políticas públicas de ambiente em portugal: contextos legislativos

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I Universidade de Lisboa Universidade Nova de Lisboa Políticas Públicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinâmicas de implementação Ana Isabel Tété Garcia Doutoramento em Ciências do Ambiente 2013

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  • I

    Universidade de Lisboa Universidade Nova de Lisboa

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal:

    Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao

    Ana Isabel Tt Garcia

    Doutoramento em Cincias do Ambiente

    2013

  • II

  • III

    Universidade de Lisboa Universidade Nova de Lisboa

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal:

    Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao

    Ana Isabel Tt Garcia

    Doutoramento em Cincias do Ambiente

    Dissertao orientada pelo Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques e pelo Professor

    Doutor Joo Ferro no mbito do Programa Doutoral em Alteraes Climticas e Polticas de

    Desenvolvimento Sustentvel

    2013

  • IV

  • V

    Agradecimentos,

    Ao Professor Viriato Soromenho-Marques e ao Professor Joo Ferro que tornaram este projeto

    possvel, ao acreditarem e conferirem significado ideia inicial e minha vontade de aprender e de a

    desenvolver. A sua orientao, sempre disponvel, dotada de estmulos, de rigor e de confiana,

    capacitou o trabalho e a minha esperana, mais que eu poderia desejar.

    Ao Professor Filipe Duarte Santos, pela sua confiana neste projeto, como responsvel pela criao do

    Programa Doutoral em Alteraes Climticas e Polticas de Desenvolvimento Sustentvel, no qual tive

    a oportunidade e o prazer de compreender, debater, aprender, e atuar.

    Aos dirigentes do Ministrio do Ambiente e do Ordenamento do Territrio e do Ministrio da Agricultura,

    do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Territrio que demonstraram a abertura essencial para a

    realizao dos estudos de casos, sem impor restries, viabilizando este trabalho.

    Aos funcionrios da Administrao Pblica que tiveram a generosidade de ceder tempo do trabalho

    dirio, que muito, e que com os seus conhecimentos e experincia contriburam de forma

    determinante para este projeto, visando a melhoria da implementao de polticas pblicas, em

    benefcio do interesse pblico.

    Um agradecimento especial So, pela sua disponibilidade, e capacidade tcnica, nos meus

    momentos de desespero informtico.

    Aos meus amigos que sempre me apoiaram e com os quais tudo faz sentido.

    minha querida famlia, o meu porto de abrigo.

    Em particular Sofia e Laura, a alegria, o amor e a felicidade.

    E ao Miguel, que me lembra sempre do que est para alm do tempo e ilumina os nossos dias.

  • VI

  • VII

    Resumo

    O Governo e a Assembleia da Repblica podem aprovar um conjunto vasto de legislao ambiental,

    mas se esta no for implementada de forma efetiva pela Administrao Pblica no ocorrer a

    alterao realidade que se pretendia com a sua publicao (dfice de implementao). A Unio

    Europeia e os seus Estados-membros reconhecem, por isso, a necessidade de garantir uma maior

    eficcia na implementao de polticas pblicas de ambiente.

    Em Portugal, apesar de existir a perceo de um dfice de cumprimento da legislao ambiental,

    so escassos os instrumentos que permitiriam avaliar a implementao das polticas pblicas de

    ambiente e servir de base para a correo dos desvios entre os objetivos iniciais e os resultados finais.

    Neste contexto, o presente trabalho pretende investigar se a implementao dos diplomas de proteo

    do ambiente atravs de mecanismos de regulao de comando e controlo bem-sucedida e

    compreender como se pode utilizar esse conhecimento em benefcio da implementao.

    A investigao incidiu em trs estudos de caso sobre implementao de polticas de ambiente,

    baseados nos diplomas que estabelecem, respetivamente, a preveno e controlo da emisso de

    poluentes para a atmosfera, a qualidade da gua para consumo humano, e a captao de gua

    subterrnea. Para analisar a caixa preta onde ocorrem os processos da Administrao Pblica que transformam recursos em produtos, que, por sua vez, conduzem a resultados (desejados e

    indesejados), utilizaram-se indicadores compsitos.

    Verifica-se que uma implementao bem-sucedida facilitada por entidades reguladoras com

    estratgias individuais e conjuntas claras, visveis, dinmicas e operacionalizveis, sendo essencial que

    a tomada de deciso de polticas pblicas seja orientada e prepare a fase subsequente, a

    implementao.

    Palavras chave: Ambiente; Polticas Pblicas; Regulao; Dfice de implementao; Administrao Pblica

  • VIII

  • IX

    Abstract

    The parliament and the government may enact many environmental laws, but if the resulting legal

    framework isnt effectively implemented by the Public Administration, those regulations wont bring the desired shift into reality (implementation gap). The European Union and its member states acknowledge

    the need to assure an effective environmental policy implementation. Although there is a perception of

    the lack of compliance in the field of environmental laws in Portugal there are no monitoring and

    evaluation instruments to measure the degree of success in the implementation policys stage. In this context, our research aims to clarify if environmental legislation, applied by processes of command and

    control, is successful and to explore how we can improve policymaking through such an evaluation.

    This research is developed upon three case studies of public policies implementation concerning, namely, the prevention and control of air pollution from stationary sources, water quality for human

    consumption, and, finally, the extraction of groundwater. We use composite indicators to analyze the

    black box where the endeavours of Public Administration, may change inputs into outputs, leading to wanted but also unwanted results.

    We found out that when the implementation is successful, the main factors that ease the reaching of

    that positive outcome are the fruitful combination of individual and overarching strategies developed by

    the regulatory actors and clear, visible and operational procedures, which require the readiness of policy

    decision-making to anticipate the next step, the implementation stage.

    Key words: Environment; Public Policy; Command and control regulation; Implementation gap; Public

    Administration

  • X

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    ndice

    PARTE I - INTRODUO E ENQUADRAMENTO .............................................................................................................. 1

    Captulo 1 - Introduo ....................................................................................................................................................... 1 Captulo 2 - Enquadramento e reviso bibliogrfica ............................................................................................................. 6 2.1 A implementao no ciclo das polticas pblicas ............................................................................................................ 6 O ciclo das polticas pblicas .............................................................................................................................................. 6 A implementao de polticas pblicas por regulao de comando e controlo ...................................................................... 7 O estudo da implementao de polticas pblicas por regulao de comando e controlo .................................................... 10 2.2 O contexto da implementao por regulao de comando e controlo nas polticas pblicas .......................................... 12 A funo administrativa do Governo e da Administrao Pblica ....................................................................................... 14 A funo administrativa no interior das organizaes da Administrao Pblica ................................................................. 15 A funo administrativa e as funes legislativa, de fiscalizao e jurisdicional .................................................................. 16 A funo administrativa e a funo poltica ........................................................................................................................ 17 A funo administrativa no nvel europeu e nacional .......................................................................................................... 19 2.3 Entre a tomada de deciso e a implementao por regulao de comando e controlo .................................................. 20 A tomada de deciso nos nveis europeu e nacional .......................................................................................................... 20 O interesse pblico, critrios e prioridades ........................................................................................................................ 24 Os instrumentos e meios de operacionalizar o interesse pblico ........................................................................................ 26 2.4 Entre a implementao por regulao de comando e controlo e a avaliao................................................................. 31 Nos nveis europeu e nacional .......................................................................................................................................... 31 Em Portugal ..................................................................................................................................................................... 36 Operacionalizao do interesse pblico: como ordenar os valores pblicos ....................................................................... 38 2.5 A avaliao da implementao por regulao de comando e controlo .......................................................................... 42 O estudo da avaliao da implementao ......................................................................................................................... 42 A conexo entre a avaliao da implementao e o desempenho das organizaes pblicas ............................................ 45 Os indicadores de avaliao (e de desempenho)............................................................................................................... 47 Uma poltica pblica de regulao..................................................................................................................................... 50 Captulo III Quadro analtico e metodologia .................................................................................................................... 53 3.1 Objetivos e contexto da investigao ........................................................................................................................... 53 3.2 O mbito e metodologias da investigao .................................................................................................................... 55 Os processos ................................................................................................................................................................... 55 As polticas pblicas e respetivos guies ........................................................................................................................... 57 Os intervenientes ............................................................................................................................................................. 58 Os princpios e conceitos .................................................................................................................................................. 60 As metodologias ............................................................................................................................................................... 60 A posio da autora .......................................................................................................................................................... 62 3.3 O quadro analtico ...................................................................................................................................................... 64 O desempenho da Administrao Publica ......................................................................................................................... 64 A operacionalizao ......................................................................................................................................................... 66 O desenvolvimento dos estudos de caso........................................................................................................................... 69 3.4 Os resultados da investigao..................................................................................................................................... 93 A pontuao dos indicadores compsitos .......................................................................................................................... 93 Anlise crtica e limitaes ................................................................................................................................................ 93

    PARTE II - ESTUDO DE CASO A: O REGIME LEGAL DA PREVENO E CONTROLO DAS EMISSES DE POLUENTES PARA A ATMOSFERA............................................................................................................................... 97

    Captulo 1- Introduo ao estudo de caso A e apresentao dos resultados ...................................................................... 97 1.1 Objetivos e mbito ...................................................................................................................................................... 97 1.2 Notas metodolgicas ................................................................................................................................................ 104 1.3 Apresentao de resultados ...................................................................................................................................... 110 Indicadores externos ...................................................................................................................................................... 110

  • XII

    Indicadores compsitos .................................................................................................................................................. 116 Captulo 2 -Discusso dos resultados obtidos atravs de indicadores compsitos ............................................................ 120 2.1 Obstculos ............................................................................................................................................................... 121 A existncia de elevado nmero de entidades reguladoras sem uma estratgia individual clara e sem uma estratgia conjunta, visvel, dinmica e operacionalizada................................................................................................................. 121 A carncia de mecanismos que assegurem a coerncia e harmonizao de diretrizes ..................................................... 123 A carncia de troca de informao entre as entidades competentes pelo licenciamento, anlise de autocontrolo e fiscalizao/inspeo ...................................................................................................................................................... 125 Formulao pouco clara e rigorosa dos diplomas aliada falta de instrumentos de regulao: A ausncia do licenciamento e os impactes na preveno ............................................................................................... 127 A ligao entre o DL n. 78/2004 e os diplomas que regem as atividades principais dos UA ............................................. 130 A ligao entre o DL n. 78/2004 e os diplomas conexos na anlise de autocontrolo ........................................................ 137 As omisses na qualidade e universo na anlise de autocontrolo .................................................................................... 143 A ligao entre o DL n. 78/2004 e outros diplomas na definio de alteraes e no seu mbito de aplicao................... 150 A relao entre o nvel nacional e regional e o seu impacte na proporcionalidade ............................................................ 154 A relao entre o nvel nacional e regional e os incumprimentos/tolerncias/situaes potenciais de emergncia ............. 161 A excedncia de valores limite de emisso e o incumprimento legal ................................................................................ 164 A representatividade da amostra pontual e a acreditao ................................................................................................ 167 A elaborao do relatrio de autocontrolo segundo o anexo II ......................................................................................... 172 Os parmetros e VLE relevantes .................................................................................................................................... 174 As emisses difusas ....................................................................................................................................................... 177 Os VEA e a BREF ECM.................................................................................................................................................. 180 2.2 Facilitadores ............................................................................................................................................................. 182 O diploma PCIP, o diploma GIC e a limitao do teor de enxofre nos combustveis .......................................................... 182 As estaes de medio da qualidade do ar e o QualAr .................................................................................................. 182 O inventrio nacional, os inventrios regionais e os Planos de Melhoria da Qualidade do Ar ............................................ 183 Os sistemas de informao e o acesso informao ...................................................................................................... 183 Cooperao entre a APA, as CCDR, a IGAOT e o SEPNA .............................................................................................. 184 O regime trienal, fontes mltiplas, sazonalidade e iseno de monitorizao.................................................................... 185 A representatividade da amostra e a acreditao ............................................................................................................ 186 O incio de uma ao mais efetiva na correo dos incumprimentos reiterados ................................................................ 187 2.3 Sntese ..................................................................................................................................................................... 188

    PARTE III - ESTUDO DE CASO B: REGIME JURDICO DA QUALIDADE DA GUA DESTINADA AO CONSUMO HUMANO ....................................................................................................................................................................... 193

    Captulo 1 - Introduo ao estudo de caso B e apresentao dos resultados.................................................................... 193 1.1 Objetivos e mbito .................................................................................................................................................... 193 1.2 Notas metodolgicas ................................................................................................................................................ 198 1.3 Apresentao de resultados ...................................................................................................................................... 201 Indicadores externos ...................................................................................................................................................... 201 Indicadores compsitos .................................................................................................................................................. 203 Captulo 2 - Discusso dos resultados obtidos atravs de indicadores compsitos ........................................................... 206 2.1 Facilitadores ............................................................................................................................................................. 206 A existncia de uma entidade reguladora nica com estratgia clara, visvel, dinmica e operacionalizada....................... 206 A formulao clara e rigorosa do diploma e a adequao dos instrumentos de apoio regulao (sistemas de informao, guias e recomendaes) ................................................................................................................................................. 208 Acreditao dos laboratrios e a certificao de tcnicos de amostragem e definio das condies de amostragem e ensaio especficas regulao da qualidade da gua para consumo humano ................................................................. 212 2.2 Obstculos ............................................................................................................................................................... 213 Insuficiente conjugao da regulao da qualidade da gua para consumo humano e da qualidade ambiental ................. 213 Insuficiente coordenao entre a anlise de autocontrolo e fiscalizao ........................................................................... 214 Dificuldades na construo de processos de contraordenao ........................................................................................ 215

  • XIII

    Dificuldades na gesto dos incumprimentos (legais) ........................................................................................................ 216 2.3 A separao entre a lei da gua e a qualidade da gua para consumo humano ......................................................... 220 A separao formal e a relao real ................................................................................................................................ 220 2.4 A conexo entre a implementao da regulao da qualidade da gua para consumo humano em sistemas pblicos e da regulao ambiental................................................................................................................................................... 226 2.5 O domnio hdrico pblico e os recursos hdricos particulares: um motivo para no entregar o pedido de TURH .......... 234 2.6 A conexo entre a implementao da regulao da qualidade da gua para consumo humano em sistemas particulares e a regulao ambiental.................................................................................................................................................. 239 2.7 Sntese ..................................................................................................................................................................... 242

    PARTE IV - ESTUDO DE CASO C: A LEI DA GUA NA VERTENTE DA CAPTAO DE GUAS SUBTERRNEAS PARA FINS INDUSTRIAIS ............................................................................................................................................. 247

    Captulo 1 - Introduo ao estudo de caso C e apresentao dos resultados ................................................................... 247 1.1 Objetivos e mbito .................................................................................................................................................... 247 1.2 Notas metodolgicas ................................................................................................................................................ 254 1.3 Apresentao de resultados ...................................................................................................................................... 260 Indicadores externos ...................................................................................................................................................... 260 Indicadores compsitos .................................................................................................................................................. 264 Captulo 2 - Discusso dos resultados obtidos atravs de indicadores compsitos ........................................................... 268 2.1 Obstculos ............................................................................................................................................................... 269 A existncia de elevado nmero de entidades reguladoras sem uma estratgia individual clara e sem uma estratgia conjunta, visvel, dinmica e operacionalizada................................................................................................................. 269 A ausncia de mecanismos que assegurem a coerncia e harmonizao de diretrizes .................................................... 270 A ausncia do SNITURH e o atraso na emisso de decises administrativas de licenciamento ........................................ 271 A carncia de troca de informao no interior do Ministrio do Ambiente e com o seu exterior e a falta de utilizao da informao disponvel (REF) ........................................................................................................................................... 272 A ausncia de uma etapa da regulao (a anlise de autocontrolo) e as notificaes ....................................................... 274 A carncia de informao necessria, validada, decifrada e atualizada sobre o estado do ambiente e a sua relao com as atividades antropognicas e a falta de utilizao da informao disponvel (SNIRH) ........................................................ 277 Formulao pouco clara e rigorosa dos diplomas aliada falta de instrumentos de regulao: A regularizao e as captaes existentes .................................................................................................................... 281 O licenciamento das captaes de gua subterrnea novas (pesquisa, execuo e explorao) .................................... 288 O afastamento mnimo de 100 m entre captaes ........................................................................................................... 292 O licenciamento das entidades que exercem a atividade de pesquisa e execuo de captaes de guas subterrneas e a montagem dos equipamentos de extrao ...................................................................................................................... 294 A indefinio operacional dos impactes significativos nos recursos hdricos e o limite dos 5 cv ......................................... 297 A sobreposio da anlise de autocontrolo e a TRH ........................................................................................................ 303 A veracidade da informao prestada pelos utilizadores do ambiente sobre a potncia dos meios de extrao e os resultados do autocontrolo .............................................................................................................................................. 306 A manuteno e operao da captao e as alteraes da deciso administrativa de licenciamento ................................ 308 O planeamento da ao da fiscalizao e a inspeo, as reclamaes e os acidentes de poluio ................................... 309 A relao entre a qualidade no licenciamento e na fiscalizao/inspeo e o incumprimento legal .................................... 313 A (falta de) conexo entre a Lei da gua e os regimes de licenciamento das atividades principais dos UA ....................... 317 A (falta de) conexo entre a Lei da gua e os regimes PCIP e AIA .................................................................................. 324 2.2 Facilitadores ............................................................................................................................................................. 330 Esforo de regularizao das captaes existentes e de licenciamento das captaes novas .................................... 330 As redes de monitorizao dos recursos hdricos e o SNIRH ........................................................................................... 330 Os Planos de Gesto de Bacia Hidrogrfica .................................................................................................................... 331 A implementao efetiva do regime econmico e financeiro, taxa de recursos hdricos .................................................... 331 Cooperao entre as ARH e a IGAOT e o SEPNA .......................................................................................................... 332 O licenciamento das entidades que exercem a atividade de pesquisa e execuo de captaes de guas subterrneas .. 332 O grupo de trabalho de preparao do SNITURH, o seu desenho e respetivos guias ....................................................... 333

  • XIV

    As prticas mais consentneas ....................................................................................................................................... 333 2.3 Sntese ..................................................................................................................................................................... 334

    PARTE V CONCLUSES E RECOMENDAES ....................................................................................................... 339 1.Percurso da investigao ............................................................................................................................................. 339 2.Concluses e recomendaes ..................................................................................................................................... 340 Entidades reguladoras com estratgias individuais e conjuntas claras, visveis, dinmicas e operacionalizveis ............... 342 Uma tomada de deciso para a implementao .............................................................................................................. 345 A efetividade da implementao ..................................................................................................................................... 347 As linhas orientadoras, os procedimentos e as prticas administrativas ........................................................................... 348 O licenciamento como concretizador da sustentabilidade e do princpio da solidariedade entre geraes ......................... 349 A importncia da qualidade do licenciamento .................................................................................................................. 350 A anlise do autocontrolo como triagem .......................................................................................................................... 352 O uso de dados fiveis, comparveis e decifrados, do ambiente e do desempenho ambiental ....................................... 353 A conjuno da inspeo e da fiscalizao ...................................................................................................................... 354 Uma poltica pblica de regulao................................................................................................................................... 355

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................................................................... 359

    SIGLAS E ACRNIMOS ................................................................................................................................................ 369

    Anexo A - Estudo de caso A Anexo B - Estudo de caso B Anexo C - Estudo de caso C Anexo D - CCDR-DSA e APA-DACAR Anexo E - APA-DALA, APA-DOGR e CCDR-DSA (aterros) Anexo F - ARH Anexo G - IGAOT Anexo H - APA-GAIA e CCDR-DSA (AIA) Anexo I - ERSAR

  • XV

    ndice de Quadros

    Quadro 1: As cinco fases do ciclo das polticas pblicas ...................................................................................................... 6 Quadro 2: Comparao da regulao de comando e controlo face a outros instrumentos de implementao ........................ 9 Quadro 3: Definio das etapas do ciclo primrio de regulao ........................................................................................... 9 Quadro 4: Exerccio do poder/competncia/funo dos diversos intervenientes na CRP..................................................... 13 Quadro 5: Dez traves mestras da implementao de diretivas de proteo ambiental ........................................................ 23 Quadro 6: Principais valores inerentes ao da Administrao Pblica inscritos na CRP ................................................. 24 Quadro 7: Resumo dos 5 atributos das regras eficazes ..................................................................................................... 28 Quadro 8: Objetivos definidos pela Comisso Europeia no mbito da implementao da legislao ambiental ................... 33 Quadro 9: Objetivos definidos pela NEPA e IMPEL no mbito da implementao da legislao ambiental .......................... 35 Quadro 11: Tipos de avaliao das polticas pblicas ........................................................................................................ 43 Quadro 12: Condies a respeitar no desenho do conjunto de indicadores ........................................................................ 48 Quadro 13: Efeitos perversos no uso de instrumentos de medio de desempenho ........................................................... 49 Quadro 14: Critrios da qualidade da regulao ................................................................................................................ 51 Quadro 15: Definio dos elementos do modelo lgico de desempenho da Administrao Pblica ..................................... 65 Quadro 16: Categorizao dos requisitos da legislao em estudo .................................................................................... 66 Quadro 17: Subcategorizao das Categorias Licenciamento, Autocontrolo e Fiscalizao/Inspeo ................................. 67 Quadro 18: Indicador compsito FS (fluxos de informao sobreposio) ....................................................................... 72 Quadro 18-I: Indicadores agregados do indicador compsito FS (fluxos de informao sobreposio) ............................. 72 Quadro 19: Indicador compsito FI (fluxos de informao interface) ................................................................................ 73 Quadro 19-I: Indicadores agregados do indicador compsito FI (fluxos de informao interface) ..................................... 73 Quadro 20: Indicador compsito IQ (informao qualidade) ............................................................................................ 74 Quadro 20-I: Indicadores agregados do compsito IQL (licenciamento - informao qualidade) ....................................... 74 Quadro 20-II: Indicadores agregados do compsito IQA (anlise de autocontrolo - informao qualidade) ....................... 78 Quadro 20-III: Indicadores agregados do compsito IQF (fiscalizao-informao qualidade) .......................................... 80 Quadro 21: Indicador compsito IU (informao universo) .............................................................................................. 83 Quadro 21-I: Indicadores agregados do compsito IU (informao universo) ................................................................... 83 Quadro 22: Indicador compsito IP (informao-proporcionalidade) ................................................................................... 84 Quadro 22-I: Indicadores agregados do compsito IP (informao proporcionalidade) ..................................................... 84 Quadro 23: Notas metodolgicas aplicveis aos estudos de caso aplicvel aos estudos de caso ....................................... 86 Quadro 24: Glossrio geral aplicvel aos estudos de caso ................................................................................................ 87 Quadro 25: Glossrio especfico dos estudos de caso ....................................................................................................... 91 Quadro 1-A: Atribuies em estudo das entidades da Administrao Pblica data de 2010-2011..................................... 99 Quadro 2-A: Principais dados sobre o mbito do estudo de caso A .................................................................................. 100 Quadro 3-A: Grupos-alvo inquiridos, respetivas funes por entidade e perodo temporal das sesses de trabalho .......... 105 Quadro 4-A: Processo de consulta das decises administrativas ..................................................................................... 107 Quadro 5-A: Dados de qualidade do ar ........................................................................................................................... 112 Quadro 6-A: Exemplos do QUAR das CCDR, APA e IGAOT, de 2010 e 2011 .................................................................. 115 Quadro 7-A: Sumrio dos obstculos e facilitadores detetados ........................................................................................ 120 Quadro 8-A: Principais temas controversos na implementao do Decreto-Lei n. 78/2004 .............................................. 124 Quadro 9-A: Omisso na operacionalizao e identificao das entidades competentes da AP no DL n. 78/2004............ 129 Quadro 10-A: Nmero de empresas, por NUTS II, de algumas CAE ou conjunto de CAE ................................................. 131 Quadro 11-A: Principais regimes de licenciamento da atividade principal e a sua relao com o DL n. 78/2004 ............... 131 Quadro 12-A: Smula dos regimes conexos e a sua relao com o DL n. 78/2004.......................................................... 137 Quadro 13-A: Sobreposies com pontuao baixa nas trs categorias ........................................................................... 142 Quadro 14-A: projetos em curso ou as intenes em matria de tecnologias de informao/base de dados...................... 147 Quadro 15-A: Conceitos associados a alteraes de instalao na aceo de diversos regimes legais .......................... 150 Quadro 16-A: Exemplos de disparidades semnticas nos critrios de abrangncia dos diplomas PCIP e AIA ................... 153 Quadro 17-A: Principais dados recolhidos no mbito do Decreto-Lei n. 102/2010 ........................................................... 154 Quadro 18-A: Exemplo de situaes de incumprimento no DL n. 78/2004 e diploma PCIP .............................................. 162 Quadro 19-A: Disposies do DL n. 78/2004 e diretrizes da APA sobre a monitorizao pontual e em contnuo .............. 165 Quadro 20-A: Principais concluses e recomendaes de reunio entre a IGAOT, a APA e o IPAC ................................. 170

  • XVI

    Quadro 21-A: Lacunas do Decreto-Lei n. 78/2004, em matria de representatividade da amostra e validao da sua determinao ................................................................................................................................................................. 171 Quadro 22A: Resumo dos principais resultados obtidos para o licenciamento ................................................................ 189 Quadro 23-A: Resumo dos principais resultados obtidos para a anlise de autocontrolo .................................................. 190 Quadro 24-A: Resumo dos principais resultados obtidos para a fiscalizao/inspeo ..................................................... 191 Quadro 1-B: Atribuies em estudo das entidades da Administrao Pblica, data de 2010-2011.................................. 195 Quadro 2-B: Principais dados sobre o mbito do caso de estudo ..................................................................................... 196 Quadro 3-B: Grupos-alvo inquiridos, respetivas funes por entidade e perodo temporal das sesses de trabalho .......... 199 Quadro 4-B: Processo de consulta das decises administrativas na ERSAR .................................................................... 200 Quadro 5-B: Exemplos de objetivos estratgicos e correspondentes objetivos operacionais, de 2010, da ERSAR ............ 202 Quadro 6-B: Sumrio dos obstculos e facilitadores detetados ........................................................................................ 206 Quadro 7-B: Resumo dos principais resultados obtidos para o licenciamento, pela ERSAR .............................................. 243 Quadro 8-B: Resumo dos principais resultados obtidos para a anlise de autocontrolo, pela ERSAR ............................... 244 Quadro 9-B: Resumo dos principais resultados obtidos para a fiscalizao/inspeo, pela ERSAR .................................. 245 Quadro 10-B: Resumo dos principais resultados obtidos para a anlise da Lei da gua e sua relao com o DL n. 306/2007 ...................................................................................................................................................................................... 246 Quadro 1-C: Atribuies em estudo das entidades da Administrao Pblica data de 2010-2011 .................................. 249 Quadro 2-C: Principais dados sobre o mbito do caso de estudo ..................................................................................... 252 Quadro 3-C: Grupos-alvo inquiridos, respetivas funes por entidade e perodo temporal das sesses de trabalho .......... 255 Quadro 4-C: Processo de consulta das decises administrativas ..................................................................................... 256 Quadro 5-C: Classificao do estado qumico e quantitativo das massas de gua subterrneas ....................................... 261 Quadro 6-C: Exemplos do QUAR das ARH, APA e IGAOT, de 2009 a 2011 .................................................................... 263 Quadro 7-C: Sumrio dos obstculos e facilitadores detetados ........................................................................................ 268 Quadro 8-C - Interpretaes extradas do Despacho 14872/2009 e respetivos problemas da sua redao ....................... 286 Quadro 9-C: Concluses extradas do Decreto-Lei n. 133/2005 e respetivos problemas da sua redao ......................... 295 Quadro 10-C: Definies de zonas crticas e qualidade das massas de gua subterrneas ............................................ 298 Quadro 11-C: Comparao entre clusulas dos TURH sobre manuteno e operao da captao ................................. 308 Quadro 12-C: Ligao entre a Lei da gua e alguns regimes de licenciamento da atividade principal dos UA ................... 318 Quadro 13C: Resumo dos principais resultados obtidos para o licenciamento ................................................................ 335 Quadro 14-C: Resumo dos principais resultados obtidos para a anlise de autocontrolo .................................................. 337 Quadro 15-C: Resumo dos principais resultados obtidos para a fiscalizao/inspeo ..................................................... 338 Quadro: mbito da investigao ..................................................................................................................................... 339

  • XVII

    ndice de Ilustraes Figura 1: Contexto da implementao de polticas pblicas por regulao de comando e controlo da investigao. ............ 54 Figura 2: Poltica pblica de regulao ambiental. ............................................................................................................. 56 Figura 3: Nveis crescentes de envolvimento de intervenientes na implementao de polticas pblicas. ............................ 59 Figura 4: Processo de codificao e a sua operacionalizao em indicadores .................................................................... 68 Figura 5: Enquadramento da investigao nas polticas pblicas de ambiente. .................................................................. 69 Figura 1-A: Esquematizao do DL n. 78/2004, em funo dos requisitos da legislao aplicveis s categorias (Licenciamento, Anlise de Autocontrolo e Fiscalizao/Inspeo) e subcategorias (Fluxos de Informao e Informao) 103 Grfico 1-A: Resultados dos indicadores compsitos, categoria Licenciamento ................................................................ 117 Grfico 2-A: Resultados dos indicadores compsitos, categoria Anlise de Autocontrolo. ................................................. 117 Grfico 3-A: Resultados dos indicadores compsitos, categoria Fiscalizao/Inspeo .................................................... 118 Grfico 4-A: Resultados do questionrio individual .......................................................................................................... 119 Figura 2-A: mbito de abrangncia de diplomas que regulam a atividade principal dos UA .............................................. 135 Figura 3-A: Sobreposio no tratada no reporte dos resultados do autocontrolo ............................................................. 139 Figura 4-A: Esquematizao do DL n. 78/2004 (conforme Figura 1-I) e associao com DL n. 69/2000 (AIA) e DL n. 127/2008 (PRTR), em funo dos requisitos da legislao aplicveis s categorias (Licenciamento, Anlise de Autocontrolo e Fiscalizao/Inspeo) e subcategorias (Fluxos de Informao e Informao) .............................................................. 188 Figura 1-B: Esquematizao do D.L. 306/2007, em funo dos requisitos da legislao aplicveis s categorias (licenciamento, anlise de autocontrolo e fiscalizao/inspeo) e subcategorias (fluxos de informao e informao) ..... 197 Grfico 1-B: Resultados dos indicadores compsitos ....................................................................................................... 204 Grfico 2-B: Resultados do questionrio individual .......................................................................................................... 205 Figura 2-B Localizao das captaes de guas subterrneas para consumo humano.................................................. 225 Figura 3-B: Delimitao de permetros de proteo de captaes de guas subterrneas. ............................................... 225 Figura 4-B: Viso geral do SNITURH .............................................................................................................................. 228 Figura 5-B Procura relativa da gua por sector entre 2000 e 2009. ............................................................................... 231 Figura 6-B: Evoluo positiva na eficincia no uso da gua por sector ............................................................................. 232 Figura 7-B: Esquematizao do DL n. 306/2007 (conforme Figura 1-B) e associao com L n. 58/2005 e DL n. 226-A/2007, em funo dos requisitos da legislao aplicveis s categorias (Licenciamento, Anlise de Autocontrolo e Fiscalizao/Inspeo) e subcategorias (Fluxos de Informao e Informao) ................................................................. 242 Figura 1-C: Esquematizao da L n. 58/2005, de 29 de dezembro, e do DL n. 226-A/2007, de 31 de maio, em funo dos requisitos da legislao aplicveis s categorias (licenciamento, anlise de autocontrolo e fiscalizao/inspeo) e subcategorias (fluxos de informao e informao). ........................................................................................................ 253 Grfico 1-C: Resultados dos indicadores compsitos, categoria Licenciamento. ............................................................... 265 Grfico 2-C: Resultados dos indicadores compsitos, categoria Anlise de Autocontrolo.................................................. 265 Grfico 3-C: Resultados dos indicadores compsitos, categoria Fiscalizao/Inspeo .................................................... 266 Grfico 4-C: Resultados do questionrio individual .......................................................................................................... 267 Figura 2-C: Esquematizao da Lei da gua (conforme Figura 1-C) e associao com as suas disposies sobre o licenciamento das fases de pesquisa/execuo de captaes e pagamento da TRH e com o DL n. 173/2008 (PCIP) e diplomas do licenciamento das atividades principais dos UA, em funo dos requisitos da legislao aplicveis s categorias (Licenciamento, Anlise de Autocontrolo e Fiscalizao/Inspeo) e subcategorias (Fluxos de Informao e Informao) 334

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 1

    PARTE I - INTRODUO E ENQUADRAMENTO

    CAPTULO 1 - INTRODUO

    A questo da eficcia das polticas pblicas, um tema recorrente desde os anos 70 do sculo

    passado (Roller, 2005), tem-se tornado um assunto dominante nas anlises contemporneas sobre o

    desenvolvimento das democracias modernas, uma vez que o seu declnio diminui a legitimidade e mina

    a confiana dos cidados nos governos e instituies.

    Contudo, apesar da estratgia de integrao das temticas ambientais, e em alguns casos

    simultaneamente de sade pblica, nas agendas governamentais da Unio Europeia e seus Estados-

    membros, do aumento do nmero de normativos legais, de entidades com competncias

    administrativas e tcnicas em matria de ambiente e da preocupao da populao com estes temas,

    existe uma crise na poltica ambiental.

    Apontam-se alguns resultados muito positivos, mas outros desalentadores em reas cruciais, como

    o esgotamento dos recursos naturais e a elevada produo de resduos e emisso de determinados

    poluentes (Dente, 1995; Bell e McGillivray, 2008). As repercusses negativas no presente e para as

    geraes futuras so evidentes, em particular na economia (global), nas desigualdades sociais e na

    luta contra a pobreza (Stern, 2009).

    O passado demonstrou no ser suficiente que a sociedade reconhea os seus problemas para que

    responda automaticamente com uma mudana coletiva de comportamentos (Tietenberg e Lewis, 2009)

    pelo que, mesmo num contexto de perda de confiana, os cidados depositam esperanas crescentes

    na atuao do Governo e das instituies (Roller, 2005).

    As polticas pblicas de ambiente ao nvel da Unio Europeia refletem o aumento do conhecimento

    cientfico e a melhoria dos mtodos de monitorizao, possibilitando um diagnstico mais realista do

    estado do ambiente e perspetivas da sua evoluo s escalas local, regional e global. A deciso

    tomada na sequncia da formulao das polticas pblicas tem recado sobre o uso de normativos

    legais, posteriormente transpostos para o direito nacional dos Estados-membros. Na rea ambiental,

    tm vindo a ser publicados em nmero elevado, em particular nas ltimas duas dcadas (Farmer, 2007;

    NEPA, 2007), especializados nas diversas reas das cincias, tecnologias e engenharias, como sejam,

    as alteraes climticas, a poluio do ar, da gua, do solo e sonora, o consumo de recursos naturais,

    a produo de resduos e a utilizao de substncias e preparaes qumicas. Deste modo, e desde o

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 2

    final da ltima dcada do sculo XX, os normativos tornaram-se mais complexos do ponto de vista

    tcnico, ambiental e jurdico (Bell e McGillivray, 2008).

    Estes normativos so considerados, num regime democrtico, uma premissa necessria para

    alcanar os objetivos relacionados com direitos fundamentais dos cidados (Morlino e Palombella,

    2010), como o usufruto de um ambiente no poludo e com abundncia de recursos naturais. Todavia,

    sendo instrumentos, a sua existncia no garante, por si s, a proteo desses direitos. Intenta-se

    frisar que, embora a Assembleia da Repblica e o Governo possam aprovar um conjunto vasto de

    legislao, se esta no for implementada de forma efetiva pela Administrao Pblica, no trar

    consigo a alterao realidade que se pretendia com a sua publicao (Peters e Pierre, 2007). Vrios

    autores tm-se dedicado ao estudo desse hiato, que designam por dfice de implementao, desde o

    trabalho percursor de Pressman e Wildasky (1973) at reviso da bibliografia efetuada por Hill e

    Hupe (2010), passando pela contribuio de Mischen (2009), que visa colmatar o que identifica como

    um dfice de ao-investigao sobre o dfice de implementao, e, em Portugal, pela investigao da

    implementao de polticas pblicas nas reas da formao, da educao e da segurana social de

    Cardim (2007).

    Na Unio Europeia, a regulao foi apontada como uma rea de desenvolvimento essencial para

    favorecer a competitividade e a inovao econmica, inicialmente com o enfoque na fase da tomada de

    deciso, atravs da reduo da burocracia. A pedra basilar desta estratgia foi lanada em 2001 pelas trs instituies europeias envolvidas no processo legislativo - o Parlamento, o Conselho e a

    Comisso com o acordo Interinstitucional Melhor Regulao (COM 2003/C 321/01). Mais recentemente, em 2010, a Unio Europeia divulgou a estratgia Regulamentao Inteligente (COM/2010/0543), impulsionada pela crise que ps em evidncia a necessidade de obviar medidas

    regulamentares incompletas, ineficazes e cujos resultados so insatisfatrios. A regulao e proteo

    do ambiente e a inovao econmica nunca foram consideradas incompatveis. Pelo contrrio,

    assume-se que as normas ambientais mais rigorosas estimulam a inovao e as oportunidades de

    investimento (Varandas, 2009).

    Em Portugal, o dfice de implementao de polticas pblicas de ambiente foi constatado por

    autores como Schmidt (2008), Pereira da Silva (2007) e Jernimo (2010), tendo Soromenho-Marques

    (2007) proposto uma ao estratgica em cinco vetores: incidentes na implementao (informao,

    planeamento, coordenao e participao) e na avaliao (responsabilidade).

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 3

    A progresso no uso de mecanismos de avaliao das polticas por parte do Ministrio do

    Ambiente1 visvel no aumento do nmero de indicadores, condensados nos relatrios anuais do

    estado do ambiente. Chama-se a ateno para o relatrio de 2011, onde se faz uma smula dos

    documentos produzidos por organismos internacionais que avaliaram as polticas nacionais nos ltimos

    anos e que reconhecem o trabalho realizado em reas como a proteo dos recursos hdricos, a

    qualidade do ar ou a gesto dos resduos. Contudo, o Ministrio no se exime a uma autocrtica: De uma forma geral, os relatrios/avaliaes objeto de anlise neste captulo de destaque concluem que,

    no obstante os progressos significativos verificados ao nvel das polticas de ambiente nos ltimos

    anos, tanto a nvel nacional e regional, ainda existe um longo caminho a percorrer, e esforos que tm

    de ser encetados no tanto para o cumprimento de metas e objetivos mas, principalmente, para

    garantir o bem-estar das geraes atuais e futuras (APA, 2011:159).

    Ora, se partirmos do princpio de que a formulao das polticas pblicas de ambiente, de gnese

    europeia, no est errada, teremos de concluir que a avaliao deve ser direcionada para a anlise da

    correspondncia entre as metas e objetivos idealizados e os resultados reais, entendidos estes ltimos

    como os benefcios para as geraes presentes e futuras. Para clarificar esta ideia, coloque-se a

    seguinte interrogao: se num determinado normativo legal se impe o licenciamento dos regulados, a

    obrigao destes reportarem o autocontrolo, demonstrando o cumprimento dos valores limite de

    emisso de poluentes ou de consumo de recursos e a sua sujeio a aes de fiscalizao/inspeo,

    por que motivo o objetivo final, que seria expectvel atingir, expresso na melhoria mensurvel da

    qualidade do ar atmosfrico, recursos hdricos ou gua para consumo humano, no foi alcanado? Ou

    ainda: de que forma as licenas, as anlises do autocontrolo e as aes de fiscalizao/inspeo

    contribuem para atingir esses objetivos?

    A nossa questo de partida :

    A implementao, pela Administrao Pblica, dos diplomas de proteo do ambiente bem-sucedida?

    Logo seguida de outras perguntas, que nos levaram para alm de uma leitura simplista de um

    diagnstico.

    O que significa e como se mede o sucesso da implementao?

    Quais os fatores causais, facilitadores ou obstculos, que esto na gnese de uma implementao, bem ou mal sucedida?

    1 Designado com este nome no texto, apesar das suas diferentes denominaes nos vrios Governos Constitucionais Portugueses.

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 4

    Como utilizar o conhecimento desses fatores em benefcio da implementao?

    Quem o poder e dever fazer?

    A resposta a estas interrogaes impe a utilizao de instrumentos de avaliao da implementao

    de polticas pblicas pela Administrao Pblica, ainda incipientes no nosso pas. A avaliao consiste

    num exame, pontual ou contnuo, transversal s restantes fases do ciclo de polticas pblicas, que

    permite conhecer a trajetria (e os seus aspetos mais relevantes) entre os objetivos iniciais e os

    resultados finais (Howlett, Ramesh e Pearl, 2009).

    No se quer estudar o contedo das polticas pblicas de ambiente em si, mas a sua

    implementao. Pretende-se valorizar a aprendizagem organizacional, definida por Ferro (2011:104)

    como o conjunto de alteraes do entendimento sobre as estruturas e os procedimentos administrativos capazes de suscitar modificaes no funcionamento interno (organizacionais, de

    gesto) e no relacionamento com outros atores, que proporcionem melhorias nos processos de

    deciso ou, dito de outro modo, valorizar no apenas mais e melhor informao mas sim um processo de aprendizagem e, por essa via, a construo inteligente de polticas pblicas (Ferro, 2011; Ferro e

    Mourato, 2010).

    A abordagem foi sistmica, no circunscrita a uma disciplina terica mas multidisciplinar, como a

    realidade a estudar. As cincias do ambiente aliaram-se s cincias da Administrao Pblica, ao

    direito administrativo e do ambiente, cincia poltica, teoria organizacional e s finanas pblicas.

    A investigao iniciou-se com uma reviso da bibliografia, consolidada ao longo do trabalho

    (captulo 2 da Parte I). O conhecimento assim adquirido e a experincia prtica da autora enraizaram-

    se na teoria, desenvolvendo-se um quadro conceptual e um modelo analtico. Estes operacionalizaram-

    se atravs de indicadores compsitos, apoiados por uma combinao de mtodos qualitativos e

    quantitativos, instrumento de calibrao ou, se quisermos, de avaliao da trajetria da implementao das polticas pblicas (captulo 3 da Parte I). Para validar os indicadores, recorreu-se

    sua aplicao em trs estudos de caso (A, B e C) sobre diplomas em matria de proteo ambiental na

    vertente da emisso de poluentes e de consumo de recursos naturais. As sesses de trabalho,

    presenciais, decorreram em catorze organismos do Ministrio do Ambiente. Os resultados so

    apresentados, respetivamente, nas Partes II, III e IV. Os Anexos A, B e C compilam as respostas aos

    questionrios de cada um dos estudos de caso. Os restantes anexos (D, E, F, G, H e I) detalham os

    resultados do processo de amostragem das decises administrativas consultadas e analisadas.

    Conjugando, na Parte V, as concluses e recomendaes sintetizadas no final das Partes II, III e IV,

    verificou-se um padro nos elementos que podem ser facilitadores ou, ao invs, obstculos na

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 5

    implementao. A reflexo encetada nas partes anteriores permitiu conceber recomendaes sobre

    formas de superar os obstculos e retirar proveito dos facilitadores da implementao.

    Definir os critrios que determinam o sucesso ou insucesso de uma fase (ou sua frao) da poltica

    ou da poltica em si e apresentar esses resultados ser sempre um desafio controverso, que no se

    reduz a um julgamento dicotmico de sim ou no. Deve ser um trabalho que reconhece as suas

    limitaes e que contm a informao necessria para ser, ele prprio, avaliado.

    Espera-se que a ampla colaborao e contribuio, com a sua experincia, dos colaboradores dos

    servios do Ministrio do Ambiente, que viabilizou a investigao, e as respetivas concluses e

    recomendaes sejam um argumento a favor da preparao da Administrao Pblica e da academia

    para trilhar, em conjunto, o percurso da avaliao e da melhoria da implementao de polticas

    pblicas, em prol do interesse comum.

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 6

    CAPTULO 2 ENQUADRAMENTO E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.1 A IMPLEMENTAO NO CICLO DAS POLTICAS PBLICAS

    O CICLO DAS POLTICAS PBLICAS

    As polticas pblicas podem ser classificadas como distributivas (distribuio de novos recursos),

    redistributivas (distribuio de recursos existentes), constitutivas (estabelecimento ou reorganizao de

    instituies) ou reguladoras (Lowi, 1972) e exprimem um conceito amplo de um processo onde atores

    condicionados, a nvel social e econmico e pelo seu conhecimento, ideias, normas e princpios,

    praticam a resoluo aplicada de um problema, numa dimenso tcnica e poltica, tentando fazer

    corresponder meios com os objetivos a atingir (Howlett, Ramesh e Perl, 2009).

    As polticas pblicas podem ser estudadas em analogia com um ciclo, evolutivo e dinmico,

    composto por diferentes fases que, apesar de interligadas e por vezes quase indistintas, so

    apresentadas de forma independente. Este ciclo foi primariamente desenhado por Lasswell (1956),

    tendo posteriormente tomado diversas configuraes de acordo com vrios autores (DeLeon, 1999;

    Crabb e Leroy, 2008; Moran, Rein e Goodin, 2008; Howlett, Ramesh e Perl, 2009; Hill, 2009; Hill e

    Hupe, 2010), no existindo concordncia quanto sua constituio. Neste texto adotam-se as cinco

    fases defendidas por Howlett, Ramesh e Perl (2009), sintetizadas no quadro 1:

    Quadro 1: As cinco fases do ciclo das polticas pblicas 1. Insero na agenda poltica, onde os problemas emergem e so candidatos ateno do Governo; 2. Formulao, onde so geradas opes para resolver o problema; 3. Tomada de deciso, onde uma das opes discutida aprovada e so declaradas as intenes e o curso geral da ao, por exemplo, atravs da publicao de um ato legislativo; 4. Implementao, onde so decididos os objetivos e o curso da ao e se colocam as decises em prtica; 5. Avaliao, onde se faz um exame, pontual ou contnuo, transversal s restantes fases do ciclo de polticas pblicas, que permite conhecer a trajetria (e os aspetos mais relevantes) entre os objetivos iniciais e os resultados finais. Fonte: Adaptado de Howlett, Ramesh e Perl (2009)

    A discusso em torno da utilizao do ciclo das polticas pblicas, tambm designado por modelo heurstico de etapas, face a outros mtodos alternativos levou sua excluso da segunda edio do livro editado por Sabatier (1999; 2007), que descreve as principais teorias do processo das polticas. O

    editor explica que essa opo se deve s limitaes deste mtodo, nomeadamente a ausncia de

    fatores causais, o que impede a formulao de hipteses; a descrio pouco exata das etapas, que

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 7

    no capta as suas conexes; e a abordagem do topo para a base, enviesada e que incide sobre a

    publicao de um diploma e a sua implementao, esquecendo outros diplomas com este relacionados

    (2007). Curiosamente, DeLeon (1999), que na primeira edio do livro havia redigido o captulo

    destinado ao ciclo das polticas pblicas, dedicou-o a contra argumentar estas crticas de Sabatier, j

    apresentadas em 1993, explanando que se trata de um mtodo que permite categorizar as aes

    polticas e as etapas que so o palco dos seus atores.

    A reviso bibliogrfica de Hill e Hupe (2010) sobre a implementao de polticas pblicas defende

    que este mtodo j provou a sua validade em estudos relevantes, inclusive na investigao percursora

    de Pressman e Wildasky (1973). Os autores esclarecem que se trata de um enquadramento analtico

    que serve vrias funes - societais, prticas, analticas e programticas, adequado s instituies

    democrticas ocidentais, que distingue cronologicamente as etapas em que os objetivos da poltica so

    decididos e s quais se seguem as referentes sua execuo. Tal no obsta ao reconhecimento da

    interao e interseo entre etapas, pelo que Anderson (1975:9) elucida: a poltica feita medida que administrada e administrada medida que feita2.

    A IMPLEMENTAO DE POLTICAS PBLICAS POR REGULAO DE COMANDO E CONTROLO

    Na fase da formulao equaciona-se o que fazer e como. Hood (1986) props uma taxonomia que relaciona quatro categorias dos instrumentos de implementao de polticas pblicas com os

    recursos do Governo, ponderando a informao que estes atores centrais possuem sobre os seus

    poderes legais, os meios financeiros e as organizaes formais disponveis. As categorias

    taxonmicas, se definidas no prisma da autoridade, englobam desde o foco no Estado, atravs de

    processos de regulao por comando e controlo, sua mera consulta, na autorregulao.

    A regulao um termo com diferentes significados e interpretaes para acadmicos, governos ou

    instituies, consoante quem ou o que faz, o modo como o faz, os atores ou reas a que respeita e as

    tcnicas e instrumentos que utiliza, embora sempre com a pretenso de influenciar o comportamento

    das partes de acordo com determinadas normas (Black, 2002). Pode ter cariz obrigatrio ou voluntrio,

    maior ou menor interveno de atores pblicos e privados e recorrer ao uso de instrumentos

    econmicos ou fiscais ou de informao, em estratgias que respondam ao desafio de encorajar e

    apoiar os regulados a cumprir voluntariamente as regras determinadas e que puna eficazmente os

    piores incumpridores (Gunningham, 2010, 2011). Os diversos tipos de regulao e respetivas tcnicas

    2 No original, policy is made as it is being administered and administered as it is being made.

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 8

    e instrumentos no so mutuamente exclusivos e podem ser complementares (Sinclair, 1997). A

    governana, um processo que envolve modos de coordenao social atravs dos quais uma estrutura

    de instituies e atores se envolvem na feitura de regras e na sua implementao, coexiste nos

    diferentes tipos de regulao (Bzer e Risse, 2010). Idealmente, o Estado, como regulador, estar

    progressivamente envolvido em redes e modos de governana mais equilibrados em termos de poder

    entre atores pblicos e no pblicos, e recorrer coero apenas como ltima opo (King, 2004).

    Na Unio Europeia, a deciso tomada na sequncia da formulao das polticas pblicas tem

    recado na utilizao de atos legislativos, posteriormente transpostos para o direito nacional dos

    Estados-membros. Na rea ambiental, estes normativos tm sido publicados em nmero crescente, em

    particular nas ltimas duas dcadas (Farmer, 2007; NEPA, 2007). Em Portugal, tal traduziu-se no que

    Soromenho-Marques (1998:86,87) definiu como um impulso externo que exerceu uma ao compressora a vrios nveis, destacando-se a acelerao do quadro jurdico-legal e do quadro

    institucional e administrativo, refletidos no aumento do nmero e na complexidade tcnica dos normativos e do acrscimo e disperso de estruturas orgnicas e de atribuies das entidades da

    Administrao Pblica dos vrios Ministrios (Neves, 2010), designadamente do Ambiente3.

    A legislao, comunitria e nacional, de proteo do ambiente , em geral, implementada pela

    regulao de comando e controlo (McGowan e Wallace, 1996; Majone, 1997; Schrter-Schlaack,

    2011), definida como o uso da fora da lei pelo Estado para proibir ou exigir certas formas de conduta,

    atravs da influncia contnua e direta das entidades da Administrao Pblica sobre os destinatrios

    dessas leis (os regulados) recorrendo imposio de normas suportada por sanes (Veljanovski,

    2010). Apesar dos esforos recentes dos Estados de direito democrticos para suplementar ou

    substituir a regulao de comando e controlo por outra que requeira maior colaborao de atores no

    pblicos, aquela continua a ser a base da implementao (Howlett, Ramesh e Perl, 2009). A troca e a

    negociao so mecanismos mais simtricos na sua natureza e apresentam maiores potencialidades

    do que a autoridade do Estado, no obstante revelarem ser de difcil aplicao em contextos

    complexos de relaes inter e intra-organizacionais (Lane, 2009). Oliveira e Dias (2013) realam um

    modelo recente, menos autoritrio e mais prximo dos regulados, com exemplos em Portugal: as

    autoridades administrativas independentes. No se analisaro as diferentes possibilidades de

    implementao por ser uma matria fora deste mbito, mas far-se- um breve apontamento

    comparativo, que se expe no quadro 2, da regulao de comando e controlo face a outros

    instrumentos de implementao.

    3 Designado com este nome no texto, apesar das suas diferentes denominaes nos Governos Constitucionais Portugueses.

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 9

    Quadro 2: Comparao da regulao de comando e controlo face a outros instrumentos de implementao Vantagens: a) Resposta direta e, em tempo til a um problema, atravs da imposio de proibies e restries; b) Forma de implementao mais conhecida e experimentada pelos intervenientes nas polticas pblicas, facilitando a coordenao e com resultados mais previsveis; c) Enquadramento regulatrio menos dispendioso e um pr-requisito para utilizar instrumentos baseados em incentivos como as taxas, subsdios ou troca de licenas; d) Necessita de menos informao de base. Desvantagens: e) Contedo da regulao (tcnico ou no) uma deciso poltica, que pode criar distores entre atores privados e ineficincias econmicas; f) Sujeito a elevada resistncia poltica quando a rigidez das regras ignora os casos individuais e os resultados indesejados da regulao; g) Sujeito a elevada resistncia poltica quando o cumprimento das suas regras mais restritas implica custos avultados; h) Incerteza nos impactos positivos (no ambiente) resultantes da aplicao de determinadas regras que especificam tcnicas/tecnologias, valores limite ou planeamento; i) Prescritivo, pelo que deixa pouca margem de manobra e pode inibir a inovao e o progresso tecnolgico; j) No contm incentivos para reduzir os impactos (no ambiente) abaixo dos previstos na legislao. Fonte: Adaptado de Schrter-Schlaack (2011); Howlett, Ramesh e Perl (2009:119-120)

    Em matria de ambiente, a Administrao Pblica exerce as suas funes reguladoras sobre os

    regulados (qualquer entidade, pblica ou privada, responsvel por uma atividade que tenha um impacte

    no ambiente por via da emisso de poluentes e/ou do consumo de recursos para determinado fim), em

    trs etapas, que constituem o ciclo primrio de regulao por comando e controlo (Farmer, 2007)4: a)

    licenciamento; b) anlise de autocontrolo; e c) fiscalizao/inspeo, cujas definies constam do

    quadro 3.

    Quadro 3: Definio das etapas do ciclo primrio de regulao Etapa Definio Licenciamento Os atos legislativos exigem que os (potenciais) regulados submetam Administrao Pblica

    (AP) um pedido para exercer uma atividade que provoca a emisso de poluentes e/ou que consome recursos naturais.

    Anlise de Autocontrolo

    Os atos legislativos exigem que os regulados procedam ao controlo do impacte da atividade que provoca a emisso de poluentes e/ou que consome recursos naturais, por exemplo, por recolha de amostras (gasosas, lquidas ou slidas) e determinao de parmetros, demonstrando o cumprimento de valores limite de emisso de poluentes ou de consumo de recursos para determinado fim. Os dados resultantes desse controlo, da responsabilidade dos regulados (e por isso designado por autocontrolo), devem ser reportados AP, com determinada periodicidade, que os dever analisar, por verificao documental, com vista a aferir a sua conformidade legal.

    Fiscalizao/Inspeo

    Os atos legislativos prevem a fiscalizao/inspeo dos regulados, com vista a aferir a conformidade legal das suas atividades, nomeadamente atravs da deslocao fsica de tcnicos da AP a esses locais, com o consequente controlo direto por observao e recolha de amostras, documentao e depoimentos.

    Fonte: Elaborao prpria

    4 Para Farmer, a anlise de autocontrolo designa-se por monitoring. O ciclo da regulao entende-se por enforcement.

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 10

    Congregar as fases de licenciamento, anlise de autocontrolo e fiscalizao/inspeo numa nica

    instituio comum em vrios pases, como, por exemplo, no Reino Unido e Espanha. No entanto, em

    pases como a Holanda no se considera conveniente que quem faa a lei seja igualmente responsvel por faz-la cumprir (Farmer 2007). Esta separao justifica-se por se entender serem duas perspetivas diametralmente opostas, ou seja, o licenciamento encarado como um processo de

    negociao, de cariz tcnico, que prev a feitura da lei entendida como a deciso administrativa - e na fiscalizao/inspeo parte-se do princpio da impossibilidade de negociao da lei, sem prejuzo da sua aplicao de forma justa (OCDE, 2004).

    O ESTUDO DA IMPLEMENTAO DE POLTICAS PBLICAS POR REGULAO DE COMANDO E CONTROLO

    Os atos legislativos so considerados, num Estado de direito democrtico, uma premissa

    necessria para alcanar os objetivos relacionados com direitos fundamentais dos cidados (Morlino e

    Palombella, 2010), como o usufruto de um ambiente no poludo e com abundncia de recursos

    naturais. Todavia, sendo instrumentos, a sua existncia no garante, por si s, a proteo desses

    direitos. Assim, o enfoque no ser apenas nos aspetos da sua redao (de jure), mas tambm na

    anlise dos resultados da sua implementao (de facto) (Botero e Ponce, 2011; Lynn, 2007). No limite,

    uma implementao desadequada poder conduzir assimetria da distribuio de poder entre grupos

    sociais e tornar uma lei justa ou injusta (Holmes, 2003). Para alinhar os objetivos da formulao com os

    resultados da implementao, necessrio estabelecer os deveres dos regulados e, de igual molde, os

    deveres do exerccio do poder por parte da Administrao Pblica (AP) (Botero e Ponce, 2011, citando

    Tamanaha, 2004). Intenta-se frisar que, embora o Parlamento e o Governo possam aprovar um

    conjunto vasto de legislao, se esta no for implementada de forma efetiva pela Administrao

    Pblica no trar consigo a alterao realidade que se pretendia com a sua publicao (Peters e

    Pierre, 2007).

    Durante muitos anos, a implementao no foi um tema discutido na cincia poltica, assumindo-se

    que o brao administrativo do Governo se limitava a executar as decises tomadas. O trabalho

    percursor, embora no o primeiro nesta rea, de Pressman e Wildasky (1973) surpreendeu os seus

    leitores, ao descrever como um programa federal delineado em Washington, Estados Unidos da

    Amrica, para os residentes desempregados de Oakland, uma cidade do interior, no estava a correr

    como previsto, reconhecendo-se que uma multiplicidade de atores com diferentes misses e decises

    sequenciais e o uso de maus instrumentos conduziram ao que se designa comummente por dfice de

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 11

    implementao (Hill e Hupe, 2010)5. Outro estudo marcante, de Bardach (1977), realou os conflitos,

    observando a implementao como a continuao dos jogos polticos da fase da tomada de deciso

    (Winter, 2007). Desde ento, os estudos sobre implementao, ou com outras designaes mas que

    no fundo versam sobre este tema, desenvolvem-se nas mais diversas reas onde as polticas pblicas

    marcam passagem (Hill e Hupe, 2010), investigando-se desde o estudo da sua trajetria s formas de

    analisar a implementao e os seus atores.

    Muitos destes trabalhos extravasam a implementao e reconhecem a dificuldade em separ-la das

    etapas de formulao e tomada de deciso, em particular quando os atores se confundem e os

    prprios objetivos iniciais da poltica so vagos, pouco claros ou mesmo contraditrios, uma

    constatao frequente. Nestas circunstncias, uma perspetiva de topo-base (da deciso poltica ao

    administrativa) que parte das intenes delineadas nos diplomas, em contraponto a uma perspetiva

    base-topo, com incio no outro extremo da implementao e que parte dos contributos daqueles que

    esto na base da cadeia de comando6, no encerra uma contradio. A combinao de variveis de

    nvel macro (topo) e micro (base) enriquece a compreenso dos fenmenos (Sabatier, 1993; Matland,

    1995; Hill e Hupe, 2010). Neste contexto, muitos estudos debruam-se, tambm, sobre os

    comportamentos e motivaes dos regulados e dos reguladores (Howlett, Ramesh e Perl, 2009).

    Na segunda verso do livro de Pressman e Wildasky, de 1984, deu-se uma alterao relevante. Os

    autores sentiram a necessidade de acrescentar novos captulos que resolvessem a tenso criada pela

    indispensabilidade de retirar sentido, evoluir e aprender com a m experincia de Oakland (Laws e

    Hajer, 2008). A destrina entre a implementao e a avaliao uma temtica ainda por clarificar.

    Parsons (1995) distingue que os estudos de avaliao examinam como a poltica pblica e aqueles que

    tomam parte nas diferentes fases do seu ciclo so apreciados, auditados, valorizados e avaliados,

    enquanto os estudos de implementao incidem sobre como a poltica colocada em ao e prtica.

    Para a pergunta sobre como estudar a implementao de polticas pblicas pela Administrao

    Pblica, existe uma resposta de Rosenbloom (1993), um autor dos Estados Unidos da Amrica, um

    pas com forte tradio no estudo destas matrias, propondo trs possibilidades: 1. Gesto: a tomada

    de deciso administrativa, as tcnicas de gesto, a liderana e a contribuio dos colaboradores; 2.

    Poltica: a relao com a necessria superviso do poder poltico sobre as decises administrativas; e

    3. Legal: para cumprir as suas atribuies deve ser competente nas suas obrigaes e restries legais

    5 Implementation gap, no original. Os subttulos do livro resumem a histria: How great expectations in Washington are dashed in Oakland; Or, Why it is amazing that Federal Programs work at all, this being a saga of the economic development administration as told by two sympathetic observers who seek to build morals on a foundation of ruined hopes. 6 No existe traduo que expresse o termo original street-level implementers ou street-level bureaucrats, este ltimo termo cunhado por Lipsky (1980).

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 12

    e constitucionais. Porm, o autor vinca que apenas uma conjuno equilibrada destes trs domnios

    redundar numa implementao bem-sucedida.

    Hill e Hupe (2010) consideram que as questes da implementao de polticas pblicas pela

    Administrao Pblica so multidisciplinares, decorrem em mltiplos nveis e exigem mltiplos focos,

    que observem uma multiplicidade de atores, territrios e estratos num contexto poltico e societal

    concreto. Talbot (2010) sugere mesmo avanos em teorias e provas consilientes - termo adotado da obra homnima de Wilson (1998), que significa internamente consistente em cada disciplina e entre

    disciplinas7. Acrescenta, ainda, a necessidade de compreender os modelos e regimes de desempenho

    da Administrao Pblica, ou seja, a combinao do contexto institucional e dos atores que podem

    influenciar o seu desempenho, como exercem esse poder, e o modo como os valores pblicos os

    podem moldar. Ora sobre estes temas que nos debruaremos nos pontos seguintes.

    2.2 O CONTEXTO DA IMPLEMENTAO POR REGULAO DE COMANDO E CONTROLO NAS

    POLTICAS PBLICAS

    A poltica , muitas vezes, encarada pelo pblico como o somatrio de eventos dramatizados

    relacionados com eleies e conflitos entre polticos. No entanto, no cenrio menos visvel, a poltica

    envolve o trabalho crucial de desenvolvimento de linhas estratgicas que devem servir o interesse

    pblico, isto , as polticas pblicas, traduzidas em planos, diplomas e programas, que envolvem atores

    pblicos e no pblicos (Peters e Pierre, 2007).

    Em Portugal, tal como em outros Estados de direito democrticos, a separao e interdependncia

    de rgos de soberania est subjacente ao princpio constitucional do poder poltico8. No quadro 4,

    recorreu-se Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) de 1976 (alterada pela stima vez em

    2005) para explicar as funes da Assembleia da Repblica, do Governo e dos Tribunais, relevantes

    para um estudo nacional de implementao de polticas pblicas por regulao atravs de processos

    de comando e controlo. Foram adicionadas as funes da Administrao Pblica, que no sendo rgo

    de soberania representa poderes pblicos, e dos cidados, como coprodutores da implementao de

    polticas pblicas.

    7 O termo original consilient foi traduzido de forma literal. 8 Artigo 2 da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP).

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 13

    Quadro 4: Exerccio do poder/competncia/funo dos diversos intervenientes na CRP Intervenientes Funo/competncia/poder/participao Assembleia da Repblica

    Poltica e Legislativa (art.o 161, 164, 165 e 167). O primado da competncia legislativa da Assembleia da Repblica, que tem competncia exclusiva para legislar sobre as matrias de reserva absoluta constantes no art. 164 e pode autorizar o governo a legislar em matria de reserva relativa (art. 165). Neste ltimo grupo incluem-se as g) Bases do sistema de proteco da natureza, do equilbrio ecolgico e do patrimnio cultural. Fiscalizao (art. 162): Vigiar pelo cumprimento da Constituio e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administrao.

    Governo

    Poltica (art. 197): Destaca-se d) Apresentar propostas de lei e de resoluo Assembleia da Repblica. Legislativa (art. 198 e 165): Segundo o art. 198, 1. Compete ao Governo, no exerccio de funes legislativas: a) Fazer decretos-leis em matrias no reservadas Assembleia da Repblica; b) Fazer decretos-leis em matrias de reserva relativa da Assembleia da Repblica, mediante autorizao desta; c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princpios ou das bases gerais dos regimes jurdicos contidos em leis que a eles se circunscrevam. 2. da exclusiva competncia legislativa do Governo a matria respeitante sua prpria organizao e funcionamento. 3. Os decretos-leis previstos nas alneas b) e c) do n. 1 devem invocar expressamente a lei de autorizao legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual so aprovados. Administrativa (art. 199): a) Elaborar os planos, com base nas leis das respectivas grandes opes, e faz-los executar; b) Fazer executar o Oramento do Estado; c) Fazer os regulamentos necessrios boa execuo das leis; d) Dirigir os servios e a actividade da administrao directa do Estado, civil e militar, superintender na administrao indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administrao autnoma; e) Praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionrios e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas pblicas; f) Defender a legalidade democrtica.

    Tribunais

    Jurisdicional (art. 202): 1. Os tribunais so os rgos de soberania com competncia para administrar a justia em nome do povo. 2. Na administrao da justia incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados, reprimir a violao da legalidade democrtica e dirimir os conflitos de interesses pblicos e privados.

    Administrao Pblica

    Administrativa (art. 266): 1. A Administrao Pblica visa a prossecuo do interesse pblico, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados. O Governo o rgo superior da Administrao Pblica (art. 182).

    Cidados

    Poltica (art. 109): A participao directa e activa de homens e mulheres na vida poltica constitui condio e instrumento fundamental de consolidao do sistema democrtico, devendo a lei promover a igualdade no exerccio dos direitos cvicos e polticos.

    Fonte: Adaptado da Constituio da Repblica Portuguesa.

    Sublinhe-se que na CRP explicitada a funo administrativa do Governo e, implicitamente, a da

    Administrao Pblica, sendo foroso que a prossecuo do interesse pblico se alcance por via do

    poder administrativo que se caracteriza pela faculdade de, com base nas leis e sob o controlo dos tribunais competentes, estabelecer normas jurdicas e tomar decises em termos obrigatrios para os

    respetivos destinatrios, estando-lhe confiado o monoplio do uso legtimo da fora pblica (militar ou

    policial), a fim de assegurar a execuo coerciva quer das suas prprias normas e decises, quer das

    normas e decises dos outros poderes do Estado (leis e sentenas) (Amaral, 2011:24). Neste sentido, entende-se a Administrao Pblica como o sistema dos rgos, servios e agentes do Estado e

    demais organizaes pblicas que exercem o poder administrativo.

  • Parte I Introduo e enquadramento

    Polticas Pblicas de Ambiente em Portugal: Contextos legislativos e institucionais e dinmicas de implementao - 14

    Otero (2007) constata uma tendncia em Portugal: o protagonismo crescente da Administrao

    Pblica quer na preparao negocial do contedo da legislao (incluindo a comunitria) quer na

    determinao da normatividade reguladora na sua atuao. Denota, ainda, igual protagonismo do

    Governo na competncia legislativa. Estas declaraes parecem ilustrar o esbatimento material, muito

    embora no formal, das fronteiras convencionais da separao de poderes administrativos e

    legislativos, e, ainda, a centralidade da funo administrativa, o que apela a uma reflexo, tambm

    luz das previses da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP).

    A FUNO ADMINISTRATIVA DO GOVERNO E DA ADMINISTRAO PBLICA

    No interior do poder executivo, a relao entre a Administrao Pblica e o Governo foi

    caracterizada como uma dicotomia por Woodrow Wilson (1887)9, ao concluir pela necessria

    separao de poderes. Contudo, num ambiente de imparcialidade e tica prprio de uma democracia

    manifesta-se a necessidade de uma simbiose entre estes intervenientes (Bourgon, 2007). Atualmente,

    a diviso entre funes do Governo e da Administrao Pblica no linear, sendo essencial perceber

    a sua interao para se compreender as polticas pblicas. Denhardt e Denhardt (2007:7) citam

    Appleby (1949) para demonstrar este ponto de vista: a administrao pblica constri uma poltica10. O paradoxo entre a necessidade e esperana crescente da sociedade na resoluo de problemas cada

    vez mais complexos por interveno do Governo e da Administrao Pblica e, em simultneo, a

    progresso da desconfiana nestes, convoca ao reconhecimento da sua dependncia mtua e ao

    fortalecimento da sua capacidade conjunta de