políticas de regulação do mercado de medicamentos

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RESUMO Este texto analisa as políticas de regulação do mercado de medicamentos adotadas nos países desenvolvidos, agrupando-as de acordo com o seu objetivo principal – se atuar sobre o lado da oferta ou da demanda. Tais políticas são motivadas tanto por questões econômicas (fomentar a concorrência, por exemplo) quanto de política sanitária (garantir o acesso da população aos medicamentos a um menor custo), como fica claro ao se examinar com mais detalhes a experiência de alguns países selecionados. A experiência internacional deve ser considerada por países como o Brasil na definição de suas políticas de medicamentos, com o devido cuidado para não perder de vista as especificidades dos mercados farmacêuticos locais, as necessidades da população, os objetivos sanitários específicos, os objetivos mais amplos das políticas públicas e os recursos disponíveis. ABSTRACT This paper analyzes regulatory polices applied to the medications market in developed countries and classifies them as supply side or demand based depending on the main thrust of intervention. A more detailed examination of the experience of certain countries clearly shows that these polices are based on economic reasons (such as encouraging competition) and general health policy (ensuring access to low cost medications). The international experience should be reviewed by countries such as Brazil in order to determine policy for access to medications, while being careful to keep in mind the specific features of its local pharmaceutical markets, the needs of the population, specific public health objectives and available resources. * A autora agradece a José Serra, Geraldo Biasoto Jr., Armando Castelar Pinheiro, Luiz Carlos Magalhães, José Claudio Linhares Pires, Raul Molina e Claudio Salm, por contribuírem com seus comentários e sugestões valiosas para a melhoria de versões anteriores deste texto. A Raul Molina, agradecimentos adicionais pelo acesso que propiciou a várias das referências bibliográficas aqui utilizadas. A autora é grata também a autoridades sanitárias da Grã-Bretanha, de Portugal e do Canadá por informações sobre as políticas de medicamentos de seus países, a David Vivas pelo apoio na obtenção de informações sobre o funcionamento do sistema de saúde espanhol, a Ruben Suarez por um esclarecimento importante sobre o caso americano e a Cláudio Ramos pela assistência de pesquisa. Como de praxe, o resultado final é de responsabilidade exclusiva da autora. ** Economista do BNDES, atualmente assessora do ministro da Saúde. Políticas de Regulação do Mercado de Medicamentos: A Experiência Internacional* Políticas de Regulação do Mercado de Medicamentos: A Experiência Internacional* ELBA CRISTINA LIMA RÊGO** REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 7, N. 14, P. 367-400, DEZ. 2000

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RESUMO Este texto analisa aspolíticas de regulação do mercado demedicamentos adotadas nos paísesdesenvolvidos, agrupando-as deacordo com o seu objetivo principal –se atuar sobre o lado da oferta ou dademanda. Tais políticas são motivadastanto por questões econômicas(fomentar a concorrência, porexemplo) quanto de política sanitária(garantir o acesso da população aosmedicamentos a um menor custo),como fica claro ao se examinar commais detalhes a experiência de algunspaíses selecionados. A experiênciainternacional deve ser considerada porpaíses como o Brasil na definição desuas políticas de medicamentos, como devido cuidado para não perder devista as especificidades dos mercadosfarmacêuticos locais, as necessidadesda população, os objetivos sanitáriosespecíficos, os objetivos mais amplosdas políticas públicas e os recursosdisponíveis.

ABSTRACT This paper analyzesregulatory polices applied to themedications market in developedcountries and classifies them assupply side or demand baseddepending on the main thrust ofintervention. A more detailedexamination of the experience ofcertain countries clearly shows thatthese polices are based on economicreasons (such as encouragingcompetition) and general healthpolicy (ensuring access to low costmedications). The internationalexperience should be reviewed bycountries such as Brazil in order todetermine policy for access tomedications, while being careful tokeep in mind the specific features ofits local pharmaceutical markets, theneeds of the population, specificpublic health objectives and availableresources.

* A autora agradece a José Serra, Geraldo Biasoto Jr., Armando Castelar Pinheiro, Luiz CarlosMagalhães, José Claudio Linhares Pires, Raul Molina e Claudio Salm, por contribuírem com seuscomentários e sugestões valiosas para a melhoria de versões anteriores deste texto. A Raul Molina,agradecimentos adicionais pelo acesso que propiciou a várias das referências bibliográficas aquiutilizadas. A autora é grata também a autoridades sanitárias da Grã-Bretanha, de Portugal e doCanadá por informações sobre as políticas de medicamentos de seus países, a David Vivas pelo apoiona obtenção de informações sobre o funcionamento do sistema de saúde espanhol, a Ruben Suarezpor um esclarecimento importante sobre o caso americano e a Cláudio Ramos pela assistência depesquisa. Como de praxe, o resultado final é de responsabilidade exclusiva da autora.

** Economista do BNDES, atualmente assessora do ministro da Saúde.

Políticas de Regulação doMercado de Medicamentos: AExperiência Internacional*

Políticas de Regulação doMercado de Medicamentos: AExperiência Internacional*

ELBA CRISTINA LIMA RÊGO**

REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 7, N. 14, P. 367-400, DEZ. 2000

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1. Introdução

s produtos farmacêuticos têm contribuído decisivamente para aredução das taxas de mortalidade e de morbidade do homem, sendo

a disponibilidade de medicamentos crescentemente poderosos e efetivos umdos principais diferenciadores entre a prática da medicina hoje e há 100 ou50 anos atrás [Jacobzone (2000)]. No início do século 20, apesar da produçãode inúmeros medicamentos, poucas eram as enfermidades que podiam serpor eles curadas ou controladas [Getzen (1997)]. Farmacêuticos, químicose os próprios médicos misturavam porções e elixires, utilizando-se defórmulas padronizadas ou por eles desenvolvidas. A maior parte dos labo-ratórios estava voltada para a manipulação artesanal de produtos de origemvegetal e de soros e vacinas – estes últimos desenvolvidos, em grande parte,graças às pesquisas de Louis Pasteur (1822-1895).

Se no início do século 20 o processamento de produtos farmacêuticos estavaa cargo de pequenos estabelecimentos voltados para mercados locais, desdeos anos 70 cabe às grandes empresas transnacionais o controle da produçãoda maior parte dos medicamentos consumidos em todo o mundo. Em 1998,80% do mercado farmacêutico mundial eram comandados por aproximada-mente 50 empresas [Fundación Isalud (1999)].

Nos últimos anos, o consumo mundial de medicamentos tem crescido a taxasem torno de 7% ao ano, apresentando um ritmo de crescimento maisacelerado nos países desenvolvidos [Fundación Isalud (1999)]. Uma parteda população mundial (de maior poder aquisitivo e/ou com algum tipo decobertura pública ou privada) apresenta níveis elevados de consumo, en-quanto outra não tem sequer acesso a medicamentos essenciais. Em 1985,os 75% da população mundial que viviam nos países em desenvolvimentoconsumiam apenas 21% das drogas produzidas mundialmente1 [WHO(1988)].

Em tais países, particularmente na América Latina, grandes são as diferen-ças entre os níveis de consumo por parte dos diferentes estratos da popula-ção, com as camadas de maior poder aquisitivo apresentando padrões deconsumo similares aos dos países mais ricos e as camadas mais pobres com

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1 De acordo com outra fonte, em 1990 a participação dos países em desenvolvimento no consumomundial de medicamentos teria sido de apenas 19% [Scherer (1993)]. Convém lembrar que asestatísticas sobre a produção e o consumo de medicamentos devem ser consideradas com cautela,pois podem estar “viesadas” por variáveis como taxa de câmbio.

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dificuldade de acesso aos medicamentos básicos. De modo geral, tal fato sedeve a uma combinação perversa: má distribuição da renda e precariedade(ou ausência) da assistência farmacêutica por parte dos sistemas públicosde saúde.

Nos países desenvolvidos, o consumo de medicamentos e de serviços desaúde tem crescido a taxas elevadas, em razão do envelhecimento da popu-lação, do aumento das doenças crônicas e da disseminação das novas ecustosas tecnologias médicas. O aumento dos gastos públicos com saúde ataxas superiores às da renda nacional e a necessidade de reduzir desequilí-brios fiscais motivaram a realização de amplas reformas sanitárias em váriospaíses a partir dos anos 80.2

Com relação aos medicamentos, o leque de políticas adotadas tem sidobastante amplo, envolvendo a criação de inúmeros organismos voltadosespecificamente para a regulação do mercado farmacêutico, inclusive noque diz respeito a preços. Algumas políticas têm gerado efeitos apenas nocurto prazo; outras ainda estão sob avaliação. Se não são capazes de reduziros gastos como pleiteado, muitas medidas adotadas têm contido a escaladados mesmos, assim como dos preços dos medicamentos, em vários países.

Atualmente, os preços dos medicamentos estão livres na minoria dos paísesda Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),mas mesmo nesses casos um controle indireto é exercido, com a definiçãode um sistema de preços de referência (caso da Alemanha) e os diversoscritérios de inclusão de produtos nas listas de medicamentos passíveis decobertura. Praticamente nenhum governo abre mão de utilizar o seu poder demonopsônio para contrabalançar o poder de monopólio das empresas protegi-das por patentes [Jacobzone (2000), Mossialos (1997) e Reekie (1996)].

Este texto tem como objetivo examinar as políticas de regulação dosmercados de medicamentos adotadas nos países desenvolvidos, em vista daimportância da questão para o Brasil. Na seção seguinte, são destacadasalgumas das principais características dos mercados farmacêuticos, enfa-tizando-se as suas principais falhas. Na terceira seção, são apresentadosalguns números sobre produção, consumo e gastos com medicamentos nospaíses da OCDE. Em seguida, são analisados os principais instrumentos deregulação do mercado, agrupados de acordo com seu objetivo principal: atuar

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2 As reformas dos sistemas de saúde voltadas para o mercado realizadas nos anos 80 e 90 tiveramcomo objetivos a redução de custos e o aumento da eficiência, da qualidade e da efetividade. Osmercados, no entanto, podem aumentar a desigualdade e promover a provisão de tratamentosineficazes mas lucrativos [Mossialos (1997)]. Porém, não se pode negar que aqueles objetivos devemser almejados.

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sobre a demanda ou sobre a oferta de medicamentos. Na quinta seção, sãoapresentadas as políticas de regulação de alguns países selecionados: Grã-Bretanha, Portugal, Canadá e Estados Unidos. Nas considerações finais, sãolevantados alguns elementos que parecem contribuir para o êxito das polí-ticas em questão, destacando que a experiência internacional deve serconsiderada pelo Brasil na definição de suas políticas sobre medicamentos.Isso, no entanto, deve ser feito com o devido cuidado, para não perder devista as especificidades do mercado farmacêutico nacional, as necessidadesda população, os objetivos das políticas sanitárias e das políticas públicascomo um todo e as restrições orçamentárias.

2. O Mercado Farmacêutico

Breve Histórico

Os avanços que ocorreram na farmacologia, sobretudo a partir do início doséculo 20, deveram-se aos investimentos em pesquisas realizados nos Es-tados Unidos e, sobretudo, na Europa, custeados por órgãos governamentaise pelas empresas farmacêuticas maiores. Foram essas pesquisas que permi-tiram o nascimento da farmacologia moderna, de base química, na Europa,cuja paternidade é atribuída a Paul Ehrlich (Prêmio Nobel de Medicina de1908). Responsável pelo primeiro tratamento efetivo para a sífilis, eledefiniu os princípios da ação seletiva das drogas, permitindo o desenvolvi-mento de uma base lógica para a pesquisa de novas substâncias químicas[Câmara dos Deputados (1980)].

A moderna firma farmacêutica surgiu entre os anos 40 e 50, com início daprodução industrial de alguns medicamentos a partir de substâncias isoladasquimicamente. Nesse processo, teve grande importância a Segunda GuerraMundial, que abriu mercado nas forças armadas para o consumo de novosprodutos e, ao levar à destruição boa parte do parque industrial europeu,ensejou a hegemonia dos Estados Unidos como grandes propulsores doprocesso de produção industrial internacional. As empresas do país as-sumiram a liderança do processo de inovação e de desenvolvimento denovos produtos farmacêuticos e transformaram-se progressivamente emgrandes complexos industriais transnacionais [Bermudez (1995)].

Os contornos que a indústria farmacêutica tomaria foram influenciados portrês mudanças ocorridas nos Estados Unidos nos anos 40. A primeira foi aintrodução de novas técnicas para encontrar e isolar substâncias potencial-mente benéficas a partir do processo de descoberta da estreptomicina. Asegunda foi o estabelecimento, pelo U.S. Patent Office, de que as modifica-ções químicas que permitiam o isolamento e a purificação da estreptomicina

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criavam um novo produto cujo processo de desenvolvimento era patenteável.A terceira foi a utilização pelas empresas inovadoras, a partir daí, do direito depatente para controlar a produção, a distribuição e o preço de seus produtos,marcando o início da era da moderna firma farmacêutica [Getzen (1997)].

Assistiu-se, então, ao rápido desenvolvimento de novos produtos nos anosseguintes. O ritmo de lançamento de novos remédios somente sofreria umadesaceleração no início dos anos 60, quando os inúmeros casos de malfor-mação congênita decorrente da utilização da talidomida por mulheres grá-vidas levariam a políticas de registro de produtos farmacêuticos maisrigorosas, com um maior controle sobre a qualidade, a segurança e a eficáciados mesmos3 [Bermudez (1995)]. O maior rigor dos órgãos de vigilânciasanitária, sobretudo nos Estados Unidos, com a exigência de testes clínicospreviamente à colocação de novos produtos no mercado, aumentou a im-portância e os gastos com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Desde a década de 70, as grandes empresas transnacionais, cuja forçacompetitiva é determinada pelos gastos com P&D e com marketing e pelosistema de patentes, controlam os mercados de produtos farmacêuticos,respondendo pela produção da maior parte dos medicamentos consumidosem escala mundial. Nos últimos anos, tais mercados têm passado por rápidastransformações, devido à expiração das patentes de drogas introduzidas nosanos 60 e 70 e à entrada de genéricos, aos aumentos dos custos com P&D,4

às mudanças no marco regulatório nos países da OCDE,5 à adaptaçãoespontânea das empresas às novas condições de mercado e às mudanças nossistemas de distribuição (ocorridas sobretudo nos Estados Unidos). Essasmudanças, captadas apenas parcialmente pelos indicadores econômicos,têm motivado uma série de fusões e de compras de empresas (rivais eprodutoras de genéricos). Através desses processos, as grandes empresasbuscam aumentar sua participação no mercado, ampliar seu portfólio deP&D, reduzir riscos, conquistar economias de escala e resistir melhor àspressões dos compradores institucionais. Nos Estados Unidos, onde osistema de distribuição de medicamentos tem passado por mudanças es-truturais significativas, além da concentração horizontal, há uma tendênciaà concentração vertical, com algumas empresas farmacêuticas assumindo o

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3 Desde 1938 que a colocação de novas drogas no mercado americano dependia de aprovação doFood and Drugs Administration (FDA), nos termos do Food, Drug and Cosmetic Act. Essa lei foipromulgada pelo Congresso americano depois que mais de 100 crianças morreram ao tomar vacinapara difteria. A talidomida vinha sendo amplamente distribuída aos médicos americanos em caráterexperimental antes mesmo de receber a aprovação do FDA [Getzen (1997)].

4 A aceleração dos custos com P&D nos 80 é atribuída a fatores como redução do stock total dedescobertas e mudanças estruturais nos métodos de pesquisa [Jacobzone (2000)].

5 Apesar de todas as pressões regulatórias, a indústria farmacêutica foi capaz de preservar suasmargens de lucro até o final dos anos 80 [Jacobzone (2000)].

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controle direto de parte do processo de distribuição de seus produtos[Jacobzone (2000)], como se verá mais adiante.

Principais Falhas do Mercado Farmacêutico

A concorrência nos mercados farmacêuticos é limitada pela presença devárias falhas, que conferem grande poder a algumas empresas. As maisimportantes delas são listadas a seguir:

x Existência de oligopólios e de monopólios – Ainda que nenhuma em-presa farmacêutica controle uma grande parcela do mercado do conjuntodos medicamentos,6 quando estes são analisados por especialidades tera-pêuticas observa-se que a oferta no mercado relevante está altamenteconcentrada, com poucas empresas controlando a produção de medica-mentos por classe terapêutica. Desse modo, uma das principais caracterís-ticas do mercado farmacêutico é a existência de grandes monopólios eoligopólios por classes e subclasses terapêuticas, sendo comuns os casosem que um único laboratório domina mais da metade de um mercadoespecífico. Isso ocorre porque os produtos farmacêuticos são heterogê-neos (não existem remédios universais) e diferenciam-se por classes esubclasses terapêuticas, possuindo uma baixa substitutibilidade. O poderde mercado de algumas poucas empresas produtoras de medicamentos éreforçado pelo controle que elas detêm das fontes de matéria-prima.

x Proteção por patentes e lealdade a marcas – O setor farmacêuticodepende de altos investimentos em P&D, mas não se caracteriza pelaexistência de barreiras naturais ou técnicas significativas à entrada decompetidores potenciais, em razão de a indústria farmacêutica não sermuito intensiva em capital e depender de uma tecnologia facilmentecopiável em determinadas fases produtivas. Isso faz com que as empresasdo setor busquem barreiras institucionais como as marcas e, principal-mente, as patentes.7 Estas últimas permitem que empresa inovadora

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6 Em 1998, a participação da empresa líder mundial (a Merck) no mercado global de medicamentosera inferior a 4% [Fundación Isalud (1999)].

7 Por demanda das empresas americanas, particularmente das farmacêuticas, as autoridades dosEstados Unidos passaram, a partir dos anos 80, a exercer pressões crescentes sobre os outros paísespara que reconhecessem os direitos de patentes. Segundo Scherer (1993), o Congresso americanofoi persuadido a colocar as patentes e outras leis de propriedade intelectual que não atendiam aosinteresses das empresas dos Estados Unidos como um dos principais alvos da “Super 301” (ins-trumento legal que permite ao governo do país retaliar os países que supostamente prejudicam osinteresses comerciais de empresas americanas). Tais pressões, inicialmente voltadas para os outrospaíses desenvolvidos e posteriormente direcionadas para os países em desenvolvimento, explicam asdiversas iniciativas de países latino-americanos – do Brasil inclusive – para o reconhecimento dosdireitos de propriedade industrial e de patentes. Vale lembrar também que foi por pressão americanaque os direitos de propriedade intelectual passaram a ser garantidos pelas regras que norteiam ocomércio internacional, administradas desde 1995 pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

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mantenha um monopólio sobre seus produtos e processos por um deter-minado período. A lealdade à marca, geralmente criada e mantida pormeio da publicidade8 e da inércia dos médicos, permite que os laborató-rios conservem nichos de mercado mesmo depois de suas patentesexpirarem [Fundación Isalud (1999)].

x Assimetria de informação – Como ocorre nos demais mercados de bense serviços de saúde, nos mercados farmacêuticos os consumidores finais,além de não decidirem sobre o que devem consumir, sabem muito poucosobre a qualidade, a segurança, a eficácia, o preço e as característicasespecíficas do medicamento que lhes foi prescrito. O médico e o farma-cêutico, que seriam os mais bem informados, sabem menos que oslaboratórios. Na verdade, todos – paciente, médico e farmacêutico –dependem inicialmente de informações fornecidas pelo fabricante quantoà eficácia, às contra-indicações e aos efeitos colaterais do produto [Fun-dación Isalud (1999)]. Daí a importância crucial de órgãos de vigilânciasanitária bem estruturados e aparelhados.

x Separação das decisões sobre prescrição, consumo e financiamento– De modo geral, quem consome não é quem decide sobre os medica-mentos, quem decide não paga e quem paga (parcial ou integralmente)às vezes é um terceiro, como é o caso quando os medicamentos sãocobertos por seguros públicos ou privados. Em conseqüência, há interes-ses contrapostos, dado que quem paga quer minimizar custos, quemconsome quer o melhor e quem decide é influenciado pela oferta, que,além de ser concentrada, procura induzir a um maior consumo9 [Fun-dación Isalud (1999)].

Tem-se, pois, que os mercados farmacêuticos caracterizam-se pela exis-tência de várias falhas, que restringem a concorrência e dão grande poderàs empresas na fixação de seus preços. As políticas de regulação adotadas

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8 Historicamente, os gastos com publicidade das empresas farmacêuticas têm sido quase tão elevadosquanto os gastos com P&D, tendo aumentado mais do que estes últimos nos anos 80, ao mesmotempo em que caíam os custos de produção [Jacobzone (2000)]. Nos anos 90, pelo menos nos EstadosUnidos, os gastos com pubicidade e as atividades de vendas das empresas farmacêuticas podem tersido afetados pela administração de formulários e pelo monitoramento da utilização das drogas porparte dos seguradores privados, havendo indícios sobre a redução da efetividade das visitas dosrepresentantes farmacêuticos aos médicos [Gahan (1994)]. Em 1999, as empresas farmacêuticasamericanas investiram US$ 20 bilhões em P&D e gastaram US$ 14 bilhões com publicidade[Noonan (2000)].

9 Referindo-se ao sistema de saúde britânico, Furnis (1994) explica essa característica do mercadofarmacêutico fazendo uma analogia com um jantar para três, que começa quando o médico entra norestaurante, examina o cardápio, escolhe a comida e vai embora. Em seguida, entra o paciente, senta-seà mesa e come a refeição que ele não pediu e que não tem intenção de pagar. Após terminar de comer,tendo gostado ou não, levanta-se e vai embora. Entra então o financiador (no exemplo de Furnis,o governo britânico) e paga pela comida que ele não pediu nem comeu.

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por inúmeros países procuram garantir condições mínimas de concorrênciae o acesso da população aos medicamentos a um menor custo.

3. Medicamentos nos Países da OCDE: Produção,Gastos e Preços 10

Os Estados Unidos são os maiores produtores mundiais de produtos farma-cêuticos, embora não sejam grandes exportadores. O mercado americanoequivale a um terço do mercado da OCDE, e as empresas lá sediadascontrolam aproximadamente metade da produção do bloco. O país apresentao maior nível de consumo per capita entre todos os países, mesmo quandose faz o ajuste pela paridade do poder de compra.

As grandes multinacionais exportadoras estão sediadas na Suíça, na Alema-nha, na Grã-Bretanha e na Suécia. Além desses países, apresentam tambémsuperávits elevados na área de farmacêuticos a Bélgica, a Dinamarca e aIrlanda, enquanto a França tem um pequeno superávit. Os países do LesteEuropeu, a Coréia, a Austrália, a Itália, a Finlândia e a Noruega sãoimportadores líquidos de produtos farmacêuticos, assim como o Japão,principal importador de drogas da OCDE.

Nos últimos anos, a Coréia tem despontado no setor, sendo que sua produçãojá é maior que a da Espanha e tão elevada quanto a do Canadá e a da Bélgicasomadas. As empresas japonesas não são internacionalizadas e as francesase italianas apenas de forma modesta.

Nos anos 80, os gastos com medicamentos na OCDE cresceram 3,5% a.a.e, entre 1990 e 1996, 4,6%, em média e a preços constantes. Ainda nos anos80, as maiores taxas de crescimento ocorreram no Canadá, na Itália e emPortugal e, nos anos 90, na Grécia, em Portugal, na Suécia, na Noruega, naDinamarca, na Austrália e na Finlândia. Nos mesmos períodos, o gastopúblico cresceu, respectivamente, 4,5% e 4,9%. Nos anos 90, os maioresaumentos ocorreram na Dinamarca, sendo também significativos na Aus-trália, nos Estados Unidos, em Portugal, na Irlanda e na Suécia.

Em relação ao nível de gasto, a situação é a seguinte:

x Gastos totais como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) – Osgastos totais dos países da OCDE com produtos farmacêuticos (exclusivehospitais) variam entre 0,7% e 2,2% PIB (1,2% em média), representando

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10 A maior parte das informações desta seção tem como fonte Jacobzone (2000).

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entre 8% e 29% do total do gasto com saúde (15% em média). Essespercentuais diminuíram entre 1970 e 1980 e aumentaram entre 1990 e 1996.A participação dos gastos no PIB é menor nos Estados Unidos e na Suíça emaior na Turquia, na Grécia, na Hungria, em Portugal e na RepúblicaTcheca. Em termos per capita, os gastos são menores no norte da Europa(Irlanda, Dinamarca e Noruega) e mais elevados no Japão, nos EstadosUnidos, na França, na Islândia, na Bélgica e na Alemanha.

x Gastos públicos – Os gastos públicos com medicamentos na OCDEequivalem, na média, a 0,7% do PIB. A participação média aumentoucerca de 50% desde os anos 50, o que significa que os gastos farmacêu-ticos têm crescido em média 1,5% ao ano a mais que o PIB do bloco. Osgastos públicos com medicamentos são maiores como proporção do PIBnos países menos desenvolvidos – Portugal, Grécia, Hungria e RepúblicaTcheca – e menores na Dinamarca, na Noruega, em Luxemburgo, naSuíça, na Holanda e nos Estados Unidos.

Os gastos públicos com medicamentos representam 10% dos gastos públi-cos totais com saúde dos países da OCDE, sendo metade deles reembolsadapor fundos públicos. Nos Estados Unidos, tal proporção é a mais baixa, emrazão das características institucionais do seu sistema de seguro-saúde. Osgastos farmacêuticos têm um peso importante nos gastos públicos totais comsaúde no Japão, na Espanha, na República Tcheca, na Grécia, na Hungria,em Portugal e na Turquia. No Japão, a maior parte dos medicamentos édistribuída pelos médicos, remunerados pela prestação desse serviço, o queincentiva a prescrição excessiva. Em função disso, as autoridades estãoadotando medidas para separar a prescrição da dispensação de medicamen-tos. Em 1994, apenas 18% dos medicamentos vendidos no país foramdispensados por farmácias. Algo similar, segundo Jacobzone, aconteceriana Holanda.

Existem vários estudos comparando os preços dos medicamentos em diver-sos países, e a maior parte deles mostra que os remédios são mais caros nosEstados Unidos e na Alemanha e mais baratos em países como Portugal eEspanha. Alguns analistas, no entanto, argumentam que tais comparaçõesdevem ser tomadas com cautela pois em geral se baseiam em pequenasamostras de produtos de marca líderes e na utilização de médias simples,em vez de médias ponderadas, e não levam em conta fatores como flutuaçõescambiais e diferenças nos níveis de renda per capita, no custo de vida, nametodologia de cálculo dos índices estatísticos,11 nos níveis de impostos, no

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11 Para uma boa discussão a respeito das deficiências dos índices tradicionais de preço em captar asvariações nos preços dos medicamentos no caso dos Estados Unidos, ver Scherer (1993).

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sistema de distribuição etc. [Haaijer-Ruskamp e Dukes (1991), Gahan(1994) e Jacobzone (2000)]. Quando algum tipo de ajuste é feito, a dispersãoentre os preços é bem menor, com os preços nos diversos países não sendotão elevados ou tão baixos quanto parecem inicialmente. É por essa razãoque a OCDE, em vez de estabelecer um ranking entre os países a partir dosseus níveis de preços, prefere classificá-los em três grupos, a saber:

x países com preços relativamente altos – Estados Unidos, Alemanha eSuíça;

x países com preços relativamente intermediários – Grã-Bretanha (o maisbaixo), Austrália, Holanda e Canadá; e

x países com preços mais baixos – Itália, Espanha, Portugal, Grécia e,possivelmente, Japão.

A França estava no terceiro grupo, mas recentemente os preços de seusmedicamentos foram ajustados para níveis mais próximos dos internacio-nais. A Holanda tinha preços mais altos, que diminuíram depois das refor-mas implementadas entre 1991 e 1996, estando agora no nível intermediário.As diferenças de preços são mais significativas para produtos introduzidosno mercado nos anos 70 e início dos 80. As variações são menos importantespara as drogas introduzidas no final dos anos 80 e início dos 90, devido àutilização, por parte de vários governos, de referências internacionais nadefinição dos preços dos medicamentos vendidos em seus mercados [Jacob-zone (2000)].

4. Regulação do Setor de Medicamentos

Os produtos farmacêuticos têm sido alvo da ação governamental na maioriados países da OCDE há muitos anos, particularmente nas duas últimasdécadas, quando, no bojo de amplas reformas sanitárias, têm sido adotadasinúmeras medidas para controlar os gastos e os preços dos medicamentos.Entre os países desenvolvidos, apenas os Estados Unidos não possuemqualquer tipo de regulação governamental para os preços dos medicamentos,o que não quer dizer que eles estejam totalmente livres, como se verá maisadiante.

Os países europeus são os que apresentam maior tradição em termos deregulação do mercado de produtos farmacêuticos, em razão da cobertura queseus seguros públicos de saúde lhes conferem, com alguns países já tendo,inclusive, lançado mão de reduções compulsórias e de congelamentos depreços (Espanha e Grã-Bretanha, por exemplo).

POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS: A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL376

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As políticas de regulação que têm apresentado maior êxito são aquelas quebuscam não apenas resultados de curto prazo, mas procuram influenciar embases mais permanentes o comportamento de todos os agentes envolvidosno mercado farmacêutico – médicos, pacientes, farmacêuticos, produtores,administradores de recursos. Muitas medidas têm produzido resultadosinferiores aos esperados, por problemas de implementação, por não perma-necerem pelo tempo necessário ou por não terem tido o suporte técnico e/oupolítico requerido. Como raramente uma medida é adotada isoladamente, amensuração de resultados individuais é geralmente bastante difícil.

As políticas de regulação dos mercados farmacêuticos são mais comuns etendem a ser mais efetivas nos países onde os sistemas públicos de saúdecobrem parcial ou integralmente os gastos com medicamentos da população.Alguns dos instrumentos adotados têm como foco o controle dos preços,enquanto outros são direcionados para o controle dos gastos. Os do primeirotipo destinam-se à regulação da oferta e tendem a ser evitados ou utilizadoscom mais cautela pelos países produtores de medicamentos. Os do segundotipo estão voltados para a demanda e procuram influenciar o comportamen-tos dos médicos e dos pacientes.

Regulação dos Medicamentos pelo Lado da Demanda

Do lado da demanda, o primeiro instrumento econômico utilizado pelamaior parte dos países da OCDE é a definição de listas com os medicamentospassíveis de cobertura total ou parcial pelo sistema nacional de saúde. Taislistas estão sujeitas a revisões periódicas, a partir de critérios variados. Aadoção do sistema de co-pagamento, em vez do pagamento integral, é umdos mecanismos utilizados por muitos países para evitar a sobreutilizaçãode medicamentos, dado que a gratuidade cria a possibilidade de moralhazard.12 A adoção de medidas para influenciar as prescrições dos médicose a utilização de critérios de custo-efetividade vêm conseguindo mais e maisadeptos. Os principais instrumentos de regulação dos medicamentos pelolado da demanda são descritos a seguir.

Listas Seletivas para Financiamento

Nos países em que o sistema público de saúde financia parcial ou integral-mente os medicamentos da população, é comum a existência de listaspositivas ou negativas, definindo o que é ou não passível de financiamento.

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12 A expresão inglesa moral hazard é geralmente traduzida no Brasil como risco moral. No sentido emque é empregada aqui, descreve a diminuição dos incentivos a poupar recursos por parte daquelescobertos por um seguro, de modo que os sinistros tendem a aumentar em razão do próprio seguro.

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Através das listas, os governos utilizam seu poder de mercado para evitarpreços abusivos, de modo a garantir o acesso da população aos medicamen-tos e manter sob controle os gastos públicos com saúde. Na definição daslistas, um dos principais aspectos da política farmacêutica, são utilizadoscritérios como essencialidade, efetividade clínica, análises farmacoeconô-micas e comparações de preços (de similares e do mesmo produto em outrospaíses). A Austrália foi o primeiro país a introduzir critérios farmacoeconô-micos para efeito de inclusão de medicamentos na lista do sistema nacionalde saúde, o que vem sendo progressivamente incorporado por outros países,como Portugal e Grã-Bretanha. Nos Estados Unidos, isso tem sido feitopelos planos de saúde privados que co-financiam a aquisição de medica-mentos por seus segurados.

Sistema de Co-Pagamento

Praticamente todos os países da OCDE onde os sistemas públicos de saúdecobrem os medicamentos utilizam-se de algum mecanismo financeiro (co-pagamento) para regular a demanda, a partir da constatação de que agratuidade pode levar ao sobreconsumo. Assim, a principal motivação paraa instituição de medidas de co-pagamento não é propriamente a existênciade falhas no mercado farmacêutico, mas sim a percepção de que os subsídiospúblicos embutidos nas políticas de assistência farmacêutica podem, aodistorcerem o sistema de preços, provocar a sobreutilização dos medicamen-tos. Em alguns países (Grã-Bretanha, Austrália, Japão, Nova Zelândia eHolanda), os usuários pagam um valor fixo por prescrição; em outros(Dinamarca, França, Grécia, Itália, Portugal, Bélgica, Irlanda, Coréia, Lu-xemburgo, Noruega, Espanha, Suíça, Suécia, Turquia, Canadá e segura-doras privadas americanas), pagam um percentual sobre o preço domedicamento. Adotam sistemas mistos a Finlândia e a Itália.

Níveis de co-pagamento mais elevados por parte dos usuários reduzem apossibilidade de excesso de consumo das pessoas de renda média e alta, maspodem privar os mais pobres e os portadores de doenças crônicas do acessoao medicamento, e assim elevar a demanda por internações, com custosmaiores. Em função disso, inúmeros países que adotam o mecanismo deco-pagamento tendem a aplicar um tratamento diferenciado para algumascategorias (pessoas de baixa renda, idosos, doentes crônicos, dentre outras).Na Grã-Bretanha, por exemplo, 50% da população estão virtualmenteisentos do co-pagamento, recebendo os medicamentos gratuitamente. Oco-pagamento relacionado com o preço do medicamento parece mais efi-ciente do que um valor fixo por prescrição [Jacobzone (2000), Mossialos(1997) e Tobar e Garraza (2000)].

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Controle das Prescrições

Vários países têm procurado adotar medidas para influenciar o comporta-mento de prescrição dos médicos, mas poucos têm obtido êxito, pos-sivelmente porque ainda não se sabe o suficiente sobre o que determina talcomportamento. Alguns estudos apontam fatores como idade do médico,aversão ao risco e inércia, indicando que simples campanhas de informaçãoparecem não ter muito efeito sobre as decisões de prescrição. De modo geral,os médicos, quando se familiarizam com a ação e os efeitos colateraispotenciais de um medicamento, tendem a resistir a testar novos produtos, amenos que sejam convencidos de que os mesmos apresentam vantagenssubstanciais em termos de eficácia ou de efeitos adversos. Embora aindasejam escassos os estudos sobre os impactos efetivos das medidas parainfluenciar a prescrição, há indicações de que os melhores resultados juntoaos médicos estejam sendo obtidos na Grã-Bretanha, onde o padrão deprescrições parece ser mais poupador de recursos que o de outros países.13

Há indícios de que medidas mais efetivas envolvem algum tipo de incentivoou desincentivo financeiro.

Estabelecimento de Tetos Orçamentários

Muitos países têm lançado mão de orçamentos individuais ou globais paracontrolar os gastos com saúde de modo geral e com medicamentos emparticular. Na Grã-Bretanha, desde 1991, os fundholding general practitio-ners (GPs)14 trabalham com orçamentos próprios, nos quais estão definidostetos para o tratamento de seus pacientes, inclusive com medicamentos ehospitais. A França e a Alemanha têm estabelecido um orçamento nacionalpara medicamentos, com penalidades para os médicos e para a indústriaquando as metas são ultrapassadas. Tal política tem levado a reduçõessignificativas das prescrições e/ou ao aumento das prescrições de produtosmais baratos, mas tem gerado muitas reclamações por parte dos médicos.Na Alemanha, desde 1993 são definidos orçamentos para cada zona cobertapor uma associação de médicos. Aquela que ultrapassa os orçamentos estáobrigada a reembolsar o sistema de saúde até um determinado teto, e o queexceder a esse teto deve ser coberto pela indústria farmacêutica. Em 1995,as autoridades alemãs passaram a trabalhar com orçamentos indicativos paracada médico, de acordo com a sua especialidade, a estrutura etária de seuspacientes e as especificidades epidemiológicas da região onde atuam [Mos-sialos (1997) e Jacobzone (2000)]. Ao estabelecerem tetos orçamentários e

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13 As medidas adotadas pela Grã-Bretanha são apresentadas na Seção 5.14 Os GPs são a porta de entrada no sistema de saúde inglês. É através deles que os pacientes são

encaminhados aos especialistas e aos hospitais. Os GPs que administram clínicas autônomas e quepossuem orçamentos próprios são chamados de fundholders.

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responsabilizarem os encarregados pela prestação de serviços de saúde porseus gastos, as autoridades sanitárias buscam lidar com o problema daseparação entre as decisões de prescrição e de financiamento.

Promoção dos Genéricos 15

Muitos países têm adotado políticas agressivas de promoção dos genéricoscomo forma de propiciar à população remédios a preços mais acessíveis ede reduzir os gastos com assistência farmacêutica. Nos Estados Unidos,primeiro país a adotar essas políticas, os genéricos têm entrado no mercadoem média três meses após a expiração da patente.16 Reduções nos preçosdos remédios de referência geralmente só são observadas quando entram nomercado vários concorrentes genéricos [Jacobzone (2000)]. O impacto dosgenéricos sobre os preços dos remédios de marca nem sempre acontece oué pouco significativo por dois motivos: o primeiro está relacionado com ocomportamento dos médicos, que tendem a continuar prescrevendo osremédios de marca mesmo quando substitutos genéricos existem, pelasrazões mencionadas acima no item “Controle das Prescrições”; o segundorefere-se ao fato de os consumidores não terem conhecimentos suficientespara avaliar as alternativas e os riscos de substituição dos remédios de marcaprescritos [Scherer (1993)]. Na verdade, muitas vezes os usuários nemsabem que tais alternativas (os genéricos) existem.

A experiência internacional parece indicar que têm obtido mais êxito napromoção de genéricos os países onde as ações para influenciar o compor-tamento dos médicos não se limitam a campanhas informativas, envolvendoalgum tipo de responsabilização dos mesmos pelo que prescrevem, campa-nhas eficientes de informação voltadas para a população sobre a existência

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15 Na verdade, a política de promoção de genéricos envolve medidas que afetam tanto o lado dademanda quanto o da oferta de medicamentos. Do lado da oferta, destacam-se ações como incentivoà produção, abreviação dos processos de registro e exigência de que a etiqueta e a publicidade dosmedicamentos incluam a denominação genérica. Do lado da demanda, sobressaem medidas parainfluenciar as decisões de prescrição dos médicos, campanhas publicitárias para informar osusuários quanto à existência de substitutos genéricos mais baratos e incentivos no sistema deco-pagamento à aquisição dos mesmos [Fundación Isalud (1999)].

16 Em 1984, o Congresso americano aprovou o Drug Price Competition and Patent Term RestaurationAct (conhecido como Lei Waxman-Hatch), que, através da Abbreviated New Drug Application,isentou os produtores de genéricos de repetir todos os estudos comprobatórios de segurança e deeficácia exigidos para os medicamentos originais, introduzindo os testes de bioequivalência. Aomesmo tempo, também eliminou a proibição de substituição de medicamentos prescritos e aumentoua duração efetiva das patentes, que voltou aos níveis da metade dos anos 70. Vários outros paísestomaram iniciativas semelhantes à dos Estados Unidos no que diz respeito à promoção dosgenéricos. A duração da proteção propiciada pelas patentes havia sido reduzida devido aos testesmais rigorosos exigidos pelo FDA para a certificação de novas drogas [Getzen (1997)]. Nos anos90, com a expansão do mercado de genéricos em razão da atuação dos seguradores privados, váriasempresas farmacêuticas americanas produtoras de remédios de marca passaram a produzir gené-ricos e/ou adquiriram participação em produtores independentes.

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de alternativas igualmente eficazes e mais baratas que os remédios de marcae incentivos no sistema de co-pagamento à aquisição de genéricos.

A competição dos produtores de genéricos tem incentivado as empresasdetentoras de patentes a introduzir mudanças, algumas vezes “cosméticas”,em seus principais produtos. Essas mudanças podem dizer respeito à intro-dução de um mecanismo de liberação prolongada, à forma de apresentaçãoou ao acréscimo de uma substância que pouco ou nada afeta a ação domedicamento, para ficar em alguns exemplos [Getzen (1997)]. Os genéricosjá são importantes em termos de prescrição nos Estados Unidos, no Canadá,na Dinamarca, na Alemanha, na Holanda e na Grã-Bretanha.

Medidas Voltadas para o Lado da Oferta

Praticamente todos os países da OCDE exercem algum tipo de regulação domercado de medicamentos pelo lado da oferta, através do controle de preçosou de lucros da indústria farmacêutica. Os preços têm aumentado menos quea inflação em todos os países onde há um controle de preços mais efetivo –Itália, França, Grécia, Espanha, Austrália e Bélgica. Nos países onde ospreços são mais baixos e há maior cobertura por parte do sistema públicode saúde, o consumo per capita tende a ser maior.

Controle de Preços

Na maior parte dos membros da União Européia, os laboratórios têm quenegociar com as autoridades os preços dos medicamentos pagos total ouparcialmente com recursos públicos. As exceções ficam por conta da Alema-nha, da Dinamarca, da Holanda e de Luxemburgo, onde os serviços de saúdeestabelecem preços de referência por classe ou subclasse terapêutica, sendoa diferença, se houver, paga pelo segurado [Mossialos (1997)]. Os preçosdos medicamentos também estão sujeitos a controle no Canadá (remédioscom patente) e na Austrália. Nos Estados Unidos, ele é feito pelas Pharma-ceutical Benefit Managements (PBMs), empresas que gerenciam a assis-tência farmacêutica prestada pelos planos de saúde privados aos seussegurados. Nos países onde não há controle, os preços tendem a ser maiselevados.

As políticas voltadas para o controle de preços podem ter como foco ospreços de venda dos laboratórios e/ou os preços de venda ao consumidor.Nesse último caso, estão também sujeitas a controle as margens de comer-cialização dos atacadistas e das farmácias. No Canadá, por exemplo, o go-verno central controla apenas o preço de saída das fábricas, sendo o controledo preço de venda ao consumidor exercido pelas províncias ao definirem os

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remédios passíveis de cobertura pelo sistema público de saúde. Em Portugal,o sistema nacional de saúde negocia o preço com o laboratório e estabeleceo preço de venda ao consumidor, controlando também as margens decomercialização.

Na determinação dos preços, podem ser considerados, de forma isolada oucombinada, os seguintes critérios:

x Custo do produto – Definir o custo dos produtos farmacêuticos não étarefa fácil para as autoridades governamentais, dado que os custos deprodução propriamente ditos são relativamente pequenos e que a maiorparte dos gastos das empresas são com P&D e com marketing.17 Bélgica,Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal utilizam-se dessecritério, mas estão convergindo para outros em razão das dificuldades domesmo [Tobar e Garraza (2000)].

x Preços de medicamentos já existentes – Este critério é utilizado porCanadá, Portugal, França, Grã-Bretanha, Espanha, Suécia, Suíça e Japão,dentre outros países. A dificuldade desse método reside em como avaliaras diferenças em termos de eficácia, efetividade e qualidade entre osdiversos produtos. Uma solução pode ser estabelecer limites aos preçosdos similares, que na França e na Suécia têm que ser pelo menos 10%inferiores aos dos produtos originais e na Grécia pelo menos 14%menores [Mossialos (1997)].

x Preço dos medicamentos em outros países – Utilizado na maioria dospaíses, é um mecanismo particularmente importante em países médioscomo Austrália e Canadá para produtos patenteados. Na Austrália, sãotomados como referência os preços praticados na Europa, utilizando-sea média entre o maior e o menor preço. O Canadá vem aperfeiçoando osseus métodos de comparação, procurando retirar efeitos como variaçõesdas taxas de câmbio e diferenças do custo de vida, além de lançar mão(como Austrália, Nova Zelândia e Itália), de métodos sofisticados paraajustar os preços por miligramas ou doses diárias das substâncias ativas.Portugal e Espanha também se utilizam de comparações internacionaisna definição de seus preços. As pressões por transparências de preços naUnião Européia podem levar à utilização desse mecanismo por umnúmero maior de países [Jacobzone (2000)].

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17 Uma parcela importante do preço dos medicamentos visa remunerar o capital investido em P&D.A proteção conferida pelas patentes dá um grande poder às empresas farmacêuticas transnacionaisna repartição desses custos entre os diversos países. Os países sem atividades de P&D em seuterritório devem contribuir da mesma maneira que aqueles que recebem investimentos maciços dasempresas? Ou, como sugerem alguns, deve pagar mais quem aufere maiores benefícios em termosde desenvolvimento científico e tecnológico e de geração de renda e emprego?

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x Análises de custo-efetivadade – Estas análises comparam diferentesestratégias de tratamento para um dado problema de saúde, buscandoidentificar a mais eficiente do ponto de vista clínico e da alocação derecursos. As análises farmacoeconômicas comparam tratamentos comdiferentes tipos de medicamentos e são utilizadas por algumas autorida-des sanitárias para efeito de inclusão ou manutenção dos mesmos naslistas dos produtos cobertos pelos sistemas públicos de saúde. Tal sis-temática é adotada, por exemplo, em países como Portugal, Austrália,Bélgica, Itália, Suécia e Grã-Bretanha.18

x Estabelecimento de preços de referência para efeito de reembolso –É considerado por muitos analistas como um dos mecanismos mais eficien-tes para reduzir os gastos com medicamentos, sendo adotado na Alemanha,na Holanda, na Noruega, na Austrália, em Luxemburgo e na Suécia. Osistema de saúde agrupa os medicamentos por classes ou subclasses tera-pêuticas, estabelecendo um preço máximo para efeito de reembolso. Areferência pode ser o produto de preço mais baixo em uma classe ousubclasse terapêutica, o equivalente genérico, ou um produto similar. O queexceder a esse preço é pago pelo paciente. Tal mecanismo estimula asempresas com preços mais elevados a reduzi-los e conscientiza médicos epacientes sobre possíveis substitutos, incentivando-os a optar pelos medica-mentos mais baratos. Ao dar ao consumidor poder de decisão sobre queproduto consumir, o mecanismo de preços de referência permite ao sistemade saúde fornecer à população os medicamentos necessários e melhorar acompetição de preços no mercado. Assim, a demanda pode ser redirecionadaem nível do paciente, que recebe um incentivo financeiro para escolher oproduto de menor preço, ao mesmo tempo em que a utilização mais racionaldos recursos pelo sistema de saúde possibilita que as necessidades essenciaisda população em termos de medicamentos sejam asseguradas [Jacobzone(2000) e Mossialos (1997)]. O mecanismo de preços de referência lida coma questão da assimetria de informação e com o problema da separação entreas decisões de prescrição, consumo e financiamento e tende a ser mais efetivoquando o mercado já conta com genéricos.

Quando há políticas de controle de preços, as autoridades sanitárias preci-sam definir não apenas os critérios de fixação dos preços iniciais de venda,mas também as regras para os reajustes futuros dos mesmos. Em algunspaíses, os reajustes estão sujeitos a autorização prévia e não podem sersuperiores à variação dos índices de preço. Na França, os laboratórios têmque reduzir os preços de medicamentos cujo volume de vendas ultrapassa

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18 A Austrália tem exigido estudos de custo-efetividade inclusive para efeito de concessão de registroa novos medicamentos [Tobar e Garraza (2000)].

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significativamente as vendas previstas quando o preço inicial foi definido[Mossialos (1997)].

Medidas de controle de preços para serem efetivas precisam ser acompa-nhadas de mecanismos que permitam ao regulador verificar a qualidade dosmedicamentos que estão sendo colocados no mercado. Para burlar as restriçõesquanto a aumentos de preços, os laboratórios podem lançar produtos que nãopassam de versões “cosmeticamente” modificadas de produtos já existentes oude produtos me too,19 nem sempre seguros para os seus usuários.

A introdução acelerada de novas drogas no mercado dificulta o acompa-nhamento dos preços dos medicamentos, dado que os índices tradicionaisde preços captam apenas os incrementos para os produtos já existentes.Quanto a estes últimos, não é fácil saber quando as variações de preços re-fletem melhorias efetivas em sua qualidade e eficácia e não aumentos noscustos ou nas margens de lucro de produtores e intermediários.

Controle de Lucros

Mecanismo pouco utilizado. Na Grã-Bretanha, um acordo entre o Depart-ment of Health e a indústria farmacêutica estabelece uma taxa de retornomáxima sobre o capital, com uma margem de tolerância quando as empresasapresentam novos produtos. As empresas estão livres para fixar seus preços,respeitando o teto para os lucros, mas não podem aumentá-los sem autori-zação. O governo tem diminuído a taxa de retorno ao longo do tempo. AEspanha também exerce algum controle sobre os lucros, sendo os custoslevados em conta para determinar os preços desde de 1991. Os custostambém são levados em conta na França, embora não de maneira formal.Coréia, República Tcheca, México e Turquia também dizem lançar mão demétodos de controle dos lucros para regular a indústria [Jacobzone (2000)].

5. Política de Medicamentos em Países Selecionados

Nesta seção são apresentadas, de forma um pouco mais detalhada, aspolíticas de regulação dos medicamentos de quatro países: Grã-Bretanha,Portugal, Canadá e Estados Unidos. A escolha dos três primeiros foimotivada pela maior disponibilidade de informações a respeito de suaspolíticas, dado que entre 1999 e 2000 o Ministério da Saúde brasileiro enviou

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19 Os me too são produtos novos que chegam ao mercado posteriormente ao produto original, possuemcaracterísticas químicas diferentes mas atividade terapêutica semelhante e geralmente são lançadospor grandes laboratórios multinacionais, com forte poder mercadológico e com mecanismos dedifusão similares aos do fármaco original, dificilmente entrando em concorrência direta de preçoscom o inovador [Frenkel (1999)].

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aos mesmos missões técnicas para travar contatos com autoridades sanitá-rias locais envolvidas com a matéria. Já os Estados Unidos foram escolhidospor serem o único país entre os desenvolvidos sem uma política oficial decontrole de preços dos medicamentos.

Grã-Bretanha

Os gastos da Grã-Bretanha com saúde equivalem aproximadamente a 7%do PIB, sendo que 16% desses gastos referem-se a dispêndios farmacêuti-cos. O National Health System (NHS) procura manter sob controle o preçodos medicamentos atuando em quatro frentes, a saber:

x Definição das listas de medicamentos cobertos pelo NHS – A inclusãoou exclusão de medicamentos na lista de cobertura do NHS depende deanálise prévia do National Institute for Clinical Excellence (NICE), que,criado em abril de 1999 como uma Special Health Autority, possuiautonomia em relação ao NHS e conta com representantes de diversossegmentos do setor saúde – médicos, professores, pesquisadores, repre-sentantes das indústrias e dos hospitais, dentre outros. O NICE tem comofunções avaliar a eficácia clínica, propor protocolos terapêuticos e fazeranálises de custo-efetividade dos produtos e serviços cobertos pelo NHS.A metodologia para essas análises encontra-se em fase de desenvolvi-mento, valendo-se de conceitos da farmacoeconomia. As maiores preo-cupações do NICE são com os medicamentos (e outras terapias) paratratamento de câncer, problemas coronários, saúde mental, patologiasassociadas à velhice e diabetes.

O NHS possui também uma lista negra de medicamentos, na qual estãodefinidos aqueles que não são passíveis de cobertura. Ela é revisadaperiodicamente e inclui, por exemplo, medicamentos de custo elevadoconsiderados não-essenciais, medicamentos de marca muito caros emrelação a outros com a mesma ação terapêutica e medicamentos conside-rados life-style, como o Xenical.

x Adoção de um sistema de co-pagamento para os medicamentos porparte dos pacientes – Como regra geral, os medicamentos prescritos naatenção primária (primary care)20 do NHS são fornecidos por meio deum mecanismo de co-pagamento, no qual o paciente paga, por medica-mento, £ 5,40 à farmácia. Como vários grupos estão isentos do co-paga-

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20 A atenção primária, primeiro ponto de contato da maioria da população da Grã-Bretanha com oNHS, é prestada por GPs, dentistas, oftalmologistas e farmacêuticos, além de outros profissionaisde saúde como enfermeiras distritais, psicoterapeutas, nutricionistas, conselheiros, fonoaudiólogose parteiras.

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mento, cerca 85% de todos os itens prescritos são dispensados semqualquer ônus para o paciente (dado de 1998). Têm acesso gratuito aosmedicamentos os idosos (homens acima de 65 anos e mulheres acima de60), os jovens (até 18 anos, desde que estejam estudando), as mulheresgrávidas e com filhos até um ano, os portadores de deficiências, a popu-lação de baixa renda, dentre outros. Em 1998, o custo médio de cada itemprescrito foi de £ 9,16, e 63% de todas as prescrições foram escritasgenericamente [Department of Health (1999a)].

x Controle das prescrições – As autoridades do NHS têm procurado in-fluenciar as decisões de prescrição dos médicos (e assim controlar os seusgastos) através de diversos mecanismos – estabelecimento de protocolosterapêuticos, elaboração de relatórios regulares com o perfil de prescriçãode cada médico, incentivo à prescrição de genéricos, fixação de tetosfinanceiros com base nos gastos históricos, nas características demográ-ficas da população e na variação nominal dos preços. Economias derecursos têm sido obtidas pela ampliação da prescrição de genéricos edos sistemas computadorizados de gerenciamento das prescrições, commenor utilização de medicamentos mais caros e de outros potencialmentedesnecessários.

Os GPs do NHS estão sujeitos a muitas restrições quanto à prescrição demedicamentos aos seus pacientes, devendo: a) prescrever medicamentosque integrem a lista do NHS; b) seguir as orientações sobre prescriçãocontidas nos prontuários terapêuticos do NHS; e c) manter-se dentro dosorçamentos definidos pelo NHS, nos quais são estabelecidos os gastosmáximos com o tratamento de seus pacientes, inclusive com medicamen-tos.21 Em alguns casos, os prontuários estabelecem o que pode, o que nãopode, o que deve e o que não deve ser prescrito. Como a maior parte dosGPs está informatizada (96%) e integrada online ao NHSnet, todas asprescrições feitas são armazenadas pelo sistema. Trimestralmente, osGPs recebem um informe com seus hábitos de prescrição e têm queapresentar justificativas quando o percentual de prescrições de medica-mentos de marca ultrapassa o de genéricos. As prescrições são monito-radas pelas Family Health Services Authorities (FHSAs), que devematuar junto ao GP se o gasto com medicamentos de seus pacientes forsignificativamente superior ao que está previsto no orçamento [Rêgo eTeixeira (1999) e Reekie (1996)].

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21 Os limites orçamentários aplicam-se apenas aos GPs que administram clínicas autônomas comorçamentos próprios, os fundholders, que compram produtos e serviços de saúde (inclusive medi-camentos) para seus pacientes de provedores do NHS. O sistema foi instituído em 1991 com opropósito de tornar os médicos conscientes dos custos de suas decisões. Os orçamentos anuais dosfundholders são aprovados pelos NHS Executive (NHSE) Regional Offices.

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No caso dos hospitais, há conselhos de prescrição que definem, a partirdo formulário NHS, os medicamentos a serem utilizados. Cada hospital,conforme seu orçamento, compra os medicamentos no mercado.

x Controle sobre os lucros da indústria – As empresas farmacêuticasprovedoras do NHS estão sujeitas ao Pharmaceutical Price RegulationScheme (PPRS), acordo formal entre o Department of Health e a indústriafarmacêutica britânica, representada pela Association of the British Phar-maceutical Industry. O PPRS limita os lucros das empresas farmacêuticassobre as vendas totais de produtos de marca22 ao NHS a 17% ou 21%.23

Um pequeno acréscimo é permitido em função do lançamento de produ-tos novos (0,25%). O controle da margem de lucro é feito por meio doexame dos demonstrativos contábeis da empresa, auditados por auditoresindependentes. Modificações nos preços dependem de aprovação prévia,observados os níveis máximos de lucratividade permitidos. Se a lucrati-vidade de uma empresa ultrapassar o limite estabelecido, o NHS poderequerer reduções nos preços. Se cair para um nível inferior ao acordado,aumentos de preços podem ser autorizados. O controle mais rigoroso éexercido sobre as cerca de 40 empresas com um faturamento anual juntoao NHS superior a £ 20 milhões [Rêgo e Teixeira (1999), PPRS (1999),Reekie (1996) e Furnis (1994)].

As empresas que desrespeitam o acordo estão sujeitas a penalidades comoa redução de preços e/ou o recolhimento pecuniário. Todas as decisõesgovernamentais são passíveis de recurso a uma comissão de arbitragemcomposta por três membros – um representante da indústria, um doDepartment of Health e um indicado por esse Departamento com aconcordância da indústria.

Além de garantir a oferta de medicamentos seguros e eficazes para o NHSa preços razoáveis, o PPRS busca também incentivar os investimentosem P&D e promover a eficiência e a competição na indústria farmacêu-tica, ou seja, combina objetivos sanitários com objetivos de políticasindustrial e de concorrência. Sob diferentes formatos, o PPRS existedesde 1957, sendo que o último acordo foi assinado em julho de 1999para vigorar até 2004.

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22 Desde 1996, os preços de medicamentos genéricos estão excluídos de qualquer controle formal porparte do governo. Nos últimos dois/três anos, esses medicamentos vêm apresentando aumentosconsiderados elevados.

23 Para a maior parte das empresas, o PPRS (ou esquema, como é freqüentemente chamado) consideraa lucratividade em termos de retorno sobre o capital empregado. Para as empresas sem um capitalsignificativo na Grã-Bretanha (caso das estrangeiras), o lucro é medido a partir do retorno sobreas vendas ao NHS [Furnis (1994)].

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Portugal 24

Em Portugal, os gastos com medicamentos equivalem a cerca de 26% dosgastos totais com saúde. As ações relacionadas com os medicamentos estãoa cargo do Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento (Infarmed),que está vinculado ao Ministério da Saúde e tem como atribuições aavaliação, a regulamentação e o controle das atividades relacionadas comos medicamentos de uso humano e veterinário, assim como dos demaisprodutos sanitários. Para que um produto seja comercializado, é necessárioque ele possua uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM), conce-dida a partir da análise de um dossiê técnico-científico com os resultadosdos testes químicos e farmacêuticos e dos ensaios toxicológicos e clínicosrealizados durante a fase de P&D. Através dessa análise, avalia-se a quali-dade, a segurança e a eficácia do medicamento.

Após obter a AIM, o fabricante encaminha ao Ministério da Economia umpedido de preço para o medicamento. Os preços de venda ao público(PVPs) de remédios nacionais ou importados a serem introduzidos pelaprimeira vez no mercado não podem ser superiores aos preços de produ-ção ou de importação (PVAs) do mesmo produto em países de referência– Espanha, França e Itália –, sem os impostos e com o acréscimo dasmargens de comercialização, taxas e impostos vigentes em Portugal. OPVA no país não pode ser superior ao PVA mais baixo ou a esse PVAacrescido de um terço da média dos outros dois mais baixos quando adiferença entre essa média e o PVA mais baixo for superior a 30%. Naavaliação, não são consideradas nem a paridade do poder de compra nem aplanilha de custos do produto.

Se não existir uma especialidade farmacêutica idêntica ou similar emnenhum dos três países, considera-se o PVP mais alto do similar existenteem Portugal. Caso somente exista um produto idêntico ou similar no paísde origem, considera-se o PVA nesse país. Pela legislação em vigor, ospreços dos medicamentos podem ser revistos anualmente de acordo com avariação da inflação, mediante um despacho conjunto dos Ministérios daEconomia e da Saúde. Há anos em que a revisão não é autorizada.

Ao ter seu preço aprovado, o fabricante volta ao Infarmed para negociar suainclusão na lista de comparticipação, nome dado em Portugal ao sistema deco-pagamento dos medicamentos por parte do Sistema Nacional de Saúde.

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24 As informações sobre Portugal baseiam-se em Rêgo (2000).

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O Infarmed avalia os estudos farmacoeconômicos apresentados pelos de-tentores de AIMs dos medicamentos candidatos à comparticipação e elaboraos pareceres que fundamentam a decisão de comparticipação. A avaliaçãoé feita conjuntamente por membros do Infarmed e por médicos e farmacêu-ticos independentes, geralmente professores universitários.

Para serem incluídos no regime de comparticipação, medicamentos simila-res a outros já comercializados têm que apresentar um preço pelo menos 5%inferior ao preço mais baixo dos comparticipados não-genéricos. Novasformas terapêuticas, novas dosagens ou novas embalagens de medicamentosjá comparticipados somente são passíveis de comparticipação se ficardemonstrado que apresentam vantagens terapêuticas e econômicas. Podemser excluídos da lista de comparticipação os medicamentos cuja eficáciaterapêutica não seja comprovada por estudos farmacoepidemiológicos,aqueles que apresentem um preço de venda ao público excessivo em relaçãoao de similares com as mesmas indicações terapêuticas e os que dispensamreceita médica e com relação aos quais não sejam reconhecidas razões desaúde pública que justifiquem sua comparticipação. Uma vez aprovada, acomparticipação caduca se o produto do requerente não for comercializadono âmbito do Sistema Nacional de Saúde em um ano ou se, após o início dacomercialização, ficar indisponível por prazo superior a 90 dias.

A comparticipação funciona da seguinte maneira: os pacientes vão àsfarmácias com receita médica, pagam a sua parte e no final do mês asfarmácias mandam as receitas, identificadas com um código de barras, auma das 18 sub-regiões administrativas do serviço de saúde para res-sarcimento. Mesmo os pacientes que vão a médicos privados são cobertospelo sistema. Há três níveis de comparticipação: 40%, 70% e 100%. Osaposentados com pensões menores têm direto a um adicional de 15% nosmedicamentos com comparticipação de 40% e 70%.

Os preços dos medicamentos dispensados nos hospitais são estabelecidosdiretamente pelas empresas que os comercializam, não estando sujeitos àlegislação que regula os preços dos medicamentos vendidos nas farmácias.Os hospitais negociam diretamente com os fornecedores ou fazem suascompras através de licitações públicas. Assim, os preços que os hospitaispagam pelos medicamentos variam, ao contrário do que ocorre com ospreços dos medicamentos vendidos nas farmácias, que são os mesmos emtodo o país. As autoridades de saúde avaliam que esse sistema não temfuncionado de maneira satisfatória (alguns hospitais pagam preços muitoelevados) e atualmente estudam a reorganização da farmácia hospitalar, como Infarmed já estando trabalhando nesse sentido.

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Canadá

Os gastos do Canadá com medicamentos equivalem a 14% dos gastos totaiscom saúde, sem considerar os medicamentos administrados em hospitais.Desde os anos 80, os gastos com produtos farmacêuticos têm crescido ataxas mais elevadas que os outros gastos com saúde, incluindo médicos ehospitais [PMPRB (1999b)].

Os princípios gerais da política de medicamentos do Canadá são estabele-cidos pelo governo federal, a quem cabe as tarefas de vigilância sanitária(concessão de registro para comercialização, garantia quanto à segurança eà eficácia dos medicamentos, fiscalização dos produtores) e o controle depreços dos medicamentos patenteados. Os preços dos medicamentos nãopatenteados não estão sujeitos a regulação em nível federal, sendo influen-ciados pelos critérios que as províncias, responsáveis pela prestação deassistência farmacêutica à população, utilizam para definir a lista de produ-tos passíveis de cobertura pelo serviço público de saúde.

Controle de Preços dos Medicamentos Patenteados

Em 1997, as vendas de medicamentos patenteados representaram 52% detodas as drogas vendidas no Canadá. Os preços de tais medicamentos sãocontrolados pelo Patented Medicine Prices Review Board (PMPRB), umtribunal independente quase judicial criado em 1987, que limita os preçoscobrados pelos produtores para todos os medicamentos com patentes, novose existentes, vendidos no país sob prescrição ou over the counter (OTC), demodo a “assegurar que os mesmos não sejam excessivos” [PMPRB (1999b)].O PMPRB não trata dos preços cobrados dos consumidores nas farmácias.

Para determinar se o preço de uma droga vendida no Canadá é excessivo, oPMPRB leva em conta as premissas estabelecidas pelo Patent Act e osdetalhamentos contidos em seus guidelines. Na avaliação, são consideradosos seguintes aspectos:

x os preços de venda dos medicamentos no mercado relevante;

x os preços de outros medicamentos na mesma classe terapêutica;

x os preços do medicamento e de outros medicamentos em outros países;

x as alterações no Consumer Price Index (CPI); e

x outros fatores que podem ser especificados pelos regulamentos.

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Assim, os preços dos medicamentos não devem exceder os preços de outrasdrogas na mesma classe terapêutica e a média dos preços internacionais. Seos fatores citados não forem suficientes para determinar se um preço éexcessivo, podem ser considerados os custos de produção e de marketing eoutros fatores especificados por lei ou julgados relevantes nas circuns-tâncias.

Os guidelines diferenciam as drogas entre novas e já existentes no mercado.Os medicamentos patenteados já existentes não podem aumentar mais doque o CPI. Os produtos novos são divididos em três categorias:

x medicamentos já existentes com um novo registro na mesma ou em outradosagem comparável às dosagens já existentes – para determinar se opreço não é excessivo, levam-se em conta os preços dos medicamentosque já estão no mercado;

x medicamentos novos sem inovações significativas – a avaliação consi-dera o preço do medicamento original e os preços de outros medicamen-tos na mesma classe terapêutica vendidos no mercado relevante; e

x medicamentos novos com inovações significativas (breakthrough medi-cines) – dependem dos preços praticados em outros países (França,Alemanha, Itália, Suécia, Suíça, Grã-Bretanha e Estados Unidos).

Se, após levar em conta os fatores citados, o PMPRB não tiver condiçõesde determinar se um preço é excessivo, ele pode considerar os custos defabricação e de marketing, além de outros fatores relevantes para o caso. Naanálise dos preços médios, são contabilizados deduções a título de promo-ção, descontos, devoluções, amostras grátis e outros benefícios. As avalia-ções dos preços baseiam-se nas informações prestadas pelas empresas epodem incluir também outras fontes complementares. Quando o preço demedicamento patenteado parece ser excessivo, o PMPRB pode abrir umainvestigação a respeito e fazer uma análise do histórico dos preços pratica-dos, inclusive com a verificação dos preços pagos pelos consumidores. Suasdecisões estão sujeitas a exame judicial pela Federal Court of Canada.

Assistência Farmacêutica

A assistência farmacêutica no Canadá é de responsabilidade das províncias,a quem cabe a cobertura integral de hemoderivados, vacinas e medicamentosconsumidos nos hospitais e ambulatórios. Os medicamentos prescritos paraconsumo fora dessas unidades de saúde são parcialmente cobertos pelosistema público, dependendo da província e da clientela. Algumas provín-cias têm planos de assistência farmacêutica universais e outras apenas

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parciais, voltados para grupos específicos, como idosos, pessoas de baixarenda, indigentes e crianças (não em todas as províncias). Estima-se que asprovíncias atendem a cerca de 50% das necessidades de medicamentos dapopulação. A demanda não atendida pelo sistema público é coberta porseguros privados25 (integralmente ou em regime de co-pagamento) ou pordispêndios diretos dos usuários (pagamentos out-of-pocket).

A assistência farmacêutica prestada pelas províncias está estruturada emlistas de medicamentos, definidas anualmente, que estabelecem quais ospassíveis de cobertura e os preços pagos pelos governos provinciais. Cadaprovíncia adota critérios próprios na definição, na revisão e na avaliação desuas listas. A província de Ontário, por exemplo, estipula como critério deinclusão de genéricos em sua lista de medicamentos uma sistemática dedescontos progressivos: o preço máximo do primeiro genérico não podeultrapassar 70% do preço do medicamento de marca, enquanto o do segundonão pode ser superior a 90% do preço do primeiro genérico.

Estados Unidos

Os Estados Unidos gastam o equivalente a 14,5% do PIB com saúde, sendoque as despesas com medicamentos representam cerca de 9% de tais gastos.Não há no país qualquer tipo de controle oficial dos preços dos medicamen-tos, assim como qualquer sistema de reembolso ou de co-pagamento gover-namental para a população como um todo. Ainda que os benefícios dosprogramas públicos de saúde variem de um estado para outro, de modo geralsomente os mais pobres (cobertos pelo Medicaid) contam com algumdesconto na compra dos medicamentos que consomem fora dos hospitais.Idosos e portadores de deficiências (cobertos pelo Medicare) precisam pagarpor um seguro privado suplementar se quiserem ter algum tipo de descontoou de co-pagamento para os remédios que utilizam.26 Ao contrário do queocorre na Europa e em outros países da OCDE, nos Estados Unidos o papelde financiador institucional e de regulador do mercado de medicamentosvem sendo crescentemente exercido pelos seguradores privados.

Em 1995, aproximadamente 42% de todos os gastos com medicamentos nopaís foram pagos diretamente pelos usuários (gastos out-of-pocket), contra90% em 1970 [Reekie (1996)] e 61% em 1991. A redução significativa dosdesembolsos diretos deve-se à inclusão pelos planos de saúde privados de

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25 Os planos de saúde privados no Canadá só podem prestar, por lei, serviços complementares aos dosistema público de saúde.

26 Essa alternativa não tem se mostrado muito eficaz. Segundo a Newsweek, as seguradoras privadasestariam aumentando os prêmios de seguro, diminuindo os benefícios e abandonando o Medicare[Noonan (2000)].

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algum tipo de cobertura para medicamentos, adquiridos pelos segurados emfarmácias conveniadas por meio do sistema de co-pagamento.27

Os programas de assistência farmacêutica dos seguradores privados sãogeralmente administrados pelas Pharmaceutical Benefit Managements (PBMs),cujo foco de atuação inicialmente está voltado para a redução dos custoscom medicamentos das companhias de seguro, das Health MaintenanceOrganizations (HMOs) e dos grandes empregadores. As PBMs estabelecemprotocolos terapêuticos e/ou negociam descontos com os laboratórios e osatacadistas, distribuindo os medicamentos através de um sistema próprio,de farmácias conveniadas ou mesmo pelo correio (pequena parte, de modogeral, em áreas rurais).

Ao ampliarem sua atuação, as PBMs passaram a desenvolver o conceito degerenciamento da doença (disease management), tanto para intervençõesfarmacêuticas quanto não-farmacêuticas. O disease management é uminstrumento utilizado sobretudo para pacientes crônicos e busca ofereceruma resposta global para os seus problemas estruturais de saúde, evitando,na medida do possível, hospitalizações desnecessárias e custosas, mo-nitorando o consumo de medicamentos, aumentando a prevenção e me-lhorando o comprometimento dos pacientes com tratamento. Essesprogramas têm tido como alvos principais a asma e o diabetes.

No desenvolvimento do conceito de disease management, as PBMs têmlançado mão de métodos instituídos por autoridades sanitárias de outrospaíses para influenciar as prescrições, monitorar o uso de medicamentos eestabelecer o perfil dos pacientes. As inovações de mercado introduzidaspelas PBMs e pelas empresas gerenciadoras de saúde nos Estados Unidostêm, por sua vez, influenciado muitas políticas de regulação implementadasem outros países da OCDE.

A atuação das PBMs tem provocado mudanças significativas no sistema dedistribuição de medicamentos do país, cujas margens de comercializaçãoeram muito elevadas. Do mesmo modo, tem afetado a lucratividade doslaboratórios farmacêuticos, que, diante da redução ou da ameaça de reduçãode seus lucros, vêm adotando políticas de integração vertical, através dacompra de distribuidores ou mesmo de PBMs [Jacobzone (2000)].

Nos Estados Unidos, a falta de uma assistência farmacêutica ampla como aeuropéia e a importância crescente dos compradores institucionais privados,

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27 Segundo a Newsweek, 98% dos planos de saúde americanos oferecem algum tipo de benefício emrelacão aos medicamentos com prescrição [Noonan (2000)].

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que negociam descontos com as empresas farmacêuticas de maneira pulve-rizada, fazem com que os preços pagos pelos mesmos medicamentos pordistintos usuários sejam bastante diferentes. Os descontos crescentes con-seguidos pelas empresas que atuam em nome dos seguradores privados epelo setor público28 beneficiam apenas aqueles cobertos por algum tipo deassistência farmacêutica. Para os que não têm qualquer tipo de seguro(aproximadamente 40 milhões de pessoas), os preços dos remédios são cadavez mais elevados29 [Fundación Isalud (1999)].

Na verdade, mesmo aqueles que contam com algum tipo de coberturafarmacêutica têm reclamado dos preços dos medicamentos. As reclamaçõespartem sobretudo dos idosos e têm suscitado acalorados debates no país,com os policy-makers sendo recorrentemente instados a adotar algum tipode controle sobre o preço dos produtos farmacêuticos30 e a incluir algumtipo de cobertura farmacêutica no Medicare. Na verdade, propostas deregulação para o setor vêm sendo discutidas desde o início do primeirogoverno Clinton e contam com a oposição veemente das empresas farma-cêuticas,31 que alegam que o controle de preços teria impactos negativossobre os investimentos em P&D e, conseqüentemente, sobre o lançamentode novos produtos (breakthrough medicines).32

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28 Segundo algumas estimativas, o governo federal e os governos estaduais dos Estados Unidos sãoresponsáveis por um terço das compras de medicamentos no país (inclui gastos militares). Até ofinal dos anos 80, adotava-se para boa parte das compras federais uma política de desconto padrãode 15,2% na média dos preços no atacado, como é estabelecido para outros contratos governamen-tais. Em 1990, o Congresso americano aprovou uma lei estabelecendo que os produtores de medi-camentos devem aplicar sobre as vendas de medicamentos custeadas com fundos federais umdesconto maior do que aquele conferido a qualquer comprador. Os governos estaduais também têmadotado políticas de negociação de descontos mais agressivas junto aos fornecedores de medica-mentos.

29 Há quem alegue que a existência de controles de preços em outros países faz com que a indústriafarmacêutica tenha que obter a maior parte de seus lucros nos Estados Unidos e que isso explicaem parte por que os medicamentos são mais caros no mercado americano do que no de outros países.Alega-se também que é a liberdade de preços nos Estados Unidos que tem permitido o crescimentoacelerado tanto dos investimentos em P&D quanto do lançamento de novos produtos.

30 Alguns têm sugerido, por exemplo, a vinculação dos preços dos medicamentos dos Estados Unidosàqueles praticados no Canadá. Propostas desse tipo foram discutidas por experts americanos ecanadenses em julho de 2000 em Washington, em seminário patrocinado pelo American EnterpriseInstitute for Public Policy. Muitos idosos americanos fretam ônibus para comprar medicamentos noCanadá, onde os preços são mais baixos.

31 Segundo a Newsweek, a indústria farmacêutica tem gasto uma quantia considerável fazendo lobbyjunto ao Congresso e à Casa Branca, assim como em publicidade, para evitar que prosperem aspropostas de controle de preços dos medicamentos [Noonan (2000)].

32 Os produtores argumentam que o desenvolvimento de um novo produto leva de 12 a 14 anos e custaUS$ 500 milhões, sendo que apenas uma em cada 10 drogas desenvolvidas passa pelos testes clíni-cos e chegam ao mercado. Segundo a Pharmaceutical Research and Manufacturers of America(PhRMA), os investimentos em P&D da indústria farmacêutica americana devem atingir US$ 22bilhões em 2000, com um crescimento de 10% em relação a 1999 [Noonan (2000)], o que desmentealgumas previsões feitas no início dos anos 90 de que o impacto das ações das PBMs e das HMOssobre os preços dos medicamentos levaria a uma redução de tais investimentos ao longo da década.

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6. Considerações Finais

Os Estados Unidos foram os pioneiros na regulação dos mercados farma-cêuticos no que diz respeito à segurança e à eficácia dos produtos e àproteção dos direitos de patente dos inovadores, mas coube aos paíseseuropeus o desenvolvimento de um marco regulatório voltado para a garan-tia de acesso da população aos medicamentos. Isso se deveu às caracterís-ticas assumidas pelo estado do bem-estar social (welfare state) no continenteeuropeu, com a construção de sistemas sanitários públicos de coberturauniversal quanto à clientela e aos serviços prestados.

Ao longo das últimas décadas, sobretudo nas duas últimas, várias medidasvoltadas para o controle dos gastos e dos preços dos medicamentos têm sidoimplementadas por praticamente todos os países da OCDE, em razão doaumento dos gastos públicos com saúde e, em particular, com assistênciafarmacêutica, a taxas superiores às de crescimento da renda nacional. Apartir na análise da experiência internacional, podem ser levantados algunselementos que parecem contribuir para o êxito de políticas de regulação domercado de medicamentos:

x Adoção de medidas voltadas tanto para o lado da demanda quanto parao da oferta de medicamentos, de modo a influenciar o comportamento detodos os agentes envolvidos no mercado farmacêutico – médicos, pacien-tes, farmacêuticos, produtores e administradores de recursos.

x Desenvolvimento de um sistema de informação confiável sobre a utili-zação dos medicamentos – efetividade clínica, custo-efetividade do tra-tamento, hábitos de prescrição dos médicos, prescrições desnecessáriase prescrições inadequadas –, de modo a detectar áreas problemáticas eavaliar a efetividade das políticas adotadas. A verdade é que ainda poucose sabe sobre a efetividade de muitos dos tratamentos, tanto antigosquanto novos, amplamente aceitos e utilizados, assim como sobre oshábitos de prescrição dos médicos. Desde os anos 80, vêm sendo desen-volvidas novas técnicas para avaliar o impacto econômico de tratamentosclínicos e, em particular, dos remédios (análises farmacoeconômicas),envolvendo a comparação de custos. As avaliações farmacoeconômicasvêm sendo utilizadas por alguns países como critério de inclusão e ou demanutenção de medicamentos nas listas dos seguradores públicos eprivados. A Austrália, inclusive, já leva em conta tais estudos ao analisarpedidos de registros para novos produtos.

x Obtenção de dados confiáveis sobre os gastos, a situação financeira e alucratividade da indústria farmacêutica, o que não é uma tarefa fácil,

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sobretudo quando se trata de grandes conglomerados com estruturas dedistribuição extremamente pulverizadas.

x Avaliação cuidadosa da estrutura da demanda e da oferta de medicamen-tos no país e definição clara dos objetivos das políticas públicas. Tentandoconciliar objetivos sanitários e econômicos mais amplos, diversos paísesda OCDE, como, por exemplo, França, Portugal, Grã-Bretanha, Espanha,Bélgica, Canadá, Austrália e Itália, têm estabelecido, em maior ou menormedida, determinados requisitos de desempenho para as empresas far-macêuticas em termos de produção doméstica, geração de empregos,investimentos em P&D e exportação, em troca de algum tipo de trata-mento preferencial.

A experiência internacional deve ser considerada na definição das políticasnacionais de regulação, mas cada país deve levar em conta as especificidadesde seu mercado farmacêutico, seus objetivos sanitários específicos e osobjetivos mais amplos das políticas públicas.

A questão dos medicamentos no Brasil apresenta grandes diferenças emrelação à dos países desenvolvidos. Somos um país de dimensões continen-tais, com quase 170 milhões de habitantes, distribuídos em 8,5 milhões dekm2, com grandes diferenças regionais, renda concentrada e sem recursospúblicos suficientes para a adoção de uma política de assistência farmacêu-tica de caráter universal. A população do município de São Paulo é maiorque a de Portugal e a do Estado de São Paulo maior que a do Canadá. Umapequena parcela da população brasileira tem acesso a tratamentos e medi-camentos de última geração, enquanto um grande contingente de pessoasainda carece de medicamentos essenciais.

As especificidades do caso brasileiro tornam as políticas de regulaçãocruciais à garantia do acesso da população a medicamentos de boa qualidadea preços razoáveis. Na definição das políticas nacionais, a experiênciainternacional tem contribuições importantes a dar, desde que filtradas pelarealidade brasileira. Não se trata de reproduzir aqui de forma acrítica o quetem dado certo em outros países, mas de aprender com os erros e os acertosdos que vêm há anos aperfeiçoando instrumentos de regulação.

De forma sintética, dado que esse não é o objeto deste texto, são agrupadasa seguir medidas já em vigor, em estudo ou ainda não consideradas, mas quepodem ser adequadas ao caso brasileiro:

x Do lado da oferta: a) negociação com a indústria de uma política depreços, com definição de critérios de reajustes, indicadores de desempe-

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nho e penalidades em caso de desrespeito ao que foi pactuado; b) reduçãodos impostos incidentes sobre os medicamentos; c) incentivo ao incre-mento da oferta de genéricos; d) reordenamento do setor de distribuição,tanto no atacado quanto no varejo; e e) adoção de salvaguardas quantoao poder conferido pelas patentes.

x Do lado da demanda: a) ampliação da assistência farmacêutica para apopulação de baixa renda, com especial atenção aos portadores de enfer-midades crônicas; b) utilização do poder de compra do setor público paracontrabalançar o poder de oligopólio e de monopólio das empresasfarmacêuticas; c) medidas para influenciar a prescrição dos médicos,particularmente no que diz respeito à utilização de substitutos genéricos;d) banco de preços para as compras hospitalares; e) institucionalizaçãodo registro de preços; f) incentivo à incorporação de assistência far-macêutica aos planos de saúde privados, o que abrirá espaço para odesenvolvimento no país de instituições como as PBMs; e g) acessofacilitado da população como um todo aos medicamentos de alto custo.

A experiência de outros países, além de indicar que a questão dos medica-mentos não pode ficar ao sabor das livres forças de mercados onde predo-mina a concorrência imperfeita, mostra também que não existem soluçõesúnicas nem simplistas para os problemas de saúde pública.

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