dos textos institucionais ao autorrelato: um … · pcnem parâmetros curriculares nacionais para o...

208
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO: um estudo discursivo sobre o professor de francês Erika Noel Ribas Dantas RIO DE JANEIRO 2013

Upload: phamthu

Post on 19-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS

DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO:

um estudo discursivo sobre o professor de francês

Erika Noel Ribas Dantas

RIO DE JANEIRO

2013

Erika Noel Ribas Dantas

DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO:

um estudo discursivo sobre o professor de francês

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de

Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como quesito para a obtenção do título de Doutor em

Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos –

Opção Língua Francesa)

Orientadora: Profa. Dr

a. Angela Maria da Silva Corrêa.

RIO DE JANEIRO

2013

Dantas, Erika Noel Ribas.

Dantas, Erika Noel Ribas.

D192d.....Dos textos institucionais ao autorrelato: um estudo discursivo sobre o

..........professor de francês / Erika Noel Ribas Dantas. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.

206 f.: il., tabs. ; 30 cm

Orientadora: Angela Maria da Silva Corrêa.

Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de

Letras, Departamento de Letras Neolatinas, 2013.

Bibliografia: f: [198] - 202.

1. Língua francesa – Estudo e ensino 2. Língua francesa – Aspectos sociais

3. Língua francesa – Análise do discurso 4. Identidade social 5. Professores de

francês - Formação 6. Educação – Brasil – Parâmetros curriculares nacionais

I. Corrêa, Angela Maria da Silva II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Letras III. Título CDD 440.71

Dedico este trabalho

a Deus, que está sempre presente em minha vida.

à minha querida mãe, Sandra Ribas, por estar sempre ao meu lado e por

me presentear com seu amor incondicional.

a William Dantas, meu marido e companheiro, que me motiva e me

acompanha em todos os momentos.

AGRADECIMENTOS

À Professora Angela Maria da Silva Corrêa, minha orientadora, pela dedicação a este

trabalho, pela orientação e pelo incentivo.

À Professora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio e ao Professor Décio Rocha, pelas

sugestões valiosas no Exame de Qualificação.

Às professoras Dayala Vargens, Katia Fraga e Tânia Reis pelas contribuições ao longo de

minha formação e por aceitarem compor a Banca Examinadora desta tese.

Meu reconhecimento profundo aos oito professores que se dispuseram a colaborar com a

pesquisa concedendo entrevistas sem as quais este trabalho não existiria.

À Aliança Francesa pelo afastamento de minhas atividades de janeiro de 2012 a junho de

2013 a fim de concluir esta tese.

Ao Professor Geraldo Nunes, com quem tive o prazer de trabalhar no Setor de Convênio e

Relações Internacionais da UFRJ, pela compreensão e pelo apoio.

A todos os colegas do SCRI. Agradeço especialmente à Giovana de Mello e a Vitor Amaral

pelas discussões e diálogos travados.

À Katharina Jeanne Kelecom pelas leituras, sugestões e comentários enriquecedores.

À Sany Lemos, amiga e parceira de doutorado, pela amizade e encorajamento para

desenvolver este trabalho.

A todos os amigos e familiares que compreenderam minha ausência em alguns momentos

importantes e me apoiaram nesta trajetória.

RESUMO

DANTAS, Erika Noel Ribas. Dos textos institucionais ao autorrelato: um estudo discursivo

sobre o professor de francês. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) –

Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

Esta pesquisa busca analisar as materialidades discursivas oriundas das entrevistas realizadas

com oito professores não nativos de Língua Francesa atuantes em escolas públicas das redes

estadual, federal e municipal e no curso privado Aliança Francesa com o objetivo de

estabelecer um diálogo com os textos oficiais que orientam o ensino de línguas estrangeiras

na cidade do Rio de Janeiro. Recorre-se à sociologia da educação de Pierre Bourdieu (1970,

1982) para instaurar um debate sobre as prescrições dos documentos oficiais acerca do ensino

de Línguas Estrangeiras. Adota-se a Semiolinguística de Patrick Charaudeau (2008, 2009)

como embasamento teórico para analisar o impacto das diretrizes do ensino na construção da

identidade do profissional de Língua Francesa. Acredita-se que as entrevistas (ROCHA,

DAHER e SANT’ANNA, 2004) possibilitam a recuperação de saberes constituintes dos

traços identitários do docente, permitindo um contraponto entre os discursos presentes nos

documentos oficiais sobre o papel da educação e do professor na sociedade e as vozes desses

profissionais que muitas vezes acabam se apropriando desses discursos enquanto normas

orientadoras de suas práticas docentes. As conclusões da análise apontam para um perfil de

professor vitimizado pelo sistema educacional pelo fato de não conseguir cumprir com as

orientações presentes nos textos institucionais, fazendo com que a imagem projetada por estes

seja divergente da auto-imagem que o professor constrói sobre si.

Palavras-chave: Ensino de Francês Língua Estrangeira. Traços identitários. Documentos

Prescritivos.

RÉSUMÉ

DANTAS, Erika Noel Ribas. De textes institutionnels à l' auto-évaluation: une étude

discursive à propos du professeur de français. Rio de Janeiro, 2013. Thèse (Doctorat en

Lettres Néolatines) – Faculté de Lettres, Rio de Janeiro, 2013.

Cette recherche vise à analyser les matérialités discursives résultant des interviews réalisées

auprès de huit professeurs non-natifs de langue française travaillant dans des écoles qui

appartiennent aux réseaux publics (fédéral, municipal et de l’État de Rio de Janeiro) et dans

un célèbre cours privé de Langue Française ayant comme but celui d'établir un dialogue avec

les textes officiels qui guident l'enseignement de langues étrangères dans la ville de Rio de

Janeiro. Nous avons eu recours à la sociologie de l'éducation de Pierre Bourdieu (1970, 1982)

afin de lancer un débat sur les prescriptions des documents officiels sur l'enseignement des

langues étrangères. Nous avons adopté la Sémiolinguistique de Patrick Charaudeau (2008,

2009) comme base théorique pour analyser l'impact des politiques d'enseignement sur la

formation de l'identité du professionnel de la langue française. Dans ce cadre, les interviews

(ROCHA, DAHER e SANT'ANNA, 2004) nous permettent de récupérer les types de

connaissances qui constituent les traits identitaires des enseignants, ce qui rend possible de

créer un lien entre le discours présent dans les documents officiels concernant le rôle de

l'éducation et de l'enseignant dans notre société et les voix de ces professionnels, qui assument

souvent le discours officiel en tant que des règles qui conduisent leurs pratiques

d'enseignement. Les conclusions de la présente analyse révèlent le profil de l'enseignant en

tant que victime du système éducatif puisqu'il n'est pas en mesure de suivre les instructions

présentes dans les textes institutionnels, où l'image projetée de l’enseignant est différente de

celle projetée par les enseignants eux-mêmes.

Mots-clés: L'enseignement de Français Langue Étrangère. Traits Identitaires. Documents

Normatifs.

ABSTRACT

DANTAS, Erika Noel Ribas. From the Institutional Texts to Self-Report: a discursive

study about the French language teacher. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Doctorate in Neolatin

Languages) – Faculty of Letters, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

This research analyzes the discursive materialities taken from the interviews with eight

teachers – all non-native speakers of French, who work in municipal, state or federal public

schools, as well as in the renowned private course of French Language – aiming at

establishing a dialogue with the official texts that guide the teaching of foreign languages in

the city of Rio de Janeiro. We have resorted to the Sociology of Education by Pierre Bourdieu

(1970, 1982) in order to start a debate about the prescriptions of the official documents on the

teaching of foreign languages. We have adopted the semiolinguistics by Patrick Charaudeau

(2008, 2009) as the theoretical basis to analyze the impact of the teaching policies over the

shaping of the professional identity of the French language professional. We believe that the

interviews (ROCHA, DAHER e SANT’ANNA, 2004) allow us to recover the types of

knowledge that constitute the identity traits of the teachers, making it possible for us to create

a counterpart between the discourse present in the official documents about the role of

education and the teacher in society and the voices coming from those professionals, who

many times assume the official discourse as guiding rules for their teaching practices. The

conclusions of the present analysis reveal the profile of the teacher as victim of the education

system as he/she is not able to follow the instructions present in the institutional texts, whose

projected image of a teacher is different from the self-image that the teachers have of

themselves.

Key-Words: French teaching. French as a Foreign Language. Identity Traits. Prescriptive

Documents.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

TABELA 1 – Classificação dos Actantes ........................................................................ 37

TABELA 2 – Contrato de Comunicação ......................................................................... 41

TABELA 3 – Orientações Curriculares para o 9o ano (SME) ......................................... 73

TABELA 4 – Currículo Mínimo 1a série do Ensino Médio (SEEDUC) ........................ 76

TABELA 5 – Projeto Político Pedagógico do Ensino Médio (CP2) ............................... 82

TABELA 6 – Carta de um dos nossos enunciadores endereçada ao SEPE ..................... 90

TABELA 7 – Níveis Comuns de Referência (QECR) ..................................................... 100

TABELA 8 – Salários Profissões Diversas (2006) .......................................................... 104

TABELA 9 – Roteiro de Entrevista ................................................................................. 112

TABELA 10 – Ficha do Colaborador .............................................................................. 114

TABELA 11 – Perfil dos Professores Entrevistados ....................................................... 117

LISTA DE ABREVIATURAS

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FLE Francês como Língua Estrangeira

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LE Língua Estrangeira

MEC Ministério da Educação

PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PPP Projeto Político Pedagógico

SEEDUC Secretaria de Estado de Educação

SEPE Sindicato Estadual de Profissionais de Educação

SME Secretaria Municipal de Educação

QECRL Quadro Europeu Comum de Referência para as

Línguas

SUMARIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13

2. SER OU NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA ........... 27

2.1. IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE DISCURSIVA................................... 31

2.2 O CONCEITO DE ETHOS NA TEORIA DE PATRICK CHARAUDEAU......... 33

2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO............................................. 34

2.4 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO E AS IDENTIDADES SOCIAL E

DISCURSIVA................................................................................................................ 40

2.5 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA.............................. 43

2.6 ERA UMA VEZ UMA IDENTIDADE................................................................... 46

2.7 AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS.............................................. 47

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE ................... 52

3.1 PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS................................................ 52

3.1.1 PCNs de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental – 2º ao 5º ano) ........ 52

3.1.2 PCNs de Língua Estrangeira (Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano)......... 57

3.1.3 PCNEM de Língua Estrangeira (Ensino Médio – 1ª a 3ª série).............. 59

3.2 A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE BOURDIEU E AS DIRETRIZES DO

ENSINO ........................................................................................................................ 61

3.2.1 Breves Comentários ................................................................................. 61

3.2.2 Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ...................... 68

3.2.3 Orientações Curriculares para a Rede Municipal .................................... 72

3.2.4 Currículo Mínimo elaborado pela Rede Estadual..................................... 75

3.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)........................................................ 79

3.3.1 PPP do Colégio Pedro II........................................................................... 79

3.3.2 E os outros PPPs?...................................................................................... 86

3.3.3 (IR) Resolução Número 4746................................................................... 88

3.4 LEI DE DIRETRIZES E BASES (LDB 9394/96).................................................. 93

3.5 O PROFESSOR DE FRANCÊS E OS PROCESSOS DE SELEÇÃO.................. 96

3.6 QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS:

APRENDIZAGEM, ENSINO, AVALIAÇÃO.............................................................. 98

3.7 EFEITOS DE SENTIDO DOS DOCUMENTOS OFICIAIS ................................ 103

4 DELINEANDO OS CORPORA ..................................................................................... 108

4.1 TÉCNICA PARA A COLETA DE DADOS................................................................... 114

4.2 CONHECENDO OS ENUNCIADORES ....................................................................... 116

4.3 CATEGORIAS DE ANALISE ....................................................................................... 118

5 CONJUGANDO ANÁLISES : PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS FALAS DO

PROFESSOR DE FLE E ENUNCIADOS SOBRE O TRABALHO ............................. 122

5.1 DISCURSOS SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL............................................. 122

5.1.1 Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras................... 122

5.1.2 Estudos Acadêmicos .......................................................................................... 126

5.1.2.1 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Narrativo...................................... 126

5.1.2.2 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Argumentativo.............................. 137

5.2 DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA

ESTRANGEIRA ................................................................................................................... 144

5.2.1 O Ensino de FLE no passado e no presente........................................................ 144

5.2.2 O Ensino de FLE no presente e no futuro........................................................... 149

5.2.3 O Status da Disciplina de Língua Francesa......................................................... 155

5.2.3.1 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista Narrativo.... 155

5.2.3.2 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista

Argumentativo......................................................................................................... 158

5.2.3.2.1 Do ponto de vista do próprio professor............................................... 158

5.2.3.2.2 Do ponto de vista dos alunos (segundo os enunciadores)................... 162

5.2.3.2.3 Do ponto de vista dos pais dos alunos (segundo os enunciadores)..... 165

5.2.3.2.4 Do ponto de vista dos colegas de trabalho/direção da escola

(segundo os enunciadores).................................................................................. 167

5.2.3.2.5 Do ponto de vista das leis (segundo os enunciadores)......................... 172

5.2.4 Atributos do professor de FLE............................................................................ 174

5.2.5 O Trabalho do professor de FLE......................................................................... 180

5.2.5.1 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pelos alunos........ 181

5.2.5.2 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pelos colegas...... 183

5.2.5.3 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pela sociedade.... 185

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................

191

7 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 198

ANEXO A............................................................................................................................. 203

ANEXO B............................................................................................................................. 206

1 INTRODUÇÃO

A presente tese tem como objeto de interesse a relação entre o trabalho do professor

não nativo de línguas estrangeiras, em especial de francês, e a construção de traços

identitários deste profissional. Tal temática justifica-se pela constatação de que a maioria dos

docentes com quem já convivi em minha carreira, em diferentes etapas da vida profissional,

compartilham insatisfações e expectativas frustradas em relação ao ensino de língua e ao seu

papel como trabalhadores da educação, e que também, muitas vezes ainda jovens, adoecem

por conta do estresse, além de outros problemas como uma jornada de trabalho longa e sem a

almejada remuneração. Enquanto pesquisadora oriunda da área de Letras, sinto-me motivada

a refletir sobre os processos da construção identitária.

Obtive minha Graduação no ano de 2005, o que, segundo a divisão a ser por mim

proposta nesta tese, coloca-me na condição de professora em início de carreira. Entretanto,

por já trabalhado em diferentes instituições de ensino, acredito poder sustentar tanto a posição

de pesquisadora, enquanto autora desta tese, quanto à de professora, o que me permite tecer

comentários e reflexões provenientes de minha própria prática docente.

Grande parte da motivação para a elaboração desta pesquisa provém exatamente de

minha experiência enquanto docente de Língua Francesa em diferentes instituições de ensino

do Rio de Janeiro, conforme já mencionado anteriormente, o que tem permitido conviver com

realidades distintas mas com insatisfações semelhantes. Dentre as instituições que compõem a

rede pública de ensino, trarei para o âmbito da pesquisa escolas de cada esfera (estadual,

municipal e federal) a fim de estabelecer comparações pertinentes ao ensino e ao complexo

mundo do profissional de educação. Também exporei minha experiência enquanto professora

da Aliança Francesa, curso privado de ensino de Língua Francesa.

Acredito que analisar questões ligadas ao ensino de Língua Francesa nas escolas

públicas permitirá traçar um panorama desse ensino de maneira ampla e recuperar traços

identitários semelhantes entre os profissionais da rede pública, embora cada escola e cada

rede apresentem suas particularidades. Por outro lado, penso que conhecer a realidade do

trabalho no curso Aliança Francesa e tentar recuperar traços constituintes da identidade do

professor atuante nessa instituição possibilitará identificar um outro perfil de profissional,

com expectativas e insatisfações distintas das dos professores das esferas públicas.

14

Nesse sentido, enquanto docente de língua francesa de escolas pertencentes às redes

federal, municipal e estadual bem como do curso privado Aliança Francesa, farei, a seguir,

um autorrelato sobre minhas impressões em cada uma das instituições nas quais atuei.

De 2007 a 2009, tive o prazer de fazer parte do quadro do Colégio Pedro II como

professora contratada. Para ingressar nesse renomado colégio, fui submetida a um processo

seletivo que contou com algumas etapas, sendo as duas primeiras com caráter eliminatório. A

primeira delas foi a análise curricular dos candidatos. A segunda se subdividiu em dois

momentos: redação de um texto em Língua Francesa sobre o tema proposto pela comissão

avaliadora acerca do ensino de língua estrangeira e entrevista feita pela banca, com foco

pedagógico. A última etapa foi realizada pelo setor de recursos humanos e visava a traçar o

perfil do candidato.

Ao integrar seu corpo docente, experienciei situações inéditas em minha jovem

carreira. Assumir turmas com quarenta alunos (pré) adolescentes não é tarefa simples para

uma “iniciante”. Mesmo tendo feito estágio de prática de ensino, não me sentia segura para

assumir uma turma sozinha. Entretanto, o apoio recebido pela equipe de francês e pelos

demais colegas foi crucial para minha permanência na escola e para o meu aprendizado

profissional. Recebi desses colegas informações importantes sobre como agir em

determinadas situações de sala de aula, como preparar as aulas, como preencher diários, etc.

Minha estada nessa escola certamente enriqueceu meu currículo e contribuiu

decisivamente em minha formação. Durante esses dois anos de trabalho, posso relatar que a

estrutura da escola funciona bem, tanto para docentes quanto para os técnico-administrativos.

Primeiramente, o salário dos professores é um dos mais altos – se comparado ao magistério de

outras redes públicas do Rio de Janeiro. Por outro lado, o trabalho do professor é bastante

intenso.

O professor recebe remuneração equivalente a quarenta horas de trabalho que se

subdividem em sala de aula, vinte tempos em média, atendimento aos pais dos alunos,

reuniões pedagógicas semanais, preparação de aulas, entre outros. Em segundo lugar, as

condições de trabalho não eram precárias: havia banheiro limpo e separado para alunos e

professores, ventiladores nas salas, sala de professores com ar condicionado, armários para os

professores guardarem o material, para citar alguns dos pontos positivos. Porém, ainda não

eram as ideais, uma vez que poderia haver: salas diferenciadas para as línguas estrangeiras

com recursos audiovisuais, número menor de alunos por turma, ar-condicionado nas salas de

15

aula, etc. Diante desse cenário aqui apresentado brevemente, alguns professores expressavam

suas insatisfações e exigiam melhores condições de trabalho.

Ainda em 2007, e até os dias de hoje, trabalho como professora de francês no curso

Aliança Francesa. Para fazer parte do grupo de professores dessa associação, fiz um curso

preparatório com duração de três semanas promovido pela própria instituição. Ao final delas,

elaborávamos uma aula nos moldes dos ensinamentos da formação que tivemos. Vale a pena

lembrar que nem todos os que participam dessa preparação são selecionados a trabalhar no

curso. Se comparado à realidade das escolas, o ambiente de curso livre é mais tranquilo.

Primeiramente, porque não há mais que quinze alunos por turma, as salas de aula são

equipadas de data-show, computador, quadro interativo, aparelho de som e ar-condicionado.

A maior parte do público-alvo frequenta as aulas porque deseja estudar francês e está ali com

o objetivo de aprender o idioma, havendo raríssimos problemas de indisciplina. Entretanto, há

uma cobrança extrema para que o professor prepare muito bem sua aula, crie muitas

atividades dinâmicas, participe dos cursos de formação oferecidos pela Aliança, trabalhe aos

sábados e esteja disponível para se locomover para qualquer uma das nove filiais do Rio de

Janeiro, situadas em diferentes bairros como Barra da Tijuca, Recreio, Campo Grande,

Botafogo, Ipanema, Copacabana, Centro, Tijuca e Del Castilho.

Em agosto de 2008, fui convocada pela Secretaria de Estado de Educação a assumir

uma matrícula na rede após aprovação em concurso público no ano anterior. Para conseguir

aprovação nesse exame, o candidato deveria acertar no mínimo trinta das sessenta questões de

múltipla escolha. Dentre as sessenta questões, dez verificaram o conhecimento de Língua

Portuguesa, dez testaram os conhecimentos pedagógicos, cinco avaliaram o conhecimento de

legislação e trinta e cinco julgaram o conhecimento de Língua Francesa. Ao me apresentar na

coordenadoria regional, fui informada de que teria que compartilhar três escolas para cumprir

a carga horária de dezesseis horas semanais, ou seja, doze tempos em sala de aula. Entretanto,

era de se esperar que isso acontecesse pois no mês de agosto, as vagas “ociosas” são poucas.

O ideal seria ingressar no início do ano letivo, não só para alinhar o horário do professor ao da

escola mas também para conhecer os alunos desde as primeiras aulas e estabelecer um ritmo

de trabalho em conjunto.

Conformada com essa tripla missão, faltava enfrentar mais um desafio: o público

noturno. Mais uma vez me senti uma “iniciante” na arte da docência. Estava me adaptando

com os adolescentes, com a forma de lidar com eles e de repente encaro uma turma com

16

cinquenta alunos, a maioria com idade mais avançada do que a minha, com experiências de

vida diferentes umas das outras, com outras preocupações e anseios, além do fato de lidar com

alunos que trabalharam oito horas (ou mais) antes de chegar à sala de aula. O que mais me

chamou a atenção foi o caráter disciplina. Durante as aulas, os alunos se comportavam muito

bem, me respeitavam apesar de eu ser bem mais jovem do que eles. Apresentavam interesse

em descobrir o francês e os aspectos dessa cultura. A aula transcorria sem ter que pedir

silêncio ou colocar um aluno para fora de sala, como aconteceu muitas vezes comigo e outros

colegas que trabalham no ensino fundamental e médio diurnos.

Por outro lado, senti que o foco das aulas tinha que ser outro, ou seja, diferente do

público adolescente. Muitos alunos argumentavam que mal sabiam o português e que o

francês seria ainda mais difícil. Diante desses comentários, pensei em partir para um trabalho

de suporte à Língua Portuguesa. Nas primeiras aulas, trabalhava expressões de saudação,

diálogos de apresentação, aspectos culturais. Em seguida, introduzia textos curtos e aplicava

as técnicas de leitura instrumental junto aos alunos. Ao fim do ano letivo, vi alguns alunos

progredirem e se encantarem com o francês. O problema é que no ano posterior esse

aprendizado era interrompido, pois a língua oferecida para a série seguinte passava a ser o

inglês ou o espanhol. Sobre as condições de trabalho, posso enfatizar que as escolas não

dispunham de instalações próprias, já que eram compartilhadas com a rede municipal, as salas

de aula eram compostas por cadeiras, quadro branco e alguns ventiladores, que ora

funcionavam ora não, a situação dos banheiros também não era muito boa.

No que tange aos professores de disciplinas consideradas “essenciais”, e portanto, em

maior número, muitos, como os professores de matemática, apesar de serem em quantidade

bastante superior aos de língua estrangeira, não tinham um dia em comum para se

encontrarem e refletirem sobre aspectos pedagógicos. Não havia preocupação em organizar o

quadro de horário de maneira que colegas da mesma área e/ou de áreas afins pudessem se

encontrar em um mesmo dia. No meu caso, por exemplo, em diversos momentos fui a única

professora de francês da(s) escola(s) e não tinha com quem trocar experiências, elaborar

provas, realizar planejamento anual, etc.

Sem mencionar o salário do professor, assunto que sempre gerava (e gera, em várias

esferas educacionais) insatisfação e lamento na sala dos professores. Em contrapartida,

poderia ressaltar que o trabalho com adultos era menos desgastante já que os alunos eram

“disciplinados”. O professor precisa ter mais paciência para lidar com o público noturno, ou

17

porquê muitas vezes ficou sem estudar durante muitos anos consecutivos ou porquê chega à

escola cansado de uma árdua jornada de trabalho e compreender que o ritmo de trabalho deve

ser menos acelerado, até mesmo porque a carga horária das aulas é menor que a de um curso

diurno.

Em 2011, fui também convocada a atuar na rede municipal. Dessa vez, a vaga era para

professora de Língua Portuguesa, cabendo relembrar que desde 1992 não há concurso para

professor de francês no município do Rio de Janeiro. Ao comparecer à coordenadoria

regional, tive a sorte de encontrar uma escola de referência no bairro onde resido. A estrutura

da escola era muito boa: equipe administrativa atuante, diretores presentes, integração entre

pais e professores, merenda de qualidade, salas e banheiros limpos. A contrapartida era o

número excessivo de alunos, quarenta e cinco em média, os ventiladores não eram suficientes

para refrescar as salas, o trabalho exaustivo ao qual o professor era submetido, não só pela

indisciplina dos alunos mas também pelos vários relatórios que deveriam ser preenchidos, por

exemplo.

A questão salarial também era motivo de revolta entre os professores, os quais

deveriam cumprir as mesmas dezesseis horas semanais, ou seja, doze tempos em sala de aula,

mas a rede municipal demanda um maior engajamento do professor, fazendo com que ele

elabore mais projetos pedagógicos, preencha formulários em que constem pormenores de sua

preparação de aula e do desenvolvimento do aluno, atendimento aos pais com regularidade,

etc. Talvez por essa razão o salário do professor da rede municipal seja mais elevado que o

salário do professor da rede estadual. Aquela rede exige uma dedicação maior do professor

para lidar com assuntos que extrapolam o espaço da sala de aula. Mais uma vez, me senti uma

novata na arte de ensinar, já que nunca tinha trabalhado com Língua Portuguesa. No entanto,

já havia tido experiência com os (pré) adolescentes e pude me servir dela para estabelecer um

bom relacionamento com os alunos. Devo relatar que minha passagem nessa escola durou

apenas três meses devido à aprovação em outro concurso.

Gostaríamos de esclarecer que não pretendemos com essas três exemplificações

mapear a realidade de toda a rede pública do Rio de Janeiro. Cada escola tem a sua realidade

particular, seus desafios, seus valores. Apenas relatamos as experiências vividas, as quais

foram ponto de partida para a posterior comparação a ser realizada nesta tese com as

vivências de outros professores dessas mesmas redes para, assim, possivelmente,

18

conseguirmos traçar um panorama de como é o trabalho do professor de francês na cidade do

Rio de Janeiro, quais desafios ele precisa enfrentar e quais objetivos ele gostaria de alcançar.

Esta tese, portanto, conta com uma motivação particular baseada em observações que

fiz em minha atuação enquanto professora em diferentes instituições de ensino no Rio de

Janeiro. Dentre as instituições, estão elencados tanto colégios de prestígio social quanto

aqueles com menos notoriedade.

Em muitos momentos, dentro dessas instituições, deparei-me com algumas

reclamações recorrentes vindas de professores. Algumas delas tangiam à questão financeira, à

carência de material para trabalhar, à falta de infraestrutura, à jornada intensa de trabalho, à

desvalorização profissional, entre outras. Certamente, essas questões de cunho mais prático

fazem parte do cotidiano de muitos professores, incluída aí minha própria experiência pessoal.

Confesso ter ficado um pouco decepcionada ao ver que os professores de instituições

de renome se queixavam de problemas semelhantes aos das outras instituições. Essa decepção

é decorrente do fato de pensar que, para o professor de francês, o auge da carreira seria passar

em um concurso para uma dessas escolas federais, considerando-se que o salário é mais alto

que nas outras esferas públicas e que algumas dessas escolas ainda conservam certo prestígio

na sociedade. Para outro grupo, talvez o ápice da carreira seja a de professor universitário.

Entretanto, alguns fatores o distanciam desse objetivo. Dentre eles, o fato de que para seguir

carreira acadêmica, exige-se, com muita frequência, que o candidato possua um diploma de

doutorado e, infelizmente, muitos professores não dispõem de tempo para dar continuidade

aos estudos.

Comecei então a questionar de onde viria esse prestígio, já que os problemas eram

comuns e as queixas semelhantes. Falando em prestígio, pude notar que trabalhar no curso

privado Aliança Francesa também era sinônimo de fascinação, de importância social,

enquanto o trabalho nos outros cursos privados de língua não era tão bem reconhecido.

Minha experiência em diversas instituições permitiu-me sentir de perto esse

reconhecimento/desprezo, essa indiferença da sociedade. Não entendia a razão dessa

conceitualização, uma vez que eu achava que fosse a mesma professora, com a mesma

formação, com os mesmos ideais, mas em ambientes distintos.

Visto que essa inquietação era muito recorrente em minha vida, tanto pessoal quanto

profissional, comecei a procurar trabalhos que abordassem essas questões.

Surpreendentemente, identifiquei que poucas pesquisas estavam sendo desenvolvidas acerca

19

dessa temática. Em Língua Espanhola e em Língua Inglesa, consegui descobrir alguns

trabalhos, mas em Língua Francesa, poucas dissertações e teses abrangiam o trabalho desse

profissional.

Nessa mesma época, estava pensando em começar o curso de doutorado. Não hesitei

em propor à minha orientadora uma proposta tão desafiadora quanto à de querer analisar o

trabalho do professor de Língua Francesa na cidade do Rio de Janeiro tendo em vista suas

angústias e seu status social.

Em nossas pesquisas, pudemos notar que, nos últimos anos, a sala de aula foi objeto de

estudo em diversas tentativas de melhor compreender as práticas educacionais, a

aprendizagem escolar e a eficácia no ensino. Há alguns ensaios sobre metodologias de ensino,

dissonâncias entre teoria e prática, reformulação de currículos, entre outros. Os resultados

desses estudos apontam questões que merecem ser analisadas, tais como as políticas

escolares, a formação inicial e continuada dos professores, bem como o trabalho do professor

e o ambiente em que circula na execução de suas tarefas profissionais (MOITA LOPES, 1996;

DAHER E SANT'ANNA, 2009; FREITAS, 2010; COSTA, 2012), etc.

Considerando-se que o trabalho, a linguagem e a vida humana estão intimamente

relacionados e a todo instante passam por um processo de reelaboração e transformação,

buscamos com essa pesquisa realizar um estudo sobre a formação identitária do professor de

francês língua estrangeira atuante em um renomado curso de Língua Francesa e nas escolas

públicas das esferas estadual, federal e municipal da cidade do Rio de Janeiro o qual, após

concorrida seleção em concurso público, já inicia sua trajetória consciente da “crise

educacional” – presente nos discursos midiáticos e pedagógicos, assim como no dia a dia

escolar.

Para alcançar os objetivos propostos, seguiremos como primeiro passo metodológico a

realização do mapeamento dos professores formados na cidade do Rio de Janeiro a partir do

ano 2000 – que serão considerados em início de carreira – e professores que estejam, no

máximo, há dez anos de se aposentar – que serão considerados em fim de carreira. Após essa

inicial configuração do panorama no qual se insere o trabalho dos professores na cidade do

Rio de Janeiro, os limites impostos pela presente investigação exigirão a definição de nossos

sujeitos de pesquisa.

Através da obtenção dos dados coletados em entrevistas fornecidas por professores de

francês de algumas instituições de ensino, um possível mapeamento sobre as identidades dos

20

professores de francês do Rio de Janeiro em início e fim de carreira poderá ser traçado, a fim

de conhecer melhor esse profissional da educação em sua amplitude e contribuir para que

algumas inquietações possam ser apaziguadas e novos rumos pleiteados.

Dentre os temas que se destacam no meio acadêmico no que tange às línguas

estrangeiras, tais como manuais didáticos, estratégias de ensino-aprendizagem, compreensão

leitora, identidade do professor, entre outros, indagamo-nos, portanto, quais razões têm levado

alguns pesquisadores a estudar a questão da identidade do professor aliada ao seu campo de

trabalho.

Decerto, a questão identitária do profissional aliada ao campo de trabalho merece

destaque na presente tese, visto que é através da fala do professor sobre a sua atividade

docente que esperamos recuperar possíveis sentidos que se inscrevem na realidade discursiva

e que permitem o acesso a uma melhor compreensão da organização do trabalho.

De antemão, devemos considerar que, no atual contexto de mudanças culturais,

sociais, econômicas, políticas e tecnológicas, a temática das identidades vem ganhando

espaço. Amplamente debatida na área das ciências sociais, a chamada “crise da identidade”

associada à ideologia da globalização é vista como parte de um processo de mudança que,

segundo Stuart Hall (1998, p. 7), “está deslocando as estruturas e processos centrais das

sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma

ancoragem estável no mundo social”. O enfrentamento da heterogeneidade da vida humana e

a tentativa de compreender as grandes transformações aludidas anteriormente possibilitam

que o interesse pelas questões identitárias da vida social contemporânea conquiste um lugar

de destaque, tanto nas diversas disciplinas acadêmicas, como nos meios midiáticos (MOITA

LOPES, 2003).

Voltados ainda para o contexto atual, cujo marco está na constante indagação sobre

quem somos ou por que agimos desta e não daquela maneira, também se insere o seguinte

questionamento: por que escolhemos esta ou aquela profissão? Reflexões de cunho

sociológico mostram que o trabalho, tradicionalmente associado à ideia de um projeto de vida

e concebido como fundamento ético da sociedade, adquire novos sentidos na

contemporaneidade. Cada vez mais, revela-se a insegurança dos indivíduos diante da

precariedade das condições de trabalho em uma época na qual predominam sentidos como

“produtividade”, “competitividade” e “individualidade” (BAUMAN, 2001, p.160).

21

...a questão do aperfeiçoamento não é mais um empreendimento coletivo, mas

individual; são homens e mulheres individuais que as suas próprias custas deverão

usar, individualmente, seu próprio juízo, recursos e indústria para elevar-se a uma

condição mais satisfatória e deixar para trás qualquer aspecto de sua condição

presente de que se ressintam. (BAUMAN, 2001, p.155)

Nesse sentido, a questão do êxito profissional, nos dias atuais, é deslocada para o

âmbito da vida pessoal, isto é, trata-se, sobretudo de um empreendimento individual, cujas

supostas conquistas ou derrotas são atribuídas ao esforço de cada um. Segundo Bauman

(2001), em tempos de enorme instabilidade e precariedade das condições de trabalho, este,

elevado ao posto de principal valor na modernidade, perde cada vez mais o seu status de eixo

seguro em torno do qual se envolviam identidades e projetos de vida, dando lugar a sua

utilização precária e de curto prazo.

Em nosso país, as precárias condições de trabalho atingem de uma forma aguda os

profissionais da educação. Neste caso, tal precariedade não se dá exclusivamente no âmbito

da remuneração financeira, mas também no das condições básicas oferecidas para que o

trabalho se realize. Referimo-nos à precariedade das condições sociais em sentido mais amplo

que se reproduzem no ambiente da escola e no contexto em que ela se insere de várias

maneiras.

É diante deste panorama, designado por Coracini (2003, p. 14) como uma época em

que “a identidade do sujeito-professor parece perdida em um contexto de perdas – perda de

poder aquisitivo, perda de reconhecimento, perda de respeito, perda de ânimo...”, que

consideramos como desafio refletir sobre os traços da identidade profissional do professor de

francês.

Em nosso caso, enquanto professores, percebemos nitidamente certo descaso, não só

se tratando da questão financeira mas também de uma certa desvalorização em relação a essa

profissão, podendo ser acentuada no caso específico do professor de Francês como língua

estrangeira, uma vez que alguns discursos apontam para sua depreciação. A título de exemplo,

citaremos algumas situações motivadoras dessa afirmação. Como já afirmado, trabalhei como

professora contratada no Colégio Pedro II em 2007 e 2008, experiência que tem me levado a

refletir sobre minha profissão e sua relevância. Na referida escola, escutava a todo o momento

frases como estas: “Professora, por que você escolheu essa profissão? “Para que eu tenho que

estudar francês se nunca vou usar isso na minha vida?” Além de sentir, por parte de colegas

de trabalho e/ou técnico-administrativos, que a disciplina era vista como menos importante na

22

formação do alunado, a começar pela carga horária, pela distribuição dos horários e por sua

falta de destaque durante os “famosos” Conselhos de Classe, momento esse em que

professores e coordenadores pedagógicos discutem sobre o rendimento escolar dos alunos.

Um outro exemplo é o do concurso para professores realizado no Estado do Rio de

Janeiro em 2008. Além das poucas vagas oferecidas para a disciplina em questão, alguns

diretores de escolas se recusaram a receber concursados, alegando que aceitariam somente

professores de inglês ou espanhol. Nesse sentido, há um consenso de que o “tempo” do

francês já passou, que sua fase áurea se extinguiu. Isso nos faz pensar na existência de

diferenças identitárias e discursivas entre o professor de inglês, de espanhol e de francês. A

constatação de que o francês está démodé também foi feita pelos órgãos responsáveis pelo

Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), que limitou a opção de língua estrangeira em

inglês e espanhol nos anos de 2010, 2011 e 2012. Infelizmente as provas a serem aplicadas

em outubro de 2013 também não oferecerão a Língua Francesa dentre as opções de língua

estrangeira. Em contrapartida, para minha surpresa, a recepção do francês pela maioria dos

alunos das escolas da rede estadual em que trabalho é bastante satisfatória. De uma maneira

geral, os alunos do curso noturno são interessados e têm consciência de que o mercado de

trabalho está cada vez mais exigente quanto à qualificação do profissional.

Essa situação nos faz lembrar as reflexões de Paulo Rónai (1975,1992) sobre seu

aprendizado de latim e de francês. Ele comenta que todo ano havia uma discussão se o latim

deveria continuar ou ser excluído do currículo. Com a reforma do antigo ensino secundário, o

latim acabou sendo abolido, mas o autor alega que tal exclusão não trouxe melhora alguma ao

ensino. Ele argumenta que se a “inutilidade” de um estudo é motivo suficiente para suprimi-

lo, o primeiro a ser banido deveria ser o de português, já que as novas gerações conhecem

muito menos a própria língua que as gerações passadas. Em outro episódio, Rónai narra que a

reforma proposta para o ensino também incita que uma única língua estrangeira seja oferecida

aos alunos, que deverão escolher entre o inglês e o francês. A justificativa para adotar tal

medida é que os alunos terminam o percurso escolar com reduzidos conhecimentos de ambas

as línguas. Por isso, pensou-se em priorizar um único idioma. O autor critica essa postura pois

em sua opinião, o que precisaria mudar é a organização escolar, que deveria ser menos

burocrática e mais pedagógica. Ele acreditava que, mudando o foco da aprendizagem de

línguas para uma vertente voltada para a compreensão de textos e para os aspectos culturais, o

resultado poderia ser mais eficaz. A conclusão a que chega após a extinção do latim e da

23

opção de estudo de apenas uma língua estrangeira, que elegia o inglês devido à influência

norte-americana, é não perceber qualquer modificação benéfica na vida dos alunos. Nas

palavras do próprio autor:

... Não fora melhor, por uma vez, deixar as coisas como estão, ou então modificar

não as matérias do ensino, mas os seus métodos? Tínhamos a sorte de existirem em

nossos programas duas línguas-chaves, poderosos veículos de cultura, não ligados a

nenhum forte bloco de imigrantes e incapazes, pois, de ajudar a formação de

quesitos resistentes ao abrasileiramento; meios de expressão de duas civilizações de

efeitos fecundos enquanto se completam e se equilibram, ligando-nos à Europa e à

América, harmonizando o antigo e o novo, fundindo tradições e amizades. Se não

estivesse ao nosso alcance, teríamos de inventá-los. (RÓNAI, 1992, p. 64)

Aliás, Pierre Bourdieu (1970, 2008) também fez uma crítica feroz à estrutura escolar

meritocrática e democrática que supunha que por meio da escola pública todos os indivíduos

concorreriam com condições iguais e aqueles que se destacassem ocupariam carreiras de

destaque na hierarquia social, supondo assim a existência de uma escola “neutra” que faria

sua seleção de forma “racional”. Bourdieu questionou as ações pedagógicas no contexto

escolar, ressaltando que essas ajudavam a reproduzir a cultura dominante e reforçavam suas

relações de força, legitimando a desigualdade entre as classes. Ao fazer essa constatação, o

autor aponta a necessidade de uma análise mais aprofundada do currículo escolar, dos

métodos pedagógicos e da avaliação escolar.

... Se não é fácil perceber simultaneamente a autonomia relativa do sistema de

ensino e sua dependência relativa à estrutura das relações de classe é porque, entre

outras razões, a percepção das funções de classe do sistema de ensino está associada

na tradição teórica de uma representação instrumentalista das relações entre Escola e

as classes dominantes, enquanto que a análise das características de estrutura e de

funcionamento que o sistema de ensino deve à sua função própria tem quase sempre

tido por contrapartida a cegueira face às relações entre a Escola e as classes sociais,

como se a comprovação da autonomia supusesse a ilusão da neutralidade do sistema

de ensino. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p. 229)

Em relação à “extinção” da Língua Francesa, há um paradoxo latente. Nunca vimos

tantas empresas francesas investindo no Brasil, e até mesmo instalando aqui suas filiais, tais

como Carrefour, Sanofi-Aventis, Peugeot Citroën, Renault, Medley e outras 4951, o que

demanda profissionais qualificados que tenham domínio dessa língua estrangeira. Além da

crescente procura por cursos de Pós-Graduação que solicitam o conhecimento instrumental de

línguas estrangeiras, sendo em alguns casos, a Língua Francesa. Citamos ainda que a

flexibilidade das universidades francesas em receber alunos estrangeiros tem atraído muitos

1 Dado fornecido pelo diretor-geral no Brasil da Ubifrance (Agência pública Francesa para o Desenvolvimento

Internacional das Empresas), Eric Fajole, em 29 de setembro de 2011, durante a terceira edição do Seminário

Jurídico Franco-Brasileiro, realizada em São Paulo.

24

brasileiros. Para visualizarmos em números, o que estamos dizendo, 40% dos convênios

assinados entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e as instituições estrangeiras com as

quais estabelece o intercâmbio de alunos foram firmados com a França, segundo os dados

veiculados pelo Setor de Convênios e Relações Internacionais da UFRJ (SCRI) no ano de

20112. Não podemos negligenciar que parte desse resultado tem a ver com o fato de as

universidades francesas não cobrarem taxas (mensalidades) dos alunos brasileiros oriundos de

universidades parceiras. De qualquer forma, a atração com a França continua a se fazer

presente.

Há pois uma crescente procura pelo idioma cujo estudo, no passado, estava aliado ao

poder aquisitivo do interessado, sendo consensual a opinião de que somente ricos e cultos

escolhiam tal língua. Entretanto, atualmente, vemos a política de expansão das Alianças

Francesas, apostando fortemente em áreas jamais atendidas, como nos bairros de Del

Castilho, Barra da Tijuca e Recreio, e a reabertura de filial de Campo Grande, que

conheceram enorme sucesso.

Mesmo diante de algumas afirmações, que aqui não julgamos verdadeiras ou falsas,

não queremos pensar o professor, mais especificamente os dedicados ao ensino da Língua

Francesa como língua estrangeira na cidade do Rio de Janeiro, como vítima das políticas

educacionais. Optamos por pensar de que modo ele tem dialogado com essas vozes que

desvalorizam seu trabalho.

Acreditamos que investigar como os professores de francês rememoram seu processo

de aprendizagem da Língua Francesa: os manuais utilizados, os métodos, as habilidades

desenvolvidas, a ênfase em tal ou qual habilidade, o que a aprendizagem do francês

representava para eles (à época) e a importância desse aprendizado para sua trajetória

profissional e mesmo existencial, fazendo um mapeamento da mentalidade que os caracteriza,

nos ajudaria a recuperar possíveis saberes que se entrelaçam na criação dos traços da

identidade profissional desse professor e dialogam com a trajetória docente. Em outro âmbito,

desenvolver o mesmo trabalho com professores de Língua Francesa em início de carreira nos

faria projetar uma “memória do futuro”, visando assim reconstruir as relações entre as

práticas linguageiras que constituem o mundo do trabalho, de tal modo que novos saberes

possam constituir o trabalho dos docentes que iniciam sua trajetória profissional.

2 Informação extraída do site www.scri.ufrj.br

25

Ao propor uma análise acerca da construção identitária, esperamos contribuir para a

compreensão dos traços da identidade profissional do professor de língua estrangeira,

promover o conhecimento de assuntos ligados ao ensino e ao professor de língua estrangeira

em diferentes etapas da vida profissional e colaborar para o desenvolvimento teórico e

metodológico de pesquisas voltadas para a recuperação de “sentidos” através da fala do

trabalhador sobre o seu ofício.

Ao trazer as vozes dos professores para esse trabalho através dos autorrelato, seremos

levados a conhecer as impressões desse profissional em relação a sua prática pedagógica ao

longo da história bem como recuperar os discursos circulantes na sociedade e nos documentos

oficiais norteadores do ensino, permitindo-nos assim fazer um mapeamento da representação

imaginária do tema sob o olhar daquele que fala sobre o seu próprio agir, sobre o seu próprio

trabalho.

Para o desenvolvimento deste trabalho, propomos uma organização em cinco

capítulos. Iniciando a discussão, trazemos, no segundo capítulo, alguns aspectos teóricos

sobre a questão identitária à luz da análise do discurso de base enunciativa, sobretudo levando

em consideração a atividade do profissional de Língua Francesa. Teremos como apoio alguns

princípios preconizados por Patrick Charaudeau (1992, 1993, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007,

2008, 2009), sobretudo no que tange aos conceitos de linguagem, discurso e identidade.

No terceiro capítulo, abordamos, em uma perspectiva discursiva da linguagem, o que

dizem os documentos oficiais que norteiam o ensino em nosso país no que tange ao ensino de

língua estrangeira e ao papel do professor, fazendo-os dialogar com os conceitos trazidos por

Pierre Bourdieu (1970, 1979, 1982, 1994, 1998), tais como violência simbólica, capital

cultural e habitus. Resgataremos o conceito de globalização, de maneira geral, segundo o

olhar de Jameson (2001). Em um segundo momento, discutiremos a presença deste conceito

nas entrelinhas dos documentos prescritivos cujas propostas estão relacionadas à

implementação de abordagens metodológicas “inovadoras” como condição essencial para o

sucesso do aluno e da Educação, atribuindo mais uma vez ao professor a responsabilidade

pelo processo educativo.

No quarto capítulo, de caráter metodológico, descrevemos a metodologia usada na

obtenção dos dados, apresentamos os sujeitos da pesquisa e explicamos como os dados foram

analisados. Para elaborarmos o nosso corpus, recorremos à entrevista agregada a uma

pesquisa de campo inspirada na análise de situações de trabalho.

26

A entrevista, concebida como um dispositivo metodológico capaz de propiciar a fala

dos professores sobre seu trabalho (LACOSTE, 1998), ocupa lugar de destaque na presente

investigação. Seguindo a concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1992, 2000), nessa

etapa, não temos como objetivo a revelação de verdades encobertas, mas propiciar um espaço

de diálogo entre pesquisador / trabalhador e mais, um diálogo entre os possíveis sentidos que

constituem os discursos – anteriores à situação de entrevista- sobre o trabalho do professor.

Em seguida, durante a atividade de coleta de dados propriamente dita, os enunciadores leram

textos sobre a temática da educação e exprimiram sua opinião sobre o assunto, além de

responderem a um questionário por escrito narrando suas práticas enquanto docentes.

No quinto capítulo, examinamos os dados obtidos nas entrevistas à luz de Patrick

Charaudeau (2008) e os diferentes procedimentos de enunciação aliados aos modos de

organização discursivos, relacionando esses dados às questões que aqui trazemos e aos

objetivos dessa pesquisa e apontando possíveis traços da construção da identidade do

profissional da educação.

Concluímos expondo uma comparação entre os diferentes grupos de colaboradores da

pesquisa, comentando o papel do professor nos dias de hoje.

Delineadas as considerações iniciais desta pesquisa, começamos, no segundo capítulo,

a debater as correntes teóricas que embasam o trabalho no que tange à questão da identidade.

2 SER E NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA

Nesse capítulo, temos como objeto de interesse promover a discussão sobre o conceito

de identidade. Não temos a ambição de defini-lo nem de trazer informações conclusivas, já

que esse é “demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco

compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.”

(Woodward, 2000). Tentaremos expor a opinião de alguns autores acerca desse tema e aliá-las

ao nosso objeto de estudo, buscando assim desvelar pedaços do “mosaico” constituintes da

identidade do professor de francês na cidade do Rio de Janeiro.

Logo de início, nos deparamos, dentre as perspectivas identitárias, com o embate

existente entre a abordagem essencialista e a abordagem não essencialista (Woodward, 2000).

Para os essencialistas, a identidade é fixa, imutável. O sujeito nasce com uma identidade e ao

longo de sua vida permanece com ela, unificada e estável. Dessa concepção provém o desejo

de querer “desvendar” a identidade do sujeito. Vale lembrar que no Iluminismo o sujeito era

visto como indivíduo dotado de razão, de consciência e cujo centro era a sua identidade.

Dessa inspiração deve ter nascido a corrente essencialista.

Rebatendo essa corrente com pressupostos “individualistas”, a contracorrente surge

para revelar uma nova face do sujeito. Os não essencialistas defendem a ideia de sujeito

fragmentado, composto de inúmeras identidades, até mesmo contraditórias. A identidade é

vista como algo em construção, mutável de acordo com as relações do sujeito com o mundo.

Também podemos destacar que essa forma de conceber a identidade está pautada na ideia de

sujeito pós-moderno, variável, problemático. Segundo Hall (1998), o sujeito assume

identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor

de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando-nos para

diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente

deslocadas.

O que estamos tentando mostrar é que os próprios conceitos são passíveis de

transformação histórica. Nas sociedades tradicionais, valorizava-se a perpetuação das

tradições, das experiências passadas para as gerações futuras. Daí a crença de uma identidade

cultural “coletiva”. Nas sociedades modernas, as mudanças e as diferenças são intrínsecas às

relações sociais. Talvez a base dessas sociedades tenha sido diretamente influenciada pelo

fenômeno da globalização, que tem o poder de expor as culturas nacionais e fazê-las se

influenciarem por outras culturas. Logo, seria relevante pensar que com o “bombardeamento”

28

de diferentes culturas, as identidades terminariam se desvinculando, se fragmentando, não

podendo mais se pensar em uma identidade completa, segura.

Assim, a globalização poderia ser vista como um processo capaz de modificar

contextos, de romper barreiras locais e atravessar as fronteiras nacionais, integrando e

conectando culturas, tornando o mundo mais interconectado.

Decerto que as recentes reformas no modelo educacional levaram em consideração as

premissas do “mundo moderno” decorrentes do fenômeno da globalização. Dentre as

preocupações que tangenciam a Educação no país, uma das inquietações latentes nesse

momento para os estudiosos deste campo é descobrir como a escola se adequará a esse novo

perfil de alunado e de que meios disporá para preparar o profissional da educação para essa

nova realidade.

Com o avanço tecnológico, as tecnologias da educação e da informação estão

fortemente presentes na vida de grande parte dos cidadãos. Crianças e jovens são habituados a

ter contato com equipamentos tecnológicos desde cedo e esses acabam se tornando

“indispensáveis” às suas vidas. Com isso, os alunos criam a expectativa de que a escola se

tornará um laboratório de alta tecnologia, que as salas de aula serão equipadas com os mais

modernos recursos didáticos e que o professor dominará todas as ferramentas colocadas à sua

disposição com facilidade.

Entretanto, esse modelo de escola ainda está bastante distante da realidade da maioria

dos alunos brasileiros. Certamente que a escola brasileira precisa estabelecer estratégias que

mobilizem o aluno a ter interesse pelos estudos, que dialogue com as expectativas do seu

público-alvo. Os documentos oficiais que norteiam o ensino no país têm abordado essa

questão e reconhecem a necessidade de renovação, de modificação no sistema escolar. Porém,

na prática, o professor acaba sendo responsabilizado pelo fracasso no ensino por não

conseguir despertar o interesse do aluno, por não ministrar uma aula “espetacular”. Todavia, o

que não se comenta é que o professor não recebeu formação para lidar com esse novo público

nem dispõe de recursos e tempo para preparar uma aula nos moldes dos textos prescritivos

sobre Educação.

Retomando a temática da identidade, à luz de Hall e Woodward, começamos a

desmistificar a interrogação que outrora fora uma de nossas inquietações. Buscávamos

entender como o professor de francês era visto de maneiras distintas em cada instituição de

ensino e até pensamos em recuperar a identidade desse profissional. Porém, segundo esses

29

autores, não se deve falar em identidade, uma vez que o sujeito é plural, composto de

inúmeras identidades. Assim, em cada situação e momento da vida, o sujeito assume

diferentes identidades. Para Hall (2000, p. 109), as identidades se constroem dentro do

discurso, “locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas

discursivas específicas.”.

Seguindo a orientação de Hall, é chegado o momento de introduzirmos os estudos das

identidades do sujeito do ponto de vista discursivo. Tomando por base a teoria de Patrick

Charaudeau e seu trabalho na área de análise do discurso de base enunciativa, buscamos em

sua obra textos que abordassem a questão identitária.

No artigo Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência

comunicativa (2009), Charaudeau postula a existência de um sujeito construído por dois tipos

de identidade: a social e a discursiva. Segundo Charaudeau, identidade é o que permite ao

sujeito tomar consciência de sua existência, implicando assim a tomada de consciência de si

mesmo. Para ele, o sujeito se constrói através de sua identidade discursiva mas explica que a

mesma é proveniente de uma identidade social, ou seja, a identidade discursiva se constrói na

base da identidade social.

Seguindo essa linha de raciocínio, para que haja essa tomada de consciência, o sujeito

precisa perceber que é diferente em relação ao outro. Após essa constatação, sua consciência

identitária poderá vir à tona, visto que ele vai “ser o que o outro não é” – e quanto mais forte

for essa consciência do outro mais fortemente se construirá a sua própria identidade. Eis o

princípio da alteridade. Vale a pena ressaltar que essa relação ao outro poderá fazê-lo se

reconhecer semelhante ou diferente.

Para que um se reconheça como semelhante ao outro, é preciso que compartilhem as

mesmas motivações e intenções, ainda que parcialmente. Ao contrário, para que o sujeito se

reconheça como diferente do outro, é preciso que cada um desempenhe o seu papel com

intenções diferentes das do outro. Pensamos, como ilustração para essa explicação, em um

contexto acadêmico em que ocorra uma palestra. O palestrante tem a intenção de trazer

alguma informação nova e o participante a de aprender algum dado novo.

Decerto que tanto um quanto outro estará em permanente análise sobre o outro, se

reconhecendo ou se diferenciando do outro. É desse cruzamento de olhares que se constrói a

identidade. O autor traz ainda uma citação de E. Benveniste muito pertinente que exemplifica

30

o que está buscando debater, que “não há eu sem tu, nem tu sem eu, o tu constitui o eu.”

(Charaudeau, 2009, p. 309)

Sem dúvida que o sujeito, ao analisar o outro e se reconhecer diferente, vai iniciar um

processo de atração e de rejeição ao outro. O de atração porque tenha desejado ser como o

outro, de se reconhecer inacabado. No entanto, ao se perceber imperfeito, poderá se sentir

ameaçado, uma vez que o outro é o que ele não é, deixando-o inseguro, o que gera o processo

de rejeição.

Woodward (2000) comenta uma história contada pelo escritor e radialista Michael

Ignatieff ocorrida na antiga Iugoslávia, em que servos e croatas, dois povos com mais de

cinqüenta anos de unidade política e econômica, continuam se considerando “inimigos”. Ao

conversar com um miliciano sérvio, descobriu que a razão desse conflito provém do fato de os

croatas se postularem melhores que os sérvios apesar de “serem os mesmos”. No entanto, o

soldado sérvio reconhece que ambos pertencem a uma mesma unidade nacional, já que “são

os mesmos” mas não se reconhecem “os mesmos” no dia a dia pois cada grupo apresenta suas

particularidades. Dentre essas, ele cita que soldados croatas fumam cigarros croatas e

soldados sérvios fumam cigarros sérvios. Mais uma vez notamos que os símbolos marcam a

identidade. Logo, a identidade sérvia depende da identidade croata para existir, pois ser um

sérvio é ser um não croata. Aí reside a diferença, diferença essa pautada na negação da

existência de traços comuns às duas identidades.

Segundo Silva (2000), não há como definirmos identidade sem pensar na diferença

pois “a diferença é parte ativa da formação da identidade”. Nesse sentido, ao definirmos “o

que somos” deixamos claro também “aquilo que não somos”. Por isso, ao delimitarmos essa

fronteira, acabamos por demarcar uma relação de poder entre “nós” e “eles”.

É nessa situação contraditória que se constrói a identidade. Precisamos do outro em

sua diferença para nos darmos conta de nossa existência. Porém, para nos sentirmos menos

ameaçados, tentamos ser semelhante ao outro ou tentamos rejeitá-lo, o que eliminaria a

diferença. Nos dois casos há um risco direto na construção da identidade do sujeito, pois ao

rejeitar o outro, elimina-se a diferença que é fundamental para que o sujeito defina sua

identidade, e ao se assemelhar ao outro, perca sua própria consciência identitária. Daí,

podemos notar que o conceito de identidade não é tão simples assim de ser definido.

De acordo com o Dicionário de Análise do Discurso (Patrick Charaudeau, verbete

“identidade”. In: Charaudeau, P. e Maingueneau, D, 2004, p. 266), a noção de identidade só

31

existe em consonância com duas outras noções: as de sujeito e de alteridade. Para sujeito,

entende-se que haja a existência de um ser pensante que diz “eu” e para alteridade, conforme

havíamos citado anteriormente, postula-se que não haja consciência de si sem consciência da

existência do outro e que é na diferença de “si” e do “outro” que se constitui o sujeito.

Ao se relacionar a noção de identidade com a de sujeito falante, podemos dizer que

esse sujeito se caracteriza por um número de traços que lhe conferem uma identidade

enquanto produtor de um ato de fala, ou seja, os traços característicos da identidade social e

da identidade discursiva é que vão construir uma identidade para esse sujeito.

Vislumbrando melhor compreensão sobre os traços de identidade citados acima,

faremos uma breve explicação sobre as particularidades intrínsecas à identidade social e

identidade discursiva, segundo Patrick Charaudeau (2009).

2.1 IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE DISCURSIVA

A identidade social precisa ser reconhecida pelo outro e é ela que confere a

legitimidade ao sujeito. O outro tem que reconhecer no sujeito alguém que tem a propriedade

de agir ou falar daquela maneira. Para ilustrar, citamos um exemplo: o professor de francês foi

formado para utilizar a Língua Francesa, seja para falar, para escrever, para ouvir ou para

produzir um texto e para ensiná-la. Quando um professor entra em sala de aula, o aluno

pressupõe que aquele sujeito é detentor de um saber, que possui um diploma naquela área, o

que o legitima. Digamos que o professor não tenha aprendido a fonética da Língua Francesa

durante sua formação e que tenha dificuldades na pronúncia. A legitimidade desse professor

poderia ser questionada. Segundo Charaudeau (2009), a profissão está protegida pelas regras

da instituição.

Há ainda outro tipo de legitimidade, aquela que é atribuída a alguém por demonstração

de um “saber fazer”. Por exemplo, poderíamos citar o caso de um pedreiro que salva uma

pessoa vítima de um alagamento. Ele será reconhecido como herói, ainda que não seja um

integrante do corpo de bombeiros.

Para Charaudeau (2009), identidade social é, de certa forma, determinada pela situação

de comunicação. O sujeito falante deve ter em mente como ele deverá agir, considerando o

seu status e o papel que desempenha naquele contexto. Desta forma, o sujeito poderá atender

ou não às expectativas do outro, podendo reconstruir essa imagem, mascará-la ou deslocá-la.

32

A identidade discursiva é construída pelo sujeito falante, que deve ter consciência de

como deverá articular seu discurso para se adequar a determinada situação de comunicação.

Dentro de cada contrato de comunicação, os participantes podem recorrer a certas estratégias

discursivas numa tentativa de consolidar o seu projeto de fala, atingindo assim suas metas em

relação aos seus interlocutores e construindo sua identidade discursiva. Charaudeau informa

que existem inúmeras estratégias, não excludentes, mas prefere reuni-las em dois grupos: de

credibilidade e de captação.

A estratégia de credibilidade impõe ao sujeito falante a necessidade de defender a sua

imagem perante o outro, se fazendo digno de que o outro deposite nele sua confiança, sua

crença. Ele precisa lançar mão de algumas atitudes discursivas para “ser levado a sério” pelo

outro, tais como:

- Atitude de neutralidade: o sujeito falante tenta eliminar do seu discurso qualquer

traço de avaliação pessoal ou de julgamento;

- Atitude de distanciamento: o sujeito falante tenta não esboçar nenhum sentimento em

relação aos fatos, agindo de forma controlada e mecânica;

- Atitude de engajamento: o sujeito falante tenta optar por uma tomada de posição ao

escolher seus argumentos e palavras na busca pela persuasão do outro.

A estratégia de captação visa a que o sujeito falante convença o outro de sua intenção,

fazendo-o compartilhar de suas opiniões. Para o êxito dessa estratégia é crucial que ambos os

participantes do ato comunicativo estejam em relação simétrica, ou seja, que um não ocupe

uma posição de hierarquia superior a do outro. Caso isso acontecesse, bastaria atribuir-lhe

uma ordem para que fosse prontamente cumprida. Nessa tentativa de convencer o outro, o

sujeito pode fazê-lo recorrer à razão, pelo caminho da persuasão ou fazê-lo sentir, através do

recurso da sedução. Nesse sentido, o sujeito falante poderá recorrer a outras atitudes

discursivas, tais como:

- Atitude polêmica: o sujeito falante tenta apagar do seu discurso possíveis argumentos

que poderiam ser refutados pelo outro, evitando assim uma situação de conflito;

- Atitude de sedução: o sujeito falante tenta aproximar o seu discurso da realidade do

outro, fazendo com que ele se sinta um personagem importante;

- Atitude de dramatização: o sujeito falante organiza seu discurso apoiando-se

histórias dramáticas do dia a dia que trazem à tona valores afetivos socialmente

compartilhados, despertando assim algumas emoções no outro.

33

Assim, a identidade discursiva está pautada na organização enunciativa do discurso, na

manipulação dos imaginários sócio-discursivos, é como se o sujeito pudesse fazer suas

próprias escolhas para definir a sua identidade, mas essa está, a todo o momento, atrelada aos

fatores que constituem a sua identidade social.

2.2 O CONCEITO DE ETHOS NA TEORIA DE PATRICK CHARAUDEAU

Importante trazermos para essa discussão o conceito de ethos. Assim como Patrick

Charaudeau, Benveniste, Goffman e Kerbrat-Orecchioni também não haviam feito uso desse

conceito. Em 1984, Oswald Ducrot integra esse termo às ciências da linguagem dentro da

teoria polifônica da enunciação. Para ele, o ethos corresponderia à imagem do locutor como

ser do discurso. Entretanto, em 2005, Charaudeau retoma esse termo dando-lhe nova

significação, questionando se ele se aproximaria da imagem projetada pelo locutor ou pelo

enunciador, sendo este ligado à imagem projetada e aquele ao ser de palavra, conforme

descreveremos no item 2.4 no qual apresentaremos o contrato de comunicação. Segundo este

autor, o ethos está relacionado com o cruzamento de olhares, tanto o olhar do outro em

relação ao que fala quanto ao olhar daquele que fala em relação à forma como imagina ser

visto por seu interlocutor. Não podemos ignorar que o interlocutor muitas vezes se apoia em

dados pré-existentes ao discurso para construir a imagem do sujeito falante e em outros dados

trazidos pelo próprio ato de linguagem, visto que, nas palavras do próprio autor:

A finalidade do ato de linguagem (tanto para o sujeito enunciador quanto para o

sujeito interpretante) não deve ser buscada apenas em sua configuração verbal, mas,

no jogo que um dado sujeito vai estabelecer entre esta e seu sentido implícito. Tal

jogo depende da relação dos protagonistas entre si e da relação dos mesmos com as

circunstâncias de discurso que os reúnem. (CHARAUDEAU, 2006, p.24)

Ao assumirmos esse posicionamento, teríamos que retomar a questão da identidade do

sujeito falante, que se desdobraria em duas: a identidade social, que lhe confere sua

legitimidade para falar, considerando seu papel e seu status social, e a identidade discursiva,

em que o sujeito falante constrói seu projeto de fala levando em consideração seu papel dentro

do que é esperado naquela situação discursiva dentro do contrato de comunicação. Assim,

para Charaudeau, o ethos é o resultado dessa dupla identidade que acaba por se fundir em uma

única.

34

Faremos, a seguir, uma breve exposição dos modos de organização do discurso

buscando mostrar a presença do modo enunciativo em todos os outros. Vale a pena esclarecer

que de acordo com as finalidades discursivas do ato de comunicação, o sujeito se utilizará de

categorias de língua agrupadas em quatro modos de organização: Enunciativo, Descritivo,

Narrativo e Argumentativo.

2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

Para melhor entendermos os modos de organização do discurso, recorremos à

Grammaire du sens et de l’expression (1992) de Patrick Charaudeau. Para esse autor, os

modos de organização do discurso constituem os princípios de organização da matéria

linguística, princípios que dependem de uma finalidade comunicativa própria do locutor,

podendo ter como finalidades uma descrição, uma narração ou uma argumentação. Para

Charaudeau (Patrick Charaudeau, verbete “modo de organização do discurso”. In:

Charaudeau, P. e Maingueneau, D, 2004, p. 337-338), trata-se de “distinguir as operações

linguageiras que são postas em funcionamento em cada um dos níveis de competência: o nível

situacional de reconhecimento das coerções psico-sócio-discursivas da situação de

comunicação; o nível discursivo dos modos de organização; o nível semiolingüistico da

composição textual.”

Em relação ao modo de organização enunciativo, o autor o define como aquele que

organiza as categorias da língua ordenando-as quanto à posição do locutor em relação ao

interlocutor, em relação a ele próprio e em relação aos outros. Este modo está sempre

presente, articulando-se aos outros três modos de organização, argumentativo, descritivo e

narrativo, e os comanda. O locutor, a partir do conhecimento sobre os contratos de

comunicação, deverá saber como se portar em cada situação pressupondo a existência de um

TU para quem ele fala. Há três maneiras de posicionamento do locutor quanto à situação de

comunicação:

ALOCUTIVA: caracteriza-se pelo fato do locutor implicar o interlocutor no seu ato de

enunciação impondo-lhe o conteúdo de seu propósito (entendendo-se “propósito” como

aquilo que o locutor quer comunicar). As formas linguísticas, como pronomes (tu, você)

identificam o interlocutor e o uso de frases interrogativas e imperativas são comuns neste tipo

comportamento;

35

ELOCUTIVA: o locutor situa seu propósito em relação a si mesmo, sem envolver seu

interlocutor. As formas linguísticas, como pronomes em 1ª pessoa e o uso de frases

exclamativas são comuns neste tipo comportamento;

DELOCUTIVA: o locutor tenta se afastar do propósito, fazendo com que este se

imponha como tal. A utilização da forma impessoal ou o uso da terceira pessoa identificam

este comportamento.

Segundo Charaudeau (2008), no comportamento ALOCUTIVO, o sujeito falante se

enuncia em posição de superioridade ou inferioridade em relação ao seu interlocutor. Visando

cumprir seu propósito, este comportamento se utiliza de categorias modais de Interpelação

(IP), Injunção (IJ), Autorização (AT), Aviso (AV), Julgamento (JG), Sugestão (SG), Proposta

(PP), nas quais o locutor se coloca em posição de superioridade em relação ao seu interlocutor

e as categorias de Interrogação (IT), Petição (PT), colocando-se em uma relação de

inferioridade em relação ao seu interlocutor.

Para o autor, o ponto de vista do sujeito falante sobre o mundo (ELOCUTIVO) pode

ser especificado como:

-Ponto de vista do modo de saber, que especifica de que maneira o locutor tem

conhecimento de um Propósito. Corresponde às modalidades de “Constatação” e de

“Saber/Ignorância”.

- Ponto de vista de avaliação, que especifica de que maneira o sujeito julga o

propósito do enunciado. Corresponde às modalidades de “Opinião” e de “Apreciação”.

- Ponto de vista de motivação, que especifica a razão pela qual o sujeito é levado a

realizar o conteúdo do Propósito referencial. Corresponde às modalidades de “Obrigação”,

“Possibilidade” e “Querer”.

- Ponto de vista de engajamento, que especifica o grau de adesão ao Propósito.

Corresponde às modalidades de “Promessa”, “Aceitação/Recusa”, “Acordo/Desacordo”,

“Declaração”.

- Ponto de vista de decisão, que especifica tanto o status do locutor quanto o tipo de

decisão que o ato de enunciação realiza. Corresponde à modalidade de “Proclamação”.

O locutor se utiliza de procedimentos linguísticos da construção enunciativa elocutiva

chamados de categorias modais: Constatação (C), Saber/Ignorância (S), Opinião (O),

Apreciação (AP), Obrigação (OB), Possibilidade (P), Querer (Q), Promessa (PM),

36

Aceitação/Recusa (AR), Concordância/Discordância (CD), Declaração (D), Proclamação

(PC).

O ponto de vista em que o sujeito falante testemunha a maneira pela qual os discursos

de terceiros se impõem a ele (DELOCUTIVO) pode ser analisado pelo seu modo de dizer,

seja enquanto asserção ou discurso relatado. A primeira estaria relacionada à maneira de

apresentar o propósito e a segunda dependeria da posição dos interlocutores, das maneiras de

relatar um discurso já enunciado e da descrição dos modos de enunciação de origem.

Para o comportamento delocutivo, as categorias modais priorizadas para a asserção

são as mesmas do comportamento elocutivo, exceto as de Promessa, Concordância e

Proclamação, visto que essas implicam um parecer subjetivo do locutor. Porém, nesse

comportamento, o ser falante se distancia do discurso, não expressando assim sua própria

opinião. No que tange ao outro viés do delocutivo, o discurso relatado, poderíamos analisá-lo

a partir da posição dos interlocutores e pela maneira de relatar (discursos citado (DC),

integrado (DI), narrativizado (DN) e evocado (DE)). Para melhor compreendermos o discurso

relatado, faremos agora uma breve apresentação sobre as diferentes maneiras pelas quais um

discurso pode ser relatado por seu locutor:

a) Discurso citado: o discurso de origem é citado quase que em sua integralidade

através dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como “estilo direto”;

b) Discurso integrado: o discurso de origem é parcialmente integrado ao relato do

locutor, sem a utilização dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como

“estilo indireto” ou “estilo indireto livre”;

c) Discurso narrativizado: o discurso de origem se integra totalmente, ou mesmo

desaparece no dizer daquele que relata. Nas palavras de Charaudeau (2008), o locutor de

origem torna-se o agente de um ato de dizer;

d) Discurso evocado: o discurso de origem aparece como um dado evocador do que o

locutor de origem disse, seja através dos recursos das aspas, dos travessões ou parênteses.

O modo de organização descritivo visa a construir uma imagem a-temporal do mundo,

“fazendo existir os seres do mundo ao nomeá-los e qualificá-los de modo particular”

(CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338), podendo combinar-se com os modos

narrativo e argumentativo em um mesmo texto, visto que o descritivo dá sentido a estes

últimos.

37

O modo narrativo permite “organizar a sucessão das ações e dos eventos nos quais os

seres do mundo estão implicados” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338).

Para haver narração, é necessária a presença de um narrador que queira transmitir alguma

coisa a alguém, sendo este alguém seu destinatário, e que haja um contexto para o

desenvolvimento de uma seqüência de ações que se encadeiam progressivamente. O modo de

organização narrativo organiza o mundo de uma maneira sucessiva e contínua, em uma lógica

cuja coerência é marcada pelo seu início e fim. A lógica narrativa conta com três

componentes:

1 - ACTANTES : Segundo o Dicionário de Análise do Discurso (2004, p. 33), o termo

actante serve para designar os diferentes participantes que estão implicados em uma ação e

que têm nela um papel ativo ou passivo. Dentre os actantes, temos aqueles diretamente

ligados à ação: AGENTE (aquele que executa a ação) e o PACIENTE (aquele que sofre a

ação). A partir dessa diferenciação feita em relação à postura do actante frente à ação

principal, Charaudeau (2008, p. 162-163) propõe que o agente pode executar a ação atuando

como:

Agressor – comete um malefício

Benfeitor – transmite um benefício;

Aliado – associa-se a um outro actante para auxiliá-lo ou defendê-lo, seja agindo

diretamente sobre o adversário do actante, seja agindo ao mesmo tempo que este.

Oponente – contraria os projetos e as ações de um outro actante;

Retribuidor – oferece a outro actante uma recompensa ou punição.

Segundo o autor das categorias, os papéis acima mencionados podem ser realizados de

maneira a) VOLUNTÁRIA (consciente); b) INVOLUNTÁRIA (inconsciente); c) DIRETA

(afrontamento direto) e d) INDIRETA (por meio de fingimento ou de intermediário).

Entretanto, se o actante sofre a ação, ele a recebe como:

Vítima – é afetado negativamente pela ação de um outro actante.

Beneficiário – é afetado positivamente pela ação de um outro actante.

38

Para melhor visualizarmos os papéis desempenhados pelos actantes, propomos o

seguinte quadro adaptado do modelo proposto por Charaudeau (1992, p. 723):

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

2 – OS PROCESSOS: unem os actantes entre si dando uma dimensão funcional à ação

destes.

3 – AS SEQÜÊNCIAS: relacionam os processos e os actantes com uma finalidade discursiva

segundo os princípios de organização. Estes se subdividem em:

(A) Princípio da coerência: a sucessão de ações não é arbitrária, tendo o texto um início e

um fim.

(B) Princípio da intencionalidade: o início e o fim do texto precisam de uma motivação

para dar sentido narrativo à seqüência de ações, composta de três etapas:

INICIAL – nasce uma “falta” que possibilita um processo de “busca” para sanar a falta.

ATUALIZAÇÃO DA “BUSCA” – tenta-se obter o objetivo que sanará a falta.

FINAL – termina pela vitória ou pelo fracasso do objeto da busca.

(C) Princípio do encadeamento: as seqüências se sucedem de forma linear e consecutiva

gerando a ação seguinte.

(D) Princípio da recuperação: localização das seqüências no espaço e no tempo.

Normalmente as seqüências são organizadas no tempo de forma cronológica.

O modo de organização argumentativo organiza as relações existentes entre as ações

apresentadas pelo modo de organização narrativo, tendo como função persuadir e convencer o

interlocutor através da argumentação.

Conforme apresentamos acima, é através do modo argumentativo que o sujeito falante

persuadirá o TU, fazendo com que ele se engaje ao seu projeto e o legitime. Essa teoria aqui

39

apresentada nos remete à teoria comunicacional apresentada por Charaudeau. Sabemos, por

meio dela, que todo discurso se passa no âmbito de uma situação comunicativa na qual há um

número de dados fixos que sobredeterminam os participantes do ato de comunicação. Estes

dados prescrevem como os sujeitos devem se comportar para que a comunicação se realize e o

momento em que eles podem usar as estratégias discursivas para tentar engajar e influenciar o

outro. Assim, dentro dessa encenação argumentativa, o sujeito que quer argumentar deverá se

servir de procedimentos que validem sua argumentação. Para tal, ele questionará a proposta

(asserção que diz alguma coisa sobre o mundo), argumentando segundo o seu interesse, ou

seja, apresentando sua proposição e justificando sua tomada de posição. Nessa tentativa de

provar a validade de uma argumentação, alguns sujeitos constroem seus discursos pautados no

valor dos argumentos servindo-se dos procedimentos semânticos. Esses valores são

compartilhados socialmente e são organizados em cinco domínios de avaliação: domínio da

Verdade, domínio do Estético, domínio do Ético, domínio do Hedônico e domínio do

Pragmático. Cada um desses domínios se define em termos de avaliações que girem em torno

dos seguintes pares semânticos:

a) Verdade verdadeiro e falso

Define algo de maneira absoluta e compreende o saber como princípio único capaz de

explicar os fenômenos do mundo.

b) Estético belo e feio

Define os seres e os objetos do mundo em termos de belo e feio.

c) Ético bem e mal

Define como deve ser o comportamento humano diante de uma moral em termos de

bem e mal.

d) Hedônico agradável e desagradável

Define em termos de agradável e desagradável o que pertence ao âmbito dos sentidos

que buscam prazer em relação aos projetos e ações humanas.

40

e) Pragmático útil e inútil

Define em termos de útil e inútil os projetos e as ações humanas.

Para Charaudeau (2008), os domínios do Pragmático e do Ético podem imbricar-se no

caso de avaliações concernentes à organização racional da vida – o trabalho, o sucesso, o

mérito, por exemplo, na medida em que uma regra de comportamento tenha sua eficácia

comprovada (campo do pragmático) e se torne um modelo a ser seguido (campo do ético).

Faz-se pertinente outra observação acerca dos domínios Estético e Hedônico uma vez

que eles parecem, de alguma forma, estar conectados. Os valores referentes ao campo do

Estético estão intrinsecamente atrelados às definições em termos de belo e feio e os valores

ligados ao campo do Hedônico estão relacionados a uma busca pelo prazer. Entretanto, a

motivação para desejar algo pode ser suscitada pela beleza de um produto, por exemplo. Por

essa razão, esses dois domínios apresentam-se como indissociáveis em algumas análises.

Na sequência, exporemos um esquema de Charaudeau (2008, p. 77), no qual

visualizaremos as relações existentes entre os participantes de um ato de comunicação.

2.4 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO E AS IDENTIDADES SOCIAL E DISCURSIVA

A encenação do ato de linguagem resulta da combinação do Fazer e do Dizer. Este

pertence ao circuito interno e aquele ao circuito externo. No circuito externo encontramos

dois sujeitos sociais: Eu comunicante – responsável pela produção do discurso – e Tu

interpretante – responsável pela interpretação deste discurso. No circuito interno encontramos

dois sujeitos discursivos: Eu enunciador – representa a imagem construída de si próprio e que

o outro possui sobre ele – e TU destinatário – representa a imagem que o emissor faz sobre o

Tu.

41

Retomando a questão das identidades discursiva e social atrelada ao esquema acima

apresentado, torna-se evidente afirmar que, como os sujeitos participantes do ato

comunicacional passam o tempo todo projetando uma imagem do outro, em algumas

situações essa imagem possa ser confirmada ou destruída, sendo que essa última faria com

que o sujeito falante tivesse sua legitimidade ameaçada. Vejamos um exemplo em que essas

imagens projetadas não condizem com o esperado.

Imaginemos uma situação discursiva tendo como personagens mãe e filho. Digamos

que o filho tenha ficado reprovado na escola pela segunda vez consecutiva. Temeroso, o filho

revela a notícia para a mãe. Podemos imaginar que o filho esteja com medo da atitude da mãe

e que a mãe reagirá de forma enérgica e enraivecida. Imaginemos as falas: “Mãe, queria te

pedir desculpas e te dizer que fiquei reprovado novamente. O que vai acontecer?” E a mãe

responda: “Tudo bem, filho. Mamãe vai até a escola conversar e comprar sua aprovação.”

Nessa situação, o filho, que seria o EUc1, deve ter projetado uma imagem de como

reagiria sua mãe diferente da reação do TUi. Normalmente, imagina-se que os pais não

ficarão satisfeitos com esse anúncio e reagirão de forma autoritária. Nesse caso, o TUi

construiu para si uma identidade de mãe compreensiva e indiferente. Poderíamos dizer que a

atitude discursiva dessa mãe se sobrepôs ao status da figura materna imaginada para essa

situação, ou seja, uma mãe “furiosa” pela notícia que acaba de receber. É como se a

identidade discursiva mascarasse a identidade social.

Esse exemplo, como muitos outros, nos mostra que a identidade social não define a

totalidade da significação do discurso. A imagem projetada pelo EUc1 em relação a figura da

mãe não foi correspondida. Por outro lado, não podemos reduzir o sentido do discurso ao

42

significado da língua, já que esse é dependente da identidade social de quem fala. A

identidade discursiva é construída pelo sujeito falante e esse deve levar em consideração a

situação de comunicação para utilizar-se de estratégias discursivas que façam com que seu

interlocutor o leve a sério. A identidade discursiva é construída na base da identidade social,

uma vez que essa concede ao sujeito o direito à palavra, que o autoriza a agir da forma pela

qual age.

Imaginando uma situação de comunicação ideal, esperaríamos que a identidade social

se combinasse com a identidade discursiva e, além disso, que a imagem projetada pelo

interlocutor em relação ao EUc fosse confirmada pelo enunciador. No entanto, uma situação

de comunicação pode não seguir à risca o contrato de comunicação, como vimos, por

exemplo, no diálogo entre mãe e filho. Nesse caso, a identidade social da mãe foi ocultada

pelo seu comportamento linguístico, que não correspondeu às expectativas do filho. Assim,

conclui-se que é da combinação das identidades social e discursiva que se constrói o poder de

influência do sujeito falante.

Ponderando-se esses dois tipos de identidade, Charaudeau (2009) propõe um modelo

comunicacional de análise do discurso que tem como eixo três tipos de competência,

comunicacional, semântica e discursiva, e três tipos de estratégias discursivas, de

legitimação, de credibilidade e de captação.

A competência comunicacional (ou situacional) postula que o sujeito conheça o status

e o papel social de seus interlocutores para saber como agirá em relação a eles e organizará

seu discurso a fim de garantir que eles o legitimem. Para isso, o sujeito deverá mobilizar seus

diferentes saberes e colocá-los em prática, aptidões essas conhecidas como competência

semântica.

A competência discursiva pressupõe que o sujeito organize seu discurso, seja ele

descritivo, narrativo ou argumentativo, de forma adequada para cada tipo de situação. Para

que haja essa noção de adequação, é necessário que o sujeito disponha de uma competência

semiolinguística, que o ajudará a compor o seu discurso em consonância com a situação de

comunicação pois lhe fará adequar formas à situação de produção do discurso bem como à

organização do discurso. É nesse plano que a identidade discursiva do sujeito toma forma.

Logo, a identidade discursiva pode ser construída de forma distinta pelo sujeito falante

para cada situação de comunicação. É como se fossemos um ser diferente em cada situação

43

comunicacional, ou apresentássemos uma máscara diferente para as diversas situações às

quais somos expostos ao longo da vida.

2.5 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA

Conforme verificamos acima, Patrick Charaudeau (2008, 2009) nos mostra que o ato

de comunicar vai muito além de simplesmente informar. Comunicar significa seduzir o outro

através de um jogo de estratégias utilizadas pelos parceiros implicados no ato de

comunicação.

Cada sujeito falante ocupa um determinado papel em uma determinada situação

comunicativa e precisa recorrer a certas estratégias para que sejam reconhecidos como

legitimados a ocupar aquela posição em que se encontram.

Em seu artigo Le contrat de communication dans la situation de classe, Charaudeau

(1993) nos fala das identidades dos parceiros envolvidos nessa situação de comunicação, ou

seja, professor e aluno. Segundo ele, a identidade do professor está atrelada a um status sócio-

profissional que o faz ter uma relação de dependência com a instituição que o emprega, sendo

assim um representante da mesma. De

acordo com os discursos que circulam sobre o papel do professor, atribui-se a ele a

competência do saber e do saber-fazer. Em relação ao papel do aluno, esses discursos o

apontam como aquele que tem a obrigação social de aprender porque tal conhecimento lhe

será útil e atribui-se a ele a competência da aprendizagem, supondo que este esteja apto a

adquirir o saber e da compreensão, supondo que este possua a capacidade de compreender o

que lhe será ensinado. Sua identidade estaria atrelada a um estado do não saber e de não

ativo.

Esses imaginários sobre a identidade do professor e do aluno são muito recorrentes e

facilmente recuperados nos discursos que circulam em nossa sociedade. Aliás, essa descrição

se encaixaria perfeitamente no conceito de interdiscurso trazido no Dicionário de Análise do

Discurso (Dominique Maingueneau, verbete “interdiscurso”. In: Charaudeau, P. e

Maingueneau, D. 2004, p. 286), definido pelos autores como “o conjunto das unidades

discursivas (que pertencem a discursos anteriores do mesmo gênero, de discursos

contemporâneos de outros gêneros etc.) com os quais um discurso particular entra em relação

implícita ou explícita”.

44

Retomando assim a questão dos papéis do professor e do aluno, podemos afirmar que

a eles são atribuídas, ainda que implicitamente, algumas tarefas, e para que o contrato de

comunicação tenha êxito ambos devem cumpri-las a contento. Caso contrário, uma falha

acontecerá nesse circuito. Essas atribuições compõem a identidade social dos parceiros desse

contrato, ou seja, professor e aluno. Logo, caso um deles não cumpra com tais compromissos

que circulam como se fossem obrigações, poderá colocar em risco sua identidade e perder sua

credibilidade. Ou ainda, ao romper com as expectativas do parceiro, deslegitimará o projeto

de comunicação do outro.

Dentre os discursos proclamados acerca do papel do professor, Charaudeau (1993) nos

elenca três objetivos para o seu trabalho: o de ensinar (no sentido de transmitir um saber,

funcionando como mediador entre o conteúdo e o aluno), o de avaliar (verificando os

resultados da aprendizagem do aluno) e o de captar (tentando traspor as barreiras que possam

vir a atrapalhar seu projeto). Ao aluno, dois objetivos lhe são atribuídos, o de aprender

(adquirindo conhecimento porque dizem que será bom para ele) e o de provar (mostrando que

assimilou os conteúdos que lhe foram transmitidos).

Segundo Charaudeau (1993), circula nos imaginários sócio-discursivos como tarefas

do professor apresentar textos e ferramentas de trabalho, explicar os conteúdos, avaliar,

corrigir, captar o interesse do aluno, etc. Ao aluno, caberá o papel de aprender, escutar e

provar que aprendeu. Ora, diante desses objetivos traçados e do papel de cada parceiro no

contrato de sala de aula, pode-se correr o risco de pensar que o aluno ocupa um lugar

discursivo daquele que é passivo, enquanto o professor ocupa o lugar da autoridade, como

outrora fora idealizado esse modelo de aluno e de professor na concepção das abordagens

metodológicas que mais se destacaram ao longo da história, tais como Gramática e Tradução

(ou Tradicional), Direta, Audiolingual e Audiovisual (PUREN, 1988). Entretanto,

entendemos que para o aluno adquirir um conhecimento é necessário que haja esforço de sua

parte, que interaja com os novos saberes. Portanto, que desempenhe um papel ativo, de agente

do aprender.

Aliás, as abordagens mais recentes voltadas para o ensino de línguas estrangeiras

pressupõem papéis de agentes tanto para alunos quanto para professores. A abordagem

comunicativa, difundida intensamente no Brasil a partir da década de 80, e os princípios do

sociointeracionismo trazidos por Vygotsky (1994) trazem uma nova visão de língua aliada a

um grande interesse pelo ensino. Seus pressupostos teóricos funcionam como pilares para a

45

aprendizagem de línguas, inclusive fazem parte das orientações didáticas presentes nos

Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesta perspectiva desloca-se a ênfase da aprendizagem da

forma linguística para a comunicação, preza-se pela utilização de materiais autênticos no

lugar dos “artificiais”, adota-se o uso das quatro habilidades (compreensão oral e escrita e

produção oral e escrita) de modo integrado, valoriza-se o contexto social e a interação. A

maior crítica feita em relação às abordagens anteriores refere-se à falta de objetivos

específicos no ensino de línguas. Essa abordagem defende a aprendizagem centrada no aluno

tanto em termos de conteúdos quanto nas técnicas usadas em sala de aula e transfere o papel

de autoridade e de distribuidor do conhecimento antes atribuídos ao professor para o de

orientador. Valoriza-se o caráter afetivo nesta abordagem, o que faz com que o professor

assuma também o papel daquele que se mostra sensível ao interesse dos alunos, encorajando-

os a participar da aprendizagem da língua. Assim, o professor desempenha um papel ativo na

condução das atividades propostas em sala de aula, talvez não mais à frente dos alunos, mas

no meio deles, participando das tarefas, sanando dúvidas, promovendo a interação e

conduzindo o processo. O aluno é visto como parceiro ativo que deve ser motivado a aprender

a língua estrangeira e a se comunicar de forma competente no idioma. Atualmente, a

abordagem comunicativa divide o lugar com a abordagem acional apresentada no CECRL

(Cadre Européen Commun de Références pour les Langues), traduzido por QECRL (Quadro

Europeu Comum de Referência para as Línguas), incentivado pelo Conselho Europeu e

publicado em 2001. Dentro desta perspectiva trazida pelo QECRL, os aprendizes da língua

são considerados como atores sociais capazes de agir sobre o mundo através do cumprimento

das tarefas que lhes são designadas pelos professores e o processo de aprendizagem e de uso

da língua ocorrem simultaneamente. Tenta-se proporcionar ao aprendiz um uso da língua

próximo ao de uma situação real e preza-se pelo desenvolvimento da habilidade de interação

(oral e escrita) além das outras habilidades preconizadas pela abordagem comunicativa, como

a compreensão (oral e escrita) e a produção (oral e escrita).

Em consonância com as abordagens mais recentes formuladas para o ensino de

línguas, professor e aluno devem desempenhar papéis ativos no contrato de sala de aula. O

professor é o agente do ensinar e o aluno o agente do aprender e ambos interagem no

processo de ensino/aprendizagem. Espera-se do professor que ele seja um aliado do aluno

nesse processo, fazendo com que ele mobilize seus conhecimentos prévios, promova a

interação social e o direcione pelo caminho que o levará a construir o saber.

46

Trazendo esses conceitos para a realidade desse trabalho, podemos começar a buscar

algumas respostas ou esclarecimentos às inquietações apresentadas como fatores motivadores

desta pesquisa.

2.6 ERA UMA VEZ UMA IDENTIDADE

Primeiramente, a partir dessa teoria, anula-se o desejo de conseguir traçar a identidade

do professor de francês na cidade do Rio de Janeiro. Vimos que o sujeito é composto de

traços de uma identidade social cujas facetas se manifestam discursivamente e que não

podemos limitá-las a uma identidade unificada e chegarmos a uma única conclusão. O que

podemos fazer é recolher esses traços e tentar entender: Quem é esse professor? Como é o seu

trabalho? Como ele se sente? O que ele deseja? O próprio Charaudeau (2009) nos ensina que

as identidades social e discursiva se complementam e que não se pode captar todos os traços

de uma identidade. Por esse motivo, nos aconselha a falar de “traços identitários”, sendo uns

discursivos e outros psicossociais. Ele ressalta ainda que talvez nunca nos apresentamos ao

outro como realmente somos por desconfiar que sejamos uma sucessão de máscaras.

Havíamos ainda mencionado na introdução desta tese que elaboraríamos um trabalho

de coleta de dados a partir de entrevistas realizadas com professores de francês. Nosso desejo

não é, nem nunca foi, o de querer traçar exaustivamente a realidade desse profissional na

cidade do Rio de Janeiro. Nossa meta não é desenvolver um trabalho de amostragem

quantitativa e sim qualitativa. Ainda que o nosso desejo inicial fosse o de mapear essa

realidade e chegar a uma conclusão, isso nos seria inviável. Charaudeau (2009) nos mostra

que o sujeito falante pode recorrer a diferentes estratégias e a diferentes competências para

produzir o seu discurso de acordo com cada situação de comunicação. Dessa forma, não

poderíamos afirmar com certeza absoluta se o relato de um professor durante a entrevista é ou

não compatível com sua realidade profissional. No entanto, também não é nosso interesse

averiguar essa “verdade”, nem desvendar as verdades encobertas. Assim como também não é,

e nem será, nossa proposta fazer desse profissional uma vítima das políticas educacionais.

Nossa intenção é conhecer o trabalho do professor de francês e como esse profissional vem

dialogando com as vozes que desvalorizam seu trabalho.

Um terceiro aspecto que despertou interesse nesse estudo de Patrick Charaudeau

(2009) voltado para as identidades foi sua percepção sobre a questão da identidade social

47

atrelada ao contexto profissional e à legitimidade do profissional. Segundo o autor, são as

normas institucionais que vão atribuir legitimidade aos que são investidos através de tais

normas. O reconhecimento de um sujeito por outros sujeitos implica em uma relação direta

com as funções, as normas e os papéis por ele desempenhados, regendo assim sua prática

social.

A fim de exemplificar esta discussão, Charaudeau (2009), mostra que, no domínio

jurídico, regime esse regido pela lógica da lei, os atores são legitimados pela obtenção de um

diploma e o status institucional é adquirido através de um sistema de ingresso por concurso.

Tomando para análise o poder judiciário, há um consenso de que o profissional que ocupa

algum cargo ligado a esse poder da república é alguém conhecedor das leis, que está apto a

utilizar-se delas para trazer benefícios à vida de um cidadão ou fazê-lo prestar contas de

alguma atitude inadequada. Assim, poderíamos ser levados a raciocinar que pelo fato do

domínio jurídico ser legitimado pela sociedade, aquele que exerce função nesse domínio

também o seria. Logo, podemos estabelecer um contraponto entre este exemplo e a realidade

encontrada pelo professor de francês. A legitimação do profissional dependerá do grau de

reconhecimento/desprezo da sociedade em relação à instituição que o emprega.

Aliar a questão das máscaras à nossa pesquisa nos parece muito pertinente. Uma das

inquietações que levaram à elaboração desta tese é justamente a possibilidade (e muitas vezes

a necessidade) que um professor tem de trabalhar em diferentes instituições e o seu “saber-

fazer” em cada uma delas. Particularmente, quando as pessoas me perguntavam onde eu

trabalhava e a resposta era em um renomado curso de Língua Francesa, notava que a recepção

da informação era positiva. Porém, quando a resposta era em uma escola noturna da rede

estadual do Rio de Janeiro, percebia em meu interlocutor um sentimento de desprezo muitas

vezes ligado à piedade. Assim também quando dizia que trabalhava no Colégio Pedro II. Essa

primeira informação era recebida com satisfação. Todavia, ao falar da disciplina de trabalho a

reação do interlocutor era visivelmente diferente. Na próxima seção, trataremos da questão

das máscaras e sua relação com as identidades.

2.7 AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS

Começamos, portanto, a questionar essas diferentes reações em relação a um mesmo

profissional. Com a leitura da apresentação do livro Le discours politique: Les masques du

48

pouvoir (2005), de Charaudeau, um novo olhar foi despertado para a questão identitária. No

decorrer desse texto, o autor discute mais uma vez a questão das máscaras. É dito que o

sentido de todo ato de linguagem é proveniente do encontro de um sujeito que enuncia e de

outro que interpreta através da imagem que um faz do outro. Sendo assim, cada um não passa

de uma imagem para o outro. A cada situação uma nova máscara pode aparecer, uma vez que

ela constitui nossa própria identidade face ao outro.

Poderíamos considerar que cada instituição de ensino possui suas próprias máscaras,

quer dizer, cada uma delas elenca uma série de princípios e propósitos que serão alvo de seu

trabalho. Posto isto, o funcionário da instituição tenderá agir de forma compatível com as

premissas traçadas para a mesma, sendo assim seu representante. Certamente, o mesmo

ocorre com o professor. Em seu ambiente de trabalho, ele é um agente daquela instituição.

Portanto sua imagem pode ficar atrelada à dela, ainda que isso seja involuntário e que o

professor discorde de alguns dos princípios traçados por ela.

Nosso pensamento está em consonância com o de Bourdieu (1982, p. 101) ao dizer

que o representante de um grupo é a personificação de uma pessoa fictícia, emprestando o seu

corpo biológico a um corpo coletivo:

... Le porte-parole reçoit le droit de parler et d´agir au nom du groupe, de « se

prendre pour » le groupe qu´il encarne, de s´identifier à la fonction à laquelle il « se

donne corps et âme », donnant ainsi un corps biologique à un corps constitué.

« L´état, c´est moi ».

... O porta-voz recebe o direito de falar e agir em nome do grupo, de “se colocar no

lugar” do grupo no qual ele personifica, de se identificar com a função à qual ele “se

entrega de corpo e alma”, dando um corpo biológico a um corpo coletivo. “O Estado

dou eu. 3

É justamente aí que a questão das máscaras passam a fazer sentido. O professor veste

uma máscara em um determinado espaço. Ao se locomover, serve-se de uma outra máscara. E

assim sucessivamente. Não queremos concluir com isso que o professor muda sua

personalidade em cada espaço habitado, mas sim que há, por trás dele, a máscara da

instituição que acaba por refletir nele um determinado papel. Nessa perspectiva, o

reconhecimento ou o fracasso do professor está, de uma certa forma, condicionado à imagem

projetada por seu local de trabalho junto à sociedade graças à reputação construída ao longo

do tempo, inclusive através da mídia.

3 Tradução nossa

49

Embora possamos nos ver, seguindo o senso comum, como sendo a “mesma pessoa”

em todos os nossos diferentes encontros e interações, não é difícil perceber que

somos diferentemente posicionados, em diferentes momentos e em diferentes

lugares, de acordo com os diferentes papéis que estamos exercendo. (HALL, 2000,

p. 31)

Woodward (2000, p. 14) afirma que a identidade também está vinculada a condições

sociais e materiais. Se um grupo é “simbolicamente marcado como inimigo, isso terá efeitos

reais porque o grupo será socialmente excluído e terá desvantagens materiais.”

A título de curiosidade, fizemos uma pesquisa breve na página da internet do

globo.com para analisar as recentes notícias sobre a rede pública de ensino. A escolha desse

site foi motivada pelo fato de ser um veículo de ampla receptividade e legitimado pela

população como fonte confiável de informação. Ao pesquisarmos por escola pública, a

primeira página da busca aleatória apresentou dez títulos, sendo que nenhum deles fazia

referência a algum aspecto positivo. Vejamos alguns exemplos:

“400 estudantes ficam sem aula em escola pública de Samambaia.” (17/02/2011)

“Escolas do Distrito Federal guardam 63 kg de merenda escolar contaminados com larvas.”

(18/02/2011)

“Faltam gás e merendeiras em grande parte das escolas da rede pública.” (15/02/2011)

Não obstante, resolvemos restringir nossa pesquisa para as manchetes que falassem da

escola pública no Rio de Janeiro, visto que os títulos acima não fazem referência a essa

cidade que é alvo desse trabalho. Selecionamos três das dez manchetes mostradas na primeira

página de pesquisa. Voltamos a ressaltar que não havia destaques satisfatórios das escolas.

Vejamos as manchetes:

“Escola é invadida no Rio de Janeiro durante operação policial.” (20/10/2009)

“Escola pública precisa recuperar credibilidade, diz professora da Turma 1901.” (27/12/2010)

“Estudante de 12 anos agride diretora de escola no Rio de Janeiro.” (05/04/2010)

Certamente, não temos o objetivo de querer provar que a mídia denigre a imagem da

escola pública ou que não há notícias que projetem uma imagem satisfatória dessa escola.

Também somos conscientes de que, com base nessa pesquisa rápida em uma página de

50

internet, não podemos tirar conclusões precipitadas. Só quisemos buscar um meio de tentar

entender como a população em geral enxerga essa escola, mostrando uma parcela do

funcionamento discursivo, e porque a avaliação da sociedade a profissionais dessa rede de

ensino é geralmente relacionada a desprezo, descrença e até mesmo pena.

Acerca dessa temática, estamos em total harmonia com Bauman (2005, p. 51), no que

refere à questão da influência do trabalho na construção da identidade de uma pessoa:

Houve um tempo em que a identidade humana de uma pessoa era determinada

fundamentalmente pelo papel produtivo desempenhado na divisão social do

trabalho, quando o Estado garantia a solidez e a durabilidade desse papel, e quando

os sujeitos do Estado podiam exigir que as autoridades prestassem contas no caso de

deixarem de cumprir as suas promessas e desincumbir-se da responsabilidade

assumida de proporcionar a plena satisfação dos cidadãos.

Continuando nossa navegação pela internet, fizemos a mesma pesquisa com o curso

privado Aliança Francesa, visto que a presente pesquisa visa conhecer o trabalho dos

professores de francês em instituições públicas e nesse curso atuantes na cidade do Rio de

Janeiro. Para isso, digitamos o nome dessa instituição no mesmo site acima citado e nos

deparamos com as seguintes manchetes:

“Aliança Francesa oferece curso voltado para a pré-escola.” (26/02/2007)

“Aliança Francesa realiza seminário sobre novas tecnologias no ensino do francês.”

(22/10/2008)

“Aliança francesa inaugura filial em Campo Grande.” (17/07/2007)

“Aliança Francesa tem banco de vagas com oportunidades no exterior.” (15/05/2010)

Escolhemos quatro das dez manchetes listadas na primeira página. Como podemos

observar, nos quatro títulos não há qualquer referência que denigra a imagem da instituição.

Pelo contrário, as manchetes evocam expansão, modernização e sucesso, uma vez que

inaugura nova filial, realiza seminário sobre assunto pioneiro no ensino e amplia sua gama de

cursos, oferece oportunidades no exterior, características essas que deslumbram o leitor.

Talvez, por essa razão, as máscaras dos professores reflitam uma imagem positiva à

população em geral. Podemos ainda ir mais além no que tange à imagem dessa instituição

privada. No Brasil, esta é uma representante oficial da língua e da cultura francesa além de

ter a exclusividade para aplicar exames de proficiência reconhecidos mundialmente. Essa

51

entidade nos remete ainda à França, país que muito influenciou o nosso em diferentes

aspectos e conta com a gratidão e com o encantamento do povo brasileiro, o que nos leva a

concordar que a “representação atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas

relações no interior”, segundo Hall (apud Woodward, 2000, p. 8). Sem falar que há nessa

instituição uma política forte de investimento nos professores cuja segunda língua é o francês.

Como a maioria desses professores não são nativos há bastante incentivo do governo francês

para que eles façam cursos de formação/reciclagem na França através de bolsas de estudos

financiadas por esse governo. Há uma preocupação com o aperfeiçoamento da língua como

também pelo conhecimento da civilização francesa.

Talvez estejamos no caminho certo de pensar que a instituição empresta ao professor

um lugar de porta-voz da mesma, devendo, portanto, defender e reafirmar os seus interesses,

ou talvez estejamos no caminho equivocado. Nossa meta é levantar questões e problematizá-

las a fim de tentar reunir traços que compõem a identidade do professor de francês.

Aproveitando esse ponto de discussão entre os valores institucionais e a postura do

profissional dentro daquele contexto de trabalho, desponta-nos a necessidade de um

levantamento de informações sobre como essas instituições se apresentam e que convicções

elas defendem em seus documentos oficiais.

Para tanto, selecionamos para nossa análise, documentos que discorram sobre o

trabalho do profissional da educação, abrangendo aspectos normativos sobre o seu agir e

pautando-se nos pilares de sustentação das instituições de ensino.

Introduziremos, no próximo capítulo, uma apresentação sobre os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs), sobre as Orientações Curriculares e outros textos oficiais divulgados pelas

redes de ensino municipal, federal e estadual, analisando-os discursivamente e apontando

como eles influenciam diretamente do trabalho do professor e na construção de sua identidade

social.

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE

3.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

3.1.1 PCNs de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental – 2º ao 5º ano)

Neste capítulo, faremos uma releitura de alguns textos oficiais sobre a educação no

Brasil dentro de uma perspectiva sócio-discursiva. Presume-se que tais textos atuem como

norteadores do trabalho a ser desenvolvido pelo professor no contrato de comunicação

estabelecido pelo contexto escolar, e que, de alguma forma, funcionam como princípios pré-

estabelecidos que devam ser cumpridos por esse profissional. Dentro desse contrato, professor

e aluno desempenham papéis legitimados institucionalmente, e estes, muitas vezes,

pressupõem uma relação assimétrica, em que o professor ocupa uma posição superior em

relação ao aluno, sendo-lhe atribuída a tarefa de ministrar os conteúdos, responder às dúvidas

dos alunos, confeccionar as provas e trabalhos, etc. É ele que detém a palavra e assume a

autoridade de alguém que está ali como legitimado para assumir a posição de autoridade

institucional, já que é dotado do saber e do poder de decisão (CHARAUDEAU, 1993).

Compreendendo que as orientações didáticas não sejam aleatórias, mas sim voltadas

para os interesses dos parceiros envolvidos na comunicação, entendemos que tais documentos

prescritivos apresentem-se como discursos que produzirão efeitos de sentido que, na

percepção dos professores, serão absorvidos como deveres a serem cumpridos, e, por essa

razão, influenciarão diretamente na construção da identidade social do professor. Lembramos

que, por mais que o texto traga algo que poderia ser feito em dada situação escolar, a fim de

melhorar a situação do ensino no país utilizando-se de modalizadores que indiquem uma

possibilidade, poderia recair sobre o professor com um tom de obrigação, algo que ele deveria

fazer, já que a ele cabe a tarefa de ensinar e a ele é dado “o direito à palavra e a identidade de

sujeito competente”. (CHARAUDEAU, 1993, p.1)

Percorreremos o documento voltando o nosso olhar para os procedimentos linguísticos

relacionados aos comportamentos enunciativos e para as representações que circulam no

espaço escolar, trazendo para o debate discursos que impliquem as modalizações, explícitas

ou implícitas, distribuídas em diferentes categorias apresentadas na seção 2.3, mas que

retomamos neste momento: Comportamento ALOCUTIVO (Interpelação (IP), Injunção (IJ),

Autorização (AT), Aviso (AV), Julgamento (JG), Sugestão (SG), Proposta (PP), Interrogação

53

(IT), Petição (PT)); Comportamento ELOCUTIVO (Constatação (C), Saber/Ignorância (S),

Opinião (O), Apreciação (AP), Obrigação (OB), Possibilidade (P), Querer (Q), Promessa

(PM), Aceitação/Recusa (AR), Concordância/Discordância (CD), Declaração (D),

Proclamação (PC)); Comportamento DELOCUTIVO (Asserção (AS) e Discurso relatado

(DR)).

Em 1997, em nosso país, foi disponibilizado o documento intitulado Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), o qual orienta o ensino fundamental de todas as disciplinas

oferecidas na escola. Pretende-se, através dele, renovar a proposta curricular, estimulando que

cada escola formule seu projeto pedagógico cujo objetivo é o de explicitar as características

que a comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, pais e alunos) deseja construir

naquela escola e qual formação querem para quem ali estuda. Também se espera que esse

documento ajude a garantir a qualidade da formação a ser oferecida a todos os estudantes e

seja adaptado a cada região brasileira:

... (os PCNs) foram elaborados de modo a servir de referencial para o seu

trabalho (PP), respeitando a sua concepção pedagógica própria e a pluralidade

cultural brasileira. Note que eles são abertos e flexíveis, podendo ser

adaptados à realidade de cada região. Estamos certos de que os Parâmetros

serão instrumento útil no apoio às discussões pedagógicas em sua escola, na

elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a

prática educativa e na análise do material didático. E esperamos, por meio deles,

estar contribuindo para a sua atualização profissional (JG). — um direito seu e,

afinal, um dever do Estado. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª

série de Língua Portuguesa, 1997, p. 4)

O trecho acima, retirado do texto introdutório aos PCNs, faz referência direta a alguns

actantes, ou seja, diferentes participantes que estão envolvidos em uma ação que têm nela um

papel ativo ou passivo. Recorrendo ao contrato de comunicação trazido por Charaudeau

(2008, p.77), podemos nomear alguns desse actantes: aquele que escreve (Eu comunicante) e

aquele que interpreta o que foi escrito (Tu interpretante). Em nosso caso específico, o texto se

dirige explicitamente aos professores, servindo-se do vocativo Ao professor, e foi assinado

pelo excelentíssimo senhor Paulo Renato Souza, Ministro da Educação e do Desporto, na

época do lançamento desse material, que acaba assim assumindo a responsabilidade técnica

pela confecção do documento. Logo, a primeira informação que o sujeito interpretante possui

é de que esse documento conta com o aval do governo federal, o que o leva a projetar a

54

imagem de um enunciador, o ministro que esteve no comando do Ministério da Educação,

como alguém legitimado a tomar a palavra, quer dizer, a elaborar tais orientações.

É possível inferir do mencionado trecho, que a proposta (PP) desses parâmetros se

coloca como balizadora da prática docente e como instrumento útil, fazendo um julgamento

(JG) de que fazem parte dessa prática discussões pedagógicas na escola, elaboração de

projetos educativos, planejamento de aulas, reflexão sobre a prática educativa e análise do

material didático. Logo, ao fazer essa leitura, o professor depreenderá que essas atividades

fazem parte de suas atribuições, e, provavelmente, essas agirão sobre o professor de modo a

construir traços de sua identidade social. Há, ainda, no trecho citado, marcas enunciativas

próprias do comportamento alocutivo no qual o locutor é implicado (seu, sua, note, sua).

Ao longo do documento elaborado por uma equipe composta por trinta pessoas cujos

nomes foram elencados na ficha técnica foi possível detectar um forte apelo à necessidade de

uma reflexão sobre o papel desempenhado pela escola assim como o que, quando, como e

para que ensinar e aprender. Segundo o texto, não basta apresentar ao aluno uma gama de

conhecimentos e dizer-lhe que posteriormente estes lhe serão úteis. Para os PCNs, é

necessário pensar na formação dos estudantes para o desenvolvimento de suas capacidades

em função de novos saberes que se produzem e que demandam um novo tipo de profissional.

Logo, os conteúdos a serem ensinados devem fazer sentido para o aluno no momento em que

são ensinados e ainda servir de base para novos aprendizados, acentuando que a dinâmica do

processo de aprendizagem é cíclica e permanente.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais expressam uma grande preocupação em

melhorar a qualidade da educação no País. De acordo com o documento, o fracasso escolar

está diretamente relacionado com a questão da leitura e da escrita, visto que a escola tem

enfrentado dificuldades para ensinar a ler e a escrever. A consequência disso é que muitos

alunos ficam reprovados, situação julgada inaceitável (JG) sobretudo em séries iniciais, pelo

fato de não atingirem o rendimento esperado e acabam por abandonar a escola. Aliás, neste

fragmento, a voz do locutor é apagada pelo comportamento delocutivo, utilizando-se de uma

forma impessoal (Sabe-se que), como se fosse de conhecimento de todos que o alto índice de

repetência nas séries iniciais fosse proveniente da dificuldade da escola para ensinar a ler e a

escrever, trazendo para a reflexão questões relacionadas ao Letramento e ao

Sociointeracionismo. Todavia, quem ensina a ler não é a escola e sim o professor. Logo, a

culpa desse insucesso estaria ligada ao fracasso do trabalho executado pelo professor.

55

No ensino fundamental, o eixo da discussão, no que se refere ao fracasso escolar,

tem sido a questão da leitura e da escrita. Sabe-se que (AS) os índices brasileiros

de repetência nas séries iniciais — inaceitáveis mesmo em países muito mais

pobres (JG) — estão diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a

ler e a escrever. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de

Língua Portuguesa, 1997, p. 19)

Por outro lado, há alunos que conseguem ser aprovados e quando chegam às

Universidades sentem dificuldades tanto para compreender os textos propostos para a leitura

quanto para organizar as ideias por escrito, conforme o trecho a seguir:

... a dificuldade dos alunos universitários em compreender os textos propostos para

leitura e organizar idéias por escrito de forma legível levou universidades a trocar os

testes de múltipla escolha dos exames vestibulares por questões dissertativas e a não

só aumentar o peso da prova de redação na nota final como também a dar-lhe um

tratamento praticamente eliminatório. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino

de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa, 1997, p. 19)

Para melhorar essa realidade, os PCNs sugerem um trabalho a ser realizado a partir de

textos autênticos pertencentes a diferentes gêneros textuais para que o aluno expanda seu

conhecimento letrado. Mais uma vez, o texto institui o professor como aquele que realizará

essa solicitação, ou seja, a de trabalhar com textos autênticos, levando-se em consideração

que a formulação do trecho em destaque no enunciado abaixo pode ser compreendida pelo

interlocutor (professor) como uma ação a ser realizada, como uma ordem (IJ):

Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com

textos verdadeiros. Todo texto pertence a um determinado gênero, com uma forma

própria, que se pode aprender. A diversidade textual que existe fora da escola pode

e deve estar a serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno (IJ).

(Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa,

1997, p. 28)

Segundo o documento normatizador, uma das motivações para que o aluno se

interesse pela leitura e sinta prazer ao fazê-la, estaria relacionada aos tipos de textos lidos,

que, de alguma forma, despertam algum sentimento no aluno, sendo o professor o responsável

pela escolha deles, pelo desenvolvimento da atividade a ser elaborada e pela orientação para a

reflexão do aluno. O professor contribuiria também nesse processo mostrando sua experiência

enquanto leitor, servindo de modelo para seu aluno. Sob a aparência de uma possibilidade e

de uma necessidade, as recomendações descritas acabam recaindo sobre a escola e sobre o

56

professor como obrigações, injunções. Dessa forma, implicitamente, o sucesso na

aprendizagem do aluno estaria parcialmente atrelado à relação que o professor tem com a

escrita e com a leitura.

Além de ser aquele que ensina os conteúdos, é alguém que pode ensinar o valor

que a língua tem, demonstrando o valor que tem para si.(IJ) Se é um

usuário da escrita de fato, se tem boa e prazerosa relação com a leitura, se gosta

verdadeiramente de escrever, funcionará como um excelente modelo para seus

alunos. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua

Portuguesa, 1997, p. 38)

Logo, o eixo da aprendizagem de línguas não mais se limita a desvendar o significado

isolado de cada palavra nem saber decifrar seus signos. Conforme um trecho dos PCNs

aprender uma língua “é aprender não só as palavras, mas também seus significados culturais e

com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a

realidade e a si mesmas”.4

A grande preocupação dos PCNs é formar cidadãos capazes de compreender os

diferentes tipos de textos com os quais se defrontam, pois, segundo eles, durante muitos anos,

a escola ensinou os alunos a decodificar os textos, esquecendo-se de cuidar da tarefa de

compreensão do texto.

É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura (AS).

A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em

sons, sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Por conta desta

concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de

“leitores” capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para

compreender o que tentam ler. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à

4ª série de Língua Portuguesa, 1997, p. 42)

Para tanto, o documento recomenda contar com o conhecimento de mundo que o aluno

possui para que interaja com os novos conhecimentos e produzam sentido para esse aluno

(AS). Essa asserção se desdobra em um tipo de obrigação e assim é absorvida pelos

professores. Os PCNs afirmam que se os professores trabalharem com metodologias que

priorizem a construção de estratégias de verificação e comprovação de hipóteses, construção

da argumentação, desenvolvimento de espírito crítico certamente contribuirão para que o

aluno se torne autônomo e tenha segurança em suas capacidades, sendo capaz de interagir

com outras pessoas de diferentes níveis sociais em contextos distintos. Com isso, o aluno

4 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1a à 4a série de Língua Portuguesa, página

22.

57

estará preparado para transformar a realidade além de ser ajudado a adotar uma nova postura

face ao mercado de trabalho, que busca um novo tipo de profissional. Mais uma vez,

observamos a recorrência de uma asserção (AS) com a configuração de uma obrigação no

enunciado a seguir:

De certa forma, é preciso agir (AS) como se o aluno já soubesse aquilo que deve

aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade

temporária para ler autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda

dos já leitores, aprender a ler pela prática da leitura. Trata-se de uma situação na

qual é necessário que o aluno ponha em jogo tudo que sabe para descobrir o que

não sabe, portanto, uma situação de aprendizagem. Essa circunstância requer do

aluno uma atividade reflexiva que, por sua vez, favorece a evolução de suas

estratégias de resolução das questões apresentadas pelos textos. (Parâmetros

Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa, 1997, p. 42)

3.1.2 PCNs de Língua Estrangeira (Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano)

Passaremos então para a prescrição dos parâmetros curriculares no ensino de língua

estrangeira. Lembramos que a lei número 9.394 de 20 de dezembro de 1996, intitulada Lei de

Diretrizes e Bases da educação, impõe no título V capítulo II artigo 26 parágrafo quinto que

seja incluído o ensino de pelo menos uma língua estrangeira na parte diversificada do

currículo a partir da 5a série (atual 6º ano), e para o Ensino Médio cita que será incluída uma

língua estrangeira moderna como disciplina obrigatória e uma segunda em caráter optativo

(artigo 36). Assim, percebemos que não há obrigatoriedade de ensino de língua estrangeira

antes do 6º ano escolar.

Faremos agora um breve estudo acerca das propostas curriculares para o ensino de

língua estrangeira no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Para o contexto dessa tese,

torna-se relevante essa reflexão pois os professores que participaram das entrevistas que

resultaram no nosso corpus podem atuar tanto no Ensino Médio quanto no ensino

fundamental. Conforme a prescrição da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, intitulada Lei

de Diretrizes e Bases da educação, impõe no título IV, artigo 10, inciso VI, que os Estados

devem assegurar o ensino fundamental e oferecer com prioridade, o Ensino Médio a todos que

o demandarem e, no artigo 11, inciso V deixa claro que os Municípios devem oferecer a

Educação Infantil e, com prioridade sobre qualquer outro nível de ensino, o Fundamental.

Também no artigo 10, parágrafo único, fica estabelecido que ao Distrito Federal caberá a

competência referente aos Estados e Municípios.

58

Em 1998, o ministério da educação lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais para

o ensino de língua estrangeira no nível fundamental. Assim como o texto publicado em 1997,

este documento se dirige explicitamente aos professores, servindo-se do vocativo Ao

professor, e foi assinado pelo excelentíssimo senhor Paulo Renato Souza, Ministro da

Educação e do Desporto, na época do lançamento desse material. Na ficha técnica constam

trinta e oito nomes na equipe de elaboração do material e alguns desses nomes também

apareceram no documento de 1997. Visou-se, com a divulgação desse material, restaurar o

papel da língua estrangeira na formação educacional. Segundo o próprio documento, “embora

seu conhecimento seja altamente prestigiado na sociedade, as línguas estrangeiras, como

disciplinas, se encontram deslocadas da escola.”5

Nessa proposta, assim como verificamos nas definições gerais dos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, também no ensino de língua estrangeira, a

leitura ganha destaque. Através das habilidades de leitura a serem desenvolvidas nas aulas, o

aluno pode encontrar nessa disciplina um auxílio para a aprendizagem de leitura em língua

materna:

Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por

outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. Além

disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o

desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função

primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no

desempenho do aluno como leitor em sua língua materna. (Parâmetros

Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, 1998, p. 21)

O documento ressalta o foco na leitura não só por acreditar que o trabalho

desenvolvido através dessa habilidade cumpra a função social das línguas estrangeiras no país

mas também por reconhecer a dificuldade das escolas brasileiras com suas classes lotadas,

horários reduzidos de aulas, falta de material didático e até mesmo profissionais

despreparados. Mais uma vez, conforme mostra o trecho abaixo, a marca do enunciador é

apagada e a informação sobre as condições da escola é apresentada como se fosse conhecida

por todos (AS). Desta forma, o trabalho de leitura seria justificável, sem falar que essa

proposta de trabalho demanda custos bastante reduzidos. Além disso, os exames formais em

língua estrangeira exigem o domínio da habilidade de leitura:

5 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, página

19.

59

Deve-se considerar (AS) também o fato de que as condições na sala de

aula da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes

superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos

professores, material didático reduzido a giz e livro didático etc.) podem

inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas... Isso não

quer dizer, contudo, que dependendo dessas condições, os objetivos não possam

incluir outras habilidades, tais como compreensão oral e produção oral e escrita.

(Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira,

1998, p. 20)

Através da língua estrangeira almeja-se também contribuir na construção da cidadania,

pois envolve aspectos sociais, políticos e econômicos. Esse aprendizado resulta em outra

possibilidade de agir no mundo. Com o aprendizado de uma língua estrangeira durante os

quatro primeiros anos (do 6º ao 9º ano) os PCNs objetivam que, em relação à atividade de

leitura, o aluno seja capaz de6 :

Vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua

estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo,

refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu

próprio mundo, possibilitando maior entendimento de um mundo plural e de seu

próprio papel como cidadão de seu país e do mundo;

Construir conhecimento sistêmico, sobre a organização textual e sobre como e

quando utilizar a linguagem nas situações de comunicação, tendo como base os

conhecimentos da língua materna;

Ler e valorizar a leitura como fonte de informação e prazer utilizando-a como meio

de acesso ao mundo do trabalho e dos estudos avançados.

Verificamos mais uma vez que o eixo da aprendizagem está baseado no trabalho

realizado com textos e de como a atividade de leitura pode contribuir na formação do cidadão,

ampliando e enriquecendo seu conhecimento de mundo. Logo, cabe ao professor o

desenvolvimento de estratégias para que o aluno atinja tais objetivos.

3.1.3 PCNEM de Língua Estrangeira (Ensino Médio – 1ª a 3ª série)

Voltando o olhar para os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira no

Ensino Médio (PCNEM), publicados em 2000, percebemos uma modificação em sua

estrutura. Na apresentação do documento não são citados remetentes nem destinatários da

mensagem. Expõe-se somente o nome de uma coordenadora de área e de seis consultores

6 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, páginas

66 e 67

60

como responsáveis pela confecção do material, nomes esses que não haviam aparecido na

elaboração dos Parâmetros publicados em 1997 e 1998.

O documento voltado para o Ensino Médio destaca como objetivo dessa fase o de

continuar o trabalho desenvolvido anteriormente e acrescentar outras habilidades e

competências para que ao final desta etapa o aluno possa utilizá-las em sua vida pessoal,

acadêmica e, sobretudo, profissional. O enunciado abaixo, construído de forma impessoal,

utiliza-se da modalidade da asserção (AS) com a configuração de uma obrigação, atribuindo

ao professor a capacitação do aluno de modo que ele compreenda e produza enunciados na

língua estrangeira, levando a atingir conhecimento linguístico satisfatório e contribuindo na

sua formação geral:

Torna-se (AS), pois, fundamental, conferir ao ensino escolar de Línguas

Estrangeiras, um caráter que, além de capacitar o aluno a compreender e a

produzir enunciados corretos no novo idioma, propicie ao aprendiz a

possibilidade de atingir um nível de competência linguística capaz de

permitir-lhe acesso a informações de vários tipos, ao mesmo tempo em

que contribua para a sua formação geral enquanto cidadão. (Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, 2000, p. 26)

O texto destaca ainda a necessidade do desapego pelas habilidades linguísticas e a

importância do desenvolvimento da competência comunicativa através da aprendizagem de

seus componentes, tais como reconhecimento de variantes linguísticas, adequação do registro

à situação de comunicação, estudo de aspectos culturais e/ou sociais daquele povo; utilização

de mecanismos de coesão e coerência e uso de estratégias verbais e não verbais. Para tanto, o

documento postula que o aprendizado de língua estrangeira deve ter como eixo central o

desenvolvimento da competência comunicativa e a concepção de língua expressa no texto é

associada a um veículo de comunicação de um povo e, através dela, culturas, tradições e

conhecimentos são transmitidos. Novamente o enunciado faz uso da modalidade delocutiva,

servindo-se da categoria modal da asserção (AS) com a configuração de uma obrigação.

Logo, cabe ao professor a tarefa de desenvolver as competências gramatical, sociolinguística,

discursiva e estratégica a fim de que o aluno possua uma boa competência comunicativa.

Para poder afirmar que um determinado indivíduo possui uma boa competência

comunicativa em uma dada língua, torna-se necessário (AS) que ele possua um

bom domínio de cada um dos seus componentes. Assim, além da competência

gramatical, o estudante precisa possuir um bom domínio da competência

sociolinguística, da competência discursiva e da competência estratégica. Esses

61

constituem, no nosso entender, os propósitos maiores do ensino de línguas

Estrangeiras no Ensino Médio. (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio

de língua estrangeira, 2000, p. 29)

Antes de passarmos para a próxima seção na qual introduziremos nossos comentários

acerca dos documentos oficiais sob a perspectiva sociológica de Bourdieu, gostaríamos de

destacar a recorrência das construções dos enunciados nos quais o sujeito falante se apaga.

Grande parte dos enunciados trazidos à discussão possui formulação em terceira pessoa, o que

configura o comportamento delocutivo. Dentro desse comportamento, a modalidade que

sobressai é a da asserção, ou seja, uma afirmação sobre algo, sendo que essa asseveração

possui uma configuração de obrigação pela forma como os enunciados são apresentados. Por

essa razão insistimos em dizer que, embora o documento se proponha a ser um balizador das

práticas docentes, muitos dos enunciados recorrem a categorias modais que levam o leitor a

compreendê-los como obrigações a serem cumpridas.

3.2 A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE BOURDIEU E AS DIRETRIZES DO ENSINO

3.2.1 Breves Comentários

Após a apresentação de alguns pontos colocados em evidência pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais sobre o ensino de línguas, introduziremos comentários acerca de nossa

concepção sobre esse ensino nas diferentes etapas escolares. Lembramos que os PCNs traçam

uma identidade social dos professores e eles se espelham nesses documentos para construir

seus princípios de ação pedagógica.

Iniciando as considerações pela primeira fase escolar do ensino fundamental, ou seja,

da 1ª à 4ª série, na nomenclatura atual 2º ao 5º ano, esclarecemos que os documentos

analisados foram: a introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais, na qual se explica sua

proposta, seus princípios e fundamentos e seus objetivos bem como os Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Conforme dissemos anteriormente, nessa fase o

ensino de língua estrangeira não se faz obrigatório, logo não há orientação para esse estudo.

Assim, nosso olhar voltou-se para os PCNs de Língua Portuguesa pelo fato de as prescrições e

os objetivos do trabalho nessa disciplina nortearem o ensino da língua estrangeira na fase

posterior.

Seja na parte introdutória, seja na parte direcionada à Língua Portuguesa, os PCNs

apresentam importantes reflexões acerca do processo de ensino/aprendizagem no Brasil. Para

62

a realidade do estudante brasileiro, a questão da leitura merece destaque, ocupando o eixo

central da educação no país. Segundo o documento, muitos alunos concluíam os estudos sem

sequer conseguir interpretar um parágrafo de uma notícia de jornal. Outros abandonavam as

salas de aula devido às inúmeras dificuldades de aprendizagem enfrentadas, sobretudo no

domínio da língua, que até então era reduzida ao ensino da língua padrão. É verdade que

durante muito tempo ignorou-se a realidade social dos alunos. Somente após os anos 80

começou-se a desvelar as razões pelas quais as crianças que vinham de famílias menos

favorecidas pareciam ter menos desenvoltura para lidar com as demandas escolares que as de

famílias mais favorecidas. Parece-nos que, uma década à frente, Pierre Bourdieu já tivesse

atentado para essas questões de cunho social e percebido que os valores difundidos na escola

eram aqueles disseminados pelas classes sociais dominantes.

Como diz Bourdieu (1970,2008), sem dúvida a instituição escolar legitima e reproduz

a hierarquia social, justamente porque a competência legítima pode, muitas vezes, funcionar

como capital linguístico de distinção. Para ele, tanto a seleção dos conteúdos a serem

trabalhados na escola quanto as práticas linguísticas são próprias às classes dominantes,

gerando assim um sentimento de “desencorajamento”, de “desânimo” nos alunos das classes

populares. Em contraste, os alunos oriundos das classes sociais mais favorecidas dispõem de

um capital cultural herdado de suas famílias, que lhes permitem o acesso a livros, viagens,

obras de arte e até mesmo o tipo de linguagem ao qual têm acesso, contribuindo para o

sucesso escolar dos filhos destas classes. A essa reprodução de saberes/representações

privilegiados pelas classes dominantes em detrimento daqueles trazidos pelas classes

dominadas, a essa dominação imposta pela aceitação das regras, a essa incapacidade de

conhecer as práticas linguísticas, Bourdieu elabora a noção de violência simbólica:

Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto

imposição, por um poder arbitrário, de um arbítrio cultural. (Bourdieu; Passeron,

1970, 2008, p. 26)

Contudo, através da leitura dos PCNs, sentimos uma enorme vontade em mudar essa

realidade tão presente nas escolas do nosso país e o desejo de lutar contra essa violência

simbólica que Bourdieu tanto criticou. Circula nos discursos normatizadores do ensino no

Brasil a possibilidade de reconhecer as distintas variantes linguísticas e os seus valores, a

aceitação de uma norma em detrimento de outra desde que em consonância com o seu

63

contexto de utilização. Para exemplificar, extraímos um trecho do documento que aborda os

objetivos gerais de Língua Portuguesa para essa fase do ensino fundamental7:

expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-las com eficácia em

instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos – tanto orais como

escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se

propõem e aos assuntos tratados;

utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística

valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação

comunicativa de que participam.

Bourdieu compreende o universo social a partir do conceito de valor distintivo

formulado por Saussure. Enquanto que para Saussure “na língua, como em todo sistema

semiológico, o que distingue um signo é tudo o que o constitui. A diferença é o que faz a

característica, como faz o valor e a unidade” (SAUSSURE, 1916, 1999, p. 140), para

Bourdieu a noção de valor aparece para explicar a dinâmica das classes sociais, tanto em seus

aspectos econômicos quanto simbólicos. As ações simbólicas exprimem a posição social

segundo uma lógica proveniente da estrutura social, a lógica da distinção. Os signos devem o

essencial de seu “valor” à sua posição em uma estrutura social definida como sistema de

posições e oposições.

Dando sequência aos comentários em relação aos PCNs, passaremos agora para

análise de trechos do documento voltados mais precisamente para o papel da língua

estrangeira do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Nessa fase, é exigido o ensino de pelo

menos uma língua estrangeira no currículo.

O documento elucida que aprender uma língua estrangeira não se limita a conhecer as

regras gramaticais que a regem ou ter conhecimento de um grande número de palavras. Aliás,

o locutor declara sua desaprovação e julga (JG) que essa prática só resultaria no desinteresse

do aluno, conforme o trecho abaixo:

... ao se entender a linguagem como prática social, como possibilidade de

compreender e expressar opiniões, valores, sentimentos, informações, oralmente e

por escrito, o estudo repetitivo de palavras e estruturas apenas resultará no

desinteresse do aluno em relação à língua (JG). (Parâmetros Curriculares Nacionais

de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, 1998, p. 54)

7 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa, página

33

64

A maior validade neste aprendizado seria fazer com que os alunos aprendessem a se

comunicar em contextos quotidianos, conhecessem uma nova cultura, adquirissem uma nova

visão de mundo, ampliando assim seu conhecimento de mundo. Objetivando contemplar

também essa visão social, através da leitura, haveria possibilidade de se atingir essas metas.

Além disso, é preciso ter em vista que os conhecimentos que o aluno possui em língua

materna auxiliarão no aprendizado da língua estrangeira e que as estratégias de leitura

ensinadas nas aulas de língua estrangeira auxiliarão os alunos na leitura de textos em língua

materna. Outras habilidades comunicativas também podem ser trabalhadas, segundo o

documento, porém a maioria das escolas brasileiras apresenta algumas incompatibilidades

estruturais para o desenvolvimento de habilidades de compreensão e expressão oral, como por

exemplo, o excessivo número de alunos, carga horária reduzida, falta de material didático e de

recursos didáticos (aparelho de som, projetor, televisão, aparelho de DVD, etc).

Entretanto, afirmar que desenvolvimento das habilidades orais fique comprometido

pelo fato de a maioria dos professores possuírem pouco domínio dessas habilidades talvez

não seja o melhor a ser feito. Alguns professores podem ter desenvolvido pouco suas

habilidades orais, seja porque não foram exploradas na faculdade, seja porque realmente

tenham tido dificuldades em desenvolvê-las, mas essa não deve ser a razão pela qual o

trabalho de leitura tenha que ser priorizado. O documento “naturaliza” as condições precárias

da escola, cabendo aos professores o ônus de promover o conhecimento dos alunos “apesar”

dessas condições – com seus próprios meios.

Outro aspecto que gostaríamos de mencionar refere-se ao papel das línguas

estrangeiras na escola. Em suas considerações preliminares, os PCNs julgam que apesar de o

conhecimento de línguas estrangeiras gozar de prestígio na sociedade, a disciplina encontra-se

deslocada do contexto escolar (JG). No entanto, impõem que seu ensino deva ocorrer na

escola (IJ):

Embora seu conhecimento seja altamente prestigiado na sociedade, as línguas estrangeiras, como disciplinas, se encontram deslocadas da escola.

(JG) A proliferação de cursos particulares é evidência clara para tal afirmação. Seu

ensino, como o de outras disciplinas, é função da escola, e é lá que deve ocorrer

(IJ). (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua

estrangeira, 1998, p. 19)

Durante todo o percurso escolar, o aluno seria exposto àquela mesma língua e teria

condições de concluir o Ensino Médio com noções solidificadas sobre a mesma, ou até

mesmo, expor o aluno a diferentes línguas continuamente. O que não pode acontecer, segundo

65

a constatação dos PCNs (AS), é a escola interromper o ensino de uma língua a cada ano letivo

e oferecer outra em seu lugar, pois o aluno deixará a escola sem conhecimento de qualquer

das línguas com que tenha tido contato:

Não há como (AS) propiciar avanços na aprendizagem de uma língua, propondo

ao aluno a aprendizagem de espanhol na quinta série, de francês na sexta e sétima, e

de inglês na oitava série. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª

série de língua estrangeira, 1998, p. 20)

Ainda sobre o texto relacionado ao ensino do 6º ao 9º ano, gostaríamos de trazer à

baila uma questão que tem sido motivo de debate tanto nas salas dos professores e nos lares

dos alunos quanto nos meios acadêmicos sobre a escolha da língua estrangeira a ser ensinada

na escola. É de conhecimento de todos que o inglês tem papel hegemônico no campo dos

negócios e das trocas internacionais. Como consequência, as pessoas priorizam seu

aprendizado e acabam sendo consumidoras passivas de sua cultura. Nossa sociedade é

fundamentalmente capitalista, cuja visão de língua é meramente utilitarista. Para uma

sociedade de consumo, só mesmo as línguas “úteis” (leia-se, capaz de permitirem a trocas de

capitais) teriam valor.

Cabe ressaltar que mesmo no que concerne à Língua Inglesa, ela somente é válida

como instrumento fixo – nem pensar em ideologia, cultura, etc. Nesse sentido, inglês e

francês compartilham o mesmo problema. Porém, no caso do francês, o problema se apresenta

de forma mais intensa porque o domínio científico se dá em inglês. Não estamos querendo

aqui renegar a importância dessa língua estrangeira na vida de nossos alunos. Seu valor é

reconhecido. Porém, acreditamos que esse aprendizado também possa ser utilizado na

formação de uma consciência crítica que nos faça repensar a hegemonia da Língua Inglesa.

Apesar de o documento reconhecer essas questões (AS), tende a reforçar o ensino do inglês e

do espanhol (AS):

Por um lado, há de considerar o valor educacional e cultural das línguas (AS),

derivado de objetivos tradicionais e intelectuais para a aprendizagem de Língua

Estrangeira que conduzam a uma justificativa para o ensino de qualquer língua. Por

outro lado, há de considerar as necessidades linguísticas da sociedade e suas

prioridades econômicas (AS), quanto a opções de línguas de significado econômico

e geopolítico em um determinado momento histórico. Isso reflete a atual posição do

inglês e do espanhol no Brasil. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à

8ª série de língua estrangeira, 1998, p. 40).

Conforme desenvolvido anteriormente pelos PCNs, a língua estrangeira capacita o

aluno a refletir sobre a realidade social, política e econômica e, acreditamos que isso seria

66

viável através do aprendizado de qualquer língua estrangeira moderna, ou até mesmo de um

aprendizado de uma segunda língua estrangeira, ainda que introdutório, em uma tentativa de

conscientização do aluno e aceitação das diferenças.

Mergulhando nos PCNEM, Parâmetros Curriculares Nacionais direcionados ao Ensino

Médio, trazemos como primeira observação a preocupação do documento em resgatar a

importância das línguas estrangeiras que outrora lhes foi negada, já que essa disciplina foi,

durante bastante tempo, considerada como “pouco relevante”. Entretanto, o texto reforça que

“elas adquirem, agora, a configuração de disciplina tão importante como qualquer outra do

currículo, do ponto de vista da formação do indivíduo” 8. Dessa forma, fica claro que o Estado

reconheceu a particularidade da disciplina e sentiu a necessidade de atribuir-lhe o mesmo

“status” de qualquer outra.

Todavia, o documento julga que dois fatores foram decisivos na desvalorização da

disciplina em relação às outras (JG): a reduzida carga horária e a má formação dos professores

de língua estrangeira, que talvez não tenham utilizado ferramentas que levassem o aluno a se

interessar pela língua estrangeira, transferindo assim um pouco da culpa do insucesso da

disciplina ao próprio professor:

Fatores como o reduzido número de horas reservado ao estudo das línguas

estrangeiras e a carência de professores com formação linguística e pedagógica, por

exemplo, foram os responsáveis pela não aplicação efetiva dos textos legais (JG)

(que indicavam a introdução das línguas estrangeiras vivas). Assim, em lugar de

capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um novo idioma, as aulas de Línguas

Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram por assumir uma

feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a desmotivar

professores e alunos (JG)... (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

Médio de língua estrangeira, 2000, p. 25)

Não obstante, os PCNEM revelam que a língua predominante no currículo durante

muito tempo foi o inglês e que, por essa razão, houve menor interesse em se estudar as outras

línguas. A consequência é que mesmo quando a escola manifestava o interesse em incluir a

oferta de outra língua estrangeira, não havia profissional qualificado para assumir a sala de

aula nem para elaborar material didático capaz de fazer o aluno se interessar pela

aprendizagem daquela língua, fazendo com que as aulas fossem pautadas, quase sempre,

“apenas no estudo de formas gramaticais, na memorização de regras e na prioridade da língua

escrita e, em geral, tudo isso de forma descontextualizada e desvinculada da realidade”9. Mais

8 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 25

9 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 26

67

uma vez, temos a sensação de que a responsabilidade pelo fracasso na aprendizagem de língua

estrangeira recai sobre o professor. Acerca dessa questão, poderíamos acrescentar que as

metodologias de ensino de LE também são sócio-historicamente marcadas e que, se em algum

momento uma habilidade foi priorizada em detrimento de outra, provavelmente, a época

impunha tal necessidade. Entretanto, reconhecemos que essas metodologias continuaram a ser

reproduzidas em um momento em que não cabiam mais, o que nos leva a reconhecer a

existência de práticas deslocadas de ensino de LE. Porém, essa generalização trazida pelo

documento visando encontrar uma relação de causa-efeito para o insucesso ou para a

desmotivação dos alunos fica um pouco fora de propósito.

Em contrapartida, a proposta que os PCNEM trazem para o Ensino Médio em relação

aos objetivos do ensino de língua estrangeira, almejando capacitar o aluno a compreender e a

produzir enunciados corretos e permitir-lhe acessar informações de vários tipos, contribuindo

para sua formação geral enquanto cidadão apresenta-se em consonância com os objetivos

traçados pelos PCNs voltados para as etapas de ensino anteriores ao Ensino Médio. A

discussão mais ampla, entretanto, gira em torno de qual língua estrangeira deve ser ensinada

na escola e do monopólio linguístico.

O documento explicita que a Língua Inglesa é de fundamental importância para a vida

do aluno no mundo em que vivemos, mas que essa não deve ser a única a ser ofertada.

Tampouco, julga-se conveniente substituir esse monopólio pela Língua Espanhola, visto o

crescimento do número de pessoas motivadas a aprendê-la por questões profissionais e

econômicas. Preza-se pela descentralização do ensino, uma vez que a disciplina de Língua

Estrangeira precisa atender “às diversidades, aos interesses locais, e às necessidades do

mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o aluno.” 10

Porém, no parágrafo

seguinte, os PCNEM ressaltam que o Ensino Médio tem um compromisso direto com a

educação para o trabalho e que é de “domínio público” a importância do inglês e do espanhol

na vida profissional das pessoas.

A nossa frente, um paradoxo: não se deve restringir o ensino de língua estrangeira ao

inglês e ao espanhol, pois o aluno deve ter acesso ao conhecimento de diferentes culturas, mas

o senso comum diz que aprender inglês e espanhol é mais útil na vida profissional de um

aluno do que qualquer outra língua estrangeira. Mais uma vez, o discurso normatizador é

atravessado por uma visão utilitarista, mercadológica, enfim, capitalista. Como as duas

10

Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 27

68

premissas são apresentadas como prioritárias no Ensino Médio (expor o aluno às diversidades

culturais e contribuir na sua formação profissional), a solução encontrada foi a de trabalhar as

outras línguas estrangeiras em caráter optativo, considerando-se que a Lei de Diretrizes e

Bases prevê a possibilidade de incluir uma segunda língua estrangeira no currículo. A escolha

da língua optativa terá que respeitar os interesses da clientela e se adequar às necessidades

daquela comunidade, “passando a organizar seus cursos de Línguas objetivando tornar-se algo

útil e significativo, em vez de representar apenas uma disciplina a mais na grade curricular”, o

que nos faz pensar que, em algum momento, esses cursos não foram organizados de forma a

levar o aluno a experienciar a utilidade deles.

Seis anos após a publicação dos PCNEM, o MEC lançou uma nova proposta de

trabalho para o Ensino Médio. Vejamos abaixo as orientações para esse ciclo.

3.2.2 Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

O Ministério da Educação (MEC) divulgou em 2006 as Orientações Curriculares para

o ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Médio. Cabe abrir um parêntese sobre esse texto

impresso e distribuído nas escolas, cujo espaço de discussão está voltado para o ensino de

inglês e de espanhol e propostas de reflexões acerca desses ensinos são apresentadas.

Entretanto, ressalta-se que as teorias expostas no documento se aplicam ao ensino de outras

Línguas Estrangeiras.

Neste documento, também endereçado aos professores, ressaltou-se novamente a

importância do trabalho sob uma perspectiva de inclusão social do aluno cujo foco atinja

aspectos culturais e educacionais, priorizando não somente as habilidades de leitura, como

também a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. Assim, implicitamente, o

professor depreende que faz parte do seu trabalho o desenvolvimento das três habilidades

citadas.

No que se refere às habilidades a serem desenvolvidas no ensino de Línguas

Estrangeiras no Ensino Médio, este documento focaliza a leitura, a

prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. (Orientações

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 87)

69

Segundo o texto de referência para o professor, desenvolver valores sociais, culturais,

políticos e ideológicos fazem parte do aprendizado de uma língua estrangeira, uma vez que

tais valores não podem ser dissociados do ensino de uma língua estrangeira e que seu

aprendizado tem que ir além de capacitar o aluno a utilizá-la para fins comunicativos. Além

disso, as atividades de leitura bem como concepções como letramento, multiletramento

podem contribuir igualmente para esse aprendizado. Logo, é tarefa do professor de língua

estrangeira desenvolver conceitos de cidadania, prática de leitura e de escrita e comunicação

oral:

Reiteramos, portanto, que a disciplina Línguas Estrangeiras na escola visa a

ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros

compromissos com os educandos, como por exemplo, contribuir para a formação

de indivíduos como parte de suas preocupações educacionais. (Orientações

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 91)

Além dessas duas novas propostas trazidas pelas orientações curriculares, desenvolver

valores que contribuem na formação do cidadão e incluir habilidades de expressão escrita e

oral voltadas para o conceito de letramento, também enfatiza que o ensino de Línguas

Estrangeiras para o Ensino Médio não deve se restringir ao mercado de trabalho, conforme

orientação do trecho a seguir (IJ), e lembra que seu objetivo maior é contribuir na formação

do aluno enquanto indivíduo e cidadão. Acerca da questão da língua estrangeira que deve ser

ensinada na escola, reconhece-se que, muitas vezes, pais, alunos e diretores defendem a

necessidade de língua estrangeira no currículo em vista do mercado de trabalho. Todavia, o

objetivo estabelecido para as línguas estrangeiras no Ensino Médio visa a criar possibilidades

de o cidadão dialogar com outras culturas, objetivo esse que pode ser alcançado através do

aprendizado de qualquer que seja a língua estrangeira. Vejamos o trecho a seguir:

Reforçamos que a proposta de ensino de Línguas Estrangeiras para o nível

médio não deve restringir-se ao mercado (IJ), lembrando seu caráter

educativo, de formação de alunos (indivíduos, cidadãos). (Orientações Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 119).

Esse desejo da comunidade escolar (pais, professores, alunos, diretores,

coordenadores) pela manutenção da Língua Inglesa no currículo é motivado pela busca por

uma colocação no mercado de trabalho que muitas vezes demanda esse saber ou pelas

70

exigências que as novas tecnologias nos impõem, ou porque essa é a língua das negociações

no mundo globalizado (IJ), conforme o excerto abaixo:

... (a proposta de ensino de Línguas Estrangeiras para o nível médio) não deve

negligenciar o mercado de trabalho (IJ), e que muitos alunos que concluem

esse nível de escolaridade saem em busca de trabalho.... (Orientações Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio, 2006, P. 119)

Dessa forma, apesar de reconhecermos tal demanda como legítima, acreditamos que

ela seja influenciada pelo movimento econômico-cultural da globalização. Somos ainda

levados a questionar a concepção plurilinguista inicialmente revelada nesses documentos

prescritivos. Tais textos trazem em suas apresentações a importância do desenvolvimento de

uma competência plural, aberta ao enriquecimento de novas competências em função de

novas experiências verbais, integrando aprendizagens escolares e extra-escolares. Todavia,

fica nítido, para nós leitores, que os documentos institucionais vêm reforçando a importância

do ensino do inglês e do espanhol. Ainda que aleguem que as prescrições para o

desenvolvimento do trabalho com essas línguas sirvam para todas as outras, de certa forma, as

exclui.

Novamente, estamos diante de outra reflexão de Bourdieu que o levou a desenvolver o

conceito central de sua teoria, o habitus. Para melhor entendermos esse conceito, trazemos,

resumidamente, algumas ideias difundidas pelo autor, sobretudo, como os bens de consumo

são propícios a exprimir as relações de distinção social e, ainda, como o gosto também é

característico das classes sociais.

La relation de distinction se trouve objectivement inscrite et se réactive, qu’on le

sache ou non, qu’on le veuille ou non, dans chaque acte de consommation, au

travers des instruments d’appropriation économiques et culturels qu’elle exige.

(BOURDIEU, 1982, p. 170).

A relação de distinção se encontra objetivamente inscrita e se reativa, sabendo ou

não, querendo ou não, em cada ato de consumo, através dos instrumentos de

apropriação econômicos e culturais exigidos por ela.11

A estratificação social pode ser apreendida nas práticas sociais. Esta evidência é

apontada por Bourdieu nas estatísticas de visitas aos museus, às bibliotecas ou à ópera. Em

um trabalho analítico realizado junto ao INSEE12

, ele reconhece que estas práticas são quase

11

Tradução nossa 12

Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos

71

exclusivas das “classes cultivadas”. Assim, buscando relacionar as práticas culturais às suas

classes sociais, o autor verifica a evidência do gosto como sendo um produto social. E, neste

sentido, ele acredita que os “bens de luxo”, por serem raros são consumidos apenas pelas

“classes dominantes” e são responsáveis, em grande parte, pelas classificações sociais de

distinção.

O gosto, julgamento estético e de valor, define o homem, segundo Bourdieu, pois ele

determina a classe social por ele ocupada. O capital cultural, grande responsável por este

julgamento, funciona como um sistema de classificações que vai do mais legítimo ao menos

legítimo. Tal legitimidade permite distinguir os agentes em relação a outros agentes

pertencentes a outras classes.

As práticas culturais e de consumo são fortemente desiguais se pensadas numa

estrutura social hierarquizada. Isto explica uma luta de classes no interior do espaço social,

uma vez que na tentativa de se afirmar socialmente, o consumo dos bens culturais e materiais

passa a ser uma prática de distinção social. Logo, a identidade social do indivíduo que repousa

sobre a sua filiação e que, de certa forma, é completada pela escola, passa a ser baseada na

vontade de distinção que acontece por meio de acúmulo de propriedades materiais e culturais.

Após esse mergulho em alguns dos pressupostos teóricos defendidos por Bourdieu,

podemos retomar o conceito de habitus. Esse nos permite entender de que forma a concepção

de mundo adquirida pelos indivíduos é socialmente definida. Erroneamente, acreditamos nas

manifestações subjetivas dos indivíduos quando pensamos em suas atitudes e formas de

conceber o mundo. Bourdieu busca esclarecer de que forma os indivíduos são determinados

por suas razões objetivas de existência. Este conceito é melhor definido quando subdividido

em dois componentes, o ethos e a hexis. O ethos é a forma interiorizada da moral que controla

a conduta cotidiana, permitindo a adesão aos valores comungados por um grupo social

dominante, enquanto que a hexis corresponde às definições do corpo, definições adquiridas

inconscientemente ao longo de sua formação, igualmente interiorizadas.

Portanto, somos levados a pensar até que ponto essa solicitação específica pela Língua

Inglesa no currículo não seria interpelada, mais uma vez, pelas normas, valores e crenças

arraigados nos indivíduos pertencentes às classes dominantes. Na abordagem bourdieusiana, a

escola legitima as desigualdades sociais e mantém a dominação dos dominantes sobre as

classes populares, impondo-lhes o reconhecimento do saber das classes dominantes como o

único legítimo.

72

Um dos efeitos menos percebidos da escolaridade obrigatória consiste no fato de que

elas conseguem obter das classes dominadas um reconhecimento do saber e do

saber-fazer legítimo (e.g.3 em matéria de direito, de medicina, de técnica, de

divertimento ou de arte), acarretando a desvalorização do saber e do saber-fazer que

elas detêm efetivamente (e.g. direito consuetudinário, medicina doméstica, técnicas

artesanais, divertimento ou arte). (BOURDIEU; PASSERON, 1970, 2008, p. 64).

Dessa forma, poderíamos concluir que a escolha da língua estrangeira a ser ensinada

na escola seria feita de forma a atender às necessidades da classe dominante. Por outro lado,

esse saber é imposto para a classe dominada como essencial, já que a classe dominante o

detém. Talvez, espelhando-se no habitus das classes dominantes, as classes dominadas

desejem para seus herdeiros uma realidade diferente da que tiveram e enxerguem no

aprendizado dessa língua estrangeira um meio de ascensão social. Esclarecemos que nossa

intenção não é buscar meios para justificar a preferência de uma língua estrangeira em

detrimento de outra. Gostaríamos apenas de apontar que tal escolha poderia ser motivada por

outros fatores diferentes daqueles citados anteriormente (globalização, mercado de trabalho,

exigências do mundo tecnológico), propiciando uma discussão travada à luz de conceitos

provenientes da visão sociológica bourdieusiana.

Vejamos a seguir a proposta da rede municipal para o ensino de línguas estrangeiras

no ensino fundamental na cidade do Rio de Janeiro.

3.2.3 Orientações Curriculares para a Rede Municipal

Com a necessidade de maior aprofundamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

as redes de ensino municipais, estaduais e federais elaboraram suas próprias orientações

curriculares, não só contemplando os objetivos do ensino de língua estrangeira como os

conteúdos a serem trabalhados no decorrer do ano bem como as habilidades que deverão ser

desenvolvidas. O documento elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SME – RJ)

no ano de 2010 para o Ensino Fundamental contou com a participação de docentes de Língua

Inglesa, francesa e espanhola e as três disciplinas recebem as mesmas orientações de trabalho.

O texto também é endereçado aos professores através do vocativo Professor (a) e assinado

pela coordenadoria de Educação, em nome de três professoras: uma da área de francês, outra

de inglês e a terceira de espanhol. O material não é subdividido em seções distintas para cada

língua estrangeira. Há uma única referência para todas as línguas. Para exemplificar,

exporemos abaixo a orientação da rede municipal para o ensino de língua estrangeira no 9º

73

ano. Escolhemos a última série pois partimos do princípio de que esse já seja o quarto ano

consecutivo de estudo de língua estrangeira e acreditamos que o trabalho desenvolvido

anteriormente tenha servido de base para a série conclusiva desse ciclo. Priorizamos o Ensino

Fundamental visto que sua responsabilidade é atribuída aos municípios, segundo a Lei de

Diretrizes e Bases.

74

Aqui fizemos um recorte somente para ilustrar nossa discussão. Como podemos

constatar, sugere-se um trabalho voltado para uma abordagem mais cultural da aprendizagem

75

de línguas, para uma reflexão que estabeleça comparações com a língua materna do aluno e

que até o ajude a compreendê-la melhor. Além disso, notamos que a aprendizagem da leitura,

o reconhecimento dos gêneros discursivos e o desenvolvimento de habilidades de

compreensão leitora continuam na pauta do dia, fazendo com que essas orientações estejam

em consonância com as prescrições dos PCNs para essa etapa do ensino.

Novamente, vemos explicitamente recomendações para o trabalho do professor, visto

que para os alunos atingirem os objetivos acima traçados, caberá a ele trabalhar os conteúdos

de maneira eficaz e desenvolver as habilidades de maneira satisfatória. Tais recomendações

recaem, muitas vezes, como atribuições do professor e acabam constituindo traços de sua

identidade social. O professor internaliza as sugestões explicitadas nos documentos oficiais

como se fossem obrigações a serem executadas.

Esse sentimento de dever a ser cumprido é motivado tanto pelo fato de o documento

ser construído por enunciados que recorrem inúmeras vezes a categorias modais que ora

configuram uma relação de força com o locutor em posição de superioridade com relação ao

interlocutor (comportamento ELOCUTIVO) ora omitem a voz do locutor apresentando uma

proposição como uma “verdade” (comportamento DELOCUTIVO), fazendo o interlocutor se

sentir na incumbência de acatar o que lhe fora apresentado.

Comentaremos, a seguir, as considerações da rede estadual para o ensino de línguas

estrangeiras.

3.2.4 Currículo Mínimo elaborado pela Rede Estadual

Retomando a análise dos textos normatizadores de língua estrangeira, vimos que,

recentemente, em 2012, a Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC – RJ) disponibilizou o

Currículo Mínimo de sua rede de ensino no qual seleciona itens que considera indispensáveis

ao processo de ensino-aprendizagem. Esse documento traz à tona os conteúdos a ser

trabalhados pelos professores em sala de aula, ano a ano, bimestre a bimestre. A título de

exemplificação, segue o exemplo de planejamento para a 1ª série do Ensino Médio regular.

Escolhemos o Ensino Médio pois segundo consta na LDB, cabe aos Estados a priorização na

oferta desse ciclo de ensino. Além disso, como ressaltamos acima o trabalho a ser

desenvolvido na última série do Ensino Fundamental (9º ano), julgamos coerente neste

76

momento verificar o que é proposto na rede estadual visando à continuidade dos estudos de

língua estrangeira. Vejamos o que é sugerido ao professor como plano de trabalho:

Aqui, destacamos o que é prescrito para o 1º bimestre de trabalho na primeira série do

Ensino Médio. Pelo que podemos apreciar, a proposta continua sendo embasada em utilização

de estratégias para compreender um documento – perpassando desde a identificação do título

até a compreensão de um ponto de vista – que tanto pode ser escrito quanto oral. Se

comparada às recomendações da última série do Ensino Fundamental, podemos até pensar

que a prescrição para a 1ª série do Ensino Médio seria uma repetição do trabalho anterior. No

entanto, os tipos de texto que servirão como suporte ao trabalho podem ser mais elaborados e

as questões feitas acerca do texto também podem ser mais complexas. Talvez seja positivo

reforçar o que já fora trabalhado, fazendo uma revisão dos conteúdos. Além disso, o material

confeccionado está em harmonia com os pressupostos teóricos trazidos nas Orientações

Curriculares do Ensino Médio, reforçando o trabalho com as habilidades de leitura, prática

escrita e comunicação oral dentro da perspectiva de letramento. A preocupação que se

instaura é com o aluno que chega ao Ensino Médio sem nunca ter tido contato com aquela

língua estrangeira que compõe agora sua grade curricular.

77

Reconhece-se o trabalho realizado na disciplina de leitura instrumental, em que o

aluno é incitado a compreender textos em uma língua estrangeira que talvez nunca tenha

estudado antes graças às técnicas de leitura a serem apresentadas pelo professor. Porém, há a

necessidade de um trabalho lexical e gramatical simultaneamente, segundo teóricos que

discutem esse assunto. Apesar de não ter sido citado no currículo mínimo, acreditamos não

haver impedimento para que esse trabalho seja realizado, uma vez que na parte introdutória do

documento afirma-se que sua elaboração foi baseada em outros textos (LDB, PCN, OCN) e,

como comentamos anteriormente, as Orientações Curriculares Nacionais prescrevem que

apesar de algumas habilidades serem priorizadas, outras podem ser acrescentadas e

desenvolvidas em sala de aula. No entanto, levar o aluno a produzir notícias, apresentar um

telejornal e até mesmo utilizar um suporte oral para compreender uma notícia seriam tarefas

de extrema dificuldade para um débutant (iniciante). O professor se desdobraria em vários

para conseguir executar tal tarefa, não só falando do trabalho árduo para o desenvolvimento

da atividade como também para a obtenção de recursos para realização da mesma. Mas

deixemos esse assunto para outra tese.

Queremos ainda acentuar que o Currículo Mínimo é apresentado como uma “ação

norteadora que não soluciona todas as dificuldades da Educação Básica”13

, mas que visa a

estabelecer ações importantes para a construção de uma escola de qualidade. O texto

apresenta como finalidade orientar o ensino-aprendizagem de todas as disciplinas mas

reconhece que o professor pode fazer as adaptações que julgar necessárias considerando-se a

realidade de cada escola e de cada público, conforme o trecho a seguir:

Sua finalidade é orientar, de forma clara e objetiva, os itens que não podem faltar no

processo de ensino-aprendizagem, em cada disciplina, ano de escolaridade e

bimestre. Com isso, pode-se garantir uma essência básica comum a todos e que

esteja alinhada com as atuais necessidades de ensino, identificadas não apenas nas

legislações vigentes, Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também

nas matrizes de referência dos principais exames nacionais e estaduais. Consideram-

se também as compreensões e tendências atuais das teorias científicas de cada área

de conhecimento e da Educação e, principalmente, as condições e necessidades reais

encontradas pelos professores no exercício diário de suas funções. (Currículo

Mínimo, 2012, p. 2)

13

Trecho retirado do Currículo Mínimo, página 2.

78

A partir da leitura do texto introdutório do Currículo Mínimo, depreende-se que o

documento se apresenta como orientador para as práticas docentes trazendo como proposta o

estabelecimento de uma base comum a todas as escolas da rede estadual, porém reconhece

que ajustes podem ser feitos pelo professor dadas as condições de trabalho de cada escola.

Contrariamente ao que é apresentado pelo texto, na prática, essas orientações se transformam

em obrigações. Bimestralmente, o professor da rede estadual tem como atribuição lançar as

notas em um sistema informatizado da própria SEEDUC e preencher um formulário online no

qual deve selecionar as competências/habilidades trabalhadas naquele período. Caso o

professor não selecione todos os itens exibidos, uma mensagem é mostrada informando-lhe

que este é um dos requisitos para que a escola em que atua seja considerada elegível e receba

uma bonificação. Logo, todos os itens devem ser marcados, confirmando assim que o

professor desenvolveu todas as competências/habilidades que foram designadas para aquela

série.

Por essas e outras razões dissemos inúmeras vezes ao longo desta tese que o professor

toma para si as “sugestões” como tarefas a serem realizadas. Neste caso específico, caso o

professor não cumpra o que lhe fora demandado ele prejudica a escola, que não cumprirá com

a meta traçada pela SEEDUC, e a si mesmo, que não receberá uma quantia em dinheiro como

premiação. Questionamos, assim, até que ponto o documento serve como norteador da prática

docente, uma vez que se for cumprido na íntegra poderá causar ônus tanto para a escola

quanto para o profissional da educação.

Antes de passarmos para a próxima seção, gostaríamos apenas de ressaltar como a

Língua Francesa vem sendo apresentada nesses documentos oficiais até o presente momento.

Vimos nos PCNs, no capítulo concernente às Línguas Estrangeiras, que o ideal seria adequar

a oferta da língua à necessidade do público alvo. Na parte voltada para as competências e

habilidades a serem desenvolvidas, não há menção a uma língua específica. Logo,

subentende-se que o trabalho sugerido pelos PCNs poderá ser realizado com qualquer língua

estrangeira moderna.

O mesmo acontece nas Orientações Curriculares para a Rede Municipal. Em relação

às Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicado pelo MEC, o texto faz

uma abordagem geral sobre possíveis meios de desenvolver um trabalho voltado, sobretudo

para a compreensão de textos em línguas estrangeiras e no capítulo seguinte desenvolve

questões ligadas apenas ao ensino de espanhol. No documento publicado pela rede estadual

79

em 2012, o Currículo Mínimo, as orientações estão voltadas para as línguas estrangeiras em

geral. Entretanto, vale a pena relembrar que em 2006 foi publicado pela Secretaria de Estado

de Educação um documento com orientações voltadas apenas para o ensino de inglês e

espanhol intitulado Reorientação Curricular: Curso de atualização para professores

regentes, confeccionado em parceria com o corpo docente da UFRJ. Insatisfeitos com essa

situação, os professores de francês, através de sua Associação (APFERJ) e do Departamento

de Cooperação e Ação Cultural (SCAC), elaboraram, no mesmo ano, um material com

propostas pedagógicas voltadas para as diferentes séries. Porém, esse documento não se

encontra disponível na página eletrônica da SEEDUC tampouco foi adicionado ao corpo do

documento que havia sido elaborado para as outras duas línguas estrangeiras. Nossa

indagação em relação a essa postura é a seguinte: Por que excluir os professores de francês da

elaboração de um documento norteador do ensino na cidade do Rio de Janeiro? Qual o

objetivo de emudecer essas vozes?

Na próxima seção comentaremos os documentos norteadores do ensino elaborados

pelos próprios docentes com o objetivo de contemplar as particularidades e o público de cada

escola.

3.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)

3.3.1 PPP do Colégio Pedro II

Como documento regulador da rede federal, nossa pesquisa trouxe para a discussão os

PCNs, os PCNEM e as OCNs. Direcionando nossa busca para os documentos norteadores do

ensino no Colégio Pedro II, já que nosso corpus contará com a experiência de professores

dessa instituição, obtivemos acesso a um Projeto Político Pedagógico (PPP) confeccionado

por seu próprio corpo docente. Sua última versão publicada foi elaborada no ano 2000 e

baseou-se nos parâmetros curriculares emanados da Lei de Diretrizes e Bases. Esse material

traz reflexões sobre o papel da escola na sociedade atual, ressaltando que o aluno deve ser

capaz de construir sua “identidade pessoal, suas relações sociais e apropriar-se do saber

historicamente construído”.14

14

Trecho retirado do Projeto Político Pedagógico do colégio da rede federal, página 80.

80

Rico em detalhes, o PPP apresenta uma análise sociocultural e socioeconômica do

corpo discente, traz à tona os fundamentos legais, teórico-filosóficos e metodológicos da

escola e descreve sua proposta curricular organizada por disciplina. Examinaremos os textos

com vistas ao ensino de Língua Francesa e, para efeito comparativo, ilustraremos o que é

previsto para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, assim como fizemos com a

análise do material produzido pela Secretaria de Estado de Educação e pela Secretaria

Municipal de Educação. A diferença é que no decorrer do PPP, são elencados os objetivos

gerais, mas cada disciplina encontra uma seção à parte para fazer suas considerações e

enfatizar suas prioridades e particularidades dentro do que é previsto na filosofia da escola.

Iniciando nosso trajeto pelo Ensino Fundamental no que tange ao ensino da Língua

Francesa, notamos novamente uma preocupação em fazer da língua estrangeira um

instrumento de tomada de consciência de sua própria cultura e a formação de sua consciência

crítica através da leitura de textos que abarquem os diferentes aspectos de organização

cultural, social e política dos diferentes povos que tenham o francês como língua de

comunicação. Revela-se ainda que o foco inicial será colocado sobre o conhecimento de

mundo que os alunos trazem e sobre a organização textual com que estão familiarizados em

sua língua materna. Daí surgirão as estratégias de compreensão global e construção de

significados. O conhecimento sistêmico será deixado para a etapa posterior, sendo

apresentado gradativamente e de acordo com as necessidades que a execução das tarefas

comunicativas orais e escritas impuser. Como plano de trabalho, há uma orientação sobre as

competências gerais a serem desenvolvidas, tais como:

• Conhecer e usar a língua francesa como instrumento de comunicação atual e de

acesso a bens culturais da humanidade e a informações científicas e tecnológicas

num mundo plurilingüe;

• Produzir textos orais e escritos de estrutura simples que permitam agir

discursivamente no mundo e interagir com ele;

• Compreender pequenos textos simples orais ou escritos, identificando o sentido

global da mensagem através de inferências, palavras-chaves e dos elementos não

verbais, sabendo recorrer ao dicionário quando for indispensável;

• Saber selecionar os vocábulos e as estruturas lingüísticas gramaticalmente

adequadas para produção de enunciados escritos ou orais simples;

• Identificar as diferenças e semelhanças na estrutura lingüística entre o português e

o francês;

• Reconhecer a importância do uso da língua francesa e servir-se dela para divulgar a

cultura brasileira em outros países;

• Conhecer e valorizar as diferentes culturas dos povos francófonos como forma de

melhor percepção de sua própria cultura e de aprimoramento da compreensão das

várias maneiras de se viver a experiência humana;

• Perceber e aceitar as diferenças de expressão e de comportamento entre o povo

brasileiro e os povos francófonos evitando-se estereótipos e preconceitos.

81

Lembramos que essas orientações estão estritamente relacionadas ao trabalho do

professor, pois ele deverá fazer com que o aluno saiba acionar as diversas competências acima

implicadas, ou seja, produzir e compreender textos orais e escritos, utilizar vocábulos e

estruturas linguísticas adequadas à situação de comunicação, conhecer um pouco da cultura

francesa, reconhecer sua própria cultura e as diferenças em relação a outras culturas.

Há ainda uma orientação para as competências discursivas a serem desenvolvidas (ex.

dar informações sobre si mesmo, cumprimentar o interlocutor...), descrição dos conteúdos a

serem abordados (ex. l´adjectif qualitatif) bem como dos temas de destaque (ex. as

preferências dos jovens...) e sugestão de material a ser utilizado (ex. canções, livro didático,

sites...). Encontraremos essas listas na íntegra na seção dos anexos (ANEXO A). Não há

descrição por série nesse material, mas a equipe de professores se reúne a cada início de ano

nos famosos colegiados, avalia o trabalho do ano anterior, e faz a distribuição de conteúdos

por série. Devido a essas recorrentes modificações, preferimos não expor nenhuma versão

dessa seleção de conteúdos por acreditarmos que essa nunca seria a mais atualizada.

Para o Ensino Médio, foi elaborado um texto em comum para as disciplinas de francês

e espanhol. Vale lembrar que o ensino de inglês e francês é obrigatório para os alunos do

Ensino Fundamental. No Ensino Médio, os alunos podem escolher uma dentre as línguas

estrangeiras ofertadas (inglês, francês e espanhol) para cursarem ao longo dos três últimos

anos. A ênfase para o ensino das línguas espanhola e francesa continua sendo a mesma do que

foi pensado para o Ensino Fundamental. O aluno deve ser levado a repensar sua própria

cultura e sua própria língua através da aprendizagem da língua estrangeira, conscientizando-se

de seu papel de cidadão do mundo. E, respeitando o que é prescrito pelos PCNs, o

departamento de línguas neolatinas prioriza o trabalho voltado para a leitura. Não excluem o

papel do ensino de gramática ou de léxico, mas entendem que esses são secundários e servem

de ferramentas para a compreensão dos textos abordados em sala de aula. Para saciar nossa

curiosidade, vejamos a seguir a tabela com as competências que exemplificam o que estamos

comentando.

82

Com o objetivo de atingir o desenvolvimento dessas competências gerais, é preciso

que sejam combinadas a elas as funções discursivas e os conteúdos, as estratégias de

compreensão e de expressão oral e escrita, a definição dos temas e o material a ser utilizado.

83

Segue abaixo uma ilustração de como o trabalho é descrito pelos professores e para os

professores:

84

85

Como visualizamos acima, o trabalho é geralmente proposto (pelo professor) a partir

de um suporte oral ou escrito em que o aluno reconhecerá o gênero discursivo em questão e

suas particularidades e será submetido à produção de um documento semelhante ao estudado.

É latente a intenção de promover um trabalho que envolva a compreensão oral e escrita bem

como a produção escrita e oral, o que não representa qualquer discordância com as

prescrições dos PCNs uma vez que elas orientam para o desenvolvimento das habilidades de

leitura, mas não excluem o ensino de outras competências. Não podemos nos esquecer da

implicação dessas “recomendações” na construção dos traços da identidade social do

professor, visto que ele é o sujeito que possui as competências do saber e do saber-fazer.

86

Nos documentos norteadores do ensino nas redes municipal e estadual do Rio de

Janeiro, há um espaço reservado para a língua estrangeira. No entanto, em momento algum

nos deparamos com um capítulo específico contendo as orientações para o trabalho com cada

língua estrangeira. A conclusão a que chegamos é que o trabalho nas diferentes línguas deve

contemplar objetivos comuns, priorizando a compreensão leitora e utilizando-se de

ferramentas lingüísticas, lexicais, etc para atingir o objetivo almejado. Baseando-se nesses

documentos balizadores, caberá a cada escola elaborar seu Projeto Político Pedagógico e

elencar o que será priorizado em cada disciplina adequando-se à filosofia da escola.

Correspondendo a esse anseio, vimos no Projeto Político Pedagógico do Colégio

Pedro II uma seção à parte para abordar as especificidades da disciplina de Língua Francesa.

Nela estavam discriminadas não somente as competências, mas também os conteúdos e os

temas de destaque. Esse documento facilita o trabalho do professor que, ao consultá-lo,

encontrará uma lista de recomendações a serem seguidas e se sentirá amparado ao preparar

suas aulas.

3.3.2 E os outros PPPs?

Faz-se necessário agora analisar o PPP de uma escola estadual e uma municipal para

que comparemos o que o projeto pedagógico da escola prescreve com as recomendações dos

PCNs. Volto-me mais uma vez para uma de minhas experiências, desta vez na rede estadual.

Há quatro anos, no início do meu primeiro ano na rede estadual, a direção da escola solicitou

a elaboração do conteúdo programático do ano letivo. Como não tinha experiência para

confeccionar esse material, pensei em estudar o Projeto Político Pedagógico que rege o ensino

no Estado do Rio de Janeiro para então elaborar o documento dentro das orientações

desejadas pela rede de ensino e respeitando a filosofia da escola.

Nessa busca pelo Projeto Político Pedagógico da rede estadual, entrei em contato com

a Secretaria de Estado de Educação e fui informada de que esse documento é elaborado por

cada unidade escolar isoladamente, mas sempre baseado nos Parâmetros Curriculares

Nacionais, nas Orientações Curriculares e na Lei de Diretrizes e Bases. Ainda que tenha

estranhado a inexistência de um documento de base comum da própria rede que normatizasse

o trabalho a ser desenvolvido pelos professores, acabei concordando que realmente um

documento não poderia contemplar as diferentes realidades das escolas da rede estadual do

87

Rio de Janeiro. Por isso mesmo que o PPP do Colégio Pedro II não é o mesmo do elaborado

pela equipe do Colégio de Aplicação da UFRJ, por exemplo, embora ambos façam parte da

rede federal.

De posse dessa informação, conversei com a orientadora pedagógica de uma das

escolas da rede estadual em que trabalho e solicitei o documento. Para minha surpresa, ela me

revelou sua inexistência. Argumentou que não adiantava escrever um projeto voltado para o

ensino de línguas estrangeiras se ela recebe o professor que se apresenta na escola,

independente da língua estrangeira que ele ensinará aos alunos.

Esbarramos assim em uma situação contraditória. Pude experienciar o sofrimento de

uma amiga aprovada no concurso de professores de francês em 2007 que não encontrava vaga

em nenhuma escola para trabalhar. Muitos diretores negavam-se a receber os concursados

alegando haver preferência por uma língua estrangeira X ou Y. Em contrapartida, é mais fácil

para essa escola elaborar um Projeto Político Pedagógico nessa área, visto que a oferta é

sempre da mesma língua, podendo elaborar um programa com início, meio e fim.

No entanto, para uma escola em que o diretor aceita o professor de língua estrangeira

recém-concursado, independente da área de atuação, a organização de um Projeto Político

Pedagógico fica comprometida. O grande problema é que não há uma continuidade na

aprendizagem da língua. No caso específico da escola estadual em que trabalho, a oferta de

vagas é somente para o Ensino Médio. Então, a situação real do aluno é que no primeiro ano,

ele pode estudar inglês, no segundo ano francês e no terceiro espanhol. A grade de horário é

feita levando em consideração o horário de disponibilidade do professor. Nesse caso, a

qualidade de trabalho almejada pelos PCNs e pelas OCNs fica comprometida. Aliás,

conforme vimos anteriormente, o próprio documento voltado para o Ensino Fundamental de

6º ao 9º ano reforça a importância na continuidade desse aprendizado.

Mas o que diz a lei? Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional,

implementada em 20 de dezembro de 1996, a escolha da língua estrangeira ficará a cargo da

comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. Entretanto, surge outro

questionamento: a comunidade escolar está apta a fazer tal escolha, visto que engloba pais e

alunos e muitos deles alegam desconhecer a relevância desta aprendizagem, acentuando que

não dominam nem a própria língua materna?

88

3.3.3 (IR) Resolução Número 4746

Não obstante, em 30 de novembro de 2011, a Secretaria de Estado de Educação

publicou a resolução número 4746 impondo, para o Ensino Médio, a oferta de uma Língua

Estrangeira Moderna, de acordo com recursos humanos existentes na instituição, de matrícula

obrigatória e uma segunda Língua Estrangeira Moderna, de oferta obrigatória pela escola e de

matrícula facultativa para o aluno, ressaltando que a Língua Espanhola deverá constar entre as

opções de Língua Estrangeira Moderna, de matrícula obrigatória ou facultativa. Essa

resolução faz cair por terra o que havia sido discutido nas Orientações Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio. Tais orientações prezavam pelo desenvolvimento do aluno enquanto

cidadão e esperava-se que, ao ter contato com uma língua estrangeira, qualquer que fosse,

esse aluno fosse levado a pensar na cultura do outro e a repensar a sua própria cultura, o que

reforçava o caráter formativo do Ensino Médio em detrimento de um caráter meramente

profissional. Vejamos o capítulo III dessa resolução, que impõe a oferta de duas línguas

estrangeiras modernas de oferta obrigatória, sendo uma delas a Língua Espanhola:

CAPÍTULO III DO ENSINO MÉDIO

Art. 15 - Da Parte Diversificada do Ensino Médio constará:

I - uma Língua Estrangeira Moderna, de acordo com recursos humanos

existentes na instituição, de matrícula obrigatória;

II - uma segunda Língua Estrangeira Moderna, de oferta obrigatória pela

escola e de matrícula facultativa para o aluno;

III - o Ensino Religioso, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa

para o aluno;

§ 1º - Nas unidades escolares onde a Língua Espanhola é a língua escolhida pela

comunidade escolar, esta será a língua estrangeira obrigatória, sendo a segunda

Língua Estrangeira de matrícula facultativa ao aluno.

§ 2º - A Língua Espanhola deverá constar entre as opções de Língua

Estrangeira Moderna, de matrícula obrigatória ou facultativa.

§ 3º - O planejamento da Parte Diversificada constará do Projeto Político

Pedagógico da escola, oportunizando o exercício da autonomia e retratando a

identidade da Unidade Escolar.

Decerto que essa resolução não favoreceu os professores de francês e que muitos deles

tiveram dificuldades em encontrar escolas que os alocassem. Fundamentamos nossa

afirmação no princípio de que muitos diretores priorizavam e priorizarão o ensino do inglês,

podendo este ocupar o status de língua estrangeira obrigatória. A Língua Espanhola precisa

89

ser incorporada à grade curricular do aluno, seja ela obrigatória ou facultativa. Perguntamo-

nos então que lugar ocupará a Língua Francesa?

Segundo a própria Secretaria de Estado de Educação, através de um funcionário

legitimado a responder os e-mails que chegam ao endereço eletrônico da própria rede:

[email protected], o francês apresenta-se em relação assimétrica em

relação a outras línguas estrangeiras:

A história do francês na rede pública é realmente bem específica.

Entendo sua angústia. Primeiro, gostaria de dizer que o Currículo Mínimo de Língua

Estrangeira foi pensado também para o francês. Qto ao material didático, a

Associação de Professores de Francês do Rio de Janeiro tem lutado

para que o francês faça parte do Programa Nacional do Livro

Didático e do ENEM. Essas conquistas serão importantes para que o

francês recupere seu lugar tão importante quanto às demais línguas.

Nossos alunos podem e devem ter acesso a tantas línguas quantas

quiserem. De momento, só posso dizer que você deve junto a sua diretora apoio

para obter meios (copias, data show) para que possa fazer seu trabalho.Um abraço.15

O que interpretar dessa mensagem? Que o francês é a única língua estrangeira que não

possui livro didático e que perdeu seu lugar para as outras línguas? Que é a Associação de

Professores de Francês que precisa implorar para que o francês seja contemplado pelo PNLD

e faça parte do ENEM? Que o francês perdeu seu lugar face às outras línguas? Que a escola

oferece uma variedade de línguas estrangeiras e que o aluno pode ter acesso a quantas ele

desejar? Mas não ficou determinado que uma das línguas estrangeiras teria que ser o

espanhol? Por que os diretores têm autonomia para escolher qual será a outra língua

estrangeira disponibilizada pela escola?

Para ratificar essa situação vivenciada pelos professores, transcreveremos abaixo uma

carta endereçada ao Sindicato Estadual de Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

(SEPE/RJ) confeccionada por uma professora de francês da rede estadual, também

entrevistada por nós, tendo sido considerada como “excedente” em sua escola, na qual avalia

o propósito explicitando sua apreciação (AP) e o qualifica de acordo com um julgamento

baseado em uma avaliação afetiva, relatando sua experiência e seu sentimento de indignação.

Esta professora se utiliza da modalidade do discurso relatado (DR) para trazer à tona a visão

15

E-mail enviado pela SEEDUC à pesquisadora

90

da diretora de sua escola sobre o papel das línguas estrangeiras na escola e para mostrar seu

posicionamento contrário à postura da direção escolar.

Prezados colegas,

Venho solicitar a assistência da entidade e denunciar o desrespeito (AP) para

com que os professores de Língua Estrangeira francês e espanhol estão sendo

tratados mediante a não inclusão desses profissionais no quadro de horários de

2012, sob a alegação de que " todos os alunos escolheram o idioma Inglês", e devido

a esse fato, todos os demais docentes de LE estão "excedentes" no COLEGIO

ESTADUAL X, situada no bairro Y.

É tão absurdo (AP) que a orientação da direção é que esses docentes venham

ao colégio, cumpram a carga horária sem NADA fazer, e aguardem alguma SOLUÇÃO ( ? ) (DR) para todos os que sobraram !!!! (

palavras da Diretora). Sou professora de Francês, lotada há três anos no colégio e

agora pela primeira vez enfrento tal dificuldade para exercer meu ofício !

Justamente numa época de globalização, Copa do Mundo, Olimpíadas e demais

exigências do mercado profissional e do setor de turismo, esses senhores

discriminam o ensino de duas importantes línguas em detrimento de um único

idioma dito OBRIGATÓRIO. Sempre houve a primeira língua e a língua optativa,

contemplando TODOS os profissionais. Esse ano porém, havendo espaço somente

para profissionais do idioma Inglês, os demais não servem para mais nada !

O senhor Risolia deveria rever sua mal feita resolução (AP) e retificar suas

linhas no que diz respeito ao ensino das Línguas Estrangeiras Modernas, sob pena

de limitar o acesso dos alunos aos demais núcleos linguísticos e

culturais, impondo a discriminação entre colegas em seu local de trabalho, além

de dar ensejo para que a direção decida sozinha o que serve ou não para a

comunidade escolar (uma vez que nenhuma assembléia com pais, alunos ou

professores foi realizada para uma decisão democrática, em conformidade com

os reais interesses de todos os envolvidos).

Me sinto ultrajada (AP), sem entender ou achar motivos plausíveis para a conduta

da Secretaria de Educação mediante essa postura baseada numa resolução mal

orientada, vaga e mal escrita (AP), e que prejudica mais do que

resolve os problemas (AP), concernentes ao ensino propriamente dito.

Agradeço antecipadamente por todo o apoio que o Sepe puder nos oferecer

nesse momento de inquietação, falando eu em nome dos demais colegas que

estão na mesma situação em que me encontro, sem saber a quem recorrer.

Conhecendo um pouco a realidade dos alunos do curso noturno, não acreditamos que a

maioria deles sinta-se motivada para estudar para uma disciplina “facultativa.” Não trazemos

nessa fala nenhum pré-julgamento em relação a esses alunos. Apenas imaginamos que como

chegam cansados de uma longa jornada de trabalho e possuem inúmeras preocupações

familiares, já que muitos são pais de família, poderão encontrar nessa facultatividade um meio

de eliminarem algumas avaliações formais, estudo e até mesmo um tempo de aula.

91

Podemos ir mais além nessa questão da disciplina não obrigatória. Aliás, só para

esclarecer, a disciplina é de oferta obrigatória mas de matrícula facultativa ao aluno. Sabendo

de antemão dessa característica da disciplina, o aluno poderá não levá-la a sério ou nem

mesmo fazer sua inscrição para cursá-la. Ele pode concluir que um único tempo semanal

(correspondendo a 45 minutos) não lhe propiciará um vasto conhecimento da língua. A

consequência imediata é que o professor designado para essa disciplina se sentirá

desmotivado para preparar suas aulas que podem não contar com a presença de qualquer

aluno.

Ou, pensando por outro lado, sejamos otimistas e acreditemos que as turmas vão se

formar, talvez não com a totalidade de alunos de uma turma regular mas com um número

expressivo de alunos. O professor concursado em regime de dezesseis horas assume a carga

de doze tempos em sala de aula. O que isso significa nesse contexto? O professor terá a

responsabilidade de conduzir doze turmas distintas, contará com o compromisso de preencher

doze diários de classe, lançará a nota de doze turmas no site Conexão Educação, sistema

online criado pela Secretaria de Estado de Educação, participará de mais conselhos de classe,

elaborará mais planejamentos de curso, etc. Para resumir, o professor de língua estrangeira

facultativa terá muito mais trabalho do que um professor de português, por exemplo, que se

ocupa de três turmas e cumpre sua carga horária.

Em compensação, se retomarmos nossa visão pessimista, caso os alunos não se

matriculem na disciplina optativa, o professor não cumprirá sua carga horária obrigatória. O

que ele fará então? Vai ficar na sala dos professores cumprindo o horário e conhecer a revolta

dos outros professores que entrarão em sala de aula? Vai executar algum serviço

administrativo? Vai procurar outra escola até que consiga os seus “desejados” doze tempos?

Aliás, outro ponto que merece ser destacado é o novo sistema de ensino para jovens e

adultos implementado na rede estadual para o ano letivo de 2013. A Educação de Jovens e

Adultos era realizada em um período de dezoito meses no Ensino Médio e as três fases (I, II,

III) pelas quais os alunos passavam ofertavam todas as disciplinas. O atual sistema Nova Eja

aumentou em mais seis meses o curso, totalizando vinte e quatro meses, porém a carga horária

diária foi reduzida para se adequar às necessidades desse público. As disciplinas são

oferecidas em quatro módulos, um por semestre. As únicas disciplinas que estarão presentes

em todos os módulos são as de Português e Matemática. Para exemplificar, somente no

módulo IV haverá a oferta de Língua Estrangeira e somente no módulo III haverá a oferta de

92

Educação Física. Estamos certos de que nessa fase de implementação da Nova Eja o professor

dessas disciplinas terá que aguardar dezoito meses para entrar em sala de aula lecionando a

matéria para a qual prestou concurso. Sem falar que o projeto, até o momento, considera

língua estrangeira apenas Inglês e Espanhol.

Paradoxalmente a essa realidade de colocar as línguas estrangeiras à parte, sobretudo

aquelas diferentes de Inglês e Espanhol, o governo do Estado assinou um convênio com o

Ministério da Educação francês para a criação de uma escola bilíngue Português/Francês no

Rio de Janeiro prevista para 2014. 16

No dia doze de abril de 2013, professores de francês da

rede estadual foram convidados a participar de uma reunião com o secretário de Estado de

Educação e com o embaixador da França no prédio do Consulado Francês na qual foi

apresentado o projeto inovador e anunciada as etapas do processo seletivo que selecionará três

dos cinquenta e oito professores atuantes na rede.

Infelizmente, não temos a solução para os questionamentos acima discutidos. Nossa

meta também não é apontar as soluções, mas trazer à baila situações às quais são submetidos

os professores de língua estrangeira, especificamente os de francês. Acreditamos que o

entorno do trabalho do professor possa implicar diretamente em sua atuação em sala de aula.

Para finalizar o assunto, faltou-nos falar sobre do Projeto Político Pedagógico da rede

municipal de educação do Rio de Janeiro no que tange à língua estrangeira. Assim como para

a rede estadual, fui informada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro que

esse documento é elaborado por cada escola, respeitando os parâmetros e as orientações

curriculares em vigor, porém, debruçando-se sobre a realidade da escola. Partimos então para

contato com os professores da rede municipal que participaram das entrevistas que

analisaremos posteriormente. Para nossa surpresa, eles anunciaram que suas respectivas

escolas não possuíam Projeto Político Pedagógico para francês. Aliás, vale a pena dizer que

um desses professores acaba de ser convidado a ocupar o cargo de coordenador de francês na

rede municipal e afirmou achar improvável que alguma unidade escolar disponha de tal

projeto.

Até o presente momento, tentamos elucidar o que os documentos oficiais abordam

sobre a questão do ensino de língua estrangeira. No entanto, ainda não discutimos em

16

Informação extraída do site da SEEDUC (Secretaria de Estado de Educação) através do link:

http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=1338993

93

momento algum o que esses documentos proferem sobre a prática docente propriamente dita,

assim como o que é esperado de um profissional da educação.

3.4 LEI DE DIRETRIZES E BASES (LDB 9394/96)

Pesquisamos nos sites das Secretarias Estadual e Municipal bem como no site do

ministério da educação documentos que retratassem o “modelo” de professor almejado pela

instituição, o que se espera dele e/ou como deve ser o perfil do profissional da educação

integrante dessas redes. O resultado não foi entusiasmante visto que os documentos que

orientam o ensino nessas redes apontam diretamente para o trabalho do professor, ou seja, o

profissional encontra uma gama de eixos temáticos/conteúdos que deveria incluir em suas

aulas, uma breve explicação sobre a importância do desenvolvimento de um trabalho que

priorize a leitura e, muitas vezes, como ele poderia executar o seu trabalho.

Encontramos uma referência ao trabalho do professor no título IV da Lei de Diretrizes

e Bases:

TÍTULO IV

Da Organização da Educação Nacional

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do

estabelecimento de ensino;

III - zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar

integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao

desenvolvimento profissional;

VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a

comunidade.

Vimos aqui alguns compromissos que o professor tem obrigação de assumir ao fazer

parte do corpo escolar. Logo no primeiro item já esbarramos com um problema discutido

anteriormente em um episódio particular. Como não há PPP para língua estrangeira na escola

e nem há possibilidade de tê-lo devido a sua estrutura, o segundo item também fica

prejudicado, pois não é tarefa fácil pensar em um ano de trabalho sem um direcionamento

mais profundo sobre a filosofia do estabelecimento de ensino, sobre suas metas e objetivos.

94

É notório que a lei não será cumprida na íntegra já que os problemas começam na

própria estrutura da rede de ensino e são repassados para a unidade escolar. Parece-nos, para

nós professores de línguas estrangeiras, que nossa disciplina não é tida como séria ou que

mereça uma maior atenção. Os próprios alunos se queixam do descaso com o aprendizado de

línguas estrangeiras na escola. Eles percebem que não há uma organização para que eles

consigam, de fato, aprender algo. Essa reclamação está pautada em dois eixos: seja porque em

cada série ao alunos aprendem uma língua diferente e não conseguem ampliar seus estudos

em nenhuma delas, seja porque o aprendizado de línguas na escola ainda precise passar por

muitas mudanças, muitas delas pautadas nos PCNs, visto que muitos alunos passam a vida

escolar inteira estudando uma língua e ao término da educação básica tenham a impressão de

nada terem aprendido.

Todavia, as atribuições descritas nos itens III, IV, V e VI são pertinentes e passíveis de

serem cumpridas. Achamos que todo professor traz consigo, em seu interior, o desejo de

contribuir para a formação de alguém, de ver seu aluno progredir. Para isso, não medirá

esforços e buscará se integrar à “vida” da escola.

No título VI da LDB é apresentado o requisito mínimo para se ocupar o posto de

professor. No artigo 62, exige-se que o profissional possua o diploma de graduação plena da

disciplina em que pretende lecionar bem como o de licenciatura, exigindo, no artigo 65, que essa

compreenda uma extensa carga horária de prática de ensino:

TÍTULO VI

Dos Profissionais da Educação

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível

superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos

superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do

magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,

a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de

ensino de, no mínimo, trezentas horas.

No artigo a seguir, trazemos o compromisso que as instituições de ensino devem assumir

junto ao profissional de educação.

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da

educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de

carreira do magistério público:

I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

95

II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico

remunerado para esse fim;

III - piso salarial profissional;

IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do

desempenho;

V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de

trabalho;

VI - condições adequadas de trabalho.

Não podemos esboçar nossa opinião sobre o (não) funcionamento das “regras” citadas

a não ser através do olhar que temos sobre a instituição em que trabalhamos. Não podemos

generalizar e concluir que a realidade de uma escola é igual à de outra. Então, com base nas

escolas em que trabalho posso revelar que o licenciamento para aperfeiçoamento profissional

pode até ser conseguido, dificilmente este será remunerado (II); o piso salarial do professor

costuma ser baixíssimo se comparado a outras profissões, conforme veremos no item 3.7 (III);

o professor raramente cumpre em sala de aula a carga horária completa que lhe foi estipulada

no contrato de trabalho mas não se pode dizer que o tempo “excedente” seja suficiente para

preparar aulas, corrigir trabalhos, etc (V); as condições de trabalho dos professores também

não costumam ser boas, principalmente para os professores de língua estrangeira que se

utilizam de músicas, clips, filmes, imagens, data-show, etc, visando tornar suas aulas

“atraentes” (VI).

Em contrapartida, com base nesses excertos retirados da LDB, podemos afirmar

categoricamente que o ingresso do professor na rede pública de ensino da educação básica se

dará através de concurso público (I). Essa é a única exigência feita para que um professor

integre o quadro da rede pública, desde que apresente um diploma que confirme a conclusão

em curso de licenciatura, de graduação plena. Vale lembrar que na maioria dos concursos o

professor não é testado em situação real de trabalho, não há uma avaliação de sua prática,

somente de seu saber intelectual.

Voltando ao diploma, podemos apreender que qualquer professor detentor de um

documento com as características descritas acima e aprovado em concurso poderá compor o

quadro funcional das redes públicas de ensino, o que denota a não existência de um perfil de

profissional previamente estabelecido por essas redes ou, ao inverso, que essas redes não

possuam um perfil definido a ponto de vislumbrarem o que realmente entendem por ensino.

Assim, parece-nos que as instituições não têm uma identidade, uma “personalidade”.

Daí advém outra inquietação. Hall (2000) nos diz que embora possamos nos ver,

seguindo o senso comum, como sendo a “mesma pessoa” em todos os diferentes encontros e

96

interações, não é difícil perceber que somos diferentemente posicionados, em diferentes

lugares, de acordo com os diferentes papéis sociais que estamos exercendo. Isso nos leva a

pensar que o professor atua de maneira diferente dentro de cada espaço em que circula. No

momento em que está à frente de uma turma, ele representa a instituição e seus valores. Mas

nesse caso, que valores ele representaria? Como ele deveria se portar/agir?

Voltemo-nos então para a questão do ingresso nas redes públicas já que sabemos que

esse aspecto é comum a todas as escolas. Fazemos um breve parêntese para a contratação de

professores nas esferas públicas. Essa prática vem sendo bastante recorrente nesse meio.

Muitas vezes o profissional é submetido a um processo seletivo para ser incorporado

temporariamente ao quadro funcional da escola. Essa modalidade acaba sendo conveniente

para o governo pois protela por mais tempo a abertura de concursos, pagam ao contratado um

salário mais baixo que o do professor concursado para ocupar a mesma carga horária de

trabalho e ao findar o contrato não há vínculo algum entre o governo e o profissional.

Retomando o assunto dos concursos públicos, uma ideia nos vem à mente. Para que o

profissional venha a ser aprovado, ele deve ser submetido a um exame formal. Talvez, ao se

confeccionar esse exame, um perfil de candidato seja idealizado. Até mesmo os editais desses

exames podem trazer informações sobre as atividades que o candidato desempenhará, seu

local de trabalho, salário, carga horária, etc.

A seguir, faremos um breve percurso sobre os documentos que regulamentaram os

últimos concursos públicos para o cargo de professor de francês no Rio de Janeiro com vistas

a conhecer o perfil do profissional almejado para integrar as redes de ensino federal, estadual

e municipal.

3.5 O PROFESSOR DE FRANCÊS E OS PROCESSOS DE SELEÇÃO

Gostaríamos de começar nossa apresentação pelo sistema de ensino federal.

Entretanto, cada instituição desse sistema promove seus próprios exames independentemente.

Dessa forma, optamos por analisar o último edital do concurso para professor do Colégio

Pedro II, realizado em 2008. Como não teremos condições de expor os editais dos concursos

de outras instituições federais, não poderemos mapear o perfil traçado por essa rede. Alguns

indícios do que é esperado de um professor que comporá a equipe de docentes desse colégio

até poderá coincidir com o que é almejado de um professor do Colégio de Aplicação da

97

UFRJ, por exemplo, mas não disporemos de meios para afirmar categoricamente o perfil do

professor da rede federal.

O edital apresentou a oferta de 6 vagas para professor de francês, sendo que as

unidades escolares seriam indicadas posteriormente. O candidato tinha que ser brasileiro,

possuir diploma de licenciatura plena em Letras com habilitação em Francês, estar em dia

com suas obrigações legais e pagar a taxa de inscrição no valor de R$ 80,00. Em um primeiro

momento, o candidato foi submetido a uma prova escrita discursiva de caráter eliminatório e

classificatório. No caso específico desse cargo, o candidato deveria elaborar suas respostas em

Língua Francesa. O candidato que conseguisse obter nota maior que sessenta pontos do total

de cem, receberia aprovação para a próxima etapa e faria uma prova de aula, também de

caráter eliminatório e classificatório. O candidato com nota superior a setenta pontos na prova

de aula passaria ainda por uma etapa classificatória baseada na análise de títulos. O regime de

trabalho seria de 40h e o salário inicial para aprovado com nível de formação “graduação” de

R$ 2,095, 35.

Passando para o concurso realizado pela Secretaria de Estado de Educação,

apresentaremos o último edital publicado para a vaga de professor de francês. O documento

norteou o concurso realizado em 2008 que teve como objetivo selecionar candidatos para o

cadastro de reserva. Vale a pena ressaltar que no ano anterior também houve concurso em que

foram disponibilizadas treze vagas para o cargo professor de francês. Assim como foi previsto

pelo edital do concurso do Colégio Pedro II, o candidato tinha que ser brasileiro, possuir

diploma de licenciatura plena em Letras com habilitação em Francês, deveria estar em dia

com suas obrigações legais e pagar a taxa de inscrição no valor de R$ 30,00. O candidato

seria submetido a duas etapas: uma prova objetiva com sessenta e cinco questões englobando

conhecimentos pedagógicos, de francês e de português, com caráter eliminatório e

classificatório, e a prova de títulos, com caráter classificatório. O regime de trabalho seria de

16 horas e o salário base mensal de R$ 607, 26.

Conforme descrito acima, as condições para que o candidato fizesse sua inscrição

foram as mesmas, a não ser pelo valor da taxa de inscrição. Sobre a prova em si, a primeira

(Colégio Pedro II) exigiu um pouco mais do candidato, cobrando dele a elaboração de

respostas discursivas em Língua Francesa e, em etapa posterior, uma prova de aula com o

objetivo de avaliar a prática docente desse profissional, ao passo que a segunda (rede

estadual) só testou o conhecimento do profissional em uma prova objetiva. Outro ponto de

98

divergência é a remuneração do profissional bastante desequilibrada. Ainda que consideremos

a diferença de carga horária, o salário do professor da rede estadual acaba ficando aquém do

salário do professor do Colégio Pedro II.

Dispusemo-nos a apresentar o perfil dos três concursos referentes ao ingresso dos

professores no Colégio Pedro II bem como nas redes estadual e municipal do Rio de Janeiro a

fim de conseguirmos recuperar possíveis traços do perfil de profissional desejado para ocupar

o cargo de professor nesses três órgãos. Entretanto, não poderemos discutir o exame realizado

pela Secretaria Municipal de Educação, pois seu último concurso para professor de francês foi

realizado no ano de 1992 e não encontramos o material necessário para nossa avaliação. Além

disso, devido à antiguidade do concurso, o perfil do candidato daquela época poderia não

mais corresponder ao do candidato almejado por essa rede nos dias de hoje.

Como nosso trabalho também apresenta como objetivo a análise das materialidades

discursivas decorrentes das entrevistas realizadas com os professores do curso privado

Aliança Francesa, vale a pena esclarecer que há uma seleção realizada por esse curso para a

contratação de seus professores. Há uma análise de currículo e posteriormente convocam-se

os candidatos pré-selecionados para uma formação pedagógica. Aqueles que se destacarem ao

longo do curso de formação serão chamados a assinarem um contrato de trabalho.

Essas e outras questões fazem parte do complexo mundo do trabalhador da Educação e

nos ajudam a refletir sobre sua identidade profissional. Entretanto, acreditamos estar

contribuindo com reflexões que possam, de alguma forma, contribuir para o campo da

educação.

Seguiremos apresentando os pressupostos teóricos de uma abordagem metodológica

mais recente que a comunicativa e que tem norteado o ensino de línguas de algumas

instituições de ensino, como por exemplo no referido curso privado de Língua Francesa,

descritos em um documento publicado pelo Conselho da Europa.

3.6 QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS:

APRENDIZAGEM, ENSINO, AVALIAÇÃO

O Quadro europeu comum de referência para as línguas: aprendizagem, ensino,

avaliação (QECRL) representa as diretrizes para o ensino de línguas estrangeiras com o

objetivo de: analisar as metodologias de ensino de todas as línguas e seu aprendizado; criar

99

um instrumento que torne transparentes os resultados dessa aprendizagem; tratar dos hábitos

de aprendizagem e da avaliação das competências linguageiras orais e escritas.

O Cadre Européen Commun de Référence pour les Langues - Apprendre, Enseigner,

Évaluer (CECRL) foi idealizado após um Simpósio sobre o aprendizado de línguas na Europa

realizado na Suíça em 1991 em que os participantes decidiram agrupar informações relevantes

sobre a temática em questão. Em 2001, o documento que define o nível de conhecimento de

uma língua estrangeira em função do savoir-faire (saber-fazer) nos diferentes níveis de

competência e propõe uma base comum para a elaboração de programas de ensino-

aprendizagem das línguas modernas, confecção de exames, diplomas e manuais didáticos, etc

foi finalmente publicado pelo Conseil de l’Europe (Conselho da Europa). Assim como os

PCNs foram assinados por alguém tido como legítimo, o CECRL teve o aval da mais antiga

instituição europeia em funcionamento e conta com 47 Estados membros.

Ao longo das quase duzentas páginas, encontramos de forma clara os objetivos de

cada competência linguageira a ser alcançado em cada nível de aprendizado para que o

processo seja satisfatório. A título de exemplo, demonstraremos como se apresentam os

diferentes níveis de proficiência discutidos exaustivamente no documento17

:

Utilizador elementar • A1 - Iniciação

• A2 – Elementar

Utilizador independente • B1 - Limiar

• B2 – Vantagem

Utilizador proficiente • C1 - Autonomia

• C2 – Mestria

Cada um desses seis níveis conta com descritores específicos para cada uma das

habilidades linguísticas (Ex. Produção oral, Produção escrita, etc). Vejamos um exemplo

concernente ao uso da linguagem oral18

:

17

Níveis comuns de referência (QECR, 2001, p.48) 18

Níveis Comuns de Referência: aspectos qualitativos do uso oral da linguagem (QECR, 2001, p.57)

100

Também encontramos esse tipo de organização nos PCNs, porém, ao invés dos

descritores serem feitos de acordo com o nível de proficiência são elaborados por série. Aliás,

ao longo do capítulo 3, vínhamos discutindo documentos nacionais norteadores do ensino.

Assim, é chegado o momento de questionarmos o porquê de uma seção que trate de um

documento que orienta o ensino de línguas na Europa se fazer presente nesse mesmo capítulo.

101

Na verdade, os documentos anteriormente citados balizam o trabalho nas escolas das

redes pública e privada. Porém, esse é o texto base utilizado pelo curso privado Aliança

Francesa. Logo, os professores desse curso devem tê-lo como parâmetro para desenvolverem

seu trabalho. Assim como descrito nos PCNs, encontramos na introdução do QECR a

informação de que o documento não tem a pretensão de impor uma metodologia ou uma

teoria aos professores:

Não se trata DE MODO ALGUM de dizer aos que trabalham nesta área o

que devem fazer e como devem fazê-lo. São levantadas questões, mas não

são dadas respostas. A função do Quadro Europeu Comum de Referência

não é nem formular os objectivos que os utilizadores devem atingir, nem os

métodos que devem usar. (QECR, 2001, p.11)

Conforme descrito no próprio texto, seu objetivo é o de harmonizar o ensino e a

aprendizagem das línguas vivas na Europa e fornecer os meios para os professores

“reflectirem sobre a sua prática actual, com vista a contextualizarem e a coordenarem os seus

esforços e a assegurarem que estes respondam às necessidades reais dos aprendentes pelos

quais são responsáveis” (QECR, 2001, p.19).

A abordagem apontada pelo documento é orientada para a ação (approche

actionnelle). Assim, enfatiza-se o desenvolvimento da competência comunicativa e uma

abordagem acional – que considera o aprendiz da língua como ator social que deve mobilizar

estrategicamente competências específicas para realizar tarefas e o coloca no centro do

processo de ensino aprendizagem. Nesta perspectiva, cabe ao professor a tarefa da facilitar o

desenvolvimento de uma competência seja ela comunicacional ou intercultural, de agir como

co-construtor do conhecimento, de dinamizar os princípios metodológicos e adaptá-los ao

público-alvo.

Gostaríamos de fazer uma ressalva no que tange ao caráter não normativo do QECR.

Por mais que o documento não pretenda ditar o modelo de ensino/aprendizagem a ser seguido,

baseia-se em uma abordagem que redefine os papéis do aprendiz e do professor. Conforme

dissemos anteriormente, o curso privado Aliança Francesa se utiliza desse documento e dessa

metodologia de ensino e submete os professores a fazerem curso de “reciclagem” em uma

tentativa de deixá-los a par das novidades no campo do ensino/aprendizagem de línguas

estrangeiras, sobretudo a Língua Francesa. Logo, um professor que tenha conhecido outras

102

metodologias de ensino poderá sentir dificuldades para se adequar às recomendações dessa

nova abordagem.

Na realidade das escolas públicas mencionadas nesse trabalho, essa abordagem

começa a se apresentar timidamente. Por exemplo, a coordenadora de línguas neolatinas do

Colégio Pedro II sugeriu a leitura do QECR a sua equipe, segundo os autorrelatos dos

professores entrevistados. Inclusive, discussões acerca dessa nova abordagem e do QECR

vem sendo promovidas e os professores estão reescrevendo o Projeto Político Pedagógico da

escola com base nesse material mas o mesmo ainda não foi publicado. Percebendo que não

estavam em dia com o texto de referência criado pelo Conselho da Europa e com vistas a

melhor atender as suas necessidades, introduziu-se, no ano de 2010, para todos os alunos do

Ensino Fundamental, o uso de um manual didático orientado para a ação.

Não podemos nos esquecer de que esse colégio mantém convênio com a Embaixada

da França e seus alunos são beneficiados com uma redução no valor da taxa de inscrição dos

exames de proficiência francês orientados pelo QECR: DELF - Diplôme d'Études en Langue

Française (Diploma de Estudos em Língua Francesa) e o DALF - Diplôme Approfondi de

Langue Française (Diploma Aprofundado de Língua Francesa). Esses diplomas certificam as

competências em francês dos candidatos estrangeiros, são reconhecidos internacionalmente e

são concedidos pelo Ministério da Educação Nacional Francês. Talvez, por essa razão, os

professores dessa instituição estejam mais a par dessas mudanças metodológicas que os

outros.

Cabe dizer que o mesmo manual selecionado pelo Colégio Pedro II foi distribuído em

2010 pela Secretaria Municipal de Educação. Entretanto, não há um documento dessa rede

que oriente o desenvolvimento de uma abordagem acional. Vale lembrar que os alunos do

Colégio Pedro II precisam comprar o livro didático uma vez que ele não é distribuído

gratuitamente como os livros das outras disciplinas. A rede estadual não disponibiliza

qualquer manual didático para o ensino de Língua Francesa, somente para as línguas inglesa e

espanhola. Também não há o desenvolvimento de um Projeto Político Pedagógico voltado

para a abordagem orientada para a ação. Mais uma vez se apresenta o problema da

importância dada a algumas disciplinas em relação a outras. Por que o Programa Nacional do

Livro Didático (PNLD) cujo objetivo é o de subsidiar o trabalho pedagógico dos professores

por meio da distribuição dos livros didáticos aos alunos da educação básica não disponibiliza

livros de Língua Francesa aos alunos das redes federal e estadual? Por outro lado, por meio

103

desse programa, o Ministério da Educação (MEC) distribui livros para o ensino das línguas

inglesa e espanhola. Moita Lopes (1999, p. 433) demonstra insatisfação em relação a essa

postura de distinção entre as línguas mediada pela (não) oferta dos livros didáticos:

É incompreensível, por exemplo, que o MEC continue excluindo

livros didáticos de LEs da lista de materiais que envia às escolas

públicas. É, no mínimo, um desrespeito à lei que rege a educação

brasileira.

Na seção seguinte, traremos à baila considerações sobre nossa leitura dos textos

oficiais norteadores do ensino na Cidade do Rio de Janeiro, ressaltando a repetição de

políticas que colaboram para que o professor, sobretudo o de Língua Francesa, se sinta

desmotivado e desvalorizado em sua profissão, seja pela falta de estrutura física e de recursos

didáticos, seja pela perda do prestígio de sua atividade profissional.

3.7 EFEITOS DE SENTIDO DOS TEXTOS OFICIAIS

Com a leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais, das Orientações Curriculares, do

Currículo Mínimo, da Lei de Diretrizes e Bases e do Quadro Europeu Comum de Referência

para as línguas pudemos identificar que esses textos são um espaço de enunciação que iguala

as línguas estrangeiras. Apenas o Projeto Político Pedagógico elaborado pelo Colégio Pedro II

é um documento elaborado pelo próprio corpo docente da escola e leva em consideração as

particularidades de cada língua estrangeira.

Em grande parte desses documentos legais, notamos um discurso marcado

discursivamente pela necessidade de mudanças na estrutura escolar para que o ensino

aconteça de forma eficaz. Normalmente, desvia-se o foco dos problemas estruturais para a

figura do professor, que acaba sendo responsabilizado pelos insucessos da escola pública.

Entretanto, esse professor tem sua voz emudecida nas discussões que antecedem a confecção

desses textos, pois raramente são consultados ou uma pequena parcela é chamada a opinar

sobre a realidade e as necessidades das salas de aula da educação básica (Educação Infantil,

Ensino Fundamental e Ensino Médio).

O discurso dos professores e das mídias resgatam efeitos de sentido que corroboram

estereótipos construídos ao longo da história, como por exemplo, a desvalorização social da

profissão e os baixos salários. Essas imagens não só são partilhadas socialmente como muitas

104

das vezes acabam sendo internalizadas pelo professor e fazendo parte dos traços de sua

identidade social. A fim de exemplificar o que estamos debatendo, trazemos abaixo uma

tabela divulgada pelo IBGE em 2006 comparando o rendimento salarial de algumas

profissões que exigem o nível superior de formação:

O que não se pode mais esconder é a crise de identidade pela qual o ensino está

passando. Com o fenômeno da globalização, a Língua Inglesa consolidou-se como língua

estrangeira hegemônica no Brasil graças ao poder da economia norte-americana. Aliás,

Jameson (2001) discute cinco níveis distintos de globalização e a maioria deles conta com a

força americana e com o desejo de liderança em cada um desses níveis.

No plano tecnológico, o autor afirma que a nova tecnologia das comunicações e a

revolução da informação não só têm tido inovações e implicações na esfera da comunicação

como também têm trazido impacto na produção e na organização industrial e na

comercialização de bens. No nível político, Jameson faz uma reflexão sobre o imperialismo

norte-americano e ressalta que, ao se falar do poder de expansão e influência da globalização,

implicitamente, fala-se da expansão da potência econômica e militar dos Estados Unidos. No

plano cultural, o autor debate o posicionamento dos Estados Unidos de querer exportar seus

interesses para o resto do mundo como se fossem universais em uma tentativa de padronizar a

cultura mundial seja através da música, dos filmes, da culinária ou das vestimentas. A questão

econômica da globalização sofre implicações diretas dos pontos acima levantados sobre a

esfera cultural, segundo Jameson. Para ele, “a produção de mercadorias é hoje um fenômeno

105

cultural, em que se compra tanto por sua imagem quanto por seu uso imediato.” O autor

menciona o feroz interesse dos Estados Unidos em fazer com que seus filmes dominem o

mercado estrangeiro apesar da repulsa de alguns países europeus, sobretudo a França, que

tenta resistir a esse imperialismo cultural americano.

Jameson aborda ainda a liderança dos Estados Unidos dentro do Fundo Monetário

Internacional (FMI) e como muitas nações se tornam financeiramente dependentes dos países

do primeiro mundo através de empréstimos, apoios e investimentos, tornam-se alvos fáceis

das imposições das condições de livre mercado sob a ameaça de retirar fundos de

investimento. Ainda no âmbito econômico, Jameson desenvolve o conceito de “cultura de

consumo” para descrever um modo de vida específico que ameaça pôr fim nas formas de vida

de outras culturas. O autor prefere associar esse conceito do ponto de vista da passagem do

econômico para o social, já que essa cultura de consumo faz parte da vida cotidiana e não

pode ser dissociada do tecido social. No plano social, Jameson traz à tona questionamentos

sobre o individualismo e a pulverização da sociedade como vilões que levariam os grupos

sociais tradicionais a perderem forças e se romperem em decorrência dessa cultura de

consumo. Assim, ao falar de globalização e ao mencionar o imperialismo norte-americano

sobretudo nos âmbitos político, cultural e econômico, seremos conduzidos a uma possível

hipótese sobre a hegemonia da Língua Inglesa frente às outras línguas estrangeiras que

poderiam ser ofertadas na escola mas que acabam perdendo espaço para essa supremacia do

governo americano.

Diante dessas observações, somos levados a pensar que novas formas de agir, de

pensar e de trabalhar foram recriadas nesse mundo globalizado. A chegada das novas

tecnologias (TICs – tecnologias da informação e da comunicação) revolucionaram também o

trabalho do professor com as facilidades de acesso a recursos como a Internet e às mídias de

maneira geral. O aluno aprendeu a buscar o saber de forma mais autônoma, rápida e interativa

com as facilidades propiciadas pela Internet. Entretanto, a grande lacuna encontrada pelos

estudiosos em Educação é conseguir trazer todos esses recursos para a sala de aula fazendo

com que o ensino nas escolas conheça o sucesso, atendendo aos anseios do aluno e às

demandas do professor. Na leitura comentada que fizemos sobre os documentos prescritivos

orientadores do ensino pudemos perceber o desejo de colocar as novas tecnologias a favor da

Educação. Porém, não há uma orientação para o professor de como concretizar esse desejo.

Na maioria das vezes, ele não dispõe de meios físicos nem possui acesso a cursos de

106

capacitação que impliquem nessa necessidade de reformulação do ensino. Nota-se nesses

textos a presença de uma rede de discursos que perpetuam práticas institucionais e

governamentais cristalizadas ao longo da história e a pretensão em perpetuá-las.

Em face dos fatos apresentados, está mais do que justificado o ensino da Língua

Inglesa nas escolas públicas. Porém, a aprendizagem de outra língua estrangeira também se

faz indispensável para que se abram novos horizontes em um mundo cada vez mais plural.

Concordamos com Moita Lopes (1999, p.432) ao revelar certa preocupação em relação à

oferta exclusiva da Língua Inglesa aos alunos da educação básica, apontando a urgência no

desenvolvimento de políticas públicas voltadas para as línguas estrangeiras:

A consolidação do inglês como LE hegemônica no Brasil é, no meu entender, uma

questão preocupante. Conquanto, tenha clareza sobre a relação entre LEs e fatores

sociopolíticos, e que, portanto, seja inegável a importância de se aprender inglês em

um mundo em que as fronteiras nacionais são perpassadas pelo uso do inglês devido

ao poder da economia norte-americana no chamado mundo globalizado que se

apresenta, parecem ser essenciais investimentos de pesquisa e de natureza política

no ensino de outras LEs.

No que tange às línguas estrangeiras, as políticas linguísticas em voga no Brasil

tendem a corroborar a hegemonia da língua inglesa. Temos ainda testemunhado a política de

implantação da Língua Espanhola na grade curricular do Ensino Médio como oferta

obrigatória segundo a lei federal 11.161/2005 e vivido a política de exclusão da Língua

Francesa fortemente presente nas práticas governamentais. Por outro lado, professores de

espanhol têm se mobilizado frente à recente decisão da Secretaria Municipal de Educação do

Rio de Janeiro de extinguir essa língua estrangeira do currículo em 2014 em favorecimento do

inglês, apesar do amparo legal. A manifestação da insatisfação foi feita por meio de um

abaixo-assinado endereçado à SME-RJ publicado em dois de abril de 2013.19

Nesse

documento, ressalta-se o desejo de fazer cumprir a lei federal e critica-se a parceria realizada

entre a SME-RJ e o curso de línguas Cultura Inglesa na criação do programa Rio Criança

Global, em 2009.

Acreditamos que os discursos que privilegiam uma língua em detrimento de outra

possam ser explicados através da noção de mercado linguístico trazida por Bourdieu

(1973,1998) em analogia à noção de mercado econômico. As línguas estão deixando de ser

símbolos representativos da identidade nacional para se transformarem em mercadorias. As

19

A carta endereçada à SME-RJ pode ser encontrada no link:

http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2013N38954

107

relações linguísticas implicam a produção de bens simbólicos, ou seja, os discursos

produzidos pelo locutor serão mais ou menos valorizados conforme o valor atribuído pela

sociedade para aquela língua por ele utilizada na situação de comunicação. O sociólogo

concebe a língua “não somente como um instrumento de comunicação ou mesmo de

conhecimento mas um instrumento de poder” (Bourdieu, 1973, 1998, p. 108). Por essa razão,

“vende-se” a Língua Inglesa tendo como pano de fundo a globalização e sua importância para

o mercado de trabalho.

Vale a pena esclarecer que tornar obrigatório o ensino de Língua Espanhola no Ensino

Médio incorre na possibilidade de torná-la hegemônica, assim como outrora fora feito com a

Língua Inglesa. Não podemos fechar os olhos e deixar de perceber que essa predileção por

uma determinada língua estrangeira prefigura um processo de imposição política que traz

consigo interesses de determinados grupos sobre outros. Essa mesma política que hoje elege o

espanhol e o inglês como obrigatórias ao currículo escolar, amanhã suprimirá seus valores e

determinará que outra língua ocupe seus lugares que agora conhecem o prestígio social.

No capítulo seguinte exporemos os procedimentos metodológicos utilizados nesta

pesquisa, a definição dos sujeitos colaboradores e a delimitação do corpus.

4 DELINEANDO OS CORPORA

Conforme anunciamos ao longo do trabalho, interessamo-nos pelos relatos dos

professores de diferentes instituições sobre o seu trabalho enquanto professores de Língua

Francesa. Daí surgiu a ideia de contatarmos profissionais das redes de ensino federal, estadual

e municipal. Acreditamos que, por eles estarem diretamente engajados nessa realidade escolar

poderão nos fornecer dados que nos auxiliarão a narrar a situação do professor de francês no

Rio de Janeiro. Não queremos ser omissos e fechar os olhos para as diferentes realidades

existentes dentro de uma mesma rede de ensino. Entretanto, nossa pesquisa é de cunho

qualitativo e não quantitativo. Logo, teremos uma pequena amostragem, mas que nos

permitirá reconhecer alguns aspectos que careçam de atenção de nossa sociedade para que as

condições de trabalho desses profissionais possam ser melhoradas.

Além de buscarmos conhecer melhor o espaço da Língua Francesa nas escolas

públicas, as condições de trabalho dadas ao professor, a visão do profissional sobre a

disciplina e sobre a sua profissão, também tínhamos o desejo de estabelecer um contraponto

com a realidade do trabalho no curso privado Aliança Francesa. Nosso intuito era o de mapear

a situação do ensino de Língua Francesa nas escolas públicas e no referido curso,

identificando traços que levassem um professor a ser reconhecido pela sociedade por trabalhar

em uma determinada instituição ou, ao contrário, que o professor não tivesse o

reconhecimento da sociedade por trabalhar em outra instituição, embora o papel

desempenhado fosse sempre o mesmo: o de professor de francês.

Tivemos também o cuidado de atentar para o fato de que talvez as expectativas de um

professor recém-formado sejam diferentes daquelas de um professor antigo no cargo. Por isso,

pensamos em ouvir essas diferentes vozes da educação acerca de suas experiências

profissionais. Assim, serão considerados sujeitos dessa pesquisa professores que tenham se

formado há menos de dez anos do início dessa pesquisa, ou seja, serão considerados em início

de carreira aqueles com formação posterior ao ano de 2000, e para fim de carreira aqueles que

estejam há dez anos de se aposentar.

Após essa inicial configuração do panorama no qual se insere o trabalho dos

professores no Estado do Rio de Janeiro, fez-se necessária a definição de nossos sujeitos de

pesquisa. Nossa primeira tarefa foi selecionar professores que pudessem se enquadrar no

recorte proposto para nossa pesquisa, visando respeitar a delimitação “professores em início

de carreira” e “professores em fim de carreira.” Atendendo a essa exigência, selecionamos

109

dois professores do curso privado Aliança Francesa, dois professores do Colégio Pedro II,

dois professores da rede estadual, dois professores da rede municipal. Tivemos o cuidado de

selecionar, para essas duas últimas redes, docentes que atuassem em escolas distintas,

localizadas em diferentes bairros da cidade. Realizada essa etapa, tivemos que partir em busca

de uma técnica de coleta de dados.

Era nosso desejo captar as falas dos profissionais acerca da educação no Rio de

Janeiro. O trabalho desenvolvido por Rocha, Daher e Sant´Anna (2004) foi crucial para que

tivéssemos êxito nesse próximo passo. Esses autores apresentam uma proposta de entrevista

dentro de uma perspectiva discursiva. Segundo eles, a entrevista é uma estratégia que

possibilita o acesso a uma dada massa de textos. A partir desse instrumento, através do qual o

entrevistador provoca a atualização de textos já produzidos pelo entrevistado em outras

circunstâncias, é possível acessar informações importantes sobre a trajetória de vida do

entrevistado e resgatar uma memória construída discursivamente sobre o ensino.

Ainda à luz do enfoque da Análise do discurso de base enunciativa (AD), Charaudeau

(1992), filiado à teoria de Bakhtin, nos ensina que o discurso não deve ser confundido com a

manifestação verbal de uma língua e sua estrutura não é uma cópia fiel da realidade. O que

estamos tentando explicar é que os enunciados apresentados pelos professores durante as

entrevistas são resultantes de diálogos com enunciados passados ou futuros, que levam em

consideração o contexto da interação verbal, nesse caso, o da entrevista.

Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais

está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado

deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um

determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo):

ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos,

de certo modo os leva em conta. (BAKHTIN, 1979, 2003, p. 297).

Nesse sentido, vamos ao encontro do que Rocha, Daher e Sant´Anna (2004) discutem

sobre o gênero entrevista em contexto de pesquisa acadêmica. Esses autores enfatizam que a

entrevista não pode ser utilizada como meio de levar o pesquisador a desvendar as “verdades

ocultas.” Logo, podemos traçar um paralelo entre os pressupostos abordados por esses três

autores e a teoria da Análise do Discurso. Não se pode conceber a entrevista como uma

simples conversa informal. Pelo contrário, entende-se a entrevista como um gênero do

discurso resultante da interação entre pesquisador e entrevistado. Dessa forma, a produção dos

110

enunciados está intrinsecamente ligada às circunstâncias do ato de comunicação, diretamente

regido pelo contrato de comunicação do qual falamos anteriormente. Os implicados nesse

jogo têm imagens a zelar e não pretendem ter as respectivas legitimidades ameaçadas. Com

isso, a motivação para realizar uma entrevista tem que ser a de conseguir subsídios que nos

façam conhecer a experiência, os valores e os conflitos do professor entrevistado a fim de

traçar a trajetória do profissional de Língua Francesa ontem, hoje e amanhã. Nas palavras dos

autores:

Para abordar a entrevista no âmbito da pesquisa acadêmica, partimos da evidência da

existência de diferentes textos que circulam em espaços e suportes variados

(impressos, conversas cotidianas, interações sistemáticas ou casuais, de mais fácil ou

mais difícil acesso, etc) e que se revelam, por extenso, indicadores da existência de

diferentes comunidades discursivas. A referida evidência da existência desses textos

é que nos possibilita ingressar em uma atividade de pesquisa: só se propõe, por

exemplo, a realização de uma entrevista no curso de uma pesquisa quando se sabe

que determinado (s) texto (s) existe (m) no universo de discursos produzidos.

(ROCHA, DAHER E SANT´ANNA, 2004, p. 169)

Ratificando a complexidade do dispositivo entrevista, os referidos autores atribuem-

lhe três momentos distintos (ROCHA, DAHER E SANT´ANNA, 2004, p. 177):

o momento da preparação da entrevista: momento em que, lançando mão dos

saberes que possuímos acerca do outro e com base em objetivos determinados,

produzimos uma espécie de “roteiro” condutor de algo que se poderia considerar

uma “interação antecipada” com o outro que se pretende entrevistar;

o momento da realização da entrevista: situação que estará assentada nas bases

definidas por um roteiro, responsável por atualizar, sob o signo da interação

entrevistador – entrevistado, textos já produzidos anteriormente em diferentes

situações de enunciação;

o momento que se segue à entrevista: situação na qual o pesquisador estará em

condições de finalmente decidir sobre um corpus sobre o qual trabalhará, a partir do

conjunto de textos produzidos.

Para a elaboração da entrevista, seguimos a proposta metodológica de Daher (1998).

Segundo a autora, a confecção do roteiro deve se organizar em blocos temáticos que discutam

a explicitação de objetivos a serem atingidos, os problemas que se colocam para o

pesquisador e as hipóteses que norteiam as atividades para assim estabelecer as perguntas que

serão feitas ao entrevistado a fim de que ele fale sobre o seu trabalho.

111

Visando recuperar traços da memória do ensino de francês no Rio de Janeiro através

das falas dos professores implicados nessa pesquisa, elaboramos dois blocos temáticos:

Formação (subdividido em Motivação para os estudos de Língua Francesa, Formação

Acadêmica e Trajetória Profissional) e O Ensino de Francês Ontem, Hoje e Amanhã

(subdividido em O ensino no passado e no presente, O ensino no presente e no futuro,

Atributos do professor de FLE, O trabalho do professor de FLE). No primeiro bloco,

interessamo-nos em verificar como o professor de francês rememora sua motivação para

aprender a Língua Francesa e como descreve sua trajetória profissional. As perguntas Como

seu deu sua motivação para estudar a Língua Francesa na faculdade de Letras? ; Descreva

sua formação acadêmica; Descreva sua atuação profissional, feitas de forma abrangente,

permitem ao entrevistado falar “livremente” acerca de sua experiência de aprendiz a professor

da língua estrangeira, sem que para isso o pesquisador interfira a cada instante relançando

uma nova interrogação. No segundo bloco, através das perguntas Como era ser professor de

francês? ; E hoje, o que mudou? E no futuro, o que poderá mudar? ; O que é necessário para

ser um professor de FLE? ; Atribua características ao trabalho do professor de FLE,

desejamos levar os entrevistados a narrarem suas experiências em relação ao ensino da língua

estrangeira, desde como a aprenderam até a como a ensinarão no futuro, levando-nos a

identificar possíveis semelhanças/diferenças no âmbito do ensino de Língua Francesa.

A seguir, exporemos o roteiro que utilizamos na realização das entrevistas.

112

ROTEIRO DE ENTREVISTA

BLOCOS

TEMÁTICOS

OBJETIVOS PROBLEMAS HIPÓTESES PERGUNTA/

ROTEIRO

TRA

JETÓ

RIA

AC

AD

ÊMIC

A E

PR

OFI

SSIO

NA

L

FORMAÇÃO

- Observar as

motivações do

entrevistado para

estudar o francês.

- Identificar como se

deu a aprendizagem

do francês na

formação do

entrevistado.

- Conhecer a

trajetória profissional

do entrevistado.

- O que motivou a

escolha profissional

do entrevistado?

- Quais aspectos da

formação do

entrevistado foram

relevantes na

constituição de sua

identidade

profissional?

- Relatos acerca da

experiência de vida

do entrevistado que o

levaram a estudar

francês.

Afeição pela língua

Influência de algum professor

Facilidade de ingresso no curso de Letras

- Relatos acerca da

experiência individual

do entrevistado no

aprendizado de FLE.

Dificuldade de adaptação com a língua

Facilidade de adaptação com a língua

Problemas pessoais com professores

Facilidade de relacionamento com professores

Desejo de aprender

Desinteresse pelo aprendizado.

- Ponderações sobre a

trajetória profissional

do entrevistado.

Atividade de monitoria em cursos ligados à graduação

Trabalho em cursos livres/aulas particulares

Trabalho em escolas

1- Como se deu

a sua

motivação

para estudar a

Língua

Francesa na

faculdade de

Letras?

2- Descreva sua

formação

acadêmica.

3 - Descreva sua

atuação

profissional.

113

BLOCOS

TEMÁTICOS

OBJETIVOS PROBLEMAS HIPÓTESES PERGUNTA/ROTEIRO

ENSI

NO

DE

FLE

O ENSINO DE

FRANCÊS

ONTEM, HOJE

E AMANHÃ

- Identificar

características do

ensino de FLE no

passado, no

presente e

possíveis traços do

futuro.

- Observar as

práticas

educativas em

diferentes

momentos ao

longo da história.

- Identificar os

possíveis

imaginários acerca

do que seria

indispensável ao

ensino de FLE.

- Observar as

concepções acerca

do trabalho do

profissional de

FLE.

- De que forma o

professor caracteriza

o ensino de francês

ao longo de sua

atuação

profissional?

- O que é

indispensável ao

profissional de FLE

para que tenha sua

prática legitimada?

- Qual a relevância

do trabalho do

professor de francês

face à sociedade?

- Relatos pessoais que

destaquem o ensino

de FLE no passado e na

atualidade, fazendo

projeções para o

futuro.

(Passado)

Aulas voltadas para aspectos de civilização

Metodologias de ensino

Público-alvo

Mercado de trabalho mais amplo

(Presente e futuro)

Mudança do público-alvo

Perda de espaço do idioma devido à ascensão de outros.

Metodologias de ensino

- Relatos pessoais

acerca das convicções

que orientam a prática

do professor de FLE.

Falar bem a língua

Conhecer a França

Conhecer a gramática

Conhecer as culturas francófonas

- Comentários sobre

como o professor acha

que seu trabalho é

visto e como ele

próprio vê o seu

trabalho.

Trabalho de prestígio

Trabalho desvalorizado

Trabalho prazeroso

1- Como era ser professor de francês ? Fale sobre sua experiência.

Como eram:

as aulas

o material didático

os alunos

temas e conteúdos ministrados

o status da disciplina

objetivos desse ensino na época

dificuldades encontradas.

2- E hoje, o que

mudou? E no futuro, o que

poderá mudar?

3 - O que é necessário para

ser um professor de FLE?

4- Atribua características

ao trabalho do professor

de FLE.

(Como você acha que seus

colegas/sociedade veem o

seu trabalho enquanto

professor de francês?)

114

4.1 TÉCNICA PARA A COLETA DE DADOS

Definida a técnica utilizada para a confecção do roteiro das entrevistas, julgamos

pertinente acrescentar outra etapa à realização da coleta dos dados em uma tentativa de obter

outras informações sobre o professor de francês e conhecermos melhor o que o sujeito dessa

pesquisa pensa sobre sua profissão e sua prática docente.

Em um primeiro momento, entregamos a cada participante da pesquisa uma ficha na

qual deveriam responder por escrito a algumas perguntas cujos temas giravam em torno da

aprendizagem da Língua Francesa, trajetória profissional e atuação profissional. Abaixo,

apresentamos a ficha entregue a cada um dos participantes:

FICHA DO COLABORADOR

1. Qual é a sua idade?

2. Em que ano terminou a faculdade? Em qual instituição?

3. Quando foi a primeira experiência com o ensino de francês? Onde?

4. Em que instituições já trabalhou com o ensino de francês?

5. Pretende ser professor de francês por mais quantos anos? Justifique.

6. Está satisfeito com a sua profissão? Justifique.

7. Está satisfeito com sua prática docente? Justifique.

MUITO OBRIGADA PELA SUA COLABORAÇÃO!!!

115

Uma semana após o preenchimento dessa ficha, os participantes compareciam à

entrevista. Vale a pena ressaltar que todas as entrevistas foram realizadas em ambiente de

ensino, quase sempre no ambiente de trabalho daqueles professores implicados. Pensamos

que, por estarem imersos no próprio ambiente de trabalho, os professores seriam, a todo

instante, lembrados de suas experiências profissionais naquele espaço e poderiam descrevê-las

com maior riqueza de detalhes. Cada sessão de entrevista foi realizada em duplas de

professores pertencentes à mesma rede de ensino ou à mesma instituição de ensino, no caso

do curso privado Aliança Francesa, registrada pelo gravador de voz da marca Sony modelo

ICD – PX820 e teve duração aproximada de noventa minutos (90’).

Todos os entrevistados foram alertados de que a massa de textos provenientes das

entrevistas seria objeto de análise que comporiam o corpus de uma tese de doutorado e que

suas identidades seriam resguardadas, conforme texto explicativo que seguirá na seção dos

anexos (ANEXO B). A motivação para estabelecer duplas de entrevistados veio do interesse

em fazer interagir dois professores que apesar de serem submetidos às mesmas regras de

trabalho, contam com a particularidade de um estar em início de carreira e outro em fim de

carreira. Dessa forma, acreditamos que alguns pontos divergentes viriam à tona e eles seriam

chamados a debatê-los, fazendo com que, em alguns momentos, pudessem sentir-se mais à

vontade, como se estivessem expondo a opinião para um colega de trabalho na sala dos

professores, e até mesmo deixar de lado a presença do gravador, que muitas vezes é

intimidadora.

As entrevistas foram realizadas com o intuito de recuperar discursivamente traços

constituintes da formação identitária dos oito enunciadores. Aliamos a coleta de relatos

verbais (COHEN, 1989) a esse gênero do discurso, visto que segundo Rocha, Daher e

Sant’Anna (2004), a entrevista é resultante da interação entre pesquisador e entrevistado, e

nosso objetivo era intervir o menos possível para que o enunciador se sentisse o mais à

vontade possível para trazer à tona suas concepções sobre sua vida acadêmica e profissional.

Considerando-se as categorias básicas de relatos verbais, consideramos que os dados

coletados se enquadram na categoria do “autorrelato” – pois, segundo Cohen (1989, p. 4), as

declarações colhidas por intermédio desta técnica são decorrentes de crenças ou conceitos

próprios aos enunciadores.

116

Desta forma, acreditamos que, ao nos servirmos da técnica da entrevista acima

mencionada aliando-a aos pressupostos teóricos do autorrelato, seríamos levados a uma massa

de textos que representaria o real ponto de vista do enunciador sobre as questões presentes no

roteiro de entrevista, permitindo-nos conhecer as angústias, insatisfações e convicções dos

profissionais de língua francesa.

O pesquisador, de posse do roteiro da entrevista, direcionava cada pergunta a um

enunciador. Ao final de sua fala, convidava o outro enunciador a responder àquela mesma

pergunta. Aliás, é preciso esclarecer que o pesquisador buscou intervir o menos possível

durante as entrevistas. Sua atuação restringiu-se basicamente a fazer as perguntas que

constavam no roteiro elaborado previamente, outra razão pela qual optamos pela realização de

duplas de enunciadores. Dessa forma, um professor interagia diretamente com o outro, sem

que o pesquisador precisasse mediar a discussão e lembrá-los de que eles estavam ali sendo

entrevistados por um pesquisador da área de Letras que estava desenvolvendo um trabalho

sobre a identidade do professor de francês.

Os autorrelatos recuperados através do roteiro de entrevistas foram transcritos

integralmente, material esse que constitui o nosso corpus.

Visamos acessar uma gama de informações sobre o profissional de Língua Francesa

através de diferentes suportes (ficha e roteiro de entrevistas) em uma tentativa de conhecer o

perfil desse professor, suas insatisfações, suas vitórias, seu trabalho.

4.2 CONHECENDO OS ENUNCIADORES

Conforme dissemos anteriormente, nossa motivação era conhecer o perfil do professor

de Língua Francesa no Rio de Janeiro. Para tanto, oito profissionais, sendo dois atuantes na

rede municipal de ensino, dois na rede estadual de ensino, dois da rede federal e dois do curso

privado Aliança Francesa foram selecionados e convidados a participar das entrevistas. Os

professores serão identificados por uma escolha aleatória das letras do alfabeto. Vejamos seus

perfis:

117

Professor E

Formado em: 2003

Instituição de formação: UERJ

Trabalha na instituição: rede federal

Pretende ser professor: Por muitos

anos. Até a aposentadoria.

Satisfeito com a profissão: Sim.

Está satisfeito com sua prática

docente: Não completamente. “Me

sinto frustrada de não conseguir

aplicar na sala de aula o que se aprende

na faculdade, em congressos e em

formações. A realidade das salas de

aula é muito distante da teoria e dos

avanços tecnológicos.”

Professor V

Formado em: 1983

Instituição de formação: PUC

Trabalha na instituição: rede federal

Pretende ser professor: Por mais um

ano e meio. “Posso me aposentar e já

estou sem o mesmo pique, pois, ao final

do dia, me sinto cansada.”

Satisfeito com a profissão: Sim.

Está satisfeito com sua prática

docente: 60% satisfeita.

Professor M

Formado em: 2007

Instituição de formação: UFRJ

Trabalha na instituição: curso privado

de Língua Francesa

Pretende ser professor: Por muito

tempo.

Satisfeito com a profissão: Sim.

Está satisfeito com sua prática

docente: Sim. “Atualmente, estou

satisfeita. Lecionar se assemelha a

uma receita de bolo, você vai

acrescentando um pouco de cada

ingrediente: sua formação, sua

experiência de vida, experiência dos

colegas de profissão, suas ideologias,

as metodologias, os livros didáticos e

quando “o bolo” fica bom, sentimos-nos

satisfeitos, mas quando “o bolo sola”, a

insatisfação apresenta seus sinais e aí

fazemos a receita novamente para

Professor A

Formado em: 1974

Instituição de formação: FAHUPE

Trabalha na instituição: curso privado

de Língua Francesa

Pretende ser professor: Somente até

a filha encontrar um emprego estável.

Satisfeito com a profissão: Não.

“Hoje se exige demais do professor:

disponibilidade, bom humor, simpatia,

conhecimentos de informática... A

remuneração não é justa.”

Está satisfeito com sua prática

docente:

Não.

118

sabermos em que ponto não nos

agradou.”

Professor N

Formado em: 1986

Instituição de formação: UERJ

Trabalha na instituição: rede

municipal

Pretende ser professor: Pelo resto da

vida.

Satisfeito com a profissão: Muito

satisfeito. “Ser professor, sobretudo

de línguas, é se reciclar a cada

momento, as ideias nunca envelhecem.

Cada dia é uma nova experiência.”

Está satisfeito com sua prática

docente: Sim.

Professor W

Formado em: 1980

Instituição de formação: UFRJ

Trabalha na instituição: rede

municipal

Pretende ser professor: Só até se

aposentar.

Satisfeito com a profissão: Não.

“Acho que a figura do professor vem

sendo bastante desvalorizada.”

Está satisfeito com sua prática

docente: Não.

Professor B

Formado em: 2000

Instituição de formação: UFRJ

Trabalha na instituição: rede estadual

Pretende ser professor: Ainda não

definiu

Satisfeito com a profissão: No

momento sim. Mas a remuneração só é

satisfatória na rede privada.

Está satisfeito com sua prática

docente: Sim. “procuro sempre me

atualizar.”

Professor R

Formado em: 1976

Instituição de formação: Gama Filho

Trabalha na instituição: rede estadual

Pretende ser professor: Enquanto

tiver saúde.

Satisfeito com a profissão: Sim

Está satisfeito com sua prática

docente: Sim. “Percebo o interesse dos

alunos.”

4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE

Após a definição dos nossos sujeitos de pesquisa e a confecção das entrevistas, fez-se

necessária a transcrição das falas dos professores. Diante da massa de textos registrada,

debruçamo-nos no objetivo traçado para a realização dessa pesquisa e, então, delimitamos

nosso corpus. No entanto, devemos ter a consciência de que o texto resultante da coleta de

dados é uma co-construção entre entrevistador e entrevistado, ou seja, não podemos afirmar

119

categoricamente que o texto final corresponde fidedignamente à realidade experienciada por

aquele professor.

Decerto que, ao transcrevermos as falas às quais daremos um encaminhamento

linguístico, deixamos para trás algumas expressões e gestos, ou seja, a linguagem não verbal,

que, aliás, é muito representativa. Entretanto, devido à inviabilidade de expressá-la, nos

deteremos ao texto transcrito.

Atrelando a teoria de Charaudeau sobre os modos de organização do discurso à análise

do nosso corpus, encaminhamos nosso trabalho pelo viés dos modos de organização do

discurso já que eles constituem o princípio de organização da matéria linguística. Acreditamos

que ao expor suas experiências, ao formular suas práticas de ensino e ao expressar o que

sentem enquanto professores de língua estrangeira, os sujeitos da pesquisa nos levarão a

conhecer traços que constituem suas identidades profissionais.

Trazendo essa discussão para o âmbito da língua e de suas categorias, poderíamos

antecipar um dado presente no capítulo de análise e revelar que os sujeitos da pesquisa

organizaram seus discursos principalmente nos moldes dos modos narrativo e argumentativo.

Não nos causa nenhuma surpresa que esses modos tenham sido os mais recorrentes uma vez

que o modo narrativo pressupõe que haja um “contador” com uma intenção de transmitir algo

a alguém. Conforme nosso roteiro de entrevista, muitas das perguntas colocadas aos

enunciadores tinham como objetivo lhes fazer narrar suas experiências enquanto alunos de

Língua Francesa, suas trajetórias profissionais, etc. Por essa razão, todos os autorrelatos

construídos por uma sucessão de ações segundo uma lógica que vai constituir a trama da

história foram analisados à luz dos componentes do modo de organização narrativo. Por outro

lado, o modo de organização argumentativo tem por função permitir a construção de

explicações sobre asserções feitas acerca do mundo, podendo se servir de um mecanismo que

busque estabelecer “a prova com a ajuda de argumentos que justifiquem as propostas a

respeito do mundo e as relações de causalidade que unem as asserções umas às outras”

(CHARAUDEAU, 2008). Logo, para expressarem sua opinião sobre determinados aspectos

do roteiro de entrevista, os enunciadores se serviram de argumentos que se fundamentam em

um consenso social e em valores que correspondem às normas de representação social.

120

Retomando a apresentação teórica realizada na seção 2.3 – Os Modos de Organização

do Discurso – faremos a seguir uma exposição esquemática que servirá para orientar nossas

análises no capítulo seguinte.20

Modo de organização Função de Base Princípio de

Organização

Narrativo Construir a sucessão das

ações de uma história no

tempo, com a finalidade de

fazer um relato.

Organização da lógica

narrativa (actantes e

processos)

Encenação narrativa

As análises se basearão ora nos componentes da lógica narrativa, sobretudo na forma

pela qual as sequências são organizadas e no princípio da intencionalidade que poderia ser

entendido como a tomada de consciência de um sujeito sobre uma situação em que a falta de

algo lhe desencadeará o desejo de supri-la,

Estado Inicial Estado de

Atualização

Estado Final

Falta Busca Resultado em

relação ao objeto da

Busca

Êxito

Fracasso

E verificarão os papéis desempenhados pelos actantes narrativos:

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

As análises se basearão ora nos componentes da lógica argumentativa, sobretudo no

que tange à encenação argumentativa pautada no valor dos argumentos que tendem a provar a

validade da argumentação,

20

Quadros extraídos de Charaudeau, 2008, p. 75

121

Modo de organização Função de Base Princípio de

Organização

Argumentativo Expor e provar causalidades

numa visada racionalizante

para influenciar o

interlocutor

Organização da lógica

argumentativa

Encenação

argumentativa

E se apoiarão em procedimentos semânticos cujos argumentos se fundamentam em

valores socialmente compartilhados distribuídos nos seguintes domínios de avaliação:

Os procedimentos semânticos Domínios de avaliação: Verdade, Ético,

Estético, Hedônico e Pragmático

5 CONJUGANDO ANÁLISES: PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS FALAS DO PROFESSOR

DE FLE E ENUNCIADOS SOBRE SEU TRABALHO

Ao elaborarmos o roteiro da entrevista, havíamos previsto as perguntas que seriam

feitas aos enunciadores bem como nossos objetivos ao fazê-las e apontamos possíveis

hipóteses do que poderíamos encontrar nas falas dos mesmos. Assim, agrupamos esses relatos

em dois blocos temáticos: Formação (subdividido em Motivação para os estudos de Língua

Francesa, Formação Acadêmica e Trajetória Profissional) e O Ensino de Francês Ontem,

Hoje e Amanhã (subdividido em O ensino no passado e no presente, O ensino no presente e

no futuro, Atributos do professor de FLE, O trabalho do professor de FLE).

Tendo por base a Teoria Semiolinguística do discurso segundo Patrick Charaudeau,

propomo-nos identificar as representações sociais referentes ao universo do professor de

francês atuante da cidade do Rio de Janeiro. Para isso, buscamos identificar nos relatos dos

nossos entrevistados seus posicionamentos em relação às temáticas compreendidas nos blocos

acima descritos. Interessamo-nos em perceber o papel social que o próprio professor se atribui

bem como ele vê o papel que os outros lhe concedem. Temos o intuito de aliar os

pressupostos dos modos de organização do discurso, sobretudo o narrativo e o argumentativo,

visto que os enunciadores contam suas experiências acadêmicas e profissionais durante as

entrevistas, e muitas vezes utilizam argumentos para justificar seus posicionamentos, com os

papéis pressupostos para professor e aluno dentro do contrato de comunicação em sala de aula

(conforme discutido na seção 2.5). Acreditamos recuperar através das entrevistas como os

interdiscursos acerca desses papéis se tornam recorrentes nas falas e influenciam a maneira de

pensar de nossos enunciadores.

5.1 DISCURSOS SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL:

5.1.1 Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras:

Como primeiro procedimento de análise, levantamos no corpus as falas dos

enunciadores em relação à motivação para o estudo da Língua Francesa no curso superior. Ao

formular a pergunta Como se deu a sua motivação para estudar a Língua Francesa na

Faculdade de Letras?, esperávamos ouvir dos enunciadores relatos acerca de suas

experiências de vida que determinaram a escolha pela carreira profissional. Seguindo a lógica

narrativa, uma vez que os discursos analisados foram organizados predominantemente pelo

modo narrativo, todos os enunciadores estariam em Busca de uma realização que poderia ser

123

satisfatória ou não. Nossa expectativa era encontrar traços que justificassem a escolha

profissional dos entrevistados e que essa tivesse sido suscitada pela “afeição pela língua”,

“influência de algum professor” e até mesmo “facilidade em ingressar no vestibular”.

Confirmando nossas expectativas, vejamos os relatos abaixo:

Exemplo 1: “Eu era muito grudada nessa minha tia. Eles falavam dentro de casa muito em francês.

Então eu sempre achei muito bonito, lindo”; “Mas o que despertou foi ficar ouvindo minha tia . Ela

colocava muita música francesa, então eu fiquei apaixonada.” (enunciador E)

Exemplo 2: “O diferente” ; “a curiosidade de querer saber como se diz aquela língua”; “as

professoras eram muito legais” ;“a aula era mais leve que as outras.” (enunciador V)

Exemplo 3: “Eu era aluna do ensino fundamental e adorei a aula de francês. Fiquei encantada”;

“pedi para meu pai me colocar num curso de línguas, que no caso foi a Aliança. Dali me apaixonei e

não parei mais.” (enunciador A)

Exemplo 4: “Quando eu era pequena, uma vez encontrei um livro de um tio meu e era francês. Eu

abri, olhei e vi que entendia umas coisas e pedi para minha mãe e ela disse que tinha estudado

francês na escola e que lembrava umas frases. Então aquilo já foi uma história da vida inteira”; “e

me lembro muito bem dela (da prof. de francês do ginásio). Ela foi um modelo de professora . Eu quis

ser professora de francês por causa da minha professora de francês”; “Então aquilo tinha todo um

lado afetivo, minha mãe estudou aquilo, eu entendia o que era aquilo, apesar de nunca ter visto”; “E

aquela coisa da curiosidade que leva a gente a ter vontade de aprender ”; “é uma coisa que sempre

me atraiu muito.” (enunciador W)

Exemplo 5: “Surgiu no colégio o interesse porque no colégio onde eu estudava, no Pedro II, a gente

tinha desde a 5ª série inglês e francês; poxa, eu tenho um pouquinho do francês da escola e não

queria deixar perder. (enunciador B)

Exemplo 6: “Quando eu fui estudar no ginásio tinha inglês, francês e latim; e comecei a me

identificar com o francês; O que me levou? Me identifiquei muito, não sei. Adoro esse idioma. Acho

que a minha professora me incentivou porque... Ela percebeu que eu comecei a me identificar com

francês aí ela começou a me empurrar.” (enunciador R)

Segundo os trechos acima, a língua, para esses enunciadores, era fonte de fascínio,

paixão, afetividade. Todos eles já haviam tido alguma experiência bem sucedida com o

francês, o que os teria levado a esse encantamento pela língua e a essa busca pela

continuidade dos estudos. Nossa afirmação provém das marcas linguísticas de apreciação

impressas nesses discursos, tais como: “eu sempre achei muito bonito, lindo”; “as

professoras eram muito legais”; “adorei a aula de francês. Fiquei encantada”; “é uma coisa

que sempre me atraiu muito”. Os enunciadores expõem seus próprios sentimentos em relação

124

ao contato com a Língua Francesa, qualificando-o segundo um julgamento baseado na

afetividade.

Curiosamente, em dois relatos que transcreveremos a seguir, presenciamos uma

escolha aleatória pelo curso de francês no ensino superior. Todavia, os entrevistados

demonstram ter ficado satisfeitos com a opção e revelam o prazer pelo aprendizado da língua

(através das falas: “Fiz, gostei”; “eu gosto muito do francês. É a língua que eu mais gosto”;

é uma língua e uma cultura encantadora” - enunciador M) e pela escolha profissional

(através da fala: “ um acidente que deu certo porque é a carreira que eu realmente deveria

estar. Eu tô satisfeito” - enunciador N).

Exemplo 7: Eu comecei em um curso de línguas na Faetec. Na verdade eu fui para ver curso de

inglês mas como as inscrições são por meio de senha eu não consegui vaga. Consegui a senha só para

francês. Aí como eu tava com a senha na mão resolvi me inscrever, mas foi aquela coisa do impulso;.

“Fiz, gostei”; “nesse ano que estava fazendo o curso eu estava prestando vestibular para ciências

contábeis. Mas eu não passei. Fiquei frustrada; e aí depois eu resolvi tentar novamente o vestibular

mas para Letras;. E como primeira opção coloquei francês. Aí a partir disso comecei a gostar”; “eu

gosto muito do francês. É a língua que eu mais gosto”;” é uma língua e uma cultura encantadora.”

(enunciador M)

Exemplo 8: “Foi um acidente de percurso”; “passei com nota para entrar em alemão mas o

vestibular errou minha cadeira e me colocou para francês”; “ um acidente que deu certo porque é a

carreira que eu realmente deveria estar. Eu tô satisfeito.” (enunciador N)

Logo, voltando nosso olhar para os princípios de organização do modo narrativo,

somos levados a concluir que grande parte dos enunciadores partiu de uma motivação estética

– beleza da língua – e/ou hedônica – prazer pela aprendizagem da língua – para dar

continuidade aos estudos de Língua Francesa no ensino superior. Na maioria dos relatos não

percebemos uma escolha por essa carreira baseada em fins pragmáticos ou visando o mercado

de trabalho. Aliás, apenas o enunciador B faz menção a um aspecto objetivo que teria

motivado sua escolha: poder dar continuidade aos estudos escolares (Através da fala: “poxa,

eu tenho um pouquinho do francês da escola e não queria deixar perder”). Vale a pena

salientar que todos os enunciadores se colocam em um Estado Inicial de carência no processo

de aquisição de um saber e por isso o perseguiram. O resultado da Busca em relação ao

objeto, seja qual tenha sido ele, foi de êxito segundo os relatos dos enunciadores.

125

Estado Inicial Busca Estado Final

Enunciadores E, V,

A,W, B e R

Falta de um saber Prazer pelo prazer Êxito

Enunciadores M e N Falta de um saber Conhecimento pelo

conhecimento

Êxito

Dessa forma, ao nos debruçarmos sobre os diferentes participantes implicados nessa

ação, ou seja, os actantes, poderíamos designar os papéis que eles desempenham no

desenvolvimento da história narrada. Conforme o quadro a seguir, a maioria dos enunciadores

se coloca no papel de actantes benfeitores, aqueles que agem transmitindo um benefício.

Nesse caso, um benefício para si próprios, atuando também como beneficiários, uma vez que

se colocam em busca de um conhecimento que os levará à obtenção de um diploma e os

legitimará enquanto professores de Língua Francesa. Vejamos o quadro:

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

E, V, M,

A, N, W,

R, B

E*, Tia E’

V* Curiosidade,

professoras de

francês

V’

A* Aula de francês

da escola

A’

W* Livro do tio,

professora de

francês

W’

R* Professora de

francês

R’

B* Aulas de francês

da escola

B’

M** Curso de línguas

M’

Acaso

N’

* - decisão feita de maneira voluntária, ou seja, os actantes estavam conscientes de seus atos

** - decisão feita de maneira involuntária, ou seja, o actante não estava consciente de sua escolha

Por conseguinte, à exceção do enunciador N, todos se colocam como agentes da ação,

ou seja, todos escolheram estudar a Língua Francesa na universidade. Essa escolha certamente

contou com o auxílio de aliados que de alguma forma influenciaram a mesma. O enunciador

M, por mais que não estivesse muito seguro de sua opção, ele o fez. Todavia, o enunciador N

126

não havia escolhido estudar Letras opção Português-Francês. O equívoco ocorrido na

administração do exame de ingresso à universidade recai involuntariamente sobre ele mas de

uma forma benéfica, conforme seu relato (exemplo 8).

Na próxima seção, analisaremos as falas ainda referentes ao bloco temático Formação

visando conhecer a trajetória acadêmica dos enunciadores.

5.1.2 Estudos Acadêmicos:

Dando prosseguimento à sequência do roteiro de entrevista, pesquisamos, no corpus,

as falas que se voltassem para a descrição da formação acadêmica dos entrevistados a fim de

ressaltarmos os aspectos relevantes na constituição de sua identidade profissional. Através do

enunciado Descreva sua formação acadêmica, desejávamos conhecer a formação do

profissional, que discorressem sobre o que aprenderam e, implicitamente, prevíamos que

muitos dos relatos pudessem apresentar avaliações acerca das respectivas trajetórias

acadêmicas respaldadas por argumentos subjetivos. Dessa forma, acreditamos que os

discursos fossem organizados ora pela configuração da lógica narrativa ora pela configuração

da lógica argumentativa. Por essa razão, nos propusemos a fazer uma dupla análise a fim de

contemplarmos os modos de organização envolvidos.

Daremos início às análises tomando por base os discursos organizados

predominantemente pelo modo narrativo.

5.1.2.1 Estudos Acadêmicos do ponto de vista narrativo:

O discurso dos enunciadores sinaliza que aqueles que já tinham estudado a língua em

momento anterior ao ingresso na Faculdade sentiram mais facilidade que aqueles “iniciantes”

em Língua Francesa, que o relacionamento com os professores da Faculdade foi motivo de

perseverança ou abandono dos estudos e que muitos concluíram o curso pelo desejo de

aprender e que outros sentiram tanta dificuldade que abriram mão dele. Assim, podemos dizer

que as falas não retomaram o aprendizado ou o objeto de estudo em si durante a academia.

Aliás, vale a pena ressaltar que os entrevistados restringiram o curso de Letras à disciplina de

Língua Francesa visto que apenas o enunciador B, conforme relato abaixo, menciona a

bagagem de aprendizagem adquirida ao longo da Faculdade. O que se vê são relatos sobre a

confirmação ou não das expectativas e da relação com os professores de francês.

127

Pensando nos papéis atribuídos ao professor e ao aluno segundo os imaginários sócio-

discursivos, vimos no item 2.5 dessa tese que é esperado do aluno dois objetivos: que ele

aprenda o conteúdo e que prove que o aprendeu. Assim, o aluno precisa se colocar no lugar de

agente desse aprendizado para que o mesmo aconteça e nesse contrato espera-se que o

professor desempenhe o papel de aliado a esse aprendizado. Paralelamente, o professor atuará

como agente no contrato de ensino. Caso os agentes não desempenhem com sucesso seus

respectivos “papéis”, o duplo contrato de comunicação poderá ser ameaçado.

Esse modelo de contrato encontra-se em consonância com as preconizações das

metodologias modernas voltadas para o ensino, tais como metodologia comunicativa e a

abordagem acional, descritas nos documentos oficiais citados no capítulo três. Elas

preconizam que o professor leve em consideração o conhecimento pré-construído pelo aluno e

o faça interagir com os novos conhecimentos. Dessa forma, entendemos que não cabe mais ao

aluno o papel passivo no processo de ensino/aprendizagem como outrora em que o professor

somente verificava o conhecimento do aluno através de trabalhos e provas. As novas

abordagens metodológicas colocam ênfase no desenrolar do processo de aprendizagem e

apontam os alunos como co-construtores de sua aprendizagem.

Trazendo essa reflexão para a análise do nosso corpus, constatamos que apenas os

enunciadores N, B e W, enquanto alunos, se colocaram em posição de agentes do aprender,

ou seja, apenas eles se mostram cumpridores do papel que lhes é atribuído. Nas palavras dos

enunciadores, observemos os excertos 9,10 e 11:

ACTANTES AGENTES:

Exemplo 9: “Na realidade eu não tive muita dificuldade com o francês porque eu investi em

aprender e já conhecia a Língua Portuguesa.” (enunciador N)

Exemplo 10: Olha, na faculdade. Bom, a realidade era: o aluno numa faculdade pública é que faz o

seu curso. Então aqueles que queriam só ter um diploma faziam o mínimo necessário para ser

aprovado depois ia acontecendo. Mas para mim não era o suficiente. Eu buscava o conhecimento, eu

ia aos locais, eu tentava falar, eu tentava me comunicar. Se eu sabia que tinha algum evento, eu

procurava me encaixar naquele evento. Para mim, o meu aprimoramento foi quando eu consegui

viajar e aí in loco consegui realmente usar a língua.”

(enunciador B)

128

Exemplo 11: “Quando eu cheguei lá eu não esperava que fosse do jeito que era. A professora de

francês falando francês, coisa que eu nunca tinha visto”; “foi muito mais o meu querer do que

propriamente a faculdade ajudando.” (enunciador W)

Por outro lado, nos relatos dos enunciadores E e V (ex. 12 e 13) não notamos essa

mesma atitude sobre a ação de aprender. As falas se voltam para a confirmação ou não das

expectativas que tinham em relação ao curso de Letras Português-Francês. Então,

consideramos que esses enunciadores se veem no papel de actantes pacientes do contrato de

ensino cujo agente é o professor. A fim de visualizarmos o que estamos dizendo, seguem os

dois trechos dos relatos concernentes ao aprendizado desses enunciadores:

ACTANTES PACIENTES:

Exemplo 12: “Eu adorava”; “a faculdade foi ótima”; “a maioria dos colegas tinha muita

dificuldade e alguns abandonaram. Outros se formaram mas atuam como professores de português .

Mas a minoria trabalha como professor de francês”; “eu sempre ouvia que era moleza para passar

no vestibular, ainda mais português-francês. Se ainda fosse português-inglês ou literaturas que era

mais concorrido...” (enunciador E)

Exemplo 13: “Gostei muito do curso”; eram poucos alunos mas interessados, mais ou menos 20

alunos. 18 se formaram comigo; na minha época ainda tinha um status o curso de português-francês,

mas isso em 1978. Tanto é que agora a PUC nem tem mais o curso de português-francês.”

(enunciador V)

Acabamos de expor exemplos de enunciadores que se colocam como agentes do

aprender, ou seja, que mostram esforços para adquirir um saber e exemplos de enunciadores

que não mencionam esse esforço, ao exprimirem seus pontos de vista sobre a Faculdade como

se ocupassem um lugar de “recebedores do saber”. Nos exemplos que seguem, perceberemos

discursos ambíguos que nos fazem pensar que os enunciadores desempenham ora papel de

agentes ora de pacientes.

ACTANTES AGENTES E PACIENTES:

Cabe um comentário voltado aos enunciadores M e A, cujos relatos serão

apresentados logo abaixo, em relação à categoria que lhes foi atribuída. Há certa ambiguidade

129

em torno de ambos os discursos que nos fizeram refletir bastante e perceber que ora os

enunciadores relatavam desempenhar um papel de agente ora de paciente. Por isso optamos

por incluí-los em uma nova categoria. O enunciador M se utiliza de verbos que expressam

ação de sua parte (superar, estudar) mas em alguns momentos faz uso do verbo aprender em

sentido passivo (fui aprender e tive o aprendizado), como por exemplo em sua fala: “tive o

aprendizado da língua mas não da prática docente”. O enunciador M se mostra “recebedor”

do aprendizado da língua. Por outro lado, como o aprendizado da prática docente não lhe foi

dado, segundo seu próprio relato, ele parece ter tido que se esforçar para buscá-lo nos estágios

obrigatórios do curso de Licenciatura, embora preferisse ter desempenhado o papel de

paciente. Não foi diferente com o enunciador A. Sua fala: “eu descobri tudo sozinha, a

faculdade não me deu nada não”, revela implicitamente que na concepção do enunciador, a

Faculdade deveria ter-lhe dado ensinamentos sobre a prática docente. Como sua expectativa

não foi correspondida, precisou se empenhar na busca desses ensinamentos por si só.

Vejamos o que dizem esses enunciadores nos excertos 14 e 15:

Exemplo 14: “Senti muita dificuldade no primeiro semestre de francês na faculdade, mas consegui

superar e passei a gostar”; tudo o que eu estudei no curso durante um ano eu vi em um semestre na

faculdade” ; “fui aprender prática quando fiz o estágio no Cap-UFRJ ”; “tive o aprendizado da

língua mas não da prática docente ”; “eu acho que a faculdade de educação não dá muito respaldo”

; “aprendi muito nos estágios mas as realidades são diferentes ”; “não posso adaptar o que eu vejo

no estágio do Cap em outros lugares. São realidades totalmente diferentes” ; “fiz o estágio no CAp e

no Estado, que apesar de cansativo foi muito rico” ; “eu tive que dar uma aula, mas o dia a dia com

as professoras, o conselho de classe, a sala dos professores. Eu via o quanto de coisas a gente tinha

que preparar” ; “no Estado era totalmente diferente da realidade do CAp, mas a professora ainda

conseguia levar o francês apesar de todas essas questões sociais.” (enunciador M)

Exemplo 15: “Antigamente a gente fazia para ser professor. Não se pensava em pesquisa”; “a gente

saía visando sala de aula e já saía para o mercado mesmo”; “a prática você vai adquirindo assim,

descobrindo sozinha, porque a faculdade mesmo não me preparou para a sala de aula” ; “eu

descobri tudo sozinha, a faculdade não me deu nada não”; “sua (referindo-se a formação do

enunciador M) formação foi boa, porque meu estágio foram 5 aulas e depois eu dei uma aula” ; “E a

gente ficava feliz, muito feliz.” (enunciador A)

Diferentemente de todos os outros enunciadores acima citados, o enunciador R não se

posiciona em seu discurso em relação ao seu processo de aprendizagem, ou seja, não

desempenha um papel relacionado à ação de aprender. Por essa razão, não pudemos

130

considerá-lo como agente. Também não foi possível incluí-lo na categoria de paciente.

Confirmando nossa análise, segue um trecho da entrevista acerca dessa temática:

Exemplo 16: “Eu quando fazia faculdade, eu entrei em 73, mas a minha faculdade era particular.

Naquela época, a faculdade era parte do dia e eu trabalhava porque eu já era formada em

contabilidade. Resolvi fazer Letras, entendeu? Então eu trabalhava e não tinha como estudar de dia

porque a faculdade de Letras era diurna naquela época. Então eu fui para a Souza Marques e fazia à

noite. Quando eu cheguei, não era nada básico não. Já era aquele quem sabe, sabe, quem não sabe

se vira.” (enunciador R)

Decerto que os entrevistados encontraram ao longo de suas trajetórias aliados e

oponentes que de alguma forma influenciaram suas escolhas acadêmicas e profissionais.

Curioso é constatar que, em alguns casos, pessoas que, segundo os imaginários sócio-

discursivos circulantes, deveriam se mostrar parceiras no processo de formação dos futuros

professores acabam se tornando verdadeiras adversárias. Em contrapartida, conforme os

relatos abaixo, notamos que o que deveria ter sido motivo de desânimo, de abatimento se

tornou motivo de luta e de vontade de vencer os obstáculos, pelo menos para os participantes

dessa pesquisa. Por essa razão, eles se atribuem o papel de vitoriosos nesse desafio. A seguir,

exporemos trechos das entrevistas em que nossos enunciadores falam sobre aspectos

dificultadores (exemplos de 17 a 22) e facilitadores (exemplos de 23 a 29) de seus respectivos

processos de formação profissional.

OPONENTES AO PROCESSO DE FORMAÇÃO:

Exemplo 17: “Cheguei no primeiro dia de aula, a professora falou em francês e eu não sabia nem o

que era “MOI””;“eu creio que a parte mais difícil mesmo tenha sido a fonética”; “eu tranquei o

primeiro semestre na UERJ por causa dessas coisas. A professora falava a mesma coisa (que quem

não tinha o nível deveria trocar a matéria)”; “eu observo que os colegas que seguiram a faculdade

foram aqueles que tinham mais dificuldades . Os que tinham mais facilidade foram fazer outras

coisas”; “quem tinha dificuldade continuou carregando pedra, tentando chegar até o final, pois

estavam querendo fazer aquilo, gostava da coisa”; “quando eu entrei tinham duas turmas de 20

alunos. No final do semestre tinha uma turma de 20 alunos e depois quando eu me formei nós éramos

15 mas somente 4 formandos eram da turma original.” (enunciador N)

Exemplo 18: “Agora as aulas da faculdade eram decepcionantes porque o francês 1, por exemplo,

começava no verbo AVOIR e no ÊTRE; “no princípio era tudo muito chato. Depois foi melhorando”;

“eu não queria ser professora porque professora sempre teve esse estigma, né? De ganhar mal,

trabalhar muito, então não era a minha primeira opção. Mas enfim, passei e fui fazer Letras.”

(Enunciador B)

131

Exemplo 19: “Disse (a professora) que aquilo ali não era primário nem secundário e que não tinha

o nível deveria trocar a matéria . Essas foram as nossas boas vindas”; “o que eu vi foi uma

debandada da minha turma, porque nós éramos 28 de começo e muita gente mudou para Literatura,

para Latim, desistiu e minha turma se reduziu muito”; “Quando eu entrei eram 3 turmas mas que

logo depois foram reduzidas a duas. Da turma que entrou comigo só eu me formei dentro dos 4 anos.”

(Enunciador W)

Exemplo 20: “No início eu fiquei meio entediada porque eu tive que começar do início porque não

consegui abonar nenhuma disciplina.” (Enunciador E)

Exemplo 21: “o ritmo era bem corrido” ; “acho que a faculdade de Letras tá ali mais preparando

para ser pesquisador; “eu entrei pensando que queria sair professora de português e de francês, o

conteúdo não foi um aprendizado para te preparar para ser professora.” (Enunciador M)

Exemplo 22: “A prática você vai adquirindo assim, descobrindo sozinha...” (Enunciador A)

ALIADOS AO PROCESSO DE FORMAÇÃO:

Exemplo 23: “Tive uma professora muito exigente, que também me ajudou muito . Ela gostava

especialmente de mim e me ajudou muito na carreira de docente de língua francesa.” (enunciador N)

Exemplo 24: Toda essa bagagem que eu tenho eu atribuo a esse período da faculdade; Gostei muito

da faculdade, é uma faculdade que dá muita bagagem e... o que aconteceu foi que naturalmente as

portas foram se abrindo para essa carreira. Apesar do meu não... assim... do meu não desejo inicial,

foi acontecendo dessa maneira.” (enunciador B)

Exemplo 25: “Foi muito mais o meu querer ...” (enunciador W)

Exemplo 26: “Eu adorava”; “a faculdade foi ótima.” (Enunciador E)

Exemplo 27: “Gostei muito do curso.” (Enunciador V)

Exemplo 28: “Senti muita dificuldade no primeiro semestre de francês na faculdade, mas consegui

superar e passei a gostar”; “os professores sempre foram muito rígidos e isso ajudou muito de certa

forma(na faculdade)”; “sempre tive ótimos professores (na faculdade).” (Enunciador M)

Exemplo 29: “Tive bastante facilidade porque já trazia aquela bagagem da Aliança.” (Enunciador

A)

Diante de todos esses relatos, concluímos que do ponto de vista narrativo, todos os

enunciadores colocam-se em Busca do aprendizado pela Língua Francesa, passando assim de

132

um estado do não saber ao estado do saber, que se materializa na obtenção de um título que os

qualifica dentro de uma profissão. Uma vez mais a realização do processo se mostra

satisfatória visto que todos os entrevistados concluíram o curso de Graduação apesar dos

obstáculos mencionados. Salientamos que alguns enunciadores se atribuem o papel de agentes

benfeitores, ou seja, daquele que transmite um benefício, pelo fato de desenvolverem um

esforço na aquisição do saber, e outros apenas no papel de beneficiários, ou seja, aquele que é

afetado positivamente pela ação de um outro actante, pelo fato de se apresentarem como

pacientes de uma ação de “ensino”. Nos quadros a seguir, encontraremos de forma

simplificada os comentários realizados sobre os trechos das entrevistas referentes à formação

acadêmica dos enunciadores.

Estado Inicial Busca Estado Final

Enunciadores E, V,

M, A,W, N, B e R

Falta de um saber Tornar-se profissional

de Língua Francesa

Êxito

Conforme mostrado no quadro abaixo, os enunciadores N, B e W se colocam no

papel de actantes benfeitores visto que eles se mostram como ativos na ação de aprender.

Como essa ação lhes traz um benefício, também pudemos considerá-los como beneficiários,

ou seja, como destinatários dessa ação de aprender que lhes recai positivamente na busca pela

obtenção do diploma que os torna profissionais de Língua Francesa. Em contrapartida, os

enunciadores E e V não se mostram agentes da ação de aprender, o que foi suficiente para

lhes atribuir o papel de pacientes. Cabe dizer que ambos (E e V) foram afetados

positivamente pela ação de um outro actante, no caso deles, pelo curso de Graduação em

Letras que lhes trouxe o benefício de uma formação profissional, razão pela qual inserimos

essa informação na coluna benfeitor.

133

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

N, B, W,

E e V.

N

Professora

que o

ajudou;

Desejo de

aprender

Fonética;

Professora que

desestimulava a

permanência no

curso

N’

B

Desejo de

aprender

Aulas

decepcionantes;

estigma da

profissão

B’

W

Desejo de

aprender

Professora que

desestimulava a

permanência no

curso

W’

Curso Gosto pelo

curso

Inexistência de

prova de

nivelamento

E

Curso Gosto pelo

curso

V

Optamos por colocar os enunciadores M e A em um quadro separadamente dos

outros pelo fato de desempenharem simultaneamente papéis tanto de agentes quanto de

pacientes na ação de aprender. Conforme discutido anteriormente, os relatos desses

enunciadores se apresentam de forma ambígua, o que nos fez optar por deixá-los em uma

categoria à parte.

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

M e A M Gosto pelo curso Ritmo corrido;

Falta de

preparação para

a prática docente

M

A Facilidade no

aprendizado;

Gosto pelo curso

Falta de

preparação para

a prática docente

A

Faremos a seguir algumas observações no que diz respeito às nossas expectativas em

relação ao que encontraríamos nas falas dos enunciadores e o que nos foi apresentado de fato,

tentando correlacionar essa massa de informação proveniente dos autorrelatos com aspectos

teóricos discutidos no segundo capítulo dessa tese.

Os enunciadores ratificam nossa hipótese de que entrar na Faculdade possuindo

conhecimento prévio de Língua Francesa seria um “facilitador na aprendizagem”. O

enunciador E diz que se sentiu entediado no início, já que não pode fazer teste de

134

nivelamento e saltar os períodos iniciais da Faculdade: No início eu fiquei meio entediada

porque eu tive que começar do início porque não consegui abonar nenhuma disciplina”. O

enunciador B também revela certa decepção em relação ao início do curso: as aulas da

faculdade eram decepcionantes porque o francês 1, por exemplo, começava no verbo AVOIR

e no ÊTRE; “No princípio era tudo muito chato. O enunciador A ressalta essa facilidade:

“tive bastante facilidade porque já trazia aquela bagagem da Aliança”. Os enunciadores E e

A faziam curso na Aliança Francesa há algum tempo e já tinham um certo domínio da língua

e o enunciador B já havia estudado a língua no decorrer do Ensino Fundamental e médio no

Colégio Pedro II. Os enunciadores M e W, o primeiro iniciando os estudos de Língua

Francesa em um curso privado e o segundo trazendo noções das aulas da escola, porém,

ambos os estudos estavam em fase inicial, mostram que sentiram dificuldades: “Senti muita

dificuldade no primeiro semestre de francês na faculdade, mas consegui superar e passei a

gostar” ; Tudo o que eu estudei no curso durante um ano eu vi em um semestre na faculdade”

; “Quando eu cheguei lá eu não esperava que fosse do jeito que era. A professora de francês

falando francês, coisa que eu nunca tinha visto”. O enunciador M descreve sua necessidade

em procurar um “reforço” para os estudos de Língua Francesa fora da Faculdade: eu tive que

fazer curso fora. O enunciador N declara seu total desconhecimento da Língua Francesa ao

entrar na Faculdade e como se sentiu nas primeiras aulas: “Cheguei no primeiro dia de aula,

a professora falou em francês e eu não sabia nem o que era “MOI””; “a professora vendo o

meu desespero, professora da UERJ, conseguiu uma bolsa para mim na Aliança Francesa”.

Diante do exposto, constatamos algumas contradições nos discursos dos entrevistados.

Aqueles que já possuem alguns anos de estudo de Língua Francesa se queixam do ensino

começar no nível 0 nas aulas da Graduação. Todavia, aqueles que não estudaram a Língua

Francesa em momento anterior ao ingresso na Faculdade ou que possuem pouco tempo de

estudo dessa língua ficam descontentes por esse ensino começar em nível mais avançado e

com um ritmo bastante acelerado.

Os relatos dos enunciadores E, W e N mostram que poucos alunos inscritos no curso

de Letras Português-Francês concluem os estudos devido à dificuldade que sentem ao

ingressar na Faculdade: “a maioria dos colegas tinha muita dificuldade e alguns

abandonaram ; o que eu vi foi uma debandada da minha turma, porque nós éramos 28 de

começo e muita gente mudou para Literatura, para Latim, desistiu e minha turma se reduziu

muito” ; Quando eu entrei eram 3 turmas mas que logo depois foram reduzidas a duas. Da

135

turma que entrou comigo só eu me formei dentro dos 4 anos” ; Quando eu entrei tinham duas

turmas de 20 alunos. No final do semestre tinha uma turma de 20 alunos e depois quando eu

me formei nós éramos 15 mas somente 4 formandos eram da turma original”. A única

exceção foi apresentada pelo enunciador V, o único cuja formação foi feita em universidade

privada: “Eram poucos alunos mas interessados, mais ou menos 20 alunos. 18 se formaram

comigo.

Esses discursos enfatizam a dificuldade em dar continuidade aos estudos de Língua

Francesa no curso de Graduação, seja pela falta de empatia com o professor da disciplina, seja

pelo ritmo acelerado das aulas, o que importa é que oponentes não faltaram no caminho dos

nossos entrevistados. Entretanto, eles se colocam como aqueles que conseguiram ultrapassar

todos os obstáculos e chegaram ao fim do curso. Fica fortemente marcada a permanência de

um interdiscurso sobre o fascínio pela Língua Francesa e sobre o status daqueles que a

dominam como pessoas de classe, de cultura. Logo, para os nossos enunciadores, parece valer

a pena vencer os obstáculos para tornarem-se participantes da comunidade imaginada dos

falantes de Língua Francesa. Daí, concluímos que a identidade discursiva desses enunciadores

é construída de forma a ressaltar os desafios enfrentados ao longo da formação acadêmica

com o objetivo de consagrar a vitória alcançada e legitimar a identidade social servindo-se de

uma máscara (conforma apresentado na seção 2.7 desta tese) que o representaria como aquele

que sabe, aquele que é capaz, aquele que se esforçou, etc. Da imbricação entre identidade

social e discursiva temos como resultado o ethos do professor de francês. Nesse caso, é

flagrante a constituição de um ethos satisfeito com seu desempenho durante a formação

acadêmica e insatisfeito com a desvalorização profissional que não lhe permite ocupar o papel

de protagonista da ação de ensinar a Língua Francesa da forma idealizada. Isto posto,

concluímos que o ethos do professor de francês se apresenta distante daquele idealizado por

ele.

Sobre o status do curso de Letras Português-Francês, o enunciador E traz em seu

autorrelato o que circula nos imaginários sócio-discursivos, imaginários esses que

testemunham a percepção que os indivíduos têm dos julgamentos que fazem de suas

atividades sociais: Eu sempre ouvia que era moleza para passar no vestibular, ainda mais

Português-Francês. Se ainda fosse Português-Inglês ou Literaturas que era mais

concorrido...” O enunciador V, imbuído desses discursos, parece concordar com eles,

levando-nos a inferir que o francês já teve o seu auge , mas esse tempo já passou, visto que até

136

a PUC já não oferece mais a Graduação em Letras Português-Francês : Na minha época ainda

tinha um status o curso de Português-Francês, mas isso em 1978. Tanto é que agora a PUC

nem tem mais o curso de Português-Francês”

Em relação à preparação da Faculdade visando à aplicação prática dos ensinamentos,

os enunciadores M e A questionam a formação: o conteúdo não foi um aprendizado para te

preparar para ser professora; “tive o aprendizado da língua mas não da prática docente; eu

acho que a faculdade de educação não dá muito respaldo”; “a prática você vai adquirindo

assim, descobrindo sozinha, porque a faculdade mesmo não me preparou para a sala de

aula”. O enunciador M, o novato dentre os entrevistados, testemunha que a realidade das

aulas da prática de ensino apresenta-se, muitas vezes, em defasagem com o que os professores

encontram em seu dia-a-dia nas outras escolas que não oferecem a mesma estrutura do CAp-

UFRJ, colégio esse escolhido pelos professores da prática de ensino de Língua Francesa como

local de estágio para os futuros professores: “aprendi muito nos estágios mas as realidades

são diferentes”; “não posso adaptar o que eu vejo no estágio do CAp em outros lugares. São

realidades totalmente diferentes”. Esse mesmo enunciador fala de outra experiência que teve

em uma escola da rede estadual e expõe a dificuldade do professor regente em ministrar uma

aula de Língua Francesa: no Estado era totalmente diferente da realidade do CAp, mas a

professora ainda conseguia levar o francês apesar de todas essas questões sociais”. Na

verdade, embora o discurso desses enunciadores seja organizado predominantemente pela

lógica narrativa, ele apresenta uma argumentação implícita acerca da (in) eficácia da

formação voltada para a prática docente. Percebe-se nessas falas uma expectativa, uma

avaliação de como deveria ter sido essa formação, segundo os enunciadores M e A. Mas

deixaremos esse assunto para a seção 5.1.2.2 no qual analisaremos os discursos organizados

de modo predominantemente argumentativo sob uma perspectiva semântica.

Cabe apenas um comentário que retoma nossa discussão presente na seção 3.2 no qual

trouxemos o pensamento de Bourdieu para o âmbito de nossa reflexão. Esse autor critica a

imposição das regras estabelecidas pelas classes dominantes sobre as dominadas, sobretudo

no âmbito pedagógico. Contudo, fica claro que não somente a escola reproduz esses valores

bem como a própria universidade, visto que normalmente exige-se que os licenciandos de

Língua Francesa façam seus estágios em colégios considerados de elite, tais como CAp-

UFRJ, CAp-UERJ e Colégio Pedro II. Porém, dificilmente um recém-formado atuará em um

desses visto o restrito número de vagas nos raros concursos que abrem para essa disciplina.

137

Assim, o futuro professor se prepara para uma realidade completamente diferente daquela que

encontrará em sua sala de aula.

Apesar dos discursos dos enunciadores apresentarem algumas insatisfações em relação

ao curso de Graduação, reiterando a carência de um envolvimento do futuro professor com

atividades práticas que encontrará em seu dia-a-dia (“eu descobri tudo sozinha, a faculdade

não me deu nada não”), o ritmo acelerado das aulas (“o ritmo era bem corrido” ), o que

pressupõe que o aluno já entre com conhecimentos sobre a Língua Francesa ainda que não o

exija formalmente nos exames da admissão, etc., alguns enunciadores narram a fase da

Graduação como uma experiência positiva, segundo os autorrelatos dos enunciadores E, V,

M e B: “Eu adorava”(as aulas); “Gostei muito do curso”; “sempre tive ótimos

professores(na faculdade)”; “A gente estudou desde a idade média, para mim foi fantástico.

Foi uma descoberta”. Ambos os enunciadores, W e N, afirmam ter vencido a Graduação

porque fizeram esforços pessoais e pelo gosto pela Língua Francesa, respectivamente: “foi

muito mais o meu querer do que propriamente a faculdade ajudando”; quem tinha

dificuldade continuou carregando pedra, tentando chegar até o final, pois estavam querendo

fazer aquilo, gostava da coisa”.

Continuaremos nossas análises das falas dos nossos enunciadores sobre as respectivas

formações acadêmicas à luz da ótica argumentativa.

5.1.2.2 Estudos Acadêmicos do ponto de vista argumentativo:

Conforme dissemos anteriormente, imaginávamos que alguns enunciadores além de

narrarem suas experiências enquanto alunos do curso de Letras pudessem também esboçar

opiniões favoráveis e/ou desfavoráveis em relação ao percurso acadêmico utilizando-se de

argumentos que sustentassem suas teses. Na verdade, no âmbito de nossa pesquisa, todos os

enunciadores, ao avaliarem sua formação e seu desempenho, ainda que implicitamente,

parecem defender a mesma tese: o aprendizado de língua estrangeira é eficaz quando

contempla de forma equilibrada o desenvolvimento das habilidades de compreensão oral e

escrita, expressão oral e escrita e gramática.

Em uma tentativa de analisar os argumentos que se fundamentam num consenso social

pelo fato de que os membros de um grupo sociocultural compartilham determinados valores,

138

recorremos aos cinco domínios de avaliação: da Verdade, do Estético, do Ético, do Hedônico

e do Pragmático (CHARAUDEAU, 2008). Entretanto, o domínio do Pragmático – domínio

que define as coisas ou as ações em função de sua utilidade – sobressaiu frente aos outros

nesse item. Todos os entrevistados recorreram às preconizações das metodologias de ensino

de línguas, sobretudo no que tange a abordagem comunicativa, para justificarem se a

formação acadêmica foi ou não satisfatória. Eles se serviram desse saber acerca das

metodologias como princípio único balizador capaz de nortear um julgamento sobre o

aprendizado de francês na Faculdade de Letras. Fica claro que todos os enunciadores têm

como parâmetro a abordagem comunicativa no ensino de línguas estrangeiras. Logo, quando

criticam o modelo de aula que tinham na Faculdade é porque esse se distanciava dos

pressupostos apresentados por esse tipo de abordagem. Assim, o aprendizado na Faculdade

era considerado bom, útil e eficaz quando as habilidades linguísticas eram abordadas segundo

as preconizações da abordagem comunicativa.

Nos trechos a seguir, identificamos que os enunciadores emitem seus julgamentos

sobre a “eficácia” do curso a partir dos princípios da abordagem comunicativa. Logo, o

domínio de valor que se destaca é o do Pragmático.

Domínio do Pragmático:

Exemplo 30: “as aulas da professora K eram muito dinâmicas, ela levava compreensão oral, vídeo”;

“as outras trabalhavam a escrita, redação, gramática pesada, exercícios estruturais, aquela coisa

bem cansativa.” (enunciador E)

Exemplo 31: “Na faculdade eu sentia muita dificuldade na produção oral e na compreensão oral ;

“nós tivemos muita gramática, muita literatura, então eu tive que fazer curso fora”; “fui estudar na

Aliança algum tempo depois”; “o método, o primeiro que eu usei na faculdade foi a “Gramática

Progressiva de Francês”; “na faculdade a gente só via gramática” ; “tive muita dificuldade na

produção oral e na compreensão oral, mas na produção escrita e na gramática eram excelentes (as

aulas da faculdade)” ; “eu só vim a produzir (produção oral) a partir do quinto período (da

faculdade). Então já era muito tarde” ; “não era nenhum método comunicativo (na faculdade)”; ““o

“Panorama” eu vi num curso de línguas, e aí é que eu comecei a me expressar na língua, a ouvir.

Mas na faculdade era só gramática” ; “eu fui começar a pegar fluência dando aula porque aí a gente

fala francês praticamente todo dia.” (enunciador M)

Exemplo 32: Eu já fazia Aliança Francesa e quando eu cheguei na faculdade, já tava na época do

Nancy. Eu fiz Fahupe, faculdade Dom Pedro II. A Fahupe começou nesse ano, 1970”; “a minha

geração, e eu saí da faculdade em 1974,quase toda não tem mestrado nem doutorado”; “o colégio

quis investir em mim e me comprou todo o material e fui fazendo do meu jeito e com o auxílio dos

meus colegas da Aliança e da orientadora pedagógica que me ajudava muito”; “minhas aulas eram

muito simples. Eram textos em cima de civilização, gramática e mais nada” ; “a compreensão oral e

139

a expressão oral apareceram com o método “De vive voix”, que deve ter sido em 1980. Ali começa

com as imagens e a gente trabalhava com aqueles gravadores de rolo, enormes. Essa preocupação

veio a partir dos anos 80. Antes eram textos literários ou então pequenas situações para passar

alguma mensagem de civilização e mais nada.” (enunciador A)

Exemplo 33: “A professora vendo o meu desespero, professora da UERJ, conseguiu uma bolsa para

mim na Aliança Francesa”; “era gramática, tinha aula de língua e de literatura. Literatura você

tinha que decifrar um texto, descobrir o texto e falar alguma coisa. Não era uma aula tão direcionada

na parte de língua francesa”; “na parte de língua francesa eram mais frases voltadas para a parte

estrutural, gramática mas não a parte de pronúncia . Na faculdade você não aprende a falar, você já

tem que entrar falando” ; “eu passava o dia no laboratório aprendendo, comprei todos os métodos

que poderia comprar e paralelamente com a Aliança, onde eu tinha bolsa, eu fiz todo o curso e aí fui

caminhando” (enunciador N)

Exemplo 34: “A gente que já tinha uma base anterior de escola até, era uma coisa primária para

mim. Eles ensinavam francês zero, ou seja, eles partiam do zero. Eu não queria aquilo, eu queria que

fosse dado outras coisas. Quando eu entrei na UFRJ a realidade era assim: vocês estão aqui para

aprender francês, né? Então era vocabulário bobo, verbinhos regulares, depois o ÊTRE e o AVOIR

para encaixar nas frases... Coisas muito básicas. Acho que a coisa só foi melhorar na faculdade nos

períodos mais avançados. A partir do francês 6 eu me encontrei. A gente tinha textos mais

elaborados, as questões eram de interpretação, você tinha que opinar, se posicionar, mas os

professores eram bons. Nos períodos iniciais era só gramática, gramática com textos curtos e algum

contexto para você entender do que se tratava; Depois os textos foram aumentando de tamanho e de

complexidade. E aí eu fui gostando mais. E a parte oral era em sala. A partir do francês 6, 7 que tinha

muito texto, muita conversação, a parte de literatura ajudou bastante porque foi uma realização. A

gente estudou desde a idade média, para mim foi fantástico. Foi uma descoberta.” (enunciador B)

Acerca dos estudos de Graduação, a maior parte dos autorrelatos afirma que as

habilidades linguísticas priorizadas eram as de compreensão e expressão escrita e gramática.

Vejamos o que dizem os enunciadores E, M, A, N e B: “As outras (professoras)

trabalhavam a escrita, redação, gramática pesada, exercícios estruturais, aquela coisa bem

cansativa”; “Mas na faculdade era só gramática”; minhas aulas eram muito simples. Eram

textos em cima de civilização, gramática e mais nada”; “Na parte de língua francesa eram

mais frases voltadas para a parte estrutural, gramática mas não a parte de pronúncia”; “Nos

períodos iniciais era só gramática”.

Os enunciadores M, A e N reconhecem a falta de trabalho voltado para o

desenvolvimento da habilidade oral dos futuros professores nos estudos acadêmicos: “eu só

vim a produzir (produção oral) a partir do quinto período (da faculdade)”; “a compreensão

oral e a expressão oral apareceram com o método “De vive voix”, que deve ter sido em 1980.

Ali começa com as imagens e a gente trabalhava com aqueles gravadores de rolo, enormes.

Essa preocupação veio a partir dos anos 80. Antes eram textos literários ou então pequenas

140

situações para passar alguma mensagem de civilização e mais nada”; na faculdade você não

aprende a falar, você já tem que entrar falando”.

Dentre os oito enunciadores, apenas dois descrevem uma experiência acadêmica que

contemplava a habilidade de produção oral, conforme os trechos 35 e 36:

Exemplo 35: “Fiz português-francês na PUC. Em francês você podia fazer um teste de nivelamento e

já entrar no nível que fosse”; “a parte mais interessante eu achava a da professora M porque ela

trabalhava muito textos africanos. Ela já tinha uma visão diferente, não era só França”; “não

trabalhavam compreensão oral, trabalhavam mais compreensão escrita, produção oral e produção

escrita. Tínhamos temas para dar seminários e nós tínhamos que falar, a aula era toda em francês.

Sempre tinha uma música”. (enunciador V)

Diferentemente dos enunciadores acima, o enunciador V sustenta ter tido uma

formação também voltada para o desenvolvimento da habilidade de produção oral mas não a

de compreensão oral: “Não trabalhavam compreensão oral, trabalhavam mais compreensão

escrita, produção oral e produção escrita. Tínhamos temas para dar seminários e nós

tínhamos que falar, a aula era toda em francês. Sempre tinha uma música”.

Exemplo 36: “Os meus professores levavam jornais e passavam filmes sem legenda pra gente e

depois você tinha que fazer uma avaliação. A gente trabalhava todas as competências, mas eu achava

que lá tinha mais oral do que escrita. Quando eu voltei para a Aliança, eu voltei para fazer o Mauger.

Por que como é que eu ia dar aula no ensino público sem saber a parte da gramática? Então quando

eu voltei pra Aliança eu voltei para Mauger porque ele era mais gramática. Eu vi muito pouco da

gramática na faculdade. Eu não gostei de literatura não porque foi muito empurrado.” (enunciador

R)

O enunciador R reforça o trabalho com todas as habilidades linguísticas, porém

salienta que a parte oral recebia maior destaque em relação às outras, o que torna sua

experiência acadêmica distinta das relatadas pelos outros enunciadores: “A gente trabalhava

todas as competências, mas eu achava que lá tinha mais oral do que escrita.”

Falando em distinção, acreditamos que o autorrelato do enunciador W sobre sua

experiência acadêmica apresente julgamentos de valor concernentes não somente ao domínio

do Pragmático, como o dos outros enunciadores, mas também do Ético:

Domínio do Pragmático e do Ético:

Exemplo 37: “Acho que a UFRJ sempre foi muito elitista . Nós ouvíamos e víamos coisas do tipo:

“Isso aqui não é o seu lugar”; “Essa é uma língua de elite”; “O que você tá fazendo aqui?”; “a

professora falava o tempo todo. A gente falava muito pouco mas isso desenvolveu muito bem o meu

ouvido” ; “Eu tinha facilidade para pegar os sons.” (enunciador W)

141

O enunciador W relembra um modelo de aprendizagem centrado no professor em um

formato de aula expositiva. Relata em termos de bem e de mal, a postura e o comportamento

exigidos por sua professora segundo as leis do consenso social da época, bem como o

enunciador N, segundo o exemplo 38.

Exemplo 38: “Foi a minha experiência também. Eu tranquei o primeiro semestre na UERJ por causa

dessas coisas. A professora falava a mesma coisa.” (enunciador N)

Contudo, na fala “a gente falava muito pouco mas isso desenvolveu muito bem o meu

ouvido” há uma referência ao valor concernente ao domínio do Pragmático. Esse enunciador

ressalta que pelo fato de somente seu professor “ter voz” em sala de aula, ele acabou não

desenvolvendo habilidades de produção oral. Por outro lado, reconhece a utilidade de ter

ouvido exaustivamente seu professor durante as aulas como fator de extrema importância no

desenvolvimento de habilidades de compreensão oral.

Diante do exposto, somos levados a retomar a tese e os argumentos apresentados pelos

entrevistados e concluir que a grande queixa durante o curso superior está atrelada ao fato de

terem sido ou não expostos aos pressupostos da abordagem comunicativa. É como se a

conclusão dos enunciadores fosse a seguinte: 1. O ensino na Faculdade foi bom porque

trabalhamos todas as competências/ou outras competências que não somente a gramática; 2.

O ensino na Faculdade não foi bom porque não trabalhamos todas as competências/ou só

trabalhamos a gramática. Mais uma vez nos vemos diante de uma avaliação no domínio do

Pragmático, ou seja, que define em termos de útil e de inútil os projetos das ações humanas

em função das necessidades dos sujeitos agentes que os realizam.

1. O ensino na Faculdade foi bom porque trabalhamos todas as competências/ou outras

competências que não somente a gramática.

O enunciador E deixa claro que as aulas dinâmicas são aquelas em que os professores

fazem uso de aparelho de som e vídeo. Em contrapartida, o trabalho com ênfase na gramática

e em exercícios estruturais faz com que a aula se torne monótona e esgotante.

O enunciador B relata que os anos iniciais também contemplaram o ensino da

gramática mas a partir do sexto período houve um trabalho voltado para a compreensão

textual e para a conversação.

142

O enunciador V menciona como interessante os aspectos de interculturalidade

abordados em suas aulas, tais como textos que tratassem de países francófonos e do trabalho

realizado com músicas. Menciona um trabalho voltado para todas as competências, exceto a

compreensão oral.

O enunciador R é o único a relatar o desenvolvimento de todas as competências

durante seu estudo universitário. Aliás, é o único a narrar que o ensino das outras

competências sobressaiu ao ensino da gramática. Por esse motivo, o enunciador foi buscar

reforço em um curso de línguas. Para ele, era inconcebível aprender uma língua sem ter um

profundo conhecimento gramatical sobre ela.

2. O ensino na Faculdade não foi bom porque não trabalhamos todas as competências/ou só

trabalhamos a gramática.

O enunciador M relata a inexistência de uma aprendizagem pautada na abordagem

comunicativa no ensino superior. Entretanto, tal abordagem aparece preconizada pelos

documentos oficiais que balizam o ensino de línguas nas escolas.

O enunciador A descreve a trajetória do ensino de línguas no país por volta dos anos

80. Relata que somente após a chegada do método De vive voix é que foram introduzidas

atividades voltadas para o desenvolvimento da compreensão e da expressão oral através de

imagens.

Os enunciadores W e N reiteram a inexistência de um trabalho voltado para o

desenvolvimento da expressão oral e afirmam que o aprendizado de aspectos gramaticais

sempre teve maior ênfase.

Para concluir esse bloco temático que fala sobre a formação profissional, subdividido

em Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras e Estudos

Acadêmicos, gostaríamos de fazer uma observação que vai ao encontro de um de nossos

objetivos explicitados na introdução dessa tese. Havíamos mencionado o desejo de

estabelecer um possível mapeamento sobre a identidade dos professores de francês do Rio de

Janeiro em início e fim de carreira. Acreditávamos que o olhar e as expectativas sobre o

ensino/aprendizagem de Língua Francesa dos professores em início de carreira fossem

diferentes daqueles do professor mais experiente. Entretanto, no que diz respeito à formação

143

profissional, encontramos em quase todos os autorrelatos motivações e aliados bem

semelhantes para estudar a Língua Francesa. No quesito Estudos Acadêmicos, também fomos

confrontados a experiências bastante análogas. Aliás, até as críticas ao processo de

aprendizagem foram as mesmas. Isso nos leva a pensar que a sala de aula não presenciou uma

evolução tão marcante nas últimas décadas, apesar de todos os recursos e da tecnologia da

informação e da comunicação voltados para o ensino.

Talvez o que tenha mudado seja a experiência que os professores em fim de carreira

tiveram com metodologias de ensino anteriores à abordagem comunicativa em que o modelo

de aula era predominantemente expositivo e o professor era o centro da aula. As atuais

metodologias de ensino idealizam o aluno como eixo da aprendizagem, ele deve mobilizar

seus conhecimentos prévios e interagir com os novos conteúdos. Essa mudança de papéis

pode causar certa estranheza aos professores em fim de carreira formados dentro de uma

concepção distinta de ensino-aprendizagem. Cabe ainda ressaltar um resquício do pensamento

da segunda metade do século XIX em que o estudo da Língua Francesa era voltado à elite

visto que o rapaz pertencente a uma boa família era enviado a Paris para completar seus

estudos e ter uma boa formação. Por essa razão, dois entrevistados trazem em seus relatos

uma experiência desagradável que tiveram durante o curso de Graduação alimentada por esse

pensamento: “Acho que a UFRJ sempre foi muito elitista. Nós ouvíamos e víamos coisas do

tipo: “Isso aqui não é o seu lugar”; “Essa é uma língua de elite”; “O que você tá fazendo

aqui?”; “a professora falava o tempo todo (Enunciador W) e “Eu tranquei o primeiro

semestre na UERJ por causa dessas coisas. A professora falava a mesma coisa (que quem

não tinha o nível deveria trocar a matéria)” (Enunciador N). Esses relatos rompem com a

imagem do professor veiculada nos imaginários sócio-discursivos. Espera-se que o professor

seja um aliado do aluno no processo de ensino-aprendizagem e não um oponente. Há aqui

uma quebra de expectativa em relação ao papel do professor visto que ele não agiu como

deveria. Por essa razão qualificamos essas observações no domínio do Ético. Porém, esse

pensamento elitista foi mudando ao longo dos anos, tanto que não o encontramos nas falas

dos professores em início de carreira.

Antes de passarmos para o próximo bloco temático, gostaríamos apenas de fazer um

esclarecimento. Ao consultarmos a página 112, encontraremos o roteiro com as perguntas

direcionadas aos enunciadores durante as entrevistas. Podemos perceber que dois blocos

temáticos receberam destaque: Formação e O ensino de Francês ontem, hoje e amanhã. O

144

primeiro bloco contemplou três indagações, sendo que duas delas já foram objeto de análise:

Como se deu a sua motivação para estudar a Língua Francesa na faculdade de Letras? e

Descreva sua formação acadêmica. O terceiro comando, Descreva sua atuação profissional,

tinha como intenção ouvir dos nossos enunciadores suas respectivas trajetórias profissionais

até chegarem às redes estadual, municipal ou federal de ensino e/ou ao curso privado Aliança

Francesa. Além disso, ao narrarem suas experiências, poderíamos identificá-los enquanto

professores em início e em fim de carreira, uma vez que acreditávamos que essa categorização

seria de extrema relevância para o nosso trabalho. Ademais, muitas das falas referentes à

trajetória profissional acabam fazendo referência ao curso de Graduação visto que ele confere

ao estudante um diploma de profissional de Língua Francesa e a primeira experiência

profissional ocorre muitas vezes durante o curso superior. As informações obtidas com esse

comando foram parcialmente apresentadas esquematicamente na página 116, quando

apresentamos o perfil de cada enunciador.

Passaremos, a seguir, para os relatos concernentes ao segundo bloco temático: O

Ensino de Francês Ontem, Hoje e Amanhã.

5.2 – DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

(FLE)

Voltando mais uma vez nosso olhar para o roteiro de entrevista, buscamos fazer um

contraponto entre como era o ensino do francês e como ele é atualmente, em uma tentativa de

conhecer um pouco melhor as mudanças ocorridas no decorrer dos anos e observar as práticas

educativas ao longo da história. No bloco temático intitulado O Ensino de Francês Ontem,

Hoje e Amanhã, convidamos nossos enunciadores a discorrerem sobre quatro subtemas

através das seguintes perguntas: 1. Como era ser professor de francês? Fale sobre sua

experiência. 2. E hoje, o que mudou? E no futuro, o que poderá mudar? 3. O que é necessário

para ser um professor de FLE? 4. Atribua características ao trabalho do professor de FLE.

5.2.1 O Ensino de FLE no passado e no presente

Ao elaborar o primeiro questionamento, tínhamos como objetivo identificar as

características do ensino de FLE no passado, que aliado à segunda pergunta – E hoje, o que

mudou? E no futuro, o que poderá mudar? – nos levaria a recuperar a história do ensino de

145

Língua Francesa e estabelecer possíveis comparações desse ensino nos dias atuais. Previmos

encontrar nas falas dos enunciadores referências à estrutura das aulas, ao material didático,

aos conteúdos ministrados, ao status da disciplina, entre outros. Acreditávamos que os

enunciadores organizariam seus discursos de modo predominantemente narrativo, uma vez

que iriam discorrer primeiramente sobre as respectivas experiências enquanto aprendizes de

Língua Francesa. Confirmando nossa hipótese, os discursos foram organizados de modo

predominantemente narrativo. Por essa razão, nossa análise será realizada segundo a lógica

narrativa.

Os enunciadores apresentam características concernentes à distribuição dos papéis

desempenhados pelos professores e alunos no passado e as comparam com os papéis

desempenhados por eles nos dias atuais, ressaltando pontos que sofreram modificações no

ensino, tais como: o tipo de aula, a postura do professor, as abordagens metodológicas, etc,

tentando assim justificar a existência de possíveis fatores que tenham trazido mudanças

significativas no cenário do ensino/aprendizagem de Língua Francesa.

Estado Inicial Busca Estado Final

Enunciadores N, M,

W, B, R, A e E.

Referências sobre o

papel

desempenhado

pelos professores e

alunos no passado.

Comparar o papel

desempenhado pelos

professores e alunos no

passado e no presente.

Êxito

Vejamos a seguir trechos das entrevistas (exemplos de 39 a 45) com as narrativas dos

enunciadores acerca da primeira questão elaborada nesse bloco temático seguidos de nossa

análise:

Exemplo 39: “A professora lia os textos e trabalhava. Era muito exigente e cobrava de verdade; “era

outro perfil de cliente.” (enunciador N)

Exemplo 40: “Os professores sempre foram muito rígidos e isso ajudou muito de certa forma. Sempre

tive ótimos professores, uns ou outros que eu não me identificava com a prática. O método, o primeiro

que eu usei na faculdade foi a “Gramática Progressiva de Francês”. Eu comecei com o método

comunicativo “Panorama” em um curso de línguas. Na faculdade a gente só via gramática. Bom, de

memória sobre os professores é isso.” (enunciador M)

O enunciador N (ex. 39) faz referência tanto à postura de sua professora quanto ao

seu trabalho. Ao expressar que sua professora “cobrava de verdade”, revela a possibilidade de

existência de professores que o façam de uma maneira menos enérgica, “de faz de conta”. Ele

146

menciona ainda uma mudança no tipo de público alvo. O enunciador M (ex. 40) também

menciona a rigidez de seus professores como ponto positivo ao seu aprendizado. Além disso,

cita os manuais utilizados nas aulas do curso livre onde teve o primeiro contato com a língua e

com o manual adotado na faculdade, alegando que no curso teve acesso à metodologia

comunicativa e que na faculdade o ensino da gramática prevalecia.

Exemplo 41: “Eu acho que a escola sempre foi em cima da mesma coisa. Era mais o escrito, né? A

compreensão do escrito e a produção escrita”; “Era uma turma de mais de 40 já naquela época.

Apesar do comportamento ser diferente do comportamento de hoje. Os alunos não eram tão agitados,

não tinha tanto reboliço na sala. Mas 40 é sempre muita coisa, então não havia essa prática do falar.

Era aquela leitura que todo mundo lia junto, ela lia as frases e a gente repetia. Essa prática oral era

muito pouca. Era mais ler o textinho do livro e fazer os exercícios. Ela trabalhava a gramática, a

gente tinha um caderno para organizar a matéria e fazia os exercícios do G. Mauger que eram

voltados para o uso da gramática, com um monte de verbos para conjugar.” (enunciador W)

O enunciador W (ex. 41) recupera a estrutura de suas aulas de francês na escola ao

mencionar o manual didático utilizado, conta que a parte escrita se destacava em relação à

oral parcialmente por conta do número expressivo de alunos em sala e confessa que o

comportamento dos alunos era bastante distinto daquele encontrado em sua sala de aula

enquanto professor.

Exemplo 42: “No meu colégio, quando o professor entrava. Aliás, ele não entrava, ficava esperando

na porta. Os alunos tinham que se levantar em silêncio. Aí o professor entrava na sala e autorizava os

alunos a sentarem. Eu vivi isso e eu não sou assim tão velha. Isso aí foi nos anos 80.” (enunciador B)

Exemplo 43: “Os alunos respeitavam mais os professores do que atualmente.” (enunciador R)

Exemplo 44: “O professor não é respeitado como antigamente.” (enunciador A)

Os enunciadores B, R e A atribuem essa mudança ao comportamento dos alunos em

relação ao professor alegando que havia uma relação de respeito entre eles que se perdeu ao

longo dos anos.

Exemplo 45: “Eu preparo minhas aulas, coisa que a gente vê que muito professor não faz, que

enrola, que embroma. Eu procuro fazer uma atividade mais dinâmica, sair um pouco do livro”; “eu

me esforço para propor atividades diferentes.” (enunciador E)

147

O enunciador E, ao relatar sua prática docente, ainda que implicitamente, parece

querer revelar o quanto desejava que seus professores tivessem um comportamento diferente

do que tiveram. Ele mostra como acredita que um professor deva trabalhar para cumprir seu

papel. Por essa razão, retomaremos essa análise mais adiante quando discutirmos aspectos

ligados ao trabalho do professor.

Os enunciadores fazem autorrelatos acerca de suas experiências enquanto alunos de

Língua Francesa e apontam semelhanças e diferenças com a realidade encontrada em suas

respectivas salas de aula. O Estado Final dessa Busca tem resultado satisfatório uma vez que

os que se posicionaram sobre esse ponto do questionário da entrevista conseguiram

estabelecer comparações pertinentes capazes de nos levar a refletir sobre o Ontem e o Hoje.

Apenas o enunciador V deixou de expressar sua opinião sobre esse assunto.

Do ponto de vista narrativo, os enunciadores, em seus autorrelatos, desempenham o

papel de paciente visto que a ação do comportamento de seus professores e da metodologia

utilizada recaiu sobre eles de maneira passiva. Certamente que suas práticas docentes foram

influenciadas, positiva ou negativamente, pela experiência que tiveram enquanto alunos. Por

essa razão, alguns dos actantes pacientes serão classificados como vítima – aquele que é

afetado negativamente pela ação de um outro actante – ou como beneficiário - aquele que é

afetado positivamente pela ação de um outro actante. Os enunciadores que assumem o papel

de actantes beneficiários se servem das experiências positivas que tiveram durante seu

processo de aprendizagem de Língua Francesa e as colocam em prática em suas aulas. Por

essa razão, acreditamos que eles também desempenham o papel de benfeitores, já que

transmitem um benefício aos seus alunos com base nas experiências proveitosas que

vivenciaram.

Por outro lado, os enunciadores que assumem o papel de actantes vítimas se mostram

reféns de fracassos ocorridos ao longo de seus estudos escolares. Além de citarem a presença

de oponentes, ou seja, de pessoas ou situações que tenham contrariado seus projetos e ações

nos estudos, revelam ainda a existência de agressores, de actantes que tenham cometido

malefícios e tenham de alguma forma influenciado negativamente sua formação acadêmica.

Pelo fato desses agressores não serem nomeados explicitamente, optamos por utilizar

um termo amplo – sistema educacional – de modo a contemplar as críticas expostas pelos

entrevistados. No caso específico dos enunciadores W e E, fica claro que o primeiro atribui a

impossibilidade de um trabalho eficaz de produção oral ao número excessivo de alunos em

148

sala, sendo essa uma realidade no sistema de ensino público na cidade do Rio de Janeiro, visto

que nem mesmo a Lei de Diretrizes e Bases fixa um número máximo de alunos por turma. O

enunciador E parece atribuir a culpa à figura do professor que muitas vezes não prepara suas

aulas conforme as prescrições dos documentos oficiais por diversos fatores, porém, os mais

conhecidos são: escassez de tempo para preparar as aulas e pensar em atividades dinâmicas

em decorrência dos baixos salários que fazem com que o professor busque várias fontes de

renda e chegue ao fim de sua jornada de trabalho esgotado física e mentalmente, a falta de

motivação do professor devido ao pouco reconhecimento e ao desprestígio para com sua

profissão, a ausência de estrutura física e de recursos didáticos adequados que permitam ao

professor desempenhar atividades lúdicas e diferenciadas, dentre outros.

Vejamos no quadro a seguir os papéis desempenhados pelos actantes envolvidos nesse

esquema narrativo.

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

W, E, N,

M, B, R, e

A .

Sistema

educacional Pouca prática oral;

Excesso de alunos

em sala

W

Sistema

educacional Professores

descompromissados;

aulas monótonas

E

N’ Professores

exigentes;

N

Bom

trabalho do

professor

M’ Professores

rígidos;

ótimos

M

professores

B’ Relação de

respeito

B

R’ Relação de

respeito

R

A’ Relação de

respeito

A

Seguiremos nosso trabalho analisando as falas dos nossos enunciadores sobre o ensino

do francês no Amanhã. Assim como essa análise que acabamos de fazer acentuou aspectos

149

voltados para o ensino do francês no passado tendo como referência o momento presente, a

próxima seção vislumbrará possíveis mudanças para o futuro do ensino da Língua Francesa

tendo como ponto de comparação o momento presente.

5.2.2 – O Ensino de FLE no presente e no futuro

Nosso objetivo com a segunda pergunta do nosso bloco temático – E hoje, o que

mudou? E no futuro, o que poderá mudar? – era o de conhecer o posicionamento dos

profissionais da educação em relação ao futuro, visando assim estabelecer um contraponto

com a situação do presente. Buscávamos resgatar nas falas deles traços do ensino de FLE na

atualidade que deveriam se preservar no futuro, ou ao contrário, traços que deveriam

desaparecer por terem a ineficácia comprovada. Destarte, acreditávamos que aspectos

voltados para a prática docente, para as metodologias de ensino, para o público alvo, entre

outros, pudessem vir à tona. Assim como fizemos com a massa de texto produzida pela

pergunta anterior (seção 5.2.1), conduziremos nossa análise sob a ótica narrativa por

julgarmos que nossos enunciadores narrarão suas experiências enquanto docentes e farão

projeções futuras sobre o ensino de FLE.

Nessa perspectiva narrativa, poderíamos dizer que nossos enunciadores demonstram

em seus autorrelatos certa insatisfação relacionada ao modelo de sala de aula que

frequentaram enquanto alunos e ao modelo de sala de aula com o qual se deparam quando

assumem o posto de docentes. Esses enunciadores narram suas experiências e até apontam

hipóteses de fatores que teriam contribuído com essa perda de espaço do francês, sobretudo

nas escolas situadas na cidade do Rio de Janeiro.

Estado Inicial Busca Estado Final

Enunciadores E, V,

B, R, N, W, M e A.

Insatisfação em

relação ao cenário

de ensino/

aprendizagem de

francês.

Identificar nessas

comparações entre passado

e presente fatores que possam ter levado o ensino

de Língua Francesa ao

desprestígio e apontar possíveis mudanças

qualitativas para o futuro.

Êxito

Nas palavras dos enunciadores (exemplos de 46 a 53), vejamos o que têm a dizer sobre

a realidade do ensino de francês nos dias de hoje e que projeções fazem acerca desse ensino.

150

Exemplo 46: “Eu espero que possa haver mudança. Tem uma parte que precisa ser feita pelo

professor mas sem uma ajuda da escola é impossível. O ideal seria dividir a turma para as aulas de

língua estrangeira com no máximo 15 alunos, ter uma sala específica para as aulas, uma estrutura

mais propícia, um data show.” (enunciador E)

Exemplo 47: “Eu acho que teremos uma aparelhagem de som, data show e de DVD em nossa sala de

aula e não teremos que procurar uma sala que é disputada por vários professores de várias

disciplinas que tenha esses equipamentos. A sala de aula continua sendo quadro de giz, ou quando

tem o quadro branco não tem conservação, a carteira é desconfortável. Essa sala de aula é a mesma

há 23 anos, nada mudou.” (enunciador V)

Exemplo 48: “Todo o acesso que a gente tem hoje, a Internet mudou tudo. É mais atrativo, a gente

tem vídeos, filmes. Isso na escola particular.” (enunciador B)

Exemplo 49: “Eu não trabalho com isso, né? Mas eu acho que eles estão aprendendo menos. Do que

eu fazia e o que eu faço hoje... Eu tenho tudo marcado, o ano em que eu dava aquela matéria. Hoje eu

não chego nem a metade.” (enunciador R)

Coincidentemente, tanto os enunciadores do colégio da rede federal (E e V) quanto

os enunciadores da rede estadual (B e R), atribuem a dificuldade de desenvolver um trabalho

de qualidade nas escolas ao fato de não disporem de estrutura física e material adequados.

Entretanto, os enunciadores E e V agem de forma otimista e acreditam que algumas medidas

poderiam ser tomadas a fim de solucionar esses problemas: “eu acho que teremos uma

aparelhagem de som, data show e de DVD...”; “O ideal seria dividir a turma para as aulas

de língua estrangeira com no máximo 15 alunos, ter uma sala específica para as aulas...”. O

enunciador E ainda se mostra mais desejoso de mudanças, mostrando, implicitamente, que

não está contente com a falta de recursos. Talvez haja essa distinção bem delimitada nas falas

dos enunciadores E e V pelo fato de E ainda estar em início de carreira e não suportar a ideia

de passar muitos anos de sua vida profissional convivendo com a realidade apresentada. O

enunciador B deixa marcada a distinção entre os recursos para o seu trabalho na escola da

rede privada e na escola da rede estadual. O enunciador R concorda com seu colega sobre a

ausência de material de apoio ao ensino e ainda acrescenta a qualidade do alunado, citando

que o aluno aprende menos hoje do que no passado.

Exemplo 50: “A escola vai mudar, algumas escolas da rede vão adotar o regime integral”; “agora

sobre a valorização, o reconhecimento vem para profissionais que estão fora de sala. Na área de

educação, não só, mas também, você vê, os pedagogos não estão na sala de aula. Então eles criam um

monte de teorias que não vão ajudar. Quem bota a mão na massa mesmo, esse não vai ter o

reconhecimento.” (enunciador N)

151

Exemplo 51: “Acho que na verdade o que mudou foi a sociedade”; “eu acho que mudanças vão

sempre acontecer. O problema das mudanças é que geralmente elas levam muito pouco em

consideração o professor, aquele que sabe fazer. Normalmente é uma questão política, cada um quer

deixar sua marca, sua contribuição. E às vezes gente que nem estava habilitada a fazer esse tipo de

coisa resolve fazer mudanças que não vão melhorar em nada a escola.” (enunciador W)

Os enunciadores N e W, da rede municipal, assinalam uma questão de cunho mais

político em relação ao ensino e as mudanças que nele poderão ocorrer. O enunciador N

comenta a possibilidade de a escola oferecer aulas em regime integral, podendo esta ser uma

medida benéfica para a educação. Todavia, alega que qualquer que seja a mudança, o

professor nunca será beneficiado por ela. Para ele, quem dita as regras sobre como deve ser a

educação são pessoas que não fazem parte da realidade escolar. Por isso, o que dizem fica

sempre em um plano muito superior ao que realmente é possível desenvolver em sala de aula.

Logo, como o professor não terá condições de alcançar as metas lançadas pelos pedagogos,

por exemplo, ele será visto como aquele que não realiza seu trabalho com competência. O

enunciador W também vai ao encontro dessa perspectiva afirmando que as medidas tomadas

são políticas e não têm como finalidade melhorar a qualidade de trabalho do professor. Ele

ainda acrescenta que a sociedade mudou e com ela a escola perdeu seu espaço como local de

saber, de respeito.

Exemplo 52: “Hoje nós temos tudo. Como se não bastasse DVD, televisão, som, nós temos agora o

quadro interativo, mas nada disso resolve. Eu acho que o que mudou foi o público, que tem outros

objetivos. Então você pode oferecer mil coisas, cobrir o quadro de ouro que não resolve”; Talvez o

ensino à distância. Acho que daqui a pouco as pessoas não vão nem mais querer sair de casa. Vai ser

tudo à distância e você vai ser só um instrumento.” (enunciador A)

Exemplo 53: “Eu acho que é o que você falou. É o público. Nós estamos aqui mas agora, por

exemplo, com o TBI, a gente só vai ser uma ferramenta. Tudo o que a gente faz aqui eles podem fazer

em casa. Eles tem Cd, Internet, livro. A gente só tá aqui para tirar uma duvidazinha ou outra,

auxiliar.” (enunciador M)

Contrariamente a todos os outros enunciadores, os professores do curso privado

Aliança Francesa não se queixam da falta de material ou recursos didáticos, segundo os

trechos das entrevistas (ex. 52 e 53). Eles dispõem de toda sorte de equipamentos, inclusive os

mais modernos disponíveis no mercado para o ensino de língua estrangeira, porém, justificam

que nem com todos esses suplementos conseguem atingir o aluno a ponto de fazê-lo despertar

seu interesse para esse aprendizado. Para ambos, A e M, há uma forte tendência de que o

ensino seja feito à distância e dentro desse processo, o professor será mais uma ferramenta a

152

ser utilizada, assim como a Internet ou o TBI (quadro branco inteligente). Logo, na concepção

deles, haverá uma significativa mudança em relação ao papel que o professor tinha, tem e terá

futuramente, deixando de ser o centro da aprendizagem para ser um acessório.

Conforme os autorrelatos acima, fica nítido que a maioria dos enunciadores se coloca

como paciente das transformações no ensino/aprendizagem. O professor até reconhece

algumas falhas em sua prática docente e demonstra o desejo de acertar, como vimos no trecho

da entrevista do enunciador E: “Tem uma parte que precisa ser feita pelo professor”, mas

logo esbarra em problemas de proporções maiores e repara que não tem competência

suficiente para resolvê-los. Os enunciadores N e W comentam que as instâncias superiores

até enxergam algumas dessas adversidades existentes na seara da educação. Todavia, segundo

eles, as medidas tomadas não têm como real propósito dar melhores condições de trabalho ao

professor para que ele disponha de meios para executar a ação de dar uma aula com a

qualidade que gostaria e foi capacitado para fazê-la. De certa forma, subentende-se que o

professor tem como dever cumprir as mudanças estabelecidas pelos governos para que tenha

sua prática legitimada, uma vez que quando um professor da rede estadual, por exemplo, entra

em sala, ele representa esse poder público.

Vale a pena discutirmos ainda a diferente tomada de posição dos enunciadores das

redes federal e estadual em relação aos da rede municipal. Podemos ir mais adiante e dizer

que a visão dos enunciadores do curso privado Aliança Francesa é completamente distinta da

dos outros. Para os enunciadores E, V, B e R, grande parte do fracasso na eficácia do ensino

de Língua Francesa se deve à falta de recursos didáticos. Para os enunciadores N e W,

atuantes na rede municipal, a responsabilidade encontra-se nas mãos dos órgãos públicos que

não implementam meios eficientes no campo da educação. Cabe dizer que talvez os

professores do município tenham se queixado menos da questão do material de apoio pelo

fato de terem sido contemplados recentemente com o manual “Et Toi” distribuído

gratuitamente a todos os alunos da rede. Os enunciadores A e M, da Aliança Francesa,

parecem estar à frente dos outros em relação aos recursos didáticos de que dispõem e à

metodologia de ensino à qual são submetidos pela direção do curso para preparar suas aulas.

Eles dialogam com as falas dos outros enunciadores mostrando que o sucesso no processo de

ensino/aprendizagem não está na tecnologia de última geração tão desejada pelos colegas das

redes públicas. Segundo eles, o que mudou foi o público. Os alunos não são tão motivados

quanto eles eram quando ocupavam uma cadeira de aluno diante de um professor de francês.

153

Além disso, já antecipam a consequência da aplicação da abordagem metodológica

acional – última tendência no ensino de línguas estrangeiras e em vigor nesse curso – aliada

aos modernos equipamentos, deslocando o professor para um papel periférico no ensino.

Esses enunciadores assinalam ainda a mudança do público-alvo como um oponente ao

desenvolvimento de suas atividades profissionais. Talvez pelo fato de não estarem preparados

para encarar todos os anseios dos alunos da maneira almejada por eles. Sem falar na

tendência projetada para o futuro em que os alunos terão aulas à distância, ou seja, terão ainda

menos contato físico com o professor.

Diante de todos esses relatos, somos direcionados a concluir que os enunciadores se

colocam como vítimas do sistema, da falta de estrutura escolar para desempenhar sua função,

da carência de recursos didáticos e administrativos. Na verdade, na concepção desses

enunciadores, eles gostariam de desempenhar o papel de Benfeitores – aquele que leva um

benefício a alguém, os alunos desempenhariam o papel de beneficiários – aquele que é

afetado positivamente pela ação de outro actante e a escola, os recursos didáticos, a estrutura

escolar seriam aliados nesse processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, as falas revelam

uma realidade bem distinta daquela idealizada pelo professor. Ele se vê envolvido em um

contrato no qual os meios para que possa realizar seu trabalho com êxito lhe são suprimidos.

O professor se vê alvo de uma ação orquestrada com o objetivo de extinguir o francês do

currículo, ainda que essa ação seja feita de forma insidiosa e astuta. Por se verem

impossibilitados de desenvolverem sua função de benfeitores colocam em cena um outro

contrato no qual identificam-se como vítimas do sistema educacional.

Observemos abaixo a tabela ilustrativa com os respectivos papéis desempenhados por

nossos enunciadores, bem como os aliados e oponentes que cruzam seus caminhos.

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

E, V, B, R,

N, W, A e

M.

Turmas cheias;

Falta de estrutura física

e recursos didáticos.

E Sistema

educacional

Sistema

educacional Falta de estrutura física

e recursos didáticos. V

Sistema

educacional Falta de recursos

didáticos. B

Sistema

educacional Falta de recursos

didáticos; Mudança no

público alvo.

R

154

Sistema

educacional Regime de

estudos

integral

Falta de valorização do

profissional N

Sistema

educacional W

Mudança na sociedade;

falta de políticas

públicas âmbito da

educação.

Sistema

educacional Acesso a todo

tipo de recurso

didático.

Mudança do público

alvo; professor como

instrumento no ensino.

A

Sistema

educacional Acesso a todo

tipo de recurso

didático.

Mudança do público

alvo; professor como

instrumento no ensino.

M

Gostaríamos de fazer uma reflexão a respeito da concepção dos professores em relação

ao ensino de Língua Francesa Ontem, Hoje e Amanhã com base nas categorias professor em

início de carreira e professor em fim de carreira que havíamos proposto no início da tese.

Surpreende-nos o fato de não termos nos deparado com trajetórias de ensino tão díspares entre

os professores recém-formados e aqueles formados há mais tempo. Entretanto, a informação

que salta aos nossos olhos é a rapidez com que se deu a mudança do público estudantil. Tanto

os enunciadores com mais tempo de experiência quanto os com menos tempo trazem em suas

falas a lembrança da época em que foram alunos e relembram a relação de respeito existente

entre professor-aluno.

Hoje em dia, revelam o quão diferente é a relação deles com seus alunos, segundo os

enunciadores A, R e B, sendo o último recém-formado. Os enunciadores N e M, o primeiro

representante da rede municipal e o segundo representante do curso privado Aliança Francesa,

ambos com menos tempo de carreira que os outros colegas das respectivas instituições em que

atuam, salientam que seus professores “cobravam de verdade.” Os enunciadores E, V, B e

R, os dois primeiros atuantes no Colégio Pedro II e os dois últimos na rede estadual,

lamentam a falta de recursos didáticos, embora muitas vezes circule nos imaginários sócio-

discursivos que os colégios da rede federal ofereçam melhor infraestrutura e qualidade de

ensino que as outras redes públicas, haja visto o número de vagas reduzido para ingresso de

alunos nessas escolas . Em relação ao curso privado Aliança Francesa, poderíamos presumir

que talvez o enunciador em fim de carreira pudesse relatar dificuldades em manusear os

inúmeros recursos tecnológicos e que fosse até mesmo contrário à utilização dos mesmos.

155

Todavia, o enunciador A não comenta qualquer complexidade no manuseio desses

aparelhos. A lástima dos enunciadores A e M, atuantes no curso privado de Língua Francesa,

é verificar que toda essa modernidade não foi capaz de recuperar o interesse do aluno em

aprender a Língua Francesa, de fazê-lo enxergar o novo saber com aquele brilho no olhar que

eles demonstravam quando ocupavam o lugar de alunos.

Antes de passarmos para as duas últimas perguntas desse segundo bloco temático,

achamos conveniente comentar um assunto bastante recorrente nas falas dos enunciadores

acerca do ensino de francês. Estávamos conscientes de que ao falarem do ensino de francês no

passado, certamente, o ponto de comparação seria o presente. O mesmo aconteceria com as

falas voltadas para o ensino no futuro. Entretanto, os enunciadores fizeram questão de

destacar o ensino de francês no presente tal como ele é concebido dentro do espaço escolar.

Foi muito marcante nesses discursos o status da disciplina de Língua Francesa face às outras,

não apenas pela direção da escola, mas também por colegas e alunos. Assim, abriremos um

longo parêntese para expor o recorte que fizemos nas falas dos enunciadores sobre esse

assunto que tanto os incomoda e os faz sentir inferiorizados. Acreditamos que essas análises

nos conduzirão a melhor entender os posicionamentos dos enunciadores no âmbito geral,

sobretudo nas perguntas que ainda estão por vir. Como o material a ser analisado é bastante

extenso, optamos por criar uma nova seção intitulada O Status da Disciplina de Língua

Francesa.

5.2.3 O Status da Disciplina de Língua Francesa

Subdividimos esse item em cinco (5), visto que, através das falas dos enunciadores,

recuperamos o ponto de vista dos mesmos sobre como eles imaginam que a comunidade

escolar (pais, alunos, colegas de trabalho, direção da escola) e as próprias leis abordam a

questão da disciplina. Podemos dizer, de antemão, que faz parte do imaginário de todos os

entrevistados a avaliação de que a disciplina de Língua Francesa é desvalorizada em relação

às outras. Vale a pena esclarecer que aqui não teremos as falas dos enunciadores do curso

privado Aliança Francesa pois a única disciplina oferecida neste é a de Língua Francesa, não

havendo outra servindo de parâmetro para possíveis comparações.

Os discursos dos enunciadores são organizados pelo modo predominantemente

narrativo e fazem referências ao objetivo do ensino de língua estrangeira e ao lugar da

156

disciplina na escola na concepção do professor de LE. Entretanto, em outros momentos, os

enunciadores organizam seus discursos pelo modo predominantemente argumentativo

trazendo à tona seus posicionamentos em relação à maneira pela qual os membros da

sociedade escolar concebem a disciplina de Língua Estrangeira. Daremos início à análise

orientada para a lógica narrativa e em momento oportuno analisaremos as falas pelo viés da

lógica argumentativa.

5.2.3.1 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista narrativo

Do ponto de vista narrativo, a totalidade dos enunciadores demonstra o desejo de que a

disciplina de Língua Francesa tenha o mesmo status das outras disciplinas da grade curricular.

Entretanto, eles se veem implicados em um contrato no qual ao invés de ocuparem o papel de

agentes benfeitores acabam sendo levados pelas conjunturas do processo a desempenharem o

papel de pacientes vítimas. Há um contraste entre o que eles deveriam fazer enquanto agentes

e o que dizem a respeito do que acontece em seu entorno. Diante dos acontecimentos, eles se

veem como pacientes de um processo cujo controle lhes escapa e o papel de benfeitor, de

alguma forma, lhes é retirado pelas circunstâncias. Logo, o resultado em relação ao objeto de

Busca é insatisfatório.

Estado Inicial Busca Estado Final

Enunciadores E, V,

N, W, B e R

Desconhecimento

da importância da

Língua Francesa

Mostrar a importância

da disciplina de Língua

Francesa na educação

dos jovens

Fracasso

Exemplo 54: “O que eu menos faço é ensinar francês” (enunciador E)

Exemplo 55: “Porque aqui a carga horária é pequena.” (enunciador V)

Exemplo 56: “Não tenho nenhuma tristeza que as pessoas achem que a língua francesa seja “a

coitada” (enunciador N)

Exemplo 57: “Eu acho que não pode tirar a importância do francês” (enunciador W)

Exemplo 58: “A gente escuta que eles podem viver sem isso, sem inglês, sem francês e sem o

espanhol.” (enunciador B)

157

Exemplo 59: “Alguns colegas perguntam: Pra que eles vão estudar francês?” (enunciador R)

Os enunciadores acima narram algumas das dificuldades em trabalhar a Língua

Francesa na escola. Porém, se apresentam como aqueles que lutam para que essa disciplina

continue a fazer parte do currículo escolar dada a importância que a ela imprimem. Esses

enunciadores relatam que, muitas vezes, se sentem “sozinhos” dentro do espaço escolar,

enfrentando mais oponentes que encontrando apoio de aliados. Mais uma vez nossos

enunciadores se colocam no papel de vítimas do sistema educacional atribuindo-lhe a

responsabilidade por: criar documentos prescritivos sem proporcionar condições físicas e

materiais que auxiliem o professor a colocar as orientações em prática, consagrar ao estudo de

língua estrangeira uma curta carga horária semanal, privilegiar a oferta de uma língua

estrangeira em detrimento de outras, etc. Segundo os enunciadores, o sistema educacional não

contribui para que o professor, sobretudo o de Língua Francesa, possa desenvolver um

trabalho com a qualidade almejada nos documentos oficiais.

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

E, V, N,

W, B e R.

Sistema

educacional

Desejo de mostrar

a importância da

Língua Francesa.

Preocupação em

cumprir as

recomendações dos

PCNs.

E

Sistema

educacional Carga horária

reduzida. V

Sistema

educacional Desvalorização da

Língua Francesa pela

comunidade escolar.

N

Sistema

educacional Desvalorização da

Língua Francesa pela

comunidade escolar.

W

Sistema

educacional Desvalorização da

língua estrangeira pela

comunidade escolar.

B

Sistema

educacional Desvalorização da

língua estrangeira pela

comunidade escolar.

R

A seguir, apresentaremos o recorte que fizemos das falas dos enunciadores sobre como

eles e a comunidade escolar concebem a disciplina de Língua Francesa no espaço da escola.

158

5.2.3.2 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista argumentativo

Com base em nosso corpus, fizemos um levantamento de como os enunciadores se

posicionavam em relação à sua atuação nessa disciplina que faz parte do currículo escolar

assim como a de Matemática, a de Língua Portuguesa, entre outras. Analisamos todas as

tomadas de posição dos enunciadores referentes às suas expectativas, seus anseios, suas

frustrações, suas condições de trabalho, etc. Pudemos ainda resgatar nas falas as imagens que

os próprios enunciadores projetam do lugar dessa disciplina e de seu status. Além disso,

recuperamos, segundo o olhar dos nossos enunciadores, a perspectiva dos alunos, dos pais dos

alunos, dos colegas de trabalho e das leis para com essa disciplina. Como os discursos são

construídos dentro da lógica tese/argumento, prosseguiremos nossas análises à luz dos

procedimentos semânticos argumentativos. Nossas análises serão realizadas em cinco etapas.

Para cada uma delas, transcreveremos os trechos das entrevistas agrupando-os em categorias

de valor e na sequência seguiremos com nossos comentários.

5.2.3.2.1 Do ponto de vista do próprio professor:

Ao voltarmos nosso olhar para os argumentos utilizados pelos enunciadores com o

intuito de justificarem a tese a disciplina de Língua Francesa é desprestigiada na escola,

notamos que grande parte deles são fundamentados em um consenso social que atribui maior

peso e importância a algumas disciplinas em relação a outras. Dentre os domínios de

avaliação, os que mais se destacaram nas falas dos enunciadores foram o Pragmático e o

Ético. Eles acentuam que circula nos imaginários sócio-discursivos a relação de

utilidade/inutilidade que apresenta cada disciplina no cerne da vida escolar, imprimindo uma

avaliação concernente ao domínio do Pragmático. Junto a essa avaliação, os enunciadores

trazem em seus discursos certo sentimento de inconformidade com o status da disciplina de

Língua Francesa. Eles revelam se sentirem “injustiçados” em relação aos outros professores

visto que também passaram por uma formação de nível superior na qual tiveram que lidar

com inúmeras dificuldades, mas com muita força de vontade e determinação as venceram,

foram submetidos a um concurso público assim como todos os colegas das outras disciplinas,

porém não se sentem valorizados como eles, o que imprime aos seus relatos uma avaliação no

domínio Ético.

159

Segundo Charaudeau (2008, p.235), os domínios do Ético e do Pragmático podem

combinar-se na medida em que uma regra de comportamento cuja eficácia se mediu e

verificou (Pragmática) torna-se um dever ou um modelo de conduta (Ética). Essa realidade

vem à tona nos conselhos de classe, momento este em que os docentes e a direção da escola se

reúnem para fazerem uma reflexão avaliativa dos conteúdos dados, a qualidade do trabalho

desenvolvido, o aproveitamento dos alunos, etc. Segundo os relatos dos entrevistados, a

direção escolar faz certa pressão para que os professores de língua estrangeira aprovem seus

alunos para as séries seguintes. Tal atitude reflete a hierarquia que a direção da escola atribui

a cada disciplina. Todavia, no julgamento de nossos enunciadores, não é ético fazer distinção

entre disciplinas que fazem parte da mesma grade curricular e que têm o mesmo tratamento,

em termos de peso, nos documentos oficiais.

Aqui cabe abrir um parêntese acerca da questão do peso das disciplinas, assunto

bastante recorrente nos discursos dos entrevistados. No terceiro capítulo dessa tese, fizemos

uma releitura sobre os textos oficiais que norteiam o ensino, sobretudo na cidade do Rio de

Janeiro. Não encontramos qualquer orientação explícita sobre a existência de uma hierarquia

entre as disciplinas que justificasse a atribuição de pesos distintos às mesmas. Todavia, tanto a

Secretaria Municipal de Educação (SME) quanto a Secretaria de Estado de Educação

(SEEDUC) aplicam exames com o intuito de avaliar quantitativamente o ensino e a escola.

No exame elaborado pela SME e pela SEEDUC, as disciplinas avaliadas são Língua

Portuguesa e Matemática. Logo, podemos subentender que há maior preocupação com

algumas disciplinas do que com outras, visto que as avaliações contemplam apenas duas

disciplinas e são elas que diagnosticarão o nível da educação no Rio de Janeiro comparando-o

aos outros estados do Brasil.

Talvez, essa seja a razão pela qual alguns docentes e a própria direção escolar

atribuam peso maior a algumas disciplinas. Vejamos abaixo os trechos das entrevistas

(exemplos de 60 a 65) cujos argumentos se fundamentam predominantemente nos domínios

de avaliação Pragmático e Ético.

Domínios do Pragmático e do Ético:

Exemplo 60: “O que eu menos faço é ensinar francês”; “eu abro as portas para outro objetivo”; “eu

tento mostrar que tem outros caminhos, eu tento falar da cultura.”; “Em conselho de classe de final

de ano o francês não tem peso”; “matemática, português reprovam mas francês, música, educação

física não reprovam.” (enunciador E)

160

O enunciador E traz em seu discurso uma constatação: “O que eu menos faço é

ensinar francês”. Talvez este enunciador esteja fazendo aqui uma alusão aos Parâmetros

Curriculares Nacionais que preconizam a formação ampla do cidadão, o que vai além do

simples ensino de habilidades linguísticas. Ainda em consonância com os PCNs, o enunciador

expõe que desenvolve também um trabalho voltado para a apresentação da(s) cultura(s) do

país estrangeiro, fazendo com que o aluno reflita sobre aspectos de alteridade, levando-o

assim a repensar a sua própria cultura. Em relação ao lugar da disciplina de Língua Francesa

na escola, o enunciador E afirma que essa tem um peso diferente de outras, ou seja, que é

vista de uma forma diferente das outras, com exceção das disciplinas de música e educação

física, que estariam no mesmo patamar de qualificação do francês. Implicitamente, ele revela

não ser ético fazer tudo menos ensinar francês uma vez que foi para isso que estudou e passou

em um concurso público. Porém, os documentos oficiais veem maior utilidade no ensino de

línguas quando este se volta para reforçar conteúdos de cidadania e apoiar a aprendizagem de

outras disciplinas.

Exemplo 61: “No Conselho de Classe você nunca vai ver um aluno ficar reprovado só em francês.

Ele pode ficar só em matemática ou só em português. Essas matérias possuem maior peso”; “acho

que é um privilégio do aluno do Pedro II ter essa língua ainda no currículo.” (enunciador V)

No discurso do enunciador V também fica nítido que a disciplina de Língua Francesa

possui “menos peso” que as outras e, portanto, nenhum aluno ficará reprovado nessa

disciplina. Fica claro o desejo desse enunciador em exaltar a disciplina de Língua Francesa,

de mostrar sua importância ao relatar que os alunos de sua instituição são privilegiados por

terem a possibilidade de estudarem essa língua estrangeira. Ele não está admitindo que sua

disciplina « não sirva para nada » - está julgando o comportamento de seus colegas como

antiético por não o reconhecerem como um igual.

Exemplo 62: “Sabemos que tem essa grade curricular em que vem primeiro a Língua Portuguesa e a

matemática, depois vem as outras: ciências, história e depois educação física, artes, música, espanhol

e inglês e por último o francês”; “o Município deu até uma valorização agora, de conseguir o método

“Et toi” que facilitou muito a vida do professor”; “quando falam que a Língua Portuguesa é que tem

um peso, eu estou de pleno acordo”; não tenho nenhuma tristeza que as pessoas achem que a língua

francesa seja “a coitada”.” (enunciador N)

Novamente, a disciplina de Língua Francesa é vista como aquela de menor

importância na escola para o enunciador N. Segundo ele, os imaginários que circulam

161

caracterizam a disciplina com certa depreciação, como se fosse “a coitada”. Entretanto, o

enunciador demonstra não se sentir ofendido com esse julgamento e diz até que concorda com

o “sistema de peso” que aparece de forma implícita nos documentos oficiais e nos discursos

da comunidade escolar. Também traz, implicitamente, um sentimento de justiça ao apontar a

atitude da Secretaria Municipal de Educação ao adotar o manual didático “Et toi” para o

ensino de francês. Ele sente sua disciplina valorizada pelo fato de contar com um recurso que

já estava disponível a todas as outras.

Exemplo 63: “A matéria dentro da rede é muito desvalorizada”; “eu acho que a própria Secretaria

de Educação desvaloriza a disciplina quando ela coloca que uma matéria reprova e outra não”; “e aí

surge o conceito de área em que língua estrangeira, artes, música e educação física fazem parte de

uma área só”; “e depois passou-se a dizer: “Essas não podem realmente reprovar”; “independente

de o aluno fazer ou não fazer, ir ou não ir, sua disciplina não contava”; “eu vejo que é uma disciplina

que nunca vai ser muito levada em conta.” (enunciador W)

O enunciador W reitera a opinião dos outros colegas afirmando que a disciplina de

Língua Francesa é desvalorizada em relação às outras. Ele nos explica ainda como surgiram

esses conceitos de área, que subdividia as disciplinas em grupos e consequentemente, o grupo

que abrigava as disciplinas de Língua Estrangeira, Artes e Educação Física, tidas como as de

menor peso, passou a não mais poder reprovar os alunos. Para esse enunciador, a política de

organização por área e de atribuição de pesos às disciplinas tirou a importância das mesmas.

Mais uma vez vem à tona o sentimento de injustiça como consequência de uma disciplina

receber tratamento diferenciado em relação à outra embora todas se façam presentes na grade

curricular.

Exemplo 64: “Eu acho que o status é muito diferente do das outras; No conselho de classe eu escuto

assim: “Ah, professor. Se puder abrir mão...”; O aluno já tá em 4 disciplinas e com 3 ele fica em

dependência. Se a senhora abrir mão da nota...” ; A língua estrangeira de modo geral ela tá relegada

a um segundo plano. O cara tem que saber português, matemática, física e química. (Esse pensamento

reflete a opinião do senso comum); Ah, o senso comum. É um “achismo” partilhado por muitos mas é

velado ainda. Isso não é comentado. Mas todos partilham dessa ideia. A língua estrangeira é relegada

a isso... Dentro da língua estrangeira tem a sua hierarquia: inglês, depois do inglês o espanhol e

depois o francês. Ainda tem alemão, italiano... Por que tem no Estado. Mas esses são ainda mais

raros que a gente. Coitados! Se eu tô me sentindo meio preterida, imagina esses...”(enunciador B)

O enunciador B também relata o desprestígio da disciplina. Comenta que de uma

forma geral as línguas estrangeiras são sempre desvalorizadas na escola mas há uma

hierarquia entre elas, cabendo ao francês a terceira posição. A disciplina de Língua Francesa

recebe o status “inferior” em relação a outras, o que seria injusto em sua concepção. A prática

162

docente desse enunciador parece estar embasada pelos documentos oficiais no que tange às

atividades de caráter mais dinâmico a serem levadas para a sala de aula. Segundo ele, a

utilização de materiais de apoio, tais como revistas, filmes e músicas tornam a aula mais

atrativa, deixando de ter o caráter monótono acentuado pelos PCNs, por exemplo.

Exemplo 65: “Aí eu chego no conselho e pergunto porque que tem que ser francês que tem que abrir

mão? Não existe nenhum documento que diga que o francês tem menos peso. Eu digo que o francês

está na grade curricular, tá na língua estrangeira. Se aqui é francês tem que respeitar. Então tira da

grade. Língua estrangeira e educação artística tem peso menor para reprovar o aluno no conselho de

classe. Sempre eles pedem no colégio para abrir mão nessas disciplinas.” (enunciador R)

Assim como os outros colegas, o enunciador R relata a menor importância da

disciplina de Língua Francesa em relação a outras apesar de desconhecer qualquer texto

oficial que regulamente o peso das disciplinas.

A tese de que a disciplina de Língua Francesa é desprestigiada na escola ganha força

ao ser confrontada com os argumentos elencados pelos enunciadores. Na concepção deles, por

mais que não haja um documento oficial que explicite maior importância para uma disciplina

do que para outra, eles justificam essa percepção, essa “norma implícita” pelo fato de a) a

disciplina não reprovar e b) a carga horária de trabalho ser reduzida. Os enunciadores se

queixam de não terem o poder de sanção já que a disciplina não reprova, ratificando que

independentemente do esforço que o aluno fará ao longo do curso ele terá êxito ao final. Por

essa razão, acreditamos que todos os argumentos estejam impregnados de valores semânticos

pertencentes aos domínios do Pragmático e do Ético ao fazerem referência à inutilidade da

disciplina (segundo membros da comunidade escolar) e pelo fato de os professores se

sentirem em patamar inferior em relação aos outros embora tenham feito esforços para

ocuparem a posição em que se encontram profissionalmente, o que lhes faz sentirem-se

injustiçados.

Dando continuidade às análises, a seguir, veremos o olhar da comunidade escolar, a

começar pelos alunos, pelo viés dos próprios enunciadores.

5.2.3.2.2 Do ponto de vista dos alunos (segundo os enunciadores):

Para muitos dos enunciadores, os alunos não demonstram tanto interesse e empenho

pela disciplina por não identificarem sua importância e por terem certeza de que a mesma não

163

lhes trará qualquer ônus, ainda que não apresentem um resultado satisfatório. A tese que

circula nos imaginários sociais e, portanto, corroborada por nossos enunciadores é de que

poucos alunos se comprometem com a disciplina de Língua Francesa. Os argumentos que

sustentam essa tese classificam-se semanticamente no domínio de valor concernente ao

campo do Pragmático. Apenas um relato faz alusão explícita ao campo do Hedônico.

Ilustraremos nossas análises com os trechos das entrevistas transcritos logo abaixo.

Domínio do Pragmático:

Exemplo 66: “Eu acho que 50% gostam”; “alguns não entendem a lógica da língua”; “eu tento falar

da cultura e eles se interessam”; “ infelizmente e os alunos percebem que se ele não passa em francês

ele sabe que vai acabar sendo aprovado”; “os alunos percebendo isso (que o francês não

reprova)acabam não tendo muito comprometimento.” (enunciador E)

O enunciador E ressalta que apresentar aspectos culturais aos alunos pode levá-los a

se interessar pela disciplina, talvez por essa razão estime que a metade de seus alunos goste

das aulas. Relata que o aluno somente atribuirá algum valor àquela disciplina que considerar

como útil para sua vida profissional ou pessoal ou que possa impedi-lo de concluir seus

estudos, no caso da reprovação. Constata que o fato de a disciplina não reprovar o aluno faz

com que ele se esforce e se comprometa menos com os estudos dessa da mesma. Logo, o

domínio de valor concernente ao Pragmático parece ganhar força nessa e nas quatro próximas

falas.

Exemplo 67: “Alguns (alunos) falam comigo que não sabem por que estão aprendendo essa coisa e

dizem que não sabem nem o português”; “os (alunos) que querem aprender vão se esforçar.”

(enunciador N)

Exemplo 68: “Essa aqui eu estudo e essa aqui não serve para nada”; “o aluno sem querer ele

passa”; “eles não gostam de estudar porque não entendem o que estão fazendo ali”; “eles vão e vem

sem nada no caderno”; “muitas vezes o próprio aluno não dá muito valor”; “na própria escola você

escuta: “Poxa, francês”! “O inglês é mais importante!” (enunciador W)

Os enunciadores N e W, ambos da rede municipal, trazem em seus autorrelatos falas

reproduzidas por seus alunos em situação de sala de aula em que exprimem a total

irrelevância do francês em suas vidas, reiterando assim uma avaliação concernente ao

domínio de avaliação Pragmático. O enunciador N relata que seus alunos se queixam de não

164

possuírem amplos conhecimentos de Língua Portuguesa, então, questionam a validade de

aprender outra língua.

Podemos fazer um elo entre o que nos diz Bourdieu sobre o conceito do capital

cultural e da violência simbólica. Para esse autor, conforme vimos anteriormente, a escola

tende a reproduzir os valores da classe dominante. Logo, os alunos provenientes de classes

menos favorecidas terão mais dificuldades em se adaptar aos ensinamentos escolares do que

os provenientes das classes favorecidas. Os próprios Parâmetros Curriculares apontam para o

ensino de Língua Portuguesa voltado para as habilidades de leitura e compreensão de textos e

prezam pela apresentação das variantes regionais e das diferentes normas (coloquial, padrão,

culta) para que todo aluno tenha acesso a elas e possa utilizá-las em consonância com cada

situação de comunicação. Esses mesmos enunciadores acreditam que alguns alunos vão se

interessar pelo estudo da Língua Francesa. Todavia, o enunciador W afirma que a própria

estrutura da rede municipal leva o aluno a se desmotivar pela aprendizagem devido à

facilidade em ser aprovado. Em sua concepção, o aluno não precisa levar caderno nem se

esforçar para tirar boa nota, visto que a disciplina não reprova. Esse enunciador retoma ainda

marcas dos discursos de nossa sociedade nos alunos e na comunidade escolar em que a

Língua Inglesa é a de maior importância.

Exemplo 69: “São poucos aqueles que se interessam.” (enunciador B)

Exemplo 70: “Muitos não se interessam”; “eu acho que as minhas turmas se interessam pelo

francês, uns 50% gostam.” (enunciador R)

Os enunciadores B e R são mais sucintos e somente afirmam que grande parte dos

alunos não se interessa pelo estudo da Língua Francesa. Provavelmente, essa falta de interesse

esteja baseada nos argumentos citados acima. Todavia, o enunciador R salienta que apesar de

os alunos em geral não demonstrarem interesse pela disciplina, pelo menos a metade de seus

alunos (50%) se interessa. Talvez aí o domínio do Hedônico – domínio pautado no prazer ou

na satisfação proporcionados pela utilização do produto, nesse caso a Língua Francesa –

esteja presente implicitamente e esse engajamento dos alunos seja proveniente do fato de

terem uma boa relação afetiva com o professor.

165

Para o enunciador V, conforme o exemplo 71, o despertar do aluno para a disciplina

pode ter uma motivação diferente da apresentada por seus colegas. Vejamos o que ele tem a

nos dizer.

Domínio do Hedônico:

Exemplo 71: “Eu acho que os alunos curtem mais do que antes”; “não é uma carga pesada como

matemática”; “acho que 40% gostam”; “dependendo da relação que ele (o aluno) tem com o

professor ele vai se dedicar mais ou menos na matéria”; “eles (os alunos) são muito ligados no

afetivo, no relacionamento e isso faz com que eles prestem mais atenção na aula.” (enunciador V)

O enunciador V, do colégio da rede federal, estima que em média 40% dos alunos

gostam da disciplina. A motivação para esse gostar estaria ligada ao afetivo, ao prazer

proporcionado pela relação com a língua. Sendo assim, o julgamento de valor concernente ao

domínio do Hedônico se faz presente uma vez que na concepção desse enunciador o

engajamento do aluno à disciplina dependerá de quão agradável for sua relação com o

professor e com a disciplina. Para ele, a relação professor-aluno será o diferencial para que o

aluno se engaje mais ou menos na disciplina.

Avançando em nossas análises, faremos um recorte da opinião dos pais dos alunos em

relação à disciplina de Língua Francesa segundo os nossos enunciadores.

5.2.3.2.3 Do ponto de vista dos pais dos alunos (segundo os enunciadores):

Três dos enunciadores fizeram comentários envolvendo os pais dos alunos e a

disciplina de Língua Francesa, sejam baseados em experiências vivenciadas no espaço

escolar, sejam referências dos interdiscursos circulantes sobre como os pais se colocam em

face dessa disciplina. A tese levantada pelos enunciadores N, W e V, através dos exemplos

72, 73 e 74, é que a Língua Francesa é valorizada enquanto disciplina quando os pais têm

nível intelectual elevado. Todavia, esses enunciadores atuantes em escolas públicas nem

sempre lidam com esse tipo de público, de pais com nível intelectual elevado. Talvez essa

realidade se faça mais presente no colégio da rede federal que em uma escola da rede

municipal visto que para ingressar naquele os alunos são submetidos a um exame que exige

esforço por parte deles e dedicação dos pais para prepará-los para a prova, seja estudando com

166

os filhos seja custeando cursos preparatórios. Na opinião dos enunciadores, os pais tendem a

valorizar as disciplinas com implicação direta na vida dos filhos, ou seja, que tenham um

valor prático, objetivo, pragmático. Essa é a razão pela qual categorizamos as falas dos nossos

enunciadores no domínio de valor concernente ao Pragmático.

Confirmemos nossas análises através das falas dos nossos enunciadores.

Domínio do Pragmático:

Exemplo 72: “Eu tô pouco ligando se ela vai tirar nota boa ou ruim em uma matéria que não serve

para nada” (frase de uma mãe); “você passa duas folhas de dever de casa e a mãe vai reclamar

dizendo que a gente passou muito trabalho de casa.” (enunciador N)

Exemplo 73: “O que eles (os pais) estão querendo é a bolsa (família).” (enunciador W)

Para os enunciadores N e W, os pais não se preocupam com a disciplina de Língua

Francesa por acreditarem que essa seja irrelevante, o que nos leva a comentar que, mais uma

vez, os imaginários sócio-discursivos de que a Língua Francesa é menos importante que as

outras se faz presente nos discursos dos pais dos alunos. O enunciador N expõe certa

inversão de valores frequente na sociedade em que vivemos na qual o professor é tolhido até

por passar bastante exercício para ser feito em casa. O enunciador W faz referência à oferta

de um auxílio21

do governo federal para as famílias e afirma que o interesse dos pais volta-se

para cumprir as exigências que os tornam elegíveis a receber tal benefício.

Exemplo 74: Os próprios pais acabam incentivando os filhos a terem uma boa nota para

participarem dessa turma de preparação para o DELF”; “a preocupação maior é com aquelas

matérias que o pai quer que o filho saiba como português e matemática, física, química”; “a língua

estrangeira depende do grau de cultura do pai para saber se ele vai valorizar ou não” (enunciador

V)

O enunciador V, professor do colégio da rede federal, diz que quanto mais cultura

tiver o pai, maior importância ele vai atribuir ao aprendizado de língua estrangeira,

incentivando seu filho a participar da turma preparatória para os exames do DELF. Essas

21

O Bolsa Família é um programa de transferência de renda destinado às famílias em situação de pobreza em

vigor desde 2003. Para gozar do benefício, a família precisa cumprir com as condicionalidades previstas para as

áreas da Educação, Saúde e Assistência Social. Os compromissos exigidos na área da Educação segundo o site

http://www.mds.gov.br são: para as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos - a matrícula e a garantia da

frequência mínima de 85% da carga horária escolar mensal. Para os adolescentes de 16 e 17 anos, além da

matrícula, deve-se observar a garantia de pelo menos 75% da frequência escolar mensal.

167

turmas são compostas pelos alunos que tiveram maior média em Língua Francesa no ano

anterior e visam preparar os alunos para as provas que concedem um diploma de estudos em

Língua Francesa. Do contrário, o pai vai dar maior atenção às disciplinas “de maior peso”.

Assim, não resta dúvida de que mais uma vez o domínio de avaliação que sobressai é o

Pragmático, seja pelo fato de participar de uma turma preparatória cujo objetivo é o de

conquistar um diploma estrangeiro (enunciador V), seja pela obtenção de um auxílio

financeiro (enunciadores N e W).

Em seguida, traremos trechos das entrevistas que ilustram como os enunciadores

acreditam que seus colegas de trabalho veem a disciplina de Língua Francesa.

5.2.3.2.4 Do ponto de vista dos colegas de trabalho/ direção da escola (segundo os

enunciadores):

Nossos entrevistados alegam perceber a disciplina de Língua Francesa como menos

importante do que outras no próprio meio escolar. Tal afirmação está diretamente relacionada

ao fato de que a) a disciplina possui carga horária bastante reduzida, b) a disciplina não

reprova, c) desconhecimento da relevância do aprendizado dessa língua estrangeira. Dessa

forma, a tese sustentada por nossos enunciadores é de que a disciplina é vista como

irrelevante pelos colegas de trabalho/direção.

Conforme visualizamos nos discursos acima, os enunciadores acreditam que alunos e

pais associem a importância da disciplina a um fim prático, imediatista. Constatamos que a

imagem que os enunciadores fazem a respeito dos colegas de trabalho sobre a disciplina

também tenha uma implicação direta com sua “utilidade”. Logo, todos os argumentos

utilizados pelos enunciadores se organizam dentro de um domínio de julgamento concernente

ao Pragmático.

Seguem os trechos das entrevistas bem como suas análises.

Domínio do Pragmático:

Exemplo 75: “É uma desvalorização de todos os lados, a direção também.” (enunciador E)

O enunciador E acredita que a disciplina seja desvalorizada por toda a comunidade

escolar, e até mesmo, pela sociedade.

168

Exemplo 76: “Eu acho que muitos pensam que não tem muito fundamento. Acham que tem que ser

inglês e espanhol. Francês é tão diferente então colocar pra que?”; “eu senti isso na pele. Eles falam

isso. Esse ano a direção do colégio deliberou que o colégio prioritariamente ia oferecer inglês e

espanhol e que não ia oferecer francês. Foi isso que aconteceu. Eu sobrei.” (enunciador B)

Exemplo 77: “Eu ia sair dessa escola que eu tô e ia pra outra perto da minha casa. Tava tudo certo.

Quando eu cheguei lá e a diretora viu que era francês ela disse que queria inglês. Aí ela relutou e eu

não fiquei lá. Voltei para essa escola novamente.” (enunciador R)

Os enunciadores B e R, ambos da rede estadual de ensino, ressaltam que a própria

direção expressa preferência pela língua estrangeira que quer oferecer em sua escola,

possuindo autonomia para aceitar ou recusar o professor de outra língua estrangeira diferente

daquela desejada por ela. O enunciador B revela ter ficado sem escola para trabalhar devido

à decisão da diretora escolar em oferecer exclusivamente aulas de inglês e de espanhol na

instituição de sua liderança, de um ano para o outro. Por isso, acreditamos que o domínio de

avaliação presente seja novamente o do Pragmático. Na opinião dessas lideranças, somente a

Língua Inglesa deve ter alguma relevância para ser ensinada nas escolas, talvez pelo fato de

ser a língua mais falada no mundo dos negócios. E com a imposição da Secretaria de Estado

de Educação para que a Língua Espanhola seja obrigatória no Ensino Médio, de acordo com a

resolução número 4746, apresentada no terceiro capítulo dessa tese, essas (inglês e espanhol)

são as duas únicas línguas legitimadas a serem ensinadas na escola na concepção de grande

parte dos diretores.

Exemplo 78: “Nem todos (os colegas valorizam). Tem uns que veem com diferença a matéria.”

(enunciador N)

Segundo o enunciador N, alguns colegas veem a disciplina como menos importante

que as outras. Nesse caso, o julgamento dos colegas que não valorizam a disciplina está no

campo do Pragmático. Talvez nem eles atribuam qualquer valor ao aprendizado de línguas

estrangeiras. Decerto que essa maneira de pensar recai sobre nossos enunciadores como

antiética por não entenderem esse tratamento diferenciado que os inferioriza dentro de uma

realidade injusta.

Prosseguindo com as análises, mostraremos a seguir as falas dos enunciadores W, da

rede municipal, e outros dois trechos da entrevista dos enunciadores B e R, da rede estadual.

Fizemos essa separação uma vez que acreditamos que apesar de os discursos explicitarem a

força da (in) utilidade da disciplina na concepção dos outros professores e da direção escolar,

169

pensamos que os argumentos expostos fazem certa referência ao campo Estético ao associar-

se o professor de francês aos valores relacionados ao requinte, à elegância.

Gostaríamos de comentar essa associação feita entre aquele que possui o “saber” sobre

a Língua Francesa e os atributos relacionados à França e as representações do período da

Belle-Époque. Na concepção da maioria dos brasileiros, a França é tida como o berço da

cultura e da literatura. Esse país serve de referência para nós nas áreas da educação, da

gastronomia, da moda, da pintura, da decoração, do luxo. A Língua Francesa dominava o

gosto e a elegância, portanto era falada nas cortes europeias. Por essa razão, ainda hoje,

quando o interlocutor percebe que o outro possui conhecimentos ligados à França, sua

primeira reação é associá-lo a uma pessoa “chique”.

Como a partir desse ponto as falas dos enunciadores farão alusão, com certa

frequência, ao adjetivo “chique” e nosso trabalho visa analisar os discursos argumentativos

pelo viés semântico, achamos por bem defini-lo segundo dois dicionários de referência para a

Língua Portuguesa e para a Língua Francesa.

Segundo o dicionário Houaiss de Língua Portuguesa22

, o adjetivo “chique” possui

duas acepções:

1 que se veste com apuro e bom gosto e que se destaca pela elegância e ausência

de afetação

Ex.: <mulher c.> <homem c.>

2 Derivação: por extensão de sentido.

que se caracteriza pelo requinte

Ex.: <decoração c.> <reunião c.> <vestido c.>

Segundo o dicionário Le Petit Robert de Língua Francesa23

, o vocábulo “chic” tem as

seguintes acepções:

I. N. m.

1. VX Facilité à peindre des tableaux à effet. Travailler, peindre de

chic, d'imagination, sans modèle. « Le chic est […] plutôt une mémoire de la main

qu'une mémoire du cerveau »(Baudelaire).

2. Adresse, facilité à faire qqch. avec

élégance. ➙ aisance, désinvolture, habileté, savoir-faire. Il a le chic pour

m'énerver.

22

Extraído do site http://200.241.192.6/cgi-bin/houaissnetb.dll/frame?palavra=chique&Alceado=2 23

ROBERT, P., REY, A. & REY-DEBOVE, J. (1996). Le Nouveau Petit Robert: dictionnaire alphabétique et

analogique de la langue française. Nouv. éd. Paris : R. Laffont

170

3. Élégance hardie, désinvolte. ➙ caractère, chien, originalité, prestance. Il a du

chic. Son manteau a du chic. Loc. adj. Bon chic, bon genre*. ➙ B. C. B. G., NAP.

II. Adj. (inv. en genre) ➙ élégant. Une toilette chic. Elle est chic, habillée avec

goût et élégance. VAR. FAM. CHICOS [ʃikos].

◆ FAM. Beau. ➙ bath, 2. chouette. On a fait un chic voyage.

III. INTERJ. FAM. marquant le plaisir, la satisfaction ➙ 2. chouette. Chic alors !

Destacamos as palavras que estão diretamente ligadas com as acepções da Língua

Portuguesa: élégant (elegante), beau (belo), plaisir (prazer), e satisfaction (satisfação). Por

isso, acreditamos que o adjetivo “chique” utilizado nas falas dos enunciadores fará alusão a

esses valores.

Logo, os discursos que correlacionam aquele que sabe francês como uma pessoa

chique, do ponto de vista semântico, nos dariam margem para classificá-los tanto no domínio

de valor concernente ao Estético – ao referir-se à beleza da língua – quanto no domínio do

Hedônico – ao referir-se ao prazer e à satisfação proporcionados pela utilização da língua ,

visto que em algumas falas não é possível desmembrar a beleza da língua e da cultura

francesa do prazer e da satisfação que elas proporcionam.

Voltando às análises referentes aos trechos em que os enunciadores revelam como

acreditam que a disciplina de Língua Francesa seja vista pelos colegas e pela direção escolar,

identificamos nas falas julgamentos de valor ligados ao domínio do Pragmático – pelo fato da

disciplina não ser valorizada por não propiciar ao aluno uma aplicação prática em sua vida,

segundo os relatos. Não podemos deixar de mencionar a associação feita pelos colegas de

trabalho com relação ao professor de Língua Francesa e às representações que a França evoca

nos brasileiros, como a beleza, a cultura encantadora e o prazer proporcionados por elas.

Esses julgamentos de valor acabam se misturando nas falas abaixo, o que não nos permitiu

dissociar o domínio de valor Estético do Hedônico nas categorizações concernentes aos

exemplos 79, 80 e 81.

Domínio do Pragmático (com ênfase no Estético/Hedônico):

Exemplo 79: “Eu acho que tem duas visões. A visão do professor que é uma pessoa chique, acima do

normal e a da matéria que não é importante, e perguntam (os colegas): “O que os alunos vão fazer

com isso?” (enunciador W)

171

O enunciador W aponta para uma questão interessante e que merece ser comentada.

Esse enunciador nos remete à questão da identidade social do professor e a construção de seus

traços identitários. Para ele, a pessoa que sabe a Língua Francesa é vista como chique pela

sociedade, visto que nos imaginários sócio-discursivos, a França é concebida como um país

chique e onde as pessoas são muito cultas. Entretanto, naquele espaço escolar, parece que esse

saber não é valorizado. Logo, o “detentor desse saber” também não o será. Neste depoimento,

verificamos dois procedimentos semânticos: um no domínio do Estético/Hedônico e outro no

domínio do Pragmático. O primeiro justifica-se pela associação do professor que conhece a

Língua Francesa diretamente com a França, que é tida como chique, culta, bela. O segundo

aparece bastante explicitamente na frase “O que os alunos vão fazer com isso? Fica claro que

muitos professores desconhecem o objetivo de ensinar uma língua estrangeira na escola. Esse

discurso vem sendo recorrente em muitas das falas dos nossos entrevistados e reflete um

pouco do que é tido como verdade para o senso comum, ou seja, de que as disciplinas

importantes são Língua Portuguesa e Matemática.

Exemplo 80: “Eles acham que é uma língua muito difícil, até pra eles, então imagina para os

alunos”; “tem muito colega que acha surpreendente: “Ah, francês!” Não sabia que tinha francês”;

“eu acho que muitos pensam que não tem muito fundamento. Acham que tem que ser inglês e

espanhol. Francês é tão diferente então colocar pra que?.” (enunciador B)

Exemplo 81: “Eles acham que estudar francês não é para qualquer um”; “alguns professores quando

souberam que aqui tinha francês disseram surpresos: “Nossa! Eu não sabia que aqui tinha francês”;

“alguns colegas perguntam: Pra que eles vão estudar francês? E eu respondo que é para acessar

conhecimentos.” (enunciador R)

Poderíamos fazer a mesma análise acima para os trechos extraídos das entrevistas com

os enunciadores B e R. A opinião dos colegas de trabalho fica dividida entre o encantamento

pela língua, por sua beleza e ao prazer que ela lhes proporciona, que ficaria no domínio do

Estético/Hedônico e a relevância de ensinar uma língua estrangeira “tão diferente” como a

francesa, não lhe atribuindo um caráter útil, que ficaria no domínio do Pragmático. Aqui

acreditamos que os domínios Estético e Hedônico estejam imbricados uma vez que o primeiro

define os seres e os objetos com base em sua beleza e o segundo se pauta no prazer e na

satisfação proporcionados. A partir dos excertos acima (ex. 79, 80 e 81), parece estar

implícito nas falas dos entrevistados que, para os demais colegas e/ou direção escolar, o

172

francês é uma língua de elite. Por conseguinte, como grande parte dos alunos das escolas

públicas não pertencem à elite, esse conhecimento não serve para eles.

Trazemos novamente para o debate a sociologia da educação de Bourdieu que atribui à

escola o papel de reprodutora das desigualdades sociais, contribuindo para a solidificação das

relações de poder de uma classe em detrimento de outra. Para o sociólogo, as condições de

acesso ao conteúdo escolar não acontecem de maneira igualitária para todos os alunos uma

vez que cada indivíduo traz consigo uma bagagem social e cultural provenientes de sua

origem social que serão determinantes em sua relação com os conteúdos escolares. Essa

particularidade de cada aluno deve ser levada em consideração no âmbito escolar, o professor

deve reconhecer sua existência, promover meios para que a maioria dos alunos seja levada a

mobilizar seus conhecimentos prévios e dar condições para que o aluno aprenda

sistematicamente aquilo que já é um saber partilhado pelas classes dominantes. Assim, talvez,

classes dominantes e dominadas possam conviver em um espaço escolar em situação menos

desigual, considerando-se as diferentes realidades presentes em uma mesma sala de aula.

Logo, não é necessário privar os alunos das classes menos favorecidas de um saber, ainda que

esse se distancie de sua realidade. É imprescindível considerar que o aprendizado dos alunos

que possuem um capital cultural se fará de uma maneira distinta daqueles que não o

compartilham, por isso a forma de ensinar e de avaliar deve considerar essas diferenças.

Privar o aluno oriundo de uma classe social desfavorecida de um determinado conhecimento

por acreditar que ele não é capaz de assimilá-lo faz com que se continue a reproduzir as

condições de desigualdade em relação àqueles que são tidos como capazes de apreendê-lo.

Continuando nossas análises sobre a disciplina de Língua Francesa, abordaremos a

seguir como os enunciadores acreditam que as leis norteadoras do ensino brasileiro lidam com

a questão tão recorrente nas falas acima sobre a distinção entre os pesos das disciplinas e a

relevância da Língua Francesa na grade curricular.

5.2.3.2.5 Do ponto de vista das leis (segundo os enunciadores):

Na verdade, os dois únicos enunciadores que citaram explicitamente as leis que

normatizam o ensino foram os do Colégio Pedro II. Por essa razão, não foi possível identificar

a tese referente a tais argumentações. Além disso, os enunciadores mencionam aspectos

distintos relacionados às leis, mas atribuem também a elas a responsabilidade de não

173

colocarem as disciplinas em um mesmo patamar de importância. O domínio de avaliação

concernente a esses dois relatos seria o de Verdade. Ambos trazem para suas falas o saber que

possuem sobre as leis e definem de maneira absoluta a autenticidade das informações

relatadas por eles.

Domínio da Verdade:

Exemplo 82: “Não (não há documento oficial que fale do peso das disciplinas). Fica nas

entrelinhas.” (enunciador E)

O enunciador E diz que nos documentos oficiais não há referência explícita à questão

dos pesos das disciplinas. Porém, em alguns trechos do documento pode-se depreender que

eles existem.

Exemplo 83: “Na Lei de Diretrizes e Bases diz que o aluno tem que saber contar, falar, escrever.

Aquela coisa básica, aquilo que se você espremer fica.” (enunciador V)

O enunciador V faz uma crítica a Lei de Diretrizes e Bases no sentido de que tal lei

preza pelo conhecimento mínimo que deve ser ofertado ao aluno. Fica implícito então que a

disciplina de Língua Francesa não deve ser avaliada como essencial já que não cabe a ela

levar o aluno a desenvolver essas habilidades. A língua estrangeira pode até apoiar o

desenvolvimento das mesmas mas depende do trabalho realizado com as outras disciplinas.

Ao finalizarmos a análise desse item no qual a disciplina de Língua Francesa foi

colocada em destaque pelos nossos enunciadores que contribuíram não somente com a

imagem que fazem da mesma como também trouxeram seu olhar sobre os imaginários sócio-

discursivos que atravessam os discursos dos alunos, pais, dos colegas de trabalho e das leis,

concluímos que a opinião dos professores em início e fim de carreira é bastante semelhante

em relação ao desprestígio da disciplina, seja pelos colegas de trabalho seja pelos outros

membros da comunidade escolar. Os entrevistados reforçam o discurso da importância de

promover conhecimentos sobre a Língua Francesa e reiteram a relevância desse aprendizado

em uma tentativa de garantir o espaço da disciplina na grade curricular. Porém, segundo os

relatos, o esforço dos professores tem sido em vão.

Vale a pena ressaltar que a maior parte dos argumentos apresentados por nossos

enunciadores em seus autorrelatos baseia-se em julgamentos de valor Pragmático e Ético

174

quando o assunto envolve a disciplina de Língua Francesa. Eles trazem suas impressões sobre

como a disciplina é vista pela comunidade escolar e pelas leis que balizam o ensino baseadas

nos comentários e nas atitudes vivenciados no dia a dia da escola. Caberia ainda dizer que

dentro do domínio Ético, identificamos a forte presença dos valores de Justiça,

Responsabilidade e Esforço nas falas dos enunciadores. Eles se mostram descontentes com o

fato de se sentirem menos valorizados, até mesmo injustiçados, por terem feito tanto esforço

para vencer os oponentes e concluir o curso de Graduação. Para eles, essa desvalorização é

parcialmente de responsabilidade das leis e da escola que atribuem, ainda que implicitamente,

status diferenciados às disciplinas.

Dando continuidade às análises do nosso corpus, voltaremos nosso olhar para a

terceira pergunta do nosso segundo bloco temático em uma tentativa de conhecer os discursos

circulantes sobre o trabalho do professor de francês.

5.2.4 Atributos do professor de FLE

Ao elaborarmos a pergunta O que é necessário para ser um professor de FLE?,

tínhamos como propósito identificar os possíveis imaginários acerca do que seria

indispensável ao ensino de FLE na opinião dos professores atuantes nesse campo de ensino.

No terceiro capítulo dessa tese, debatemos alguns trechos dos documentos oficiais

acerca de como eles orientam a prática do professor para que o mesmo seja legitimado

enquanto profissional da educação. Vimos também no segundo capítulo, mais precisamente

na seção 2.5, uma descrição dos papéis desempenhados pelo professor e pelo aluno segundo

os imaginários sócio-discursivos circulantes. Contudo, objetivávamos ouvir dos próprios

professores características consideradas indispensáveis ao seu trabalho para que tivessem sua

prática legitimada. Tínhamos como hipóteses encontrar nos autorrelatos atributos como: falar

bem a língua, conhecer a gramática, conhecer a França, conhecer culturas francófonas, etc.

Alguns enunciadores confirmam nossas hipóteses. Entretanto, as falas de outros

enunciadores se voltam para aspectos comportamentais, como por exemplo, ter paciência e

não perder o controle. Pensamos que os enunciadores elencariam uma série de características

que julgassem inerentes à sua prática e se posicionariam em relação a elas, apresentando

possíveis argumentos que justificassem seus pontos de vista. Destarte, faremos uma análise

175

orientada pela lógica argumentativa, visto que os discursos dos enunciadores foram

organizados predominantemente pelo modo argumentativo.

Comentamos anteriormente que imaginávamos encontrar nas falas dos enunciadores

descrições sobre características que constituem possíveis imaginários acerca do que seria

indispensável no ensino de FLE na visão dos próprios professores de francês. Além disso,

esperávamos que esses enunciadores pudessem ir mais longe e apresentassem opiniões

favoráveis e desfavoráveis sobre a forma como sua prática é vislumbrada dentro das

instituições de ensino ou até mesmo na sociedade. Os argumentos utilizados pelos

enunciadores justificam a seguinte tese: ser professor vai muito além de passar um

conhecimento a alguém. A maioria dos autorrelatos dos enunciadores menciona

características inerentes ao imaginário que eles próprios manifestam sobre o que é ser um

professor de FLE e deixam transparecer, por trás de suas falas, o que as instituições nas quais

atuam supõem como atributos do professor.

Os procedimentos semânticos utilizados pelos enunciadores na organização dos

discursos predominantemente argumentativos dialogam com valores compartilhados

socialmente, sobretudo no âmbito do domínio do Ético. Há certo sentimento de incapacidade

em desenvolver um trabalho tal como ele é arquitetado pelos documentos oficiais elaborados

dentro e fora da instituição de ensino. Abaixo, seguem os relatos dos enunciadores retratando

as múltiplas funções do profissional de Língua Francesa:

Domínio do Ético:

Exemplo 84: “Eu acho que para ser professor de qualquer disciplina tem que ter uma vontade muito

grande de saber que seu tempo na sua casa você vai trabalhar, que vai levar muito trabalho para

casa, gostar do que faz, acreditar no que faz. Trabalhar língua estrangeira no colégio é muito mais

difícil do que trabalhar no curso. No curso você tem a sala montada, o aluno se inscreveu porque ele

quis, mas o curso não pode prescindir do colégio pois o primeiro contato do aluno com a língua

estrangeira é no colégio.” (enunciador V)

Exemplo 85: “Agora, para ensinar língua estrangeira em uma escola, você tem que gostar, porque

senão a pessoa desiste. O que você vê a questão do menos respeito, menos valor...”; “é muita

barreira. Eu comecei diferente, eu vi outro tipo de escola...”; “cada vez mais é o não poder, o

professor não pode isso, não pode aquilo. Então resta muito pouco para a gente poder. Eu não sou

boazinha. Eu sou exigente e chata. Acho que isso é pré-requisito de professor senão não funciona.”

(enunciador W)

176

Para esses dois enunciadores em fim de carreira, V e W, ser professor requer uma

dedicação muito grande ao trabalho, já que muitas das tarefas demandadas por essa profissão

precisam ser executadas em espaço distinto da sala de aula. O enunciador V defende um

aspecto mencionado pelos PCNs acerca da oferta do ensino de língua estrangeira na escola. O

documento enfatiza que “seu ensino, como o de outras disciplinas, é função da escola, e é lá

que deve ocorrer.” 24

Ele se queixa de não dispor dos recursos mínimos para preparar suas

aulas nos moldes preconizados pelos documentos normatizadores. O enunciador W aponta

para a questão da falta de liberdade do professor, revelando que ele tem cada vez menos voz

em seu campo de atuação. Em sua opinião, uma característica comum aos professores é ser

exigente e chato. Em meio a tantas dificuldades, concluem que para ocuparem esse cargo

precisam contar com uma motivação pessoal para vencerem os obstáculos sem se deixarem

levar pelo desânimo. Curioso perceber que na opinião dos enunciadores atuantes em escolas

públicas trabalhar a língua estrangeira na escola implica um maior grau de dificuldade do que

em um curso privado, alegando que no curso há uma estrutura física adequada para esse

ensino e o aluno deseja aprender a língua estrangeira. Com base nesses relatos, sobressaem

dentro do domínio do Ético os valores de Responsabilidade e Justiça, o primeiro relacionado

ao compromisso do profissional em se aproximar do modelo idealizado pelos imaginários

sócio-discursivos e o segundo pelo sentimento de impotência para realizar sozinho as

mudanças que lhe são impostas no campo da educação sem que haja meios para fazê-las.

Exemplo 86: “Eu sempre imaginei que fosse passar cultura e questionamento...”; “mas acho que

essa postura tá cada vez mais desaparecendo para o dinamismo, para a animação”; “eu sou da

época em que professor é que falava. O aluno ficava calado. Isso mudou, agora o aluno é o centro. Eu

acho que o bom professor é um animador, reúne várias coisas além da língua e sabe escutar. O aluno

quer ser amado, escutado. Então você ainda tem que dar atenção ao cliente, saber ouvir, detectar os

problemas em sala de aula. É muita coisa para dominar. Para ser um bom professor agora tá sendo

uma arte.” (enunciador A)

Exemplo 87: “Para ser um bom professor de francês hoje em dia, no contexto da Aliança, tem que

procurar se adaptar aos diferentes contextos. Seja o público adolescente ou adulto, seja criança.

Estar aberta para essa adaptação. Eu procuro tá sempre me atualizando, sempre pesquisando,

fazendo aulas dinâmicas, jogos, fazendo eles produzirem a língua o tempo todo e permitindo que a

aula seja agradável”; “(trabalhar) dentro da perspectiva que é a “Actionnelle” aqui da Aliança. Eu

sou muito apegada ainda ao método comunicativo e até mesmo ao tradicional, essa coisa de folhinha,

24

Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, página

19.

177

de gramática. Para essa realidade daqui eu tenho que me desvincular, me adaptar mais a essa coisa

da ação, do aluno como ator social. ” (enunciador M)

O enunciador A acredita que ser professor de francês é poder ligar as duas culturas

(brasileira e francófona). Entretanto, para o curso em que trabalha, ser professor é dominar a

língua, ser um animador, saber manusear os diversos recursos didáticos (TBI – quadro branco

inteligente, data-show), dar aulas dinâmicas, “dar atenção ao cliente, saber ouvir, detectar os

problemas em sala de aula”, etc. O professor ainda é submetido a seguir a abordagem

metodológica de ensino utilizada pela instituição, concordando ou não. Nesse caso, por

exemplo, o enunciador parece não estar completamente satisfeito com o fato de o professor ter

um papel periférico no ensino da língua estrangeira, devendo seguir os pressupostos da

metodologia acional em vigor na instituição em que trabalha. Vemos mais uma vez como o

trabalho do professor se multiplica, indo do campo do saber, passando pelo campo

tecnológico e indo rumo ao campo psicológico. Para essa instituição, o aluno passa a ser visto

como cliente e torna-se dever do professor agradá-lo a fim de mantê-lo inscrito no curso.

Logo, o professor atribui para si todas essas responsabilidades e se esforça para desempenhá-

las com sucesso, ainda que muitas vezes o resultado não seja satisfatório.

Os enunciadores A e M trazem para a discussão o “modelo” de professor idealizado

pelo curso privado Aliança Francesa. O enunciador em fim de carreira vai ao encontro do que

havíamos previsto encontrar no corpus aliando o saber da língua como requisito fundamental

para ser considerando um bom professor de francês. Esse enunciador reitera que na instituição

em que trabalha faz parte das atribuições do professor saber manusear os diferentes

instrumentos didáticos que lhe são disponibilizados, fazendo com que sua aula seja

“animada”. Para ele, além do professor saber a língua e dar uma aula de qualidade, atualmente

ainda precisa dar conta de mais essas funções. O enunciador M concorda com seu colega que

preparar aulas dinâmicas e animadas sejam recomendações da empresa em que trabalham.

Esse último menciona ainda a importância de se manter sempre atualizado em uma tentativa

de preparar aulas tidas como padrão em sua instituição. Aqui fica clara a posição de um

professor em início e em fim de carreira. O mais antigo busca aprimoramento de sua prática

participando de cursos de atualização e o segundo entende que saber utilizar todos os recursos

multimídias é uma atribuição a mais para si. De qualquer forma, ambos desempenham o papel

de agentes na execução dessas tarefas visto que elas são designadas pela diretoria do curso

como essenciais ao trabalho do professor. Cabe também comentar como o texto do Quadro

178

Europeu Comum de Referência para as Línguas atravessa o discurso do enunciador M ao

mencionar seu empenho em cumprir com os pressupostos da metodologia de trabalho

sugerida por esse documento e exigida pelo curso privado Aliança Francesa. Aqui

identificamos dentro do domínio do Ético os valores de Responsabilidade e

Esforço/Superação.

Exemplo 88: “Acima de tudo estar muito motivado, tem que saber o conteúdo, paciência, jogo de

cintura e tentar mostrar ao aluno que aquilo pode ser útil em algum momento da vida dele.”

(enunciador E)

O enunciador E, da rede federal, elenca a paciência como virtude essencial ao

professor para que consiga manter o controle emocional equilibrado nas situações adversas

com as quais se depara diariamente. Ele revela a necessidade de estar motivado para

desenvolver esse ofício e pontua o conhecimento do conteúdo a ser ensinado como

importante, assim como seus colegas do curso privado.

Exemplo 89: “Formação em língua estrangeira, conhecer o seu público, mostrar que ali, no caso do

município, você representa o Estado, o poder...”; “o professor tem que saber que ele não pode

perder o controle”; “também é importante saber que o professor não deve ficar estático em sala de

aula. Eu tenho 21 anos de magistério e eu passo a aula inteira em pé, eu vou ao fundo da aula.

Também tem que pensar em propor algo prazeroso ao aluno. De que adianta só trabalhar a

gramática, objeto direto, indireto?” (enunciador N)

O enunciador N elenca como atributos essenciais para o professor de francês “ter

formação em língua estrangeira, conhecer seu público”, ter controle emocional, ter um papel

“ativo” em sala de aula e buscar propor atividades prazerosas ao aluno. Ao nos depararmos

com essas duas últimas tarefas a serem cumpridas pelo professor, notamos claramente a

interferência das vozes presentes nos discursos oficiais, uma vez que os PCNs relatam que “as

aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram por assumir

uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a desmotivar professores e

alunos”. 25

Queremos também retomar um ponto tratado no segundo capítulo dessa tese,

precisamente na seção 2.7, no qual, à luz da teoria de Charaudeau (2005), debatemos a

questão das máscaras aliadas ao local de atuação do professor. Pensamos que o professor se

25

Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 25

179

utiliza de uma máscara diferente em cada local de trabalho e, por trás dela, carrega os

princípios que regem aquela instituição. Nesse caso, o enunciador N se coloca como

representante da rede municipal quando entra em uma sala de aula dessa rede, trazendo para si

a Responsabilidade de desempenhar mais esse papel.

Ainda no domínio do Ético, o trecho abaixo revela o desafio do professor em lidar

com turmas numerosas e heterogêneas, tarefa que faz parte da rotina de um professor ainda

que esteja em início de carreira.

Exemplo 90: “Então além de ter que abrir mais vagas, ter mais valorização e ter muita courage,

courage, courage!!! Encarar uma turma com 40 alunos assusta, nossa! Uma turma imensa e eles não

são disciplinados muitas vezes, não estão interessados naquilo que você está dizendo, não deixam

você falar, nem você se apresentar...” (enunciador B)

Esse enunciador em início de carreira integrante do corpo docente da rede estadual nos

lembra da falta de vagas e de valorização ao professor de Língua Francesa. Para os poucos

profissionais que restam na rede do Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente cinquenta e

oito, ele menciona como qualidade importante que o profissional tenha muita coragem, muita

força para lidar com a realidade de sala de aula. Logo, destacam-se como domínios de valor o

da Responsabilidade e o do Esforço/Superação, visto que o profissional assume o

compromisso perante a rede e aos alunos de desempenhar o seu papel mesmo que para isso

precise vencer as adversidades do dia a dia em sala de aula.

O enunciador M, em outro momento da entrevista, nos mostra em uma outra

perspectiva o que ele acredita ser necessário para ser professor de francês. Ele se utiliza de

procedimentos semânticos voltados para os domínios do Estético e do Hedônico. Esses dois

domínios se combinam à medida que a beleza da língua provoca um sentimento de satisfação,

de prazer.

Domínio do Estético (com ênfase no Hedônico):

Exemplo 91: “Para mim essa imagem do professor de francês tá condicionada com as imagens da

França, do país, com a cultura belíssima, encantadora, que tem essa coisa do glamour. E para mim

ser professor de francês língua estrangeira, eu tento passar isso para os meus alunos. Essa paixão,

esse gosto de estudar o francês. Que é uma língua e uma cultura encantadora, sabe?” (enunciador

M)

180

O novato dentre os enunciadores acredita que ser professor de francês remeta a

questões ligadas ao campo da beleza – Estético – e ao campo do prazer – Hedônico. Em sua

opinião, a imagem do professor precisa estar condicionada à belíssima cultura francesa, ao

glamour, ao encanto proporcionado por essa cultura belíssima. Ele relata seu desejo em

convencer seu aluno a se interessar pelo francês dando testemunho de sua paixão pela língua.

Interessante resgatar esse ideal de profissional no discurso de um professor em início

de carreira que somente tenha atuado em cursos livres. Essa imagem de professor de francês

está realmente mais arraigada no imaginário daqueles que trabalham no curso privado de

Língua Francesa. Conforme vimos acima, o enunciador A gostaria de ser um elo entre a

cultura brasileira e a francófona, suscitando em seus alunos a possibilidade de ver o mundo

através de outro enfoque. Entretanto, já se encontra parcialmente conformado em ter que

desempenhar outros papéis em sala de aula, papéis distribuídos pela sua instituição. O

enunciador M, ainda mantém o firme propósito de ser um representante da cultura francesa.

Aqui reside uma distinção marcante entre professor em início e em fim de carreira.

Prosseguiremos nossas análises com base na última pergunta do roteiro de entrevista

realizada com nossos oito enunciadores.

5.2.5 O Trabalho do professor de FLE

Passaremos para a análise dos enunciadores sobre o seu trabalho enquanto docentes de

Língua Francesa. Na seção 5.2.4, nosso objetivo era o de recuperar traços característicos do

professor de francês em sua própria visão. Agora, sob o comando Atribua características ao

trabalho do professor de FLE, seguido das perguntas Como você acha que seus alunos veem

seu trabalho? E seus colegas de trabalho? E a sociedade?, presumimos encontrar nos

discursos dos enunciadores representações de como seu trabalho é visto pelos membros da

comunidade escolar e pela sociedade em geral. Acreditamos resgatar os interdiscursos

circulantes sobre o trabalho desse profissional. Por outro lado, estamos convictos de que os

enunciadores trarão em suas falas argumentos que respaldem seu trabalho justificando a

importância de sua profissão. Por essa razão, faremos a análise orientada pela lógica

argumentativa. A fim de contemplarmos as visões externas sobre o trabalho do professor de

francês, organizaremos as análises em três subitens: como o professor de LE acha que seu

181

trabalho é visto pelos alunos, como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pelos

demais colegas, como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pela sociedade.

Na sequência, daremos início às análises seguindo a ordem descrita acima.

5.2.5.1 Como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pelos alunos:

Diante dos argumentos expostos pelos enunciadores, depreendemos que circula em

seus imaginários a tese de que o trabalho do professor de Língua Francesa precisa satisfazer o

desejo do aluno , seja essa uma satisfação de prazer ou uma satisfação concreta com fins

imediatos. Nossa análise será orientada pela lógica argumentativa visto que esse foi o modo

de organização que prevaleceu no discurso dos professores em relação a este item. Assim,

identificamos dentre os discursos abaixo, julgamentos de valor concernentes a dois domínios:

Pragmático e Hedônico.

Nas falas dos próprios entrevistados, vejamos o que eles acreditam fazer parte do

imaginário de seus alunos para que sejam legitimados em seu trabalho. Começaremos a

análise pelo domínio do Pragmático seguido do domínio Hedônico.

Domínio do Pragmático:

Exemplo 92: “Acho que se eles não entenderem a utilidade não há interesse. Eles precisam ver uma

utilidade, uma finalidade.” (enunciador E)

O enunciador E, do colégio da rede federal, afirma que o interesse dos alunos está

atrelado a uma possível utilidade prática do idioma na vida deles.

Exemplo 93: “Querem essa coisa de motivação, de dinamismo o tempo todo”; muitos querem

aprender o francês para ontem.” (enunciador M)

Exemplo 94: “(o aluno) tem medo do silêncio, da reflexão”; “querem ação o tempo todo”; “não

sabem o que querem”;“os alunos estão querendo tudo muito motivante”; “a aula (segundo os alunos)

tem de virar um jogo eletrônico para agradar.” (enunciador A)

Para os enunciadores M e A, ambos do curso privado de Língua Francesa, os alunos

demandam aulas dinâmicas, interativas. A implicação direta desse desejo é que o trabalho do

professor se volte para a elaboração de atividades lúdicas, que despertem o interesse do aluno.

182

Seguiremos com as falas dos outros quatro enunciadores que se posicionaram sobre

esse tema, trazendo o prazer como responsável pela satisfação do aluno em aprender a língua

estrangeira.

Domínio do Hedônico:

Exemplo 95: “A gente comenta sobre essa desvalorização da escola, mas as crianças vão gostar de

você e vão te valorizar.” (enunciador N)

Exemplo 96: “Os meus alunos sabem como é que eu trabalho e gostam”; “alunos já me disseram que

nunca tiveram uma professora tão dedicada”; “parece que você é um representante da França,

sobrinha do Sarkozy. Qualquer coisa que passe na televisão falando da França, pode contar que todo

mundo vai falar que lembrou de você. Tanto aluno, quanto colega, quanto direção”; “eles respeitam

o meu trabalho”; “eles não gostam de estudar porque não entendem o que estão fazendo ali.”

(enunciador W)

Os enunciadores N e W, ambos da rede municipal, acreditam que os alunos gostem

do aprendizado de Língua Francesa. Porém, deixam claro que o gostar ou não gostar está

intrinsecamente ligado ao domínio afetivo, da relação construída entre professor e aluno. Para

o enunciador W, os alunos o veem como um representante da França e de sua cultura e que

por se mostrar dedicado, os alunos o respeitam.

Exemplo 97: “Eles vão fazendo uma coisa aqui outra coisa ali, é agradável e não tem aquela pressão

de conseguir a nota. Porque se eles fazem eles vão conseguir. Tá embutido no processo” (enunciador

B)

Exemplo 98: “Eu passo textos fáceis no começo, né? Mas eu boto o desenho no quadro. Aí eles

começam a ver palavras que são iguais em português. Eles veem que não tem mistério; “eu acho que

eles gostam muito de língua estrangeira. É uma novidade.” (enunciador R)

Os enunciadores da rede estadual, B e R, concordam com os colegas da rede

municipal que a empatia gerada entre professor e aluno possa despertar o interesse pela língua

estrangeira. Contribui também para esse interesse a proposição de atividades que “facilitem” a

aprendizagem e tornem a aula agradável. Além disso, os enunciadores revelam que a

disciplina acaba não tendo a mesma “pressão” das outras pelo fato de não reprovar e que a

aula acaba se tornando menos “tensa”.

Aqui cabe um comentário pertinente acerca do contrato de comunicação na sala de

aula apresentado por Charaudeau (1993). Ao atribuir as tarefas concernentes ao aluno dentro

desse circuito comunicacional, o autor afirma que o mesmo tem a obrigação social de

183

aprender porque tal conhecimento lhe será útil. Caso haja alguma falha nesse aprendizado, o

contrato estará ameaçado. Daí a frustração e a queixa de tantos professores. Eles alegam

“cumprir suas tarefas” mas não veem o mesmo empenho dos alunos em desempenhá-las com

êxito, o que acaba por colocar sua identidade social em risco.

Outro aspecto que merece ser levado em consideração é quanto ao papel “menos

ativo” do aluno. Charaudeau (1993) diz que a identidade do aluno está atrelada a um estado

do não saber e de não ativo. Entretanto, ao elencar os objetivos atribuídos a ele, menciona

seus dois “deveres”: o de aprender e o de provar que aprendeu. Entendemos assim que nesses

dois momentos o aluno deixe essa passividade e se coloque no papel de ator, de agente do

conhecimento. Porém, é recorrente a reclamação dos professores de que seus alunos ficam

“aguardando a chegada do conhecimento” como se o processo de ensino/aprendizagem não

exigisse deles qualquer esforço. Entretanto, ao avaliarmos o comportamento desses

enunciadores que agora lamentam a postura de seus alunos, também presenciamos uma

atitude passiva nesse processo. De acordo com o subitem 5.1.2.1, apenas dois dos oito

enunciadores entrevistados se colocaram como agentes do aprendizado. Logo, vemos que essa

postura é bastante comum nas salas de aula das escolas aqui representadas.

Chegamos à conclusão de que há um paradoxo em relação às abordagens de ensino e à

prática de sala de aula. As metodologias de ensino apontam para um novo perfil de aluno e o

coloca como centro da aprendizagem. Preconizam um professor menos ativo em sala de aula,

que não desempenhe o papel de protagonista, idealizam um animador no processo de

ensino/aprendizagem. Todavia, segundo os relatos, essa realidade ainda se encontra bem

distante da nossa.

A seguir, exporemos os trechos das entrevistas em que são apresentados os possíveis

imaginários discursivos partilhados pelos colegas a respeito trabalho do professor de francês.

5.2.5.2 Como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pelos colegas:

A tese dos enunciadores é de que o profissional de Língua Francesa é respeitado. Vale

a pena relembrarmos aqui as duas facetas presentes nos imaginários sócio-discursivos: o

profissional tido como aquele que detém o conhecimento de uma “língua de cultura” e o

professor da disciplina de Língua Estrangeira, desvalorizada e com propósito desconhecido.

Essas duas concepções estão presentes nos discursos dos enunciadores que transcreveremos

abaixo. Em relação a nossa análise, detectamos que os discursos trazem julgamentos de valor

184

concernentes aos domínios Ético e Hedônico. As avaliações do domínio Ético são associadas

a um professor de francês reconhecido pelo compromisso com o seu trabalho e as avaliações

do domínio Hedônico trazem marcas discursivas que associam o professor à França e a todos

os sentidos ligados ao prazer em relação com os projetos e ações humanas.

A seguir, os trechos das entrevistas seguidos de nossas análises balizadas pela lógica

argumentativa visto que esse foi o modo de organização que prevaleceu no discurso dos

professores em relação a este item.

Domínio do Ético:

Exemplo 99: “Sou respeitada, sou certinha, responsável, gosto de me dedicar”; “dentro da escola eu

acho que a desvalorização é meio sem querer, não é algo pensado.” (enunciador E)

Exemplo 100: “Eles (os colegas) me respeitam pelo tempo que eu tô aqui, por sentirem que eu

procuro me dedicar.” (enunciador V)

Na opinião dos enunciadores E e V, os colegas das outras disciplinas os respeitam

enquanto profissional pois se mostram dedicados, responsáveis e capazes. Aqui o valor de

Responsabilidade sobressai, pois é graças ao engajamento do professor com o seu trabalho

que ele adquire o reconhecimento dos outros.

Seguindo com nossas entrevistas, acreditamos que os argumentos trazidos pelos

enunciadores N e W tragam valores ligados ao domínio do Ético. Para explicarmos melhor

nossa conceitualização, ilustraremos com as falas dos entrevistados.

Domínio do Ético:

Exemplo 101: “Os professores falam: “Aquele é o professor de francês”. Não é visto pela instituição

assim, a instituição diz: “É um professor de francês””; “os colegas nos veem como a elite cultural.”

(enunciador N)

Exemplo 102: “Os meus colegas me respeitam demais profissionalmente. Eles me veem como uma

pessoa capaz. A minha diretora acha que eu sou o máximo”; “parece que você é um representante da

França, sobrinha do Sarkozy. Qualquer coisa que passe na televisão falando da França, pode contar

que todo mundo vai falar que lembrou de você. Tanto aluno, quanto colega, quanto direção” ;

“acham (os colegas) o francês uma coisa acima, é um diferencial. Essa é a reação em todo lugar. É

uma coisa importante.” (enunciador W)

185

Para os enunciadores N e W, os colegas os veem como a elite cultural, como se

possuir o saber, o domínio da Língua Francesa, fosse “algo acima”, “importante”,

justificando assim o domínio de valor ligado ao campo do Ético. O enunciador N sente-se

mais valorizado pelos colegas do que pela própria instituição em que trabalha. Ele acredita ser

uma referência para seus colegas que o veem como elite cultural, como aquele que foi capaz

de aprender essa língua. Essa associação deve-se ao fato de que, no passado, somente os

filhos de pessoas abastadas tinham o privilégio de estudar francês. Logo, circula até hoje nos

imaginários sócio-discursivos que os estudos dessa língua estrangeira são restritos a um

determinado grupo. Ou então, os colegas o associam à imagem da França como o berço da

cultura. O enunciador W reitera sua imagem enquanto uma pessoa que foi capaz de aprender

uma língua menos comercial nos dias de hoje e por isso é visto diferentemente pelos seus

colegas, por ter um “saber” partilhado por um grupo limitado.

Os enunciadores da rede estadual também comentam essa forte ligação feita entre eles

e a França, sobretudo no âmbito da beleza, porém limitam-se a essa questão. Por essa razão, o

domínio de avaliação presente em suas falas restringe-se ao domínio do Estético.

Domínio do Estético:

Exemplo 103: “a maior parte sim (a maior parte dos colegas me veem como uma pessoa culta) e

dizem que eu sou muito chique”; “eles seguem um pouco essa coisa do estereótipo.” (enunciador B)

Exemplo 104: “Eles acham que a gente é chique.” (enunciador R)

Os enunciadores B e R reforçam a questão dos estereótipos alegando que são vistos

como pessoas chiques e cultas, justamente por serem essas algumas das imagens da França

presentes nos imaginários dos brasileiros.

5.2.5.3 Como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pela sociedade:

Pudemos notar nas falas dos enunciadores que a tese por eles defendida é que o

professor de Língua Francesa tem um status diferenciado dos outros por conta da influência

da representação da França nos imaginários sócio-discursivos. Na opinião de seis dentre os

oito enunciadores, a sociedade não valoriza a profissão de professor. Entretanto, segundo eles,

186

o professor de francês é visto com afeição. Mais uma vez, entramos no campo do domínio

concernente ao Estético visto que, segundo os enunciadores, esse apreço está vinculado à

França cujos valores circulantes nos imaginários sócio-discursivos dos brasileiros remetem à

beleza, cultura, requinte e ao prazer que eles proporcionam.

Nossas análises orientadas para a lógica argumentativa serão expostas abaixo, logo

após os trechos das entrevistas relativos à pergunta Como você acha que a sociedade vê o seu

trabalho? Esse foi o tipo de modo de organização que prevaleceu no discurso dos professores

em relação a esse item.

Domínio do Estético:

Exemplo 105: Quando falo que sou professora escuto: “Nossa, como aguenta?”. Quando falo que

sou professora de francês escuto um: “Que chique!” “Bonito!”; “quem tá de fora e não tem noção

do que acontece dentro da escola fica só no superficial: “bonito, chique”.” (enunciador E)

Exemplo 106: “Professor de maneira geral não é muito valorizado pela sociedade”; (sobre o

professor de francês) “as pessoas acham interessante, e dizem: sempre gostei de francês, acho lindo”;

“a imagem que as pessoas têm de que tudo que é ligado a França é chique, é fino, é de qualidade.

Então todo mundo tem vontade de aprender, a gastronomia, a moda... Tudo que envolve a França tem

glamour.” (enunciador V)

Exemplo 107: “A sociedade diz: “Ah, coitada!” (quando digo que sou professora)”; “aí quando fala

que é de francês, que é uma coisa diferente, que tem mais status, aí melhora um pouquinho. Mas

quando você diz professora, o estigma já tá lá”; “eu sinto isso da escola estadual (esse estigma). Na

escola particular onde eu trabalho não é assim. Eu sou “hors concours”, sou “a professora de

francês”. Que maravilha! Nosso colégio tem francês. Pra eles, é um status ter o curso de francês no

colégio, pro particular é um “plus”. Mas o Estado não encara assim. O Estado encara como mais

uma língua estrangeira e dentre elas a que está em terceiro lugar.” (enunciador B)

Exemplo 108: “Talvez até por essa visão muito voltada para a cultura, parece que você é uma pessoa

que tá acima do normal, da capacidade normal de todo mundo, que você é mais culto do que todo

mundo. E você é representante dessa cultura”; “é a coisa mesmo da contradição da sociedade como

um todo, que valoriza aquele que sabe aquilo, que tem aquele saber mas que ao mesmo tempo não

valoriza a aquisição desse saber”;“agora vai entender porque eu sou tão importante porque sei e não

sou tão importante quando ensino, se é a mesma coisa.” (enunciador W)

Para os enunciadores E, V, R e W, a profissão de professor não é valorizada pela

sociedade. Os enunciadores E, V e W reforçam a questão dos estereótipos que havíamos

comentado anteriormente, sobretudo no que tange à beleza da língua. O enunciador B

187

polemiza a importância dada ao professor de francês na escola particular onde trabalha e ao

desprezo da rede estadual por esse profissional.

Exemplo 109: As pessoas ainda veem o francês com um certo status”; “quando as pessoas notam que

você fala francês elas te observam de outra forma”; “tem eu e tem o professor de francês. Para a

sociedade, a gente termina sendo o profissional e não a pessoa”; “acho que a sociedade me vê como

uma pessoa que tem todas as fraquezas que todo cidadão pode ter”; “agora como detentor da língua

francesa sendo brasileiro, eles veem com bons olhos, em todos os lugares, quando você vai fazer uma

compra numa loja e você diz que é professor de francês, a pessoa diz: “Francês!” e aí o tratamento é

completamente diferente. É muito bem visto” ;“eu ouço assim as pessoas dizerem: “Eu não sei nada

de francês, sou analfabeto em francês, mas eu adoro francês.” (enunciador N)

O enunciador N, assim como seu colega da rede municipal, enunciador W chamam

atenção para o fato de haver uma separação entre aquele que sabe a Língua Francesa e aquele

que a ensina na escola. Para eles, há uma contradição na sociedade, já que ela o valoriza

enquanto detentor desse saber e representante dessa cultura mas o desvaloriza enquanto

professor da escola que tem a missão de ensinar a língua e a cultura aos seus alunos.

Exemplo 110: “Ah, eu acho que é diferente” (dizer que é professor e dizer que é professor de

francês); “na sociedade é (mais bem visto ser professor de francês). Eu acho.” (enunciador R)

O enunciador R também acredita que a sociedade veja distintamente o professor do

professor de francês. No entanto, não justifica seu posicionamento.

Ser professor de francês, na opinião dos enunciadores E, V, N, W, B e R ainda possui

algum status, é visto como um diferencial. Eles acreditam que os imaginários sócio-

discursivos da sociedade brasileira atribuem à França características como: chique, linda,

encantadora, com glamour, capital da moda e da gastronomia, pessoas cultas, etc. Logo, as

pessoas acabam associando esses traços à figura daquele que possui o conhecimento da

Língua Francesa. Assim, ele é visto positivamente pela sociedade.

Vejamos a seguir a opinião de dois enunciadores sobre esse tema que vão de encontro

às demais.

Exemplo 111: “Acho que a sociedade não vê como um trabalho motivante”; “ela vê uma outra

coisa.” (enunciador M)

188

Exemplo 112: “Eu não sei se motivante, porque com todos os recursos que nós temos, eu acho que

fica difícil motivar. Você pode botar o que for que ainda não é o máximo.” (enunciador A)

Os enunciadores M e A, ambos atuantes no curso privado de Língua Francesa, não

são objetivos em suas argumentações. Logo, não temos como fazer uma análise refinada sobre

a visão que acreditam que a sociedade possui sobre o professor de francês. De qualquer

forma, os discursos dos enunciadores concordam que a sociedade não vê o trabalho do

professor de francês como “motivante”, ou seja, não é um trabalho fascinante, surpreendente.

É justamente o contrário de todos os argumentos expostos acima nos quais sobressaíram

julgamentos de valor ligados ao domínio do Estético. Todavia, vale a pena esclarecer que

todos os outros enunciadores associaram o trabalho do professor à figura do professor.

Apenas os enunciadores M e A pontuaram as visões da sociedade estritamente direcionada

para o trabalho, sem associá-lo ao profissional que o desenvolve.

Diante de todos esses relatos, fica claro que os entrevistados gostariam de conquistar

um espaço em que fossem mais valorizados em sua profissão. As condições de trabalho

citadas estão muito aquém das almejadas. Os enunciadores das escolas públicas apresentam

como oponentes a falta de estrutura física e material para o desenvolvimento de um trabalho

de qualidade segundo os padrões descritos nos documentos oficiais. Muitos se sentem

culpados por não cumprirem as atribuições presentes nesses textos e sentem que sua

identidade social está ameaçada. Porém todos enfatizam o desejo em buscar aperfeiçoamento

profissional visando atender a tais recomendações. Além disso, também demonstram

insatisfação pelo fato de a disciplina de Língua Francesa possuir status e prestígio diferentes

de algumas outras disciplinas. Os enunciadores do curso privado Aliança francesa enfatizam a

cobrança excessiva da direção da instituição como principal oponente ao trabalho. Há

exigência de que os professores preparem aulas magníficas, utilizem recursos audiovisuais,

saibam manusear ferramentas de Internet, estejam disponíveis para trabalhar com qualquer

faixa etária e em todas as filiais da rede Rio, inclusive aos sábados, participem de cursos de

formação, sigam a metodologia de ensino/aprendizagem imposta pela coordenação

pedagógica, etc.

Os enunciadores se colocam no papel de agentes do processo de ensino/aprendizagem

mas pontuam que seus alunos não se colocam no papel de agentes do aprender. Segundo a

189

concepção de Charaudeau (1993), para que o contrato de sala de aula tenha êxito, professor e

aluno devem cumprir suas atribuições a contento. Caso os sujeitos implicados não assumam

seus respectivos papéis, o contrato terá fracassado. Todavia, vale a pena retomarmos um

comentário feito anteriormente de que nossos entrevistados enquanto ocuparam o papel de

alunos também se mostraram bastante passivos ao processo de ensino/aprendizagem. Talvez

essa postura seja consequência das metodologias de ensino que idealizavam um modelo de

professor como centro do processo e o aluno como um ouvinte ideal.

Bourdieu muito criticou essa postura escolar. Para ele, o conhecimento levado pelo

professor para a sala de aula era uma reprodução dos valores da classe dominante. Cabia à

classe dominada aceitar e reconhecer aquele saber como legítimo. Não se percebia que aquele

saber era distante da realidade da classe dominada e que essa teria muito mais dificuldade

para aprendê-lo do que os alunos da classe dominante que dispunham de um capital cultural.

Com o avanço dos estudos na área de aquisição de conhecimento, temos presenciado a

chegada de novas abordagens metodológicas que têm priorizado o aluno como centro da

aprendizagem, como aquele que deve mobilizar seus conhecimentos prévios e interagir com o

conhecimento. Preza-se que o saber levado ao aluno faça sentido para ele e que ele veja uma

aplicação prática daquele saber em sua vida. Assim, somos levados a pensar que os alunos do

curso privado de Língua Francesa, tidos como menos indisciplinados e menos

desinteressados, segundo professores da instituição, ajam dessa forma por acreditarem que

aquele saber poderá lhes ser útil em algum momento, seja para estudos de Pós-Graduação,

seja para uma nova oferta de trabalho, seja para uma viagem de turismo. Pressupõe-se que

haja maior interesse por parte desse aluno pelo fato de ele próprio ter desejado se inscrever no

curso e por ter se comprometido a pagar sua mensalidade. Em contrapartida, a maioria dos

estudantes das escolas públicas não deve ter a dimensão do que o aprendizado de uma língua

estrangeira pode acrescentar em suas vidas, talvez pelo fato dessas três motivações citadas

acima estarem bastante distantes de suas realidades de vida. Todavia, o que os enunciadores

tentam mostrar é que não é só com esses fins que se busca aprender uma língua estrangeira.

Esse aprendizado possibilita um novo olhar para o mundo, o contato com outras experiências

e com outras culturas, a leitura de outras literaturas, etc. Porém, parece que nem alunos nem

membros da comunidade escolar conhecem a riqueza de valores sociais, culturais e pessoais

proporcionada por esse saber.

190

Ficamos surpresos em nos depararmos com desejos, críticas e insatisfações tão

semelhantes advindas de professores em início e em fim de carreira. Acreditávamos encontrar

junto aos professores recém-formados um discurso mais “deslumbrado” e “ufanista” sobre a

educação e sobre a esperança de dias melhores nas salas de aula. Por outro lado,

imaginávamos que os professores mais antigos na profissão apresentassem um discurso de

“lamúrias” e de “desencorajamento” sobre a profissão. Contudo, o que presenciamos foram

discursos de professores orgulhosos da profissão que escolheram e que se apresentam como

“defensores” da Língua Francesa e “guerreiros” dispostos a lutar por sua permanência nas

escolas dada a sua relevância na vida de uma pessoa. Grande parte dos enunciadores diz

conhecer suas atribuições e a identidade social que devem assumir em cada instituição onde

atuam. A reclamação de quase todos é a falta de apoio das instituições e de recursos físicos e

materiais.

Apresentaremos no próximo capítulo considerações que nos conduzam a estabelecer

algumas conclusões permitidas pela pesquisa.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo tem por objetivo apresentar algumas conclusões dando destaque aos

temas e aos resultados mais expressivos. Para isso, retomaremos brevemente o caminho

investigativo trilhado ao longo dessa tese.

Introduzimos a tese apresentando nossa proposta de estabelecer uma relação entre o

trabalho do professor não nativo de línguas estrangeiras, em especial de francês e a construção

de traços constituintes de sua identidade social e discursiva. Colocamos o foco no professor

de francês, mas acreditamos que professores de outras línguas estrangeiras possam se

identificar com a realidade apresentada por eles e compartilhem traços identitários comuns.

Nesse primeiro momento, explicitamos as motivações pessoais que nos levaram a desenvolver

este trabalho, influenciadas por experiências profissionais, enquanto agente do ensino,

observando a realidade e escutando as vozes de tantos outros profissionais acerca de suas

práticas, suas expectativas, suas insatisfações. Assim, partimos de uma motivação Hedônica,

já que tudo o que concerne à Educação é para nós objeto de sedução. Ao buscarmos entender

a realidade do ensino de línguas, ou de Língua Francesa, na cidade do Rio de Janeiro,

esbarramos na questão Pragmática, aquela que nos leva a tentar encontrar possíveis meios

que tragam algumas respostas a indagações circulantes sobre como esse ensino é concebido

dentro e fora das instituições escolares.

Destarte, para que fosse possível dar o encaminhamento a essa pesquisa, foi de

extrema importância aprofundar a leitura sobre o conceito de identidade de modo global para

posteriormente contextualizá-lo no âmbito da Educação e dos processos que a envolvem. Com

as leituras dos teóricos Hall (1998, 2000), Woodward (2000) e Silva (2000), buscamos

refletir sobre a complexidade desse conceito. Confrontados a duas perspectivas identitárias,

essencialista e não essencialista, vimos como as transformações históricas inspiraram a

organização das sociedades. Foi possível notar o quanto o fenômeno da globalização

influenciou a base das sociedades modernas. Certamente que esse fenômeno despertou

discussões no âmbito escolar. Implementaram-se reformas educacionais a fim de adequar a

Educação a esses novos perfis de aluno altamente dependentes dos recursos tecnológicos e o

grande desafio hoje é aliar o que os documentos oficiais prescrevem, a expectativa dos alunos

e a prática do professor. A questão que fica é a seguinte: sobre quem recai a tarefa de, na

prática, acompanhar tantas mudanças? A resposta é simples: sobre o professor. O governo se

preocupa com a elaboração dos documentos que nortearão o ensino e os disponibiliza como

192

ferramentas de trabalho para o professor, mas, sem ao menos lhe oferecer um curso de

capacitação, o responsabiliza pelo andamento do processo.

Ainda na esteira da temática identidade, a leitura de Charaudeau (2009) foi

determinante para darmos prosseguimento à nossa investigação. A forma didática pela qual o

autor nos conduz a esse conceito através de traços constituintes de uma identidade social e de

traços constituintes de uma identidade discursiva, que, ao mesmo tempo, são indissociáveis,

nos proporcionou um novo olhar para esta pesquisa.

Despertou-nos o desejo de nos aproximarmos das questões que circundam o ethos do

professor de francês, a partir da associação dos traços identitários constituintes das

identidades acima citadas balizados pelo contrato de comunicação em vigor. Nessa

perspectiva, o autor nos encaminhou à reflexão de que há uma expectativa sobre os papéis a

serem desempenhados pelos sujeitos implicados no ato comunicacional, especificamente o ato

comunicacional realizado no âmbito de um contrato de comunicação didático. Adaptando a

teoria do contrato de comunicação a essa pesquisa, fomos levados a pensar no papel que a

sociedade, de uma maneira geral, idealiza para que o professor tenha sua legitimidade

resguardada.

Em uma tentativa de conhecer traços de qual seria a imagem idealizada para

profissional da educação, fizemos um levantamento dos principais documentos que norteiam

a educação no Brasil (PCNs e LDB) e de outros que orientam o ensino nas redes públicas

(PPPs, Orientações Curriculares, Currículos Mínimos) e no curso privado Aliança Francesa

(Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas). Trouxemos algumas das reflexões

de Pierre Bourdieu para o bojo de nossas discussões, uma vez que esse sociólogo nos

direciona a uma análise no âmbito escolar e suas relações sociais.

Percorrendo os documentos sob o olhar sociológico, notamos o quanto a escola, que

busca se adequar aos ideais do mundo globalizado, insiste mais em excluir que acolher. Essa

escola continua servindo como espaço de reprodução da cultura dominante uma vez que

continua a valorizar um capital cultural pertencente às classes sociais mais favorecidas. Em

alguns trechos desses documentos, pudemos evidenciar vozes reconhecedoras da urgência de

uma mudança ampla no sistema educacional e muitas delas atribuem ao professor a tarefa de

começar a executá-las.

Para estabelecer as relações entre o ensino de línguas, os documentos oficiais e a

sociologia da educação de Bourdieu, retomamos as orientações dos textos normatizadores

193

sobre as línguas estrangeiras. Há uma constatação do fracasso na estrutura escolar para

atender as demandas de oferta desse ensino, segundo os discursos dos professores

entrevistados. Não há salas equipadas com ferramentas multimídias, o número de alunos em

sala é excessivo, a carga horária da disciplina nas escolas é curta, etc.

Reconhecendo toda esta carência, os próprios PCNs pregam que o professor de línguas

está ali para servir como um integrador, como aquele que vai reforçar o aprendizado de

habilidades que auxiliarão nas outras disciplinas. Os textos de base nacional colocam a ênfase

em um trabalho voltado para a prática leitora, não só por reconhecer essa habilidade como

imprescindível na vida de um cidadão, mas também pela constatação de que é a única que

pode ser realizada em meio a tantas carências. Todavia, não excluem a possibilidade de

atividades que desenvolvam a prática oral em sala de aula. Aliás, nenhum documento, nem os

de base nacional nem os de base regional isentam o professor dessa tarefa.

Logo, por mais que todos esses textos se apresentem como orientações, o professor se

as interpreta como deveres. Porém, por não dispor de meios para cumpri-los, acaba sendo

tomado pelo sentimento de insatisfação, de impotência. Esses princípios metodológicos

acabam se tornando princípios morais que constituem traços identitários do professor.

Ainda nesse capítulo, questionamos os discursos que corroboram a hegemonia da

Língua Inglesa ou até mesmo espanhola. Fomos confrontados a documentos que abordam a

questão das línguas estrangeiras em um bloco em comum, como se todas devessem ser

ensinadas da mesma forma, sem se atentar para as peculiaridades intrínsecas a cada uma

delas. Em outros documentos, até mesmo em uma lei estadual, a ênfase foi para as línguas

inglesa e espanhola.

Não seremos inocentes em deixar de comentar as políticas linguísticas que estão por

trás dessas medidas. Para o inglês, de reforçar sua hegemonia e, para o espanhol, de torná-lo

indispensável impondo sua obrigatoriedade nos currículos do Ensino Médio. Essas políticas

acabam por se instaurar como “regimes de verdade” compartilhados discursivamente no

contexto escolar.

Decerto que essas medidas não foram adotadas com base em uma revindicação das

classes menos favorecidas. Para Bourdieu, toda ação pedagógica é objetivamente uma

violência simbólica enquanto imposição de um poder arbitrário, cuja arbitrariedade reside no

fato de apresentar a cultura e valores dominantes como cultura e valores gerais. Diante dessa

realidade, outro conceito presente na teoria de Bourdieu vem à tona, o habitus, que nada mais

194

é do que a consolidação dos valores simbólicos de forma que as pessoas pensem e ajam sem

sequer notarem o quanto já interiorizam as relações de dominação.

Diante dessa massa de textos orientadora do ensino e consequentemente do papel do

professor, interessamo-nos em ver até que ponto esses discursos se amalgamariam de fato nas

falas dos profissionais da educação. Tínhamos o objetivo de perceber como esses

interlocutores constroem suas verdades apoiando-se em argumentos já ditos, através do

interdiscurso. Acreditávamos que realizando entrevistas com professores, as imagens dos pré-

construídos e do senso comum pudessem vir à tona em seus autorrelatos.

Por essa razão, contatamos oito professores de Língua Francesa, atuantes em regiões

distintas do Rio de Janeiro, que foram solicitados a discorrer sobre sete questões concernentes

ao âmbito profissional. Fizemos a seleção dos entrevistados respeitando as categorias de

professor em início de carreira e professor em fim de carreira, acreditando que suas memórias

discursivas revelariam experiências distintas enquanto aprendizes de Língua Francesa e

enquanto docentes da mesma, destacando a relação do ensino de línguas no passado, no

presente e no futuro através do olhar daqueles que estão engajados no sistema educacional e

de como eles se percebem na fala dos “outros”.

Retomando as heterogeneidades mostradas nos discursos dos professores, constatamos

que têm sido recorrentes as menções feitas pelos professores às suas experiências de vida

enquanto ex-alunos de Língua Francesa, comparando o papel do professor de francês naquela

época com o dos dias atuais, assinalando as transformações que as metodologias de ensino de

língua estrangeira vêm sofrendo e a mudança dos interesses do público interessado por esse

ensino.

Voltando nosso olhar para o primeiro bloco temático, intitulado Formação,

identificamos através dos autorrelatos a busca pelo estudo de Língua Francesa motivada

razões afetivas em seis dos entrevistados. Apenas um dentre os oito relata ter escolhido essa

carreira involuntariamente. Sobre os estudos acadêmicos, seis entrevistados falam sobre as

inúmeras barreiras que tiveram que ultrapassar para conseguirem concluir o curso de

Graduação. Dentre os sete que puderam contar com aliados em seu processo de formação,

dois elencam o auxílio recebido por professores, três mencionam o gosto pelo curso de

formação, um atribui à facilidade que teve por trazer conhecimentos prévios sobre a língua e

um diz que seu maior aliado foi ele mesmo, deixando claro que apenas o seu próprio querer o

levou ao término da Graduação.

195

Todos os entrevistados exprimiram seu (des) contentamento para com o curso superior

através de avaliações sobre a metodologia de ensino utilizada sob um julgamento de valor

sobre a utilidade do mesmo na vida dos futuros profissionais. Apenas dois dentre os oito

reforçaram o desenvolvimento de habilidades de produção oral nas aulas. Os outros seis

criticam o ensino de conteúdos gramaticais em demasia, deixando lacunas em outras

habilidades. Hoje, ao rememorarem seu aprendizado, se deparam com um abismo entre como

era o ensino e como as novas abordagens metodológicas o orientam.

Cabe comentarmos que por mais que os entrevistados se queixem da metodologia de

ensino aplicada ao longo da formação acadêmica, temos que enfatizar que os objetivos de um

curso de Graduação são distintos daqueles de um curso de línguas, por exemplo. Porém,

concordamos que a formação prática narrada pelos enunciadores não nos parece a mais

adequada, precisando assim passar por um processo de reformulação que dê mais confiança e

segurança ao recém-formado que está prestes a entrar em sala de aula.

Discutimos também os locais selecionados pelas universidades como “elegíveis” para

realizarem os estágios de prática de ensino. Algumas universidades restringem a uma única

escola, normalmente aquela que serve de aplicação para a universidade, à possibilidade do

futuro professor experienciar a situação real em que se encontra a Educação. Entretanto, a

realidade encontrada nessas escolas é bastante diferente das inúmeras outras para onde

normalmente o recém-formado terá sua primeira experiência profissional.

No que tange ao segundo bloco temático intitulado O Ensino de Francês Ontem, Hoje

e Amanhã (subdividido em O ensino no passado e no presente, O ensino no presente e no

futuro, Atributos do professor de FLE, O trabalho do professor de FLE), foi unânime a

opinião de que o ensino de Língua Francesa esteja desprestigiado apesar do empenho dos

entrevistados em propor ações que contribuam para que essa realidade seja outra no futuro.

Foi marcante o número de falas dos entrevistados referentes à imagem que os pais, os alunos e

os colegas de trabalho fazem sobre o professor de Língua Francesa bem como sobre seu

trabalho voltadas para uma categorização cujas argumentações destacavam o domínio de

valor Pragmático.

Talvez esse fenômeno se deva ao mundo globalizado que traz consigo atributos

relacionados à forma, não ao conteúdo, à praticidade, à flexibilidade, à tecnologia. Essa

imagem sentida e verbalizada pelos entrevistados mostra o quanto esse profissional é visto

como alguém que tem que promover um conhecimento que possa ser facilmente apreendido

196

pelo outro, sem qualquer demanda de esforço, no qual ele veja uma aplicação imediata e útil

para sua vida. Entretanto, ao analisarmos as falas em que os próprios entrevistados se

posicionam sobre o seu trabalho, notamos fortemente um deslocamento dos argumentos do

campo Pragmático para o campo Ético.

Na concepção dos enunciadores, é dever da escola proporcionar meios para que o

profissional desenvolva um trabalho de qualidade. O professor se vê em uma relação

conflituosa visto que recebeu um mandato da sociedade, do governo e até mesmo da direção

da escola que estabelece como deve ser sua relação com os alunos, com o ensino, com a

escola. Porém, por mais que o professor se esforce em atender às demandas da sociedade e do

governo em relação à atividade docente, ele não percebe o reconhecimento de sua profissão

por parte deles.

Retomando os discursos da sociedade pelo olhar dos enunciadores, temos os

argumentos voltados para os domínios de valor Estético e Hedônico, já que aquele que possui

o saber da Língua Francesa é associado às imagens que a França evoca no imaginário dos

brasileiros. Porém, por acreditarem que esse saber é privilégio de poucos, uma vez que

somente a minoria da população tem acesso à cultura, ao requinte, ao luxo, ao glamour,

acreditam que esse saber dentro do espaço escolar é infrutífero.

Chegamos aqui a um ponto que possivelmente nos leve a compreender uma das

inquietações de nossa tese apresentada no capítulo inicial. Questionávamos a razão pela qual a

sociedade recepcionava um professor de Língua Francesa da rede estadual diferentemente de

um professor do curso privado de Língua Francesa, por exemplo. Diante de todos os discursos

aqui analisados, somos levados a pensar que o aprendizado da Língua Francesa seria visto

como mais eficaz quando direcionado a grupos que poderiam melhor usufruir do mesmo.

Logo, os alunos do curso privado Aliança Francesa seriam esse público-alvo

idealizado já que, normalmente, encontra-se em uma condição socioeconômica mais

favorecida que os alunos da escola pública. Portanto, a probabilidade de gozarem de viagens

ao exterior, de encontrarem oportunidades profissionais que requisitem conhecimentos de

Língua Francesa ou de terem acesso a um curso de Pós-Graduação é muito maior.

Talvez, por essa razão, o trabalho do professor de francês atuante em curso livre seja

visto como “mais útil” que o do professor da rede pública escolar. Aliado a esse fato, também

não podemos descartar a imagem que cada instituição projeta na sociedade e como os

discursos veiculados sobre essas instituições são compartilhados nos imaginários sócio-

197

discursivos. Conforme mostramos em nosso trabalho, ao consultarmos sites de Internet

verificamos o quanto a escola pública vem sendo associada a aspectos negativos enquanto o

curso privado Aliança Francesa está ligado a aspectos positivos, além de ser a única

instituição reconhecida internacionalmente pelo Ministério da Educação da França para o

ensino do francês. Assim, o julgamento que a sociedade faz sobre o curso e sobre a escola

pública estão embasados nesses argumentos, nesses discursos que se reproduzem e que

ganham um status de “verdade inquestionável.”

Sobre a influência dos textos oficiais, embora tenhamos encontrado nas falas dos

entrevistados discursos fortemente atravessados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais,

nenhum enunciador citou claramente o nome do documento. Curioso como os textos

elaborados pela rede estadual (Ex. Currículo Mínimo) e pela rede municipal (Ex. Orientações

Curriculares) não aparecem nos discursos dos professores. Vale ressaltar que os professores

do Colégio Pedro II, confeccionam um documento intitulado Projeto Político Pedagógico

elaborado a partir das próprias discussões pedagógicas entre os docentes com o objetivo de

orientar seu trabalho. No entanto, até mesmo esse documento se apaga das falas dos

entrevistados para dar lugar aos Parâmetros Curriculares Nacionais e, algumas vezes, à Lei de

Diretrizes e Bases.

Fica marcado o peso que os PCNs, documento prescritivo pioneiro, exerce sobre os

professores e sobre os outros membros da comunidade escolar enquanto norteador das

práticas profissionais do professor. Por serem sempre retomados pela maioria dos outros

textos que discutem a Educação no país, acabam ganhando notoriedade de dimensão nacional

e tornam-se capazes de legitimar o dizer de quem os cita. Lembramos que o Quadro Europeu

Comum de Referência para as línguas, utilizado como orientador das práticas do professor do

curso privado Aliança Francesa, também não foi citado apesar de suas orientações se fazerem

presentes nos discursos dos entrevistados atuantes nesse curso.

Para finalizar, urge que os professores de línguas se dediquem a discutir suas práticas

e se coloquem em posição de confronto a esses discursos que tendem a cristalizar modelos a

serem seguidos. No caso específico do francês, vemos o quão estereotipados estão esses

valores, visto que para justificar sua permanência na escola e promovê-lo em cursos recorre-

se a um discurso histórico e a um discurso europeu, fazendo alusão ao seu papel do passado

com vistas a garantir seu status. Faz-se necessário formar professores questionadores de suas

práticas e das políticas educacionais às quais são submetidos.

7 REFERÊNCIAS

AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo:

Contexto, 2005.

______. As modalidades argumentativas do discurso. In: LARA, Glaucia M. P.; MACHADO,

Ida Lucia; EMEDIATO, Wander (orgs.). Análises do discurso hoje. Rio de Janeiro:

Lucerna/Nova Fronteira, 2008. v. 1. p.231-254

BALLALAI, Roberto. A abordagem didática do ensino de línguas estrangeiras e os

mecanismos de dependência e de reprodução da divisão de classes. Fórum Educacional,

v.13, n.3, p.47-64, Rio de Janeiro, 1989.

BAKHTIN, Mikhail (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução do francês por

Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 14ª ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

______. (1979). Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4ªed. São

Paulo: Martins Fontes, 2003.

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Tradução do inglês por Plínio Dentzien. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

______. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução do inglês por Carlos Alberto

Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Tradução

de Lucy Magalhães. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

BOURDIEU, P; PASSERON, J. C (1970). A reprodução: Elementos para uma teoria do

sistema de ensino. Tradução do francês por Reynaldo Bairão. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes,

2008.

BOURDIEU, Pierre. La distinction : Critique sociale du jugement, Paris : Les Editions

Minuit, 1979.

______. Ce que parler veut dire : L’économie des échanges linguistiques. Paris : Fayard,

1982.

______. (1987) A economia das trocas simbólicas. Tradução Sérgio Miceli . 2ª ed. São

Paulo: Perspectiva, 1994.

199

_____. (1973) O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro. 2ª ed. Bertrand

Brasil, 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:

Língua Portuguesa. – Brasília : MEC, 1997.

______. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do ensino

fundamental: língua estrangeira. Brasília : MEC, 1998.

______. Parâmetros curriculares nacionais : Ensino Médio: linguagens, códigos e suas

tecnologias. Brasília : MEC, 2000.

______. Orientações Curriculares Nacionais : Ensino Médio: linguagens, códigos e suas

tecnologias. Brasília : MEC, 2008.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. Disponível em: <http:///www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394. htm>.

Acesso em 28 de março de 2012.

______. Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da Língua Espanhola.

Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-

2006/2005/Lei/L11161.htm>. Acesso em 9 de abril de 2013.

______. Resolução n. 4746, de 30 de novembro de 2011. Fixa diretrizes para implantação

das matrizes curriculares para educação básica nas unidades escolares da rede pública e dá

outras providências.

CAVALCANTI, Marilda do Couto. Interação leitor-texto: aspectos de interpretação

pragmática. Campinas: Unicamp,1989.

Colégio Pedro II. Projeto Político Pedagógico, Rio de Janeiro, 2000.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. (Dir.). Dicionário de Análise do discurso.

Tradução de F. Komesu (et al). São Paulo: Contexto, 2004.

CHARAUDEAU, P. Grammaire du sens et de l’expression. Paris : Hachette, 1992.

______. Le contrat de communication dans la salle de classe. In: Inter-actions. L’interaction,

actualités de la recherche et enjeux didactiques. Metz. Univ. De Metz. p.121-137, 1993.

200

______. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: Hugo Mari, Ida Lucia Machado. Renato de

Mello. Análise do discurso : fundamentos e práticas. Belo Horizonte : Nad-FALE-UFMG,

2003.

______. Le discours politique: Les masques du pouvoir. Paris: Vuibert, 2005.

______. Discurso político. Tradução de Dílson Ferreira da Cruz e Fabiana Komesu. São

Paulo: Contexto, 2006.

______. Discurso das mídias. Tradução de Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Editora

Contexto, 2007

______Linguagem e discurso. Coordenação da equipe de tradução: Angela M. S. Corrêa &

Ida Lúcia Machado. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

______. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência

comunicacional. In : PIETROLUONGO, Márcia. (Org.) O trabalho da tradução. Tradução

de Angela Maria da Silva Corrêa. Rio de Janeiro : Contra Capa, 2009.

COHEN, Andrew D. Metodologia de pesquisa em lingüística aplicada: mudanças e

perspectivas. Trabalhos em lingüística aplicada, n.13, 1989. p. 1-13.

CORACINI, Maria José. Identidade & Discurso: (des)construindo subjetividades.

Campinas: Ed. UNICAMP/ Chapecó: Argos Editora Universitária, 2003.

COSTA, Claudia Estevam. Políticas de ensino de línguas estrangeiras: um estudo

discursivo da prescrição institucional e do trabalho. 2012. Tese (Doutorado em Letras

Neolatinas) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2012.

DAHER, D.C. Quando informar é gerenciar conflitos: a entrevista como estratégia

metodológica. The ESPecialist, São Paulo, v.19, p.287-304, 1998.

_______; SANT’ANNA, V; ROCHA, D. A entrevista em situação de pesquisa acadêmica:

reflexões numa perspectiva discursiva. Polifonia (Cuiabá), v. 8, 2004.

DUCROT.O. Le dire et le dit. Paris : Minuit,1984

FREITAS, L.M.A. Da fábrica à sala de aula: vozes e práticas tayloristas no trabalho do

professor de espanhol em cursos de línguas. 2010. 309 f. Tese (Doutorado em Letras

201

Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2010.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva

e Guacira Lopes Louro: Rio de Janeiro: DP&A, 1998

_______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T. (org.) Identidade e diferença: a

perspectiva dos Estudos Culturais. Tradução Tomaz Tadeu da Silva. Petrópolis: Vozes, 2000.

JAMESON, Fredric. Globalização e estratégia política. In: Contracorrente: O melhor da

New Left Review. Emir Sader (org.) Rio de Janeiro: Record, 2001.

KLEIMAN, Ângela. Texto & Leitor: aspectos cognitivos de leitura. 8ª edição – Campinas,

SP: Pontes 2002 a.

_______. Oficina de Leitura: teoria e prática. 9ª edição – Campinas, SP: Pontes 2002 b.

LACOSTE, M. Fala, atividade, situação. In: DUARTE, F; FEITOSA, V. Linguagem &

Trabalho. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In: BOHN, H. I.; VANDRESEN, P.

Tópicos em lingüística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da

UFSC, 1988. p. 211-236.

MENEZES, Leila Medeiros; DEUSDARÁ, Pâmella Passos. Lembrando o que é ser

professor: vozes em confronto. In: DAHER et al (org.). Trajetórias em enunciação e

discurso: práticas de formação docente. São Carlos: Clara Luz, 2009, p.175-188

MOITA LOPES, L.P. Oficina de Lingüística Aplicada. Campinas: Mercado de Letras,

1996.

______. Fotografias da lingüística aplicada no campo de línguas estrangeiras no

Brasil. D.E.L.T.A., Vol. 15, N.º ESPECIAL, 1999 (419-435)

______. (org.). Discursos de identidades. Campinas: Mercado das Letras, 2003.

MOITA LOPES, L.P.; BASTOS, L.C. (orgs.). Estudos de identidades: entre saberes e

práticas. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

202

CONSELHO DA EUROPA. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas –

Aprendizagem, Ensino, Avaliação. Porto: Edições ASA, 2001

PUREN, C. Histoire des méthodologies. Paris: Nathan; Clé International,1988.

(Col.Didactique des langues étrangères).

REVUZ, C. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do

exílio. In: Linguagem e Identidade: Elementos para uma discussão no campo

aplicado. (Signorini [org.]) 1997. (p.213-230).

RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Educação. Orientações Curriculares: Áreas

Específicas. Rio de Janeiro, 2010.

______. Secretaria Estadual de Educação. Currículo mínimo: língua estrangeira. Rio de

Janeiro, 2012.

RONAI, Paulo (1975). Como aprendi português e outras aventuras. São Paulo: Globo,

1992.

SANT’ANNA, V.L.A.; DAHER, Del Carmen. Do otium cum dignitate à formação do

professor de línguas nos cursos de Letras. In: DAHER; RODRIGUES; GIORGI (orgs.).

Trajetórias em enunciação e discurso: formação de professor. São Carlos, Clara Luz, 2009,

v.2, p. 11-28.

SAUSSURE, Ferdinand (1916). Curso de Linguística Geral. Tradução Antônio Chelini,

José Paulo Paes, Isidoro Blikstein. 25a ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T.

(org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2a ed. Belo Horizonte: Autêntica,

2004.

VYGOTSKY, L. S. (1994) A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:

SILVA, T. (org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Tradução

Tomaz Tadeu da Silva. Petrópolis: Vozes, 2000.

203

ANEXO A – Trecho do PPP do Colégio Pedro II referente à

orientação para o trabalho de Língua Francesa

204

205

206

ANEXO B – Texto explicativo sobre a realização das entrevistas lido

para todos os enunciadores participantes da pesquisa

Bom dia!

Agradeço pela disponibilidade e pela ajuda. Esta entrevista faz parte de uma pesquisa de

doutorado atrelada a uma linha de pesquisa da faculdade de Letras da UFRJ.

Meu objetivo é discutir questões sobre educação, ensino-aprendizagem e o papel do professor.

Pretendo fazer um mapeamento sobre o profissional de Língua Francesa em seus diferentes

locais de atuação. A entrevista será gravada para posterior análise e a identidade de vocês será

preservada. Portanto, é fundamental que revelem o que realmente pensam sobre as temáticas a

serem discutidas.