parâmetros curriculares nacionais

79
5/27/2018 ParmetrosCurricularesNacionais-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/parametros-curriculares-nacionais-5622b72247a8c 1/ INTRODUÇÃO AOSPARÂMETROS CURRICULARESNACIONAIS INTRODUÇÃO AOSPARÂMETROS CURRICULARESNACIONAIS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

Upload: nadja-bezerra-sousa

Post on 18-Oct-2015

59 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • INTRODUO AOS PARMETROSCURRICULARES NACIONAIS

    INTRODUO AOS PARMETROSCURRICULARES NACIONAIS

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

  • Secretaria de Educao FundamentalIara Glria Areias Prado

    Departamento de Poltica da Educao FundamentalVirgnia Zlia de Azevedo Rebeis Farha

    Coordenao-Geral de Estudos e Pesquisas da Educao FundamentalMaria Ins Laranjeira

    PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS (1 A 4 SRIE)

    Volume 1 - Introduo aos Parmetros Curriculares NacionaisVolume 2 - Lngua PortuguesaVolume 3 - MatemticaVolume 4 - Cincias NaturaisVolume 5 - Histria e GeografiaVolume 6 - ArteVolume 7 - Educao FsicaVolume 8 - Apresentao dos Temas Transversais e ticaVolume 9 - Meio Ambiente e SadeVolume 10 - Pluralidade Cultural e Orientao Sexual

    B823p Brasil. Secretaria de Educao Fundamental.Parmetros curriculares nacionais : introduo aos

    parmetros curriculares nacionais / Secretaria deEducao Fundamental. Braslia : MEC/SEF, 1997.

    126p.

    1. Parmetros curriculares nacionais. 2. Ensino deprimeira quarta srie. I. Ttulo.

    CDU: 371.214

  • Braslia1997

    MINISTRIO DA EDUCAO E DO DESPORTOSECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL

    INTRODUO AOS PARMETROSCURRICULARES NACIONAIS

    INTRODUO AOS PARMETROSCURRICULARES NACIONAIS

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

    PARMETROSCURRICULARES

    NACIONAIS

  • AO PROFESSOR

    com alegria que colocamos em suas mos os Parmetros Curriculares Nacionais referentes squatro primeiras sries da Educao Fundamental.

    Nosso objetivo auxili-lo na execuo de seu trabalho, compartilhando seu esforo dirio defazer com que as crianas dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadosplenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade.

    Sabemos que isto s ser alcanado se oferecermos criana brasileira pleno acesso aosrecursos culturais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos incluem tanto osdomnios do saber tradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupaes contem-porneas com o meio ambiente, com a sade, com a sexualidade e com as questes ticas relativas igualdade de direitos, dignidade do ser humano e solidariedade.

    Nesse sentido, o propsito do Ministrio da Educao e do Desporto, ao consolidar osParmetros, apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual comocidado participativo, reflexivo e autnomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

    Para fazer chegar os Parmetros sua casa um longo caminho foi percorrido. Muitosparticiparam dessa jornada, orgulhosos e honrados de poder contribuir para a melhoria da qualidadedo Ensino Fundamental. Esta soma de esforos permitiu que eles fossem produzidos no contexto dasdiscusses pedaggicas mais atuais. Foram elaborados de modo a servir de referencial para o seutrabalho, respeitando a sua concepo pedaggica prpria e a pluralidade cultural brasileira. Noteque eles so abertos e flexveis, podendo ser adaptados realidade de cada regio.

    Estamos certos de que os Parmetros sero instrumento til no apoio s discusses pedaggicasem sua escola, na elaborao de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexo sobrea prtica educativa e na anlise do material didtico. E esperamos, por meio deles, estar contribuindopara a sua atualizao profissional um direito seu e, afinal, um dever do Estado.

    Paulo Renato SouzaMinistro da Educao e do Desporto

  • Apresentao i .......................................................................................................... 9

    Consideraes Preliminares i ............................................................................... 13O que so os Parmetros Curriculares Nacionais ................................................... 13

    Breve histrico ........................................................................................................ 14

    O processo de elaborao dos Parmetros Curriculares Nacionais ...................... 17

    A proposta dos Parmetros Curriculares Nacionais em face da situaodo ensino fundamental i ....................................................................................... 19

    Nmero de alunos e de estabelecimentos ............................................................ 19Promoo, repetncia e evaso .......................................................................... 22Desempenho ......................................................................................................... 27Professores ............................................................................................................. 29

    Princpios e fundamentos dos Parmetros Curriculares Nacionais i ...................... 33Natureza e funo dos Parmetros Curriculares Nacionais .................................... 35Fundamentos dos Parmetros Curriculares Nacionais ............................................ 38

    A tradio pedaggica brasileira .................................................................... 38Escola e constituio da cidadania ................................................................ 44Escola: uma construo coletiva e permanente ............................................. 48Aprender e ensinar, construir e interagir ............................................................ 50

    Organizao dos Parmetros Curriculares Nacionais i .................................. 57A organizao da escolaridade em ciclos ............................................................ 59A organizao do conhecimento escolar: reas e Temas Transversais .................. 62

    Objetivos i ................................................................................................................. 67

    Contedos i .............................................................................................................. 73

    Avaliao i ............................................................................................................... 81Orientaes para avaliao ................................................................................. 84Critrios de avaliao ............................................................................................ 86Decises associadas aos resultados da avaliao ................................................ 88As avaliaes oficiais: boletins e diplomas ............................................................. 90

    Orientaes didticas i ......................................................................................... 93Autonomia ............................................................................................................. 94Diversidade ............................................................................................................ 96Interao e cooperao ...................................................................................... 97Disponibilidade para a aprendizagem ................................................................... 99Organizao do tempo ....................................................................................... 102Organizao do espao ..................................................................................... 103Seleo de material ............................................................................................ 104Consideraes finais ............................................................................................ 105

    Objetivos Gerais do Ensino Fundamental i ...................................................... 107

    Estrutura organizacional dos Parmetros Curriculares Nacionais i ........... 109

    Bibliografia i ........................................................................................................... 113

    SUMRIO

  • APRESENTAO

    Professor,Voc est recebendo uma coleo de dez volumes que compem os Parmetros Curriculares

    Nacionais organizados da seguinte forma:

    - um documento Introduo, que justifica e fundamenta as opes feitas para a elaboraodos documentos de reas e Temas Transversais;

    - seis documentos referentes s reas de conhecimento: Lngua Portuguesa, Matemtica,

    Cincias Naturais, Histria, Geografia, Arte e Educao Fsica;- trs volumes com seis documentos referentes aos Temas Transversais: o primeiro volume

    traz o documento de apresentao destes Temas, que explica e justifica a proposta de integrar

    questes sociais como Temas Transversais e o documento tica; no segundo, encontram-se osdocumentos de Pluralidade Cultural e Orientao Sexual, e no terceiro, os de Meio Ambiente eSade.

    Para garantir o acesso a este material e seu melhor aproveitamento, o MEC coloca disposiode cada educador seu prprio exemplar, para que possa l-lo, consult-lo, grif-lo, fazer suas anotaese utiliz-lo como subsdio na formulao do projeto educativo de sua escola.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais, referenciais para a renovao e reelaborao da propostacurricular, reforam a importncia de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado portoda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educao resulte da co-responsabilidade entre todos os

    educadores. A forma mais eficaz de elaborao e desenvolvimento de projetos educacionais envolve odebate em grupo e no local de trabalho.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais, ao reconhecerem a complexidade da prtica educativa,

    buscam auxiliar o professor na sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pelaresponsabilidade e importncia no processo de formao do povo brasileiro.

    Dada a abrangncia dos assuntos abordados e a forma como esto organizados, os Parmetros

    Curriculares Nacionais podem ser utilizados com objetivos diferentes, de acordo com a necessidade decada realidade e de cada momento. possvel iniciar a leitura por diferentes partes dos documentos,mas reforamos a necessidade de, com o tempo, se tomar em conta a totalidade deles para poder

    haver uma compreenso e apropriao da proposta. Os Parmetros Curriculares Nacionais auxiliam oprofessor na tarefa de reflexo e discusso de aspectos do cotidiano da prtica pedaggica, a seremtransformados continuamente pelo professor. Algumas possibilidades para sua utilizao so:

    rever objetivos, contedos, formas de encaminhamento das atividades, expectativasde aprendizagem e maneiras de avaliar;

    refletir sobre a prtica pedaggica, tendo em vista uma coerncia com os objetivos

    propostos; preparar um planejamento que possa de fato orientar o trabalho em sala de aula; discutir com a equipe de trabalho as razes que levam os alunos a terem maior ou

    menor participao nas atividades escolares; identificar, produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais signi-

    ficativos de aprendizagem;

    subsidiar as discusses de temas educacionais com os pais e responsveis.O nosso objetivo contribuir, de forma relevante, para que profundas e imprescindveis

    transformaes, h muito desejadas, se faam no panorama educacional brasileiro, e posicionar

    voc, professor, como o principal agente nessa grande empreitada.

    Secretaria de Educao Fundamental

  • INTRODUO AOS PARMETROSCURRICULARES NACIONAIS

    INTRODUO AOS PARMETROSCURRICULARES NACIONAIS

  • 13

    CONSIDERAES PRELIMINARES

    O que so os ParmetrosCurriculares Nacionais

    Os Parmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educaono Ensino Fundamental em todo o Pas. Sua funo orientar e garantir a coerncia dos investi-mentos no sistema educacional, socializando discusses, pesquisas e recomendaes, subsidiandoa participao de tcnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontrammais isolados, com menor contato com a produo pedaggica atual.

    Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexvel, a ser concretizada nas decisesregionais e locais sobre currculos e sobre programas de transformao da realidade educacionalempreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. No configu-ram, portanto, um modelo curricular homogneo e impositivo, que se sobreporia competnciapoltico-executiva dos Estados e Municpios, diversidade sociocultural das diferentes regies doPas ou autonomia de professores e equipes pedaggicas.

    O conjunto das proposies aqui expressas responde necessidade de referenciais a partirdos quais o sistema educacional do Pas se organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidadesculturais, regionais, tnicas, religiosas e polticas que atravessam uma sociedade mltipla, estratificadae complexa, a educao possa atuar, decisivamente, no processo de construo da cidadania, tendocomo meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidados, baseado nos princpiosdemocrticos. Essa igualdade implica necessariamente o acesso totalidade dos bens pblicos,entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes.

    Entretanto, se estes Parmetros Curriculares Nacionais podem funcionar como elementocatalisador de aes na busca de uma melhoria da qualidade da educao brasileira, de modo algumpretendem resolver todos os problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem noPas. A busca da qualidade impe a necessidade de investimentos em diferentes frentes, como aformao inicial e continuada de professores, uma poltica de salrios dignos, um plano de carreira,a qualidade do livro didtico, de recursos televisivos e de multimdia, a disponibilidade de materiaisdidticos. Mas esta qualificao almejada implica colocar tambm, no centro do debate, as atividadesescolares de ensino e aprendizagem e a questo curricular como de inegvel importncia para apoltica educacional da nao brasileira.

    Breve histrico

    At dezembro de 1996 o ensino fundamental esteve estruturado nos termos previstospela Lei Federal n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa lei, ao definir as diretrizes e bases daeducao nacional, estabeleceu como objetivo geral, tanto para o ensino fundamental (primeirograu, com oito anos de escolaridade obrigatria) quanto para o ensino mdio (segundo grau, no-obrigatrio), proporcionar aos educandos a formao necessria ao desenvolvimento de suaspotencialidades como elemento de auto-realizao, preparao para o trabalho e para o exerccioconsciente da cidadania.

    Tambm generalizou as disposies bsicas sobre o currculo, estabelecendo o ncleo comumobrigatrio em mbito nacional para o ensino fundamental e mdio. Manteve, porm, uma partediversificada a fim de contemplar as peculiaridades locais, a especificidade dos planos dosestabelecimentos de ensino e as diferenas individuais dos alunos. Coube aos Estados a formulaode propostas curriculares que serviriam de base s escolas estaduais, municipais e particularessituadas em seu territrio, compondo, assim, seus respectivos sistemas de ensino. Essas propostas

  • 14

    foram, na sua maioria, reformuladas durante os anos 80, segundo as tendncias educacionais que segeneralizaram nesse perodo.

    Em 1990 o Brasil participou da Conferncia Mundial de Educao para Todos, em Jomtien,na Tailndia, convocada pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa conferncia, assimcomo da Declarao de Nova Delhi assinada pelos nove pases em desenvolvimento de maiorcontingente populacional do mundo , resultaram posies consensuais na luta pela satisfao dasnecessidades bsicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educaofundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianas, jovens e adultos.

    Tendo em vista o quadro atual da educao no Brasil e os compromissos assumidosinternacionalmente, o Ministrio da Educao e do Desporto coordenou a elaborao do PlanoDecenal de Educao para Todos (1993-2003), concebido como um conjunto de diretrizes polticasem contnuo processo de negociao, voltado para a recuperao da escola fundamental, a partir docompromisso com a eqidade e com o incremento da qualidade, como tambm com a constanteavaliao dos sistemas escolares, visando ao seu contnuo aprimoramento.

    O Plano Decenal de Educao, em consonncia com o que estabelece a Constituio de1988, afirma a necessidade e a obrigao de o Estado elaborar parmetros claros no campo curricularcapazes de orientar as aes educativas do ensino obrigatrio, de forma a adequ-lo aos ideaisdemocrticos e busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras.

    Nesse sentido, a leitura atenta do texto constitucional vigente mostra a ampliao dasresponsabilidades do poder pblico para com a educao de todos, ao mesmo tempo que a EmendaConstitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, priorizou o ensino fundamental, disciplinando aparticipao de Estados e Municpios no tocante ao financiamento desse nvel de ensino.

    A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei Federal n. 9.394), aprovada em20 de dezembro de 1996, consolida e amplia o dever do poder pblico para com a educao emgeral e em particular para com o ensino fundamental. Assim, v-se no art. 22 dessa lei que a educaobsica, da qual o ensino fundamental parte integrante, deve assegurar a todos a formao comumindispensvel para o exerccio da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e emestudos posteriores, fato que confere ao ensino fundamental, ao mesmo tempo, um carter determinalidade e de continuidade.

    Essa LDB refora a necessidade de se propiciar a todos a formao bsica comum, o quepressupe a formulao de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os currculos e seus contedosmnimos, incumbncia que, nos termos do art. 9, inciso IV, remetida para a Unio. Para dar contadesse amplo objetivo, a LDB consolida a organizao curricular de modo a conferir uma maiorflexibilidade no trato dos componentes curriculares, reafirmando desse modo o princpio da basenacional comum (Parmetros Curriculares Nacionais), a ser complementada por uma partediversificada em cada sistema de ensino e escola na prtica, repetindo o art. 210 da ConstituioFederal.

    Em linha de sntese, pode-se afirmar que o currculo, tanto para o ensino fundamental quantopara o ensino mdio, deve obrigatoriamente propiciar oportunidades para o estudo da lnguaportuguesa, da matemtica, do mundo fsico e natural e da realidade social e poltica, enfatizando-se o conhecimento do Brasil. Tambm so reas curriculares obrigatrias o ensino da Arte e daEducao Fsica, necessariamente integradas proposta pedaggica. O ensino de pelo menos umalngua estrangeira moderna passa a se constituir um componente curricular obrigatrio, a partir daquinta srie do ensino fundamental (art. 26, 5o). Quanto ao ensino religioso, sem onerar as despesaspblicas, a LDB manteve a orientao j adotada pela poltica educacional brasileira, ou seja, constituidisciplina dos horrios normais das escolas pblicas, mas de matrcula facultativa, respeitadas aspreferncias manifestadas pelos alunos ou por seus responsveis (art. 33).

  • 15

    O ensino proposto pela LDB est em funo do objetivo maior do ensino fundamental, que ode propiciar a todos formao bsica para a cidadania, a partir da criao na escola de condies deaprendizagem para:

    I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios bsicos o pleno domnioda leitura, da escrita e do clculo;

    II - a compreenso do ambiente natural e social, do sistema poltico, da tecnologia, das artes edos valores em que se fundamenta a sociedade;

    III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisio deconhecimentos e habilidades e a formao de atitudes e valores;

    IV - o fortalecimento dos vnculos de famlia, dos laos de solidariedade humana e de tolernciarecproca em que se assenta a vida social (art. 32).

    Verifica-se, pois, como os atuais dispositivos relativos organizao curricular da educaoescolar caminham no sentido de conferir ao aluno, dentro da estrutura federativa, efetivao dosobjetivos da educao democrtica.

    O processo de elaborao dos Parmetros Curriculares Nacionais

    O processo de elaborao dos Parmetros Curriculares Nacionais teve incio a partir do estudode propostas curriculares de Estados e Municpios brasileiros, da anlise realizada pela FundaoCarlos Chagas sobre os currculos oficiais e do contato com informaes relativas a experincias deoutros pases. Foram analisados subsdios oriundos do Plano Decenal de Educao, de pesquisasnacionais e internacionais, dados estatsticos sobre desempenho de alunos do ensino fundamental,bem como experincias de sala de aula difundidas em encontros, seminrios e publicaes.

    Formulou-se, ento, uma proposta inicial que, apresentada em verso preliminar, passou por um processode discusso em mbito nacional, em 1995 e 1996, do qual participaram docentes de universidades pblicase particulares, tcnicos de secretarias estaduais e municipais de educao, de instituies representativas dediferentes reas de conhecimento, especialistas e educadores. Desses interlocutores foram recebidos apro-ximadamente setecentos pareceres sobre a proposta inicial, que serviram de referncia para a suareelaborao.

    A discusso da proposta foi estendida em inmeros encontros regionais, organizados pelasdelegacias do MEC nos Estados da federao, que contaram com a participao de professores doensino fundamental, tcnicos de secretarias municipais e estaduais de educao, membros deconselhos estaduais de educao, representantes de sindicatos e entidades ligadas ao magistrio.Os resultados apurados nesses encontros tambm contriburam para a reelaborao do documento.

    Os pareceres recebidos, alm das anlises crticas e sugestes em relao ao contedo dosdocumentos, em sua quase-totalidade, apontaram a necessidade de uma poltica de implementaoda proposta educacional inicialmente explicitada. Alm disso, sugeriram diversas possibilidades deatuao das universidades e das faculdades de educao para a melhoria do ensino nas sries iniciais,as quais esto sendo incorporadas na elaborao de novos programas de formao de professores,vinculados implementao dos Parmetros Curriculares Nacionais.

  • 16

  • 17

    A PROPOSTA DOS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS EMFACE DA

    SITUAO DO ENSINO FUNDAMENTAL

    Durante as dcadas de 70 e 80 a tnica da poltica educacional brasileira recaiu sobre aexpanso das oportunidades de escolarizao, havendo um aumento expressivo no acesso escolabsica. Todavia, os altos ndices de repetncia e evaso apontam problemas que evidenciam agrande insatisfao com o trabalho realizado pela escola.

    Indicadores fornecidos pela Secretaria de Desenvolvimento e Avaliao Educacional (Sediae), doMinistrio da Educao e do Desporto, reafirmam a necessidade de reviso do projeto educacional do Pas,de modo a concentrar a ateno na qualidade do ensino e da aprendizagem.

    Nmero de alunos e de estabelecimentos

    A oferta de vagas est praticamente universalizada no Pas. O maior contingente de crianasfora da escola encontra-se na regio Nordeste. Nas regies Sul e Sudeste h desequilbrios nalocalizao das escolas e, no caso das grandes cidades, insuficincia de vagas, provocando a exis-tncia de um nmero excessivo de turnos e a criao de escolas unidocentes ou multisseriadas.

    Em 1994, os 31,2 milhes de alunos do ensino fundamental concentravam-se predominantemente nasregies Sudeste (39%) e Nordeste (31%), seguidas das regies Sul (14%), Norte (9%) e Centro-Oeste(7%), conforme indicado no grfico 1.

    Grfico 1

    ENSINO FUNDAMENTALDistribuio da Matrcula por Regio

    A maioria absoluta dos alunos freqentava escolas pblicas (88,4%) localizadas em reasurbanas (82,5%), como resultado do processo de urbanizao do Pas nas ltimas dcadas, e dacrescente participao do setor pblico na oferta de matrculas. O setor privado responde apenaspor 11,6% da oferta, em conseqncia de sua participao declinante desde o incio dos anos 70.

    No que se refere ao nmero de estabelecimentos de ensino, ao todo 194.487, mais de 70% das escolasso rurais, apesar de responderem por apenas 17,5% da demanda de ensino fundamental. Na verdade, asescolas rurais concentram-se sobretudo na regio Nordeste (50%), no s em funo de suas caractersticassocioeconmicas, mas tambm devido ausncia de planejamento do processo de expanso da rede fsica(grfico 2).

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

  • 18

    Grfico 2

    ENSINO FUNDAMENTALDistribuio dos Estabelecimentos por Localizao

    BRASIL - 1994

    ENSINO FUNDAMENTALDistribuio de Matrcula por Localizao

    BRASIL - 1994

    A situao mostra-se grave ao se observar a evoluo da distribuio da populao por nvelde escolaridade. Se verdade que houve considervel avano na escolaridade correspondente primeira fase do ensino fundamental (primeira a quarta sries), tambm verdade que em relaoaos demais nveis de ensino a escolaridade ainda muito insuficiente: em 1990, apenas 19% dapopulao do Pas possua o primeiro grau completo; 13%, o nvel mdio; e 8% possua o nvelsuperior. Considerando a importncia do ensino fundamental e mdio para assegurar a formao decidados aptos a participar democraticamente da vida social, esta situao indica a urgncia dastarefas e o esforo que o estado e a sociedade civil devero assumir para superar a mdio prazo oquadro existente.

    Alm das imensas diferenas regionais no que concerne ao nmero mdio de anos de estudo,que apontam a regio Nordeste bem abaixo da mdia nacional, cabe destacar a grande oscilaodeste indicador em relao varivel cor, mas relativo equilbrio do ponto de vista de gnero,como mostram os dados da tabela 1.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

  • 19

    Tabela 1: Nmero mdio de anos de estudos; Brasil 1960 a 1990

    1960 1970 1980 1990

    GneroMulher 1,9 2,2 3,5 4,9Homem 2,4 2,6 3,9 5,1

    CorPreto 0,9 ... 2,1 3,3Pardo 1,1 ... 2,4 3,6Branco 2,7 ... 4,5 5,9Amarelo 2,9 ... 6,4 8,6

    RegiesNordeste 1,1 1,3 2,2 3,3Norte/Centro-Oeste 2,7 0,9 4 ...Sul 2,4 2,7 3,9 5,1Sudeste 2,7 3,2 4,4 5,7

    Fonte: Relatrio sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996; PNUD/IPEA, Braslia, 1996.

    Com efeito, mais do que refletir as desigualdades regionais e as diferenas de gnero e cor, o quadrode escolarizao desigual do Pas revela os resultados do processo de extrema concentrao de renda enveis elevados de pobreza.

    Promoo, repetncia e evaso

    Em relao s taxas de transio1, houve substancial melhoria dos ndices de promoo, repetncia eevaso do ensino fundamental. Verifica-se, no perodo de 1981-92, tendncia ascendente das taxas de pro-moo sobem de 55% em 1984, para 62% em 1992 acompanhada de queda razovel das taxas mdiasde repetncia e evaso, que atingem, respectivamente, 33% e 5% em 1992.

    Essa tendncia muito significativa. Estudos indicam que a repetncia constitui um dos problemas doquadro educacional do Pas, uma vez que os alunos passam, em mdia, 5 anos na escola antes de se evadi-rem ou levam cerca de 11,2 anos para concluir as oito sries de escolaridade obrigatria. No entanto, agrande maioria da populao estudantil acaba desistindo da escola, desestimulada em razo das altas taxasde repetncia e pressionada por fatores socioeconmicos que obrigam boa parte dos alunos ao trabalhoprecoce.

    Apesar da melhoria observada nos ndices de evaso, o comportamento das taxas de promooe repetncia na primeira srie do ensino fundamental est ainda longe do desejvel: apenas 51% dototal de alunos so promovidos, enquanto 44% repetem, reproduzindo assim o ciclo de retenoque acaba expulsando os alunos da escola (grficos 3, 4 e 5).

    1. As taxas de transio (promoo, repetncia e evaso) so definidas por: a) taxa de promoo na srie s a razo entre o total de alunospromovidos desta srie (para srie s+1) e a matrcula inicial da srie s no ano anterior; b) a taxa de repetncia na srie s o total derepetentes nesta srie dividido pelo nmero de alunos matriculados na mesma srie no ano anterior; e c) a taxa de evaso na srie s obtidadividindo-se o nmero de alunos evadidos desta srie pelo total de alunos matriculados nesta srie no ano anterior. Define-se por: i) alunospromovidos da srie s aqueles que se matricularam no incio do ano na srie seguinte (s+1) quela que estavam matriculados no ano anterior;ii) alunos repetentes na srie s os que se matricularam no incio do ano na mesma srie (s) que estavam matriculados no ano anterior; e iii)alunos evadidos na srie s so aqueles que estavam matriculados nesta srie no ano anterior e no se matricularam em nenhuma escola noincio do ano.Neste relatrio essas taxas esto calculadas em percentuais e foram estimadas por Ruben Klein (CNPq/LNCC).

  • 20

    Grfico 3

    TAXAS DE PROMOO NOENSINO FUNDAMENTAL, POR SRIES

    BRASIL

    Grfico 4

    TAXAS DE REPETNCIA NOENSINO FUNDAMENTAL, POR SRIES

    BRASIL

    Grfico 5

    TAXAS DE EVASO NOENSINO FUNDAMENTAL, POR SRIES

    BRASIL

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

  • 21

    Do ponto de vista regional, com exceo do Norte e do Nordeste, as demais regiesapresentam tendncia elevao das taxas mdias de promoo e queda dos ndices de repetncia(grficos 6 e 7), indicando relativo processo de melhoria da eficincia do sistema. Ressalta-se,contudo, tendncia queda das taxas de evaso nas regies Norte e Nordeste que, em 1992,chegam muito prximas da mdia nacional (grfico 8).

    Grfico 6

    EDUCAO FUNDAMENTALTAXAS AGREGADAS DE PROMOO

    BRASIL E GRANDES REGIES - 1989-92

    Grfico 7

    EDUCAO FUNDAMENTALTAXAS AGREGADAS DE REPETNCIA

    BRASIL E GRANDES REGIES - 1989-92

    Grfico 8

    EDUCAO FUNDAMENTALTAXAS AGREGADAS DE EVASO

    BRASIL E GRANDES REGIES - 1989-92

    Fonte:MEC/SEDIAESEEC.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

  • 22

    As taxas de repetncia evidenciam a baixa qualidade do ensino e a incapacidade dos sistemaseducacionais e das escolas de garantir a permanncia do aluno, penalizando principalmente os alunos denveis de renda mais baixos.

    O represamento no sistema causado pelo nmero excessivo de reprovaes nas sriesiniciais contribui de forma significativa para o aumento dos gastos pblicos, ainda acrescidos pelasubutilizao de recursos hu-manos e materiais nas sries finais, devido ao nmero reduzido dealunos.

    Uma das conseqncias mais nefastas das elevadas taxas de repetncia manifesta-senitidamente nas acentuadas taxas de distoro srie/idade, em todas as sries do ensino fundamental(grfico 9). Apesar da ligeira queda observada em todas as sries, no perodo 1984-94, a situao dramtica:

    mais de 63% dos alunos do ensino fundamental tm idade superior faixa etria correspondente a cada srie;

    as regies Sul e Sudeste, embora situem-se abaixo da mdia nacional,ainda apresentam ndices bastante elevados, respectivamente, cerca de42% e de 54%;

    as regies Norte e Nordeste situam-se bem acima da mdia nacional(respectivamente, 78% e 80%).

    Grfico 9

    TAXAS DE DISTORO SRIE/IDADE NOENSINO FUNDAMENTAL

    BRASIL E REGIES - 1994

    Para reverter esse quadro, alguns Estados e Municpios comeam a implementar programasde acelerao do fluxo escolar, com o objetivo de promover, a mdio prazo, a melhoria dosindicadores de rendimento escolar. So iniciativas extremamente importantes, uma vez que a pes-quisa realizada pelo MEC, em 1995, por meio do Sistema Nacional de Avaliao da EducaoBsica (SAEB) mostra que quanto maior a distoro idade/srie, pior o rendimento dos alunos emLngua Portuguesa e Matemtica, tanto no ensino fundamental como no mdio. A repetncia,portanto, parece no acrescentar nada ao processo de ensino e aprendizagem.

    Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

  • 23

    Desempenho

    O perfil da educao brasileira apresentou significativas mudanas nas duas ltimas dcadas.Houve substancial queda da taxa de analfabetismo, aumento expressivo do nmero de matrculasem todos os nveis de ensino e crescimento sistemtico das taxas de escolaridade mdia da populao.

    A progressiva queda da taxa de analfabetismo, que passa de 39,5% para 20,1% nas quatroltimas dcadas, foi paralela ao processo de universalizao do atendimento escolar na faixa etriaobrigatria (sete a quatorze anos), tendncia que se acentua de meados dos anos 70 parac, sobretudo como resultado do esforo do setor pblico na promoo das polticas educacionais.Esse movimento no ocorreu de forma homognea. Ele acompanhou as caractersticas de desen-volvimento socioeconmico do Pas e reflete suas desigualdades.

    Por outro lado, resultados obtidos em pesquisa realizada pelo SAEB/95, baseados em umaamostra nacional que abrangeu 90.499 alunos de 2.793 escolas pblicas e privadas, reafirmam abaixa qualidade atingida no desempenho dos alunos no ensino fundamental em relao leitura eprincipalmente em habilidade matemtica.

    Tabela 2: Percentual de acerto por srie e por habilidade da leitura

    Ensino Srie Estabele- Extenso do Exame Crtico Totalcimento de Significado de SignificadoSignificado

    Fundamental 4a 53,2 44,2 45,9 50,6

    8a 63,2 63,5 58,0 63,0

    Fonte: MEC/SEDIAE/DAEB - Consolidao dos Relatrios Preliminares da Avaliao do SAEB/1995.

    Pelo exame da tabela 2, os estudantes parecem lidar melhor com o reconhecimento designificados do que com extenses ou aspectos crticos, j que os ndices de acerto so sempremaiores nesse tipo de habilidade.

    Tabela 3: Percentuais de acerto em matemtica por habilidade, segundo srie e rea decontedo. Brasil 1995

    rea de Contedo Srie Compreenso Conhecimento de Aplicao ou Resoluode Conceitos Procedimentos de Problemas

    Nmeros e 4 41,0 31,0 31,0Operaes 8 41,4 46,8 38,6

    Medidas 4 51,0 43,0 30,08 58,7 34,5 29,1

    Geometria 4 48,0 41,0 23,08 40,2 31,3 22,7

    Anlise de Dados, 4 - - -Estatstica eProbabilidade 8 59,7 41,9 42,5

    lgebra e 4 - - -Funes 8 48,5 35,0 28,1

    Fonte: MEC/SEDIAE/DAEB - Consolidao dos Relatrios Preliminares da Avaliao do SAEB/1995.

  • 24

    Os resultados de desempenho em matemtica mostram um rendimento geral insatisfatrio,pois os percentuais em sua maioria situam-se abaixo de 50%. Ao indicarem um rendimento melhornas questes classificadas como de compreenso de conceitos do que nas de conhecimento deprocedimentos e resoluo de problemas, os dados parecem confirmar o que vem sendo amplamentedebatido, ou seja, que o ensino da matemtica ainda feito sem levar em conta os aspectos que avinculam com a prtica cotidiana, tornando-a desprovida de significado para o aluno. Outro fatoque chama a ateno que o pior ndice refere-se ao campo da geometria.

    Os dados apresentados pela pesquisa confirmam a necessidade de investimentos substanciais para amelhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem no ensino fundamental.

    Mesmo os alunos que conseguem completar os oito anos do ensino fundamental acabam dispondo demenos conhecimento do que se espera de quem concluiu a escolaridade obrigatria. Aprenderam pouco, emuitas vezes o que aprenderam no facilita sua insero e atuao na sociedade. Dentre outras deficinciasdo processo de ensino e aprendizagem, so relevantes o desinteresse geral pelo trabalho escolar, a motiva-o dos alunos centrada apenas na nota e na promoo, o esquecimento precoce dos assuntos estudados eos problemas de disciplina.

    Desde os anos 80, experincias concretas no mbito dos Estados e Municpios vm sendo tentadaspara a transformao desse quadro educacional mas, ainda que tenham obtido sucesso, so experinciascircunscritas a realidades especficas.

    Professores

    O desempenho dos alunos remete-nos diretamente necessidade de se considerarem aspectos relativos formao do professor. Pelo Censo Educacional de 1994 foi feito um levantamento da quantidade deprofessores que atuam no ensino fundamental, bem como grau de escolaridade. Do total de funes docentesdo ensino fundamental (cerca de 1,3 milho), 86,3% encontram-se na rede pblica; mais de 79% relacionam-se s escolas da rea urbana e apenas 20,4% zona rural (tabela 4).

    Tabela 4: Nmero de funes docentes, por grau de formao e por regio

    Funes Docentes Educao Fundamental Educao Mdia Educao SuperiorFormao magistrio outra Licenciatura outra

    incompleta completa incompleta completa completa incompleta completa completa

    Total 1.377.665 69.272 45.593 23.793 552.122 36.401 81.133 546.452 22.899

    Rural 280.820 65.565 34.885 11.927 122.390 9.047 9.670 25.896 1.440

    Urbana 1.096.845 3.707 10.708 11.866 429.732 27.354 71.463 520.556 21.459

    Fonte: Sinopse Estatstica Educao Fundamental - Censo Educacional de 1994, MEC/SEDIAE/SEEC.

    A tabela 4 mostra a existncia de 10% de funes docentes sendo desempenhadas sem o

    nvel de formao mnimo exigido. Ainda 5% de funes preenchidas por pessoas com escolaridadede nvel mdio ou superior, mas sem funo especfica para o magistrio. Finalmente, a ausnciade formao mnima concentra-se na rea rural, onde chega a atingir 40%.

    A exigncia legal de formao inicial para atuao no ensino fundamental nem sempre pode

    ser cumprida, em funo das deficincias do sistema educacional. No entanto, a m qualidade do

  • 25

    ensino no se deve simplesmente no-formao inicial de parte dos professores, resultando tambmda m qualidade da formao que tem sido ministrada. Este levantamento mostra a urgncia de se

    atuar na formao inicial dos professores.

    Alm de uma formao inicial consistente, preciso considerar um investimento educativo contnuo esistemtico para que o professor se desenvolva como profissional de educao. O contedo e a metodologiapara essa formao precisam ser revistos para que haja possibilidade de melhoria do ensino. A formao no

    pode ser tratada como um acmulo de cursos e tcnicas, mas sim como um processo reflexivo e crtico sobrea prtica educativa. Investir no desenvolvimento profissional dos professores tambm intervir em suasreais condies de trabalho.

  • 26

  • 27

    PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DOS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS

    Na sociedade democrtica, ao contrrio do que ocorre nos regimes autoritrios, o processoeducacional no pode ser instrumento para a imposio, por parte do governo, de um projeto desociedade e de nao. Tal projeto deve resultar do prprio processo democrtico, nas suas dimen-ses mais amplas, envolvendo a contraposio de diferentes interesses e a negociao polticanecessria para encontrar solues para os conflitos sociais.

    No se pode deixar de levar em conta que, na atual realidade brasileira, a profunda estratificaosocial e a injusta distribuio de renda tm funcionado como um entrave para que uma parte consi-dervel da populao possa fazer valer os seus direitos e interesses fundamentais. Cabe ao governoo papel de assegurar que o processo democrtico se desenvolva de modo a que esses entravesdiminuam cada vez mais. papel do Estado democrtico investir na escola, para que ela prepare einstrumentalize crianas e jovens para o processo democrtico, forando o acesso educao dequalidade para todos e s possibilidades de participao social.

    Para isso faz-se necessria uma proposta educacional que tenha em vista a qualidade daformao a ser oferecida a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a sociedade demandaatualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prti-ca educativa adequada s necessidades sociais, polticas, econmicas e culturais da realidadebrasileira, que considere os interesses e as motivaes dos alunos e garanta as aprendizagensessenciais para a formao de cidados autnomos, crticos e participativos, capazes de atuar comcompetncia, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem.

    O exerccio da cidadania exige o acesso de todos totalidade dos recursos culturais relevantespara a interveno e a participao responsvel na vida social. O domnio da lngua falada e escrita,os princpios da reflexo matemtica, as coordenadas espaciais e temporais que organizam apercepo do mundo, os princpios da explicao cientfica, as condies de fruio da arte e dasmensagens estticas, domnios de saber tradicionalmente presentes nas diferentes concepes dopapel da educao no mundo democrtico, at outras tantas exigncias que se impem no mundocontemporneo.

    Essas exigncias apontam a relevncia de discusses sobre a dignidade do ser humano, aigualdade de direitos, a recusa categrica de formas de discriminao, a importncia da solidarieda-de e do respeito. Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar asdiferentes formas de insero sociopoltica e cultural. Apresenta-se para a escola, hoje mais do quenunca, a necessidade de assumir-se como espao social de construo dos significados ticos ne-cessrios e constitutivos de toda e qualquer ao de cidadania.

    No contexto atual, a insero no mundo do trabalho e do consumo, o cuidado com o prpriocorpo e com a sade, passando pela educao sexual, e a preservao do meio ambiente so temasque ganham um novo estatuto, num universo em que os referenciais tradicionais, a partir dos quaiseram vistos como questes locais ou individuais, j no do conta da dimenso nacional e atmesmo internacional que tais temas assumem, justificando, portanto, sua considerao. Nesse sentido, papel preponderante da escola propiciar o domnio dos recursos capazes de levar discussodessas formas e sua utilizao crtica na perspectiva da participao social e poltica.

    Desde a construo dos primeiros computadores, na metade deste sculo, novas relaesentre conhecimento e trabalho comearam a ser delineadas. Um de seus efeitos a exigncia de

  • 28

    um reequacionamento do papel da educao no mundo contemporneo, que coloca para a escolaum horizonte mais amplo e diversificado do que aquele que, at poucas dcadas atrs, orientava aconcepo e construo dos projetos educacionais. No basta visar capacitao dos estudantespara futuras habilitaes em termos das especializaes tradicionais, mas antes trata-se de ter emvista a formao dos estudantes em termos de sua capacitao para a aquisio e o desenvolvimentode novas competncias, em funo de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipode profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de respondera novos ritmos e processos. Essas novas relaes entre conhecimento e trabalho exigem capacidadede iniciativa e inovao e, mais do que nunca, aprender a aprender. Isso coloca novas demandaspara a escola. A educao bsica tem assim a funo de garantir condies para que o aluno construainstrumentos que o capacitem para um processo de educao permanente.

    Para tanto, necessrio que, no processo de ensino e aprendizagem, sejam exploradas: a aprendizagemde metodologias capazes de priorizar a construo de estratgias de verificao e comprovao de hiptesesna construo do conhecimento, a construo de argumentao capaz de controlar os resultados desseprocesso, o desenvolvimento do esprito crtico capaz de favorecer a criatividade, a compreenso dos limitese alcances lgicos das explicaes propostas. Alm disso, necessrio ter em conta uma dinmica de ensinoque favorea no s o descobrimento das potencialidades do trabalho individual, mas tambm, e sobretudo,do trabalho coletivo. Isso implica o estmulo autonomia do sujeito, desenvolvendo o sentimento de seguranaem relao s suas prprias capacidades, interagindo de modo orgnico e integrado num trabalho de equipee, portanto, sendo capaz de atuar em nveis de interlocuo mais complexos e diferenciados.

    Natureza e funo dosParmetros Curriculares Nacionais

    Cada criana ou jovem brasileiro, mesmo de locais com pouca infra-estrutura e condiessocioeconmicas desfavorveis, deve ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados ereconhecidos como necessrios para o exerccio da cidadania para deles poder usufruir. Se existem diferenassocioculturais marcantes, que determinam diferentes necessidades de aprendizagem, existe tambm aquiloque comum a todos, que um aluno de qualquer lugar do Brasil, do interior ou do litoral, de uma grandecidade ou da zona rural, deve ter o direito de aprender e esse direito deve ser garantido pelo Estado.

    Mas, na medida em que o princpio da eqidade reconhece a diferena e a necessidade dehaver condies diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de umaformao de qualidade para todos, o que se apresenta a necessidade de um referencial comumpara a formao escolar no Brasil, capaz de indicar aquilo que deve ser garantido a todos, numarealidade com caractersticas to diferenciadas, sem promover uma uniformizao que descaracterizee desvalorize peculiaridades culturais e regionais.

    nesse sentido que o estabelecimento de uma referncia curricular comum para todo o Pas,ao mesmo tempo que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal com aeducao, busca garantir, tambm, o respeito diversidade que marca cultural do Pas, mediantea possibilidade de adaptaes que integrem as diferentes dimenses da prtica educacional.

    Para compreender a natureza dos Parmetros Curriculares Nacionais, necessrio situ-losem relao a quatro nveis de concretizao curricular considerando a estrutura do sistemaeducacional brasileiro. Tais nveis no representam etapas seqenciais, mas sim amplitudes distintasda elaborao de propostas curriculares, com responsabilidades diferentes, que devem buscar umaintegrao e, ao mesmo tempo, autonomia.

  • 29

    Os Parmetros Curriculares Nacionais constituem o primeiro nvel de concretizao curricular.So uma referncia nacional para o ensino fundamental; estabelecem uma meta educacional para aqual devem convergir as aes polticas do Ministrio da Educao e do Desporto, tais como osprojetos ligados sua competncia na formao inicial e continuada de professores, anlise ecompra de livros e outros materiais didticos e avaliao nacional. Tm como funo subsidiar aelaborao ou a reviso curricular dos Estados e Municpios, dialogando com as propostas eexperincias j existentes, incentivando a discusso pedaggica interna das escolas e a elaboraode projetos educativos, assim como servir de material de reflexo para a prtica de professores.

    Todos os documentos aqui apresentados configuram uma referncia nacional em que soapontados contedos e objetivos articulados, critrios de eleio dos primeiros, questes de ensinoe aprendizagem das reas, que permeiam a prtica educativa de forma explcita ou implcita, propostassobre a avaliao em cada momento da escolaridade e em cada rea, envolvendo questes relativasa o que e como avaliar. Assim, alm de conter uma exposio sobre seus fundamentos, contm osdiferentes elementos curriculares tais como Caracterizao das reas, Objetivos, Organizaodos Contedos, Critrios de Avaliao e Orientaes Didticas , efetivando uma propostaarticuladora dos propsitos mais gerais de formao de cidadania, com sua operacionalizao noprocesso de aprendizagem.

    Apesar de apresentar uma estrutura curricular completa, os Parmetros Curriculares Nacionaisso abertos e flexveis, uma vez que, por sua natureza, exigem adaptaes para a construo docurrculo de uma Secretaria ou mesmo de uma escola. Tambm pela sua natureza, eles no seimpem como uma diretriz obrigatria: o que se pretende que ocorram adaptaes, por meio dodilogo, entre estes documentos e as prticas j existentes, desde as definies dos objetivos at asorientaes didticas para a manuteno de um todo coerente.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais esto situados historicamente no so princpiosatemporais. Sua validade depende de estarem em consonncia com a realidade social, necessitando,portanto, de um processo peridico de avaliao e reviso, a ser coordenado pelo MEC.

    O segundo nvel de concretizao diz respeito s propostas curriculares dos Estados e Municpios. OsParmetros Curriculares Nacionais podero ser utilizados como recurso para adaptaes ou elaboraescurriculares realizadas pelas Secretarias de Educao, em um processo definido pelos responsveis em cadalocal.

    O terceiro nvel de concretizao refere-se elaborao da proposta curricular de cadainstituio escolar, contextualizada na discusso de seu projeto educativo. Entende-se por projetoeducativo a expresso da identidade de cada escola em um processo dinmico de discusso, refle-xo e elaborao contnua. Esse processo deve contar com a participao de toda equipe pedaggica,buscando um comprometimento de todos com o trabalho realizado, com os propsitos discutidos ecom a adequao de tal projeto s caractersticas sociais e culturais da realidade em que a escolaest inserida. no mbito do projeto educativo que professores e equipe pedaggica discutem eorganizam os objetivos, contedos e critrios de avaliao para cada ciclo.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais e as propostas das Secretarias devem ser vistos comomateriais que subsidiaro a escola na constituio de sua proposta educacional mais geral, numprocesso de interlocuo em que se compartilham e explicitam os valores e propsitos que orien-tam o trabalho educacional que se quer desenvolver e o estabelecimento do currculo capaz deatender s reais necessidades dos alunos.

    O quarto nvel de concretizao curricular o momento da realizao da programao dasatividades de ensino e aprendizagem na sala de aula. quando o professor, segundo as metasestabelecidas na fase de concretizao anterior, faz sua programao, adequando-a quele grupo

  • 30

    especfico de alunos. A programao deve garantir uma distribuio planejada de aulas, distribuiodos contedos segundo um cronograma referencial, definio das orientaes didticas prioritrias,seleo do material a ser utilizado, planejamento de projetos e sua execuo. Apesar de aresponsabilidade ser essencialmente de cada professor, fundamental que esta seja compartilhadacom a equipe da escola por meio da co-responsabilidade estabelecida no projeto educativo.

    Tal proposta, no entanto, exige uma poltica educacional que contemple a formao inicial econtinuada dos professores, uma decisiva reviso das condies salariais, alm da organizao deuma estrutura de apoio que favorea o desenvolvimento do trabalho (acervo de livros e obras dereferncia, equipe tcnica para superviso, materiais didticos, instalaes adequadas para a realizaode trabalho de qualidade), aspectos que, sem dvida, implicam a valorizao da atividade do pro-fessor.

    Fundamentos dos ParmetrosCurriculares Nacionais

    A TRADIO PEDAGGICA BRASILEIRA

    A prtica de todo professor, mesmo de forma inconsciente, sempre pressupe uma concepo deensino e aprendizagem que determina sua compreenso dos papis de professor e aluno, da metodologia, dafuno social da escola e dos contedos a serem trabalhados. A discusso dessas questes importantepara que se explicitem os pressupostos pedaggicos que subjazem atividade de ensino, na busca de coernciaentre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz. Tais prticas se constituem a partir dasconcepes educativas e metodologias de ensino que permearam a formao educacional e o percursoprofissional do professor, a includas suas prprias experincias escolares, suas experincias de vida, aideologia compartilhada com seu grupo social e as tendncias pedaggicas que lhe so contemporneas.

    As tendncias pedaggicas que se firmam nas escolas brasileiras, pblicas e privadas, namaioria dos casos no aparecem em forma pura, mas com caractersticas particulares, muitas vezesmesclando aspectos de mais de uma linha pedaggica.

    A anlise das tendncias pedaggicas no Brasil deixa evidente a influncia dos grandesmovimentos educacionais internacionais, da mesma forma que expressam as especificidades denossa histria poltica, social e cultural, a cada perodo em que so consideradas. Pode-se identifi-car, na tradio pedaggica brasileira, a presena de quatro grandes tendncias: a tradicional, arenovada, a tecnicista e aquelas marcadas centralmente por preocupaes sociais e polticas. Taistendncias sero sintetizadas em grandes traos que tentam recuperar os pontos mais significativosde cada uma das propostas. Este documento no ignora o risco de uma certa reduo das concepes,tendo em vista a prpria sntese e os limites desta apresentao.

    A pedagogia tradicional uma proposta de educao centrada no professor, cuja funo sedefine como a de vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matria.

    A metodologia decorrente de tal concepo baseia-se na exposio oral dos contedos, numaseqncia predeterminada e fixa, independentemente do contexto escolar; enfatiza-se a necessidadede exerccios repetidos para garantir a memorizao dos contedos. A funo primordial da escola,nesse modelo, transmitir conhecimentos disciplinares para a formao geral do aluno, formaoesta que o levar, ao inserir-se futuramente na sociedade, a optar por uma profisso valorizada. Oscontedos do ensino correspondem aos conhecimentos e valores sociais acumulados pelas geraespassadas como verdades acabadas, e, embora a escola vise preparao para a vida, no buscaestabelecer relao entre os contedos que se ensinam e os interesses dos alunos, tampouco entre

  • 31

    esses e os problemas reais que afetam a sociedade. Na maioria das escolas essa prtica pedaggicase caracteriza por sobrecarga de informaes que so veiculadas aos alunos, o que torna o processode aquisio de conhecimento, para os alunos, muitas vezes burocratizado e destitudo de significa-o. No ensino dos contedos, o que orienta a organizao lgica das disciplinas, o aprendizadomoral, disciplinado e esforado.

    Nesse modelo, a escola se caracteriza pela postura conservadora. O professor visto como a autoridademxima, um organizador dos contedos e estratgias de ensino e, portanto, o guia exclusivo do processoeducativo.

    A pedagogia renovada uma concepo que inclui vrias correntes que, de uma forma oude outra, esto ligadas ao movimento da Escola Nova ou Escola Ativa. Tais correntes, emboraadmitam divergncias, assumem um mesmo princpio norteador de valorizao do indivduo comoser livre, ativo e social. O centro da atividade escolar no o professor nem os contedos disciplinares,mas sim o aluno, como ser ativo e curioso. O mais importante no o ensino, mas o processo deaprendizagem. Em oposio Escola Tradicional, a Escola Nova destaca o princpio daaprendizagem por descoberta e estabelece que a atitude de aprendizagem parte do interesse dosalunos, que, por sua vez, aprendem fundamentalmente pela experincia, pelo que descobrem porsi mesmos.

    O professor visto, ento, como facilitador no processo de busca de conhecimento que deve partir doaluno. Cabe ao professor organizar e coordenar as situaes de aprendizagem, adaptando suas aes scaractersticas individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais.

    A idia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos acabou, em muitos casos, por desconsiderar anecessidade de um trabalho planejado, perdendo-se de vista o que deve ser ensinado e aprendido. Essatendncia, que teve grande penetrao no Brasil na dcada de 30, no mbito do ensino pr-escolar (jardim deinfncia), at hoje influencia muitas prticas pedaggicas.

    Nos anos 70 proliferou o que se chamou de tecnicismo educacional, inspirado nas teorias behavioristasda aprendizagem e da abordagem sistmica do ensino, que definiu uma prtica pedaggica altamente controladae dirigida pelo professor, com atividades mecnicas inseridas numa proposta educacional rgida e passvel deser totalmente programada em detalhes. A supervalorizao da tecnologia programada de ensino trouxeconseqncias: a escola se revestiu de uma grande auto-suficincia, reconhecida por ela e por toda acomunidade atingida, criando assim a falsa idia de que aprender no algo natural do ser humano, mas quedepende exclusivamente de especialistas e de tcnicas. O que valorizado nessa perspectiva no o professor,mas a tecnologia; o professor passa a ser um mero especialista na aplicao de manuais e sua criatividadefica restrita aos limites possveis e estreitos da tcnica utilizada. A funo do aluno reduzida a um indivduoque reage aos estmulos de forma a corresponder s respostas esperadas pela escola, para ter xito eavanar. Seus interesses e seu processo particular no so considerados e a ateno que recebe paraajustar seu ritmo de aprendizagem ao programa que o professor deve implementar. Essa orientao foi dadapara as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e at hoje est presente em muitos materiaisdidticos com carter estritamente tcnico e instrumental.

    No final dos anos 70 e incio dos 80, a abertura poltica decorrente do final do regime militar coincidiucom a intensa mobilizao dos educadores para buscar uma educao crtica a servio das transformaessociais, econmicas e polticas, tendo em vista a superao das desigualdades existentes no interior dasociedade. Ao lado das denominadas teorias crtico-reprodutivistas, firma-se no meio educacional a presenada pedagogia libertadora e da pedagogia crtico-social dos contedos, assumida por educadores deorientao marxista.

    A pedagogia libertadora tem suas origens nos movimentos de educao popular que ocorreram nofinal dos anos 50 e incio dos anos 60, quando foram interrompidos pelo golpe militar de 1964; teve

  • 32

    seu desenvolvimento retomado no final dos anos 70 e incio dos anos 80. Nessa proposta, a atividadeescolar pauta-se em discusses de temas sociais e polticos e em aes sobre a realidade socialimediata; analisam-se os problemas, seus fatores determinantes e organiza-se uma forma de atuaopara que se possa transformar a realidade social e poltica. O professor um coordenador deatividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos.

    A pedagogia crtico-social dos contedos que surge no final dos anos 70 e incio dos 80 se pe comouma reao de alguns educadores que no aceitam a pouca relevncia que a pedagogia libertadorad ao aprendizado do chamado saber elaborado, historicamente acumulado, que constitui partedo acervo cultural da humanidade.

    A pedagogia crtico-social dos contedos assegura a funo social e poltica da escola mediante otrabalho com conhecimentos sistematizados, a fim de colocar as classes populares em condies de umaefetiva participao nas lutas sociais. Entende que no basta ter como contedo escolar as questes sociaisatuais, mas que necessrio que se tenha domnio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplaspara que os alunos possam interpretar suas experincias de vida e defender seus interesses de classe.

    As tendncias pedaggicas que marcam a tradio educacional brasileira e aqui foram expostassinteticamente trazem, de maneira diferente, contribuies para uma proposta atual que busque recuperaraspectos positivos das prticas anteriores em relao ao desenvolvimento e aprendizagem, realizando umareleitura dessas prticas luz dos avanos ocorridos nas produes tericas, nas investigaes e em fatosque se tornaram observveis nas experincias educativas mais recentes realizadas em diferentes Estados eMunicpios do Brasil.

    No final dos anos 70, pode-se dizer que havia no Brasil, entre as tendncias didticas de vanguarda,aquelas que tinham um vis mais psicolgico e outras cujo vis era mais sociolgico e poltico; a partir dosanos 80 surge com maior evidncia um movimento que pretende a integrao entre essas abordagens. Se porum lado no mais possvel deixar de se ter preocupaes com o domnio de conhecimentos formais para aparticipao crtica na sociedade, considera-se tambm que necessria uma adequao pedaggica scaractersticas de um aluno que pensa, de um professor que sabe e aos contedos de valor social e formativo.Esse momento se caracteriza pelo enfoque centrado no carter social do processo de ensino e aprendizageme marcado pela influncia da psicologia gentica.

    O enfoque social dado aos processos de ensino e aprendizagem traz para a discusso pedaggicaaspectos de extrema relevncia, em particular no que se refere maneira como se devem entender asrelaes entre desenvolvimento e aprendizagem, importncia da relao interpessoal nesse processo, relao entre cultura e educao e ao papel da ao educativa ajustada s situaes de aprendizagem e scaractersticas da atividade mental construtiva do aluno em cada momento de sua escolaridade.

    A psicologia gentica propiciou aprofundar a compreenso sobre o processo de desenvolvimento naconstruo do conhecimento. Compreender os mecanismos pelos quais as crianas constroem representaesinternas de conhecimentos construdos socialmente, em uma perspectiva psicogentica, traz uma contribuiopara alm das descries dos grandes estgios de desenvolvimento.

    A pesquisa sobre a psicognese da lngua escrita chegou ao Brasil em meados dos anos 80 e causougrande impacto, revolucionando o ensino da lngua nas sries iniciais e, ao mesmo tempo, provocando umareviso do tratamento dado ao ensino e aprendizagem em outras reas do conhecimento. Essa investigaoevidencia a atividade construtiva do aluno sobre a lngua escrita, objeto de conhecimento reconhecidamenteescolar, mostrando a presena importante dos conhecimentos especficos sobre a escrita que a criana jtem, os quais, embora no coincidam com os dos adultos, tm sentido para ela.

    A metodologia utilizada nessas pesquisas foi muitas vezes interpretada como uma proposta de pedagogiaconstrutivista para alfabetizao, o que expressa um duplo equvoco: reduo do construtivismo a

  • 33

    uma teoria psicogentica de aquisio de lngua escrita e transformao de uma investigaoacadmica em mtodo de ensino. Com esses equvocos, difundiram-se, sob o rtulo de pedagogiaconstrutivista, as idias de que no se devem corrigir os erros e de que as crianas aprendemfazendo do seu jeito. Essa pedagogia, dita construtivista, trouxe srios problemas ao processo deensino e aprendizagem, pois desconsidera a funo primordial da escola que ensinar, intervindopara que os alunos aprendam o que, sozinhos, no tm condies de aprender.

    A orientao proposta nos Parmetros Curriculares Nacionais reconhece a importncia daparticipao construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da interveno do professor para aaprendizagem de contedos especficos que favoream o desenvolvimento das capacidades neces-srias formao do indivduo. Ao contrrio de uma concepo de ensino e aprendizagem como umprocesso que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o conhecimento acabado, oque se prope uma viso da complexidade e da provisoriedade do conhecimento. De um lado,porque o objeto de conhecimento complexo de fato e reduzi-lo seria falsific-lo; de outro,porque o processo cognitivo no acontece por justaposio, seno por reorganizao doconhecimento. tambm provisrio, uma vez que no possvel chegar de imediato ao conhe-cimento correto, mas somente por aproximaes sucessivas que permitem sua reconstruo.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos educacionais que propem quanto naconceitualizao do significado das reas de ensino e dos temas da vida social contempornea que devemperme-las, adotam como eixo o desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os contedoscurriculares atuam no como fins em si mesmos, mas como meios para a aquisio e desenvolvimentodessas capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista que o aluno possa ser sujeito de sua prpriaformao, em um complexo processo interativo em que tambm o professor se veja como sujeito deconhecimento.

    ESCOLA E CONSTITUIO DA CIDADANIA

    A importncia dada aos contedos revela um compromisso da instituio escolar em garantir o acessoaos saberes elaborados socialmente, pois estes se constituem como instrumentos para o desenvolvimento, asocializao, o exerccio da cidadania democrtica e a atuao no sentido de refutar ou reformular asdeformaes dos conhecimentos, as imposies de crenas dogmticas e a petrificao de valores. Oscontedos escolares que so ensinados devem, portanto, estar em consonncia com as questes sociais quemarcam cada momento histrico.

    Isso requer que a escola seja um espao de formao e informao, em que a aprendizagem decontedos deve necessariamente favorecer a insero do aluno no dia-a-dia das questes sociais marcantese em um universo cultural maior. A formao escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, demodo a favorecer a compreenso e a interveno nos fenmenos sociais e culturais, assim como possibilitaraos alunos usufruir das manifestaes culturais nacionais e universais.

    No contexto da proposta dos Parmetros Curriculares Nacionais se concebe a educao escolarcomo uma prtica que tem a possibilidade de criar condies para que todos os alunos desenvolvam suascapacidades e aprendam os contedos necessrios para construir instrumentos de compreenso da realidadee de participao em relaes sociais, polticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas, condiesestas fundamentais para o exerccio da cidadania na construo de uma sociedade democrtica e noexcludente.

    A prtica escolar distingue-se de outras prticas educativas, como as que acontecem na famlia,no trabalho, na mdia, no lazer e nas demais formas de convvio social, por constituir-se uma ao

  • 34

    intencional, sistemtica, planejada e continuada para crianas e jovens durante um perodo contnuoe extenso de tempo. A escola, ao tomar para si o objetivo de formar cidados capazes de atuar comcompetncia e dignidade na sociedade, buscar eleger, como objeto de ensino, contedos queestejam em consonncia com as questes sociais que marcam cada momento histrico, cujaaprendizagem e assimilao so as consideradas essenciais para que os alunos possam exercer seusdireitos e deveres. Para tanto ainda necessrio que a instituio escolar garanta um conjunto deprticas planejadas com o propsito de contribuir para que os alunos se apropriem dos contedos demaneira crtica e construtiva. A escola, por ser uma instituio social com propsito explicitamenteeducativo, tem o compromisso de intervir efetivamente para promover o desenvolvimento e asocializao de seus alunos.

    Essa funo socializadora remete a dois aspectos: o desenvolvimento individual e o contextosocial e cultural. nessa dupla determinao que os indivduos se constroem como pessoas iguais,mas, ao mesmo tempo, diferentes de todas as outras. Iguais por compartilhar com outras pessoasum conjunto de saberes e formas de conhecimento que, por sua vez, s possvel graas ao queindividualmente se puder incorporar. No h desenvolvimento individual possvel margem dasociedade, da cultura. Os processos de diferenciao na construo de uma identidade pessoal e osprocessos de socializao que conduzem a padres de identidade coletiva constituem, na verdade,as duas faces de um mesmo processo.

    A escola, na perspectiva de construo de cidadania, precisa assumir a valorizao da cultura de suaprpria comunidade e, ao mesmo tempo, buscar ultrapassar seus limites, propiciando s crianas pertencentesaos diferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aos conhecimentos socialmenterelevantes da cultura brasileira no mbito nacional e regional como no que faz parte do patrimnio universalda humanidade.

    O desenvolvimento de capacidades, como as de relao interpessoal, as cognitivas, as afetivas, asmotoras, as ticas, as estticas de insero social, torna-se possvel mediante o processo de construo ereconstruo de conhecimentos. Essa aprendizagem exercida com o aporte pessoal de cada um,o que explica por que, a partir dos mesmos saberes, h sempre lugar para a construo de umainfinidade de significados, e no a uniformidade destes. Os conhecimentos que se transmitem e serecriam na escola ganham sentido quando so produtos de uma construo dinmica que se operana interao constante entre o saber escolar e os demais saberes, entre o que o aluno aprende naescola e o que ele traz para a escola, num processo contnuo e permanente de aquisio, no qualinterferem fatores polticos, sociais, culturais e psicolgicos.

    As questes relativas globalizao, as transformaes cientficas e tecnolgicas e a necessriadiscusso tico-valorativa da sociedade apresentam para a escola a imensa tarefa de instrumentalizar osjovens para participar da cultura, das relaes sociais e polticas. A escola, ao posicionar-se dessa maneira,abre a oportunidade para que os alunos aprendam sobre temas normalmente excludos e atua propositalmentena formao de valores e atitudes do sujeito em relao ao outro, poltica, economia, ao sexo, droga, sade, ao meio ambiente, tecnologia, etc.

    Um ensino de qualidade, que busca formar cidados capazes de interferir criticamente narealidade para transform-la, deve tambm contemplar o desenvolvimento de capacidades quepossibilitem adaptaes s complexas condies e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidarcom a rapidez na produo e na circulao de novos conhecimentos e informaes, que tm sidoavassaladores e crescentes. A formao escolar deve possibilitar aos alunos condies paradesenvolver competncia e conscincia profissional, mas no restringir-se ao ensino de habilidadesimediatamente demandadas pelo mercado de trabalho.

  • 35

    A discusso sobre a funo da escola no pode ignorar as reais condies em que esta seencontra. A situao de precariedade vivida pelos educadores, expressa nos baixos salrios, na faltade condies de trabalho, de metas a serem alcanadas, de prestgio social, na inrcia de grandeparte dos rgos responsveis por alterar esse quadro, provoca, na maioria das pessoas, um descrditona transformao da situao. Essa desvalorizao objetiva do magistrio acaba por ser interiorizada,bloqueando as motivaes. Outro fator de desmotivao dos profissionais da rede pblica a mudanade rumo da educao diante da orientao poltica de cada governante. s vezes as transformaespropostas reafirmam certas posies, s vezes outras. Esse movimento de vai e volta gera, para amaioria dos professores, um desnimo para se engajar nos projetos de trabalho propostos, mesmoque lhes paream interessantes, pois eles dificilmente tero continuidade.

    Em sntese, as escolas brasileiras, para exercerem a funo social aqui proposta, precisampossibilitar o cultivo dos bens culturais e sociais, considerando as expectativas e as necessidadesdos alunos, dos pais, dos membros da comunidade, dos professores, enfim, dos envolvidos direta-mente no processo educativo. nesse universo que o aluno vivencia situaes diversificadas quefavorecem o aprendizado, para dialogar de maneira competente com a comunidade, aprender arespeitar e a ser respeitado, a ouvir e a ser ouvido, a reivindicar direitos e a cumprir obrigaes, aparticipar ativamente da vida cientfica, cultural, social e poltica do Pas e do mundo.

    ESCOLA: UMA CONSTRUO COLETIVAE PERMANENTE

    Nessa perspectiva, essencial a vinculao da escola com as questes sociais e com os valoresdemocrticos, no s do ponto de vista da seleo e tratamento dos contedos, como tambm daprpria organizao escolar. As normas de funcionamento e os valores, implcitos e explcitos, queregem a atuao das pessoas na escola so determinantes da qualidade do ensino, interferindo demaneira significativa sobre a formao dos alunos.

    Com a degradao do sistema educacional brasileiro, pode-se dizer que a maioria das escolas tende aser apenas um local de tra balho individualizado e no uma organizao com objetivos prprios, elaborados emanifestados pela ao coordenada de seus diversos profissionais.

    Para ser uma organizao eficaz no cumprimento de propsitos estabelecidos em conjunto porprofessores, coordenadores e diretor, e garantir a formao coerente de seus alunos ao longo da escolaridadeobrigatria, imprescindvel que cada escola discuta e construa seu projeto educativo.

    Esse projeto deve ser entendido como um processo que inclui a formulao de metas e meios, segundoa particularidade de cada escola, por meio da criao e da valorizao de rotinas de trabalho pedaggico emgrupo e da co-responsabilidade de todos os membros da comunidade escolar, para alm do planejamento deincio de ano ou dos perodos de reciclagem.

    A experincia acumulada por seus profissionais naturalmente a base para a reflexo e aelaborao do projeto educativo de uma escola. Alm desse repertrio, outras fontes importantespara a definio de um projeto educativo so os currculos locais, a bibliografia especializada, ocontato com outras experincias educacionais, assim como os Parmetros Curriculares Nacionais,que formulam questes essenciais sobre o que, como e quando ensinar, constituindo um referencialsignificativo e atualizado sobre a funo da escola, a importncia dos contedos e o tratamento aser dado a eles.

  • 36

    Ao elaborar seu projeto educativo, a escola discute e explicita de forma clara os valorescoletivos assumidos. Delimita suas prioridades, define os resultados desejados e incorpora a auto-avaliao ao trabalho do professor. Assim, organiza-se o planejamento, rene-se a equipe de traba-lho, provoca-se o estudo e a reflexo contnuos, dando sentido s aes cotidianas, reduzindo aimprovisao e as condutas estereotipadas e rotineiras que, muitas vezes, so contraditrias com osobjetivos educacionais compartilhados.

    A contnua realizao do projeto educativo possibilita o conhecimento das aes desenvolvidaspelos diferentes professores, sendo base de dilogo e reflexo para toda a equipe escolar. Nesseprocesso evidencia-se a necessidade da participao da comunidade, em especial dos pais, tomandoconhecimento e interferindo nas propostas da escola e em suas estratgias. O resultado que seespera a possibilidade de os alunos terem uma experincia escolar coerente e bem-sucedida.

    Deve ser ressaltado que uma prtica de reflexo coletiva no algo que se atinge de umahora para outra e a escola uma realidade complexa, no sendo possvel tratar as questes como sefossem simples de serem resolvidas. Cada escola encontra uma realidade, uma trama, umconjunto de circunstncias e de pessoas. preciso que haja incentivo do poder pblico local, poiso desenvolvimento do projeto requer tempo para anlise, discusso e reelaborao contnua, o ques possvel em um clima institucional favorvel e com condies objetivas de realizao.

    Aprender e ensinar, construir e interagir

    Por muito tempo a pedagogia focou o processo de ensino no professor, supondo que, comodecorrncia, estaria valorizando o conhecimento. O ensino, ento, ganhou autonomia em relao aprendizagem, criou seus prprios mtodos e o processo de aprendizagem ficou relegado a segundoplano. Hoje sabe-se que necessrio ressignificar a unidade entre aprendizagem e ensino, uma vezque, em ltima instncia, sem aprendizagem o ensino no se realiza.

    A busca de um marco explicativo que permita essa ressignificao, alm da criao de novosinstrumentos de anlise, planejamento e conduo da ao educativa na escola, tem se situado,atualmente, para muitos dos tericos da educao, dentro da perspectiva construtivista.

    A perspectiva construtivista na educao configurada por uma srie de princpios explicativosdo desenvolvimento e da aprendizagem humana que se complementam, integrando um conjuntoorientado a analisar, compreender e explicar os processos escolares de ensino e aprendizagem.

    A configurao do marco explicativo construtivista para os processos de educao escolardeu-se, entre outras influncias, a partir da psicologia gentica, da teoria sociointeracionista e dasexplicaes da atividade significativa. Vrios autores partiram dessas idias para desenvolver econceitualizar as vrias dimenses envolvidas na educao escolar, trazendo inegveis contribuies teoria e prtica educativa.

    O ncleo central da integrao de todas essas contribuies refere-se ao reconhecimento daimportncia da atividade mental construtiva nos processos de aquisio de conhecimento. Da otermo construtivismo, denominando essa convergncia. Assim, o conhecimento no visto comoalgo situado fora do indivduo, a ser adquirido por meio de cpia do real, tampouco como algo queo indivduo constri independentemente da realidade exterior, dos demais indivduos e de suas

  • 37

    prprias capacidades pessoais. , antes de mais nada, uma construo histrica e social, na qualinterferem fatores de ordem cultural e psicolgica.

    A atividade construtiva, fsica ou mental, permite interpretar a realidade e construirsignificados, ao mesmo tempo que permite construir novas possibilidades de ao e de conhecimento.

    Nesse processo de interao com o objeto a ser conhecido, o sujeito constri representaes,que funcionam como verdadeiras explicaes e se orientam por uma lgica interna que, por maisque possa parecer incoerente aos olhos de um outro, faz sentido para o sujeito. As idiasequivocadas, ou seja, construdas e transformadas ao longo do desenvolvimento, fruto deaproximaes sucessivas, so expresso de uma construo inteligente por parte do sujeito e,portanto, interpretadas como erros construtivos.

    A tradio escolar que no faz diferena entre erros integrantes do processo de aprendizageme simples enganos ou desconhecimentos trabalha com a idia de que a ausncia de erros natarefa escolar a manifestao da aprendizagem. Hoje, graas ao avano da investigao cientficana rea da aprendizagem, tornou-se possvel interpretar o erro como algo inerente ao processo deaprendizagem e ajustar a interveno pedaggica para ajudar a super-lo. A superao do erro resultado do processo de incorporao de novas idias e de transformao das anteriores, de maneiraa dar conta das contradies que se apresentarem ao sujeito para, assim, alcanar nveis superioresde conhecimento.

    O que o aluno pode aprender em determinado momento da escolaridade depende daspossibilidades delineadas pelas formas de pensamento de que dispe naquela fase dedesenvolvimento, dos conhecimentos que j construiu anteriormente e do ensino que recebe. Isto, a interveno pedaggica deve-se ajustar ao que os alunos conseguem realizar em cada momentode sua aprendizagem, para se constituir verdadeira ajuda educativa. O conhecimento resultadode um complexo e intrincado processo de modificao, reorganizao e construo, utilizado pelosalunos para assimilar e interpretar os contedos escolares.

    Por mais que o professor, os companheiros de classe e os materiais didticos possam, e devam,contribuir para que a aprendizagem se realize, nada pode substituir a atuao do prprio aluno na tarefa deconstruir significados sobre os contedos da aprendizagem. ele quem modifica, enriquece e, portanto,constri novos e mais potentes instrumentos de ao e interpretao.

    Mas o desencadeamento da atividade mental construtiva no suficiente para que a educaoescolar alcance os objetivos a que se prope: que as aprendizagens estejam compatveis com o quesignificam socialmente.

    O processo de atribuio de sentido aos contedos escolares , portanto, individual; porm, tambm cultural na medida em que os significados construdos remetem a formas e saberessocialmente estruturados.

    Conceber o processo de aprendizagem como propriedade do sujeito no implica desvalorizaro papel determinante da interao com o meio social e, particularmente, com a escola. Ao contrrio,situaes escolares de ensino e aprendizagem so situaes comunicativas, nas quais os alunos eprofessores atuam como co-responsveis, ambos com uma influncia decisiva para o xito doprocesso.

    A abordagem construtivista integra, num nico esquema explicativo, questes relativas aodesenvolvimento individual e pertinncia cultural, construo de conhecimentos e interao social.Considera o desenvolvimento pessoal como o processo mediante o qual o ser humano assume a cultura do

  • 38

    grupo social a que pertence. Processo no qual o desenvolvimento pessoal e a aprendizagem daexperincia humana culturalmente organizada, ou seja, socialmente produzida e historicamenteacumulada, no se excluem nem se confundem, mas interagem. Da a importncia das interaesentre crianas e destas com parceiros experientes, dentre os quais destacam-se professores e outrosagentes educativos.

    O conceito de aprendizagem significativa, central na perspectiva construtivista, implica,necessariamente, o trabalho simblico de significar a parcela da realidade que se conhece. Asaprendizagens que os alunos realizam na escola sero significativas medida que conseguiremestabelecer relaes substantivas e no-arbitrrias entre os contedos escolares e os conhecimentospreviamente construdos por eles, num processo de articulao de novos significados.

    Cabe ao educador, por meio da interveno pedaggica, promover a realizao de aprendizagens como maior grau de significado possvel, uma vez que esta nunca absoluta sempre possvel estabeleceralguma relao entre o que se pretende conhecer e as possibilidades de observao, reflexo e informaoque o sujeito j possui.

    A aprendizagem significativa implica sempre alguma ousadia: diante do problema posto, o aluno precisaelaborar hipteses e experiment-las. Fatores e processos afetivos, motivacionais e relacionais so impor-tantes nesse momento. Os conhecimentos gerados na histria pessoal e educativa tm um papel determinantena expectativa que o aluno tem da escola, do professor e de si mesmo, nas suas motivaes einteresses, em seu autoconceito e em sua auto-estima. Assim como os significados construdos peloaluno esto destinados a ser substitudos por outros no transcurso das atividades, as representaesque o aluno tem de si e de seu processo de aprendizagem tambm. fundamental, portanto, que ainterveno educativa escolar propicie um desenvolvimento em direo disponibilidade exigidapela aprendizagem significativa.

    Se a aprendizagem for uma experincia de sucesso, o aluno constri uma representao de si mesmocomo algum capaz. Se, ao contrrio, for uma experincia de fracasso, o ato de aprender tender ase transformar em ameaa, e a ousadia necessria se transformar em medo, para o qual a defesapossvel a manifestao de desinteresse.

    A aprendizagem condicionada, de um lado, pelas possibilidades do aluno, que englobam tanto osnveis de organizao do pensamento como os conhecimentos e experincias prvias, e, de outro, pela interaocom os outros agentes.

    Para a estruturao da interveno educativa fundamental distinguir o nvel de desenvolvimento realdo potencial. O nvel de desenvolvimento real se determina como aquilo que o aluno pode fazer sozinho emuma situao determinada, sem ajuda de ningum. O nvel de desenvolvimento potencial determinado peloque o aluno pode fazer ou aprender mediante a interao com outras pessoas, conforme as observa, imitan-do, trocando idias com elas, ouvindo suas explicaes, sendo desafiado por elas ou contrapondo-se a elas,sejam essas pessoas o professor ou seus colegas. Existe uma zona de desenvolvimento prximo, dada peladiferena existente entre o que um aluno pode fazer sozinho e o que pode fazer ou aprender com a ajuda dosoutros. De acordo com essa concepo, falar dos mecanismos de interveno educativa equivale a falar dosmecanismos interativos pelos quais professores e colegas conseguem ajustar sua ajuda aos processos deconstruo de significados realizados pelos alunos no decorrer das atividades escolares de ensino e aprendi-zagem.

    Existem ainda, dentro do contexto escolar, outros mecanismos de influncia educativa, cuja natureza efuncionamento em grande medida so desconhecidos, mas que tm incidncia considervel sobre a aprendi-zagem dos alunos. Dentre eles destacam-se a organizao e o funcionamento da instituio escolar e os

  • 39

    O professor deve ter propostas claras sobre o que, quando e como ensinar e avaliar, a fim depossibilitar o planejamento de atividades de ensino para a aprendizagem de maneira adequada ecoerente com seus objetivos. a partir dessas determinaes que o professor elabora a programa-o diria de sala de aula e organiza sua interveno de maneira a propor situaes de aprendizagemajustadas s capacidades cognitivas dos alunos.

    Em sntese, no a aprendizagem que deve se ajustar ao ensino, mas sim o ensino que devepotencializar a aprendizagem.

    valores implcitos e explcitos que permeiam as relaes entre os membros da escola; so fatoresdeterminantes da qualidade de ensino e podem chegar a influir de maneira significativa sobre o quee como os alunos aprendem.

    Os alunos no contam exclusivamente com o contexto escolar para a construo de conhecimentosobre contedos considerados escolares. A mdia, a famlia, a igreja, os amigos, so tambm fontes deinfluncia educativa que incidem sobre o processo de construo de significado desses contedos. Essasinfluncias sociais normalmente somam-se ao processo de aprendizagem escolar, contribuindo para consolid-lo; por isso importante que a escola as considere e as integre ao trabalho. Porm, algumas vezes,essa mesma influncia pode apresentar obstculos aprendizagem escolar, ao indicar uma direodiferente, ou mesmo oposta, daquela presente no encaminhamento escolar. necessrio que aescola considere tais direes e fornea uma interpretao dessas diferenas, para que a intervenopedaggica favorea a ultrapassagem desses obstculos num processo articulado de interao eintegrao.

    Se o projeto educacional exige ressignificar o processo de ensino e aprendizagem, este precisa sepreocupar em preservar o desejo de conhecer e de saber com que todas as crianas chegam escola.Precisa manter a boa qualidade do vnculo com o conhecimento e no destru-lo pelo fracasso reiterado. Masgarantir experincias de sucesso no significa omitir ou disfarar o fracasso; ao contrrio, significa conseguirrealizar a tarefa a que se props. Relaciona-se, portanto, com propostas e intervenes pedaggicasadequadas.

  • 40

  • 41

    ORGANIZAO DOS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS

    A anlise das propostas curriculares oficiais para o ensino fundamental, elaborada pelaFundao Carlos Chagas, aponta dados relevantes que auxiliam a reflexo sobre a organizaocurricular e a forma como seus componentes so abordados.

    Segundo essa anlise, as propostas, de forma geral, apontam como grandes diretrizes umaperspectiva democrtica e participativa, e que o ensino fundamental deve se comprometer com aeducao necessria para a formao de cidados crticos, autnomos e atuantes. No entanto, amaioria delas apresenta um descompasso entre os objetivos anunciados e o que proposto paraalcan-los, entre os pressupostos tericos e a definio de contedos e aspectos metodolgicos.

    A estrutura dos Parmetros Curriculares Nacionais buscou contribuir para a superao dessacontradio. A integrao curricular assume as especificidades de cada componente e delineia aoperacionalizao do processo educativo desde os objetivos gerais do ensino fundamental, passan-do por sua especificao nos objetivos gerais de cada rea e de cada tema transversal, deduzindodesses objetivos os contedos apropriados para configurar as reais intenes educativas. Assim, osobjetivos, que definem capacidades, e os contedos, que estaro a servio do desenvolvimentodessas capacidades, formam uma unidade orientadora da proposta curricular.

    Para que se possa discutir uma prtica escolar que realmente atinja seus objetivos, osParmetros Curriculares Nacionais apontam questes de tratamento didtico por rea e por ciclo,procurando garantir coerncia entre os pressupostos tericos, os objetivos e os contedos, mediantesua operacionalizao em orientaes didticas e critrios de avaliao. Em outras palavras, apontamo que e como se pode trabalhar, desde as sries iniciais, para que se alcancem os objetivos preten-didos.

    As propostas curriculares oficiais dos Estados esto organizadas em disciplinas e/ou reas. Apenasalguns Municpios optam por princpios norteadores, eixos ou temas, que visam tratar os contedos demodo interdisciplinar, buscando integrar o cotidiano social com o saber escolar.

    Nos Parmetros Curriculares Nacionais, optou-se por um tratamento especfico das reas,em funo da importncia instrumental de cada uma, mas contemplou-se tambm a integraoentre elas. Quanto s questes sociais relevantes, reafirma-se a necessidade de sua problematizaoe anlise, incorporando-as como temas transversais. As questes sociais abordadas so: tica, sade,meio ambiente, orientao sexual e pluralidade cultural.

    Quanto ao modo de incorporao desses temas no currculo, prope-se um tratamentotransversal, tendncia que se manifesta em algumas experincias nacionais e internacionais, emque as questes sociais se integram na prpria concepo terica das reas e de seus componentescurriculares.

    De acordo com os princpios j apontados, os contedos so considerados como um meiopara o desenvolvimento amplo do aluno e para a sua formao como cidado. Portanto, cabe escola o propsito de possibilitar aos alunos o domnio de instrumentos que os capacitem a relaci-onar conhecimentos de modo significativo, bem como a utilizar esses conhecimentos natransformao e construo de novas relaes sociais.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais apresentam os contedos de tal forma que se possadeterminar, no momento de sua adequao s particularidades de Estados e Municpios, o grau de

  • 42

    profundidade apropriado e a sua melhor forma de distribuio no decorrer da escolaridade, demodo a constituir um corpo de contedos consistentes e coerentes com os objetivos.

    A avaliao considerada como elemento favorecedor da melhoria de qualidade daaprendizagem, deixando de funcionar como arma contra o aluno. assumida como parte integrantee instrumento de auto-regulao do processo de ensino e aprendizagem, para que os objetivospropostos sejam atingidos. A avaliao diz respeito no s ao aluno, mas tambm ao professor e aoprprio sistema escolar.

    A opo de organizao da escolaridade em ciclos, tendncia predominante nas propostas mais atuais, referendada pelos Parmetros Curriculares Nacio