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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 POLÍTICAS DE RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: UMA NOVA FORMA DE FOMENTO AO INDIVIDUALISMO BURGUÊS? RUSSI, Ana Claudia Rodrigues CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves de 1. Introdução: Este texto tem por objetivo apresentar os resultados parciais de uma pesquisa em andamento no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação. Nessa pesquisa nosso intuito é analisar a questão do reconhecimento e valorização da diversidade no âmbito das políticas educacionais brasileiras, a partir da década de 1990, e sua vinculação teórico- ideológica com o individualismo burguês. Observa-se que os organismos internacionais (especialmente a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO) iniciam a formulação de orientações a respeito da diversidade cultural desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Porém, é na década de 1970 e 1980, no contexto devido de crise estrutural do capitalismo 1 , que tais orientações ganham expressividade. Inicialmente, as discussões sobre o respeito à diversidade/diferenças surgem no Canadá, nos Estados Unidos da América e na Europa 2 e, posteriormente, se configuram 1 Este termo é utilizado por Mészáros (2009) para denominar um processo imanente ao modo de produção capitalista, ou seja, a crise estrutural. Esta se evidenciou no início da década de 1970 e seus efeitos ainda são sentidos na atualidade. Segundo o autor, uma crise estrutural afeta a sociedade de forma global, ou seja, em seus mais variados aspectos e não apenas em dimensões particulares. 2 Segundo Carvalho e Faustino (2012) existem diversos termos que são utilizados quando se trata das discussões acerca das políticas de valorização e reconhecimento da diversidade cultural. São eles: multiculturalismo, interculturalidade, identidades, diferenças, diversidade e pluralismo. O termo utilizado no Canadá e nos Estados Unidos da América, inicialmente, foi o multiculturalismo, já na Europa utilizou- se o termo interculturalidade. Para as autoras as ações dos governos nestes países ensejaram as discussões sobre essas temáticas em outros países. As autoras alegam que “No âmbito das políticas, o ideário do multiculturalismo se disseminou também nos países menos desenvolvidos, como os latino-americanos. A política multicultural se expressou na formalização de uma agenda de compromisso a ser implementada pelo Estado como garantia à igualdade formal” (CARVALHO E FAUSTINO, 2012, p. 10).

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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POLÍTICAS DE RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: UMA NOVA FORMA DE

FOMENTO AO INDIVIDUALISMO BURGUÊS?

RUSSI, Ana Claudia Rodrigues CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves de

1. Introdução:

Este texto tem por objetivo apresentar os resultados parciais de uma pesquisa em

andamento no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação, na

Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação. Nessa pesquisa nosso intuito é

analisar a questão do reconhecimento e valorização da diversidade no âmbito das

políticas educacionais brasileiras, a partir da década de 1990, e sua vinculação teórico-

ideológica com o individualismo burguês.

Observa-se que os organismos internacionais (especialmente a Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO) iniciam a formulação de

orientações a respeito da diversidade cultural desde o final da Segunda Guerra Mundial

(1939-1945). Porém, é na década de 1970 e 1980, no contexto devido de crise estrutural

do capitalismo1, que tais orientações ganham expressividade.

Inicialmente, as discussões sobre o respeito à diversidade/diferenças surgem no

Canadá, nos Estados Unidos da América e na Europa2 e, posteriormente, se configuram

1Este termo é utilizado por Mészáros (2009) para denominar um processo imanente ao modo de produção capitalista, ou seja, a crise estrutural. Esta se evidenciou no início da década de 1970 e seus efeitos ainda são sentidos na atualidade. Segundo o autor, uma crise estrutural afeta a sociedade de forma global, ou seja, em seus mais variados aspectos e não apenas em dimensões particulares. 2 Segundo Carvalho e Faustino (2012) existem diversos termos que são utilizados quando se trata das discussões acerca das políticas de valorização e reconhecimento da diversidade cultural. São eles: multiculturalismo, interculturalidade, identidades, diferenças, diversidade e pluralismo. O termo utilizado no Canadá e nos Estados Unidos da América, inicialmente, foi o multiculturalismo, já na Europa utilizou-se o termo interculturalidade. Para as autoras as ações dos governos nestes países ensejaram as discussões sobre essas temáticas em outros países. As autoras alegam que “No âmbito das políticas, o ideário do multiculturalismo se disseminou também nos países menos desenvolvidos, como os latino-americanos. A política multicultural se expressou na formalização de uma agenda de compromisso a ser implementada pelo Estado como garantia à igualdade formal” (CARVALHO E FAUSTINO, 2012, p. 10).

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como políticas públicas nestes países. Os organismos internacionais passam a colocar

essas discussões na ordem do dia e a produzir orientações a seu respeito para os demais

países (CARVALHO, FAUSTINO, 2012).

O principal discurso que endossa a necessidade de desenvolvimento destas

políticas públicas de valorização e reconhecimento da diversidade aponta que elas

promovem a igualdade de direitos para diferentes grupos sociais, o respeito à

diversidade cultural, a minimização do preconceito e discriminação, a inclusão social, a

convivência harmônica entre diferentes grupos étnicos, linguísticos, etc. Como consta

no Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação (PNE), 2011-2020:

Diversidade: entendida como construção histórica, social, cultural e política das diferenças nos contextos e relações de poder. Nesse cenário, o direito à diversidade na educação brasileira não significa a mera soma das diferenças, antes, ele se concretiza por meio do reconhecimento das diferentes expressões, histórias, ações, sujeitos e lutas no contexto histórico, político, econômico, cultural, social brasileiro marcado por profundas desigualdades. Portanto, a construção de uma política nacional do direito à educação que contemple a diversidade deverá considerar: os negros, os quilombolas, os indígenas, as pessoas com deficiência e do campo, as crianças, adolescentes e jovens em situação de risco, os jovens e adultos, a população LGBT, os sujeitos privados de liberdade e em conflito com a lei. Deverá, ainda, considerar a educação dos ciganos, a educação ambiental, os direitos humanos, a liberdade de expressão religiosa na escola e a educação profissional (BRASIL, 2011, p. 60-61, grifos nosso).

Após reconhecer o direito à diversidade o texto conclui que:

Nesse sentido, o reconhecimento, o respeito e o direito à diversidade a serem consolidados na política educacional deverão ser realizados por meio de políticas, programas, ações e práticas pedagógicas que garantam a efetivação da justiça social, da igualdade e da equidade (BRASIL, 2011, p. 60-61, grifos nossos).

Contudo, a compreensão do contexto em que surgem e se desenvolvem essas

políticas relacionadas à diversidade permite identificar pontos de convergência entre

essa proposta e a proposta política que vem sendo disseminada mundialmente desde o

final do século XX, a qual, segundo Martins (2007), intitula-se de Neoliberalismo da

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Terceira Via3. O autor afirma que o momento histórico em que surgiu essa proposta

exigiu uma reconfiguração dos quadros políticos e econômicos de funcionamento da

sociedade capitalista, e, essa reconfiguração deu origem ao programa político da

Terceira Via.

Segundo Martins (2007), o programa da Terceira Via pauta-se em alguns

princípios e estratégias que buscam uma reformulação das responsabilidades e ações do

Estado e de sua relação com a sociedade civil. As políticas públicas educacionais de

respeito à diversidade surgem e interligam-se a um contexto onde, por meio da Terceira

Via, estimula-se a recriação da democracia. Essas políticas representam os princípios

desta recriação no que tange às novas formas pelas quais a sociedade civil deve se

organizar politicamente. Estas novas formas são os pequenos agrupamentos

fragmentados de indivíduos, que se unem de acordo com interesses ou características

convergentes para lutar por certos direitos sociais.

Dessa forma, é nesta linha que surge a discussão sobre o reconhecimento e

valorização da diversidade cultural, que afirma a necessidade de tratar os indivíduos

como diferentes e de valorizar essas diferenças. Este discurso busca estimular a

organização desses pequenos grupos fragmentados, locais e particularizados. Nesse

sentido, busca-se gerar uma ruptura na forma de organização política da classe

trabalhadora e um processo de focalização das políticas públicas, que são o resultado

das orientações da Terceira Via. Duarte (2001)4, afirma que existem vários tipos de

fragmentação, e um desses tipos é a fragmentação do sujeito político:

3 O Neoliberalismo de Terceira Via surge como uma proposta política que busca superar as incapacidades do socialismo e do neoliberalismo ortodoxo em apontar saídas políticas econômicas de sucesso para as necessidades do capital. Essa proposta visa uma “[...] restauração ampliada da hegemonia burguesa, pela dita radicalidade do centro [...] num contexto marcado pela consolidação das finanças mundializadas e de protestos contra a globalização” (MARTINS, 2007, p. 65-66). Em complemento a isso, é preciso destacar que “As diferenças da Terceira Via em relação aos neoliberais não são de conteúdo e de princípio, mas sim de forma e de estratégia” (MARTINS, 2007, p. 67). 4 Neste estudo, Duarte (2001) realiza uma análise sobre as apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria Vigotskiana. Ele aponta que o pós-modernismo é um aliado do neoliberalismo, pois é essa concepção teórica que oferece a fundamentação para uma visão particularista dos homens e de seus interesses. As teorias pós-modernas criticam as metanarrativas (explicações universalistas da sociedade, por exemplo, o marxismo) e valorizam micronarrativas (narrativas particulares, que não promovem uma visão totalizante da sociedade). Segundo a concepção pós-moderna esta última valorizaria a diversidade e as singularidades de cada indivíduo, ao contrário das metanarrativas.

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[...] fragmentação do sujeito político, com a substituição da ação classista, que se quer portadora da vontade geral, pela ação molecular das “minorias”: estas, em seu interminável movimento de diferenciação, tendem a pulverizar-se em infinitas subcorrentes, gerando permanentemente “novos sujeitos” [...] A luta original pela igualdade caminhou, desta forma, para o labirinto dos particularismos irredutíveis, nos quais o universalismo da reivindicação igualitária perdeu-se na Babel dos dialetos grupais, hostis entre si, dificultando ao máximo o reconhecimento da identidade coletiva (DUARTE, 2001, p. 78).

No discurso da Terceira Via afirma-se que as grandes organizações (como

sindicatos) buscam representar interesses coletivos, criando monopólios de poder que

passam por cima dos interesses pessoais. Por isso, a negociação de salários, a elevação

da massa salarial e as políticas sociais universais devem ser reduzidas e substituídas por

políticas focalizadas, pois, de acordo com os teóricos formuladores desta proposta5,

estas sim levam em conta a diversidade e as diferenças entre os indivíduos. Assim,

valorizam-se as formas fragmentadas de organização política e de luta por direitos em

detrimento das organizações coletivas que buscam abarcar a classe trabalhadora como

um todo.

Influenciados por essas concepções as declarações sobre a valorização das

diferenças presentes nas políticas públicas de respeito à diversidade estimulam,

justificam e relacionam-se com a criação destas políticas focalizadas. Sobre isso,

Carvalho (2010, p. 41-42) acentua que:

De um lado, a política focalizada, ou de atenção à diversidade, ao mesmo tempo em que expressa os interesses dos novos movimentos sociais, reivindica tratamento mais democrático e tolerante em relação às especificidades dos diferentes grupos existentes na sociedade e políticas de inclusão social mais facilmente solucionáveis pelo Estado. De outro, ela também expressa a política do Estado-mínimo, exigindo uma nova postura do Estado em face das demandas sociais. Nesse sentido, à medida que assume políticas focalizadas ou compensatórias, o Estado não apenas direciona seletivamente os gastos sociais, destinando-os, por meio de ações específicas, a parcelas minoritárias

5O principal formulador das ideias que fundamentam o programa da Terceira Via é o sociólogo britânico Anthony Giddens, assessor direto do político britânico Tony Blair e Primeiro Ministro do Reino Unido no período de 1997-2007.

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da população. Ele também põe em xeque as políticas universalistas, redefinindo inclusive o conceito de direito. Associando-o às especificidades culturais, transformando-o em direito à diferença.

Por um lado, ressalta-se que as afirmações em prol da valorização da diversidade

são uma forma eficiente de garantir os direitos dos diferentes grupos sociais, por outro,

é possível identificar uma vinculação desse discurso com os pressupostos neoliberais de

Terceira Via, mais especificamente, com o individualismo burguês, devido ao processo

de atomização6 dos indivíduos, a partir do qual o todo é reduzido a pequenas

unidades/partículas (MARTINS, 2007).

O individualismo burguês, antes de ser um pressuposto neoliberal, é uma das

características do indivíduo que se produz na sociedade capitalista que tem sua origem

nas relações de produção capitalista. Com o fim do feudalismo e ascensão da sociedade

capitalista, o ser humano não está mais vinculado a uma comunidade ou estratificação

social. Isso porque, no capitalismo, todos os indivíduos são juridicamente/legalmente

iguais (independentemente de sua estratificação social), pois, apresentam-se como

compradores e vendedores (pressuposto para o ato fundante da sociedade capitalista: a

compra e venda da força de trabalho). Sobre isso, Lessa e Tonet (2008, p. 32) afirmam

que:

Com o surgimento e desenvolvimento do capitalismo, este tipo de conexão indivíduo-sociedade é rompido. A vida social passa a ser predominantemente marcada pela propriedade privada, e a razão da existência pessoal deixa de ser a articulação com a vida coletiva, para ser o mero enriquecimento privado. O dinheiro passa a ser a medida e o critério de avaliação de todos os aspectos da vida humana, inclusive os mais íntimos e pessoais [...] O capitalismo transformou a vida cotidiana em mera luta pela riqueza. Os indivíduos passaram a considerar todos os outros indivíduos como adversários e a sociedade se converteu na arena em que essa luta se desenvolve. As relações econômicas de mercado são expressões nítidas desta nova relação entre os indivíduos e a totalidade social. Todos são inimigos de todos, “o homem é o lobo do homem”, no dizer do filósofo Hobbes (grifo nosso).

6 Termo utilizado por Martins (2007) que significa reduzir um todo a pequenas unidades/partículas.

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Desse modo, os autores supracitados apontam que existe uma relação de

dependência ontológica e autonomia relativa entre a reprodução do indivíduo e a

reprodução da sociedade. Essa relação faz com que a reprodução do indivíduo não seja

determinada mecanicamente pela reprodução da sociedade, mas que em última instância

a reprodução da sociedade é o momento determinante na reprodução da vida, das

atitudes, valores e personalidade de cada ser humano. Nesse sentido, o conjunto de

pressupostos e valores defendidos pelo neoliberalismo, por exemplo, o individualismo

burguês, estão em consonância/articulados com as necessidades e finalidades da

reprodução da sociedade vigente, o capitalismo (reprodução e acumulação de capital).

Portanto, ao fomentar o individualismo, visa contribuir para o processo de reprodução

da sociedade do capital. Desse modo,

[...] o capitalismo, ao desenvolver o individualismo burguês, que lhe é inerente, deu origem a uma sociedade na qual as necessidades coletivas estão subordinadas às necessidades de enriquecimento privado, e na qual as necessidades humanas (coletivas e individuais) estão subordinadas ao completo processo de acumulação do capital pelos burgueses. Desse modo, o capitalismo deu origem a indivíduos que perderam a noção da real dimensão genérica, social, das suas existências, ficando presos à mesquinha patifaria, ao estreito e pobre horizonte da acumulação do capital. Ganhar dinheiro se tornou a razão central da vida dos indivíduos, e a dimensão coletiva, genérica, das suas vidas foi massacrada pelo egoísmo e mesquinharia que caracterizam o burguês (LESSA, TONET, 2008, p. 33).

Tendo em vista que o desenvolvimento do sistema capitalista anda na contramão

do desenvolvimento omnilateral do ser humano, portanto, de suas potencialidades e

diferenças, observamos a necessidade de responder à seguinte questão: As declarações

em prol da valorização das diferenças no âmbito das políticas educacionais brasileiras a

partir dos anos de 1990 seriam a maneira mais eficiente para a garantia dessas

necessidades sociais ou uma nova estratégia de fomento ao individualismo burguês?

2. Justificativas:

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O interesse pessoal para a realização deste estudo surgiu a partir da constatação

da influência da temática relacionada à diversidade cultural no campo específico da

Educação Física (EF). Sobre isso, Martineli (2013, p. 28) ressalta que:

O capitalismo, em tempos de crise estrutural do capital e de políticas neoliberais, disseminou pelo mundo, por meio dos organismos e organizações internacionais, uma concepção de cultura e de diversidade cultural como parte de um projeto ideológico de reestruturação do capital pós-crise de 1970. Essa concepção influenciou as políticas culturais e educacionais no mundo e no Brasil, e se reflete na área da educação física.

Além disso, a autora afirma que a temática diversidade cultura adentra na EF

através de uma determinada concepção de cultura que começa a ser disseminada neste

período. Os fundamentos teóricos desta concepção aproximam-se da perspectiva

política neoliberal, bem como da perspectiva pós-moderna. Além disso, ela também

demonstra características similares à concepção de cultura que se encontra nas políticas

públicas educacionais de reconhecimento e valorização da diversidade cultural7.

Com isso, compreendendo que as questões pontuais que se materializam no

campo da política educacional ultrapassam seus limites específicos é que se faz

necessário abstrair suas especificidades na busca de novos elementos para sua

compreensão. Por isso, é preciso abordar a problemática aqui desenvolvida em suas

múltiplas determinações, de modo a captar sua essência.

Por sua vez, a relevância do problema evidencia-se a partir da influência

mundial dos aspectos que o envolvem, pois é fato que as orientações acerca da

valorização e reconhecimento da diversidade tem se disseminado mundialmente através

dos Organismos Internacionais e têm sido introduzidas no contexto escolar. Com isso,

7Para esta concepção não existe mais uma cultura humana, mas sim, diversas culturas que não se relacionam necessariamente. Segundo Martineli (2013, p. 26), “Essa relação entre educação física e cultura é recorrente nos documentos do Estado brasileiro para a educação física e também expressa a dimensão política que a cultura alcançou nas últimas décadas”. Neste sentido, Martineli (2013, p. 31) ressalta que “A teorização da educação física fundamentada na Antropologia Social, na vertente culturalista, é expressão, em linhas gerais, das orientações do novo ordenamento político e econômico do capitalismo para a reestruturação do capital em tempos de crise. Essa orientação iniciou-se no âmbito das políticas culturais da UNESCO e se estendeu às políticas educacionais e à educação física, tanto no âmbito político quanto nas discussões pedagógicas que, em última instância, têm como propósito a reestruturação do capital e a sua recomposição”.

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esta pesquisa encontra sua viabilidade no acesso disponível aos diversos documentos de

políticas públicas educacionais que abordam este assunto.

3. Breve revisão da literatura e fundamentação teórica

Segundo Faustino e Carvalho (2014), as políticas de reconhecimento e

valorização da diversidade surgem em um contexto e como decorrência de uma

realidade de reorganização política, econômica e ideológica da sociedade capitalista.

Nesse contexto, os organismos internacionais, como a UNESCO, vêm produzindo e

publicando diversos documentos que dizem respeito à valorização da diversidade

cultural. Sendo o Brasil um país que compartilha da agenda política desses organismos,

os princípios apontados nestes documentos passam a influenciar os documentos de

políticas educacionais brasileiros.

Neste sentido, Carvalho (2012) aponta alguns dos documentos que foram

produzidos por esses organismos que enfatizaram o tema da diversidade cultural, tais

como: “Declaração de princípios sobre a tolerância” (1995); “Nossa diversidade

criadora” (1997); “Declaração universal sobre a diversidade cultural” (2002); “Relatório

de Desenvolvimento humano: liberdade cultural num mundo diversificado” (2004).

Além desses documentos, também aponta outros, específicos da área educacional, que

também discutem a temática de valorização e respeito à diversidade cultural, são eles:

“Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI” (Relatório

Jacques Delors), (1996); “Compromisso de Dakar” (2001); o texto “Construindo um

futuro comum: educando para a integração na diversidade” (2000) e; o texto “Dos

valores proclamados aos valores vividos: traduzindo em atos os princípios das Nações

Unidas e da UNESCO para projetos escolares e políticas educacionais” (2001).

A adoção das orientações referentes a estas políticas no Brasil é evidente e ela

pode ser observada em diversos documentos, principalmente nos documentos legais de

políticas educacionais. Carvalho (2012) cita quais são os documentos educacionais

nacionais onde se pode observar esta discussão: “Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional” - LDB (Lei nº 9,394/1996); “Parâmetros Curriculares Nacionais” - PCNs

(1997); “Diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental” (BRASIL, 1998);

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“Diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio” (BRASIL, 1998); “Diretrizes

curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica em nível

superior: curso de licenciatura de graduação plena” (BRASIL, 2002); “Diretrizes

curriculares nacionais para o curso de graduação em pedagogia: licenciatura” (BRASIL,

2006); “Diretrizes nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino

de história e cultura afro-brasileira e africana” (BRASIL, 2004); “Lei nº 10.639/2003”,

que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos

estabelecimentos de ensino; “Diretrizes operacionais para a educação básica no campo”

(BRASIL, 2002); “Diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas”

(BRASIL, 2002); “Plano nacional de educação” (BRASIL, 2002).

Além disso, observa-se que diversos autores discutem, sob aspectos e

abordagens diferentes, a temática referente às políticas públicas educacionais de

reconhecimento e valorização da diversidade. Os autores que foram verificados são:

Martineli (2013), Carvalho e Faustino (2010), Faustino e Carvalho (2014), Martins

(2007), Faustino e Mota (2012), Wood (2011), Galuch e Sforni (2011), Neves (2011),

dentre outros.

Galuch e Sforni (2011, p. 62), ao discutirem as proposições do Relatório Jacques

Delors sobre a diversidade cultural, afirmam que:

[...] a perspectiva de formação que está na sua base, mostra-se como uma diretriz para a formação de sujeitos respeitosos em relação aos seus pares. Todavia, levada às suas últimas consequências, ela se alicerça na ideia segundo a qual, ao invés de alçar uma formação voltada para a luta contra as desigualdades sociais, como propunham as teorias críticas, a escola toma para si a responsabilidade de formar cidadãos que respeitam as diferenças, nomeadas como diversidade.

Acrescenta-se também a discussão realizada por Wood (2011). A autora faz uma

crítica à ênfase dada à valorização da diversidade cultural, apontando que ela se

caracteriza como uma estratégia da classe dominante de ocultar as diferenças de classe.

A autora alega que:

A comunidade democrática ideal une seres humanos diferentes, todos livres e iguais sem suprimir suas diferenças nem negar suas

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necessidades sociais. Mas a “política de identidade” revela suas limitações, tanto teóricas quanto políticas, no momento em que tentamos situar as diferenças de classe na sua visão democrática. É possível imaginar as diferenças de classe sem exploração e dominação? A “diferença” que define uma classe como “identidade” é, por definição, uma relação de desigualdade e poder, de uma forma que não é necessariamente a das “diferenças” sexual ou cultural. Uma sociedade verdadeiramente democrática tem condições de celebrar diferenças de estilos de vida, de cultura ou de preferência sexual; mas em que sentido seria “democrático” celebrar as diferenças de classe? (WOOD, 2011, p. 221, grifos nossos).

Martins (2007) aponta-nos pontos de convergência entre os princípios do

programa do neoliberalismo de Terceira Via e as discussões que envolvem a temática

referente às políticas educacionais de reconhecimento e valorização da diversidade

cultural. Na citação a seguir, o autor evidencia esta questão afirmando que:

[...] a Terceira Via não se relaciona à construção de um projeto anti-capitalista, mas sim à melhor maneira de reformar o sistema, principalmente, no que diz respeito à sociabilidade, ou seja, reduzir os antagonismos em simples diferenças, minimizando-os como específicas a grupos de indivíduos para, com isso assegurar um equilíbrio social mais estável e duradouro da ordem do dia (MARTINS, 2007, p. 67, grifo meu).

A partir desses aspectos apontados pelos autores, levantamos alguns pontos para

reflexões que buscaremos abordar no decorrer da pesquisa: a) De que forma as políticas

educacionais de reconhecimento e valorização da diversidade são tratadas nos

documentos nacionais e internacionais mencionados? b) Qual a necessidade histórica de

implementação dessas políticas de respeito à diversidade? c) Qual o impacto das

orientações dos organismos internacionais no cenário das políticas educacionais

brasileiras e na formação educacional, atualmente? d) Observando o contexto em que

surgem estas políticas, pode-se afirmar que elas atendem aos interesses e princípios do

neoliberalismo de Terceira Via ou aos interesses dos trabalhadores?

4. Descrição e fundamentação da metodologia a ser usada

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A pesquisa será realizada a partir de uma análise documental e terá como fonte

principal os documentos produzidos pelos organismos internacionais e os documentos

de políticas públicas educacionais nacionais que tratam da temática referente ao

reconhecimento e valorização da diversidade cultural.

Assim, com o intuito de responder à problemática desta pesquisa,

apresentaremos as afirmações e apontamentos dos documentos sobre a diversidade

produzidos a partir da década de 1990 e, posteriormente, os aspectos políticos,

econômicos e ideológicos do individualismo burguês. Após termos realizado este

caminho, buscaremos a análise das possíveis relações entre o individualismo burguês e

a valorização da diversidade.

Os pressupostos teórico-metodológicos que pretendemos balizar nesta pesquisa

são aqueles desenvolvidos por Karl Marx e Friedrich Engels, intitulado de materialismo

histórico8. Esses pressupostos definem uma concepção de homem e de sociedade a

partir da qual nos pautaremos para a aproximação ao objeto em estudo e,

posteriormente, a forma e o conteúdo da pesquisa. A opção por essa via metodológica se

deu a partir da compreensão de que ela é a forma mais elevada de desvelar e

compreender o ser humano e tudo o que ele produziu.

De acordo com Netto (2011), pesquisar, na concepção de Marx, é buscar um

conhecimento teórico do objeto que se pesquisa, ou seja, é reproduzir no plano das

ideias o movimento real e as múltiplas determinações deste objeto, a fim de captar sua

essência. Sobre isso, Marx (1983, p. 20), no prefácio da Segunda Edição d’O Capital,

livro 1, tomo 1, afirma que é preciso: “[...] captar detalhadamente a matéria, analisar as

suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído

esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga

isso, e espelhada idealmente agora a vida da matéria, talvez possa parecer que se esteja

tratando de uma construção a priori”.

8 Sobre os pressupostos de Marx: “Avançando criticamente a partir do conhecimento acumulado, Marx empreendeu a análise da sociedade burguesa, com o objetivo de descobrir a sua estrutura e a sua dinâmica. Esta análise, iniciada na segunda metade dos anos de 1840, configura um longo processo de elaboração teórica, no curso de qual Marx foi progressivamente determinando o método adequado para o conhecimento veraz, verdadeiro da realidade social” (NETTO, 2011, p. 19).

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Desse modo, com seriedade, rigor teórico e metodológico e a finalidade última

de superação da ordem social do capital, tão bem empreendidas por Marx, é que

buscaremos apreender as múltiplas determinações que envolvem nosso objeto de

pesquisa, as políticas de reconhecimento e valorização da diversidade e sua possível

relação com o individualismo burguês, tendo em vista sua adesão nas políticas

educacionais brasileiras e consequentemente sua entrada nas escolas e salas de aula,

bem como suas graves consequências, em última instância, para a organização da classe

trabalhadora.

Observamos que uma das graves consequências que as políticas de valorização e

reconhecimento da diversidade podem gerar é a desmobilização da classe trabalhadora

como um todo, enquanto classe, no seu papel de superação da sociedade capitalista.

Pois, essas políticas visam fomentar a organização da sociedade civil em pequenos

grupos locais que devem lutar e se organizar para resolver os problemas locais que os

afeta. Além disso, suas formulações desautorizam organizações que ultrapassam esse

fator local e particular, afirmando que ele nega as diferenças ao colocar um objetivo

comum a diferentes grupos.

Assim, a produção do conhecimento, ou seja, a apreensão da realidade na via

dos pressupostos marxistas deve pautar-se em aspectos como rigor e seriedade, pois,

segundo Tonet (2013), o conhecimento é um instrumento de intervenção social e uma

abordagem equivocada desse instrumento pode gerar intervenções sociais equivocadas

e, assim, consequências não desejáveis.

Sendo assim, ressaltamos que é preciso atentar para o risco de ênfase na

subjetividade, pois ela impede a compreensão do real na sua totalidade e também

impede a possibilidade de crítica. Pois, ao enfatizar a subjetividade, perdem-se de vista

as relações sociais concretas, a esfera econômica, fazendo com que as lutas não se

concentrem em atingir as relações de produção, que originam os problemas sociais.

Sobre isso Wood (2011), ao tratar da questão da ênfase dada à valorização da

diversidade, aponta que ela oculta as relações sociais de produção, a desigualdade

social, pois ressalta apenas o aspecto subjetivo das diferenças/diversidade. Por isso,

nosso intuito é apresentar a questão do reconhecimento e valorização da diversidade em

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uma concepção que se baseie na compreensão de unidade entre subjetividade e

objetividade e do princípio econômico nesta relação.

REFERÊNCIAS

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