políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ANDERSON CRISTOPHER DOS SANTOS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E REDISTRIBUTIVISMO NO BRASIL (2001 A 2011) NATAL/RN 2015

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Page 1: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ANDERSON CRISTOPHER DOS SANTOS

POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E

REDISTRIBUTIVISMO NO BRASIL (2001 A 2011)

NATAL/RN

2015

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2

ANDERSON CRISTOPHER DOS SANTOS

POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E

REDISTRIBUTIVISMO NO BRASIL (2001 – 2011)

Tese de doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte.

Orientador: Prof. Dr. José Willington

Germano

NATAL/RN

2015

Page 3: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

3

ANDERSON CRISTOPHER DOS SANTOS

POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS E REDISTRIBUTIVISMO: O

CRESCIMENTO DA FAIXA C NO BRASIL (2001 – 2011)

Tese de doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte.

Orientador: Prof. Dr. José Willington

Germano

Aprovado em _______ de 2015

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Ana Maria Morais – UERN (Membro titular externo)

Profa. Dra. Lenina Lopes Soares Silva – IFRN (Membro titular externo)

Prof. Dr. José Antonio Spinelli Lindoso – UFRN (Membro titular interno)

Profa. Dra. Maria do Livramento Miranda Clementino – UFRN (Membro titular interno)

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4

Seção de Informação e Referência

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Santos, Anderson Cristopher dos.

Políticas governamentais e redistributivismo no Brasil (2001 – 2011)

/ Anderson Cristopher dos Santos. – Natal, RN, 2015.

141 f.

Orientador: José Willington Germano. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências humanas, Letras e Arte – Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais.

1. Políticas econômicas – Tese. 2. Crescimento econômico – Tese. 3. Desenvolvimento econômico – Tese. 4. Classe média – Tese. I. Germano, José Willington. II.Título.

RN/UF/BCZM CDU 3:338

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ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Faixa C em duas décadas (% da população)..................................... 33

Gráfico 2 – Coeficiente de Gini no Brasil e sua tendência (1960-2015) ............. 34

Gráfico 3 – Preço das commodities - índice geral (1994 a 2011) ........................ 39

Gráfico 4 – Crédito à pessoa física nos anos 2000 (% do PIB) ........................... 40

Gráfico 5 – Gasto social Federal/PIB (%) ................................................................ 69

Gráfico 6 – Taxa de crescimento do PIB (décadas de 1950 a 2000), em % ..... 71

Gráfico 7 – Salário-mínimo entre 1985 e 1995 (a valores de 2011) ................... 75

Gráfico 8 – Renda per capita entre 1980 e 1991 a valores de 2003................... 76

Gráfico 9 – Crescimento do desemprego entre 1994 e 2002 (Regiões

Metropolitanas), em % ................................................................................................ 85

Gráfico 10 – Saldo comercial no governo FHC (em bilhões de dólares) ........... 89

Gráfico 11 – Salário-mínimo entre 1985 e 2005, a valores de 2011 ................... 91

Gráfico 12 – Renda per capita brasileira entre 1991 e 2002 e corte para o critério

de país de renda alta (segundo Banco Mundial) .................................................... 93

Gráfico 13 – Renda per capita brasileira entre 2002 e 2011 e corte para o critério

de país de renda alta (segundo banco mundial) .................................................... 94

Gráfico 14 – Desemprego em regiões metropolitanas entre 1992 e 2010......... 95

Gráfico 15 – Carga Tributária brasileira em % do PIB (1993-2012) .................... 96

Gráfico 16 – Aumento da Carga Tributária por nível de governo (1986-2011) . 97

Gráfico 17 – Déficit nominal sem desvalorização cambial (1995-2013) ............. 98

Gráfico 18 – Taxa de juros SELIC (1996-2015) ..................................................... 99

Gráfico 19 – Queda da Razão de dependência (total, juvenil e idosos), no período

1970-2010 ................................................................................................................... 119

Gráfico 20 – Queda das desigualdades de renda medidas pelo Coeficiente de

Gini, Total e Rural (1992-2009) ............................................................................... 126

Gráfico 21 - Crescimento médio da renda familiar, entre 2001 e 2009 ............ 128

Page 6: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Pirâmides etárias (1980 a 2010) .......................................................... 115

Page 7: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

7

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Faixa C na década de 2000 ................................................................... 32

Tabela 2 – Faixa C na década de 1990 ................................................................... 32

Tabela 3 – Apreciação do salário-mínimo (1994-2011) ........................................ 36

Tabela 4 – Escolaridade média da população ocupada ....................................... 41

Tabela 5 – Faixas por renda familiar, segundo CPS/FGV, atualizado em 2011 52

Tabela 6 – Crescimento do PIB no Brasil, do consumo das famílias e dos

investimentos (1995-2011) em % ............................................................................. 72

Tabela 7 – Crescimento do PIB no mundo, economias avançadas, emergentes

e do Brasil (1981-2010) .............................................................................................. 73

Tabela 8 – Horas trabalhadas necessárias para comprar uma cesta básica em

algumas capitais .......................................................................................................... 91

Tabela 9 – Razão de Dependência (total, de jovens e idosos), 2004-13 ......... 114

Tabela 10 – Razão de dependência (total, juvenil e idosos) por região do Brasil,

zonas urbanas e rurais ............................................................................................. 117

Tabela 11 – Redução da Razão de dependência Total por região do Brasil .. 117

Tabela 12 – Componentes de uma família, de acordo com a escolaridade da

pessoa de referência ................................................................................................. 120

Tabela 13 – Despesa total de uma família, de acordo com a escolaridade da

pessoa de referência ................................................................................................. 121

Tabela 14 – Despesa de uma família com alimentação total e per capita, de

acordo com a escolaridade da pessoa de referência .......................................... 121

Tabela 15 – Distribuição das despesas de consumo das famílias segundo a

classe de renda (2008-2009) ................................................................................... 122

Tabela 16 – Distribuição da população em idade ativa e da população ocupada

por forma de inserção no mercado de trabalho e classe no Brasil (2001 versus

2009) ............................................................................................................................ 122

Tabela 17 – Distribuição da população por características pessoais e classe de

renda (2001 versus 2009) ........................................................................................ 124

Tabela 18 – Distribuição espacial da população por classe de renda (2001 versus

2009) ............................................................................................................................ 124

Page 8: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

8

AGRADECIMENTOS

Essa tese somente foi possível graças ao prestimoso auxílio e ao amparo de

algumas pessoas. Esse espaço é dedicado ao agradecimento a amigos, colegas

e mestres, sem os quais não seria possível seguir adiante na presente pesquisa

ou na vida acadêmica.

Sem delongas, inicialmente agradeço ao meu orientador, Professor Dr. José

Willington Germano, homem generoso, profissional dedicado, respeitado e

reconhecido no meio acadêmico.

Agradeço, ainda, às professoras doutoras Lenina Lopes Soares Silva e Adriana

Aparecida de Sousa, amigas para todas as horas, que sempre dispensaram a

mim especial carinho e atenção, não apenas no momento de elaboração dessa

tese, mas em boa parte da minha trajetória acadêmica.

Não poderia deixar de agradecer aos professores doutores José Antonio Spinelli

e Edmilson Lopes Junior, orientadores em outros momentos.

Meus agradecimentos se estendem aos diligentes secretários do Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais, Otanio Revoredo Costa e Jefferson

Gustavo Lopes, à secretária do Departamento de Políticas Públicas, Daniele

Gomes da Silva Soares, à Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros e a

Herbert Charles Oliveira da Costa.

Finalmente, agradeço às colegas do Departamento de Políticas Públicas (DPP),

Professora Doutora Maria do Livramento Miranda Clementino, Professora

Doutora Lindijane de Sousa Bento Almeida, atual chefe do DPP, e Professora

Doutora Soraia Vidal.

Page 9: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

9

RESUMO

Analisamos o crescimento da classe trabalhadora na sociedade brasileira

durante a década de 2000, entre 2001 e 2011, identificados pelo Critério Brasil

de Classificação Econômica como Faixa C. A temática tem sido terreno fértil para

uma série de controvérsias, principalmente por causa de questionamentos

quanto às suas características, dado o fato de que este é um grupo socialmente

heterogêneo, reunido por uma estratificação econômica. Analisaremos o

crescimento desta Faixa C através de dados oficiais pertinentes, como o

IPEADATA e a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD).

Mobilizaremos autores e instituições favoráveis à classificação do Critério Brasil,

e as instituições e os autores críticos ao mesmo. Defendemos a tese de que o

Brasil experimentou uma ascensão horizontal fruto de um processo de

incrementalismo social, não a ponto de serem consideradas classes médias,

mas classes trabalhadoras. Além disso, procuraremos demonstrar que o

processo de inserção social pode ser definido como inserção dependente, em

que se faz necessário novas políticas públicas no sentido de garantir o acesso a

serviços públicos por gerações e consolidar um processo de inclusão social.

Palavras-chave: classe média; faixa C; classe C; crescimento econômico;

desenvolvimento econômico.

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10

SUMMARY

This thesis analyzed the growth of the working class in Brazilian society during

the 2000s, identified by the Brazil Economic Classification Criteria as “Classe C”

(social class C). The thematic range has been fertile ground for a number of

disputes, mainly because of questions as their characteristics, given the fact that

this is a socially heterogeneous group, assembled by an economic stratification.

We analyze the growth of this “classe C” through relevant official data, as

IPEADATA and the National Survey by Household Sampling (PNAD). Mobilize

authors and institutions favorable to the classification Criterion Brazil, and

institutions and critical at the same authors. We defend the thesis that Brazil

experienced a social mobility by a process of social incrementalism. Also, we try

to show that the social insertion process can be defined as insertion dependent,

where it is necessary new public policies to ensure access to public services for

generations and consolidate a process of social inclusion.

Keywords: middle class; Classe C; economic growth; economic development

Page 11: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

11

RESUMEN

Hemos analizado el crecimiento de la clase obrera en la sociedad brasileña

durante la década de 2000, entre 2001 y 2011, identificado por los Criterios de

Clasificación Económica Brasil como “Clase C”. La gama temática ha sido

terreno fértil para una serie de disputas, principalmente debido a cuestiones

como sus características, dado el hecho de que este es un grupo socialmente

heterogéneo, montado por una estratificación económica. Analizamos el

crecimiento de este rango C a través de los datos oficiales pertinentes, como

IPEADATA y la Encuesta Nacional de Hogares por Muestreo (PNAD). Movilizar

a los autores e instituciones favorables a los criterios de clasificación de Brasil, y

las instituciones y crítico en los mismos autores. Defendemos la tesis de que

Brasil experimentó una mobilidade social horizontal de un proceso de

incrementalismo social, no a punto de ser considerada de clase media, pero los

consumidores clases trabajadoras. Además, tratamos de demostrar que el

proceso de inserción social se puede definir como la inserción dependiente,

donde es nuevas políticas públicas necesarias para asegurar el acceso a los

servicios públicos para las generaciones y consolidar un proceso de inclusión

social.

Palabras clave: clase media; Clase C; crecimiento económico; desarrollo

economico.

Page 12: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

12

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .................................................................................................... 8

RESUMO 9

SUMMARY 10

RESUMEN 11

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13

O crescimento da “faixa c” no Brasil: 2001-2011 ................................................... 30

Políticas econômicas e políticas de renda ............................................................... 61

Incrementalismo social, transformações sociais e redistributivismo ................. 102

Considerações finais ................................................................................................. 131

Page 13: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

13

INTRODUÇÃO

A tese analisa o crescimento da classe trabalhadora (denominada em

alguns estudos como nova classe média brasileira) na primeira década do século

XXI, especialmente durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva

(2003-2010).

Compreendemos que a ampliação da camada consumidora de

trabalhadores é um novo momento social e econômico, proveniente de

mudanças estruturais, como a maior participação das mulheres no mercado de

trabalho, a diminuição do tamanho das famílias e o aumento da escolaridade,

combinadas a políticas governamentais que asseguraram crescimento do

crédito, dos empregos e a valorização salarial.

No ano de 2001, a classe trabalhadora consumidora identificada como

Faixa C, foco da nossa tese, representava 38% da população, crescendo

consideravelmente durante a década, até atingir o patamar de 55%, de acordo

com dados do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas

(CPS/FGV).

A busca por entender a ascensão social no contexto brasileiro, um país

em desenvolvimento de dimensões continentais, com histórico de concentração

de renda e de violenta marginalização social de grande parcela da população,

justifica o nosso estudo.

Nosso objetivo é o de analisar, não apenas como, mas por que a

expansão da classe trabalhadora consumidora se deu apenas na segunda

década de implementação do Plano Real, que data do ano de 1994. Além disso,

ao buscar compreender, discutir quanto à sustentação desse processo nas

décadas seguintes.

No período assinalado como o nosso recorte (2001-2010), ocorreu um

processo de recuperação dos salários em relação ao Produto Interno Bruto (PIB),

retornando aos níveis anteriores ao Plano Real.

Nos primeiros dez anos do Século XXI, o poder de compra do salário-

mínimo retomou os valores dos anos 1980, guiado por um princípio de

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14

recomposição salarial, após uma década neoliberal (os anos 1990), em que

ocorre uma reorientação da política econômica brasileira no sentido de se

diminuir a participação do Estado na economia, no diapasão de uma abertura

comercial, favorável à ampliação das importações de produtos e serviços, e de

medidas refratárias ao emprego e à renda.

No período do nosso recorte, observa-se, sobretudo, uma ampliação da

participação dos salários no PIB. Segundo Pochmann (2012), entre 1994 e 2004,

as rendas de propriedade (como juros, aluguéis e outros) aumentaram, ao passo

em que os salários perderam participação no PIB. Entre 2004 e 2010, esta

situação se inverteu.

No último período apontado acima (2004-2010), os salários recuperaram

a sua participação na riqueza nacional, assim como ocorreu a primeira redução

documentada e significativa de desigualdade econômica em toda a história

brasileira (NÉRI, 2008; PNUD, 2010; POCHMANN, 2012). A economia brasileira

sempre foi marcada pelo sentido oposto, especular, de concentração crescente

da renda nacional.

Estes dois elementos, aumento de renda e redução das desigualdades,

no período em análise (2001-2011), constituíram um momento singular da nossa

modernização conservadora, com uma intensa mobilidade social sem mudanças

drásticas na posse dos meios de produção, na qualificação profissional, na

estrutura produtiva ou reestruturação das legislações trabalhistas.

Consideramos esse um argumento importante, que dá sustentação à tese aqui

construída, a ser exposta adiante.

Procuramos responder à seguinte pergunta de partida: como se deu a

ascensão da classe trabalhadora consumidora no final da primeira década de

2000?

Uma série de indicadores econômicos passaram a apontar, no final da

primeira década deste século, que milhões de brasileiros deixaram a miséria, a

pobreza e ingressaram no mercado consumidor. A nova realidade agitou o meio

acadêmico, especialmente por permitir uma nova seara de problematização em

relação à concentração de renda e à consolidação da cidadania no país.

Page 15: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

15

Esse quadro está associado às mudanças demográficas, expansão dos

gastos sociais, serviços públicos e políticas públicas que beneficiaram as franjas

da sociedade brasileira. Moradores das periferias e pequenos municípios foram

os maiores beneficiários do processo.

Vale dizer que esse quadro somente foi possível à medida em que o

Estado brasileiro passa a reconhecer essas massas excluídas e passou a

fortalecer as instituições democráticas, alterando em alguma medida a forma

como intervém na economia. A atuação estatal construiu um mercado

consumidor de massa, seja por políticas sociais ou econômicas (como o

aumento dos salários, a formalização e a expansão do crédito).

O momento histórico definido em nosso recorte de pesquisa (2001-2011)

combina uma substantiva ampliação do mercado interno, redução das

desigualdades, estabilidade da economia e consolidação das instituições

democráticas – estes dois últimos elementos, remontando à década de 1990.

Outros países de industrialização tardia vivenciam o aumento de seus

mercados internos e dos seus setores médios de rendimento, como a Índia, a

China, a África do Sul e a Índia.

Para o International Policy Centre for Inclusive Growt, vinculado à

Organização das Nações Unidas (2013), esses processos impactam nas

agendas governamentais e de pesquisas, não apenas no sentido de se

compreender como tem se dado, mas, sobretudo, como manter, nos próximos

anos, o crescimento inclusivo.

Rapid growth in both the economies, and the middle classes, of

Brazil, Russia, India, China and South Africa (the BRICS nations)

over the past decade has duly captured the attention of

policymakers, academics and development practitioners and

encouraged them to ask questions about the potential role of these

growing middle classes in promoting democracy, strengthening

institutions, and facilitating more inclusive forms of growth (p. 03,

grifos nossos).

A expansão, nos países em desenvolvimento, do que o órgão das Nações

Unidas denomina como classe média, tem centralidade nas discussões atuais

sobre o desenvolvimento e a redução da pobreza, não sendo possível ignorar

essa questão.

Page 16: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

16

this seemingly peripheral subject has become more and more

central to discussions of development and poverty reduction as the

size and influence of such middle classes of developing countries

in particular have become difficult to ignore (idem).

No caso brasileiro, chama a atenção a combinação citada anteriormente,

tributária do mais longevo período democrático no Brasil e devedora do processo

de estabilização econômica e ordenamento fiscal.

Dados do Banco Mundial demonstram a mudança na distribuição de

classes econômicas e sociais latino-americanas durante a primeira década de

2000, sendo importante destacar a ampliação das classes médias, de 103 para

152 milhões de pessoas e a redução da pobreza em 50 milhões de pessoas

(2013).

No mesmo período, verifica-se a ascensão de governos críticos ao

modelo econômico dominante na região durante a década de 1990,

fundamentado no Consenso de Washington, como o de Hugo Chávez

(Venezuela, de 1999 a 2013), Evo Morales (Bolívia, iniciado em 2006), Néstor e

Cristina Kirchner (Argentina, iniciado em 2007), Daniel Ortega (Nicarágua,

iniciado em 2007) e Rafael Correa (Equador, iniciado em 2007).

Nessa pesquisa, não nos aprofundamos na dimensão continental, por

dois motivos: a diferença metodológica utilizada para avaliar os países da região

pelos organismos internacionais e os critérios brasileiros de classificação

econômica, bem como pela necessidade de se compreender melhor o processo

de estabilização econômica na década de 1990, no Brasil, sem o qual o aumento

das classes trabalhadoras consumidoras não seria possível.

Quando fazemos referência à economia, queremos salientar a abordagem

estatal na economia, a sua intervenção, somente possível à medida em que os

excluídos são reconhecidos como alvo de políticas públicas que visam a

ampliação da cidadania. Os grupos reconhecidos garantem certo tipo de

aderência à competição eleitoral, passando a demandar uma agenda ampliadora

da cidadania e galvanizadora da ascensão de renda.

Podemos dizer que a sociedade brasileira aperfeiçoa o funcionamento de

sua poliarquia (DAHL, 2005) com uma forma de inserção social provavelmente

típica de nações em desenvolvimento, denominada nessa tese como inserção

dependente.

Page 17: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

17

Essa inserção seria, conforme concebemos, caracterizada por ser parcial,

em que mais ações do Estado são necessárias no sentido de se assegurar a

mudança de patamar de parcela da população, anteriormente excluída por um

processo imbricado, multidimensional e complexo, que resultou historicamente

em subcidadania de grandes contingentes populacionais (sobre subcidadania,

cf. SOUZA, 2003).

Na compreensão dahlsiana, as poliarquias são democracias

representativas modernas, de larga escala, com amplo leque de clivagens

sociais e liberdades individuais, transpassadas por conflitos, mas capazes de

promover a competição eleitoral. Podemos entender o processo de ampliação

da inserção social como o de efetivação de direitos individuais, produto de

processos conflituosos entre grupos de interesses distintos.

Nesse caso, quando afirmamos que haveria um aperfeiçoamento do

funcionamento das instituições poliarquicas, queremos dizer que há maior

responsividade do Estado em relação às camadas sociais anteriormente

desprezadas, potencialmente permitindo-as atuar, no futuro, de maneira

autônoma.

O número amplo de grupos sociais relativamente autônomos, tanto em

relação a si como ao governo, remetem a um pluralismo político e de

organização que caracterizam uma institucionalidade poliárquica. A aderência

de contingentes humanos a esse quadro depende do grau de inserção social, à

medida em que as poliarquias devem estender a cidadania a número alto de

adultos e esses devem ser capazes e ter a oportunidade de remover, pelo voto,

altos funcionários de um governo, escolhidos anteriormente, também, por

sufrágio.

A inserção dependente decorre de políticas sociais incrementais. O

incrementalismo, em democracias liberais, é decorrente de políticas públicas

derivadas de um jogo de coordenação complexo entre distintos grupos de

interesses, mas somente possível quando grandes massas humanas estão

eleitoralmente empoderadas e quando os grupos são reconhecidos em suas

clivagens. No caso brasileiro, esse contexto se soma ao aperfeiçoamento das

instituições nos anos 1990 e 2000.

Tal processo de reconhecimento decorre da expansão dos direitos sociais

nos anos 1980, associado ao reordenamento fiscal dos anos 1990 e à

Page 18: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

18

recomposição salarial dos anos 2000, sem que ocorresse alguma ruptura no

caminho.

A ascensão de cerca de trinta milhões de brasileiros para o que se

chamou como nova classe média brasileira não é apenas notável por si própria,

mas principalmente pelo conjunto destacado anteriormente, englobando

democracia, estabilidade econômica, aumento de renda e redução de

desigualdades.

O componente político e a interação com os países centrais foram

importantes para a concepção de uma agenda pública cujos resultados

permitiram o crescimento da classe trabalhadora consumidora em um contexto

de estabilidade e democracia.

A denominação nova classe média não é, em absoluto, aceita por autores

que consideram as classes sociais como fundamentais para a compreensão e

explicação das dinâmicas capitalistas de exploração do trabalho e posse dos

meios de produção (ver POCHMAN, 2014 e SOUZA, 2012).

A nossa investigação não tem compromisso com a confirmação ou

mesmo com a refutação do uso desta categoria nova classe média, mas

compreender quais são as suas características e, no limite, identificar quais

seriam as linhas de demarcação entre as classes no contexto de um país em

desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

Os indicadores que nos permitem identificar a entrada de milhões de

pessoas ao mercado consumidor e também a queda da desigualdade

econômica, utilizados nessa tese como importantes fontes de pesquisa, são a

Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), a Pesquisa Nacional por Amostragem

de Domicílios (PNAD), ambos medidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), além dos dados relativos ao mercado de trabalho, como o

Índice de Desemprego e de Massa salarial, também medidos pelo IBGE.

Estes números explicam a queda do chamado Índice de Gini, capaz de

medir a distribuição da renda nacional entre os estratos econômicos, com dados

coletados pelo IBGE para o Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento

(PNUD).

De acordo com dados do PNUD, a desigualdade de renda medida pelo

Índice de Gini atingiu o menor nível da série histórica brasileira no ano de 2009,

permanecendo descendente em anos seguintes, rompendo com uma trajetória

Page 19: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

19

de estabilidade apresentada nos anos 1990 e contrariando o aumento das

disparidades de renda observados nas décadas de 1960, 1970 e 1980.

Segundo Soares (2010, pag. 35), a partir de 2001 “a desigualdade

começou a cair em média 0,7 ponto do coeficiente de Gini (x100) ao ano”, com

uma queda que segue um “ritmo de modo quase linear até 2009, ano no qual o

Brasil voltou aos níveis de desigualdade anteriores ao Censo de 1970”.

Soares esclarece que

quanto mais regressiva (pró-rico) é uma renda, mais

próximo de um (+1) é seu coeficiente de

concentração; quanto mais progressiva (pró-pobre) é

uma renda, mais próximo de menos um (-1) é o

coeficiente a ela associado. Se todos na população

recebem o mesmo valor de uma dada fonte de renda,

seu coeficiente de concentração é zero (pag 36, grifos

nossos).

Entre 2001 e 2011, o Coeficiente de Gini declinou de 0,594 para 0,527.

Uma parcela da queda das desigualdades de renda pode ser atribuída a

programas de transferência de renda, mas, sobretudo é a mudança no panorama

do trabalho que se observa a maior contribuição ao patamar mais baixo de

concentração de renda:

A totalidade das transferências públicas foi responsável

por aproximadamente um terço da queda de pouco mais

que 5,4 pontos de Gini (x100) observados entre 2001 e

2009. As rendas menores da PNAD, tais como aluguéis e

transferências de outros domicílios, explicam outros 8% da

queda, o que deixa 63% a cargo de um mercado de

trabalho mais favorável aos mais pobres (SOARES, 2010,

pag 37, grifos nossos).

A mudança acima descrita esteve ligada à melhoria do poder de compra

dos salários, dentre outros fatores, evidenciados nessa tese. Para Soares, “dois

terços da queda no coeficiente de Gini advêm do mercado de trabalho”, com

importante participação do mínimo, sendo que “quase um quarto se deve ao

salário mínimo [e] três quartos – ou seja, metade da redução da desigualdade –

se devem a fatores no mercado de trabalho que não são o piso salarial” (2010,

pag. 40).

Page 20: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

20

A redução do coeficiente de Gini é o aspecto mais visível de uma mudança

multidimensional que envolve a emancipação da mulher, a redução do tamanho

das famílias, políticas e gastos sociais crescentes e modificações no panorama

econômico, mais favorável ao trabalho do que fora na década de 1990

(POCHMANN, 2012).

Outros indicadores nos auxiliam a compreender esta mudança, como os

dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do

Ministério do Trabalho, bem como o monitoramento de programas sociais como

o Bolsa Família, por parte do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Algumas políticas sociais foram implementadas no governo do ex-

presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), mas também são importantes

outras modalidades anteriormente existentes de transferência de renda, como

os repasses previdenciários e o seguro-desemprego.

Nossa pesquisa está alicerçada sobre o crescimento da massa

trabalhadora consumidora, conhecida em alguns estudos como nova classe

média brasileira, medida a partir do Critério Brasil de Classificação Econômica,

utilizado desde os anos 2000. Nesse indicador, a massa trabalhadora

consumidora é denominada como Faixa C, a faixa intermediária de um total de

cinco, que vai da A (ricos) até a E (extrema pobreza).

O Critério Brasil passa por constantes processos de revisão, consistindo

em um sistema de pontuações para “discriminar grandes grupos de acordo com

sua capacidade de consumo de produtos e serviços acessíveis a uma parte

significativa da população”, como “a posse e quantidade de bens duráveis no

domicílio, a quantidade de banheiros, a existência de empregada mensalista no

domicílio e o grau de instrução do chefe de família” (PAIVA et al, 2013, pag. 06).

Além do Critério Brasil, mobilizaremos os estudos do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA), também estruturado em faixas de renda.

Alguns estudos foram publicados para analisar o crescimento dos setores

médios, principalmente após o ano de 2008, quando o economista do IPEA,

Marcelo Néri, divulga a sua pesquisa, intitulada Nova Classe Média: o lado

brilhante dos pobres, apontando um expressivo aumento da Faixa C.

Além de Néri, destacamos os trabalhos de Bolívar Lamounier e Amaury

de Souza (A Classe Média Brasileira, 2009), Márcio Pochmann (Nova Classe

Média? – o trabalho na base da pirâmide social brasileira, 2012), Jessé Souza

Page 21: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

21

(Os batalhadores brasileiros – nova classe média ou nova classe trabalhadora,

2010) e André Singer (Os sentidos do Lulismo, 2012).

Outras publicações do IPEA, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da

Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do Governo Federal, também serão

mobilizadas para esclarecer o fenômeno.

Identificamos, ao longo de nossa investigação bibliográfica,

especialmente nas obras citadas, um conjunto de argumentos refutando a

interpretação de que ocorreu uma mobilidade vertical de classes, apesar do

componente econômico.

Muitos autores destacam a importância de outros elementos definidores

de uma classe social, inalcançáveis pelos indicadores de viés economicista,

como os ligados à exploração capitalista e à cultura.

Nas próximas páginas, esclareceremos qual é o alcance dos dados

estatísticos selecionados, contextualizando-os e os justificando. Ao mesmo

tempo, faremos uma exposição, em linhas gerais, sobre a expansão da Faixa C

na década passada.

Em seguida, evidenciaremos qual é a nossa hipótese e a estrutura da

tese.

Objetivamos, com esta pesquisa, investigar o crescimento da Faixa C e o

seu acesso a serviços públicos, buscando compreender a sua inserção na

sociedade.

A. CAMINHOS METODOLÓGICOS

Uma pesquisa, quando em andamento, pode adquirir contornos

inesperados à medida em que se toma conhecimento sobre os dados e as

informações pertinentes e à necessidade de se fazer uma leitura com coerência

sobre a realidade social.

Inicialmente, nosso interesse era o de investigar o quão profunda seria a

ascensão social na década de 2000 que resultou no crescimento da Faixa C, de

trabalhadores consumidores. De fato, outras indagações surgiram e fizeram com

que o trabalho se mostrasse próximo ao de um mar bravio, sobre o qual

deveríamos navegar em busca de um porto.

Page 22: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

22

O entendimento do fenômeno no processo político, econômico e social

brasileiro é, assim, mais profundo do que à primeira vista pensávamos. Tal

ascensão da Faixa C ocorre sem que se encontre um modelo alternativo de

desenvolvimento, capaz de reavivar o surto de crescimento econômico latino-

americano experimentado até os anos 1970 e de manter vigorosa a participação

da indústria no Produto Interno Bruto (PIB).

Existem duas formas de se ver a questão. A primeira, observa como

negativa a ausência de um modelo alternativo e, assim, não há nenhum pacto a

ser mediado por determinada liderança política entre as classes sociais, visando

o desenvolvimento. A segunda, considera positivo o processo incremental de

reconhecimento de direitos, como um atestado do fortalecimento da democracia.

Talvez ambas as visões estejam corretas. Tanto é negativa a falta de

reflexão política sobre o modelo de desenvolvimento, como é positivo o fato de

que ocorre uma redução das desigualdades em momento de paz e normalidade

democrática, por assim dizer.

Metodologicamente falando, foi preciso buscar meios para evidenciar

essa contradição da realidade, inescapavelmente interdisciplinares, englobando

não apenas a sociologia mas a economia e a demografia.

Adotamos uma cesta de indicadores discricionários, ou objetivos, sobre o

modo de vida da população brasileira, hábitos de consumo, tipo de trabalho

(manual ou intelectual), formação escolar, dentre outros.

Indicadores normativos1 não fazem parte de nossa coleta, a não ser

através de uma literatura especializada que eventualmente tenha lançado mão

destes.

Segundo Babbie (2003),

Um indicador social é uma medida em geral quantitativa,

dotada de significado social substantivo, usado para

substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social

abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica)

ou programático (para formulação de políticas). É um

recurso metodológico, empiricamente referido, que

informa algo sobre um aspecto da realidade social ou

sobre mudanças que estão se processando na mesma.

1 Indicadores normativos, na compreensão de Babbie (2003), refletem juízos de valor ou critérios

normativos.

Page 23: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

23

Consideramos importante mensurar este aumento da faixa C, inclusive

identificando outros importantes itens, como o acesso a bens duráveis e serviços

públicos, como a educação, seja por meio de ações estatais ou por iniciativa

privada. A análise destes dados, principalmente a Pesquisa de Orçamento

Familiar (POF), nos parece ser fundamental no sentido de apreender como estes

grupos se inserem socialmente.

Evidentemente, a utilização de dados estatísticos não esgota a

necessidade de se contextualizar historicamente o nosso recorte.

Neste sentido, é preciso compreender a trajetória de políticas públicas

voltadas para o enfrentamento da pobreza e da miséria, sem descurar das

políticas econômicas.

É fundamental, na escolha de indicadores para o estudo da mobilidade

social, que se preze pela série histórica das estatísticas, permitindo-nos observar

histórica e processualmente.

Os principais indicadores e/ou fontes citados constam na listagem abaixo:

1. Pesquisa Orçamentária Familiar (POF): pesquisa domiciliar por

amostragem, elaborada pelo IBGE, que investiga informações sobre

características de domicílios, famílias, moradores e principalmente seus

respectivos orçamentos, isto é, suas despesas e recebimentos;

2. Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD): investiga

diversas características socioeconômicas, umas de caráter permanente

nas pesquisas, como as características gerais da população, educação,

trabalho, rendimento e habitação, e outras com periodicidade variável,

como as características sobre migração, fecundidade, nupcialidade,

saúde, nutrição e outros temas. Coletada desde 1967 pelo IBGE;

3. Pesquisa Mensal de Emprego (PME): dados obtidos de uma amostra

probabilística de, aproximadamente, 38.500 domicílios situados nas

Regiões Metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de

Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Também do IBGE;

4. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED): dados

captados pelo Ministério do Trabalho, captado desde 1996;

Page 24: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

24

5. Índice de Gini: Este indicador varia entre zero e um, sendo zero a

ausência de concentração de renda e um a concentração total. É baseado

na chamada Curva de Lorenz, de autoria do economista Max Lorenz e

divulgada em 1905. Os dados são coletados, no Brasil, desde 1960;

Estes dados permitem observar o acesso das famílias aos bens de

consumo e a serviços públicos, conforme assinalamos, embora não seja

possível abordar outros elementos sociologicamente importantes para

categorizar uma classe média, como o dispositivo moral, transmitido pelas

famílias, que socializa o indivíduo a um habitus.

Para Bourdieu, o “habitus é um operador, uma matriz de percepção e não

uma identidade ou uma subjetividade fixa” (Bourdieu, 2002, p. 83), sendo um

sistema de disposições aberto, permanentemente afrontado a experiências

novas e permanentemente afetado por elas”. Salienta que “é durável, mas não

imutável” (Bourdieu, 2002, p. 83).

A dimensão dos invariantes, particularmente a discussão cultural, será

contemplada com pesquisas de autores brasileiros afins à temática. Queremos

enfatizar que procuraremos, nos dados levantados pelas bases de dados

produzidas por pesquisas listadas acima, as variáveis que nos ofertam indícios

para a comprovação ou a refutação das hipóteses aqui aventadas. Ao lado das

variáveis, será preciso investigar as invariantes, considerando a literatura

pertinente.

Procuraremos, em nosso texto, vincular o que há de invariante a uma

categoria, por nós denominada bens cívicos ou bens de cidadania.

Tal categoria tem importância fundamental em nossa análise, podendo

ser conceituada como o conjunto de bens que permitem o acesso a espaços

sociais e exercício de cidadania.

Ocorre inserção social quando os bens de cidadania são

socializados e o seu acesso é garantido através das gerações; em

sociedades em desenvolvimento, a inserção dependente demanda crescentes

investimentos no sentido de assegurar determinada ascensão.

Page 25: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

25

Argumentamos desde já, e desenvolveremos melhor nos próximos

capítulos, que as nações em desenvolvimento não universalizaram serviços

públicos e a cidadania, tornando-se um capital nesses países.

Nesse sentido, e por esse ponto de vista, há uma relação entre a

universalização dos bens cívicos e a inserção social plena. Quando há escassez

na oferta desses bens de cidadania, torna-se capital.

Uma “inserção social dependente” decorre de situações em que há

ganhos incrementais na oferta de serviços públicos e aderência de massas,

antes excluídas, na sociedade civil, mas não o suficiente para que esteja

garantido o acesso a tais bens por outras gerações e tampouco os serviços

públicos em sua totalidade ou de qualidade.

Como evidências, recorreremos às reflexões sobre habitus precário,

capital cultural e participação social. Acreditamos firmemente que países em

desenvolvimento são dinamizados quando, ao lado da ampliação do

mercado e complexidade das ocupações, do sistema de transporte e

comunicação, se garante participação e reconhecimento, à medida em que

essas dimensões inserem os antes considerados cidadãos de segunda

linha ou subcidadãos.

Consideramos a hipótese de que ocorreu no Brasil um relevante processo

de ascensão horizontal, não vertical. As evidências presentes na tese nos levam

para a confirmação do enunciado, principalmente o que concerne à expansão

dos empregos pouco especializados.

Associado à primeira, na segunda hipótese, acreditamos que a ascensão

horizontal ocorreu graças à recuperação do poder de compra da população,

remontando ao início dos anos 1980, somado à melhora dos serviços públicos e

questões demográficas.

As evidências de que a segunda hipótese está igualmente correta podem

ser encontradas tanto na PNAD quanto na POF, do IBGE, bem como há o fato

de que a inserção do conceito territorial na concepção das políticas públicas nos

últimos anos dinamizou a economia das menores cidades e das periferias, que

experimentaram taxas de crescimento econômico similares às chinesas no

mesmo período (próximas a 10%), bastante superior ao incremento do PIB

nacional (cuja média foi de 3,7%, de acordo com o IBGE).

Page 26: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

26

Finalmente, a nossa tese: o Brasil sob Lula deu sequência a um modelo

incremental de políticas sociais, denominado no trabalho como incrementalismo

social.

De acordo com Loureiro e Abrucio (2002, p. 59),

ao invés de uma concepção exclusivamente totalizadora de

reforma, que supõe a necessidade de uma alteração total do

status quo e a um só tempo, a concepção incrementalista

reconhece que mudanças importantes se dão gradualmente e que

cada medida tomada e/ou aprovada influencia, em maior ou

menor medida, o caminho posterior - é a chamada path

dependence, ou histerese, para adequar o sentido original a uma

palavra em português

Esse incrementalismo2 decorre de condições estruturais: o modo como o

país foi modernizado, o insulamento burocrático, que formou um corpo técnico

em nível federal, e o presidencialismo de coalizão, exercendo influência sobre a

agenda pública.

Ainda de acordo com Loureiro e Abrucio, “o incrementalismo pode ser

visto como uma contraposição analítica e normativa em relação à visão

totalizadora de mudança, fundada numa concepção tecnocrática e insulada de

reforma” (2002, p. 60).

Não se pode dizer que as mudanças incrementais, por não repercutirem

um paradigma totalizante, signifiquem um simples continuísmo, tampouco “reduz

necessariamente a coerência e a consistência dos projetos [por] incluir mais

atores e estender no tempo o processo de transformação (idem, grifos nossos)”.

Ao incluir maior número de atores e diluir no tempo as mudanças, “pode-

se aprender mais com os possíveis erros de implementação (variável do

desempenho) e tornar as decisões mais responsivas e responsáveis (variável

democrática) (idem)”.

Cultural e institucionalmente, o incrementalismo social é dependente do

reconhecimento estatal de massas humanas anteriormente segregadas, de

2 Sobre o incrementalismo, há literatura farta. A noção de que as políticas públicas são influenciadas por

algum tipo de aprendizado e são aperfeiçoadas ao longo do tempo, de acordo com Cameron em seu texto

“Não-incrementalismo na política pública: a dinâmica da mudança” (1975), sofre abalos por desprezar as

mudanças políticas que solapam a continuidade e o aperfeiçoamento. Em nossa argumentação, a Era Lula,

porém, dadas as questões históricas e contextuais, se encaixam nessa interpretação.

Page 27: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

27

modo que estas se invistam de empoderamento eleitoral e moderada

capacidade de consumo.

Esse reconhecimento não se dá unidirecionalmente, mas a partir de um

jogo de coordenação entre diferentes pólos de poder e interesses, que impactam

na relativização das medidas adotadas e demandam alta capacidade de

negociação entre diferentes interesses.

O enfoque incrementalista do processo decisório é bastante

pertinente ao estudo do caso brasileiro, cujo sistema político se

caracteriza pelo consociativismo, para usar expressão de Lipjhart

(1999). Presidencialista, multipartidário, federativo, marcado por

uma sociedade bem heterogênea, o sistema de poder no Brasil

ganha maior legitimidade quanto mais consegue lidar democrática

e eficazmente com a sua fragmentação intrínseca (LOUREIRO E

ABRUCIO, 2002, p. 61, grifos nossos).

Não significa, por isso, uma trivialidade. Em sociedades em

desenvolvimento, o aperfeiçoamento das instituições que resultam em inserção

dependente são eventos importantes.

As mudanças operadas no Brasil e que resultaram em ascensão social

não escaparam dos problemas federativos atuais, principalmente por ter sido

majoritariamente operado por políticas públicas financiadas pelo Governo

Federal, ainda que a gestão coubesse a municípios.

Parcela desse problema é a repercussão da capacidade de investimento

do Governo Federal, parte pelo aperfeiçoamento de sua burocracia e parte pelas

forças políticas.

Nesse sentido, contempla-se os requisitos de políticas incrementais,

conforme apresentados por Loureiro e Abrucio:

O incrementalismo requer, por um lado, grande capacidade de

governança, ou seja, forte competência técnica e articulação

gerencial da burocracia governamental, tornando-a capaz de

implementar de forma efetiva a agenda do governo. Por outro

lado, ele é a expressão de um arranjo institucional no qual o

Executivo é politicamente limitado ou constrangido, sendo forçado

institucionalmente a levar em conta e negociar continuamente

com outros atores políticos no legislativo e nos governos

subnacionais, e mesmo com grupos organizados na sociedade

(2002, p. 61).

Page 28: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

28

A nossa tese não descarta a possibilidade de que exista algum ponto de

inflexão no futuro próximo, ou “conjuntura crítica” (LOUREIRO e ABRUCIO,

2002, p. 62), com mudanças profundas e assim contrárias ao processo

incremental.

Como esclarecem Loureiro e Abrucio, “a postura incremental diz respeito

às modificações graduais e por ‘camadas’ nas policies [ou políticas], ao passo

que a conjuntura crítica associa-se às alterações nas posições relativas dos

atores, isto é, na dinâmica da politics [ou política]”.

O incrementalismo e a conjuntura crítica, nesse sentido, “não são pólos

opostos de uma escala, [pois] se referem a questões distintas do processo social

e que podem ser combinadas de diversas formas” (2002, p. 62).

Vale destacar, por exemplo, que o Plano Real consistiu em uma

conjuntura crítica, confirmando que “experiência comparada tem ressaltado que

a virtù reformadora é aquela que soma os ganhos de autoridade com as

capacidades negociadora e de aprendizado” (LOUREIRO e ABRUCIO, 2002, p.

62), à medida em que o sucesso do Plano deve a experiências frustradas

anteriores, conforme veremos em páginas futuras.

Esperamos que a nossa tese possa contribuir, dentro de suas

possibilidades e limitações, com o debate a respeito do desenvolvimento

socioeconômico em um país de renda média, como o Brasil.

Ao final e ao cabo, nossa pesquisa apontou que a mobilidade vivenciada

na década de 2000 ocorreu mesmo sem existir, no horizonte, um novo modelo

de desenvolvimento para os países periféricos ocidentais.

Após a introdução, a tese está estruturada da seguinte forma: no Capítulo

1, intitulado “O crescimento da Faixa: 2001-2011”, apresentamos o contexto

socioeconômico na década de 2000 e os sistemas de classificação que

identificam a Nova Classe Média (NCM). Encontram-se dados e informações

sobre o debate atual a respeito da NCM.

No segundo capítulo, “Políticas econômicas e políticas de renda”, visa

discutir por que a expansão da classe trabalhadora consumidora ocorre na

Page 29: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

29

década de 2000, e não na década anterior. Discute avanços no accountability

fiscal e a vigência de uma orientação econômica refratária ao emprego e à renda

na década de 1990. Encontram-se dados dos fundamentos econômicos e a

valorização dos salários.

Finalmente, no terceiro capítulo, “Incrementalismo social, transformações

sociais e redistributivismo”, observamos que não ocorreu mudança na ocupação

profissional, não configurando uma ascensão de classes e confirmando a

hipótese de que ocorrera uma ascensão horizontal. Debatemos, ainda, os

elementos de mudança e permanência que resultam no aprofundamento do

accountability democrático no Brasil. Nesse capítulo, encontram-se dados

demográficos e relativos ao consumo das famílias, tendo como fonte a Pesquisa

Orçamentária Familiar.

A tese se encerra com as “Considerações Finais”.

Page 30: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

30

O crescimento da “faixa c” no Brasil: 2001-2011

A investigação se volta para o crescimento – relevante – da chamada

“nova classe média” brasileira (NCM) durante a primeira década do século XXI.

Uma parcela da população foi classificada como NCM a partir de metodologias

fundamentadas, essencialmente, nos indicadores de renda e de consumo –

classe média sob essa perspectiva, portanto3.

A nova classe média seria composta por um contingente heterogêneo de

pessoas, anteriormente consideradas pobres por critérios de classificação

embasados nos hábitos de consumo e na renda familiar per capita. A NCM teria

dinamizado o mercado consumidor brasileiro, não apenas pela aquisição de

bens de consumo duráveis (automóveis, geladeiras etc), semiduráveis

(calçados, vestuário etc) e não-duráveis (alimentos), mas também serviços

(educação, cosmética, assinaturas de internet e acesso a canais de televisão

fechados etc).

Não é a primeira vez que se fala sobre o surgimento de uma NCM no

Brasil: nos anos 1960 e 1970, durante o regime civil-militar, debatia-se o aumento

da classe média brasileira, alimentada por políticas fiscais e econômicas

expansionistas, um processo fortemente vinculado ao aumento dos servidores

públicos no país (Quadros, 1991).

Os anos do “milagre brasileiro” ampliaram as desigualdades econômicas,

mas ao mesmo tempo expandiram as classes médias urbanas, conforme

observou Waldir Quadros (1991):

O acelerado crescimento econômico do período do "milagre” foi acompanhado de arrocho na base salarial e exclusão de enormes massas, da completa supressão das liberdades democráticas e da brutal violação aos direitos humanos, num autêntico estado de terror policial. Esta face retrógrada frequentemente dificulta a correta avaliação da rápida diferenciação e ampla incorporação sociais impulsionadas por este mesmo processo de desenvolvimento, que se expressa sobretudo na vigorosa expansão das "classes médias urbanas” (p. 2)

3 Para melhor comunicarmos o objeto da pesquisa, optamos por inicialmente denominar esse contingente

como Nova Classe Média, ou NCM. O desenvolvimento do texto, contudo, revelará que consideramos a

classificação econômica insuficiente para revelar a mobilidade de classes.

Page 31: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

31

Como é possível perceber, a NCM emergida durante o governo civil-militar

se beneficiou de uma gestão autoritária, mas capaz de ampliar esse segmento.

Paralelamente, grandes massas humanas permaneceram segregadas.

Quando se fala em NCM, não se pode deixar passar despercebida a

discussão norte-americana sobre a expansão de sua própria classe média,

vinculada aos White collar, ou “colarinhos brancos”, baseada na ocupação, no

mundo do trabalho, conforme o universalmente conhecido livro de Wright Mills,

mesmo autor, inclusive, que norteia a análise de Quadros (1991, p. 3). Nesse

caso, importa a posição ocupacional e as transformações no mundo do trabalho

que privilegiam o trabalho intelectual.

Em ambos os debates, queremos dizer, tanto no caso da expansão da

classe média norte-americana como a brasileira nos anos 1970, observa-se o

predomínio de profissionais especializados, diferentemente do atual momento,

quando observamos o crescimento na renda de profissionais menos

qualificados.

No Brasil atual ocorre, porém, a inclusão de um grande contingente de

pessoas à economia formal, em um contexto de universalização de serviços

públicos considerados essenciais.

Pela primeira vez na história brasileira, o Produto Interno Bruto, seja

nominal ou per capita, cresceu de maneira associada à queda da desigualdade

econômica, de acordo com uma série histórica superior a quatro décadas.

De qual contexto estamos falando? Trazemos, nessa seção, alguns dados

e informações que situam o nosso leitor para o centro desse profícuo debate.

De acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas

(CPS/FGV), no ano 2001, a nova classe média, identificada por esses métodos

como Classe ou Faixa C, representava 38% da população; em 2005, 42%; e, em

2011, atingiu o percentual de 55%.

Na primeira tabela, apresentamos a participação da Faixa C na população

brasileira em todos os anos da década de 2000, mostrando um incremento de

44,6% entre 2001 e 2011. Em números absolutos, mais de quarenta milhões de

pessoas ingressaram na NCM.

Page 32: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

32

Tabela 1 – Faixa C na década de 2000

Ano % da população

2001 38,07

2002 38,64

2003 37,56

2004 39,73

2005 41,81

2006 44,94

2007 46,9

2008 49,22

2009 50,45

2010 53,6

2011 55,05

Fonte: CPS/FGV

Durante a década de 1990, também há expansão da Faixa C, mas a taxas

modestas, variando entre 33% e 37% da população, se mantendo estável a partir

de 1995, no patamar entre 36,5 e 37,4%. Embora os anos 1990 sejam o da

implementação do Plano Real, as crises econômicas, o contexto internacional e

as políticas públicas adotadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso

(1995 – 2002) foram decisivos para a continuidade desses percentuais.

Tabela 2 – Faixa C na década de 1990

Ano % da população

1992 32,52

1993 30,98

1995 36,52

1996 36,74

1997 37,01

1998 37,39

1999 36,10

2001 38,07

Fonte: CPS/FGV

Page 33: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

33

No primeiro ano (1995) do governo Fernando Henrique, a Faixa C

representava 36,5% da população; no último (2002), 38,6%. O aumento foi de

5,8% no período de oito anos.

Encontramos, abaixo, um gráfico com o percentual da Faixa C em relação

à população brasileira nas duas décadas mencionadas, evidenciando a

mudança na sua evolução estatística.

Gráfico 1 – Faixa C em duas décadas (% da população)

FONTE: CPS/FGV

A ascensão da chamada nova classe média decorre da superação da

pobreza e da miséria, classificadas como Classe D e E, respectivamente. Nessa

metodologia, a população é distribuída em cinco classes, que vão de A (mais

rica) a E (muito pobre).

Esse quadro de ascensão da chamada NCM gerou uma redução inédita

na desigualdade, ao menos considerando a dimensão dos rendimentos.

Não é possível no Brasil, por limitações legais, aferir a desigualdade

patrimonial, pois a legislação consagra o sigilo em declarações de impostos de

renda e existem restrições aos levantamentos em cartórios, de modo que não

temos clareza em relação à profundidade da desigualdade brasileira.

Ainda assim, o país retomou o piso histórico (anos 1960) do indicador

medidor das desigualdades – o Coeficiente de Gini – considerando a variável de

renda.

38,07 38,64 37,5639,73

41,8144,94

46,949,22 50,45

53,655,05

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Page 34: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

34

Cabe dizer que o levantamento sobre a desigualdade de renda tem

dificuldades práticas, pois se compara rendimento do trabalhador com o

financeiro. O volume do segundo, invariavelmente, é estimado.

Gráfico 2 – Coeficiente de Gini no Brasil e sua tendência (1960-2015)

FONTE: CPS/FGV

De acordo com Soares (2010), “uma das vantagens da utilização do

coeficiente de Gini é que a sua variação pode ser facilmente decomposta por

fonte de renda”, uma vez que esse indicador “nada mais é que a soma

ponderada dos coeficientes de concentração, na qual os pesos de ponderação

são os próprios pesos de cada fonte de renda na renda total” (p. 36).

Um levantamento realizado pelo autor supracitado aponta que

“transferências públicas foi responsável por aproximadamente um terço da

queda de pouco mais que 5,4 pontos de Gini (x100) observados entre 2001 e

2009”, enquanto “aluguéis e transferências de outros domicílios, explicam outros

8% da queda” (p. 37).

O restante, 63% da queda da desigualdade, se deve ao “mercado de

trabalho mais favorável aos mais pobres” (idem). Isso não quer dizer que a

redução das desigualdades, inclusive pelo trabalho, ocorreu apenas no período

0,537

0,5830,59

0,609

0,596

0,528

0,496

1960 1970 1980 1990 2000 2010 2015

Page 35: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

35

2001-2009, remontando ao ano de 1998, quando “a renda do mercado de

trabalho se desconcentra” (idem).

Soares afirma que, em “1999, antes de a desigualdade começar sua

queda, o mercado de trabalho já tinha reduzido o coeficiente de Gini em quase

0,4 ponto de Gini (x100)”.

A desigualdade declinou à medida em que o preço do trabalho cresceu a

taxas maiores entre as faixas de renda mais pobres, não apenas nos centros e

regiões metropolitanas, como periferias e em cidades pequenas e médias.

O incremento de renda propiciado pela valorização do salário mínimo se

mostrou importante, sobretudo após 2005. Entre “1995 a 2009, o salário mínimo

foi responsável por 21% da queda da desigualdade” (SOARES, 2010, p. 38).

Soares afirma que o trabalho e a recuperação da renda dos trabalhadores

foram importantes, pois

dois terços da queda no coeficiente de Gini advêm do

mercado de trabalho. Destes, quase um quarto se deve ao

salário mínimo, o que mostra que este teve efeitos

distributivos importantes. Contudo, os demais três quartos

– ou seja, metade da redução da desigualdade – se devem

a fatores no mercado de trabalho que não são o piso

salarial (p. 40).

No período do nosso recorte de pesquisa, nota-se uma aceleração da

melhora na renda e sua distribuição. O Brasil diminuiu 75% de sua pobreza

extrema entre 2001 e 2012, segundo a Organização das Nações Unidas para a

Agricultura e Alimentação (FAO), em seu relatório publicado em 2014. O índice

de pobreza declinou 65% no mesmo período. Nesse relatório, o país deixa o

chamado Mapa da Fome pela primeira vez.

De acordo com a mesma metodologia e de acordo com o CPS/FGV, que

aponta o crescimento desse setor de rendimento médio denominado Faixa C, as

Faixas DE declinaram entre o começo da década de 1990 e o final da década de

2000 (de 62% da população para 39%). Cabe o registro, portanto, que ocorreu

uma diminuição das Classes DE e não um empobrecimento das Classes AB.

O aumento no rendimento familiar proporcionado pela apreciação do

preço do trabalho e por políticas de transferência de renda com

Page 36: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

36

condicionalidades, como o Programa Bolsa Família, foi o principal responsável

por esse cenário (NERI, 2008 e POCHMANN, 2012 e 2014).

Na tabela abaixo, notamos o valor e o aumento do salário-mínimo desde

o lançamento do Plano Real, que foi lançado em 1994 e consistiu em um

conjunto de medidas para estabilizar e reformar a economia brasileira,

anteriormente dominada por uma inflação elevada.

Tabela 3 – Apreciação do salário-mínimo (1994-2011)

Ano Valor Aumento % IPCA Aumento real

19944 R$ 70,00 - 916,465 -

1995 R$ 100,00 43 22,41 20,59

1996 R$ 112,00 12 9,56 2,44

1997 R$ 120,00 7,14 5,22 1,92

1998 R$ 130,00 8,33 1,66 6,67

1999 R$ 136,00 4,62 8,94 -4,32

2000 R$ 151,00 11,03 5,97 5,06

2001 R$ 180,00 19,21 7,67 11,54

2002 R$ 200,00 11,11 12,53 -1,42

2003 R$ 240,00 20 9,3 10,7

2004 R$ 260,00 8,33 7,6 0,73

2005 R$ 300,00 15,38 5,69 9,69

2006 R$ 350,00 16,67 3,14 13,53

2007 R$ 380,00 8,57 4,45 4,12

2008 R$ 415,00 9,21 5,9 3,31

2009 R$ 465,00 12,05 4,31 7,74

2010 R$ 510,00 9,68 5,9 3,78

2011 R$ 545,00 6,81 6,5 0,31

Fonte: IBGE. Aumento real: elaboração própria

A valorização do salário-mínimo pode ser bem compreendida a partir da

identificação do grau de defasagem entre o salário-mínimo real e o considerado

4 Ocorreram dois reajustes do salário-mínimo em 1994. Optamos por apresentar o último valor.

5 O Plano Real foi lançado apenas no segundo semestre do ano de 1994, daí o índice de inflação acima de

900%.

Page 37: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

37

ideal6, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconomicos (DIEESE).

Nesse caso em particular, a razão da defasagem em abril de 1995 chegou

a 11,6 vezes (ou seja, o valor do salário-mínimo seria mais de dez vezes menor

que o considerado ideal pelo DIEESE) e foi reduzida a 4,3 vezes em dezembro

de 20117.

Segundo o Ministério da Fazenda (2012), o salário mínimo sofreu

reajuste nominal de 211% e real (descontando a inflação) de 66% no período

entre 2003 e 2012.

O panorama da economia internacional8 no período (anos 2000) também

foi fundamental para a tomada de decisão a favor de políticas para a

recomposição salarial e valorização acima da inflação, tanto quanto a expansão

de gastos na seguridade social. Essa mudança consiste em maior protagonismo

dos países em desenvolvimento no crescimento econômico global. Entre 2001-

2011, economias emergentes cresceram a taxas maiores do que os países

desenvolvidos.

De acordo com Alves (2015, p. 01), “entre 1981 e 1990, as economias

avançadas [cresceram em] média [...] 3,3% ao ano [...] e as emergentes [a uma]

média de 3,4% ao ano”, ao passo em que a “economia brasileira, com grandes

oscilações, apresentou crescimento médio de apenas 1,6% ao ano”.

Durante o período compreendido entre “1991 e 2000, as economias

avançadas reduziam o ritmo de crescimento para uma média de 2,8% ao ano e

as emergentes subiram para uma média de 3,8% ao ano”, embora “o

crescimento da renda per capita das economias avançadas e emergentes [tenha

6 O DIEESE o define como Salário-mínimo Necessário. O instituto “considera o preceito constitucional de

que o salário mínimo deve atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família e que é único

para todo o país. Usa como base também o Decreto lei 399, que estabelece que o gasto com alimentação

de um trabalhador adulto não pode ser inferior ao custo da Cesta Básica Nacional”.

7 Em termos de horas trabalhadas (incluindo trabalhadores cujo salário supera o mínimo), também notamos

incremento no poder de compra, tomando por referência o valor da cesta básica. Tais indicadores serão

explicitados no próximo capítulo dessa tese.

8 O panorama internacional será explicitado em capítulo futuro. Optamos, agora, por uma exposição

sintética.

Page 38: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

38

sido a] mesmo nos anos 90”. A economia do Brasil apresentou crescimento

médio de 2,7% nos anos 1990 (ALVES, 2015, p. 01-02).

Observando o crescimento das economias em desenvolvimento versus as

economias avançadas, notamos que “o ritmo de crescimento da economia

internacional manteve a liderança das economias avançadas sobre as

economias emergentes, mantendo o quadro de desigualdade na distribuição de

renda entre os países”.

Dessa forma,

a partir do ano 2000, houve uma aceleração do

crescimento das economias emergentes (com média de

6,2% ao ano entre 2001 a 2010) e redução do ritmo de

crescimento das economias avançadas (com média de

1,6% ao ano). O Brasil apresentou crescimento médio de

3,7% ao ano entre 2001 e 2010 e de 4% ao ano entre 2003

e 2010 (ALVES, 2015, p. 2).

Nesse momento histórico, a política econômica brasileira não se pautou

pela substituição de importações e fortalecimento da indústria9, mas no fomento

ao mercado interno. Durante o governo Lula, o preço das commodities (como o

petróleo, o minério de ferro, a soja, a carne, o frango e o café) sofreram, ano

após ano, aumentos expressivos. Nesse sentido, o governo brasileiro pôde à

época concentrar-se em fortalecer o consumo das famílias.

Não seria exagero dizer que o governo Lula manteve a abordagem

macroeconômica legada pelo governo anterior (incluindo o tripé metas de

inflação, fiscais e câmbio flutuante) e atuou de maneira transformadora no âmbito

da economia doméstica, das famílias. Foi amparado pelo quadro internacional,

com a elevação das cotações internacionais dos principais produtos da pauta

brasileira de exportação.

9 No relatório intitulado "Por que reindustrializar o Brasil?", a Federação das Indústrias de São Paulo afirma

que a indústria perdeu participação no PIB brasileiro entre 2004 e 2012, declinando de 19,2 para 13,3%,

uma queda de 31%. O setor industrial não via participação tão baixa na composição do Produto Interno

Bruto desde o ano de 1955.

Page 39: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

39

Manter a abordagem macroeconômica legada10 – é importante ressaltar

– não significa necessariamente continuar a gestão econômica em sua

totalidade. De fato, alguns elementos considerados prioritários pelo governo

Fernando Henrique Cardoso não foram continuados. O principal, provavelmente,

seja a agenda de privatizações dos maiores ativos federais, prioridade na gestão

anterior e desconsiderada nos anos Lula.

Apenas para ilustrar o que afirmamos nessa apresentação, o gráfico

abaixo traz a valorização das commodities entre 1994 e 2011 (IPEADATA, 2014),

de elevada importância para a pauta de exportação brasileira.

Gráfico 3 – Preço das commodities - índice geral (1994 a 2011)

Fonte: IPEADATA

É interessante notar que a elevação mais acentuada dos preços ocorre a

partir dos anos de 2003 e 2004, sofrendo uma queda no ano de 2008, quando

começou uma crise econômica global, recuperando-se logo em seguida.

Beneficiado pela bonança proporcionada pelos preços de commodities, o

país enfatizou políticas sociais e medidas de ampliação do mercado interno,

como a valorização da remuneração do trabalho e o aumento extraordinário de

crédito, com a ampliação da participação dos bancos públicos.

10 Especialmente a manutenção das políticas para o câmbio (flutuante), fiscal (regime de metas) e

inflacionária (regime de metas). Os anos Lula atraíram capital financeiro internacional, dadas as altas taxas

de juros, e investimentos estrangeiros diretos, na medida em que os mercados consumidores brasileiro e

latino-americano eram promissores.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

19

94

.01

19

94

.08

19

95

.03

19

95

.10

19

96

.05

19

96

.12

19

97

.07

19

98

.02

19

98

.09

19

99

.04

19

99

.11

20

00

.06

20

01

.01

20

01

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20

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.05

20

03

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20

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20

05

.09

20

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20

06

.11

20

07

.06

20

08

.01

20

08

.08

20

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.03

20

09

.10

20

10

.05

20

10

.12

20

11

.07

Page 40: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

40

Especificamente sobre o aumento de crédito no país, há a ampliação de

26,0 pontos percentuais (p.p.) do produto interno bruto (PIB), em dezembro de 2002, para 53,8 p.p. do PIB, em dezembro de 2012. Ao longo deste período, a oferta de crédito por bancos privados elevou-se de 16,3 p.p. do PIB para 28,0 p.p., enquanto o sistema financeiro público foi responsável por um aumento do crédito da ordem de 16 p.p. do PIB (A Evolução do Crédito entre 2003 e 2012 - IPEA, 2014, p. 310)

Os empréstimos para pessoas físicas foi o que mais cresceu: 271% em

dez anos (de 9,3 pp do PIB para 25,2pp). Desse modo, o “peso desta categoria

[foi elevado] de 36% para 47%, no crédito total” (idem).

Gráfico 4 – Crédito à pessoa física nos anos 2000 (% do PIB)

Fonte: IPEA, 2014

O efeito do crédito foi o aumento de vendas de bens de consumo e

serviços, aquecendo a economia. O significado era, justamente, o da criação de

um ambiente positivo para o consumo das famílias, elevando o Produto Interno

Bruto mas, mais especificamente, o setor terciário, de serviços, grande

empregador no país. O varejo brasileiro viveu uma Era de Ouro.

Questões demográficas também atuaram positivamente na diminuição da

pobreza e da miséria, associada à melhoria de outros indicadores, como o

aumento da escolaridade média da população ocupada. A Tabela quatro

evidencia o último indicador citado.

9,3 9,410,5

12,313,8

1617,6

19,620,6

22,7

25,2

0

5

10

15

20

25

30

2002-12 2003-12 2004-12 2005-12 2006-12 2007-12 2008-12 2009-12 2010-12 2011-12 2012-12

Page 41: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

41

Tabela 4 – Escolaridade média da população ocupada

Escolaridade Anos

2003 2011

Até 1 ano de estudo 3 1,6

Entre 1 e 3 anos de estudo 6,3 3,4

Entre 4 e 7 anos de estudo 24,7 17,3

Entre 8 e 10 anos de estudo 19,1 17

11 anos ou mais de estudo 46,7 60,7

Fonte: IBGE. Aumento real: elaboração própria

No Brasil, por exemplo, a taxa de fecundidade caiu 10% entre 2004 e

2011, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (IBGE,

2011), mantendo uma trajetória de diminuição do número de integrantes de uma

família. Queda cujo resultado, ao passar dos anos, é o aumento da População

em Idade Ativa (PIA).

Tais elementos associados, quais sejam: o panorama internacional, a

recomposição salarial e aumento do preço do trabalho, formalização do

emprego, as políticas de transferência de renda com condicionalidades (como a

manutenção de filhos na escola e a vacinação infantil no momento correto) e o

crédito ampliado, resultaram em uma ascensão – ao menos sob a perspectiva

da renda – jamais documentada na história brasileira.

No período histórico assinalado – a década de 2000 – o governo brasileiro

mantém o núcleo duro da política macroeconômica, mas atua para

continuamente modificar a economia familiar, incluindo uma perspectiva

territorial de políticas públicas, favorecendo periferias e os menores municípios.

A agenda governamental também sofreu alterações, como é fácil perceber,

oriundas claramente das condições políticas.

Portanto e, finalmente, há o componente político. Para André Singer

(2012), este período (os anos 2000) deu origem ao lulismo, aludindo claramente

à expressão getulismo ou varguismo, enraizado nas camadas populares,

embora não apenas nela, pois o ex-presidente Lula é visto, algumas vezes, como

um “benfeitor patriarcal de todas as classes” (SINGER, 2012, p. 201).

Page 42: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

42

O lulismo seria um reformismo fraco, que

fomenta o ciclo de acumulação no interior de um capitalismo já

relativamente desregulamentado, sem reverter a precarização,

mas aumentando o número de trabalhadores cobertos pelos

direitos trabalhistas ainda existentes e permitindo que estes se

auto-organizem para amplia-los (SINGER, 2012, p. 199).

Singer chama a atenção para o processo de desenvolvimento que ocorre

de maneira mais acelerada nas regiões mais pobres do país e nas camadas

populares, pois “para quem está se libertando do inferno do desemprego, a

precariedade com carteira assinada é um patamar superior” (Idem).

Levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

no relatório intitulado “Síntese dos Indicadores Sociais – 2014”, confirmam a

aceleração do trabalho formal apontada por Néri (2008), Singer (2012) e

Pochmann (2012 e 2014). Entre 2004 e 2013, empregos formais subiram cerca

de 25%, deixando de representar 46% das ocupações totais para chegar à

parcela de 58%.

O termo utilizado por Singer, Lulismo, também pode ser encontrado em

trabalhos de outros autores brasileiros, com interpretações distintas. Nenhum

deles desenvolvendo-o enquanto tese.

André Singer identifica o quadro socioeconômico até agora explanado

(para a sua tese, são evidências) aqui e o vincula aos resultados eleitorais

(comprovação) das eleições presidenciais, em que os candidatos do Partido dos

Trabalhadores (Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff) venceram as disputas

de 2006, 2010 e 2014 graças à adesão maciça do eleitorado das faixas de

rendimento C, D e E, sobretudo localizados em pequenas cidades, periferias e

regiões Norte e Nordeste do país – as mais beneficiadas com as políticas

públicas e cenário econômico já explicitados em páginas anteriores.

Ao todo, são quatro vitórias das coligações encabeçadas pelo partido em

questão (o resultado de todas as eleições, desde 2006, estão em anexo), entre

2002 e 2014 (somando dezesseis anos, quando se encerrar o mandato de

Rousseff, no final de 2018).

Para Bresser-Pereira (2011), a América Latina anterior aos anos 2000

estaria amplamente dominada por uma “ortodoxia convencional”. Na última

década, porém, alguns países teriam experimentado um “terceiro discurso”, ou

Page 43: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

43

seja, experimentando novamente a intervenção social visando o

desenvolvimento socioeconômico.

Governos de Chávez e Morales intensificaram políticas sociais

financiadas majoritariamente pela elevação de preços do petróleo e do gás. O

último, revisando profundamente as cláusulas dos contratos celebrados com a

iniciativa privada para a exploração dos recursos naturais. A Argentina se

beneficiou com o preço do trigo, da carne e exportação de manufaturados para

o Brasil.

O governo brasileiro tem sido desde então um relevante fiador da

chamada integração econômica da América Latina, em geral, e a do Sul, em

particular, no contexto do que Bresser-Pereira denominou “terceiro discurso”.

O “novo desenvolvimentismo” seria, pois, uma alternativa aos ortodoxos

e o desenvolvimentismo de décadas anteriores, “um conjunto de valores, ideias,

instituições e políticas econômicas através das quais, no início do século XXI, os

países de renda média procuram alcançar os países desenvolvidos” (BRESSER-

PEREIRA, 2011, p. 17).

De acordo com o Bresser-Pereira, o novo desenvolvimentismo não é uma

teoria econômica, mas uma “estratégia”; é uma estratégia nacional de

desenvolvimento, baseada principalmente na macroeconomia keynesiana e na

teoria econômica do desenvolvimento (p. 17).

Seria, pois,

o conjunto de ideias que permite aos países em desenvolvimento

rejeitarem as propostas e pressões dos países ricos por políticas

econômicas e de reforma, como a liberalização da conta de capital

e o crescimento com poupança externa, na medida em que essas

propostas são tentativas neoimperialistas de neutralizar o

crescimento econômico dos países concorrentes (p. 17)

Um rápido exame da literatura (ver, por exemplo, ALMEIDA, 2004 e

VIGEVANI e CEPALUNI, 2007) sobre a política externa do Governo Lula,

associado a uma examinação da conjuntura internacional e dos avanços sociais

obtidos nos países latino-americanos (listados em Relatórios de

Page 44: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

44

desenvolvimento humano globais do PNUD11), corroboram a hipótese de

Bresser-Pereira, para quem a mudança da agenda pública foi um fenômeno

continental, não limitado ao caso brasileiro.

Em relação ao nosso contexto, nacional, a ampliação da Faixa C significa,

antes de qualquer coisa, a diminuição dos piores indicadores de renda, e não

apenas: resulta no aumento do mercado consumidor, em maiores trocas

comerciais, mais deslocamentos nos municípios, intermunicipais e

interestaduais, novas experiências na aquisição de informações e novas

relações sociais de maneira mais geral.

Se considerarmos que o transporte, a comunicação, o desenvolvimento

do mercado e a divisão social do trabalho são dimensões dinamizadoras das

sociedades humanas, podemos facilmente perceber que o significado da

expansão da chamada Faixa C oferta muitas possibilidades de pesquisa.

O impacto desse fenômeno abrange os planos de investimentos da

iniciativa privada, enfatizando ano após ano esse segmento de mercado, cujo

poder de compra é crescente; as pesquisas acadêmicas desenvolvidas desde

2008; e a agenda governamental, tanto no segundo mandato do governo Luís

Inácio Lula da Silva (2007-2010) como no governo Dilma Rousseff (20011 –

2015).

Não parece ser exagero dizer que também há o impacto antropológico,

um choque à medida em que são integrados novos consumidores em espaços

anteriormente exclusivos, como aeroportos e shoppings centers12, assim como

um processo de aculturação ocasionado pelas novas trocas, com integrantes da

NCM incorporando novos hábitos e novas aspirações de vida. Não gostaríamos

de adentrar por tal seara, obviamente por considerarmos importante a

construção, em trabalhos futuros ou de terceiros, de etnografias a respeito dessa

transformação.

11 PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano, 2013 – A ascensão do Sul: progresso humano num

mundo diversificado. Disponível em:

<http://www.pnud.org.br/HDR/arquivos/RDHglobais/hdr2013_portuguese.pdf>. Acesso em: 22/12/2014.

12 Segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers, Abrasce, a Classe C representou 37% dos

consumidores em 2013. As vendas nesses centros comerciais saltaram de R$ 50 bilhões (2006) para R$

129 bilhões, em 2013.

Page 45: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

45

Durante o levantamento de dados e informações, compreendemos a

complexidade deste objeto de estudo, afetando a concepção do recorte de

pesquisa.

Primeiramente, é válido destacar que boa parcela da literatura brasileira

sobre a renda e a distribuição de renda, assim como o acesso a bens e serviços

privados ou públicos, historicamente esteve voltado para a compreensão da

pobreza, da miséria e da desigualdade.

Provavelmente, o caso brasileiro não seja exceção. Outros países em

desenvolvimento enfrentam problemas com a classificação, não da pobreza,

mas dos limites entre classes médias e altas. Mesmo organismos internacionais

consagraram linhas de pobreza e miséria, porém enfrentam dificuldades em

relação às demais. Além disso, a renda familiar e o poder de consumo parecem

ser insuficientes para a demarcação das classes.

É interessante perceber que o incremento de famílias à Faixa C lançou

luz sobre as metodologias de estratificação adotadas, os mesmos critérios quase

sempre pouco questionados quando utilizados para mensurar a pobreza. Na

verdade, parece funcionar bem para registrar o número de famílias pobres ou

miseráveis.

Organizações internacionais como o International Policy Centre for

Inclusive Growth (IPC), ligado ao Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), tem apontado tais dificuldades para a definição de

uma classe média globalmente válida ou adequada aos contextos nacionais.

Em muitos momentos, os setores médios de rendimento são apontados

visando problematizar o grau de vulnerabilidade social em todo o mundo,

conforme podemos perceber abaixo:

The growth of the middle class in developing countries is significant, as it represents a group of people, unprecedented in size, becoming more economically secure, or at least less vulnerable to economic shocks. In turn, this has led some to assert that this marks a shift in the parameters of development as we have known it in our modern age. Not only does the new middle class of the developing world demand a refined understanding of what ‘poverty’ means, but at the same time it also calls for greater insight into those members of society who are still vulnerable to falling back into poverty, and thus how the particular lived realities

Page 46: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

46

of this ‘sub-group’ differ greatly from those of the new middle class that are less vulnerable (IPC/PUND, 2013, pag. 3)

Encontramos, portanto, o primeiro significado do termo NCM, inserido no

debate global como oposição à pobreza e à extrema pobreza no mundo em

desenvolvimento. Em que pese ser esse um termo um tanto celebratório.

O caso brasileiro, de toda maneira, é o nosso objeto de estudo e, como

vínhamos dizendo, a complexidade da temática demandou um esforço para

definir um recorte claro, pertinente e plausível.

A pesquisa foi motivada inicialmente pela diferença entre os critérios de

renda e outros critérios sociológicos de estratificação. De fato, alguns autores se

lançaram ao debate com o intuito de desconstruir um “mito” – essa seria uma

“falsa nova classe média” (ver POCHMAN, 2014 e SOUZA, 2012).

Antes de falarmos a respeito desse “mito” da NCM, achamos prudente

expor rapidamente a metodologia dessa estratificação. Não apenas o método,

como os usos sociais do mesmo.

A estratificação em classes ou faixas de renda é fruto de metodologias

fundamentalmente elaboradas para a mensuração da distribuição de renda e do

poder de compra da população, dados úteis para a tomada de decisão dos

agentes econômicos, a partir da identificação de cada segmento do mercado

consumidor. O instrumento de pesquisa primordial é o survey13.

O survey, de acordo com Earl Babbie, é “um tipo de pesquisa social

empírica”, realizada “para permitir enunciados descritivos sobre alguma

população, isto é, descobrir a distribuição de certos traços e atributos”, em que

“o pesquisador não se preocupa com o porquê da distribuição observada existir,

mas com o que ela é”, podendo “diferir em termos de objetivos, custos, tempo e

escopo” (2003, p. 95 e 96).

Outros atores sociais fazem uso de indicadores de renda familiar e

consumo para classificar a sociedade brasileira em termos de poder de compra,

13 Para informações sobre o Survey: FINK, A. The survey handbook. Thousand Oaks, Sage, 2002. 2ed.

Page 47: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

47

como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição

governamental responsável pelo Sistema Estatístico Nacional.

Os dados do IBGE são largamente utilizados pelos pesquisadores

brasileiros como fonte secundária de pesquisa. Algumas iniciativas importantes

desenvolvidas pelo instituto são a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

(PNAD), Pesquisa Orçamentária Familiar (POF) e o Censo Populacional.

Recentemente, a PNAD é uma pesquisa trimestral – PNAD contínua –

visando captar com mais acuidade as mudanças no padrão de vida da

população. Igualmente se pleiteia maior frequência da POF, considerada mais

completa, pois capta o consumo das famílias a partir de um trabalho de campo

mais dispendioso, ampliando o tempo na coleta de dados em cada residência

visitada.

Decisões do IBGE no sentido de diminuir a periodicidade, tanto da PNAD

quanto da POF, são sensíveis à realidade financeira do órgão e a dependência

de se aportar maiores recursos ao mesmo.

As metodologias de estratificação baseadas em renda e em consumo

mais relevantes para essa pesquisa são o chamado Critério Brasil de

Classificação Econômica (CBCE), da Associação Brasileira de Empresas de

Pesquisas (ABEP), a distinção por faixas de renda empreendida pelo IBGE –

devido à posição dominante do órgão no cenário estatístico nacional –, os

critérios do Centro de Pesquisa Social da Fundação Getúlio Vargas e o da

Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), órgão do Governo Federal.

Até o presente momento, nos referimos à Faixa C de acordo com os

cálculos do CPS/FGV, dado o fato de que seus estudos chamaram a atenção de

intelectuais, empresários, jornalistas e órgãos governamentais. Seus dados são

centrais no debate atual.

Como observaremos adiante, o CPS/FGV faz uso de dados do Critério

Brasil e uma sondagem ao consumidor, de autoria da própria FGV. O CBCE é

uma forma de enquadramento, podendo utilizar dados tanto da PNAD quanto da

POF.

O Critério elabora uma classificação em classes econômicas ou faixas de

rendimento a partir de um sistema de pontuação, incluindo a escolaridade do

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48

chefe de família e a posse de bens, representadas pelas letras A (faixa mais rica)

até a E (mais pobre).

Segundo Mattar (1995), a definição de um critério para a classificação

econômica dos consumidores brasileiros remonta aos anos 1970, inicialmente

pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), continuada pela Associação

Brasileira de Institutos de Pesquisas de Mercado (ABIPEME).

À medida em que

algumas empresas passaram a adotar práticas de marketing,

principalmente a segmentação de mercado, surgiu a necessidade

de se dispor de um critério de estratificação que facilitasse essas

práticas. Na ausência de critério único, cada empresa, cada

agência de pesquisa, cada agência de propaganda e cada veículo

de comunicação acabava estabelecendo o seu próprio, o que se

por um lado atendia de imediato às suas necessidades, por outro

criava grande problema, pois impedia o intercâmbio e até a

comunicação entre empresas (idem).

O uso social primordial do Critério Brasil, desde o seu princípio, estava

vinculado à necessidade de se adotar um método único para a classificação do

poder de compra dos consumidores em faixas de rendimento. A proposta inicial

(1970) previa uma escala de A a D. Em 1976, previa uma subdivisão em duas

para cada letra: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D1 e D2.

As escalas, originárias dos trabalhos norte-americanos, associadas ao

uso intensivo do instrumento de pesquisa survey naquele país, foram importadas

ao contexto brasileiro.

Em nenhum momento, destacamos, se pretendeu substituir conceitos

sociológicos; meramente, subsidiar a tomada de decisão empresarial (ibidem).

Por outro lado, é evidente o uso incorreto de um conceito caro à sociologia, o de

classe social. O mais adequado, tanto ao método quanto ao seu uso social, é a

substituição do conceito de classe por grupo ou faixa de consumo.

Um sistema de pontos era, assim como o é atualmente, definidor para os

cortes de classes no CBCE. Os bens de consumo, a contratação de empregada

doméstica mensalista e a escolaridade do chefe de família são dispostos em

uma listagem com a pontuação correspondente.

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49

Desde os anos 2000, a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa

(ABEP) divulga anualmente as atualizações do Critério, por razões conhecidas

há mais de setenta anos, a serem abordadas mais abaixo.

Como informativo, trazemos abaixo, nos dois primeiros quadros, a lista de

bens e escolaridade com pontos correspondentes, segundo o Critério de 2008;

o terceiro, o enquadramento por classes, de acordo com a somatória dos itens.

Quadro 1 – Pontuação por posse de bens, segundo Critério Brasil 2008

Itens

Quantidade de itens

0 1 2 3

4 ou

mais

Televisão em cores 0 1 2 3 4

Rádio 0 1 2 3 4

Banheiro 0 4 5 6 7

Automóvel 0 4 7 9 9

Empregada mensalista 0 3 4 4 4

Máquina de lavar 0 2 2 2 2

Videocassete e/ou DVD 0 2 2 2 2

Geladeira 0 4 4 4 4

Freezer (aparelho independente ou parte da geladeira duplex) 0 2 2 2 2

Fonte: ABEP

Quadro 2 – Pontuação por grau de instrução do chefe de família,

segundo o Critério Brasil 2008

Grau de instrução do chefe de família Pontos

Analfabeto / Primário incompleto ou Até 3a série Fundamental 0

Primário completo / Ginasial incompleto ou até 4a série Fundamental 1

Ginasial completo / Colegial incompleto ou Fundamental completo 2

Colegial completo / Superior incompleto ou Médio completo 4

Superior completo 8

Fonte: ABEP

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50

Quadro 3 – Cortes do Critério Brasil

Classe Pontos

A1 42 – 46

A2 35 – 41

B1 29 – 34

B2 23 – 28

C1 18 - 22

C2 14 - 17

D 8 - 13

E 0 - 7

Fonte: ABEP

O intuito é auferir o potencial de consumo de cada segmento consumidor

brasileiro. Ao longo do tempo, não esteve imune às críticas, seja pela

discrepância entre dados apresentados (segundo Mattar, a primeira versão do

Critério superestimava a Classe A, sendo revista em 1976), ou pela percepção

parcial do “potencial de consumo”, desprezando invariantes como a cultura

(ibidem).

Levantamentos orientados pelo Critério Brasil ocorrem há quase quarenta

e cinco anos, enquanto os primeiros esforços de revisão foram realizados quatro

anos após a primeira iniciativa. A invariante cultural, embora reconhecidamente

importante, era – assim como ainda é – inapreensível pelo instrumento de

survey. Ademais, em toda a trajetória dessa modalidade de estratificação,

pesquisadores fazem críticas recorrentes, similares, como a ausência de uma

perspectiva interdisciplinar, o superdimensionamento dos extremos,

denominadas como classe A e D ou E (como consta na revisão de 1976 e 78),

ou ainda os diferentes contextos regionais (ibidem).

A mudança na oferta de bens ao longo do tempo, com maiores facilidades

para a sua aquisição, promovendo a massificação de determinado bem de

consumo, exige a recorrente revisão no sistema de pontuação, conforme

observado nos anos 1940 por Guttman (1942 apud MATTAR, 1997), revisando

a escala de Chapin (1933 apud MATTAR, 1997), sociólogo norte-americano que

elaborou estudos pioneiros nessa seara, nos anos 1930 (correlacionando posse

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51

de bens e pertencimento de classe). Chapin foi o inspirador para as primeiras

iniciativas de construção do Critério.

A ausência de abordagem interdisciplinar também levou a equívocos

como a ausência de dados sobre a ocupação. Mattar (1995) esclarece, além

disso, que um ou outro indicador isolado não é suficiente para a estratificação,

sugerindo que a ocupação, a renda e a moradia, são inexoráveis ao

aperfeiçoamento da metodologia.

Em 2008, o Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas

(CPS/FGV) publicou um estudo, coordenado pelo economista Marcelo Neri,

intitulado como “A nova classe média”. A sua obra tornou-se a principal

referência ao debate, subdividindo a sociedade brasileira em 4 níveis de renda

(AB, C, D e E).

A pesquisa do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas,

utilizou dois indicadores para categorizar este grupo (o C) como classe média:

“a análise das atitudes e expectativas das pessoas”, apreendida pela sondagem

do consumidor, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), também

da FGV, e “o potencial de consumo tal como no chamado Critério Brasil na qual

a classe média é aquela chamada de Classe C” (NERI, 2008, p. 23).

A repercussão de seus dados motivou um debate acadêmico e

governamental sobre o aumento da NCM. De fato, não está em jogo

simplesmente a adequação ou inadequação metodológica, mas a atribuição de

sentido ao fenômeno.

Atribuir sentido acadêmico, político e social a um fenômeno é uma forma

importante de poder. Pode tanto significar uma visão celebratória e triunfalista

quanto se converter em uma agenda para transformar a sociedade, apontando

conquistas e obstáculos à efetivação da inclusão social.

Alguns estudos foram publicados para analisar o crescimento dos setores

médios, principalmente após o ano de 2008, quando o economista do IPEA,

Marcelo Néri, divulga a sua pesquisa, intitulada Nova Classe Média: o lado

brilhante dos pobres, apontando um expressivo aumento da faixa C.

Além de Néri, destacamos os trabalhos de Bolívar Lamounier e Amaury

de Souza (A Classe Média Brasileira, 2009), Márcio Pochmann (Nova Classe

Média? – o trabalho na base da pirâmide social brasileira, 2012), Jessé Souza

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52

(Os batalhadores brasileiros – nova classe média ou nova classe trabalhadora,

2010) e André Singer (Os sentidos do Lulismo, 2012).

Outras publicações do IPEA, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da

Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do Governo Federal, também serão

mobilizadas para esclarecer o fenômeno.

Identificamos, ao longo de nossa investigação bibliográfica,

especialmente nas obras citadas, um conjunto de argumentos refutando a

interpretação de que ocorreu uma mobilidade vertical de classes, apesar do

componente econômico.

Muitos autores destacam a importância de outros elementos definidores

de uma classe social, inalcançáveis pelos indicadores de viés economicista,

como os ligados à exploração capitalista e à cultura, conforme já evidenciamos

anteriormente.

Segundo os dados apresentados por Néri, a chamada “Faixa C” (renda

familiar entre R$ 1.064,00 a R$ 4.561,00) passou de 38,6% para 50,5% da

população entre 2002 e 2008, um aumento de 19,9 pontos percentuais.

Atualizando os dados, as classes são definidas pelo CPS/FGV de acordo

com a tabela abaixo.

Tabela 5 – Faixas por renda familiar, segundo CPS/FGV,

atualizado em 2011

Faixas Valores

Faixa A: Mais de R$9.745,00

Faixa B: R$7.475,00 a R$9.745,00

Faixa C: R$1.734 a R$7.475,00

Faixa D: R$1.085,00 a R$1.734,00

Faixa E: R$0,00 a de R$1.085,00

Fonte: CPS/FGV

Para Neri (NERI, 2008, p. 5) a Faixa C “é a imagem mais próxima da

sociedade brasileira”, devedora ao crescimento do mercado de trabalho formal

Page 53: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

53

(NERI, 2008, p. 41). O economista utiliza o supracitado Critério Brasil (NERI,

2008, p. 23).

Para o autor,

a nossa classe C aufere em média a renda média da

sociedade, é a classe média no sentido estatístico. Dada

desigualdade, a renda média é alta em relação a nossa

mediana. Em relação ao resto do mundo: 80% das

pessoas no mundo vivem em países com níveis de renda

per capita menores que o brasileiro. Agora para aqueles

que acham a renda da classe C seja baixa, acordem, pois

ela é a imagem mais próxima da sociedade brasileira.

(Neri, 2008, p. 48).

A definição e a mensuração de cada uma das cinco faixas de renda

seguiram critérios claramente econômicos, sobre o qual foi possível uma

descrição estatística.

Os critérios estabelecidos para a identificação das classes sociais

tornaram a interpretação de Marcelo Néri exclusivamente dependente da

performance econômica, ignorando as relações capitalistas de exploração do

trabalho ou mesmo a inserção cidadã desses indivíduos, fato constatado por

críticos como o sociólogo Jessé Souza e o economista Marcio Pochmann.

A argumentação de Marcelo Néri repercutiu no meio acadêmico brasileiro,

com uma recepção nem sempre favorável, principalmente pela ausência de uma

abordagem sociológica ou de economia política. De fato, a ausência de uma

análise interdisciplinar pode ser apontada como o principal equívoco do livro

publicado por Néri

Para alguns autores, como os já citados Márcio Pochmann (Nova classe

média? O trabalho na pirâmide social brasileira, 2012) e Jessé Souza (Os

batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?,

2010), a introdução de milhões de pessoas ao mercado consumidor é um

fenômeno concreto, mas não definidor de uma ascensão para a classe média.

Antes de qualquer coisa, essa tal ascensão seria geradora de uma classe de

“batalhadores”, nos dizeres de Souza (2010).

Estes batalhadores não disporiam de capital cultural para virem a ser

considerados pertencentes aos setores médios. Seriam pessoas que

compensam esta falta de capital social e cultural com uma longa jornada de

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54

trabalho. Para o autor, seria “necessário haver uma transferência de valores

imateriais na reprodução das classes sociais” (SOUZA, 2010, p. 23).

Para Souza, os setores médios no Brasil são compostos principalmente

de profissionais liberais, rentistas e funcionários públicos. Dispõe de tempo como

um dos recursos mais valiosos, enquanto os batalhadores se sujeitariam a

jornadas duplas para deixar no passado a sua classe originária.

A identificação dos setores médios estaria relacionada, para Jessé

Souza, a “condições sociais, morais e culturais”. Classe média, nesse sentido,

seria a incorporação de um habitus compatível com essa posição.

Os batalhadores estariam convictos do papel do trabalho árduo na

mudança de suas vidas, com grande capacidade de autocontrole. O contrário da

ralé brasileira, objeto de outro trabalho deste sociólogo, que teve grande

repercussão no meio intelectual brasileiro.

Esta ralé seria caracterizada por um habitus precário, não podendo servir

como exército industrial de reserva, vivendo à margem da economia competitiva

brasileira.

Esses batalhadores se diferenciariam da ralé brasileira pela

incorporação de uma ética do trabalho, transmitida pela instituição familiar.

Os estudos baseados no crescimento de renda, ainda segundo este

autor, “‘universaliza[m]’ os pressupostos da classe média para todas as ‘classes

inferiores’, como se as condições de vida dessas classes fossem as mesmas”

(SOUZA, 2010, p. 24).

Souza (2013) entende que a utilização do termo NCM reflete uma leitura

empobrecida da realidade social. Para o autor, essa percepção distorcida e

redutora é “economicista”:

Minha tese é que o tema da produção e reprodução das classes

sociais no Brasil é dominado por uma leitura economicista e

redutora da realidade social. Lamentavelmente, as obras recentes

de dois dos mais festejados e reconhecidos economistas

brasileiros, os professores Márcio Pochmann (2012) e Marcelo

Néri (2012), sobre a “Nova Classe Média”, comprovam nossa

hipótese (p. 56)

Jessé Souza mobiliza em sua crítica, como podemos perceber,

elementos que podem ser apreendidos por indicadores discricionários, como

tempo livre e jornada de trabalho, como também utiliza invariantes, como

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55

conceitos apreensíveis por pesquisas qualitativas (destacamos o habitus

precário, no caso da “ralé estrutural”, ética do trabalho e autocontrole, ou

ascese).

Enquanto Souza elabora uma reflexão estruturada com maior ênfase na

cultura, o economista Marcio Pochmann critica a tese de uma nova classe média

brasileira a partir de dados sobre o mundo do trabalho.

Utiliza como recorte temporal o período de 2004 a 2010, buscando

capturar o momento de maior crescimento econômico da década, sob o governo

Lula.

Segundo Pochmann (2012, p. 7),

A metamorfose pela qual passa a atual estrutura social brasileira

prescinde de interpretações mais profundas e abrangentes, que

possam ir além da abordagem rudimentar e tendenciosa a

respeito da existência de uma nova classe média. Pode-se até

estranhar a inclinação de certas visões teóricas recentes, que

buscam estabelecer para determinado estrato da sociedade –

agrupado quase exclusivamente pelo nível de rendimento e

consumo – o foco das atenções sobre o movimento geral da

estrutura social do país.

Como é possível perceber, o autor faz duras críticas à tese de que

emerge, no Brasil atual, uma nova classe média, considerando este

entendimento como primário, precipitado e possivelmente festivo, presente em

“outras dimensões geográficas do planeta”, com o intuito de “difundir os êxitos

da globalização neoliberal” (2012, p. 8).

O autor continua, em seguida, a utilizar uma linguagem áspera:

O que há, de fato, é uma orientação alienante sem fim,

orquestrada para o sequestro do debate sobre a natureza e a

dinâmica das mudanças econômicas e sociais, incapaz de

permitir a politização classista do fenômeno de transformação da

estrutura social e sua comparação com outros períodos dinâmicos

do Brasil (p. 8).

Embora faça uso de termos pouco usuais na crítica acadêmica, sem

contudo afirmar quem são os participantes desta suposta ação “orquestrada”

para alienar o debate do desenvolvimento econômico como transformador da

sociedade, Pochmann passa a apresentar um estudo sobre as dinâmicas do

mundo do trabalho.

Page 56: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

56

A partir deste momento, observa que dois fenômenos opostos ocorreram

no país após a implementação do Plano Real, em 1994.

No primeiro momento, houve uma queda da participação dos salários na

formação do Produto Interno Bruto, em detrimento à valorização das rendas de

propriedade, como juros, lucros, renda e aluguéis. “Entre 1995 e 2004, por

exemplo, a renda do trabalho perdeu 9% de seu peso relativo na renda nacional,

ao passo que a renda da propriedade cresceu 12,3%” (POCHMAN, 2012, p. 9).

No segundo momento, a partir de 2004 até 2010, há uma retomada da

participação dos salários no PIB, com incremento de 10,3%, enquanto a renda

de propriedade decresceu 12,8%.

A reversão do quadro, com participação dos salários retornando aos

níveis anteriores a 1994, “se mostrou compatível com a absorção do enorme

excedente de força de trabalho gerado anteriormente pelo neoliberalismo” (p.

10).

Mesclando dados estatísticos com afirmações não demonstradas em sua

obra, Pochmann observa que

Mesmo com o contido nível educacional e a limitada experiência

profissional, as novas ocupações de serviços, absorvedoras de

enormes massas humanas resgatadas da condição de pobreza,

permitem inegável ascensão social, embora ainda distante de

qualquer configuração que não a da classe trabalhadora (p. 10).

Deste modo, explica que ocorreu uma retomada ou mesmo reversão do

quadro estabelecido após o governo Fernando Henrique Cardoso, que resultou

na queda da participação dos salários na economia, em favor do rentismo e das

demais rendas por propriedade.

O aquecimento da economia interna seria a consequência das

recomposições salariais:

Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja

pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população emergente

não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser

claramente identificados como classe média. Associam-se, sim,

às características gerais das classes populares, que, por elevar o

rendimento, ampliam imediatamente o padrão de consumo. Não

há, nesse sentido, qualquer novidade, pois se trata de um

fenômeno comum, uma vez que trabalhador não poupa, e sim

gasta tudo o que ganha (Idem).

Page 57: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

57

As chamadas classes populares seriam “em grande medida”

despolitizadas, individualistas e aparentemente racionais” (não chega a afirmar

que são irracionais, mas aparentemente o oposto, deixando margem a dúvidas).

Estas características reforçariam a impressão de que a tese de uma

nova classe média seja eivada de intenções mercadológicas, desejando

gerar mais conformismo sobre a natureza e a dinâmica das

mudanças econômicas e sociais do país, domesticar e alienar as

possibilidades de, pela política, aprofundar as transformações das

estruturas do capitalismo brasileiro neste início do século XXI (p.

11).

Exceto pelo uso de uma série de afirmações cabais contra uma ação

intencional e mercadológica, Pochmann faz uma defesa pela leitura do atual

quadro a partir da economia política, considerando as classes populares

desmobilizadas para pensar a respeito das forças econômicas, sociais e políticas

que levaram à retomada do crescimento do emprego e da renda.

A preocupação central do autor diz respeito a políticas econômicas que

transformem estruturalmente a economia brasileira, reduzindo o trabalho

precário e levando o desenvolvimentismo a outro patamar, voltado também para

a distribuição de renda e não apenas à superação da dependência estrangeira.

Defende a manutenção da valorização do salário mínimo, demonstrando

que a maior parte dos empregos gerados entre 2006 e 2010 remuneraram o

trabalhador, justamente, com o mínimo previsto na legislação.

A economia brasileira cresceu, sobretudo, impulsionada pelo setor

terciário, uma característica distinta da observada nos anos 1960 e 1970, quando

o setor secundário deu fôlego à economia nacional e gerou empregos.

A geração de empregos na primeira década do século XXI foi a maior

dos últimos quarenta anos, fortemente influenciada pelo setor de serviços, assim

como também pela construção civil e indústrias extrativas (POCHMANN, p.18-

19).

Os que mais se beneficiaram da geração de empregos na década

passada foram os mais pobres. Segundo o autor,

os postos de trabalhos gerados concentraram-se na base da

pirâmide social, uma vez que 95% das vagas abertas tinham

remuneração mensal de até 1,5 salário mínimo, o que significou o

Page 58: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

58

saldo líquido de 2 milhões de ocupações abertas ao ano, em

média, para o segmento de trabalhadores de salário de base

(Idibem, p. 19).

Observa-se, pois, que “dos 2,1 milhões de vagas abertas anualmente,

em média 2 milhões encontram-se na faixa de até 1,5 salário mínimo mensal”

(Ibidem, p. 22). Estes trabalhadores foram beneficiados pela política de reajuste

do salário mínimo, sendo a base da pirâmide, justamente, a que mais elevou a

renda familiar.

Boa parte dos empregos foram gerados por micro e pequenas empresas,

que aumentaram a sua participação na economia nacional:

No ano de 2009, por exemplo, os micro e pequenos negócios

possuíam 15,3 milhões de empregados assalariados, o que

representou 37,2% do total de trabalhadores formais do país. Em

1989, com 6,9 milhões de ocupados, os micro e pequenos

negócios representavam 28,3% do emprego formal (Ibidem, p.

89).

De acordo com o levantamento do economista, as micro e pequenas

empresas respondem por 50,3% dos empregos gerados entre 1989 e 2009, ou

8,4 milhões de empregos formais de um total de 16,7 milhões.

Os jovens foram os mais beneficiados, com 75% dos novos empregos

se concentrando na faixa dos 24 a 49 anos de idade. O setor de comércio e o de

serviços representaram 79% das novas vagas formais de trabalho.

O levantamento de dados realizado por Marcio Pochmann vai ao

encontro dos estudos promovidos por Jessé Souza sobre os Batalhadores,

apontando uma economia aquecida e geradora de emprego e renda

especialmente para as classes populares, mais vulneráveis a medidas

econômicas como a valorização do salário mínimo e o incentivo ao crédito para

consumo.

No mesmo diapasão, Quadros (2008) alude à importância da variável

ocupação em um modelo de estratificação por classes sociais.

Para a filósofa Marilena Chauí (2013, p. 130), as classes médias

estariam atualmente restritas às “burocracias estatal e empresarial, o serviço

público, a peque- na propriedade fundiária e o pequeno comércio não filiado às

grandes redes de oligopólios transnacionais”.

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59

Percebe-se claramente a concordância de Chauí com os estudos de

Pochmann, delimitando uma parcela do crescimento da nova classe média

como, na verdade, expansão de uma classe popular, ou trabalhadora. Com

inspiração marxista, salienta que

uma classe social não é um dado fixo, definido apenas pelas determinações econômicas, mas um sujeito social, político, moral e cultural que age, se constitui, interpreta a si mesmo e se transforma por meio da luta de classes. Ela é uma práxis, ou como escreveu E. P. Thompson, um fazer-se histórico. Ora, se é nisso que reside a possibilidade transformadora da classe trabalhadora, é nisso também que reside a possibilidade de ocultamento de seu ser e o risco de sua absorção ideológica pela classe dominante, sendo o primeiro sinal desse risco justamente a difusão de que há uma nova classe média no Brasil. E é também por isso que a classe média coloca uma questão política de enorme relevância.

Se é verdadeiro que as classes sociais são relacionais e somente

apreensíveis a partir do entendimento global das relações produtivas,

argumenta, então o surgimento de uma nova classe trabalhadora pode vir a ser

esvaziada de significado político se for capturada, ou absorvida, pela ideologia

dominante.

Na percepção de Marilena Chauí, o mero encaixe destes proletários à

classe média, a partir do uso de estatísticas economicistas, não apenas

desmobiliza o pensamento crítico a respeito das estruturas de exploração

econômica historicamente instituídos no Brasil, como pode levar a crer que o

aumento de renda seja suficiente para o desenvolvimento do país.

A classe média consolidada seria, por sua própria natureza,

Fragmentada, perpassada pelo individualismo competitivo,

desprovida de um referencial social e econômico sólido e claro, a

classe média tende a alimentar o imaginário da ordem e da

segurança porque, em decorrência de sua fragmentação e de sua

instabilidade, seu imaginário é povoado por um sonho e por um

pesadelo: seu sonho é tornar-se parte da classe dominante; seu

pesadelo é tornar-se proletária. Para que o sonho se realize e o

pesadelo não se concretize, é preciso ordem e segurança. Isso

torna a classe média ideologicamente conservadora e reacionária,

e seu papel social e político é o de assegurar a hegemonia

ideológica da classe dominante, fazendo com que essa ideologia,

por intermédio da escola, da religião, dos meios de comunicação,

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60

se naturalize e se espalhe pelo todo da sociedade. (CHAUÍ, 2013,

p. 131).

Enquanto Chauí se refere à classe média como fragmentada, não

podemos deixar de notar que a sociedade brasileira como um todo é também

extremamente heterogênea, não apenas por causa da assimetria entre as

classes sociais, mas também pela desigualdade regional e local.

Ainda que, no geral, a intuição de Marilena Chauí esteja correta a respeito

do caráter conservador e reacionário da classe média brasileira, estabelecida,

permanece a ausência de marcadores de distinção capazes de vislumbrar com

maior clareza, a partir da empiria, as classes sociais.

Estes resultados que demonstram decréscimo da pobreza a partir de

transferências de renda mas, sobretudo, a partir da reativação do mercado de

trabalho, são fatores de explicação para o fenômeno econômico constatado por

Marcelo Néri em sua pesquisa, que aponta para o aumento da Faixa C, cujo nível

de renda está no patamar dos 20% mais ricos do mundo.

Compreendemos que o panorama econômico e a consolidação das

institucionalidades voltadas ao enfrentamento da pobreza e diminuição das

desigualdades foram articulados de maneira inédita na história brasileira,

refletindo uma maior responsividade do Estado, incorporando grandes

contingentes de pessoas ao mercado.

Os processos incrementais, sob o ponto de vista das políticas públicas,

trouxeram um alto custo ao ator público, caso esse venha a optar por alterar essa

trajetória de mudanças contínuas, realizadas sem reformas ou iniciativas que

signifiquem ruptura.

Sobre esse alto custo, começamos a desenvolver uma reflexão nas

páginas seguintes.

Page 61: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

61

Políticas econômicas e políticas de renda

Na década de 2000, há uma mobilidade social que incorporou no

capitalismo brasileiro a noção de mercado consumidor de massas e trouxe para

o centro da agenda pública o combate às desigualdades em suas variadas

formas, tanto de renda quanto de distribuição territorial dos serviços públicos,

passando por políticas voltadas para as minorias, muitas delas discutidas de

maneira participativa.

Pesquisas elaboradas a nível governamental ou privadas (NERI, 2008;

SOUZA & LAMOUNIER, 2010; OLIVEIRA, 2010), citadas ao longo do nosso

texto, apontaram a mudança de patamar de milhões de famílias brasileiras, não

apenas por causa dos aumentos do rendimento mensal, mas pelo acesso a

políticas públicas, cujo resultado é inédito na história brasileira, de combinado

crescimento, melhoria no acesso a serviços públicos e redução da desigualdade

de renda.

Existem abundantes dados demonstrando que a ascensão social não se

deu pela única dimensão da renda familiar, mas pelo fortalecimento do trabalho,

queda de preços relativos de bens de consumos duráveis (POCHMANN, 2014),

modificação nos hábitos e na estrutura familiar e ampliação de serviços públicos,

esses últimos resultando em mudanças sociais mais aceleradas do que em

outras décadas.

Essa novidade permitiu gerar uma ascensão social horizontal, formando

uma classe trabalhadora consumidora a partir da recomposição de perdas

salariais, principalmente o salário-mínimo, remontando ao poder de compra do

começo dos anos 1980.

No período de nossa pesquisa, observamos nos aumentos de empregos

(que ocorreram sendo, sobretudo, de um salário-mínimo), pelo menos três

fatores interessantes: a retomada do poder de compra do salário-mínimo aos

patamares da década de 1980, aumento do trabalho formal, bem como a

ampliação da massa salarial em relação ao Produto Interno Bruto.

A emergência dessa ampliação de serviços públicos e de renda familiar

não é uma trivialidade, mas um acontecimento histórico no Brasil, demandando

Page 62: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

62

ser compreendida tanto pelas modificações do capitalismo global quanto pelas

mudanças políticas e econômicas internamente empreendidas. É preciso

salientar que a sua importância está, justamente, na associação desses

elementos internos e externos, e não em seus elementos dissociados.

A partir dessa premissa, não se poderia esquecer do fato de que o Brasil

e alguns Estados latino-americanos procuram um modelo de desenvolvimento

capaz de reavivar os surtos de crescimento de décadas passadas e superar a

pobreza. Não há nada de novo no front em relação à busca por modelos de

desenvolvimento alternativos aos dos anos 1960 e 1970, marcados pela

substituição de importações, pela burocratização e uso de estatais em inúmeros

setores da economia.

Há algo novo, porém, na atuação responsiva (PRZEWORSKI, 1996) dos

Estados latino-americanos em relação às suas sociedades, reflexo da crise das

dívidas dos anos 1980 e dos resultados das políticas neoliberais nos anos 1990,

que anularam em parte as promessas das aberturas democráticas pelas quais

passaram países como Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia e Venezuela.

De acordo com Przeworski (1996), “os governos podem ser responsáveis

mas não ser responsivos”, considerando que “o princípio da responsabilidade

política não é condição suficiente para obrigar os governos a agir de acordo com

o que mais interessa aos cidadãos”, afinal, “os governos podem fracassar na

tentativa de fazer o melhor possível para promover os interesses dos cidadãos:

os detentores de mandato podem aceitar a possibilidade de derrota e passar a

se dedicar mais aos próprios interesses do que aos interesses do eleitorado”.

Desta forma, os governos responsivos atuam no sentido de promover o

interesse dos cidadãos, com políticas “que uma assembleia de cidadãos, tão

informados quanto o Estado, escolheria por votação majoritária, sob os mesmos

constrangimentos institucionais” (idem).

Vale dizer que a ampliação da responsividade se dá duas décadas ou

duas década e meia após a constatação da não-efetivação das promessas

democráticas no momento das aberturas nos países latino-americanos.

Para O´Donnel (1993), a realidade socioeconômica dos países latino-

americanos resultou em uma poliarquia “de um tipo diferente” (p. 124), sobre as

Page 63: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

63

quais repousaria algum tipo de ausência teórica que lhes permitissem explica-

las melhor.

Uma parcela dessa dissemelhança com as poliarquias típicas, ou seja,

poliarquias amadurecidas, decorreria da existência de disparidades que

afetariam princípios como o da igualdade. O’Donnel afirma que

a igualdade garantida a todos os membros da nação em termos

de cidadania é crucial para o exercício dos direitos políticos

decorrentes do funcionamento da democracia e, também, para a

efetividade das garantias individuais consagradas na tradição

liberal (p. 127, grifos nossos).

A contrariedade com a promessa democrática adviria de uma crise

tridimensional

do estado enquanto um conjunto de burocracias capaz de cumprir

suas obrigações com eficiência razoável; da efetividade de sua

lei; e da plausibilidade da afirmação de que os órgãos do estado

normalmente orientam suas decisões segundo alguma concepção

do bem público (idem).

A partir dessa constatação, o autor compreende que as poliarquias novas

latino-americanas dependiam de políticas mais eficazes no sentido de promover

a igualdade, ameaçadas por agendas antiestatistas ou neoliberais, mas também

(1) combatendo o imediatismo, (2) a administração pública e sua burocracia

devem ser mais eficientes e (3) ampliação da participação, integrando novos

atores sociais ao processo decisório (O´DONNEL, 1993, p. 141).

Sem o aperfeiçoamento da burocracia, o planejamento de médio prazo, a

maior participação social, que impliquem em aumento da responsividade nos

termos já expressados por Przeworski, as promessas democráticas latino-

americanas permaneceriam vãs, pois

o mínimo que se pode dizer sobre esses problemas é, em primeiro

lugar, que eles não ajudam a avançar para uma democracia

institucionalizada consolidada; em segundo lugar, eles tornam

extremamente difícil a implementação das políticas complexas, de

longo prazo e negociadas multilateralmente que poderiam tirar

esses países do pântano; e, em terceiro lugar (não só na América

Page 64: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

64

Latina), que esses problemas interagem poderosamente com uma

tradição de conceber a política de modo cesarista, antiinstitucional

e delegativo (p. 142, grifos nossos).

Nesse caso, nos anos 2000, os governos tornam-se mais responsivos e

dão respostas populares à crise neoliberal dos anos 1990, em favor do emprego,

da superação da pobreza e aumento de renda.

Em relação à sociedade brasileira, a novidade incorpora a preocupação

com a natureza dos gastos públicos nos anos 1990. De fato, nos anos 1980,

ainda que em cenário econômico adverso, uma série de direitos sociais foram

reconhecidos no âmbito da redemocratização, bem como a descentralização do

orçamento público, com graves problemas para a efetivação de ambos.

O reconhecimento de direitos tornou-se dependente de regulamentações

posteriores à promulgação da Constituição Federal de 1988 e de uma nova

realidade econômica que representasse a superação dos dilemas econômicos

dos anos 1980. Em relação à descentralização, esta ocorreu em um contexto de

desordem das contas públicas que enfraqueceram a “política dos governadores”

(ABRUCIO, 1998), cujo resultado, nos anos 1990, foi a centralização do

orçamento em favor do Governo Federal, operador de uma reordenação fiscal

no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Desse modo, as promessas democráticas podem ser em parte atendidas

quando satisfeitas as condições objetivas, orçamentárias e políticas, que

ampliam a responsividade de governos a grupos sociais, principalmente os

menos favorecidos historicamente.

Enfatizamos o processo de ampliação da responsividade no contexto

estatal brasileiro, incluindo elementos de ordenamento fiscal entre os Governos

FHC e Lula (2003-2010), mas não queremos, com isso, fechar as portas para

futuras reflexões sobre elementos de descontinuidade entre tais governos, e de

fato alguns destes serão apontados nesse capítulo. De toda sorte, parece-nos

importante averiguar a consolidação do funcionamento das instituições em

nossa nova poliarquia.

No desenvolvimento da pesquisa, percebemos que a combinação dessas

mudanças são reflexos da realidade demográfica, das relações econômicas

Page 65: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

65

nacionais e globais e, também, refletem a consolidação da democracia liberal no

país, no sentido de se promover modificações sociais incrementais.

Há um incrementalismo nas políticas sociais desde a década de 1990, no

sentido de se ampliar gastos sociais públicos e universalizar a educação

primária; e, a partir dos anos 1990, recuperando o poder de compra do

trabalhador.

De acordo com Souza (2006, p. 29), a perspectiva incrementalista de

políticas públicas compreende que

os recursos governamentais para um programa, órgão ou uma

dada política pública não partem do zero e sim, de decisões

marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas

ou mudanças substantivas nos programas públicos

Nessa concepção, as “decisões tomadas no passado constrangem

decisões futuras e limitam a capacidade dos governos de adotar novas políticas

públicas ou de reverter a rota das políticas atuais” (idem).

Em países centrais, as reformas neoliberais fizeram com que as

explicações incrementalistas perdessem espaço e prestígio, dado o fato de que

o neoliberalismo implicou em mudanças de grande monta.

Porém, é importante frisar que as novas institucionalidades, relacionadas

à ampliação da responsividade estatal, não advieram de rupturas, ao menos no

caso brasileiro.

É notável a participação de variáveis importantes para esse quadro

incremental: o presidencialismo de coalizão brasileiro, a existência de

mecanismos de accountability, fortalecendo o pluralismo em nossa poliarquia, o

insulamento burocrático e o federalismo.

Segundo Mainwaring (2003, p. 6), accountability não é um conceito

consensual (no original: “accountability is a far-from-consensual concept”), sendo

utilizado em distintos contextos, embora esteja ligada à noção de

responsabilização.

Page 66: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

66

A responsabilização política de altos funcionários, eleitos ou não, ou seja,

governantes e burocratas, tanto por suas ações quanto por suas omissões, se

unem à responsabilização jurídica.

Nesse sentido, accountability não se limita a uma mera prestação de

contas, englobando, efetivamente, alguma possibilidade de sanção

(MAINWARING, 2003, p. 13).

Gostaríamos de abordar, nesse momento, de modo resumido, os

mecanismos de accountability e os aspectos federativos, embora os demais

elementos acabem sendo suscitados nesse resgate.

É fundamental para uma poliarquia a possibilidade de se remover, via

sufrágio, as lideranças políticas que governam o país. Nesse sentido, é crucial

que exista uma alternativa política ao grupo governante, construída pela

observância de direitos como o de livre reunião, associação e expressão.

Guilhermo O’Donnel (1998) denomina esse tipo de accountability vertical,

aonde é possível

por meio de eleições razoavelmente livres e justas, [...] punir ou

premiar um mandatário votando a seu favor ou contra ele ou os

candidatos que apoie na eleição seguinte. [...] Eleições,

reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas,

sem que se corra o risco de coerção, e cobertura regular pela

mídia ao menos das mais visíveis dessas reivindicações e de atos

supostamente ilíticos de autoridades públicas são dimensões do

que chamo de “accountability vertical” (O’DONNEL, 1998, p. 28,

grifos nossos).

A substituição de lideranças políticas não implica necessariamente na

mudança total das políticas do grupo rechaçado nas urnas. O caso concreto aqui

analisado é o da sucessão entre Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula

da Silva.

Ainda sobre o accountability, O’Donnel denomina o controle entre

instituições como accountability horizontal, em que

a existência de agências estatais que tem o direito e o poder legal

e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações,

que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o

impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou

Page 67: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

67

agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas

(O’DONNEL, 1998, p. 40, grifos nossos).

Nesse sentido, a articulação entre essas duas formas de accountability

resultam em um complexo jogo de coordenação no sentido de promover

diferentes atores sociais e o controle sobre a ação estatal.

Associado a esse quadro, as relações federalistas também englobam um

pluralismo. Grandes mudanças institucionais, de maneira geral, envolvem alto

custo ao governante quanto mais fragmentados e influentes são os grupos

sociais.

A chamada “conjuntura crítica”, termo de Pierson resgatado por Loureiro

e Abrucio (2000 apud 2002), passa a demandar um horizonte de eventos que

reduza os custos do governante e se conceba alguma forma de entendimento

nacional capaz de consolidar uma agenda de reformas.

No caso do Plano Real, por exemplo, a hiperinflação e o desarranjo das

contas públicas, com deletérias influências no planejamento estatal, atuaram no

sentido de se arquitetar reformas econômicas, ainda que mais moderadas do

que em outros países, como a Argentina (PALERMO, 1998). Durante a

implementação do Plano, foi possível coordenar de maneira diferente o

federalismo brasileiro, no sentido de se garantir um ambiente econômico e

institucional mais previsível (ABRUCIO, 2002).

Do ponto de vista da articulação dos entes federados, é notória a

necessidade de se modernizar as administrações subnacionais e lhes assegurar

autonomia financeira.

Esclarece Abrucio que

Os possíveis ganhos de eficiência resultantes da

desconcentração das atribuições não são alcançados caso faltem

recursos suficientes às administrações locais, ou se estas

deixarem de exercer sua autoridade tributária. O repasse das

funções antes centralizadas só alcança plenamente seus

objetivos quando acoplado à existência ou à montagem gradativa

de boas estruturas gerenciais nos níveis inferiores. Obviamente

que a grande concentração de tarefas nas mãos do Governo

Central é prejudicial à eficiência, porém, a manutenção de

padrões arcaicos de governança no plano local, além de reduzir a

Page 68: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

68

efetividade da ação estatal, desmoraliza a descentralização,

podendo até incentivar propostas demagógicas de

(re)centralização e paternalismo. Logo, a modernização

administrativa dos governos subnacionais é condição sine qua

non de um ciclo virtuoso descentralizador (2002, p. 155).

Considerando que “mais do que um simples cabo de guerra, as relações

intergovernamentais requerem uma complexa mistura de competição,

cooperação e acomodação” (PIERSON, 1995, p. 458 apud ABRUCIO, 2002, p.

165), compreendemos o papel fundamental das relações federativas na

constituição de políticas incrementais.

Além disso, há um papel preponderante do Governo Federal na

articulação desses processos de mudança.

O aqui denominado incrementalismo social advém da necessidade de se

cumprir parte dos direitos reconhecidos na Constituição Federal de 1988, à

medida em que a realidade fiscal e política permitia, bem como à medida em que

a economia se inseria internacionalmente.

Já as mudanças do capitalismo são, conforme alegamos, importantes

para pensarmos essas transformações, deslocando para a Ásia parte importante

do parque fabril global, tanto deslocando o eixo do crescimento econômico

mundial para o continente asiático como popularizando bens de consumo

produzidos nessas economias orientais.

O crescimento asiático, ademais, demandou a exportação brasileira de

commodities e foram importantes para a melhoria do quadro econômico na

última década.

Sobre o acesso ao consumo de bens duráveis, Pochmann (2014)

demonstrou, em recente trabalho, que se deu uma “queda nos preços relativos,

especialmente com a queda dos custos dos bens de consumo duráveis desde

os anos 1990” (p. 87), como reflexo do momento no capitalismo mundial de

transferência dos parques fabris para a Ásia, além das políticas de comércio

exterior adotadas no Brasil que favoreceram a importação das manufaturas.

Em relação aos gastos sociais federais, ocorreu um crescimento de cinco

pontos percentuais em relação ao Produto Interno Bruto entre 1995 e 2011.

Equivale a um incremento de quase 45%, em termos relativos; já o gasto

Page 69: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

69

nominal, em bilhões de Reais a valores de 2011, apresentou aumento de pouco

mais de 290%. O gráfico abaixo apresenta o Gasto Social Federal entre 1995 e

2011, em relação ao PIB (IPEA, 2012).

Gráfico 5 – Gasto social Federal/PIB (%)

Fonte: IPEA

Mudanças globais do capitalismo, associadas à consolidação democrática

brasileira, nos permitem compreender melhor o crescimento da Faixa C. Nesse

caso, parece ser uma discussão mais complexa do que parece à primeira vista.

A inserção, na agenda pública, do combate às desigualdades e a opção

por fortalecer o mercado interno, é uma novidade política e social no país. Nos

anos 1950 e 1960, até 1970, a orientação ou fio condutor das políticas

econômicas salientava a substituição das importações, atendendo a um

mercado consumidor mínimo.

A ênfase no crescimento econômico, com desigualdades também

crescentes, construiu o que o economista Edmar Bacha outrora denominou

como Belíndia – o Brasil fragmentado, parte Bélgica, parte Índia, em que o

10,00%

11,00%

12,00%

13,00%

14,00%

15,00%

16,00%

17,00%

1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Page 70: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

70

crescimento econômico era o “Felicitômetro” do “Rei”14. Nesse país fictício, a

Belíndia, os tecnocratas modularam o desenvolvimento econômico tomando por

base o crescimento do Produto Interno Bruto.

Após o surto de crescimento econômico brasileiro nas décadas citadas, o

Brasil passou a ser um país à procura de um modelo de desenvolvimento,

atravessado por uma série de dilemas econômicos. A partir dos anos 1980,

passa a vivenciar taxas de crescimento modestas, conforme veremos adiante.

Historicamente, é possível destacar um pacto desenvolvimentista urbano-

industrial iniciado pela Era Vargas e continuada nos anos Kubitschek (1930-

1960), no qual estava contemplada a dicotomia entre cidade e campo, indústria

e agricultura.

Obviamente, o dualismo se constitui muito mais em um esquema de

pensamento para analisar a realidade social, muito popular na intelectualidade

brasileira até os anos 1980, mas também orientou sentidos de políticas

econômicas e sociais do período, favorável ao trabalho industrial e urbano e

desfavorável às franjas da sociedade brasileira.

Além da agenda pública, notadamente o país encontra maiores

obstáculos para crescer a taxas robustas após a década de 1970, confirmando

que países de renda média apresentam maiores dificuldades para mudar de

patamar.

O Brasil é um país de renda média desde os anos 1960 e 1970, resultado

de um intenso crescimento econômico, da urbanização e industrialização que

remonta aos anos 1930. Após cinco décadas – ou meio século – permanecemos

no mesmo patamar, não alcançando o degrau da “alta renda”.

Essa realidade é explicada pelo crescimento a taxas mais modestas em

relação ao período 1930-70. A economia brasileira, nos últimos quarenta anos,

apresenta menor expansão da atividade econômica.

Nesse caso em especial, o desenvolvimento social passa a ser

dependente de duas variáveis: 1) maior eficiência das políticas; e 2) aumento

14 BACHA, Edmar. O rei da Belíndia (uma fábula para tecnocratas). Disponível em

<iepecdg.com.br/Arquivos/ArtigosBacha/Bel�ndia.pdf>. Acesso em 09/03/2012.

Page 71: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

71

dos investimentos relativos ao PIB. Uma vez que ambas as variáveis são

satisfeitas, sobretudo a segunda, com investimentos proporcionais ao PIB

elevados, o país passa a depender do crescimento de investimentos nominais,

ou seja, retorna ao problema de fundo: o baixo crescimento econômico.

A estabilidade econômica, fatores demográficos e aperfeiçoamento das

políticas públicas satisfazem a primeira variável acima citada, sendo difícil

precisar o quão maior pode ser o ganho de aumento de eficiência.

Em alguns anos, de maneira isolada, nas últimas quatro décadas, o

Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresce a taxa mais robusta, mas esse

percentual não se sustenta por muitos anos. Esse panorama ficou conhecido

popularmente como “voo de galinha”, característico do Brasil pós-milagre.

De acordo com Gala (2007),

a partir da crise da dívida no início dos anos 1980, o padrão de

crescimento das economias latino-americanas se distanciou de

seu registro histórico. Países como Brasil e México que exibiam

altas taxas de crescimento per capita até então entram num ciclo

de “stop and go” que persiste até hoje. Com a exceção do Chile e

possivelmente Colômbia, o desempenho dos países da região nos

1980 e 1990 ficou muito aquém de seu desempenho histórico.

A média de crescimento nos anos 1990 foi de 2,56%, enquanto a dos anos

2000, 3,65%. Desde o lançamento do Plano Real, o país cresceu 3,3% (IBGE,

2011). Esses números são bastante inferiores às médias das décadas

anteriores, conforme facilmente percebemos no próximo gráfico.

Gráfico 6 – Taxa de crescimento do PIB (décadas de 1950 a 2000), em %

Page 72: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

72

Fonte: IBGE

Entre 1995 e 2000, o crescimento médio da economia brasileira foi de

2,4%, ao passo em que, entre 2001 e 2011, foi de 3,6%, de acordo com dados

do IPEADATA. No primeiro período, o crescimento do consumo das famílias foi

de 3,1%, enquanto no segundo, foi de 3,9%. A partir de 2005, o crescimento do

consumo das famílias foi de 5,3%.

Em relação aos investimentos, entre 1995 e 2000, a taxa média de

crescimento foi de 2,3%; na década 2001-2011, 5,4%; a partir de 2005 (até

2011), 8,6%.

Tabela 6 – Crescimento do PIB no Brasil, do consumo das famílias e dos investimentos (1995-2011) em %

Ano Crescimento PIB Crescimento consumo das

famílias

Crescimento investimentos

1995 4,42 8,62 7,29

1996 2,15 3,24 1,5

1997 3,38 3,03 8,73

1998 0,04 -0,72 -0,34

1999 0,25 0,38 -8,2

2000 4,31 4,03 5,03

2001 1,31 0,68 0,44

2002 2,66 1,93 -5,23

2003 1,15 -0,78 -4,59

2004 5,71 3,82 9,12

7,41

6,22

8,68

1,672,56

3,65

Crescimento médio

1950 (1951-1960) 1960 (1961-1970) 1970 (1971-1980)

1980 (1981-1990) 1990 (1991-2000) 2000 (2001-2010)

Page 73: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

73

2005 3,16 4,47 3,63

2006 3,96 5,2 9,77

2007 6,09 6,07 13,85

2008 5,17 5,67 13,57

2009 -0,33 4,44 -6,72

2010 7,53 6,94 21,33

2011 2,73 4,09 4,72

Fonte: IBGE

Ainda que se observe um aumento nos percentuais de crescimento

econômico, o Brasil mostra desempenho inferior aos demais países emergentes,

ou mesmo às médias internacionais, como é possível perceber na tabela abaixo,

elaborada por Alves (2015, p. 2), de acordo com dados do FMI.

Tabela 7 – Crescimento do PIB no mundo, economias avançadas, emergentes e do Brasil (1981-2010)

Mundo, regiões e Brasil 1981-90 1991-00 2001-10

Mundo 3,3 3,2 3,6

Economias avançadas 3,3 2,8 1,6

Economias emergentes 3,4 3,9 6,2

Brasil 1,6 2,7 3,7

Fonte: ALVES, 2015

Obviamente, o enquadramento do país como renda média tem a ver com

um corte arbitrário e bastante dependente do conceito de crescimento

econômico (o “Felicitômetro do Rei”), mas reflete o esgotamento de um modelo

de desenvolvimento, na medida em que não se logrou o patamar de país de

renda elevada.

Existem razões políticas, ideológicas e econômicas capazes de explicar o

fenômeno da mobilidade social mais acelerada nos anos 2000, a partir de uma

orientação historicamente inédita no Brasil, o combate às desigualdades, como

já vínhamos dizendo. Tão ou mais importante que a expansão do mercado

consumidor, foi a sua interiorização.

Page 74: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

74

O pano de fundo, porém, remonta aos anos 1980, com o congelamento

ou cristalização da mobilidade social brasileira após o sucesso da Era Vargas e

Kubitschek para crescer economicamente, industrializar e urbanizar o país

(POCHMANN, 2014).

Embora tenha obtido êxito no que se propunha, o modelo da Era Vargas,

Kubitscheck e continuado nos anos militares, perde o fôlego após os anos 1970,

sem resolver o central para uma política econômica capaz de desenvolver o país:

permanecemos dependentes do financiamento externo.

De fato, durante os anos 1960 e 1970, intelectuais latino-americanos se

envolveram bastante com as chamadas “teorias da dependência”,

problematizando e ofertando explicações científicas para a insuficiência dos

modelos de desenvolvimento na região, considerando as políticas econômicas

nacionais apenas parte do fenômeno, incorporando reflexões sobre as relações

entre centro e periferia no capitalismo.

Voltando ao que argumentávamos sobre os anos 1980, não apenas o

Brasil, como a América Latina, entraram em uma fase de crises econômicas

sucessivas por falta de liquidez, graças ao endividamento público e rareamento

do financiamento externo.

Durante a conhecida “década perdida” (anos 1980), o poder de compra

dos salários declina graças a uma realidade de inflação elevada e posterior

hiperinflação, combinada com momentos de recessão ou baixo crescimento

econômico.

No Brasil, o arrocho salarial remonta à instalação do governo civil-militar

de 1964, em favor das classes médias urbanas e em detrimento às classes

populares (CACCIAMALI et all, 1994 e VELLOSO, 1990).

Há um indicador capaz de demonstrar a perda de valor do salário-mínimo,

como um sinalizador do que ocorrera naquele momento. Elaborado pelo

DIEESE, o mínimo é convertido ao Real, a valores de 2011. No eixo X,

correspondente aos anos, optamos por trabalhar (agora) com uma década (em

páginas vindouras, com duas décadas e meia), iniciando em 1985 e encerrando

em 1995.

Page 75: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

75

Gráfico 7 – Salário-mínimo entre 1985 e 1995 (a valores de 2011)

Fonte: DIEESE

Nota-se a perda do poder de compra de 50% do salário-mínimo entre

1985 e 1995, em um contexto, já explicitado, de correções monetárias e

hiperinflação. Na verdade, a corrosão do valor do mínimo ocorre desde os anos

1960 (ver CACCIAMALI et all, 199415), graças à política de austeridade iniciada

em 1964 (VELLOSO, 1990). O valor de 1985 somente será superado no ano de

2011, final da década de 2000.

Embora o salário-mínimo seja um indicador insuficiente para explicitar a

queda do poder de compra da população nesse diapasão, dado o trabalho

informal e trabalhadores que recebiam acima do mínimo, existem indícios – já

observados nos anos 1970 e 1980 – de que o salário-mínimo exerce influência

sobre os demais salários, conforme demonstrou Velloso (199016).

Nos amos 1980, o crescimento econômico foi reduzido a pó, comparado

com os anos 1970, quando a média era de 8,7% de incremento do Produto

Interno Bruto ao ano. Passa a ser de 1,67% de expansão média do PIB. Isso, é

15 CACCIAMALI, Maria Cristina; PORTELA, Andre; FREITAS, Eduardo F. O papel do salário mínimo nos

anos 80: novas observações para o caso brasileiro. Revista Brasileira de Economia, n. 48, vol 1. Jan/mar

1994.

16 VELOSO, Ricardo Cicchelli. Salário mínimo e taxa de salários: o caso brasileiro. Pesquisa e

Planejamento Econômico, vol. 20, no. 03. Dez 1990.

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

R$ 567,35 548,94 391,68 407,65 434,2 317,06 327,93 286,03 317,49 271,01 264,87

0

100

200

300

400

500

600

Page 76: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

76

bom dizer, significa diminuição da renda per capita, pois a população se

expandia a taxas superiores a 1,7%.

Considerado o crescimento médio da economia e o crescimento

vegetativo da população, observamos uma queda de 9% no PIB per capita entre

1980 e 1992 (LACERDA, 199417). A valores de 2003, a renda per capita brasileira

declinou de R$ 7.963, em 1980, para R$ 7.629, em 1991 (BACHA, 200418).

Gráfico 8 – Renda per capita entre 1980 e 1991 a valores de 2003

Fonte: BACHA, 2004

Ao final dos anos 80, alguns organismos internacionais e o governo norte-

americano, inauguram uma política de resgate das economias fragilizadas, como

as latino-americanas, envolvendo não apenas ajuda financeira ou alinhamento

geopolítico, já garantido até antes do colapso da União Soviética, mas também

a adoção de novos paradigmas de gestão pública, redução dos gastos e da

participação dos Estados em suas respectivas economias, incluindo fortes

programas de desestatização, sem esquecer da abertura comercial,

compreendida naquele momento como uma internacionalização das economias.

17 LACERDA, Antonio Correa. Distribuição de renda nos anos 1980. Revista de Economia Política, vol. 14,

no. 03. Jul-set 1994.

18 BACHA, Carlos José Caetano. Macroeconomia aplicada à análise da economia brasileira. São Paulo:

EdUSP, 2004.

6.200

6.400

6.600

6.800

7.000

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7.400

7.600

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8.000

8.200

8.400

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991

Page 77: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

77

De fato, após essa reorientação, as economias latino-americanas voltam

à liquidez internacional (incluindo o Brasil, que pôde renegociar sua dívida)

perdidas nos anos 1980 e encontram um contexto econômico global favorável a

planos locais de estabilização da moeda e redução da inflação, que ocorreram

em nível regional e mesmo global.

Ainda assim, nos anos 1990, no caso brasileiro e provavelmente dos

demais países latino-americanos, permaneceu um importante passivo social

resultante do congelamento da mobilidade social.

Em nosso contexto, duas variáveis são importantes: a forma como a

estabilização econômica ocorreu no Brasil e o próprio modelo proposto

internacionalmente para o país, inclusive como pré-condição para renegociar

sua dívida.

Após perdas sucessivas do poder de compra nos anos 1980, nos anos

1990 ocorre estabilização ou redução mínima das perdas; em relação ao

emprego, porém, os anos 1990 apresentaram um quadro de recrudescimento,

com perda de postos de trabalho a índices inéditos, na história brasileira, de

desemprego.

Há, no caso brasileiro, um momento dúbio nos anos de 1990: claros

avanços sociais, expansão dos gastos sociais, mas a condução de políticas

econômicas refratárias ao emprego e à renda.

Em parte, porque integrantes da equipe econômica à frente do programa

de estabilização brasileiro, que incluía a introdução da Unidade Real de Valor

(URV) e o Plano Real, estiveram presentes no governo José Sarney (1985-1990)

durante a implementação do Plano Cruzado (1986), fracassado no propósito de

eliminar a alta inflação nos anos 1980.

Uma das razões para a perda de performance do Cruzado seria a adoção

de abonos salariais para preservar o poder de compra da população, resultando

em uma “bolha de consumo”, incluindo a introdução de trabalhadores da base

da pirâmide no mercado consumidor (NERI, 1991). A partir desse diagnóstico

sobre o Plano Cruzado, a equipe econômica do Plano Real se mostrava reticente

com a recuperação imediata do poder de compra do trabalhador, temendo a

repetição do fracasso ocorrido nos anos 1980.

Page 78: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

78

O Plano de estabilização de 1986, o Cruzado, incorporou um princípio de

recomposição salarial face às perdas dos anos de ditadura civil-militar,

principalmente as perdas do princípio dos anos 1980 (CICHELLI, 1986).

Independentemente do que ocorreu concretamente com o plano, é

interessante perceber que os seus idealizadores convergiram para uma

avaliação de seu fracasso, em que não haveria apenas uma inflação “inercial”

(uma memória inflacionária), mas também uma inflação de demanda.

Essa “bolha” teria sido provocada pelo súbito aumento do poder de

compra do trabalhador, de 16% do salário-mínimo e 8% dos demais salários (já

de início) e pelo gatilho salarial quando a inflação chegasse aos 20% (NERI,

1991). A demanda em ascensão e o congelamento de preços teria levado ao

desabastecimento de mercadorias ao longo do tempo e ameaçado o próprio

tabelamento de preços, prática adotada à época.

Alguns arquitetos do Plano Cruzado, no governo do Partido do Movimento

Democrático Brasileiro, o PMDB, migraram para uma nova agremiação ainda no

final do governo Sarney, em 1988, resultante de uma dissidência no partido do

presidente. Do PMDB, surgiu o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

O PSDB esteve presente na coalizão que deu sustentação ao governo

Itamar Franco (1992 a 1994) e posteriormente foi o vencedor das eleições

presidenciais de 1994, encabeçando uma coligação eleitoral com a candidatura

de Fernando Henrique Cardoso (FHC), ex-ministro da Fazenda de Itamar,

apresentado ao eleitorado como o grande mentor do Real e responsável pela

redução da inflação.

Para Loureiro e Abrucio (2002, p. 61), “novidade [do Real] estava na

mistura de policy learning, pois muitos dos técnicos haviam participado e

aprendido com os planos anteriores”. Nesse sentido,

o histórico recente das políticas econômicas brasileiras revela que

na maior parte dos casos nos quais o incrementalismo não fora

adotado como padrão decisório e de implementação, os

resultados acabaram por ser ruins tanto para o desempenho

econômico como para a accountability democrática. Exemplos

paradigmáticos são os planos econômicos heterodoxos, como o

Cruzado ou o Collor I, que misturavam insulamento burocrático,

hiperatividade decisória e, em certos casos, condução

Page 79: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

79

presidencial personalista, com conseqüências distantes tanto da

responsabilização política como da eficácia. Exatamente por fugir

desse modelo que o Plano Real deu certo. (LOUREIRO e

ABRUCIO, 2002, p. 61).

No que diz respeito à política externa, Fernando Henrique foi apresentado

como o fiel da balança para garantir as reformas liberais, incluindo o acesso ao

financiamento externo. Enquanto ministro da Fazenda, FHC capitaneou a

adesão brasileira ao Plano Brady de reestruturação da dívida externa, formulado

pelo Tesouro norte-americano no final dos anos 1980.

Esse segundo elemento (assim como o fracasso do Plano Cruzado),

ajuda a explicar por que, já nos anos 1990, não se empreendeu um vigoroso

processo de recomposição salarial, apenas realizado na década posterior.

O Plano Brady vinculou o refinanciamento da dívida a compromissos

forjados pelo que Williamson (1990) denominou Consenso de Washington.

Outros países que aderiram a essa reestruturação foram Argentina, Bulgária,

Costa Rica, República Dominicana, Equador, México, Marrocos, Nigéria,

Filipinas, Polônia e Uruguai – a maioria, países latino-americanos.

O plano de estabilização econômica iniciado no ano de 1994, o Real, não

pode ser desconectado do compromisso firmado entre Brasil e Estados Unidos

da América em relação a reformas econômicas pós década de 1980, marcada

pelas crises econômicas latino-americanas. Nesse sentido, parte da condução

do Plano estava subordinado a um diagnóstico a respeito do papel do Estado na

economia.

Bresser-Pereira (1991, p. 3) relata o que, na “abordagem de Washington

[seriam] as causas da crise latino-americana”:

a) o excessivo crescimento do Estado, traduzido em

protecionismo (o modelo de substituição de importações),

excesso de regulação e empresas estatais ineficientes e em

número excessivo; e b) o populismo econômico, definido pela

incapacidade de controlar o déficit público e de manter sob

controle as demandas salariais tanto do setor privado quanto do

setor público.

Page 80: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

80

Observa-se que, no diagnóstico norte-americano sobre as crises na

América Latina, as economias da região deveriam se abrir à competição global

e o déficit público combatido, incluindo a tarefa de manter sob controle demandas

salariais. Dito de outra forma, para Washington, “a crise latino-americana

origina[va]-se na indisciplina fiscal (populismo econômico) e no estatismo

(protecionismo nacionalista)” (idem).

Embora não seja o escopo dessa pesquisa, não nos parece ser

improcedente afirmar que a equipe econômica formuladora do Plano Cruzado

convergiu, também, para tal diagnóstico. Suas avaliações sobre o fracasso do

plano estão invariavelmente conectadas à noção de bolha de consumo

ocasionadas pelo que acima foi descrito como “populismo econômico”, que no

primeiro momento levou o país a uma situação de euforia e acachapante vitória

eleitoral do governismo nas eleições de 1986, mas depois se mostrou uma

grande frustração de expectativas, com o retorno da hiperinflação.

Retornando ao que dizíamos, o economista britânico John Williamson

denominou os conceitos e práticas econômicas defendidas pelo governo

americano e por alguns órgãos internacionais como Consenso de Washington,

baseado em um diagnóstico sobre o fracasso econômico latino-americano nos

anos 1980.

O receituário não foi apenas defendido pelo governo norte-americano mas

também pelas agências de financiamento como o Banco Mundial, Banco

Interamericano de Desenvolvimento e Fundo Monetário Internacional,

construindo uma rede articulada, por isso conhecida como um consenso.

Obviamente, o termo é bastante forte e leva a crer que não havia

divergências entre os agentes econômicos e formuladores de políticas. Porém,

devemos entendê-lo como um recurso de linguagem para salientar a grande

convergência em elementos centrais dos ajustes.

De acordo com John Williamson (1990, apud Bresser-Pereira 1991),

o “consenso de Washington” é constituído de 10 reformas: a)

disciplina fiscal visando eliminar o déficit público; b) mudança das

prioridades em relação às despesas públicas, eliminando

subsídios e aumentando gastos com saúde e educação; c)

Page 81: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

81

reforma tributária, aumentando os impostos se isto for inevitável,

mas “a base tributária deveria ser ampla e as taxas marginais

deveriam ser moderadas”; d) as taxas de juros deveriam ser

determinadas pelo mercado e positivas; e) a taxa de câmbio

deveria ser também determinada pelo mercado, garantindo-se ao

mesmo tempo em que fosse competitiva; f) o comércio deveria ser

liberalizado e orientado para o exterior (não se atribui prioridade à

liberalização dos fluxos de capitais); g) os investimentos diretos

não deveriam sofrer restrições; h) as empresas públicas deveriam

ser privatizadas; i) as atividades econômicas deveriam ser

desreguladas; j) o direito de propriedade deve ser tornado mais

seguro.

De acordo com o modelo citado, as sociedades latino-americanas

deveriam forjar novos pactos sociais no sentido de diminuir a presença do Estado

na economia ao promover a sua liberalização.

Obviamente, nem todas as economias latino-americanas seguiram o

receituário em sua plenitude, seja por alguma forma de discordância, seja por

impedimentos estruturais e institucionais.

No Brasil, por exemplo, o câmbio não tinha preço livre até 1999, quando,

diante de grave crise econômica, o governo brasileiro capitulou; podemos

apontar, ainda, para a inexistência de uma reforma tributária, com maior base de

arrecadação e realmente progressiva. Por outro lado, ocorreram maiores

investimentos sociais, como apontamos no início desse capítulo.

As discussões sobre a reforma tributária permanecem no centro do

debate até hoje, dada a dificuldade política de levá-la a cabo. Os programas de

reformas à Constituição não foram concluídos até os tempos atuais.

Ex-ministro da Fazenda inglês e funcionário do Fundo Monetário

Internacional (FMI), Williamson atuou como docente na Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, sendo colega de Pedro Malan e professor de Armínio

Fraga, dois grandes expoentes do Governo FHC19.

19 Williamson alegou que, quando cunhou a expressão “Consenso de Washington” não imaginara que estas

concepções pudessem resultar em Estado mínimo ou política monetarista

(http://veja.abril.com.br/061102/entrevista.html). Contudo, essas foram as consequências de tal corolário,

incluindo a sua consequência mais dramática: a depressão do emprego e depreciação dos salários.

Page 82: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

82

Em relação aos princípios do Consenso e ao receituário correspondente,

a tradução para o caso brasileiro é bastante óbvia: encerrar a Era Vargas20.

De qualquer maneira, as reformas do Estado propostas por Cardoso

podem ser consideradas gradualistas, segundo Palermo (1998, p. 134).

Comparadas a de outro país sulamericano, a Argentina, as reformas brasileiras

teriam seguido a uma “estratégia gradual”, enquanto as reformas durante o

governo do ex-presidente argentino Carlos Menem (1989-1999) teriam seguido

uma “estratégia de blitzkrieg” (PALERMO, 1998, p. 134).

A distinção primordial, na concepção de Palermo, seria a ausência de um

blueprint nas reformas brasileiras. Esse blueprint seria “um plano, um projeto que

supostamente [...] organiza [...] processos de transformações de instituições e

relações entre atores sociais” (idem).

No caso argentino, o blueprint seria o próprio Consenso de Washington,

abraçado com maior convicção como uma resposta da desestruturação da

economia argentina no começo dos anos 1990 (PALERMO, 1998). Dessa forma,

“o pragmatismo radical de Menem não supõe obstáculo algum quando se trata

de escolher, por razões puramente político coalizacionais, um paradigma de

política e convertê-lo no blueprint da ação reformista” (PALERMO, 1998, p. 138).

O contexto brasileiro seria menos amistoso a mudanças radicais, ao

passo em que

o êxito da etapa desenvolvimentista se projeta não somente na

vigência das ideias e das elites político-partidárias mas também

na persistência de orientações não-liberais nos organismos

estratégicos de financiamento do setor público, como o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), que faz um

contrapeso às orientações dos setores financeiros privados

(PALERMO, 1998, p. 97, grifos nossos).

Em outras palavras, as reformas neoliberais dos anos 1990 teriam sido

graduais no caso brasileiro dada a sombra de Vargas e de Kubitschek, que

20 O então senador Fernando Henrique Cardoso, no dia 14/12/1994, declarou o fim da Era Vargas em seu

discurso de despedida do Congresso. No mês de janeiro de 1995, assumiria o novo cargo para o qual

havia sido eleito, o de Presidente da República.

Ver CARDOSO, F.H. Discurso de despedida do Senado Federal – Filosofia e diretrizes de governo

(14/12/94). Disponível em < http://www.senado.gov.br/atividade/pronunciamento/detalhes.asp?d=160990>

Page 83: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

83

arquitetaram uma industrialização pela substituição de importações,

sobrevivente dos anos 1980.

Portanto, para Palermo,

as diferenças consistem em que durante 15 anos que

antecederam a 1989 e 1994, respectivamente, na Argentina teve

lugar um processo de regressão econômica, enquanto que o

Brasil viveu um processo de conservação. Como consequência,

enquanto a Argentina chega a 1989 com uma estrutura

econômica que deixou atrás grande parte da complexidade e

diversificação alcançada durante o ciclo substitutivo, o Brasil

chega havendo preservado muito mais do que havia conseguido

estruturar em termos de complexidade e diversificação de sua

composição setorial produtiva durante o ciclo (1998, p. 138)

Para Faucher e Heredia, a arquitetura desenvolvimentista brasileira

sobrevive aos anos 1980 dada “a relação privilegiada entre as agências públicas

de financiamento e o setor industrial” (1995, apud PALERMO, 1998, p. 139). Isso

significa que esses atores sociais mantiveram peso político e capacidade de

influencias a agenda pública reformista.

A resistência de diferentes atores da sociedade brasileira, seja no meio

sindical, entre os industriais ou mesmo a discordância entre personagens

importantes do núcleo duro do governo, foi importante para a efetivação de um

gradualismo forjado por uma coalizão entre elites modernizantes e fisiológicas

no Governo FHC (PALERMO, 1998).

De acordo com Loureiro e Abrucio, essa resistência reflete o

accountability democrático presente no contexto brasileiro.

O histórico recente das políticas econômicas brasileiras revela

que na maior parte dos casos nos quais o incrementalismo não

fora adotado como padrão decisório e de implementação, os

resultados acabaram por ser ruins tanto para o desempenho

econômico como para a accountability democrática (2002, p. 61,

grifos nossos).

À luz desse entendimento, é interessante resgatar que uma tentativa de

reforma mais semelhante à de Carlos Menem foi embrionariamente iniciada no

Governo Collor (PALERMO, 1998), fracassando dada a resistência de diversos

atores sociais e a débil base de apoio daquele governo.

Page 84: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

84

De acordo com Palermo (2000),

Mainwaring (1997) sustenta que entre 1985 e 1994, a combinação

entre extrema fragmentação do sistema partidário, fracas

disciplina e lealdade partidárias, presidencialismo e federalismo

robusto, dificultou os governos democráticos a atingir a

estabilização e fazer a reforma do Estado. Um indicador forte de

ingovernabilidade seria, p. ex., conforme Lamounier (1994) e

Lamounier e Bacha (1994), o fracasso das sucessivas tentativas

de se combater a inflação. O fracasso em estabilizar, ajustar e

reformar é atribuído, essencialmente, às características do

sistema institucional (Lamounier, 1994; Mainwaring, 1997;

Stepan, 1999).

Em consonância com o exposto acima, Loureiro e Abrucio apontam que

planos econômicos

como o Cruzado ou o Collor I, que misturavam insulamento

burocrático, hiperatividade decisória e, em certos casos,

condução presidencial personalista, [tiveram] consequências

distantes tanto da responsabilização política como da eficácia

(2002, p. 61).

Há, portanto, a incidência decisiva do presidencialismo de coalizão na

constituição de mudanças incrementais brasileiras, refletindo a fragmentação

política no âmbito do Congresso Nacional e o pluralismo da sociedade brasileira.

Segundo Valeriano Costa,

em países presidencialistas, as perspectivas de reforma

dependem bastante da solidez da base de sustentação política do

Executivo no Congresso [sendo que] governos parlamentaristas

de tipo majoritário, por exemplo, as chances de sucesso e o

escopo de uma reforma administrativa são, em geral, maiores do

que em países presidencialistas, especialmente, quando estes

têm fortes características consociativas, como é o caso do Brasil

(200221, p. 16).

A abordagem macroeconômica de Cardoso, possibilitada pela aceitação

ao receituário neoliberal anteriormente descrito, englobava a limitação das

21 COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. A dinâmica institucional da Reforma do Estado: um balanço do período FHC. In: LOUREIRO, M. R. e ABRUCIO, F. O Estado Numa Era de Reformas: Os Anos FHC - Parte 2. Brasília: Ministério do Planejamento, 2002.

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85

recomposições salariais em parâmetros conjunturais, evitando a repetição de

práticas adotadas no Plano Cruzado (gatilho).

Havia, ainda, a continuidade da abertura comercial e a grande

remuneração ao capital, como forma de compensar os déficits na balança

comercial, que ocorreram em todos os anos da primeira administração de FHC.

Para deixarmos claro, a remuneração ao capital se dá por intermédio de

elevadas taxas básicas de juros, definidas pela autoridade monetária, visando

atrair capital externo afim de compensar a saída de dólares promovida pela

balança comercial deficitária, dado o maior peso das importações.

O receituário se mostra hostil à criação de empregos, configurando uma

segunda década perdida para os trabalhadores.

Observamos, abaixo, a taxa de desemprego, medida pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística, em Regiões Metropolitanas (RM), no

primeiro e segundo mandatos de Fernando Henrique, incorporando também os

dados de 1994, quando o Plano Real é lançado.

Gráfico 9 – Crescimento do desemprego entre 1994 e 2002 (Regiões

Metropolitanas), em %

Fonte: IBGE

Como é possível perceber, o indicador de desemprego nas Regiões

Metropolitanas pesquisadas pelo IBGE aumentou em 46% entre 1994 e 1999,

8,3 8,4

9,5

10,2

11,1

12,1

1111,2

11,7

8

8,5

9

9,5

10

10,5

11

11,5

12

12,5

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Page 86: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

86

recuando em quase 10% no ano de 2000, quando a economia brasileira volta a

crescer após a crise econômica brasileira de 1998 e 1999.

Parte das explicações econômicas mais frequentes para esse quadro é a

condução da política de abertura comercial empreendida nos anos 1990,

contexto em que se insere a administração de FHC.

Um indicador que explicita a abertura é a taxa alfandegária. De acordo

com Pochmann (2001), em 1989 a média das tarifas alfandegárias era de 41%,

ao passo que, uma década depois (1999), fora reduzida para 11,8%.

Abertura comercial, bem entendido, significa atrair novos competidores à

arena econômica, visando dar maior eficiência à economia, ampliar a oferta e

reduzir ou manter a inflação. Foi estimulada desde o Governo Fernando Collor

de Mello (1990-1992) e continuada nos governos posteriores.

A partir de 1994, com a implementação do Plano Real, um dos pilares da

abertura – juntamente ao aumento da importação – foi o valor da moeda

brasileira frente à americana (outra providência não tomada no Plano Cruzado).

O Real valorizado foi, pois, incentivador do desequilíbrio da balança comercial

em favor das importações e em prejuízo às exportações.

De acordo com Gala (2007), “o controle da inflação via administração

cambial depende quase que exclusivamente da redução de preços dos bens

comercializáveis”. Essa perspectiva pretende reduzir o aumento dos preços de

bens não comercializáveis através do controle dos comercializáveis.

Para o mesmo autor, “a fixação da taxa de câmbio em relação a alguma

moeda com histórico de baixa inflação é uma ferramenta poderosa para conter

processos inflacionários e coordenar expectativas” em países como o Brasil e a

Argentina. Nesse caso, “a taxa de câmbio passa a ser a âncora nominal do

sistema, substituindo outras âncoras como metas de inflação ou metas de

agregados monetários”.

Desse modo, “a âncora cambial pode fornecer disciplina e credibilidade

ao transmitir o sinal de que déficits públicos não serão monetizados e aumentos

de preços e salários não serão sancionados por aumentos de base monetária”.

Page 87: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

87

A taxa de câmbio pode ser apontada como uma evidência de que a

condução da política econômica nos anos 1990 promoveu aumento do

desemprego, à medida em que se verificou ampliação das importações de bens

de consumo e deterioração da participação da indústria no PIB. Em que pese tal

possibilidade, não nos aventuraremos nessa seara, embora discorramos

brevemente sobre o efeito dessa apreciação da moeda nas contas externas.

De toda sorte, é interessante observar que, no limite, o desemprego nas

regiões metropolitanas se expande influenciado pela queda de empregos na

indústria nacional. Néri et al (2000, pag. 31), por exemplo, identificam que ocorre

“tendência ao crescimento da taxa de desemprego aberto a partir de 1997”,

ocasionada pela “incapacidade dos setores comércio e serviços de compensar

as perdas de emprego ocorridas no setor industrial da economia”.

Durante o último ano de Itamar Franco e o primeiro Governo FHC,

instituiu-se uma âncora cambial, ou seja, havia uma definição governamental

para o valor do dólar norte-americano em relação ao real (ao invés da livre

flutuação, que ocorreria de acordo com a oferta e a procura de moeda pelo

mercado), próximo ao patamar de 1/1, ou seja, R$ 1,00 equivalentes a US$ 1,00.

Essa política demandava a atração de divisas ao mercado brasileiro,

visando manter a oferta dólares compatível com o apetite do mercado pela

moeda, assim mantendo seu valor no patamar desejado pelo governo brasileiro,

que à época almejava a valorização do Real, até como forma de manter a

inflação sob controle, mantendo elevada a importação de produtos e mesmo de

serviços.

Para Roett (2001, pag. 230), essa realidade se agravava com a ausência

de reformas no primeiro quinquênio do Real. De acordo com o autor,

a estabilização passou por três fases: um ajuste fiscal, uma

reforma monetária, e o uso da taxa de câmbio como âncora

nominal. A equipe econômica [do Governo FHC] compreendeu a

necessidade da reforma fiscal para a manutenção da âncora

nominal. Mas o processo de reforma sofreu forte oposição política

no fragmentado Congresso brasileiro. O déficit operacional se

agravou, assim como o superávit primário. A liderança econômica

recorreu à política monetária como substituto da reforma fiscal,

raciocinando que a reforma fiscal era necessária mas impossível;

Page 88: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

88

portanto, a política monetária teria de bastar até que chegasse o

momento político para a ação legislativa.

O desejável, nesse cenário, seria que as exportações e os investimentos

estrangeiros diretos fossem superiores à saída de dólares do mercado nacional,

mas o contexto era o oposto, o de déficit na balança e nas transações correntes,

incorrendo em custo econômico elevado. Invariavelmente, o país dependia da

atração de capital especulativo.

Ainda, de acordo com Roett (2001, pag. 230),

O momento crítico ocorreu com a valorização da taxa de câmbio

real, prejudicando o setor industrial e provocando desemprego.

Apesar disso, mesmo diante dos crescentes déficits comerciais e

da diminuição da poupança, as lideranças políticas achavam difícil

resistir ao contínuo uso da taxa de câmbio para manter a inflação

sob controle. A chave para o governo foram as fortes entradas de

capital, que sustentaram a supervalorização da moeda e

ajudaram as autoridades a evitar a realidade sombria

De fato, os investimentos estrangeiros diretos, em bilhões de dólares,

cresceram sem paralelo na história recente brasileira durante os anos Fernando

Henrique. O país, em 1994, como vimos, volta a emitir bônus negociáveis no

mercado externo, graças ao Plano Brady, agregado ao compromisso com

reformas econômicas neoliberais. O próprio presidente da República era o fiador

dessa costura política, ideológica e econômica.

Dados do Banco Central apontam para o crescimento dos investimentos

estrangeiros em 1994, de US$ 2,1 bilhões, para US$ 16,6 bilhões em 2002, após

um pico de US$ 32,8 bilhões em 2000. Esses números, porém, não eram

suficientes para aplacarem a saída de recursos. Inclusive pela natureza do

mercado financeiro internacional contemporâneo, de grandes fluxos

especulativos que transitam entre as economias.

Nos anos 1997 e 1998, estava claro que a âncora cambial demandava

uma realidade internacional menos instável para os países emergentes. Os

fluxos financeiros levavam a uma decisão governamental que resultou em crise

econômica: manutenção da política cambial às custas da perda de liquidez.

Page 89: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

89

A âncora, de acordo com Giambiagi (2011), foi mantida no primeiro

Governo FHC por três motivos: o temor por uma maxidesvalorização da moeda

brasileira, tal qual ocorreu com o México, em 1995; motivação política, visto que

uma desvalorização da moeda poderia, em 1997 e 1998, ser prejudicial às

pretensões de reeleição do presidente nas eleições de 1998; e a expectativa de

que os financiadores externos viessem a dar um voto de confiança ao governo

brasileiro, caso Fernando Henrique fosse, efetivamente, reeleito – como haviam

dado em 1995.

Dessa forma, com a abertura comercial, o país experimentou déficit no

saldo da balança comercial que precisava ser compensado por outras fontes de

financiamento. Entre 1995 e o ano 2000, a diferença entre importação e

exportação resultou na saída de dólares para o mercado externo.

Somados, os déficits chegaram a 24 bilhões de dólares nos primeiros seis

anos do governo FHC (1995 a 2000). Durante todo o mandato de Fernando

Henrique, porém, o déficit recua para 8,5 bilhões de dólares (IPEADATA, 2015).

No gráfico abaixo, podemos apreciar a evolução do déficit na balança

comercial durante o Governo FH, entre 1995 e 2002, apontando a prevalência

das importações em relação às exportações entre 95 e 2000.

Gráfico 10 – Saldo comercial no governo FHC (em bilhões de dólares)

Fonte: Banco Central

-10.000,00

-5.000,00

0,00

5.000,00

10.000,00

15.000,00

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Page 90: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

90

Consideradas as transações correntes, o déficit ultrapassou 30 bilhões de

dólares em 1998, quando em 1994 era de US$ 2 bilhões, de acordo com o Banco

Central.

Resumindo, a taxa de desocupação cresce no primeiro mandato do ex-

presidente Fernando Henrique Cardoso e se mantém no segundo. As razões

mais apontadas para a ampliação do desemprego foram a política de abertura

comercial, a âncora cambial – ambas facilitadoras das importações – e as

elevadas taxas de juros, necessárias para atrair financiamento externo, porém

inibindo a atividade econômica.

A reversão de parte dessa realidade ocorre com a livre flutuação do Dólar

frente ao Real, já em 1999, após as eleições de 1998, quando FHC é reeleito; e

o aumento das exportações, seja pelo câmbio mais favorável à

internacionalização das mercadorias brasileiras, ou pelo aumento no preço das

commodities.

Os primeiros anos do Plano Real (os primeiros dez anos) não foram

capazes de fortalecer o emprego, a renda e diminuir a desigualdade no país, até

então dominado pela hiperinflação e por correções monetárias, que tendiam a

favorecer aos mais ricos. Enquanto o emprego e o poder de compra eram

declinantes em relação aos anos 1980, a desigualdade cresceu no mesmo

período e se manteve estável por todos os anos 1990.

Trouxemos novamente o gráfico com a evolução do salário-mínimo a

valores de 2011, dessa vez contemplando o intervalo compreendido entre 1985

e 2005, atingindo os governos Sarney, Collor, Itamar, FHC e primeiro mandato

do ex-presidente Lula.

Na sequência, trazemos os índices de desemprego e os de crescimento

da renda per capita, apontando recuperação já no final dos anos FHC.

Page 91: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

91

Gráfico 11 – Salário-mínimo entre 1985 e 2005, a valores de 2011

Fonte: DIEESE

Destaca-se que, entre 1995 e 2002, o poder de compra do salário-mínimo

cresceu 24% a valores de 2011, após cair 50% entre 1985 e 1995. Entre 2003 e

2005, os três primeiros anos do Governo Lula, o crescimento foi de 13%.

Outro indicador que atesta a recuperação gradual do poder de compra é

o de horas trabalhadas necessárias para a aquisição de uma cesta básica.

Utilizamos os dados do DIEESE.

Em algumas regiões metropolitanas e capitais, apresentamos os dados

de janeiro e dezembro bienalmente entre 1995 e 2010, afim de expor uma

síntese. Nesse caso, optamos por trazer os dados que cobrem todo o período,

uma vez que o utilizamos para ilustrar o poder de compra.

Tabela 8 – Horas trabalhadas necessárias para comprar uma cesta básica em

algumas capitais

Data São

Paulo

Curitiba Fortaleza Natal Porto

Alegre

Recife Rio de

Janeiro

jan/95 224h41m 209h24m 164h32m 169h48m 202h25m 162h27m 195h49m

dez/95 201h20m 198h31m 160h00m 165h19m 176h00m 163h35m 178h00m

jan/97 181h04m 174h17m 139h03m 152h17m 161h29m 149h48m 167h30m

dez/97 180h15m 182h41m 134h40m 142h27m 176h59m 137h44m 174h19m

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

R$ 567 549 392 408 434 317 328 286 317 271 265 269 273 286 288 296 321 328 331 344 370

0

100

200

300

400

500

600

Page 92: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

92

jan/99 177h27m 161h43m 148h39m 144h12m 164h51m 144h22m 159h21m

dez/99 181h06m 167h56m 137h53m 142h56m 171h00m 145h55m 163h10m

jan/01 179h43m 167h42m 134h31m 139h35m 175h19m 141h35m 169h54m

dez/01 157h11m 159h42m 121h14m 118h54m 160h15m 120h53m 154h15m

jan/03 179h04m 169h33m 145h38m 142h12m 181h28m 139h17m 165h49m

dez/03 151h03m 145h55m 117h06m 117h59m 155h01m 118h54m 143h03m

jan/05 146h16m 135h28m 105h56m 116h00m 142h50m 111h57m 139h27m

dez/05 134h31m 129h44m 97h34m 99h40m 140h17m 102h54m 130h36m

jan/07 116h07m 107h02m 80h34m 86h34m 117h08m 86h11m 110h59m

dez/07 124h16m 108h24m 91h41m 97h13m 123h16m 89h58m 112h35m

jan/09 128h02m 120h49m 99h15m 107h39m 131h04m 94h09m 119h08m

dez/09 107h58m 100h14m 83h43m 88h01m 112h24m 81h03m 100h57m

jan/11 106h26m 96h37m 88h11m 91h30m 103h46m 83h27m 102h46m

dez/11 111h56m 100h22m 86h52m 85h43m 111h46m 87h11m 106h07m

Fonte: DIEESE

A cesta básica mais cara, em relação às médias de horas trabalhadas, é

a de São Paulo. Entre janeiro 1995 e janeiro de 2003, as horas trabalhadas

necessárias para adquirir os alimentos caem de 224 horas e 41 minutos para

179 horas e 04 minutos (queda de cerca de 25%).

Entre Dezembro de 2003 e Dezembro de 2011, cai de 151 horas e 03

minutos para 111 horas e 56 minutos (também queda de 25%).

Embora o preço dos alimentos seja importante para o assalariado, seu

valor depende de condições climáticas, além de demanda. Observa-se, nesse

caso, que o aumento de poder de compra é similar entre os períodos.

No capítulo vindouro, apresentaremos dados e informações sobre o

incremento do consumo nas famílias brasileiras, quando apresentaremos a

queda dos gastos com alimentação em termos relativos. Nos anos 1990 e 2000,

a tendência foi de redução dos gastos com alimentos e aumento dos gastos

familiares com habitação.

Como há aumento do poder de compra do mínimo a valores de 2011

maior do que a ampliação do poder de compra em relação à cesta básica (por

horas trabalhadas), infere-se que o item alimentação sofreu a influência da maior

demanda durante o Governo Lula.

Page 93: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

93

Para a renda per capita, notamos o seu crescimento mais acelerado no

começo no primeiro mandato de FHC. No gráfico utilizado, adicionamos o corte

definidor de país de renda elevada, de acordo com o critério do Banco Mundial.

Nesse caso, a melhor marca foi um diferencial de cerca de 100% entre o

PIB por habitante e a faixa elaborada pela referida agência internacional.

Gráfico 12 – Renda per capita brasileira entre 1991 e 2002 e corte para o

critério de país de renda alta (segundo Banco Mundial)

Fonte: Banco Mundial

Uma parte da explicação do desempenho aparentemente melhor do

primeiro mandato de FHC é, justamente, a âncora cambial, mantendo o PIB per

capita em moeda americana artificialmente mais elevada.

Mesmo assim, com uma média de crescimento econômico, nos anos

1990, de 2,6% ante o crescimento vegetativo próximo de 2%, o incremento não

foi significativo. De toda forma, não repetiu o quadro dos anos 1980.

Como podemos perceber ao longo da exposição de alguns indicadores

econômicos, os anos 1990 não foram o logro da recomposição salarial, e, ainda

que tenham sido ampliados os gastos sociais nesse período, a mobilidade social

se mostrou modesta.

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Brasil Faixa para renda alta

Page 94: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

94

Em valores de 2003, a renda per capita aumentou de R$ 7.629 em 1991

para R$ 8.694, em 2002. Se, entre 1980 e 1992, a queda foi de 9%, entre 1991

e 2002, o crescimento foi de 14% (BACHA, 2004).

Após relativa estabilidade na renda per capita, em dólares, durante a

década de 1990, ocasionada pelo câmbio e influenciada negativamente por

baixo crescimento econômico, nos anos 2000 há uma rápida aproximação em

relação à faixa definidora de renda alta, conforme podemos perceber no gráfico

abaixo.

Gráfico 13 – Renda per capita brasileira entre 2002 e 2011 e corte para o

critério de país de renda alta (segundo banco mundial)

Fonte: Banco Mundial

Outros indicadores atestam a mudança no sinal da economia, mais

favoráveis aos trabalhadores, como o recuo do desemprego nas regiões

metropolitanas, a valorização do salário-mínimo e a continuidade da expansão

dos gastos sociais, como os previdenciários e as transferências de renda com

condicionalidades.

O gráfico abaixo evidencia a redução dos níveis de desemprego ao

patamar observado no começo do Plano Real, após atingir o seu ápice em 2004.

No primeiro governo do ex-presidente Lula, nota-se uma recuperação ainda

tímida desses indicadores.

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Brasil Faixa para renda alta

Page 95: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

95

Gráfico 14 – Desemprego em regiões metropolitanas entre 1992 e 2010

Fonte: IBGE

Se é possível observar, nos anos iniciais do Real, algum princípio

norteador, esse foi o do equilíbrio fiscal, com aumento cavalar da carga tributária

(em favor do Governo Federal), forte programa de desestatização, renegociação

das dívidas dos estados (vinculando a um programa de privatização) e instituição

de mecanismos de responsabilidade fiscal (leis Camata I, II e de

Responsabilidade Fiscal).

De fato, identificamos tal princípio de ordenamento fiscal no chamado

Plano de Ação Imediata (PAI), iniciado antes da implementação do Plano Real.

Para Samuels (2003),

a equipe econômica nomeada pelo [então] ministro [Fernando

Henrique Cardoso] foi a primeira a levar a sério a conexão entre

inflação, estabilidade macroeconômica e desregramento fiscal

(em todos os níveis de governo). O Plano Real [...] não teve como

objetivo apenas o ''controle'' da inflação (como os planos

anteriores, que efetivamente o conseguiram por um curto prazo),

mas também introduzir o equilíbrio fiscal nas contas dos governos

federal, estadual e municipal, e com isso manter um controle

sustentável da inflação.

O ordenamento fiscal brasileiro não ocorreu simplesmente com cortes de

gastos mas contou com a elevação da carga tributária. É interessante notar a

8,3 8,4

9,5

10,2

11,1

12,1

1111,2

11,7

12,3

11,5

9,810

9,3

8,1

8

8,5

9

9,5

10

10,5

11

11,5

12

12,5

13

1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Page 96: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

96

trajetória ascendente dos gastos sociais, apresentadas no começo desse

capítulo.

Gostaríamos de apontar, no gráfico abaixo, a evolução da Carga

Tributária brasileira para demonstrarmos a expansão.

Gráfico 15 – Carga Tributária brasileira em % do PIB (1993-2012)

Fonte: Receita Federal

Vale destacar que os recursos obtidos pela tributação aumentaram em

proporção ao PIB, beneficiando principalmente o Governo Federal, com a

introdução de Contribuições tais como a Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

Segundo Samuels (2003), “o governo usou com astúcia os instrumentos

de que dispunha para incrementar sua receita”, pois “parcela relativa da receita

da União aumentou porque o governo federal dispôs-se conscientemente a

elevar muito mais a arrecadação de contribuições do que a dos impostos”.

O autor chama a atenção para o fato de que “as contribuições passaram

de 27,2% da receita da União em 1990 a 46,7% em 2001”, pois “a União não

tem de repartir com estados e municípios a receita proveniente de contribuições,

ao contrário da receita tributária.”

Importante dizer, porém, que o Governo FHC promoveu um “processo de

coordenação federativa nas áreas financeira e administrativa” proporcionada por

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Série1 25,7 29,5 29,8 29 29 29,7 31,7 32,6 34 32,5 31,8 32,7 34 34 34,5 34,5 33,3 33,5 35,3 35,9

23

25

27

29

31

33

35

37

Page 97: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

97

uma conjuntura crítica, “levando ao redesenho de parte do arcabouço

institucional” (ABRUCIO, 2002, p. 144). Nesse sentido, a ampliação nominal das

receitas federais deve ser compreendida como parte integrante desse

redesenho.

Além disso, há um problema de ordem prática, derivada da fragmentação

decisória versus a ação dos poderes Executivos, sobretudo o Federal, para

conceber e promover políticas.

Observa-se que, após o expressivo aumento na participação dos estados

em 1989 e 1990, explicado pela promulgação da Constituição Federal de 1988,

há um cenário de estabilidade, a exemplo do que já ocorria com os municípios.

Estados e municípios são, assim, mais sensíveis ao crescimento do Produto

Interno Bruto, elevando nominalmente a arrecadação.

No primeiro mandato do Governo FHC, o Governo Federal perde

participação relativa na arrecadação; mas, no segundo mandato, há a retomada

com aumento de carga, o que foi continuado nos governos Lula e Dilma.

Gráfico 16 – Aumento da Carga Tributária por nível de governo (1986-2011)

Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)

Apesar do crescimento da Carga Tributária, é um dado concreto que o

governo brasileiro, nesse momento histórico, vivenciou um déficit nominal (inclui

custos com a rolagem da dívida pública) mais robusto do que na década

posterior (anos 2000), ampliando o endividamento interno brasileiro e

0

5

10

15

20

25

30

1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015

Federal (% do PIB) Estadual (% do PIB) Municipal (% do PIB)

Page 98: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

98

fragilizando as iniciativas orientadas pelo aqui denominado princípio fiscal,

conforme gráfico abaixo.

Gráfico 17 – Déficit nominal sem desvalorização cambial (1995-2013)

Fonte: IPEADATA

Parcela do déficit nominal no período FHC é decorrente da renegociação

da dívida dos estados, aumento dos gastos públicos, como o gasto social, mas,

sobretudo, pela elevação dos juros básicos da economia.

Vale destacar que o déficit ocorre mesmo com o aumento da carga

tributária e o grande programa de venda de ativos estatais, em que se destacam

a privatização do Sistema Telebras (telefonia) e a Vale do Rio Doce (mineração).

Em nível estadual, ainda podemos destacar a incidência da desestatização ou

extinção de bancos públicos.

A partir de dados do Banco Central, elaboramos o gráfico abaixo com

todas as taxas de juros Selic definidas nas reuniões do Conselho de Política

Monetária (COPOM), série iniciada em 1996, em que se verifica a manutenção

de patamares elevados. Durante o Governo FHC, a média da Selic foi de 22,7%

ao ano; no Governo Lula, de 15,6% aa. Na década de 2000, foi de 15,9%.

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

7,27 5,86 6,07 7,47 5,82 3,68 3,63 4,45 5,24 2,9 3,58 3,63 2,8 2,04 3,28 2,48 2,61 2,48 3,26

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Page 99: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

99

Gráfico 18 – Taxa de juros SELIC (1996-2015)

Fonte: Banco Central22

Isoladamente, o Gasto Social Federal aumentou de 11,24% do PIB para

12,92% do PIB no período FHC, em que pese ter ocorrido ampliação do

desemprego e baixa recomposição salarial em relação às perdas registradas

desde os anos 1980.

Em suma, o princípio fiscal manteve a inércia ou o congelamento da

mobilidade social como nos anos 1980 e não necessariamente resultou em

saneamento das contas públicas.

O princípio foi ideologicamente orientado pelos dispositivos já descritos

que culminaram na concepção de um modelo para a América Latina, estruturado

no neoliberalismo, adotado largamente pelos Estados latino-americanos que

ansiavam voltar à liquidez perdida nos anos 1970 e agora possível com o Plano

Brady.

Na segunda década do Plano Real, o equilíbrio fiscal é claramente um

objetivo conquistado, mas o princípio norteador passa a ser outro, o da

recomposição salarial, com o ingresso de lideranças sindicais na administração

do Governo Federal após a vitória da coalizão liderada pelo Partido dos

Trabalhadores em 2002. Nesse caso, a recuperação dos postos de trabalho no

22 Disponível em < https://www.bcb.gov.br/?COPOMJUROS>

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

501 7

13

20

26

32

38

44

50

56

62

68

74

80

86

92

98

10

4

11

0

11

6

12

2

12

8

13

4

14

0

14

6

15

2

15

8

16

4

17

0

17

6

18

2

18

8

19

4

Page 100: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

100

serviço público e as renegociações salariais mais favoráveis foram pilares desse

princípio.

Em capítulo anterior, apresentamos o argumento segundo o qual o

Governo Lula pôde se beneficiar do crescimento econômico global, agora

impulsionado pela manufatura asiática, acarretando em uma divisão

internacional do trabalho, que passa a consistir em:

Produção industrial concentrada no continente Asiático,

principalmente o Sudoeste da Ásia;

Economia criativa nos países centrais (design, tecnologia) e

mercado financeiro; e

Comercialização de commodities (petróleo, minério de ferro etc)

realizada pelos países em desenvolvimento, principalmente na

América e na África.

Os indicadores econômicos que dizem respeito ao governo Lula e ao

começo do governo Dilma, serão apresentados a seguir de maneira sintética, na

medida em que esses dados são explorados ao longo de toda a nossa tese,

cabendo nos concentrarmos no caráter incremental das políticas sociais desde

o governo FHC e que atravessaram os governos subsequentes.

Nosso argumento central é o de que, no Governo FHC, ocorreu expansão

dos gastos sociais mas não ocorreu recuperação do mercado de trabalho e do

rendimento do trabalhador, a fim de recompor as perdas ao longo dos anos 1980

e meados dos anos 1990.

Durante os anos Lula, segundo o Receita Federal (2015), a Carga

Tributária permanece em elevação (de 31,8% para 33,5% e 35,3% no primeiro

ano do Governo Dilma), bem como, segundo o IPEA (2012), os gastos sociais

continuam em alta (de 12,95% a 15,54% e 16,23% no primeiro ano do Governo

Dilma), mas com menor taxa básica de juros (Banco Central, 2015) e um

programa de desestatização mais modesto.

A partir de nossas investigações, identificamos três fases importantes no

Plano Real entre 1995 e 2011:

a) A primeira, de manutenção da âncora cambial e grande incentivo às

importações, acarretando em aumento de juros;

Page 101: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

101

b) A segunda, de eliminação da âncora e maxidesvalorização após a crise

econômica de 1998/1999; e

c) A terceira, de recuperação da economia, iniciada em 2000, que se

consolida a partir de 2004, tracionada pelo aumento dos preços

internacionais das commodities, à exceção do ano de 2001 e 2002, por

causa dos efeitos da crise no abastecimento de energia elétrica em 2001,

e 2003, por causa do relevante ajuste fiscal no primeiro ano da

administração Lula da Silva.

Dentre os períodos, de toda forma, observamos um cronograma de

desembolsos sociais progressivamente mais ousado, apontando para, do ponto

de vista orçamentário, um incrementalismo social.

Esse incrementalismo social atua positivamente na universalização dos

bens de cidadania (educação, saúde, canais de participação, mobilidade,

comunicação e emprego formal), mas promove a inserção social de maneira

gradual.

O estágio intermediário de inserção, neste texto, é denominado por nós

de inserção dependente, pois os cidadãos incluídos ainda não dispõe das

condições objetivas para transmitir a outras gerações o capital cultural envolvido

na inclusão. Nesse sentido, ele não é mais vulnerável, mas precisa de políticas

públicas que lhe assegurem a continuidade em determinado patamar.

No próximo capítulo, faremos tal incursão, apontando indicadores

macroeconômicos do Governo Lula e Dilma e melhorias nos indicadores sociais

no período de 3 décadas.

Page 102: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

102

Incrementalismo social, transformações sociais e

redistributivismo

No capítulo anterior, observamos que a classe trabalhadora enfrentou

arrocho salarial nos anos 1980 e 1990, significando perdas sucessivas do poder

de compra. Em se tratando do salário-mínimo, a depreciação remonta ao início

do golpe civil-militar de 1964 (CACCIAMALI et al, 1994 e VELLOSO, 1990).

De acordo com a nossa avaliação, as medidas econômicas favoráveis ao

desequilíbrio da balança comercial, desfavoráveis ao reajuste do salário-mínimo

e à geração de empregos, adotada nos anos 1990, postergaram para a década

seguinte à expansão da chamada “Faixa C”.

Cabe salientar que “é preciso considerar o longo período de estagnação

dos anos 1980 e 1990, que levou à manutenção de elevados níveis de miséria e

pobreza e ao atrofiamento da classe média” (QUADROS, 2013, p. 33).

Ainda de acordo com o autor,

Este quadro sombrio, de alto desemprego e queda sistemática

dos rendimentos, foi profundamente modificado com o

crescimento econômico mais elevado, ainda que taxas inferiores

às históricas (1930-80) e às dos países emergentes e da América

Latina nos anos 2000 (QUADROS, 2013, p. 33).

Entretanto, é falsa a percepção de que os anos 1990 consistiram em

década perdida, pois o princípio da reordenação fiscal emerge como a prioridade

para o Governo Cardoso nesse período.

A reordenação fiscal tem características e resultados ambíguos, pois não

foi um fator limitador para a escalada dos gastos sociais e nem eliminou o déficit

público, ao contrário, pois a dívida interna pública líquida mais do que dobrou no

Governo FHC. Por outro lado, dispositivos causadores de desordem fiscal foram

desligados, não apenas atingindo o Governo Federal mas também entes

subnacionais.

Por exemplo, é desse período a proibição de operações de Antecipação

de Receita Orçamentária, largamente utilizado até então pelos entes

subnacionais.

Page 103: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

103

Após o Plano Real, é bom destacar, os governos não puderam mais

contar com o chamado Efeito Tanzi (popularmente conhecido à época como

imposto inflacionário). Era bastante comum que liquidações de despesas

públicas fossem postergadas para que a inflação elevada representasse em

aumento de arrecadação.

Essa realidade econômica brasileira, com reordenamento fiscal e medidas

prejudiciais à recomposição salarial e geração de emprego na primeira década

do Plano Real, é carregada de contradições internas. Obviamente, as restrições

da política econômica postergaram o crescimento da Faixa C, a classe

trabalhadora consumidora, mas carregaram dentro de si elementos capazes de

subsidiar o que aconteceu a partir de 2004, a segunda década de vigência do

Real.

O incrementalismo dos anos 1990 e 2000 resultou no aumento do

financiamento de políticas favoráveis à classe trabalhadora consumidora.

Trabalhamos com o argumento segundo o qual, nos anos 1990 e 2000, ocorre

um incrementalismo social como manifestação da maior responsividade do

Estado, gerando uma ascensão horizontal e uma inclusão dependente.

Como havíamos explicitado alhures, Pzreworski (1996) considera como

governos responsivos aqueles que promovem os interesses da população,

escolhendo políticas “que uma assembleia de cidadãos, tão informados quanto

o Estado, escolheria por votação majoritária, sob os mesmos constrangimentos

institucionais”.

Tal responsividade não pode ser desconectada do aprimoramento

institucional e burocrático que lhe dê sustentação.

Um dos autores que dá visibilidade e tematiza o aprimoramento

institucional e burocrático é Edson Nunes (2003). Ao analisar o que denominou

como “gramática política brasileira”, concebeu o conceito de “universalismo de

procedimentos” em que se pode discutir essa maior responsividade estatal na

sociedade brasileira, como parte integrante de um conjunto complexo de

transformações na relação entre o Estado e a sociedade.

De acordo com o autor, são quatro as gramáticas políticas brasileiras: o

clientelismo, o corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de

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104

procedimentos. As três últimas gramáticas emergem no cenário brasileiro no

primeiro Governo Vargas (1930-1945), dialogando permanentemente com a

primeira (o clientelismo).

Segundo Bresser-Pereira,

o clientelismo e o corporativismo são instrumentos de legitimidade

política; o insulamento burocrático, a forma através da qual as

elites modernizantes e tecnoburocráticas e empresariais

promovem o desenvolvimento; o universalismo de procedimentos,

a afirmação lenta e de um regime racional-legal e eventualmente

democrático (NUNES, 2003, p. 11-12).

Para Nunes, “o universalismo de procedimentos e o insulamento

burocrático são muitas vezes percebidos como formas apropriadas de

contrabalançar o clientelismo” (p. 33).

Nesse sentido,

O universalismo de procedimentos, baseado nas normas de

impersonalismo, direitos iguais perante a lei, e checks and

balances, poderia refrear e desafiar os favores pessoais. De outro

lado, o insulamento burocrático é percebido como uma estratégia

para contornar o clientelismo através da criação de ilhas de

racionalidade e de especialização técnica.

Cabe destacar que, na concepção de Nunes, as gramáticas refletem a

interação entre governo e sociedade, transformando-se mutuamente.

O processo de abertura democrática, nos anos 1980, pode ser

compreendido como um universalismo de procedimentos, no sentido de se

reconhecer direitos sociais anteriormente privativos aos trabalhadores formais e

que beneficiavam as massas urbanas.

Destacamos que ocorreu, nos anos 1990, dois processos incrementais

que se completam: o fiscal e o social. Refletem uma responsividade com setores

empresariais e com o mundo do trabalho.

Um histórico sobre o incrementalismo fiscal pode ser encontrado em

trabalhos de pesquisadores como Varsano (2000), remontando ao Governo

Sarney (encerramento da Conta Movimento no Banco do Brasil) e incluindo as

Page 105: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

105

modificações fiscais subsequentes, já no Governo FHC, como as Leis Camatas

I e II e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Institucionalmente, o ordenamento fiscal é caracterizado pela lei

complementar nº 18-A, de 199923, transformada na Lei de Responsabilidade

Fiscal, a lei complementar 101/2000. No artigo VI da referida lei, encontramos

que a administração pública deve se pautar pela “transparência na elaboração e

divulgação dos documentas orçamentários e contábeis, enunciados em

linguagem simples e objetiva” (art VI, XI) e “o amplo acesso da sociedade às

informações sobre as contas públicas e procedimentos de aplicação dos

recursos públicos” (art VI, XII), favorecendo o controle social e prevendo “a

adoção de medidas corretivas e punitivas de eventuais desvios” (art VI, XIII).

Objetivava-se, além do mais, “a adoção de política tributária previsível e

estável” (art VI, V), “a limitação de gastos continuados a nível prudente” (art VI,

VI), como forma de se promover “a prevenção de déficits imoderados e

reiterados, de modo a assegurar a compatibilidade entre as aspirações da

sociedade quanto às ações estatais e a receita própria efetiva” (art VI, I).

Há, nesse marco legal, um ganho no accountability. De acordo com

Loureiro (2001, p. 76), “em países democráticos, a conduta fiscal dos governos

é sempre sensível às reações do eleitorado e às demandas dos grupos de

pressão”. Nesse caso, há que se levar em conta a relação entre o governo em

exercício, o controle institucional e a sociedade civil.

Nesse sentido, “alguns [governos] são mais efetivos e ágeis do que outros

em corrigir o déficit orçamentário ou controlar o endividamento” (idem).

Em uma primeira geração da literatura pertinente, segundo Loureiro

(2001, p.76), “a orientação ideológica do partido no poder” operou como um

marcador importante para compreender tais distinções, pois governos de direita

tendiam à estabilização monetária e os de esquerda à expansão do gasto

público.

Entretanto, após os anos 1970, “com a recessão e a crise fiscal que

atingiram as economias capitalistas, surgiram novos modelos explicativos”,

23 Disponível em <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD18MAR1999.pdf#page=110>

Page 106: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

106

enfatizando os períodos eleitorais como força contrária às políticas restritivas e

mais favoráveis ao aumento de gastos públicos.

Atualmente,

com a internacionalização dos mercados e a desregulamentação

dos fluxos de capitais, começa-se a observar uma tendência à

homogeneização da política macroeconômica entre governos

com diferentes orientações ideológicas, realçando-se, como

fatores fundamentais das políticas monetárias e fiscais, a

mobilidade internacional dos capitais e o regime cambial [...]até os

anos 70, as variações das políticas macroeconômicas nestes

países estavam relacionadas com a coloração partidária do

governo e o grau de institucionalização de suas estruturas

corporativas. Mas, a rápida convergência dessas políticas, nos

anos 80, tem a ver com a internacionalização da economia

(LOUREIRO, 2001, p. 76-77)

Do ponto de vista institucionalista, demonstra Loureiro (2001, p. 77), são

importantes

as características do sistema de governo, da estrutura partidária

e das regras eleitorais, que geram governos majoritários ou de

coalizão mais ou menos estáveis e, portanto, mais ou menos

capazes de impor as metas fiscais propostas (Roubini e Sachs,

1989; Schick,1993; Steinmo, 1989).

Vale dizer que, historicamente, muitos autores consideraram existir um

“déficit de accountability” na América Latina (MORENO, CRISP, SHUGART,

2003).

Para Moreno et al, a solução para tal déficit não seria a proliferação de

Agências Reguladoras (no original: “is not the rapid proliferation of new non-

elected agencies of superintendence”), como inclusive aconteceu nas

sociedades latino-americanas nos anos 1990, mas a promoção de um controle

social envolvendo a sociedade civil, o que engloba promover a inserção social

de milhões de cidadãos.

Os autores supracitados alegam que o accountability é relacional,

englobando o desenho institucional, a performance das instituições e a

participação plural da sociedade.

Page 107: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

107

A partir do exame da literatura, é interessante notar que o

aperfeiçoamento do controle e da responsabilização de governantes e

burocratas está ligado à ruptura com antigas estruturas de dominação calcadas

na pauperização de parcela da população.

Dizendo de forma ainda mais explícita, a deflagração de um processo

capaz de reduzir desigualdades e ampliar a renda pode vir a fortalecer a

demanda por maiores avanços sociais, mas também fazer aflorar relações

conflituosas anteriormente silenciadas, a partir de então visível pela disputa pelo

controle político, seja da agenda, ou de um governo. Essa é uma hipótese de

trabalho importante, mas não é testada em nossa tese.

Ainda assim e, nesse sentido, a estruturação de políticas sociais seria um

empreendimento positivo para o aperfeiçoamento do funcionamento das

instituições latino-americanas.

Em relação ao incrementalismo social, identificamos alguns indícios

importantes em sua existência, que serão apresentados no presente capítulo.

Loureiro e Abrucio (2002) definem o incrementalismo como uma

“contraposição analítica e normativa em relação à visão totalizadora de

mudança, fundada numa concepção tecnocrática e insulada”, ocasionada pela

inclusão de um maior número de atores sociais na definição de agenda e no

processo decisório.

Essa inclusão leva aos formuladores de Políticas Públicas a optarem por

mudanças progressivas e sucessivas em pequena e média escala, com

determinado grau de dependência entre elas, formando o que se denomina como

path dependence.

Para Levi (apud CAMARASA, 1997), Path dependence “significa que um

país, ao iniciar uma trilha, tem os custos aumentados para revertê-la”, graças à

complexidade da relação interinstitucional e entre atores políticos distintos,

“como prática decorrente de um processo amplamente negociado entre diversos

atores políticos” (ABRUCIO e LOUREIRO, 2002).

Nosso argumento se baseia em 1) reconhecimento de direitos nos anos

1980, no contexto do que Nunes (2003) denomina de “universalismo de

procedimentos”; 2) reordenamento fiscal, o que inclui na cultura administrativa a

Page 108: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

108

noção de responsabilidade fiscal, remontando à estabilização econômica dos

anos 1990; e 3) a recomposição salarial com ampliação do crédito dos anos

2000, combinada à queda de preços relativos dos bens de consumo duráveis.

Portanto, não significa dizer que ocorreu a substituição de um momento

pelo outro, considerando que estão ligados de maneira intrínseca, havendo

sucessivas mudanças pontuais e sem reformas estruturantes.

É importante rememorar que, para Loureiro e Abrucio, o incrementalismo

poderia ser entendido como “o modo mais compatível com modelos

democráticos de tipo consensual que, na clássica acepção de Arendt Lijphart,

são de qualidade claramente superior às democracias de tipo majoritário”

(LOUREIRO e ABRUCIO, 2002).

O caso brasileiro “estaria dentro do modelo consensual, na medida em

que as reformas das políticas públicas devem passam por ampla negociação

entre partidos, líderes subnacionais, grupos sociais e até mesmo o Judiciário”,

gerando “políticas que (...) podem ser mais coerentes e efetivas, não sujeitas a

mudanças abruptas ou movimentos erráticos” (idem).

A eleição presidencial de 2002, na avaliação de Singer (2012), representa

um ponto de inflexão na atuação política do Partido dos Trabalhadores, vencedor

com uma plataforma de mudança com preservação das consideradas conquistas

da estabilização do Real. Ao adotar o princípio da recomposição, o governo do

PT iniciou uma segunda fase do Plano Real, marcado pelo crescimento da Faixa

C e redução da pobreza e desigualdade.

A vitória do PT na eleição geral de 2002 e depois, em 2006, 2010 e 2014,

foram guiadas pela composição com grupos empresariais, adoção de padrões

de governança, compromisso com o superávit primário, dentre outros elementos

que não representam ruptura com o momento anterior.

Pode-se dizer que a composição política com setores diversos da

sociedade atende à necessidade de se reconhecer a realidade pluralista do

Estado brasileiro.

Outros autores também associaram o incrementalismo às concepções

pluralistas de Políticas Públicas.

Page 109: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

109

De acordo com Dahl e Lindblon (apud CAMARASA, 1971),

El incrementalismo es um método de acción social que toma

la realidade existente como uma alternativa y compara las

probables ganancias y perdidas de alternativas

estrechamente vinculadas, haciendo ajustes relativamente

pequenos en la realidade existente [...] El incrementalismo

permite tanto la supervivência como la alteracion continua

de la organizacion operante.

Para Dahl (1971), as políticas públicas incrementais podem ser explicadas

pelo que nesse texto chamamos de jogo de coordenação, no qual grupos de

interesses estão em interação com as instituições governamentais.

Grandes decisões demandam satisfazer ou negar as demandas de

parcela da sociedade, de modo que adotar perspectivas inteiramente novas

geram um custo, algumas vezes considerados impertinentes pelo gestor.

Em poliarquias, os grupos sociais poderiam participar de alguns

processos decisórios governamentais, mas sobretudo exercem vigilância sobre

os governos e lideranças políticas, em maior ou em menor grau. Em períodos

eleitorais, os grupos poderiam ou não optar por reconduzir esses líderes

políticos.

No livro Poliarquia e oposição (200524), Dahl se diz inclinado a utilizar o

“termo "democracia" [apenas] para um sistema político que tenha, como uma de

suas características, a qualidade de ser inteiramente, ou quase inteiramente,

responsivo a todos os seus cidadãos”, enquanto o termo poliarquia é utilizado

para democracias liberais em que esta característica não está plenamente

atendida.

Entre outras razões, destaca-se a questão da igualdade política, pois,

“para um governo continuar sendo responsivo durante certo tempo, às

preferências de seus cidadãos, considerados politicamente iguais, todos os

cidadãos plenos devem ter oportunidades plenas” (idem).

As oportunidades seriam:

24 DAHL, Robert A. Poliarquia e Oposição – 1ª ed., 1ª reimpressão. Editora USP. São Paulo. 2005

Page 110: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

110

1. De formular suas preferências. 2. De expressar suas

preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação

individual e da coletiva. 3. De ter suas preferências igualmente

consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem

discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência.

Adaptando para o contexto dos países em desenvolvimento, como o

Brasil, podemos compreender que a ausência de reconhecimento de parcela da

população atua em prejuízo às instituições democráticas.

Guilhermo O’Donnel (1998) chama a atenção para o fato de que haveria

uma ligação estreita entre democracia e certos aspectos da

igualdade entre indivíduos que são postulados não apenas como

indivíduos, mas como pessoas legais, e conseqüentemente como

cidadãos — isto é, como portadores de direitos e obrigações que

derivam de seu pertencimento a uma comunidade política e de

lhes ser atribuído certo grau de autonomia pessoal e,

conseqüentemente, de responsabilidade por suas ações

Nesse sentido, é interessante notar que o incrementalismo social

decorreria dos direitos reconhecidos na Constituição Federal de 1988 vis-à-vis

um imbricado sistema de reconhecimento e não-reconhecimento, à medida em

que a universalização de determinados serviços públicos ocorre em normalidade

institucional e sem explícita demanda dos vulneráveis.

Mesmo considerando o terreno das grandes decisões políticas,

precisamos registrar o fato de que o ajuste fiscal promovido nos anos 1990 não

impactou negativamente nos indicadores sociais, a elaboração de novas

políticas e a ampliação dos gastos públicos. É dos anos 1990, por exemplo, a

universalização da educação fundamental e a criação do Fundo Nacional para o

Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF).

Alegamos que o incrementalismo social brasileiro, em que se observam

avanços sociais apesar do ajuste fiscal dos anos 1990, deixa menos escasso o

serviço público essencial.

Essas dimensões ampliaram o acesso aos bens de cidadania, termo aqui

cunhado para designar serviços e formação de habitus no sentido de se

promover a inserção social.

Page 111: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

111

De acordo com Bourdieu, o “habitus é um operador, uma matriz de

percepção e não uma identidade ou uma subjetividade fixa” (Bourdieu, 2002, p.

8325), sendo um sistema de disposições aberto, permanentemente afrontado a

experiências novas e permanentemente afetado por elas”. Salienta que “é

durável, mas não imutável” (Bourdieu, 2002, p. 83).

Observa-se que o acesso aos bens de cidadania, ou cívicos, é aqui

compreendido como uma parte integrante da economia dos bens simbólicos,

incluindo o reconhecimento dos indivíduos como cidadãos e a habilitação

intelectual e emocional para a participação social.

Jessé Souza (200326) analisa determinado tipo de habitus, denominado

como precário, refletindo um “tipo de personalidade e de disposições de

comportamento que não atendem as demandas objetivas para que, seja um

indivíduo, seja um grupo social, possa ser considerado produtivo e útil em uma

sociedade do tipo moderna e competitiva” (2003, p. 63), em que o grupo ou o

indivíduo poderiam “gozar de reconhecimento social com todas as suas

dramáticas consequências existenciais e políticas”.

O habitus precário seria resultante de uma falta de pré-condições, na

transmissão moral e nas condições objetivas de vida, de se formar um habitus

primário, que por sua vez

implica um conjunto de predisposições psicossociais

refletindo, na esfera da personalidade, a presença da

economia emocional e das pré-condições cognitivas para

um desempenho adequado ao atendimento das demandas

(variáveis no tempo e no espaço) do papel do produtor,

com reflexos diretos no papel do cidadão, sob condições

capitalistas modernas (p. 66)

Quais as dimensões em que opera tanto a construção do habitus primário

quanto o precário? São, para Souza, as condições objetivas de vida, a

transmissão familiar e intergeracional de valores e um complexo sistema opaco

e intransparente de reconhecimento social, sobre o qual recai o conceito de

justiça e a sua aplicação.

25 BOURDIEU, Pierre. Entrevistado por Maria Andréa de Loyola. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002. 26 SOUZA, Jessé. (Não) Reconhecimento e subcidadania, ou o que é “ser gente”? Lua Nova nº 59, 2003.

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112

À medida em que o habitus seria “a incorporação nos sujeitos de

esquemas avaliativos e disposições de comportamentos a partir de uma situação

socioeconômica estrutural” (SOUZA, 2003, p. 62), existe uma correlação entre a

oferta e a regulação da escassez dos bens de cidadania, de modo que os

problemas de acesso desses bens cívicos ultrapassam a mera oferta de serviços

públicos, mas também inclui o tempo livre, o consumo e a forma como as trocas

simbólicas se dão no contexto social.

Obviamente, o Estado possui papel central na oferta de alguns bens

cívicos, como a saúde, a educação e a segurança pública; também o

desenvolvimento do transporte, incentivos públicos à sua utilização, além da

comunicação e desenvolvimento do mercado.

A noção de inserção social é, assim, vinculada à construção de um habitus

primário que incorpore as noções de cidadania e justiça, regulando as relações

entre mercado, Estado e sociedade.

Consideramos como inserção dependente o processo marcado pela

presença do Estado na oferta sucessiva de serviços públicos sem que tenha se

resolvido a dimensão da transmissão familiar e geracional de um habitus

primário.

O Estado responsivo nesse contexto de inserção dependente reflete um

conjunto coordenado mais complexo de reconhecimento de direitos, pois a sua

atuação é decisiva para o contínuo aprofundamento da inserção social, oferta de

serviços e políticas públicas que mantenham os trabalhadores inclusos no

mercado consumidor de massa.

Conforme expusemos anteriormente, a nossa metodologia incide sobre

variáveis captadas por indicadores, considerando a dimensão cultural e a

transmissão familiar de valores sociais invariantes.

Fixamos a nossa análise nos dados capturados nas variáveis, cabendo

futuramente a continuidade das reflexões acerca dos bens cívicos e a inserção

social dependente.

Entretanto, não é estranho ao institucionalismo abordar questões relativas

às transformações culturais e às relações de poder entre grupos sociais. Em

Page 113: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

113

outras palavras, o aperfeiçoamento do accountability se dá à medida em que os

indivíduos se veem empoderados.

Nas novas poliarquias latino-americanas, conforme destacou O’Donnel

(1998), há ligação direta entre a autonomia dos indivíduos e o funcionamento

das instituições.

Consideramos essa autonomia como fruto de transmissões

intergeracionais de dispositivos morais, no sentido atribuído a Souza (2003) e há

pouco explanado.

As mudanças demográficas consistiram, no período analisado, como

veremos, no aumento relativo dos indivíduos economicamente ativos,

possibilitando uma oportunidade para a ampliação da renda per capita no futuro.

Nesse caso, é importante assegurar a expansão dos empregos e a melhoria da

sua qualificação.

Também ocorreu importante incidência dos programas de transferência

de renda, além da transformação da realidade do trabalho, mas não são a)

especializados; e b) de menor carga horária semanal.

As duas transformações acima citadas representariam maior reflexidade

e mais tempo livre. É interessante notar o que Paes de Barros e Grosner (2012)

destacam que 64% dos empregados domésticos constituem a NCM, pouco

especializados, daí a nossa preferência por denomina-los como classe

trabalhadora consumidora.

A fragilidade dessa ascensão social é o elemento preponderante para

denominarmos tal como inserção dependente, pois há, do ponto de vista do

mundo do trabalho, que se avançar no sentido de se promover trabalhos

reflexivos.

Para Quadros, “o emprego é o alicerce da inserção do indivíduo em

sociedades como a brasileira e, depois da propriedade, é a base da

desigualdade social; portanto, a geração de bons empregos é fundamental para

o desenvolvimento social” (2013).

De acordo com o autor,

Page 114: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

114

A evolução da estratificação dos ocupados, indicativo das

oportunidades individuais, mostra expressiva redução daqueles

que se encontravam na situação de miseráveis, com a

correspondente expansão da massa trabalhadora (pobre), mas,

sobretudo, da baixa classe média (remediada) [...] A mobilidade é

menor na média classe média e inexistente na alta classe média,

o que reflete um padrão de crescimento econômico com limitada

geração de empregos privados e públicos de melhor qualidade

(QUADROS, 2013, p.34).

Com essas ressalvas, é importante observar que as políticas sociais

tiveram impacto na ascensão social, tanto do ponto de vista dos ganhos

materiais quanto dos indicadores sociais.

A partir de dados extraídos dos Censos populacionais, destacamos

algumas mudanças demográficas e sociais que, combinadas à expansão do

crédito e apreciação do salário-mínimo, levou ao crescimento da Faixa C nos

anos 2000.

Inicialmente, há o componente da distribuição da população por faixas

etárias, apontando para um envelhecimento da população e reduzindo a

chamada “razão de dependência”, em que a população economicamente inativa

(0 a 14 anos e acima de 65 anos) é dividida em relação à população

economicamente ativa.

Essa “razão de dependência demográfica pressupõe que jovens e idosos

de uma população são dependentes economicamente dos demais [sendo] um

indicador do contingente que é suportado pela população potencialmente

produtiva” (BRASIL, 2015, p. 104).

O que chamamos de “Razão de dependência” é a “Razão de Dependência

Total (RDT), [que] pode ser decomposta em Razão de Dependência de Jovens

(RDJ) e Razão de Dependência dos Idosos (RDI)” (BRASIL, 2015, p. 104).

Tabela 9 – Razão de Dependência (total, de jovens e idosos), 2004-13

2004 2013 2004 2013 2004 2013

Total Urbana Rural

Dependência Total 51 45,2 48,7 43,7 63,2 54,8

Dependência Jovem 41 32,3 38,8 31 52,5 40,2

Page 115: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

115

Dependência Idosos 10 12,9 12,6 12,6 10,7 14,5

Fonte: BRASIL, 2015

De acordo com Brasil (2015, p. 105), “o diferencial entre a RDJ e a RDI

recuou 11,5 p.p. no período analisado”, dado o envelhecimento da população,

ocorrendo redução do número de jovens com menos de 15 anos de idade e

aumento do número de idosos (acima de 65 anos).

As pirâmides etárias abaixo apresentadas atestam o envelhecimento da

população e a entrada do país no chamado bônus demográfico, proporcionado

pela queda da Taxa de Fecundidade por Mulher (TFM).

Segundo o IPEADATA (2015), utilizando dados do IBGE, a TFM está

abaixo de dois filhos por mulher, indicando futuro declínio da população.

1980 1990

2000 2010

Figura 1 – Pirâmides etárias (1980 a 2010)

Fonte: IPEADATA

Page 116: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

116

Obviamente, essa realidade possui distinções importantes entre as áreas

urbanas e rurais e entre as regiões brasileiras. No período, “a maior dependência

foi medida no Norte (52,3%) e a menor no Sul (42,4%)”.

As Regiões Norte e Nordeste mostram uma modificação mais ampla:

De 2004 a 2013, no Norte, a RDJ diminuiu e a RDI aumentou, com

recuo de 2,9% na população com até 14 anos e acréscimo de

63,1% daqueles com 65 anos ou mais. Por sua vez, a

dependência total diminuiu 10,3 p.p. (9,4 p.p. no caso da

população urbana e 11,1 p.p. no da rural). No Nordeste, a

população jovem diminuiu 11% e a de idosos aumentou 42,2%; e

a RDT recuou 7,5 p.p. (com decréscimo de 10,3 p.p. na RDJ e

acréscimo de 2,9 p.p. na RDI) (BRASIL, 2015, p. 105).

As Regiões Sul e Sudeste mostram uma mudança em menor velocidade,

embora os estados do Sul possuam a menor Razão de Dependência Total:

o número de jovens com até 14 anos diminuiu 10,4% no Sudeste

- 28,1% no caso da população rural – e a população de idosos

aumentou 40,7%. Assim, a RDT recuou 4,5 p.p. (7,4 p.p. no caso

da população rural) [...]O Sul, apesar de abrigar a mais alta RDI

entre as regiões, registrou em 2013 a menor RDT bem como a

menor RDJ. Observe-se, na comparação com 2004, que a

população com menos de 15 anos diminuiu 12,6% (36,9% no caso

da área rural) e a população de pessoas com 65 anos ou mais

aumentou 51,5%. Com isso, a RDJ diminuiu 7,9 p.p. e a RDJ

aumentou 3,6 p.p., determinando redução de 4,3 p.p. na

dependência total (BRASIL, 2015, p. 105-6).

Já a Região Centro-Oeste apresentou situação intermediária, “RDT

similar à do Sul, mas com dependência de jovens maior e de idosos menor

(10,7%), esta última abaixo da média nacional (12,9%). Note-se ainda que a RDT

reduziu 6,5 p.p. de 2004 a 2013” (BRASIL, 2015, p. 106)

Os indicadores apresentados refletem o que já afirmávamos nessa tese

em relação à ampliação da oferta de serviços essenciais e melhoria objetiva nas

condições de vida, principalmente nos menores municípios, Regiões Norte e

Nordeste.

Para melhor explanar, construímos duas tabelas, abaixo apresentadas,

salientando, na primeira, a razão de dependência em 2013 por região, zonas

urbanas e rurais, e a redução por região, na segunda.

Page 117: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

117

Tabela 10 – Razão de dependência (total, juvenil e idosos) por região do Brasil, zonas urbanas e rurais

Discriminação RDT RDJ RDI

Brasil Total 45,2 32,3 12,9

Urbana 43,7 31 12,6

Rural 54,6 40,2 14,5

Norte Total 52,3 43,4 8,9

Urbana 48,8 40,3 8,6

Rural 63,2 53,3 10

Nordeste Total 49,8 37 12,9

Urbana 47,1 34,6 12,4

Rural 58 43,8 14,2

Sudeste Total 42,5 28,8 13,7

Urbana 42 28,4 13,6

Rural 49,1 33,5 15,6

Sul Total 42,4 28,5 13,9

Urbana 41,9 28,7 13,2

Rural 45,7 27,4 18,3

Centro-Oeste Total 42,5 31,8 10,7

Urbana 42 31,6 10,4

Rural 47,2 33,8 13,4

Fonte: BRASIL, 2015

Tabela 11 – Redução da Razão de dependência Total por região do Brasil

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-

Oeste

Redução da RDT 10,3 7,5 4,5 4,3 6,5

Fonte: BRASIL, 2015

Como já salientado, ocorre redução da taxa de fecundidade por mulher,

ao passo em que há envelhecimento da população.

Para o período de 2004 a 2013, a esperança de vida ao nascer

passou de 71,58 anos para 74,84 anos, enquanto a taxa de

fecundidade total, de 2,14 para 1,77 filhos, e a taxa bruta de

natalidade por mil habitantes, de 18,66 para 14,79. Nesse

contexto, a razão de dependência total diminuiu em decorrência

Page 118: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

118

da menor dependência de jovens, dado que a de idosos aumentou

(BRASIL, 2015, p. 106).

Esses dados refletem um processo mais amplo, que remonta às

transformações da década de 1950, com redução do tamanho das famílias e

aumento do número de idosos.

De acordo com o IBGE,

O início da segunda metade do Século XX caracterizou-se pelo

declínio das taxas de mortalidade, por redução de doenças

infecciosas e parasitárias devido ao surgimento dos antibióticos,

e como resultado dos avanços obtidos na área do atendimento à

saúde. Um outro fator que pode ser acrescido consiste na

melhoria dos sistemas de saneamento básico, principalmente dos

grandes centros urbanos. [...] O processo de redução das taxas

de natalidade tem início na segunda metade da década de 1960,

com a introdução no País dos métodos anticonceptivos orais.

Com isso, as taxas de crescimento da população começam a

experimentar paulatinas reduções, uma vez que a mortalidade

continua em sua trajetória declinante aliada às quedas sucessivas

das taxas de fecundidade (IBGE, 2000).

Segundo Diniz, “o período de crescimento econômico [...] (1950-1980),

marcado pela urbanização, monetarização e industrialização do país, lançou as

bases da transição demográfica, isto é, a redução das taxas brutas de

mortalidade (TBM) e natalidade (TBN)”. O autor esclarece ainda que “as taxas

de mortalidade caíram primeiro e em ritmo mais rápido do que as taxas de

natalidade, [havendo] uma aceleração do crescimento populacional em relação

a todos os períodos anteriores” (s/d, p. 2).

A redução do tamanho das famílias leva, por tempo limitado, à expansão

do número de pessoas em idade ativa, uma vez que o envelhecimento da

população atua como força contrária.

De acordo com a Previdência Social,

a razão de dependência das crianças ainda é predominante,

motivo pelo qual o indicador combinado (crianças e idosos) segue

a mesma tendência evolutiva. A queda da razão dependência dos

dois grupos combinados (razão de dependência total) indica que

a população em idade ativa (PIA) sustenta uma proporção

decrescente de dependentes (crianças e adolescentes de 0 a 14

anos e idosos com 60 anos ou mais), ou seja, que esta população

Page 119: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

119

em idade produtiva (pessoas com idade entre 15 e 59 anos) tem

aumentado sua importância relativa (BRASIL, 2011, p. 13)

Elaboramos um gráfico que aponta a trajetória desde os anos 1970, com

redução da Razão de Dependência de Jovens (RDJ) e Razão de Dependência

Total (RDT). O último indicador aponta para o fato de que há proporcionalmente

menos nascimentos do que ampliação da população idosa. Além disso, o gráfico

traz a Razão de Dependência de Idosos, com evidente aumento do número de

pessoas com mais de 65 anos.

Gráfico 19 – Queda da Razão de dependência (total, juvenil e idosos), no

período 1970-2010

Fonte: BRASIL, 2011

Apesar de ser uma trajetória de décadas, na última década ocorreu uma

intensificação do processo, causando surpresas dada

a intensidade com que variaram as componentes da dinâmica

populacional brasileira [...] exceção feita à migração, que pouco

acrescentou às mudanças, a mortalidade e, principalmente, a

fecundidade foram determinantes para que o crescimento

populacional se desse a taxas inferiores às previstas pelo IBGE

(BRASIL, 2011, p. 15).

Há uma relação entre o quadro apontado e a mudança no modo como as

mulheres se inserem na sociedade (POCHMANN, 2014). No ano de 2011,

45,4% da população ocupada era do sexo feminino, trabalhando em média 39,2

1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015

RDT RDJ RDI

Page 120: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

120

horas semanais (os homens trabalham cerca de 43,4 horas semanais), de

acordo com dados do IBGE (2012).

Como demonstrado no capítulo anterior, ocorre um aumento na renda per

capita nos anos 2001-2011, ocasionado por um aumento do PIB superior ao

crescimento vegetativo da população.

Também trouxemos dados relativos ao crescimento da escolaridade,

renda pelo trabalho e acesso ao crédito. É preciso observar que a mudança do

perfil demográfico da população, majoritariamente urbana e litorânea, com

menos crianças e adolescentes e famílias menores (em 1980, as famílias eram

compostas, em média, por 4,3 pessoas, enquanto, em 2008, 3,3).

De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), o tamanho das

famílias variava de acordo com a escolaridade da pessoa de referência, como

podemos observar na tabela abaixo.

Tabela 12 – Componentes de uma família, de acordo com a escolaridade da pessoa de referência

Brasil Até 1

ano de estudo

1 a 3 4 a 7 8 a 10 11 ou

mais

Escolaridade Indeterminada

Componentes da família

3,3 3,34 3,48 3,46 3,36 3,05 3,69

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

A renda média também variava muito de acordo com a escolaridade da

pessoa de referência da família, demonstrando que a variável educacional é

importante fundamento para a ascensão de renda via trabalho.

Considerando dados das despesas totais das famílias, observamos a

discrepância educacional versus renda.

Page 121: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

121

Tabela 13 – Despesa total de uma família, de acordo com a escolaridade da pessoa de referência

Brasil Até 1

ano de estudo

1 a 3 4 a 7 8 a 10 11 ou mais

Escolaridade Indeterminada

Despesa total (R$)

2.626,31 1.403,42 1.421,46 1.832,12 2.111,17 4.314,92 2.302,06

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

Além disso, quanto menor é a escolaridade da pessoa de referência da

família, menor é o gasto com alimentação, mas maior é o seu peso no

orçamento.

Tabela 14 – Despesa de uma família com alimentação total e per capita, de acordo com a escolaridade da pessoa de referência

Brasil Até 1

ano de estudo

1 a 3 4 a 7 8 a 10 11 ou mais

Escolaridade Indeterminada

Alimentação per capita

127,79 91,53 93,15 105,77 117,69 181,18 111,3

Alimentação sobre o total de despesas de consumo

20% 25% 26% 23% 22% 17% 22%

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

De acordo com a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), órgão do

Governo Federal ligado à Presidência da República, havia maior peso no gasto

com alimentação entre o grupo da população cuja renda per capita era menor do

que R$ 250,00, no período 2008-9, com dados da POF.

O SAE elaborou uma estratificação da sociedade se valendo do

rendimento per capita e os classificou como classes Baixa, Média e Alta.

Optamos, porém, por nos referirmos a grupos de rendimento baixo (até R$

250,00 per capita), médio (entre R$ 251,00 e R$ 1000,00) e alto (acima de R$

1000,00, sem prejuízo à metodologia da instituição.

Page 122: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

122

As despesas familiares constam em tabela abaixo, apontando para o

maior gasto com alimentação (grupo de rendimento baixo) e transporte (grupo

de rendimento médio e alto), apontando para marcações importantes no padrão

de consumo.

Tabela 15 – Distribuição das despesas de consumo das famílias segundo a classe de renda (2008-2009)

Total Baixa Média Alta

100 100 100 100

Alimentação 20 29 21 14

Habitação 36 36 37 35

Vestuário 6 7 6 5

Transporte 20 12 18 25

Higiene e cuidados pessoais 2 3 3 2

Assistência à saúde 7 6 7 8

Educação 3 1 4 4

Recreação e cultura 2 2 3 2

Fumo 1 1 1 0

Serviços pessoais 1 1 1 1

Despesas diversas 3 2 3 4

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

Com base nos dados da SAE, baseados na POF, observamos a seguinte

distribuição da população em idade ativa e os grupos de rendimento, apontando

para a manutenção da estrutura ocupacional, apesar do aumento de renda:

Tabela 16 – Distribuição da população em idade ativa e da população ocupada por forma de inserção no mercado de trabalho e classe no Brasil (2001 versus 2009)

Características Distribuição por característica segunda a classe de renda

2001 2009

Total Baixa Média Alta Total Baixa Média Alta

Total 100 100 100 100 100 100 100 100

Situação da ocupação (10 anos ou mais)

Ocupado 54 48 58 62 57 45 60 67

Desempregado 6 8 5 2 5 9 4 2

Page 123: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

123

Inativo 40 44 37 35 38 46 36 31

Posição na ocupação (ocupados)

Funcionário público 11 6 12 22 12 5 11 24

Com carteira 29 19 37 31 35 20 42 35

Sem carteira 22 29 19 10 20 31 19 9

Conta própria 22 25 21 19 20 24 19 18

Empregador 4 1 4 14 4 1 3 13

Não remunerado 12 20 7 4 9 19 6 3

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

É importante salientar que, quando se analisa os dados relativos à

ocupação, não se nota variação relevante entre os três níveis de renda, o que

corrobora com trabalhos como os de Waldir Quadros (2013), para quem não

ocorrera ascensão de classes, mas um período de redistributivismo que permitiu

a uma parcela importante da classe trabalhadora o ingresso no mercado

consumidor.

Em nossa concepção, as políticas de redistributivismo tiveram impacto na

aceleração das melhorias sociais, no alargamento do mercado consumidor, que

deu nova dinâmica à economia brasileira, embora esta não seja tracionada pela

indústria e conhecimento, mas por empregos de baixa especialização. É essa

característica que denominamos como inserção dependente, corroborando,

portanto, com as análises de Quadros (2013) e Pochmann (2012 e 2014).

Nossa tese não possui o alcance necessário para corroborar, senão

enquanto premissa, da abordagem de Souza (2010), pois demandaria o uso

intensivo de metodologias qualitativas, fugindo ao nosso escopo e à nossa

proposta.

Há, ainda, a premissa de que essa inserção dependente permite um

aperfeiçoamento das instituições, principalmente por existir um custo elevado ao

governante para reverter, não alguma política em particular, mas o núcleo das

iniciativas governamentais dos últimos anos.

Apesar de ser um estrato muito amplo, o grupo de rendimento médio,

conforme os termos do SAE, incorporou um número maior de negros entre os

anos 2001 e 2008. É importante destacar que a última POF remonta, justamente,

a 2008.

Page 124: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

124

Ao mesmo tempo, podemos observar que as famílias de rendimento

mensal baixo possuem proporcionalmente o maior contingente de pessoas com

idade entre zero e catorze anos, ou seja, é maior o número de dependentes

nesse grupo, mesmo que declinante.

Tabela 17 – Distribuição da população por características pessoais e classe de renda (2001 versus 2009) 2001 2009

Total Baixa Média Alta Total Baixa Média Alta

Total 100 100 100 100 100 100 100 100

Sexo

Homens 49 49 49 48 49 48 49 49

Mulheres 51 51 51 52 51 52 51 51

Cor

Branco ou amarelo

54 39 64 83 49 33 52 74

Negro 46 61 36 17 51 67 48 26

Faixa etária

0 a 14 29 39 21 15 24 38 19 12

15 a 24 20 20 20 17 17 18 18 13

25 a 64 45 38 50 59 51 41 53 64

65 e mais 6 3 9 9 8 3 10 11

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

Já do ponto de vista espacial, o grupo de rendimento médio mostrou

grande expansão relativa nas cidades de pequeno porte. O mesmo raciocínio se

aplica às regiões Norte e Nordeste.

Tabela 18 – Distribuição espacial da população por classe de renda (2001 versus

2009) 2001 2009

Total Baixa Média Alta Total Baixa Média Alta

Total 100 100 100 100 100 100 100 100

Área

Page 125: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

125

Urbana 84 75 91 97 85 75 89 96

Rural 16 25 9 3 15 25 11 4

Região

Norte 6 7 5 3 7 9 6 4

Nordeste 29 43 16 11 29 48 21 13

Sudeste 43 32 52 60 42 28 48 54

Sul 15 11 19 18 15 9 17 20

Centro-Oeste 7 7 7 8 7 6 8 9

Porte do município

Região metropolitana

31 23 36 48 31 23 32 43

Médio porte 21 18 24 28 22 17 23 28

Pequeno porte 48 60 40 24 47 60 45 28

Fonte: IBGE, Pesquisa Orçamentária Familiar, 2008

Ainda que 2/3 da queda das desigualdades tenha se dado pela melhor

performance do mercado de trabalho, ocorre uma redução da participação da

renda do trabalho na renda domiciliar per capita média.

Segundo o CPS/FGV (NÉRI et al, 201227), em 1992, a renda do trabalho

representava 81,8% do total dos rendimentos familiares per capita, sendo

reduzido esse percentual para 76,5% em 2003 e 76% em 2009.

No meio rural, a redução foi de 81,33% em 1992 para 72,72%, em 2003,

e para 66,55% em 2009, apontando para o fato de que “as transferências

públicas adquirem maior importância relativa”, como Programas Sociais e

Previdência.

As desigualdades declinaram com maior vigor no meio rural, de acordo

com os dados do CPS/FGV, conforme o gráfico abaixo.

27 NERI, Marcelo; MELO, Luisa Carvalhaes Coutinho de; MONTE, Samanta dos Reis Sacramento. Superação e a nova classe média no campo. Brasília: FGV, 2012.

Page 126: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

126

Gráfico 20 – Queda das desigualdades de renda medidas pelo Coeficiente

de Gini, Total e Rural (1992-2009)

Fonte: NÉRI, 2012

Segundo o CPS/FGV, “A queda do índice de Gini no campo desde 1993

foi de 16,5% contra 9,9% na totalidade do país. Tomando o período 2003 a 2009,

foi de 8,3% contra 6,5% na totalidade do país” (2012, p.56). Esse quadro se deve

ao aumento de renda dos estratos mais pobres, mas ocorre também um

incremento nos décimos intermediários.

Essa realidade no campo se deveu, sobretudo, aos programas sociais:

“assim como no país como um todo, a fonte de renda que mais cresceu na área

rural foi a de programas sociais (21,4% contra 12,9% da média nacional),

influenciada pela criação do Programa Bolsa Família, em 2003, e suas

posteriores expansões” (NÉRI et al, 2012, p. 90).

Nesse sentido,

A renda do trabalho [no campo] teve um incremento médio anual

de 4,5%, abaixo das outras fontes de renda e do que observamos

no Brasil como um todo (4,6% ao ano), conferindo uma menor

base de sustentabilidade das condições de vida para além das

transferências de renda oficiais. A renda do trabalho é

relativamente menos importante na área rural do que no resto do

país, correspondendo a 66,5% da renda média percebida pelo

brasileiro que vive no campo (contra 76% da média nacional).

Apesar de sua elevada participação na renda total, o trabalho

respondeu por apenas 52,1% do crescimento registrado no

período. Para a totalidade do país, a contribuição do trabalho

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Total 0,583 0,605 0,602 0,599 0,602 0,6 0,6 0,591 0,594 0,596 0,589 0,583 0,571 0,568 0,562 0,555 0,549 0,545

Rural 0,556 0,586 0,563 0,539 0,553 0,547 0,549 0,543 0,543 0,543 0,511 0,533 0,514 0,509 0,513 0,514 0,5 0,489

Total Rural

Page 127: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

127

supera a verificada no campo em aproximadamente 24 pontos

percentuais, alcançando 76,0% (NÉRI et al, 2012, p. 91).

Parcela dessa renda do campo se deveu à política de reajuste do salário-

mínimo combinada com a aposentadoria rural, principalmente entre os mais

pobres.

Vale salientar de antemão que, segundo Schwazer,

o subsistema rural da Previdência Social brasileira é, entre os

casos conhecidos em países em desenvolvimento, um programa

social excepcional quanto ao significativo grau de cobertura, à alta

precisão do targeting (embora a focalização nos mais pobres não

seja intencional, uma vez que as regras referentes ao plano de

benefícios e ao modo de contribuição são universalizantes) e,

como resultante do anterior, parece formar um programa que

tenha uma efetividade inédita no combate à pobreza no meio rural

brasileiro (2000, p. 72).

Ainda que tenha havido maior participação dos trabalhadores

empregados formais, dentre os mais pobres há a influência dos programas

sociais de transferência de renda de uma maneira geral, conforme dados

anteriormente apresentados.

Utilizando a metodologia do CPS/FGV, nota-se que as transferências de

renda pelo Programa Bolsa Família possuíam mais peso entre os mais pobres

(renda familiar até R$ 705,00 em 2012), enquanto a previdência rural com

benefício de um salário-mínimo tem maior participação no estrato intermediário

de renda (Classes C/D, com renda entre R$ 705 e R$ 4.854).

Os maiores beneficiários de reajuste do piso previdenciário são as

classes D e C, com, respectivamente, 20,4% e 21,1% das rendas

vinculadas ao piso. [...] Finalmente, aumentos do Bolsa Família e

de outros programas não previdenciários tendem a beneficiar

predominantemente a classe E – grupo correspondente aos

pobres pela linha média nacional do Centro de Políticas Sociais

(CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV) –, que tem 21,2% de

seus proventos nessa modalidade de renda. Em 2003, a parcela

da renda referente a esses programas era de apenas 7,3%, pouco

acima de um terço do verificado em 2009 (na média nacional, esse

aumento foi de 4,9% para 18,5%) (NÉRI, 2012, p. 93).

Page 128: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

128

No país como um todo, observamos que há um crescimento da renda

maior entre os mais pobres. Nos anos 2000, a taxa de crescimento médio da

renda domiciliar dos 10% mais pobres foi cerca de 5 vezes maior do que a dos

10% mais ricos, como podemos observar no próximo gráfico, elaborado a partir

de dados compilados pelo Ministério da Fazenda (Economia brasileira em

perspectiva, 2012).

A renda média familiar de 10% mais pobre da população aumentou 7,2%

ao ano, enquanto a média dos 10% mais ricos aumentou anualmente 1,4%.

Levando em conta a toda população, em média a renda familiar se

expandiu um pouco acima de 4,5% ao ano.

Gráfico 21 - Crescimento médio da renda familiar, entre 2001 e 2009

FONTE: MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2012.

Uma parte da renda familiar dos mais pobres se deve a reajustes no

salário mínimo, o que impacta empregados e aposentados, mas outra parte é

atribuída aos investimentos em programas de transferência de renda, como o

Bolsa Família, implementado em 2004, após a fusão de programas

anteriormente criados no governo Fernando Henrique Cardoso, integrantes da

Rede de Proteção Social, financiada pelo Fundo de Combate à Pobreza,

7,2

6,35,9

5,4

4,94,6

4

3,3

2,5

1,4

Primeirafaixa

Segundafaixa

Terceirafaixa

Quartafaixa

Quintafaixa

Sexta faixa Sétimafaixa

Oitavafaixa

Nona faixa Décimafaixa

Page 129: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

129

proposto pelo ex-senador Antônio Carlos Magalhães, no Projeto de Emenda

Constitucional (PEC) 31/0028.

Em relação a benefícios previdenciários, ocorreu um aumento das

despesas públicas, em relação ao Produto Interno Bruto, de 0,8 pontos

percentuais, deixando de representar 6% para atingir o patamar de 6,8% (2002

a 2011).

Aumentaram as despesas, em relação ao PIB, do Seguro-desemprego

(de 0,3 para 0,5% do PIB), de Benefícios Assistenciais29 (de 0,2 para 0,6%) e do

Bolsa Família (de 0,1 para 0,41%), perfazendo um incremento de despesas

sociais de 6,8% para 8,6% no período citado (2002 a 2011), segundo dados do

Ministério da Fazenda (2012).

Estes dados demonstram que uma série de gastos sociais foram

promovidos durante o governo Lula (alguns dados alcançam o governo Dilma),

demonstrando que as classes populares ampliaram a sua participação na

composição da renda nacional.

A redução da pobreza não ocorreu de maneira homogênea em todo o

território nacional, sendo mais aguda nas regiões menos desenvolvidas. Esta é

outra singularidade deste processo: a aceleração do desenvolvimento

socioeconômico nas áreas mais pobres do país.

Segundo Tania Bacelar (2013, p. 164), as políticas públicas territoriais

foram parte importante para a superação das desigualdades regionais, com

destaque para o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF), os

Territórios da Cidadania e Arranjos Produtivos Locais.

A economia brasileira cresceu, sobretudo, impulsionada pelo setor

terciário, uma característica distinta da observada nos anos 1960 e 1970, quando

o setor secundário deu fôlego à economia nacional e gerou empregos.

A geração de empregos na primeira década do século XXI foi a maior

dos últimos quarenta anos, fortemente influenciada pelo setor de serviços, assim

como também pela construção civil e indústrias extrativas (POCHMANN, p.18-

19).

28 Válido até o ano de 2010 e prorrogado no mesmo ano, pelo PEC 14/08, de autoria do senador Antonio

Carlos Junior (DEM/BA).

29 LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) e RMV (Renda Mensal Vitalícia)

Page 130: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

130

Segundo o Ministério da Fazenda (2012), o salário mínimo sofreu

reajuste nominal de 211% e real (descontando a inflação) de 66% no período

entre 2003 e 2012.

Em relação à escolaridade, os empregados sem instrução ou com um

ano de estudo representavam 3% em 2003 e passaram a representar 1,6%,

enquanto o percentual de trabalhadores com mais de 11 anos de estudo foi

ampliado em 14 pontos percentuais, de 46,7% para 60,7% (MINISTÉRIO DA

FAZENDA, 2012).

Em 2003, o crédito concedido a pessoas físicas representava pouco

menos do que 6% do PIB, mas já em 2010, representava pouco mais do que

14% do Produto Interno Bruto, com taxa média de crescimento de 31,8% ao ano,

entre 2004 e 2007, e de 21,2% entre 2008 e 2011. Já o crédito habitacional deixa

de ser pouco menos de 2% para representar cerca de 4% do PIB no final de

2010 e 5% em 2011 (ANDRADE, 2012).

A Faixa C, de trabalhadores consumidores, se beneficiou de mudanças

estruturais nas organizações familiares, no reconhecimento de direitos e

implementação de políticas públicas capazes de melhorar indicadores sociais e

interiorizar a oferta dos mesmos.

Em relação ao mundo do trabalho e da renda, beneficiou-se do aumento

da taxa de formalização de empregos pouco especializados, aumento do salário-

mínimo e massa salarial de maneira geral, aumento de gastos previdenciários e

outras formas de distribuição de renda, mas não há uma ascensão de classes

(QUADROS, 2013).

As mudanças não se restringem ao espaço de uma década, como o eixo

demográfico, mas é na última década que indicadores sociais avançaram com

maior velocidade.

A década de 2000 foi de inclusão dependente a partir de transformações

incrementais que resultaram em maior oferta de bens de cidadania, assim como

a reconfiguração demográfica do país e reorganização familiar.

Page 131: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

131

Considerações finais

A presente tese objetivou analisar a expansão da classe trabalhadora

consumidora, optando por não a classificar enquanto Nova Classe Média, dada

a heterogeneidade de sua composição.

Uma das nossas inquietações foi o fato de que a expansão da classe

trabalhadora consumidora se deu apenas na segunda década de implementação

do Plano Real, que data do ano de 1994.

No período em que ocorre a estabilização da moeda, existem avanços no

que O’Donnel denominou accountability horizontal, ou seja,

a existência de agências estatais que tem o direito e o poder legal

e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações,

que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o

impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou

agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas

(O’DONNEL, 1998, p. 40, grifos nossos).

Um importante processo em que essa ampliação do accountability se deu

é denominado como ordenamento fiscal, majoritariamente realizado no Governo

Fernando Henrique Cardoso, incorporando na administração pública a

temperança fiscal, através de legislações como a de Responsabilidade Fiscal (lei

101/2000).

De fato, outros elementos foram introduzidos, como as agências

reguladoras, à luz de um programa de desestatização, menos profundo do que

em outros países latino-americanos, como a Argentina, mas obviamente

corroborando com a agenda neoliberal (PALERMO, 1998).

Apesar das restrições aos gastos imoderados, mais impostas do que

negociadas com os entes subnacionais, por intermédio da renegociação das

dívidas dos estados com o Governo Federal (ABRUCIO, 2002), os Gastos

Sociais foram ampliados significativamente em relação ao Produto Interno Bruto

(POCHMANN, 2012).

Uma das razões foi a efetivação dos direitos previdenciários consagrados

na Constituição Federal de 1988, mas também ocorreu maior ênfase no Ensino

Page 132: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

132

Fundamental, financiamento da pequena produção agrícola e transferências de

renda, embora essas iniciativas possuíssem menor escala em relação aos

governos seguintes, de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Entretanto, observou-se que o Governo Fernando Henrique Cardoso não

foi amistoso à geração de emprego e renda, limitando o processo de ascensão

social e o postergando para o período seguinte.

Ao adotar uma política refratária ao emprego e de valorização do salário-

mínimo menos agressiva do que o de seu sucessor, o Governo FHC não logrou

a queda das desigualdades tal como essa se apresentou nos anos 2004-2011.

De fato, Soares (2010) observou que, já nos anos FHC, em “1999, antes

de a desigualdade começar sua queda, o mercado de trabalho já tinha reduzido

o coeficiente de Gini em quase 0,4 ponto de Gini (x100)”, limitado pelo

desempenho da previdência no mesmo período.

Além disso, conforme aponta Pochmann, entre 1994 e 2004, as rendas

de propriedade (como juros, aluguéis e outros) aumentaram, ao passo em que

os salários perderam participação no PIB.

Baixos resultados do ponto de vista do crescimento econômico, com alto

desemprego e após uma crise no abastecimento de energia elétrica (em 2001),

garantiram que o sucessor de Fernando Henrique Cardoso não fosse um

integrante de sua equipe ou grupo político, mas da sua oposição, que se

apresenta como contrária às políticas neoliberais que resultassem em

desestatização, desindustrialização, perda de empregos (dada a abertura

comercial) e dependência do financiamento externo (com capital especulativo).

Durante os anos Lula, vencedor nas eleições gerais de 2002, sucessor do

governo FHC, ocorre a manutenção de marcos importantes no processo de

estabilização, corroborando o que afirma Loureiro:

com a internacionalização dos mercados e a desregulamentação

dos fluxos de capitais, começa-se a observar uma tendência à

homogeneização da política macroeconômica entre governos

com diferentes orientações ideológicas, realçando-se, como

fatores fundamentais das políticas monetárias e fiscais, a

mobilidade internacional dos capitais e o regime cambial [...]até os

anos 70, as variações das políticas macroeconômicas nestes

Page 133: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

133

países estavam relacionadas com a coloração partidária do

governo e o grau de institucionalização de suas estruturas

corporativas. Mas, a rápida convergência dessas políticas, nos

anos 80, tem a ver com a internacionalização da economia

(LOUREIRO, 2001, p. 76-77)

Contudo, graças a mudanças no panorama internacional e ao ganho de

escala de algumas políticas sociais, ocorre uma expansão do mercado

consumidor com queda do desemprego, levando à emergência de uma classe

trabalhadora consumidora.

Essa ascensão contempla o outro lado da moeda no aperfeiçoamento dos

mecanismos de accountability, promovendo uma sociedade mais plural e

refletindo um Estado mais responsivo em relação à massa de trabalhadores

historicamente esquecida.

Há uma recomposição do valor do salário-mínimo, remontando aos anos

de ditadura civil-militar, uma maior geração de empregos das últimas quatro

décadas (POCHMANN, 2012), e a já pronunciada ampliação de escala de

políticas sociais, como o financiamento agrícola, a transferência de renda com

condicionalidades, dentre outas medidas.

Em que pese existir uma mudança importante, dado o fato de que em

nenhum momento da história brasileira foi documentada uma combinação de

crescimento econômico com diminuição de desigualdades, tampouco já se

registrou um período tão longo de institucionalidades democráticas, a ascensão

social não foi considerada nessa tese como uma mudança de classes sociais,

pois não ocorre mudança no perfil ocupacional e não se verifica ampliação do

tempo livre.

De todo modo, ocorre uma diminuição das despesas relativas dos

alimentos, aceleração das transformações sociais, incluindo maior escolaridade,

maior acesso a bens de consumo e acesso aos serviços, não apenas ofertados

pelo setor público, mas também pelo setor privado.

Essa ascensão, foi denominada na tese como “ascensão horizontal”,

sinalizando que não ocorre mudança de classe mas há mudança no bem-estar

das famílias e há mais condições objetivas para que estas permaneçam

Page 134: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

134

diminuindo o número de integrantes e expandindo a escolaridade, seja pela

oferta pública ou privada.

As políticas sociais, acreditamos, se desenvolveram em um processo

incremental, não significando mera continuidade ou continuísmo das agendas de

outros governos, implicando em uma policy learning e a um path dependence. A

reversão ou revisão da trajetória passa a ter alto custo para um governante, a

depender da profundidade de tais iniciativas.

A concepção institucionalista aqui apresentada leva em consideração,

ainda, que o incrementalismo social verificado após a promulgação da

Constituição Federal de 1988, esteve calcado no presidencialismo de coalizão e

na responsabilidade fiscal, se constituindo em um complexo sistema, envolvendo

ainda a realidade federativa brasileira.

Os resultados foram de expansão da oferta de bens cívicos.

Consideramos o acesso regulado aos bens cívicos uma característica dos

países em desenvolvimento, dada a escassez em sua oferta, com a definição de

quem merece ou não ter acesso.

Obviamente, nesse sentido, a ampliação da oferta dos bens cívicos

converge para um quadro de maior responsividade do Estado brasileiro.

Os possuidores de tais bens veem a sua participação social e o

reconhecimento assegurados, não por simplesmente possuí-los, pois há uma

perspectiva relacional, de reconhecimento e inserção desses indivíduos.

Ultrapassa a mera oferta de serviços públicos, mas também inclui o tempo livre,

o consumo e a forma como as trocas simbólicas se dão no contexto social, no

sentido de promover a igualdade de oportunidades.

Obviamente, o Estado possui papel central na oferta de alguns bens

cívicos, como a saúde, a educação e a segurança pública; também o

desenvolvimento do transporte, incentivos públicos à sua utilização, além da

comunicação e desenvolvimento do mercado.

Os bens cívicos operam como dispositivos importantes para promover a

igualdade e o aprofundamento de uma sociedade reflexiva.

Page 135: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

135

A inserção social verificada no período analisado, 2001-2011, foi

denominada como inserção dependente, dado o fato de ainda não ter se

configurado um aumento da ocupação de postos de trabalhos mais qualificados

e reflexivos.

Consideramos que se faz necessário aperfeiçoar o nosso entendimento

sobre a correlação entre bens cívicos e inserção social, no sentido de se indagar

sobre o processo de promoção de grandes contingentes humanos para o

patamar de cidadão, mais participativos, capazes de exercer o controle efetivo

das ações públicas e a responsabilização de burocratas e lideranças políticas.

Quando tal quadro se fizer realidade, estaremos diante de um país de

classe média e plural na construção da agenda e das políticas públicas, dada a

ampliação da autonomia dos indivíduos.

Teremos, então, de lidar com outros problemas sociais, outras situações

que trarão inquietação de pesquisadores, governos e da sociedade. Mas, então,

enfim, teremos superado as nossas características mais marcantes, pois

provavelmente deixaremos no passado a violenta desigualdade e a

marginalização social.

Page 136: políticas governamentais e redistributivismo no brasil (2001 a 2011)

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