensões, que as antecederam, produziram e

mantiveram.

A terceira parte (capítulo quatro) apresenta um retrato do ensino médio no Brasil, no

período de 1996 a 2009, especificando o seu delineamento pós-LDBEN no ordenamento

jurídico, os números e condições do atendimento e da expansão da oferta, o seu lugar no

sistema de financiamento da educação, e as políticas públicas propostas e/ou dirigidas pelo

MEC (diretrizes curriculares nacionais e principais programas e projetos) – DCNEM,

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PCNEM, OCEM, ENEM, PROMED, Projeto Alvorada e Ensino Médio Inovador. Nesse

capítulo, é apresentado o conceito de política pública e analisada a influência das orientações

das agências internacionais no encaminhamento dado pelo Governo Federal aos processos do

campo educacional do país, mormente a partir dos anos 90. Também é levantado o debate

sobre a questão da “qualidade” na educação.

Na quarta parte (capítulo cinco), busca-se a compreensão da identidade do ensino

médio, a partir das condições objetivas das quais ele dispõe e em vista das percepções e

expectativas que os jovens apresentam; dos dilemas; dos limites e das possibilidades de sua

transformação. Tais dimensões (dilemas, limites e possibilidades de transformação) são

analisadas a partir de questões explícitas no referencial histórico-conceitual, contido nos

capítulos dois e três, e do conjunto de resultados obtidos na investigação dos documentos

oficiais e dos dados educacionais sobre o ensino médio, contido no capítulo quatro.

Há que se registrar desde já que na tentativa de esquadrinhar os avanços e recuos do

ensino médio no Brasil determinadas problematizações e várias indagações emergiram e não

puderam ser contempladas neste texto, de modo que são destacadas a necessidade e a

expectativa de futuras pesquisas sobre o objeto “ensino médio”, tão relevante para o campo da

educação quanto instigante e desafiador para o campo da pesquisa acadêmica.

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2 A CIDADANIA

2.1 A polis: quando tudo começa

São várias as concepções de cidadania, inclusive adversas entre si: vão desde a

banalização de juízos de valor e ideologias até postulados teóricos rigorosos e complexos,

formulados no âmbito da filosofia política.

A ideia de cidadania nasce na Grécia para designar as relações entre os sujeitos da

polis, isto é, a Cidade-Estado, protótipo de organização social que surge entre os séculos VIII

e VII a.C., e “marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela, a vida social e as relações

entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos

gregos” (VERNANT, 1989, p. 34) e por todas as sociedades que lhes sucederam. Nas bases

deste modelo de cidade estão: a palavra e a publicidade dos eventos sociais.

Com efeito, a linguagem oral enquanto instrumento político será predominante; é a

palavra que permitirá opinar, discutir, argumentar e persuadir, enfim participar politicamente

no espaço público, da vida pública. O direito de expressar as opiniões e deliberações em

público – isegoría, sobretudo pelo voto nas assembleias, instituídas para decidir sobre

qualquer assunto de interesse coletivo, se torna sagrado para aquela sociedade.

Posteriormente, o desenvolvimento e a difusão da escrita permitirão o estabelecimento de uma

cultura comum e a propagação do conhecimento, até então reservado a um grupo reduzido,

isto é, à elite da época.

A outra peculiaridade da polis, a publicidade, abrirá o caminho para a demokratía –

governo dos cidadãos, pois consiste em tornar possível o

acesso ao mundo espiritual, reservado no início a uma aristocracia de caráter

guerreiro e sacerdotal [...]. Tornando-se elementos de uma cultura comum, os

conhecimentos, os valores, as técnicas mentais são levadas à praça pública, sujeitos

à crítica e à controvérsia. Não são mais conservados, como garantia de poder, no

recesso de tradições familiares [...]. Doravante, a discussão, a argumentação, a

polêmica tornam-se regras do jogo intelectual, assim como do jogo político. O

controle constante da comunidade se exerce sobre as criações do espírito, assim

como sobre as magistraturas do Estado. A lei da polis, por oposição ao poder

absoluto do monarca, exige que uma e outras sejam igualmente submetidas à

“prestação de contas”. (VERNANT, 1989, p. 35-36).

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Também se tornaram públicos os símbolos materiais da cultura grega: estátuas,

relíquias, brasões, instrumentos de rituais religiosos etc., guardados em espaços privados,

como os palácios, foram transferidos para o templo, que era um local público. Este processo

não foi rápido e encontrou resistências, sobretudo na esfera política, uma vez que o poder

sagrado advindo das práticas secretas e sobrenaturais correspondia ao oposto da nova

racionalidade, agora baseada em proposições e leis iguais para todos, e, o mais importante, ao

alcance de todos.

Vernant acrescenta outra característica do “universo espiritual da polis” às duas já

citadas: a semelhança entre os sujeitos desta organização social e a philia, isto é, a amizade, a

união num espírito de comunidade, que os definia enquanto cidadãos. A igualdade dos

cidadãos perante as leis, juntamente com o direito de participar das decisões que afetassem o

coletivo, são os princípios que fundamentaram a cidadania. Ela rompe com submissão

hierárquica, estabelecendo relações políticas de outra natureza, não mais de sujeitos inferiores

e superiores:

Todos os que participam do Estado vão definir-se como hómoioi, semelhantes,

depois, de maneira mais abstrata, como os isoi, iguais. Apesar de tudo o que os opõe

no concreto da vida social, os cidadãos se concebem, no plano político, como

unidades permutáveis no interior de um sistema cuja lei é o equilíbrio, cuja norma é

igualdade. Essa imagem do mundo humano encontrará no século VI sua expressão

rigorosa num conceito, o de isonomia: igual participação de todos os cidadãos no

exercício do poder. (VERNANT, 1989, p. 42).

Na democracia os cidadãos são iguais e soberanos, e o seu poder está nas leis. “A

única justa medida suscetível de harmonizar as relações entre os cidadãos é a igualdade plena

e total.” (VERNANT, 1989, p. 69). Todos devem ter os mesmos direitos e deveres, entre eles

o de decidir sobre o governo da cidade. Dessa maneira garante-se o sentimento de pertença ao

grupo social e a legitimidade do poder instituído, imprescindíveis à conservação desse modo

de organização sociopolítica.

A democracia grega era direta e participativa, isto é, os cidadãos participavam

ativamente do governo ao discutir e votar nas assembleias e tribunais, diferentemente da

democracia representativa das concepções modernas, decorrente, inclusive, da expansão

demográfica das sociedades. Uma assembleia com cinco ou dez mil participantes é possível,

já com cem mil ou um milhão...

Na Grécia desse período, contudo, nem todos eram considerados cidadãos. Apenas os

homens adultos, livres, nascidos no território da polis possuíam direito à participação política

e, portanto, à cidadania. Aos demais – mulheres, crianças, idosos, estrangeiros – reservavam-

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se outros direitos que não os políticos, à exceção dos escravos que não tinham direito de tipo

algum reconhecido por serem considerados destituídos da razão ou incapazes de utilizá-la. As

mulheres conduziam a vida doméstica, ente privado, liberando os homens para participarem

da vida política, ente público, o lugar da visibilidade, de ver e ser visto, de falar e ser ouvido,

de ouvir os iguais. Um quadro, no mínimo, paradoxal, quando analisado sob o espírito da

modernidade. Sob a concepção cosmológica, a estruturação das relações sociopolíticas entre

os iguais e os diferentes se regulava pela concepção de natureza imanente. Predominava a

ideia de que cada pessoa nascia para ocupar um lugar no mundo, com atribuições exclusivas,

e realizar o seu télos. Cada pessoa assumir o seu devido lugar era condição para a realização

do bem e do justo, e disso dependia o funcionamento perfeito do universo.

Para os gregos, a participação na vida política significa uma ação natural já que se

julga o homem um animal político – zôon politikón (Aristóteles, Política I). Na filosofia

aristotélica, a ciência política tem por finalidade descobrir o modo de vida que conduz “a

viver bem e à felicidade” e a forma de governo que garanta as condições para tal. Na busca

pela felicidade do homem na polis, tanto no âmbito individual quanto social, a ética moraliza

o sujeito, e a política, o coletivo. A vida em sociedade se justifica pelo propósito de torná-la

melhor para os cidadãos.

A organização social grega está ligada ainda ao nascimento da filosofia. O espaço

público para a discussão das ideias e a liberdade de expressão geram uma nova racionalidade:

a razão essencialmente política, “que de maneira positiva, refletida, metódica, permite agir

sobre os homens [...] Dentro de seus limites como em suas inovações, é filha da cidade.”

(VERNANT, 1989, p. 95).

2.2 A cidadania moderna: um ciclo evolutivo

Pelo exposto acima é possível compreender quais são os princípios nos quais se baseia

a cidadania. A forma de contemplá-los e organizá-los evoluiu historicamente, variando de

acordo com o desenvolvimento das sociedades, e dando origem a múltiplas concepções de

cidadania.

Na Modernidade a concepção cosmológica é suplantada pela antropológica; o

paradigma teocêntrico é substituído pelo antropocêntrico. Assim, o homem assume a

centralidade na organização subjetiva e objetiva da sociedade, antes ocupada por Deus. Dá-se

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a passagem do teocentrismo para o antropocentrismo e o indivíduo é então concebido como

unidade básica da sociedade.

Em que consiste o homem? Essa é a indagação primeira dos pensadores desse período

da história ocidental. Para eles, a história é movida pelo e para o homem e por não haver nada

que o anteceda, a igualdade nas relações sociais é uma premissa incontestável. Anterior às

variáveis de gênero, etnia, posição na hierarquia social etc., está a condição existencial de ser

humano.

A modernidade dá origem à ideia de sujeito, resultado da aglutinação do indivíduo (ser

humano) com o eu (subjetividade), que passa a compor a díade com o objeto. E esse sujeito se

torna detentor de direitos positivos a serem ordenados, protegidos e garantidos pelo Estado.

Agora todos os sujeitos são considerados iguais por natureza, e dessa premissa se

origina o único direito natural: a vida; e sociáveis por contrato “artificial”, nas palavras de

Thomas Hobbes. Para esse pensador, os seres humanos foram feitos iguais a natureza, quanto

às faculdades do corpo e do espírito, e dessa igualdade deriva outra: a da expectativa de

alcançar os objetivos que cada qual determina para si. Também são iguais na busca pela auto-

conservação e auto-satisfação, de maneira que todos estão predispostos a fazer o que for

necessário para concretizar tais intentos, inclusive eliminar seus pares. A essência do ser

humano é o egoísmo e a convivência coletiva seria impraticável se não houvesse um poder

constituído, uma autoridade para manter e garantir o respeito mútuo expresso por meio do

“pacto” ou contrato social, que, acima de tudo, coíbe ou faz com que os sujeitos renunciem ao

desejo de poder e às paixões de toda sorte que só poderiam ser afirmadas e vividas no estado

de natureza. Essa autoridade será o Estado: “à multidão assim unida numa só pessoa se chama

Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes [...] Deus Mortal,

ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa” (HOBBES, 1979, p. 105-106).

Esta instituição sustenta e é sustentada pelo conceito de estado civil, em que:

se institui a autoridade civil, da qual emanam não só os direitos e deveres do

indivíduo, com também a justiça e a moralidade social. O Estado Civil é, portanto, a

esfera pública da sociedade na qual se realizarão os interesses particulares,

garantidos pela autoridade soberana. Ora, a idéia de uma autoridade soberana na

comunidade política exclui implicitamente a participação política dos indivíduos

(FERREIRA, 1993, p. 52-53).

Demarca-se nessa discussão o surgimento da ideia de obrigatoriedade escolar, que é

tomada por instrumento para a socialização dos sujeitos para a admissão e conservação do

contrato social que legitima a organização da sociedade por meio do estado civil. A educação

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financiada pelo Estado corresponde, naquele momento, mais a um recurso para proteger o

contrato do que ao reconhecimento e à positivação de um direito do sujeito.

A idade mínima para o início da escolarização seria a partir dos sete anos, quando,

acreditava-se, a criança teria capacidade para compreender a noção de pacto. Até essa idade,

caberia à família a educação mais elementar das relações sociais, restrita ao ambiente

doméstico.

John Locke, um dos principais teóricos do contrato social, concorda com certas

premissas do pensamento hobbesiano, e avança na teorização sobre a formação do Estado e

dos sistemas socioeconômicos modernos. Para Locke, os sujeitos são iguais, racionais e livres

por natureza e podem agir livremente na sociedade desde que um não prejudique o outro.

Todos gozam de três direitos naturais, a saber: o direito à vida, à liberdade e a propriedade,

que devem ser protegidos pelo Governo. Na esteira do pensamento lockeano, a noção de

governo consentido pelos governados face ao poder constituído, bem como o reconhecimento

e a proteção dos direitos naturais fundamentam a doutrina que dá origem ao liberalismo,

sistema político a partir do qual será produzida a concepção de cidadania moderna. Os

elementos básicos defendidos pelo liberalismo são: a igualdade perante a lei, a liberdade

individual, o direito de propriedade e a limitação constitucional do governo.

A proteção do individualismo associado ao direito de propriedade antecede ao Estado,

uma vez que a propriedade é um direito natural, sendo este derivado do trabalho individual.

Portanto, é propriedade legítima do sujeito tudo o que ele produzir e de que se apropriar, por

meio de seu trabalho, e acumular. Por se tratar de um direito natural e não de uma convenção,

não há limite para a apropriação individual de capital, o que dá passagem e justificando a

desigualdade de propriedade, inclusive a preexistente.

A acumulação primitiva aparece como uma conseqüência dos desempenhos

individuais. Com isso, Locke pensa justificar as diferenças sociais. Os ricos são

ricos ou porque herdaram (o que não deixa de ser legítimo), ou porque são

talentosos, trabalhadores, esforçados e previdentes. Os pobres, os desvalidos da sorte

devem se esforçar para também conseguir riqueza pessoal. Na visão de Locke, todo

homem pode e deve trabalhar. Daí, não tem sentido o Estado previdente, que inibiria

a criatividade e o esforço de cada um. Alimentar a imprevidência dos homens é abrir

as portas ao vício e à preguiça. (FERREIRA, 1993, p. 76).

Ferreira assinala, neste trecho, idéias e argumentos que se consubstanciarão nas

premissas da cidadania moderna, como é o caso da função atribuída ao Estado e do lugar

reservado à propriedade.

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O liberalismo surge em contraposição ao feudalismo e abre caminho para o modelo de

sociedade que ainda prevalece: o capitalista. Agora, na versão neoliberal.

Platão, Aristóteles, Kant, Hobbes, Locke, Rousseau, Hegel, Marx, Weber, Habermas e

outros eminentes pensadores ocuparam-se da reflexão sobre as relações estabelecidas pelos

sujeitos entre si e com o Estado, e, portanto, sobre a cidadania. Para dar conta de tal

diversidade seria preciso refazer o longo curso historiográfico da evolução do conceito, o que

seria interessantíssimo, todavia foge aos objetivos e limites deste texto, cujo enfoque será a

acepção de cidadania1 predominante na contemporaneidade, esta derivada do paradigma

liberal.

Na intenção de buscar um aprofundamento teórico que dê estatuto conceitual ao termo

cidadania, opta-se, neste texto, por tomar como base a teorização empreendida por Marshall2,

marco referencial imprescindível para a compreensão da cidadania, em sua acepção

contemporânea, em vigor nos países capitalistas ocidentais. Para esse sociólogo britânico, a

gênese da cidadania está na formação e evolução dos direitos civis, políticos e sociais.

Marshall decompõe a cidadania em três “elementos”, caracterizando-os:

O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual –

liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade

e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] as instituições mais

associadas aos direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se

deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um

membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos

membros de tal organismo. [...] As instituições correspondentes são o parlamento e

conselhos do governo local. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o

direito mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por

completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os

padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com

ele são o sistema educacional e os serviços sociais. (MARSHALL, 1967, p. 63-64).

O desenvolvimento de cada elemento ou instância da cidadania na Inglaterra foi

gradativo e seguiu uma sequência cronológica a ser considerada com certa flexibilidade.

Historicamente os direitos civis nascem no século XVIII, os direitos políticos no século XIX

e, por último, os diretos sociais no século XX (MARSHALL, 1967). O estabelecimento de um

período criou condições favoráveis e conduziu ao outro, em sucessões evolutivas e

cumulativas, destacando-se neste processo um ponto primordial: a igualdade de oportunidades

1 O retrocesso cronológico milenar é inevitável porque a origem do conceito se deu na polis. As sociedades

modernas herdaram da Grécia Clássica a ideia de coletividade organizada politicamente, cujos membros são

iguais e livres, para governar a cidade. Para o aprofundamento no estudo desse conceito sugere-se a leitura da

coletânea de textos do livro História da cidadania, bem como a consulta às referências desses textos. 2 Autor do texto canônico Cidadania, classe social e status que funda o conceito de cidadania na sociedade de

classes moderna.

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de acesso aos bens sociais básicos – justiça, saúde, habitação, renda e educação. Deter-nos-

emos neste último.

O direito à educação primária pública durante o século XIX, naquele país, consiste

num fator decisivo para o estabelecimento dos direitos sociais da cidadania no século

seguinte, culminando na política do Welfare State3.

Para Marshall, a educação desempenha, numa perspectiva funcionalista, um papel

fundamental na engrenagem social:

O dever de auto-aperfeiçoamento e de autocivilização é, portanto, um dever social e

não somente individual porque o bom funcionamento de uma sociedade depende da

educação de seus membros. E uma comunidade que exige o cumprimento desta

obrigação começou a ter consciência de que sua cultura é uma unidade orgânica

nacional. (MARSHALL, 1967, p. 74).

A educação está na base do processo de construção da cidadania, uma vez que permite

aos cidadãos conhecerem seus direitos e se organizarem para exigi-los do Estado. Para

Marshall a cidadania é “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma

comunidade”, sendo que todos os integrantes “que possuem o mesmo status são iguais com

respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status.” (MARSHALL, 1967, p. 76). Em

outras palavras, a cidadania é a condição dos sujeitos participantes de uma organização social,

que, em princípio, estabelece uma situação de igualdade entre eles, exigindo a observância

das normas e leis que a regulam e, também, oferecendo oportunidades de acesso às vantagens

da vida em sociedade.

Isso não significa, de forma alguma, a contestação da estratificação social ou a defesa

de uma sociedade sem classes. Marshall manifesta interesse em problematizar os impactos da

cidadania sobre as classes sociais, entendidas enquanto sistemas de desigualdades. A

cidadania é o meio de “igualização entre os mais e os menos favorecidos em todos os níveis”

(MARSHALL, 1967, p. 94); ou seja, um mecanismo de organização sociopolítica que torna

possível a gestão das desigualdades sociais pela intervenção estatal. O Estado deve, por meio

dos direitos sociais, reduzir o ônus da pobreza absoluta. Alvarenga conclui que:

Marshall acreditava que a conquista dos direitos sociais se justificaria pelo fato de

que estes poderiam trazer resultados importantes para a expansão da esfera pública,

ou seja, o Estado se voltaria para o atendimento mais amplo das demandas sociais da

população, reduzindo as desigualdades sociais sem, com isso, modificar a

diferenciação entre as classes sociais. É, pois, na noção de status que radica a

principal tese desse autor, ou seja, ele credita à concepção de cidadania o status

3 Estado de bem-estar social, o mesmo que Estado Providência ou Estado Previdência.

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jurídico. Por meio dele, os membros de uma sociedade compartilham igualmente os

direitos e deveres. Os direitos sociais passam a ter importância fundamental, pois

mediante eles todas as pessoas passam a ter igual status de cidadania à medida que

esses direitos reduzem as desigualdades sociais. (ALVARENGA, 2010, p. 119).

É bem demarcado o espaço de atuação do Estado: atuar, por meio da oferta de certos

serviços sociais, para a concessão do status jurídico da cidadania aos membros da sociedade,

sem interferir na estrutura de classes. “A igualização não se refere tanto a classes sociais

quanto a indivíduos componentes de uma população que é considerada, para esta finalidade,

como se fosse uma classe. A igualdade de status é mais importante do que a igualdade de

renda.” (MARSHALL, 1967, p. 94-95). No entendimento do autor, as desigualdades entre as

classes seriam mantidas e seriam alteradas as desigualdades dentro de uma classe,

padronizando-a.

As diferenças de status podem receber a chancela da legitimidade em termos de

cidadania democrática, desde que não sejam muito profundas, mas ocorram numa

população unida numa civilização única; e desde que não sejam expressão de

privilégio hereditário. (MARSHALL, 1967, p. 108).

Segundo esse teórico, não podem ser toleradas as “desigualdades dinâmicas”, isto é,

aquelas que estimulam os conflitos, que certamente ocorreriam em sociedades capitalistas

marcadas pela desproporcionalidade extrema entre a riqueza e a pobreza. Por este motivo o

Estado de bem-estar social deve atenuar o excesso de desigualdade de classes produzido pelo

capitalismo, cabendo ao cidadão trabalhar e contribuir para a manutenção do seu próprio

status, bem como da sociedade. Ressalta-se que o direito social nasce intrinsecamente ligado

ao trabalhador. Os miseráveis e “inválidos” constituem uma categoria a ser assistida pela

filantropia, enquanto a dos cidadãos-trabalhadores deve ser atendida, dentro de certos

preceitos e limites, pelo Estado; afinal, é a categoria que tem direito aos bens sociais

facultadores do acesso à cultura legítima, a saber: a valorizada pelas classes da elite

dominante.

No tocante à educação, o acesso ao nível fundamental deve ser compulsório, uma vez

que representa um mecanismo para reduzir a distância entre os escolarizados e os não-

escolarizados ao proporcionar conhecimentos elementares, mas que minimamente

possibilitem algum trabalho remunerado; bem como para que evitem a ignorância e suas

nefastas consequências, como, por exemplo, o uso da violência física, o que justifica, nesse

entendimento, a defesa pelo capitalismo da escolarização pública obrigatória. Já o nível

superior não deve ser financiado pelo Estado, mas pelo próprio sujeito que progredirá, tanto

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na escala escolar quanto na socioeconômica, em conformidade com suas aptidões, esforços e

investimentos.

A cidadania de Marshall supõe a permanência do princípio da diferença, bem como

das desigualdades entre as classes sociais. Ele, que foi um liberal convicto, pensou a formação

da cidadania no capitalismo.

O esquema marshaliano da cidadania, enquanto ciclo evolutivo e cumulativo dos

direitos civis, políticos e sociais, é alvo de críticas devido à linearidade, ao “otimismo”

considerado ingênuo e até etnocêntrico, bem como à incapacidade de generalização, limitada

às democracias ocidentais. Sorj bem lembra que “a noção de ondas de direitos não supõe que

toda sociedade passe por cada uma delas, seja linear ou cumulativamente” (SORJ, 2006, p.

103). Para Ferreira, Marshall “não deixa de incorrer num certo evolucionismo, pois não

discute os processos históricos, os embates e os mecanismos através dos quais esses direitos

se efetivaram.” (FERREIRA, 1993, p. 176).

Contraponto a este modelo de cidadania é formulado por Karl Marx, teórico que

originalmente desvendou a gênese e a anatomia do capitalismo e atribuiu à classe operária a

potência revolucionária capaz de superar este modelo socioeconômico, que, embora

reconhecesse a relevância da emancipação política, no contexto da modernidade e sobretudo

do projeto liberal, para a emancipação do sujeito, identificou, pensou, teorizou e discutiu

sobre os limites da cidadania liberal para universalização dos direitos. Marx incorpora em sua

teoria política algumas teses hobbesianas. Para esse teórico, “o homem burguês, politicamente

emancipado e membro da sociedade burguesa, é egoísta. É esse homem a base do novo

Estado político, pelo qual são reconhecidos seus direitos humanos, que nada mais são do que

seus direitos como membro da sociedade burguesa.” (ALVARENGA, 2010, p. 110). Portanto,

a emancipação política não é suficiente para a libertação dos sujeitos da classe burguesa de

“elementos particularistas”. Tanto é assim que os burgueses viabilizam através do Estado

meios de proteção de benefícios e direitos apenas para a sua classe. Em Marx, a sociedade

antecede ao sujeito, o Estado é de classe e os direitos jamais serão estendidos a todos os

membros da sociedade, salvo se a classe operária, por meio de revolução, impuser um modelo

socioeconômico alternativo. Na modernidade a dimensão econômica se torna determinante

nas relações sociais, o que se mantém na contemporaneidade. Na antiguidade, a dimensão

política foi determinante e na Idade Média, a dimensão religiosa. Em tempo: desde sempre a

dimensão econômica é dominante, comparando-a a política, a religião etc., nas organizações

sociais.

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Marx “traz para a questão da cidadania outra possibilidade de perspectiva e denuncia a

problemática falaciosa dos direitos formais declarados pelo liberalismo.” (ALVARENGA,

2010, p. 114). Isto porque os direitos no capitalismo não são universais, mas privativos a uma

determinada classe: a burguesia. Marx concebe a representação de interesses sob o prisma de

classes sociais e não de “indivíduos atomizados” (ALVARENGA, 2010, p. 114). A classe

burguesa, detentora da propriedade privada, estruturará a sociedade capitalista, em que o

processo produtivo passará a ser determinante na ordenação jurídica, competência exclusiva

do Estado. Nesse sentido, para os sujeitos não-pertencentes à classe burguesa a cidadania

corresponderá a um ente abstrato.

A cidadania se constitui a partir da dilatação dos direitos e cada sociedade desenvolve

o processo conforme as particularidades de sua história; tais como a formação do Estado, a

estabilidade do sistema político e econômico (considerando, inclusive a integração entre as

comunidades rural e urbana, e a industrialização), a organização da sociedade civil e sua

relação com o poder público, os confrontos entre as classes, as bandeiras de luta sustentadas, a

postura face ao capitalismo etc.

No que se refere à luta de classes, Ferreira, referendando a análise de Kaplan, escreve:

as interpretações marshalianas reduzem a luta de classes a uma fase do processo de

aquisição da cidadania. A partir do momento em que as reivindicações dos

trabalhadores são reconhecidas como direitos naturais, há cidadania plena. Mesmo

assim, vale dizer que o simples reconhecimento jurídico, político e social não

garante a efetivação desses direitos, visto que o sistema capitalista pode até

funcionar afirmando a igualdade, mas continua valorizando a discriminação – como

é o caso da discriminação racial (sic) –, sem que haja lei que consiga impedi-lo.

(FERREIRA, 1993, p. 178)

A acepção de cidadania prevalecente nas sociedades capitalistas é tensionada por

formulações teóricas que criticam as contradições inerentes ao sistema capitalista, como a

manutenção das desigualdades entre as classes sociais e das formas múltiplas de exploração,

dominação e sujeição. Estas e outras contradições são embasadas em e justificadas por

formulações teóricas evolucionistas e economicistas cujo horizonte, inscrito num famigerado

progresso, fecha-se para a maioria da população.

A luta histórica de segmentos sociais, os quais não incluídos no rol dos cidadãos,

pelos direitos de cidadania, anunciados desde a modernidade ao realizar a virada

paradigmática que colocou o sujeito no centro de tudo proclamando, inclusive, a igualdade

entre os seres humanos, exprime legitimamente a contestação da positivação do ideário da

desigualdade, inerente à perspectiva liberal de cidadania que se consolidou.

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2.3 A cidadania no Brasil: cada caso é um caso

No caso da sociedade brasileira o percurso rumo à institucionalização dos direitos

apresenta certa semelhança com as fases apontadas por Marshall no que se refere à Inglaterra.

É no final deste percurso, ou seja, no século XX, que a educação, no Brasil, é instituída como

um direito, mais precisamente na Constituição de 1934, que declara: “a educação é direito de

todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos” (Art. 149).

A construção da cidadania no Brasil possui, evidentemente, um arranjo próprio, dadas

as particularidades de sua sustentação (não ter passado pela experiência do feudalismo, não

ter tido a Idade Média, a industrialização se estabelecido tarde etc.) e evolução sociohistórica

(colonização, escravatura, golpes militares, neocolonização). Empreende-se, assim, uma

tentativa de situar o termo cidadania na realidade brasileira.

O conceito de cidadania se torna uma expressão “multiuso”, com “mil e uma

utilidades”4. É um termo bastante recorrente não só no meio político, mas nos âmbitos

midiático e empresarial: todos afirmam estar promovendo a cidadania. Esse fato tem duas

faces, uma positiva, indicando que o conceito ganhou visibilidade na sociedade, e outra

negativa, pois a confusão polissêmica e a imprecisão têm conduzido a reducionismos e

adulterações de seu significado original, que se perde em discursos vazios.

A jovem cidadania caiu na boca dos políticos, dos intelectuais, dos jornalistas, do

“onguistas”. [...] obrigam-na a opinar sobre tudo, a participar de tudo, quando não

lhe põem palavras na boca e não lhe atribuem as atitudes mais disparatadas. Muitos

se autonomeiam seus porta-vozes. Nada se faz sem que o nome de Cidadania seja

invocado, muitas vezes em vão. (CARVALHO, 2005, p. 324).

A cidadania está reificada, tornou-se um ente heróico evocado em todos os discursos

públicos para moralizá-los ou adorná-los, sobretudo com os processos de redemocratização

durante o século XX5. O excesso dos discursos fortalece representações distorcidas sobre a

4 Famoso slogan da esponja de aço Bombril, que afirma que a eficiência e versatilidade deste produto que

supostamente atende às mais diversas necessidades em termos de limpeza doméstica. 5 Em uma crônica publicada no Jornal de Brasil, no ano de 1995, Carvalho (2005) interpreta a cidadania no

Brasil através de uma metáfora bastante oportuna. Ele descreve a genealogia da cidadania, que teria nascido no

início dos anos 80 do século passado, seria a filha caçula do Dr. Modernista (filho do Dr. Nacional Progressista)

com a D. Classe Operária (filha do Sindicato). Os outros filhos deste casal, Populismo, nascido na década de 50,

e Armada, na década de 70, não sobreviveram. Mas, a história da Cidadania foi diferente. Parece até que estava

escrito. Ela teve tanta sorte que foi apadrinhada por figuras notáveis: Dr. Ulysses e D. Constituição. Foi bem

educada, recebeu cuidado e carinho, tornando-se tão especial, venturosa e, consequentemente, cobiçada, que

agora se encontra indecisa entre dois pretendentes: o Dr. Liberal Jr. e o Dr. Social...

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realidade, além de prescrever práticas, ou seja, a construção do conceito de cidadania está

diretamente ligada à retórica que circula nesses discursos.

As diferentes definições tendem à polarização de um dos aspectos da cidadania, em

prejuízo dos outros, dependendo dos interesses e das intenções de quem a define. Nesse

sentido, “as apropriações e a crescente banalização desse termo não só abrigam projetos

diferentes no interior da sociedade, mas também certamente tentativas de esvaziamento de seu

sentido original e inovador. Há uma disputa histórica pela fixação de seu significado.”

(DAGNINO, 1994, p. 103).

Para a mesma autora, o conceito de cidadania dimensiona-se pela inter-relação de três

variáveis: a experiência dos movimentos sociais, a construção da democracia e o nexo

constitutivo entre cultura e política (DAGNINO, 1994), e requer uma distinção “política e

teórica” da concepção liberal, predominante desde o século XVIII, conforme vimos em

Marshall.

A construção da cidadania no Brasil inicia-se sob o peso de mais de três séculos de

domínio e exploração. A pobreza e o analfabetismo, uma economia concentrada na

monocultura, no latifúndio e na mão-de-obra escrava de indígenas nativos e de negros

trazidos da África foram legados à sociedade brasileira pela colonização portuguesa. O tráfico

de africanos era uma atividade econômica internacional tão rentável que logo o trabalho

escravo se torna o motor da economia colonial; sendo utilizado não só na agricultura, mas em

todas as atividades rurais e urbanas, no serviço doméstico etc. Os escravos eram tratados

como objetos, privados de qualquer direito, inclusive do direito à vida. Isto marca

profundamente a história e a identidade do Brasil, e é o aspecto mais negativo para a

construção da cidadania, porque se confronta com os preceitos capitais para a formação dos

direitos civis: a liberdade individual e a igualdade mediante a lei. Para Carvalho (2001b),

quando da proclamação da Independência, em 1822, não há nem nação, nem cidadão

brasileiro. A partir deste marco são criadas e empreendidas pelo Governo várias estratégias

para a organização e integração do estado nacional e para a formação de uma identidade

brasileira.

O novo Governo não tinha, no entanto, autonomia que assegurasse a liberdade e a

igualdade: “o poder do governo terminava na porteira das grandes fazendas.” (CARVALHO,

2001b, p. 21). Nos primeiros anos do Brasil republicano estes valores não foram proclamados

ou perseguidos pela coletividade. Até porque a lógica conhecida e experimentada era a da

subordinação e exploração. Há registros historiográficos, inclusive, de que escravos libertos

se tornaram proprietários de escravos.

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Quanto à disseminação de valores, a Igreja Católica concorreu para a manutenção do

ideário escravocrata ao articular com astúcia um discurso retórico diferenciando a escravidão

do corpo e a escravidão da alma. A primeira forma era perfeitamente aceitável, tanto que os

conventos, ordens religiosas e padres tinham escravos para os serviços domésticos; já a

segunda era causada pelo pecado e deveria ser combatida. O fato é que muitos “corpos”, se

com ou sem alma seria outra discussão, sofreram moral e fisicamente toda sorte de dor e

humilhação e sucumbiram. Após a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, os negros

não tiveram qualquer tipo de indenização, acesso a terras ou empregos para sua subsistência,

tornando-se, então, trabalhadores “semi-escravos” ou mendigos. Por pouco o Brasil não

adentrou o século XX sustentando o regime escravocrata. Após a quebra desta barreira, que

foi a mais forte, é que realmente a sociedade brasileira avançou no processo de construção da

cidadania. Sem igualdade de acesso aos direitos entre todos os que compõem a sociedade não

há cidadania plena, mas níveis variáveis segundo o extrato social. O tratamento desigual

perante a legislação – os escravos estavam abaixo das leis e “os senhores” se achavam acima

delas – deixou um ranço que até então não se dissipou.

Outro obstáculo, também herança colonial, é o da economia com base na grande

propriedade rural, que funcionava com um governo próprio, cuja “legislação” era criada e

executada pelo seu proprietário, o coronel. Os trabalhadores destas grandes fazendas viviam

confinados, sempre sob os olhos dos coronéis, não dispunham de um ambiente propício para a

formação de uma identidade cívica e da organização política, viviam não como “cidadãos do

Estado brasileiro, mas como súditos” (CARVALHO, 2001, p. 56) em pleno século XIX.

O latifúndio atravessou séculos e ainda hoje é uma realidade na sociedade brasileira,

diga-se de passagem, das mais renitentes. A elite ruralista é ferrenha na defesa deste

privilégio, combinando estratégias que vão desde o patrocínio de uma bancada anti-reforma

agrária no Congresso Nacional até a manutenção de jagunços para a proteção dos territórios

de sua propriedade.

O sociólogo José de Souza Martins produziu uma obra densa, vasta e relevante sobre o

mundo rural no Brasil6, fruto de análises de seu trabalho enquanto pesquisador do tema, por

um lado, e militante envolvido com a causa da questão agrária, por outro lado. Ele manteve

diálogo com agentes da pastoral católica, sindicalistas e camponeses em áreas de conflitos

sociais pela terra durantes muitos anos. Em seus estudos, elaborou conceitos e categorias, tais

6 Destacam-se, dentre outros, os livros: Capitalismo e tradicionalismo, Sobre o modo capitalista de pensar, Os

camponeses e a política no Brasil, A militarização da questão agrária no Brasil, Introdução crítica à sociologia

rural, A reforma agrária e os limites da democracia na “Nova República”, Expropriação da violência, A

chegada do estranho, O poder do atraso, O cativeiro da terra, e Reforma agrária: o impossível diálogo.

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como “renda da terra”, “terra de trabalho e terra de negócio” e “desenvolvimento desigual”,

para dar conta da realidade complexa que muito o preocupou e mobilizou: a desigualdade

social originada e legitimada pela posse da terra. Assim, culminou na concepção de uma

Sociologia Rural, de matriz marxiana, abrigo de investigações teóricas e empíricas que

procuraram mostrar os equívocos provenientes de análises simplistas, que insistem na

dissociação entre o mundo rural e o mundo urbano, na verdade, unificado pelo capital; afinal,

embora cada um guarde características específicas, a lógica de dominação e produção é uma

só; debater o “poder do atraso” político; criticar a hierarquia estabelecida entre as lutas do

operariado e as do campesinato e a postura dos partidos políticos “de esquerda” em relação às

mesmas. O autor levantou a discussão acerca das relações políticas clientelistas que se

consolidaram no Brasil e articulam a luta pela terra, em que a reforma agrária, proposta de

solução dos problemas decorrentes da posse historicamente negada aos camponeses, torna-se

um impasse em face à mediação partidária que permeia e determina as ações que a ela se

referem.

As formas como os sujeitos se organizam e participam politicamente na condução da

trajetória social também são construções históricas. Como esperar dos brasileiros,

posicionamentos e atitudes emancipadas, condizentes com alto nível de organização

sociopolítica, com o histórico de experiências (favorecidas, proporcionadas, induzidas,

prescritas...), nesse setor, no Brasil? Com efeito, é necessário um tempo para a elaboração

desse histórico.

Salienta-se, de acordo com Carvalho (2001), que o coronelismo impedia a participação

política porque antes negava os direitos civis. O que mudou a direção determinada pelo

domínio dos coronéis foi o aparecimento da classe operária urbana que, sob a influência de

ideias e experiências na militância política (como, por exemplo, o anarquismo) trazidas por

imigrantes, inaugurou a organização social e política no Brasil. A partir de então o povo

começou a manifestar-se contra leis e decisões do Governo. Podem ser citados como

marcantes os episódios da Revolta da Vacina, ocorrida no Rio de Janeiro em 1904, e a greve

de 1917, que começou no setor têxtil de São Paulo, atingindo, nos meses seguintes, os estados

do Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio Grande

do Sul.

A esta altura a sociedade brasileira enfim reuniu os requisitos, transcritos por Dagnino

(1994), que dimensionam o conceito de cidadania. Daí em diante, todo o século XX foi um

percurso de avanços e recuos na consolidação dos direitos civis, políticos e sociais.

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A cidadania moderna, por incorporar preceitos liberais, passou a ser associada teórica

e politicamente ao liberalismo, mas necessita ser diferenciada dessa concepção porque

corresponde a um conceito específico. Para esta diferenciação na busca de uma nova

cidadania são apontados alguns itens, dentre eles: a) a ressignificação da ideia de direitos,

baseando-se nas premissas de direito a ter direitos e direito à igualdade e à diferença; b) a

inclusão dos não-cidadãos, enfatizando a formação de sujeitos sociais ativos; c) o

estabelecimento de uma proposta de sociabilidade para relações sociais mais igualitárias e

solidárias; e d) a participação dos cidadãos na definição das estruturas sociais. (DAGNINO,

1994, p. 107-112).

A cidadania só pode ser pensada como extensão do sujeito, o cidadão, e “serve para

identificá-lo na esfera pública” (FERREIRA, 1993, p. 19) em sua correlação com o Estado

(FERREIRA, 1993, p. 21). Assim, chega-se a uma noção de cidadania enquanto a capacidade

do sujeito-cidadão de agir nos espaços micro e macro sociais com o objetivo de satisfazer

tanto interesses particulares quanto coletivos. É evidente que para o atendimento dos

interesses da coletividade todos os cidadãos deverão atentar para o cumprimento de regras e

leis.

A formação do cidadão é princípio fundamental na sociedade democrática. No caso do

Brasil, um Estado Democrático de Direito, corresponde a um fundamento previsto já no art.

1º da CF, devendo ser promovida pela educação (art. 205). Ou seja, de acordo com a

legislação vigente, as instituições de ensino, públicas e privadas, têm a obrigação de preparar

o sujeito para o exercício da cidadania.

2.4 A educação enquanto direito de cidadania

2.4.1 O direito na dinâmica social

O estatuto de direito não é absoluto, mas variável: modifica-se constantemente com a

dinâmica de cada sociedade. Demonstração disto é que, por exemplo, nas cartas

constitucionais de três séculos atrás não há qualquer referência aos direitos sociais, que hoje,

entretanto, “são proclamados com grande ostentação”. (BOBBIO, 2004, p. 38). Não há

dúvidas de que outros direitos surgirão no decurso da história. Os direitos “emergem

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gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações

das condições de vida que essas lutas produzem.” (BOBBIO, 2004, p. 51). Para se instituírem,

os direitos enfrentaram os poderes: religioso, político e econômico.

A universalização dos direitos numa sociedade nos dirá se ela é ou não democrática. E

no caso do Brasil, especificamente, a legislação é decisiva para fundar o modelo social, pois

ela foi e é responsável, em grande medida, pela instituição de tradições; ao contrário de outros

países, onde as tradições e os costumes sociais instituíram as leis. Nos estados democráticos, a

carta constitucional é o fundamento de validade do conjunto de princípios, normas e

dispositivos do ordenamento jurídico.

Os direitos humanos transformam-se e ampliam-se. Bobbio (2004) os analisa como

um processo em expansão, e através de gerações, acompanhando, até certo ponto, a

periodização da tese de Marshall. Convém salientar que a própria ideia de “direitos humanos”

só vem a se consolidar após mais de três séculos de “modernidade”: esses direitos vêm se

desdobrando em outros de tipos específicos segundo a abrangência de sua ação.

Bobbio (2004) situa no processo de expansão dos direitos humanos os direitos da

primeira geração: os civis (proteção da vida e da propriedade), que garantem a “liberdade em

relação ao Estado”, ou seja, afirmam-se contra o Estado, buscando restringir-lhe o poder e

reservá-lo ao sujeito. A liberdade é concebida de forma negativa, como obstáculo da ação

arbitrária das instâncias de poder. A segunda geração é a dos direitos políticos (livre

expressão e associação, voto etc.), que consistem basicamente na participação no poder

através das decisões de interesse público; é a liberdade no Estado. Nesta geração, a liberdade

é concebida de forma positiva, pois pressupõe o respeito à autonomia própria de cada sujeito.

Na terceira geração estão os direitos sociais (acesso ao bem-estar social e à igualdade), que

traduzem as demandas e valores dos sujeitos da sociedade moderna, e representam a

dimensão da liberdade através ou por meio do Estado; são, portanto, os direitos que

dependem do Estado. A quarta geração de direitos é associada, sobretudo, ao processo de

especificação, que abrange os direitos do meio ambiente, dos animais, das crianças, dos

idosos, das pessoas com necessidades especiais etc.

Dentro da terceira geração está o direito à educação, entendido como um dos direitos

sociais mais importantes para a construção e exercício da cidadania porque propulsiona a

exigência por parte do sujeito em relação ao Estado dos demais direitos.

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2.4.2 A afirmação universal e positiva do direito à educação

É na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 10 de dezembro de

1948 por 48 países, que se dá a afirmação “universal e positiva” do direito à educação, que

proclama a liberdade e igualdade dos seres humanos no acesso aos direitos, essas tão

preciosas aos pensadores modernos da filosofia política. Reproduzimos o art. XXVI da

Declaração:

1) Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos

nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A

instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução

superior, esta baseada no mérito.

2) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da

personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e

pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a

tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e

coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será

ministrada a seus filhos.

Esse documento é distintivo porque foi fruto de um consenso na comunidade

internacional. É o anúncio de um sistema de valores universais a serem concretizados através

dos direitos, organizado, declarado e acolhido espontaneamente pelos representantes dos

estados nacionais. Bobbio identifica três momentos distintos na história da formação das

declarações: o primeiro seria o da idealização ou teorização filosófica, o segundo o da

transição da teoria à prática e o terceiro o da afirmação simultaneamente universal e positiva.

Sendo este último momento iniciado com a Declaração dos Direitos Humanos. O autor

explica:

A afirmação dos direitos é [...] universal no sentido de que os destinatários dos

princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado,

mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo

em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou

apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o

próprio Estado que os tenha violado. No final desse processo, os direitos do cidadão

terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem. Ou, pelo

menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras, porque

compreende toda a humanidade; ou, em outras palavras, serão os direitos do homem

enquanto direitos do cidadão do mundo. (BOBBIO, 2004, p. 49-50).

Claro está que o processo de positivação dos direitos em nível universal está em

andamento; especialmente dos direitos sociais, em seu limiar. Ressalta-se, porém, que antes

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mesmo da Declaração países da Europa como a Alemanha e a França já haviam tornado

efetivo o acesso aos direitos sociais. A educação foi universalizada entre o final do século

XIX e princípio do século XX. Sua conquista resultou de reivindicações da classe

trabalhadora e dos setores políticos progressistas e democráticos daquelas sociedades. No

Brasil, a classe trabalhadora não contou com o mesmo apoio. A bem da verdade, sofreu

interdição e ainda hoje é forte a resistência quanto à sua participação política nos processos

sociais.

Meio século após a Declaração, vários países apresentavam cenários sociais

alarmantes: crise econômica, pobreza, violência, desigualdades agudas... Um conjunto de

pesquisas realizadas e divulgadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura (UNESCO) assinalou problemas e tendências dos setores sociais dos

países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, criou indicadores, coletou dados, elaborou

quadros estatísticos e organizou rankings, e propôs sugestões e recomendações, bem como

diretrizes e metas, para a reversão dos mesmos etc. Diante de tudo isso se estabeleceu mais

um consenso: a urgência em se realizar ações que tornassem efetivo o acesso à educação

nesses países.

2.4.3 Encontros e compromissos internacionais

Assim, foram organizados encontros mundiais para a discussão de estratégias políticas

para o campo educacional. Inaugurando uma série deles na década de 90 do século XX, a

Conferência Mundial Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, nos dias de 5 a 9

de março de 1990, publicou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das

Necessidades Básicas de Aprendizagem (1990) cujo preâmbulo expõe os números da

realidade trágica que se tinha às portas do século XXI: mais de 100 milhões de crianças, das

quais pelo menos 60 milhões são meninas, sem acesso ao ensino primário; mais de 960

milhões de adultos analfabetos, dois terços dos quais mulheres, e o analfabetismo funcional e

um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento; mais

de um terço dos adultos do mundo sem acesso ao conhecimento impresso, às novas

habilidades e tecnologias; e mais de 100 milhões de crianças e “incontáveis” adultos não

conseguiam concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguiam

adquirir conhecimentos e habilidades essenciais.

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Os líderes governamentais, sobretudo dos países subdesenvolvidos, são convocados a

atuar de modo mais incisivo nos setores sociais até então relegados ao segundo plano, uma

vez que a prioridade de investimentos vinha sendo concentrada na industrialização e

desenvolvimento do mercado.

A Declaração de Jomtien relembra que “a educação é um direito fundamental de

todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro”; entende que “a educação

pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e

ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e

cultural, a tolerância e a cooperação internacional”; tem ciência de que “a educação, embora

não seja condição suficiente, é de importância fundamental para o progresso pessoal e social”;

admite que as “graves deficiências” da educação e a necessidade de “torná-la mais relevante e

melhorar sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível; reconhece que “uma

educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e de

ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte, para alcançar um

desenvolvimento autônomo” e “a necessidade de proporcionar às gerações presentes e futuras

uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso a favor dela, para

enfrentar a amplitude e a complexidade do desafio”.

Então, são formulados objetivos e expressos os compromissos pelos países signatários

dessa Declaração, num total de 155 países. O Governo brasileiro deu início a uma série de

políticas visando reduzir a defasagem no nível de escolaridade da população, dentre elas o

Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003).

Na sequência, foi realizada em Nova Delhi, Índia, outra conferência. Dessa vez

congregando os seguintes países Brasil, China, Bangladesh, Egito, México, Nigéria,

Paquistão, Indonésia e Índia, em 16 de dezembro de 1993 discutiram sobre a persistência dos

problemas anteriormente levantados e reafirmaram o compromisso em continuar trabalhando

para saná-los. A Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos estipulou como marco

temporal o ano de 2000 para que os países garantissem “a toda criança uma vaga em uma

escola ou em um programa educacional adequado às suas capacidades, para que a educação

não seja negada a uma só criança por falta de professor, material didático ou espaço adequado

- fazemos essa promessa em cumprimento ao compromisso assumido na Convenção sobre os

Direitos da Criança que ratificamos”; consolidassem “esforços dirigidos à educação básica de

jovens e adultos proporcionada por entidades públicas e privadas, melhorando e ampliando

nossos programas de alfabetização e educação de adultos no contexto de uma estratégia

integrada de educação básica para todo o nosso povo”; eliminassem “disparidades de acesso à

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educação básica em função do sexo, idade, renda, família, diferenças culturais, étnicas e

linguísticas, e distância geográfica”; melhorassem “a qualidade e relevância dos programas de

educação básica através da intensificação de esforços para aperfeiçoar o "status", o

treinamento e as condições de trabalho do magistério”; e “os conteúdos educacionais e o

material didático e implementar outras reformas necessárias aos nossos sistemas

educacionais”; atribuíssem “em todas as nossas ações, em nível nacional e em todos os níveis,

a mais alta prioridade ao desenvolvimento humano, assegurando que uma parcela crescente

dos recursos nacionais e comunitários seja canalizada à educação básica e melhoria do

gerenciamento dos recursos educacionais agora disponíveis”; mobilizassem todos os setores

da sociedades em prol da educação para todos”.

Em 2000, ocorreu ainda uma conferência em que representantes de 191 países se

comprometeram a alcançar oito objetivos concretos e mensuráveis, denominados Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio, até 2015, um deles faz alusão explícita ao campo da educação:

erradicar a pobreza extrema e a fome; alcançar a educação primária universal; promover a

igualdade de gênero e capacitar as mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde

materna; combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças; assegurar a sustentabilidade

ambiental e estabelecer uma parceria global para o desenvolvimento. A meta educacional

brasileira é “garantir que, até 2015, as crianças de todas as regiões do país,

independentemente de cor/raça e sexo, concluam o ensino fundamental”.

Os contextos sociais dos países latino-americanos e do Caribe guardam muitas

semelhanças, inclusive por seu histórico comum de colonização, urbanização tardia, períodos

de ditadura política etc. Seus líderes políticos vêm intensificando o diálogo com vistas a

elaboração de soluções para alguns problemas em comum. Nesse sentido, representantes

políticos, dentre eles os ministros de educação da América Latina e do Caribe, realizaram VII

Sessão do Comitê Intergovernamental Regional do Projeto Principal para a Educação, no

período de 5 a 7 de março de 2001, em Cochabamba, Bolívia. Na Declaração aprovada nessa

conferência foram debatidas as especificidades que envolvem o setor educacional. Assim,

ficou firmado por esses países um compromisso com a oferta adequada do nível médio para

os jovens ao declararem:

que o status dos jovens como um grupo social estratégico na América Latina e no

Caribe exige soluções educacionais específicas que proporcionem aos jovens

habilitações para viver, para trabalhar e para a cidadania. A educação secundária

deveria ter uma prioridade regional naqueles países que alcançaram pleno acesso à

educação fundamental. A opção de estimular formas novas e flexíveis de

aprendizado representa uma resposta no que diz respeito aos jovens e adolescentes

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que vivem na pobreza e na exclusão – aqueles que abandonaram a educação formal

sem ganhar acesso a uma educação de qualidade. A realidade do atual mercado de

trabalho, em um contexto de poucas oportunidades para o emprego formal, exige o

treinamento para o emprego, superando obstáculos para assegurar uma transição

efetiva do sistema escolar para o emprego. Além disso, problemas cada vez maiores

de violência juvenil, dentro e fora da escola, de dependência de drogas, de gravidez

e paternidade de adolescentes, assim como o baixo nível de participação dos jovens

na cidadania, exigem esforços na educação de valores e soluções urgentes por parte

dos educadores e da sociedade.

A questão do financiamento também foi explicitada. Chama-se a atenção para o

alinhamento com a linguagem neoliberal, na qual a igualdade dá lugar à equidade: “para

melhorar a qualidade, a abrangência e a relevância da educação, é necessário aumentar de

forma significativa os fundos a ela destinados, buscando uma maior eficiência no emprego

desses recursos e na eqüidade da sua distribuição”.

O Fórum Mundial de Dakar, Senegal, realizado nos dias 26, 27 e 28 de abril de 2000,

fixou as seis metas da Educação para Todos, quais sejam:

a) expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente

para as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem;

b) assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em

circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita

e de boa qualidade até o ano 2015;

c) assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos

sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada, a

habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania;

d) alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até 2015,

especialmente para as mulheres, e acesso eqüitativo à educação básica e

continuada para todos os adultos;

e) eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e

alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia

ao acesso e o desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de

boa qualidade;

f) melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência

para todos, de forma a garantir a todos os resultados reconhecidos e

mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades

essenciais à vida.

Além disso, fixou um prazo para a elaboração de planos nacionais de educação, o ano

de 2002, estabelecendo que cada plano nacional de educação fosse elaborado com a

participação da sociedade civil, estabelecesse um “marco financeiro sustentável”, contivesse

dados sobre o desempenho das ações. Essa orientação foi logo colocada em prática pelo

governo brasileiro, que em 9 de janeiro de 2001 aprovou o Plano Nacional de Educação

(PNE), por meio da Lei nº 10.172, com duração de dez anos. Assim ficou estruturado o PNE:

a) introdução com uma breve exposição sobre a historicidade da questão da elaboração de um

planejamento de abrangência nacional para a educação, as prioridades a serem contempladas e

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os objetivos a serem perseguidos nas ações durante o período de vigência do plano;

diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas para b) os níveis de ensino – educação infantil,

ensino fundamental, ensino médio e educação superior e c) as modalidades de ensino –

Educação de Jovens e Adultos (EJA), educação a distância e tecnologias educacionais,

educação tecnológica e formação profissional, educação especial e educação indígena; d) o

magistério da educação básica – formação dos professores e valorização da docência; e) o

financiamento e a gestão; e f) a previsão de acompanhamento da execução e avaliação.

A Lei nº 10.172/2001 foi um passo importante, fez avançar um pouco a trajetória da

educação no Brasil, pelo menos, na questão do acesso e permanência. A partir de sua

publicação ficou determinado aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios a

elaboração de planos decenais com base no PNE.

O PNE definiu como prioridades:

a) Garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7

a 14 anos, assegurando o seu ingresso e permanência na escola e a conclusão

desse ensino. [...] Prioridade de tempo integral para as crianças das camadas

sociais mais necessitadas.

b) Garantia de ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na

idade própria ou que não o concluíram. A erradicação do analfabetismo faz

parte dessa prioridade[...].

c) Ampliação do atendimento nos demais níveis de ensino – a educação infantil, o

ensino médio e a educação superior. Está prevista a extensão da escolaridade

obrigatória para crianças de seis anos de idade, quer na educação infantil, quer

no ensino fundamental, e a gradual extensão do acesso ao ensino médio para

todos os jovens que completam o nível anterior, como também para os jovens e

adultos que não cursaram os níveis de ensino nas idades próprias. Para as

demais séries e para os outros níveis, são definidas metas de ampliação dos

percentuais de atendimento da respectiva faixa etária. A ampliação do

atendimento, neste plano, significa maior acesso, ou seja, garantia crescente de

vagas e, simultaneamente, oportunidade de formação que corresponda às

necessidades das diferentes faixas etárias, assim como, nos níveis mais

elevados, às necessidades da sociedade, no que se refere a lideranças científicas

e tecnológicas, artísticas e culturais, políticas e intelectuais, empresariais e

sindicais, além das demandas do mercado de trabalho. Faz parte dessa

prioridade a garantia de oportunidades de educação profissional complementar à

educação básica, que conduza ao permanente desenvolvimento de aptidões para

a vida produtiva, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à

ciência e à tecnologia.

d) Valorização dos profissionais da educação. [...] Faz parte dessa valorização a

garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e

preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério.

e) Desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e

modalidades de ensino, inclusive educação profissional [...]. (BRASIL, 2001)

Em se tratando especificamente do ensino médio a UNESCO realizou, em Beijing, na

República Popular da China, entre os dias 21 e 25 de maio de 2001, a Reunião Internacional

de Especialistas sobre o Ensino Médio no Século XXI: Desafios, Tendências e Prioridades, da

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qual participaram, dentre outros, especialistas internacionais no campo da reforma do ensino

médio, membros das agências da UNESCO em Beijing e Paris, inclusive o Diretor de Ensino

Médio, Técnico e Profissional e o Chefe da Seção para o Ensino Médio Geral, funcionários

responsáveis pelo ensino médio no âmbito dos ministérios de oito países, “de diferentes

regiões e representando variados contextos, desde os países menos desenvolvidos e mais

povoados às nações desenvolvidas e em vias de desenvolvimento”, quais sejam: Austrália,

Bangladesh, Canadá, China, Guiné, Líbano, México e Rússia. O documento orientador dos

trabalhos, de autoria de Jean-Michel Leclercq, chama a atenção para a necessidade de

“modernizar os programas de ensino”, nos quais determinados conteúdos deverão ser

“atualizados, como é o caso das ciências e tecnologia, outros, enfatizados, como é o caso das

línguas estrangeiras; e, ainda, algumas “matérias” deverão ser incorporadas, como as

tecnologias de informação e de comunicação, educação cívica, educação intercultural e

educação sexual.

Os participantes, após debate, chegaram ao consenso sobre a necessidade da

redefinição dos objetivos e das funções do ensino médio no século XXI. Então, estabeleceram

categorias para analisar e discutir os problemas que o ensino médio enfrentava ou pudesse vir

a enfrentar, a saber: I) acesso de massa versus seleção; II) educação geral versus educação

profissional; III) educação baseada em conhecimentos versus educação voltada para

comportamentos e ensino das competências necessárias à vida. Destacam-se alguns tópicos

das conclusões apresentadas no Relatório do Encontro, que reforçam as concepções e

diretrizes veiculadas nos documentos dos encontros antecedentes.

Uma vez que não se atinge, em muitos países, um ideal de 100% no processo de

transição do ensino fundamental para o médio e/ou do primeiro para o segundo

ciclo do ensino médio, impõe-se realizar esforços no sentido de atender a todos

aqueles que para isso preencham os requisitos necessários, quer mediante

dispositivos alternativos, quer mediante outras medidas, tais como as aulas em

turnos e o ensino a distância. Quando tal não for possível, as vagas disponíveis

devem ser distribuídas de modo eqüitativo (por sexo, classe social, etc.) e

transparente. O critério de seleção em certos países consiste num “exame

seletivo”. Em outros casos, as vagas disponíveis são repartidas na base da

ordem de chegada, enquanto que em outros casos essas vagas são conquistadas

com base numa avaliação contínua e/ou resultados de exames anuais.

Em numerosos países, a implantação do acesso de massa ao ensino médio

exigirá, necessariamente, a implantação de um sistema de parceria entre

governos e outros provedores (particulares, organizações não-governamentais,

etc.), mas os governos deverão buscar assegurar os interesses dos estudantes,

mediante a exigência de que os padrões de qualidade sejam mantidos em

eventuais esquemas alternativos de ensino médio.

O ensino médio consiste na preparação para a vida, motivo por que ele deve

refletir a realidade da vida no século XXI, onde passamos constantemente, e

quase sem nos apercebermos, da aprendizagem contínua ao mundo do trabalho,

e vice-versa.

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Já se percebe com clareza, em muitos países, uma tendência à aprendizagem ao

longo de toda a vida, em que se modificam constantemente as características e

exigências dos empregos e em que as pessoas passam a ter de transferir-se a

cada momento entre os locais de ensino, de treinamento e de trabalho. Em

vários países, o ensino médio já começou a ajustar-se a esta realidade, ora

criando estruturas flexíveis e opções variadas em seus programas, ora

reforçando os seus vínculos com o mundo do trabalho.

As escolas devem assumir uma responsabilidade maior na missão de ajudar os

estudantes a adquirir valores, atitudes e saberes (competências indispensáveis na

vida corrente), tendo-se em vista o papel declinante de outras agências de

socialização (famílias e entidades religiosas).

Tal qual nas recomendações feitas por agências financeiras internacionais, são

explicitadas ideias relacionadas aos conceitos de competência, produtividade, flexibilidade, e

competitividade bem como a associação direta entre educação e desenvolvimentismo, na

esteira da teoria “capital humano”.

Decorridos quase sete anos da aprovação do PNE, um novo documento foi publicado:

o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, ordenado pelo Decreto nº 6.094, de 24

de abril de 2007, estabeleceu 28 diretrizes para a melhoria da qualidade da educação.

A sistemática de participação da União não seria alterada: daria incentivo e apoio à

execução dos projetos e programas elaborados pelos por municípios, DF e estados, que

voluntariamente aderissem ao compromisso por meio de termo específico (de convênio ou de

cooperação). O auxílio do Governo Federal aos estados e municípios se dá mediante a

apresentação de um Plano de Ações Articuladas (PAR), organizado a partir dos eixos: gestão

educacional, formação de professores e profissionais de serviços e apoio escolar, recursos

pedagógicos, e infraestrutura física; que, se aprovado pelo MEC, gera um Termo de

Cooperação Técnica.

O MEC analisou as demandas dos PARs elaborados por estados e municípios e,

tomando por parâmetro o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica7 (IDEB) de cada

um, definiu o atendimento prioritário, não exclusivo, à rede estadual, responsável por escolas

de cidades cujo índice de desenvolvimento da educação é muito baixo, considerando os

resultados do IDEB de 2005 e 2007, num total de 1.827. Além desse item, o MEC julgou

necessário priorizar os PARs das cidades mais populosas, ao todo 175, devido ao elevado

7 Indicador criado em 2007 pelo INEP. É calculado a partir dos dados sobre aprovação e abandono escolar,

obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações sistêmicas, no caso o Saeb, para as unidades

da federação e para o país, e a Prova Brasil, para os municípios. O objetivo é que o Brasil chegue à média 6,0 em

2021, período estipulado tendo como base a simbologia do bicentenário da Independência em 2022. A referência

para o estabelecimento da meta nacional foi o desempenho dos países da Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) participantes do Programme for International Student Assessment

(PISA). Assim, periodicamente são estipuladas metas específicas para cada ente federado.

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número de matrículas na educação básica. Apesar de se aludir à educação básica, o foco é o

ensino fundamental, de maneira que são incisivas políticas para a correção do fluxo.

As diretrizes estabelecidas no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação

foram:

I - estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir;

II - alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os

resultados por exame periódico específico;

III - acompanhar cada aluno da rede individualmente, mediante registro da sua

freqüência e do seu desempenho em avaliações, que devem ser realizadas

periodicamente;

IV - combater a repetência, dadas as especificidades de cada rede, pela adoção de

práticas como aulas de reforço no contra-turno, estudos de recuperação e progressão

parcial;

V - combater a evasão pelo acompanhamento individual das razões da não-

freqüência do educando e sua superação;

VI - matricular o aluno na escola mais próxima da sua residência;

VII - ampliar as possibilidades de permanência do educando sob responsabilidade da

escola para além da jornada regular;

VIII - valorizar a formação ética, artística e a educação física;

IX - garantir o acesso e permanência das pessoas com necessidades educacionais

especiais nas classes comuns do ensino regular, fortalecendo a inclusão educacional

nas escolas públicas;

X - promover a educação infantil;

XI - manter programa de alfabetização de jovens e adultos;

XII - instituir programa próprio ou em regime de colaboração para formação inicial

e continuada de profissionais da educação;

XIII - implantar plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da

educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho;

XIV - valorizar o mérito do trabalhador da educação, representado pelo desempenho

eficiente no trabalho, dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade,

realização de projetos e trabalhos especializados, cursos de atualização e

desenvolvimento profissional;

XV - dar conseqüência ao período probatório, tornando o professor efetivo estável

após avaliação, de preferência externa ao sistema educacional local;

XVI - envolver todos os professores na discussão e elaboração do projeto político

pedagógico, respeitadas as especificidades de cada escola;

XVII - incorporar ao núcleo gestor da escola coordenadores pedagógicos que

acompanhem as dificuldades enfrentadas pelo professor;

XVIII - fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e

exoneração de diretor de escola;

XIX - divulgar na escola e na comunidade os dados relativos à área da educação,

com ênfase no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, referido no

art. 3º;

XX - acompanhar e avaliar, com participação da comunidade e do Conselho de

Educação, as políticas públicas na área de educação e garantir condições, sobretudo

institucionais, de continuidade das ações efetivas, preservando a memória daquelas

realizadas;

XXI - zelar pela transparência da gestão pública na área da educação, garantindo o

funcionamento efetivo, autônomo e articulado dos conselhos de controle social;

XXII - promover a gestão participativa na rede de ensino;

XXIII - elaborar plano de educação e instalar Conselho de Educação, quando

inexistentes;

XXIV - integrar os programas da área da educação com os de outras áreas como

saúde, esporte, assistência social, cultura, dentre outras, com vista ao fortalecimento

da identidade do educando com sua escola;

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XXV - fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo as famílias dos

educandos, com as atribuições, dentre outras, de zelar pela manutenção da escola e

pelo monitoramento das ações e consecução das metas do compromisso;

XXVI - transformar a escola num espaço comunitário e manter ou recuperar aqueles

espaços e equipamentos públicos da cidade que possam ser utilizados pela

comunidade escolar;

XXVII - firmar parcerias externas à comunidade escolar, visando a melhoria da

infra-estrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações

educativas;

XXVIII - organizar um comitê local do Compromisso, com representantes das

associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público,

Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da

mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas de evolução do IDEB.

(BRASIL, 2007).

O MEC lançou, em 2007, enquanto derivação do PNE, o Plano de Desenvolvimento

da Educação (PDE), numa tentativa de estabelecer o trabalho conjunto entre ministérios e a

integração de programas e projetos então existentes8, operacionalizando, assim, o PNE a partir

de plano coletivo abrangente, sistêmico, de médio e de longo prazo, com foco na qualidade da

educação básica. Conforme o próprio documento,

O PDE, nesse sentido, pretende ser mais do que a tradução instrumental do Plano

Nacional de Educação (PNE), o qual, em certa medida, apresenta um bom

diagnóstico dos problemas educacionais, mas deixa em aberto a questão das ações a

serem tomadas para a melhoria da qualidade da educação. É bem verdade, como se

verá em detalhe a seguir, que o PDE também pode ser apresentado como plano

executivo, como conjunto de programas que visam dar conseqüência às metas

quantitativas estabelecidas naquele diploma legal, mas os enlaces conceituais

propostos tornam evidente que não se trata, quanto à qualidade, de uma execução

marcada pela neutralidade. (BRASIL, 2007).

8 São abarcados pelo PDE mais de 40 programas, sendo que a educação básica está contemplada diretamente

com 17 ações, algumas de caráter global, outras, específico. São ações globais o FUNDEB, o IDEB, a Rede

Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica, o Piso Salarial Nacional do Magistério,

os programas de apoio “Saúde nas Escolas”, “Transporte Escolar”, “Luz para Todos”, “Guias de tecnologias”,

“Censo pela Internet”, “Mais educação”, “Coleção Educadores” e “Inclusão Digital”. São ações específicas para

os níveis específicos de ensino: o “Proinfância” (educação infantil), a “Provinha Brasil”, o “Programa Dinheiro

Direto nas Escolas (PDDE)”, o “Programa Gosto de Ler” (ensino fundamental) e o “Programa Biblioteca na

Escola” (ensino médio). A educação superior está contemplada, dentre outras ações, com o PROUNI e o FIES-

PROUNI, o REUNI, a Universidade Aberta do Brasil (UAB), o “Programa de Bolsas de Pós-doutorado” e a

ampliação do Portal de Periódicos da CAPES, a Lei de Incentivo à Pesquisa (Lei nº 11.487, de 15 de junho de

2007) e o “Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Superior”. As modalidades de ensino estão

contempladas com as seguintes ações: “Programa Brasil Alfabetizado” para a EJA, “Programa de Implantação

de Salas de Recursos Multifuncionais”, “Programa Olhar Brasil”, “Programa de Acompanhamento e

Monitoramento do Acesso e Permanência na Escola das Pessoas com Deficiência Beneficiárias do Benefício de

Prestação Continuada da Assistência Social” (educação especial), “Programa Conteúdos Digitais Educacionais”,

o investimento na rede federal de educação tecnológica e a ampliação do número de Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) (educação tecnológica e formação profissional). Também constam do

PNE: o “Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Públicas de Educação

Superior”, o “Programa Nacional de Informática na Educação do Campo” (Proinfo Campo), o “Projovem

Campo – Saberes da Terra”, “Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência” (PIBID), e o incentivo

ao Estágio.

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49

É interessante notar, no texto do documento, a questão do dilema que se coloca

quando da formulação de qualquer política pública educacional: o financiamento. Ora, o

próprio Governo Federal reconhece a urgência em ampliar os investimentos, não obstante a

insistência em novos arranjos para a repartição de quantitativo de recursos que é insuficiente,

mediante o cenário atual e a dívida histórica.

Estudiosos da educação, em especial economistas, têm defendido a tese de que o

Brasil não precisa ampliar os investimentos em educação como proporção do

Produto Interno Bruto. Alegam que o patamar atual, de 4%, aproxima-se da média

dos países desenvolvidos, o mesmo valendo para a relação entre o investimento na

educação básica e o investimento na educação superior, de cerca de quatro para um.

Esta abordagem, contudo, perde de vista dois aspectos: nosso baixo PIB per capita e

nossa elevada dívida educacional. Se quisermos acelerar o passo e superar um

século de atraso no prazo de uma geração, não há como fazê-lo sem investimentos

na educação da ordem de 6% a 7% do PIB. (BRASIL, 2007).

Ressalta-se que nenhuma das diretrizes do Plano de Metas discrimina ações

específicas para o ensino médio, confirmando que essa etapa da educação básica não é

necessariamente uma prioridade na gestão da educação pública. Eventualmente os jovens,

estudantes do ensino médio, podem ser e até são beneficiados por alguma política pública

nacional muito expressiva, como essa, mas pensada para o ensino fundamental, embora nos

documentos oficiais mais recentes o horizonte da educação básica seja a referência mais

frequente. Os documentos supracitados não deixam dúvidas a esse respeito.

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3 O DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL E O ENSINO MÉDIO: TRAJETÓRIAS

TORTUOSAS

3.1 O ensino médio no Brasil-Colônia (1500-1822)

3.1.1 Período jesuítico

No Brasil o processo de escolarização oficial inicia-se em 1549. As primeiras escolas

são criadas com a chegada da primeira ordem religiosa, a Companhia de Jesus9. A comissão

que aportou, sob a liderança do padre Manuel de Nóbrega, tinha como propósito para as terras

recém-tomadas pela Coroa Portuguesa a catequese dos indígenas, todavia acabou assumindo o

ensino de “Humanidades”, com a subvenção da mesma. Sobre o modo de atuação da

Companhia de Jesus, chama-se a atenção para sua distinção das demais ordens religiosas, uma

vez que os jesuítas “vivem no século, no mundo; e a Companhia tem caráter sumamente

empreendedor e combativo. Sua mesma designação de Companhia já indica o caráter de

milícia, assim como a organização, disciplina e espírito de obediência, tudo para maior glória

de Deus.” (LUZURIAGA, 1969, p. 118-119, destaque conforme original).

A elite da sociedade brasileira, até então incipiente, demandava instituições para a

formação cultural dos seus herdeiros. De acordo com Paiva, “a certa altura da catequese dos

índios, os próprios jesuítas vão julgá-la desnecessária. E os colégios, estes sobretudo, se

voltam para os filhos dos principais” (PAIVA, 2007, p. 44), isto é, os estudantes provenientes

das famílias que detinham poder e riqueza.

Os estudos de Humanidades desenvolvem-se a partir do modelo de ensino aplicado

pelo Colégio dos Meninos de Jesus, fundado na vila de São Vicente, na Bahia, em 1550.

Então, são organizadas, primeiro, as classes independentes de estudo, e, depois, os colégios. A

9

Ordem religiosa fundada em Paris, no ano de 1534, pelo espanhol Inácio de Loyola juntamente com Francisco

Xavier, Pedro Favre, Diego Laínez, Alfonso Salmerón, Simão Rodrigues, Nicolau Bobadilla, Cláudio Jay,

Pastache Broet e João Codure, e confirmada canonicamente por meio da Bula Regimini Militantis ecclesiae,

assinada pelo papa Paulo III, em 1540. Seu principal objetivo era revigorar a fé católica, ameaçada pela Reforma

Protestante, de maneira que enviava missionários para várias regiões do mundo. Em 1759, a ordem é expulsa de

Portugal e de todo o império ultramarino por motivos políticos, tendo os seus bens confiscados pela Coroa. Em

1764, o mesmo acontece na França e, três anos depois, na Espanha. Por fim, é extinta pelo papa Clemente XIV,

em 1773. Após quatro décadas de extinção oficial, a ordem é restaurada através da Bula Solicitudo omnium

ecclesiarum, assinada pelo papa Pio VII, em 1814, retoma a administração de suas instituições educacionais.

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51

partir desta estrutura o ensino secundário é instituído na Bahia, em 1553, e em São Paulo, no

ano seguinte, expandindo-se sequencialmente na medida em que a colonização portuguesa

avançava para as demais regiões brasileiras.

O “sistema de educação” criado pelos jesuítas compreendia desde a instrução

elementar (ler, escrever e contar) até o doutorado em artes. Segundo Nunes, “o curso de

Humanidades, dentro dos objetivos da Companhia de Jesus, foi o mais importante dos cursos

aqui instituídos” (NUNES, 1962, p. 30); seu objetivo era proporcionar a preparação necessária

para os filhos dos senhores de engenho se encaminharem para o sacerdócio ou para as

universidades da Europa, sobretudo as coimbrãs. Ressalta-se que o privilégio de ter acesso à

instrução não se estendia às mulheres, por serem considerados seres inferiores, mesmo às

provenientes das famílias brancas e ricas. A instrução feminina só é permitida do século XIX

em diante, e ainda assim, no começo, deveria ser realizada estritamente no âmbito

doméstico10

.

O plano pedagógico dos jesuítas organizava-se por meio do Ratio Studiorum11

, plano

de estudo ou manual com orientações detalhadas sobre currículo, didática, avaliação,

administração escolar etc. O Ratio Studiorum abrangia, em termos curriculares, além das

humanidades, a gramática média, a gramática superior e a retórica, orientando-se, em termos

metodológicos, por valores caros à Igreja Católica: disciplinamento, autoridade,

hierarquização, uniformidade e formalidade. A metodologia de ensino recorria a “lição ou

prelação, explicação, repetição, composição etc. métodos predominantemente verbais e, em

grande parte, memoristas e formalistas. Dava-se especial importância à elocução e à redação,

assim como à leitura dos clássicos, devidamente expurgados.” (LUZURIAGA, 1969, p. 119).

Este plano é seguido por outras ordens religiosas – franciscanos, beneditinos, carmelitas,

capuchinhos etc. – que chegaram ao Brasil e também se envolveram com a educação.

10

Pesquisadores da História da educação registram exceções como o caso de Catarina Paraguassu, também

reconhecida como Madalena Caramuru, filha de uma indígena e primeira mulher a alfabetizar-se no Brasil

colonial; ela escreveu uma carta de próprio punho ao padre Manoel de Nóbrega no dia 26 de março de 1561.

Outro caso: o de uma “dama brasileira” chamada Margarida de Mendonça, que teria sido vítima de um estupro e

roubo de dote, em 1611, e então, escreveu uma petição, de próprio punho, e enviou à Coroa, solicitando que

Nuno da Cunha, autor do abuso, fosse obrigado a casar-se com ela, restituindo-lhe a honra. 11

A estrutura do ensino e o currículo apresentavam poucas variações de colégio para colégio. Segundo Nunes

(1962, p. 35), o nível secundário era composto pelo esquema-padrão:

“Retórica: em latim, o 6º livro da Eneida, de Vergílio; o 3º livro das Odes, de Horácio; De Lege Agraria e De

Oratore, de Cícero; em grego, os Diálogos, de Luciano.

Humanidades: em latim, De Bello Gallico, de César; o 10º livro da Eneida; e a gramática grega.

1ª classe de gramática: em latim, o 5º livro da Eneida; a Retórica, de padre Cipriano Soares; o Discurso Post

Redetum, de Cícero.

2ª classe de gramática: De Officiis, de Cícero; De Ponto, de Ovídio.

3ª classe de gramática: De Trestibrus, de Ovídio; Cartas, de Cícero.

4ª classe de gramática: Cartas Familiares de Cícero e a 3ª parte da gramática latina.

5ª classe de gramática: Rudimentos da gramática latina e uma seleção das Cartas de Cícero.”

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Paiva chama a atenção para a realidade contrastante quando comparada a prática ao

discurso proferido pelos religiosos, que ensinavam nos colégios a justiça e a piedade, mas

conviviam harmoniosamente com a escravização e com a guerra. Este autor cunhou o termo

“formalismo pedagógico” (PAIVA, 2007, p. 46) para designar esta situação ambígua da

escola no período colonial. Todavia, é, naquele momento, a instituição capaz de garantir a

disseminação dos valores culturais portugueses. É imprescindível para o sucesso do projeto

colonizador a transposição da cultura ocidental para o território que se pretendia ocupar e

dominar.

No curso do ensino secundário era transmitido o modelo de sociedade desejado tanto

pela Coroa Portuguesa quanto pela Igreja para a nação brasileira, esperando-se que os jovens

estudantes pudessem retransmiti-lo, direta e indiretamente, em suas relações sociais. “O

colégio plasmava o estudante para desempenhar, no futuro, o papel de vigilante cultural, de

forma que a prática, mesmo desviante, pudesse ser recuperada.” (PAIVA, 2007, p. 49).

A educação jesuítica cumpre uma função orgânica naquela sociedade, que se erigia em

conformidade com a doutrina católica, ao preparar os jovens para a vida sociopolítica.

Luzuriaga adverte:

A educação dos jesuítas dirigiu-se quase exclusivamente ao ensino secundário e

pouco, ou nada, ao primário. A ação jesuítica encaminhou-se principalmente para os

adolescentes das classes burguesas e dirigentes da sociedade e, não, para a massa do

povo, como fizeram outras ordens religiosas. Daí a grande influência que os jesuítas

exerceram na vida social e política. (LUZURIAGA, 1969, p. 120).

O ensino secundário conforme o Ratio Studiorum vigora durante o período colonial até

1759, quando, então, o “monopólio” dos jesuítas sobre a educação finda, após mais de dois

séculos de existência. Eles são expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal. Antes daquela

data registra-se a ocorrência de apenas duas situações em que o Governo de Portugal assumiu

oficialmente a educação no Brasil: “em 1694 com a criação de uma escola de artilharia e

arquitetura militar na Bahia, e em 1738, com o estabelecimento de uma aula de artilharia no

Rio de Janeiro; foi a necessidade da defesa da colônia que o levou à criação dessas aulas de

interesse imediato.” (NUNES, 1962, p. 36).

O papel atribuído à educação nos primeiros séculos se desdobrará nos vindouros. Em

relação ao ensino médio, marcará profundamente sua identidade e sua função. Afinal, um

projeto de ensino pensado e realizado para a formação das elites não se abrirá às classes

populares nos mesmos moldes.

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53

3.1.2 Período pombalino

Um novo estágio da educação brasileira principia com a publicação do Alvará de 28

de junho de 1759, assinado por Dom Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal.

Trazer a educação para o controle do Estado, secularizar o ensino e estabelecer um currículo-

padrão: medidas que compunham a tríade da Reforma Pombalina. Neste sentido, o Alvará

estabelece uma nova organização do sistema educacional, com previsão da criação das aulas

régias e das classes, da profissionalização de professores e da autorização do ensino feminino,

cuja concepção elitista impedirá a extensão do ensino voltado para a formação integral às

camadas populares.

Inaugura-se no Brasil o ensino público, sob a responsabilidade do Estado, ao romper

com o monopólio religioso. Não obstante, o sistema de ensino tarda a modificar-se,

permanecendo por longo prazo tal qual na época dos jesuítas. A evolução é lenta e tem como

principais marcas: a criação das aulas avulsas de “primeiras letras”, de gramática, latim, grego

e filosofia; e a fundação de sociedades literárias.

A Reforma Pombalina dá-se sob os auspícios do Iluminismo, que, em sua versão

portuguesa, apresenta características bem distintas, e até contrárias, da original, surgida na

Inglaterra, ou da emblemática versão desenvolvida na França.

A filosofia política que surgia condenava o absolutismo, mostrando que a missão do

govêrno, ao ser instituído pelos homens, fôra defender a propriedade, e não limitar

seus direitos naturais. Foi a época dos déspotas esclarecidos, dos grandes ministros e

suas reformas político-administrativas, sem alteração, porém, da estrutura social

vigente. (NUNES, 1962, p. 42).

Em Portugal, dentre outras particularidades, há uma oportuna combinação entre o

Iluminismo e o Cristianismo, uma vez que os limites da ciência esbarravam na autoridade da

Coroa e da poderosa religião católica. O Iluminismo português baseia-se na fé na razão, no

progresso, no comércio e na educação, sem, entretanto, ter interesse na emancipação política

de todos e na quebra da hierarquia social consolidada. Ora, o conhecimento sempre significou

poder, e, no entendimento dos governantes portugueses, o ensino superior deveria ser

destinado a um público restrito, pois sua expansão significaria uma ameaça ao poder

despótico. O Governo e as elites estavam preocupados com a proteção da nação e das

fronteiras portuguesas, portanto em agir para não perder para outros países a vasta colônia de

Portugal na América. A estruturação de um Estado sólido e potente demandava a

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reorganização social da colônia, de modo a torná-la menos vulnerável. Daí, a necessidade da

formação educacional mais sofisticada para o desenvolvimento de áreas específicas da

sociedade, bem como da instrução elementar para o trabalho pesado. Esta, sim, deveria ser

expandida e abarcar a população pobre do Brasil. Assim foi pensado o ensino primário:

ensinar o básico, ou seja, ler, escrever e contar; impingir regras morais e comportamentais;

inculcar o temor e respeito ao Governo e à hierarquia social.

O Governo, julgando que a escolarização pudesse ajudar na concretização dos ditames

oficiais, pretendia formar os tipos sociais necessários à construção de uma sociedade

hierarquizada, porém iluminada pela ciência.

As condições para o estabelecimento da escola pública eram bastante precárias,

mesmo com a criação do “subsídio literário”, em 1772, para o seu custeio: não há uma

estruturação institucional mínima, com locais adequados, materiais básicos (por exemplo,

livros para os professores) e quantitativo de professores suficiente, inviabilizando as

possibilidades de torná-la, de fato, acessível. E não se torna. No período colonial pombalino

prevalece o ensino primário para as crianças pobres, e não todas, e o ensino secundário

“enciclopédico”, destinado aos jovens provenientes das elites, formada basicamente por

burocratas e aristocratas rurais.

A fuga da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, como decorrência da

invasão militar comandada por Napoleão Bonaparte, altera o panorama da educação na

colônia. Tão logo chega, Dom João VI funda o curso de medicina e cria a “cadeira” de

economia. “Também foram fundados, em 1808, a Academia de Marinha e, em, 1810, a

Academia Real Militar. Era o ensino militar imprescindível não só à educação dos filhos da

nobreza [...], como à defesa da nova sede do império português.” (NUNES, 1962, p. 66). São

criados, ainda, cursos das línguas vivas (inglês, francês etc.), cadeiras de botânica, agricultura,

química, música etc.

No ensino secundário permanecem no currículo o latim, a filosofia e a retórica,

acrescentando-se novas cadeiras – desenho, história, aritmética, álgebra, geometria dentre

outras, que são criadas nas localidades economicamente mais desenvolvidas naquela época. E

permanece também o caráter elitista de outrora, que conserva no sistema educacional um

reduto para as classes privilegiadas material e simbolicamente. Começa, neste período, de

forma mais direcionada, o investimento no ensino elementar no sentido de se promover a

moralização social das camadas populares. O que se pretendia com isso? Quais as chances de

se alterar o curso desse projeto de sociedade que, mesmo se proclamando iluminista, concebia

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o obscurantismo como esteio principal? Novos ares serão trazidos pelo Governo Imperial com

seu projeto de erigir uma nova nação.

3.2 O ensino médio no Brasil-Império (1822-1889)

Na República Federativa do Brasil a educação assume a centralidade na cena social. O

Estado, nos primeiros anos da República, ao organizar o sistema educacional, estrutura-se a si

próprio e a sociedade, e também investe na tentativa de construir a identidade nacional.

Naquele momento, os governantes, em geral, não entendem a educação como um direito, mas

como um agente para materializar o(s) projeto(s) de sociedade que imaginavam e preparavam.

É com o tempo que se desenvolve e fortalece a noção do direito à educação. Ocorre uma

constante circulação de ideias entre as sociedades, e naquela época muitas já contavam com

um sistema educacional consolidado, o que, sem dúvida, exerce influência sobre os

intelectuais e governantes brasileiros.

No Brasil colonial o cenário para o estabelecimento da escola pública é precário,

inadequado e insuficiente: não há espaços para a instalação de escolas, faltam professores e os

materiais básicos são escassos. A ideia de consolidar um sistema de educação pública não

recebe o mínimo de investimento por parte do Governo para se realizar.

Todas as Constituições do Brasil mencionam a educação, embora nem sempre a

considerando um direito. A primeira Carta Magna do país data de 1824. A Constituição

Política do Império do Brasil, não obstante a influência do pensamento iluminista, faz

pequenas referências à educação, em dois parágrafos do art. 179, que asseguram “a

inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm por base a

liberdade, a segurança individual e a propriedade”, estabelecendo formalmente que, dentre

outros dispositivos, “a instrução pública primária é gratuita a todos os cidadãos” (§ 32) e a

criação de “colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das ciências, belas

letras e artes” (§ 33). A Assembleia Constituinte de 1823, conforme Chizzotti,

em seis meses de trabalho produziu mais discursos veementes e oradores esfuziantes

sobre a instrução, que diretrizes fundamentais para a educação nacional. A educação

básica ficou absolutamente relegada à iniciativa privada até o Ato Adicional de 1834

e a criação da universidade foi mais um motivo de emulação entre os deputados

provinciais, que proposta efetiva para a criação de estudos superiores no Brasil.

(CHIZZOTTI, 2005, p. 50-51).

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O mérito desta Constituinte é a inscrição do princípio da gratuidade da educação no

texto legal, embora não tenha se efetivado, devido à desconexão entre o Governo central e as

províncias, em virtude da ausência de compromisso político com o desenvolvimento da

sociedade brasileira como um todo. A legislação em nível nacional, bastante centralizadora,

não é suficiente, naquele momento, para fomentar um projeto único de nação, de modo que

cada província cria e encaminha seu projeto, inclusive com a formulação de suas próprias leis.

O que contribuiu para o provimento de quadros regionais francamente díspares, em termos de

escolarização.

“O que determinava o poder instalado era a soma de atos institucionais, de pouco

valendo a letra de um texto destituído da legitimidade e da soberania que só a democracia

confere.” (CURY; HORTA; FÁVERO, 2005, p. 21).

No Brasil imperial a finalidade da educação secundária modifica-se em relação aos

períodos históricos anteriores, passando a ser destinada à classe média da sociedade, com a

intenção de qualificar um tipo de mão-de-obra mais sofisticada para atuar, sobretudo, no

comércio e na agricultura. Naquele momento, consta do currículo: língua portuguesa, história

natural, geografia, noções de astronomia, cronologia, mineralogia, química, mecânica,

botânica, idiomas inglês e francês. “No campo do ensino secundário, continuavam as aulas

isoladas, espalhadas, sem plano, pelas províncias, e os colégios particulares que surgiram

sobretudo na capital do império.” (NUNES, 1962, p. 73).

Ocorreu, em 1834, uma reforma constitucional que

conferiu às províncias o direitos de legislar sôbre instrução pública e

estabelecimentos próprios a promovê-la, excluindo, porém, de sua competências as

faculdades de medicinas, os cursos jurídicos, academias então existentes e outros

quaisquer estabelecimentos que, no futuro, fôssem criados por lei geral.

(HAIDDAR, 1973, p. 17).

A responsabilidade pela educação primária e secundária, por determinação do Ato

Adicional de 1834, é transferida para as províncias. A educação básica até poderia ser gratuita

desde que os recursos necessários para prover as despesas decorrentes não saíssem dos cofres

do Império. O poder central não se interessava pela educação básica pública, interessava-lhe

ocupar-se da educação superior restrita às elites ou, quando muito, às escolas da capital do

Império. Desse modo, a oferta da educação12

, diferenciada e desigual, ficava condicionada à

12

Nesta época a educação pública limitava-se à “instrução elementar”, isto é, o ensino da leitura, da escrita e da

aritmética. A diferenciação do currículo era e ainda é um mecanismo de perpetuação da hierarquia social.

Enquanto algumas pessoas aprenderiam somente a ler, escrever e contar; outras receberiam uma educação mais

sofisticada, acessando os conhecimentos de “artes e humanidades”.

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vontade, aos interesses e à capacidade de investimento dos governantes provinciais, de

maneira que a maior atenção é dada ao ensino primário.

O agrupamento das aulas régias dá origem aos liceus, que retomam a educação

livresca, preparatória para os exames que dão passagem para o ensino superior. Foram dois

marcos históricos desse período: a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em

1930, e a inauguração do Colégio Pedro II, em 1937, no Rio de Janeiro, este “dando

uniformidade ao ensino da juventude, apresentou pela primeira vez entre nós um programa

gradual e integral de ensino.” (NUNES, 1962, p. 74). Assim, o colégio torna-se modelar tanto

para os liceus quanto para os colégios particulares, posteriormente criados.

O acesso aos liceus era extremamente restrito, “beneficiava apenas a diminuta

população que buscava os cursos superiores.” (HAIDDAR, 1973, p. 45). Na verdade, a

privilegiada parcela que tinha condições de fazê-lo.

Pinto e Adrião, estudando o financiamento da educação, trazem um dado

importantíssimo que nos dá a noção da precariedade da ação do Governo: “os relatos da época

indicam que havia um atendimento educacional extremamente precário, agravado pela falta

de professores qualificados e com baixa remuneração. Em 1886, a população escolarizada do

Brasil representava cerca de 1,8% do total (incluindo negros e índios).” (PINTO; ADRIÃO,

2006, p. 24). Realmente era uma tarefa imensa, estabelecer e manter a estrutura satisfatória

para a escolarização de tal contingente, o que não atenua nem um pouco a indiferença e a

omissão dos governantes dessa época e de outros que lhes sucederam.

3.3 O ensino médio no Brasil-República (1889 a 2009)

3.3.1 Primeira República (1889-1930)

A expansão da agricultura cafeeira e da pecuária, o notável progresso em termos de

infraestrutura (construção de ferrovias e portos, instalação redes telegráficas, fundação de

bancos e seguradoras etc.), a urbanização, a adoção do trabalho assalariado devido à proibição

do trabalho escravo, a consolidação do comércio mercantil e das classes médias que

começaram a cortar os laços de dependência em relação às oligarquias rurais, e o

fortalecimento do exército após a Guerra do Paraguai eram os principais processos que

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conjuntamente compunham o cenário da modernização brasileira. Um golpe militar, projetado

e comandado pela oligarquia cafeeira paulista unida aos intelectuais representantes das classes

médias e parte do Exército, derrubou o Império no dia 15 de novembro de 1889 e inaugurou

um novo regime político: a República.

Nos primeiros anos do governo republicano, certas ações políticas, tais como a

extinção do Poder Moderador, do voto censitário e dos títulos de nobreza, e a concessão de

relativa descentralização política, bem como a instituição do voto secreto, prestam-lhe ares de

democracia que suscitam o entusiasmo e criam expectativas de parcela representativa da

intelectualidade brasileira.

A crença na possibilidade de modernização e democratização leva os intelectuais a

propagarem o projeto oficial de nação republicana. Tem início o debate sobre temáticas de

interesse nacional – democracia, federalismo, industrialização e também educação pública.

Porém, a elite formada pelos cafeicultores exclui da cúpula governamental os militares e os

intelectuais progressistas, tomando para si o controle absoluto da política. A eleição do

primeiro civil para presidente da República, Prudente Morais, marca este arranjo político

cujas ideias e iniciativas em vista da democracia são postergadas.

Os interesses públicos foram colocados de lado e os particulares tratados como

prioridade nacional, desmotivando o avanço da discussão sobre o projeto de democratização.

O impulso para a reversão desta circunstância se dá com a Primeira Guerra Mundial (1914-

1918) quando

um surto de nacionalismo e patriotismo conquistou boa parcela dos intelectuais para

a questão do desenvolvimento do país e, principalmente, para a problemática da

educação popular. Além disso o final dos anos 10 registro um relativo crescimento

industrial e um novo patamar de urbanização da sociedade brasileira. Isso significou

novas pressões em favor da escolarização. Foi o bastante para que boa parcela da

intelectualidade, imbuída de um espírito de “republicanização da República” e

horrorizada com a situação do analfabetismo generalizado (em 1920, 75% da

população era analfabeta), ressuscitasse o entusiasmo pela educação.

(GHIRALDELLI JR., 2001, p. 17).

Assim, num primeiro momento, intelectuais, industriais e profissionais liberais unem-

se em campanhas – “ligas contra o analfabetismo” e conferências sobre a educação – para a

mudança do referido quadro crítico, iniciando um processo de transformação sociocultural.

Então, diferentes grupos sociais elaboram distintas propostas pedagógicas. As principais

correntes, Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Libertária, às quais se filiam

estas propostas correspondem aos ideários das classes da sociedade da época. Ghiraldelli

apresenta o seguinte esquema da estrutura político pedagógica:

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59

a Pedagogia Tradicional associava-se às aspirações dos intelectuais ligados às

oligarquias dirigentes e à Igreja. A Pedagogia Nova emergiu no interior de

movimentos da burguesia e das classes médias que buscavam a modernização do

Estado e da sociedade no Brasil. A Pedagogia Libertária, ao contrário das duas

primeiras, não teve origem nas classes dominantes; vinculou-se aos intelectuais

ligados aos projetos dos movimentos sociais contidos nas propostas do movimento

operário de linha anarquista e anarco-sindicalista. (GHIRALDELLI JR., 2001, p.

20).

O que se podia denominar planejamento do sistema de ensino público é destinado a

um público limitado e específico: às classes médias, visando ao suprimento do setor

burocrático. Tanto que as políticas educacionais oriundas da União se concentram nos níveis

secundário e superior. O nível primário foi conservado nos moldes da escola de primeiras

letras, onde educação era sinônimo de alfabetização e moralização das camadas pobres da

sociedade.

A primeira reforma educacional da República é empreendida pelo ministro Benjamim

Constant, em 1890, responsável pelo Ministério da Instrução, Correios e Telégrafos, criado no

mesmo ano. Nesta reforma prevê-se a organização do ensino primário, secundário e normal, a

adoção de um currículo com disciplinas científicas, a criação de um instituto de

aperfeiçoamento do trabalho docente, o Pedagogium, inclusive com a publicação de uma

revista pedagógica. Entretanto, quase nada pôde materializar-se devido à efêmera vida deste

ministério, extinto em 1893, e ao falecimento de Constant, em 1891.

Para Nunes, um dos pontos mais importantes da reforma é o exame de madureza,

avaliação que conferia um certificado equivalente à conclusão do ensino secundário, porque

“tirava ao ensino secundário o aspecto de mera via de acesso aos cursos superiores.”

(NUNES, 1962, p. 91).

Em 1891 é promulgada nova Constituição, fruto do projeto republicano iniciado com o

golpe militar de 15 de novembro de 1889. Os dispositivos destinados à educação aumentam,

mas não muito, trazendo inovações e, ao mesmo tempo, um notável retrocesso: a gratuidade

presente no texto constitucional anterior é suprimida. O Estado transfere a responsabilidade da

garantia do direito à educação para a família. Bem se sabe que pouquíssimas famílias teriam

meios para pagar pela educação de seus filhos. Por outro lado, é inscrito na lei maior o

princípio da laicidade, em virtude da separação entre o Estado e a Igreja Católica; no art. 72

da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil lê-se: “será leigo o ensino

ministrado nos estabelecimentos públicos” (§ 6º), e “nenhum culto ou igreja gozará de

subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou

dos Estados” (§ 7º).

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A ideia de um sistema educacional público é mais bem delineada dessa vez, mas as

atribuições por esfera administrativa, nos moldes do federalismo, são genericamente descritas

no texto constitucional. O Congresso é incumbido de criar, e não manter, escolas de ensino

superior e secundário nos estados; e de “prover” este nível apenas no DF. Na prática, os

avanços processaram-se lentamente porque durante longo período o Governo Central

respondeu, no plano da educação básica, apenas pelo Colégio Pedro II. Mesmo sob o ideal

republicano, carregado das noções de civismo e nacionalismo, os dirigentes do Brasil não

conferem à educação o devido lugar: direito de cidadania. Quando resolvem pela

escolarização em maiores proporções, os republicanos criam os grupos escolares que além dos

conteúdos da instrução elementar ensinavam um ofício13

. Questiona-se: o que motivou essa

decisão? O ensino de um ofício significava a preparação para um lugar naquele projeto de

sociedade, limitando a educação à dimensão mais utilitária possível. A aparente abertura para

“democratização” do direito à formação humana, através da educação e do trabalho, sugerida

pela arquitetura imponente dos edifícios onde funcionavam os grupos escolares nas capitais

brasileiras, oculta o pensamento pragmático que condiciona a escolarização das camadas

populares no Governo Republicano, com estilo colonial: visava-se suprir a engrenagem social

recém-inaugurada. Enquanto isso, o ensino humanista prosseguia sendo reservado a poucos

privilegiados.

Para contentamento do setor privado, cada estado fica incumbido de manter apenas

uma escola secundária-modelo. A atuação da União no sentido de uniformizar o ensino

secundário se intensifica, sobretudo a partir do Código Epitácio Pessoa, de 1901, com a

criação de instrumentos de fiscalização das escolas estaduais públicas e privadas. O Código

também as equipara, passando a conceder às instituições particulares as mesmas prerrogativas

das instituições oficiais, isto é, das escolas públicas. Por conseguinte, todas as escolas

deveriam se igualar, do ponto de vista curricular e didático, ao Ginásio Nacional – Colégio

Pedro II, que por este motivo sofre sucessivas reestruturações em seu plano de ensino ao

gosto do “reformador” da vez. Outro feito do ministro Epitácio Pessoa é a restauração da

tradição curricular humanística.

A reforma que se sucede, a do ministro Rivadávia Correia, se torna famosa, porque

“levando o liberalismo político às últimas conseqüências, dentro do positivismo ortodoxo,

resolveu retirar do Estado a interferência no setor educacional” (NUNES, 1962, p. 96) através

13

Os liceus de artes e ofícios preparavam para diferentes tipos de trabalhos manuais. Neles os alunos se

formavam para exercerem as profissões, dentre outras de gesseiro, pedreiro, carpinteiro, marceneiro, ferreiro,

serralheiro, oleiro, armeiro, chapeleiro, sapateiro, alfaiate, ourives, xilógrafo, fundidor e modelador de

ornamentos de pedra, bronze e ferro.

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61

da Lei Orgânica de 1911, ou seja, desoficializa o ensino; além disso, cria o exame vestibular

enquanto requisito único para o ingresso no curso superior, reduz a quantidade de aulas do

ensino secundário e, claro, reforma o currículo do Colégio Pedro II. A desoficialização do

ensino desdobra-se em sérios problemas: desde a queda no número de matrículas do Colégio

Pedro II e quase desaparecimento do ensino secundário nas demais escolas até a inflação das

escolas superiores, que proliferam mediante as facilidades da autonomia total, tese do “ensino

livre”. Livre só se for para ser abocanhado pelo setor privado14

.

O ministro Carlos Maximiliano dá início, em 1915, a uma reforma de caráter corretivo

para “pôr ordem na casa”. Sua gestão reoficializa o ensino, impõe limites rigorosos à

equivalência entre as escolas, restaura a obrigatoriedade do certificado de conclusão do ensino

secundário para a matrícula no ensino superior, mantendo o exame vestibular, e, tal qual os

ministros que o antecederam, reforma o currículo do ensino secundário.

As decisões afetas à educação, nesse período, revelam as tensões entre as elites, com

suas diferentes concepções políticas, na disputa pelo poder. Segundo Cury,

A política educacional republicana oscila entre a vertente liberal, federativa com

descentralização administrativa e unidade política centralizada; a vertente

positivista, ultrafederalista com descentralização administrativa e política [...]; e a

vertente autoritária na qual o papel intervencionista do Estado acopla centralização

política com pouca descentralização administrativa [...]. Assim, confrontam-se

defensores das teses de oficialização do ensino e defensores das teses que

propugnam o esvaziamento das prerrogativas da União, no que se refere ao campo

da instrução. Neste sentido, a Reforma Rivadávia posicionando-se de modo

descentralizado, distancia a União e até certo ponto os próprios Estados da

interferência no campo da instrução. A este tipo de positivismo se opõe Carlos

Maximiliano, cuja reforma reoficializa sobretudo o ensino secundário, fazendo

retornar à cena o poder interferidor do estado nesta matéria. (CURY, 2005, p. 85).

Fechando a Primeira República, o ministro Rocha Vaz, em 1925, promove mais uma

reforma. Conforme Nunes, esta não é necessariamente inovadora, “apenas tomou os pontos da

reforma em vigor, aos quais se atribuía a situação difícil em que se encontrava o ensino, e os

alterou.” (NUNES, 1962, p. 102). É muito interessante que as alterações no ensino

secundário, visando à preparação “fundamental e geral para a vida” (NUNES, 1962, p. 102),

se restringiam basicamente à obrigatoriedade da seriação e modificações na estrutura das

disciplinas curriculares, prática secular na educação. A cada projeto de sociedade modifica-se

o currículo, com o objetivo de imprimir na cultura os conhecimentos, as concepções e os

valores das elites dominantes.

14

O mesmo fenômeno de inflação se repete nos anos 2000, com as Instituições de Ensino Superior (IES) da rede

particular.

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3.3.2 República entre os anos de 1930 e 1988

O setor oligárquico do eixo Minas Gerais - São Paulo, instalado no poder desde o

primeiro dia da República, é substituído por outro setor oligárquico através de golpe militar,

encabeçado por Getúlio Vargas. Tem início uma nova fase política e econômica no Brasil,

que afeta profundamente a dimensão social. Do ponto de vista político, é implantado o

populismo, estilo de governo que pretende a manipulação das massas, recorrendo-se ao

nacionalismo, à demagogia, à propaganda, à abordagem carismática o que permite ao

presidente a manutenção simultânea do amplo controle, do apoio popular e da repressão aos

adversários sem ameaçar-lhe a imagem paternalista. Já do ponto de vista econômico, a

industrialização tem forte impulso e alto investimento. As palavras de ordem passam a ser

progresso, crescimento, modernização, coadunando-se com os princípios advindos do novo

contexto.

Na Era Vargas é institucionalizado o voto direto, secreto e universal para as pessoas

alfabetizadas, maiores de 18 anos, inclusive as mulheres (até então proibidas de votar); e o

reconhecimento de direitos trabalhistas – salário mínimo, férias, licença-maternidade etc. –

através da Consolidação das Leis do Trabalho; são criados dois Ministérios: o do Trabalho,

Indústria e Comércio; e o de Negócios da Educação e Saúde Pública. Tudo isso é habilmente

articulado pelo presidente Getúlio Vargas para garantir a anuência dos diversos setores da

sociedade em relação aos rumos dados ao país sob seu comando. Tanto que é criado um mito

em torno de sua figura: o presidente “pai dos pobres”.

Na área educacional, o governo Vargas emprega a mesma tática, nomeando para o

cargo de ministro um político que transitava nos meios liberais e conservadores: Francisco

Campos. Estes, ligados à Igreja Católica, defendem posições contrárias à democratização do

ensino público; e aqueles reúnem grupos influenciados pelos profissionais da educação, cujo

discurso se pauta pela gratuidade, obrigatoriedade, laicidade do ensino público, além da co-

educação.

Mediante tantas transformações, a educação (escolar) é questionada. Qual seria seu

papel? Qual seria sua função? De que forma daria sua contribuição para a modernização e o

progresso da nação?

Para o Governo, as respostas a esses questionamentos convergem para um único

ponto: a qualificação das massas para o progresso econômico vislumbrado no projeto

republicano de então. A educação, portanto, não passaria de um instrumento para a

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operacionalização de tal projeto cujos desdobramentos são, dentre outros: o enriquecimento

da elite econômica, a manutenção do poder nas mãos de seus representantes e, em última

instância, a conservação do status quo. Porém, para um segmento da elite intelectual da época

na educação está o gérmen para a reorganização da sociedade brasileira. Um grupo de

intelectuais15

, embora ocupando diferentes posicionamentos ideológicos, convictos de que a

educação é capaz de interferir e modificar o modelo social cindido em estratos ricos e pobres,

como o é no Brasil, formula e publica, em 1932, um documento que inaugura o projeto de

renovação educacional do país: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, intitulado “A

Reconstrução Educacional no Brasil - ao Povo e ao Governo”. O manifesto constata a

situação crítica da educação e a desorganização do sistema escolar, e traz a proposta de um

“plano geral de educação” defendendo a “escola única”, isto é, pública, gratuita, obrigatória e

laica, com vistas a um objetivo maior: dar uma identidade ao Brasil.

Segundo Saviani (2006), teórico da educação que considera esse documento um

importante legado do século XX, uma vez que se tornou referência para as gerações que o

sucederam,

[...] esse manifesto propunha-se a realizar a reconstrução social pela reconstrução

educacional. Partindo do pressuposto de que a educação é uma função

essencialmente pública, e baseado nos princípios da laicidade, gratuidade,

obrigatoriedade, co-educação e unicidade da escola, o manifesto esboça as diretrizes

de um sistema nacional de educação, abrangendo, de forma articulada, os diferentes

níveis de ensino, desde a educação infantil até a universidade. (SAVIANI, 2006, p.

33).

O Manifesto apresenta, apesar de certas inconsistências, uma análise inédita da

educação no Brasil, sobretudo em termos políticos: a educação é tratada enquanto problema

social a ser enfrentado pelo Estado. Soma-se a isso o fato de ter sido uma análise elaborada

por educadores. Lê-se já no primeiro parágrafo do Manifesto:

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e

gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar

a primazia nos planos de reconstrução nacional. [...] se depois de 43 anos de regime

republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se

verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era

indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos

esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda

15

O texto do Manifesto é redigido por Fernando de Azevedo e assinado por ele próprio e pelos seguintes

intelectuais: Afrânio Peixoto A. de Sampaio Doria, Anisio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho,

Roquette Pinto, J. G. Frota Pessôa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de

Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes

Lima, Attilio Vivacqua, Francisco Venancio Filho, Paulo Maranhão, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de

Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha Paschoal Lemme, e Raul Gomes.

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criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das

necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada

pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas

sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus

aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas

já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em

termos de serem despojadas de seus andaimes [...]. (MANIFESTO DOS

PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932, destaque nosso)

Para os signatários do Manifesto, enquanto representantes de um movimento político

renovador mais amplo, a ausência de definições filosóficas e científicas é responsável pelo

“estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar”. A grande

questão é que a educação é reclamada, no Manifesto, enquanto direito dos sujeitos, daí a

proposição de uma escola integral, comum ou única, para todos, contrapondo-se a escola

existente, denominada “tradicional”, forjada numa lógica burguesa em que prevalece a noção

de privilégio, tanto material quanto simbólico, de classe16

. O acesso à escola representava a

justiça social que fora negada ao povo em face dos privilégios educacionais mantidos pelo

sistema de governo que sempre se norteara pelo elitismo e pelo clientelismo.

A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos

interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o

princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado

pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço

social e cooperação. A escola tradicional, instalada para uma concepção burguesa,

vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da

doutrina do individualismo libertário, que teve aliás o seu papel na formação das

16

A dialética direito x privilégio é radicalizada por Anísio Spinola Teixeira, cuja produção intelectual, e da

mesma maneira a atuação profissional, reflete a convicção na legitimidade da luta pelo direito de todos à

educação. Dos anos 20 aos anos 60 ele trabalhou, ocupando, inclusive, cargos elevados da administração

pública, e escreveu em defesa da escola pública considerando-a condicionante para a existência do Estado

Democrático. A obra de Anísio resulta da organização, realizada por ele próprio, de várias de suas conferências,

relatórios e artigos. E sua contribuição para a educação no Brasil é inegável e presente até hoje. Dois livros são

especialmente relevantes pela expressão de propostas coerentes e articuladas entre si, para diversos aspectos de

política educacional (citam-se alguns: a garantia de escolarização mínima obrigatória e extensiva a todos os

brasileiros, a divisão de competências, com respectiva vinculação de receita, entre os municípios, estados e

União, a formação docente enquanto “competência exclusiva” do Estado, a fixação de um “custo-padrão” para o

cálculo do gasto de cada esfera administrativa, e representação de segmentos da sociedade em conselhos.), quais

sejam: Educação não é privilégio (publicado pela primeira vez em 1957), analisa a situação educacional

brasileira, identificando a existência da dualidade no ensino; discute a necessidade de uma reforma da educação,

que seria também uma reforma política, com vistas à promoção da educação comum destinada à formação do

cidadão e a “definitiva implantação” da democracia; e sugere procedimentos administrativos para assegurar tanto

as vantagens da descentralização e autonomia dos serviços de educação, como a integração e unidade entre as

esferas administrativas; e Educação é um direito (publicado pela primeira vez em 1968), discute a teoria, os

princípios e as bases da educação comum sob o auspicioso quadro da economia moderna no Brasil; e apresenta

um plano para a estruturação dos sistemas estaduais de ensino, fundamentado na sua experiência administrativa

como Secretário de Educação e Saúde do Estado Bahia e justificado pela gradual implantação da LDB. Pensando

sobre a questão da cidadania, as problematizações acerca de determinadas incongruências do Estado

Democrático brasileiro, a partir da análise meticulosa da educação, trazidas nesses livros ainda são bastante

atuais, pertinentes e válidas.

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democracias e sem cujo assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida

social. (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

Embora não se desconsiderassem estratégias às quais as classes recorrem para

constituem elites políticas, econômicas etc., para se manterem distintas e conservarem as

estruturas de poder, o Manifesto é contundente em relação ao papel do Estado, o qual deve,

sob o princípio da igualdade, reconhecer e assegurar direitos, entre eles a educação, a todos os

cidadãos. Assim, são reivindicadas oportunidades educacionais iguais para todos,

independentemente do estrato social.

Em nosso regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças à

organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas

assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever

indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes

ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um privilegio exclusivamente

econômico. Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em

que o Estado, pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a

sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular,

sob sua vigilância as instituições privadas idôneas, a "escola única" se entenderá,

entre nós, não como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola infantil à

universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível

a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos

diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15,

todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública,

tenham uma educação comum, igual para todos. (MANIFESTO DOS PIONEIROS

DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

Com efeito, é anunciada a urgência em se estabelecer um plano político amplo e

integrado para a educação:

A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras

de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à

universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e trabalho, a

correlação e a continuidade do ensino em todos os seus graus e a reação contra tudo

que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma

política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador que

modifica profundamente a estrutura intima e a organização dos elementos

constitutivos do ensino e dos sistemas escolares. (MANIFESTO DOS PIONEIROS

DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932, destaque nosso).

Em se tratando do ensino secundário, o Manifesto levanta a discussão sobre a

dualidade ao interrogar e problematizar a lógica dos modelos de ensino concomitantes

abrigados pelo sistema escolar: um tipo de ensino para as classes populares, outro muito

diferente, para as elites, e outro, conforme assevera Anísio Teixeira, para as classes médias

que emergiam.

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Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia),

enquanto a escola primária servia à classe popular, como se tivesse uma finalidade

em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o reduto dos

interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É

ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura

geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino

deve diversificar-se em ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que a

escola secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão.

(MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

A diversificação do ensino, em conformidade com as diferentes “aptidões” e

demandas dos jovens, é proposta para resolver o dilema do nível médio:

Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os

obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais, se

inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e à

variedade crescente de aptidões que a observação psicológica regista nos

adolescentes e que "representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos

jovens à cultura superior". A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a

soma geral de conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função

que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a

base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou

qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna

estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para

se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de

formas de atividade social. (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO

NOVA, 1932).

Com o decorrer do tempo, as reivindicações feitas pelo segmento renovador, expressas

no manifesto e noutros suportes e lugares, começaram a ser incorporadas às estruturas de

poder, num movimento de ajuste entre o “novo” e o “velho”. Dois anos após o lançamento do

manifesto, a questão da gratuidade é em parte resolvida com a promulgação da Constituição

de 1934, quando a educação, no Brasil, é instituída como um direito. Esta Constituição dispõe

de um capítulo exclusivo para a educação, apresentando como tópicos inovadores a

declaração de que “a educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos

poderes públicos” (art. 149); a vinculação orçamentária para sua manutenção: “a União e os

Estados aplicarão nunca menos que 10%, e os Estados e o DF nunca menos que 20% da renda

resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos” (art.

156), além da previsão da formação de fundos de educação (art. 157); a fixação de um “plano

nacional de educação” (arts. 150, 151 e 152) e a exigência de prestação de concurso de provas

e títulos para o exercício do magistério em escolas públicas (art. 158).

Finalmente, é reconhecido o direito à gratuidade e à obrigatoriedade do ensino

fundamental, que naquela época era de quatro anos. Um avanço em termos de conquista dos

direitos sociais, não obstante o motivo que conduz o Governo a tal medida. Para Beisiegel, o

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Estado antecipa-se à reivindicação popular pela educação em nível fundamental, instituindo a

obrigatoriedade do ensino, não porque a entende como um direito de todos, mas como um

quesito para a formação de sujeitos sociais mais adequados ao futuro projetado para a nação.

A ausência das camadas populares nas decisões políticas mais importantes fez com que

prevalecessem os interesses das elites. Conforme afirma o mesmo autor, a iniciativa de formar

os cidadãos pela via educacional, através, por exemplo, do ensino técnico profissional nas

Escolas de Aprendizes Artífices, no começo do século XX, corresponde a uma manobra para

a permanência dos privilégios das classes dominantes.

A Constituição do Estado Novo, decretada em 10 de novembro de 1937, assume

posições inversas às da Carta precedente. As competências reguladora e normatizadora da

União são ampliadas, ao passo que à iniciativa privada é permitido o trânsito livre. A

obrigação do Estado para com a educação se torna secundária, e é consolidado o injusto e

preconceituoso sistema dual, que tem por objetivo determinar os destinos das crianças e

jovens provenientes das classes populares, conforme se constata no art. 129:

À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em

instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios, assegurar

pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a

possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e

tendências vocacionais. O ensino prevocacional e profissional destinado às classes

menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-

lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissionais e

subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou

associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos

econômicos criar, na esfera de sua especificidade, escolas de aprendizes, destinadas

aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento

desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os

auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.

(BRASIL, 1937).

A obrigatoriedade da educação gratuita reaparece, porém numa perspectiva estreita,

pois destituída de vínculo orçamentário constitucional e baseada em certo “dever de

solidariedade dos menos para com os mais necessitados” (art. 130) através de “uma

contribuição módica e mensal para a caixa escolar” (art. 130), que não seria exigida daqueles

dos pobres.

O ministro Francisco Campos, logo após a posse, decreta uma reforma educacional em

nível nacional, cujos principais elementos foram: a criação do Conselho Nacional de

Educação (CNE), estabelecimento de diretrizes para o ensino superior, reestruturação da

Universidade do Rio de Janeiro, nova organização do ensino secundário, regulamentação do

curso de ciências contábeis e estruturação do ensino comercial. A crença na concepção

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salvífica da educação conduzia à ideia de que a normatização, por si só, guiaria a sociedade

para a solução dos problemas do campo educacional e não só construiria, mas preservaria o

Estado moderno. Quanto ao ensino secundário, um dos pilares do projeto getulista, é

submetido a uma reforma pela ordenação contida nos Decretos nº 19.890/1931 e nº

21.241/1932.

O currículo do ensino secundário é, mais uma vez, redefinido, criando-se dois cursos

seriados: o fundamental e o complementar. O curso fundamental volta-se para uma formação

geral, através do estudo de disciplinas da área humanística, com objetivo de preparar os

jovens para a vida na sociedade industrializada, que estava se formando. O Decreto nº

19.890/1931 estabelece um currículo seriado com todas as disciplinas a serem ministradas em

cinco anos. O curso complementar volta-se para a formação propedêutica, obrigatória para os

jovens que desejassem candidatar-se à matrícula no ensino superior. Conforme o decreto, o

curso complementar ou preparatório durava dois anos de “estudo intensivo” e realização de

“exercícios e trabalhos práticos individuais”, as disciplinas alemão, inglês, latim, literatura,

geografia, geofísica e cosmografia, história da civilização, matemática, física, química,

história natural, biologia geral, higiene, psicologia e lógica, sociologia, noções de economia e

estatística, história da filosofia e desenho deveriam ser combinadas para formarem currículos

de acordo com o curso superior pretendido. Inclusive, o curso preparatório poderia ser

ministrado pelas próprias instituições de ensino superior.

Na prática, é outra reforma elitista que busca a legitimação das desigualdades sociais

porque não cria condições efetivas para beneficiar os estudantes das camadas populares:

mesmo o curso fundamental, que não objetiva a continuidade nos estudos, demanda grande

dedicação de tempo, além de cultura prévia, requisitos que a maioria da população por não

dispor era eliminada. A dualidade do ensino secundário, institucionalizada através da Reforma

Francisco Campos, é consolidada pela Constituição de 1937. O fim último das Escolas de

Aprendizes Artífices, cuja presença se fez notória nessa Carta Constitucional, é a formação de

mão-de-obra para o mercado capitalista que estava se desenvolvendo no Brasil.

No Estado Novo, a organização do ensino é dada por um conjunto17 de leis orgânicas

da reforma empreendida pelo ministro Gustavo Capanema, que forja um ambicioso projeto

17

Formado pelos seguintes decretos: Decreto-lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que organizou o ensino

industrial; Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que instituiu o SENAI; Decreto-lei nº 4.244, de 9 de

abril de 1942, que organizou o ensino secundário em dois ciclos: o ginasial, com quatro anos, e o colegial, com

três anos; Decreto-lei nº 6.141, de 28 de dezembro de 1943, que reformou o ensino comercial; Decreto-lei nº

8.529, de 02 de janeiro de 1946, que organizou o ensino primário em nível nacional; Decreto-lei nº 8.530, de 02

de janeiro de 1946, que organizou o ensino normal; Decretos-lei nº 8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946, que

instituíram o SENAC; e Decreto-lei nº 9.613, de 20 de agosto de 1946, que organizou o ensino agrícola.

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educacional para o Brasil. O Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, estabelece, em seu

art. 1º, como finalidades para ensino secundário:

1) Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a

personalidade integral dos adolescentes.

2) Acentuar a elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência

patriótica e a consciência humanística.

3) Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais

elevados de formação especial. (BRASIL, 1942).

Os motivos para a reforma do ensino secundário expressos pelo ministro Capanema

esclarecem a real intenção do Governo: desenvolver um patriotismo que garantisse tanto o

compromisso de todos com o progresso do país quanto à acomodação de cada em sua classe

social de origem. Para o reformador, o ensino secundário deveria ser

ensino patriótico, por excelência, o que significava um ensino capaz de dar ao

adolescente a compreensão dos problemas e das necessidades, da missão e dos

ideais da nação, e bem assim dos perigos que a acompanhem, cerquem ou ameacem,

um ensino capaz, além disso, de criar, no espírito das gerações novas, a consciência

da responsabilidade diante dos valores maiores da pátria, a sua independência, a sua

ordem, o seu destino. (CAPANEMA apud NUNES, 1962, p. 112).

Ressalta-se a inflexibilidade da Reforma Capanema imposta à estrutura da educação

básica: o curso primário, de quatro anos, passa a ser seguido do ensino médio com duração de

sete anos e dividido em dois ciclos verticais, o ginasial, de quatro anos, e o colegial, de três

anos, divididos, por seu turno, em nível horizontal, nos ramos técnicos (com três sub-ramos:

agrícola, industrial e comercial), normal e secundário, sendo este o único ramo que autoriza o

ingresso em qualquer carreira do ensino superior. Os outros ramos e sub-ramos do ensino

médio possibilitam o acesso apenas às carreiras afins. Além disso, a troca de ramo implica na

perda dos estudos concluídos. Com essas medidas se objetivava conduzir os grupos

profissionais tanto das elites quanto das classes populares.

O Estado Novo corresponde a um período histórico de grande investimento nas

políticas educacionais na perspectiva de alterar os padrões e valores sociais vigentes sem

abalar a hierarquização social. O argumento elitista de que aos pobres caberia o ensino

profissionalizante toma forma na matéria constitucional. O Governo não mede esforços para

conduzir a sociedade brasileira à modernização, entendida como abertura para a economia

capitalista, desenvolvimentista e consumista, daí a política econômica voltada quase

exclusivamente para a industrialização. Além do SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem

Comercial) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), são criadas outras

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instituições para sustentar, no âmbito educacional, o projeto de nação da Era Vargas, dentre

elas o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o

Instituto Nacional do Livro e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Um

projeto que consolida com o ideário de superação do atraso, nas duas décadas posteriores,

para o qual a educação escolar desempenharia uma função estratégica: forjar novos sujeitos.

Estes com valores e comportamentos “modernos”.

A grande preocupação mediante a industrialização crescente era a formação da mão-

de-obra. Já não é mais possível o avanço econômico sem a escolarização. O ensino secundário

passa a desempenhar papel primordial na consecução do planejamento oficial de nação

moderna. Assim, deve proceder-se, nas palavras de Capanema,

à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão

assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens

portadores de concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas,

que é preciso tornar habituais entre o povo. (CAPANEMA apud NUNES, 1962, p.

113).

A despeito desta visão, cabe ressaltar que a mobilização de profissionais do campo da

educação e as lutas de diversos segmentos da sociedade, convictos de que a educação é um

direito, ocorridas nos períodos pós-ditatoriais do século XX definitivamente contribuem para

o processo de democratização da educação. Em se tratando da expansão do ensino médio,

Beisiegel assinala:

a redemocratização da vida política, em 1945, foi decisiva na criação de condições

para esta conquista da escola secundária. Pressionados pelos eleitores, os políticos

responderam às reivindicações educacionais da população. Os agentes políticos, no

legislativo e no Executivo, tiveram relevante papel no processo de expansão da rede

pública desse tipo de escolas. (BEISIEGEL, 2005, p. 128).

Embora, em 1946, já no fim do Estado Novo, tenha tido início a gestão de Raul Leitão

da Cunha no Ministério da Educação, a reforma tem continuidade, de modo que o ensino

primário supletivo, destinado a adolescentes a partir dos 13 anos e adultos, é regulamentado,

bem como o ensino normal e o ensino agrícola; e também é criado o SENAC.

Novas esperanças reacendem com a queda da ditadura estado-novista. Em 1946, é

promulgada nova Constituição que no âmbito educacional dá prosseguimento ao projeto

dualista configurado anteriormente. Ressalta-se que a educação ressurge enquanto “direito de

todos” (art. 166), bem como a gratuidade do nível elementar: “o ensino primário oficial é

gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta

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ou insuficiência de recursos” (art. 168). A vinculação obrigatória de recursos é retomada: a

União deveria aplicar na manutenção e no desenvolvimento do ensino nunca menos que 10%

das receitas resultantes dos impostos e os estados e municípios nunca menos que 20%. A

inovação do texto desta Constituição fica por conta da explicitação da diferença entre o

“ensino oficial”, mantido pelo poder público, e aquele “livre à iniciativa particular”. Para

Oliveira, a Constituinte de 1946

privilegiou o debate público-privado, e mais especificamente, o da relação Estado-

Igreja e seus desdobramentos na esfera educacional. Isto se deu em detrimento de

uma reflexão mais abrangente que localizasse claramente os nossos principais

problemas educacionais e formulasse as diretrizes para sua resolução, postergando-

se, tal definição para o momento seguinte, quando da discussão da Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional e do Plano Nacional de Educação, que seriam

aprovados mais de quinze anos depois de promulgada a Constituição. (OLIVEIRA,

2005, p. 186-187).

O acesso à educação continua desigual, condicionado pelo pertencimento a esta ou

aquela classe socioeconômica. Os níveis mais altos do ensino dificilmente são alcançados

pelos pobres, ainda predestinados à profissionalização cada vez mais reclamada pelo projeto

brasileiro de modernização.

O projeto para a criação da primeira LDB, encaminhado à Câmara Federal no ano de

1948, nutre esperanças de progresso na estruturação de um sistema nacional de ensino.

Entretanto, as divergências de interesses provocam e sustentam longas polêmicas, centradas

nas questões: escola pública x escola privada e centralização x descentralização18

, de maneira

que o projeto original é arquivado, desarquivado, emendado, substituído, negociado e

reescrito para enfim ser convertido em lei, a de nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, após 13

anos de trâmite.

Apesar de tudo, esta lei significa um avanço, na medida em que especifica, ainda que

tardiamente, determinados dispositivos tratados genericamente nas Constituições. Outrossim

flexibiliza a estrutura educacional tornada obrigatória com a reforma do ministro Gustavo

Capanema, desvinculando o ramo do ensino médio da carreira no ensino superior, bem como

possibilita o aproveitamento de estudos em casos de troca de ramo.

18

O ex-ministro da educação do Estado Novo e então deputado Gustavo Capanema é indicado para ser relator do

projeto e emite parecer, em 14 de julho de 1949, recomendando mudanças profundas. “Em suma, Capanema

fulminou o caráter descentralizador do projeto considerando-o contrário ao espírito e à letra da Constituição.

Para ele a palavra „diretrizes‟ tem um significado que inclui leis, regulamentos, programas e planos de ação

administrativa, orientações traçadas pelos chefes e subchefes de serviços para a execução dos mesmos. Essa

interpretação do termo „diretrizes‟ reforçada pelo acréscimo da palavra „bases‟ no texto constitucional ensejou

uma concepção centralizadora da organização da educação nacional.” (SAVIANI, 2004, p. 13).

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72

A Lei nº 4.024, primeira a estabelecer as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

mantém basicamente a estrutura de ensino forjada pela Reforma Capanema. Deste modo,

prevê-se que o ensino médio seja ministrado em dois ciclos: o ginasial com duração de quatro

séries anuais, que hoje corresponde à segunda parte do ensino fundamental (5º ao 9º ano), e o

colegial com duração de, no mínimo, três anos, o atual ensino médio. O ingresso no ensino

médio é condicionado à aprovação em uma espécie de vestibular, o “exame de admissão”, em

que se avalia a aprendizagem do ensino primário (1º ao 4º ano).

O ensino médio abrange os cursos secundários, técnicos e de formação docente. O

ensino secundário destina-se à formação geral por meio do currículo científico, enquanto o

ensino técnico proporciona a formação profissional, ofertando três cursos: industrial, agrícola

e comercial. O ensino normal, também profissionalizante, destina-se à formação de

professores, orientadores, supervisores e administradores escolares para atuarem no ensino

primário e pré-primário.

O Brasil imerge em novo regime de ditadura, instaurado com o golpe militar de 1964,

através de um golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart. O novo Governo adota

estratégias incisivas para a adequação do país ao modelo capitalista. Alcança-se um ritmo de

desenvolvimento econômico sem precedentes, até chamado de “milagre econômico”, que não

tarda a apresentar a conta: inflação e dívida externa igualmente sem precedentes. Durante o

regime é concebida a Constituição de 1967, que reedita dispositivos advindos das

Constituições anteriores – obrigatoriedade, gratuidade, laicidade, financiamento etc.,

adaptando-os ao projeto nacional idealizado pelas elites representadas pelo novo Governo.

Desta vez, o financiamento da educação é desvinculado de percentuais mínimos de receitas de

impostos, cabendo à União prestar “assistência técnica e financeira para o desenvolvimento

dos sistemas estaduais e do Distrito Federal” (art. 169, § 1º). Enfim o ensino fundamental

gratuito é prolongado para oito anos: “o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para

todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais” (art. 168, § 3º, inc. II). O ensino

secundário recebe um tratamento dúbio e para o ensino superior é inaugurado um sistema de

bolsas de estudo restituíveis (art. 168, § 3º, inc. II):

o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente gratuito para quantos,

demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos.

Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de

concessão de bolsas de estudo, exigindo posterior reembolso no caso de ensino de

grau superior. (BRASIL, 1967).

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73

O Governo Militar, com o objetivo de adequar a estrutura nacional da educação aos

princípios que regiam seu projeto político, promove duas reformas na LDB 4.024/1961. A

primeira alteração é imposta pela Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que fica

conhecida como Reforma Universitária. A outra mudança, introduzida pela promulgação da

lei nº 5.692, em 11 de agosto de 1971, visa ao “ensino de primeiro e segundo graus”: torna

obrigatória a profissionalização no 2º grau. É evidente que o projeto fracassa, logo eclodem as

consequências de um problema que já trazia embutido: os parcos recursos. O Estado não

prepara as escolas, não compra os equipamentos e materiais básicos para o funcionamento dos

cursos técnicos. Se, até então, demandando pouco investimento financeiro para os insumos

materiais, o Estado já não proporcionava condições razoáveis para o desenvolvimento da

educação secundária, é previsível como seria o ensino profissionalizante:

escolas técnicas tradicionais tiveram de se adequar aos novos cursos

profissionalizantes, nivelando-se por baixo esse tipo de formação. Além disso, as

camadas médias não se interessavam pela profissionalização, pretendendo apenas

que o ensino médio preparasse seus filhos para a universidade. As escolas privadas,

atendendo aos anseios de sua clientela, improvisavam pseudocursos

profissionalizantes, continuando, na verdade, com a orientação propedêutica

anterior. As escolas públicas, por falta de recursos, criavam também simulações de

profissionalização, o que apenas empobrecia a educação dos filhos dos

trabalhadores. (ZIBAS, 2005, p. 7).

Outras medidas extremas e precipitadas tomadas pelo Governo Militar desgastam-no

progressivamente. Em 18 de outubro 1982, o governo militar publica a Lei nº 7.044,

determinando o fim da obrigatoriedade da educação profissional, que volta a ser opcional.

Este episódio é uma demonstração incontestável da utilização do currículo como um

mecanismo de controle e legitimação da ordem social. Tudo isso, mais o movimento em

favor das eleições diretas, em 1984, conduz à queda do regime no ano de 1985. No entanto, a

primeira eleição pós-ditadura é indireta.

Em 1987 é instalada nova Assembleia Nacional Constituinte, a mais democrática na

história deste país. Além dos constituintes, são consultados representantes da sociedade civil e

do Estado. A última Constituição da República Federativa, promulgada em 1988, incorpora

todas as gerações de direitos, das quais Bobbio (2004) discorre. O Brasil constitui-se um

Estado Democrático de Direito, fundamentado de acordo com o art. 1º do texto

constitucional, na cidadania. Nesta direção, são reconhecidos como direitos sociais: a

educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção

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74

à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados19

. Porém, os recursos jurídicos

para exigir do Estado a efetivação dos direitos em geral não aplicam a todos os direitos sociais

arrolados no art. 6º da CF.

O direito à educação é de fato reconhecido, pois se torna um direito público subjetivo,

isto é, “uma capacidade reconhecida ao indivíduo em decorrência de sua posição especial

como membro da comunidade, que se materializa no poder de colocar em movimento normas

jurídicas no interesse individual.” (DUARTE, 2004, p. 113).

O direito público subjetivo possibilita ao cidadão a transformação da regulamentação

jurídica que advém de uma norma geral, no caso da CF, em seu direito; corresponde, portanto,

a um instrumento de exigibilidade. No caso, o cidadão que não tiver acesso à educação

pública e gratuita devido à omissão do Estado poderá ajuizar um processo para a satisfação

imediata do direito e para a responsabilização dos administradores públicos, que deverão

responder penalmente. No § 2º do art. 208 está muito claro: “O não-oferecimento do ensino

obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da

autoridade competente.” (BRASIL, 1988).

Esta é a Carta Constitucional em que a educação ocupa mais espaço, não obstante o

direito público subjetivo ter sido restrito ao ensino fundamental. A obrigatoriedade de oferta

continuou limitada aos oito anos desse nível de ensino, prerrogativa que mantinha em

suspenso a responsabilidade do Estado em garantir e proteger o direito à educação infantil e

ao ensino médio, deixando permanecer em situação de desamparo milhões de crianças e

jovens. Apesar disso, a CF de 1988, devido ao contexto de sua formulação, significa uma

vitória para o povo brasileiro: foi o ápice de uma luta pela reconstituição e ampliação dos

direitos de cidadania. O Brasil estava em pleno processo de redemocratização após duas

décadas de ditadura aberta, caracterizada pela restrição dos direitos civis e políticos, pela

repressão e pelo abuso do poder de polícia do Estado – milhares de pessoas foram presas de

maneira irregular, submetidas à tortura e até assassinadas à revelia dos direitos humanos

declarados internacionalmente.

O ordenamento jurídico, movido por essa onda contestatória e esperançosa, teria que

incorporar conceitos novos, abstratos, que dessem forma à nova substância nascente.

[...] É nesse momento de ruptura com a ordem existente que a CF a atravessa dando-

lhe novos contornos organizacionais e chamando essa mesma ordem para uma

cidadania aberta a todos. Assim, para fazê-la direito de todos, era imprescindível que

houvesse algo de comum ou universal. É dessa inspiração, declarada e garantida na

Constituição, que a educação escolar é proclamada direito. Dela se espera a abertura,

19

A promulgação da EC nº 64, publicada em 4 de fevereiro de 2010, introduziu a alimentação como direito

social neste artigo.

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75

além de si, para outras dimensões da cidadania e da petição de novos direitos.

(CURY, 2008, p. 297).

Os avanços devem ser reconhecidos e lembrados: foram ampliadas e especificadas as

bases e condições da educação, bem como as obrigações do Estado no setor educacional como

um todo. Os princípios democráticos, consagrados no art. 206, dão o tom ao capítulo20

referente à educação na CF, que terá como desdobramento a promulgação da LDBEN:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições

públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, planos de

carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso

exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico

único para todas as instituições mantidas pela União;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade. (BRASIL, 1988).

Assim, são atribuídas ao Estado obrigações inéditas, inscritas no art. 208:

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta

gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,

segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas

suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à

saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta

irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental,

fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à

escola. (BRASIL, 1988).

Outro avanço: a vinculação orçamentária para o financiamento da educação, que

assume uma forma mais criteriosa, com a previsão no texto constitucional de maior

participação da União, cujo histórico de pouca ou nenhuma contribuição para com a educação

básica toma um rumo novo. São definidas no art. 212 as competências e prioridades de cada

20

Posteriormente é acrescido o inciso VIII, por meio da EC nº 53, de 19 de dezembro de 2006, que fixa o “piso

salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”.

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76

instância administrativa21

, em consonância com uma concepção integradora expressa no art.

211: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de

colaboração seus sistemas de ensino”.

Assim, fixa-se que “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita

resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e

desenvolvimento do ensino” (art. 212). Nada mais razoável que uma proposta de divisão justa

do gasto público com a educação, evidente indicador do compromisso governamental, pois no

formato vigente obstáculos inevitáveis se colocam quando da operacionalização de qualquer

projeto num contexto caracterizado por disparidades enormes, em termos de capacidade de

arrecadação e disponibilidade de recursos, entre as esferas municipal, estadual e federal, e, no

âmbito estadual, entre os municípios.

Referente ao ensino médio, não há nenhuma intervenção específica. A legislação

permanece estagnada até a promulgação da nova LDBEN, através da lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996.

Na CF de 1988, a proteção dos direitos e obrigações individuais e coletivos é também

assegurada pelo mandado de injunção, um instrumento jurídico, ao qual todo e qualquer

cidadão pode recorrer “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o

exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à

nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5º, inc. LXXI), ou seja, é um meio de garantir

os direitos constitucionais que não foram regulamentados, como, por exemplo, os de

especificação que se referem aos novos direitos, exigidos para o atendimento, em suas

diferenças, de categorias sociais específicas (BOBBIO, 2004). É o caso das questões de

gênero, etnia, idade, necessidades especiais etc.

Igualmente é significativo na CF de 1988 o avanço do ponto de vista dos direitos

políticos, pois se incorporaram a eles mecanismos de participação política inéditos: o

plebiscito e o referendo.

Muitos dos dispositivos previstos na CF de 1988 para a educação se encontram em

processo o de regulamentação. A positivação dos que já possuem regulamentação tem

ocorrido num ritmo moroso e de modo profundamente desigual, nas regiões brasileiras:

acompanhou e ainda acompanha o ritmo da urbanização. É, sobretudo, no meio rural que

21

A regulamentação deste artigo deu-se através da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que estabeleceu o

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF),

em 1998, substituído, em 2008, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), criado pela Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.

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77

ainda há déficit de oferta de vagas, e nas regiões mais pobres do país persistem as taxas mais

elevadas de repetência, evasão e distorção série-idade.

A gratuidade, a obrigatoriedade e o financiamento da educação pública são hoje

questões que respondem a problemas históricos e carregam as marcas da trajetória tortuosa do

direito à educação no Brasil, com suas voltas, idas e vindas, suas contradições, tensões e

disputas internas. Igualmente sinuosa é a trajetória do ensino médio, o qual sempre esteve à

mercê da arbitrariedade de administradores públicos que não demonstraram compreender que

direitos se distinguem e se opõem ao clientelismo, com seus privilégios reservados aos ricos,

e ao assistencialismo, com suas migalhas destinadas aos pobres.

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78

4 O ENSINO MÉDIO NO BRASIL, NO PERÍODO DE 1996/2009: AVANÇOS E

RETROCESSOS

4.1 O ensino médio pós-LDBEN: contornos legais

No final do ano de 1988, o projeto para a promulgação de nova LDB mobilizou não só

os parlamentares, mas toda a classe educacional organizada por meio de entidades nacionais,

tais como, dentre outras, a Associação Nacional de Educação (ANDE), a Associação Nacional

de Docentes do Ensino Superior (ANDES), a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Educação (ANPed), a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação

(CNTE), o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED), a União

Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e a União Brasileira dos

estudantes Secundaristas (UBES). O clima de democracia e cidadania criado pela CF de 1988

favoreceu a participação da sociedade civil na elaboração deste projeto. Assim, ocorreram

audiências públicas, seminários etc., que culminaram em um projeto de lei bastante

progressista, sendo aprovado pela Comissão da Educação da Câmara dos Deputados, em

1990. O trâmite interno, nesta casa, durou três anos. Neste ínterim, um grupo de senadores e

técnicos do Governo articulou paralelamente outro projeto, que foi aprovado pela Comissão

da Educação no Senado, em 1993. Então, teve início a disputa pela aprovação do texto que se

converteria na nova LDBEN. As discussões estiveram focadas nas temáticas da gestão

administrativa, do financiamento do ensino, do ensino superior, do ensino privado etc.

Em 1996, venceu o projeto de lei paralelo cujo teor estava em sintonia com a gestão

administrativa federal. Desde então, a educação básica vem sendo reformada aos poucos. A

LDB 9.394/1996 reproduz o art. 205 da CF de 1988 no seu Título II – Dos Princípios e Fins

da Educação Nacional, art. 2º, ao listar os objetivos da educação: o pleno desenvolvimento do

aluno, o preparo para a vivência da cidadania e a qualificação para o trabalho, e o art. 208,

com significativas diferenças, no Título III – Do Direito à Educação e do Dever de Educar, ao

estabelecer as garantias que positivam o direito à educação, quais sejam:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não

tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com

necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;

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79

IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos

de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,

segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características

e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se

aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;

VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de

programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e

assistência à saúde;

IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e

quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do

processo de ensino aprendizagem. (BRASIL, 1996, destaque nosso).

O ensino médio deixa de ser independente da educação básica e se integra a ela com a

promulgação da última LDB, em 20 de dezembro de 1996, que regula, após mais de oito anos,

a norma estabelecida no texto constitucional, que, em seu art. 208, afirma ser “dever do

Estado” a “progressiva universalização do ensino médio gratuito”, redação dada pela EC nº

14, de 12 de setembro de 1996. É uma conquista, do ponto de vista de ampliação do direito à

educação, muito recente e importante, haja vista a maioria da população brasileira estar

constituída de jovens22

e o ensino médio corresponder à principal política pública voltada para

a formação desta população que se prepara para se integrar à sociedade através do trabalho.

Caso não houvesse essa integração por força da lei, provavelmente a frente de luta pelo direito

a esse nível de ensino não teria se fortalecido e avançado como o fez.

A expressão “educação básica” surge nessa LDB e carrega um sentido referente ao

direito fundamental do sujeito de acesso a um determinado nível de ensino para sua formação

integral. Direito esse a ser assegurado e protegido pelo Estado. O professor Carlos Roberto

Jamil Cury explica:

De modo constante, o termo educação básica se vê acompanhado, no conjunto dos

artigos, do adjetivo “comum”. Tal é o caso, por exemplo, da formação básica

comum dos conteúdos mínimos das três etapas (inciso IV, do artigo 9º), da formação

comum no artigo 22, da base nacional comum dos artigos 26, 38 e 64, da diretriz de

respeito ao bem comum do artigo 27. A ligação entre a dimensão básica e o conceito

de comum, na educação, carrega um sentido próprio. Comum opõe-se a uma

educação específica (do tipo ensino profissional), de classe (que constitua um

privilégio) ou mesmo que carregue algum diferencial mesmo que lícito (escola

confessional). A noção de comum associada à educação básica é um direito (em

oposição a privilégio) e busca, em sua abertura universal, o aprendizado de saberes

válidos para toda e qualquer pessoa, responde a necessidades educativas do

desenvolvimento humano como um patrimônio cultural. O “comum” vai mais além

de um “para todos”, reportando-se a conhecimentos científicos, à igualdade, à

democracia, à cidadania e aos direitos humanos. (CURY, 2008, p. 300).

22

A população da faixa etária de quinze a vinte e quatro anos está se aproximando de 33,5 milhões, de acordo

com os Indicadores 2008-2009 do IBGE.

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80

Com efeito, tal expressão não só alterou a estrutura, mas conferiu nova significação à

educação pública. A ampliação oficial da obrigatoriedade de oferta de ensino no âmbito de

um planejamento em nível nacional, tal como preconizado por Anísio Teixeira e requisitado

por ele próprio e pelos educadores signatários dos Manifestos dos Pioneiros de 1932 e 1959,

encontra, enfim, amparo na lei maior da educação. Após a promulgação da LDB,

desdobramento mais relevante da CF de 1988 para a educação, a composição da educação

básica passa a ser a seguinte: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Além

dessas três etapas, a educação básica abrange as seguintes modalidades de ensino: EJA,

educação profissional, educação escolar indígena, educação do campo, educação especial e

educação a distância.

A estrutura e as finalidades de cada etapa são fixadas em artigos específicos. A LDB

define para a educação infantil:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como

finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus

aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família

e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. (BRASIL, 1996).

E para o ensino fundamental:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na

escola pública, iniciando-se aos seis anos de idade, terá por objetivo a formação

básica do cidadão, mediante:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno

domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,

das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição

de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e

de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.

§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no

ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação

do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema

de ensino.

§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada

às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios

de aprendizagem.

§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como

complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.

§ 5º O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que

trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei nº

8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente,

observada a produção e distribuição de material didático adequado. (BRASIL, 1996)

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81

O ensino médio corresponde à fase final da educação básica, com carga horária

mínima de 2.400 horas e três anos de duração. Nos termos da lei, o ensino médio tem por

objetivo a formação geral do aluno visando, sobretudo, prepará-lo para o “mundo do trabalho”

e o exercício da cidadania. As finalidades são amplas e atendem especialmente ao disposto

no § 2º do art. 1º da LDB, o qual enuncia a noção de educação que determina a organização

da escolarização formal do Brasil: “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do

trabalho e à prática social”. Este objetivo de formação é desdobrado no art. 35º da LDB nas

seguintes finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino

fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar

aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições

de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética

e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos

produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

(BRASIL, 1996).

Já o art. 36º fixa as diretrizes para o ensino médio, as quais devem regular o plano de

ensino em todas as escolas do país:

I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da

ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e

da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao

conhecimento e exercício da cidadania;

II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos

estudantes;

III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,

escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das

disponibilidades da instituição.

IV - serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em

todas as séries do ensino médio. (BRASIL, 1996).

Os estudos em nível médio estão divididos em dois ramos: regular, proporciona uma

formação geral; e técnica, proporciona uma formação profissional. Sendo que atualmente a

conclusão do primeiro é um pré-requisito para a certificação do segundo. Até 1996 o ensino

era “integrado”, de modo que ao termo dos três anos o aluno recebia o certificado de ensino

médio e, se estudasse mais um ano, obtinha o certificado de ensino técnico. Na verdade,

funcionava num regime de complementação e não de integração. Com a LDBEN e as

diretrizes curriculares nacionais são separados os ensinos regular e o técnico, agora

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independentes. Embora as escolas possam oferecer o curso integrado, cuja duração não deve

ser inferior a quatro anos, o aluno só terá um certificado.

As normas em vigor para a educação profissional estão dadas pelo Decreto nº 5.154,

de 23 de abril de 2004, que regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39, 40 e 41 da LDB. A

educação profissional está divida em três modalidades: formação inicial e continuada de

trabalhadores; técnica de nível médio; e tecnológica de nível superior (incluindo a graduação

e a pós-graduação). Conforme o art. 4º desse decreto, a educação profissional técnica deverá

ser “articulada” com o ensino médio regular, sendo possíveis três tipos de organização para a

oferta:

I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental,

sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional

técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula

única para cada aluno;

II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino

fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre

a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a

existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer:

a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais

disponíveis;

b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades

educacionais disponíveis; ou

c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de

intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos

pedagógicos unificados;

III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio.

(BRASIL, 2004, destaque nosso).

A educação profissional diferentemente da educação básica não conta com amparo

legal que garanta recursos para o seu financiamento, de modo que fica dependente de

programas pontuais.

As finalidades estabelecidas para o ensino médio regular são amplas demais para o

curto prazo e as condições estruturais disponíveis. Como preparar para o prosseguimento nos

estudos, o que exige uma sólida formação de caráter geral, e para o trabalho, o que requer

uma formação de caráter específico, em escolas que obtiveram do Governo aportes mínimos

para se organizarem para a oferta do ensino médio? A articulação entre a formação humana e

o trabalho no processo de ensino, visando desenvolver a ética, a autonomia intelectual e o

pensamento crítico, é razoável e expressa o desejo, por vezes tido como utópico, dos

pensadores e educadores humanistas, deste e de outros tempos, contudo não se concretizará

através de um poder mágico. Como levar os alunos a compreender os fundamentos científico-

tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, utilizando apenas

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83

quadro e giz? Por maiores que sejam o compromisso e a boa vontade dos professores, eles não

têm dado conta, por uma série de razões que vão do desconhecimento à ausência de suporte

técnico na escola, de acompanhar e relacionar com as práticas pedagógicas o envolvimento

dos jovens com as tecnologias digitais. E há uma diretriz que determina ênfase da educação

tecnológica básica no plano de ensino, mas como cumpri-la? De quais instrumentos os

professores dispõem? Eles são suficientes? Qual a aplicabilidade do regulamento posto? As

respostas são conhecidas...

A CF de 1988 reconheceu somente o ensino fundamental enquanto direito público

subjetivo, não estendendo ao ensino médio a mesma prerrogativa. O ensino médio

“obrigatório e gratuito” ficava na dependência da capacidade de financiamento do Estado. Um

avanço acontece com a publicação da Lei nº 12.061, de 27 de outubro de 2009, que altera o

inciso II do art. 4º da LDB para “assegurar o acesso de todos os interessados no ensino médio

público”. Torna-se dever do Estado a “universalização do ensino médio gratuito”, a partir de

1º de janeiro de 2010. Enfim, reconhece-se, ao menos no marco legal, a necessidade priorizar

o nível médio de ensino na educação pública, após toda uma trajetória de descaso para com os

jovens.

Um passo concreto no sentido de ampliação do direito à educação é dado com a

aprovação da EC nº 59, publicada em 11 de novembro de 2009, que, dentre outras

providências, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208 da CF, estabelecendo a

obrigatoriedade de oferta do ensino médio. Obviamente a Lei nº 12.061/2009 se subordina à

emenda.

Art. 208 [...]

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de

idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram

acesso na idade própria;

[...]

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de

programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e

assistência à saúde. (BRASIL, 2009).

A medida, nos termos da EC nº 59/2009, deverá ser cumprida de maneira progressiva

até o ano de 2016. Caso não ocorra nenhuma alteração que disponha em contrário, o ensino

médio será considerado direito público subjetivo a partir desse ano.

A universalização do ensino fundamental nas últimas décadas do século XX foi

favorecida, em grande medida, pela responsabilização do Estado. Políticas públicas foram

designadas, ainda que sob a influência da agenda neoliberal, para a expansão das vagas, a

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ampliação da rede física e até mesmo para o desenvolvimento profissional dos professores

desse nível de ensino e surtiram efeitos positivos. Espera-se que o mesmo procedimento se

repita com o ensino médio.

4.2 O atendimento e a expansão da oferta

De acordo com o Censo Escolar de 200923

, o Brasil tinha mais de 52,5 milhões de

estudantes na educação básica. Desse total de matrículas mais de 8,3 milhões eram no ensino

médio “regular”, isto é, colocando-se a parte as matrículas na EJA. Dados da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), nas edições de 2008 e 2009, indicam que o número de jovens que, pela

idade, deveriam estar matriculados no ensino médio é de dez milhões. Praticamente 20% da

população de 15 a 17 anos, ou seja, dois milhões, está fora da escola, percentual que vem se

mantendo desde o início dos anos 2000.

O ensino médio acontece predominantemente na rede pública de ensino, mais

especificamente no âmbito estadual, em conformidade com a divisão de responsabilidades e

incumbências estabelecida na CF de 1988 (arts. 211 e 212), ratificada na LDBEN (arts. 9, 10,

11 e 69); e se orienta pelo conjunto de diretrizes nacionais estabelecido pelo MEC. Aos

estados é atribuída a responsabilidade executiva do ensino médio, sendo que eles poderão ser

apoiados técnica e financeiramente pela União.

A tabela a seguir mostra a participação na oferta do ensino médio regular segundo a

esfera administrativa, em 2009.

23

O Censo Escolar é realizado anualmente pelo INEP. Os dados gerados são utilizados pelo MEC na formulação

de políticas públicas e na definição de critérios e fixação de metas para o repasse dos diversos tipos de recursos

aos estados e municípios. São utilizados ainda no cálculo de indicadores da qualidade da educação como o

IDEB.

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85

TABELA 1

Matrículas no ensino médio regular - Brasil - 2009

Rede

Matrículas

%

Federal

90.353

1,08

Estadual

7.163.020

85,92

Municipal

110.780

1,33

Privado

973.007

11,67

Total

8.337.160

100

Fonte: Censo Escolar, 2009.

O número de matrículas no ensino médio nem sempre foi elevado. O contingente de

jovens que acessou esta etapa expandiu progressiva e rapidamente no decurso dos anos 90 e

do primeiro quadriênio dos anos 2000, fenômeno explicado, pelas políticas de correção de

fluxo no ensino fundamental (aceleração e progressão), pela pressão das camadas populares

por mais escolarização, e muito pela exigência do mercado de um novo perfil de trabalhador.

Com a promulgação da LDB 9.394/1996, houve um movimento de municipalização do ensino

fundamental e de “estadualização” do ensino médio.

Verifica-se significativa evolução das matrículas no período de 1996 a 2009, conforme

mostrado no gráfico a seguir.

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86

Gráfico 1: Matrículas no ensino médio - Brasil - 1996 a 2009

Fonte: Adaptado de KRAWCZYK, 2009 / Censo Escolar 2009.

A ampliação no quantitativo de matrículas no ensino médio não significa, contudo,

que o pleno atendimento do contingente de jovens que deveria estar cursando essa etapa da

educação básica. Isso porque em diversos municípios, mormente no meio rural, não há uma

única escola pública que ofereça o ensino médio. Quando há, geralmente, a escola fica

localizada no centro do município, cujo acesso não é possível aos jovens moradores de

fazendas e sítios, devido à distância e ao tempo.

No mapa, a seguir, é mostrada a distribuição das escolas públicas nos estados

brasileiros. Ainda que se leve em consideração as diferenças entre eles, em termos de

ocupação territorial ou de proporção demográfica, a nítida escassez de oferta de ensino médio

gratuito em extensas regiões de alguns estados não pode ser dissociada do quadro educacional

do qual dispõe a nação brasileira.

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87

Mapa 1: Escolas públicas do ensino médio por município – 2008

Fonte: INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2009.

A PNAD-2009 reiterou a permanência de grave problema no fluxo escolar: a

inadequação idade/série no ensino médio, cujas taxas de desigualdades variam bastante

quando são comparadas segundo região (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste),

“localização” (urbano metropolitano, urbano não-metropolitano e rural), “sexo” (masculino e

feminino) e “raça ou cor” (branca e negra).

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88

TABELA 2

Taxa de frequência no ensino médio, segundo categorias -

Faixa etária de 15 a 17 anos - Brasil - 1996 a 2009

Fonte: Adaptado de INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2009.

Dados: PNAD/IBGE

A pesquisa atribui o baixo índice de adequação, 50,9%, “aos entraves observados no

fluxo escolar do ensino compulsório (ensino fundamental) que tem elevada taxa de evasão e

baixa taxa esperada de conclusão”. Ou seja, praticamente a metade da população potencial

para o ensino médio, jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, encontra-se matriculada no nível

de ensino inadequado. A taxa de retenção no último ano do ensino fundamental se mantém há

15 anos no patamar de 5%, o que é muito, considerando o acúmulo com outras retenções e

com períodos de abandono da escola.

O contraste da taxa de frequência no nível de ensino adequado pode ser feito não só

com as regiões, mas também com os estados que compõem cada uma delas. Na região Norte,

por exemplo, verifica-se que as taxas de freqüência ao ensino médio, na faixa etária adequada,

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89

variam entre 35% e 57% conforme o estado. A diferença de 22 pontos percentuais pronuncia

a gravidade de um quadro já crítico.

Segundo dados do INEP/MEC, atualmente, o índice de reprovação no ensino médio é

de 11,5% e o de evasão é 13,2%, o mais elevado da educação básica. A PNAD-2009 estimou

em 66,6% a taxa média nacional esperada de conclusão do ensino médio, ou seja, 1/3 dos

jovens que iniciam o curso não conseguiriam concluí-lo!

Verificou-se o aumento de 22,7% da taxa que indica o acesso dos jovens ao ensino

médio, que em 1996 não chegava a 70% e em 2009 registrou 85,2%. Já a taxa que indica a

frequência de acordo com a adequação idade/série saltou de 24,1%, em 1996, para 50,9, em

2009. Portanto, houve um grande avanço: a ampliação em 111,2% do número de jovens que

passaram a frequentar essa etapa de escolarização regular.

A evolução do acesso ao ensino médio no Brasil, no período de 1996 a 200924

, é

mostrada no gráfico abaixo.

Gráfico 2: Taxas de frequência líquida e bruta para a faixa etária de 15 a 17 anos - Brasil - 1996 a 2009

Fonte: Adaptado de INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2009.

Dados: PNAD/IBGE

A capacidade da estrutura instalada para oferta de ensino médio é insuficiente para

incorporar, imediatamente, o contingente de jovens de 15 e 17 anos que deveriam frequentar

esse nível de ensino, se houvesse a correção de fluxo do ensino fundamental e o retorno à

24

A PNAD não aconteceu no ano 2000 em virtude da realização do Censo Demográfico.

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90

escola dos jovens que concluíram o ensino fundamental e não deram continuidade aos

estudos, bem como dos que abandonam o ensino médio.

O Gráfico 2 mostra o salto no percentual de frequência. Sem dúvida foi imenso o

ganho sob o ponto de vista do acesso. Não obstante, há questões graves pendentes, como a

qualidade do ensino ofertado, cujos indicadores são dados inclusive pelas avaliações

sistêmicas. Faz-se necessário problematizar o “padrão de qualidade” do ensino, previsto no

art. 206, inc. VII, da CF de 1988, em vista da não-positivação do direito à educação mediante

o acesso à escola e não-aprendizagem dos conhecimentos validados para o ensino médio.

A expansão da cobertura do ensino médio, sem os investimentos e ajustes cabíveis

conforme as especificidades do público, na perspectiva da qualidade, acaba por gerar e manter

um problema grave: as diferenças entre o período diurno e noturno, inclusive de uma mesma

escola, cujos desdobramentos comprometem o ensino ofertado aos jovens. Krawczyk assinala

que,

as pesquisas informam que a especificidade do ensino médio noturno, na maioria

das vezes, se reduz a uma adaptação no planejamento dos professores, com menos

atividades e conteúdos de ensino, além do funcionamento precário e parcial dos

espaços escolares. Também foi observado um procedimento oposto no

comportamento dos docentes, mas sempre mantendo-se a referência ao ensino

aplicado no período diurno: alguns professores procuram trabalhar da mesma forma

nos diferentes turnos, sob a argumentação de que apresentar uma proposta específica

para o ensino noturno, ou adaptar seu trabalho, seria sinônimo de facilitar o ensino e

deteriorá-lo. Nos dois procedimentos referidos, o estudante do noturno sai

prejudicado: no primeiro caso, pela degradação do curso e, no segundo, pela

negação da singularidade dos alunos. Em ambas as situações, os professores

vivenciam um sentimento de frustração. (KRAWCZYK, 2009, p. 30).

Mais da metade das matrículas do ensino médio está no período noturno, sendo parte

significativa na EJA, que está ficando cada vez mais jovem. Considerando apenas o ensino

médio regular, o percentual cai um pouco, mas ainda é superior a 40%, faixa alcançada

recentemente: em meados dos anos 90 menos a circunstância era inversa.

Tempos antes da reforma do ensino médio, Zibas, analisando a docência nessa etapa

ofertada no período noturno, apontou a questão da desigualdade social enquanto

condicionante de seu perfil:

Os cursos noturnos tornam-se catalisadores de uma contradição social básica:

abrigando trabalhadores que não tiveram oportunidades educacionais adequadas

para a competição no mercado, podem acabar se constituindo em uma última chance

de esses jovens enfrentarem, um pouco melhor equipados, o processo de exploração

do trabalho. (ZIBAS, 1991, p. 42).

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91

A construção da escola realmente democrática deve atentar para as particularidades,

demandas e dificuldades de cada público, investindo na superação das desigualdades sociais e

culturais que, dentre outros fatores limitam o horário de estudo de muitos jovens. Da forma

como está hoje, o ensino médio noturno contribui para a manutenção e legitimação dessas

desigualdades.

4.3 O financiamento do ensino médio

A expansão do ensino médio, mormente quantitativa, tão incentivada pelo Governo

Federal após a reforma, tardou a ter assegurada uma fonte de recursos. É obrigação dos

estados, DF e municípios a aplicação de um percentual constitucional mínimo de 25% do total

de sua receita de impostos no setor social da educação, devendo ser alocado, por imposição da

EC nº 14/1996, 60% desse percentual, ou seja, 15% dos impostos “à manutenção e ao

desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de

seu atendimento e a remuneração condigna do magistério” (art. 5º) enquanto a União deve

destinar 18%.

O sistema de financiamento da educação no Brasil é composto por impostos; pelo

salário-educação; pela contribuição social compulsória, criada em 1964, recolhidas das

empresas; por contribuições de fundos sociais; por doações e por recursos financeiros

provenientes de empréstimos em agências internacionais. Na repartição do montante de

recursos arrecadados o ensino fundamental recebe a maior parte: cerca de 60% do total do

gasto público em educação lhe é destinado (CASTRO, 2007).

Desde a CF de 1934 o principal mecanismo para a garantia da aplicação de recursos na

área da educação, salvo durante as ditaduras, tem sido a vinculação de um percentual mínimo

da receita de impostos arrecadados pela União, estados, DF e municípios. Antes dessa CF, o

financiamento era suprido por “fontes autônomas” ou dotações orçamentárias específicas e

pontuais (PINTO; ADRIÃO, 2006). O que indica o lugar reservado à educação pelos

Governos durante séculos no Brasil, realmente não esteve entre as prioridades de investimento

da maioria deles o setor social; e ajuda a explicar o triste cenário de injustiça e desigualdade

social ainda persistente, que começou a ser combatido, de fato, em tempos recentes. Quem

eram os partícipes desses governos? Que classes representavam? Quais eram os projetos e

interesses das classes representadas no poder? São perguntas cujas respostas, hoje bem

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conhecidas, desvelam o jogo pelo poder hegemônico em que o perdedor sempre foi e ainda é

o sujeito proveniente das classes populares.

Por essa e por outras razões a prescrição no ordenamento jurídico de reserva financeira

para a educação é uma conquista que fez avançar o acesso ao direito à educação, de modo que

deve ser cobrado das esferas administrativas, pela sociedade civil organizada, o efetivo

cumprimento das responsabilidades com os respectivos níveis e modalidades de ensino

conforme as atribuições dadas pela CF. Na tabela abaixo é apresentado o histórico da

vinculação constitucional de recursos para a educação conforme as esferas de governo.

Evidencia-se como a garantia de recursos vinculados, por algum dispositivo legal, vai

surgindo e sendo suprimida em conformidade com o regime e o estilo de governo,

democrático ou autoritário; e como a União vem participando pouco, quando não se omitindo,

do financiamento da educação.

TABELA 3

Vinculação constitucional de recursos para a educação no Brasil

Ano Disposição legal Esfera administrativa

União Estados e DF Municípios

1934 Constituição Federal de 1934 10% 20% 10%

1937 Constituição Federal de 1937 - - -

1942 Decreto-lei nº 4.958 - 15 a 20% 10 a 15%

1946 Constituição Federal de 1946 10% 20% 20%

1961 Lei Federal nº 4.024 (LDB) 12% 20% 20%

1967 Constituição Federal de 1967 - - -

1969 Emenda Constitucional nº 1 - - 20%

1971 Lei Federal nº 5.692 - - 20%

1983 Emenda Constitucional nº 14 13% 25% 25%

1988 Constituição Federal de 1988 18% 25% 25%

1996 Emenda Constitucional nº 14 18% 25% * 25% *

1996 Lei Federal nº 9.394 (LDB) 18% 25% 25%

Fonte: Adaptado de Pinto e Adrião, 2006.

*Determina a subvinculação dos percentuais estabelecidos pela CF de 1988.

A dimensão do financiamento das políticas públicas em qualquer governo é intrínseca

ao que ele planeja para a construção da sociedade, inclusive em termos de condições para a

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cidadania, pensando, sobretudo, nos governos formalmente democráticos que dirigiram o

Brasil. E ainda assim, verifica-se indiscutível contradição entre o discurso e até a legislação

desses governos e as ações (políticas públicas) para a concretização da realidade projetada, no

caso, baseada nos princípios da cidadania, da igualdade e da dignidade humana etc. Isso

demonstra que os planos desses governos não são tão democráticos como se apresentam, não

priorizam o coletivo social como um todo tal como anunciam em seus discursos, proclamam

em suas leis25

e noticiam por meios do poderoso aparato midiático.

Historicamente o ensino médio não foi objeto de discussão e preocupação dos

governos quando da previsão de recursos para o setor social da educação. Além do ensino

fundamental, geralmente contemplaram o ensino superior. Tal opção se justifica com

facilidade dentro da lógica elitista por meio da qual se conduziu a construção da sociedade

brasileira: a necessidade de facultar a poucos a posse de conhecimentos e informações que

lhes assegurassem a distinção e o poder imprescindíveis para a manutenção dos privilégios

materiais e simbólicos das classes dominantes.

Mesmo com a última LDB o ensino médio permaneceu estático, em termos de

financiamento. A boa-nova veio em 2006 e hoje se prevê para o ensino médio a destinação de

10% da receita líquida dos estados, sendo essa totalmente desvinculada do ensino

fundamental. Trata-se de medida recente no sistema de vinculação orçamentária para a

educação, proveniente do FUNDEB, que organizou um esquema de compensação de recursos

por meio da redistribuição de receitas entre as esferas administrativas26

. Até 2006, com o

FUNDEF em vigor, o investimento no ensino médio dependia do aumento de verbas

estaduais, de modo que sua expansão foi financiada, em grande medida, pelos recursos

oficialmente destinados ao ensino fundamental. Não que tenha ocorrido uma expansão

planejada, pelo contrário, deu-se pela ocupação de espaços ociosos das escolas de ensino

25

Não faltam exemplos de leis retóricas e vazias de dispositivos reais para a devida aplicação, como é o caso da

Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004, que institui a renda básica de cidadania. 26

Pinto analisa as especificidades, bem como os efeitos positivos e negativos causados pelos fundos de

financiamento da educação, para os estados e municípios, na política recente. Chama-se a atenção para a

municipalização do ensino fundamental mediante a impossibilidade de muitas cidades arrecadarem recursos

suficientes para a manutenção desse nível de ensino e para o “impacto regressivo” do FUNDEF e do FUNDEB

no Fundo de Participação dos Municípios (FPM): “O sistema de financiamento só não entrou em colapso porque

o FUNDEF, e agora o FUNDEB, transferem recursos de uma esfera de governo para a outra, mas considerando

que os fundos são transitórios, montou-se uma bomba de efeito retardado com data certa para explodir: 31 de

dezembro de 2020, quando finda o FUNDEB. Se nenhuma medida de caráter permanente for tomada neste

ínterim, o país viverá naquela data uma grave crise no pacto federativo, pois os municípios ficarão com um

número de alunos muito superior à sua capacidade de financiamento.” (PINTO, 2007, p. 881). Espera-se do

Governo Federal uma providência, que talvez não seja dada tão cedo, pois a medida adequada depende, dentre

outros requisitos, da ampliação de sua responsabilidade para com a educação básica.

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94

fundamental e utilização do tempo docente, geralmente com a “divisão” desse tempo: um

arranjo cujos problemas decorrentes ainda aguardam soluções.

Esse é um aspecto do ensino médio que impôs e ainda impõe dificuldade à definição

de sua identidade, que esteve a reboque do ensino fundamental ou nas palavras de Gomes e

Morgado:

junto com a educação infantil, a educação especial e a educação de jovens e adultos,

se inserem no financiamento público de modo apendicular: enquanto o tronco ainda

é o ensino fundamental obrigatório, tanto na contabilidade quanto nas fontes de

recursos, as etapas e modalidades citadas da educação básica ainda giram como

mariposas em torno do ensino fundamental. (GOMES; MORGADO, 2007, p. 224).

A cobertura quase total do ensino fundamental pressionou a expansão do ensino

médio, agravando os problemas originados pela precariedade da rede física e do déficit de

pessoal. Assim, a qualidade do ensino ficou em segundo plano. Pinto indica a queda do valor

gasto por aluno e as diferenças nos percentuais investidos por região e esfera administrativa.

Não que seja um valor elevado. Acontece que não há uma infraestrutura específica, isto é,

com bibliotecas, laboratórios e mesmo salas de aula em quantidade suficiente, para os jovens

do ensino médio na rede estadual, que “convive com as sobras” (PINTO, 2004) do ensino

fundamental. Situação diferente será encontrada apenas na rede federal de ensino, que atende

1% da demanda do ensino médio. Não é casual o fato de que a matrícula de metade do

contingente de alunos do ensino médio regular esteja no período noturno.

Conforme Pinto, o FUNDEF “atuou como mecanismo inibidor no financiamento do

ensino médio.” (PINTO, 2004, p. 316). Os estados, responsáveis por mantê-lo, passaram a se

utilizar de manobras contábeis diversas para burlar a legislação desse fundo. Antes do

FUNDEB, uma das formas utilizadas pelos estados para gerir a expansão sem alterar seu

fluxo financeiro consiste na contabilização, parcial ou integral, dos gastos com professores

que lecionam nos dois níveis de ensino, fundamental e médio, na planilha do primeiro,

garantindo o “fechamento” na prestação de contas do FUNDEF. Outra forma é o aumento do

número de alunos por turma, que subiu 15% no período de 1991 a 2000: a média que era de

trinta e cinco alunos por turma se elevou, passando para quarenta.

Cabe ressaltar a questão do salário dos professores, item de maior peso na planilha de

custos da educação; este acaba sendo balanceado pelo aumento excessivo de alunos por

turma. E ocorre a contratação de docentes em regime precário, o que seria um dos maiores e

mais complexos problemas dentro dessa questão. O trabalho docente vem passando, assim,

por um processo de precarização de suas condições.

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95

Relativo ao FUNDEB, salienta-se que sua aprovação deu, mesmo que tardia e

parcialmente, pois alguns itens derivam de regulamentação por meio de legislação

complementar, uma resposta, ainda que não seja a melhor, às demandas sociais pelo

investimento real na educação infantil e no ensino médio, tomando a educação básica como

um todo. Há o mérito de muitos cidadãos que se organizaram e participaram das etapas de

tramitação do projeto que criou o fundo.

A melhoria do sistema de financiamento da educação por meio de fundos fica na

dependência de alterações profundas no atual modelo, tais como: o estabelecimento de um

valor mínimo por aluno que garanta um ensino de qualidade independente da etapa ou

localidade, tornando impraticáveis as desigualdades regionais; ampliação da colaboração do

Governo Federal, limitada às funções distributiva e supletiva, até então insuficiente e não

condizente com sua capacidade e responsabilidade. A esse respeito, reconhecemos a equação

apresentada por Pinto como solução pertinente e razoável para os problemas gerados pela

insuficiência de recursos para um ensino de qualidade na educação básica:

É inadmissível que o governo federal, que, segundo dados da Receita Federal, ficou,

em 2005, com 58% da carga tributária do país, o equivalente a 21,6% do PIB,

limite-se a contribuir para o FUNDEB com menos de 0,2% do PIB, ou seja, um

valor inferior a um centésimo de sua receita tributária disponível. Se a União

incluísse no fundo cerca de 1% do PIB e estados e municípios ampliassem a sua

aplicação em manutenção e desenvolvimento do ensino em mais 5% de sua receita

líquida de impostos (o que geraria recursos adicionais da ordem de 0,6% do PIB)

estariam dados os primeiros passos para se garantir um gasto por aluno que

propiciasse em cada escola do país um ensino com um padrão mínimo de qualidade.

(PINTO, 2007, p. 894-895).

As medidas arroladas se tornam mais urgentes quando tratamos dos níveis e

modalidades que se desenvolveram com recursos minguados e, portanto, acumulam um déficit

enorme. O ensino médio ainda depende da utilização de espaços ociosos das escolas de ensino

fundamental, principalmente no horário noturno, e da contratação de docentes em regime

precário. O percentual que lhe é destinado, 10% da receita líquida estadual, é insuficiente para

resolver as pendências, que não são poucas nem pequenas nem novas, e estabelecer condições

para a oferta de um ensino de qualidade. Como pensar em qualidade na educação com um

investimento máximo que, na verdade, não ultrapassa o mínimo constitucional? E quando

esse percentual determinado pela lei não atende às necessidades do nível ou modalidade de

ensino? Nessa história, o “pato” será pago pelo aluno, que é sujeito de direito, é cidadão.

Pensando especialmente nas demandas apresentadas pelo jovem à escola de ensino médio,

este não encontrará uma escola com professores habilitados, bem remunerados e em regime

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96

de dedicação exclusiva; com estrutura física adequada de salas, laboratórios, biblioteca,

refeitório etc.; com um currículo que faculte experiências diversificadas, significativas,

interessantes, verdadeiramente formativas, pois palestras, visitas, atividades culturais e

esportivas, e tudo mais que não seja o básico, são itens supérfluos e extrapolam em qualquer

planilha de custos cuja receita é acanhada.

Além de tudo isso, é necessário considerar também a falta de transparência no sistema

de financiamento educacional. Davies constata, em suas pesquisas sobre políticas dessa

natureza, a grande dificuldade em mensurar o gasto público real com o ensino médio, devido

à adoção de diferentes e variados critérios de alocação orçamentária, conforme o estado; e as

omissões e falhas na atuação dos Tribunais de Contas Estaduais quando da análise dos

relatórios das receitas e despesas dos estados com a educação, o que fecha o ciclo de

administração pouco ou nada transparente adotada por alguns governantes e gestores

públicos. Verifica-se nos relatórios aprovados pelos Tribunais: confusão com noções

elementares da terminologia educacional, por exemplo, a utilização de “ensino básico” ao

invés de “educação infantil”, destinação indevida de recursos, não-observância do percentual

mínimo a ser aplicado na manutenção e no desenvolvimento do ensino, falta de detalhamento

das receitas vinculadas etc.

E um problema maior, estrutural, reside na própria concepção das políticas de

financiamento: limitam-se, de modo geral, à redistribuição das despesas com a educação

pública entre as instâncias administrativas do Governo. Não há aumento do investimento em

educação; quando muito ocorrem incrementos sob a forma de ações pontuais. Quanto à

postura do Governo concernente ao financiamento do ensino médio, Davies assinala:

a proposta do MEC é deficiente por não se basear em estudo que comprove serem

estes 10% suficientes para garantir uma expansão quantitativa e qualitativa do

ensino médio [...]. O MEC prevê e recomenda tal expansão, porém não a origem dos

recursos adicionais necessários, pressupondo apenas que o uso judicioso das verbas

(também chamado racionalização dos gastos) irá garantir tal expansão, exercendo (o

MEC) no máximo uma função supletiva. (DAVIES, 2002, p. 170).

Os governantes não só dos estados mas de todas as esferas da administração pública

precisam entender que o percentual constitucional é o mínimo e não o máximo a ser

reservado. As façanhas descobertas nas prestações de contas mostram que há algo de errado:

muitos administradores públicos não aplicam nem o percentual mínimo, fixado pela CF, e

“demonstram” que os patamares exigidos estão sendo alcançados.

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97

Ao analisar o investimento do Governo Federal através de ações como o PROMED e o

Projeto Alvorada, em termos proporcionais à demanda nacional, verifica-se que a

contribuição é mínima, mesmo que relevante para os estados cuja receita é menor e necessite

de complemento. Sem aumento real e significativo dos recursos o ensino médio continuará no

impasse que o impede de avançar no sentido da construção de uma identidade própria.

Estudos como o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) corroboram a urgência em se

rever o atual sistema de financiamento, sua estrutura e, evidente, o valor absoluto destinado a

educação, ao demonstrar a discrepância entre o necessário para uma educação de qualidade e

o que se tem. O professor José Marcelino de Rezende Pinto, citado por Krawczyk (2009),

sugere uma proposta cujos parâmetros de qualidade de ensino ofertado pelo Estado superam

aos praticados hoje; e os limites no que se refere ao percentual do Produto Interno Bruto (PIB)

per capita se alinham aos padrões internacionais. Assim, estima que manter escolas com 30

alunos por turma, em tempo integral (cinco horas diárias de aulas, 35 horas por semana),

professores com jornada de 40 horas (sendo 26 dedicadas ao ensino e 14 ao estudo,

planejamento, preparação das aulas, correção de trabalhos etc. na própria escola) e salário na

média de R$3.500,00, equipes (proporção para 600 alunos) de apoio pedagógico com três

profissionais licenciados e o mesmo salário, e de apoio administrativo com cinco profissionais

formados em nível médio e com salário na média de R$2.000,00, estrutura física com

bibliotecas e laboratórios, e recursos para a aquisição de materiais didáticos, renovação e

manutenção de equipamentos e formação continuada de seus profissionais, o custeio

demandaria o investimento de algo próximo de 1,3% do PIB nacional. O custo por aluno/ano,

em valores de 2007, na proposta de ensino médio em tempo parcial foi de R$2.243,0027

.

No geral, o Brasil investe apenas 5% de seu PIB em educação, sendo 0,7% no ensino

médio. No PNE aprovado em 2001, cuja vigência se encerrou em 2010, estava estabelecida a

meta de ampliação do investimento, de forma a atingir 7% do PIB até 2010, entretanto a

medida foi vetada pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso. O que já não será mais

possível quando da elaboração do novo documento, pois a EC nº 59/2009 28

, de 11 de

novembro de 2009, incluiu na CF o “estabelecimento de meta de aplicação de recursos

27

Não é demais lembrar que a arrecadação total (impostos, taxas contribuições sociais) do Brasil, tanto em 2008

quanto em 2009, ultrapassou a marca de um trilhão de reais, conforme informado pelo Instituto Brasileiro de

Planejamento Tributário (IBPT). Portanto, embora a proposta do CAQi exija um montante elevado, tendo em

vista a quantidade de alunos matriculados e jovens fora da escola, ela cabe, sim, no orçamento público. 28

As demais alterações aprovadas por essa emenda: o fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU), a

oferta da educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade até o ano de 2016 e o

atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de

material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

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públicos em educação como proporção do produto interno bruto por meio da lei do Plano

Nacional de Educação".

A ausência de vinculação orçamentária simplesmente inviabilizou a realização de

várias metas do PNE. Davies, analisando os aspectos financeiros dos projetos de PNE, o

aprovado pelo Governo Federal e outros dois, sendo um das entidades da sociedade civil,

sobretudo as sindicais ligadas à educação, e outro do MEC, identificou e alertou sobre os

problemas daquele que seria o escolhido:

[...] tais vetos acabaram por gerar uma contradição dentro do próprio PNE-Lei, pois,

enquanto o seu diagnóstico é idêntico ao do PNE-substitutivo, alguns de seus

objetivos e metas foram vetados pelo presidente FHC. Assim, o diagnóstico fala da

necessidade de aumento dos gastos do conjunto das três esferas de governo (federal,

estadual e municipal) para 7% do PIB, porém esta meta foi vetada, produzindo-se

assim um plano que não é plano, pois não define a origem dos recursos adicionais

para o financiamento das metas de expansão. O diagnóstico também menciona um

padrão mínimo de qualidade, materializado num custo-aluno-qualidade e na meta 7

do PNE-substitutivo, também vetada. Para os vetos, o presidente alegou que a meta

de 7% do PIB contraria o disposto na Lei Complementar 101 (Lei de

Responsabilidade Fiscal), não indica fonte de receita correspondente e não está em

conformidade com o PPA (Plano Plurianual), do governo federal. As alegações são

frágeis pois os governos podem fazer - e o fazem o tempo todo - remanejamento

(legal e ilegal) de verbas. Um exemplo é a desvinculação de impostos de MDE

promovida pelo governo federal através de Emendas Constitucionais desde 1994,

comentada no início. Além disso, o PPA será inevitavelmente bastante alterado pelo

simples fato de o próprio governo preferir remunerar o capital financeiro (através da

taxa de juros) a investir nos setores sociais, fragilizando qualquer meta de qualquer

plano. Se o PNE-Lei não estabelece a fonte de financiamento adicional de suas

metas, qual a mágica que garantirá o atendimento das metas de expansão, na sua

avaliação? Basicamente, a mera aplicação do percentual mínimo de impostos

vinculados constitucionalmente à MDE, a “racionalização” dos gastos (usando os

mesmos recursos para atender a um número maior de alunos - meta muito enfatizada

no financiamento do ensino superior estatal), e a participação da sociedade (através

de trabalho voluntário e contribuições financeiras), das ONGs (organizações não

governamentais), da iniciativa privada e de novas tecnologias (educação a distância).

(DAVIES, 2001, p. 7-8).

Para o ensino médio, foram previstas as seguintes vinte metas:

1) Formular e implementar, progressivamente, uma política de gestão da infra-

estrutura física na educação básica pública, que assegure:

a) o reordenamento, a partir do primeiro ano deste Plano, da rede de escolas

públicas que contemple a ocupação racional dos estabelecimentos de ensino

estaduais e municipais, com o objetivo, entre outros, de facilitar a delimitação

de instalações físicas próprias para o ensino médio separadas, pelo menos, das

quatro primeiras séries do ensino fundamental e da educação infantil;

b) a expansão gradual do número de escolas públicas de ensino médio de acordo

com as necessidades de infra-estrutura identificada ao longo do processo de

reordenamento da rede física atual;

c) no prazo de dois anos, a contar da vigência deste Plano, o atendimento da

totalidade dos egressos do ensino fundamental e a inclusão dos alunos com

defasagem de idade e dos que possuem necessidades especiais de

aprendizagem;

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99

d) o oferecimento de vagas que, no prazo de cinco anos, correspondam a 50% e,

em dez anos, a 100% da demanda de ensino médio, em decorrência da

universalização e regularização do fluxo de alunos no ensino fundamental.

2) Implantar e consolidar, no prazo de cinco anos, a nova concepção curricular

elaborada pelo Conselho Nacional de Educação.

3) Melhorar o aproveitamento dos alunos do ensino médio, de forma a atingir

níveis satisfatórios de desempenho definidos e avaliados pelo Sistema Nacional

de Avaliação da Educação Básica (SAEB), pelo Exame Nacional do Ensino

Médio (ENEM) e pelos sistemas de avaliação que venham a ser implantados

nos Estados.

4) Reduzir, em 5% ao ano, a repetência e a evasão, de forma a diminuir para

quatro anos o tempo médio para conclusão deste nível.

5) Assegurar, em cinco anos, que todos os professores do ensino médio possuam

diploma de nível superior, oferecendo, inclusive, oportunidades de formação

nesse nível de ensino àqueles que não a possuem.

6) Elaborar, no prazo de um ano, padrões mínimos nacionais de infra-estrutura

para o ensino médio, compatíveis com as realidades regionais, incluindo:

e) espaço, iluminação, ventilação e insolação dos prédios escolares;

f) instalações sanitárias e condições para a manutenção da higiene em todos os

edifícios escolares;

g) espaço para esporte e recreação;

h) espaço para a biblioteca;

i) adaptação dos edifícios escolares para o atendimento dos alunos portadores

de necessidades especiais;

j) instalação para laboratórios de ciências;

k) informática e equipamento multimídia para o ensino;

l) atualização e ampliação do acervo das bibliotecas incluindo material

bibliográfico de apoio ao professor e aos alunos;

m) equipamento didático-pedagógico de apoio ao trabalho em sala de aula;

n) telefone e reprodutor de texto;

7) Não autorizar o funcionamento de novas escolas fora dos padrões de "a" a "g".

8) Adaptar, em cinco anos, as escolas existentes, de forma a atender aos padrões

mínimos estabelecidos.

9) Assegurar que, em cinco anos, todas as escolas estejam equipadas, pelo menos,

com biblioteca, telefone e reprodutor de textos.

10) Assegurar que, em cinco anos, pelo menos 50%, e, em 10 anos, a totalidade das

escolas disponham de equipamento de informática para modernização da

administração e para apoio à melhoria do ensino e da aprendizagem.

11) Adotar medidas para a universalização progressiva das redes de comunicação,

para melhoria do ensino e da aprendizagem.

12) Adotar medidas para a universalização progressiva de todos os padrões mínimos

durante a década, incentivando a criação de instalações próprias para esse nível

de ensino.

13) Criar mecanismos, como conselhos ou equivalentes, para incentivar a

participação da comunidade na gestão, manutenção e melhoria das condições de

funcionamento das escolas.

14) Assegurar a autonomia das escolas, tanto no que diz respeito ao projeto

pedagógico como em termos de gerência de recursos mínimos para a

manutenção do cotidiano escolar.

15) Adotar medidas para ampliar a oferta diurna e manter a oferta noturna,

suficiente para garantir o atendimento dos alunos que trabalham.

16) Proceder, em dois anos, a uma revisão da organização didático-pedagógica e

administrativa do ensino noturno, de forma a adequá-lo às necessidades do

aluno-trabalhador, sem prejuízo da qualidade do ensino.

17) Estabelecer, em um ano, programa emergencial para formação de professores,

especialmente nas áreas de Ciências e Matemática.

18) Apoiar e incentivar as organizações estudantis, como espaço de participação e

exercício da cidadania.

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100

19) A educação ambiental, tratada como tema transversal, será desenvolvida como

uma prática educativa integrada, contínua e permanente em conformidade com

a Lei nº 9.795/99.

20) Observar, no que diz respeito ao ensino médio, as metas estabelecidas nos

capítulos referentes à formação de professores, financiamento e gestão e ensino

a distância. (BRASIL, 2001).

Neste documento, verificou-se: uma quantidade excessiva de metas; a ausência de

indicação dos responsáveis, na esfera governamental, pelo cumprimento de determinadas

metas, não houve clareza sobre o papel e compromisso dos entes federados (municípios,

estados e União) nem acompanhamento e avaliação da atuação de cada um deles; a omissão

quanto às condições objetivas necessárias, principalmente o financiamento, para atingir os

objetivos anunciados; e a desarticulação entre determinadas partes do PNE e dele próprio com

os demais planos setoriais do Governo. Esses elementos foram fatais, inviabilizaram a

efetivação da Lei.

Vale o registro de que, já no encerramento da vigência do PNE, mais da metade dos

estados não aprovou seus Planos Estaduais de Educação (PEE) contrariando a determinação

legal, conforme mostrado na tabela 4. E dentre os estados que aprovaram seus PEE, alguns o

fizeram no final da vigência do PNE 2001-2010.

Os PEE devem ser documentos com o planejamento de medidas realistas a serem

tomadas a partir de diagnósticos bem fundamentados das condições educacionais concretas. A

elaboração desses planos pelos estados e DF é exigência do PNE e também previsão da LBD.

Dezesseis estados e o DF não elaboraram seus PEE e os estados que o fizeram não possuem

sistemas de acompanhamento e avaliação das metas estabelecidas. Agora, o que isso

significa? Indício de frágil diálogo entre esses e o MEC? Descrédito em relação à política

educacional, em nível federal? Reflexo de desarticulação entre os componentes dos planos de

um governo? Dificuldade, negligência ou descaso desses estados e do DF, em relação à

organização das questões educacionais?

A organização das ações setoriais dos estados e do DF incide diretamente sobre a

condução das políticas educacionais para os jovens do ensino médio. Na ausência de

planejamento articulado, efetivo e transparente, e considerando a tradição da administração

dos bens públicos no Brasil, dificilmente levará a caminhos que convirjam para a positivação

do direito de todos à educação.

Quanto aos municípios, eles devem elaborar seus planos em consonância com a

legislação nacional e estadual.

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101

TABELA 4

Elaboração dos Planos Estaduais de Educação - 2010

Unidade da

Federação PEE Disposição legal

Vigência

até

Número

de metas

Acre Não - - -

Alagoas Sim Lei nº 6.757, de 3 de agosto de 2006 2015 329

Amapá Não - - -

Amazonas Sim Lei nº 3.268, de 7 de julho de 2008 2018 306

Bahia Sim Lei nº 10.330, de 15 de setembro de

2006

2015 314

Ceará Não - - -

Distrito Federal Não - -

Espírito Santo Não - - -

Goiás Sim Lei Complementar nº 62, de 9 de

outubro de 2008

2017 227

Maranhão Não - - --

Mato Grosso Sim Lei nº 8.806, de 10 de janeiro de 2008 2017 475

Mato Grosso do Sul Sim Lei nº 2.791, de 30 de dezembro de

2003

2010 176

Minas Gerais Não - - -

Pará Sim Lei nº 7.441, de 2 de julho de 2010 2020 223

Paraíba Sim Lei nº 8.043, de 30 de junho de 2006 2015 292

Paraná Não - - -

Pernambuco Sim Lei nº 12.252, de 8 de julho de 2002 2011 191

Piauí Não - - -

Rio de Janeiro Sim Lei nº 5.597, 18 de dezembro de 2009 2018 140

Rio Grande do Norte Não - - -

Rio Grande do Sul Não - - -

Rondônia Não - - -

Roraima Não - - -

Santa Catarina Não - - -

São Paulo Não - - -

Sergipe Não - - -

Fonte: Adaptado de Observatório da Educação, 2010.

O CNE produziu um documento, a Portaria CNE/CP nº 10, de 6 de agosto de 2009,

embasado em vários estudos, para servir de subsídio à construção do novo PNE. São

indicados problemas detectados nas avaliações do PNE 2001-2010, os mesmos estão

divididos em duas categorias. Na primeira delas são enumerados problemas da dimensão

externa ao Plano, gerados pelo contexto e modo de implementação:

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102

1) Pouca utilização do PNE no primeiro triênio após sua aprovação.

2) Pouca consideração dada ao PNE quando do estabelecimento das políticas de

governo, gerando algumas concepções, ações, programas e políticas diferentes

das estabelecidas no PNE.

3) Desarticulação entre o PNE e os planos setoriais de governo.

4) Dissociação entre o PNE e os Planos estaduais e municipais de Educação.

5) Descontinuidade na coleta de informações pelo INEP e secretarias do MEC;

6) Pouca divulgação do PNE.

7) Ausência de normatização do sistema nacional de educação e do regime de

colaboração.

8) Articulação tardia do PDE e do PAR com os princípios e metas do PNE.

9) Minimização da universalização da Educação Básica como direito.

10) Ausência de mecanismos para o acompanhamento e avaliação sistemáticos do

PNE. (BRASIL, 2009).

E na segunda categoria são listados problemas da dimensão interna, inerentes ao

conteúdo do texto:

1) Ausência de indicadores relativos às metas, para concretizar a possibilidade de

acompanhamento e avaliação do desenvolvimento do PNE.

2) Retirada dos mecanismos concretos de financiamento das metas, expressos no

próprio PNE (vetos).

3) Poucas políticas com capacidade de enfrentar as grandes desigualdades

regionais.

4) Desarticulação interna e superposição de metas, dado o formato assumido pelo

PNE.

5) Pouca expressividade das políticas voltadas para a diversidade.

6) Focalização excessiva no Ensino Fundamental.

7) Supremacia das metas quantitativas sobre as qualitativas.

8) Excessivo número de metas que acabaram pulverizando e fragmentando as

ações. (BRASIL, 2009).

Mediante o cenário educacional, e considerando a complexidade do funcionamento de

uma organização sociopolítica democrática, o CNE delimitou um conjunto de “desafios” a

serem enfrentados e superados pela sociedade e pelo Estado, o qual denominou “os dez

maiores desafios da Educação Nacional”. São eles:

1) Extinguir o analfabetismo, inclusive o analfabetismo funcional, do cenário

nacional.

2) Universalizar o atendimento público, gratuito, obrigatório e de qualidade da

préescola, Ensino Fundamental de nove anos e Ensino Médio, além de ampliar

significativamente esse atendimento nas creches.

3) Democratizar e expandir a oferta de Educação Superior, sobretudo da educação

pública, sem descurar dos parâmetros de qualidade acadêmica.

4) Expandir a Educação Profissional de modo a atender as demandas produtivas e

sociais locais, regionais e nacionais, em consonância com o desenvolvimento

sustentável e com a inclusão social.

5) Garantir oportunidades, respeito e atenção educacional às demandas específicas

de: estudantes com deficiência, jovens e adultos defasados na relação idade-

escolaridade, indígenas, afro-descendentes, quilombolas e povos do campo.

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103

6) Implantar a Escola de Tempo Integral na Educação Básica, com projeto

políticopedagógico que melhore a prática educativa, com reflexos na qualidade

da aprendizagem e da convivência social.

7) Implantar o Sistema Nacional de Educação, integrando, por meio da gestão

democrática, os Planos de Educação dos diversos entes federados e das

instituições de ensino, em regime de colaboração entre a União, Estados,

Distrito Federal e municípios, regulamentando o artigo 211 da Constituição

Federal.

8) Ampliar o investimento em educação pública em relação ao PIB, de forma a

atingir 10% do PIB até 2014.

9) Estabelecer padrões de qualidade para cada etapa e modalidade da educação,

com definição dos insumos necessários à qualidade do ensino, delineando o

custo aluno-qualidade como parâmetro para seu financiamento.

10) Valorizar os profissionais da educação, garantindo formação inicial e

continuada, além de salário e carreira compatíveis com sua importância social e

com os dos profissionais de outras carreiras equivalentes. (BRASIL, 2009,

destaque nosso).

A questão agora é a elaboração do novo PNE. O Projeto de Lei nº 8.035/2010 vem

sendo acompanhado de muitas expectativas por parte de entidades científicas, conselhos de

educação e de dirigentes, de confederações e sindicatos, movimentos sociais etc. Na proposta,

o ensino médio está contemplado com os seguintes objetivos: a universalização, até 2016, do

atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e a elevação, até 2020, da taxa

líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária, cujas estratégias serão:

a) Institucionalizar programa nacional de diversificação curricular do ensino

médio a fim de incentivar abordagens interdisciplinares estruturadas pela

relação entre teoria e prática, discriminando-se conteúdos obrigatórios e

conteúdos eletivos articulados em dimensões temáticas tais como ciência,

trabalho, tecnologia, cultura e esporte, apoiado por meio de ações de aquisição

de equipamentos e laboratórios, produção de material didático específico e

formação continuada de professores.

b) Manter e ampliar programas e ações de correção de fluxo do ensino

fundamental por meio do acompanhamento individualizado do estudante com

rendimento escolar defasado e pela adoção de práticas como aulas de reforço no

turno complementar, estudos de recuperação e progressão parcial, de forma a

reposicioná-lo no ciclo escolar de maneira compatível com sua idade.

c) Utilizar exame nacional do ensino médio como critério de acesso à educação

superior, fundamentado em matriz de referência do conteúdo curricular do

ensino médio e em técnicas estatísticas e psicométricas que permitam a

comparabilidade dos resultados do exame.

d) Fomentar a expansão das matrículas de ensino médio integrado à educação

profissional, observando-se as peculiaridades das populações do campo, dos

povos indígenas e das comunidades quilombolas.

e) Fomentar a expansão da oferta de matrículas gratuitas de educação profissional

técnica de nível médio por parte das entidades privadas de formação

profissional vinculadas ao sistema sindical, de forma concomitante ao ensino

médio público.

f) Estimular a expansão do estágio para estudantes da educação profissional

técnica de nível médio e do ensino médio regular, preservando-se seu caráter

pedagógico integrado ao itinerário formativo do estudante, visando ao

aprendizado de competências próprias da atividade profissional, à

contextualização curricular e ao desenvolvimento do estudante para a vida

cidadã e para o trabalho.

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104

g) Fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da permanência

na escola por parte dos beneficiários de programas de assistência social e

transferência de renda, identificando motivos de ausência e baixa freqüência e

garantir, em regime de colaboração, a freqüência e o apoio à aprendizagem.

h) Promover a busca ativa da população de 15 a 17 anos fora da escola, em

parceria com as áreas da assistência social e da saúde.

i) Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e

discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero, criando rede de

proteção contra formas associadas de exclusão.

j) Fomentar programas de educação de jovens e adultos para a população urbana e

do campo na faixa etária de 15 a 17 anos, com qualificação social e profissional

para jovens que estejam fora da escola e com defasagem idade-série.

k) Universalizar o acesso à rede mundial de computadores em banda larga de alta

velocidade e aumentar a relação computadores/estudante nas escolas da rede

pública de educação básica, promovendo a utilização pedagógica das

tecnologias da informação e da comunicação nas escolas da rede pública de

ensino médio.

l) Redimensionar a oferta de ensino médio nos turnos diurno e noturno, bem como

a distribuição territorial das escolas de ensino médio, de forma a atender a toda

a demanda, de acordo com as necessidades específicas dos estudantes.

(BRASIL, 2010).

As metas são mais razoáveis desta vez, ainda que precisem ser mais debatidas e

melhor definidas. Espera-se que os mesmos erros não sejam repetidos, que haja definição do

que se quer alcançar, quem serão os responsáveis pelas ações, de onde sairão os recursos,

como a atuação dos entes federados será acompanhada e avaliada etc. A força política desse

documento, que pode fazer avançar o marco legal e dar nova direção ao tratamento da

problemática que envolve a educação pública, em geral, e o ensino médio, em especial, não há

de ser inútil, não há de ser desperdiçada.

4.4 Políticas para o ensino médio

4.4.1 O Estado em ação

As políticas públicas são grandes linhas de ação para as diferentes instâncias de

decisão política. Orientam as estratégias do Estado no sentido de se alcançarem objetivos de

interesse coletivo. Segundo Roth, é um reducionismo conceituar as políticas públicas

principalmente como respostas que o Estado dá às demandas, apenas reagindo aos “eventos

exteriores”. Em sua definição, uma política pública

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105

é um conjunto formado por um ou vários objetivos coletivos considerados

necessários ou desejáveis e por meios e ações que são tratados, pelo menos

parcialmente, por uma instituição ou organização governamental com a

finalidade de orientar o comportamento de atores individuais ou coletivos

para modificar uma situação percebida como insatisfatória ou problemática.

(ROTH, apud ROTH, 2002, p. 27, tradução nossa).

Neste sentido, as políticas públicas são propostas pelo Estado com a finalidade de

mobilizar a sociedade e, assim, modificar determinada circunstância. São linhas de ação

estabelecidas para o alcance de objetivos de interesse público. Nessa direção, podem ser

definidas também como formas de “intervenção estatal na oferta e proteção de determinados

direitos da cidadania.” (CURY, 2007, p. 832).

Para Azevedo, as políticas públicas

guardam estreita relação com as representações sociais que cada sociedade

desenvolve sobre si própria. Neste sentido, são construções informadas pelos

valores, símbolos, normas, enfim, pelas representações sociais que integram o

universo cultural e simbólico de uma determinada realidade. (AZEVEDO,

2004, p. 5-6)

Os posicionamentos e as atitudes da sociedade em face dos problemas sociais dão

indícios dessa representação. Contudo, há que se considerar a heterogeneidade da sociedade,

que é formada por “coletivos” com interesses e demandas sociais diversos e, às vezes,

conflitantes, que podem ou não ter seus representantes ocupando lugares estratégicos, isto é,

com poder de decisão. Até que uma política pública passe a compor a agenda de governo

ocorre certo jogo de forças políticas entre os segmentos sociais. Além disto, as políticas

públicas confrontam-se com problemas históricos, como a desigualdade na distribuição de

renda, a reforma tributária e a infraestrutura precária em setores básicos. Vale salientar que o

sistema tributário brasileiro é regressivo e onera mais os bens e serviços, ou seja, o trabalho,

que a renda e a propriedade, ou seja, o capital. Assim, que recebe menores salários contribui

proporcionalmente mais por meio da tributação de sua renda que é, de modo geral, gasta

integralmente. Além disso, a carga tributária arrecadada é mal distribuída e o retorno social é

muito baixo, sobretudo quando se considera a dívida social. Diga-se de passagem, o Brasil

está entre os países com maior taxa de tributação no mundo, 34,5%29

do PIB, e ocupa um dos

últimos lugares no ranking de distribuição de renda (indicador que inclui geração de

29

Percentual referente ao ano de 2009. A média dos últimos cinco anos foi de 35% conforme o IBPT.

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106

empregos, melhoria dos salários etc.): é o 10º país mais desigual numa listagem de 126

países30

.

O Brasil é a 8ª maior economia no mundo e, no entanto, praticamente 20%31

de sua

população se encontra na miséria, um quadro paradoxal que ameaça o Estado de Direito,

instituído após árdua caminhada. Nas palavras de Vieira,

a exclusão social e econômica, oriunda de níveis extremos e persistentes de

desigualdade, causa a invisibilidade daqueles submetidos à pobreza extrema, a

demonização daqueles que desafiam o sistema e a imunidade dos privilegiados,

minando a imparcialidade da lei. Em síntese, a desigualdade profunda e duradoura

gera a erosão da integridade do Estado de Direito. (VIEIRA, 2007, p. 42).

As desigualdades entre as classes pobres e ricas e entre a população rural e urbana

sempre foram abissais e permanecem. Assim, temos no Brasil contextos sociais tão distintos,

que não parecem pertencer a um único país. As possibilidades de acesso aos direitos sociais

variam conforme a localização geográfica: as regiões Norte e Nordeste do país são as mais

pobres e vulneráveis, devido, dentre outros fatores, à predominância do latifúndio, à

distribuição desigual da riqueza produzida e às condições climáticas desfavoráveis,

marcadamente as secas intermitentes no Nordeste. As consequências correlatas desse conjunto

de fatores são percebidas em qualquer pesquisa em nível nacional. Em 2000, IBGE publicou

um estudo sobre o saneamento básico no Brasil, mensurando a diferença do volume diário per

capita da água distribuída por rede geral, portanto, tratada, o que se reflete no padrão de vida

da população. A média nacional de distribuição diária por pessoa foi de 260 litros. Enquanto

na região Sudeste a média foi de 360 litros por pessoa, na região Nordeste não se alcançou a

metade desta marca, apresentando uma média de 170 litros per capita.

A taxa de analfabetismo funcional32

concentra-se na região Nordeste. O IBGE

contabilizou, através da PNAD-2007 e 2008, dentre as pessoas de quinze anos ou mais de

idade, 30 milhões de analfabetos funcionais no Brasil. Deste total, praticamente um terço

encontrava-se no Nordeste: 9,48 milhões de pessoas nessa condição.

30

Conforme Relatório de Desenvolvimento Humano - 2006, elaborado pelo do Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD). 31

Conforme pesquisa realizada, em 2007, pela Fundação Getulio Vargas (FGV). 32

Representada pela proporção de pessoas de quinze anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo

completos em relação ao total de pessoas de quinze anos ou mais de idade.

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107

Gráfico 3: Taxa de analfabetismo funcional das pessoas de 15 anos ou mais de idade - 2007 e 2008

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2008.

A mesma disparidade pronuncia-se em outros indicadores, por exemplo, a

escolarização, a população economicamente ativa, o trabalho infantil, a assistência médica

etc. Agora, o mais grave é que isso é naturalizado, é tido como algo normal, e os que

questionam, criticam ou ameaçam a estrutura que sustenta essas desigualdades são

confrontados, às vezes de forma velada, às vezes aberta, pelos representantes dos grupos que

se veem beneficiados por tal modelo social. É caso exemplar o tratamento dispensado aos

movimentos sociais pelos jornais e emissoras televisivas mais poderosas, que fazem circular

ideias absolutamente distorcidas sobre as finalidades e ações das organizações sociais.

A cultura política clientelista/assistencialista posterga a evolução dos mecanismos da

cidadania, interdita qualquer movimento no sentido da igualdade porque está pela

permanência de uma hierarquia que mudou apenas sua aparência, ao longo da história do

Brasil.

Decisões que repercutirão na vida de milhões de pessoas são tomadas sob influências

político-partidárias. É quando o interesse privado entra em conflito com o interesse público e

se lhe sobrepõe. Ferreira (1993) sugere que se localiza nesse ponto o empecilho à efetivação

de um sistema burocrático realmente assentado sobre o princípio da impessoalidade,

acrescentamos, da legalidade, da eficiência etc.

Questionamos, mediante esse quadro, se é legítima a utilização do conceito de

cidadania nos diversos tipos de discursos públicos, tal qual presenciamos. É verdadeira a

afirmação de que todos os brasileiros têm a oportunidade de vivência da cidadania, subjacente

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no slogan oficial do Governo Federal, “Brasil, um país de todos” e explícita em todos os

discursos oficiais sobre os programas, projetos e ações governamentais?

Tudo indica que o Brasil ainda é um país de alguns brasileiros e algumas brasileiras.

Entende-se que são as políticas públicas o recurso para assegurar o processo democrático,

sobretudo aos que historicamente foram alijados, não obtiveram acesso aos direitos sociais

nem políticos.

Na educação, em especial, este acesso será alcançado na medida em que os sujeitos

também conquistarem o espaço para participar efetivamente do processo político das ações

que lhes afetam. Programas e projetos terão chances de êxito proporcionais ao nível de

envolvimento das pessoas da comunidade que pretende afetar. É preciso que faça sentido e

seja vivido pelo grupo social. Contudo, a análise de alguns estudiosos do campo educacional

aponta para o fato de as políticas públicas implementadas estarem contribuindo para a

“efetivação da submissão técnica e ético-política da classe trabalhadora” aos interesses das

elites brasileiras (NEVES, 2002, p. 172).

A despeito do avanço nos processos de redemocratização e de construção da cidadania

ocorridos na década de 80, do século XX, as décadas seguintes estão marcadas por

movimentos recessivos.

4.4.1.1 As políticas educacionais no contexto do projeto neoliberal

O modelo político-econômico adotado pelo governo do Brasil, o neoliberal33

,

caracterizado essencialmente pela minimização do Estado e pela regulação do mercado e da

sociedade pelo capital, é responsável, juntamente com fatores como a corrupção e o

nepotismo, dentre outros, pela situação atualmente instalada. As políticas públicas destinadas

ao setor social não são prioritárias no plano de governo, porquanto “se referem a ações que

determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio,

para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais

desenvolvidas pelo desenvolvimento socioeconômico.” (HÖFLING, 2001, p. 31).

33

Concepção “utilitarista da democracia” (AZEVEDO, 2004), cuja premissa é o controle da sociedade pelo

mercado, que vigorou no século XIX e decaiu em virtude das revoluções, guerras, recessões econômicas etc.,

ressurgindo, em meados da segunda metade do século XX, com nova indumentária e grande força.

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109

As ações da política econômica, na década de 80, concorreram para a atração de

capital estrangeiro e a participação do Brasil no mercado globalizado. Para tanto, o governo

não tem medido esforços, indo do arrocho econômico às várias privatizações de empresas

estatais. A gestão pública foi reordenada e isto se reflete, de formas várias, em todos os

setores sociais.

Para os neoliberais, as políticas (públicas) sociais – ações do Estado na

tentativa de regular os desequilíbrios gerados pelo desenvolvimento da

acumulação capitalista – são consideradas um dos maiores entraves a este

mesmo desenvolvimento e responsáveis, em grande parte, pela crise que

atravessa a sociedade. A intervenção do Estado consistiria uma ameaça aos

interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência

privada, e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz

de gerar com vistas a restabelecer o seu equilíbrio. (HÖFLING, 2001, p. 37).

Conforme Azevedo, para os neoliberais a não-lucratividade é o problema do Estado, e

por isso sustentam que as políticas públicas coíbem a competição necessária para a produção

e progresso, estimulando a “indolência e a permissividade social” (AZEVEDO, 2004, p. 13),

além de serem responsáveis pela sobrecarga tributária imposta sobre a sociedade para o

financiamento dos programas e projetos sociais. Ao final das contas, as políticas públicas

sociais acabam por gerar crises nas sociedades onde o mercado não é o principal regulador e

condutor da sociabilidade.

A educação é o único setor social respaldado pelo neoliberalismo, que admite o

subsídio da formação educacional básica por recursos públicos porque lhe atribui a

competência de dar o impulso inicial para a independência dos sujeitos. E mesmo a educação

pública deve ser orientada pelas regras mercadológicas. A oferta do ensino pelo Estado deve

ser feita paralela à oferta do mercado para se estimular a competição e manter altos os índices

de qualidade. A expansão do ensino superior no Brasil, entregue ao setor privado, demonstra

exatamente o contrário disso: ocorreu uma precarização sem precedentes.

O padrão da “Qualidade Total” bebeu nessa fonte e mostrou, em suas investidas no

campo educacional, uma lógica elitista e excludente que, aliada aos interesses

mercadológicos, tentou viabilizar nas das escolas-empresas o atual projeto de sociedade, que

visa à capitalização de tudo.

O neoliberalismo é uma ideologia insustentável, uma vez que, na prática, baseia-se na

desigualdade extrema, no consumo exagerado, na superexploração do trabalho. Em 2008, foi

dada a prova desta insustentabilidade, quando a falência de grandes corporações financeiras

iniciou um colapso econômico nos Estados Unidos da América (EUA) que impactou

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negativamente a economia global. E, por mais contraditório que possa parecer, a redução dos

efeitos catastróficos gerados pela crise dependeu e depende do Estado, ou melhor, do dinheiro

público. Na tentativa de salvar seus patrimônios estas corporações contraíram empréstimos

bilionários com os Governos dos países cujos sistemas econômicos foram mais impactados,

ou seja, salvaguardaram-se através do financiamento público. No mínimo, a crise norte-

americana demonstra que o mercado não é infalível, como desejam e proclamam os

organismos capitalistas internacionais. Este é um tema bastante complexo, que merece um

aprofundamento, entretanto, foge aos limites da discussão proposta. Buscamos compreender a

correlação entre as políticas públicas educacionais e a construção da cidadania. Não pode ser

desprezada a maneira como o Governo, sob influência do projeto neoliberal e da globalização,

passa a conceber tais políticas, bem como a consequente reconfiguração da educação pública,

em suas instâncias organizacional e institucional, sobretudo o voltado para os jovens, caso se

deseje compreender os processos sociais decorrentes desta reconfiguração.

Os estados nacionais latino-americanos desenvolveram, no século XX, em termos

políticos, fases bem similares até chegarem ao projeto neoliberal. Basicamente passaram pelo

período liberal-conservador, seguido do desenvolvimentismo (a partir dos anos 40),

sucedendo-se a crise dos anos 80, para, então, estabelecerem o neoliberalismo como modelo

ideológico e econômico, cujos principais objetivos são: a eficiência e produtividade

econômica, a globalização do capital, a regulação social pelo mercado.

O sistema de educação atual é bastante influenciado pela “agenda hegemônica do

neoliberalismo” (TORRES, 2008, p. 275), haja vista a precariedade dos planos de

financiamento e as consequentes privatizações, a formação de grupos econômicos

educacionais tão poderosos que atuam na Bolsa de Valores, e, talvez a característica mais

forte para configuração do quadro, a assimilação das ideias de empregabilidade e

produtividade de força de trabalho como objetivos da educação.

As políticas presentes nesta agenda hegemônica são pautadas pelas diretivas do BM,

cuja maior participação no gerenciamento é dos EUA, em função do aporte financeiro que

mantêm no fundo de investimentos desse organismo (TORRES, 2008).

O BM originou-se de um pacto internacional firmado durante a Conferência de

Bretton Woods, nos EUA, em 1944. Representantes de 44 países debateram o re-

estabelecimento da estabilidade econômica mundial abalada pela guerra. O BM foi

organizado como um agente para auxiliar na organização das economias nacionais e assegurar

a estabilidade, impulsionando o progresso e evitando novas crises internacionais. A

assistência aos países diretamente envolvidos nas guerras mundiais logo diminuiu, dando

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lugar às operações com os países em desenvolvimento. Sobretudo nas décadas de 50 a 70 do

século passado, os recursos foram aplicados na promoção da política desenvolvimentista,

assumida por diversos governantes de estados nacionais. Assim, vários países, inclusive o

Brasil, contraíram empréstimos para financiar a infraestrutura (transporte, energia,

telecomunicações etc.) demandada para a instalação de parques industriais, sinônimo do

progresso e da modernidade, naquele momento.

Após a euforia pela modernização produzida em tão curto prazo sobrevieram os

efeitos colaterais: a inflação e o endividamento, desencadeando, nos anos 80, uma crise

severa, da qual muitos países ainda não se recuperaram totalmente. Desde então, a estratégia

incentivada pelo BM tem sido a implementação de “pacote de reformas”, visando ao ajuste

econômico.

De um banco de desenvolvimento, indutor de investimentos, o Banco

Mundial tornou-se o guardião dos interesses dos grandes credores

internacionais, responsável por assegurar o pagamento da dívida externa e

por empreender a reestruturação e abertura dessas economias, adequando-as

aos novos requisitos do capital globalizado. (SOARES, 2000, p. 20-21).

No período de maior endividamento o BM reduziu os empréstimos34

e começou a

intervir na formulação da política econômica interna, exercendo influência até sobre a

instituição do ordenamento jurídico, como condicionante para a liberação de mais recursos. O

sistema educacional foi incluído nesse pacote de reformas em contrapartida às exigências da

instituição.

O nível médio seria contemplado na década seguinte com sua devida reforma. De

acordo com Zibas (1992), em 1989, o BM publicou o relatório “Brazil: issues in secondary

education”, apresentando um balanço do ensino médio no Brasil e algumas medidas para

resolver seus problemas (evasão, repetência, nível baixo de aprendizagem etc.), entre elas: a

adoção de incentivos à escola segundo o desempenho nas avaliações oficiais, a progressiva

descentralização da gestão, a utilização de avaliações em grande escala para a verificação do

progresso do sistema escolar e o estimulo à rede privada de ensino através de subvenção a ser

convertida em bolsas de estudo. Sugestões que foram acatadas e estão na base das políticas

públicas que vem sendo concretizadas.

Nos anos 90, o percentual de recurso tomado de empréstimo para o investimento em

infraestrutura se reduziu, ao passo que o percentual destinado ao desenvolvimento do setor

34

Soares (2000, p. 24) elaborou um quadro e um gráfico, com dados fornecidos pelos relatórios do BM, para

mostrar as transferências de recursos para os países da América Latina e Caribe, nos anos 80.

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112

social se elevou. Soares (2000) destaca o crescimento da educação, do ponto de vista da

participação no total de empréstimo contraído pelo Brasil, no período de 1987 a 1994: o

percentual subiu de 2% para 29%.

O BM, desde então, declara como seu objetivo o combate à pobreza. Coraggio,

examinando esta mudança de estratégia, conclui que:

trata-se de prevenir situações politicamente críticas [...] que poderiam colocar

em risco a sustentação política do ajuste estrutural, visto pelo Banco Mundial,

pelo Fundo Monetário Internacional e pelos Bancos de Desenvolvimento em

geral como o caminho para retomar o crescimento econômico em escala

global. (CORAGGIO, 2000, p. 86).

Para este autor, no entanto, seria ingenuidade considerar que as políticas

governamentais materializam somente os interesses do BM e dos seus acionistas, que há uma

“conspiração”, ou conluio internacional, argumento que presta um bom serviço às elites do

Governo no sentido de justificar o fracasso de certas iniciativas e reformas, eximindo-as da

responsabilidade. Assim, os problemas e crises políticas são explicados por elementos e

motivos “externos ou naturais”. O que fortalece a imagem de que o Estado é ineficiente e a

participação política é inútil, de modo que a população desiste de defender os interesses

coletivos através dos direitos políticos, e permite que as elites governem livremente, pelos

“seus” e não pelos “outros”, não pelo coletivo.

A participação de políticos, pesquisadores e consultores brasileiros não pode ser

subestimada. Ferretti estudou “casos emblemáticos” de estados brasileiros que executaram,

nos anos 90, reformas educacionais, especificamente no nível médio de ensino, sustentadas

por preceitos simplistas, como, por exemplo, a expectativa, sem uma pesquisa minuciosa do

mercado de trabalho, de certo “paralelismo mecânico” entre a demanda de formação

profissional e o “tipo” de educação que o Estado deveria ofertar. Para o autor,

no que se refere à educação profissional é certamente compreensível que esta

se volte para as necessidades de diferentes setores da economia, posto que a

ela cabe, especificamente, capacitar trabalhadores para esses setores. No

entanto, o que parece ocorrer é a extensão indevida desse tipo de finalidade

para o ensino médio em geral. (FERRETTI, 2000, p. 94-95).

Este modelo de reforma evidencia a tentativa de impingir a concepção de que a

finalidade da educação é preparar a mão-de-obra necessária para o funcionamento do sistema

produtivo. Embora conste, sim, dos objetivos do ensino médio a “preparação para o trabalho”,

há ainda a preparação para a vivência da cidadania e o que precede e abarca a ambos: a

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formação humana. O caminho, acreditamos, está na formação integral, plena, isto é, que dê

acesso à cultura e à ciência, e que contribua, sobretudo, para o desenvolvimento da autonomia

dos sujeitos.

Quanto à eficácia das propostas e assessorias das agências financeiras internacionais,

Fonseca (2000) examinou os projetos de co-financiamento, executados no Brasil com a

“cooperação técnica” do BM, no período de 1970-1990. Para a autora, o projeto de educação

deste período baseou-se na integração dos objetivos educacionais às diretrizes do BM para a

comunidade internacional, com realização de projetos para setores específicos, o rural, por

exemplo; e na concepção de educação compensatória, com execução de projetos para a oferta

das quatro primeiras séries do ensino fundamental enquanto meio de proteção e “alívio dos

pobres”.

Nestes projetos os efeitos positivos foram irrelevantes, pois se limitaram a casos bem

específicos, e não transpuseram o tempo de realização dos mesmos. Os projetos executados

nestes 20 anos demonstraram que

as pretensas vantagens acenadas pelos organismo internacionais não têm

beneficiados o setor educacional brasileiro. O exame do desempenho dos

projetos do ponto de vista de sua eficiência interna, isto é, em relação ao

alcance das metas estabelecidas, ao mesmo tempo despendido para a

execução e às despesas decorrentes, tem-se mostrado muito aquém do limite

desejável. (FONSECA, 2000, p. 246).

O Brasil, conforme salientado por Fonseca, registra uma das mais elevadas taxas de

insucesso dos projetos financiados pelo Banco Internacional para a Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD), uma das agências do BM. Quais seriam os objetivos e interesses

dos governantes e consultores ao insistirem na formulação, implementação e divulgação deste

tipo de política?

Neves (2002), Oliveira (2003), Krawczyk (2008) e outros pesquisadores indicam que

as políticas educacionais, que vêm sendo materializadas por meio de programas e projetos

pontuais para todos os níveis e modalidades de ensino, não têm proporcionado melhores

condições de formação para os alunos e professores, e, claro, não têm elevado a qualidade do

processo educacional escolar; a bem da verdade, têm funcionado precipuamente para o

treinamento das pessoas. Além disso, a gestão escolar é atualmente bastante influenciada por

modelos de administração de empresas, como, por exemplo, os fundados nos pressupostos da

mencionada “Qualidade Total”.

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O caráter de formação humana, cognitiva e intelectual inerente à educação fica

relegado ao segundo plano. Torna-se meta principal a preparação técnica para o suprimento

do mercado de trabalho. Embora o discurso corrente apresente em sua pauta o incentivo à

participação política da comunidade e a “gestão democrática”, é dado aos cidadãos e mesmo

às instituições escolares o direito de decidir apenas sobre questões menores que não atingem,

de fato, nem as estruturas locais, o que se dirá das estruturas mais amplas.

4.4.2 Diretrizes Curriculares Nacionais

As tensões e disputas sociais pelo poder podem ser veladas por discursos que

propagam e fazem propagar que o conteúdo do currículo e as relações entre os conteúdos são

entidades monolíticas e neutras (GOODSON, 1995), quando verdadeiramente encerram a

lógica do processo escolar cujo objetivo é a “corporificação” de disposições que permitam

levar a cabo um determinado projeto. O currículo é também um processo histórico e social, e

expressa o projeto de sociedade que se deseja construir e/ou manter. A manifestação dessa

finalidade do currículo alcança o grau máximo no currículo oficial, que significa a prescrição

feita pelo Estado para a formação do sujeito a ser operada pela escola.

A atuação dos sujeitos envolvidos no processo educacional sempre pesará na balança

da reprodução social, contrariando a função determinista atribuída e desempenhada pela

escola. Assim, mesmo sob uma estrutura escolar alicerçada sobre um currículo oficial, os

sujeitos encontram e, se não encontram, criam condições e mecanismos para a construção de

projetos alternativos. E, para isso, é fundamental a produção de valores e saberes no interior

da própria escola.

A educação acontece num movimento dialético que produz e reproduz

simultaneamente. É caracterizada pela tensão constante entre pólos opostos de repetição e

inovação, imposição e resistência, permanência e ruptura, continuidade e descontinuidade.

A seleção, a escolha e, sobretudo, a distribuição por meio da escola pública dos

conhecimentos resultam de relações políticas e ideológicas estabelecidas na trama social e são

oficializadas pelo Estado, que o faz com determinadas intenções. O currículo reflete a seleção

dos conhecimentos considerados válidos e necessários para a formação de um tipo de sujeito,

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115

e, ao mesmo tempo, o resultado provisório de pleitos para a sua composição35

. E o conjunto

formado pelas diretrizes, orientações e parâmetros curriculares nacionais, resoluções,

pareceres e portarias para o ensino médio veicula perspectivas pedagógicas, metodológicas,

políticas etc. para a implementação do currículo.

Os programas e projetos do MEC para os jovens do ensino médio, em consonância

com documentos oficiais, têm evidenciado a intencionalidade de reformular da identidade

dessa etapa da educação básica, cuja consequência esperada é o delineamento de um novo

perfil de egressos para uma nova sociabilidade.

A grande reforma do ensino médio, pós-LDB, é empreendida pelo Governo Federal

em 1998, estabelecendo diretrizes nacionais para o currículo do ensino médio. Foi o principal

evento de abrangência nacional no âmbito do ensino médio. Em sua gênese a concepção

neoliberal, além de outros elementos, foi determinante em relação à definição dos conceitos e

princípios que acabaram se impondo.

As DCNEM, conforme o art. 1º da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998, “se

constituem num conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e

procedimentos a serem observados na organização pedagógica e curricular de cada unidade

escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que manda a lei.”

(BRASIL, 1998). Neste sentido, estabeleceu-se um padrão curricular para o nível médio,

regulando a base nacional comum dos currículos em três áreas de conhecimento: Linguagens,

Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e

Ciências Humanas e suas Tecnologias, que juntas devem proporcionar uma formação geral,

pautada pelo trabalho e voltada para a cidadania. Cada área deve facultar conhecimentos

específicos que desenvolvam “competências e habilidades” para “a vida”, entenda-se

adaptação dos sujeitos a um modelo de sociabilidade concebido pelo capitalismo, em sua

35

Um levantamento realizado pelo Observatório da Educação, em 2010, apontou a existência da tramitação na

Câmara dos Deputados e no Senado Federal de mais de 250 projetos de lei para alteração do currículo dos

ensinos fundamental e médio. Os parlamentares propõem a inserção de determinadas disciplinas de cursos de

ensino superior e a criação de novas disciplinas curriculares. As proposições são variadas, algumas curiosas,

como o projeto que propõe a obrigatoriedade do ensino da Geografia no ensino médio, e outras, exóticas, como o

projeto que prevê o ensino da língua esperanto no currículo do ensino médio. Os projetos, grosso modo,

concentram-se nas temáticas do meio ambiente e da cultura de paz. A partir desse levantamento, realizamos

outro, nos sites da Câmara e do Senado, especificando a busca por projetos para o ensino médio. Foram

encontrados mais de 50 projetos de lei com o objetivo expresso de incluir disciplinas no currículo de ensino

médio, destacando-se as seguintes: Formação para a cidadania plena; Cidadania, direitos e garantias individuais,

Noções técnicas, não-partidárias de ciência política; Ética social e política; Práticas de trabalho; Direito

constitucional; Direito ambiental; Direito do consumidor; Direito da criança e do adolescente; Latim; Linguagem

de programação de computadores; Leitura e educação para as mídias; Lógica e robótica; Educação financeira;

Educação tributária; Planejamento financeiro, pessoal e familiar; Moral e civismo; Segurança no trânsito;

Formação de condutores de veículos; Primeiros socorros; Prevenção ao uso de drogas; Empreendedorismo;

Educação nutricional e hábitos alimentares; Educação alimentar; Responsabilidade social e ambiental; Meio

ambiente e água potável; e Educação ambiental e cooperativismo.

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116

versão neoliberal. De qualquer forma, a proposta de um currículo por áreas de conhecimento,

por mais que seja pedagogicamente interessante, não é “operacionalizável” no cenário da

educação pública atual.

As finalidades e diretrizes do ensino médio fixadas pela LDB aparecem com nova

roupagem no art. 4º da Resolução citada, que lista o que o curso deve proporcionar aos

egressos:

I - desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar aprendendo, da

autonomia intelectual e do pensamento crítico, de modo a ser capaz de prosseguir os

estudos e de adaptar-se com flexibilidade a novas condições de ocupação ou

aperfeiçoamento;

II - constituição de significados socialmente construídos e reconhecidos como

verdadeiros sobre o mundo físico e natural, sobre a realidade social e política;

III - compreensão do significado das ciências, das letras e das artes e do processo de

transformação da sociedade e da cultura, em especial as do Brasil, de modo a

possuir as competências e habilidades necessárias ao exercício da cidadania e do

trabalho;

IV - domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos que presidem a

produção moderna de bens, serviços e conhecimentos, tanto em seus produtos como

em seus processos, de modo a ser capaz de relacionar a teoria com a prática e o

desenvolvimento da flexibilidade para novas condições de ocupação ou

aperfeiçoamento posteriores;

V - competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras e outras

linguagens contemporâneas como instrumentos de comunicação e como processos

de constituição de conhecimento e de exercício de cidadania. (BRASIL, 1998,

destaque nosso).

Entende-se que o ensino médio deve desenvolver uma formação integral, o que

abrange inclusive a maioria dos itens dessa lista, mas cujo fim principal não pode ser a mera

adaptação ao mercado.

O Parecer CNE/CEB nº 15, de 1º de junho de 1998, destaca que “a formação básica a

ser buscada no ensino médio se realizará mais pela constituição de competências, habilidades

e disposições de condutas do que pela quantidade de informação” (BRASIL, 1998)., e que o

currículo deve ser organizado para enfrentar os seguintes desafios: “aprender a aprender e a

pensar, a relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao

aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a

fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o sentimento que a

aprendizagem desperta.” (BRASIL, 1998). Para dar conta da incumbência, a escola deve

incorporar as concepções e práticas sugeridas pelas DCNEM.

O trabalho aparece como “princípio organizador” do currículo, porém, assumindo um

caráter mecânico e não emancipatório e educativo conforme preconizado por teóricos como

Marx e Gramsci. É o conceito de competência que ocupa o lugar central na temática do

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trabalho. A cidadania aparece como pano de fundo na execução do novo modelo de

sociabilidade em que pretensamente a dualidade histórica do ensino médio será superada

através da formação geral dos jovens. Essa formação geral deverá garantir o preparo

adequado para os padrões tecnológicos sobre os quais atualmente se constituem e ordenam os

processos laborais e o próprio trabalho enquanto organização social. Para Bueno, “os ícones

da nova ordem, em particular competitividade e revolução tecnológica, impregnam o discurso

legal e orientam a formação geral por uma visão restrita e pragmática do trabalho humano,

dimensionado como ocupação.” (BUENO, 2000, p. 10).

Quanto ao discurso pedagógico, as DCNEM indicam os princípios pedagógicos da

interdisciplinaridade e contextualização para a estruturação e operacionalização do novo

currículo.

Para a construção de um currículo interdisciplinar, as escolas deverão considerar de

acordo o art. 8º das DCNEM que:

I - a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que

todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que

pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de

iluminação de aspectos não distinguidos;

II - o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade

de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos que são mais facilmente alcançáveis

se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada

uma com sua especificidade, para o estudo comum de problemas concretos, ou para

o desenvolvimento de projetos de investigação e/ou de ação;

III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que

representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam

isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si

interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade;

IV - a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos alunos, e por esta razão

as disciplinas devem ser didaticamente solidárias para atingir esse objetivo, de modo

que disciplinas diferentes estimulem competências comuns, e cada disciplina

contribua para a constituição de diferentes capacidades, sendo indispensável buscar

a complementaridade entre as disciplinas a fim de facilitar aos alunos um

desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais completo e integrado;

V - a característica do ensino escolar, tal como indicada no inciso anterior, amplia

significativamente a responsabilidade da escola para a constituição de identidades

que integram conhecimentos, competências e valores que permitam o exercício

pleno da cidadania e a inserção flexível no mundo do trabalho. (BRASIL, 1998).

Para a contextualização, prescreve o art. 8º das DCNEM que a escolas tenham

presente que:

I - na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento é transposto da situação

em que foi criado, inventado ou produzido, e por causa desta transposição didática

deve ser relacionado com a prática ou a experiência do aluno a fim de adquirir

significado;

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II - a relação entre teoria e prática requer a concretização dos conteúdos curriculares

em situações mais próximas e familiares do aluno, nas quais se incluem as do

trabalho e do exercício da cidadania;

III - a aplicação de conhecimentos constituídos na escola às situações da vida

cotidiana e da experiência espontânea permite seu entendimento, crítica e revisão.

(BRASIL, 1998).

Concernente à cidadania, as diretrizes para o ensino médio declaram a expectativa de

que a escola contribua diretamente para a constituição de uma “cidadania de nova qualidade”,

que

reúna conhecimentos e informações a um protagonismo responsável, para exercer

direitos que vão muito além da representação política tradicional: emprego,

qualidade de vida, meio ambiente saudável, igualdade de homens e mulheres enfim,

ideais afirmativos para vida pessoal e para a convivência. (BRASIL, 1998).

A esse respeito, Carvalho chama a atenção para o fato de que “certos ideais

educacionais” veiculados nos documentos oficiais são incorporados no discurso pedagógico

sem, no entanto, impactar significativamente as práticas nas escolas, por carência tanto de

condições objetivas para torná-los viáveis quanto de domínio dos conceitos e da metodologia

por parte daqueles que estão na base. O autor assevera que a escola e os educadores assumem

um discurso com

expressões e conceitos tão “sagrados” quanto vagos e ambíguos, instaurando um

certo consenso retórico vazio de significações e incapaz de veicular perspectivas que

possam ter alguma relevância na transformação ou mesmo na compreensão de

nossas ações e políticas educacionais. (CARVALHO, 2001, p. 157).

À escola são atribuídas tarefas cujos procedimentos para execução conduzem a

verdadeiros impasses. Certos procedimentos das DCNEM se encaminham para uma

“generalidade” que inviabiliza qualquer possibilidade de concretização. Bueno comenta que,

por exemplo, atribui-se à escola:

a missão quase impossível de identificar “conhecimentos, competências e

habilidades de formação geral e de preparação para o trabalho” [...] que poderão ser

objeto de aproveitamento de estudos em habilitações profissionais específicas (tarefa

da escola média), e de avaliar se já foram adquiridos no ensino médio, atestando o

caráter profissionalizante das disciplinas e dos estudos que lhes deram suporte

(tarefa de escolas e programas de formação profissional). Essa responsabilidade,

além de exigir de equipes escolares imaginárias o conhecimento profundo dos

fundamentos científicos e tecnológicos do processo produtivo e dos meandros mais

sutis do mercado e da vida em sociedade, aliado a uma inusitada capacidade de

prever o imprevisível, pressupõe uma perfeita articulação e sintonia entre os

sistemas de ensino regular e de educação profissional. (BUENO, 2000, p. 16).

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A reforma deveria propiciar uma “matriz de possibilidades”, entretanto, sob a

aparência de liberdade e maleabilidade, encontravam-se modelos padronizados e engessados,

principalmente pela dotação orçamentária.

Os conceitos de empregabilidade, flexibilidade e competência se tornam mote nas

políticas educacionais, e o nível médio de ensino é sobremaneira afetado, por corresponder à

fase final da escolarização básica e mais ainda por sua finalidade oficial. A presença desses

conceitos pode ser constatada pela análise das DCNEM, cuja tônica é a formação do jovem

para o mercado de trabalho. Conceitos que exercem um domínio simbólico sobre a sociedade

porque representam um modelo ideal, desejável e aparentemente executável de um sistema

homogêneo e meritocrático que trata todos os alunos de maneira igualitária para que os mais

talentosos e esforçados sobressaiam. O desempenho de cada um é que irá diferenciá-los e

separá-los, definindo sua posição social.

Kuenzer, ao analisar as circunstâncias do ensino médio brasileiro, destaca o caráter

conservador dessa reforma. O novo ensino médio, em substituição ao modelo que integrava

em uma única rede o ensino geral e profissional, propõe uma formação ampla e geral que

prepare os jovens para “a vida”. A autora questiona se o trabalho não é vida e entende que a

concepção de trabalho adotada é uma das faces conservadoras da reforma, porque

desconsidera os milhares de jovens brasileiros cujas condições objetivas de existência só

poderiam ser modificadas mediante a inserção no processo produtivo. Ao estabelecer um

padrão curricular homogêneo o Estado ignora as desigualdades culturais e socioeconômicas

entre os sujeitos e as classes, fazendo com que também na instituição escolar estas continuem

sendo reproduzidas e legitimadas.

A dimensão do trabalho seria um requisito para a cidadania, considerando-se,

sobretudo, que para as classes populares é no ensino médio que terão oportunidade de

mediação para o trabalho. O que não raramente se trata de uma questão de sobrevivência:

milhares de jovens brasileiros são responsáveis pelo sustento de si próprios e de suas famílias.

Assim, o ensino médio deve dar o suporte necessário e específico aos jovens provenientes

dessas classes. Nas palavras de Kuenzer,

Para atender às necessidades dessa clientela, alguma forma de preparação para a

realização de alguma atividade produtiva deverá ser oferecida. Não fazê-lo

significará estimular os jovens que precisem trabalhar ao abandono do Ensino

Médio, ou mesmo à sua substituição por cursos profissionais, abrindo mão do direito

à escolaridade e à continuidade dos estudos. (KUENZER, 2000b, p. 28).

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Outro conceito cuja presença é marcante é o da qualidade: fala-se sobre qualidade do

ensino, da aprendizagem, do processo educativo, da escola, da atuação docente, da cidadania,

do trabalho e até em uma “pedagogia da qualidade”. Mas é a noção de qualidade tomada da

cartilha neoliberal, em que tudo é padronizado e reduzido a números e estatísticas, visando à

redução de gastos.

Outrossim, houve espaço reservado para divagações, sobretudo na seção sobre os

“Fundamentos estéticos, políticos e éticos do novo ensino médio brasileiro”, onde se recorreu

a princípios filosóficos holísticos. Ora, considerando o contexto objetivo do ensino médio,

com todos os percalços a serem resolvidos, não adianta em nada frases retóricas como esta:

Os conhecimentos e competências cognitivas e sociais que se quer desenvolver nos

jovens alunos do ensino médio remetem assim à educação como constituição de

identidades comprometidas com a busca da verdade. Mas para fazê-lo com

autonomia precisam desenvolver a capacidade de aprender, tantas vezes reiterada

na LDB. (BRASIL, 1998, destaque conforme original).

De antemão, o Parecer justifica que “deter-se sobre o plano axiológico e tentar traduzi-

lo em uma doutrina pedagógica coerente não significa ignorar o operativo, a falta de

professores preparados, a precariedade de financiamento” (p. 20). E numa segunda vez

também se esquiva: “a proposta pedagógica deve refletir o melhor equacionamento possível

entre recursos humanos, financeiros, técnicos, didáticos e físicos, para garantir tempos,

espaços, situações de interação, formas de organização da aprendizagem e de inserção da

escola no seu ambiente social” (p. 33).

É nítida a inconsistência no que se refere à fonte de recursos. Como as escolas criarão

condições adequadas para realizar ações tão sofisticadas, haja vista o marco doutrinal posto

pelas DCNEM? É impossível. A operacionalização do currículo por áreas de conhecimento,

por exemplo, exige um aparato que, para ser instalado, demanda, no mínimo, do triplo ou

mais de recursos financeiros em relação ao que destinado às escolas públicas estaduais de

ensino médio. O documento, em dado momento, lembra aos sistemas de ensino e às escolas

que “os critérios para que a diversificação de opções curriculares por parte dos alunos” deve

constituir um plano de ação “possível pedagogicamente e sustentável financeiramente” (p.

51). Vê-se, nessa passagem, o tipo de compromisso que o Estado firma com a sociedade...

A partir das DCNEM foram elaborados os parâmetros curriculares nacionais, cuja

natureza é de orientação, ao contrário, das prescrições das diretrizes curriculares que são

obrigatórias. Os PCNEM delimitam, especificam e detalham as concepções e proposições

gerais das DCNEM.

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Lopes define o documento dos PCNEM enquanto “carta de intenções

governamentais”, cujo conteúdo

configura um discurso que, como todo discurso oficial, projeta identidades

pedagógicas e orienta a produção do conhecimento oficial – o conhecimento

educacional construído e distribuído às instituições educacionais pelo Estado em sua

atuação como campo recontextualizador pedagógico oficial. (LOPES, 2002, p. 387).

O conhecimento oficial, ao qual se refere essa autora, constitui-se de conteúdos,

valores, abordagens metodológicas consideradas válidas pelo Estado e, assim, transmitidas

por meio de documentos oficiais.

Ainda que se considere que muitos professores nas escolas lerão o texto dos

parâmetros com desinteresse ou descrédito, ou mesmo abandonarão seus volumes

nas gavetas, não entendo ser possível pensar na força de um cotidiano escolar que se

constrói a despeito das orientações oficiais. Certamente existem reinterpretações

desses documentos e ações de resistência aos mesmos na prática pedagógica, assim

como permanece em evidência o caráter produtivo do conhecimento escolar.

Todavia, menosprezar o poder do currículo escrito oficial sobre o cotidiano das

escolas significa desconsiderar toda uma série de mecanismos de difusão,

simbólicos e materiais, desencadeados por uma reforma curricular, com o intuito de

produzir uma retórica favorável às mudanças projetadas e orientar a produção do

conhecimento escolar. Além da distribuição de recursos com base no cumprimento

das propostas curriculares oficiais, é preciso considerar a legitimidade de tais

propostas, propostas, construída tanto a partir da valorização da idéia de mudança

nelas embutida [...] quanto pela efetiva apropriação que realizam de princípios e

idéias curriculares legitimadas no campo educacional. (LOPES, 2002, p. 387-388).

A elaboração, publicação e distribuição dos PCNEM, em 1999, encerraram a ação

mais expressiva da reforma do ensino médio. As concepções veiculadas neste documento

permearam as demais ações do MEC, como os programas apoio técnico e financeiro aos

estados, visando à expansão da oferta e atendimento, e sobretudo os programas de avaliação,

do SAEB e o ENEM, por meio da definição de matrizes com os conteúdos a serem

trabalhados. Em 2002, o MEC lança um documento, o PCN+, com orientações e

recomendações educacionais complementares aos PCNEM. Com a nova publicação, reforça-

se a estrutura conceitual e metodológica anunciada nos documentos precedentes.

Os PCNEM partem dos princípios da interdisciplinaridade e da contextualizados

postos pelas DCNEM para estruturar a proposta de trabalho por áreas do conhecimento.

Assim, apresenta um documento para cada área, delimitando-a e expondo as especificidades e

objetivos, expressos por uma lista de competências e habilidades a serem desenvolvidas em

cada disciplina.

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As competências e habilidades listadas são referentes às novas exigências da vida

social e do processo produtivo. Evidencia-se a preocupação em preparar os jovens para a lida

com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no “mundo do trabalho”.

Ainda no âmbito do currículo, o MEC lançou, em 2006, as OCEM, documento

elaborado com o objetivo de propiciar a reinterpretação, a compreensão e a consolidação das

proposições das DCNEM e dos PCNEM. De modo que é encaminhado aos gestores escolares

e aos professores com a intenção de apresentar “um conjunto de reflexões” para “alimentar” a

prática docente (BRASIL, 2006).

Nas OCEM são apresentadas orientações didáticas específicas para cada uma das

disciplinas curriculares do ensino médio, a partir das competências e habilidades previstas nos

PCNEM. As disciplinas são categorizadas em: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

(língua portuguesa, literatura, língua estrangeira, arte e educação física); Ciências da

Natureza, Matemática e suas Tecnologias (biologia, física, química e matemática); e Ciências

Humanas e suas Tecnologias (filosofia, sociologia, história e geografia).

Na elaboração das DCNEM e dos PCNEM a influência dos gestores do mercado foi

determinante. Isso sempre ocorreu, é fato, mas a forma de se organizarem é, digamos,

inovadora, contam agora com instrumentos muito mais eficientes para a obterem apoio da

sociedade. A participação organizada do empresariado brasileiro no debate sobre a educação,

desde os anos 90, associada à atuação de redes jornalísticas, foi decisiva para a difusão na

sociedade dos princípios educacionais para a consolidação do novo modelo de acumulação de

capital. No discurso proveniente de diversos setores sociais à educação é atribuída a função de

suprir o processo produtivo do modelo econômico vigente.

Rodrigues (2002) nos mostra que a atuação da classe empresarial na educação não é

um fato novo, antecede à reforma econômica neoliberal, podendo ser demarcada, no mínimo,

na década de 1930; e que sua finalidade permaneceu a mesma, embora se adaptando aos

diferentes momentos econômicos do país: forjar o sujeito necessário para as demandas do

empresariado, ou seja, as demandas do capital. Para o mesmo autor, a fundação da

Confederação Nacional das Indústrias (CNI) foi marco no processo de hegemonia da “elite

burguesa” por instituir uma “tríade pedagógica”, composta pelo SENAI, Serviço Social da

Indústria (SESI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL), com um modelo educacional empresarial

bastante influente, e por elaborar sucessivas “propostas gerais” para a condução da sociedade,

todas elas alinhadas com interesses socioeconômicos.

Os discursos e ações do empresariado, entre as décadas de 1930 e 1950, foram

pautados pelo argumento da “nação industrializada” para superar a tradição agrícola. A

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industrialização, no entanto, não acabou com as desigualdades estruturais da sociedade

brasileira. Daí, a proposta desenvolvimentista de “país desenvolvido”, implementada a partir

da década de 1960. Com o financiamento de capital estrangeiro, o Brasil multiplicou seus

meios de produção e viveu uma efêmera fase de crescimento econômico, logo seguida de

recessão e crise. Mais uma vez, os problemas sociais ficaram em segundo plano. Na década

de 1980, para superar o desgaste provocado pelo agravamento das crises nas economias

liberais, o capitalismo se reinventou, inaugurando nova estratégia, o “padrão de acumulação

flexível”, cujas diretrizes incluem a reestruturação dos meios e dos processos produtivos, a

flexibilização das relações de trabalho, a inserção na economia globalizada etc. Então, nova

proposta foi apresentada: a “economia competitiva”.

Em todas essas propostas, a educação aparece como o mecanismo para a efetivação

das metas econômicas, uma vez que deve operar o ajustamento das identidades individuais e

sociais às sucessivas sociabilidades requisitadas pelo capital, em quaisquer de suas versões:

liberal ou neoliberal. Não por acaso, a partir de 1971 até 1982, o nível médio de ensino foi

compulsoriamente transformado em profissionalizante: o projeto de sociedade daquele

momento reclamava um tipo de mão-de-obra pouco disponível, que precisava ser preparada a

qualquer custo. Tal intento do Governo Federal foi interrompido por questões outras que não

a percepção do absurdo, do “irrealismo da proposta legal” (FRANCO, 1983). Sobre esse fato

Zibas escreveu:

Os analistas logo perceberam a falácia de tal determinação. Os custos mais altos dos

cursos técnicos e profissionalizantes inviabilizaram o dispositivo legal, que sofreu

ainda resistência de setores das classes médias e altas às quais interessava apenas um

ensino médio de caráter propedêutico. Instala-se, então, uma farsa, com colégios

particulares de elite procurando subterfúgios para burlar a lei e continuar apenas

preparando seus alunos para a universidade. Nas escolas públicas, a falta de recursos

deu origem a improvisações curriculares pseudoprofissionalizantes, sem qualquer

significado, resultando ainda em empobrecimento da educação geral. (ZIBAS, 1993,

p. 27-28).

O lugar da educação sofre imposições de toda sorte e é, de certa forma, delimitado

pelo “horizonte pedagógico do capital” (RODRIGUES, 2002, p. 115), tanto que ao discurso

oficial educacional e pedagógico se incorporaram noções e palavras do setor empresarial, à

revelia dos apontamentos, advertências e até dos protestos dos pesquisadores sérios e

comprometidos com a educação pública.

Qualquer construção social (conhecimentos, representações, instituições etc.) se dá

num espaço social estruturado, onde certos grupos têm mais poder de controle material e

simbólico, e, assim, seus interesses e ideologias tendem a prevalecer. Quanto à representação

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da díade escola-trabalho, presencia-se certo esforço demasiado por parte das elites dominantes

em fazer a sociedade crer que há uma linearidade que define a trajetória do ensino médio ao

emprego, este tão sonhado pelos jovens das camadas populares, por ser a força de trabalho o

único meio do qual eles podem dispor para sobreviver com dignidade. Funciona mais ou

menos assim: o jovem que frequentar a escola e se empenhar para aprender os conteúdos do

programa de ensino, vai se tornar competente para “competir” com seus pares por uma

“oportunidade” no mercado de trabalho; e conseguindo uma vaga deverá se empenhar “ao

máximo” para demonstrar a “melhor” performance possível. Desse modo, não só assegurará

sua colocação como terá oportunidades (e estas são iguais e para todos!) de promoção. Mas,

mesmo que não seja promovido, se ele trabalhar muito, muito mesmo, fatalmente enriquecerá

e poderá comprar tudo o que sempre sonhou. Quem não consegue é porque é incompetente, é

incapaz de se esforçar, é acomodado. Simples assim.

Sobre a acepção administrativo-burocrática da educação consubstanciada por meio do

currículo, como um instrumento de distribuição de conhecimentos diferenciados para os

diferentes sujeitos ou grupos exercerem os papéis sociais, Kliebard é categórico: “o paradoxo

trágico da metáfora da produção aplicada ao currículo é que a desumanização da educação, a

alienação dos meios em relação aos fins, o sufocamento da curiosidade intelectual apresentam

muito poucas compensações.” (KLIEBARD, 1980, p. 124). Os sujeitos não podem ser

manipulados para atender aos imperativos da produção industrial ou do mercado ou de

quaisquer outros agentes. Mas devem passar por “processos racionais de tomada de decisão”

(p. 126), de desenvolvimento da autonomia e de construção de conhecimentos. Isso é o que o

ensino médio deve propiciar aos jovens.

4.4.3 Programas e projetos

O MEC criou e implementou políticas públicas que pudessem efetivar a reforma

proposta para o ensino médio. A abrangência e o alcance dos programas e projetos voltados

para essa etapa do ensino foram essenciais para a consolidação dos princípios da reforma

educacional.

A primeira ação foi o ENEM, um programa de avaliação da aprendizagem do ensino

médio, implantado em 1998, cuja periodicidade das edições é anual. O ENEM é constituído

de provas objetivas, abrangendo as áreas do conhecimento conforme as DCNEM e prova de

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redação. As questões são elaboradas a partir da matriz de competências, que se desdobra em

habilidades, prescrita pelas diretrizes nacionais. As provas são individuais, são realizadas

pelos concluintes e egressos do ensino médio e buscam mensurar as habilidades e

competências desenvolvidas por estes através da resolução de questões (“situações-

problema”) multidisciplinares, assim é atribuída uma pontuação correspondente ao

desempenho nos parâmetros avaliados.

O MEC estabelece como objetivos dessa avaliação:

a) Oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder à sua

autoavaliação com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo

do trabalho quanto em relação à continuidade de estudos;

b) Estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como

modalidade alternativa ou complementar aos processos de seleção nos

diferentes setores do mundo do trabalho;

c) Estruturar uma avaliação ao final da educação básica que sirva como

modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos

profissionalizantes, pós-médios e à Educação Superior;

d) Possibilitar a participação e criar condições de acesso a programas

governamentais;

e) Promover a certificação de jovens e adultos no nível de conclusão do ensino

médio nos termos do artigo 38, §§ 1º e 2º da Lei nº 9.394/96 - Lei das Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (LDB);

f) Promover avaliação do desempenho acadêmico das escolas de ensino médio, de

forma que cada unidade escolar receba o resultado global; e

g) Promover avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes ingressantes nas

Instituições de Educação Superior.

O ENEM se tornou a principal forma de avaliação do ensino médio, que até o ano de

1998 era avaliado através do vestibular. Com o tempo o próprio vestibular se adéqua ao

ENEM.

Atualmente o resultado do ENEM é utilizado como critério de seleção para o ingresso

no ensino superior, seja complementando, seja substituindo o vestibular; e para a concessão

de bolsa no Programa Universidade para Todos (PROUNI). Em dez anos de realização do

ENEM, o número de pessoas inscritas para participar da avaliação saltou de 157.221, em

1998, para 4.576.126, em 2009, segundo balanço divulgado pelo INEP.

A vinculação com o PROUNI fez com que obtivesse não apenas maior adesão mas, o

mais importante para o governo, maior aceitação e legitimação social. Lima (2005) defende a

tese de que o ENEM foi o instrumento por meio do qual o Governo Federal, na gestão do

presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), concretizou as diretrizes da reforma

educacional dos anos 90. A autora refaz o percurso do programa desde a idealização no

contexto da reforma neoliberal; a elaboração com base no paradigma da competência; o

trabalho de “convencimento” do Governo junto às IES e às universidades públicas; a

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divulgação por meio da imprensa (fala e escrita) do potencial democratizante da proposta,

caso fosse incorporada ao processo de seleção das instituições de ensino superior; o

estabelecimento do consenso sobre a democratização do acesso ao ensino superior através do

exame; até a consolidação conduzida pelo MEC.

Lima assinala a correlação entre o ENEM e as políticas regulatórias, das quais o

Estado se utiliza para manter o controle sobre a escola e introduzir as concepções julgadas

adequadas. É exatamente o que acontece com o ensino médio.

O ENEM foi criado num contexto de desenvolvimento de sistemas de coleta de

informações e de avaliação em todos os níveis e modalidades de ensino, objetivando o

controle e a regulação da educação e a constituição de um verdadeiro Sistema Nacional

de Avaliação, em detrimento de um Sistema Nacional de Educação. Tal sistema de

avaliação é composto por testes padronizados aplicados de forma massiva – SAEB,

ENEM, ENC (provão) – que contribuem significativamente para a imposição de um

currículo nacional, tanto na educação básica quanto na educação superior, para

mistificação da avaliação como instrumento que por si só, pode garantir a qualidade do

ensino e para a introdução do ethos de mercado, mediante a competição e ranqueamento

das instituições educacionais. (LIMA, 2005, p. 166).

Ademais, problematiza-se a questão da prioridade dada aos resultados do exame, isto

é, ao produto, apesar do discurso oficial que enaltece o processo de aprendizagem e, em

última instância, de formação. A tese da autora se confirmou ainda mais com a determinação

da obrigatoriedade de participação no ENEM, como requisito para concorrer às bolsas de

estudos distribuídas pelo PROUNI.

O MEC criou, em 1997, o PROMED, que consistiu no financiamento concedido pelo

Governo Federal a projetos estaduais e do DF de reforma curricular e expansão da oferta de

ensino médio. O objetivo geral do projeto foi “melhorar a qualidade e eficiência do ensino

médio, expandir sua cobertura e garantir maior eqüidade, contribuindo para o

desenvolvimento econômico e social do país” (BRASIL, 1997). Destaca-se como um dos

objetivos específicos, juntamente com a ampliação da oferta de vagas e a redução das taxas de

reprovação e evasão, “garantir que os alunos adquiram as competências e habilidades

necessárias ao exercício da cidadania e à participação no mundo do trabalho”. Neste sentido,

foram estabelecidas como metas do projeto: implementar a reforma curricular e assegurar a

formação continuada de docentes e gestores; equipar, progressivamente, as escolas com

bibliotecas, laboratórios de informática e ciências e kit tecnológico para recepção da TV

Escola; produzir um curso de ensino médio a distância; criar 1,6 milhão de novas vagas;

melhorar os processos de gestão dos sistemas educacionais das unidades federadas; redefinir a

oferta de ensino médio, com a criação de uma rede de escolas para jovens. O PROMED foi

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estruturado em dois subprogramas: o de Projetos de Investimento das Unidades Federadas

(subprograma A), conforme descrição anterior, e o de Políticas e Programas Nacionais

(subprograma B) que visava o fortalecimento da capacidade técnica e institucional da

Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC), posteriormente, da Secretaria de

Educação Básica (SEB), “na formulação e disseminação de políticas, por meio da articulação

com outros órgãos do Ministério da Educação, com outras Unidades da Federação e com a

sociedade civil”. O orçamento foi de US$220 milhões, dos quais 50% tomados de empréstimo

do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e 50% de contrapartida nacional, sendo

US$ 39,3 milhões do Tesouro Nacional e US$ 70,7 milhões dos Estados.

O Governo Federal criou, em 2000, o Projeto Alvorada, articulando ações entre

ministérios, dentre outros da Educação, da Previdência e Assistência Social, da Integração

Nacional, da Saúde, do Esporte e Turismo, do Desenvolvimento Agrário e de Minas e

Energia. O projeto financiou ações em nível estadual visando à redução das desigualdades

regionais por meio da melhoria das condições de vida da população dos estados que

apresentavam Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) inferior a 0,536

. Foram quatorze os

estados que receberam recursos: Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba,

Pernambuco, Piauí, Rondônia, Roraima e Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. O

objetivo do Projeto Alvorada foi desenvolver ações focalizadas em praticamente todas as

áreas sociais. O Decreto nº 3.769, de 8 de março de 2001, estipulou como setores prioritários

os seguintes:

a) educação, voltadas ao ensino fundamental, ao ensino médio e à educação de

jovens e adultos;

b) saúde e saneamento, com impacto no aumento da esperança de vida;

c) desenvolvimento sócio-econômico, com ênfase nos programas de renda familiar

e de infra-estrutura básica;

d) comunicações, esporte, turismo, agricultura e do desenvolvimento da indústria e

comércio que concorram para o fortalecimento das ações acima definidas.

(BRASIL, 2001).

Para contemplar o setor educacional, as metas estipuladas foram: alfabetizar 1,35

milhão de pessoas entre 15 e 29 anos; atender 525 mil alunos em curso supletivo; melhorar as

condições de atendimento a 1,5 milhão de alunos das redes estaduais; absorver nas redes

estaduais 180 mil alunos da rede municipal e criar condições para o atendimento de 1 milhão

de novos alunos; garantir que todas as famílias carentes mantenham seus filhos de 6 a 15 anos

36

A escala varia entre 0 e 1, assim classificado: de 0 a 0,5 baixo desenvolvimento humano, de 0,5 a 0,8 médio

desenvolvimento humano e de 0,8 a 1, alto desenvolvimento humano.

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128

na escola; atender 717 mil crianças e adolescentes que trabalham em condições desfavoráveis;

atender 17.508 escolas sem água ou sistema sanitário; e atender mais de 9.000 jovens em

condições de vulnerabilidade e risco social.

O MEC ficou incumbido de realizar estas ações:

1) Fortalecer o apoio financeiro prestado à associação que desenvolve o Programa

de Alfabetização Solidária, com vistas a reduzir os índices de analfabetismo;

2) Promover a universalização do ensino fundamental, especialmente quanto ao

atendimento dos egressos do Programa de Alfabetização Solidária;

3) Apoiar projetos estaduais de melhoria do Ensino Médio, de forma a garantir o

atendimento aos egressos do Ensino Fundamental;

4) Redesenhar o atual Programa de Garantia de Renda Mínima (Lei 9.533, de 10

de dezembro de 1997), com vistas a aumentar a sua abrangência e o valor do

benefício. (BRASIL, 2001).

O Projeto Alvorada significou um esforço do Governo Federal em amortecer os

impactos do modelo capitalista econômico contemporâneo, cujos processos para a

acumulação de capital acirram as desigualdades sociais. O foco no contingente de sujeitos

fora da escola é, de certa forma, uma precaução em relação aos efeitos da persistência de um

quadro de pobreza extrema.

O MEC institui ainda o Programa Ensino Médio Inovador, por meio da Portaria

Ministerial nº 971, de 9 de outubro de 2009, visando estimular e apoiar técnica e

financeiramente propostas curriculares inovadoras no âmbito das escolas públicas de ensino

médio regular. Estão expressos no parágrafo único do art. 2ª da portaria os objetivos do

programa, quais sejam:

I - expandir o atendimento e melhorar a qualidade do ensino médio;

II - desenvolver e reestruturar o ensino médio não profissionalizante, de forma a

combinar formação geral, científica, tecnológica, cultural e conhecimentos técnicos-

experimentais;

III - promover e estimular a inovação curricular no ensino médio;

IV - incentivar o retorno de adolescentes e jovens ao sistema escolar e proporcionar

a elevação da escolaridade;

V - fomentar o diálogo entre a escola e os sujeitos adolescentes e jovens;

VI - promover uma escola média onde os saberes e conhecimentos tenham

significado para os estudantes e desenvolvem sua autonomia intelectual;

VII - desenvolver a autonomia do estudante por meio do oferecimento de uma

aprendizagem significativa.

VIII - criar uma rede nacional de escolas de ensino médio públicas e privadas que

possibilite o intercâmbio de projetos pedagógicas inovadores.

IX - promover o intercâmbio dos Colégios de Aplicação das IFES, dos Institutos

Federais e do Colégio Pedro II com as redes públicas estaduais de ensino médio.

X - incentivar a articulação, por meio de parcerias, do Sistema S com as redes

públicas de ensino médio estaduais. (BRASIL, 2009).

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129

O “Documento Orientador” do programa reconhece a necessidade e expressa a

intenção de redefinir a identidade do ensino médio, que deve proporcionar aos jovens uma

formação integral, bem como de ofertar uma “aprendizagem significativa” para os jovens,

considerando a relevância da interlocução com as culturas juvenis. São contemplados dois

aspectos importantíssimos e há muito esperados, sendo o último inovador.

Além disso, o programa busca ainda a superação das desigualdades de oportunidades

educacionais e a universalização do acesso e permanência dos jovens da faixa etária de 15 a

17 anos. O elevado índice de abandono convoca o Estado a repensar as condições de oferta do

ensino.

O foco das ações é o currículo. Parte-se do pressuposto de que ele organiza todo o

trabalho escolar e se materializa por meio do projeto políticopedagógico da escola, e, assim,

propõe-se aos estados e DF e às escolas a elaboração de documentos norteadores. Os estados

e DF devem apresentar estratégias, as escolas, atividades a serem desenvolvidas, que

reorganizem o currículo conforme os objetivos do programa.

O Programa reconhece também a importância de franquear à escola autonomia para

decidir sobre o currículo, uma vez que é quem conhece sobre seu contexto.

O trabalho, a ciência e a cultura são os princípios educativos escolhidos para

reorganização do currículo do ensino médio proposta pelo programa. Assim, são indicados

aspectos epistemológicos e metodológicos a serem contemplados no projeto político-

pedagógico, dentre os quais se destacam:

Contemplar atividades integradoras de iniciação científica e no campo artístico-

cultural;

Incorporar, como princípio educativo, a metodologia da problematização como

instrumento de incentivo à pesquisa, à curiosidade pelo inusitado e ao

desenvolvimento do espírito inventivo, nas práticas didáticas;

Fomentar o comportamento ético, como ponto de partida para o reconhecimento

dos deveres e direitos da cidadania; praticando um humanismo contemporâneo,

pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela

incorporação da solidariedade;

Utilizar novas mídias e tecnologias educacionais, como processos de

dinamização dos ambientes de aprendizagem;

Promover atividades sociais que estimulem o convívio humano e interativo do

mundo dos jovens;

Promover a integração com o mundo do trabalho por meio de estágios

direcionados para os estudantes do ensino médio;

Organizar os tempos e os espaços com ações efetivas de interdisciplinaridade e

contextualização dos conhecimentos;

Ofertar atividades complementares e de reforço da aprendizagem, como meio

para elevação das bases para que o aluno tenha sucesso em seus estudos;

Ofertar atividades de estudo com utilização de novas tecnologias de

comunicação;

Avaliação da aprendizagem como processo formativo e permanente de

reconhecimento de saberes, competências, habilidades e atitudes;

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130

Reconhecer as diferentes facetas da exclusão na sociedade brasileira, para

assegurar a ampliação do acesso aos sujeitos historicamente excluídos do

Ensino Médio;

Garantir a inclusão das temáticas que valorizem os direitos humanos e

contribuam para o enfrentamento do preconceito, da discriminação e da

violência no interior das escolas;

Desenvolver conhecimentos e habilidades associados a aspectos

comportamentais (relacionamento, comunicação, iniciativa, cooperação,

compromisso), relativos às atividades de gestão e de iniciativas

empreendedoras;

Estimular a participação social dos jovens, como agentes de transformação de

suas escolas e de suas comunidades. (BRASIL, 2009).

A construção do documento norteador, denominado Projeto Escolar, deve ser coletiva,

envolver a comunidade escolar, e ser orientada por um conjunto de diretrizes básicas, a saber:

a) Carga horária mínima de 3.000 (três mil horas), entendendo-se por 2.400 horas

obrigatórias, acrescidas de 600 horas a serem implantadas de forma gradativa;

b) Foco na leitura como elemento de interpretação e de ampliação da visão de

mundo, basilar para todas as disciplinas;

c) Atividades teórico-práticas apoiadas em laboratórios de ciências, matemática e

outros que estimulem processos de aprendizagem nas diferentes áreas do

conhecimento;

d) Fomento às atividades de produção artística que promovam a ampliação do

universo cultural do aluno;

e) Oferta de atividades optativas, que poderão estar estruturadas em disciplinas, se

assim vierem a se constituir, eletivas pelos estudantes, sistematizadas e

articuladas com os componentes curriculares obrigatórios;

f) Estímulo à atividade docente em dedicação integral à escola, com tempo efetivo

para atividades de planejamento pedagógico, individuais e coletivas;

g) Projeto Político-Pedagógico implementado com participação efetiva da

Comunidade Escolar; e

h) Organização curricular, com fundamentos de ensino e aprendizagem, articulado

aos exames do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e às

matrizes de referência do novo ENEM. (BRASIL, 2009).

As escolas devem encaminhar seus projetos à Secretaria de Estado de Educação que,

por seu turno, deve selecionar os projetos de escolas que exigem atendimento prioritário e

elaborar um planejamento de trabalho, denominado Plano de Ação Pedagógica (PAP),

contendo metas e estratégias para o fortalecimento da gestão estadual e das unidades

escolares, e para a execução dos projetos selecionados. O Documento Orientador específica

ainda as etapas, os aspectos, as dimensões e as linhas de ação a serem considerados pelos

estados na elaboração dos projetos. Os PAPs devem ser apresentados à SEB/MEC para

análise e aprovação de financiamento.

O Programa Ensino Médio Inovador guarda semelhanças, em seu formato e

operacionalização, com os demais programas desenvolvidos pelo MEC, apresentando, no

entanto, importante avanço no que se refere à autonomia conferida à escola para a definição

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131

de ações. A possibilidade de oferta de disciplinas eletivas é bastante favorável: escola poderá

delinear o perfil de ensino médio mais de acordo com os interesses dos seus alunos.

4.5 A qualidade do ensino médio

A cada ano as avaliações sistêmicas, nacionais e internacionais, têm publicado

diagnósticos alarmantes sobre o nível de aprendizagem consolidado pelos concluintes do

ensino médio. O nível alcançado pela maioria é considerado “insatisfatório” ou “crítico”. Se

os jovens não estão aprendendo os conteúdos ensinados há uma questão urgente a ser

resolvida, que diz respeito à função não apenas da escola, mas também do Estado. A escola é

o espaço pensado e construído para a construção de conhecimentos, onde deve haver ensino e

aprendizagem, e, sem entrar no mérito dos conteúdos selecionados e inscritos no currículo

oficial, que é outra discussão; se não dá conta desse propósito, que é o principal e justifica sua

existência, vai dar conta de qual? Essa é uma questão, a outra se refere à atuação do Estado,

que proclama intenções mil para o setor educacional, adere a compromissos internacionais em

prol da educação de qualidade, promove uma reforma especial para o ensino médio, monta e

divulga todo um aparato, em termos curriculares, e ao mesmo tempo se esquiva de assumir os

compromissos; e diante do resultado desse processo não reconhece sua presença!? Ora, o tipo

de ações pensadas e implementadas, a forma como são conduzidas etc. tem muito a ver com

os resultados obtidos.

Resultados ruins são indícios de que as ações precisam ser revistas e reestruturadas. É

o processo conduzido pelo Estado que não está funcionado bem. Primeiro, vejamos os

números. Nas edições da avaliação internacional realizada pelo Programme for International

Student Assessment (PISA)37

, traduzido em português como Programa Internacional de

Avaliação de Alunos, o Brasil sempre alcançou níveis baixos de proficiência. Em 2006, por

exemplo, apenas 1,1% dos estudantes atingiram o nível mais alto de proficiência em Leitura,

isto é, 6, enquanto e 44,5% alcançaram pelo menos o nível 2. Neste nível, os estudantes

demonstram conhecimentos referentes a itens básicos de leitura, tais como situar informações

37

Trata-se de um programa internacional criado em 1998, que, sob a coordenação da OCDE, realiza a cada três

anos uma avaliação comparada do letramento em Leitura, Matemática e Ciências dos jovens da 7ª série em

diante, na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria

dos países. A cada edição do programa é dada maior ênfase em uma dessas áreas. Em 2000, a ênfase foi na

Leitura; em 2003, Matemática; e em 2006, Ciências.

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132

diretas, realizar inferências fáceis de vários tipos, determinar o que significa uma parte bem

definida de um texto e empregar certo nível de conhecimentos externos para compreendê-lo, e

naquele, demonstram conhecimentos referentes a itens de leitura sofisticados, tais como os

relacionados com a utilização de informações difíceis de encontrar em textos com os que não

estão familiarizados; mostrar uma compreensão detalhada destes textos e inferir qual

informação do texto é relevante para o item; avaliar criticamente e estabelecer hipóteses,

recorrer ao conhecimento especializado e incluir conceitos que podem ser contrários às

expectativas.

Em nível nacional, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB)38

é

o principal instrumento de diagnóstico da qualidade da educação. No Gráfico 4 são mostradas

as médias, mensuradas numa escala de 0 a 500, de desempenho em Língua Portuguesa e

Matemática de estudantes concluintes do ensino médio, calculadas a partir das avaliações

aplicadas no período de 1995 a 2007. Cada valor indica a média nacional nas edições da

avaliação, realizadas desde 1995. Constam, neste gráfico, os dados referentes às escolas

públicas urbanas, exceto as federais.

Gráfico 4: SAEB: Médias de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática - 3º ano do ensino médio -

1995 a 2007

Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO / INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E

PESQUISAS ANÍSIO TEIXEIRA, 2007.

38

Trata-se de uma avaliação diagnóstica, em larga escala, do nível da qualidade do ensino oferecido pelo sistema

educacional brasileiro. É uma avaliação amostral, realizada a partir de provas padronizadas das disciplinas

Língua Portuguesa, com foco na leitura, e Matemática, com foco na resolução de problemas; e questionários

socioeconômicos. O sistema começou a ser desenvolvido no final dos anos 80 e a prova foi aplicada pela

primeira vez em 1990, e desde então acontece em edições bienais. O público-alvo é composto de estudantes da

4ª e da 8ª séries do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio das redes pública e privada.

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133

Esses são valores consolidados, porém, são grandes as diferenças de desempenho entre

as regiões do Brasil e, sobretudo, entre os estados. Em 2002, a diferença entre a menor e a

maior nota foi de praticamente 25%. Observa-se que as médias, que já são baixas, vêm

sofrendo variações negativas.

Segundo, interroguemos a definição de qualidade em educação, posto da forma como

está hoje: em termos tão quantificados, porque as avaliações oficiais, enquanto instrumento

para mensurá-la, passaram a ocupar um espaço central na organização escolar e no processo

educativo prescrevendo o que e como ensinar. Que qualidade é essa? Quais são seus

referenciais? Qualidade para qual projeto de sociedade? É preciso pensar sobre o PISA, em

nível internacional, e o SAEB, em nível nacional, como instrumentos de projetos políticos

maiores... Quais países aderiram e aderem ao PISA? Quais pressupostos e intencionalidades

norteiam o SAEB? Como se dá a divulgação dos resultados das avaliações padronizadas

aplicadas por tais programa e sistema? Há problematização dos resultados por parte dos

agentes envolvidos nos processos de avaliação? O direito à educação é de fato contemplado

na concepção de qualidade subjacente às políticas de avaliação contemporâneas, que induzem

a busca por parâmetros medianos? Que princípios e objetivos estão incluídos nessa educação

de qualidade?

Há tempos Enguita, em seus textos, alerta-nos acerca dos “significados ocultos” nas

demandas de qualidade em educação, os quais amparados por discursos, não raramente,

traiçoeiros. Embora, ressalve-se que tais demandas encerrem em si uma necessidade legítima

e até mesmo natural, geralmente reclamadas tão logo sejam atendidas as demandas de

quantidade.

A questão da qualidade, de acordo com o mesmo autor, assumiu centralidade no

debate educacional, em substituição à questão da igualdade, o que não se deu por simples

acaso. A ênfase passa a ser posta na “diferença”, esta diretamente vinculada à competição.

Desse modo, à conotação de qualidade é atribuído o sentido de distinção segundo o modelo

ou tipo de ensino acessado.

No mundo do ensino, quando se quer fazer ajustá-la à da igualdade, a busca da

qualidade se refere à passagem das melhorias quantitativas às qualitativas. Não

apenas mais mas melhores professores, materiais e equipamentos escolares, ou horas

de aula, por exemplo. Mas a palavra de ordem da qualidade encerra também um

segundo significado: não o melhor (em vez do mesmo ou de menos) para todos mas

para uns poucos e igual ou pior para os demais. (ENGUITA, 2001, p. 107).

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134

O que está literalmente em jogo é a distinção entre sujeitos, bem como entre classes,

em vista de privilégios, uma vez que direitos são garantidos na igualdade.

Na luta individual e grupal pelos privilégios sociais, o que a educação oferece, mais

que a oportunidade de adquirir uma formação em si melhor ou pior, é a ocasião de

adquirir símbolos de status que logo se valorizarão nos mercados de trabalho e de

bens materiais e simbólicos. Na competição entre escola pública e privada, por

exemplo, a segunda acaba sempre ganhando, porque a simples opção por ela, entre

outras razões, denota já por si própria a busca de um ensino de qualidade. A suposta

qualidade de um ou outro ensino se associa, além disso, à suposta qualidade da

pessoa, não tanto como resultado quanto como ponto de partida. Os alunos

brilhantes “merecem” um ensino de qualidade, os da massa não, mas a seqüência se

inverte para pressupor o brilhantismo de todos que acodem às escolas de qualidade,

independentemente do fato de que para isso basta possuir os recursos econômicos

necessários. (ENGUITA, 2001, p. 108).

É evidente que não há neutralidade e imparcialidade em torno do discurso sobre

qualidade em educação, mormente do emanado dos guardiões de projetos de avaliação nos

moldes do PISA, haja vista o esforço em publicar rankings e comparações entre os

participantes a cada edição realizada.

Retomando a questão inicial sobre o problema da não-aprendizagem dos jovens no

processo educativo gerido pelo Estado, sugere-se a utilização dos resultados as avaliações

sistêmicas do nível médio em favor da garantia pelo direito à educação. Explico: a qualidade

aferida por essas avaliações pode ser útil aos que lutam pelo direito à educação, constituindo-

se em subsídios que fortaleçam a crítica à atuação e às políticas sociais implementadas pelo

Estado, que tenta amenizar as desigualdades com programas compensatórios, imediatistas e

transitórios quando, sob o regime democrático, o esperado seria o compromisso com os

cidadãos, um dever do Estado, e investimento em políticas sociais que conferissem direitos

aos sujeitos.

A pressão pela ampliação da oferta do ensino médio contribuiu, em certa medida, para

que o Estado reconhecesse a fragilidade do sistema educacional brasileiro. As iniciativas do

Estado, grosso modo, se restringiam às reformas curriculares, pouco se voltando para a

formação e valorização do trabalho docente e para a garantia de condições para a oferta de

ensino de qualidade. Lembrando que a garantia de um padrão de qualidade está posta tanto na

CF quanto na LBD.

A CF de 1988 trata desse tópico em dois artigos, quais sejam:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

[...]

VII - garantia de padrão de qualidade;

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135

[...]

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em

regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as

instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função

redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades

educacionais e padrão mínimo de qualidade de ensino mediante assistência técnica e

financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (BRASIL, 1988,

destaque nosso)

A LBD 9.394/1996 reitera o inc. VII do art. 206 e discrimina “padrão mínino de

qualidade”, referido no § 1º do art. 211:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

[...]

IX - garantia de padrão de qualidade;

[...]

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a

garantia de:

IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e

quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do

processo de ensino-aprendizagem. (BRASIL, 1996, destaque nosso).

A despeito do reconhecimento legal da conexão entre o financiamento e a qualidade

em educação, e mesmo da previsão, na forma da lei, de aplicação de fórmulas matemáticas

para o cálculo de valor mínimo por aluno a ser investido anualmente, municípios, estados e a

União fazem malabarismos para fugir às suas respectivas competências e obrigações. É

recente, por exemplo, o investimento, em nível nacional, na aquisição de livros didáticos. E

sempre que as questões do plano de carreira e do piso salarial para a categoria docente são

levadas para o debate no Congresso Nacional indisposições políticas são criadas entre os entes

federados.

A subvinculação orçamentária para o financiamento do ensino médio é um avanço

inegável na luta pela qualidade, muito embora o percentual de impostos arrecadados no país

destinado ao sistema educacional, como um todo, seja até o presente demasiadamente baixo e

insuficiente para arcar com todas as demandas da educação básica. E a União seja a esfera

administrativa que proporcionalmente contribui com a menor parcela para o atual sistema de

financiamento. Além da óbvia urgência em ampliar o percentual de recursos, sobretudo por

parte da União, é preciso criar estratégias para reduzir as disparidades entre os sistemas de

ensino e as regiões.

Pensar a qualidade do ensino no Brasil requer a análise dessas e de outras dimensões

do sistema educacional, assim como a reflexão sobre a fixação de parâmetros de qualidade

para a educação pública e, por conseguinte, a execução de intervenções radicais. É sabido o

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136

quanto são conflitantes tais dimensões porque envolvem interesses das elites no poder, e, ao

mesmo tempo, o quanto são inevitáveis mudanças radicais, caso se queira positivar o direito

de todos à educação pública, gratuita e de qualidade, especialmente em nível médio,

historicamente negligenciado e mesmo ignorado pelo Estado.

O ensino médio ofertado pelo Estado carece de muito mais atenção e investimento em

sua estrutura, a bem da verdade, de ações bem diferentes das realizadas até então, para

efetivamente melhorar a qualidade.

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137

5 A IDENTIDADE DO ENSINO MÉDIO

5.1 Ensino médio: pra que te quero?

A rede pública de ensino responde por mais de 88% das matrículas no nível médio de

ensino, atendendo atualmente a mais de 8,3 milhões de jovens39

. Entende-se que a vivência da

subjetividade por parte do jovem incorre na oportunidade de ter sua própria produção

sociocultural, o que passa, sem sombra de dúvida, pelo acesso à educação. Entende-se ainda

que os jovens componham uma categoria social específica, distinta, dinâmica e atuante na

sociedade, e que possui, portanto, uma identidade própria, contrastante com as demais

categorias sociais (infâncias, adultos, idosos). Mas, quem são os sujeitos que a constituem?

Simões (2009), na qualidade de representante do MEC em um workshop, organizado pela

UNESCO, para a discussão sobre a proposta de integração do ensino médio regular à

educação profissional, registrou dados bastante relevantes para a descrição, de caráter

positivo, dessa categoria na sociedade brasileira.

Dos 35 milhões de brasileiros de 15 a 24 anos, 22 milhões fazem parte da população

economicamente ativa (PEA) e, destes, 18 milhões estão na economia informal. É

trabalho sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas e com baixa remuneração.

Os dados do IBGE demonstram que o jovem está trabalhando, mas um grande

percentual deles não recebe remuneração. Não estamos falando apenas de trabalho

doméstico ou por conta própria, mas também de trabalho escravo. Os dados ainda

mostram que, quando é remunerado, o jovem adolescente recebe menos de um

salário mínimo, numa relação de trabalho extremamente precária. Em 70% das

famílias nas quais há jovens de 15 a 17 anos a renda mensal não chega a um salário

mínimo per capita, sendo que 40% dessas famílias vivem com renda mensal inferior

a meio salário mínimo per capita. O Brasil tem 10 milhões e 400 mil pessoas na

faixa dos 15 aos 17 anos de idade, e 24 milhões na faixa dos 18 aos 24 anos. Na

faixa de 15 a 17 anos a taxa de escolarização é de 82%; ou seja, 18% (ou quase dois

milhões de jovens) não estão na escola. E um grande percentual de adolescentes

nessa faixa etária, na qual deveriam cursar o ensino médio, ainda está no ensino

fundamental. Na faixa de 18 a 24 anos, a taxa de quem não tem escolaridade e não

está estudando é extremamente elevada, quase 70%; e também não são poucos os

analfabetos nessa faixa etária. Destacamos um indicador crescente no Brasil e no

mundo, um fenômeno social surpreendente: a grande quantidade de jovens dos 15

aos 17 anos que não estudam e nem trabalham. (SIMÕES, 2009, p. 97-98).

O conjunto de indicadores quantitativos expõe a lamentável situação em que se

encontram milhares jovens brasileiros das classes populares: negligenciados por instituições

39

Dados do Censo Escolar 2009 divulgado pelo MEC.

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138

sociais à revelia dos direitos que lhes assistem; estes positivados em vários dispositivos

constitucionais. Expõe também a fragilidade e/ou omissão do Estado na condução de políticas

públicas para a superação das desigualdades da estrutura social. Tais desigualdades tornam

vívido o retrato do contexto social no Brasil, que coloca enormes dificuldades e obstáculos à

condução (com êxito) dos projetos de vida da maioria dos jovens, mormente das classes

populares.

Sob o prisma conceitual, renomados autores40

optam por referir-se às juventudes41

no

plural para ressaltar que os jovens constituem uma “realidade plural e multifacetada”.

A expressão aparece em discursos públicos, textos e documentos variados da esfera

governamental, acadêmica e da sociedade civil. Ainda que a simples utilização dessa

expressão não garanta, por si só, a percepção da complexidade das realidades

vividas pelos(as) jovens, denota certo cuidado contra as generalizações que

simplificam ao unificar o diverso e o desigual. O plural na referência à juventude é o

reconhecimento do peso específico de jovens que se distinguem e se identificam em

suas muitas dimensões, tais como as de gênero, cor da pele, classe, local de moradia,

cotidianos e projetos de futuro. (IBASE/POLIS, 2005, p. 8).

Contudo, na base ideológica sobre a categoria das juventudes nos debates públicos (na

política, nas mídias etc.), que se impõe através de políticas públicas dirigidas às juventudes,

estão as correntes que se contrapõem ao entendimento da pluralidade que caracteriza o

universo dos jovens. Evidencia-se, sobretudo a partir dos anos 90, uma representação social

40

Consultar a respeito, as coletâneas de textos sobre os jovens brasileiros: Juventude e contemporaneidade

(2007) e Juventudes: outros olhares sobre a diversidade (2007). 41

Esteves e Abramovay problematizam uma questão importantíssima: “a sociedade, até hoje, tem uma enorme

dificuldade em conceber o jovem como sujeito de identidade própria, oscilando entre considerá-lo adulto para

algumas exigências e infantilizá-lo em outras tantas circunstâncias”. As representações sociais sobre as

juventudes são difusas e variadas, algumas delas até se contrapõem. E são essas concepções que embasaram as

políticas públicas para os jovens. As principais correntes são as que os tratam:

“De maneira dualista e maniqueísta. Se, de uma parte, são considerados como o futuro das nações, os

responsáveis pelo advir, de outra são acusados de pensar e agir de modo irresponsável no presente. Dessa forma,

ainda que a eles seja conferida a esperança e imputada a responsabilidade por um mundo melhor, ao mesmo

tempo são obrigados a conviver com o medo e a desconfiança que a sociedade neles deposita, situação que se

agrava ainda mais na medida em que também são concebidos como aqueles que, via de regra, não produzem,

dependendo economicamente das populações mais velhas.

De forma adultocrata, por meio, entre outros mecanismos, do estabelecimento de relações tensas e

assimétricas entre jovens e adultos. Na medida em que as populações mais jovens são consideradas

potencialmente capazes de contestar, transgredir e reverter a ordem estabelecida – ordem essa obviamente

imposta pelo mundo adulto –, os mais velhos, no tratamento com as juventudes, na maioria das vezes lançam

mão de estratégias e posturas essencialmente conservadoras, rígidas, denunciando o quão limitada a sua

aproximação com o universo juvenil.

Imputados de culpa. A juventude é constantemente associada à ameaça social, à criminalidade, à

delinqüência, como se o ser jovem implicasse, de forma potencializada e direta, no desvio e na transgressão

criminosos, cujos desdobramentos seriam capazes de colocar em risco tanto a sua própria integridade física e

moral quanto a de toda a sociedade. É nesse sentido que se verifica o grande efeito que tem, no imaginário

social, a divulgação sistemática de estatísticas e informações dando conta do avanço das taxas de criminalidade e

violência entre as populações mais jovens.” (ESTEVES; ABRAMOVAY, 2007, p. 26-27).

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marcadamente negativa, pois, de modo geral, limita-se às questões de violência,

desigualdades sociais, desregramentos e desvios a serem evitados. Sposito acrescenta:

Os segmentos juvenis têm sido caracterizados, nas últimas décadas, pela extrema

acentuação de seus traços individualistas, pela apatia política e pelo desinteresse nas

relações com a esfera pública; seriam os jovens, assim, apenas a expressão radical de

uma sociedade que esgotou as modalidades públicas de construção de sujeitos e

atores, voltando-se sobre si mesma, em um momento de exacerbação da esfera

íntima e de interesse de natureza individualista. (SPOSITO, 2006, p. 215).

Essa autora problematiza o debate sobre as juventudes ao trazer a questão da mudança

nas formas de organização de ações coletivas, em torno de grande diversidade de interesses,

no Brasil.

As representações citadas alimentam e reproduzem a ideia de incapacidade e

heteronomia dos jovens mediante a vida social. Os jovens enquanto sujeitos sociais têm

direito a espaços e tempos que lhes assegurem a vivência plena nessa fase da vida. Agora,

quais são os espaços e tempos facultados pelas políticas públicas? Qual é a natureza, quais são

os objetivos, qual é a estrutura e como funcionam as políticas públicas em vigor? São elas

suficientes para atender ao contingente atual de jovens? Como é o atendimento?

Até bem pouco tempo era ignorada na análise sobre o espaço escolar “a realidade

concreta dos múltiplos pertencimentos dos sujeitos, das relações que estruturam a identidade,

tanto individual como coletiva” (SPOSITO, 1996, p. 98), tanto que os pesquisadores se

utilizavam de categorias como aluno, estudante e mesmo trabalhador, em suas interpretações

de fenômenos sociais investigados sem se aterem às dimensões de geração e gênero. Segundo

a mesma autora,

é preciso considerar que o momento da juventude é rico em manifestação da

sociabilidade, sendo as dimensões expressivas muito mais fortes do que as

orientações de caráter instrumental. Ou seja, as formas coletivas e grupais que

surgem, às vezes de modo fluido e fragmentário, tendem a incidir muito mais para a

manifestação de um desejo de ser, daí a natureza expressiva, do que para a lógica

racional-instrumental voltada para a consecução de algum fim imediato. (SPOSITO,

1996, p. 100).

Nesse sentido, é imprescindível organizar espaços e tempos coerentes com as

singularidades e demandas das juventudes. O que abrange, outrossim, os espaços e tempos

escolares, pois, após quinze anos, a situação descrita a seguir não foi alterada de modo

expressivo. Vejamos:

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140

Os espaços hoje capazes de propiciar essas formas de agrupamento são raros e, neste

campo, há um enorme vazio por parte do Estado em oferecer políticas públicas,

especialmente destinadas aos setores jovens. Na maioria das vezes, as relações

sociais mais significativas são gestadas fora da escola e da família, as tradicionais

instituições socializadoras. O mundo do trabalho, quando é precocemente

introduzido no universo do jovem pobre, nem sempre estrutura sua identidade de

forma nítida. Ao que tudo indica, a sociabilidade tecida pela mediação dos vínculos

com o mundo do trabalho tende a exercer menor força na conformação da identidade

do jovem. Ao que parece, o trabalho torna-se mais fonte de renda, ou seja, um mero

emprego, do que o exercício de um ofício que ofereça realizações pessoais.

(SPOSITO, 1996, p. 100-101).

Tudo isso corrobora a necessidade de se rever, repensar e reconfigurar as ações para o

nível médio de ensino. Estas ainda limitadoras das manifestações da sociabilidade das

juventudes.

O ensino médio é a principal e mais abrangente, em termos qualitativos e

quantitativos, política pública voltada para a formação dos jovens. Assim, eles projetam

expectativas, bem como se preocupam com a educação da qual dispõem. Não estão alienados

do debate sobre os problemas sociais do país, enquanto conjuntura maior. Os jovens percebem

com clareza as dificuldades e os problemas que os atingem de modo mais direto, tais como: as

falhas nos sistema de educação (em razão, por exemplo, da carência de recursos para criar

melhores condições nas escolas, da falta de professores especializados e de materiais

didáticos); a dificuldade de encontrar um emprego; a carência de espaços apropriados para a

realização de atividades de cultura e lazer etc. Outrossim, percebem que os problemas podem

ser enfrentados e resolvidos, desde que haja vontade da sociedade como um todo, sobretudo

dos governantes.

A pesquisa Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas

públicas 42

ouviu e debateu com jovens brasileiros, da faixa etária de 15 a 24 anos de idade,

num total de oito mil (30% compreendia a faixa de 15 a 17 anos), os limites e possibilidades

da participação das juventudes nos processos sociais e políticos, considerando a relevância de

sua inserção para a consolidação da democracia, governo em que deve haver espaço para os

cidadãos participarem.

O relatório dessa pesquisa traz dados tão interessantes quanto importantes sobre o que

pensam os jovens, reafirmando a impertinência das concepções que os tomam por imaturos,

42

Realizou-se entre julho de 2004 e novembro de 2005, no DF e nas regiões metropolitanas de sete capitais

brasileiras, a saber: Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. A

pesquisa baseou-se num levantamento estatístico, por meio da aplicação de questionário em amostra do universo

(8.000 jovens), aliado a um estudo qualitativo através de Grupos de Diálogo (GDs), em que participaram 913

jovens. O perfil do universo pesquisado, em termos de variáveis sobre a escolaridade, frequência e evasão por

região, regulou com as estatísticas oficiais.

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apáticos, alienados, rebeldes, violentos etc. Nesse sentido, a pesquisa adverte sobre o discurso

indevido, em tom de denúncia, sobre a omissão dos jovens nos processos coletivos, sobretudo

políticos.

Muitas vezes há exagero quando se denuncia a “apatia juvenil” e se deixa de

perceber que a “crise de participação cidadã” é fenômeno social ampliado que atinge

todas as faixas etárias da população [...] Não é incomum que dados de pesquisas de

opinião pública sejam distorcidos pelas mídias que pintam quadros que apresentam

os(as) jovens contemporâneos(as) como conservadores(as) e sem perspectivas, ou

seja, nova geração, porém, politicamente mais velha do que seus próprios pais, que

teriam contestado o “sistema” e empreendido a “boa luta” de gerações contra valores

adultos dominantes. (IBASE/POLIS, 2005, p. 8-9).

Sobre a participação política, constatou que os jovens com idade superior a 18 anos e

os jovens mais escolarizados, ensino médio completo ou mais, são os que se consideram mais

ativos politicamente. E, ao contrário, os jovens na faixa etária de 15 a 17 anos e os jovens com

menor escolaridade, ensino fundamental incompleto, são os que afirmam não procurar se

informar nem participar em assuntos e atividades políticas. A escolaridade refletiu-se também

no percentual de participação em grupos, considerando não apenas grupos estudantis e

político-partidários, mas os de caráter religioso, desportivo e artístico (música, dança e teatro),

que inclusive foram os três tipos mais frequentes. Os jovens mais escolarizados são os que

mais participam de atividades coletivas organizadas43

. É explicito, contudo, o lamentável

processo de usurpação do tempo para as experiências propriamente juvenis imposto aos

jovens das camadas populares que, desde muito cedo, por vezes, desde a infância, se veem

obrigados a ocupar a maior parte do seu tempo com o trabalho, por imperativo de uma

questão até mesmo de sobrevivência. Esses jovens se tornam adultos precocemente, no que se

refere às responsabilidades que assumem, em face à desigualdade social. Muito bem assinala

Freitas, na introdução do livro Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na

juventude, sobre os tempos próprios, com vivências típicas, tanto das juventudes quanto das

infâncias: “o fato é que o direito a um tempo de criança ou a um tempo de ser jovem está

sujeito, cada vez mais, a um número de variações e restrições explícitas ou veladas.”

(FREITAS, 2006, p. 10).

Nesse contexto, a ausência ou baixa frequência desses jovens em grupos,

especialmente os de interesse político, são desdobramentos de um cenário desfavorável a

experiências coletivas, as quais requerem dedicação de tempo livre.

43

Outros aspectos são considerados, como o pertencimento a classe social: os jovens das classes de maior poder

aquisitivos são os mais escolarizados e dispõem de mais opções, oportunidades e condições de participação em

atividades de grupos. Eles têm, por exemplo, um “maior tempo liberado do trabalho”.

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Apesar disso, têm-se aqui dados que se referem ao efeito negativo que a ausência no

nível médio de ensino pode causar na vivência da cidadania por parte dos jovens. Por outro

lado, indicativos do potencial do ensino médio para a formação do sujeito que possa

reivindicar os direitos de cidadania.

Os jovens, embora sejam diferentes em muitos aspectos, são iguais, do ponto de vista,

sociológico no essencial: o direito de acesso às condições para o exercício da cidadania. E

percebem os empecilhos que se colocam à concretização disso. Não de se admirar que a

educação tenha sido um dos itens mais citados pelos jovens, quando questionados sobre suas

maiores preocupações. Tanto que, conhecendo o quadro geral da educação no país,

demandam outra postura do Estado:

A reivindicação dos(as) jovens por mais investimentos e verbas em educação é

seguida pelo reconhecimento de um “descaso” dos governantes em relação à área.

Não se trata da iniciativa de um ou outro governo, mas há a percepção dos(as)

jovens em relação a um processo que se arrasta na história da educação e na história

política do nosso país: a educação, como um direito social e um dever do Estado,

não tem sido prioridade política. (IBASE/POLIS, 2005, p. 25).

E, dentro da educação, a maior demanda apresentada pelos jovens é a expansão do

ensino médio. O que pode ser explicado pela correlação direta que fazem dessa etapa da

educação básica com a preparação para o vestibular e/ou para o trabalho. Também demandam

a ampliação do número de professores nas escolas, e professores mais qualificados e melhor

remunerados44

; a implementação de melhores currículos, metodologias, material didático e

mais atividades extras, como passeios, visitas, palestras, laboratórios; investimentos na rede

física das escolas; e a oferta de cursos profissionalizantes de qualidade.

O ensino médio que, em princípio, deveria proporcionar o desenvolvimento

intelectual, ético e crítico para a inserção e atuação efetiva dos jovens na sociedade, tem

funcionado como uma ponte entre o nível de escolaridade mais elementar, o ensino

44

Transcreve-se o trecho da pesquisa que relata a percepção interessante dos jovens em relação à temática da

formação docente: “os jovens demonstram um entendimento sobre a complexidade da questão, relacionando esta

demanda com outras, tais como a valorização dos(as) docentes, o que inclui um salário melhor, e o incentivo, por

parte do Estado, para que os(as) professores(as) possam „melhorar sua didática‟ ou, então, para que „estejam

mais motivados‟ para o exercício do magistério, a fim de „despertar o interesse do aluno‟. Também sugerem que

a pouca qualificação dos(as) professores(as) e sua baixa remuneração trazem „danos para a educação‟, uma vez

que os(as) profissionais demonstram pouca motivação para realizar seu trabalho, imputando aos(às) estudantes a

responsabilidade pela educação de baixa qualidade que recebem. Ao mesmo tempo em que falam da baixa

qualificação dos(as) professores(as), os(as) jovens valorizam a presença desse(a) profissional em seu processo de

amadurecimento e crescimento: „o professor tem uma parcela muito importante, assim, na vida de qualquer

pessoa‟ (Rio de Janeiro). A falta de docentes nas escolas é percebida como causadora de profundos danos na

vida dos(as) estudantes, principalmente aqueles relacionados à sua vida futura e à inserção no mercado de

trabalho[...]” (IBASE/POLIS, 2005, p. 24).

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fundamental, e o mais sofisticado, o ensino superior, não atendendo à maioria dos jovens.

Cientes dos obstáculos para o acesso ao ensino superior, apontando principalmente o número

de vagas e o despreparo para concorrer no vestibular, os jovens esperam do ensino médio

condições para superá-los. Muitos desejam ir para a universidade:

Para os(as) participantes dos GDs, a inacessibilidade ao curso superior parece se

constituir um grande entrave ao sonho da profissionalização ou do crescimento

profissional e a todas as garantias que a ele estão associadas, ainda que

imaginariamente. Percebe-se, ainda, nos depoimentos dos(as) jovens, que a vaga no

Ensino Superior a que os(as) jovens se referem nos Grupos de Diálogo não é

qualquer uma, mas sim a da universidade pública. (IBASE/POLIS, 2005, p. 26).

Na pesquisa Ensino médio: múltiplas vozes se verificou a tendência dos jovens

pesquisados em estabelecer uma hierarquia entre os papéis desempenhados pelo ensino

médio. Na percepção da maioria dos jovens45

, a finalidade primeira do ensino médio é a

preparação para o vestibular; a “escola de qualidade” é aquela que dá acesso ao ensino

superior. Essa percepção varia um pouco conforme a dependência administrativa (pública ou

privada), o turno e o nível socioeconômico. Estudantes do período noturno, muitos deles

trabalhadores, tendem a apontar a preparação para o trabalho em vez do vestibular. Os que

assim fazem, identificam na escola o espaço de instrumentalização para se alcançar e/ou

permanecer em “posto de trabalho”, algo bem diferente de preparação para o trabalho, que

supõe consideração dos interesses pessoais na definição do ramo de atuação e da própria

profissão. O sentimento de insegurança mediante as exigências do mercado é constante: “há

uma noção cara aos atores de que o mercado de trabalho está sempre se inovando e

apresentando novos desafios aos trabalhadores. Entendem que a escola deve, então,

instrumentalizá-los com práticas ligadas à informática e aos laboratórios.” (ABRAMOVAY;

CASTRO, 2003, p. 193). Essas questões reapareceram na pesquisa Juventude Brasileira e

Democracia: participação, esferas e políticas públicas, quando os jovens apontaram o

trabalho como uma preocupação, devido à restrição do mercado para eles, à dificuldade em

conseguir o primeiro emprego e ao preconceito por serem jovens e inexperientes.

O lugar do trabalho entre as preocupações dos(as) participantes confirma o que vem

sendo apontado em diversos estudos, ou seja, que a incerteza e a apreensão com a

busca ou perda de postos de trabalho – processos diretamente relacionados com a

45

Ver pesquisa Ensino médio: múltiplas vozes, organizada por Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro. Trata-

se de uma pesquisa nacional, realizada a partir de dados amostrais de escolas públicas e privadas de treze capitais

brasileiras, quais sejam: Rio Branco, Macapá, Belém, Teresina, Maceió, Salvador, Cuiabá, Goiânia, Curitiba,

Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, sobre as percepções dos alunos, professores, diretores

e outros membros da comunidade escolar em relação a vários aspectos do ensino médio.

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obtenção do primeiro emprego e a falta de oportunidades no mercado – são uma

constante na vida dos(as) jovens, especialmente, daqueles(as) dos setores populares

que desde muito cedo sofrem as pressões para a inserção no mundo do trabalho.

(IBASE/POLIS, 2005, p. 19).

No Brasil, o problema estrutural do desemprego é associado frequentemente a algumas

assertivas duvidosas e até enganosas, como, por exemplo, que sobram vagas porque não há

profissionais preparados e experientes, que a inexistência de “mão-de-obra qualificada”

impede o desenvolvimento do país, para imputar aos trabalhadores, aos desempregados e aos

que buscam o primeiro emprego, no caso, os jovens, uma responsabilidade indevida. O

problema é consequência de uma gestão que privilegia o mercado, tanto que o aumento da

oferta de empregos não é proporcional à taxa de crescimento do país; e o Governo Federal

recua quando os sindicatos propõem alterações nas leis trabalhistas, como a redução da

jornada de trabalho. Essa seria uma medida que abriria muitas oportunidades de trabalho a um

determinado custo para o Governo e para o setor privado. Este está irredutível, entende que

custo equivale à perda de lucro, o que torna a medida inegociável; e aquele, indifente. O

impasse permanece, bem como a ideia de que é preciso se “qualificar” mais e mais e sempre

para chegar às supostas e almejadas oportunidades de trabalho que conduzirão às carreiras de

sucesso.

A segunda finalidade do ensino médio, na percepção dos jovens, correlaciona-se à

questão da formação profissional, é a preparação para a construção de “um futuro melhor”. As

expectativas que esses jovens têm de mudança e melhoria das condições de vida, em termos

socioeconômicos, associam-se à conclusão de algum curso em nível superior.

A despeito das prescrições formalmente estabelecidas para o nível médio de ensino

pela legislação, os atores entrevistados definiram enquanto funções e finalidades: preparação

para o vestibular, busca de um futuro melhor, preparação para o mercado de trabalho e

educação para a cidadania, dissociando as noções de trabalho e cidadania, integradoras no

processo de formação geral conforme os documentos oficiais. Para Abramovay e Castro,

tais horizontes não necessariamente se mesclam à atenção por uma educação para a

cidadania, diferentemente do que é defendido pela atual LDB, que tende a

integralizar finalidades, o que sugere que esse discurso ainda não foi efetivamente

incorporado à prática docente e aos horizontes dos alunos. (ABRAMOVAY;

CASTRO, 2003, p. 163).

Da LDB se desdobraram diretrizes, parâmetros e orientações que privilegiaram

propósitos econômicos em detrimento dos formativos. Os programas implementados desde a

LDB não tiveram capacidade ou meios de tornar realidade a “formação para a cidadania”.

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145

Compreende-se que o fato de os jovens apresentarem, em suas percepções e opiniões,

concepções que remetem direta ou indiretamente à empregabilidade, flexibilidade,

produtividade, competitividade tão ao gosto do neoliberalismo propagado por agências

financeiras internacionais, mormente o BM que desempenhou e desempenha papel central na

organização capitalista na medida em que garante políticas mais convenientes aos interesses

das elites dos países que detém a hegemonia econômica, indica que a reforma dos anos 90

surtiu efeitos, que o discurso se propagou e orienta as práticas.

A reforma contribui para a consolidação entre os jovens de uma concepção de ensino

médio. O ensino que eles querem é aquele que prepara para o vestibular e condiciona um

futuro melhor.

Diferentemente da posição dos defensores da teoria da reprodução e da privação

sociocultural [...] os atores desta pesquisa minimizam condicionantes estruturais que

limitam o desempenho e a trajetória individual e tendem a enfatizar a importância da

escolarização de nível médio para vir a ter uma melhor posição social. Assim, ainda

que critiquem a escola, tendem a depositar nela a confiança de que essa possa

modificar destinos de classe. (ABRAMOVAY; CASTRO, 2003, p. 163-164).

As políticas do MEC formaram, nem que seja no plano do imaginário, uma identidade

para o ensino médio: continua dualista, a ênfase não é dada à dimensão formativa, pensando

no desenvolvimento da autonomia do sujeito para lidar com as múltiplas dimensões da vida

em sociedade, inclusive a cidadania.

Neste sentido, as políticas públicas para o ensino médio não contribuíram tanto quanto

deveriam para a expansão do direito à educação, entendido enquanto direito fundamental de

caráter social. Credita-se ao pragmatismo inerente às propostas parte da responsabilidade pela

permanência da oferta de um ensino que ainda não satisfaz às necessidades e demandas dos

jovens.

5.2 Impasses

Pensar a identidade do ensino médio e a função social que lhe são atribuídas na

contemporaneidade é pensar seus impasses. Sendo que alguns deles permanecem inalterados

desde os primórdios da oferta desse nível de ensino.

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A incorporação do ensino médio à educação básica, por si só, evidentemente, não

resolveu os problemas históricos deste nível, tais como a universalização do acesso, a

qualidade do ensino e a identidade. Tudo isso é ressignificado com a EC nº 59/2009, e a

universalização torna-se a questão que mais rapidamente poderá ser resolvida. As outras

procederiam de investimentos de outra natureza que não a quantitativa.

A expansão em termos de matrícula foi alta e progressiva no decurso da década de 90

e do primeiro quadriênio dos anos 2000, fenômeno explicado pelo grande contingente de

jovens com mais de dezoito anos até então fora da escola. Desde o ano de 2005 o número de

matrículas vem declinando: a repetência e a evasão explicam, em parte, tal fato. O que

acontece na trajetória escolar dos jovens do ensino médio que não lhes possibilita a promoção

e a conclusão bem-sucedidas? Por que muitos jovens desistem do ensino médio? São variados

os motivos: vão desde a necessidade de priorizar o trabalho para o sustento próprio e da

família até o desinteresse pelo ensino ofertado.

Evidenciou-se na história da educação pública a coexistência de dois ramos distintos e

paralelos: o ensino elitista e o ensino popular. Até há pouco tempo aquele abrangia o ensino

médio, situação que se alterou com a universalização do ensino fundamental. Tudo indica que

quando se fala de ensino médio ofertado pelo Estado hoje, ao contrário de outros momentos,

refere-se à educação popular também. Mas quando o ensino médio deixa de ser reservado aos

filhos das classes privilegiadas, quando passa a ser ofertado a todos ou quase todos, tornando-

se enfim um direito, ocorre algo grave: a identidade de outrora já não serve mais e o Governo

demonstra dificuldade, resistência, desinteresse em estabelecer outra que atenda às demandas

do novo público.

O ensino médio insiste em um currículo, na prática, conteudista que tem como

horizonte os exames para a admissão numa faculdade ou universidade, mesmo que hoje os

sentidos e as incumbências de sua certificação sejam outros. A distinção não mais conferida

pelo ensino médio começa a ser buscada no ensino superior.

A tensão entre a educação de caráter geral, destinada ao ensino superior para a

formação de intelectuais que ocuparão os cargos de liderança e direção, e a de caráter

específico, destinada ao ensino técnico-profissionalizante para a formação do contingente

instrumental necessário ao processo produtivo, está instalada desde o princípio da história do

ensino médio no Brasil. Desde sua concepção, organizou-se num modelo dual que, à revelia

das (reiteradas) críticas e propostas de integração, persiste e tem-se acentuado. Kuenzer

assevera:

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147

a história do ensino médio é a história do enfrentamento desta tensão, que tem

levado, não a síntese, mas à polarização, fazendo da dualidade estrutural a categoria

de análise por excelência, para a compreensão das propostas que vêm se

desenvolvendo a partir dos anos 40. (KUENZER, 2000a, p. 10).

A dualidade, a que a autora se refere, é determinada por elementos da estrutura social,

de maneira que a escola legitima e reproduz desigualdades entres as classes e os estratos

sociais. O projeto políticopedagógico não será suficiente para superá-la, já carrega marcas

profundas dessa dualidade. As DCNEM, sob a capa da formação integral, privilegiam

concepções utilitárias e impõem a preparação para o mercado de trabalho, não restando

alternativas às escolas: são obrigadas a contemplar as diretrizes. Contudo, as pesquisas com os

jovens, citadas anteriormente, mostram que nem isso o ensino médio está dando conta de

oferecer efetivamente. Quando concluem o curso, milhares de jovens não têm garantido o

acesso ao mercado de trabalho.

Verifica-se que, em alguns momentos da história do ensino médio, a dualidade foi

admitida de forma velada, em outros, não só admitida, mas imposta sob força de lei. Exemplo:

a Reforma Capanema impôs a distribuição dos tipos de ensino conforme a divisão social: aos

pobres caberia o ensino profissionalizante para o suprimento imediato do mercado de trabalho

então crescente e carente de mão-de-obra, e aos ricos caberia o ensino secundário de caráter

geral para a formação das “individualidades condutoras”, ou seja, dos sujeitos que viriam a

assumir os cargos de direção, tanto no setor público quanto no setor privado.

A escola de ensino médio desincumbida desta última atribuição, que foi transferida ao

ensino superior, ficou com a função de preparar os jovens para o atendimento às exigências

do processo produtivo. E ainda assim não rompeu com a dualidade porque ratifica as

desigualdades sociais.

A superação da dualidade no ensino pressupõe uma mudança radical na estrutura

social e, ao mesmo tempo, na estrutura educacional. O nível médio deve proporcionar uma

formação que contemple a cultura, a ciência e o trabalho. Aos jovens devem ser dadas

oportunidades reais de escolha de profissão, de projeto de vida. Há uma corrente no campo

educacional que trabalha a ideia de integração entre as dimensões dissociadas pelo sistema

dual através da integração do ensino médio regular e ensino profissional. Frigotto; Ramos;

Ciavatta (2007), estudiosos das relações entre escola e trabalho e políticas de educação

profissional, entendem que a integração não se dá através do acréscimo de um ano de

disciplinas profissionalizantes aos três do curso regular de nível médio ou através da

sobreposição de disciplinas dos dois tipos de ensino em único curso.

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148

A idéia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente

pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e ação de pensar, dirigir ou

planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho em seu aspecto

operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na gênese

científico-tecnológica e na apropriação histórico-social. Como formação humana, o

que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito de

uma formação completa para a leitura de mundo e para a atuação como cidadão

pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação

que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os

fenômenos. (CIAVATTA, 2005, p. 85).

A integração não é uma proposta recente no Brasil: desde o movimento dos Pioneiros

da Educação Nova, este sob grande influência de John Dewey, vem sendo pensada e

discutida. Os signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova propuseram a

seguinte organização para a referida etapa de ensino:

A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores

manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a

posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com

os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências

químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez,

em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais,

decorrentes da extração de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de

pesca) da elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da

distribuição dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio).

(MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

Todavia, as medidas apresentadas pelo Governo Federal foram extremas, pela natureza

homogeneizante e pela intransigência, e não fizeram superar o problema da dualidade. Ora

impôs a profissionalização geral, universal e compulsória no nível médio, por meio da lei nº

5.692, em 11 de agosto de 1971, com os objetivos anunciado de conferir a todos os egressos

“a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-

realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”

(art. 1º); e implícitos de formar um contingente para o processo produtivo num momento de

“milagre econômico” e conter a pressão para o acesso ao ensino superior. Ora impôs a

dissociação entre os currículos dos ensinos médio e técnico, por meio do Decreto nº 2.208, de

1997, acirrando o dualismo nesse nível de ensino. Convém salientar a concepção de

“profissionalização adestradora” (FRIGOTTO, 2007, p. 1.141) contida no texto deste decreto,

que estabeleceu como objetivos para a educação profissional.

I - promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e

adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de

atividades produtivas;

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149

II - proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades

específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio, superior

e de pós-graduação;

III - especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalhador em seus conhecimento

tecnológicos;

IV - qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com

qualquer nível de escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no

exercício do trabalho. (BRASIL, 1997, destaque nosso).

O Governo buscou, em ambos os casos, estabelecer uma formação para o mercado à

custa de projetos imediatistas a serem operacionalizados em condições precárias.

Tem-se mostrado insuficiente diante das demandas apresentadas pelos jovens o

modelo de ensino médio concebido na reforma dos 90, conforme as DCNEM e os PCNEM,

por não preparar nem para o vestibular nem para mercado de trabalho:

Alguns membros da comunidade acadêmica [...] são críticos em relação à

desvinculação entre a formação profissional e o ensino médio, assim como ao

modelo de competências que impõe a sujeição da educação aos ditames do mercado.

Cabe agora alargar a abordagem considerando os problemas concretos vivenciados

pelos jovens que freqüentam hoje o ensino médio e as reais possibilidades de

inserção profissional que estes podem vislumbrar. Se as novas tecnologias, a

sociedade da informação e a flexibilização podem ser idéias sedutoras associadas a

algumas tendências da economia mundial, lançando novas luzes na equação

educação-trabalho, há outras igualmente pertinentes, mas muito mais sombrias,

como o desemprego estrutural, a informalização e a precarização do trabalho.

(ABRAMOVAY; CASTRO, 2003, p. 156).

As autoras provocam o debate sobre os limites da atuação da escola numa sociedade

extremamente desigual, no plano socioeconômico, por vezes deslumbrada pelas aparentes

benesses de processos como a globalização, contexto que é complexo por demais. Há também

certa tensão entre esses limites e as potencialidades da escola de ensino médio. O que de fato

ela pode proporcionar aos jovens? Nas pesquisas vistas, considerando o anseio geral por

mobilidade social, é depositada a esperança de que condicione o acesso aos caminhos que

conduzirão a essa mobilidade, ao mesmo tempo, é forte a presença da concepção

meritocrática.

Percebe-se [...] a reprodução de um discurso hegemônico que, mesmo admitindo a

organização da sociedade em classes sociais, considera que para essas abre-se a

possibilidade de mobilidade e que esta mobilidade depende do mérito de cada um.

Desta forma, infere-se a partir da análise dos depoimentos, a demanda por

mobilidade social e a expectativa de que o ensino médio a viabilize. Esse é o

imaginário revelado na fala de alunos, professores e demais membros do corpo

técnico-pedagógico quando tratam das finalidades do ensino médio.

(ABRAMOVAY; CASTRO, 2003, p. 164).

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150

Outro ponto primordial é o conceito de qualidade do ensino. Há indícios de que o

Estado contrapõe qualidade e quantidade porque conseguiu ser eficiente quando atendeu a um

público menor, os filhos das elites, mas não consegue o mesmo feito universalizando o ensino

médio. Quando a educação se torna direito de todos e o Estado é obrigado a proteger e

garantir esse direito, começa a ser ofertado um ensino precário, totalmente esvaziado do

potencial de formação, para a transformação da vida dos sujeitos e da própria sociedade, que o

processo educativo carrega.

Circula no senso comum determinado discurso que distorce absurdamente a questão

da relação entre a democratização da educação, em geral, e do ensino médio, em especial, e a

qualidade do ensino e da escola. A qualidade estaria intimamente ligada à crise de

funcionamento e funcionalidade da escola pública, supostamente em curso. Crise esta que

teria surgido em decorrência da degeneração de um modelo excelente de escola existente em

tempos felizes da sociedade brasileira. Quando? Em que século, década ou ano existiu, em

nosso país, uma escola que abriu suas portas para todos, ensinou tudo a todos, proporcionou

formação plena a todos? Nunca. A escola fabulosa sustentada no discurso sobre a suposta

crise, que desqualifica a escola pública contemporânea, foi aquela na qual adentrou um

número bastante reduzido de crianças e jovens, seja por sua origem privilegiada ou mesmo

por sorte, e na qual permaneceu um número mais reduzido ainda.

A realidade social extremamente desigual foi e é legitimada e também reproduzida no

sistema escolar; assim, persistiu durante longa data um quadro triste na educação brasileira,

porque contribuinte para o sofrimento de milhares de sujeitos. As oportunidades de

aprendizagem facultadas pela escola para as classes médias e altas eram francamente díspares

(em quantidade e qualidade!) das proporcionadas pela escola para as classes populares.

Agora, com a ampliação da capacidade de atendimento é que se abriram possibilidades reais

de construção de uma escola democrática, e cabe ao Estado erigi-la.

No caso da escola de nível médio, um entrave histórico tem sido o financiamento, e

sua superação depende mesmo é de vontade política. Constatou-se que o custo demandado

para a oferta de um ensino médio de qualidade, e para todos os jovens, é perfeitamente

administrável em face da situação confortável do Governo Federal, que conta com uma

arrecadação trilionária e se esquiva de maiores compromissos, restringindo-se à ação

supletiva, por meio de fundos educacionais, e transferindo aos entes federados as

responsabilidades inerentes ao desenvolvimento da rede pública de educação. O Governo

Federal tem sustentado um modelo de gestão politicamente centralizador e

administrativamente descentralizado. Acontece que se atingiu um ponto crítico mediante a

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151

impossibilidade de muito estados e municípios arcarem com as despesas da educação e dos

demais setores sociais, de modo que se tornaram inadiáveis a revisão e a modificação do

sistema de financiamento educacional, no que se refere tanto à participação das esferas

administrativas, sobretudo a União, quanto à receita vinculada.

O montante de recursos destinado ao ensino médio precisaria ser duplicado para que

se alcançasse um padrão de qualidade razoável, conforme vimos na proposta de estudos do

CAQi. Sobre o incremento de recursos, neste patamar, Pinto conclui:

Trata-se de um desafio significativo, contudo, plenamente realizável, tendo em vista

não só as potencialidades econômicas do país mas também os ganhos sociais e

econômicos que adviriam desta verdadeira revolução no Ensino Médio. Ele deixaria

de ser um intruso que hoje cresce nas sobras e turnos ociosos da escola de Ensino

Fundamental e ganharia uma identidade própria, uma identidade que já teve no

passado e que o sistema federal conseguiu preservar. (PINTO, 2004, p. 330).

A identidade perdida é a da época em que o ensino médio atendia um público bastante

restrito, e a preservada nas escolas federais é devida ao seu projeto políticopedagógico

consistente aliado a uma estrutura apropriada, com docentes em tempo integral, rede física

completa etc.

A identidade do ensino médio no presente é cindida e esvaziada de seu potencial

formativo, inclusive para o exercício da cidadania. Daí o seu caráter indefinido e

inconsistente. Ademais, concorre para a manutenção das desigualdades sociais por viabilizar a

reprodução do capital. Uma identidade que precisa ser repensada pelo poder público,

juntamente com a sociedade civil e com os jovens, tendo em vista que

Se por muitos anos finalizar o ensino médio era uma perspectiva restrita às camadas

privilegiadas da população, na última década esta realidade se transformou,

produzindo importantes desafios. A escola para 20% da população não é a mesma

que a oferecida para 70%. Mas, o poder público tem a obrigação de oferecer uma

escola que comporte uma dinâmica de aprendizagem voltada para a necessidade da

população que pretende atingir. Quando os adolescentes que agora estão ingressando

no ensino médio aprenderem os conteúdos curriculares relacionando-os criticamente

com o mundo em que vivem, estaremos frente a um processo real de democratização

do ensino, e não simplesmente de progressiva massificação. (KRAWCZYK, 2009,

p. 10).

A proposta de construção de uma nova identidade remete a um ponto controverso no

âmbito do nível médio de ensino: a preparação para a cidadania. A ideia de direitos de

cidadania se apresentou de forma incipiente nas políticas públicas para o ensino médio,

implementadas no período de 1996 a 2009, até pela forma como foram instituídas: sem

participação da sociedade e sem tentativas de rompimento com os antigos preceitos e padrões.

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152

Como o ensino médio pode preparar para a cidadania, quando ele próprio se encontra

destituído dos princípios da cidadania? E se encontra nesta situação porque tem por

determinante maior as prioridades do capital. Subverter a ordenação do ensino médio, cujos

conceitos e princípios se impuseram com a reforma na década de 90, é o caminho e maior

desafio para o delineamento de propostas mais democráticas para essa etapa da educação

básica.

5.3 Limites e possibilidades da transformação

Em face às disparidades do sistema educacional brasileiro e considerando que o

sucesso escolar é influenciado, embora não determinado, pela associação de fatores que vão

desde os insumos escolares até o discurso pedagógico institucional, verifica-se que o Brasil

chegou ao século XXI com pendências seculares em relação à universalização da educação

pública, gratuita e de qualidade. Nas palavras de Beisiegel (2005):

As prioridades de hoje continuam sendo exatamente as mesmas prioridades de

ontem: 1) absorver toda a população escolarizável na primeira série de ensino

obrigatório; 2) manter essa população dentro da escola, pelo maior número de anos

possíveis; 3) propiciar a essa população um ensino de melhor qualidade; 4) combater

a deterioração das condições de trabalho docente e administrativo; 5) enfim,

transformar as conquistas educacionais da população em realidade palpável dentro

da escola. (BEISIEGEL, 2005, p. 131).

Tais pontos prioritários são intrínsecos ao campo do direito dos jovens ao ensino

médio, uma vez que sua garantia depende da escolarização das crianças, ou seja, das

condições de acesso e permanência no ensino fundamental. Ainda há crianças não-incluídas

nessa etapa da educação básica e ainda há crianças que abandonam a escola. Os dados sobre o

fluxo escolar do ensino fundamental, conforme a PNAD-2009, revelam elevada taxa de

evasão e baixa taxa esperada de conclusão.

Ademais, as condições de trabalho, tanto docente quanto administrativo, na escola

pública guardam estreita relação com a qualidade de ensino ofertado pelo Estado.

Da análise das principais ações promovidas pelo MEC – DCNEM, ENEM, PROMED,

Projeto Alvorada e Ensino Médio Inovador, depreende-se que houve um movimento no

sentido compensatório, em que se buscou ampliar a oferta o ensino médio, resgatando

inclusive o contingente de jovens e adultos que não tiveram acesso na idade adequada. As

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153

taxas de distorção série-idade, repetência e evasão ainda são altas, mas apresentaram

melhoraria significativa no período analisado, de 1996 a 2009. Contudo, os índices de

aprendizagem são baixos e indicam que aos jovens não está sendo ofertado um ensino de

qualidade.

O direito à educação não se limita ao acesso e permanência, pressupõe também

determinados padrões de qualidade. Portanto, na luta pelo direito à educação houve um

avanço provocado pela ampliação da oferta e aumento da cobertura do público do ensino

médio, mas também um recuo devido às condições do ensino ofertado, o que se verifica nos

resultados das avaliações sistêmicas nacionais e internacionais. A aprendizagem depende do

ambiente educativo como um todo e não apenas do aluno.

A postura do Estado frente à universalização do ensino médio tendeu mais para a

massificação do que para a democratização. O direito à educação foi reduzido à estada entre

os muros da escola, não sendo raros os casos em que alunos permanecem dentro da escola,

mas fora da sala de aula; e, quando muito, ao alcance do padrão mínimo de qualidade, o qual

representa um horizonte distante quando se verifica a realidade presente.

Um limite que se impõe à transformação desta etapa da educação básica reside,

portanto, na natureza do ensino oferecido. Ora, é preciso que o Estado desenvolva ações que

tenham como propósito verdadeiro a formação dos jovens, que não propiciem nem admitam

tantas rupturas no percurso escolar deles. A aprovação da EC nº 59/2009, tornando

obrigatório o ensino médio gratuito, abre possibilidades para tal transformação, pois altera o

critério de oferta. O Estado fica obrigado a elaborar políticas públicas consistentes tal como

fez com o ensino fundamental.

A oferta de um ensino médio esvaziado de suas potencialidades leva ao desinteresse e,

consequentemente, ao abandono dos jovens por perceberem o engodo que é o discurso da

empregabilidade, explícito na política para o ensino médio:

A demanda para ascender a patamares mais avançados do sistema de ensino é visível

na sociedade brasileira. Essa ampliação de aspirações decorre não apenas da

urbanização e modernização conseqüentes do crescimento econômico como de uma

crescente valorização da educação como estratégia de melhoria de vida e

empregabilidade. (PARECER CEB 15/1998).

Acontece que na medida em que desistem deste ensino médio e não exigem do Estado

outro, os jovens abrem mão, de certa forma, do seu direito. Não ignoramos que as restrições

impostas pelo próprio contexto social dos alunos que abandonam a escola reduzem

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sobremaneira as condições de organização política. Por outro lado, a escolarização é uma via

para a emancipação de tal contexto.

Faz-se necessário desmontar o discurso dominante que fortalece o argumento do

imediatismo do efeito do ensino médio para a inserção no mundo trabalho, que, por vezes, se

torna a única justificativa para que os jovens levem adiante um curso que não desafia nem

desperta interesse:

Numa época de desemprego massivo, a formação estabelece hierarquia entre os

jovens de classes populares e, por isso, o diploma é um motivo, ainda que frágil,

para os alunos estudarem. Embora o conhecimento também seja reconhecido pelos

jovens como elemento de diferenciação, os estudantes de escola pública costumam

considerar fraco o ensino que recebem. Eles têm, tal como muitos docentes, o

parâmetro da escola privada, ou melhor, os parâmetros dos estudantes da escola

privada, para avaliar o desempenho da instituição e de seu alunado. De qualquer

maneira, a assombração do desemprego obriga-os a continuar estudando ou a buscar

outras estratégias para a obtenção da titulação. Ao mesmo tempo, a possibilidade de

estudar na universidade, ainda que remota, aparece como uma possibilidade

interessante para o futuro, pois permite retardar o problema do desemprego.

(KRAWCZYK, 2009, p. 10).

A modificação de tal situação fica na dependência da implementação de um projeto

políticopedagógico, na forma de diretrizes nacionais, em que o foco seja os sujeitos e não o

mercado. A escola de ensino médio precisa se tornar um espaço acolhedor e de formação para

os jovens.

A implementação de políticas públicas para uma educação de qualidade não só no

ensino médio, mas em todos os níveis e modalidades de ensino, propiciará aos sujeitos

maiores chances de participação na sociedade contemporânea que se caracteriza pela

multiplicação e complexificação dos códigos para a inserção social, exigindo o domínio de

conhecimentos cada vez mais sofisticados. Embora a educação não possa se restringir à

dimensão de adaptação do sujeito à sociedade, também não pode negá-la.

O ensino médio pode contribuir para que os jovens participem do espaço público

enquanto cidadãos. Conforme visto nas pesquisas com jovens, a conclusão do ensino médio

potencializa a participação em grupos e o exercício da cidadania, pois os jovens com mais

escolaridade se envolvem com mais frequência em atividades de interesse coletivo, bem como

procuram se informar e participar da política.

Vimos que a forma como as ações conduzidas pelo MEC foram pensadas, organizadas

e implementadas não favoreceu nem mesmo a inserção social, distanciando-se das

possibilidades reais de positivação do direito à educação, porque basicamente funcionaram

através da aplicação de recursos materiais, financeiros e técnicos para se fazer o mesmo que já

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155

estava sendo feito, mais do mesmo: um ensino pouco estimulante, carente de sentido e em

condições precárias.

Além dos desafios mencionados, Krawczyk (2009) destaca a relação entre a formação

de professores e as condições do trabalho docente, dimensão que se torna um obstáculo. Pois,

a precarização do trabalho tem desestimulado o ingresso e o investimento na carreira, a tal

ponto que na área de ciências exatas o expressivo déficit de professores habilitados se tornou

um gravíssimo problema para a maioria das secretarias estaduais de educação, as quais

paliativamente autorizam, por meio de contratos precários, o exercício do magistério a

professores não-habilitados, circunstância que gera uma série de prejuízos à aprendizagem

dos alunos. Não há ensino médio sem professores! Portanto, são medidas imprescindíveis e

urgentes a serem tomadas pelo Estado, em vista do provimento das condições necessárias ao

desenvolvimento do trabalho docente no ensino médio: a ampliação das oportunidades de

formação em licenciaturas e, sobretudo, a implementação de políticas para a efetiva

valorização da docência, em termos de melhoria da carreira, do salário, das condições de

trabalho etc.

São inerentes ao ensino médio, no formato como se encontra hoje, determinados

limites decorrentes dos impasses de um percurso marcado por contradições e indefinições.

Contudo, vislumbram-se possibilidades reais de superação de tais impasses e de uma proposta

articulada com as demais etapas do ensino e realmente democrática, que poderá proporcionar

aos jovens, desta e das futuras gerações, uma formação integral para a autonomia e a para

experiência da cidadania plena, isto é, social, política e civil.

Em que se pesem as críticas, o programa Ensino Médio Inovador se distingue das

demais propostas porque confere uma autonomia mais realizável aos sujeitos da escola, ao

possibilitar a implementação de organizações curriculares elaboradas no âmbito da

comunidade escolar, a partir de demandas e necessidades apontadas e debatidas, em espaços

democráticos, por seus membros e representantes. Pesquisas sobre a implementação do

programa poderão nos indicar se contribuiu ou não para efeitos positivos no processo

educativo dos jovens.

No novo PNE, que vigorará no período de 2011 a 2020, é depositada a esperança de

que o Estado atue no sentido de corrigir erros na política educacional que vem impedindo a

oferta de um ensino médio de qualidade. Uma vez identificadas e discutidas as falhas e

contradições que inviabilizaram a transformação do ensino médio, resta ao Governo optar por

permanecer omisso, restringindo-se a ações superficiais, ou assumir de vez a responsabilidade

com o direito à educação, que não se limita ao ensino fundamental, emendando o processo

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responsável pela privação imposta a muitos jovens do acesso ao ensino de qualidade. Além de

outros fatores, a indefinição quanto à divisão das responsabilidades entre os entes federados e

a omissão quanto às fontes para o financiamento das ações concernentes às metas limitaram e

inviabilizam o último PNE.

No PNE que está sendo elaborado é preciso deixar claras essas questões para que a

ausência de recursos não faça a história se repetir. A disponibilidade de condições materiais

pode redirecionar do ensino médio, na medida, em que tal nível de ensino passar a dispor de

uma proposta mais objetiva, consistente e coerente.

Igualmente carregado de expectativa tem sido o processo de construção de novas

diretrizes para o ensino médio, em andamento. O projeto de resolução já tem uma minuta que

está sendo debatida por entidades científicas, entidades da sociedade civil, movimentos

sociais etc. em audiências públicas46, promovidas pelo CNE. Pesquisadores do campo

educacional, de diversas instituições públicas do país, em colaboração com a SEB,

construíram, após amplo e “fecundo” debate, uma proposta de resolução para a “atualização”

das DCNEM, na qual operam com os seguintes conceitos e concepções: formação humana

integral; trabalho, ciência, tecnologia e cultura enquanto categorias indissociáveis dessa

formação; cidadania; trabalho como princípio educativo; e pesquisa como princípio

pedagógico.

A realização do potencial de tais possibilidades está relacionada com a negação e o

enfrentamento das proposições pseudo-democráticas dos representantes das elites

econômicas. Proposições fortes e poderosas que reforçam conceitos, noções e valores que em

nada favorecem, quando não bloqueiam, a aproximação do horizonte da cidadania plena,

referência crucial em tempos tão paradoxais, pelo menos para as sociedades que se

proclamam democráticas, como é o caso da brasileira.

Todo plano educacional contempla, ao menos no papel, a criticidade e formação para a

cidadania. Mas, como isso acontece na prática? Enquanto não se pensar em políticas públicas

efetivamente comprometidas com a formação de todos os cidadãos, políticas para redução da

desigualdade social, para a distribuição de renda (e não a simples transferência), para a gestão

participativa verdadeira, o país continuará com “níveis” de cidadania por estrato social, isto é,

o acesso do sujeito aos direitos civis, políticos e sociais, bem como a obrigação de cumprir a

lei, condicionados pela situação econômica do grupo social ao qual pertence. Quanto mais

desfavorecido socioeconomicamente menos cidadão o sujeito é, e vice-versa. Entende-se que,

46

A primeira foi realizada em 17 de agosto de 2010 e a segunda em 4 de setembro de 2010, em Brasília.

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por mais que a dinâmica social transforme as relações, a igualdade entre membros de uma

sociedade é um princípio indisponível, sob quaisquer circunstâncias. A expansão da cidadania

no Brasil depende, à vista disso, da superação das desigualdades estruturais que legitimam as

diferenciações no acesso aos direitos e na observação das leis. Desigualdades que só se

reduzirão mediante políticas públicas permanentes, enquanto responsabilidade do Estado, e

distribuição dos bens materiais e imateriais produzidos pelo país.

A desigualdade social reveste quadros constrangedores, deprimentes. Nesse sentido, a

lógica individualista, consumista etc. que a produz precisa ser desvendada, desmontada e

destruída.

Nas palavras de Krawczyk,

estamos num momento histórico internacional no qual as transformações de ordem

social, econômica e cultural agravam os conflitos, exacerbam os processos de

exclusão social e revitalizam o individualismo, os interesses privados e o consumo.

Portanto, é uma época bastante hostil para encarar um projeto democrático de

educação pública e de verdadeira inclusão educacional. Ao mesmo tempo, estamos

ante o desafio de promover relações institucionais democráticas e dar condições aos

jovens estudantes para que possam questionar esses valores e “desnaturalizar” essa

realidade. (KRAWCZYK, 2009, p. 34).

Antecede a essa questão a reflexão sobre o projeto de sociedade que se almeja. E é

preciso pensar também num projeto de escola. E, então, o projeto de formação de jovens a ser

desenvolvido no ensino médio.

Para pensar o ensino médio, é necessário sermos ousados. Não podemos ser

econômicos em idéias, nem em ações, nas mudanças, na formação e no orçamento.

As exigências colocadas pela configuração socioeconômica do Brasil, caracterizada

por extrema desigualdade e concentração de renda, somada à grave situação

educacional do ensino médio, nos apresentam um conjunto enorme de desafios [...].

(KRAWCZYK, 2009, p. 34).

Os desafios são muitos e estão postos. Também estão postas algumas possibilidades de

transformação do cenário do qual emergiram. Tais possibilidades dependem, no momento

atual, mais do que nunca, da decisão política de contemplar o ensino médio na agenda

prioritária do Governo Federal.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa buscou-se compreender a identidade e a função social conferidas ao

ensino médio a partir de ações implementadas pelo MEC desde a promulgação da última

LDBEN. O principal e mais expressivo evento de abrangência nacional referente a esse nível

de ensino se dá em 1998: o Governo Federal empreende uma reforma estabelecendo diretrizes

curriculares nacionais, das quais se desdobram parâmetros curriculares nacionais, que passam

a ordenar as ações, em termos de políticas públicas, e o processo educativo nas escolas. Há

desde o princípio, e é permanente, um discurso contundente em que o MEC anuncia o

objetivo de propiciar aos jovens através do ensino médio uma formação ampla, completa,

integral, que os prepare para a vivência no “mundo do trabalho” e para o exercício da

cidadania. Ora, na prática, as ações foram encaminhadas noutra direção.

A questão, sobretudo, da cidadania mobilizou as ideias que deram origem a esta

pesquisa porque é causa de incômodo e inquietação a maneira como o Governo atual, sob um

Estado Democrático de Direito, conduz as políticas públicas, objeto, por excelência, dos

direitos sociais, em especial as educacionais. Vale lembrar o quanto é recente a conquista por

esse regime governamental: ainda há pouco tempo a sociedade civil organizada lutava contra

o autoritarismo e a repressão, lutava pela restituição dos direitos civis e políticos e pela

ampliação dos direitos sociais. A promulgação da CF de 1988, denominada inclusive

“Constituição Cidadã” pelo reconhecimento, dentre outros, dos direitos sociais – a educação,

a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados –, não pode ficar limitada ao plano

formal, pois é preciso que haja desdobramentos reais na sociedade. Afinal, a lei é constituída

enquanto um horizonte a ser alcançado.

Em meio a uma série de problemas sociais e econômicos, como a desigualdade na

distribuição de renda e a infraestrutura precária, o Estado tem assumido posturas estranhas aos

princípios de um regime democrático, inscritos na CF em vigor, tendendo ora para o

assistencialismo, ora para o absenteísmo. Os programas e projetos educacionais

implementados, caracterizados pelo imediatismo, pela transitoriedade, e principalmente pela

ausência de uma concepção político-pedagógica centrada nos sujeitos, não preparam para a

cidadania nem permitem sua vivência pelos jovens. A educação é um direito de cidadania,

portanto, a contrapartida é a obrigação do Estado em universalizar o ensino de qualidade.

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159

Ademais, embora não se estabeleça uma relação de causa e efeito, o direito à educação é

primordial para o desenvolvimento do sujeito-cidadão.

No conjunto de documentos produzidos pelo MEC no âmbito da reforma, tais como as

DNCEM, os PCNEM, as OCEM, resoluções, pareceres e portarias, percebe-se o alinhamento

deste com conceitos e princípios da cartilha neoliberal. Foram definidas competências e

habilidades a serem desenvolvidas pelos egressos do ensino médio, segundo as noções de

empregabilidade, flexibilidade, produtividade, competitividade e qualidade (no sentido de

eficácia), com o foco na preparação de um contingente para o processo produtivo. A bem da

verdade, o delineamento de novos sujeitos para uma nova sociabilidade, tal qual noutros

momentos históricos.

A Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998, e o Parecer CNE/CEB nº 15, de 1º de

junho de 1998, estabelecem o currículo por “competências e habilidades”, com objetivo

expresso de preparar os alunos para “a vida”, o que significa preparar para os padrões de

sociabilidade preceituados pelo capitalismo neoliberal. Esses documentos orientam ainda a

organização curricular por áreas de conhecimento, o que não encontra as mínimas condições

materiais de se efetivar na atualidade, dada a situação real e concreta da escola pública no

Brasil.

Os programas e projetos do MEC, em consonância com esses documentos,

evidenciaram o propósito de reformulação da identidade do ensino médio, tendo em vista um

novo perfil de egressos para a sociabilidade produzida pela nova ordem ideológica e

econômica mundial. Isto é, a formação de identidades individuais e sociais adaptadas ao

modelo de sociedade forjado e mantido pelo capital, agora sob nova roupagem. Chama-se a

atenção especialmente para o papel do ENEM, integrante da política de avaliação nacional da

educação, ao condicionar os conteúdos curriculares da avaliação à continuidade nos estudos.

Trata-se da política regulatória mais eficiente na manutenção do controle estatal sobre a

escola e na introdução de concepções e valores por meio do ensino que se dá no âmbito dessa

instituição.

O Programa Ensino Médio Inovador é o que mais se destaca positivamente no

conjunto de ações realizadas pelo MEC, devido ao incentivo à construção coletiva de um

projeto pedagógico por parte da escola, que poderá organizar suas ações, curriculares e

didáticas, de maneira a satisfazer às demandas dos alunos. O reconhecimento da capacidade

da escola de propor organizações curriculares que sejam fruto de debates junto a sua

comunidade é um grande avanço. A expectativa é que o programa torne-se uma política

pública mesmo, já que ainda se encontra em fase experimental.

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160

A duplicidade, talvez multiplicidade, de interesses tão opostos pretendidos pela

proposta oficial do ensino médio inviabiliza a constituição de uma identidade coesa, em seus

princípios; coerente com a realidade; e adequada às demandas de seu público. Vimos nas

pesquisas realizadas, em nível nacional, as finalidades atribuídas e as expectativas depositadas

pelos jovens no ensino médio. Para eles, o ensino médio deve preparar, em primeiro lugar,

para o vestibular como uma ponte para uma profissão, e, em segundo lugar, para a busca de

“um futuro melhor”, de qualquer modo, garantindo meios para a inserção no mercado de

trabalho.

Entretanto, o ensino médio regular não dá aos jovens uma profissão, não prepara nem

garante sua inserção no “mundo do trabalho”, mas faz crer que pode fazê-lo. Faz crer também

que são procedentes a subordinação dos sujeitos ao mercado e a relação pragmática com a

educação. A cidadania, enquanto processo mais amplo de participação nos processos

sociopolíticos, não entra nesse discurso. Sendo que compete à educação colaborar para a

construção da cidadania e, mais ainda, da democracia, para além da versão ajustada ao

modelo de sociedade do consumo. E, diga-se de passagem, uma sociedade insustentável,

aclamada pelos organismos econômicos internacionais, por meio, sobretudo, das mídias, e

referendada pelo Estado, mas que evidentemente não está para todos os sujeitos. Contudo, não

há discussão sobre o sentido político do ensino médio: subtraindo-lhe a polarização

vestibular/emprego, o que resta? Quase nada. O ensino médio, em que se pese o prejuízo do

confronto nítido historicamente forjado entre uma e outra possibilidade (continuidade nos

estudos e preparação para o trabalho), guarda enorme potencial formativo para a dimensão

política da vida em sociedade.

A educação é um direito fundamental de caráter social, imprescindível à ampliação

das possibilidades existentes de construção da cidadania. Vimos na pesquisa Juventude

Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas indícios desse potencial

do ensino médio para a formação política dos alunos. Os jovens mais escolarizados são os que

apresentam maior interesse pela situação política do país e mais participam de organizações

de interesse coletivo. O que não indica uma ligação mecanicista entre escolarização e

participação política, mas de potencialidade. Portanto, o ensino médio pode potencializar o

acesso dos jovens aos processos que envolvem os direitos de cidadania.

Neste sentido, considera-se avanço na luta pelo direito à educação a expansão da

oferta de vagas e aumento da cobertura do público do ensino médio, mesmo que ao custo de

ações compensatórias. E um retrocesso com a precarização do ensino para dar conta de tal

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expansão, ou seja, ocorre o acesso e a permanência, mas com um ensino de baixa qualidade.

Qualidade esta aferida pelo próprio Estado com seu aparato avaliador.

O que se configurou como modelo de qualidade tem-se demonstrado insuficiente,

senão inadequado, às necessidades e demandas apresentadas pelos jovens. Tanto que é grande

o contingente de jovens que estão desistindo do ensino médio. O conjunto de padrões e

procedimentos, que envolve o currículo, a didática etc. se configurou a revelia da cultura, da

diversidade, dos interesses e das necessidades dos jovens; e alinhado com a lógica do

mercado.

Entende-se que cabe ao ensino médio, enquanto principal política pública para as

juventudes, a oferta de espaços e tempos que deem aos jovens oportunidades reais de vivência

plena nessa fase da vida. E mais, oportunizem o desenvolvimento da autonomia que permita

perceber, criticar e buscar meios para emancipar-se dos processos de dominação capitalista,

bem como elaborar outra concepção de sociedade. Compreende-se, ainda, que o caminho é o

de investimento real, por parte dos poder público constituído, na formação integral dos

sujeitos. O que exige, de antemão, reconhecer o direito de cada jovem de refletir e deliberar

sobre a sua trajetória formativa individual e, então, proporcionar experiências significativas de

formação intelectual e cultural.

Os indicadores da qualidade da educação são pensados e elaborados fora da escola,

não estão inseridos na escola, não dão conta dos sentidos do universo escolar. Outrossim, não

proporcionam a imprescindível reflexão sobre o valor social do conhecimento que constrói

naquele espaço para a formação da autonomia do sujeito, pois priorizam os resultados, os

números, as estatísticas a serem publicadas a cada edição de avaliações sistêmicas. Ainda

assim, podem ser úteis aos sujeitos que lutam pelo direito à educação, uma vez que informam

sobre a atuação do Estado.

O sistema público de educação deve (e pode) ser condizente com as prerrogativas do

Estado Democrático de Direito. Entretanto, a postura pouco democrática do Estado na

construção das políticas públicas educacionais produz, sim, propostas descoladas dos

contextos em que serão aplicadas e, por esse motivo, se tornam inócuas.

As práticas políticas dos sujeitos que acreditam na construção de uma sociedade

verdadeiramente democrática, na igualdade de direitos, são essenciais porque contribuem para

o redirecionamento dos rumos da educação. Os avanços anteriormente citados foram

condicionados pela presença da sociedade civil no debate sobre o ensino público. Portanto,

essa presença tem que se fazer mais forte no processo de redefinição do ensino médio que se

vislumbra com as novas DCNEM e com o PNE 2011-2020. Tais documentos possuem força

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potencial em termos, por um lado, de avanço no marco legal e, por outro, de enfretamento dos

problemas do ensino médio ofertado pela escola pública.

Muitas questões permanecem respondidas apenas parcialmente, precisam ser

esclarecidas e, feito isso, podem auxiliar na elaboração de saídas aos impasses do ensino

médio. É preciso avançar na compreensão sobre a relação entre a escola e a sociedade, bem

como sobre os limites de transformação social pela via da educação escolar na

contemporaneidade, considerando a multiplicação e a complexificação dos códigos e

demandas sociais, em constante metamorfose.

Que projeto de sociedade será sustentando? E por quem será sustentado? Que projeto

de escola? E que projeto de formação de jovens pela via educacional? Os jovens necessitam

de uma formação que habilite não apenas para a interpretação dos códigos sociais, mas para a

intervenção nos mesmos. É preciso pensar nessas questões para elaborar proposições para a

superação dos impasses que o ensino médio apresenta.

Apesar de a educação isoladamente não ter força para reduzir as desigualdades sociais,

o que depende da redistribuição da riqueza produzida pelo país e do investimento maciço na

área social como um todo, e com tanta riqueza produzida, todos os cidadãos do Brasil já

deveriam ter superado a condição de necessidade, a escola é um canal de participação social

que ao longo da história serviu para legitimar a luta de grupos sociais relegados. Assim, na

dinâmica com as outras instâncias e instituições socializadoras, a escola pode contribuir para a

reversão de situações predeterminadas pelo contexto socioeconômico conforme visto neste

trabalho.

Uma sociedade que se quer democrática não pode admitir que aos cidadãos sejam

negados os direitos fundamentais. Portanto, os jovens, enquanto sujeitos de direitos, não

podem mais esperar pela boa vontade dos administradores públicos e governantes. Já passou

da hora de estes honrarem o compromisso com os seus representados, corrigindo, mesmo que

tardiamente, efeitos de um quadro de improbidade histórica. Decerto, o Brasil pode e há ser

uma nação muito melhor para todos.

A análise dos processos de construção das políticas públicas educacionais faz-se

necessária para compreender como é que elas impedem ou promovem condições para o

exercício da cidadania, considerando que estão abrigadas em estrutura muito maior, haja vista

o abismo entre a situação social concreta e a desejável, e assim poder buscar novos caminhos,

que conduzam a uma sociedade de fato democrática.

A pesquisa sobre novos aportes epistemológicos e metodológicos para a compreensão

das políticas públicas educacionais, através da investigação empírica dos processos que

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ocorrem em sala de aula, poderá ajudar no desvendamento dessas questões. Neste sentido, é

imprescindível ouvir mais os jovens, inclusive durante as aulas. A contraposição entre o

prescrito por essas políticas, como se configuram no plano formal, e o real, como elas

impactam a vida dos jovens é de suma importância.

A análise realizada não esgotou vários aspectos das políticas públicas para o ensino

médio. Alguns foram sinalizados, contudo, não desenvolvidos profundamente, em virtude dos

limites impostos pela natureza deste trabalho bem como pelos objetivos eleitos. É o caso, por

exemplo, da qualidade em educação, especialmente no ensino médio. Outros, diretamente

ligados às referidas políticas, não puderam ser explorados, como é o caso do ensino médio

integrado e dos programas de correção do fluxo escolar, tal como o ProJovem. São aspectos

que dimensionam questões para investigações e análises futuras.

As reflexões apresentadas nestas páginas não finalizam nem fecham a discussão sobre

a identidade e função social conferidas ao ensino médio regular, mas, ao contrário, conduzem

inevitavelmente ao levantamento de novas indagações. À medida que este estudo se

encaminhou, as questões trabalhadas ocasionaram o surgimento de novas perguntas e, por

conseguinte, o progressivo aumento de questões a serem esclarecidas, as quais, na perspectiva

de compreensão de um objeto complexo inserido num universo igualmente complexo, fazem

jus a incursões em novos projetos de pesquisa. Julga-se procedente o investimento em estudos

acadêmicos que se proponham a elucidar, dentre outras as seguintes questões: Como o curso

do ensino médio propicia a construção do conceito e a vivência da cidadania por parte dos

jovens? Quais são as possibilidades de participação e atuação nas dimensões civil, política e

social da vida em sociedade que os jovens acessam por meio do ensino médio? De que forma

mensurar as mudanças e os impactos sociais decorrentes das políticas públicas para o ensino

médio, considerando a positivação do direito à educação? Que projetos de transformação do

ensino médio, no contexto complexo do sistema de educação pública, são coerentes mediante

um esquema de governabilidade, de longa data, em que são predominantes as manobras

políticas para a permanência da organização elitista imposta e legitimada por um discurso

ideológico amplamente divulgado?

Relevante também seria pesquisar sobre a atuação do poder judiciário e do Ministério

Público na proteção do direito à educação dos jovens, analisando-a a partir de “recortes”

como, por exemplo, a CF de 1988, a LBDEN, PNE para o decênio 2001-2010, o Estatuto da

Criança e Adolescente. Pois, os esforços de pesquisa acadêmica, ao menos da área

educacional, geralmente são dirigidos ao “fazer” do poder executivo e do poder legislativo.

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A expectativa é que novas pesquisas sejam realizadas, aprofundando a análise sobre o

objeto “ensino médio” e indicando possíveis alternativas ao projeto vigente no Brasil, cujas

indefinições e contradições têm protelado a positivação do direito à educação pública, gratuita

e de qualidade para todos, mormente para os jovens. Acima de tudo, espera-se que as atuais e

as futuras gerações tenham condições efetivas para a construção e a vivência da cidadania,

promessa não cumprida para todos ainda que sob o regime democrático.

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sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art.

212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a

prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos

programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao §

4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo

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