responsabilidade civil do estado por atos legislativos

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1 FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS DIOGO MARQUES MACHADO São Paulo 2010

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Page 1: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

1

FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

POR ATOS LEGISLATIVOS

DIOGO MARQUES MACHADO

São Paulo

2010

Page 2: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

2

FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

POR ATOS LEGISLATIVOS

DIOGO MARQUES MACHADO

São Paulo

2010

Trabalho de conclusão do Curso de Pós-

Graduação em Direito Civil pela Faculdade

Autônoma de Direito de São Paulo –

FADISP, como requisito essencial para a

obtenção do Título de Especialista.

Orientador: Professor MS. César Calo

Peghini

Page 3: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

3

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

POR ATOS LEGISLATIVOS

DIOGO MARQUES MACHADO

São Paulo

2010

Banca Examinadora

_______________________________________

Professor Orientador: Professor MS.

César Calo Peghini

_______________________________________

Examinador

_______________________________________

Examinador:

Page 4: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

4

Dedico esta Monografia, primeiramente, à Deus, pela

vida e força Diária, à minha família, pelo constante

estímulo e dedicação, e à minha esposa, Luciana, pelo

carinho e compreensão.

Um sincero agradecimento aos meus mestres, em

especial o Professor MS. César Calo Peghini, pela

disposição em orientar o presente trabalho e o Professor

Dr. Everaldo Augusto Cambler, pelo conhecimento

compartilhado

Page 5: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

5

As más leis constituem a pior espécie de tirania.

Edmund Burke

Page 6: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

6

RESUMO

O presente estudo tem por escopo investigar a responsabilidade

civil extracontratual do Estado, na qualidade de ente produtor de normas

jurídicas. Busca relatar toda a evolução histórica a qual a Responsabilidade

Estatal passou, até os dias de hoje, descrevendo as principais teorias que hoje

influenciam a doutrina e jurisprudência majoritária, e o caminhar destas à

responsabilização integral do Estado pelas leis por ele sancionadas e pelas

demais normas produzidas. Ao fim, traz à discussão casos práticos no

ordenamento jurídico pátrio, que ensejariam a aplicação das idéias

apresentadas.

Palavras Chave: Responsabilidade Civil, Responsabilidade do Estado, Ato

Legislativo.

Page 7: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

7

ABSTRACT

The present study aims to investigate the responsibility of the

State, as a producer of legal rules. Search report the historical development

which the State Responsibility until nowadays, describing the main theories that

today influence the majority doctrine and jurisprudence, and his movement to

the full responsibility of the State by laws enacted by him and by other

legislative acts. Finally, brings case studies in Brazilian Law discussions, which

would cause the application of the ideas presented.

Keywords: Civil Responsibility, State Responsibility, Legislative Act.

Page 8: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

8

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................09

1.1. Conceito de “Lei” ........................................................................................10

1.2. O Processo Legislativo ..............................................................................11

1.2.1. Iniciativa ..................................................................................................12

1.2.2. Discussão ...............................................................................................12

1.2.3. Votação ...................................................................................................13

1.2.4. Sanção ou Veto ......................................................................................14

1.2.5. Promulgação e Publicação .....................................................................15

1.3. Efeitos da Lei .............................................................................................15

2. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO.....................................................18

2.1. Noção de Responsabilidade ......................................................................18

2.2. Responsabilidade Civil do Estado .............................................................18

3. DA RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS............................27

3.1. Teorias sobre a responsabilidade e a irresponsabilidade do Estado.........27

3.2 Responsabilidade do Estado por atos legislativos inconstitucionais...........30

3.3. Responsabilidade por atos legislativos constitucionais .............................32

4. HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS LEGISLATIVOS

EM CASOS CONCRETOS ...............................................................................38

4.1. A Lei 14.223/2006, do Município de São Paulo .........................................38

4.2. O direito à meia-entrada ............................................................................42

CONCLUSÃO ...................................................................................................45

ANEXO .............................................................................................................47

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................51

Page 9: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

9

1. INTRODUÇÃO

O Homem, desde o princípio de sua existência, convive e interage

com seus semelhantes. A vivência em conjunto provoca mudanças e

alterações nos indivíduos, pois o homem influencia e é influenciado.

Obviamente, inevitável que certas condutas perturbem outros, devendo então

ser delimitadas, a fim de que exista convívio social, imprescindível ao ser

humano. Desta necessidade nasce a lei.

Com o desenvolvimento do homem e da sociedade, as leis

também evoluíram, transformando-se num complexo de documentos

interligados, que abrangem a absoluta maioria das relações humanas,

consubstanciando ainda numa ampla institucionalização das relações jurídicas.

O que se pretende investigar no presente trabalho é a

possibilidade de responsabilizar o Estado pelo produto de sua atividade

legislativa, tanto por aquelas normas elaboradas, discutidas e votadas pelo

Poder Legislativo Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, quanto pelas demais

normas abrigadas em nosso ordenamento jurídico, expedidas pelos Poderes

Executivo e Judiciário, no âmbito de suas funções atípicas.

Isso porque o Poder Executivo também legisla, seja ao editar uma

medida provisória, seja ao expedir um decreto. Tais atribuições são previstas

em nossa Constituição Federal, especificamente nos incisos VI e XXVI do

artigo 84.

Por seu turno, ao Poder Judiciário é assegurada a iniciativa para

legislar sobre seus regimentos internos, bem como demais normas de

organização judiciária, como regulamentos e portarias.

A norma jurídica se desenvolveu de tal forma que representa hoje

um dos mais relevantes princípios de qualquer ordenamento jurídico: O da

Legalidade.

Page 10: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

10

O respectivo princípio encontra-se no texto constitucional ao

preconizar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”. Não se trata, in casu, de um mero dispositivo ou de

uma simples determinação, mas sim de um princípio constitucional, depositário

de uma carga valorativa infinita, emanando efeitos para todas as áreas da

ordem jurídica, sem perder sua força e sua densidade. Ademais, é promovida

ao patamar de cláusula pétrea, não podendo seu conteúdo e seu alcance ser

limitado ou suprimido.

Os diplomas legais se revelam não somente como reguladores de

comportamento, mas também como paradigmas à atuação do poder soberano

do Estado, de forma que haja segurança jurídica nas relações administrador -

administrados. Isso se verifica, por exemplo, quando o Código Penal explicita

que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia

cominação legal, ou quando o Código Tributário Nacional define tributo como

prestação pecuniária compulsória, instituída mediante lei.

Ou seja, o Estado só pode atacar bens jurídicos relevantes do

indivíduo, como a liberdade ou o patrimônio, mediante previsão legal anterior.

Conforme preceitua nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso

I, “todo poder emana do povo”. Desta feita, a lei é elaborada pelo povo, e para

o povo, por intermédio de seus representantes, de sorte que não fique a

coletividade sujeita às vontades de um soberano, como ocorre em governos

ditatoriais.

Todavia, é previsível, ou quiçá inevitável, que alguém se

insatisfaça no estabelecimento de uma nova regra, se considerando

prejudicado. Ainda que esta sirva para toda a sociedade, é possível conceber

apenas uma parcela desta sendo atingida por uma Lei, uma vez que as

peculiaridades humanas são infinitas.

Page 11: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

11

Resta saber se, ao vigorar um novo instrumento normativo, e este

causando prejuízos a alguma pessoa, merece esta ver restabelecido o

equilíbrio danificado pelo indigitado diploma legal.

1.1. Conceito de “Lei”

Não é a pretensão deste trabalho exaurir a definição de “Lei” –

espécie do gênero “Ato Legislativo”. Entretanto conveniente citar a definição

clássica de lei feita por Montesquieu: “Lei é a relação necessária que deriva da

natureza das coisas1”.

Sobre esta definição, Miguel Reale define “Lei”, em sua acepção

jurídica, como norma escrita emanada pelo Estado, constitutiva de situações

jurídicas e dotada de validade objetiva2:

“O Direito, como ciência, não pode deixar de considerar as leis que

enunciam a estrutura e o desenvolvimento da experiência jurídica, ou

seja, aqueles nexos que, com certa constância e uniformidade, ligam

entre si e governam os elementos da realidade jurídica, como fato

social”

“A palavra lei, porém, tem, entre os juristas, outro sentido mais usual.

É a lei como espécie de regra ou de norma. Os juristas desenvolvem

doutrinas sobre as leis, ou seja, sobre regras jurídicas formuladas

pelos órgãos do Estado, diferençando-as das regras elaboradas pela

própria sociedade, através dos usos e costumes: Não se trata mais

de juízos enunciativos de realidade, mas de juízos normativos de

conduta”.

Desta forma, se restringido então ao seu sentido jurídico, a “Lei”

pode ser conceituada como uma regra de conduta social, sendo estabelecidas

por um poder soberano e seu mister é regular as atividades dos homens e as

suas interações sociais.

1 Montesquieu, De l’Espirit des Lois, in REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 58. 2 REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 20ª Ed., p. 58-59

Page 12: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

12

1.2. O Processo Legislativo

Como todo poder emana do povo, são os seus representantes

que produzem as espécies normativas, observando uma sequência de atos.

O professor José Afonso da Silva3 define o Processo Legislativo

como “um conjunto de atos preordenados visando a criação de normas de

Direito”.

Para Henrique Savonitti Miranda, Processo Legislativo4 “é o

mecanismo pelo qual os representantes eleitos pelo povo elaboram as

espécies normativas que serão responsáveis por ferir as condutas

intersubjetivas, direcionando-as ao alcance do bem comum”.

O processo legislativo se faz necessário, portanto, para a

produção e validade das espécies normativas elencadas no artigo 59 da

Constituição Federal: Emendas à Constituição, leis complementares; leis

ordinárias; leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos,

resoluções.

Michel Temer5 divide o processo legislativo em seis fases: (a)

iniciativa, (b) discussão (c) votação (d) sanção ou veto (e) promulgação e (f)

publicação

1.2.1. Iniciativa.

A iniciativa é a faculdade que alguém ou um ente possui de

apresentar um projeto de Lei ao Poder Legislativo. Ela pode ser concorrente

entre vários entes, bem como exclusiva, competindo somente a uma única

pessoa ou a um único órgão a iniciativa acerca de uma matéria específica.

3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed., pg. 525-526. 4 MIRANDA, Henrique Savonitti, Curso de Direito Constitucional, 4ª Edição, Brasília, Secretaria Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal, pg. 635. 5 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 11ª edição, São Paulo, Malheiros, 1995.

Page 13: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

13

Compete exclusivamente ao Presidente da República, por

exemplo, a iniciativa das leis que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças

Armadas. Igualmente, compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal a

iniciativa da lei complementar dispondo sobre o estatuto da magistratura.

A Constituição Federal, em seu artigo 61, §2º, prevê a

apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, subscrito por, no mínimo,

um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados,

com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

1.2.2. Discussão

Após a iniciativa, o projeto de lei é discutido pelas casas

legislativas, onde poderão ser apresentadas emendas, que são proposições

acessórias ao projeto.

O projeto de lei poderá ser discutido em comissões, permanentes

ou temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no

respectivo regimento ou no ato que originou sua criação.

Neste momento, se fará o controle preventivo de

constitucionalidade, onde o projeto será avaliado, verificando se há vícios

materiais ou formais.

Ocorre o vício formal quando uma lei, em fase de tramitação,

desrespeita a forma de tramitação estabelecida pelo processo legislativo. O

vício formal ainda pode ser de ordem objetiva, quando há o desrespeito da

ordem procedimental (por exemplo, no caso de uma lei complementar

aprovada por maioria simples, em desacordo com o que dispõe o artigo 69 da

Constituição), ou subjetiva, quando há o desrespeito à iniciativa legislativa

(ocorre, por exemplo, quando o Presidente da República apresenta projeto de

lei complementar dispondo acerca do Estatuto da Magistratura, o que viola o

artigo 93, caput, da Constituição Federal).

Page 14: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

14

Uma Lei possui vício material quando seu texto, no todo ou em

parte, contraria dispositivo da Constituição Federal sobre a mesma matéria.

Se uma lei que dispusesse acerca da usucapião especial rural

exigisse a posse de fato por dez anos ininterruptos para a aquisição da

propriedade, fatalmente iria de encontro ao que estatui o artigo 191 da Carta

Magna, que exige somente cinco anos para a aquisição da propriedade.

1.2.3. Votação.

A votação é o ato da casa legislativa que, precedido de estudos e

debates, os parlamentares, por maioria de votos, aprovam ou não determinado

projeto de Lei ou de Emenda à Constituição.

O artigo 67 da Constituição define que a matéria constante de

projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na

mesma sessão legislativa6, mediante proposta da maioria absoluta dos

membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.

1.2.4. Sanção ou Veto.

Sanção é a aquiescência do chefe do Poder Executivo o projeto

de lei aprovado pelo Poder Legislativo. A sanção pode ser expressa, quando o

Chefe do Executivo emite “ato de sanção”, ou tácita, quando o Chefe do

Executivo silencia nos quinze dias subseqüentes à apresentação do projeto.

A Súmula nº 5, do Supremo Tribunal Federal, diz que “a sanção

do projeto supre a falta de iniciativa do Poder Executivo”. Ou seja: Caso um

parlamentar apresente um projeto de lei de iniciativa exclusiva do Presidente

da República, a sanção Presidencial convalidará o vício formal subjetivo que

padece sobre o projeto de lei.

6 Período em que o Congresso Nacional se reúne anualmente, entre os dias 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro

Page 15: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

15

Este entendimento é alvo de severas críticas, no sentido de que a

exclusividade na iniciativa legislativa sobre uma determinada matéria é um

poder indeclinável, e o Chefe do Executivo não pode dispor de competência

conferida exclusivamente a ele.

Neste entendimento, é a posição de Manoel Gonçalves Ferreira

Filho7:

“Em realidade, o direito que o Executivo exerce ao propor leis, é

propriamente uma função exercida em favor do Estado, representante

do interesse geral. Em vista disso, é bem claro que não pode ele

concordar com a usurpação daquilo que rigorosamente não é seu. E,

sobretudo, como assinalou José Frederico Marques, a concordância

do Executivo em que uma função a ele delegada seja exercida pelo

Legislativo, importa em delegação proibida pela lógica da

Constituição, a menos que esta expressamente permita”.

O veto é o mecanismo à disposição do Chefe do Executivo para

demonstrar sua discordância com o projeto aprovado. O veto pode ser jurídico,

quando contrário à constituição, ou político, quando contrário ao interesse

público.

O veto ainda pode ser total, quando o Chefe do Executivo

demonstra sua discordância com o texto integral da norma, ou parcial, quando

a discordância se dá apenas em relação a um ou mais dispositivos específicos

(determinado(s) artigo(s), inciso(s), parágrafo(s) ou alínea(s)), preservando o

resto do projeto de lei. Neste caso, o veto se dará no dispositivo inteiro, sendo

vedado o veto sobre uma palavra, como determina o §2º do Artigo 66 da

Constituição8.

7 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira, Do Processo Legislativo, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 213 8 Art. 66. (...) § 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

Page 16: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

16

O veto será feito por mensagem fundamentada, ao Presidente do

Senado Federal, a fim de ser apreciado pelo Congresso Nacional, em

escrutínio secreto, quando os parlamentares decidirão sobre a manutenção ou

não o veto presidencial.

1.2.5. Promulgação e Publicação.

Entende-se por promulgação a comunicação, pelo Chefe do

Executivo, de que a lei foi aprovada. É um ato obrigatório, ainda que o Chefe

do Poder Executivo tenha vetado o projeto, deve ele promulgá-lo, caso o veto

tenha sido rejeitado.

A Constituição Federal determina que, caso o Presidente da

República não promulgue a lei dentro de quarenta e oito horas, o Presidente do

Senado a promulgará em igual prazo. Não o fazendo, caberá ao Vice-

Presidente do Senado a promulgação.

O ato da promulgação ordena a publicação da lei.

A publicação, última etapa do processo legislativo, é a

comunicação da promulgação da lei, de sua inserção no ordenamento jurídico,

aos seus destinatários. É condição essencial para que a lei entre em vigor e

seja eficaz. É feito mediante a inserção da lei em jornal oficial.

1.3. Efeitos da Lei.

Após o processo legislativo, a lei está pronta para vigorar e gerar

os seus efeitos.

A Lei é geral (ou universal), eis que se dirige a todas as pessoas,

indistintamente. Os destinatários da Lei são indeterminados ou

indetermináveis. Contudo, é possível a vigência de leis singulares, que

estabeleça normas especiais que produzam efeitos a determinada pessoa ou

Page 17: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

17

grupo de pessoas. Uma lei que concede indenização para um determinado

grupo de pessoas é um exemplo de lei singular.

A lei é dotada de imperatividade. Ela deve ser obrigatoriamente

observada por todos. Para tanto, dota-se de coercibilidade e força

sancionatória para fazer valer a regra que nela se instituiu, sob pena de

recompensa, para quem a observa, ou de castigo, para quem a transgride.

Quanto à obrigatoriedade, as leis podem ser cogentes ou

impositivas: Elas dispõem absolutamente sobre uma determinada matéria e

sua observância é obrigatória, não admitindo que as partes disponham de

forma contrária. O artigo 1.641, do Código Civil, é um exemplo de lei

impositiva, ao obrigar certas pessoas que desejam se casar a adotar o regime

da separação de bens9.

De outro modo, as leis podem ser dispositivas. Isso ocorre

quando seu mandamento pode ser aplicado de maneira contrária, sem que

isso importe qualquer nulidade ou sanção. Ela tem caráter supletivo e é

aplicável quando não houver manifestação em sentido contrário das partes,

para suprir a omissão destes. Exemplo: o domicílio de eleição.

As leis ainda podem ser meramente interpretativas, quando busca

somente explicar o sentido de uma lei anterior, sem que a substitua ou a

modifique, como faz o artigo 70 do Código Civil10, que define o domicílio da

pessoa natural.

A lei é abstrata. A lei prospecta uma geração de efeitos para o

futuro, sinalizando efeitos quanto a fatos hipotéticos.

9 Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. 10 Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

Page 18: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

18

Nas palavras de José Cretella Júnior:

“Não se dirige a pessoa determinada, não se atinge de maneira

específica situações jurídicas individuais, mas refere-se à

generalidade dos habitantes de um país, em dado momento de sua

história.”

O ordenamento jurídico contempla, todavia, leis de efeito

concreto, que dizem respeito a um fato presente. Por exemplo, uma Lei que dá

nome a um Aeroporto.

A lei gera efeitos permanentes. Isso quer dizer que seus efeitos

não se exaurem numa só aplicação. Mesmo as leis temporárias, excepcionais

e revogadas, conservam essa característica por meio do princípio da

ultratividade das leis. Ainda que sua vigência tenha sido exaurida, ou tenha

sofrido revogação, elas continuam a ser aplicadas para resolver as situações

jurídicas ocorridas na sua vigência.

A lei deve ser emanada de autoridade competente. Ou seja:

elaborada por autoridade competente e em observância ao processo legislativo

específico.

Page 19: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

19

2. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

2.1. Noção de Responsabilidade

No presente estudo, se busca investigar a aplicação da

responsabilidade patrimonial ou civil ao Estado Legislador dentre as outras

formas de responsabilidade (penal ou administrativa, por exemplo).

Nas lições de Rui Stoco11,

“A responsabilidade civil traduz a obrigação da pessoa física ou

jurídica ofensora de reparar o dano causado por conduta que viola

um dever jurídico preexistente de não lesionar implícito ou expresso

na lei”.

Dentro da responsabilidade civil, se pretende verificar a

possibilidade do Estado, na qualidade de ente gerador de normas, se ver

obrigado a reparar eventuais danos causados a uma pessoa ou a um grupo de

pessoas pelo que dispõe respectivas leis.

2.2. Responsabilidade Civil do Estado

Discutido tanto por civilistas quanto por administrativistas, a

responsabilidade do Estado vem sofrendo uma constante evolução, a partir dos

últimos séculos, se destacando, em meio desta evolução histórica, três teorias

acerca da responsabilidade extracontratual do Estado.

A primeira delas baseia-se na irresponsabilidade estatal. Esta

teoria surgiu em Estados Absolutistas, baseada na premissa de que o Rei

nunca erra Neste esteio, a soberania do Estado perante o súdito era absoluta e

incontestável, não podendo ninguém agir contra aquele.

Neste sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello12:

11 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p120.

Page 20: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

20

“Com efeito, é sobejamente conhecida a frase de Laferrière: “O

próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação”; bem

como as fórmulas regalengas que sintetizavam o espírito norteador

da irresponsabilidade: “Le roi ne peut mal faire”, como se afirmava na

França, ou: “The King can do not wrong”, que é a evidente versão

inglesa”.

Ao que parece, trata-se de uma teoria que possui uma carga de

injustiça muito forte. Como um ente que lhe é atribuído poder de tutelar o direito

pode, ao mesmo tempo se esquivar dele? Por esta razão a teoria da

irresponsabilidade administrativa passou a ser combatida e, posteriormente

superada, concomitante à decadência dos impérios absolutistas.

Vale ressaltar que, no entanto, tal corrente imperou na Inglaterra e

nos Estados Unidos até meados da década de 1940, até o advento, dos

respectivos Crown Proceeding Act13, de 1947 e o Federal Torts Claims Act, de

12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p807 13 Right to sue the Crown. 1.Where any person has a claim against the Crown after the commencement of this Act, and, if this Act had not been passed, the claim might have been enforced, subject to the grant of His Majesty’s fiat, by petition of right, or might have been enforced by a proceeding provided by any statutory provision repealed by this Act, then, subject to the provisions of this Act, the claim may be enforced as of right, and without the fiat of His Majesty, by proceedings taken against the Crown for that purpose in accordance with the provisions of this Act. Liability of the Crown in tort 2. — (1) Subject to the provisions of this Act, the Crown shall be subject to all those liabilities in tort to which, if it were a private person of full age and capacity, it would be subject:— (a)in respect of torts committed by its servants or agents; (b)in respect of any breach of those duties which a person owes to his servants or agents at common law by reason of being their employer; and (c)in respect of any breach of the duties attaching at common law to the ownership, occupation, possession or control of property: Provided that no proceedings shall lie against the Crown by virtue of paragraph (a) of this subsection in respect of any act or omission of a servant or agent of the Crown unless the act or omission would apart from the provisions of this Act have given rise to a cause of action in tort against that servant or agent or his estate. (2) Where the Crown is bound by a statutory duty which is binding also upon persons other than the Crown and its officers, then, subject to the provisions of this Act, the Crown shall, in respect of a failure to comply with that duty, be subject to all those liabilities in tort (if any) to which it would be so subject if it were a private person of full age and capacity. (3) Where any functions are conferred or imposed upon an officer of the Crown as such either by any rule of the common law or by statute, and that officer commits a tort while performing or purporting to perform those functions, the liabilities of the Crown in respect of the tort shall be such as they would have been if those functions had been conferred or imposed solely by virtue of instructions lawfully given by the Crown. (4) Any enactment which negatives or limits the amount of the liability of any Government department [F1 , part of the Scottish Administration] or officer of the Crown in respect of any tort

Page 21: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

21

194614, ambos admitindo a propositura de ações nas quais a Administração

figurasse no pólo passivo da demanda.

A teoria da irresponsabilidade do estado deu lugar a teorias

civilistas, embasadas no elemento “culpa”.

Primeiramente, o comportamento estatal passou a ser divido em

“atos de império” e “atos de gestão”. São atos de império aqueles fundados na

supremacia que a administração pública detém sobre seus administrados. São

atos derivados da vontade exclusiva do Estado, dotados de coercitividade,

devendo o particular se curvar à sua vontade, tendo em vista sua posição

committed by that department [F1 , part] or officer shall, in the case of proceedings against the Crown under this section in respect of a tort committed by that department [F1 , part] or officer, apply in relation to the Crown as it would have applied in relation to that department [F1 , part] or officer if the proceedings against the Crown had been proceedings against that department [F1 , part] or officer. (5) No proceedings shall lie against the Crown by virtue of this section in respect of anything done or omitted to be done by any person while discharging or purporting to discharge any responsibilities of a judicial nature vested in him, or any responsibilities which he has in connection with the execution of judicial process. (6) No proceedings shall lie against the Crown by virtue of this section in respect of any act, neglect or default of any officer of the Crown, unless that officer has been directly or indirectly appointed by the Crown and was at the material time paid in respect of his duties as an officer of the Crown wholly out of the Consolidated Fund of the United Kingdom, moneys provided by Parliament [F2 the Scottish Consolidated Fund],. . . F3 or any other Fund certified by the Treasury for the purposes of this subsection or was at the material time holding an office in respect of which the Treasury certify that the holder thereof would normally be so paid (disponível em: http://www.statutelaw.gov.uk/content.aspx?activeTextDocId=1140084). 14 § 2674. Liability of United States The United States shall be liable, respecting the provisions of this title relating to tort claims, in the same manner and to the same extent as a private individual under like circumstances, but shall not be liable for interest prior to judgment or for punitive damages. If, however, in any case wherein death was caused, the law of the place where the act or omission complained of occurred provides, or has been construed to provide, for damages only punitive in nature, the United States shall be liable for actual or compensatory damages, measured by the pecuniary injuries resulting from such death to the persons respectively, for whose benefit the action was brought, in lieu thereof. With respect to any claim under this chapter, the United States shall be entitled to assert any defense based upon judicial or legislative immunity which otherwise would have been available to the employee of the United States whose act or omission gave rise to the claim, as well as any other defenses to which the United States is entitled. With respect to any claim to which this section applies, the Tennessee Valley Authority shall be entitled to assert any defense which otherwise would have been available to the employee based upon judicial or legislative immunity, which otherwise would have been available to the employee of the Tennessee Valley Authority whose act or omission gave rise to the claim as well as any other defenses to which the Tennessee Valley Authority is entitled under this chapter (disponível em http://www.law.cornell.edu/uscode/28/usc_sec_28_00002674----000-.html).

Page 22: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

22

hierarquicamente inferior. Um bom exemplo para caracterizar o ato de império

é a desapropriação.

Em contrapartida, os atos de gestão são aqueles praticados pela

Administração em pé de igualdade com seus súditos. São atos de rotina,

praticados no intuito de conservar o patrimônio público ou prestar um serviço.

Consoante o magistério de Caio Mário da Silva Pereira15:

“É verdade que os atos mais freqüentes do Estado são a expressão

do poder inerente ao seu império, atos de império (exemplo: o Estado

cria o tributo, que exige do contribuinte). Mas nem sempre. Muitas

vezes procede como o indivíduo na gestão do patrimônio, atos de

gestão, em que atua como particular, e os direitos que exerce são de

ordem privada (exemplo: o Estado aluga um edifício para instalação

de um serviço)“

A partir desta divisão, o Estado passou a se responsabilizar pelos

atos de gestão, caso comprovado o elemento “culpa”, preservando assim a

figura infalível do soberano, permanecendo a irresponsabilidade estatal nos

atos de império.

Esta teoria, no entanto, foi superada à medida que foi se

verificando impossível dividir a personalidade do Estado, sendo que a

responsabilidade do Estado era admissível desde que fosse comprovada a sua

Culpa, independente se o ato era de império ou de gestão.

É esse, outrossim, o entendimento adotado pelo Código Civil de

1916, conforme preceituava o seu artigo 15: “As pessoas jurídicas de direito

público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que

nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao

direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os

causadores do dano”.

15 PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, vol. I, 19ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, pg. 25

Page 23: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

23

Episódio marcante para a transição do pensamento jurídico

acerca da responsabilidade estatal é o “Caso Blanco”, narrado de forma

irretocável pela eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro16:

"A menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua em Bordeaux, foi

colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo;

seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de

que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a

terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes.

Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o

contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a

controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo,

porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de

funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a

responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do

Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam

conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os

direitos do Estado com os diretos privados".

Surgem então as teorias publicistas, das quais se destacam as

“da culpa administrativa” e a “do risco administrativo”.

A teoria da culpa administrativa reside na idéia de que, caso seja

impossível a identificação do agente público que praticou o ato, cabe ao Estado

a reparação pelo mau funcionamento, não funcionamento ou funcionamento

tardio do serviço. Enfim, cabia ao Estado a responsabilidade pela culpa do

serviço (faute du service).

A teoria do risco administrativo, por seu turno, defende que a

responsabilidade do Estado existe quando há nexo de causalidade entre o

serviço prestado por este e o dano injusto sofrido pelo indivíduo. Não há, nesta

corrente, o elemento “culpa”, de sorte que a responsabilidade do Estado é

objetiva.

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 11ª edição, ed. Atlas, 1999, São Paulo, p. 503.

Page 24: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

24

Isso se dá em razão do progresso das cidades, e do

desenvolvimento das relações humanas, nos diversos meios: econômicos,

sociais, tecnológicos etc., de sorte que as respectivas atividades, por si só, são

capazes de expor outrem a uma situação de perigo, causando danos ainda que

dissociados da sua vontade, embora conseqüências naturais dessas

atividades.

Yussef Cahali explicita, de forma precisa, como a teoria do risco

administrativo é necessária, como conseqüência natural do crescimento das

relações sociais:

“E se mostra compatível – essa teoria do risco – com o caráter

publicístico que se irroga à Administração, caracteriza-se por um

desenvolvimento acelerado da técnica e das atividades organizadas,

que vão criando cada vez com maior intensidade situações de perigo

de danos; essa mudança tecnológica e estrutural não só comporta

maior quantidade de danos possíveis como, também, uma

modificação qualitativa da maneira como se produzem tais danos, no

sentido de que grande parte deles é de danos anônimos, que devem

produzir-se necessariamente pelo simples fato do funcionamento de

uma atividade organizada, sem que seja possível a identificação da

vontade do sujeito físico que os tenha provocado.”

Desta forma, é irrelevante o fato de o Estado ter agido

regularmente e de forma lícita, uma vez que há nexo de causalidade entre o

ato administrativo e o dano experimentado pelo particular, a responsabilidade

do Estado está qualificada, carecendo para isto a avaliação de qualquer

ingrediente subjetivo para o caso.

Portanto, para que o Estado possa se eximir da responsabilidade,

não lhe terá serventia provar a ausência de culpa, pois este elemento não é

examinado no ato. Para tal, somente a exclusão do nexo de causalidade fará

com que o Estado não tenha o dever de reparar o dano, devendo assim o Ente

Público demonstrar a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força

maior, por exemplo.

Page 25: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

25

A teoria da responsabilidade objetiva do Estado, que vigora

hodiernamente no Brasil, foi consagrada em nosso ordenamento jurídico com a

Constituição de 1946, que dispunha da seguinte forma:

Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são

civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa

qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários

causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Além disso, são fartos os arestos dos Tribunais Superiores que

vêm admitindo a Teoria do Risco Administrativo quando do julgamento da

responsabilidade civil do Poder Estatal:

PROCESSUAL – LIQUIDAÇÃO – PEDIDO CERTO – RISCO

ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO. Nosso ordenamento jurídico

acolheu a teoria do risco administrativo. Segundo ela surge a

obrigação de indenizar o dano só do ato lesivo e injusto causado à

vítima. (STJ, 1ª Turma, Resp 158201-RJ, DJU 15.6.98, p. 00043, rel.

Min. Garcia Vieira, j. 17.3.98)

PRESCRIÇÃO – DEMORA INERENTE AO MECANISMO DA

JUSTIÇA – RISCO ADMINISTRATIVO – OBRIGAÇÃO DE

INDENIZAR O DANO – FERIMENTO OCORRIDO DURANTE O

TREINAMENTO MILITAR. A teoria do risco administrativo requer

apenas a prova do dano e o nexo causal para ensejar à

administração a obrigação de reparar o dano. (STJ, 1ª Turma, Resp

184076-RN, DJU 01.02.99, p. 00127, rel. Min. Garcia Vieira, j.

05.11.98, v.u.)

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO –

DANO CAUSADO A TERCEIROS – TEORIA DO RISCO

ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO – DIREITO DE REGRESSO –

DENUNCIAÇÃO À LIDE – POSSIBILIDADE. Adotou o direito

brasileiro, em sede de responsabilidade civil do Estado, a teoria do

risco administrativo, com a possibilidade de o Estado, após indenizar

os lesados, acionar regressivamente o agente causador do dano, em

caso de dolo ou culpa deste. (RDJTJDFT 63/95)

Page 26: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

26

A concepção de responsabilidade objetiva do Estado encontra-se

embasada em dois princípios: O primeiro deles é o da equidade, que

representa a máxima de justiça de que aquele que causa o prejuízo tem o deve

de reparar o dano. E, sendo anônimo o agente causador do dano, deve ser

resguardado o direito da vítima em ser ressarcida por seus danos, pelo Poder

Estatal.

Apresenta-se como segundo princípio o da isonomia, também é

elemento norteador da responsabilidade objetiva, o que alguns doutrinadores

definem por “solidariedade social”. O princípio da isonomia na responsabilidade

estatal encontra-se na premissa de que, se a sociedade é beneficiada com

uma prestação estatal, ela também deve arcar com os prejuízos daquele que

foi prejudicado por esta mesma prestação. Quem se beneficia com o bônus,

deve arcar com o ônus.

No entanto, ainda que prevaleça o entendimento de que a

responsabilidade extracontratual do Estado seja objetiva, existe ainda um

entendimento doutrinário, sustentado brilhantemente pelo Professor Celso

Antônio Bandeira de Melo, no sentido de que a responsabilidade civil do Estado

seria auferida mediante critérios subjetivos, nos casos de omissão.

Admitir a responsabilidade objetiva do Estado para qualquer dano

sofrido pelo particular, seja decorrente de uma ação, seja de uma omissão,

fatalmente causaria uma paralisação do serviço público, no sentido de que

nada mais faria o Estado senão esvaziar seus cofres para o pagamento de

indenizações.

É o que explica o eminente administrativista:

“Quando o dano for possível em decorrência de uma omissão do

Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou

ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade

subjetiva.

Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio,

cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante

Page 27: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

27

qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via

pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local

público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não

funcionou”. Admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o

Estado estaria erigido em segurador universal!”

Isso importa afirmar que, por exemplo, não caberia ao cidadão

qualquer verba indenizatória por parte do Estado em razão de ter sido

assaltado em via pública. Com efeito, cabe ao Estado manter um contingente

adequado de policiais, espalhados pela cidade mediante critérios técnicos, e

observando dados estatísticos, no sentido de que o número de policiais seja

proporcional ao número de delitos cometidos numa respectiva região. Todavia,

ser abordado por um criminoso é um risco corrido por todos aqueles que saem

às ruas, sendo absolutamente inviável o Estado prestar um serviço de

segurança e policiamento que impeça toda e qualquer incidente desta

natureza.

Embora seja um entendimento doutrinário, é comumente utilizado

pela jurisprudência, conforme o aresto prolatado pela Colenda Terceira Câmara

de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação

Cível nº 097.806-5/1-00, Rel. Magalhães Coelho, em 27.03.2001:

Em circunstâncias tais, nas quais a responsabilidade do Poder

Público não deriva de ato comissivo seu, mas sim de omissão que

teria possibilitado a ocorrência do dano, não tem aplicação a doutrina

da responsabilidade objetiva do Estado, devendo a questão ser

resolvida com fundamento na teoria subjetiva.

Nessas hipóteses, a solução se dá sob a invocação da doutrina

“Faute du Service”, cujo fundamento é a responsabilidade subjetiva

do Estado pelo não funcionamento, pelo funcionamento tardio ou

defeituoso de seus serviços.

Colhe-se na melhor doutrina sobre o tema que a alegada omissão do

Poder Público ensejadora de responsabilidade civil há que ser

provada nos autos, não bastando, nessas hipóteses, o mero nexo

causal. Mesmo porque, frise, não é o Poder Público o causador do

dano, senão o seu propiciador.

Page 28: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

28

Na hipótese dos autos, não se comprovou que a omissão culposa da

Municipalidade tivesse ensejado a ocorrência do dano.

(...)

Em arremate, devendo a questão ser solucionada à luz da teoria

subjetiva, uma vez que se trata de responsabilidade por omissão e

não estando provada a conduta negligente da ré, a ação só poderia

ser julgada improcedente.

Page 29: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

29

3. DA RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS

3.1. Teorias sobre a responsabilidade e a irresponsabilidade

do Estado.

No que diz respeito à responsabilidade estatal pela edição de um

documento normativo, não há um consenso acerca do que deve prevalecer,

existindo fundamentos tanto para justificar a irresponsabilidade estatal quanto a

responsabilidade do estado pelo ato legislativo. Todavia, ainda que não seja

exagero dizer que o tratamento referente à responsabilidade do estado por

atos legislativos pela doutrina e pela jurisprudência encontra-se numa “área

cinzenta”, é possível definir um avanço gradual do tema, no sentido de que

possa ser estabelecida uma linha evolutiva do assunto, sob uma tendência

acertadamente abolicionista.

Os que defendem que o Estado não deve ser responsabilizado

pela lei que produz, embasam tal entendimento, basicamente nas seguintes

assertivas.

A primeira delas assevera que a lei é um ato de soberania e,

portanto, não poderia ser alvo de responsabilidades. Se o legislador é

agraciado pela imunidade parlamentar, ele também não pode ser

responsabilizado pela elaboração de uma lei, que, em tese, é a expressão de

uma vontade popular, sintetizada na manifestação de seus representantes,

democraticamente eleitos para exercer tal poder.

Além disso, alega-se que a lei é uma norma geral e abstrata, não

visando assim prejudicar alguém em especial.

Por último, em decorrência da primeira assertiva, o legislador é

eleito pelo povo, e que, portanto, não pode o povo exigir a reparação por uma

lei que o seu representante, por ele escolhido, editou.

Nas lições de Hely Lopes Meirelles:

Page 30: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

30

Para os atos administrativos, já vimos que a regra constitucional é a

responsabilidade objetiva da Administração, mas quanto aos atos

legislativos e judiciais a Fazenda Pública só responde mediante a

comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira

ilegítima e lesiva. Essa distinção resulta do próprio texto

constitucional que só se refere aos agentes administrativos

(funcionários), sem aludir aos agentes políticos (parlamentares e

magistrados) que não são funcionários da Administração Pública,

mas sim membros de Poderes de Estado.

O ato legislativo típico, que é a lei, dificilmente poderá causar prejuízo

indenizável ao particular, porque, como norma abstrata e geral, atua

sobre toda a coletividade, em nome da soberania do Estado, que,

internamente, se expressa no domínio eminente sobre todas as

pessoas e bens existentes no território nacional. Como a reparação

civil do Poder Público visa restabelecer o equilíbrio rompido com o

dano causado individualmente a um ou alguns membros da

comunidade, não há falar em indenização da coletividade. Só

excepcionalmente poderá uma lei inconstitucional atingir o particular

uti singuli, causando-lhe um dano injusto e reparável. Se tal ocorrer,

necessário se torna a demonstração cabal da culpa do Estado,

através da atuação de seus agentes políticos, mas isto se nos afigura

indemonstrável, no regime democrático em que o próprio povo

escolhe os seus representantes para o Legislativo. Onde, portanto, o

fundamento para a responsabilização da Fazenda Pública, se é a

própria coletividade que investe os elaboradores da lei na função

legislativa, e nenhuma ação disciplinar têm os demais Poderes sobre

agentes políticos?

Não encontramos, assim, fundamento jurídico para a

responsabilização civil da Fazenda Pública, por danos eventualmente

causados por lei, ainda que declarada inconstitucional.

Esse entendimento influencia ainda algumas turmas de nossos

tribunais, conforme demonstra o presente acórdão:

"CIVIL. PROCESSO CIVIL. POUPANÇA. LEI-7730/89.

LEGITIMIDADE RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS.

NULIDADE DA SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA.

Page 31: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

31

PRESCRIÇÃO. IPC DE JANEIRO/89. 1. A caderneta de poupança é

contrato de depósito envolvendo a instituição financeira e o cliente. 2.

A regra que prevalece, em relação a atos legislativos, é a da

irresponsabilidade do Estado, não sendo, por isso, a União

Federal parte passiva legítima. 3. Rejeitada a alegação de nulidade

da sentença face à determinação de incidência dos IPCs de março e

abril/90 nos cálculos de liquidação da sentença. 4. A correção

monetária é devida desde o momento da não-inclusão do IPC de

janeiro/89, de modo a evitar a depreciação monetária dos valores

depositados. 5. Não corre prescrição qüinqüenal em favor do

depositário,uma vez que se trata de ação pessoal; ademais, não pode

empresa pública pretender o mesmo tratamento dispensado à

Fazenda Pública. 6. O contrato de depósito se aperfeiçoa no

momento em que a importância é depositada para a remuneração em

trinta dias, tendo o depositante direito adquirido à remuneração

contratada, quando se verificar o prazo contratual. Os contratos

efetuados ou renovados antes da edição da MPR-32/89 regem-se

pelas normas anteriormente vigentes. 7. O índice postulado, 70,28%

(setenta virgula vinte e oito por cento , correspondente a um lapso de

tempo de 51 dias, sendo 42,72% (quarenta e dois virgula setenta e

dois por cento o índice real para o período. 8. Parcialmente provido o

apelo". (TRF 4ª Região, 5ª T, Rel. Juíza Marga Inge Barth Tessler, AC

9504514391/ PR, DJ 20/11/1996 p.89226) (Grifei).

Por outro lado, é crescente o entendimento contrário, no sentido

de que o Estado é responsável pela edição legislativa.

Quanto à lei ser um ato de soberania, e a irresponsabilidade do

legislador ser uma extensão da imunidade parlamentar, não justificaria a

irresponsabilidade do Poder Público. Com efeito, a responsabilidade, se

houver, será do Estado, e não do agente estatal, no caso, o legislador. Será do

ente, e não da pessoa que compõe este, o dever de reparar o dano.

O fato de o legislador ser eleito pelo povo, para representá-lo no

processo legislativo, não lhe confere poderes absolutos. As competências

atribuídas ao legislador estão delimitadas na Constituição, e não representam

uma procuração de infinitos poderes ou um cheque em branco, em que ele

será o único beneficiário.

Page 32: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

32

O fundamento de que a lei é uma norma geral e abstrata, em

alguns casos, não prevalece. Isso porque não é incomum a edição de leis de

efeitos concretos, que, embora revestidos pela formalidade de um diploma

legal, seu conteúdo revela ser a lei verdadeiro ato administrativo, editado pelo

Poder Legislativo.

Neste caso, se pode deduzir que a averiguação da

responsabilidade civil do Estado se dará sob os paradigmas da teoria do risco

administrativo, pois, embora lei, representa típico ato administrativo. In casu, a

responsabilidade do Estado prescindiria, inclusive, da declaração de

inconstitucionalidade do diploma pelo Poder Judiciário, como assevera a

professora Maria Silvia Zanella Di Pietro:

“Com relação às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas

determinadas, incide a responsabilidade do Estado, porque, como

elas fogem às características da generalidade e abstração inerentes

aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos

demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora

promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de

elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato

administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este

quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de

considerações sobre a sua constitucionalidade ou não.”

3.2 Responsabilidade do Estado por atos legislativos

inconstitucionais.

Conforme estudado no último item, os fundamentos que outrora

sustentavam a teoria da irresponsabilidade do estado pela edição de normas

passaram, com o avanço do pensamento jurídico, a serem cada vez mais

refutados, de forma que a doutrina majoritária admite a existência do dever de

indenizar do Poder Estatal, ainda que dentro de certas limitações.

A outorga de poderes a uma pessoa eleita pelo povo para propor

e votar leis pressupõe que este poder será exercido nos moldes e limites da Lei

Page 33: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

33

maior. O desrespeito às normas constitucionais do legislador, gerando um dano

a alguém, faz nascer a obrigação do Estado de indenizá-lo.

Dessa forma, notório a evolução da responsabilidade civil do

Estado legislador no sentido de ser admitida sua responsabilidade em face de

uma lei, desde que, no entanto, seja ela julgada inconstitucional, conforme

demonstram os acórdãos a seguir:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - LEI INCONSTITUCINAL

- INDENIZAÇÃO - O Estado responde civilmente por danos causados

aos particulares pelo desempenho inconstitucional da função de

legislar.” (RDP 189/305)

SEM DÚVIDA, AS LEIS INCONSTITUCIONAIS PODEM LEGITIMAR O PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANO QUE PORVENTURA TENHA CAUSADO. MAS É INDECLINÁVEL QUE ESSA INCONSTITUCIONALIDADE TENHA SIDO RECONHECIDA E DECLARADA PELO PODER JUDICIÁRIO (...) (RDA 20/42)

O Estado responde civilmente pelo dano causado em virtude de ato

praticado com fundamento em lei declarada inconstitucional (RDA

20/42 Min. Castro Nunes)

Na apuração da inconstitucionalidade, tomando como início o

posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, no Resp 201.972/RS,

quando aponta que “O Estado só responde (em forma de indenização, ao

indivíduo prejudicado) por atos legislativos quando inconstitucionais, assim

declarados pelo Supremo Tribunal Federal” (Grifei), eis a dúvida que surge.

Será que apenas a decretação da inconstitucionalidade no controle

concentrado das normas seria hábil a propiciar um ressarcimento?

Henrique S. Miranda, em sua obra, também adota este

posicionamento, se orientando por alguns precedentes jurisprudenciais:

“É importante ressaltar que, em caso de responsabilização por inconstitucionalidade de lei, esta fica condicionada à prévia declaração da inconstitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal (RDA, 20:42; 189,305; 191,175) (Grifos do autor)”.

Page 34: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

34

Todavia, não se vislumbram motivos relevantes que justifiquem

ser o controle concentrado de constitucionalidade uma condição imprescindível

para que seja configurada a responsabilidade estatal.

Com efeito, a jurisdição no Brasil é una. Não obstante a existência

de diversos órgãos e instâncias, com competências distintas e independentes

entre si, todos eles exercem o mesmo mister: Distribuir a justiça.

Logo, não há uma hierarquia de inconstitucionalidades. O fato de

uma inconstitucionalidade ser decretada numa via concentrada, cuja

legitimidade para sua propositura ser restrita a entidades relevantes da

sociedade, o julgamento ser feito por um tribunal supremo, e o resultado deste

exame produzir efeitos para todos os indivíduos não descaracteriza, nem

desvaloriza uma sentença prolatada numa comarca do interior, numa ação

ordinária de interesse privado.

A amplitude dos efeitos emanados por uma decisão judicial, seja

ela no juízo singular ou num tribunal, não qualifica ou desqualifica a sua

legitimidade e força vinculante dentro, contudo da sua esfera de competência.

E quanto aos atos normativos editados pelos outros poderes.

Decretos, medidas provisórias, resoluções etc., seriam elas também capazes

de originar eventos danosos que geraria o dever de reparar o dano.

A Medida Provisória, por expressa previsão constitucional, possui

força de lei, sendo editada pelo Presidente da República (ou pelo Governador,

caso haja previsão na Constituição Estadual) em casos de relevância e

urgência.

Entendo que se aplica às medidas provisórias o mesmo

entendimento aplicado às leis, pela semelhança de ambos os institutos.

Quanto aos demais atos normativos, como os decretos, ainda que

se assemelhem, principalmente quanto à sua forma, com as leis, não deixam

Page 35: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

35

de ser atos administrativos, o que possibilita a aplicação imediata da teoria do

risco administrativo. Bastando que haja o dano e o nexo de causalidade entre o

Poder Público e o ofendido, absolutamente dispensável o exame de sua

legalidade ou constitucionalidade. A eles se aplicaria, inclusive a lição trazida

pela professora Di Pietro, transcrita no item 3.1, in fine.

3.3. Responsabilidade por atos legislativos constitucionais.

Já explicitado acerca dos atos legislativos ilícitos, e o dever do

Estado de indenizar em decorrência destes, passa-se agora a tratar de um

assunto mais controvertido: A responsabilidade por um ato legislativo que,

embora perfeito constitucionalmente, pode causar um dano injusto aos

indivíduos ou a certa categoria de indivíduos .

Para muitos doutrinadores, e para a jurisprudência majoritária, a

responsabilidade do estado pelo ato legislativo chega ao seu fim ao se analisar

sua conformidade ou não com as normas constitucionais e, sendo a lei

constitucional, entendem que não há falar-se em dano, a menos que a lei,

expressamente, preveja eventual indenização àquele que sofreu prejuízo.

No caso da responsabilidade do Estado por atos legislativos

constitucionais, encontram-se precedentes no Direito Comparado, sendo, de

todos eles, o caso “La Fleurette” o mais conhecido de todos.

Narra o episódio com riqueza de detalhes o Professor Mauricio

Jorge Pereira da Mota17:

“A sociedade anônima de produtos leiteiros "La Fleurette"

empreendeu a fabricação na França sob o nome de "gradine" de um

creme sucedâneo de natas. Ela construiu para esse fim em Colombes

uma usina cuja produção anual era da ordem de 200.000 litros de

gradine. Ocorre então que, por iniciativa governamental é votada a lei

de 29 de junho de 1934 relativa à proteção de produtos leiteiros cujo

17 MOTA. Maurício Jorge Pereira da. Responsabilidade Civil do estado Legislador, 1999, Rio de Janeiro, Lúmen Iuris, p. 31.

Page 36: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

36

art. 1º interdita a fabricação, exposição, colocação à venda,

importação, exportação ou transporte de qualquer produto destinado

ao mesmo uso que as natas que não proviessem exclusivamente do

leite. Esta disposição tendia diretamente a interditar a fabricação de

gradine e assim deveria a sociedade cessar sua exploração.

O Conselho de Estado considerando que a interdição legal assim

editada em proveito da indústria leiteira não considerara esse

sucedâneo atentatório à saúde pública e que nada, nem no texto da

lei, nem nos trabalhos preparatórios, nem no conjunto das

circunstâncias do caso, permitia concluir que o legislador pretendera

impor ao interessado uma carga que não lhe incumbiria normalmente.

Afirmou ainda que esta carga, criada num interesse geral, devia ser

suportada pela coletividade e assim condenou o Estado a reparar os

prejuízos.

(...)

No caso concreto da Société La Fleurette, o autor analisou que o

Conselho de Estado estabeleceu assim que o prejuízo causado pelas

disposições legislativas poderão ensejar direito à reparação, mesmo

no silêncio do legislador desde que:

1º - resulte da lei, dos trabalhos preparatórios ou das circunstâncias

do caso que o legislador não pretendeu fazer suportar o prejuízo

pelas vítimas da lei, e notadamente quando as atividades destas não

tiverem um caráter repreensível, imoral, contrário aos bons costumes

ou à ordem pública;

2º - a carga imposta aos prejudicados seja particularmente grave,

importante e especial;

3º - a finalidade da lei seja uma finalidade de superior interesse da

coletividade como um todo e não de apenas algumas categorias

sociais determinadas.”

Júlio Cesar dos Santos Esteves, acerca do mesmo caso,

complementa18:

Considerou o Conselho de Estado que a mencionada lei não se

propunha a evitar uma atividade ilícita, imoral ou perigosa para a

sociedade, mas tão apenas salvaguardar a indústria leiteira, à época

18 ESTEVES, Júlio Cesar dos Santos. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 106.

Page 37: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

37

seriamente ameaçada de colapso pela degradação dos preços.

Considerou mais que, ao fazê-lo, o ato legislativo impunha, como

consequência da proteção do interesse geral, ônus especiais a

determinadas categorias sociais, razão porque o prejuízo a elas

acarretado deveria ser suportado por toda a coletividade, em face do

princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos.

Neste esteio, é o arrêt Bovero, em que o Governo Francês se viu

obrigado a indenizar o particular proprietário de imóvel que foi proibido, por lei a

propor o despejo do locatário inadimplente, em razão do filho deste estar

servindo às Forças Armadas da França na Guerra da Argélia, conforme relato

de Júlio César Santos Esteves19.

A pretensão do Estado em editar tal norma beneficiou um número

restrito de pessoas, enquanto trouxe aos proprietários dos imóveis locados um

ônus grave de suportar, pois prejudicou diretamente o sustento daqueles que

tinham no aluguel seus rendimentos mensais.

A idéia principal destes julgados históricos é a admissão da

igualdade do Estado perante os seus súditos, e a consequente

responsabilidade deste por ato legislativo regular, fundada no princípio da

igualdade nos encargos públicos.

É o que assinala Checa González20

“No obstante, a partir del arrêt Bovero -que desplazó el centro de

gravedad de la consideración de la responsabilidad del Estado como

una modalidad de régimen especial de responsabilidad, a ser

considerada como una responsabilidad pública de derecho común o

19 Obtido judicialmente o despejo pelo proprietário do prédio locado, Bovero, a execução da sentença não chega a se consumar, ante o advento de ato com força de lei que suspende os despejos contra militares que prestassem serviços na Argélia e contra suas famílias (in ESTEVES, Júlio Cesar dos Santos. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 108).

20 GONZÁLEZ, Clemente Checa. Responsabilidad patrimonial de la administración derivada de la declaración de inconstitucionalidad de una ley. Disponível em: ttp://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/cconst/cont/12/ard/ard5.htm. Acesso em 20/07/2010.

Page 38: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

38

responsabilité sans faute, al fundarse sobre el principio de igualdad

ante las cargas públicas-se mantuvo la doctrina de que la producción

de un daño por un acto normativo obliga, como regla general, a

indemnizar, a salvo de que el legislador haya excluido expresamente

tal derecho”.

Desses casos, Octávio de Barros traz à lume os critérios

acolhidos pela doutrina francesa e firmados pelo Conselho de Estado da

França:

a.) Quando um dano especial é causado a um particular por lei

de interesse da coletividade, o princípio da igualdade de

todos os encargos públicos exige que esse prejuízo seja

suportado por toa a coletividade;

b.) O Silêncio do legislador a respeito da indenização deve ser

interpretado no sentido da regra antes afirmada, que só não

vigorará se o próprio legislador expressamente declarar o

não cabimento da reparação;

c.) Estes princípios são aplicáveis unicamente às atividades

lícitas e não imorais.

Posteriormente, define que:

“A lei também é ato administrativo, aliás, da maior relevância, e tão só pelo

fato de regularmente emanada do Poder Legislativo não deve ser vista, em

face do Direito, como incapaz de causar prejuízos. Contra o ato legal que,

não obstante, é lesivo, vem em socorro do administrado o princípio da

intangibilidade de seu patrimônio, o qual, se por um lado é relativo, no

sentido de não poder sobrepor-se à determinação estatal, por outro lado

patenteia-se irrecusável, impondo o ressarcimento.”

Quanto ao critério adotado de que a atividade, além de lícita, não

poderia ser imoral, Maurício Jorge Pereira da Mota21 cita o caso sobre a Comp.

Générale de La Grande Pêche:

21 MOTA, Maurício Jorge Pereira da. A responsabilidade civil do Estado legislador no Direito Francês, disponível em: http://www.mauriciomota.net/RCELegislador.pdf. Acessado em 19/07/2010.

Page 39: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

39

“Esta companhia estabeleceu-se nas ilhas de Saint-Pierre et

Miquelon, adquiriu grandes estoques de álcool e tinha como atividade

comercial introduzi-lo por contrabando nos Estados Unidos, então sob

o império da Lei Seca. A pedido do governo americano o presidente

francês editou um decreto em 09 de abriu de 1935 interditando a

exportação de álcool de Saint-Pierre et Miquelon tendo em vista

suprimir as práticas fraudulentas que se exerciam em detrimento de

um país estrangeiro.

Tendo seus estoques se tornado inopinadamente invendáveis, a

Companhia Grande Pêche ingressa com pedido de indenização

perante o Conselho de Estado. Este, reconhece que, por ter o

Presidente da República poderes para impor nas colônias decretos

com força de lei, do ponto de vista da responsabilidade eventual do

Estado, o decreto equivale, em todos os sentidos, a uma lei.

No mérito, o Conselho recusa a indenização porque o referido

comércio embora lícito segundo a lei francesa, era moralmente

repreensível porque feito de maneira fraudulenta e contra os

interesses de um país estrangeiro. Assim, estando os prejuízos

especiais sofridos pela Companhia ligados a uma atividade

moralmente repreensível, não seriam dignos de proteção.”

Por fim, o eminente Jurista José Cretella Júnior sustenta que:

“Responde o Estado sempre por atos danosos, causados quer por lei

inconstitucional, quer por lei constitucional.”

Dessa forma, verifica-se que a responsabilidade do estado por

atos legislativos continua sendo alvo de mudanças, no sentido de que qualquer

norma legal, seja ela conflitante ou não com o ordenamento constitucional,

desde que produza danos a uma parcela específica da coletividade, faça surgir

o dever estatal de reparar o dano.

No sentido de que todo o poder emana do povo, seja diretamente,

ou por meio dos seus representantes, a matéria produzida pelo povo ou seus

representantes que eventualmente lesar patrimônio de outrem incide o dever

de indenizar, como máxima de justiça, em respeito, inclusive, ao princípio da

Page 40: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

40

isonomia, que sustenta na ordem jurídica uma “solidariedade social” no sentido

de que a coletividade beneficiária de um diploma legal deve arcar com o ônus

do dano experimentado por um grupo restrito de pessoas em razão do mesmo

instrumento.

Canotilho, citado por Marisa Helena D’Arbo Alves de

Freitas22, comunga da mesma opinião, ao asseverar a necessidade "da

obrigatoriedade de indenização sempre que haja sacrifício grave e especial

imposto aos cidadãos em nome do interesse público.

22 FREITAS, Marisa Helena D´Arbo Alves de. Responsabilidade do Estado por atos legislativos. Franca :UNESP ,2001, p. 86.

Page 41: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

41

4. HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS

LEGISLATIVOS EM CASOS CONCRETOS.

4.1. A Lei 14.223/2006, do Município de São Paulo.

Em 26 de setembro de 2006 foi promulgada no Município de São

Paulo a Lei supra-aludida, dispondo sobre a ordenação dos elementos que

compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo.

Entrando em vigor em 1º de janeiro de 2007, diversos outdoors,

cartazes e placas publicitárias sumiram do horizonte paulistano, consoante

proibição expressa no artigo 9º da Lei 14.223/0623, sob pena de os

responsáveis pelos anúncios serem autuados e conseqüentemente, multados.

A lei vem gerando inúmeras discussões, com debates

apaixonados, tanto a favor, quanto contra os seus ditames, inclusive com

acompanhamento da imprensa internacional (Anexo 01).

A proibição de anúncios publicitários nos imóveis urbanos

(públicos e privados, edificados ou não) e a retirada de todos aqueles

existentes viola formalmente a Constituição Federal, eis que o Município teria 23 Art. 9º. É proibida a instalação de anúncios em: I - leitos dos rios e cursos d'água, reservatórios, lagos e represas, conforme legislação específica; II - vias, parques, praças e outros logradouros públicos, salvo os anúncios de cooperação entre o Poder Público e a iniciativa privada, a serem definidos por legislação específica, bem como as placas e unidades identificadoras definidas no § 6º do art. 22 desta lei; III - imóveis situados nas zonas de uso estritamente residenciais, salvo os anúncios indicativos nos imóveis regulares e que já possuíam a devida licença de funcionamento anteriormente à Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002; IV - postes de iluminação pública ou de rede de telefonia, inclusive cabines e telefones públicos, conforme autorização específica, exceção feita ao mobiliário urbano nos pontos permitidos pela Prefeitura; V - torres ou postes de transmissão de energia elétrica; VI - nos dutos de gás e de abastecimento de água, hidrantes, torres d'água e outros similares; VII - faixas ou placas acopladas à sinalização de trânsito; VIII - obras públicas de arte, tais como pontes, passarelas, viadutos e túneis, ainda que de domínio estadual e federal; IX - bens de uso comum do povo a uma distância inferior a 30,00m (trinta metros) de obras públicas de arte, tais como túneis, passarelas, pontes e viadutos, bem como de seus respectivos acessos; X - nos muros, paredes e empenas cegas de lotes públicos ou privados, edificados ou não; XI - nas árvores de qualquer porte; XII - nos veículos automotores, motocicletas, bicicletas e similares e nos "trailers" ou carretas engatados ou desengatados de veículos automotores, excetuados aqueles utilizados para transporte de carga.

Page 42: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

42

usurpado competência privativa da União, conforme relata Priscila Brólio

Gonçalves24:

“Em síntese, a referida lei, a pretexto de ordenar os elementos que

compõem a paisagem urbana do Município de São Paulo, legislou

sobre propaganda comercial (matéria de competência privativa da

União, nos termos do art. 22, inciso XXIV, da Carta Magna Brasileira),

proibindo a colocação de anúncios publicitários nos imóveis urbanos

(públicos e privados, edificados ou não) e determinando a retirada de

todos aqueles atualmente existentes, até o dia 31 de dezembro de

2006.”

No mesmo artigo a autora discute acerca da lei ser materialmente

inconstitucional por ferir os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa,

da liberdade de concorrência, da busca do pleno emprego e da valorização do

trabalho humano25:

“A Lei Municipal 14.223/2006 fere duplamente o princípio da liberdade

de iniciativa econômica: em primeiro lugar, ao monopolizar a atividade

de prestação de serviços de anúncios em imóveis urbanos na cidade

de São Paulo (estabelecendo verdadeira reserva de mercado para o

Município, não prevista na Constituição Federal); em segundo lugar,

ao eliminar do mercado empresas legitimamente constituídas, que

operam de forma lícita, implicando abuso do poder econômico, nos

termos do artigo 173 da Carta Magna.”

24 GONÇALVES, Priscila Brólio. Poluição visual e livre concorrência: inconstitucionalidade da Lei Municipal 14.223/2006, que institui monopólio público da propaganda comercial no mobiliário urbano na cidade de São Paulo. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod =34820. Acesso em 11/07/2010. 25 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência;

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43

A respectiva norma teve sua constitucionalidade questionada na

ADIN 146.794-0/8-00, Relatada pelo Exmo. Desembargador Ivan Sartori, onde

a mesma foi julgada constitucional, nos termos da ementa a seguir:

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Arts. 6º, inciso VIII, 18 e 44 da

Lei Municipal 14.223, de 26 de setembro de 2006, que regula “a

ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana do

Município de São Paulo” – Vícios inexistentes – Direitos ao exercício

das atividades e à iniciativa privada preservados – Competência

própria do Município – Violação a normas infraconstitucionais outras a

extrapolar os lindes da via eleita – Ação Improcedente.

No v. Acórdão, foi decidido que a “Lei Cidade Limpa” não viola os

princípios da livre iniciativa, bem como não agride o direito de propriedade,

matéria também discutida na ADIN.

O entendimento que vem prevalecendo no Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo é que a referida Lei trata de matéria de cunho ambiental e

urbanístico e, portanto, de interesse local. Assim, a lei foi editada nos

paradigmas de sua competência, conforme artigo 30, inciso I, da Constituição

Federal26.

O Poder Judiciário, nos casos envolvendo a Lei “Cidade Limpa”,

vem privilegiando o direito difuso a um meio-ambiente saudável, equilibrado.

São notórios os benefícios à sociedade que uma cidade sem poluição visual

traz. Sobre esse tema, leciona José Afonso da Silva:

A boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes

sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de

conjuntos e elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida

cotidiana despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e

sobreviver

26 Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local;

Page 44: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

44

No entanto, em cidades prósperas, com a economia acelerada, e

grande número de consumidores, é inevitável depararmos com reclames

publicitários nas ruas, praças, avenidas, automóveis, no alto de prédios ou até

mesmo olhando para o céu.

Por outro lado, ao vivermos numa sociedade capitalista, a

publicidade passa a exercer um papel fundamental na tomada de decisões

sobre a aquisição de bens de consumo e a sua influência é essencial para o

sucesso de um produto ou serviço, pois é a primeira, e muitas vezes, a única

fonte de informação à respeito do bem que o consumidor possui ao seu dispor.

É de fácil ilação, neste caso, a magnitude do mercado publicitário

em cidades como São Paulo. A quantidade de empregos que gera, as receitas

que produz e os impostos que recolhem são inestimáveis.

Embora parte integrante deste trabalho, é conveniente transcrever

alguns trechos da reportagem produzida pelo correspondente no Brasil do

jornal The New York Times:

"Nosso objetivo é uma mudança completa de cultura", disse Roberto

Tripoli, presidente da Câmara Municipal e um dos principais

patrocinadores da nova lei. "Sim, algumas pessoas terão que pagar

um preço. Mas as coisas estavam fora de controle, e o desejo da

população é bem claro".

(...)

"Todos os nossos esforços de negociação não surtiram efeito, porque nenhum dos acordos e entendimentos que chegamos com o setor publicitário foram atendidos", disse o prefeito Gilberto Kassab. "Um outdoor retirado aparecia em um local diferente uma semana depois. Havia um clima de impunidade".

"Já que é difícil encontrar equipamentos e trabalhadores suficientes

para determinar o que era ou não ilegal, decidimos começar do zero",

disse. "Quando você proíbe tudo, a sociedade se torna parceira e

reporta as violações".

Ora, o próprio chefe do Poder Executivo, e o presidente da

Câmara Municipal declaram que a lei foi produzida sem o auxílio de

especialistas para orientar o que seria regular ou irregular, assim como existe a

Page 45: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

45

plena consciência que um setor sofrerá prejuízos por causa do respectivo

diploma.

Ainda que considerada constitucional pelo Poder Judiciário,

entendo, neste episódio, ser legítimo um eventual pleito indenizatório em face

do Município, movido por agências de publicidade, letreiros e demais

profissionais que atuavam na área de propaganda e foram prejudicados, para

que o Estado arque com o dever de reparar os danos econômicos devidamente

comprovados.

O fato de a respectiva lei ter sido regularmente votada, aprovada

e sancionada pelo Município, julgada constitucional pelo Poder Judiciário e

bem aceita pela sociedade, que vê com bons olhos a possibilidade de prédios,

monumentos e recursos naturais serem revelados, não imuniza o Poder

Público de ser responsabilizado pelo prejuízo suportado por uma classe

profissional que fazia da divulgação de informações o seu sustento.

4.2. O direito à meia-entrada.

Vigora no Estado de São Paulo Lei 7.844/92, que é

regulamentada pelo Decreto 35.606/92, assegurando a estudantes

matriculados em estabelecimento de ensino de primeiro, segundo e terceiro

graus o direito ao pagamento de meia entrada em espetáculos esportivos,

culturais, e de lazer27.

Em 2004, no Município de São Paulo, o benefício foi estendido a

estudantes de cursinhos pré-vestibulares e cursos técnicos28.

27 Art. 1º. Fica assegurado aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimento de ensino de primeiro, segundo e terceiro graus, existentes no Estado de São Paulo, o pagamento de meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversão, de espetáculos teatrais, musicais, e circenses, em casas de exibição cinematográfica, praças esportivas e similares das áreas de esporte, cultura e lazer do Estado de São Paulo, na conformidade da presente Lei.

28 Art. 1º - O artigo 1º da Lei nº 11.355/93 passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1º - Os estudantes da educação básica (ensino fundamental e ensino médio), educação de jovens e adultos (ensino fundamental e médio), educação profissional (básico e técnico),

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46

A Lei Estadual 10.858/01 de São Paulo concedeu o direito à meia

entrada aos professores da rede pública estadual de ensino29.

O Estatuto do Idoso (Lei Federal 10.741/2003) possibilitou o

acesso à meia entrada a todos as pessoas com 60 (sessenta ) anos ou mais30.

O direito à meia entrada, em outros Estados, pode abranger a

outras categorias, como é o caso do Estado do Paraná, onde os doadores

regulares de sangue também possuem direito à meia-entrada, conforme dispõe

a Lei Estadual 13.964/200231

O acesso à cultura é indispensável ao bom desenvolvimento do

indivíduo e deve ser democratizado ao máximo, a fim de que todos,

independentemente da sua condição social, tenham acesso às mais

diversificadas opções de eventos possíveis.

No entanto, exigir daquele que produz e organiza eventos

culturais, esportivos e de lazer e que se remunera pela venda de ingressos, a cursos pré-vestibulares e educação superior (cursos tecnológicos, seqüenciais de graduação e pós-graduação), regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino públicos ou particulares, oficialmente reconhecidos, terão assegurado o acesso aos cinemas, cineclubes, teatros, espetáculos musicais, circenses e eventos esportivos apresentados no Município de São Paulo." 29

Artigo 1º - É assegurado o pagamento de 50% (cinqüenta por cento) do valor realmente cobrado para o ingresso em casas de diversões, praças desportivas e similares, aos professores da rede pública estadual de ensino.

Parágrafo único - A meia-entrada corresponderá sempre à metade do valor do ingresso cobrado, ainda que sobre o seu preço incidam descontos ou atividades promocionais.

30 Art. 23. A participação dos idosos em atividades culturais e de lazer será proporcionada mediante descontos de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como o acesso preferencial aos respectivos locais. 31 Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir a meia entrada para doadores regulares de sangue em todos os locais públicos de cultura, em casa de diversões, espetáculos, praças esportivas e similares, esporte e lazer do Estado do Paraná. Parágrafo único. Para efetivos desta lei, considerar-se-á como casa de diversões ou estabelecimentos que realizem espetáculos musicais, artístico, circense, teatrais, cinematográficos, feiras, exposições zoológicas, pontos turísticos, estádios, atividades sociais, recreativas, culturais, esportivas e quaisquer outras que proporcionem lazer, cultura e entretenimento.

Page 47: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

47

cobrança de apenas metade do preço aos estudantes (ou a outra classe,

dependendo da legislação específica) importa, a meu ver, numa espécie de

intervenção Estatal no poder econômico.

Grosso modo, aquele que explora o evento a ser cobrado o

ingresso é “proprietário” dos mesmos, e tem liberdade para impor o preço que

entender mais adequado.

Sendo assim, exigir o Estado que este cobre apenas a metade do

preço para os beneficiários da lei da meia-entrada importaria numa

expropriação do capital a ser recebido pelo organizador do evento, em prol da

ampliação do acesso à cultura por setores, em tese, menos favorecidos da

população.

Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XXII,

XXIII e XXIV, que é garantido o direito de propriedade, porém esta deverá

atender à sua função social, e a lei estabelecerá o procedimento de

desapropriação por necessidade, por utilidade pública ou por interesse social,

mediante justa e prévia indenização em dinheiro (Grifei).

Interpretando a lei da meia-entrada à luz dos dispositivos

constitucionais do parágrafo anterior, é forçoso reconhecer que ainda que

legítima a determinação legal em diminuir o preço dos ingressos para

estudantes, de sorte que estes tenham maior acesso à atividades saudáveis ao

seu desenvolvimento, esta só respeitaria os preceitos de nossa Carta Maior se

oferecesse àquele que sofre o desfalque em sua bilheteria a justa

contrapartida.

Ao expedir leis concedendo benefícios financeiros a este ou

aquele grupo social junto à iniciativa privada sem a justa compensação,

entendo que o Estado, viola os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,

Page 48: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

48

princípios contidos em nossa Constituição, bem como geraria o direito

daqueles que exploram tal atividade de responsabilizar o ente Estatal pelos

valores que deixaram de receber.

Conforme já dito, não se questiona a necessidade do Estado

facilitar o acesso a determinados grupos sociais a eventos artísticos, culturais e

de lazer. Inclusive, é lícita e constitucional, inclusive, a política de conceder a

estes indivíduos o direito a pagar a metade do valor efetivamente cobrado no

ingresso. Todavia essa estratégia não deve ser feita unilateralmente, buscando

beneficiar somente os expectadores atingidos pela norma, mas também deverá

prever a compensação àqueles que produzem e realizam os eventos

suscetíveis à meia entrada.

Caso contrário a lei da meia-entrada não se prestará em facilitar o

acesso dessas camadas, pois aqueles que se verão obrigados a vender os

ingresso pela metade do preço poderão aumentar o valor de cada ingresso

para que consiga proporcionar viabilidade financeira ao evento.

Page 49: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

49

5. CONCLUSÃO

O pensamento jurídico acerca do dever de indenizar do Estado

vem sofrendo uma constante evolução, desde os tempos mais remotos, até os

dias atuais, no sentido de se ampliar a sua esfera de responsabilidades.

Com efeito, as teorias que defendiam a irresponsabilidade do

Estado não mais se adéquam às circunstâncias e aos problemas encontrados

hodiernamente, de forma que hoje prevalece o entendimento de que as leis

inconstitucionais são passíveis de causar dano, devendo o estado reparar o

prejuízo experimentado.

No entanto, ainda assim verifica-se que há um trabalho a ser

percorrido, no sentido de que toda lei, de acordo ou não com os preceitos

constitucionais, desde que gere um dano, prejuízo, encargo excessivo ou

excepcional a um indivíduo, ou a um grupo de indivíduos, faça nascer ao

Estado o dever de reparar o dano.

Num estado democrático de direito, não pode o soberano ordenar

e regular condutas revestido de completa imunidade. De fato, a produção

legislativa, ao acompanhar o progresso da sociedade, tende a ordenar ou

restringir condutas diversas daquelas possíveis ou permitidas, de forma que

alguém sofra prejuízos em face do novo diploma legal.

Embora o nosso ordenamento jurídico adote a teoria da

separação dos poderes, o Estado não deixa de ser uno e indivisível por causa

disso. Portanto, assim como os atos administrativos são passiveis de

responsabilidade, os atos legislativos também devem seguir a mesma sorte.

Não se trata de pregar a responsabilidade do legislador, mas sim,

de introduzir na consciência do Estado a necessidade de se atentar aos ônus

suportados por seus administrados e buscar minimizá-los ao máximo.

Page 50: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

50

Portanto, deve o Poder Público ter a personalidade esperada para

modificar situações jurídicas, bem como ter em seu âmago a consciência da

necessidade de indenizar aquele que sofre danos frente à inovação legislativa,

deixando para trás o simplismo de atender aos interesses da maioria.

Atender o interesse público no exercício da atividade legiferante

deve pressupor atender ao interesse de todos, inclusive daqueles prejudicados

pela nova lei, de sorte que sejam evitados comportamentos oblíquos, a

desobediência, a burla ou a tergiversação.

Page 51: Responsabilidade Civil Do Estado Por Atos Legislativos

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ANEXO

MATÉRIA DO JORNAL “THE NEW YORK TIMES” PUBLICADA NO

JORNAL VIRTUAL “ÚLTIMO SEGUNDO”, EM 12 DE DEZEMBRO DE 2006

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